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Kindala Manuel Usada como base de infor- mação e comunicação não- verbal nos vários sectores da vida, a fotografia consiste basicamente em registar imagem numa superfície, com acção da luz. A sua invenção é atribuída ao fran- cês Joseph Nicéphore Niépce, entre os anos de 1822 e 1826, sendo desenvolvida mais tarde pelo compatriota Louis-Jacques Mande Daguerre. Em relação ao tempo de exposição, tama- nho do artefacto e qualidade da imagem, a fotografia foi patenteada oficialmente como criação francesa no dia 19 de Agosto de 1839. Apesar disso, dados his- tóricos deixam claro que o seu surgimento resultou do contributo de autores de diferentes campos do saber, que desenvolveram técnicas de observação e criação da imagem, séculos antes do francês Niépce. Em Angola, renomados fotógrafos que se destacaram nesta área, tanto antes como depois da Independência, consideram que o surgi- mento e massificação da fotografia no país teve início com o processo da coloni- zação portuguesa, nos anos de 1840 a 1900. A necessidade natural da imagem fez com que as fotos tivessem forte impacto na evolução dos periódicos que foram aparecendo na altura, como o Boletim Oficial, A Civilização da África Portu- guesa, o Echo de Angola, Kamba dia Ngola, A Província de Angola e outros. De acordo com o fotógrafo Carlos Alberto Guimarães, a popularidade do retrato urbano tomou conta de Luanda a partir do ano de 1900. A actividade era exer- cida maioritariamente por portugueses, detentores de estúdios, máquinas fotográ- ficas, revistas e jornais. Após ingressar no mundo da fotografia nos anos 60, por incentivo do pai, que também exercera a profissão, o nosso interlocutor teste- munha o predomínio das máquinas de fabrico francês “Laminute”, em formato de caixote de chapa 9/12, no interior do qual o fotógrafo tinha que colocar a cabeça, ficando coberto por um pano preto, para revelar a foto. Este foi o cenário da capital do país por longos anos, no período que antecedeu a Independência. Os “free- lancers” actuavam em zonas de movimento, como o mercado de São Paulo, Kinaxixi, jardins, conser- vatórias e lugares de con- centração populacional. “Uma boa parte dos fotó- grafos angolanos que surgi- ram no período pré e pós- Independência aprenderam a arte nos estúdios de por- tugueses, onde começaram como guardas, evoluindo mais tarde para empregados de limpeza. Os que se adap- tavam facilmente ganhavam a confiança dos patrões e tinham a oportunidade de aprender as técnicas de labo- ratório, tornando-se a seguir impressores. Só depois de adquirirem os conhecimen- tos de laboratório, eram admitidos como fotógrafos, mas ainda sob controlo do patrão, o dono do estúdio de fotografia”, contou. A partir de 1966, Carlos Guimarães trabalhou como repórter fotográfico do Centro de Informação e Turismo de Angola (CITA), instituição que tinha a função de fazer fotografia e cinema, ligados ao turismo e actividades governamentais. De acordo com o retratista, o CITA tinha também a missão de fornecer material informativo aos jor- nais que existiam na altura, como A Província de Angola, Jornal o Comércio, Diário de Luanda, revista Notícias e outros órgãos. Após o 25 de Abril, com a extinção do CITA, o grupo de fotógrafos constituído por Domingos José, um dos melhores técnicos de labo- ratório na altura, Lucas de Sousa, Veríssimo da Costa, André Maurício, Joaquim António Gouveia, Augusto Bernardo, Fernando Vieira, Alfredo Saraiva e Carlos Gui- marães foi enquadrado no Departamento de Fotografia e Cinema do Governo de Tran- sição, com a missão de cobrir todas as actividades da vés- pera e do dia de proclamação da Independência. Proclamação da Independência Carlos Guimarães conta que à medida que se aproximava o dia da Independência, houve necessidade de fazer a fotografia oficial do Presi- dente Agostinho Neto, com orientações expressas para que o retrato fosse colocado de imediato no aeroporto e no Palácio Presidencial. “No dia 4 de Novembro, chamaram-nos para fazer a fotografia oficial do Presi- dente e da família, mas a situação (de confrontação