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Curso de Direito Ambiental – 2ª Série – 2010.
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin
Aulas 1 e 2 – Ementa: I - Orientação geral sobre o curso (regras sobre aulas e
provas – plano de ensino e bibliografia). II – 1º Tema: Direito Ambiental.
Enfoque Inicial – A distinção entre tutela individual e tutela coletiva. III – 2º
Tema: O Direito Ambiental – Conceituação básica. Importância.
I) Orientação geral sobre o curso (regras sobre aulas e provas – plano de ensino
e bibliografia).
1. Mensagem introdutória e objetivos do plano de
ensino para o curso. O Direito Ambiental se constitui em um ramo autônomo
da ciência jurídica acarretando a formação de um micro-sistema complexo no
ordenamento legal, composto de grandes áreas jurídicas que se relacionam
para formar um ideal de proteção ao ambiente, sem, contudo, contar com
normas codificadas ou consolidadas, o que obriga o alunado a ter uma visão
ampla e sistêmica do Direito Ambiental. Para tanto, a presente disciplina
alinha como objetivos centrais:
a) tornar o alunado capaz de compreender o Direito Ambiental de forma ampla,
e de perceber a correspondência entre o Direito Ambiental e os grandes ramos
do ordenamento jurídico que deitam raízes na proteção jurídico-legal ao
ambiente, tais como o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito Administrativo, o
Direito Processual, e, sem dúvida, o Direito Constitucional;
b) transmitir ao alunado a importância do meio ambiente na atualidade, com a
quebra da visão arcaica antropocêntrica na ordem econômica vigente, e ao
mesmo tempo, mostrar a potencialidade desenvolvimentista que o ambiente
encerra para o Brasil, o que somente nos faz ainda mais atentos para a
importância da proteção jurídico-legal estabelecida pelo Direito Ambiental a
esses recursos que compõem o ambiente;
c) demonstrar aos alunos e alunas que o Direito Ambiental não representa
apenas um conjunto de normas voltadas para proteções de áreas inóspitas,
representando um conjunto normativo bem mais amplo e próximo da
sociedade, presente cotidianamente na vida das pessoas, o que somente indica
a importância crescente do conhecimento dessa disciplina para o bacharelado.
2. Bibliografia básica. O Direito Ambiental conta com
vasto acervo de obras de doutrina jurídica. Para o desenvolvimento de nossas
aulas, recomenda o professor com base no plano de ensino, as seguintes obras
básicas:
a) MILARÉ , Édis, “Direito do Ambiente”, Editora Revista dos Tribunais, 6a.
edição, 2.009.
b) MACHADO , Paulo Afonso Lemes, “Direito Ambiental Brasileiro” , Editora
Malheiros, 17a edição, 2009.
c) FIORILLO , Celso Antonio Pacheco, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”,
Editora Saraiva, 11ª edição, 2010.
3. Aulas e avaliações. O Curso de Direito Ambiental
da UNIARA tem carga horária anual, com quatro provas bimestrais. Os alunos
devem guardar certo cuidado com as avaliações, já que os questionamentos do
professor são voltados para o senso crítico dos alunos e percepção da
utilização e importância dos institutos sob análise. Outro fator relevante a ser
destacado é a proximidade entre o conteúdo ministrado nas aulas presenciais e
os objetivos pretendidos pelo professor com as avaliações, o que recomenda
preocupação com a freqüência e aproveitamento das aulas com a resolução de
dúvidas.
II. Direit o Ambiental. Enfoque Inicial – A distinção entre tutela individual e
tutela coletiva.
1. Noção central. A disciplina “Direito Ambiental”
encerra uma série de dificuldades para os alunos, e certamente tal constatação
decorre da clara percepção de que o Direito Ambiental não é simplesmente um
conjunto de leis que protegem porções intocadas de florestas, ou que fixam
períodos de pesca fora da época de desova. Compreender o ordenamento
jurídico ambiental exigirá dos alunos um estudo mais amplo, de sorte a permitir
que vislumbrem ao final do curso a existência não de um simples conjunto de
leis que protegem recursos naturais, mas de um autêntico sistema jurídico
complexo com sólida base constitucional.
O Direito Ambiental pode ser conceituado como ramo do
ordenamento jurídico que representa a soma de princípios e regras legais que
disciplinam a ação humana perante a natureza em seu sentido mais amplo,
visando resguardar e preservar o ambiente. A Doutrina também formula
conceito primoroso:
“Direito Ambiental é o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que,
direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua
sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” (Milaré, 155, 2005).
2. Enfoque legislativo. Não há em nosso ordenamento
jurídico uma norma central (como um Código), voltada para o Direito Ambiental
como um todo, que possa consolidar ou codificar a variada legislação esparsa
em vigor.
Ainda assim, identifica-se o Direito Ambiental como ramo
autônomo do ordenamento jurídico nacional, sobretudo em face do destaque
que o mesmo alcançou na atual Constituição Federal, posto que a Carta Magna
reserva um capítulo específico ao meio ambiente, no bojo do que tratou como
“Ordem Social” (Título VIII), o que denota, por si apenas, a importância da
temática ambiental, reconhecida a ponto de merecer capítulo próprio em nossa
Lei Maior, relativizando o exercício da propriedade privada e a livre iniciativa
econômica. No âmbito infraconstitucional, merecem destaque em meio ao
emaranhado de leis, portarias e decretos, dentre outros que serão referidos ao
longo das aulas, os seguintes textos normativos de relevo e considerável
importância para o Direito Ambiental:
a) Lei 6938/81: institui a “Política Nacional de Meio Ambiente”, cria o “Sistema
Nacional de Meio Ambiente”, fixa conceitos e instrumentos importantes para o
Direito Ambiental, e, ainda, prevê a responsabilidade objetiva do degradador e
do poluidor para a hipótese de dano ambiental;
b) Lei 7347/85: disciplina o inquérito civil e a ação civil pública, considerada
importante instrumento para a defesa processual do meio ambiente e de outros
direitos e interesses difusos;
c) Lei 9605/98: é a lei dos crimes ambientais e prevê as sanções penais e
administrativas para as condutas lesivas ao meio ambiente.
3. Autonomia do Direito Ambiental. O Direito
Ambiental é considerado ramo autônomo da ciência jurídica, porque desde as
últimas três décadas, constituiu-se no meio jurídico um sólido pensamento em
torno das relações do homem com o ambiente que o cerca, considerando, em
linhas gerais, que essas relações, por vezes, culminavam com a prática de danos
ao meio ambiente, e por via reflexa aos outros homens, daí porque se passou a
identificar que além do surgimento de algumas leis ambientais, havia um
conjunto de princípios próprios, que deveriam orientar esse insipiente conjunto
normativo surgido a partir da década de sessenta (muitas delas ainda ligadas ao
Direito Administrativo e ao Direito Civil antes da Constituição Federal de 1988),
não mais como um apêndice de outros ramos do Direito, mas de forma
autônoma, própria, sobretudo, após a elevação do “direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado” ao patamar de direito fundamental na
Constituição Federal de 1988, como extensão dos direitos máximos de vida e
saúde.
Esse pensamento, sem dúvida, é fruto da melhor
identificação da chamada tutela jurídica coletiva. Com efeito, o Direito sempre
foi voltado para o homem, através de um pensamento jurídico acentuadamente
individualizado, quase sempre direcionado para a identificação e preservação
dos direitos individuais. Essa concepção antiqüíssima, e que acompanha o
homem desde o surgimento da vida em sociedade, predomina no estudo
jurídico até os dias atuais. Estudamos o Direito imaginando, quase sempre, a
sua aplicação individualizada no processo. Nós somos assim individualizados e
individualistas porque nossa formação pessoal parte do prisma da sobrevivência
e auto-afirmação, e nesse aspecto, o Direito também nos acompanha na busca
da sobrevivência, o que é muito natural, ou seja, o Direito como ferramenta de
sobrevivência do homem em sociedade. Com os recursos naturais (assim
considerado todo aquele ambiente fora do universo individualizado do direito de
propriedade sobre imóveis rurais no Brasil), padecíamos de grave problema,
porque não dispúnhamos de nenhum outro prisma jurídico de proteção fora do
foco individualizado do Direito.
Ademais, os recursos do ambiente sempre foram visto
como elementos disponibilizados pela natureza para nossa fruição, e, assim,
seriam um meio-ambiente protegido apenas para que pudesse propiciar
melhores condições de vida para os homens, ou ainda, para fornecer matéria
prima para a indústria ou consumo humano, ou lazer.
Portanto, somente entendíamos a preservação ambiental
fora do exercício do direito de propriedade privada, mormente através de
algumas ações governamentais mínimas para áreas de ninguém, a fim de que,
de um lado, na propriedade privada o ambiente não tivesse importância, e de
outro lado, fora da propriedade privada, o ambiente pudesse ser preservado
para que futuros interesses individuais não viessem a ser obstados pelo
esgotamento absoluto dos recursos naturais.
Ora, essa é a chamada visão antropocêntrica [Do gr.
anthrop-, anthropo- < gr. á nthrDpos, ou.]antropos = homem), que basicamente
consiste em colocar o pensamento em torno do ser humano situando-o em uma
posição sempre e sempre principal, com este obrigatoriamente no centro de
todas as coisas, que nos obrigaria equivocadamente a cuidar do meio ambiente
apenas para que dele pudéssemos desfrutar, porque o meio ambiente seria uma
porção ainda distante de território não explorado com animais silvestres e ar
puro, sendo importante manter algo preservado para nosso deleite, ou alguma
futura necessidade humana!
Esse raciocínio equivocado, ou seja, o de colocar o
homem no centro de tudo, contaminado pelo próprio Direito, é responsável pela
gigantesca destruição do meio ambiente ao longo dos tempos. Somente nas
últimas décadas se começou a perceber que o homem não detém o meio
ambiente, mas sim, o contrário, e que o homem é apenas parte do meio
ambiente, sendo que este ambiente ecologicamente equilibrado é, na verdade,
um direito fundamental de todos, compreendido como extensão do próprio
direito à vida. Havia, portanto, além dos direitos individuais, um grupo de
direitos coletivos, esparsos, disseminados na sociedade, que exigiam proteção
do próprio Direito, surgindo, assim, a moderna concepção da tutela (proteção)
jurídica coletiva.
3.1. Tutela jurídica individual. Normalmente, se
chamados a raciocinar sobre alguma hipótese de direito controvertido, ou seja,
de situação juridicamente conflituosa, imaginamos alguém (uma ou algumas
pessoas físicas ou jurídicas determinadas) que diante de um direito ameaçado
ou efetivamente atingido busca perante o Estado-Juiz (Poder Judiciário), através
de um mecanismo processual (ação), o reconhecimento desse seu direito, em
face de outra pessoa (uma ou algumas pessoas determinadas), daí porque a
idéia de relação processual triangular sempre bem compactada entre autor, réu
e juiz, em uma associação quase imediata.
3.2. Tutela jurídica coletiva. Em linhas gerais, no
Brasil e no Mundo, durante praticamente toda a história da ciência jurídica, a
tutela individualizada de direitos sempre foi a única estudada e conhecida,
apenas com suas derivações (litisconsórcio, assistência, intervenção de
terceiros, etc.), das figuras clássicas de “autor” a ocupar um dos pólos da ação,
e de “réu”, a ocupar respectivamente o outro pólo da mesma ação, pois não se
imaginava a existência de direitos difundidos para toda a sociedade.
Porém, com a evolução da vida moderna, recentemente
se passou a imaginar a existência de direitos que se espalhavam por todas as
pessoas, e que acabavam sendo lesados, justamente porque em razão de sua
amplitude acabavam não sendo alvo de nenhuma proteção jurídica. Surgiu
então no Brasil, nas últimas três décadas, a noção de uma nova categoria de
direitos, que sugeriria uma proteção coletiva para esses direitos que pertenciam
a um grande número de pessoas, e que por tal razão, jamais poderiam compor
um dos pólos de uma ação, justamente em razão de seu número tão elevado, e,
certamente, indeterminado. Novas leis surgiram na esteira desse raciocínio,
visando proteger e regulamentar a tutela coletiva de direitos, e coube ao Código
de Defesa do Consumidor, estabelecer uma definição para esse direitos,
dividindo-os em:
a) Difusos: são os chamados “transindividuais”, de natureza indivisível, de quem
são titulares um número indeterminado de pessoas e ligadas por circunstâncias
de fato. Significa que se o bem jurídico tutelado é indivisível, uma única ofensa
é suficiente para a lesão de todos os seus titulares, e que a supressão da causa
ofensiva beneficia a todos indistintamente. Também significa que não há uma
relação jurídica-base entre os titulares do direito, que permanecem protegidos
igualmente por circunstâncias de fato. Por fim, esses direitos têm como
titulares um número indeterminado de pessoas, até porque não estão ligados
por uma relação jurídica que possa dimensioná-los com precisão (artigo 81,
parágrafo único, inciso I, Lei no. 8.078/90).
b) Coletivos: São os transindividuais, de natureza indivisível, de quem são
titulares um grupo, classe, ou categoria de pessoas ligadas entre si, ou com a
parte contrária, por uma relação jurídica-base. Aqui, o que diferencia o
interesse/direito coletivo do interesse/direito difuso, é que nos primeiros, há
uma certa determinação dos titulares (seja em razão do grupo, da classe ou da
categoria), seja em razão da relação jurídica-base que as une, seja em relação
ao vínculo que as liga à parte contrária. Essa relação jurídica-base não decorre
da lesão causada ao direito, mas sim, preexiste ao problema. São classes ou
categorias atingidas, em que os titulares já estão vinculados em torno de um
mesmo interesse (artigo 81, parágrafo único, inciso II, Lei no. 8.078/90).
c) Individuais Homogêneos de Origem Comum: são aqueles que apresentam
origem comum, ou seja, a relação jurídica-base que reúne diversos titulares em
torno de uma tutela única, é justamente o dano ou lesão causado a essa
pluralidade de pessoas em razão de um determinado fato (artigo 81, parágrafo
único, inciso III, Lei no. 8.078/90).
Assim, possível concluir que nenhum outro ramo do
Direito encerra tamanha identificação com a chamada “tutela jurídica coletiva”
como o próprio Direito Ambiental. Reconhecidamente, ao servir para regular a
atividade humana frente ao ambiente que o cerca, o Direito Ambiental eleva o
meio ambiente a um patamar extremamente claro de direito difuso, porque é
óbvio que se o ambiente que nos cerca vier a ser atingido por condutas lesivas,
todos os seus titulares serão atingidos, e os seus titulares são todos os
brasileiros presentes e futuros, detentores do direito de viver em um ambiente
saudável.
III. O Direito Ambiental – Conceituação básica. Importância.
1. Meio ambiente. Conceito legal. A Lei no. 6.938/81,
encarregada de regular a chamada Política Nacional de Meio Ambiente,
conceitua o meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3o, inciso I, da lei no.
6.938/81). Segundo Paulo Afonso Leme Machado (2001, p.127), trata-se de uma
ampla definição, que atinge tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege,
abrindo para o Direito Ambiental brasileiro, um campo de atuação bem mais
extenso do que é comumente verificado em diversos ordenamentos jurídicos de
outros países.
A Constituição Federal, em seu artigo 225, não definiu
conceitualmente o meio ambiente, mas o tangenciou, ao referir-se ao meio
ambiente como bem de uso comum do povo, tendo o Poder Público e a
coletividade o dever defendê-lo e preservá-lo.
Aqui, interessa o comentário de Édis Milaré (ob. cit) que
destacando o texto constitucional, observa que o conceito acentua o caráter
patrimonial de meio ambiente, através de visão ocidental antropocêntrica, em
que o meio ambiente deve ser preservado pelo homem, atendendo aos seus
interesses, traduzindo talvez a idéia de que o meio ambiente é algo extrínseco à
sociedade humana, posto que na verdade, o homem e a coletividade humana
fazem parte do meio ambiente.
2. Recursos ambientais. Segundo o artigo 3o, inciso V,
da Lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, são recursos
ambientais: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera, a fauna
e a flora” (BRASIL, Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981).
Merece observação mais atenta que a inserção dos
“elementos da biosfera” na definição legal supra, ampliou o conceito de meio
ambiente, não o atando aos recursos exclusivamente naturais. Com isso, os
recursos naturais tornam-se parte dos recursos ambientais, que não traduzem o
mesmo significado, sendo o último bem mais amplo, já que engloba os recursos
naturais (água, ar e solo), e também a biosfera (Conjunto de todos os ecossistemas da
Terra; biociclo, ecosfera ), compreendendo os seres pertencentes aos ecossistemas
naturais, e os bens culturais e históricos da humanidade, o meio ambiente
artificial e humano.
IV - Julgados relacionados aos temas da aula.
Em todas as aulas, mencionaremos Julgados de
Tribunais brasileiros, a indicar-nos referências sobre o que estamos estudando
naquele momento. Para esta aula introdutória, apresento alguns Julgados que
enfrentaram e decidiram matérias ambientais variadas, apenas para que
possamos dimensionar a importância do Direito Ambiental, invariavelmente
ligado a grandes questões jurídicas, que envolvem, muitas vezes, toda uma
coletividade de pessoas.
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Orgânica Municipal - Norma de direito ambiental - Matéria reservada à
legislação federal - Não caracterização - Preceito meramente programático - Preocupação com o meio ambiente e a
saúde de todos - Alegação de criação de despesas, ademais, descabida - Observância do artigo 111 da Constituição
Estadual - Ação parcialmente procedente para outros fins”(TJSP - Relator: Marcio Bonilha - Ação Direta de
Inconstitucionalidade de Lei n.º 12.821-0 - São Paulo - 21.09.94);
“MULTA - Poluição - Município - Admissibilidade - Ausência de quebra de autonomia constitucional - Pessoa jurídica de
direito público interno que não está imune ou isenta do cumprimento da lei - Recursos não providos A municipalidade não
é imune às sanções previstas na legislação que cuida do meio ambiente, e imposta por outra entidade de direito público.
