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Revista de Teoria da História Ano 1, Número 3, junho/ 2010 Universidade Federal de Goiás ISSN: 2175-5892 20 Cultura Política e Historiografia Alemã No Século XIX: A Escola Histórica Prussiana e a Historische Zeitschrift. Professor Adjunto de Teoria da História Julio Bentivoglio PPGHIS-UFES E-mail: [email protected] RESUMO A constituição da ciência histórica alemã no século XIX coincidiu com um momento ímpar da própria história da Alemanha – o processo de unificação política e de formação do Império – no qual a investigação histórica esteve direta ou indiretamente relacionada à emergência do nacionalismo e à política prussiana. Naquele período, duas escolas históricas se tornaram referências aos jovens historiadores: a escola rankeana e a escola histórica prussiana. Este artigo pretende caracterizá-las e discutir a formação da cultura historiográfica germânica oitocentista tomando como referência a Historische Zeitschrift. Palavras-Chave: teoria da história; história intelectual; historiografia alemã; século XIX. ABSTRACT The constitution of the German historical science in the nineteenth century coincided with an unprecedented moment of the history of Germany – the process of political unification and formation of the Empire – in which historical research was directly or indirectly related to the emergence of nationalism and Prussian policy. At that time, two schools have become historical references to young historians: the Rankean school and the Prussian Historical Pchool. This article aims to characterize them and discuss the formation of the 19 th century Germanic cultural historiography taking the Historische Zeitschrift like reference. Keywords: theory of history; intellectual history; german historiography; nineteenth century. Tarefa difícil definir escolas históricas, delimitando-as num certo tempo e espaço, localizando suas idéias de força e os elementos que conferem identidade aos historiadores que as compõem. Um recurso que permite um primeiro passo

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Cultura Política e Historiografia Alemã No Século XIX: A Escola Histórica Prussiana e a Historische Zeitschrift.

Professor Adjunto de Teoria da História

Julio Bentivoglio PPGHIS-UFES

E-mail: [email protected]

RESUMO A constituição da ciência histórica alemã no século XIX coincidiu com um momento ímpar da própria história da Alemanha – o processo de unificação política e de formação do Império – no qual a investigação histórica esteve direta ou indiretamente relacionada à emergência do nacionalismo e à política prussiana. Naquele período, duas escolas históricas se tornaram referências aos jovens historiadores: a escola rankeana e a escola histórica prussiana. Este artigo pretende caracterizá-las e discutir a formação da cultura historiográfica germânica oitocentista tomando como referência a Historische Zeitschrift. Palavras-Chave: teoria da história; história intelectual; historiografia alemã; século XIX.

ABSTRACT The constitution of the German historical science in the nineteenth century coincided with an unprecedented moment of the history of Germany – the process of political unification and formation of the Empire – in which historical research was directly or indirectly related to the emergence of nationalism and Prussian policy. At that time, two schools have become historical references to young historians: the Rankean school and the Prussian Historical Pchool. This article aims to characterize them and discuss the formation of the 19th century Germanic cultural historiography taking the Historische Zeitschrift like reference. Keywords: theory of history; intellectual history; german historiography; nineteenth century.

Tarefa difícil definir escolas históricas, delimitando-as num certo tempo e

espaço, localizando suas idéias de força e os elementos que conferem identidade

aos historiadores que as compõem. Um recurso que permite um primeiro passo

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nesta direção é analisar seus expoentes, bem como sua produção o que,

invariavelmente, nos leva a um determinado periódico. Tal como podemos

vislumbrar uma escola dos Annales nas páginas da revista homônima ou uma Nova

Esquerda Inglesa nos artigos da New Left seria possível identificar uma Escola

Histórica Prussiana nas páginas da Historische Zeitschrift?

Lamentavelmente a historiografia alemã durante o século XIX foi reduzida

a uma imagem distorcida e caricata de um historiador só: Franz Leopold von

Ranke. Como se toda a produção historiográfica germânica adotasse a escrita

rankeana da história. Essa imagem duradoura que surge ainda hoje em certas

interpretações (FUNARI & SILVA, 2008) oblitera a existência de diferentes escolas

– ou movimentos – em solo alemão durante o oitocentos, das quais se destacaram

de um lado Ranke e seus seguidores e de outro a Escola Histórica Prussiana, tal

como localizam os intérpretes (Iggers, 1983) (SOUTHARD, 1995). É este o objeto

das linhas que se seguem, discutir a historiografia germânica em suas linhas mais

gerais e analisar o contexto histórico em que foi produzida, tomando como

referência a Historische Zeitschrift (Revista Histórica), criada por Heinrich von

Sybel em 1859, periódico que existe até hoje e oferece um panorama bastante

sensível da produção historiográfica alemã.

Em Michel de Certeau (2002) encontramos uma chave analítica acurada

para se pensar a operação historiográfica e, por conseguinte, a produção individual

e coletiva dos historiadores, visto ser resultante da relação entre determinados

processos de institucionalização – os lugares –, a conformação de determinadas

regras ou métodos – as práticas – e, por fim, a expressão e materialização de um

saber consubstanciado em regimes de escrita. Em outras palavras, nesta operação

observa-se a reprodução de algumas estratégias funcionais: a institucionalização e

reunião em torno de centros universitários privilegiados, a adoção de

procedimentos metodológicos semelhantes e o exercício de uma forma de escrita,

que, a seu modo, privilegia um periódico particular; responsável por integrar os

sujeitos do saber, as práticas e os circuitos de circulação do conhecimento

histórico, produzindo um vínculo entre as universidades, os historiadores, as

associações científicas e os arquivos, garantindo a gênese e a divulgação das idéias

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do grupo. Longe de querer propor um esquema, tenho me convencido de que as

escolas históricas dos séculos XIX e XX parecem seguir um certo desenho: sua

duração – constituição e influência – não costuma exceder um século; orientam-se

a partir de um grande centro, uma universidade que se destaca e projeta suas

obras históricas que são reconhecidas e traduzidas em outros países1 e, por fim,

cujo programa e identidade do grupo é cristalizado por meio de um instrumento

de difusão fundamental, uma revista, uma coleção, uma série. Seria possível

localizar ainda outras iniciativas que consubstanciam as escolas, relacionadas ao

acesso e controle privilegiado de certas fontes. Senão vejamos, a Escola Histórica

Prussiana sediada na Universidade de Berlim tornou-se pujante já em meados de

1840, notabilizou-se pela publicação da Monumenta Germanicae Historica e uma

das referências centrais do grupo foi a Historische Zeitschrift , tendo seu ocaso

ocorrido em meados da virada do século após a querela de Karl Lamprecht.2

O interesse por este tem surgiu-me em meados de 2003, quando me

convenci de que os historiadores alemães oitocentistas tinham sido reduzidos a

um lugar-comum. A emergência da história produzida na Alemanha atualmente,

que é bastante conhecida pelos leitores brasileiros, a partir, sobretudo, do contato

com Gumbrecht (2003), Rüsen 2001) e Koselleck (2006), conduziu-me ao

pensamento histórico germânico do século XIX. E revelou que ele não passava

exclusivamente pela obra de Ranke, que ainda hoje é muito mal-conhecida3, mas

também por Niebuhr, Droysen e Gervinus, estes dois últimos expoentes da

chamada Escola Histórica Prussiana. Da leitura destes historiadores estampou-se a

urgência para que sua obra fosse estudada. Assim surgiram as traduções do

1 E é curioso que quase todos estes historiadores iniciam sua carreira em alguma universidade periférica e depois migram para um pólo maior e mais importante na área. Deste centro passam a peregrinar e conferenciar em outros centros importantes, em outras universidades dentro e fora de seu país. 2 A escola metódica francesa, composta por Monod, Fagniez, Langlois e Seignobos dentre outros, de modo semelhante, aglutinou-se em torno da Revue Historique de 1876 – nome idêntico à revista alemã – e da Sorbonne irradiando um tipo de escrita da história que depois seria combatida por uma nova escola, os Annales, que inicia suas atividades a partir de 1929 na revista homônima, Bloch e Febvre também se deslocam de Estrasburgo para a Sorbonne e até o final do século XX foram uma influente corrente historiográfica. A micro-história segue padrão similar, nas páginas dos Quaderni Storici. 3 Basta lembrar que, a rigor, existem apenas dois ensaios sobre o pensamento deste autor, o primeiro redigido por Sérgio Buarque de Holanda (1981) e o último, publicado em 2010, por sinal uma análise que nada deixa dever ao célebre historiador, de autoria de Sérgio da Mata (2010).

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Manual de Droysen (2009) e dos Fundamentos de teoria da história (2010) de

Gervinus. O despertar epistemológico da História, vivido na Alemanha do século

XIX referenda um momento singular em que o pensamento histórico, ou suas

idéias-força parecem tomar consciência de si, historicizando-se, situando seus

lugares e sua pertença, confrontando sua própria história e projetando-se no

futuro. Nascia a ciência histórica. Outro detalhe importante era a convergência

particular de ciência e política, visto existir um diálogo intenso entre pensamento

histórico e ação política, haja vista a história subsidiar e ser subsidiada pelo debate

político em torno da unificação alemã, dos conflitos territoriais e do nacionalismo

emergente de tal maneira que nem mesmo Ranke escapou a isso; o que por si

desmistifica a interpretação ingênua e os ataques desferidos contra seu pretenso

apartidarismo. Ao contrário de Karl Marx, cujas obras históricas procuravam

produzir ação junto ao povo, em particular os trabalhadores, aqueles historiadores

prussianos escreviam para os príncipes e para a burguesia, embora não

desprezassem o diálogo junto à opinião pública, mas para isso se serviam da

imprensa.

Como se trata de uma pesquisa em desenvolvimento, talvez existam mais

perguntas e indícios que respostas categóricas neste artigo. A meta, bastante

modesta, será pensar a Escola Histórica Prussiana a partir da Revista Histórica,

uma das primeiras do gênero em todo o mundo. Ela foi anterior às congêneres:

Revue Historique (1876) dos metódicos Monod e Fagniez, English Historical Review

(1886) fundada na Univesidade de Oxford ou os Annales (1929) de Marc Bloch e

Lucien Febvre. E também relacioná-la com um perfil e uma análise sobre a

trajetória dos historiadores que a compunham. Este texto expressa, portanto, tanto

a necessidade da desfiguração de lugares-comuns da historiografia alemã durante

o século XIX, quanto as dificuldades inerentes àqueles que se enveredam pelo

estudo da história da historiografia. E vai enfatizar a convergência entre o

desenvolvimento da ciência histórica alemã e o processo de unificação política.

Vínculo, por sinal, percebido por um dos historiadores alemães mais conhecidos do

período, ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1904, Theodor Mommsen: Eis o horizonte do futuro: organizar o Estado institucionalizado de forma que o comércio alemão, a manufatura alemã, a arte alemã, a ciência

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alemã, a sociedade alemã e a vida alemã continuem equiparadas ou se equiparem ao poder da nação. (THEODOR MOMMSEN, 1871, Apud MARTINS, 2010)

Em muitas alusões à historiografia alemã do século XIX é comum referirem-

se a ela como sendo positivista, factual e conservadora (FUNARI & SILVA, 2008).

Pesa sobre aqueles historiadores e, em especial, sobre o pai desta história alemã o

anátema de uma condenação categórica, afinal Ranke parece ser a síntese de tudo

aquilo que não se deve fazer em História, algo que poderia ser resumido numa

fórmula: “narrar os fatos como aconteceram, ser objetivo e imparcial (Cf.

