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Curso de DIREITO DE FAMÍLIA contemporâneo Conrado Paulino da Rosa 2020 6 ª edição revista, atualizada e ampliada

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Curso de DIREITO DE FAMÍLIA contemporâneo

Conrado Paulino da Rosa

2020

6ªedição

revista,atualizadae ampliada

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A melhor forma de entendermos o presente é a partir das experiên-cias das gerações que nos antecederam. Assim, partindo do escrito de Fustel de Coulanges, na obra “A Cidade Antiga”, faremos a análise da fa-mília através dos tempos.

Verificaremos que, na família antiga, o espaço privado não sofria in-fluências externas, de modo que cabia à família a gestão autônoma de seus conflitos por meio do chefe da entidade. Ultrapassada essa época, será possível observarmos a crescente intervenção estatal na vida privada, para, então, examinarmos se essa interferência tem sido suficiente frente às modificações ocorridas no seio familiar. Por fim, abordaremos o atual estágio da família contemporânea, a partir do desenho americano que es-tá presente em nossas televisões há mais de uma década: Os Simpsons.

1.1. A FAMÍLIA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DA GESTÃO MASCULI-NA AUTÔNOMA À INGERÊNCIA ESTATAL

Por meio da análise da família greco-romana, berço da civilização, iniciada aproximadamente em 754 a.C, é possível entender a dinâmica das entidades familiares ao longo dos séculos. Como pilar da família an-tiga, tinha-se a religião, porém não uma religiosidade como a que, con-temporaneamente, experimentamos, principalmente em razão da grande influência do cristianismo em nossa sociedade.

Classificada como uma “religião doméstica”, na família da Grécia e Roma Antiga, o culto era realizado não apenas a um ser em especial, mas

1 Introdução ao Direito de Família

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a todos os antepassados da família, que fazia as oferendas em cerimônias restritas aos seus membros. Tal prática era designada pelos gregos como pratiázein, e os latinos chamavam-lhe de parentare.

A família grega era designada pela palavra eístion, o que significa “aquilo que está junto ao fogo sagrado”. Dessa forma, segundo Fustel de Coulanges, era caracterizada como “um grupo de pessoas a quem a reli-gião permitia invocar os mesmos manes e oferecer banquete fúnebre aos mesmos antepassados”1.

Nestas famílias, que eram verdadeiras unidades políticas agrícolas, religiosas e sociais, a mulher, os filhos e demais agregados, verdadeiros súditos, estavam sujeitos ao poder absoluto do seu fundador, formando entre eles o denominado parentesco agnatício ou político, não necessa-riamente cognatício ou natural, isto é, um parentesco que independia do vínculo consanguíneo.2

Tinha-se como base o poder paterno sustentado pelo culto religioso. O morto que não havia deixado filhos era “condenado à fome perpétua”. A indissolubilidade das entidades familiares tem seu princípio com essa tra-dição, vez que “havia troca perpétua de favores entre os vivos e os mortos de cada família. O antepassado recebia dos seus descendentes uma série de banquetes fúnebres, únicos prazeres usufruídos na segunda vida”. O des-cendente alcançava do antepassado o auxílio e a força de que necessitava nesta vida. O vivo não podia passar sem o morto, nem este sem aquele. Por esse motivo, poderoso laço se estabelecia, unindo todas as gerações de uma mesma família, constituindo-se ela um corpo eternamente inseparável3.

Fica claro, a partir de tais registros históricos, que a parentalidade não se constituía tal qual no momento presente enquanto livre planejamento familiar mas, na verdade, como um meio necessário a ser alcançado, até como forma de garantia de continuidade da família e, por consequência, da vida eterna por meio da descendência,

Naquela época, cada casa possuía seu altar e, “em volta desse altar, a família reunida”4. Dessa maneira, todas as manhãs, a família ali se encon-trava para dirigir ao fogo sagrado as suas primeiras preces, e toda noite, no mesmo local, invocava-o mais uma vez. No transcorrer do dia, junto

1. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. 6. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 26.

2. CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das sucessões. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 2.3. Ibid., p. 26.4. Ibid., p. 28.