Aliás, o artigo 3º, IV da Lei n.º 6.938/81 define a figura do poluidor como sendo pessoa física ou jurídica, de direito público
ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental” (TJSP - Relator:
Hermes Pinotti - Apelação Cível n.º 228.078-2 - Itanhaém - 05.04.94);
“ATO ADMINISTRATIVO - Proibição pela Prefeitura Municipal de Itú, de funcionamento de cerâmica em área rural -
Alegada lesão grave de direito e de difícil reparação - Não comprovação - Lei Municipal 2918/87 que define tal área como
de proteção ambiental, impondo-lhe limites à implantação de atividades industriais e fabris - Recurso não provido” (TJSP -
Relator: Godofredo Mauro - Apelação Cível 134.245-1 - Itú - 24.04.91);
“INDENIZAÇÃO - Dano ambiental - Desmatamento em fazenda - Condenação do réu ao reflorestamento da área - Alegada
a extirpação de pragas que comprometiam as pastagens em área que nunca tivera mata natural - Inadmissibilidade -
Recurso não provido. O conjunto probatório revela que houve a destruição ou a degradação da natureza pela ação do
réu. Admitindo-se que houve o emprego de maquinário para o extermínio de pragas, somente a área própria a pecuária é
que deveria ser atingida, tendo por obrigação, o réu, a manutenção do perímetro de mata natural. Hipótese em que o
direito do proprietário particular está subordinado ao interesse social e ao direito da coletividade. Assim, fica sujeito à
intervenção do Estado quando agredir o meio ambiente, para a devida recomposição do dano que causou” (TJSP -
Relator: Marcus Andrade - Apelação Cível 151.317-1 - Tupi Paulista - 27.12.91).
Curso de Direito Ambiental – 2 º Série – 1º Bimestre de 2010.
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin
Aulas 3 e 4 – Ementa: Princípios. Direito Ambiental na Constituição Federal
– Evolução – Meio Ambiente Regulador da Ordem Econômica – Meio
Ambiente Direito Fundamental.
I. Aula anterior.
1. Revisão. Em nossa aula introdutória analisamos, em
linhas gerais, o surgimento do Direito Ambiental como ramo autônomo do
ordenamento jurídico, e decorrência da própria evolução do pensamento jurídico
em torno da descoberta de um novo segmento de direitos, identificados sob o
manto de uma tutela jurídica coletiva, composta de direitos transindividuais,
dentre os quais, o direito de todos a um meio ambiente equilibrado. Nesse
caminhar, tornou-se premente na segunda metade do Século XX, a necessidade de
compor no ordenamento jurídico a identificação de um novo ramo, composto de
princípios e normas específicas que visassem disciplinar e regular a ação humana
perante a natureza em seu sentido mais amplo, com a finalidade maior de
resguardar e preservar o ambiente, conciliando essa proteção ordenada com o
desenvolvimento racional da economia e da sociedade, e que se traduz atualmente
pelo que entendemos como Direito Ambiental.
II. Princípios de Direito Ambiental.
1. Introdução. Em aula anterior foi possível avaliar que a
tutela (proteção) jurídica dos direitos ocorre no plano individual e no plano
coletivo, sendo esse último de criação recente pela Ciência Jurídica.
Nosso Direito Ambiental, na tentativa de regular as
atividades humanas frente ao ambiente, acaba por representar um típico exemplo
de direito difuso, espécie da tutela jurídica coletiva, e se vale da somatória de
princípios e normas para o exercício desse controle. Portanto, fundamental que
possamos identificar a grande importância desses princípios, pois se prestam a
indicar um norte na interpretação de um direito ainda não codificado, esparso no
ordenamento.
Aliás, a ausência de codificação aumenta a dificuldade do
estudo sistematizado, já que a própria doutrina passa a analisar livremente o
campo dos “princípios” de Direito Ambiental, sem significativa uniformidade.
2. Princípios. Como a doutrina apresenta um rol variado
de “princípios” (ver quadro comparativo em texto anexo ao final), optamos por
analisar apenas os três que apareciam simultaneamente nas listas da maior parte
das obras doutrinárias indicadas para o curso, além do importantíssimo “Princípio
da Precaução”, sendo os princípios destacados abaixo, induvidosamente
importantes e freqüentes para todo o nosso estudo e aplicação prática.
2.1. Princípio da Precaução: orienta o intérprete da norma a não admitir
intervenções no meio ambiente antes de se ter certeza técnica de que estas
intervenções não serão desproporcionalmente adversas ao meio ambiente. Em
síntese, toda vez que não houver uma base de conhecimento sólida sobre as
conseqüências de um produto ou atividade no ambiente, deve prevalecer a
precaução, a cautela, a prudência em favor do ambiente. O Princípio da Precaução
foi alçado ao patamar de fonte internacional ao ser previsto expressamente no
Princípio no. 15, da Declaração do Rio – Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-Rio 92), estabelecendo:
“Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o
critério da precaução conforme as suas capacidades. Quando haja perigo de dano
grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para
postergar-se a adoção de medidas eficazes em função do custo para impedir a
degradação do meio ambiente”.
2.2. Princípio da Prevenção: orienta o intérprete da norma ambiental a considerar
que para qualquer intervenção juridicamente autorizada no ambiente que acarrete
impactos ambientais previsíveis, deve a análise de aprovação se subordinar a uma
base de conhecimento científico já existente. É através desse princípio que
importantes instrumentos de controle ambiental como o licenciamento ambiental e
as avaliações de impacto ambiental são aplicados de forma preventiva.
2.3. Princípio da Participação: expressa para o intérprete da norma a idéia de que o
Direito Ambiental, concebido como autêntica necessidade da sociedade, deve ser
um direito democrático, e assim, contar na sua execução com ampla participação
popular na elaboração das políticas públicas ambientais, através da
conscientização de que há para todos um dever jurídico de proteger e preservar o
meio ambiente, ou atuando diretamente na esfera administrativa através da
participação de audiências públicas ou órgãos colegiados, seja por fim acionando
mecanismos judiciais de proteção ambiental, como a ação popular, por exemplo.
Após a década de 80, com a abertura política e a retomada das liberdades
democráticas, a conscientização ambiental ganhou força de fato ante a abertura de
canais para a sociedade exercer seu papel, sobretudo, após o advento da
Constituição Federal de 1988, que estabeleceu como fundamental o direito de
todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao mesmo tempo em que
instituiu um dever para o Poder Público e para a coletividade, de preservação e
cuidados com o meio ambiente. Assim, é possível identificar três formas legalmente
criadas no ordenamento para possibilitar a participação comunitária nesse
processo de defesa do meio ambiente:
a) participação comunitária nos processos de criação do Direito Ambiental: pode se
dar no plano normativo de duas formas, quais sejam, ou através da participação da
sociedade no próprio processo de criação e elaboração de normas, através de
referendo ou de apresentação de projetos de leis por iniciativa popular (artigo 61,
parágrafo 2º, da Constituição Federal: A iniciativa popular pode ser exercida pela
apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por
cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
três décimos por cento dos eleitores de cada um deles), ou pode se dar através da
indicação de representantes de associações civis aos conselhos e órgãos
governamentais de defesa do meio ambiente, como por exemplo o CONAMA
(nacional) ou o CONSEMA (São Paulo), que visam dentre outras atribuições, o
estabelecimento de normas e padrões para o controle e manutenção da qualidade
do meio ambiente e utilização de recursos naturais.
b) participação comunitária nos processos de formulação e execução de políticas
ambientais: nesse plano, a participação comunitária é menor na prática do que o
ideal, salvo alguns exemplos sempre esporádicos, razão pela qual as audiências
públicas previstas no processo de estudo de impacto ambiental EIA/RIMA,
constituem campo aberto para que as entidades ambientalistas possam influir na
adoção de determinada política ambiental.
c) participação comunitária através de instrumentos jurídico-processuais: a
Constituição Federal também estabeleceu uma série de mecanismos processuais
capazes de possibilitar ao cidadão a defesa do meio ambiente, merecendo destaque
a ação civil pública (artigo 129, Constituição Federal, Lei no. 7347/85), a ação
popular (artigo 5o, LXXIII, Constituição Federal), o mandado de injunção (artigo 5o,
LXXI, Constituição Federal), o mandado de segurança coletivo (artigo 5o, LXX,
Constituição Federal), e a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo (artigos 102, I, a, artigo 103, e artigo 125, parágrafo 2o, todos da
Constituição Federal).
2.4. Princípio (do Controle) do Poluidor-Pagador: trata-se de uma finte complexa,
com variantes econômicas e jurídicas, que orientam o intérprete da norma
ambiental, ao mesmo tempo, a considerar que os custos resultantes dos danos
ambientais assumidos pela coletividade e Poder Público (chamados de “custos
sociais externos”) que acompanham o processo produtivo devem na verdade ser
contabilizados como custos internos da própria produção, em um processo
gradativo de internalização, e, assim, paulatinamente serem assumidos pelo
explorador da atividade. Também sugere imposição de carga tributária de nível
diferenciado aos produtores (com ou sem repasse aos consumidores, dependendo
do tipo de exploração econômica), justamente em razão desse custo ambiental
externo muitas vezes não lembrado, pois se os recursos naturais são escassos, e se
a utilização de tais recursos ambientais em uma determinada atividade econômica
gera sua depauperação, é evidente que os custos de produção devem refletir essa
utilização. Há ainda uma variante de responsabilização civil, do qual se faz extrair
um princípio correlato, igualmente sob viés jurídico, que exige estudo em separado
por ocasião da análise do tema.
III - A nálise dos principais aspectos constitucionais em torno do tema “meio
ambiente” (1ª parte).
1. Introdução. A Constituição Federal é o diploma legal
maior de nosso ordenamento jurídico, sendo considerado autêntica lei
fundamental. Como a proteção ao meio ambiente e o próprio meio ambiente
assumiram especial relevância apenas na segunda metade do Século XX, igual
fenômeno se observou refletido nas Constituições, ou seja, as mais antigas não
contemplavam o meio ambiente, enquanto que as mais modernas reservam
especial destaque para a matéria (Chile, Panamá, Grécia, Portugal, Polônia,
Argélia, China, Espanha, Peru e Argentina), em especial aquelas que são
posteriores à realização da Conferência Mundial de Estocolmo, na Suécia, ocorrida
em 1972, designada pela ONU para discussão de soluções ambientais aos graves
problemas globais nessa área.
De qualquer forma, o meio ambiente sempre encontrou
espaço na legislação infraconstitucional dos países dotados de constituições mais
antigas, como decorrência da proteção à saúde humana que todas as constituições
costumeiramente contemplam. Já nas mais modernas, a previsão constitucional
específica de “direito a um ambiente equilibrado” acarreta uma importantíssima
conseqüência, qual seja, a identificação de um direito ambiental autônomo, que não
se concretiza como decorrência de nenhum outro, mas surge com autonomia em
relação aos demais bens da vida protegidos pela ordem jurídica.
2. Evolução do tema “meio ambiente” ao longo dos
textos constitucionais brasileiros. Interessante é o estudo dessa evolução. Com
efeito, na história brasileira, são até os dias atuais oito os textos constitucionais,
iniciando-se com a de 1824 (imperial), 1891 (marcando o início da república), 1934
(regime varguista), 1937, 1946, 1967, 1969 (emenda constitucional decorrente do
regime ditatorial militar), e a cidadã de 1988 (plenamente democrática), sendo que
apenas na última o meio ambiente é diretamente previsto e tutelado.
a) na Carta do império, vedava-se genericamente a instalação de indústrias nocivas
à saúde humana;
b) na Constituição de 1891, havia apenas previsão de tímida competência
legislativa da União para minas e terras;
c) na Constituição de 1934, destacava-se apenas a previsão de proteção ao
patrimônio natural, histórico, artístico e cultural, e competência legislativa da
União mais ampla que a anterior, sobre recursos naturais;
d) na Constituição de 1937, repetiu-se basicamente a previsão anterior, ampliando
ainda mais a competência legislativa da União para questões sobre recursos
naturais;
e) nas Constituições de 1946 e 1967 não houve nenhuma alteração significativa em
relação aos textos anteriores;
f) na Emenda Constitucional de 1969, foi acrescida uma previsão de que a lei
infraconstitucional regularia um levantamento agrícola e ecológico das áreas
sujeitas a calamidades climáticas.
3. A Constituição Federal de 1988. Interessa notar,
desde logo, que o estudo da previsão constitucional sobre o meio ambiente não se
resume ao capítulo próprio (VI) inserido na Ordem Social (Titulo VIII) do texto.
Na verdade, além da previsão constitucional autônoma dada
ao meio ambiente, merecem destaque a fixação da proteção ambiental como
princípio geral da atividade econômica, assim incluído no Título VII (Da Ordem
Econômica e Financeira), e outras menções jurídico-ambientais da Constituição
Federal (artigos 5o, LXXIII, 24, 30, 129, 170, 174, 186, 216, 220, 225), em especial,
ainda, o reconhecimento de que a propriedade rural deve cumprir função social e
ambiental. Nossa Constituição tornou-se, com tal abrangência, referência mundial
em matéria ambiental, e no seu bojo, uma firme legislação ordinária entrou em
vigor no país disciplinando diversos pontos importantes, merecendo destaque,
além da legislação mencionada na aula anterior (Leis no. 6938/81, 7347/85,
9605/98), outras também relevantes, tais como:
a) Lei 7.735/89: que cria o IBAMA;
b) Lei 7.802/89: que disciplina e regula a utilização de agrotóxicos;
c) Lei 8.723/93: que regulamenta a diminuição da emissão de poluentes na
atmosfera por veículos automotores;
d) Lei 9.433/97: que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos;
e) Lei 9605/98: é a lei dos crimes ambientais e prevê as sanções penais e
administrativas para as condutas lesivas ao meio ambiente.
f) Lei 9.795/99: que institui a Política Nacional de Educação Ambiental;
g) Lei 9.985/00: que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (SNUC).
Nessa aula, importante atribuirmos destaque nos tópicos
seguintes para três disposições constitucionais que dão enorme relevância ao meio
ambiente e sustentam diversas outras construções jurídicas em torno do tema
ambiental em nosso ordenamento.
4. Previsão constitucional do meio ambiente como
princípio da Ordem Econômica Nacional (artigo 170, inciso VI,
Constituição Federal). Bem, a ordem econômica brasileira na Constituição
Federal é pautada pela “valorização do trabalho humano e livre iniciativa”, e
regulada por princípios estampados nos diversos incisos do artigo 170, dentre os
quais, “a defesa do meio ambiente” (inciso VI). Certamente, esta previsão
constitucional tem tanta importância quanto o capítulo próprio reservado ao meio
ambiente, pois ao mesmo tempo em que a Constituição Federal garante a livre
iniciativa empresarial como fundamento de toda a atividade econômica, restringe a
lex superior essa mesma livre iniciativa, somente aceitando-a se em conformidade
com a defesa do meio ambiente, estabelecendo: “A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: ... VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”.
5. A “Função Sócio-Ambiental” da propriedade rural
segundo a diretriz maior da Política Agrária e Fundiária Constitucional
(artigo 186, Constituição Federal). O importante dispositivo estende o conceito
de função social da propriedade à preservação ambiental e utilização racional e
adequada dos recursos naturais: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento
racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.
Nesse dispositivo, a Constituição Federal agrega ao
conhecido conceito de função social da propriedade, também a função ambiental
da propriedade, que impõe a qualquer proprietário brasileiro de bem imóvel rural a
necessidade de utilizá-lo de forma racional, adequada e harmônica em relação ao
meio ambiente, utilizando adequadamente os recursos naturais porventura
existentes. Há uma mitigação expressa ao que se imaginava no passado em relação
ao direito de propriedade, tido inicialmente como absoluto, e já há muito tempo,
inserido em um processo constante de reformulação do seu conceito jurídico.
6. Previsão constitucional do meio ambiente como
bem jurídico autônomo e Direito Fundamental (artigo 225, “caput”,
Constituição Federal). Na atual Constituição Brasileira, o meio ambiente foi
alçado ao patamar de valor ideal da ordem social, inserindo-o em capítulo próprio
que institucionalizou o meio ambiente sadio como direito fundamental do indivíduo
ao dispor: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes
e futuras gerações”.
Portanto, para a Constituição Federal, o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é:
a) um direito de todos;
b) um bem de uso comum do povo, e, portanto, direito público subjetivo, exigível
em face do próprio Estado;
c) dotado de uma série de garantias ou meios capazes de possibilitar a sua defesa
(ação popular constitucional, ação civil pública, ação direta de
inconstitucionalidade, mandado de segurança coletivo, e mandado de injunção).
No estudo de Direito Ambiental autônomo, encontramos sua
base jurídica no artigo 225 da Constituição Federal, que disciplina a matéria em
seis parágrafos, sendo o primeiro parágrafo dotado de nove incisos. A doutrina
costuma distinguir nesse longo artigo três categorias de normas, sendo que o caput
do artigo seria a norma matriz; o parágrafo 1o estaria a estabelecer comandos
direcionados ao Poder Público para a garantia e efetividade do direito previsto no
caput; por fim, os parágrafos 2o a 6o, cuidariam de setores específicos de elevado
conteúdo e importância ecológica que não poderiam permanecer vulneráveis
apenas com previsão por lei ordinária. Nesta aula, estudaremos o artigo 225,
caput, da Constituição Federal, e nas aulas seguintes, os parágrafos 1o a 6o do
referido dispositivo constitucional.
Segundo o artigo 225, caput, da Constituição Federal
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. Da previsão constitucional de tão importante direito, saltam aos olhos
importantes avanços da norma, que radicalmente alteram a importância do Direito
Ambiental no ordenamento jurídico, pois passa a regra maior a apresentar como
importantes características as seguintes:
a) 1ª característica importante: primeiramente, eleva-se o “direito a um meio
ambiente equilibrado”, ao patamar de fundamental, porque destina a todos os
brasileiros a titularidade de um direito, que traz consigo, como visto na aula
anterior, a condição de indisponibilidade, até em razão de também transmitir dever
a todos de conservação e de preservação;
b) 2ª característica importante: não suficiente, a previsão do direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se destinado à sociedade em geral,
e desta nítida característica, se extrai sua primazia sobre qualquer outro interesse
privado, na medida em que o meio ambiente torna-se um bem de uso comum do
povo, e ainda, pressuposto para o que se possa considerar sadia a qualidade de
vida da população.