militar) que vigorava na altura não dava margem de tempo para o Presidente posar para a foto. Depois de várias tentativas, consegui- mos. Fizemos a impressão e entregámos ao Presidente Neto o pacote de retratos para o próprio escolher a foto oficial”. Segundo Carlos Guima- rães, o momento era de guerra, com o ataque das tropas inimigas a partir de Kifangondo. Acrescentou que, na véspera da Indepen- dência, o grupo de profis- sionais da Divisão de Fotografia e Cinema do Governo de Transição foi colocado em vários pontos da cidade de Luanda, com a finalidade de reportar os momentos mais marcantes que se viviam, cujo desta- que recaía para a Batalha de Kifangondo. Sob explosões que acon- teciam um pouco por toda a cidade capital, os fotógrafos não tiveram tempo de ir a casa e quase não dormiam, no período que antecedeu a proclamação da Indepen- dência, como garante o “kota” Guimarães. “Tínhamos uma equipa corajosa, que trabalhou até à exaustão nesta época, coordenada pelo mais velho Domingos José, pai do actual ministro das Rela- ções Exteriores de Angola. Num sistema de rotativi- dade, estávamos destacados em pontos estratégicos, para cobrir os acontecimentos ligados ao aeroporto, Palácio, movimento da população na periferia e os confrontos de Kifangondo”. Conta que, logo que repor- tassem o suficiente, desciam ao prédio do Palácio de Vidro com os rolos, que eram reve- lados de imediato e distri- buídos em seguida para os órgãos de comunicação. A fotografia oficial do Pre- sidente Agostinho Neto só chegou às mãos do nosso interlocutor no dia 9 de Novembro, com a orientação de colocá-la já em quadro, no Aeroporto 4 de Fevereiro, no dia seguinte. “Recordo-me que era uma foto num quadro do tamanho 80X120 cm, que colocámos na sala protocolar na manhã do dia 10, quando já havia delegacões internacionais a Em Angola, renomados fotógrafos que se destacaram nesta área, tanto antes como depois da Independência, consideram que o surgimento e massificação da fotografia no país teve início com o processo da colonização portuguesa, nos anos de 1840 a 1900. A necessidade natural da imagem fez com que as fotos tivessem forte impacto na evolução dos periódicos que foram aparecendo na altura, como o Boletim Oficial, A Civilização da África Portuguesa, o Echo de Angola, Kamba dia Ngola, A Província de Angola e outros HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO PAÍS chegarem para testemunhar a Independência”. “No dia 11 de Novembro de 1975, cobrimos a procla- mação da Independência no largo 1º de Maio, às zero horas. Às dez do mesmo dia, o acto solene da investidura do Presidente Agostinho Neto, no Governo da Província, e às 18 horas retratámos a festa da Independência que aconteceu no jardim do Palácio Presidencial”. Entretanto, logo após a Independência, os fotógrafos estrangeiros que trabalhavam em revistas e jornais apres- saram-se a abandonar o país, face à situação de guerra. Houve então necessidade de juntar um grupo de fotó- grafos angolanos experien- tes, junto ao Ministério da Comunicação Social, criando-se a “Agência de Fotografia ENFOTO”, onde na qual o nosso entrevistado desempenhou o cargo de director adjunto para a Área Técnica, até 1992. Com o surgimento do mul- tipartidarismo, nesse ano, houve abertura para o sur- gimento de órgãos de comu- nicação privados e a ENFOTO foi extinta, transformando- se em AFOTO. Por conta disso, parte dos fotógrafos tiveram que se tranferir para outros órgãos. Entre eles esta- vam Francisco Bernardo e Maurício Maquemba, para o Jornal de Angola, Veríssimo da Costa, para a Angop, San- tos Garcia, para Assembleia Nacional. Outros preferiram os jornais privados e revistas que surgiram na febre do momento democrático que então começava. O retrato e a evolução de uma arte que ainda ajuda a divulgar Angola Parte considerável dos fotógrafos angolanos que surgiu no período pré e pós-Independência aprendeu a arte nos estúdios de portugueses, onde começou como guarda, evoluindo mais tarde para empregado de limpeza, aprendiz de fotografia, fotógrafo e proprietário 4 DESTAQUE Segunda-feira 19 de Agosto de 2019