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1. Introdução ao dIreIto de FamílIa 23

dele comparecia para dividir o repasto sempre depois da oração, entoando hinos que seus pais lhe legaram.

Uma das grandes provas do culto aos antepassados é o fato de que, em tempos remotos, o túmulo onde os antecessores da família repousa-vam ficava no centro da casa. Assim, “o antepassado vivia no seio dos seus familiares; invisível, mas sempre presente, propício, divino”. Mais tarde, o túmulo passou para o lado externo da residência, em campo vizinho, con-tudo o mais próximo possível de casa. Como “segunda morada da família”, nele repousam várias gerações de antepassados que a morte não separou, pois continuam vinculados entre si nesta segunda existência”5.

Nem o nascimento nem o afeto apresentavam-se como alicerces, pois “o que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física”; todo o poder dessa instituição se encontrava “na religião do lar dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida”. Assim, “a família antiga seria, pois, uma associação religiosa, mais que associação natural”6.

A entidade familiar mantinha-se unida em função da religião pratica-da, que passava de pai para filho e que era absorvida pelas novas gerações em toda sua riqueza de detalhes. Quem praticava os rituais era o homem, aquele que possuía poderes ilimitados, que poderiam ser expostos através de uma série de costumes. “A função sacerdotal era, ao mesmo tempo, uma função legislativa: o pater famílias era o Ministro da Religião e o Legislador da Casa”.7

Essa religião doméstica estabeleceu como primeira instituição o ca-samento, através do qual se poderia perpetuar o culto aos antepassados, por meio da prole que dele adviesse. Nesse momento, a mulher assume papel importante como mãe (só esse papel lhe era delegado, e deveria desempenhá-lo com eficiência) daqueles que manteriam o fogo acesso, repetiriam as orações e cultuariam os mortos8.

A origem da família antiga não se limitava à descendência, mas à varonilidade, pois irmã, na família, não se igualava a irmão, e filho

5. Ibid, p. 29.6. Ibid., p. 29.7. LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de direito romano. Brasília: Senado Federal,

2006, p. 27. v. 788. SPENGLER, Fabiana Marion. A desinstitucionalização da família e a prática da mediação

familiar no Brasil. In: Maria Berenice Dias. (Org.). Direito das famílias. Contributo do IBD-FAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. 1 ed. São Paulo: RT, 2009, v. 1, p. 282.

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Das Famílias Expressamente Previstas na Constituição Federal

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2.1. MATRIMONIAL

2.1.1. Conceito

O matrimônio é a união legal de duas pessoas com intuito de consti-tuir família, vivendo em plena comunhão de vida e em igualdade de direitos e deveres. Trata-se de um contrato especial do Direito de Família vinculado a normas de ordem pública que tem por fim promover o enlace de pessoas a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole que porventura tiverem e se prestarem mutua assistência, se houver necessidade1.

O conceito da relação para além do tradicional “homem e mulher” somente se fez possível contemporaneamente, considerando que, até hoje, a legislação ainda adota o conceito de que o enlace somente é possível aos que mantiverem relacionamentos heterossexuais. Todavia, considerando os avanços jurisprudenciais, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça por meio do provimento 175 passou a obrigar a todos os Cartórios do Re-gistro Civil de Pessoas Naturais do Brasil a celebrar a união entre casais do mesmo sexo e, também, na VII Jornada de Direito Civil foi aprovada a redação do Enunciado 601 no seguinte sentido: é “existente e válido o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.

1. CARVALHO, Dimas Messias de. Direito de família: Direito Civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 57.

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Na mesma linha, contrariando a lógica da codificação civilista vigen-te durante a égide do Código Civil de 1916, o casamento, na atualidade, estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (1.511 CC). Essa comunhão é a nota fulcral que marca o casamento. Sem ela, “desaparecem seu sentido e sua finalidade. O enlace envolve a comunhão de afetos e dos demais componentes de uma vida em comum, como a ajuda mútua, a dedicação recíproca e a co-laboração pessoal, doméstica e econômica”.2 A partir de sua celebração, os cônjuges assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família (1.565 CC).