3ª característica importante: a defesa e preservação do meio ambiente não é mais
faculdade do Poder Público ou da sociedade. Está criado um poder-dever, um
obrigação pública e coletiva, de atuação constante do Poder Público e sociedade,
em qualquer plano, na defesa e preservação do meio ambiente. Assim, o Poder
Público ao atuar como fiscal, ou como concedente de direito, ou como titular de
direito, ou mesmo no mercado, jamais pode dissociar sua atividade fim que é o
interesse público de um direito que passou ao patamar de fundamental: o meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Impõe-se também à sociedade o dever de
defender e preservar o meio ambiente, e tal questão é muito importante, pois todas
as limitações, imposições e restrições ditadas normativa ou administrativamente
pelo Poder Público nesta área, antes de qualquer outra análise, nada mais são do
que decorrências de um dever social e coletivo. Em outras palavras, se qualquer
pessoa do povo não pode pescar em determinada época do ano por determinação
legal, antes de tal limitação representar uma imposição unilateral do Estado,
decorre na verdade de um dever de proteger o meio ambiente que não é exclusivo
do Poder Público, mas também da coletividade. Assim, a limitação ou restrição
comentada, antes de representar um ônus ao livre arbítrio do homem, representa o
reconhecimento estatal de um dever também do próprio ente coletivo.
IV – Julgados relacionados aos temas retratados na aula.
1. Princípios de Direito Ambiental nos Tribunais:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - Princípio do poluidor-pagador - Necessidade de combate à contaminação das águas -
Depósito irregular de lixo municipal - degradação do meio ambiente pela contaminação do lençol freático - Comprovação pelo
relatório da Cetesb e pela prova pericial - Possibilidade de recomposição do meio ambiente - Fixação do prazo de 60 dias a
contar do início do exercício financeiro seguinte à data do trânsito em julgado - Imposição de 'astreintes' - Sucumbência
processual devida - Recurso improvido” (TJSP - Apelação Cível n.º 61.239-5 - Paraíbuna -2ª Câmara de Direito Público -
Relator: Alves Bevilacqua - 29.06.99 - V.U.).
2. Enquadramento constitucional do meio ambiente como princípio regulador da ordem econômica:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Meio ambiente - Emissão de poluentes na atmosfera - Usina de fabricação de cal que há anos recebe
multas por exercer atividade industrial sem controle - Concessão de liminar que objetiva a conscientização do dever de manter
eficaz o controle de qualidade do sistema de proteção do meio ambiente - Ordem restritiva que deve ser mantida até decisão
final - Recurso não provido” (TJSP - Agravo n.º 255.843-1 - Sorocaba - 3ª Câmara Civil - Relator: Ênio Zuliani - 29.08.95 - V.U.);
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Indústria de plásticos - Instalação em local inadequado, com atividade danosa ao meio ambiente -
Poluição de córrego - Violação, ademais, a lei de zoneamento, eis que o município possui distrito industrial - Improcedência -
Recurso não provido” (TJSP - Relator: Leite Cintra - Apelação Cível 129.057-1 - São José do Rio Preto - 10.10.90).
3) Função Ambiental da propriedade rural:
“Ação civil pública - Reserva florestal legal - Obrigação de sua instituição e de recomposição da cobertura vegetal - Dever de
todos de garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado - Função social e ambiental da propriedade - Constituição
Federal, art. 186 e Código Civil, art. 1288, §1° - Inexistência de afronta a direito adquirido - Lei de ordem pública - Aplicação
imediata, sob pena de se perpetuar situação danosa ao meio ambiente Responsabilidade do proprietário da área,
independentemente de ter sido adquirida já desmatada - Caráter "propter rem" da obrigação legal - Jurisprudência pacífica -
Recomposição a seguir o regramento disposto no Código Florestal, art. 44 e ss. (com as alterações da MP 2.166-67/2001) -
Mecanismos de compatibilização da preservação da natureza com o legítimo interesse do proprietário na exploração
econômica da propriedade rural - Espaços ambientalmente protegidos que implicam benefício fiscal - Possibilidade exploração
econômica da área, sob regime de manejo florestal sustentável - Recurso não acolhido” (TJSP – Relator – J. G. Jacobina
Rabello - Apelação Cível 6836935100 – Tanabi - Órgão julgador: Câmara Especial do Meio Ambiente - Data do julgamento:
31/01/2008 - Data de registro: 11/02/2008).
4) Enquadramento constitucional do meio ambiente como direito fundamental:
“MUNICÍPIO - Lançamento de esgoto in natura - Possibilidade jurídica do pedido - Existência - É admissível ação civil pública
para obstar que município, comissiva ou omissivamente, continue lançando esgoto in natura em corpo de água, por estar tal
medida prevista em lei, notadamente contra aquele que tem o dever legal de proteger o meio ambiente e combater a poluição
em qualquer de suas formas - Ilícita, porém, é determinação judicial para que reative ele estação de tratamento de esgoto, por
descaber ao Poder Judiciário, sob pena de inversão de competência, dizer qual obra deva ou não o Executivo realizar, para
impedir ou minorar a poluição ambiental - Inteligência da Constituição Federal de 1988, artigos 2º, 23, inciso VI, e 225, da
Constituição Bandeirante, artigo 208, e da Lei nº 7.347, de 24.7.1965, artigo 1º, inciso I - Recurso parcialmente provido” (TJSP -
Agravo de Instrumento n. 271.588-5 - São José do Rio Pardo - 5ª Câmara de Direito Público - Relator: Xavier de Aquino -
03.10.02 - V.U.);
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Delimitação de áreas de preservação permanente pelo Município em que localizadas e pelo Estado -
Concessão liminar - Admissibilidade - Área objeto de degradação ambiental - Imposição constitucional da sua proteção - Artigo
225 da Constituição Federal - Questão que foge do âmbito da conveniência e oportunidade administrativas - Desnecessária,
ademais, adoção orçamentária específica, podendo a fazenda utilizar seu quadro de pessoal permanente - Recurso
parcialmente provido” (TJSP - Agravo de Instrumento n. 194.150-5 - Cubatão - 9ª Câmara de Direito Público - Relator: Paulo
Dimas Mascaretti - 21.03.01 - V.U.);
“INDENIZAÇÃO - Decretos Municipais que definiram e delimitaram área de preservação ambiental - Apossamento
administrativo inexistente - Imóvel do autor, ademais, abrangido pelo Parque Estadual da Serra do Mar - Restrições do direito
de uso do imóvel já existentes desde o advento do Código Florestal - Legislação municipal que nada mais fez do que cumprir o
disposto no artigo 225 da Constituição Federal - Prejuízo efetivo não comprovado - Interdição da área, para fins de urbanização
e moradia, por prazo indeterminado, em razão da constatação de lixo químico com risco potencial de contaminação da
população - Medida necessária, em benefício, inclusive, do próprio autor - Legalidade - Improcedência do pedido de
indenização - Improvimento do recurso” (TJSP - Apelação Cível n. 177.069-5 - Cubatão - 1ª Câmara de Direito Público
"Janeiro/2001" - Relator: Osvaldo Magalhães - 21.03.01 - V.U.).
V – Abordagem da Doutrina em torno dos Princípios Gerais de Direito Ambiental –
Confrontação.
1. Segundo Paulo Affonso Lemes Machado (“Direito Ambiental Brasileiro”, 10ª edição - São Paulo: Malheiros, 2002), o Direito
Ambiental apresenta os seguintes princípios:
a) Princípio do direito à sadia qualidade de vida; b) Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais; c) Princípio do usuário-
pagador e do poluidor-pagador; d) Princípio da Precaução; e) Princípio da Prevenção; f) Princípio da Reparação; g) Princípio da
Informação; h) Princípio da Participação.
2. Já segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo (“Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, 4ª edição – São Paulo: Saraiva, 2003),
seriam princípios de Direito Ambiental: a) Princípio do Desenvolvimento Sustentável; b) Princípio do Poluidor-Pagador; c)
Princípio da Prevenção; d) Princípio da Participação; e) Princípio da Ubiqüidade.
3. Edis Milaré (“Direito do Ambiente”, 4ª edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005) sugere como princípios de Direito
Ambiental: a) Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana; b) Princípio da
natureza pública da proteção ambiental; c) Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público; d) Princípio da consideração
da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento; e) Princípio da participação comunitária; f)
Princípio do poluidor-pagador; g) Princípio da prevenção; h) Princípio da função sócio-ambiental da propriedade; i) Princípio do
direito ao desenvolvimento sustentável; j) Princípio da cooperação entre os povos.
4. Segundo Paulo de Bessa Antunes (“Direito Ambiental”, 6ª edição – Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2002) e Luis Paulo
Sirvinskas (“Manual do Direito Ambiental” – São Paulo: Saraiva, 2002), são princípios de Direito Ambiental: a) Princípio do
Direito Humano Fundamental; b) Princípio Democrático; c) Princípio da Precaução; d) Princípio da Prevenção; e) Princípio do
Equilíbrio; f) Princípio do Limite; g) Princípio da Responsabilidade; h) Princípio do Poluidor-Pagador.
Curso de Direito Ambiental – 2 º Série – 1º Bimestre de 2010.
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin
Aulas 5 e 6 – Ementa: Direito Ambiental na Constituição Federal – Direito
Adquirido em Matéria Ambiental; Deveres específicos do Poder Público em
relação ao Direito Ambiental – análise do artigo 225, parágrafo 1º, incisos I a
VII, da Constituição Federal.
I. Aula anterior – Revisão..
1. Revisão. Em síntese, em nossas últimas aulas
analisamos alguns dos Princípios de Direito Ambiental de maior relevo e
aplicabilidade prática (Princípios da Prevenção, Precaução, Participação e
Poluidor Pagador). Analisamos ainda a evolução da proteção constitucional
brasileira em relação ao meio ambiente e a sua importância alcançada na atual
Constituição Federal.
Aliás, vimos que a Constituição Federal promulgada em
1988 revogou a tradição das constituições anteriores que traçavam regras
esparsas e isoladas sobre proteção ao meio-ambiente, instituindo o meio
ambiente como princípio da ordem econômica e financeira nacional (artigo 170,
inciso VI), ao mesmo tempo em que fixou o “direito de todos a um ambiente
ecologicamente equilibrado” como direito fundamental constituindo este um
objetivo maior do Direito Ambiental, entendido como ramo autônomo do
ordenamento jurídico (artigo 225), com a abordagem de um capítulo próprio
destinado ao tema.
Iniciamos também o estudo desse capítulo destinado ao
meio ambiente na Constituição Federal, verificando o alcance da norma matriz
estabelecida através do caput do seu artigo 225, sendo possível verificar que o
dispositivo é complexo já que institui: a) direito fundamental de todos a meio
ambiente ecologicamente equilibrado; b) direito essencial à sadia qualidade de
vida, o que torna esse direito prevalente em relação a qualquer interesse
particular, e, portanto, sendo exigível frente ao Estado, ou seja, entendido como
direito público subjetivo; e c) direito que institui uma obrigação do Estado e um
poder-dever de todas as pessoas de defender e preservar o meio ambiente para
as presentes e futuras gerações.
II – Enfoque Constitucional Necessário.
1. Idéia central. No decorrer dos estudos em torno do
Direito Ambiental, resvalamos sempre na preocupação de fundamentar
essencialmente a estrutura do pensamento jurídico em torno dos conceitos
básicos de proteção conferida ao meio ambiente, e por óbvio, tratando-se de
seara não codificada no ordenamento, a missão é sobremodo ampliada, pois
embora saibamos da existência de um rol de princípios que visam ordenar a
interpretação das leis ambientais frente aos demais direitos, bem como, que há
um vastíssimo rol de leis ambientais e algumas em aparente contrariedade (leis
federais, estaduais e municipais), deve o(a) aluno(a) absorver neste momento
inicial, ao longo do primeiro bimestre, uma idéia básica, central, que dá amparo
ao estudo e garante melhor entendimento dos demais conceitos que certamente
virão em torno deste vasto tema: a existência de um capítulo destinado ao meio
ambiente na Constituição Federal não representa, isoladamente, a base
jurídico-constitucional de proteção do meio ambiente, e, sim, o que devemos
perceber é a inserção do interesse difuso a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado como autêntico direito fundamental em harmonia com todos os
demais dispositivos constitucionais (propriedade, exploração econômica,
administração pública, crescimento urbano e desenvolvimento social).
Exemplo: As terras devolutas encontram destinação por previsão constitucional.
De acordo com o artigo 188, da Constituição Federal, “a destinação de terras
públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano
nacional de reforma agrária”.
Pois bem. Essa destinação de terras devolutas para a importante reforma
agrária deverá, contudo, ser limitada pela regra do artigo 225, parágrafo 5º,
c.c. o artigo 21, inciso II, da mesma Constituição Federal que ressalvam serem
indisponíveis como bens da União, “as terras devolutas indispensáveis à defesa
das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de
comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”.
Ora, uma área de terras devolutas (arrecadada ou não), que represente grande
importância ao meio ambiente por estar situada em um ecossistema vultoso, ou
ao contrário, sob risco de extinção, pode ser definida por lei como unidade de
conservação, seguindo o disposto na norma geral (Lei no. 9.985/00), hipótese
em que estaria excluída das finalidades do artigo 188, da Lex Superior.
Então, seguindo esse entendimento, como absorver esse
conceito de harmonização jurídica entre o direito de ambiente equilibrado com
os demais direitos também garantidos constitucionalmente? Necessário volver
nossos olhos para as próprias garantias fundamentais.
2. Direitos e garantias fundamentais - direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estabelece o artigo 5o,
inciso XXXVI, da Constituição Federal que “ a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Mas o que tal previsão na verdade significa?
Considerando que direito adquirido é aquele “definitivamente incorporado ao
patrimônio de alguém”, que ato jurídico perfeito é na verdade “uma situação
jurídica definitivamente constituída por reunir todos os elementos necessários
ao seu perfazimento, ou seja, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou
não defesa em lei”, e, por fim, que a coisa julgada é o “efeito emanado de
decisão judicial da qual não caiba mais nenhuma espécie de recurso”, observa-
se que a Constituição Federal reserva certas garantias em um patamar tão
elevado do ordenamento jurídico, que até mesmo a lei posterior não poderá
contra as mesmas atentar. Esse conceito é realmente importantíssimo, pois é
claro que em um Estado Democrático de Direito, o respeito à lei, e a supremacia
da lei, são indiscutíveis. Na verdade, como sabemos, o que excepciona esse
império da lei é o fato de estarmos diante de garantias constitucionais, que
resguardam elementos de nossa soberania individual frente ao próprio Estado,
ou seja, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada são
protegidos pela Constituição Federal até mesmo da lei posterior, com o objetivo
claro de conferir segurança às relações jurídicas, que por sua vez adquirem a
condição de ser formalizadas, gerarem direitos e eventualmente serem julgadas
sob a égide uma determinada norma, sem que se possa correr o risco de uma lei
posterior casuística de algum Governo retroagir para modificar completamente
aquela situação consolidada no passado. Devemos reconhecer aqui proteções
contra o próprio poder do Estado, e de sua atuação sob o veículo da lei
infraconstitucional posterior.
Ora, se o direito adquirido, a coisa julgada e o ato
jurídico perfeito representam garantias constitucionais, é possível considerar
que a lei ambiental posterior também não possa atingir o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada?
Em outras palavras, alguém pode adquirir um direito em
respeito ao ordenamento jurídico da época, e depois sofrer alguma restrição ou
até mesmo supressão desse mesmo direito, em razão da entrada em vigor de
uma nova lei ambiental? Ou firmar contrato perfeitamente adequado com a
legislação aplicável (até mesmo a legislação ambiental) da época, e
posteriormente uma nova lei ambiental vir a alterar a geração de efeitos desse
ato jurídico?
Evidentemente, se a Constituição Federal reserva para o
direito adquirido, para a coisa julgada e para o ato jurídico perfeito, posição de
garantias constitucionais, vimos que também a Constituição Federal estabelece
que o direito do ambiente é autônomo e fundamental, além de regulador da
ordem econômica e limitador do direito de propriedade (que não mais existe
dissociado de uma função ambiental).
Portanto, não se adquire direito de poluir, pois esse
direito individual jamais suplantará o interesse coletivo de todos a um ambiente
ecologicamente equilibrado. A norma ambiental não retira da esfera jurídica de
alguém um direito já adquirido. Na verdade, o indivíduo é que nunca adquiriu
direito em seu patrimônio jurídico particular contra o interesse coletivo, daí
porque o correto é vislumbrar que o Direito Ambiental não retira aquilo que
nunca teve o indivíduo. A lei ambiental nova, por regular interesses de todos a
um meio ambiente equilibrado, tem sempre caráter de ordem pública, e por
essa razão, não retroage para fulminar contratos firmados sob a égide de lei
anterior (atos jurídicos perfeitos), ou fulminar direitos adquiridos. Apenas, por
sua supremacia, incidem sobre os efeitos vigentes que estão ainda pendentes de
ocorrer por parte daquele ato ou direito individual, a partir de sua entrada em
vigor, preservando um direito difuso que se sobrepõe ao interesse
exclusivamente particular.
Entretanto, vale ressaltar que o entendimento acima
exposto não alcança atos jurídicos e direitos já completamente criados e
exauridos antes de sua entrada em vigor, que também não serão considerados
ilícitos retroativamente, já que foram produzidos ao tempo em que a norma
admitia aquela atividade.