CARDOSO, 1988). Como se fosse fácil resolver estas questões em um autor cuja

obra é tão vasta quanto complexa1. Creio que sob esta censura ataviaram

exatamente aquilo que todo historiador deveria evitar: reproduzir acriticamente

uma máxima, incorrer em anacronismo e não tomar toda uma historiografia a

partir de apenas um representante. Esta é a primeira imagem a ser desfigurada,

que elimina esta leitura reducionista, superficial e equivocada.

A complexidade da definição para o que recentemente surge sob a rubrica

de história da historiografia exige que algumas advertências sejam levantadas. A

primeira remete à própria historicidade do conceito de historiador, um léxico

antigo que sofreu mutações no pensamento ocidental em meados do século XIX,

quando se passou a distinguir historiadores de cronistas ou de memorialistas. A

segunda ao problema da relação autor(es) e obra(s), ou ainda, num sentido mais

amplo, da construção de identidades em um grupo específico de historiadores. De

certo modo, esta questão é a mesma que ocorre nos estudos consagrados à história

intelectual, embora em outro registro. Nos estudos franceses consagrados ao tema,

destacam-se os trabalhos de Jean-François Sirinelli e de Michel Winock com uma

ênfase sociológica sobre as cartografias de intelectuais, suas redes de solidariedade

e de oposição, seus modos de integração e em torno da formação de gerações

(SILVA In: LOPES, 2006:15s). A referência maior é o pensamento de Pierre

Bordieu, sobretudo em suas noções de campo e de habitus (SILVA In: LOPES,

2006:16). A esta influência francesa existe uma outra da New Intellectual History

1 Concordo com Sérgio da Mata (2010) acerca da existência de um verdadeiro mito historiográfico a respeito de Ranke.

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anglo-saxã, que entende o texto como uma relação de forças, um nexo entre

perspectivas e níveis diversos que se configuram em determinadas obras e autores

(KIRSCHNER in: LOPES, 2006:33). Nesta tendência temos a influência sedutora da

hermenêutica filosófica e do desconstrucionismo derridadiano e seu maior

expoente é, sem dúvida Dominick La Capra (KIRSCHNER in: LOPES, 2006:34-5).

Hayden White, a meu ver, apresenta um diagnóstico bastante elucidativo acerca do

campo. Ele se divide entre os analistas que 1) assumem uma posição de acordo com uma ou mais das hermenêuticas clássicas do século XIX (Hegel, Dilhey, Marx, Freud) ou seus herdeiros do século XX; 2) advogam uma teoria filológica neohumboldtiana da linguagem ultimamente reelaborada e refinada por Gadamer e Ricoeur, ou então 3) subscrevem abertamente a teoria pós-saussuriana do signo lingüístico, dos quais são expoentes, ainda que de forma diferenciada Foucault e Derrida (WHITE, 1990:187-8).

Neste registro, pode-se ponderar que, a seu modo, Pocock e Skinner quando

subsumem as criações individuais a um contexto maior, não deixam de ter sua

utilidade para a história intelectual e para a própria história da historiografia (Cf.

JASMIN & FERES JÚNIOR, 2007). Evidentemente, é preciso considerar as críticas de

David Harlan ao chamado contextualismo, sobretudo em Skinner, com sua

hermenêutica de fundo romântico ancorada na proposta teórica de resgate das

intenções originais do autor (HARLAN, 1989:585). Ponto alto das contribuições

recentes, sem dúvida devem ser localizados tanto em Koselleck, quanto em Jörn

Rüsen, visto ambos terem dedicado estudos ao problema da historiografia e de

como deve ser subsumido à análise da consciência histórica (KOSELLECK, 2003,

RÜSEN, 2008). Como se vê, o exercício de crítica historiográfica a respeito da

história da historiografia não é algo fácil. Embora existam trabalhos clássicos1 a

tarefa apresenta algumas dificuldades, sobretudo acerca da melhor maneira de

avaliar o sentido e o efeito produzido pelas obras. Acrescente-se aí os problemas

inerentes de crítica, ou análise. Ou, como nas palavras de Barthes: A crítica funciona ordinariamente (não é uma censura), quer ao microscópio (esclarecendo com paciência cada pormenor filológico, autobiográfico ou psicológico da obra), quer ao telescópio (perscrutando o grande espaço histórico que envolve o autor) (2004:27).

1 A lista de autores é exaustiva, mas, dentre eles se destacam Croce (1953), Momigliano (1993), Gooch (1959), Collingwood (1972) e Iggers (1983) dentre outros.

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Numa tentativa de síntese eu diria que o debate a respeito da história da

historiografia está marcado ora pela ênfase na constituição do autor (e da autoria –

sua formação, mestres, conceitos-chave), ora pelo problema da publicação das

obras (e do que elas querem dizer), ora pelo do seu efeito (sua aplicação em outras

obras), ora pelo recurso à contextualização (pontos de inserção e de dispersão em

um determinado lugar e período, ou ainda face às disputas existentes). A

empreitada se torna ainda mais árdua quando, em meio às diferenças de formação

e de orientação epistemológica se procuram identidades que configurem a

existência de uma geração ou de um grupo suprimindo, muitas vezes,

singularidades, quando não, elidindo a própria autoria, dissolvendo-a em práticas

ou em ideários coletivos. O desafio, portanto, é o de discutir a experiência daqueles

historiadores e sua trajetória política e historiográfica para compreender seu

percurso intelectual no contexto da unificação alemã, sem diluir trajetórias

individuais em uma imagem coletiva, a fim de restituir vida àqueles historiadores

embalsamados por clichês, trazendo ao primeiro plano da cena os que foram

eclipsados pela magnitude de Ranke. Retratá-los não como figuras ingênuas da

historiografia alemã oitocentista ou meros intelectuais conservadores e

monarquistas, mas como historiadores complexos vivendo em um período

dramático da história européia. Em se tratando da apresentação de alguns

resultados preliminares creio que talvez estes pressupostos não estejam

plenamente atingidos neste artigo, pois ele apresenta um momento de uma

pesquisa em andamento, não tendo a pretensão de ser conclusivo.

O espaço de tempo vivido entre 1806 e 1871 é crucial para se entender a

história alemã. Entre a derrota fragorosa em Iena para Napoleão Bonaparte e a

vitória sobre a França e anexação dos territórios de Alsácia e Lorena por Otto von

Bismarck, que marcaram a fundação do Império Germânico, ocorreram eventos

que distinguiram a emergência do nacionalismo alemão e o comportamento dos

estados germânicos em meio ao processo de unificação que seria capitaneado pelo

Reino da Prússia. A ocupação napoleônica marcou a emergência do nacionalismo e

o desejo de integração alemã. Os excessos da Revolução Francesa e de Napoleão atiçaram os incipientes sentimentos nacionais das pessoas e fizeram-nos irromper

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em impiedosas labaredas. A nacionalidade tomou o lugar da humanidade. Ao esforço para se realizar uma cultura humana de caráter universal, seguiu-se o que visava consolidar uma cultura nacional (...). e a própria ciência da história nada hoje com bela desenvoltura na torrente nacional (SCHÄFER, 1884:I).

Vale lembrar, contudo, que em 1815 não havia instituições representativas

na Prússia, mas já as havia na Bavária, em Baden e em Wüttemberg. De qualquer

modo, para a maioria dos historiadores alemães, a dominação napoleônica evocou

o nacionalismo germânico. Breuilly indica que entre 1815 e 1848 teria havido uma

dominação cooperativa entre austríacos e prussianos dos estados germânicos

(2002:27). Não creio. A exclusão da Áustria do Zolllverein deixa isso muito claro. Em termos bem simples, as elites alemãs – em especial, a velha classe agrofeudal em declínio material, inúmeros magnatas em ascensão na indústria e nos bancos, e os professores universitários – passaram a se ver como guardiães do caráter especial da nação: pensavam ou imaginavam que a Alemanha estava sendo assediada por um conluio de inimigos externos e, mais importante, de inimigos internos (STERN, 2004:13).

Os historiadores não poderiam fugir a estas demandas. Concomitante a

estes eventos formava-se a ciência histórica e se constituía uma esfera pública

onde começava a se destacar a figura do intelectual ocupando espaço privilegiado

no cenário político, na burocracia estatal e se projetando junto àquela sociedade

aristocrática. E muitos destes intelectuais foram, depois de Leopold von Ranke,

historiadores, tal como Georg Gervinus, Johann Gustav Droysen, Karl Wecker,

Friedrich Dahlmann, Georg Waitz, Heinrich von Sybel, Maximilian Duncker, Karl

Rotteck, Ludwig Häusser, Theodor Mommsen, Rudolf Haym, Heinrich Treitschke e

Hermann Baumgarten, que pareciam ter o estudo do passado e a atuação política

no presente como vocações. A atividade deles foi marcada não somente pelo vivo

sentimento de agir integrando o pensamento histórico e seus conceitos às palavras

de ordem usadas na imprensa e na luta política, mas também por um compromisso

com determinadas forças e seus projetos políticos. O objeto contemplado, portanto,

parece ilustrar um expressivo ponto de convergência no qual história intelectual,

história e historiografia se articulam, numa constelação particular, que projetou

historiadores e a própria história, intelectual e cientificamente, influenciando

gerações de políticos na Alemanha e também de historiadores em toda Europa e

em várias partes do mundo. Só para se ter uma idéia do destaque dos historiadores

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nesta esfera pública em formação, basta lembrar que muitos deles foram

conselheiros políticos, editores de jornais, deputados gerais ou ministros.

O próprio Ranke não escapou a este processo, pois editou o Politisch-

historiche Zeitschrift entre 1832 e 1836 a pedido da Casa de Brandemburgo, bem

como foi conselheiro do rei Frederico IV da Prússia e de Maximiliano I da Baviera

(BREISACH, 2007:262). O Historisch-Politische Zeitschrift foi criado a pedido do

conde de Bernstorff, o ministro dos Estrangeiros, que em 1833 tinha duas metas

claras: combater os radicais liberais de esquerda e afirmar a autoridade do

governo prussiano face às exigências do liberalismo político (IGGERS, 1983:70). O

von em seu sobrenome indica o título de nobreza (barão) por ele obtido em 1865.

E vale lembrar que suas aulas eram concorridas, freqüentadas não somente por

estudantes, mas também por autoridades, militares, políticos, profissionais liberais

e até integrantes da burocracia prussiana. Nem ele pode fugir do reflexo que as

guerras napoleônicas e depois a Restauração tiveram sobre a formação do

nacionalismo (Cf. HOBSBAWM, 1991) que ia ao encontro do interesse crescente

pelo estudo das raízes históricas das diferentes nações européias, o que colocava a

história como tematizadora do pensamento social. Não por acaso este processo foi

acompanhado pela presença triunfante do historicismo como um verdadeiro

paradigma adotado em vários saberes em formação (MEINECKE, 1997). Ao mesmo

tempo, nesta ânsia pelo vivido, evidentemente que as técnicas e a natureza da

própria história também foram revistas1, explicitando a gênese de uma nova

consciência histórica na qual os historiadores redimensionavam suas experiências,

seus projetos e a historicidade do momento em que viviam. Assim, tanto o passado

quanto os saberes produzidos sobre ele viveram um despertar epistemológico que

pode ser detectado em vários momentos.