Embora tenha sido a única forma de família protegida pelo Estado até a Carta Política de 1988, vale deixar patente que o casamento não é a única modalidade de constituição de família, mas uma delas, constituída pela união formal, solene, entre pessoas que se entrelaçam afetivamente, estabelecendo uma comunhão de vida.

Trata-se do ato mais formal e solene de nossa legislação, pois deve ser praticado com a estrita observância das formalidades legais, rigida-mente estabelecidas pela codificação civil, sob pena de anulabilidade ou nulidade.

2.1.2. Capacidade

A idade em que o ordenamento jurídico autoriza alguém para que possa se casar é chamada de idade núbil que, no Brasil, é de dezesseis anos (artigo 1.517 CC). Por outro lado, até que conte 18 anos, será im-prescindível a autorização de ambos os pais ou de seus representantes le-gais para o casamento, exceto se o adolescente já tiver sido emancipado.3

Dentre as obrigações inerentes ao poder familiar, no artigo 1.634, III CC elenca-se a competência para que os genitores possam “conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem”. Caso haja alguma divergên-cia entre os pais quanto a autorização (uma mãe ou um pai ciumenta(o) com seu “filhinho”, por exemplo), o Poder Judiciário poderá ser chamado para decidir o impasse (1.517 parágrafo único e 1.631 parágrafo único

2. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 155.3. Enunciado 512 das Jornadas de Direito Civil: “O art. 1.517 do Código Civil, que exi-

ge autorização dos pais ou responsáveis para casamento, enquanto não atingida a maioridade civil, não se aplica ao emancipado”.

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CC) vez que a denegação do consentimento, quando injusta, pode ser su-prida pelo juiz (artigo 1.519).

Tendo como premissa o fato de que o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, mesmo que o filho adolescente esteja sob guarda unilateral de um dos genitores, ain-da assim, a autorização de ambos os pais será necessária. O desrespeito a tal normativa torna o casamento anulável (1.550, II CC) sendo que a ação poderá ser proposta em até cento e oitenta dias após a celebração das núpcias por iniciativa do progenitor. Esse prazo será computado a partir do dia em que cessar a incapacidade do adolescente, se ele tiver interesse na anulação (1.555 CC) e, em ambas as situações, somente será permitida a anulação se do relacionamento não houver nascido filhos (1.551 CC).

Destaca-se que, retornando à temática da autorização, até a cele-bração do casamento, podem os pais, tutores ou curadores revogá-la (1.518 CC). Considerando que o processo de habilitação para o casa-mento tem validade de 90 dias, podemos ter um tempo considerável para que os responsáveis possam se arrepender da autorização anterior-mente concedida.

Oportuno salientar, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código Civil, que a partir da celebração do casamento haverá a cessação da in-capacidade do adolescente, ficando esse habilitado à prática de todos os atos da vida civil. Tal medida visa, entre outros fatores, evitar a inusitada necessidade de assistência dos representantes legais para celebrar con-tratos, por exemplo, estando o adolescente casado e, até mesmo, poden-do ter filhos.

Em caráter excepcional, até a vigência da Lei 13.811/2019, nossa codificação civil autorizava o casamento de quem ainda não havia alcan-çado os 16 anos (idade núbil), conforme o artigo 1.520 CC: a) para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal; b) em caso de gravidez.

Em relação a primeira hipótese, a legislação penal contemplava a ex-tinção de punibilidade do agente que viesse a casar com a vítima, nos crimes contra os costumes, bem como a extinção da punibilidade pelo casamento da ofendida com terceiro, em tais delitos.

Dessa forma, a partir do exemplo de Pablo Stolze e Rodolfo Pam-plona, se uma adolescente de 13 anos mantivesse voluntária relação se-xual com seu namorado de 18, configurando, em tese, para este último, a prática de crime de estupro com violência presumida (prevista como tipo

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penal no artigo 224 do Código Penal), o seu matrimônio com o acusado, judicialmente autorizado, operaria a extinção da punibilidade.4

Contudo, desde a Lei 11.106/2005, foram revogados os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal que estabeleciam a extinção da pu-nibilidade pelo casamento em tais situações. Dessa forma, nesse ponto, o artigo 1.520 do Código Civil deixou de ter qualquer aplicação.

