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CURSO AUTODIDÁTICO DE FORMAÇÃO POLÍTICA EM DEMOCRACIA 15 de janeiro de 2014 às 17:13 Portado por Augusto de Franco em https://www.facebook.com/notes/augusto-de-franco/curso-autodid%C3%A1tico-de- forma%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-em-democracia/703858046313063 Publico as indicações abaixo porque apareceu um cara aqui dizendo que a democracia grega era uma plutocracia e que lá - no século 5 a. E. C. - as mulheres nem podiam participar. Lembrei a ele que 2 mil anos depois, na democracia dos modernos, as mulheres ainda não podiam. É claro que essa confusão entre cidadania e democracia é o mais eloquente sintoma de analfabetismo democrático. Mas ele disse que fez doutorado em política. Uau! Então respondi que era muito comum encontrar analfabetos com doutorado. De qualquer modo, fica a dica. É um curso autodidático. Público alvo: Analfabetos democráticos que têm doutorado na chamada ciência política Programa: Um itinerário de 42 textos básicos (até o século 20) SOBRE A DEMOCRACIA DOS GREGOS A maior parte da literatura da época antiga disponível, ou é contrária à democracia (Platão), ou não é grande entusiasta do regime de Péricles (Aristóteles). Essas duas abordagens, infelizmente, sulcaram o caminho por onde escorreram quase todas as versões posteriores, que raramente deram conta de captar o meme democrático original. Na ausência de qualquer texto autoral de Péricles, é necessário estudar a sua vida. As fontes são pouquíssimas: “A guerra dos peloponesos” de Tucídides, a “Vida de Péricles” (nas “Vidas paralelas”) de Plutarco, além, é claro de “A constituição de Atenas” de Aristóteles (ou a ele atribuída). Dos antigos, temos ainda apenas algumas referências feitas pelos poetas cômicos, “A República dos atenienses” (atribuída a Xenofonte ou a um suposto “Velho Oligarca”) – que não faz referência a Péricles, mas contradiz o relato de Tucidides na célebre “Oração Fúnebre” que teria sido pronunciada

Curso autodidático de formação política em democracia

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CURSO AUTODIDÁTICO DE FORMAÇÃO POLÍTICA EM DEMOCRACIA

15 de janeiro de 2014 às 17:13 Portado por Augusto de Franco em https://www.facebook.com/notes/augusto-de-franco/curso-autodid%C3%A1tico-de-forma%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-em-democracia/703858046313063

Publico as indicações abaixo porque apareceu um cara aqui dizendo que a democracia grega era uma plutocracia e que lá - no século 5 a. E. C. - as mulheres nem podiam participar. Lembrei a ele que 2 mil anos depois, na democracia dos modernos, as mulheres ainda não podiam. É claro que essa confusão entre cidadania e democracia é o mais eloquente sintoma de analfabetismo democrático. Mas ele disse que fez doutorado em política. Uau! Então respondi que era muito comum encontrar analfabetos com doutorado. De qualquer modo, fica a dica. É um curso autodidático.

Público alvo: Analfabetos democráticos que têm doutorado na chamada ciência política

Programa: Um itinerário de 42 textos básicos (até o século 20)

SOBRE A DEMOCRACIA DOS GREGOS

A maior parte da literatura da época antiga disponível, ou é contrária à democracia (Platão), ou não é grande entusiasta do regime de Péricles (Aristóteles). Essas duas abordagens, infelizmente, sulcaram o caminho por onde escorreram quase todas as versões posteriores, que raramente deram conta de captar o meme democrático original.

Na ausência de qualquer texto autoral de Péricles, é necessário estudar a sua vida. As fontes são pouquíssimas: “A guerra dos peloponesos” de Tucídides, a “Vida de Péricles” (nas “Vidas paralelas”) de Plutarco, além, é claro de “A constituição de Atenas” de Aristóteles (ou a ele atribuída). Dos antigos, temos ainda apenas algumas referências feitas pelos poetas cômicos, “A República dos atenienses” (atribuída a Xenofonte ou a um suposto “Velho Oligarca”) – que não faz referência a Péricles, mas contradiz o relato de Tucidides na célebre “Oração Fúnebre” que teria sido pronunciada

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por Péricles ao final do primeiro ano da Guerra do Peloponeso – e as “Memoráveis” (sobre os ditos e feitos memoráveis de Sócrates) de Xenofonte.