O primeiro destes momentos é a referência quase obrigatória ao

pensamento histórico de Chladenius, que em sua Algemeine Geschichtswissenchaft

de 1752 havia indicado o percurso metodológico mais adequado para se estudar o

passado. Sua obra balizou a crítica e a escrita da história germânicas ao destacar o

ponto de vista dos sujeitos históricos e dos historiadores-narradores, revelando 1 É curioso neste sentido ver a hesitação e o uso feito por Ranke do termo Historie em lugar de Geschichte (RANKE, 2010) em muitas passagens de sua obra.

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que o conhecimento histórico é marcado pela crítica, tanto da perspectiva do

historiador quanto dos testemunhos. O que não significa exatamente a aceitação de

que os estudos históricos estejam contaminados pela sua subjetividade, mas o

reconhecimento da existência da própria subjetividade, ferramenta imprescindível

para uma correta compreensão, outro conceito fundamental por ele empregado e

que seria fundamental na constituição do método histórico posteriormente. A

crítica dos testemunhos, a compreensão do passado e a busca pela objetividade

conheceram em Chladenius um crítico veemente do ceticismo ou do relativismo na

História.

O segundo momento reside na obra de Barthold Niebuhr, sobretudo

sua História romana, na qual desenvolveu inovadoras técnicas de crítica histórica

documental, buscando evitar tanto o anacronismo quanto a reprodução acrítica do

que diziam os documentos. Partindo dos avanços recentes tanto da filologia quanto

da hermenêutica, Niebuhr indicou para os historiadores duas operações

fundamentais da história: a heurística e a sistemática. Sua contribuição é enorme,

bem como a repercussão de suas pesquisas; basta ver seu reconhecimento por

Ranke e Droysen; ambos revelam sua dívida metodológica a Niebuhr, que

realmente constituiu um momento de inflexão nas técnicas de pesquisa histórica

na Alemanha. Essa tradição veio, sobretudo, da escola filológica de Göttingen, que

promoveu o exame crítico e rigoroso dos clássicos antigos e das fontes,

preconizada por Wolf e Böckh. Este último foi o orientador de Droysen em seu

doutorado. Junto com Wolf foram responsáveis pela disseminação da filologia e

também expressavam a valorização pelos Estudos Clássicos no interior do

pensamento germânico, ao lado de nomes como Schleiermacher, Schelling, Schiller

ou Humboldt.

O terceiro momento surgiu com Wilhelm von Humboldt e, para ser mais

preciso, com sua conferência inaugural proferida em 1821 na Universidade de

Berlim: A tarefa dos historiadores. Ali se encontra a agenda científica dos

historiadores prussianos, seu programa fundamental, adotado como referência por

toda aquela geração. Competiria ao historiador reunir os fatos, procurando seus

nexos, identificando suas forças motrizes e reproduzindo-os por meio de uma

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exposição narrativa. Nada poderia ser mais claro. Caberia ao historiador seguir

procedimentos científicos e não abandonar a atividade criadora em seu ofício.

Propagador do historicismo, Humboldt foi, ao lado de Chladenius e de Niebuhr,

uma das maiores influências sobre o pensamento de Ranke e de sua geração. Seu

nome ficou associado à Universidade de Berlim, capitaneada a um dos centros

nevrálgicos do pensamento germânico, cujo programa e organização foram por ele

reformulados tornando-se referência para reformas universitárias posteriores.

Lecionar em Berlim era meta almejada por muitos professores de então. Aquela

universidade, sobretudo graças a Ranke e a Hegel, tinha seus postos cobiçados por

todo historiador ou filósofo que desejasse ter projeção em sua área, tornando-se

um pólo irradiador de novas doutrinas, e eles tiveram o mérito de serem

consagrados em vida não só na Alemanha, mas em toda Europa.

Um quarto momento corresponde ao desenvolvimento dos trabalhos de

Ranke e Droysen junto à Universidade de Berlim: definindo a relação entre teoria e

prática do novo saber. O modo como Ranke escolhia seus objetos de estudo, a

forma como submetia as informações à crítica, bem como suas narrativas

profundamente articuladas e expressivas conferiram-lhe uma posição de destaque.

Mas ao seu lado havia outro gigante, Droysen, responsável por desenvolver uma

verdadeira teoria da história que consolidou o campo epistemologicamente,

dotando-o da autonomia necessária face aos demais saberes que o destacou

perante sua geração. Ao que tudo indica, embora cioso do método, interessava

mais a Ranke a prática, a pesquisa e a escrita da história, ao contrário de Droysen,

que embora tenha escrito obras históricas absolutamente rigorosas e fosse

excelente pesquisador, teve maior e notável êxito com suas reflexões de ordem

teórica. Junto-os aqui, não somente porque foram contemporâneos, ou porque

constituem a expressão maior do pensamento histórico germânico naquele

período, mas também porque, embora fossem rivais e não tivessem uma boa

convivência em Berlim, suas obras se complementam e referendam os

fundamentos da operação historiográfica de então.

Um dos debates permanentes em relação à história prosseguia, qual seja, o

de se vincular a narrativa histórica aos domínios dos estudos literários. E foi para

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resolver esse conflito de fronteiras que Gervinus em seu Fundamentos de teoria da

história, redigido em 1837, analisou a poética da história, estipulando os elementos

constitutivos da narrativa histórica, distinguindo-a das narrativas ficcionais. Para

além disso, propôs um modelo sugestivo para se analisar a história da

historiografia ocidental bem como para se definir alguns gêneros existentes na

escrita da história. Este corresponde a um quinto momento, visto distinguir a

narrativa histórica da ficcional de uma vez por todas, e pensar a história como um

gênero híbrido, mas específico, conferindo assim, um modelo genético de análise

da historiografia. Pela primeira vez havia discutido com profundidade o problema

da escrita da história, bem como havia exposto um novo modo de pensar a própria

história da história.

O último momento, a meu ver, reside na criação da revista Historische

Zeitschrift (Estudos Históricos) em 1859 por Heinrich von Sybel, pupilo e discípulo

de Ranke na Universidade de Berlim e amigo de Droysen desde as jornadas de

maio de 1848 em Frankfurt. Ali se consubstanciou o que procurarei defender como

sendo a efetivação de uma nova escola histórica e a constituição de um regime de

historicidade particular para a escrita da história na Prússia. Ela coroa todo o

processo de formação e maturação de um tipo de história e surge quando as

manifestações pró-unificação alemã se ampliaram, sobretudo na Prússia, contando

com a participação de muitos daqueles historiadores. Sem dúvida a Historische

Zeitschrift foi um ponto de encontro, propagador das idéias do grupo, projetando-o

na Alemanha e no exterior. Sua influência explícita na Inglaterra, Itália, Espanha e

nos Estados Unidos, foi, mais velada na França1. Ao lado da revista, forçoso é dizer

que a editora Duncker & Humblot, tornou-se também uma referência para o grupo,

uma das maiores na Alemanha, cujo nascimento se deu auspiciosamente com a

criação da revista Athenaeum, publicada pelos irmãos Schlegel e que depois se

projetou com a publicação das obras completas de Hegel e de Ranke. Nesta editora

figuraram grandes obras produzidas pelo grupo.

Ao tratar da Escola História Prussiana, Robert Southard (1995) revela que

para nascer ela teve que superar o interdito rankeano: o não-envolvimento direto 1 Embora seus livros sejam sempre lidos, alguns traduzidos e seus nomes sempre lembrados por Coulanges, por Monod, por Seignobos.

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do historiador nos assuntos da política. Acredito, ao contrário, que a influência de

Ranke tinha indicado que o intelectual ou historiador não é somente aquele que

precisa se envolver diretamente nos acontecimentos políticos de seu tempo, mas

cujo pensamento pode ser uma força capaz de produzir ação política no presente.

Seja subsidiando ou sendo subsidiado por um determinado projeto político, seja

imprimindo seus postulados nos acontecimentos do presente, seja agindo para

refutar projetos ou postulados existentes. É preciso ainda lembrar que as

universidades alemãs eram instituições estatais e que os graduados começavam a

ocupar um lugar especial naquela sociedade. O Código Geral Prussiano havia

incluído na sua classificação dos grupos sociais, além das tradicionais nobreza,

burguesia e campesinato os servidores do Estado, incluindo nesta rubrica os

diplomados1. Escolas e as universidades, afirmava o Código, “eram instituições do

Estado e só podiam ser fundadas com autorização oficial” (RINGER, 1999, 37).

Aquelas universidades passavam por um período de grande renovação nos estudos

e nas disciplinas. Em Göttingen, o neohumanismo enfatizava o apreço pela cultura

clássica, pelas raízes culturais germânicas e pelos estudos filológicos. Em Halle

surgia uma nova universidade, voltada para cursos mais técnicos e para as ciências

aplicadas, como o Direito, a Administração e a Economia. Tratando daquelas

universidades dirá Ringer que na “corte de Weimar e na Universidade de Jena,

cidade vizinha, quinze anos brilhantes reuniram algumas das principais figuras do

renascimento cultural alemão” (RINGER, 1999, p.35), como Schiller, Fichte, Hegel.

A própria Universidade de Berlim, que se destacava agora como o centro

nevrálgico prussiano, superando Praga2, Frankfurt, Göttingen e Leipzig, expressava

o ideal de uma nova universidade, servindo de modelo para as futuras

universidades alemãs, que alterariam seus estatutos tendo-a como referência

(Ringer, 1999, 39). Mas estas novidades se adaptavam a uma sociedade

aristocrática, onde estes professores eram transformados em conselheiros,

Geheimräte, e vistos como leais e eminentes servidores do Estado (RINGER, 1999,

1 Allgemeines Landrecht für die preussischen Staaten, parte II, tít.VII-X, 1794. 2 Viena e Praga foram em alguns momentos, a capital do império germânico. A ascensão de Berlim foi recente e está relacionada com a ascensão dos Hohenzollern. “Graças às conquistas internas e externas e também à habilidade diplomática desta dinastia, Berlim se equiparou a Paris e a Londres, entre os séculos XVIII e XIX” (ELIAS, 1997: 22).

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51). Penso que esta leitura desmistifica a possibilidade de uma atuação livre e

apartidária. Afinal a adesão dos docentes era obtida por meio de um instrumento:

o doloroso processo de habilitação dos candidatos a professores efetivos nas

universidades alemãs. Os professores tinham seu passado esquadrinhado pelos

Habilitationsschrift antes de serem admitidos, sobretudo depois de 1871. “Este

sistema de recrutamento permaneceu essencialmente intacto até 1945” (IGGERS,

1983:25). De qualquer modo, o interesse pelas questões do momento levaram à

criação de várias cadeiras de história contemporânea, que atraíam grande público,

desviando os historiadores da ciência para a atuação política, cadeiras estas

ocupadas por historiadores como Droysen, Sybel ou Gervinus, dentre outros. E o

estudo da história política conduzia cada vez mais à rejeição da possibilidade de

uma ética racional de direitos e valores universais, comum a todos os homens, pois

cada vez mais era vinculada a situações históricas específicas1. Vale lembrar que a

história disputava com a moral, a política e a filosofia o papel de norteadora da

ação política. De qualquer modo, diz Mommsen O intelectual alemão também se pode vangloriar do que a ciência trouxe de benefício do povo (...) o desempenho individual de cada um de nós, em comparação com o todo, é de tal forma ínfimo que aparece como um soldado no campo da batalha em que combateu (...) Muito antes de as armas alemãs ganharem nos campos de batalha, a pesquisa alemã, em seus campos, conquistou o conhecimento e forçou nossos vizinhos a aprender nossa língua. (MOMMSEN, Apud MARTINS, 2010, p.114-5).