Desde então, a única hipótese que, até março de 2019, permitia o suprimento de idade para as núpcias seria a gravidez, reclamando a sua comprovação através de perícia médica. A ideia subjacente a previsão le-gislativa seria a de que, a criança que viria a nascer, estaria melhor pro-tegida na hipótese de seus pais serem casados (ainda que, francamente, sejam praticamente “crianças cuidando de outras crianças”). Nessa toada, de acordo com o Enunciado 329, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, a permissão para casamento fora da idade núbil merecia interpretação orientada pela dimensão substancial do princípio da igualdade jurídica, ética e moral entre o homem e a mulher, evitando-se, sem prejuízo do res-peito à diferença, tratamento discriminatório”. Dessa forma, não apenas a gravidez de uma adolescente deveria permitir a autorização, mas também quando um jovem antes da idade núbil viesse a engravidar uma mulher com mais de dezoito anos.

Mesmo assim, a autorização para casar, quando era permitida na hipótese de gravidez, antes de completar dezesseis anos, segundo a me-lhor doutrina e jurisprudência, deveria levar em conta os interesses pes-soais dos nubentes e, em especial, o melhor interesse do adolescente, não sendo justificável autorizar com a falsa argumentação de preserva-ção do interesse da prole vindoura, pois a Constituição Federal igualou a proteção dos filhos, pouco interessado se nasceu de pessoas casadas, entre si, ou não. Assim, para a proteção dos interesses dos filhos, seria irrelevante o estado civil dos seus pais, não se justificando o suprimento por este motivo. 5

4. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 156. v. 6

5. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Direito das Fa-mílias. 5 ed. ver, amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 236. v. 6.Nesse sentido já se manifestou a casa da Justiça gaúcha: Apelação cível. Suprimento judicial de idade para casamento. Inviabilidade diante da imaturidade emocional da menor. Sentença mantida. A gravidez, por si só, não autoriza o deferimento do pedido de suprimento de idade para casamento, vez que, no feito em comento, demonstrada a imaturidade

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Todavia, na prática dos Tribunais, sempre atentando a realidade do caso concreto, localizávamos situações de relativizações da idade núbil, antes da promulgação da Lei 13.811/2019, ainda que o casal não estivesse aguardando prole. Uma dessas situações, a Oitava Câmara Cível do Tri-bunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sob relatoria do Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, autorizou o casamento de uma adolescente de quinze anos que já mantinha união estável há um ano e meio com seu pretenso esposo de vinte e seis anos. Segundo o relator, “ao impe-dir-se o suprimento de idade para o casamento, estar-se-á contrariando o objetivo constitucional da celebração do casamento, estimulando-se o concubinato já existente, ou mesmo, talvez, uma gravidez ainda não de-sejada pelos noivos, unicamente para, assim, ver possibilitada a pretendi-da união”. O julgamento unânime ainda consignou que o indeferimento do pedido de suprimento de idade para casamento não teria o condão de restabelecer o ‘status quo ante’, mantendo-se apenas a situação fática exis-tente, ou seja, de uma relação familiar que já existia independentemente da autorização estatal.6

Agora, desde março de 2019, o artigo 1.520 do Código Civil passou a proibir em qualquer hipótese o casamento antes dos dezesseis anos.7 A ideia é diminuir o número dos denominados “casamentos infantis”, classi-ficados como qualquer enlace antes dos dezoito anos. Afinal, a antiga pre-visão legislativa, ao autorizar o casamento antes dos dezesseis anos quan-do existia o estado gravídico, impulsionava a concretização do enlace,

emocional da menor, que completou 14 (quatorze) anos de idade no curso da de-manda. Negado provimento ao recurso. (TJRS, AC Nº 70060098720, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Sétima Câmara Cível, J. 27/08/2014)