Exemplo: uma licença ambiental, legalmente expedida e concedida a um particular para exploração de recursos naturais,
também não se incorpora em definitivo o patrimônio jurídico daquele que a recebeu, de forma a ser considerado direito
adquirido inatingível, pois como visto, a Constituição Federal também reserva ao ordenamento jurídico ambiental, a
especial condição de vigorar com supremacia sobre os interesses privados. Assim, mesmo que a licença ambiental tenha
sido concedida para a exploração de uma determinada atividade até 2008 segundo a lei da época da concessão, uma lei
posterior pode revogar aqueles critérios que pautaram a concessão da licença, decorrendo dessa revogação duas
conseqüências: a) a licença anterior ao advento da nova lei perde eficácia a partir da vigência da nova norma; b) os atos
praticados até então não serão considerados lesivos por conta da lei nova, que regulará os efeitos daquele ato jurídico
perfeito apenas a partir de sua entrada em vigor.
Assim, a lei ambiental posterior sempre poderá
modificar qualquer sistema de autorizações administrativas ou legais para o
exercício de atividade ou propriedade, sem nenhum resvalo na garantia
constitucional do direito adquirido, porque o direito difuso de todos a um
ambiente equilibrado é tão importante quanto o direito à vida, suplantando e
limitando desde sempre os demais direitos e interesses particulares, sobretudo
os de exploração econômica.
Continuaremos agora a analisar o artigo 225 da
Constituição Federal, mas desta vez, verificando o parágrafo primeiro do
referido dispositivo, através do qual o constituinte estabelece diretrizes amplas
para que o Poder Público realize sua tarefa de zelar adequadamente do meio
ambiente.
III. Deveres específicos do Poder Público (artigo 225, parágrafo 1 o , Constituição
Federal).
1. Introdução. A Constituição Federal estabelece como
extensão do direito à vida, que os brasileiros tenham direito a um meio
ambiente saudável e equilibrado, elevado à categoria de bem de uso comum do
povo, sendo dever do Poder Público (e poder-dever da coletividade) preservar e
defender esse meio-ambiente. Ao Poder Público, a Constituição Federal foi
ainda mais específica, estabelecendo em seu artigo 225, parágrafo 1º, deveres
especiais através de sete incisos, cada qual com uma “obrigação” dirigida ao
Poder Público, justamente visando garantir a efetividade desse direito
fundamental previsto no caput do artigo, conforme analisaremos na presente
aula.
2. Obrigação do Poder Público de preservar e
restaurar os processos ecológicos essenciais das espécies e ecossistemas
(artigo 225, parágrafo 1º, inciso I, primeira parte, Constituição Federal). A
Constituição Federal incorre em uma autêntica contradição ao estabelecer para
o Poder Público a obrigação de cuidar (preservar e restaurar) de “processos
ecológicos essenciais”, pois acaba por dar a impressão que outros processos
ecológicos poderiam ser “não essenciais” o que poderia gerar entendimento
equivocado de os não rotulados como “essenciais” não necessitariam de
proteção, ou estariam desprovidos de proteção legal, sobretudo, se considerado
que não há processo ecológico “essencial” e processo ecológico “não essencial”,
ante a interação entre os ecossistemas, única causa de seu mais natural
equilíbrio. Ainda assim, possível extrair do dispositivo constitucional que todo e
qualquer processo ecológico que garanta o funcionamento dos ecossistemas e a
salubridade do meio ambiente é essencial, e merece ser preservado (se ainda
intocado), ou restaurado (se já degradado, ou em via de degradação) pelo Poder
Público. Assim, através de uma interpretação lógica e sistemática da proteção
ambiental no ordenamento positivo pátrio, a Constituição Federal acaba por
recomendar que o Poder Público conjugue em todas as suas esferas de atuação,
medidas para preservar o meio ambiente e restaurar ou recuperar o que já foi
degradado.
3. Obrigação do Poder Público de prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas (artigo 225, parágrafo 1º, inciso I,
segunda parte, Constituição Federal). A previsão é até certo ponto redundante,
mas tem elevado teor educativo até mesmo para o Poder Público, que deve ser
lembrado da sua obrigação de proteger o meio ambiente ao lidar diretamente
com recursos naturais, ou ao controlar recursos ambientais ainda conservados,
estimulando sempre formas ecológicas de utilização das potencialidades dos
recursos naturais. Sabemos que “prover” tem aqui o significado de “tomar
providências acerca de; regular, ordenar, dispor, providenciar” (Dicionário
Aurélio), e é com esse sentido de ordenar, de adotar políticas públicas de
estímulo à utilização racional e ecológica dos recursos naturais do ambiente que
a Constituição Federal busca recomendar ao Poder Público não apenas a
obrigação de proteger, até porque há regiões e atividades que ainda necessitam
muito do extrativismo no setor primário (pesca, utilização dos recursos naturais
da flora), devendo o Poder Público enfrentar essas necessidades sociais,
regulando-as ecologicamente.
São exemplos do manejo ecológico de espécies da flora e
fauna, comumente utilizados para farmacologia, alimentação e vestuário: a)
programas de reflorestamento com espécies nativas e extração planejada; b)
cultivo de florestas industriais; c) formação de criadouros de espécies da fauna
silvestre.
O manejo ecológico dos ecossistemas exige que a
utilização dos seus recursos naturais não venha a afetar suas características
essenciais, ou seja, que a utilização dos recursos naturais de cada ecossistema
seja feito de acordo com suas particularidades, respeitando-se as fragilidades
de cada ecossistema em específico. Exemplo: a região amazônica e a zona de
caatinga nordestina ostentam necessidades completamente diferentes, e que
exigem um manejo ecológico próprio para cada ecossistema, com políticas
próprias de utilização e exploração racional de seus respectivos recursos
naturais.
4. Obrigação do Poder Público de preservar a
diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético
(artigo 225, parágrafo 1o, inciso II, Constituição Federal). Por preservar a
diversidade, entendam os alunos o sentido ditado pelo texto constitucional de
“preservar a biodiversidade”, que nada mais representa do que a previsão
constitucional de que o Poder Público tem a obrigação maior de preservar toda
a variedade de seres vivos que compõem a vida biológica no território
brasileiro, mantendo de forma mais ampla possível a diversidade entre as
diferentes espécies de seres, pois quanto maior a diversidade, maior a fonte de
recursos para manutenção do ambiente, da vida e de soluções naturais para
preservação do planeta.
Há também no dispositivo constitucional a obrigação
para o Poder Público de preservar a integridade do patrimônio genético do País.
O que isso significa na verdade? Toda matéria vegetal, animal, microbiana, ou
qualquer outra, desde que contenha unidade funcional de hereditariedade, ou
seja, que contenha carga ou material genético é considerado parte integrante
do patrimônio genético nacional. Portanto, o Poder Público deve implementar
todas as medidas necessárias para evitar seleção artificial de espécies, redução
de espécies, a alteração dos elementos hereditários naturais, mantendo a
inteireza desse patrimônio genético. Outro detalhe importante, é que ainda não
se faz possível substituir a fonte natural desses recursos genéticos em seu
habitat natural, por uma conservação em laboratório, pois, como é sabido, os
complexos ecológicos naturais interagem-se entre si e entre diferentes
ecossistemas, o que somente é possível em meio livre não artificial.
Disso decorre talvez a previsão mais importante do
conjunto de deveres atribuídos ao Poder Público no capítulo destinado ao meio
ambiente na Constituição Federal, que é a de manter a integridade do
patrimônio genético e cuidar para que nosso patrimônio genético não seja
surrupiado com vistas a ser catalogado, guardado, estudado ou reproduzido em
território diverso, pois nesse material genético pode estar guardado uma fonte
inesgotável de riqueza e desenvolvimento (agricultura, alimentação, saúde,
etc.). Atente o aluno que se aproxima com enorme velocidade em nosso tempo
uma revolução biotecnológica, trazendo consigo novos conceitos que tornarão a
ficção científica de antigamente uma realidade freqüente (biomercado,
biotecnologia, engenharia genética), daí porque a obrigação legal imposta pela
Constituição Federal ao Poder Público, de fiscalizar e controlar essas entidades
de pesquisa e manipulação genética.
5. Obrigação do Poder Público de definir, em todas
as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a
serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção
(artigo 225, parágrafo 1o, inciso III, Constituição Federal). Significa que o
Poder Público tem a obrigação de definir espaços a serem protegidos em cada
unidade da federação. Esses espaços podem ser fixados por lei ou por ato do
Poder Executivo. Todavia, fixado um determinado espaço territorial como
protegido, a sua alteração (diminuição) ou supressão somente poderá ser
determinada por lei (e não mais também por ato do Poder Executivo). A
obrigação aqui tratada é ampla, pois não basta escolher essa ou aquela área
dentro de cada Estado da Federação para ser protegida, mas também exercer
um controle restritivo das atividades a serem desenvolvidas posteriormente
nessas respectivas áreas, para não ocorrer degradação de seus recursos e
potencialidades naturais.
6. Obrigação do Poder Público de exigir, na forma
da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental (EIA), a que se dará publicidade (artigo 225, parágrafo 1o, inciso
IV, Constituição Federal). O Estudo de Impacto Ambiental é um instrumento de
proteção ao meio ambiente, através do qual qualquer atividade, obra,
empreendimento ou produto é submetido ainda em fase de projeto, a uma
prévia avaliação do impacto que causará ao meio ambiente. A Constituição
Federal definiu que toda e qualquer atividade potencialmente causadora de
significativa poluição ou degradação necessitará previamente de um estudo de
impacto ambiental para se instalar, e que nesse processo, haverá a necessária
publicidade, procurando a regra evitar ou dificultar conluios entre o interesse
privado e o administrador público. Assim, a citada publicidade significa efetiva
possibilidade de participação popular, através de audiências públicas para a
discussão do projeto que se apresenta ao órgão ambiental, abrindo-se a
discussão de viabilidade daquele projeto em relação ao meio ambiente antes
mesmo de sua instalação, pois como já sentido, a exigência do Estudo de
Impacto Ambiental é eminentemente preventiva.
7. Obrigação do Poder Público de controlar a
produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente (artigo 225, parágrafo 1o, inciso V, Constituição Federal).
Comum é a ingerência estatal na comercialização de substâncias nocivas à
saúde e ao meio ambiente. Pois bem. Ocorre que a previsão do referido
dispositivo é muito mais ampla, ao considerar que as técnicas e os métodos
produtivos também podem ser considerados nocivos à saúde e ao meio
ambiente, ampliando ao extremo o campo de controle do Poder Público sobre
produtos e atividades em todas as suas fases de produção e comercialização.
8. Obrigação do Poder Público de promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente (artigo 225, parágrafo 1o,
inciso VI, Constituição Federal). Prevista constitucionalmente, a obrigação do
Estado Brasileiro de difundir a educação ambiental em todos os níveis de ensino
através de uma autêntica “Política Nacional de Educação Ambiental”, somente
se efetivou muito tempo depois da promulgação da Constituição Federal através
da Lei 9.795/99, que instituiu as diretrizes dessa obrigação legal.
9. Obrigação do Poder Público de proteger a fauna
e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco
sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais à crueldade (artigo 225, parágrafo 1o, inciso VII, Constituição
Federal). Fauna, em sentido amplo, é o conjunto de animais que vivem numa
determinada região, ambiente ou período geológico, e que engloba a fauna
terrestre (animais domesticados e silvestres), a avifauna (alada) e a fauna
aquática.
O mesmo se verifica em relação à flora no que concerne
ao conjunto da vida vegetal. Assim, fica o Poder Público obrigado a proteger a
fauna e a flora, mas também, impedir atividades que não apenas causem danos,
mas também as que somente proporcionem risco ao conjunto de funções
ecológicas desses recursos naturais. Essa proteção pode ser implementada
através de projetos e parcerias instituídas pelo Poder Público com Governos
Municipais e Estaduais e Universidades, além de organizações não
governamentais e grupos específicos da população que ocupem áreas
ecologicamente importantes não necessariamente transformadas em unidades
de conservação. Bom exemplo disso se extrai dos projetos de parcerias do
IBAMA com universidades para preservação da porção ainda remanescente da
Mata Atlântica.
Também veda a Constituição Federal, qualquer tipo de
atividade que provoque sofrimento desnecessário a animais em razão de
crueldade (ex. brigas de galo, farra-do-boi).
10. Regulamentação. Merece destaque para a
especificação dessas obrigações legais impostas ao Poder Público na
Constituição Federal, a existência da Lei no. 9.985, de 18 de julho de 2000, que
ao instituir o chamado “Sistema Nacional de Unidades de Conservação” (a ser
estudado em aula futura), acabou por regulamentar os incisos I, II, III, e VII, do
parágrafo 1º, da Constituição Federal.
IV - Julgados relacionados ao tema da aula:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA — Dano ambiental — Área de mangue aterrada para fins de loteamento — Aprovação pela
Prefeitura — Irrelevância — Direito adquirido inexistente — Responsabilidade objetiva — Auto de infração, multa e
interdição da área — Reiteração de conduta ilícita — Prejuízo ecológico irrecuperável — Denunciação da lide à Prefeitura
e loteadora anterior — Descabimento diante da responsabilidade objetiva — Direito de regresso, porém, assegurado —
Quantum condenatório para Fundo de Recuperação de Bem Lesado (art. 13, Lei n. 7.347/85) — Apuração em liquidação
de sentença — Provimento parcial do recurso. O mangue constitui-se numa reserva natural de árvores e arbustos,
abrigando variadas espécies de aves e animais. Como fonte de alimento goza de proteção legal. Ao poluidor responsável
por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a licitude da atividade ensejada pela autorização da autoridade
competente. A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é objetiva. Bastante é a prova do nexo causal entre a ação
do poluidor e o dano, para que nasça o dever de indenizar” (TJSC - Apelação cível n. 40.190, de Biguaçu, Relator: Des.
Alcides Aguiar. Florianópolis, 14 de dezembro de 1995).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Degradação do meio ambiente - Construção de prédios em desacordo com a lei de zoneamento
- Ocorrência - Alegação da ré de que recebera o alvará para construção antes da lei modificativa do zoneamento urbano -
Inadm - Pedido procedente - Recurso improvido. É inadmissível a pretensa alegação de direito adquirido, eis que o
alvará pode ser revisto, seja na esfera administrativa, seja na judicial. Mas o sentido da controvérsia é a verificação
objetiva de afronta ao meio ambiente, que existiu uma vez concebida a construção fora dos parâmetros da atual lei de
zoneamento urbano” (TJSP - Apelação Cível no. 140398 1, origem: São José do Rio Preto, Relator: Des. Almeida Ribeiro -
data: 17/10/91).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Utilização da área verde como depósito de lixo domiciliar por particulares e pela própria
Administração - Inadmissibilidade - Inobservância do dever de vigilância sanitária pelo Poder Público - Infração aos
artigos 23 e 225 da Constituição da República - Recurso não provido. Não se pode admitir que Municipalidade ré se
descure da polícia sanitária, permitindo que particulares depositem lixo doméstico nas proximidades de um córrego, em
local conhecido como "área verde", contribuindo ela própria com a degradação do meio ambiente, na medida em que
caminhões de sua frota também lançam detritos naquela área, colocando em risco a saúde das pessoas que vivem
naquela região”. (TJSP - Apelação Cível n. 001.351-5 - Capivari - 8ª Câmara de "Julho/97" de Direito Público - Relator:
Celso Bonilha - 30.07.97 - V.U);
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Sociedade Amigos da Praia de Itamambuca - Pedido de aprovação de construção de conjunto
residencial - Possibilidade de degradação do meio ambiente - Exigência de estudo de impacto ambiental -
Admissibilidade - Aplicação da Lei Federal n. 7.661/88, artigo 6º, § 2º, e Constituição da República, artigo 225, §1º,
IV - Reforma quanto à fixação da multa diária até cumprimento do preceito - Recursos parcialmente providos” (TJSP -
Apelação Cível n. 257.821-1 - São Paulo - 7ª Câmara de Direito Público - Relator: Jovino de Sylos - 11.08.97 - V.U).
Curso de Direito Ambiental – 2 º Série – 2 0 1 0 .
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin
Aulas 7 e 8 – Ementa: Direito Ambiental na Constituição Federal – Proteções
Específicas – análise do artigo 225, parágrafos 2º a 6º, da Constituição Federal.
Competências em Matéria Ambiental na Constituição Federal e outras
referências constitucionais que interessam ao Direito Ambiental.
I. Revisão.
1. Proteção constitucional ao meio ambiente. Em
nossas últimas aulas abordamos o capítulo destinado ao meio ambiente na
Constituição Federal, em especial, o sentido e o alcance do caput do artigo 225
da Constituição Federal, e, em seguida, distinguimos o poder-dever da
coletividade em torno da vida em ambiente equilibrado do dever imposto ao
Poder Público, e pudemos notar que o referido dispositivo constitucional fixa em
seu parágrafo primeiro, sete incisos com obrigações genéricas dirigidas ao
Estado, apontado como gestor da proteção ambiental através de comandos
constitucionais de níveis variados, quais sejam:
a) preservar e restaurar processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
b) preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético nacional e
fiscalizar as entidades dedicadas à manipulação de material genético;
c) definir nos Estados, áreas especialmente protegidas;
e) exigir Estudo de Impacto Ambiental para atividades significativamente
poluidoras;
f) controlar produção, comercialização, métodos e substâncias que importem
em risco à vida e meio ambiente;
g) promover educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientizar
sobre a preservação ambiental;
h) proteger a flora e a fauna, e proibir as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica,provoquem a extinção das espécies, ou que submetam os
animais a crueldade.
Os alunos e alunas devem perceber como é amplo o rol
de deveres impostos ao Poder Público, derivando esse conjunto de obrigações
desde a imposição de promover a educação ambiental (artigo 225, parágrafo 1º,
inciso VI, Constituição Federal), até definir áreas protegidas especialmente
(artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, Constituição Federal).
II – Proteções Específicas.
1. Idéia central da aula. No próprio capítulo destinado
ao meio ambiente na Constituição Federal, temos outros temas ambientais
relevantes que foram alçados ao patamar máximo do ordenamento jurídico com
a clara finalidade de reforçar a sua proteção (já que a reforma de matéria
constitucional pressupõe processo legislativo de emenda, sempre mais
complexo que a reforma de legislação ordinária), e por sua importância, tais
matérias ambientais se encontram estabelecidas no artigo 225, parágrafos 2º a
6º, da Constituição Federal, sendo tais temas objeto da primeira parte de nossa
aula. Em seguida, abordaremos outros pontos importantes do Direito Ambiental,
decorrentes de previsões constitucionais que não estão necessariamente
dispostas no capítulo destinado ao meio ambiente, mas que integram o mesmo
conjunto de proteções ao meio ambiente na Constituição Federal.