E é precisamente esta relação entre história, filosofia e política que

distinguiriam as escolas históricas que se formaram na Alemanha oitocentista,

afinal elas não se limitaram à Ranke ou a sua obra como querem alguns

intérpretes, tampouco constituíam uma identidade absoluta entre todos aqueles

historiadores. Os próprios alemães chegam a reconhecer a existência de várias

escolas: a escola Rankeana e Humboldtiana, a escola de Niebuhr (que exerceu

enorme influência na França e veio a se reforçar com o manual de Ernst

Bernheim), a escola filológica de Böckh e de Grimm, a escola romântica de Goethe e

Novalis, a escola histórica do Direito de von Savigny e, finalmente, a Escola

Histórica prussiana (cf. MARTINS, 2008, p.; cf GOOCH, 1959). Em que se

1 Exemplos disso seriam as justificativas dadas por Mommsen e Sybel sobre os direitos da Alemanha sobre a Alsácia e Lorena, em textos onde a ação política era justificada pela história.

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distinguiam? Que peculiaridades existem, por exemplo, em relação aos herdeiros

de Ranke e ao grupo dos historiadores capitaneados por Gervinus e Droysen?

Penso que foi, sobretudo, a intrínseca relação que estabeleceram entre pesquisa e

postura intelectual, entre pensamento e ação, entre ciência e política. Até porque é

notável a herança teórica e metodológica comum bem como a atmosfera de

respeito e reverências mútuas entre os seguidores de Ranke e os integrantes da

Escola Histórica. Desafetos haviam, rivalidades também, como entre Ranke e

Droysen, entre Mommsen e Treitschke, ou entre Sybel e Waitz. Mas, o grupo

assentava-se sobre uma herança epistemológica comum; foi marcado pelo

historicismo de Humboldt e de Ranke, pela reação ao idealismo hegeliano e pela

absorção de procedimentos hermenêuticos e filológicos na composição do método

– a crítica documental buscada em Niebuhr. Defendiam a atualidade de Aristóteles

– cujo pensamento é visto com respeito –, muitos publicaram traduções, redigiram

obras voltadas para a política e a história do tempo presente, engajaram-se em

lutas na imprensa periódica, participaram diretamente na vida pública se

envolvendo no nacionalismo emergente – publicando textos de caráter político-

nacionalista –, propagando o ideal da Kleindeutsch durante e após as jornadas de

1848 além de preconizar um fundamento axiológico orientado pela defesa da

objetividade. Em sua maioria eram protestantes, defensores da monarquia

constitucional, integravam-se às fileiras dos liberais moderados

constitucionalistas, não condenaram as guerras de unificação capitaneadas por

Bismarck (salvo Gervinus e Mommsen) e, por fim, escreveram obras de história do

tempo presente. Em resumo, mantinham atmosfera de respeito às escolas

germânicas de pensamento existentes – hermenêutica, filológica e filosófica –, que

eram vistas como coadjutoras na fundamentação da História, com um esforço

teórico semelhante e mediante o recurso a procedimentos metodológicos comuns.

Para Fritz Stern, Encontramos núcleos de excelência nas vidas de alguns de seus indivíduos representativos; eram imbuídos de uma fé na ciência que ainda era inocente, uma fé semelhante a uma religião. Eram protegidos por laços de amizade, tinham o apoio de uma sociedade disciplinada, moviam-se por ambição organizada e contavam com um sistema educacional sem igual. A ciência alemã e a sociedade alemã eram profundamente interligadas (STERN, 2004:12).

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Comprova-se assim a existência de um processo de institucionalização da

disciplina histórica em curso, marcado por lugares e também por regras que

definiam a ciência histórica exercitada. Em relação à escrita da história, maiores

estudos são ainda necessários para aquilatar o nível de suas semelhanças e

diferenças no que concerne aos aspectos figurativos, estilísticos, retóricos e

narrativos das obras.

Fortes indícios subsumem seu surgimento em meio a uma crise da

consciência histórica européia, vivida desde a Restauração e marcando o

pensamento e a política oitocentistas. Não é ocioso, portanto, examinar a atuação

daqueles historiadores como atores históricos. Em primeiro lugar queriam

reformas, ademais, do início do século XIX até meados de 1848 buscavam algo

novo. Creio haver uma compreensão entre eles sobre a necessidade da formação

de novos homens para uma nova Alemanha, incutida no papel que muitas vezes

atribuíam à Bildung, embora isso não fosse algo homogêneo. Esses novos homens,

singularizados na figura do intelectual, contudo, precisavam conviver com uma

velha política. Na crise da experiência histórica vivida, construíram novos projetos

políticos – alguns já haviam sido potencializados na literatura –, reavaliaram suas

tradições culturais, mas encontraram muitos obstáculos em relação à ação política,

revelando uma sensível tensão em curso entre a sociedade, a burocracia

administrativa e os governos aristocráticos germânicos. Assim, embora algumas

experiências fossem questionadas, havia dificuldade em romper determinadas

orientações político-monárquicas e também religiosas. Nem todas as tradições,

portanto, estavam permeáveis às mudanças em curso. Isto talvez explique o triunfo

da excessiva moderação, bem como, da persistência do conservadorismo.

Do ponto de vista político, de modo semelhante ao Brasil, os liberais

moderados desejavam reformas, pois viam com reservas a revolução ou o

princípio democrático. Igualmente não defendiam a igualdade absoluta entre os

homens. Lutavam, contudo, pela consolidação de uma esfera pública cujo debate

jornalístico é bastante expressivo, mas que enfrentava o poder estatal e as

retaliações políticas – que se valia de instrumentos como a censura, a demissão ou

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a prisão1. Em uma atmosfera profundamente autoritária, pouco espaço era

conferido ao princípio democrático. Assim, liberais radicais, comunistas e

socialistas eram quase sempre resumidos à condição de anarquistas ou de

perturbadores da ordem vigente. Nesta condição sofriam ameaças de prisão ou

eram forçados ao exílio.

Pode-se dizer que o nascimento do historiador na Alemanha coincidiu com

a constituição deste saber e destes intelectuais, ao lado da construção do estado

Alemão, cujo passo inicial pode ser localizado na criação do Zollverein em 1834, e

depois através de alianças político-militares que viabilizaram as guerras de

unificação sob a liderança da Prússia. Durante este processo, muitos historiadores

viram-se integrados no esforço de construção do novo Estado, integrando-se à

burocracia ou ao serviço público, realizando missões diplomáticas, exercendo a

docência e a pesquisa e atuando como funcionários ou como conselheiros. Ou seja,

foram intelectuais de projeção em sua sociedade, ao lado de juristas, economistas,

políticos e filósofos, mas que orbitavam em torno do Estado. Como foi exposto

anteriormente, nem o apartidário Ranke escapou a isso. De maneira mais explícita

os historiadores da Escola Histórica não viam problemas em integrar escritos

políticos de ocasião com estudos sobre o tempo presente ou história do passado.

Eles percebiam uma relação intrínseca entre as motivações do presente com a

investigação histórica, entre a compreensão teórica do estudo das sociedades no

passado e a motivação para a ação política no presente, subsumidas a uma marcha,

ilustrada pela História e pela própria trajetória nacional alemã, escamoteando

pretensões universais, pois a defesa das singularidades da história alemã não

obliterava a ambição que tinham de escrever uma história mundial, na qual a

Alemanha ocupava uma posição de destaque.

Curiosamente, os historiadores germânicos do século XIX pareciam inverter

a fórmula de Koselleck: alimentavam muitas expectativas do passado, cuja

experiência histórica redescobriam cada vez mais graças à consulta de fontes

nunca manuseadas e ao recurso à crítica documental que possibilitava uma nova

1 Foi o caso de Gervinus, por exemplo, que teve obra censurada e ameaça de prisão, de Dahlmann que também foi preso, da perseguição de Droysen na Dinamarca. Ou ainda Karl Wecker que perdeu sua cadeira na universidade por questionar o Parlamento de Baden.

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escrita da história; e recorriam a esta experiência do passado a fim de encontrar

uma conexão nos eventos verificados no presente e no futuro. Ou seja, projetavam

o passado no futuro. Afinal, a história não era mestra da vida, mas expressava

forças históricas permanentes que se configuravam de maneira singular em cada

época e em cada povo. Nos eventos políticos verificavam uma soma em curso, cuja

tendência e até mesmo cuja essência era universal. Tomavam os estudos do

passado como uma referência para pensar a atuação nos acontecimentos políticos

vivenciados no presente, vislumbravam a presença de forças históricas, de idéias

que se materializavam em diferentes sociedades, que possuíam um sentido que se

sentiam capazes de analisar. O que comprova a sedução do pensamento de Hegel, a

imprimir um forte teor teleológico na leitura que muitos faziam a despeito de

resistências. Forças históricas impeliam o agir humano e este possuía uma essência

a se realizar, materializada de maneira incompleta em diferentes experiências

históricas do passado e do presente. O século XIX, contudo, trazia novamente a

possibilidade de tentar concretizar esse ideal, embora soubessem, por sua própria

experiência, que isso poderia ou não ser realizado de imediato. A seu modo

colaboraram para repensar o mito leibziniano de que viviam no melhor dos

mundos possíveis, em uma época dourada para o pensamento e para a cultura

germânica. Após 1848 e, sobretudo, com o início das guerras de unificação essa

imagem ganhou força ainda maior, embora convivesse com vozes dissonantes.

Mais uma vez, revela Mommsen, Por certo temos também o orgulho de ser alemães, e disso não nos encabulamos. De todas as ostentações, nenhuma é mais vazia e falsa do que a da modéstia alemã. Nada temos de modestos, não o queremos ser e nem que se diga que o somos (...). No entanto, mesmo se nos declaramos nada modestos, não nos tornamos por isso cegos. (MOMMSEN Apud MARTINS, 2010: 113).

As manifestações nacionalistas ganhavam ímpeto e exprimiam o desejo de

formação de um Império Germânico, uma monarquia constitucional sob o governo

dos Hohenzollern, ou seja, sob a liderança da Prússia e a exclusão da Áustria.

Aqueles historiadores viam a história como um processo complexo, não como uma

relação de causalidade, mas como constelações de eventos marcados pela ação de

forças históricas, tendo um sentido: a realização da liberdade ou ainda da

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consumação da grande obra divina. Nisso fundiam convicções políticas e religiosas.

Este último aspecto não será destacado aqui. Mas, a liberdade era, para eles, um

conceito complexo. Sua idéia de liberdade estava fundada sobre velhas tradições

nacionais e entendia a autoridade real e o poder estatal como historicamente

associados e não como antítese à livre política. Mas essa percepção tinha matizes

nos diferentes Estados – 39 ao todo – que compunham a Confederação Germânica.