6. APELAÇÃO CÍVEL. SUPRIMENTO DE IDADE. AUTORIZAÇÃO PARA O CASAMENTO. SITUAÇÃO DE FATO EXISTENTE. ADOLESCENTE QUE CONTA 15 ANOS E DOIS ME-SES DE IDADE E QUE JÁ COABITA COM PRETENSO ESPOSO. CABIMENTO. No caso, o impedimento matrimonial da imaturidade fisiológica não pode se sobrepor à reali-dade fática apresentada pela relação existente entre a adolescente (com 15 anos e dois meses de idade) e seu pretenso esposo, que já “vivem como se casados fossem” há mais de um ano, com o consentimento de seus genitores, mormente quando se tem em vista que a idade núbil, estatuída no art. 1.517 do CC, sempre foi exigida como condição em respeito à prole e aos nubentes (em relação à capacidade para a procriação) e quando se sabe que a existência de filhos não é requisito substancial à formação da família. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70054285366, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 15/08/2013)

7 Art. 1.520 do Código Civil: Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código.

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muitas vezes, até para servir como uma forma de justificar socialmente o nascimento do filho: quem nunca ouviu a frase “agora vai ter que casar” sendo verbalizada após a notícia de uma gravidez?

Nas comunidades mais vulneráveis economicamente a permissão para o casamento antes mesmo dos dezesseis anos, em um grande núme-ro, acarretava no abandono da escola por parte da gestante e, dessa forma, implicava em significativa violência aos direitos fundamentais dessa ado-lescente. Isso sem falar que, a depender do caso concreto, a voluntariedade para o casamento, sendo esse um requisito essencial para sua celebração, ficava certamente prejudicada.8 Assim, foi bastante positiva a alteração legislativa que, em nosso sentir, poderia permitir, inclusive, o enlace tão somente a partir dos dezoito anos, em consonância com a realidade atual da sociedade brasileira.

2.1.3. Impedimentos

2.1.3.1. Absolutos

Os impedimentos absolutos, anteriormente chamados de dirimen-tes, traduzem a proibição imposta pela lei à realização de um casamento,

8 Conforme estudo publicado pelo Banco Mundial, o casamento na infância e adolescên-cia costuma ser visto como uma questão primordialmente rural; de fato, a prevalência nas áreas rurais é mais alta, estimada em 25,6 por cento em 2015. Mas também é co-mum nas áreas urbanas, com prevalência de 18,6 por cento em 2015. O estudo men-ciona entrevistas semiestruturadas detalhadas nas áreas urbanas de Belém e São Luís, bem como uma pesquisa de pequena escala em São Luís. Com base na análise dos dois tipos de dados, eles identificaram cinco motivadores principais do casamento na infân-cia e adolescência: (1) o desejo, muitas vezes de alguém da família, de lidar com uma gravidez indesejada para proteger a reputação da menina e da família e “garantir” que o homem se responsabilize pela menina e o bebê; (2) o desejo de controlar a sexuali-dade das meninas e limitar comportamentos tidos como “arriscados” associados às me-ninas solteiras, como encontros e sexo casual; (3) desejo da menina e/ou sua família de ter segurança financeira; (4) uma expressão da autodeterminação da menina e o desejo de sair da casa dos pais, ainda que dentro de um contexto de oportunidades limitadas de educação e emprego e experiências de abuso ou controle de sua mobilidade exer-cido pela família original; e (5) o desejo dos potenciais maridos de casar com meninas mais novas (vistas como mais atraentes, sexual e fisicamente, e mais fáceis de controlar do que mulheres adultas) e o poder de decisão desproporcional dos homens nos casa-mentos. (WODON, Quentin; TAVARES, Paula; MALE, Chata; LOUREIRO, André. Erradicando o casamento infantil. Casamento na infância e adolescência: a educação das meninas e a legislação brasileira. Disponível em: <https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/pu-blication/child-marriage-girls-education-brazilian-law-report>. Acesso em 28 ago. 2019.

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2.1.3.3. Legitimidade para arguir impedimentos

Absolutos Relativos

Qualquer pessoa capaz, até o momento da celebração.A publicação dos proclamas de casamen-to (1.527 CC16) tem justamente a finalida-de de dar conhecimento à comunidade da intenção do enlace e, caso exista al-gum empecilho, qualquer pessoa poderá indicá-lo.