19 de Agosto de 2019 O retrato e a evolução de uma arte que …imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/326907274_reportagem.pdf · 2019. 8. 20. · guesa, o Echo de Angola, Kamba dia Ngola,

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Page 1: 19 de Agosto de 2019 O retrato e a evolução de uma arte que …imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/326907274_reportagem.pdf · 2019. 8. 20. · guesa, o Echo de Angola, Kamba dia Ngola,

Kindala Manuel

Usada como base de infor-mação e comunicação não-verbal nos vários sectoresda vida, a fotografia consistebasicamente em registarimagem numa superfície,com acção da luz. A suainvenção é atribuída ao fran-cês Joseph Nicéphore Niépce,entre os anos de 1822 e 1826,sendo desenvolvida maistarde pelo compatriotaLou i s - Jacque s MandeDaguerre. Em relação aotempo de exposição, tama-nho do artefacto e qualidadeda imagem, a fotografia foipatenteada oficialmentecomo criação francesa nodia 19 de Agosto de 1839.

Apesar disso, dados his-tóricos deixam claro que oseu surgimento resultou docontributo de autores dediferentes campos do saber,que desenvolveram técnicasde observação e criação daimagem, séculos antes dofrancês Niépce.

Em Angola, renomadosfotógrafos que se destacaramnesta área, tanto antes comodepois da Independência,consideram que o surgi-mento e massificação dafotografia no país teve iníciocom o processo da coloni-zação portuguesa, nos anosde 1840 a 1900.

A necessidade natural daimagem fez com que as fotostivessem forte impacto naevolução dos periódicos queforam aparecendo na altura,como o Boletim Oficial, ACivilização da África Portu-guesa, o Echo de Angola,Kamba dia Ngola, A Provínciade Angola e outros.

De acordo com o fotógrafoCarlos Alberto Guimarães,a popularidade do retratourbano tomou conta deLuanda a partir do ano de1900. A actividade era exer-cida maioritariamente porportugueses, detentores deestúdios, máquinas fotográ-ficas, revistas e jornais.

Após ingressar no mundoda fotografia nos anos 60,por incentivo do pai, quetambém exercera a profissão,o nosso interlocutor teste-munha o predomínio dasmáquinas de fabrico francês“Laminute”, em formato decaixote de chapa 9/12, nointerior do qual o fotógrafotinha que colocar a cabeça,ficando coberto por um panopreto, para revelar a foto.

Este foi o cenário da capitaldo país por longos anos, noperíodo que antecedeu a

Independência. Os “free-lancers” actuavam em zonasde movimento, como omercado de São Paulo,Kinaxixi, jardins, conser-vatórias e lugares de con-centração populacional.

“Uma boa parte dos fotó-grafos angolanos que surgi-ram no período pré e pós-Independência aprenderama arte nos estúdios de por-tugueses, onde começaramcomo guardas, evoluindomais tarde para empregadosde limpeza. Os que se adap-tavam facilmente ganhavama confiança dos patrões etinham a oportunidade deaprender as técnicas de labo-ratório, tornando-se a seguirimpressores. Só depois deadquirirem os conhecimen-tos de laboratório, eramadmitidos como fotógrafos,mas ainda sob controlo dopatrão, o dono do estúdio defotografia”, contou.

A partir de 1966, CarlosGuimarães trabalhou comorepórter fotográfico do Centrode Informação e Turismo deAngola (CITA), instituiçãoque tinha a função de fazerfotografia e cinema, ligadosao turismo e actividadesgovernamentais. De acordocom o retratista, o CITA tinhatambém a missão de fornecermaterial informativo aos jor-nais que existiam na altura,como A Província de Angola,Jornal o Comércio, Diário deLuanda, revista Notícias eoutros órgãos.

Após o 25 de Abril, coma extinção do CITA, o grupode fotógrafos constituído porDomingos José, um dosmelhores técnicos de labo-ratório na altura, Lucas de

Sousa, Veríssimo da Costa,André Maurício, JoaquimAntónio Gouveia, AugustoBernardo, Fernando Vieira,Alfredo Saraiva e Carlos Gui-marães foi enquadrado noDepartamento de Fotografiae Cinema do Governo de Tran-sição, com a missão de cobrirtodas as actividades da vés-pera e do dia de proclamaçãoda Independência.

Proclamação da IndependênciaCarlos Guimarães conta queà medida que se aproximavao dia da Independência,houve necessidade de fazera fotografia oficial do Presi-dente Agostinho Neto, comorientações expressas paraque o retrato fosse colocadode imediato no aeroporto eno Palácio Presidencial.