Com a Unificação Alemã liderada por Bismarck (1866-1871), novamente

potencializou-se o otimismo germânico, afinal, depois da Revolução Francesa e das

revoluções de 1820 e 1830, também a Alemanha parecia realizar os desígnios

históricos da humanidade. Essa impressão era sensível em muitos daqueles

historiadores. E imprimiu neles, por conseguinte, a ênfase e o engajamento nos

acontecimentos. Em 1848 era preciso agir, seja para impedir a anarquia e os

excessos, seja para dar a direção aos eventos. Mas, derrotadas em uma atmosfera

reformista a palavra de ordem para o momento foi, sem dúvida, moderação. Muitos

historiadores engajaram-se na crítica da realidade político-social alemã, tomando,

declaradamente, partido, em franca oposição ao mestre Ranke. Só não pareciam se

lembrar de que, em 1792, a Prússia havia lutado contra os revolucionários

franceses, tentando parar a revolução. Sobre aquela sociedade diz Norbert Elias: O Estado Hohenzollern tinha todas as características de um Estado militar que se erguera através de guerras vitoriosas. Seus dirigentes reconheciam a necessidade de crescente industrialização e, lato sensu, de crescente modernização. Mas os industriais burgueses e os donos do capital não formavam o estrato superior que governava o país. A posição da nobreza militar e burocrática, como o estrato mais elevado e poderoso da sociedade foi não só preservada, mas também fortalecida pela vitória de 1871. Uma boa parte da classe média, mas não toda ela, adaptou-se com relativa rapidez a estas condições. Seus membros encaixaram-se na ordem social do Kaiserreich como representantes de uma classe de segunda categoria, como subordinados (ELIAS, 1997:26).

A seguir, vejamos um perfil geral daqueles historiadores integrantes da

Escola Histórica Prussiana e que tiveram ou exerceram alguma função política

destacada no período entre 1848-1871 apresentado no Quadro 1 e que

colaboraram na Historische Zeitschrift. Alguns deles integraram o Partido do

Cassino, nome do hotel e restaurante onde se encontravam, onde defendiam a

Kleindeutsch, a unificação, o Estado de direito, baseado na constituição; no qual

pediam órgãos representativos eleitos pelos distritos dos estados tradicionais e

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advogavam a igualdade perante a lei e o fim das restrições, como por exemplo aos

judeus. Alguns deles integraram, nos anos 1860, o Partido Nacional Liberal

(IGGERS, 1983:93). De um modo geral rejeitavam a filosofia da história de Hegel, a

teoria da lei natural, a primazia do indivíduo – em seu lugar colocaram as forças

históricas – que produziam o Estado e os indivíduos. Acreditavam no progresso. E

entendiam que o poder não é somente força, mas também um princípio ético.

Entre os 830 deputados da Assembléia de Frankfurt em 1848-9, havia

apenas um trabalhador e um camponês, 49 professores universitários, 57

professores escolares, 157 magistrados, 66 advogados, 20 prefeitos, 118

funcionários públicos, 18 médicos, 43 escritores, 16 pastores e 16 padres. No total,

pelo menos 550 tinham diplomas de curso superior, perto de 20% eram

professores universitários, 35% funcionários públicos, 17% advogados (HUBER,

1960: v.2, 611). No total, 11 eram historiadores. A essência dos trabalhos revelou-

se como “a unidade pela persuasão” (TAYLOR, 1945:76). Soldados do rei

protegiam os trabalhos. O nacionalismo tcheco da Bohemia conturbou a paz da

assembléia. E também a guerra em Schleswig-Holstein. Em 1850 a Áustria

derrotou tropas bávaras e prussianas em Hesse (Olmutz), em retaliação foi

novamente recusada no Zollverein; posteriormente, a guerra com a França, em

1859, e a unificação italiana colocaram em xeque a hegemonia austríaca. Tem

início a expansão da supremacia prussiana, cuja hegemonia pode ser ilustrada pela

famosa frase proferida em 8 de outubro de 1862, pelo primeiro ministro

prussiano, Bismarck: “os problemas atuais não serão resolvidos por maioria de

votos – este foi o erro dos homens de 1848 e 1849 – mas por sangue e ferro” (Apud

TAYLOR, 1945:101).

O desejo de participação e de maiores liberdades políticas manifestou-se no

Parlamento de Frankfurt, mas as divisões internas entre os parlamentares facilitou

a recomposição das forças aristocráticas, culminando na sua dissolução em junho

de 1849 e na recusa da coroa do Império por Frederico IV. Na Assembléia “valores

liberais predominaram, por exemplo, a separação entre igreja e Estado, a

independência do judiciário, a instituição do habeas corpus, a abolição da pena de

morte (BREUILLY, 2002:45). O grande dilema era entre autoridade nacional – de

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base popular? – e autoridade estatal, afinal os príncipes germânicos indicavam os

ministros em seus Estados. Não obstante, as tendências revolucionárias foram

esmagadas, os ímpetos liberais refreados e a disputa pela hegemonia face aos

estados germânicos foi resolvida em 1866 na Guerra das Sete Semanas entre

Prússia e Áustria. Ali se formou a Confederação Alemã do Norte, por Otto von

Bismarck, o Reichstag foi inaugurado em fevereiro de 1867 e a Guerra Franco-

Prussiana de 1870-1 selou a criação do Império, a integração dos Estados do sul e,

consequentemente, a unificação.

No Quadro 1 estão relacionados alguns historiadores alemães do período

que, além de obras históricas, produziram textos políticos ou exerceram alguma

atividade política importante no período estudado. Ele apresenta alguns resultados

parciais da pesquisa que desenvolvo. Nele relaciono datas de nascimento e morte,

cidade natal, curso estudado, universidades freqüentadas, amigos ou mestres de

relação mais estreita, universidades onde atuaram, cargos legislativos, outros

cargos, publicações de caráter político e obras históricas. Encontram-se

relacionados apenas 31 historiadores; só para se ter uma idéia na Historische

Zeitschrift são 273 ao todo que colaboraram enviando 783 artigos entre 1859 e

1900; mas eles permitem fazer uma radiografia elucidativa dos historiadores e da

historiografia alemã oitocentista. Ao todo, 11 tinham títulos de nobreza.

Em primeiro lugar, nem todos eram prussianos, muitos nasceram em outros

Estados germânicos. Do mesmo modo embora os protestantes fossem a maioria, é

possível localizar judeus e católicos atuando dentro do grupo. Uma outra

característica é a presença de pelo menos três gerações de historiadores: a

primeira composta por membros como Ranke, Waitz, Gervinus e Droysen; uma

segunda composta por Sybel, Mommsen, Duncker e Häusser; e, a última, composta

pela geração de Treitschke, Oncken, Waschsmut e outros. Esta última geração

representa o arrefecimento da hegemonia historiográfica exercida pelas duas

primeiras gerações, com um afastamento bem maior do paradigma rankeano.

Aspecto decisivo da formação revela que alguns universidades eram preferidas e

que era comum estudos desenvolvidos em mais de uma instituição. É como se

buscassem em cada universidade os melhores cursos desejados, ou ainda como se

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deixassem os estudos iniciais em sua cidade natal e seguissem para outros centros

mais especializados. História é o curso mais freqüentado pelo grupo relacionado,

seguido por filologia, filosofia e direito. Berlim e Heidelberg são as universidades

mais apreciadas, seguidas por Freiburg, Göttingen, Leipzig e Bonn.

Os vínculos de amizade e afinidades pessoais dentro do grupo é bastante

heterogêneo, embora Ranke, Sybel, Gervinus, Droysen Häusser e Dahlmann fossem

figuras de destaque junto aos demais, surgindo em várias biografias na condição de

mestres, supervisores de estudos e projetos merecedores de crédito e gratidão.

Além de algumas biografias foram consultadas enciclopédias de autores alemães

para localizar os dados apresentados no quadro. Aqueles historiadores lecionaram

em diferentes universidades, embora seja possível verificar que os que se

destacaram no campo costumavam ocupar cadeiras em Berlim, Heidelberg, Bonn

ou Göttingen. Entre os relacionados, 11 foram deputados no Parlamento em

Frankfurt de 1849, 13 foram deputados em seus Estados e 10 foram deputados no

Parlamento Nacional após 1871, o que indica uma intensa atividade política por

parte dos historiadores. Não por acaso, muitos foram conselheiros de reis e

príncipes germânicos, seis foram reitores de universidades e sócios ou integrantes

de academias e sociedades científicas.

Em relação à imprensa, 15 foram editores de jornais, a metade do conjunto

recortado, bem como escreviam em jornais, ao lado de outros dois que apenas

escreviam na imprensa periódica sem chegar à direção. Já a produção

historiográfica do conjunto não está definidamente indicada, faltando relacionar

algumas obras, embora possa ser dito que sua principal marca são histórias

nacionais, estudos sobre a história do tempo presente e biografias. Idade Média e

Era Moderna eram dois períodos bastante apreciados ao lado de história recente.

Mas aqui ainda são necessários maiores levantamentos para afirmações mais

conclusivas.

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Quadro 1. Alguns Historiadores Alemães Do Século XIX Envolvidos Em Assuntos De Natureza Política. NOME VIDA CIDADE

NATAL FORMAÇÃO UNIVERSIDADE MESTRES/

AMIGOS LECIONOU CARGOS

LEGISLATIVOS OUTROS CARGOS OBRAS POLÍTICAS OU

JORNAIS OBRAS HISTÓRICAS

Karl von ROTTECK 1775-1840 Freiburg Direito Freiburg Johann Jacobi Freiburg Parlamento de Baden

Presidente da Câmara e Conselheiro em Freiburg, pró-reitor da Universidade de Freiburg

Editor do jornal O Liberal História Geral, Staatslexikon

Karl Theodor Georg P. WELCKER

1790-1869 Oberofleiden Holberg Ohm

Direito e Ciência Política

Giessen e Heidelberg

Dahlmann, Droysen e Gervinus

Giessen, Kiel, Bonn e Freiburg

Parlamento de Baden, Parlamento de Frankfurt

Editor do jornal O liberal independente,

Staatslexikon

Rudolf HAYM 1821-1901 Grünberg Teologia e filologia

Halle e Berlim

Duncker Halle Parlamento de Frankfurt

Discursos e palestrantes do primeiro prussiano Unidos Diet, A Assembleia Nacional Alemã, editor do Preußische Jahrbücher, Hallesche Algmeneine Literatur Zeitung, National Zeitung

Hegel e seu tempo, A escola romântica, Herder e sua vida.

Georg WAITZ 1813-1886 Flensburg Filosofia e direito

Kiel e Berlim Ranke e Schelling

Kiel e Göttingen

Assembléia de Schleswig-Holstein, Parlamento de Frankfurt

Monumenta Germaniae Histórica

Rotteck-Welcker- Staatslexikon, Grundzüge der Politik,

História constitucional alemã, Forschungen zur deutschen Geschichte, História de Schleswig-Holstein.

Friedrich von HERMANN

1795-1868 Dinkelsbühl Direito-economia

Erlangen Ranke Munique Parlamento de Frankfurt

Conselheiro dos reis Maximiliano I e II da Baviera, Conselho de Estado da Baviera, Academia Bávara de Ciências

Estudos dos ativos estatais econômicos, comerciais, renda e consumo.

Reinhold PAULI 1823-1882 Berlim Filologia e história

Bonn e Berlim Dahlmann e Ranke

Bonn, Marburg, Göttingen

Secretaria da embaixada em Londres

Württemberg e o desastre federal

História dos documentos hanseáticos, Ensaios sobre a história da Inglaterra

Georg VOIGT 1827-1891 Konigsberg História Konigsberg Drumman e Von Sybel

Rosttock, Leipzig

Membro da Associação Comercial de Leipzig, Academia de Ciências da Baviera, Sociedade de Leipzig, Academia de ciências de Viena

Jornal Cultural O Renascimento na Antiguidade Clássica

Wilhelm ONCKEN 1838-1905 Heidelberg Filologia, história e filosofia

Heidelberg, Göttingen e Berlin

Häusser Heidelberg Parlamento de Hesse e Nacional

Reitor da universidade de Giessen

História Geral 44v., a Era da Revolução – do império à guerra de libertação, A Era do Imperador Wilhelm I, Frederico o Grande.