Apenas pessoas com relações de paren-tesco com os nubentes (1.524CC)17.Parentes em linha reta de um dos nuben-tes, sejam consanguíneos ou afins:- na linha ascendente, pais, avós, bisavós e, no parentesco por afinidade, os sogros.Os colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins, tam-bém possuem legitimidade, ou seja, ir-mãos e cunhados.Alargando a legitimação prevista na co-dificação civil, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald vislumbram que de-terminadas pessoas, apesar de não ter interesse direto na causa suspensiva, têm legitimidade para argui-la, em face da potencialidade de serem atingidas obliquamente. O melhor exemplo é, por certo, o antigo cônjuge da mulher que casa novamente antes do prazo de dez meses (inciso II do art. 1.523). Nesse caso, apesar de não estar, textualmente, legi-timado pela previsão codificada (CC, art. 1.524), há inescondível interesse jurídico a ser protegido. Se, contudo, o referido dispositivo for interpretado restritiva-mente, chegaremos ao absurdo de negar a oposição da causa suspensiva pelo ex--marido, que, igualmente, traz a poten-cialidade de ser o pai de eventuais filhos no ventre da ex-mulher.18

16 Art. 1.527 do Código Civil: “Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de am-bos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver.Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação.

17 No mesmo sentido, o Enunciado n. 330 das Jornadas de Direito Civil: As causas sus-pensivas da celebração do casamento poderão ser arguidas inclusive pelos parentes em linha reta de um dos nubentes e pelos colaterais em segundo grau, por vínculo decorrente de parentesco civil.

18 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 10. ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 212.

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casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil (ar-tigo 1.554 CC).

A situação em tela não pode ser confundida com aquelas situações descritas de casamento celebrado por quem não tenha qualquer compe-tência para tanto (por exemplo, o promotor de justiça, delegado de polícia e autoridade local, caso dos antigos coronéis). Afinal, não se pode conva-lidar o que não existe.51

O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, se in-competente a autoridade celebrante, é de dois anos (artigo 1.560, II CC), a contar da data da celebração.

2.1.6.3. Quadro comparativo das hipóteses de nulidade e anulabilidade do casamento

51 TARTUCE, Flávio. Direito de família. In: SCHREIBER, Anderson; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; MELO, Marco Aurélio Bezerra de; DELGADO, Mário Luiz. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1169-1170.

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2. das FamílIas expressamente prevIstas na ConstItuIção Federal 131

Importante considerarmos que o julgamento ocorreu pouco antes da vigência da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, quando existia, no Código Civil, a previsão do artigo 1.548, I CC que sancionava como nulas as núpcias celebradas pelo enfermo mental, sem o necessário discerni-mento para os atos da vida civil, sendo esse o fato norteador para o julgado.

Assim, conforme estabelece o artigo 4º da Lei 13.146/2015, toda pes-soa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as de-mais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

Nessa toada, a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pes-soa, inclusive para casar-se e constituir união estável (artigo 6º da Lei 13.146/2015). Dessa forma, na atualidade, presentes os requisitos previs-tos na legislação, nada impede o reconhecimento de uma união estável quando um ou ambos os integrantes sejam pessoas com deficiência.

2.2.6. Resumo quanto aos requisitos e impedimentos

PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA, DE MODO DELIBERADO E CONSCIENTE PELO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. IMPOSSIBILIDADE. 3. REGRAMENTO AFETO À CAPACIDA-DE CIVIL PARA O INDIVÍDUO CONTRAIR NÚPCIAS. APLICAÇÃO ANALÓGICA À UNIÃO ESTÁVEL. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 3. Especificamente sobre a capacidade para o estabelecimento de união estável, a lei substantiva civil não dispôs qualquer regramento. Trata-se, na verdade, de omissão deliberada do legislador, pois as normas relativas à capacidade civil para contrair núpcias, exaustivamente delineadas no referi-do diploma legal, são in totum aplicáveis à união estável. Assim, aplicando-se analogi-camente o disposto no artigo 1.548, I, do Código Civil, afigurar-se-ia inválido e, por isso, não comportaria o correlato reconhecimento judicial, o suposto estabelecimento de união estável por pessoa acometida de enfermidade mental, sem ostentar o necessário discernimento para os atos da vida civil. (...) (REsp 1414884/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 13/02/2015)