“No dia 4 de Novembro,chamaram-nos para fazer afotografia oficial do Presi-dente e da família, mas asituação (de confrontaçãomilitar) que vigorava naaltura não dava margem detempo para o Presidenteposar para a foto. Depois devárias tentativas, consegui-mos. Fizemos a impressãoe entregámos ao PresidenteNeto o pacote de retratospara o próprio escolher afoto oficial”.

Segundo Carlos Guima-rães, o momento era deguerra, com o ataque dastropas inimigas a partir deKifangondo. Acrescentouque, na véspera da Indepen-dência, o grupo de profis-s i ona i s d a D iv i s ão d eFotografia e Cinema doGoverno de Transição foicolocado em vários pontos

da cidade de Luanda, coma finalidade de reportar osmomentos mais marcantesque se viviam, cujo desta-que recaía para a Batalhade Kifangondo.

Sob explosões que acon-teciam um pouco por todaa cidade capital, os fotógrafosnão tiveram tempo de ir acasa e quase não dormiam,no período que antecedeua proclamação da Indepen-dência, como garante o“kota” Guimarães.

“Tínhamos uma equipacorajosa, que trabalhou atéà exaustão nesta época,coordenada pelo mais velhoDomingos José , pa i doactual ministro das Rela-ções Exteriores de Angola.Num sistema de rotativi-dade, estávamos destacadosem pontos estratégicos, paracobrir os acontecimentosligados ao aeroporto, Palácio,movimento da populaçãona periferia e os confrontosde Kifangondo”.

Conta que, logo que repor-tassem o suficiente, desciamao prédio do Palácio de Vidrocom os rolos, que eram reve-lados de imediato e distri-buídos em seguida para osórgãos de comunicação.

A fotografia oficial do Pre-sidente Agostinho Neto sóchegou às mãos do nossointerlocutor no dia 9 deNovembro, com a orientaçãode colocá-la já em quadro,no Aeroporto 4 de Fevereiro,no dia seguinte.

“Recordo-me que era umafoto num quadro do tamanho80X120 cm, que colocámosna sala protocolar na manhãdo dia 10, quando já haviadelegacões internacionais a

Em Angola, renomadosfotógrafos que se

destacaram nesta área,tanto antes como depois daIndependência, consideram

que o surgimento emassificação da fotografiano país teve início com oprocesso da colonizaçãoportuguesa, nos anos de

1840 a 1900. A necessidadenatural da imagem fez comque as fotos tivessem forteimpacto na evolução dosperiódicos que foramaparecendo na altura, como o Boletim Oficial, A Civilização da ÁfricaPortuguesa, o Echo de Angola, Kamba

dia Ngola, A Provínciade Angola e outros

HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO PAÍS

chegarem para testemunhara Independência”.

“No dia 11 de Novembrode 1975, cobrimos a procla-mação da Independência nolargo 1º de Maio, às zero horas.Às dez do mesmo dia, o actosolene da investidura doPresidente Agostinho Neto,no Governo da Província,e às 18 horas retratámos afesta da Independência queaconteceu no jardim doPalácio Presidencial”.

Entretanto, logo após aIndependência, os fotógrafosestrangeiros que trabalhavamem revistas e jornais apres-saram-se a abandonar o país,face à situação de guerra.Houve então necessidadede juntar um grupo de fotó-grafos angolanos experien-tes, junto ao Ministério daComun i c a ç ã o S o c i a l ,criando-se a “Agência deFotografia ENFOTO”, ondena qual o nosso entrevistadodesempenhou o cargo dedirector adjunto para a ÁreaTécnica, até 1992.

Com o surgimento do mul-tipartidarismo, nesse ano,houve abertura para o sur-gimento de órgãos de comu-nicação privados e a ENFOTOfoi extinta, transformando-se em AFOTO. Por contadisso, parte dos fotógrafostiveram que se tranferir paraoutros órgãos. Entre eles esta-vam Francisco Bernardo eMaurício Maquemba, parao Jornal de Angola, Veríssimoda Costa, para a Angop, San-tos Garcia, para AssembleiaNacional. Outros preferiramos jornais privados e revistasque surgiram na febre domomento democrático queentão começava.