Friedrich DAHLMANN 1785-1860 Wismar Filosofia Copenhagen e Halle Wolff, Von Kleist, Gervinus, Welcker

Kiel, Göttingen, Iena, Bonn

Parlamento de Frankfurt 1848, Parlamento de Erfurt

Secretário da cavalaria em Schleswig Holstein, Líder da revolta dos Sete

Política, reduzida ao grau e medida das condições existentes.

Fontes para o estudo da história alemã, História da Dinamarca, História da revolução inglesa, História da Revolução Francesa

Maximilian DUNCKER 1811-1886 Berlin História, Berlim e Bonn Droysen, Halle, Parlamento de Diretor dos Arquivos Preussische História do Parlamento de

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filosofia e filologia

Haym e von Sybel

Tubingen, Hesse, Parlamento de Frankfurt, Membro do Parlamento Nacional em 1867

Prussianos, Ministro dos Estrangeiros em 1860, conselheiro de Frederico III, 6 meses preso por participar de fraternidade, Academia Prussiana de Ciências, Academia de Göttingen

Staatsschriften, Hallesche Algmeneine Literatur Zeitung.

Frankfurt, A crise da reforma.

Ludwig HÄUSSER 1818-1867 Kleeburg Historia Heidelberg Schlosser, Gervinus

Heidelberg Parlamento de Baden

Allgemeine Zeitung Deutschen Zeitung, Preußische Jahrbücher

Historia da Alemanha da morte de Frederico à Fundação da Confederação.

Theodor MOMMSEN 1817-1903 Garding Direito Kiel e Leipzig Moritz Haupt e Otto Jahn, Max Weber

Zurique, Breslau, Leipzig e Berlim

Deputado Nacional em 1881

Amigo do rei da Dinamarca, Academia de Berlim, Sociedade Real de Ciências da Saxônia, reitor da universidade de Berlim

Jornal de Rendsburg (1848), escritos sobre a revolta da Saxônia em 1848 levam-no à demissão, escritos de combate ao anti-semitismo

História Romana, Direito Romano, As províncias romanas.

Georg GERVINUS 1805-1871 Darmstadt Filologia Heidelberg Schlosser, Dahlmann

Heidelberg e Göttingen

Parlamento de Frankfurt

Academia de Ciências da Bavária

Deutsche Zeitung, projeto da Constituição em 1847

Fundamentos de Teoria da História, História da Literatura e da Poesia Nacional, História do século XIX.

Johann G. DROYSEN 1808-1884 Teptow Filologia Berlim Böckh, Gervinus, Duncker

Kiel, Iena e Berlim

Parlamento de Frankfurt

Academia Berlinense de Ciências, Historiógrafo da Casa de Brandemburgo

Preußische Jahrbücher,Politische Schriften. Guerras de Libertação, A posição política da Prússia

História do Helenismo, História das Guerras de Liberdade, História da Política Prussiana, Conde Yorck von Wartenburg

Leopold von RANKE 1795-1886 Wiehe (Unstrut)

Teologia e filologia

Leipzig Schleiermacher, Humboldt, Sybel, Savigny, Niebuhr

Berlin Historiógrafo da Casa de Brandemburgo, barão von Ranke, Membro do Conselho Real, American Historical Association, Memórias da Casa de Brandemburgo ,

Historisch-Politische Zeitschrift, Sobre as afinidades e diferenças entre história e política

História os povos latinos e germânicos, História dos Papas, História da Reforma, História francesa, História Inglesa, Hardenberg und die Geschichte des preussischen Staates von 1793 bis 1813, Sérvia e Turquia no século XIX.

Karl MAURENBRECHER

1838-1892 Bonn História Bonn e Berlim e Munique

Sybel, Ranke, Siegfried Hirsch

Konigsberg, Bonn e Leipzig

Guilherme II assistiu suas aulas, Real Sociedade de Ciências da Saxonia

História da Reforma, História do Império: História da fundação do Império Alemão

Heinrich von TREITSCHKE

1834-1896 Dresden História e Economia

Bonn, Leipzig, Tübingen, Freiburg.

Bismarck Kiel, Freiburg e Heidelberg

Deputado Nacional

Editor do Preußische Jahrbücher (depois foi expulso), A solução da questão de Schleswig-Holstein, O futuro dos estados do norte alemão, A guerra ea reforma federal, Dez anos de luta alemã 1865-1874.

Ensaios histórico-políticos alemães, A história alemã do século XIX, Lutero e da nação alemã,

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Escritos sobre assuntos atuais, Alguns comentários sobre a questão judaica, O projeto da lei da escola prussiana.

August von KLUCKHOHN

1832-1893 Bavenhausen

História Heidelberg e Göttingen

Häusser, Waitz e Sybel

Professor em Göttingen

Arquivos do Reichstag e correspondência de Wittelsbach, cartas de Frederico o Piedoso

Biografias de Gilherme II, duque da Baviera, de Ludwig, de Prederico o Piedoso, de Louise, rainha prussiana

Alfred BORETIUS 1836-1900 Meseritz Direito Berlim e Halle Mommsen Zurique e Berlim

Germaniae Monumenta Historica

National Zeitung Frederico o Grande e Carlos Magno

Carl Wolfgang Paul Mendelssohn BARTHOLDY

1838-1897 Leipzig Direito Heidelberg e Freiburg

Heidelberg e Freiburg

Democrata e opositor da Prússia

História da Grécia

Heinrich von SYBEL 1817-1895 Düsseldorf Historia e filosofia

Berlim Bonn Ranke, Voigt, Maurenbrecher

Bonn, Marburg, Munique

Deputado em Frankfurt e deputado na Assembléia de Kassel, Parlamento de Erfurt e Parlamento Nacional

Fundador com Ranke da Comissão Histórica da Academia de Ciências da Bavária, Diretor dos Arquivos Prussianos, membro do Instituto Histórico de Roma,

A nação alemã e o Império. Um tratado histórico-político, Kölnische Zeitung, Autonomen, Sobre a relação da nossa Universidade com a vida pública, Os partidos políticos do Reno

História da Primeira Cruzada, História da fundação do Império Alemão, Acta Borussica.

Wilhelm JUNKMANN 1811-1886 Munique Filologia e história

Munique e Bonn Ernst Arndt, Friedrich Dahlmann

Deputado Nacional, Parlamento de Erfurt

Liga católica, Partido do Cassino, Pariser Hof,

Katholischen Magazins für Wissenschaft und Leben,

Obs: não publicou na HZ Allgemeinen Kirchenlexikons, Allgemeinen Realenzyklopädie für das katholische Deutschland, Regesta Historiae Westfaliae, Westfalia Sacra.

Jacob VENEDEY 1805-1871 Köln Direito Heidelberg, Bonn Heinrich Heine, Georg Fein

Bonn e Zurique

Foi pro Pré-Parlamento, foi do parlamento de Rumpf e se elegeu para o parlamento de Frankfurt

Festival de Hambach, atividade política intensa, exilado

Deutschen Volksverein, vários jornais, Rotteck-Welcker Staatslexikons

Reise und Rasttage in der Normandie, Die Deutschen und Franzosen nach dem Geiste ihrer Sprachen und Sprüchwörter.

Kurt WACHSMUTH 1837-1905 Naumburg Filologia e historia

Iena e Bonn, Berlim Ludwig Lange, Karl Lamprecht

Marburg, Gottingen, Heidelberg, Leipzig

Pesquisa na Itália, reitor da universidade de Leipzig

Das alte Griechenland im neuen, Die Stadt Athen im Altertum, Studien zu den griechischen Florilegien, Ausgaben von "Lydus de ostentis" und den griechischen Kalendern

Paul HINSCHIUS 1835-1898 Berlim Heidelberg Halle, Kiel Parlamento Nacional

Parece que era do Partido Católico e do Partido Liberal

Zeitschrift für Gesetzgebung und Rechtspflege in Preußen

Die preußischen Kirchengesetze (4v), Die Orden und Kongregationen der katholischen Kirche in Preußen, Das landesherrliche Patronatrecht

Ludwig Karl James AEGIDI

1825-1901 Tilsit Direito Berlim, Göttingen Gervinus, Erlangen, Hamburg,

Parlamento da Liga Germânica do Norte,

Partido do Cassino, Deutschen

Deutschen Zeitung Staatsarchiv

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Berlim Parlamento Prussiano

nationalverein

Friedrich von WEECH 1837-1905 Munique História Munique e Heidelberg

Erhart Schürstab

Freiburg Bibliotecário dos Arquivos Gerais e diretor em 1885

Codex diplomaticus Salemitanus, Baden unter den Großherzögen Karl Friedrich, Karl, Ludwig 1738–1830, Geschichte der badischen Verfassung, Baden in den Jahren 1852 bis 1877, Die Deutschen seit der Reformation.

Hermann Eduard von HOLST

1841-1904 Fellin, Estland

História Dorpat e Heidelberg, Londres, Italia e Argélia

Karl J. Marquardt,

Strassburgo, Freiburg, Chicago

Academia Prussiana de Ciências

Kolnischen Zeitung, Deutsch-amerikanischen Konversations-Lexikons

Ludovico XIV, vários outros

Paul von BOJANOWSKI

1834-1915 Schwedt Direito Halle, Heidelberg e Berlim

Reinhold Kohler

Academia de Erfurt, Jornalista em Paris, bibliotecário e historiador

Weimarische Zeitung Tomada da Bastilha.

Alfred STERN 1846-1936 Göttingen História Heidelberg, Göttingen e Berlim

Albert Einstein Berna, Zurique Controvérsia Baumgarten-Treitschke contra os judeus

História da Europa desde 1815 até a Liga de Frankfurt em 1871.

Johann Friedrich Ritter von SCHULTE

1827-1914 Winterberg

Fredeburg Bonn Döllinger, Wasserschleben

Bonn e Praga Deputado pelo partido Nacional Liberal

Conselheiro do kaiser Francisco José, reitor da universidade de Bonn

Die Geschichte der Quellen und Literatur des Canonischen Rechts von Gratian bis auf die Gegenwart,

Arnold SCHAEFER 1819-1883 Seehausen

Filologia clássica

Leipzig Hermann, Wachsmuth, Asbach

Greiswald, Bonn, Konigsberg

Reitor da universidade de Bonn 1871-2, Instituto Arqueológico Alemão em Roma

Demóstenes e seu tempo, História da guerra dos Sete Anos,

Martin PHILIPPSON 1846-1916 Magdeburg História Bonn Bonn, Brüssel, Deutsch-Israelitische Gemeindebund, Jüdischen Friedhof Berlin-Weißensee, Verband deutscher Juden.