2. Meio ambiente e mineração. Conforme podemos
imaginar, a atividade mineradora está indissociavelmente ligada a um processo
constante de degradação ambiental, já que a mineração normalmente afeta a
superfície da jazida e sua respectiva área de entorno para que possa ser
possível alcançar a riqueza mineral no subsolo. Contudo, não se tratando de
atividade que possa ser sumariamente banida, deve ser conformada com
alguma proteção ambiental possível, daí o esforço da Constituição Federal em
impor ao ramo minerador, o dever de sempre recuperar o meio ambiente
degradado, segundo a solução técnica exigida pelo órgão ambiental
competente. Nesse sentido, estabelece a Constituição Federal:
“Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”
(artigo 225, parágrafo 2º, Constituição Federal).
Há, portanto, nessa regra, além do dever imposto ao
particular minerador, um dever imposto também ao Poder Público, que é o de
exigir de qualquer pessoa que explore recursos minerais, a recuperação do
ambiente degradado segundo um plano de recuperação gradativa. Para tanto,
podemos citar como exemplo a atuação do IBAMA, que idealizou já há algum
tempo, algumas regras básicas para a atividade de mineração através de um
“Manual de Recuperação de Áreas Degradadas pela Mineração”, que visa fixar
diretrizes para que o solo degradado pela mineração possa ser recuperado, com
a finalidade de adquirir algumas condições mínimas de se estabelecer um novo
equilíbrio ecológico naquela área atingida, segundo metas de curto, médio e
longo prazo.
3. Responsabilização cumulativa das condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente. O dano ambiental provoca tríplice
responsabilização do agente causador da ofensa, ficando o degradador sujeito à
reparação civil, assim como aos rigores das sanções legais no plano
administrativo e penal. Trata-se de dispositivo constitucional de enorme
importância e repercussão em face de seu alcance, assim estabelecendo:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados” (artigo 225, parágrafo 3º, Constituição Federal).
4. Proteção especial às macro-regiões. Cinco macro-
regiões receberam tratamento constitucional particular em razão das
características de seus ecossistemas. Ao referir-se a tais regiões como
patrimônio nacional, não determinou o legislador que tais áreas passassem a
integrar o patrimônio da União, pois “patrimônio” não expressa aqui a noção de
propriedade, mas de riqueza do País (“Patrimônio” é utilizado na previsão
constitucional com o sentido de “Bem, ou conjunto de bens culturais ou naturais, de
valor reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade, e
que, ao se tornar(em) protegido(s), deve(m) ser preservado(s) para o usufruto de todos
os cidadãos” - Dicionáro Aurélio – versão eletrônica).
Na verdade, a palavra “patrimônio” foi empregada em
seu sentido mais amplo, e não estritamente jurídico. Isso significa que os
proprietários particulares não ficaram necessariamente proibidos de explorar
terras compreendidas nessas macro-regiões, mas sim, a Constituição Federal
ressalvou esse interesse particular ao interesse público ecológico e de
preservação. Daí porque a Lei 9985/00 definiu os SINUC’s (Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza), que se divide em dois grandes grupos:
unidades de proteção integral (parque nacional, estação ecológica, refúgio da
vida silvestre, etc.) em que o objetivo é preservar a natureza, admitindo-se
apenas o uso indireto de seus recursos naturais, e unidades de uso sustentável
(área de proteção ambiental, floresta natural, reserva de fauna, área de
relevante interesse ecológico, etc.), em que o objetivo é compatibilizar o uso
sustentável de parte dos recursos naturais dessas áreas, com a preservação da
natureza, assim dispondo a Lex Superior:
“A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro
de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”
(artigo 225, parágrafo 4º, Constituição Federal).
.
5. Indisponibilidade de terras devolutas e de áreas
indispensáveis à preservação ambiental . Primeiramente, é necessário
relembrar que “terras devolutas” são aquelas que, não sendo próprias nem
aplicadas ao efetivo uso público, não se incorporaram no domínio privado. Sob o
ponto de vista do domínio público, a Constituição Federal definiu que são terras
devolutas que integram o patrimônio da União, “as terras devolutas
indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares,
das vias federais de comunicação, e as indispensáveis à conservação ambiental,
definidas em lei” (artigo 20, inciso II, Constituição Federal). Por exclusão, as
demais terras devolutas pertencem aos Estados da Federação (artigo 26, inciso
IV, Constituição Federal). Sob ponto de vista jurídico-ambiental, o dispositivo
constitucional é importante para fixar, de forma bem clara e absoluta, que
quaisquer áreas de terras devolutas ainda não arrecadadas, ou em processo de
arrecadação, já são previamente indisponíveis por força do mandamento
constitucional, independentemente do resultado de eventual ação
discriminatória, em razão da necessidade e importância ambiental. Nesse
sentido, assim tutela a Constituição Federal:
“São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por
ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais” (artigo 225, parágrafo 5º,
Constituição Federal).
6. Controle de usinas nucleares. O conjunto de
disposições constitucionais que trata da utilização da energia nuclear indica que
o constituinte buscou fazer com que o assunto nuclear ficasse diretamente
subordinado ao controle do Congresso Nacional e dependente de lei. Assim, não
será suficiente o licenciamento ambiental especial desse tipo de atividade,
necessitando ainda, segundo a Constituição, que lei federal defina a localização
de usinas que operem com reator nuclear. Há alguma discussão doutrinária em
torno desse tema, especificamente sobre o alcance da lei federal, ou seja, se
estaria a Constituição Federal a exigir uma lei genérica que fixasse diretrizes
gerais de localização para o licenciamento ambiental, ou se ao contrário, estaria
a Constituição Federal a exigir uma lei para cada localização específica dessa
ou daquela usina que viesse a operar com reator nuclear. Penso que a discussão
é inútil, pois parece claro que a Constituição está a exigir lei federal específica
para cada situação particular de licenciamento ambiental nesse ramo, com a
seguinte redação:
“As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização
definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas” (artigo 225, parágrafo 6º, Constituição
Federal).
III – Matérias relacionadas ao meio ambiente na Constituição Federal não
localizadas no capítulo destinado ao tema ambiental.
1. Competência legislativa ambiental e
competência administrativa ambiental. Tratando de meio ambiente, a
Constituição Federal não se limita a tecer regras no capítulo especificamente
destinado ao tema ambiental e composto pelo seu artigo 225 já analisado.
Iniciaremos assim nosso estudo de algumas matérias importantes relacionadas
ao meio ambiente, que não estão dispostas no capítulo específico destinado ao
tema ambiental, analisando inicialmente a divisão de competências para o
Poder Público legislar e a para administrar sobre meio ambiente.
2. Competência administrativa. De acordo com o
artigo 23, da Constituição Federal, os cuidados com o meio ambiente
representam uma obrigação do Poder Público, em específico do Poder Executivo
nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), tanto que a
Constituição Federal, em seu Título III, cuida da Organização do Estado, e após
fixar matérias de alçada exclusiva da União para executar (art. 21) e legislar
(art. 22), passa a estabelecer em seu artigo 23, matérias executivas de
competência comum e nesta seara se inclui a adoção de cuidados com o meio
ambiente, ou seja, pertinentes aos três níveis de governo (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios), o que significa dizer que a iniciativa para a
execução de tarefas em relação ao meio ambiente está conferida ao Poder
Público em todos os níveis e de forma comum, conforme encontramos no artigo
23, incisos III, IV, VI, VII, IX e XI, da Constituição Federal.
No parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal,
há previsão de que uma Lei Complementar tratará de fixar os limites de cada
competência administrativa, mas isso ainda não se concretizou em nosso
ordenamento, razão pela qual o dispositivo constitucional deve ser interpretado
segundo clássica repartição administrativa típica, sob pena de causar aparente
conflito entre dois ou mais entes políticos que porventura venham a se
considerar competentes, ou em sentido contrário, que venham a recusar
competência para uma determinada questão ambiental. Destarte,
doutrinariamente, interpreta-se da seguinte forma essa competência comum de
acordo com os limites de atribuição administrativa de cada ente da Federação:
a) Municípios: competência administrativa para questões ambientais de
interesse local, que não extrapolem os seus limites físicos;
b) Estados: competência administrativa para as questões ambientais que
extrapolem os limites físicos de um Município, que envolvam dois ou mais
Municípios, ou qualquer matéria referente a bens públicos estaduais;
c) União: competência administrativa para as questões internacionais, assim
como de poluição em áreas de fronteiras e as que envolvam dois ou mais
Estados.
De qualquer forma, a Constituição Federal, através de
seu artigo 23, estabeleceu como competência administrativa comum em matéria
ambiental um amplo rol, sendo que as principais podem ser destacadas como
sendo as de “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos” (artigo 23, inciso III); “proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas” (artigo 23, inciso VI); e “preservar as
florestas, a flora e a fauna” (artigo 23, inciso VII).
3. Competência legislativa. Definem-se como
competências ditadas e conferidas pela Constituição Federal aos entes da
Administração Pública para a elaboração de leis e atos normativos em relação a
determinados temas. Em matéria de meio ambiente, não há uma competência
legislativa exclusiva da União (artigo 22, Constituição Federal), mas sim,
concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal, conforme preceitua o
artigo 24, da Constituição Federal:
“Compete à União,aos Estados e ao Distrito Federal, legislar
concorrentemente sobre: “direito urbanístico” (inciso I); “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e do controle da poluição”
(inciso VI); “proteção ao patrimônio histórico, cultural artístico, turístico e paisagístico” (inciso VII);
“responsabilidade por dano ao meio ambiente...a bens e direitos de valor histórico, artístico, cultural, turístico e
paisagístico”(inciso VIII).
4. Interpretação acerca da competência legislativa
concorrente em matéria ambiental. No âmbito dessa competência
concorrente que União, Estados e Distrito Federal têm para legislar sobre
temas iguais deve ser observado que em relação a cada tema, competirá à
União estabelecer normas gerais (artigo 24, parágrafo 1o, Constituição
Federal).
Aos Estados competirá estabelecer normais específicas
decorrentes daquelas normas gerais editadas pela União, ou seja, competência
legislativa subsidiária criada para a complementação das normas editadas pela
União (artigo 24, parágrafo 2º, Constituição Federal). Isso não significa que os
Estados não possam jamais editar normas gerais, pois a estes reserva a
Constituição Federal uma competência suplementar, para suprir a ausência de
normas gerais editadas pela União, visando o atendimento de suas
peculiaridades locais (artigo 24, parágrafo 3o, Constituição Federal). No
entanto, se nesse vazio legislativo suprido pelos Estados, a União vier a editar
norma geral posteriormente, a anterior norma geral editada pelos Estados terá
sua eficácia suspensa, no que contrariar a da União (artigo 24, parágrafo 4o,
Constituição Federal).
Aliás, em relação ao conceito de normas gerais, elucida a
doutrina:
“Normas gerais não são apenas linhas gerais, princípios, ou critérios básicos a
serem observados pela legislação suplementar dos Estados. Normas Gerais contrapõem-se a normas
particulares. A União nessas matérias pode legislar com maior ou menor amplitude, conforme queira impor a
todo o país, uma legislação mais ou menos uniforme. O que a União não poderá é legislar sobre assuntos
particulares da esfera de interesses ou de peculiaridades dos Estados. Normas Gerais são normas uniformes,
isonômicas, aplicáveis a todos os cidadãos, e a todos os Estados” (Leonardo Greco, in Competências
constitucionais em matéria ambiental, RT 687/29, citado por Édis Milaré, na obra Direito do Ambiente, 2a.
edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 265 nota 121).
5. A competência legislativa municipal: como visto
acima, os Municípios receberam competência administrativa para as questões
ambientais, mas não competência legislativa direta através da Constituição
Federal. Entretanto, estabelece o artigo 30, inciso II, da Constituição Federal:
“Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II –
suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber”.
Portanto, os Municípios não detém competência
legislativa ambiental direta (exclusiva ou concorrente), mas acabam por deter
competência suplementar, podendo, eventualmente, tratar no seu próprio plano
legislativo de questões ambientais, de forma a complementar, sem nunca
contrariar, o contexto normativo ditado por União e Estados, e isso é muito
importante, pois essa iniciativa de legislar no âmbito do município acaba sendo
mitigada pela Constituição Federal, na medida em que sejam admitidas normas
ambientais municipais somente se verificados simultaneamente o atendimento
dos dois incisos desse dispositivo de nossa Lex Superior (artigo, 30, incisos I e
II, Constituição Federal), o que evidentemente afasta a possibilidade de
surgimento de leis municipais gerais, mesmo na hipótese de vácuo legislativo
federal e estadual em alguma matéria.
6. Outras abordagens em relação ao meio ambiente
na Constituição Federal. Primeiramente, analisamos uma importante base
constitucional em matéria ambiental, formada pelo artigo 170, inciso VI
(princípio regulador da ordem econômica), artigo 186, inciso II (limitador do
uso da propriedade rural), e artigo 225 (direito fundamental de meio ambiente
ecologicamente equilibrado). Vimos, em seguida, que se faz necessário
interpretar harmonicamente outros direitos ou previsões constitucionais, como,
por exemplo, a previsão de que a lei não prejudicará o direito adquirido (artigo
5º, XXXVI, CF), e isso em nada afeta o direito de ambiente equilibrado, ou
ainda, de que as terras devolutas devem servir para a reforma agrária (artigo
188, CF), mas não aquelas importantes para o meio-ambiente, que, aliás, são
indisponíveis (artigo 225, parágrafo 5º, CF).
Nesta aula analisamos regras constitucionais de
competência administrativa e legislativa em matéria ambiental nos artigos 23 e
24 da Constituição Federal, mas há outros dispositivos constitucionais também
ligados ao meio ambiente, o que nos permite dimensionar a proteção conferida
a esse direito fundamental na Constituição Federal.
6.1. Ação popular. A ação popular constitucional é um
remédio jurídico e democrático, disponibilizado a qualquer cidadão (pessoa em
pleno gozo de seus direitos políticos, que ostente a condição de eleitor), e visa
disponibilizar que qualquer cidadão fiscalize a atuação do governante, através
de uma ação que vise, por sentença judicial, a eventual anulação de qualquer
ato do Poder Público que venha a ser considerado lesivo ao patrimônio público,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, assim dispondo a Lei Maior:
“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência” (artigo 5o, LXXIII, Constituição Federal).
6.2. Ação civil pública e o inquérito civil. O
dispositivo estabelece como uma das funções institucionais do Ministério
Público, a proteção do meio ambiente através do inquérito civil e da ação civil
pública. A Constituição Federal, ao tratar do Ministério Público, estabeleceu as
funções institucionais do Parquet, dentre as quais, a de assumir através de um
instrumento de investigação amplo (o inquérito civil), e de instrumento
processual forte (a ação civil pública), a defesa de interesses difusos e coletivos,
inclusive, do meio ambiente. Objeto de aulas específicas no segundo semestre,
deixaremos o aprofundamento desses instrumentos para momento posterior.
Importante, contudo, fixar que o inquérito civil não se confunde com o policial,
pois é instaurado, presidido e concluído pelo Ministério Público, e não visa
outra finalidade que não a de reunir provas para futura ação civil pública, a ser
proposta pelo próprio Ministério Público na defesa dos interesses acima
mencionados. Nesse sentido, estabelece a Constituição Federal:
“São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil
e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos” (artigo 129, inciso III, Constituição Federal).
6.3. Desenvolvimento regional equilibrado. Trata-se
de regra constitucional importante, ao fixar que a lei regulará um
desenvolvimento nacional equilibrado. Ainda no Capítulo que trata da ordem
econômica e financeira, a Constituição Federal estabelece que o Estado
Brasileiro deverá assumir papel de controle no desenvolvimento assumindo
preocupação com um crescimento social e econômico equilibrado, distribuído
regionalmente, o que também significa que o Poder Público deverá se ocupar
em distribuir as oportunidades de desenvolvimento, sem privilegiar qualquer
região em detrimento de outra:
“Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para
o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento
do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais
de desenvolvimento” (artigo 174, parágrafo 1º, Constituição Federal).
Qual a relação dessa regra com o meio ambiente? O
desenvolvimento regional, e, sobretudo, o social, costumam abafar o interesse
humano predatório, vez que diante de oportunidades sociais melhores, não
necessita o homem ocupar-se com exploração desenfreada.
6.4. Garimpo. Prevê o dispositivo em questão que o
Estado estimulará a atividade de garimpo através de cooperativas, com a
finalidade de proteção ao meio ambiente. No mesmo dispositivo, a Constituição
Federal inclui como meta, o favorecimento ao surgimento de cooperativas de
garimpeiros, visando controlar melhor a atividade, com a finalidade de proteger
melhor o meio ambiente e os próprios mineradores:
“O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas,
levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros” (artigo 174,
parágrafo 3º, Constituição Federal).
6.5. Limite ao direito de comunicação. Estabelece o
dispositivo que deverá existir mecanismo legal de proteção contra a publicidade
ofensiva ao meio ambiente na comunicação. Através desse dispositivo, ao cuidar
da comunicação social, a Constituição Federal estendeu a proteção do seu
artigo 221 (programações respeitosas à família, ao indivíduo, e aos valores
éticos da sociedade), também à publicidade abusiva de produtos e serviços que
atentem contra o respeito que se deve nutrir ao meio ambiente:
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição... § 3º - Compete à lei federal: ...II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à
família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem
o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente” (artigo 220, parágrafo 3º, inciso II, Constituição
Federal).