O retrato e a evolução de uma arteque ainda ajuda a divulgar Angola

Parte considerável dos fotógrafos angolanos que surgiu no período prée pós-Independência aprendeu a arte nos estúdios de portugueses,

onde começou como guarda, evoluindo mais tarde para empregado delimpeza, aprendiz de fotografia, fotógrafo e proprietário

4 DESTAQUE Segunda-feira19 de Agosto de 2019

Page 2: 19 de Agosto de 2019 O retrato e a evolução de uma arte que …imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/326907274_reportagem.pdf · 2019. 8. 20. · guesa, o Echo de Angola, Kamba dia Ngola,

O pesquisador de cinemae fotografia, Nambi Wander-ley Vieira Quintino revelouque o surgimento e massi-f icação da fotografia emAngola resume-se a três épo-cas distintas: “do períododa colonização até à Inde-pendência, da época pós-Independência até 1992, edesta ao tempo actual”.

De acordo com a pesquisaque serviu para a sua tese delicenciatura, no Curso de Ciên-cias da Comunicação, em2010, o fotógrafo e docenteuniversitário explica que aprimeira fase foi dominadabasicamente pelos fotógrafosportugueses, com destaquepara a mudança brusca, em1948, com o slogan “Vamosdescobrir Angola”, lideradopor Viriato da Cruz. Ao processojuntaram-se fotógrafos e entu-siastas de todas as raças deAngola, começando a retrataro país de lés a lés. Documen-taram todos os aspectos davida quotidiana angolana e,ao mesmo tempo, vários anó-nimos faziam os álbuns defamília e fotos publicitárias”.

Como segundo momentoaponta a “Era da conquista ereforma”. Explicou que operíodo pós-Independênciaa 1992, logo no início, foi carac-terizado pela afirmação dosnacionais. Nessa altura, acres-centa, os autóctones queganharam a simpatia dos colo-nos, então patrões, ficaramcom os estúdios de fotografiaque estes deixaram na horada fuga. Desta forma, algunsnacionais tornaram-se patrões.

“Os angolanos assumemassim a liderança da fotografiaem Angola”. Destaca também,após o 27 de Maio de 1977, ocontrolo da fotografia institu-cional pelo Estado, com a cria-ção da Agência de FotografiaENFOTO-DIPE, que era respon-sável pela cobertura de acti-vidades governamentais.

“Grande parte dos fotógrafosao serviço do Estado, nestaépoca, receberam capacitaçãoe formação no exterior, comdestaque para Rússia, Bulgáriae Alemanha. Internamente, aformação foi orientada por pro-fessores cubanos”, salientou.

O antigo director executivoda Revista Talentos, NambiWanderley explicou que partedos fotógrafos que surgiramde 1992 em diante receberamexperiência e ensinamentosdos mais velhos da época ante-rior, 1975 a 92.

Para o professor, que lec-ciona a cadeira de Escrita paraos media, Fotojornalismo eTécnicas de Imprensa, no Ins-tituto Superior e Politécnicode Angola (ISIA), a terceiraépoca, de 1992 ao tempo actual,é considerada era do “boom”da fotografia em Angola. Taxacomo o período em que seregistou o surgimento e mas-sificação de fotógrafos, commaior destaque para Luanda.

“Com o êxodo populacionaldo interior para as grandes cida-des, devido ao recrudescimentoda guerra em 92, os médicos denacionalidade vietnamita, quetrabalhavam em Angola, viramno grupo de jovens em idadeactiva, concentrados em Luanda,

a oportunidade de investiremna fotografia. Importaramlaboratórios fotográficos,máquinas semi-profissionaise profissionais e instalaram-se em pontos estratégicos dacidade. Venderam máquinasa baixo custo e lançaram preçosatraentes nos laboratórios”.

Desta forma, resume, sur-giram vários fotógrafos queploriferaram os jardins, con-servatórias, festas de aniversárioe de casamento, campos defutebol e outros lugares, sus-tentando famílias, através do“click” da máquina fotográfica,numa profissão em que muitosainda persistem até ao momento.

De acordo com o docenteuniversitário, em Angola nãohá escolas para ensino específicoda fotografia. Revelou existiremassociações que têm contri-buído para o efeito, na vertenteprática e direccionada aos asso-ciados. Dada a sua importância,o fotojornalista considera queo ensino da fotografia deveriaser implementado nas escolasa partir do ensino primário.

Quanto ao associativismofotográfico em Angola, garanteque é débil, a julgar pelodesempenho das poucas ins-tituições que existem, tendoem conta a falta de projectose programas que satisfaçamos interesses dos associados.

