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Clínica Psicanalítica: manejo e subjetivações na contemporaneidade Tema de abertura: A histeria na atualidade: novas trajetórias nos labirintos da falta? Coordenação Alexandre Simões ALEXANDRE SIMÕES ® Todos os direitos de autor reservados .

CURSO CLÍNICA PSICANALÍTICA 2012 - Aula 1 - a histeria na atualidade

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Clínica Psicanalítica:manejo e subjetivações na

contemporaneidade

Tema de abertura:

A histeria na atualidade: novas trajetórias nos labirintos da falta?

Coordenação Alexandre Simões

ALEXANDRE SIMÕES

® Todos os direitos de

autor reservados.

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Vejamos inicialmente 4 demarcadores da histeria a partir do discurso analítico:

a) a histeria é uma posição subjetiva que se apresenta na clínica psicanalítica

independentemente de suas manifestações sintomáticas;

Esta afirmação pode ser proposta ainda que, inicialmente, Freud tenha se amparado da ampla manifestação sintomática da histeria

para nos apresentar uma nova formulação que já não mais se enquadrava na semiologia psiquiátrica vigente em seu tempo.

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Em suma: um discurso distinto instaura uma clínica igualmente distinta.

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b) esta posição subjetiva (ou seja, este modo do sujeito ser remetido à sua própria divisão) comporta uma forma específica de gozo;

por gozo, neste contexto, podemos compreender a interação (de múltiplas vias) entre prazer e

sofrimento mas, sobretudo, o modo de divisão do sujeito.

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c) Temos, portanto, uma relação de preservação da falta e, ao mesmo tempo, reivindicação por meio da falta, o que torna a histeria uma experiência subjetivante de base

“O histérico é o sujeito dividido”

(Jacques Lacan, Radiofonia - 1970, p. 89)

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d) o gozo na histeria comporta, sempre, uma relação de necessária sustentação da falta (que mantém a experiência desejante) e, igualmente, o risco de constante evanescência (fading) do sujeito diante da falta;

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Há alguns anos, uma mulher de meia idade me procurou, envolvida em uma situação de grande sofrimento, tendo como

ponto central - segundo o que lhe era nítido naquele momento - a sua desgastada relação com o marido.

Após um casamento de 18 anos, as constantes cobranças que o marido (um profissional bem sucedido) vinha ultimamente lhe

fazendo para que ela tivesse uma atividade profissional rentável e a crescente onda de desvalorização que isto acarretava (somada ao intenso desvalor que a própria paciente se

impunha), promoviam um amplo conjunto de sintomas: dores (localizadas e difusas) pelo corpo, sensações de iminente

desfalecimento, desleixo quanto a si, beirando até mesmo o ocultamento - por meio de roupas largas - dos traços e curvas

de seu corpo.

Fragmento Clínico:

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Vale salientar que o início do relacionamento deste casal comportou alguns detalhes que fazem

diferença.

Quando estas duas pessoas se conheceram, a mulher era, bem diferentemente de hoje, uma profissional bastante atuante em sua área de formação universitária. Ela se mantinha muito bem com seu salário, tinha suas atribuições e

responsabilidades de modo a ser uma profissional, nesta época, de destaque.

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O homem, que alguns anos mais tarde viria a ser o marido, era na época um estudante

universitário, com poucos recursos financeiros e que acabou sendo, durante os anos iniciais de

namoro, sustentado financeiramente pela namorada, que se mostrava para ele como uma mulher independente, emancipada e admirável.

Esta mulher, de certa forma, fez o seu homem.

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Estas circunstâncias, bem como outras que a paciente apresentará ao longo de sua análise, nos indicam um aspecto típico da histeria:

a obstinação de querer reparar a própria falta embaraça a histérica no ideal de perfeição do Outro.

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Este quadro inicial passa por uma grande mudança quando, um pouco mais adiante na relação, o casal - que

agora já tem um garoto de pouco mais de 2 anos de idade - decide mudar de cidade. Mais precisamente, a mãe

estava vivendo com o filho, enquanto o marido já trabalhava no início de sua carreira profissional (com uma grande carga de ocupações) nesta outra cidade, de modo

que a convivência dos três (almejada pela paciente) mostrava-se comprometida.

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Então, esta mulher decide largar a sua própria carreira

(era uma funcionária federal) e, com o filho, partir em direção à nova cidade na

qual o marido já estava instalado, iniciando assim

um outro ritmo de vida dedicado à manutenção da casa, aos cuidados do filho,

etc.

Torna-se, dali em diante, uma dona de casa exemplar.

Inaugura-se aí, gradativamente, uma trilha na qual a própria

paciente irá, ao lado das pressões do marido, se questionar sobre o

seu valor, sobre aquilo que produz, sobre a sua obra.