6.6. Áreas urbanas e plano diretor - meio ambiente
artificial. Como as áreas urbanizadas estão adstritas aos municípios, importa
relembrar que aos municípios compete legislar “sobre assuntos de interesse
local” (artigo 30, inciso I, Constituição Federal), e promover adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
parcelamento e ocupação do solo urbano (artigo 30, inciso VII, Constituição
Federal). No âmago do interesse que o meio-ambiente artificial desperta,
destaca-se justamente a importância do parcelamento, uso, e ocupação do solo,
daí porque se diz que é extremamente importante que os municípios contem
com um “plano diretor” para auxiliar nesse controle, com a finalidade
primordial de evitar que o processo de crescimento desse ambiente construído
pelo homem não seja desenfreado, caótico, manipulado apenas por interesses
de especulação imobiliária, tornando ainda mais precária a vida do homem nos
centros urbanos.
Para tanto, estabelece a Constituição Federal:
“A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela
Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana” (artigo 182, parágrafo 1º, da Constituição Federal).
Considerado pelo artigo 182, parágrafo 1º, da
Constituição Federal, como um instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana, cujo objetivo é ordenar a função social
das cidades e garantir o bem estar da população, o “plano diretor” é definido
por Paulo Affonso Leme Machado como:
“O conjunto de normas obrigatórias, elaborado por lei municipal específica,
integrando o processo de planejamento municipal, que regula as atividades e os empreendimentos do próprio
Poder Público Municipal, e das pessoas físicas e jurídicas de direito privado ou público, a serem levados a
efeito no território municipal” (Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 8a. edição, 2000).
IV. Julgados relacionados aos temas expostos na presente aula (fonte:
www.tj.sp.gov.br).
a) Meio ambiente e mineração (artigo 225, parágrafo 2º, Constituição Federal):
“Ação civil pública – Danos ao meio ambiente - Extração de granito em área tombada - Resolução N. 40/85 – Inadmissibilidade de
destruição ou mutilação de área tombada sem prévia autorização - DL N. 25/37, Art. 17 – Possibilidade de continuidade de extração
desde que previamente calculado o impacto ambiental e programada a recuperação ou reparação dos danos – Inocorrência no caso
concreto – Proibição mantida - RNP. A partir do tombamento, a empresa, por já estar autorizada, podia prosseguir na exploração do
granito, mas deveria obedecer ao que dispunha a Resolução N. 40, apresentando relatório de impacto ambiental, elaborando então plano
detalhado de recuperação da área, aprovado pelo Condephaat, como a autora entende que nenhuma degradação causa, não pode
prosseguir na mineração” (TJSP - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Recurso: AC 178905 1 Origem: UBATUBA - Órgão: CCIV 2 Relator: URBANO
RUIZ Data: 28/09/93).
b) Responsabilização pelo dano ambiental (artigo 225, parágrafo 3º, Constituição Federal):
“MEIO AMBIENTE - Dano ambiental - Responsabilidade objetiva do poluidor - Independência das esferas penal, civil e administrativa para
a apuração do dano e punição do seu causador - Inteligência do art. 225, § 3º, da CF e das Leis 6.938/81 e 9.605/98” (TRF - 3ª Reg.)
c) Proteção especial às macro-regiões (artigo 225, parágrafo 4º, Constituição Federal):
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Objetivo - Obrigar a Fazenda do Estado a controlar extrativismo vegetal na Mata Atlântica, bem como promover
campanha de divulgação sobre a degradação - Inadmissibilidade - Não comprovação de dano efetivo ao meio ambiente - Existência,
ademais, de órgãos competentes para fiscalização e educação ambiental - Falta de interesse de agir - Recurso não provido. Uma vez
existentes órgãos públicos destinados à fiscalização, repressão e educação em matéria ambiental, não há como compelir o Estado a
aparelhá-los adequadamente para a perfeita execução do mister, salvo por legítimas pressões políticas de todo cidadão visando à
sensibilização dos governantes” (TJSP - Apelação Cível n. 217.103-1 - Santos - Relator: G. PINHEIRO FRANCO - CCIV 4 - v.u. -
02.03.95).
d) Competência em matéria ambiental:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n.º 1.569/92, de Barra Bonita - Permissão de queima de cana-de-açúcar
no território do Município - Inadmissibilidade - Violação ao artigo 193 da Constituição Estadual, que reservou a competência legislativa a
respeito do meio ambiente ao Estado - Ação procedente - Inconstitucionalidade declarada” (TJSP - Relator: Nelson Schiesari - Ação
Direta de Inconstitucionalidade n.º 17.197-0 - São Paulo - 02.02.94).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL - CONFRONTO COM A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - QUEIMADAS
EM ÁREAS PRODUTIVAS E ECOLÓGICAS” Matéria de competência legislativa concorrente da qual o município está excluído – Art. 24,
VI da Constituição Federal - Norma edilícia, ademais, que extravasou de sua competência suplementar e genérica, garantida pelo Art. 30,
II da Constituição Federal - Ação procedente - Votos vencedores. O município procurou valer-se de competência cumulativa na disciplina
da queima de cana-de-açúcar no seu território, para fins de colheita, quando sua competência tinha natureza simplesmente suplementar;
ademais, a lei em questão afronta disposições da legislação regulamentar estadual, em tema de interesse regional, não só local” (TJSP –
Ação Direta de Inconstitucionalidade - Recurso: ADI 17747 0 Origem: SP Orgão: OESP Relator: Cesar de Moares Data: 15/09/93).
e) outros dispositivos constitucionais:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA — Dano ambiental — Área de mangue aterrada para fins de loteamento — Aprovação pela Prefeitura —
Irrelevância — Direito adquirido inexistente — Responsabilidade objetiva — Auto de infração, multa e interdição da área — Reiteração de
conduta ilícita — Prejuízo ecológico irrecuperável — Denunciação da lide à Prefeitura e loteadora anterior — Descabimento diante da
responsabilidade objetiva — Direito de regresso, porém, assegurado — Quantum condenatório para Fundo de Recuperação de Bem
Lesado (art. 13, Lei n. 7.347/85) — Apuração em liquidação de sentença — Provimento parcial do recurso. O mangue constitui-se numa
reserva natural de árvores e arbustos, abrigando variadas espécies de aves e animais. Como fonte de alimento goza de proteção legal.
Ao poluidor responsável por fato lesivo ao meio ambiente descabe invocar a licitude da atividade ensejada pela autorização da autoridade
competente. A responsabilidade no âmbito da defesa ambiental é objetiva. Bastante é a prova do nexo causal entre a ação do poluidor e o
dano, para que nasça o dever de indenizar” (TJSC - Apelação cível n. 40.190, de Biguaçu, Relator: Des. Alcides Aguiar. Florianópolis, 14
de dezembro de 1995).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Degradação do meio ambiente - Construção de prédios em desacordo com a lei de zoneamento - Ocorrência -
Alegação da ré de que recebera o alvará para construção antes da lei modificativa do zoneamento urbano - Inadm - Pedido procedente -
Recurso improvido. É inadmissível a pretensa alegação de direito adquirido, eis que o alvará pode ser revisto, seja na esfera
administrativa, seja na judicial. Mas o sentido da controvérsia é a verificação objetiva de afronta ao meio ambiente, que existiu uma vez
concebida a construção fora dos parâmetros da atual lei de zoneamento urbano” (TJSP - Apelação Cível no. 140398 1, origem: São José
do Rio Preto, Relator: Des. Almeida Ribeiro - data: 17/10/91).
“MANDADO DE SEGURANÇA - Sistema de rodízio de veículos na região da Capital de São Paulo - Circulação sem distinção de dia -
Direito de locomoção, à propriedade e direito adquirido não violados - Proteção à saúde e ao meio ambiente prevista na Constituição
Federal - Resguardo da saúde pública objetivado pelo legislador estadual, em consonância com a Constituição Federal - Caracterização
do bem comum na permissão de circulação de transportes coletivos e outros empregados em serviços essenciais - Direito de propriedade
limitado pela Carta Magna (artigos 225, § 3º 170, III) - Recursos providos” (TJSP - Apelação Cível n.º 43.448-5 - São Paulo - 6ª Câmara
"JULHO/98" de Direito Público - Relator: Afonso
C U R S O D E D I R E I T O A M B I E N T A L – 2ª S é r i e – 2
0 1 0.
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin.
Aulas 09 e 10 – Ementa: Introdução ao Estudo – Responsabilidade Civil no
Direito Privado. Responsabilização Civil do Causador do Dano Ambiental. Base
Teórica da Responsabilização Civil no Direito Ambiental.
I. Revisão.
1. Aulas anteriores e base constitucional de
proteção constitucional. Ao iniciarmos o estudo do Direito Ambiental,
focamos nossa atenção nos dispositivos constitucionais que estruturam o seu
surgimento com total autonomia no ordenamento jurídico, vez que idealizado
pela Constituição Federal como decorrência de um direito fundamental de vida
em ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, Constituição
Federal), além de apto a determinar a sua defesa como um princípio norteador
da ordem econômica nacional (artigo 170, inciso VI, Constituição Federal), e
criador de uma função social e ambiental da propriedade privada rural (artigo
186, inciso II, Constituição Federal).
Desse ponto principal, vimos que a Constituição Federal
estabelece ainda obrigações ao Poder Público (artigo 225, parágrafo 1º,
Constituição Federal), reserva matérias ambientais importantes em seu capítulo
próprio destinado ao meio ambiente (artigo 225, parágrafos 2º a 6º,
Constituição Federal), impõe competências legislativas e administrativas ao
Poder Público em matéria ambiental (artigos 23, 24 e 30, Constituição Federal),
iguala a defesa ambiental ao mesmo patamar das garantias individuais e ao
exercício do direito de propriedade (artigo 5º, Constituição Federal), dentre
outras disposições igualmente relevantes (mineração, comunicação social,
proteção cultural, mecanismos processuais de defesa).
Ao longo dessas aulas, percebemos que a Constituição
Federal faz referência ao ambiente lesado, ferido, atingido. Além das regras de
proteção e prevenção até aqui estudadas, vimos que a Constituição Federal se
importa em traçar previsão de resposta do ordenamento para a reparação dos
danos causados ao meio ambiente, estabelecendo expressamente:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados” (artigo 225, parágrafo 3º, Constituição Federal).
Assim, estamos diante de regra maior de reparação para
a hipótese de dano causado ao meio ambiente, a ensejar simultânea sanção
administrativa e pena criminal, além de impor a obrigação de reparar
civilmente, ou seja, de forma patrimonial.
Nas aulas dessa semana, iniciaremos a análise da forma
legal de responsabilização civil do causador do dano ambiental. Para tanto,
porém, ressalto que o sistema legal de responsabilização civil do causador do
dano ambiental é significativamente diverso do sistema legal de
responsabilização civil do causador de dano no direito privado. Assim, como
estudaremos em Direito Ambiental um sistema excepcional de
responsabilização patrimonial frente ao comumente aplicado aos danos
praticados entre particulares no Direito Civil, considera o professor ser didático
retomar, ainda que de forma breve, simplesmente como introdução e para
confronto futuro com as regras específicas de Direito Ambiental, a base jurídica
que dá sustentação ao instituto da responsabilidade civil no Direito Privado, e
da qual criamos a reparação civil por danos ambientais.
II. Noções introdutórias sobre responsabilização civil por danos em geral.
1. Introdução. O Direito Civil pode ser dividido em dois
grandes ramos compreendidos em um seguimento de direitos não patrimoniais
(referentes à própria pessoa do titular – exemplo: personalidade), e em outro
segmento de direitos patrimoniais (que compreendem os direitos reais e os
direitos pessoais – exemplo: direito real de propriedade e direito pessoal de
crédito).
Basicamente, para uma singela diferenciação entre os
direitos patrimoniais reais e pessoais, podemos sustentar que os direitos reais,
notadamente erga omnes, recaem diretamente sobre as coisas, vinculando-as ao
seu titular, que passa a deter sobre a coisa as prerrogativas de seqüela e de
preferência frente a todos, ao passo que os direitos pessoais (obrigacionais),
caracterizam-se por seu efeito inter partes, conferindo ao credor o direito de
exigir apenas do devedor determinada prestação.
Dessarte, essa obrigação pessoal pode surgir em
decorrência de um contrato, da própria lei ou do ato ilícito.
Contratualmente, a obrigação constitui-se em um vínculo
de direito através do qual alguém se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer
coisa em favor de outrem. Já nas Institutas de Justiniano na Roma Antiga, a
obrigação era definida como um vínculo jurídico que compele alguém a fornecer
uma prestação regulada ou admitida pelo ordenamento. Na relação
obrigacional contratual, o liame, o vínculo estabelecido entre as partes é
admitido e regulado pela lei, e por tal razão recebe proteção do Estado Juiz, na
medida em que tal poder obrigacional é dotado de sanção.
Do vínculo obrigacional contratual decorre a dívida e a
responsabilidade para o sujeito passivo. A dívida é o dever que incumbe ao
sujeito passivo de prestar o que havia prometido, liberando-se do vínculo
obrigacional contratual voluntariamente, no tempo e modo devidos. Se não
ocorre o cumprimento da obrigação, o inadimplemento surgido determina
imediata responsabilidade patrimonial do sujeito passivo por aquele vínculo
contratual, conferindo a prerrogativa ao credor de alcançar no patrimônio do
devedor a satisfação de seu crédito. Essa responsabilidade contratual surgirá,
portanto, em razão do vínculo entre os contratantes, que obriga um deles (ou
ambos) a responder pelo ajuste com seu patrimônio pessoal caso não cumpra a
obrigação satisfazendo voluntariamente a dívida no tempo e modo
estabelecidos. Essa responsabilidade civil contratual não pode ser confundida
com a responsabilidade civil extracontratual, pois se a primeira é uma simples
decorrência do instituto jurídico do contrato, a segunda é decorrente de um
autêntico princípio jurídico instituído pela lei civil. Certamente, a
responsabilidade nasce como um percalço no desenvolvimento natural da
obrigação, pois o contrato é formalizado para ser voluntariamente cumprido.
Apenas diante do inadimplemento, surge a
responsabilidade patrimonial de natureza contratual, decorrente de um ajuste
lícito de vontades (negócio jurídico).
Em contrapartida, fora do universo jurídico do contrato,
encontramos uma proteção jurídica ao convívio harmonioso do homem em
sociedade, estabelecendo o surgimento de uma responsabilidade também civil,
porém, não contratada, ou seja, que não decorre de nenhum ajuste contratual
de vontades, que decorrerá da própria lei como reconhecimento de obrigações
naturais (como na obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos), ou do
princípio jurídico originário do Código de Napoleão (1804), que fixa um dever
jurídico genérico de não causar dano a outrem. A provocação do dano à esfera
individual de outrem, fora dos limites de qualquer contrato, é resultado de uma
conduta apontada como “ato ilícito”, cuja conseqüência legal é a de gerar
responsabilidade civil (patrimonial) extracontratual, obrigando o agente
causador do ato ilícito a reparar o ofendido, mesmo sem nenhum ajuste prévio
de vontades.
Certamente, estamos a enfocar a responsabilidade civil
extracontratual, sendo praticamente convencionado na operação cotidiana do
Direito, que por responsabilidade civil tratamos da responsabilidade
extracontratual decorrente do ato ilícito, ao passo que responsabilidade
contratual é incorporada pelo estudo do Direito das Obrigações, sobretudo, em
seus aspectos relacionados aos conceitos de pagamento e de mora contratual.
Feita essa distinção básica, e deixando de lado
totalmente os aspectos em torno da contratualidade, chegamos ao
enfrentamento do conceito de responsabilidade civil extracontratual.
Imaginar que a conceituação da responsabilidade civil
traria como conseqüência a idéia de culpa não nos parece acertada, pois
deixaria sem abrigo a responsabilidade civil fundada na teoria objetiva, que
prescinde da idéia de culpa.
Assim, quem para nós melhor define o conceito amplo de
responsabilidade civil é Caio Mário da Silva Pereira, justamente porque em suas
palavras há encaixe lógico para compreender a responsabilidade civil sob
qualquer regime de aplicação ao estabelecê-la como um “princípio que
subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano”
(Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Forense, 5ª edição, 1994, p. 10).
2. Ato ilícito e seu conceito. Conforme já mencionado,
a responsabilidade civil surgiu atrelada ao conceito de ato lesivo, posto que
causador de dano. Para concepção do chamado “ato ilícito”, mister abordarmos
conceitos genéricos de fato e ato jurídico, para sua exata compreensão.
a) Fatos são os acontecimentos verificados no cotidiano. Podem ou não gerar
reflexos jurídicos. A aurora é um fato, assim como a morte. Na primeira
hipótese, o nascer do sol não gera reflexos jurídicos, sendo um simples fato sem
repercussão no campo do Direito. Já a morte da pessoa gera uma série de
reflexos de ordem jurídica (extinção da punibilidade, surgimento de direitos por
sucessão hereditária, etc.), razão pela qual pode ser considerado um fato
jurídico. Por seu turno, os fatos jurídicos podem ocorrer sem a participação
humana, como a “aluvião” (acessão de propriedade em conseqüência de nesta
ocorrerem acréscimos formados por depósitos e aterros naturais, ou pelo desvio
das águas de um rio) e a “avulsão” (modo de aquisição da propriedade imóvel
pela superposição ou adjunção de uma porção de terra arrancada de seu lugar
primitivo por força natural violenta), e nesses casos são considerados fatos
jurídicos em sentido estrito. Já os fatos jurídicos oriundos da vontade humana
são denominados atos jurídicos.
b) Atos Jurídicos: atos decorrentes da vontade humana, que visam repercutir
juridicamente, ou seja, criar, modificar ou extinguir relações jurídicas e direitos
subjetivos, cujo maior exemplo é o contrato. Se o ato jurídico voluntário for
lícito, ou seja, em conformidade com o Direito, então a lei irá conferir a esse
contrato os efeitos pretendidos (direitos e deveres). Se, ao contrário, o ato
decorrente da vontade humana não for realizado em conformidade com o
direito, será considerado ilícito. Na verdade, se o ato for contrário ao Direito,
não fará surgir vantagens ao seu causador, sofrendo este apenas deveres,
principalmente, o de reparação.
c) Atos Ilícitos: se os atos jurídicos caracterizam-se pela vontade motivadora
com objeto lícito, que permite ao agente colher os efeitos almejados que lhe são
conferidos pelo ordenamento jurídico, e se os atos ilícitos não geram direitos
como efeitos, mas apenas deveres, por afronta ao ordenamento, podemos
vislumbrar o ato ilícito como sendo toda atuação que venha a infringir um dever
legal ou contratual, causando dano a outrem. Na hipótese de infringir o agente
um dever contratual, as conseqüências ficarão restritas ao campo do direito
obrigacional. Aquele que estava obrigado a fazer algo por contrato, não o
fazendo, propiciará ao outro contratante a pretensão de cobrar o prejuízo
causado em razão da mora ou do inadimplemento. Fora do universo contratual,
o agente que atua querendo violar a esfera individual alheia de forma
consciente (dolo), ou assim procede por desatenção, despreparo, ou falta de
cuidados (culpa), também estará a infringir um dever legal, que é o de não
causar prejuízo a outrem, e que gera a obrigação legal (e não contratual) de
reparar o dano, porque tal dever está estampado na lei civil (artigo 186, Código
Civil).