“Infelizmente, as pessoasainda entram no associativismofotográfico, pensando satisfazerinteresses pessoais. Enquantoassim for, dificilmente teremosinstituições capazes de ajudaro desenvolvimento da activi-dade em Angola” .

Três épocas marcam a FotografiaCarmona Somanoé conhecidonas lides da fotografia urbanacomo um dos mentores doretrato comercial luandense.O renomado artista de imagem,da era pré e pós-Independência,aprendeu a profissão nos labo-ratórios de fotógrafos portu-gueses, nos idos anos de 1963.

Durante a década de 1960,colaborou, como “freelancer”,nos jornais “ABC”, “Diário deLuanda”, “Província de Angola”,“Jornal o Comércio” e no CITA(Centro de Informação e Turismode Angola. A seguir, foi fotografodo Instituto Nacional de Estradas(INE), tendo contribuído parao registo histórico das vias nacio-nais, entre os anos 1970 e 90.Em 1976, fundou a casa defotografia “Foto Carmona”,estúdio que se notabilizou naépoca, nos arredores da IgrejaSagrada Família, bairro Macu-lusso. À época, outras casas,destacaram-se, igualmentecomo as fotos Ventura, Zoom,Bel'arte, Feliz ...

“Dada a sua importância,naquela época, fazer fotografiaera uma profissão nobre e pro-

duzia riqueza e dignidade aquem a exercia. Fui um homemrespeitado na altura. Construía vida e família com os pro-ventos desta arte”, revelou.“Nos anos 70, quem viesse dointerior para Luanda tinha acasa Carmona como preferênciapara fazer fotografia para todosos gostos”, explica o mais velho,76 anos, com a voz trêmula. Arecuperar de trombose, que

lhe paralisou parcialmente osmembros, superior e inferior,do lado esquerdo, lembra comnostalgia a contribuição dassuas imagens para o conheci-mento da História de Angola epreservação da identidade dasfamílias angolanas. Em 1976,fundou a Associação dos Fotó-grafos de Angola (AFA), quevisa a defesa dos interessesdos associados.

O criador da Foto Carmona

Segunda-feira19 de Agosto de 2019 5DESTAQUE

Conheceua fotografia nos anos 1960, na alturacom 13 anos, quando foi sido detido pelastropas coloniais, nas matas de Nambuangongo,Bengo. Paulino Damião, conhecido por Cota50, foi dos pioneiros da reprodução da fotografiarudimentar e artística, produzida com umacâmara escura, com forma de caixote inventadoentre os anos 70 e 80.

De acordo com o próprio, a caixa servia delaboratório, dando possibilidade de fazer afoto e ao mesmo tempo a revelação.

“Nela, continha um orifício com aberturado tamanho de uma agulha, que, à medida dotempo e da necessidade, ia alargando. A velo-cidade era uma tampa que abria e fechava ins-tantaneamente. Podia ser ao lado ou de cimapara baixo e ao sinal da contagem”, explicou.

Com a máquina de furo, acrescenta, metia-se o papel que servia de película. “Este era aprimeira foto já tirada pela própria máquina,o chamado negativo. Encostava-se com umpedaço de madeira à primeira foto, que, emseguida, era refotografada. A imagem voltava

para a máquina e dava lugar à segunda foto,o positivo, que dava a fotografia acabada”.

Fotojornalista reformado da Edições Novem-bro EP, destaca na sua carreira a coberturados Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1980,na companhia do então jornalista Víctor Silva,actual PCA da empresa. Conta que, por ser oúnico fotojornalista negro na altura, a suapresença despertou a atenção do público nosestádios, o que suscitou curiosidade de algunsórgãos de comunicação. Consta também noseu registo histórico a cobertura da primeiravisita do Presidente Agostinho Neto ao Jornalde Angola, em 1976, data que marcou amudança do nome de Província de Angolapara Jornal de Angola.

Cota 50 lembra a cobertura de papas aAngola, João Paulo II, no mês de Junho de1992, e papa Bento XVI em Março de 2009, dequem afirma ter recebido uma medalha queguarda como lembrança. Paulino Damiãodedica-se actualmente à fotografia artísticae da natureza, para fins de exposição.

FOTO

S: CARLOS GU

IMARÃES

Cota 50, brilhou nos JogosOlímpicos de Moscovo