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encontra em companhia dele, todavia as despesas de veterinário, banho, tosa e medicamentos, deve ser dividida entre os ex-parceiros, sob pena de enriquecimento sem causa.184

3.13. RESUMO DOS MODELOS DE FAMÍLIA

184. CARLI, Helio Sischini de. A (im)possibilidade de concessão de pensão alimentícia para animais de estimação. Revista IBDFAM: família e sucessões., n. 28, p. 58.

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5. da dIssolução do Casamento e da unIão estável 289

O quadro abaixo descreve, com base no artigo 53 do CPC, as regras de competência das ações de família:

O novo diploma civil veio substituir a previsão do Código de Proces-so Civil de 1973 que, apesar da igualdade entre homens e mulheres trazida pela Constituição Federal de 1988, ainda estabelecia prerrogativa de foro à mulher nas ações de família (artigo 100, I CPC 1973).

Considerando o novel espírito do diploma processual civil de 2015 que, desde suas primeiras previsões, já assevera que a conciliação, a me-diação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 3 § 3º do CPC), em relação ao processo de família não poderia ser diferente.

Nessa esteira, artigo 694 do CPC estabelece que, nas ações de famí-lia, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Além de reconhe-cer o espaço para o trabalho interdisciplinar, desde há muito aplicado nas Varas de Família, o parágrafo único do mesmo dispositivo prevê que, a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendi-mento multidisciplinar.

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Alienação parental12

12.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS

A idealização da família embala, desde há muito, os sonhos da so-ciedade contemporânea. Desde as primeiras brincadeiras, estar vinculado a alguém parece ser uma necessidade acima de todos os anseios de que àquela criança pudesse ter ao longo da vida.

Na idade adulta, quando o brincar de “casinha” passa a ter caráter de seriedade e consequências jurídicas, seja no casamento ou em uma união estável, sempre o início é repleto de promessas de felicidade infinita e companheirismo para além da existência humana.

Todavia, quando algo sai do percurso inicialmente projetado, o final de um relacionamento, de modo constante, pode atiçar em um ou em ambos os cônjuges ou companheiros o desejo inconsciente de, a qualquer preço, vingar-se pelo fato de que o anel anteriormente dado “era vidro e se quebrou”.

Nesse momento, visualiza-se a antítese de tudo que era outrora havia sido experienciado. Eles até então perdulários em elogios, transformam--se em mesquinhos em sua essência. Tudo que lhes era positivo se torna – na mesma intensidade do início –, invariavelmente, negativo. No ápice das emoções, até porque existe uma linha muito tênue entre amor e ódio, qualquer forma de retaliação será muito bem arquitetada.

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Nesse ambiente insalubre é que surge a alienação parental e a sua, no mínimo, tortuosa, ardilosa, e porque não, psicótica prática de diuturna desqualificação do outro progenitor com um claro objetivo: o de criar um filho órfão de um pai vivo.

Sem medir consequências, o outro genitor passa a ser uma espécie de “vodu” de bruxaria e as agulhas que o perpassam são os filhos. Custe o que custar, buscar a infelicidade do outro passa a ser o principal objetivo de vida mesmo que, para isso, custe a vida da própria prole.

Dessa forma, entendemos a alienação parental como uma espécie de patologização do amor. O desamor não necessariamente precisa ser trans-formado em doença, mas sim, a sua má gestão tem um grande potencial para sua disseminação.

A temática da alienação parental tem previsão legislativa desde 2010 por meio da Lei 12.318. Segundo acepção da normativa em comento considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psi-cológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

A legislação, no parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.318/2010, apresenta ainda as formas exemplificativas de alienação parental, “além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, pratica-dos diretamente ou com auxílio de terceiros”, entre elas, a realização de uma campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade e o obstáculo ao exercício do direito regula-mentado de convivência familiar.