3. Responsabilidade civil extracontratual - conceito
e pressupostos. Basicamente, a responsabilidade civil nada mais é do que a
imputação do resultado de uma conduta antijurídica, ilícita, contrária ao Direito
a alguém (pessoa física ou jurídica), e implica na necessidade de indenizar o
dano causado. Seu efeito principal, portanto, é o dever legal de reparação,
inconfundível com a responsabilidade penal. A responsabilidade civil terá
pressupostos de acordo com o regime que adota (fundada ou não na noção de
culpa), e que podem ser assim alinhados:
a) ação ou omissão do agente: pode o ato ilícito ser decorrência de uma ação
comissiva ou omissiva do agente, verificada esta última quando o agente tinha a
obrigação legal de atuar;
b) existência de dano: a ocorrência do dano é fundamental para a invocação da
responsabilidade civil do agente, pois se a conduta não chega a causar dano na
esfera jurídica de outrem, ou seja, não provoca lesão a um bem jurídico de
ordem patrimonial ou não patrimonial, não propicia o surgimento de nenhum
direito à reparação;
c) relação de causalidade: necessário que se estabeleça um nexo de causalidade
entre a ação e o dano, de forma vislumbrar que o dano é decorrência do
comportamento do agente;
d) dolo ou culpa do agente: esse elemento somente é relevante na modalidade
de responsabilidade civil subjetiva, fundada na idéia de culpa em sentido amplo
(que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito). Atua com dolo aquele que age
intencionalmente, causando dano a outrem. Atua com culpa, aquele que não se
porta de forma cuidadosa, faltando com o dever de atuar com prudência e
diligência na vida social, ou de forma negligente, imprudente ou com imperícia,
capazes de causar dano não desejado pelo agente, mas que poderia ser evitado
não fosse a negligência, imprudência, ou imperícia do causador do dano no
meio social (A imprudência consiste em agir o sujeito sem as cautelas
necessárias, demonstrando desinteresse e pouca consideração pelos interesses
alheios. A imperícia é a inaptidão técnica, a ausência de conhecimentos para a
prática de um ato. É a chamada culpa profissional. A negligência é a falta de
atenção, é a ausência de reflexão necessária, em virtude da qual o agente deixa
de prever um resultado danoso a outrem, que podia ser previsto).
4. Regimes de responsabilização civil. Comum tem
sido ouvirmos que a responsabilidade civil ora é subjetiva em ramos gerais do
ordenamento jurídico (sistemas penal e civil, sobretudo), ora é objetiva em
ramos específicos do ordenamento (consumidor, ambiental). Significa que há
regimes distintos de apuração da responsabilidade civil nos mais variados
segmentos do ordenamento jurídico, e essa diferenciação ocorre em razão dos
elementos informadores de cada ramo do Direito.
A noção inicial de vingança tribal atendia a um regime
de responsabilidade objetiva, em que a simples ocorrência do dano gerava o
direito do ofendido vingar-se na mesma exata medida do ofensor, não tendo
grande importância a existência ou não de culpa do ofensor.
Com o passar do tempo, surgiu certa organização da
vida em sociedade, tendo o Direito Romano passado a admitir em processo de
lenta modificação, a indenização como forma subsidiária de composição do dano
sofrido, e posteriormente, com a Lex Aquilia, surgiu uma nova concepção de
resposta legal ao dano causado, dimensionada pela culpa do agente ofensor.
Essa responsabilidade foi apelidada de aquiliana, ou seja, pautada pela culpa, e
por sua estruturação impecável contaminou todo o Direito Latino, até ser
elevada ao patamar de princípio geral pelo Direito Francês no Código de
Napoleão (1804).
O Direito Brasileiro, sempre pautado pela noção de culpa
(salvo raras e específicas exceções) adotou, através do Código Civil de 1916, a
responsabilidade civil chamada de subjetiva, ou seja, fundada na culpa, sem a
qual não se obriga o causador do dano a indenizar. Essa culpa em sentido amplo
decorre da conduta motivada por dolo (que é a vontade dirigida para causar um
dano de forma consciente pelo agente ofensor), ou é decorrência de culpa em
sentido estrito (em que o agir do agente é imprudente, imperito ou negligente, e
que acaba por causar dano a outrem), ausente a vontade de lesar.
7. Responsabilidade civil extracontratual no Direito
Civil. Atualmente, após a adoção do regime da responsabilidade civil objetiva
para o dano ambiental (Lei no. 6.938/81), e para o dano causado na relação de
consumo (Lei no. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor), o novo Código
Civil manteve a regra geral de responsabilidade civil fundada na culpa
(responsabilidade civil subjetiva), mas reservou para algumas situações
específicas o regime mais severo de responsabilização objetiva (dano causado
por animais, por incapazes, produtos postos em circulação, e em razão de
atividades que ofereçam risco), passando a adotar modelo misto, que contraria
totalmente o sistema anterior do revogado Código de 1916, e que se
apresentava totalmente fundado na responsabilidade civil subjetiva.
8. Responsabilidade civil do causador do dano
ambiental. Ao contrário do Direito Privado, normalmente estabelecido para
dirimir confrontos individualizados entre partes bem definidas, no Direito
Ambiental o bem jurídico protegido é difuso. Sim, pois o ambiente equilibrado é
direito fundamental que pertence a todos indistintamente. O dano ambiental, ao
contrário do dano retratado no Direito Civil, não atinge a esfera jurídica de
outrem, de uma vítima específica, mas a todos, e por tal razão, regime menos
severo como o da responsabilidade subjetiva (fundada na idéia de culpa), deixou
à margem da reparação diversos danos ambientais do passado.
Por tal razão, a Lei no. 6.938/81, ao definir a Política
Nacional de Meio Ambiente, adotou um regime de responsabilização mais
severo, de apuração puramente objetiva, e que estabelece:
“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal,
estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação
da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
....
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio
ambiente”.
9. Base teórica da responsabilidade objetiva
ambiental. Observando o(a) aluno(a) com atenção o texto do parágrafo 1º,
desse citado artigo 14, da Lei no. 6.938/81, sentida dúvida surgirá sobre a
possibilidade de se invocar circunstâncias excludentes, já que o dispositivo não
indica o nível de responsabilização objetiva que deve ser adotado por parte do
intérprete da norma. Como a responsabilidade objetiva prescinde do
pressuposto “culpa”, faz-se necessário avaliar em que grau essa
responsabilização será objetivamente atribuída a alguém, sobretudo porque em
Direito Ambiental, não se busca uma ação ou omissão do agente, mas sim, uma
ação, omissão ou simples exercício de atividade, um dano ambiental e uma
relação de causalidade entre a atividade e o dano, e nesse momento, a análise
da causalidade pode ser interrompida por alguma circunstância excludente.
Contudo, vale a advertência: há uma teorização jurídica
em torno da responsabilização civil objetiva, e essa teorização busca de acordo
com o pensamento jurídico adotado, admitir ou não admitir a aplicação de
excludentes ao regime de responsabilização.
Para fundamentar a noção de reparação sem o
pressuposto subjetivo do dolo ou culpa, sem grande pacificação doutrinária ou
jurisprudencial, extraímos do Direito Ambiental três grandes teorias, de
profunda construção e sustentação, que visam, cada qual sob seu prisma,
explicar o alcance da responsabilização civil objetiva no Direito Ambiental,
conforme podemos resumir:
a) alguns autores entendem que a responsabilidade civil ambiental é fundada
na teoria do risco integral, segundo a qual, nenhuma excludente de
responsabilidade poderia ser aceita para a hipótese de dano ambiental (Édis
Milaré, Antonio Herman Vasconcelos Benjamim);
b) outros autores consideram aplicável para responsabilidade objetiva
ambiental, a teoria do risco criado, que admite a apresentação de excludentes
como a “culpa exclusiva de terceiro”, a “força maior” e o “caso fortuito” (Toshio
Mukai, José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior);
c) por fim, há autores que sustentam como cabível a adoção da teoria do risco
da atividade, segundo a qual, para atividades potencialmente perigosas,
nenhuma excludente poderia ser aceita, ao passo que para atividades não
potencialmente perigosas ao meio ambiente, as excludentes devem ser
acolhidas (Hugo Nigro Mazzili, Nélson Nery Júnior).
III – Julgados relacionados ao tema.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Dano ambiental - Responsabilidade objetiva, havendo, prova do prejuízo ao meio ambiente, além
disso, resta incontroverso que os réus são proprietários do imóvel, de modo que tinham e têm o dever de zelar, proteger
e impedir qualquer ação que implique em dano ambiental - No mínimo mostraram-se omissos, ensejando a
responsabilidade pelo resultado, desmatamento ilegal e que afetou o meio ambiente - Procedência da ação mantida -
Recurso não provido” (TJSP - Apelação Cível n. 193.715-5 - Guarujá - 9ª Câmara de Direito Público - Relator: Geraldo
Lucena - 16.10.02 - V.U.);
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Exploração de atividade de extração de areia em leito de rio - A atividade judicial não depende
das medidas administrativas, assim descabe a reivindicação de paralisar o feito até o pronunciamento da Secretaria do
Meio Ambiente - A prova colhida é completa, demonstrando a ocorrência de dano, tendo em vista que, em matéria
ambiental, a responsabilidade é objetiva, restando a empresa demonstrar a inexistência do fato, o que incorreu -
Recursos não providos” (TJSP - Apelação Cível n.º 276.789-2 - São João da Boa Vista - 7ª Câmara de Direito Público -
Relator: Albano Nogueira - 29.09.97 - V.U);
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Dano ambiental - Competência concorrente dos Municípios (Constituição da República, artigos 23,
VI e VII; 30, I, e 225) que não pode derrogar ou retirar eficácia de direito federal ou estadual, editando normas de
conteúdo permissivo mais amplo - Conduta lesiva demonstrada pela prova pericial - Responsabilidade objetiva que
prevalece independentemente de culpa - Ação procedente - Recurso provido” (TJSP - Apelação Cível n. 175.635-5 -
Bragança Paulista - 6ª Câmara de Direito Público - Relator: José Habice - 29.10.01 - V.U.).
C U R S O D E D I R E I T O A M B I E N T A L – 2ª S é r i e – 2
0 1 0.
Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin
Aulas 11 e 12 – Ementa: Fundamento jurídico da responsabilidade civil
objetiva no Direito Ambiental. Pressupostos. Características. O responsável pelo
dano. Formas de reparação civil.
I. Revisão.
1. Responsabilidade civil e meio ambiente. Em
nossa aula anterior, fizemos uma análise, em linhas gerais, do surgimento do
instituto da responsabilidade civil, e abordamos o conceito também amplo de
ato ilícito. Partindo dessa idéia de responsabilidade civil por ato ilícito
extracontratual, visamos chegar a um entendimento sólido sobre os
fundamentos que amparam essa pretensão típica de direito privado da pessoa
que suporta danos materiais ou morais decorrentes de conduta de outrem, e,
para quem, o Direito Privado confere válida pretensão de se obter uma
reparação patrimonial, pois a partir da abordagem genérica sobre a
responsabilidade civil de nosso cotidiano, ou seja, da que se normalmente aplica
para os atos ilícitos verificados em nossa vida civil, espera o professor que os
alunos devam comparativamente perceber que há uma mudança de regime de
responsabilização civil por danos no Direito Ambiental.
A análise não se revela tão simples. Com efeito,
avaliando que no Direito Civil a responsabilização civil de um causador de dano
atende a pressupostos indissociáveis (ação ou omissão, dano, nexo causal, e
culpa ou dolo), sem os quais não transparece o dever jurídico de reparar,
acabamos por nos deparar com uma autêntica guinada da norma brasileira,
antes em regra calcada basicamente na Teoria da Culpa (Teoria Subjetiva ou
Aquiliana), para uma responsabilidade dita objetiva no Direito Ambiental,
através da qual a culpa do causador do dano passa a ser irrelevante para a
determinação do dever de reparar, conforme estabelece o artigo 14, parágrafo
1º, da norma que instituiu no Brasil a importante Política Nacional de Meio
Ambiente (Lei no. 6.938/81), e que prevê:
“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela
legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas
necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados
pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
transgressores:........................................................................................................
.......
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa,
a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá
legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados ao meio ambiente”.
Ora, como responsabilidade objetiva típica do Direito
Ambiental, apuraremos no caso de dano ao meio ambiente praticado por ato
considerado ilícito, pressupostos distintos dos encontrados na responsabilidade
subjetiva típica do Direito Civil, pois o elemento subjetivo desta (culpa ou dolo
como autêntico princípio de reparação) dificultava extremamente a reparação
civil nas hipóteses de danos ao meio ambiente, já que a culpa na hipótese de
dano ambiental era muito difícil de ser encontrada em atividades produtivas
que em seu normal exercício (independentemente de uma conduta
desvalorizada pelo querer doloso ou pelo agir culposo do agente), já se
tornavam danosas ao meio ambiente, sem que existisse realmente uma conduta
dolosa ou culposamente voltada para a prática do dano.
A grande dúvida ainda não pacificada no Direito
Ambiental está no alcance dessa responsabilidade objetiva, pois o lacônico
artigo 14, parágrafo 1º, da Lei no. 6.938/81 (acima transcrito), não oferece ao
intérprete da norma ambiental uma indicação da teoria informadora dessa
responsabilização.
Doutrinariamente, discute-se se essa responsabilidade
objetiva deveria ser informada pela Teoria do Risco Integral, ou se pela Teoria
do Risco Criado, e ainda, pela Teoria do Risco da Atividade, cada qual, dentre
outras características importantes, com maior ou menor abertura de aceitação
de excludentes externas.
II. Enfoque sobre a responsabilização civil do causador do dano ambiental.
1. Fundamento jurídico da responsabilidade
objetiva no Direito Ambiental. Reunindo o que já aprendemos sobre Direito
Ambiental na Constituição Federal, é possível perceber que a atividade
profissional e econômica obedece a princípios, dentre os quais, a defesa do meio
ambiente (artigo 170, VI, Constituição Federal), e que a propriedade privada
não é mais um direito absoluto, vez que obrigatoriamente deve respeitar sua
função social (artigo 5º, XXIII, Constituição Federal), e no caso da propriedade
privada rural, deve respeitar, inclusive, sua função ambiental, que compreende
a utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente
(artigo 186, II, Constituição Federal), o que, logicamente, pressupõe que
qualquer atividade profissional e o exercício da propriedade privada só serão
lícitos, se obedientes ao dever legal de seu titular preservar o meio ambiente.
Isso nos leva ao entendimento de que todo aquele que optar pela exploração
econômica de determinada atividade potencialmente ou não potencialmente
perigosa ao ambiente, se obriga a reparar quaisquer danos porventura dela
oriundos, independentemente de culpa ou dolo na provocação do prejuízo
ambiental, pois o dano ambiental não faz parte e não é aceito como
conseqüência natural do exercício de qualquer atividade, nem tampouco, do
exercício do direito de propriedade, ficando à margem dos limites lícitos destes,
e, portanto, desencadeador do dever de reparar que resta absorvido pelo risco
natural que qualquer atividade proporciona ao seu empreendedor.
2. Principal problema. Conforme já analisado
anteriormente, há um direito fundamental difuso de todos os brasileiros das
presentes e das futuras gerações de viver em um ambiente ecologicamente
equilibrado, como extensão do próprio direito à vida. Para não parecer um
direito simplesmente retórico do ordenamento constitucional, esse direito
fundamental de vida em ambiente sadio é tratado simultaneamente pelo Direito
Ambiental de três formas diferentes, ou seja, através de uma proteção
preventiva, decorrente de um sistema de instrumentos administrativos que
buscam harmonizar a vida moderna em sociedade, com a preservação e
ordenação do ambiente; de uma proteção repressiva, tipificando penal e
administrativamente eventuais agressões ao ambiente, além, é claro, de uma
proteção reparatória, que busca determinar um sistema de reconstituição do
ambiente lesado, impondo ao causador do dano, o dever de reparar. Nessa aula,
trataremos dessa proteção reparatória, sempre incidente após o surgimento do
dano ambiental.
Todas as vezes que abordarmos a responsabilidade
objetiva que determina a reparação do dano ambiental, nos depararemos com
um texto legal que por ser extremamente sintético, não equaciona uma enorme
discussão que surge em torno da adoção desse ou daquele regime teórico que
informaria a responsabilidade ambiental desprovida de culpa, já que a
responsabilidade objetiva é classicamente interpretada de forma diferente por
várias teorias que estabelecem uma certa graduação na apuração do dano e sua
reparação (teoria do risco integral, teoria do risco criado, teoria do risco da
atividade).