De qualquer modo não se pode deixar de ler:

422 Eurípedes: “As Suplicantes”

420? Tucídides: “História da Guerra dos Peloponesos e Atenienses”

400-347 [entre] Platão: “A República”

400-347 [entre] Platão: “O Político”

400-347 [entre] Platão: “As Leis”

350-322 [entre] Aristóteles: “A Política”

322? Aristóteles (atribuída): “A Constituição de Atenas”

AS BASES TEÓRICAS DA REINVENÇÃO DA DEMOCRACIA PELOS MODERNOS

Depois de longo interregno, Althusius, Spinoza e Rousseau lançaram os fundamentos para a reinvenção da democracia pelos modernos: a idéia de política como vida simbiótica da comunidade, a idéia de liberdade como sentido da política e a idéia de democracia como regime político capaz de materializar o ideal de liberdade como autonomia. Não se pode, portanto, deixar de ler:

1603 Althusius: “Política”

1670 Spinoza: “Tratado Teológico-Político”

1677 Spinoza: “Tratado Político”

1754 Rousseau: “Discurso sobre a origem da desigualdade dos homens”

1762 Rousseau: “O contrato social”

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A EXPERIMENTAÇÃO MODERNA DE UM PENSAMENTO REALMENTE DEMOCRÁTICO

Sob forte influência de certo pensamento inovador francês, as ideias democráticas germinaram e se materializaram, todavia, na América. Sobre essa experimentação não se pode deixar de ler:

1776 Thomas Jefferson et allia: “Declaração de Independência dos Estados Unidos da América”

1787-1788 “Publios” (Alexander Hamilton, John Jay e James Madison): “O Federalista” (em especial Madison (1987) em um comentário sobre a Constituição dos Estados Unidos)

1789 “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”

1791 Thomas Paine: “Direitos do Homem”

1835 Tocqueville: “A Democracia na América”

1849 Thoreau: “Desobediência Civil”

1856 Tocqueville: “O Antigo Regime e a Revolução”

1859 Stuart Mill: “Sobre a Liberdade”

1861 Stuart Mill: “Sobre o Governo Representativo”

DOIS ESFORÇOS BEM-SUCEDIDOS DE IDENTIFICAÇÃO DO GENOS DEMOCRÁTICO

John Dewey e Hannah Arendt conseguiram identificar o que havia de original na idéia de democracia: a democracia como modo-de-vida comunitária, essencialmente cooperativo, local, na base da sociedade o no cotidiano do cidadão e a democracia como sentido da política (ou como a política propriamente dita). Cabe ler suas principais obras sobre o tema; pelo menos:

1927 Dewey: “O Público e seus problemas”

1929 Dewey: “Velho e novo individualismo”

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1935 Dewey: “Liberalismo e ação social”

1937 Dewey: “A democracia é radical”

1939 Dewey: “Democracia criativa: a tarefa que temos pela frente”

1950 (c.) Hannah Arendt: “O que é a política?”

1951 Hannah Arendt: “As origens do totalitarismo”

1954 Hannah Arendt: “Que é liberdade”

1958 Hannah Arendt: “A condição humana”

1963 Hannah Arendt: “Sobre a revolução”

INTERPRETAÇÕES E VISÕES DEMOCRÁTICAS MODERNAS

Restaram-nos as interpretações modernas, que repõem, em parte, o sentido original da democracia, como, entre outras, a de Claude Lefort e a de Cornelius Castoriadis, ou que reinventaram tal sentido, como a de Humberto Maturana. Cabe ler, um pouco mais do que isso:

1981 Lefort: “A invenção democrática: os limites da dominação totalitária”

1986 Cornelius Castoriadis: “Sobre ‘O Político’ de Platão” (edição póstuma (1999) de seminários realizados em 1986)

1988 Humberto Maturana: “Linguagem, emoções e ética no fazer político”

1993 Humberto Maturana: “A democracia é uma obra de arte”

1993 Humberto Maturana (com Gerda Verden-Zöller) (1993): “Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano – do patriarcado à democracia”

1993 John Rawls: “O liberalismo político”

1993 Robert Putnam: “Para que a democracia funcione” (Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna)

1994 Levy: “A inteligência coletiva”

1998 I. F. Stone: “O julgamento de Sócrates”

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1999 Amartya Sen: “Democracia como um valor universal”

1999 Amartya Sen: “Desenvolvimento como liberdade”

É claro que uma lista mais completa de obras políticas que têm a ver com a democracia (ou com a sua negação) seria bem maior, mas – dado o quadro de analfabetismo atual – talvez seja pedir demais que se leve em consideração o repositório completo do que se escreveu, nos séculos passados, sobre a democracia (inclusive pelo avesso).

O itinerário das 42 leituras listadas acima deveria ser parte de qualquer currículo de educação para a democracia – disciplina que deveria ser obrigatória nas escolas e universidades, mas não é e tudo indica que não será. Cabe-nos, portanto, propagandeá-lo como um novo programa autodidático.