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Duas situações muito específicas podem nos chamar a atenção neste fragmento clínico, na

medida em que constituíram momentos fecundos da análise:

momentos onde a separação e a alienação entram em cena

(duas operações fundamentais que se entrecruzam no itinerário de uma análise e que

indicam o lugar do sujeito)

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Primeiro momento: um sonho

A paciente, após alguns meses me dizendo acerca de seu cotidiano e das mazelas de sua relação com o marido, relata um sonho que, segundo ela, apresentou-se a maior

parte do tempo bastante confuso.

Surgiram imagens desconexas, contextos e lugares pouco precisos, contornos desfocados. A paciente tinha a clara sensação de um sonho longo, uma espécie de

situação da qual ela não conseguia se desvencilhar; um sonho à beira de um pesadelo.

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Até que em um dado momento, ela se vê ao lado de uma mulher conhecida - uma amiga, que já faz parte de sua vida

há um bom tempo. É importante sublinhar que esta amiga vive uma situação, no casamento, homóloga à da paciente (o valor

daquilo que ela produz é sempre posto em dúvida pelo marido).

Elas estão andando por uma casa, com pouca iluminação. De repente, elas se encontram em um pequeno cômodo e a paciente se dá conta de que elas estão em um cativeiro.

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A angústia começa a se mostrar mais claramente nesta experiência do sonho, juntamente com a incerteza e a sensação de um grande

perigo que as rondava.

Uma porta se abre - esta parte faz contraste com o restante do sonho, pois anteriormente estava tudo muito enevoado e, de agora em diante, o que se apresentará é bastante claro - surge um homem desconhecido portando uma arma, na condição de carcereiro ou sequestrador e, para a surpresa da sonhadora, logo atrás deste homem amedrontador, aparece seu marido.

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Instantaneamente, ela é visitada por uma interrogação: “ele veio para me salvar ou é um comparsa do

sequestrador?”

Com esta cena, a paciente acorda. O sonho se tornou, neste ponto um sonho de angústia. Portanto, se

recorrermos a Lacan, um sonho do qual a paciente desperta abruptamente para, em vigília, manter-se

adormecida quanto aquilo que lhe instiga.

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A título de interpretação do sonho, lhe interrogo:

“o que, em você, te prende?”

Nas próximas sessões, a paciente trará um conjunto de cenas de sua vida que comportam uma espécie de arquitetura do cárcere: os labirintos da falta.

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Segundo momento: uma revelação

Em meio à situação conflituosa com o marido - demarcada por uma ausência de carinho entre

eles, diálogos ríspidos e uma constante sensação, por parte de paciente, de não ter

muito o que oferecer ao relacionamento - , a paciente se depara com a constatação de uma

traição.

Esta constatação deu-se por meio de uma conta telefônica “esquecida” pelo marido em casa e a paciente, ao abrir esta conta por “engano” (pois

imaginava ser a sua), deparou-se com uma intensa comunicação (telefonemas e envio de

mensagens) vinculada a um só e mesmo número. Isto chamou a sua atenção.

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A paciente se dá conta de que, naquele momento, lhe foi tirado o chão. A relação com o marido encontrava-se inteiramente fria e distante, porém, a marca de uma possível vinculação dele com um outro lugar (no caso, um número de telefone que, com a investigação da paciente veio a se confirmar como a existência de uma amante) lhe foi insuportável.

A paciente iniciou um quadro de extrema angústia, inanição, múltiplas sensações cinestésicas e agitação psicomotora que repercutiu em toda a sua rotina, beirando, em alguns momentos a despersonalização. Tratava-se de uma “loucura histérica”.

Mais de uma vez, durante a madrugada, ela foi encontrada (pelo marido e também filho) semi-desfalecida no corredor, fora do quarto, às vezes com sinais de vômitos, sem que ela mesma soubesse como chegou ali. Tornou-se, por algumas semanas, um farrapo humano.

Foi um momento no qual achei prudente o encaminhamento da paciente a um colega psiquiatra para a intervenção medicamentosa. Estava ocorrendo o recrudescimento da antiga situação de desvalor, de modo a não mais haver, no ápice da crise, muita diferença entre a paciente e um dejeto (insistentemente reiterada em seu discurso).

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Mas, em se tratando de histeria, não nos esqueçamos de uma baliza clínica crucial:

aquilo que pode parecer uma privação de gozo manifesta-se como um gozo na privação.

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Tanto o sonho quanto o episódio crítico podem nos indicar que o fator decisivo na direção do tratamento não se dá por uma pergunta sobre o objeto (aos moldes de

“o que você, de fato, quer?”) ...

Porém: “quem deseja em você?”

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Prosseguiremos no próximo encontro com o tema

Histeria e TOC: possíveis confluências

Até lá!

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