Nas aulas anteriores (aulas 09 e 10 disponibilizadas no
site do professor), chegamos a comentar sobre essa tão relevante questão,
estabelecendo ao final: “...observando o(a) aluno(a) o texto do parágrafo 1º, desse citado artigo 14, dúvidas
surgem sobre a teoria que informaria essa “responsabilidade objetiva”, já que várias existem para fundamentar a noção
de reparação sem o pressuposto subjetivo do dolo ou culpa, sem grande pacificação doutrinária ou jurisprudencial.
a) alguns autores entendem que a responsabilidade civil ambiental é fundada na teoria do risco integral, segundo a qual,
nenhuma excludente de responsabilidade poderia ser aceita para a hipótese de dano ambiental (Édis Milaré, Antonio
Herman Vasconcelos Benjamim);
b) outros autores consideram aplicável para responsabilidade objetiva ambiental, a teoria do risco criado, que admite a
apresentação de excludentes como a “culpa exclusiva de terceiro”, a “força maior” e o “caso fortuito” (Toshio Mukai, José
Alfredo de Oliveira Baracho Júnior);
c) por fim, há autores que sustentam como cabível a adoção da teoria do risco da atividade, segundo a qual, para
atividades potencialmente perigosas, nenhuma excludente poderia ser aceita, ao passo que para atividades não
potencialmente perigosas ao meio ambiente, as excludentes devem ser acolhidas (Hugo Nigro Mazzili, Nélson Nery
Júnior)”.
Bem, certamente, em Direito Ambiental não há uma
teoria “melhor” ou teoria “correta” em detrimento das outras duas. Na verdade,
todas encerram acertos que se amoldam melhor ou pior aos interesses das
partes em suas pretensões deduzidas no processo. Óbvio que para o
empreendedor da atividade em que se verificou o dano, a teoria do risco criado
é menos severa, ao admitir, em linhas gerais, a adoção das chamadas
excludentes de responsabilização (caso fortuito, força maior, culpa exclusiva de
terceiro), ao passo que a teoria do risco integral é mais severa e conveniente à
pretensão de proteger o meio ambiente por seus legitimados processuais, por
não admitir a aplicação de excludentes pelo réu no processo, transferindo todo
o ônus de evitar o dano ao empreendedor da atividade.
Há, ainda, a teoria do risco da atividade, que se
explicada em termos gerais, procura diferenciar o cabimento do regime de
excludentes de acordo com a lesividade potencial da atividade ao meio
ambiente, ou seja, uma atividade eminentemente poluidora que representa um
enorme risco de lesão ao meio ambiente, não poderia responder por dano
ambiental da mesma forma que o empreendedor de atividade não tão agressiva,
ou não agressiva ao meio ambiente, variando a aplicação de excludentes de
acordo com a potencialidade lesiva da atividade ao meio ambiente.
Importante, contudo, que as variações repousam apenas
no campo das excludentes de responsabilidade, que, aliás, se não puderem ser
invocadas pelo empreendedor em sua defesa, não determinará qualquer
alteração nas conseqüências da responsabilidade patrimonial pelo dano
ambiental, já que independentemente da teoria adotada pela convicção do
magistrado, a apuração dessa responsabilidade será objetiva, com a
investigação dos seus pressupostos básicos.
3. Pressupostos da responsabilidade objetiva no
Direito Ambiental. Costumeiramente, ao tratarmos da chamada
responsabilidade objetiva em outros ramos do ordenamento, partimos dos
mesmos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva (ação ou omissão,
dano e nexo causal), menos o pressuposto subjetivo da culpa ou dolo.
Especificamente em nossa matéria (já que a responsabilidade objetiva não é
exclusividade do Direito Ambiental), são pressupostos da responsabilização que
surge em razão do dano ambiental:
a) risco assumido pela atividade: correto substituir o pressuposto ação ou
omissão do regime tradicional de responsabilidade civil, pelo “risco gerado pela
atividade”, para que, mesmo ausente concreta ação ou omissão, possa o dano
ambiental ser sempre reparado, se ligado direta ou indiretamente ao exercício
de uma atividade;
b) dano ambiental: sempre é possível imaginar que se o meio ambiente
equilibrado é um direito fundamental, seu uso regular também é direito de
todos. Por conseqüência, o seu uso irregular constitui abuso desse direito, e é
inevitavelmente entendido como acontecimento danoso. Portanto, qualquer
atividade que direta ou indiretamente cause degradação ao meio ambiente ou
mesmo a um dos seus componentes, e sem prévia aceitação pelo Poder Público
através de regular licenciamento, é passível de ser reprimido;
c) nexo causal: como pressuposto da responsabilidade objetiva ambiental,
também é indispensável que o dano ambiental sentido seja decorrência do risco
de uma determinada atividade.
4. Características da responsabilidade objetiva no
Direito Ambiental. Como já salientamos, a responsabilidade patrimonial do
causador de um dano ambiental segue uma ótica severa de apuração, já que,
em regra, um particular, ao explorar uma atividade e auferir lucros com a
mesma, pode estar explorando recursos ambientais que simultaneamente
integram um interesse difuso maior de preservação do meio ambiente e que a
degradação afronta diretamente. Assim, podemos destacar as seguintes
características como importantes traços da responsabilidade patrimonial
decorrente do dano ambiental:
a) ausência da idéia de culpa: é a conseqüência principal do regime adotado
pelo artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81. O dano ambiental não exige para
ser causa de responsabilização do causador do dano ambiental, que este tenha
agido com culpa (agir sem visar o dano, mas com conduta negligente,
imprudente ou imperita) ou dolo (agir visando conscientemente a prática do
dano);
b) relativização da “licitude” estrita da conduta lesiva: mesmo que a atividade
desempenhada esteja em estrita observância ao limite imposto como aceitável
pelo Poder Público, ainda assim, não poderá invocar o poluidor, de forma
absoluta, a licitude de sua conduta em face de eventual dano ambiental fora dos
limites da poluição ou degradação previamente aceitos pelo órgão ambiental
expedidor da licença;
c) responsabilidade solidária: havendo mais de um poluidor, qualquer um, ou
todos, respondem solidariamente pela reparação do dano ambiental. Como a
poluição ambiental muitas vezes decorre de um contexto fático muito complexo
(p. ex. muitas fábricas em um mesmo distrito industrial), a identificação do nexo
de causalidade nem sempre é tão evidente, daí porque a responsabilidade
solidária pelo dano ambiental passa a ser tão relevante.Portanto, a
responsabilidade pelo dano ambiental será sempre solidária, se o dano não
puder ser delimitado a um único poluidor, ou mesmo em caso de dano
preexistente em uma cadeia de degradação, com possibilidade do
responsabilizado se voltar em regresso contra o verdadeiro poluidor.
5. A figura do responsável pelo dano ambiental.
Diante de características tão marcantes como a solidariedade e a apenas
relativa licitude da atividade permitida regularmente, emerge com inegável
interesse avaliarmos quem efetivamente deve responder pelo dano ambiental.
Nesse contexto, destacamos:
a) titular da atividade: como regra básica, todo aquele (pessoa física ou jurídica)
que lucra com determinada atividade, deverá suportar o seu custo social, no
caso, a poluição, até porque ninguém mais figura em melhor posição de
controlá-la, pois é o empreendedor que se aproveita direta e economicamente
da atividade lesiva. Ressaltamos, portanto, que a responsabilidade civil da
pessoa jurídica, em nada difere da responsabilidade civil da pessoa física. Em
outras palavras, o artigo 14, parágrafo 1o, da Lei 6938/81, atinge
indistintamente qualquer causador de dano (pessoa individual, empresa,
Estado, etc.).
b) Poder Público : em regra, o Poder Público pode ser responsabilizado por um
dano ambiental, quando age diretamente como poluidor (construindo uma
obra), ou quando se omite diretamente não agindo como deveria para diminuir
a lesão ao meio ambiente (deixando de instalar usina de tratamento de lixo ou
esgosto). Acreditamos que o Poder Público não poderá ser responsabilizado
solidariamente por danos provocados por terceiros, quando não observar
corretamente seu dever de fiscalizar e impedir que tais danos ocorram. Na
prática, essa forma de responsabilização deve ser evitada, sob pena de
penalizar primeiramente a sociedade, que é a principal vítima do dano causado
por um empreendedor particular.
6. Equívoco normativo. Afora essa previsão de
responsabilidade civil em Direito Ambiental na Lei no. 6.938/81, nenhuma outra
norma geral alterou o sistema de responsabilidade objetiva ditado, que
genericamente imputa a qualquer pessoa física ou jurídica a responsabilidade
objetiva pelo dano ambiental. Posteriormente, o legislador federal, ao tratar da
responsabilidade penal e administrativa através de uma norma própria (Lei no.
9.605/98), procurou ser mais específico, criando regra de apuração estrita da
responsabilidade penal e administrativa, vinculando essa responsabilização da
pessoa jurídica a uma decisão da direção da empresa e desde que voltada ao
interesse desta.
O equívoco está na redação do artigo 3o, da Lei 9.605/98,
ao estabelecer que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o
disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou
de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas
jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”, e esse equívoco é
muito claro, pois a referida lei visa estabelecer os crimes e as infrações
administrativas, com suas respectivas sanções, razão pela qual, a inclusão da
“responsabilização civil” no referido dispositivo é totalmente inadequada e
inconstitucional, vez que limita em tema de reparação civil, o que a própria
Constituição Federal não restringe em seu artigo 225, parágrafo 3º.
Ademais, como norma penal especial, não poderia tratar
de responsabilidade civil, pois o tema não é abordado nesta referida lei, não
ultrapassando essa isolada menção do artigo 3º, caput acima transcrito, de um
equívoco repelido de forma unânime pela doutrina.
III – A forma de reparação.
1. A reparação do dano ambiental. Em seu artigo 14,
parágrafo 1o, a Lei no. 6.938/81, estabelece que a reparação pelo dano
ambiental alcança prejuízos causados ao meio ambiente e a terceiros. Significa
dizer que um determinado dano ambiental pode causar um prejuízo coletivo,
que gera o surgimento de um direito difuso da coletividade a ser defendido de
forma mais freqüente pelo Ministério Público nos limites de sua atuação (é o
dano ambiental coletivo, também chamado de dano ambiental em sentido
estrito), e eventualmente, um prejuízo individual, que venha a atingir interesse
particular ou privado, legitimando o lesado específico a exigir reparação com
base no mesmo regime de responsabilidade objetiva, típica do prejuízo coletivo
(é o dano ambiental individual ou pessoal).
2. Dano ambiental – características. No estudo da
responsabilidade ambiental, por óbvio, torna-se muito importante definir o
verdadeiro alcance do chamado dano ambiental, pois em uma análise sintética
da fundamentação jurídica que serve de suporte ao regime de responsabilidade
objetiva em Direito Ambiental, qualquer agressão ao meio ambiente ensejará
reparação. Assim, os conceitos que foram trazidos com a Lei no. 6.938/81, e que
são marcadamente amplos, não dimensionam bem o verdadeiro alcance dessa
proteção legal, já que a lei brasileira define o que considera meio ambiente e
seus recursos naturais, e o que, em tese, possa ser considerado poluição,
poluidor e degradação ao meio ambiente, ficando a critério da doutrina o
encargo de conceituar o dano ambiental.
Para Edis Miláre (Direito do Ambiente: 4ª ed. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005), dano ambiental pode ser definido como: “A lesão aos
recursos ambientais com conseqüente degradação – alteração adversa ou in
pejus do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”. Importante salientar que
por “lesão aos recursos ambientais” não se está a tratar apenas dos recursos
naturais, mas também alcançando recursos artificiais e culturais que compõem
o meio ambiente. Mesmo assim, importante salientar que a poluição, como
forma de degradação ambiental, não é mensurada por padrões administrativos
ou regras apenas, mas pela aferição do resultado danoso ao meio ambiente.
Seria fácil imaginarmos que o evento danoso ambiental é todo aquele que
ultrapasse limites impostos administrativamente pelo Poder Público (chamados
de padrões de suportabilidade, tais como os que medem o limite máximo de
poluição atmosférica, hídrica, etc.), mas, no entanto, há muitas formas de
degradação que não comportam gradação de suportabilidade, ou mesmo
nessas, dentro de padrões máximos, eventual lançamento de poluição no meio
ambiente poderá degradá-lo, e até nessa situação, o evento será considerado
danoso, dependendo das circunstâncias, até porque o conceito de
responsabilidade objetiva ambiental atende a um critério de lesividade e não de
licitude da conduta.
No estudo do dano ambiental propriamente dito, ou dano
ambiental em sentido estrito, é necessário destacar três características que o
distinguem, em muito, do conceito tradicional de dano no Direito Civil, quais
sejam:
a) pulverização das vítimas: na lei civil o dano é sempre sentido na esfera
pessoal de alguém, que busca indenização em conseqüência de uma ação ou
omissão, que por culpa ou dolo, causou-lhe dano. Já no Direito Ambiental, a
identificação da vítima normalmente não é possível, pois sendo o meio ambiente
um “bem de uso comum do povo”, qualquer lesão ao mesmo acaba por afetar
toda a coletividade, traduzindo ataque a uma pluralidade difusa de vítimas;
b) difícil reparação: para o Direito Ambiental a reparação sempre será
insuficiente, menor do que ataque ao ambiente em seu estado original, e por tal
razão, a conhecida indenização nunca será suficiente, daí porque a importância
da tutela preventiva do ambiente, evitando, inclusive danos irreparáveis. De
qualquer forma, se há duas formas de reparação (a restituição do ambiente ao
seu estado anterior e a indenização pecuniária), melhor será sempre a primeira,
até porque a destinação de recursos financeiros, como um autêntico pagamento
em razão da poluição, nem sempre é suficiente para a futura recuperação do
dano causado;
c) difícil valoração: por força dos mesmos motivos, também será muito difícil
avaliar em pecúnia, qual o valor reparatório de um determinado dano ambiental
coletivo, pois o alcance do dano é muito extenso, e de difícil quantificação.
3. Reparação em Direito Ambiental. Se há três
formas de atuação do ordenamento legal na proteção desse direito fundamental
de “viver em meio ambiente ecologicamente equilibrado” (preventiva,
reparatória e repressiva), a reparatória, por certo, reside basicamente na
apuração da responsabilidade civil do causador de algum dano ambiental,
através de mecanismos de tutela e controle da propriedade. A responsabilidade
civil pressupõe dano causado, e o conseqüente dever de reparar, que suscita,
por seu turno, outras duas situações: a restituição do ambiente lesado ao seu
estado anterior à ocorrência do dano, e a indenização pecuniária como forma de
compensação.
4. Formas de reparação do dano ambiental (artigo
4o, inciso VII, Lei no. 6.938/81). A Política Nacional de Meio Ambiente,
instituída pela Lei no. 6.938/81, estabelece que será seu objetivo, dentre outros,
impor ao poluidor e ao predador ambiental, a obrigação de recuperar e
indenizar os danos causados. Vejamos no que consistem essas obrigações
definidas na mencionada norma:
a) obrigação de recuperar: basicamente, esse é o principal dever que surge
após a ocorrência de um dano ambiental, e se processa através da
responsabilização do agente causador do dano, obrigando-o civilmente à
reconstituição ou recuperação do meio ambiente agredido (obrigação de fazer),
e cessando imediatamente e para o futuro a atividade lesiva, e revertendo a
degradação (obrigação de não fazer).
b) obrigação de indenizar: é sempre subsidiária da primeira, e poderá ser
cumulada com a obrigação de recuperar, ou aplicada isoladamente se a
recuperação não mais for possível. Jamais, no entanto, será adotada de forma
isolada, se a reparação ainda se revelar possível através de processo de
recuperação. Trata-se, portanto, de forma indireta de reparar o dano ambiental,
e visa impor uma resposta econômica ao poluidor, para alertar a não ocorrência
de comportamentos semelhantes. Normalmente, as condenações por
indenização provocada por dano ambiental são remetidas a um Fundo Nacional
(ou Estadual, se existente) de Defesa de Direito Difusos (Lei no. 9.008/95 e
Decreto 1306/94).
IV – Julgados sobre a matéria da aula:
a) Responsável pelo dano – atividade:
“INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Danos causados ao meio ambiente - Alegada
nulidade do auto de inspeção - Inadmissibilidade - Comprovação da atividade poluidora
da apelante - Despejos industriais e domésticos lançados in natura ao córrego -
Comprovação de que a morte dos peixes foi causada pela elevação do PH da água
ocasionada pelos despejos da requerida - Ré, ademais, que era a única fonte capaz de
elevar o PH da água - Responsabilidade objetiva da ré firmada no artigo 14, § 1º da Lei
6.93)8/81 - Recurso não provido. Independe da existência de culpa, o dever de
indenizar decorrente de responsabilidade objetiva firmada no § 1º do artigo 14 da Lei
n. 6.938/81”(TJSP - Apelação Cível n. 216.131-1 - Sorocaba - Relator: ORLANDO
PISTORESI - CCIV 4 - V.U. - 13.10.94);
b) Responsável pelo dano – Estado:
“ILEGITIMIDADE DE PARTE - Passiva - Ocorrência - Ação civil pública - Loteamento
irregular - Imputação de responsabilidade solidária ao Estado por sua regularização e
pelos danos aos adquirentes dos lotes e ao meio-ambiente - Poder pertencente ao
Município - Recurso não provido. Não pode ser o Estado responsabilizado pela
regularização de loteamento irregular porque tal poder pertence ao Município, assim
como não pode responder pelo custo dessa regularização e pelos danos que tal
loteamento acarretou aos adquirentes dos lotes e ao meio-ambiente, porque o povo não
pode sofrer a lesão e ainda ter que indenizá-la” (TJSP - Agravo de Instrumento n.
265.163-2 - São Paulo - 14ª Câmara Civil - Relator: Ruiter Oliva - 08.08.95 - V.U.);
c) Pressupostos:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Meio ambiente - Dano - Ocorrência - Provocação de incêndio
pelo apelante ao ordenar queimada - Mau uso da propriedade verificado - Ausência,
ademais, de permissão do uso do fogo pelo Poder Público - Afronta aos artigos 186, II e
IV da Constituição Estadual, e 27 da Lei Federal 4.771/65 - Reparação determinada -
Recurso não provido. A responsabilidade do réu na ação civil pública é objetiva, sendo
suficiente a demonstração do nexo causal entre a conduta do réu, a lesão ao meio
ambiente a ser protegido e o dispositivo legal infringido” (TJSP - Apelação Cível n.
220.484-1 - Fernandópolis - Relator: CAMBREA FILHO - CCIVF 7 - v.u. - 10.02.95).