Der Grosse Kurfürst Friedrich Wilhelm von Brandenburg. 3, Neueste Geschichte des jüdischen Volkes

Julius Albert Georg von HARTTUNG

1848-1919 Wernikow História e filologia

Bonn, Berlim e Göttingen

Paul Kehr, Burckhardt

Tübingen, Basel

Soldado na guerra Franco-prussiana, Sociedade Histórica de Verona, Londres, Paris, Roma, Turim e Palermo, Geheimen Staatsarchiv in Berlin

Hamburger Zeitung Documentos do Papado 1046-1198

Friedrich Wilhelm Karl von HEGEL

1813-1901 Nürberg História Berlim e Heidelberg Filho de Hegel Rostock e Erlangen

Parlamento de Erfurt

Editor do Mecklenburgischen Zeitung

Crônicas dos Estados Germânicos

Richard ROEPELL 1808-1893 Danzig Halle e Berlim Heinrich Leo, Ranke

Breslau Parlamento de Erfurt

Academia de Ciências da Baviera

Anais Poloneses

Adolf BEER 1831-1902 Prossnitz História Berlim, Heidelberg, Sybel Grosswardein Deputado Nacional Arquivos para a História Geschichte des Welthandels, Die

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Praga e Viena (Romênia) austríaca, Historischer Zeitschrift

orientalische Politik Österreichs seit 1774, Der Staatshaushalt Österreich-Ungarns seit 1868, Die Finanzen Österreichs im 19. Jahrhundert, Leopold II., Franz II. und Katharina von Rußland. Ihre Korrespondenz

Ernst BERNHEIM 1850-1942 Hamburg História Berlim, Heidelberg Göttingen e Estrasburgo

Georg Waitz, Julius Weizsäcker

Greifswald Reitor da universidade de Greifswald

Judeu que se converteu ao protestantismo em 1886

Manual do Método Histórico e da filosofia da história.

Hans DELBRÜCK 1848-1929 Bergen auf Rügen

História Heidelberg e Bonn Sybel Berlim Deputado no Parlamento alemão

Lutou na guerra Franco-prussiana, membro da delegação alemã na Conferência de Paz de Versalhes em 1918

Preussischen Jahrbücher História da arte da guerra 4v.

Fonte: Deutsche National Bibliothek. Disponível em: http://www.d-nb.de/; Elektronische Allgemeine Deutsche Biographie. Disponível em: http://mdz10.bib-bvb.de/~ndb/adb_index.html, Deutsche Biographie. Disponível em: http://www.deutsche-biographie.de/blaettern.html. Biographie Portal. Disponível em: http://www.biographie-portal.eu/search. Österreichisches Biographisches Lexikon 1815–1950. disponível em:

http://www.biographien.ac.at/oebl?frames=yes.

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A participação dos historiadores nos assuntos políticos deixava claro que

eles disputavam com os filósofos e os políticos o papel de tematizarem a liberdade,

e de refletirem sobre a política ou a governança. Esse envolvimento político

expressa um período decisivo da história alemã, vivido entre a derrota para

Napoleão e a vitória na Guerra Franco-Prussiana. Segundo Norbert Elias, a “vitória

dos exércitos alemães sobre a França foi, ao mesmo tempo, uma vitória da nobreza

alemã sobre a classe média alemã” (1997: 26). Com isso, eles trocavam

“decisivamente, o idealismo burguês clássico pelo manifesto realismo do poder”

(ELIAS, 1997:27). De qualquer modo, a história foi uma matriz disciplinar – bem

como o pensamento historicista – e um instrumento capital para a política no

período em tela. Com efeito, a “história da Alemanha e do liberalismo alemão não

poderia ser escrita sem devotar considerável espaço ao papel central

desempenhado pelos historiadores” (IGGERS, 1983:91). Assim, os historiadores

foram importantes atores do momento, algo que também ocorreu em relação à

França, onde Thiers, Guizot e Michelet, por exemplo, não se furtaram de combater

na arena política e exercer cargos públicos.

Sobre as trajetórias individuais algumas análises podem ser feitas. Ranke,

por exemplo, era um conservador convicto, mas acompanhou a política de

Bismarck com pouco entusiasmo. Embora visse o chanceler com bons olhos, afinal

ele havia mantido a Prússia longe dos temores da revolução, não o defendia

abertamente. O von em seu sobrenome, inclusive, foi um título nobiliárquico de

barão obtido em 1865. Ranke conclamava os historiadores a contemplar o jogo das

forças históricas, não de maneira desapaixonada apregoam como seus críticos, mas

deixando as responsabilidades do governo para os homens de Estado, ou seja,

políticos (BENTIVOGLIO, 2010).

Theodor Mommsen editou um jornal político em Schleswig-Holstein,

Gervinus dirigiu a Gazeta Alemã. Em 1857 surgiu o periódico Preussische

Jahrbücher (Anais Prussianos), criado quando Guilherme assumiu o governo

devido aos problemas mentais de Frederico IV, para apoiar a causa da unificação

alemã e do governo constitucional sob a liderança da Prússia. A sua frente

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estiveram Sybel, Treitschke, Baumgarten e Dilthey (IGGERS, 1983:91) – todos

historiadores.

Da queda de Napoleão e da Restauração em 1815 até 1857 existiu a

Confederação Germânica formada por 39 Estados independentes e cujas decisões

eram compartilhadas por Prússia e Áustria, sob a hegemonia desta última. O clima

reacionário fez com ambas resistissem a formas mais amplas de representação

política, gerando movimentos em 1820 e 1830; sem contar as ingerências nas

constantes intromissões políticas da Santa Aliança. Áustria e Prússia se uniram na

repressão, os decretos de Karlsbad revelam isso, sobretudo para conter

conspirações estudantis, motivadas pelas sociedades de estudantes, as

Burschenschafts. Foram elas que organizaram os famosos festivais de Wartburg em

1817 e de Hambach em 1832, emblemáticos para se compreender o nacionalismo

germânico. Ambos foram gestados pelas Burschenschaften. O festival de Wartburg

celebrou o tricentenário de Lutero e o 4º aniversário da Batalha de Leipzig (HAHN,

2001:27). Já o festival de Hambach tinha como mote a censura da imprensa e a

defesa do princípio democrático (HAHN, 2001:29). Mais de 30 mil pessoas ligadas

a estes eventos foram perseguidas pela polícia secreta de Metternich. A

radicalização dos movimentos estudantis teve seu ponto alto no surgimento d´A

Gazeta Renana de Karl Marx, que começou a circular em 1842, e, em escala menor

com a Gazeta Alemã de Gervinus, surgida em 1845.

Embora depois da derrota em Iena as aspirações liberais tivessem sofrido

duro golpe, paradoxalmente o controle francês sob territórios germânicos animou

certos atores políticos em relação ao ideário liberal e teve importância decisiva na

emergência do nacionalismo. A atmosfera reacionária pós-Restauração também

contribuiu para a expansão das reivindicações de liberdade e de direitos

democráticos, além de motivar outros movimentos mais radicais, ilustrados pela

esquerda hegeliana e também pela liga dos comunistas. Os historiadores alemães

tendiam a acreditar que a monarquia Hohenzollern, com seus aspectos autoritários e aristocráticos e seu ethos burocrático único, garantiria melhor caminho para a defesa das liberdades individuais e segurança jurídica que uma democracia em que política pode ser mais reativa aos anseios da opinião pública que às considerações e razoes de Estado (IGGERS, 1983:15).

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Nas fórmulas políticas de então nutriam admiração pelo federalismo norte-

americano, ainda que não vissem com bons olhos o princípio democrático que lhe

inspirava; pelo liberalismo inglês – sobretudo de Mill e de Bentham – cuja

monarquia constitucional bicameral era admirada, ao lado do pensamento político

francês oriundo de Montesquieu e de Benjamin Constant. Mas esses ideários eram

assimilados criticamente e adaptados às práticas políticas vivenciadas em solo

germânico. Desse modo tradicionalismo, autoritarismo e protecionismo eram

forças que no universo das práticas políticas moldavam compreensões de

liberdade e de representação política. Historiadores liberais, como Dahlmann ou

Droysen, não defendiam uma monarquia parlamentarista, como a inglesa ou a

brasileira, mas uma monarquia constitucional em que rei e administradores da

burocracia deveriam respeitar as liberdades civis e serem coadjuvados por

instituições representativas eleitas para a Câmara Baixa – o Parlamento –, visto

justificarem a existência de uma Câmara Alta, formada pela aristocracia

tradicional.

Até o Vormärz (Pré-Março) em 1848, um otimismo reinava entre os círculos

políticos e intelectuais. Vislumbrava-se a possibilidade do surgimento de um

Estado alemão unificado, com instituições representativas e governo

constitucional. A despeito da repressão reinante, da censura e das restrições

políticas a intelligentsia germânica acreditava no triunfo do liberalismo. Afinal

viviam um momento de rápido desenvolvimento econômico, cultural e científico

que alimentava sentimentos patrióticos de integração, sedimentados no

pressuposto de uma identidade histórica e cultural comum acompanhada pelas

alianças econômica – o Zollverein – e política – a Deutschesbund. O dualismo foi

rompido apenas em 1849, quando, o impacto da revolução definiu melhor os

projetos políticos existentes e ampliou a rejeição à monarquia austríaca,

prenunciando a ascensão da Prússia. Se os episódios de 1848 em Frankfurt, Berlim,

Bohemia e Schleswig-Holstein haviam demonstrado àqueles políticos a

necessidade do uso de tropas, austríacas ou alemãs, para garantirem as reformas e

evitarem ações políticas de uma esquerda radical (IGGERS, 1983:22), nos conflitos

do norte ficou patente que a Áustria não desejava a expansão do poder prussiano.

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A ação do exército prussiano contra a reivindicação da Dinamarca por Holstein

indicou para a Prússia que somente a força militar não seria suficiente para

conquistar a liderança frente aos territórios germânicos1. Seria preciso adotar o

caminho constitucional a fim de manter sua liderança sobre a Confederação

Germânica e fazer alianças com os Estados germânicos mais fortes – excluindo-se a

Áustria – projeto que ganhou até mesmo a adesão homens como Welcker e

Gervinus. Agora não se tratava somente de evitar conflitos sociais internos, como a

atuação de Metternich havia priorizado ao lado da expansão e domínio sobre seus

territórios no leste, mas, sobretudo, conseguir alianças políticas externas. De início,

havia o desejo de integração de todos os estados germânicos, com o passar do

tempo viu-se que a Áustria não poderia integrar a confederação.

Assim, até 1848 os intelectuais alemães desejavam a liberalização e a

unificação nacionais, face ao temor diante dos conflitos que colocavam em risco a

ordem, em crescente radicalização política, que fizeram com que, salvo poucas

exceções, apoiassem o governo prussiano de Frederico IV; depois, durante a crise

constitucional de 1862 e 1866 não apoiassem a política de Bismarck, mas, enfim,

que se comprometessem com ela a partir de 1867. Quando Bismarck reformou o

exército violando a constituição em 1862, o Preussische Jahrbücher protestou, mas

depois das vitórias de 1866 todos reataram com Bismarck, com exceção de

Gervinus.

Para Taylor, até 1848 os escritores alemães escreviam para si e para os

príncipes, estavam longe da realidade. Não tinham público (TAYLOR, 1945: 54). E

seria inimaginável pensar o equilíbrio germânico sem Metternich, mas depois

daquele ano a posição da Áustria tornou-se um problema. A expansão dos jornais

mudou este panorama, indício de ampliação da esfera pública e da constituição de

forças disputando a arena política. O interesse crescente pelas questões do

momento levaram à criação de várias cadeiras de história contemporânea, que

atraíam grande público, e acabavam por deslocar muitos historiadores da ciência

para a atuação política, como foi o caso das aulas de Droysen em Kiel.

1 Dahlmann publicou seu Política reduzida ao grau e medida das condições existentes para tratar desta questão e foi um orador ativo dos direitos dos Schleswig-Holsteiners germânicos contra a monarquia dinamarquesa, ao lado de Droysen, que inclusive teria que deixar a Universidade de Kiel por conta disso.

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Quando em 1849 a contra-revolução destruiu os parlamentos eleitos

democraticamente e muitas das liberdades criadas pela revolução (BREUILLY,

2002:55) e em 1850 Saxônia, Hannover, Bavária e Wüttemberg decidiram criar

uma nova liga de reinos, em oposição à Confederação Germânica, sendo realizadas

eleições para o parlamento de Erfurt votar uma constituição para esta liga, que foi

derrotada pelas tropas austríacos, preservando a Confederação (Bund), ficou

evidente a impossibilidade de transformações mais radicais ou democráticas para

o futuro da Alemanha. Este episódio, chamado também de humilhação de Olmütz,

contudo, apenas abreviou a franca ascensão da Prússia como liderança política.

Nas palavras de Von den Pfordten, primeiro ministro bávaro, “a luta pela

hegemonia germânica havia sido selada e a Áustria perdeu” (Apud, BREUILLY

2002:58).

Ao contrário de Georg Iggers que vê na chamada Escola Histórica Prussiana

a expressão de um otimismo político ingênuo face a estes acontecimentos, penso,

que poderiam ser otimistas, mas não eram ingênuos. Mommsen, Gervinus e

Droysen, por exemplo, não acreditavam na existência de um aperfeiçoamento

espontâneo realizado pela história que tornaria as instituições melhores ou mais

justas, como produtos necessários do desenvolvimento histórico. Igualmente, para

eles, o poder não poderia ser somente o uso da força, mas o exercício de princípios

éticos. Ou seja, ao contrário dos franceses que após a Revolução procuraram

aplicar a lei natural à política ou, ou de Hegel que colocava a supremacia da razão

sobre a história ou sobre os direitos individuais, revelam um entendimento

político diverso ancorado no princípio constitucional. Droysen, por exemplo,

escreveu as Guerras de Libertação entre 1842-3 e a História da Política Prussiana,

em 1855, obras que tiveram forte impacto naquele contexto. Para ele a lei é muito,

mas não é tudo e “o grande erro do liberalismo vulgar foi ter insistido no governo

baseado na soberania popular e por direitos individuais garantidos (...) e a

verdadeira essência do constitucionalismo consiste em o Estado remover de sua

competência tudo aquilo que não propriamente pertence a ele” (IGGERS,

1983:107). Nacionalidade, portanto, deveria ser mais importante do que liberdade.

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A identidade entre os historiadores prussianos não pode ser pensada sem

reservas, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista epistemológico.

Embora surgissem em um contexto comum e de uma mesma base, não são poucas

as diferenças existentes. Na Comissão Constitucional durante o Parlamento de

Frankfurt em 1849, Dahlmann e Droysen se opuseram ao voto universal, algo que

Mommsen e Gervinus defendiam. Com o tempo, todos perceberam que a

Unificação não poderia ser feita a partir de Frankfurt, mas de Berlim. Outro

exemplo ocorreu durante a reforma do Exército por Bismarck em 1861, quando

Duncker e Droysen não se manifestaram, mas Haym, editor do Preussische

Jahrbucher escreveu um duro artigo lamentado que o chanceler desejasse salvar a

velha ordem militar prussiana em uma nova Prússia. Treitschke, que apoiou

Bismarck, foi convidado a deixar a revista. Mas a vitória sobre a Áustria em 1866

fez com que todos reatassem com o governo e, até mesmo Baumgarten realizou

uma autocrítica de sua resistência à política do Reich. Somente Gervinus

permaneceu irreconciliável com a liderança dos Hohenzollern, de Bismarck e de

sua política militarista. Aos poucos, também Mommsen e Treitschke foram

percebendo que os princípios liberais eram inconciliáveis com um poder nacional

fundamentado na força. Note-se que este último era um liberal da Saxônia, filho de

junker, de raízes tchecas, que apoiou a Kulturkampf contra a Igreja católica bem

como defendia abertamente seu antisemitismo. Para Herman Baumgarten e

Theodor Mommsen o caráter liberal do governo de Bismarck era tênue, pois as

instituições e a própria sociedade estavam nas mãos de uma elite senhorial

militarista e burocrática de forte tradição autoritária (IGGERS, 1983:23). Segundo

Mommsen a estrutura autoritária do Estado alemão, sua parlamentarização incompleta, seu vínculo com valores de obediência militares e aristocráticos, impediram a emergência de um espírito de responsabilidade política entre o povo alemão no tempo em que a emergência dos movimentos políticos de massa junto ao padrão constitucional do governo bismarckiano tornou a cidadania absolutamente necessária (Apud IGGERS, 1983:23).

As forças políticas lentamente conduziram à formação de clubes, ligas e

partidos políticos, os radicais Clube Democrático foi criado em 23 de março de

1848 e o Partido Comunista em janeiro de 1848, os moderados Clube

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Constitucional e o Partido do Cassino em 1849. A simpatia pelos americanos não

era velada. Rotteck e Welcker se inspiravam no federalismo de Thomas Jefferson,

Gervinus afirmava que a América era o Estado do futuro (HAHN, 1996:38) e Droysen advogava um novo tipo de governo representativo que poderia incrementar a unidade e coesão do Estado sem a eliminação completa da estratificação social existente ou, igualmente importante na Alemanha, a supressão das peculiaridades regionais (SOUTHARD, 1995:16).

Buscar o just milieu, o equilíbrio, eis a tônica da moderação de Droysen. Em

seus estudos sobre as Guerras de Liberdade, ele “ofereceu uma exposição detalhada

da história americana e européia e demonstrou a inevitabilidade histórica da

unificação alemã como uma monarquia constitucional sob a preponderância da

Prússia” (Southard, 1995:33). Em A posição política da Prússia, de 1845 defendeu

Frederico IV e seu papel na manutenção da paz e no desenvolvimento cultural e

econômico nos países germânicos.

Duncker em Crise da Reforma, publicado em 1845, dividiu a história em

quatro períodos: o primeiro é o do Iluminismo e seu pensamento ahistórico, o

segundo é o do romantismo e seu amor acrítico pelo passado, o terceiro é o

idealismo de Hegel e sua tentativa de colocar conteúdos ilegítimos em formas

legítimas e o último do empirismo, onde se inseria. Duncker e Haym participaram

do movimento protestante conhecido como Amigos da Luz (Lichtfreunde), que

estabeleceu congregações livres em várias cidades alemãs. Separavam o

desenvolvimento do Estado (prussiano) do desenvolvimento nacional

(germânico), cuja história, no entanto, tinha uma mesma fonte: os desígnios

divinos. Duncker e Droysen estavam do lado das populações germânicas em

Schleswig-Holstein e contra os dinamarqueses. Tratando da Prússia, revela

Duncker A monarquia constitucional aparece para nós como uma demanda requerida do tempo, como a necessidade histórica de nossa época, como a reconciliação entre o norte e o sul da Alemanha, como o compromisso entre o absolutismo e a liberdade. O princípio conquistado era serem oferecidas condições aceitáveis, uma paz própria para ser concluída entre os partidos em disputa. Constitucionalismo, como desejamos, era para ser democrático e honrado: não para ser limitado pela representação da burguesia em que um administração poderosa e centralizada controlasse o balanço; era para proceder de um auto governo das províncias e ser direcionado para o caminho de um Parlamento germânico (Apud SOUTHARD, 1995:122).

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Droysen tinha medo da anarquia republicana (SOUTHARD, 1995:123) e da

revolução, da guerra civil. E temia que os príncipes não fossem receptivos,

compreensivos com o projeto da unificação. Para Droysen, “a Alemanha deveria ser

forte, mais forte que o perigo ou nossa esperança” (Apud SOUTHARD, 1995:26). A

constituição prussiana, aprovada, teria o mérito de ser confeccionada com base na

representação provincial. Suas expectativas, contudo, foram frustradas pelos

acontecimentos e ele voltou-se para o trabalho acadêmico.

Haym insistia que “o processo histórico consiste no progressivo

desenvolvimento da ideia que subsume todos os fatos e valores” (Southard,

1995:87). Ele acrescentou à ideia de progresso contida na filosofia hegeliana,

embora abandonasse sua crença em verdades atemporais, a empiricidade,

historicizando a ética. A pedido de Duncker, Haym leu o panfleto de Gervinus A

Constituição Prussiana redigido em 1847 e chegou a conclusões parecidas com as

de Droysen. A Prússia não precisava de uma constituição porque o

constitucionalismo era algo inevitável, ela precisava de uma constituição para

preparar o caminho da unificação. Enquanto Gervinus apelava para a força dos

negócios, Haym tratava do poder dos negócios – pensando-os como agentes de

mudança.

Sybel, protestante vivendo em um território católico, era um fervoroso

adepto do modo rankeano de escrever e pesquisar história, mas não de fazer

política. Em 1843 escreveu Sobre os Tories e também Sobre a relação da nossa

Universidade com a vida pública. Criticava as monarquias absolutas, contrapondo-

as à liberdade, ao caminho constitucional e representativo. E também o mito do

herói de Edmund Burke. Redigiu Os partidos políticos do Reno em 1847, para

combater o partido feudo-clerical. É dele o maior número de colaborações na

Historische Zeitschrift, da qual foi o também o editor-chefe até 1895. Em seguida o

periódico foi dirigido no curto período de um ano, entre 1895 e 1896 por Heinrich

von Treitschke e, em seguida por Friedrich Meinecke de 1896 a 1935.

Ao tratar dos historiadores prussianos, Southard retrata Duncker como

mais ingênuo, Haym como mais raivoso, Droysen como mais enérgico e

personalista, Sybel como o mais conciliatório.

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À guisa de conclusão eu lembraria que as motivações da pesquisa histórica

partem sempre de circunstâncias do presente relacionadas às carências de sentido

provocadas pelas transformações ocorridas, e isso não foi diferente em relação aos

historiadores alemães. Todos eles abandonaram a produção de uma história

filosófica por outra, mais empirista e mais voltada para as repostas aos problemas

colocados em seu tempo, que invariavelmente se situava entre a política e a

diplomacia. Lideranças em suas localidades, articulados, cultos, autores conhecidos

e enérgicos, aqueles historiadores não poderiam se furtar do debate político vivido,

tampouco fugir do chamamento que a sua atuação exigia. Concordo com Rüsen que

vê na historiografia um modo de constituição narrativa de sentido, no qual domina o fator da relação ao público-alvo, de dirigir-se a alguém mediante o pensamento histórico (que, aliás, sempre é pensado para alguém, para um público ou para um grupo de pesquisadores, por exemplo). É determinante desse modo e de sua especificidade científica o ponto de vista da relevância comunicativa. Ela diz respeito à receptividade das histórias. (RÜSEN, 2008:28).

Assim, podemos perceber que havia um rico e profundo diálogo que foi

estabelecido entre os historiadores da Escola Histórica Prussiana do século XIX e

sociedade na qual se inseriam, não somente no plano do pensamento, mas,

sobretudo, no plano da ação, encurtando a distância entre ciência e política, suas

verdadeiras e inseparáveis vocações.

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