Ainda, no artigo 3º, a normativa assevera que a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, “prejudica a realização de afeto nas rela-ções com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à auto-ridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda”.

Em geral, a prática da alienação parental será realizada por algum familiar, denominado como agente alienador (que pode ser qualquer dos pais, mas também outros parentes) em relação a um dos genitores, que é o sujeito alienado, conforme pode ser visualizado no desenho a seguir:

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12. alIenação parental 507

Alertando, igualmente quanto aos agentes alienadores, Cristiana San-chez Gomes Ferreira, assevera que pode ser todo e qualquer indivíduo responsável pela prole em dado e pontual momento, tal como uma babá ou qualquer parente, bastando estabelecer-se uma verdadeira campanha com o intuito de usurpação da inocente vontade da criança, dificultando o contato e/ou exercício da autoridade parental do genitor alienado, inde-pendentemente de estarem alienante e alienado sob o mesmo teto ou não.1

O genitor alienador é, muitas vezes, identificado como uma pessoa sem consciência moral, incapaz de se colocar no lugar do outro, sem em-patia sequer com os filhos e, sobretudo, sem condições de distinguir a diferença entre a verdade e a mentira, lutando para que a sua verdade seja também a verdade dos outros, levando os filhos a viver como falsos perso-nagens de uma falsa existência. Com este modo de agir, busca, por todos os meios, controlar o tempo dos filhos com o outro genitor e monitorar os sentimentos deles, vendo como bom apenas aquilo que é bom para si e mau para o outro, fingindo hipocritamente querer ajudar os filhos e o outro genitor, dando uma impressão de ser preocupado e colaborador, quando, na realidade, apresenta-se como um leão dominador vestido de cordeiro. Sendo convincente nas suas queixas de desamparo, muitas vezes consegue fazer com que as pessoas que o rodeiam acreditem nele.2

Ainda, para a Psicóloga e Psicanalista Maria Antonieta Pisano Mota, ele é incapaz de ver a situação de outro ângulo que não o seu e especial-mente o ponto de vista e interesse dos filhos são ignorados. Não distingue

1. FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes. A síndrome da alienação parental (SAP) sob a perspectiva dos regimes de guarda de menores. In: ROSA, Conrado Paulino da; THO-MÉ, Liane Maria Busnello. O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Por-to Alegre: IBDFAM, 2014, p. 70.

2 TRINDADE, Jorge Trindade. Manual de psicologia jurídica para operadores do Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 201.

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a diferença entre dizer a verdade e mentir. Deixar os filhos em contato com o outro genitor ou mesmo qualquer outra pessoa é como arrancar parte do seu corpo, sendo muito convincente no seu desamparo e nas suas descrições quanto ao mal que lhe foi afligido e às crianças pelo geni-tor alvo. Consegue muitas vezes fazer as pessoas envolvidas com seu caso acreditarem nele.3

Para isso, o alienador não mede esforços, é capaz mentir com o ob-jetivo de “destruir” o outro não só para os filhos, como também, para si mesmo e para os demais envolvidos no processo de separação como é o caso de familiares, amigos e profissionais que estejam auxiliando no pro-cesso.4 Ele é incapaz de realizar a autocritica, não admite seus erros; qual-quer conduta ao seu redor que não esteja de acordo com sua perspectiva é vista como ameaça e revidada com agressividade.5

Em alguns casos, embora a Lei da Alienação Parental não trate des-sa possibilidade, pode existir um quadro ainda mais complexo de alie-nação parental bilateral, ou seja, ambos os genitores são agentes aliena-dores e alienados, assim como seus familiares. Também para facilitar a compreensão, o quadro abaixo demonstra sua aplicação, onde também a criança ou adolescente servirá como o instrumento de ataque em relação ao outro núcleo familiar:

3 MOTA. Maria Antonieta Pisano. A Síndrome da Alienação Parental in Síndrome da alie-nação parental e a tirania do guardião: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. APASE, Associação de Pais e Mães Separados. Org. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007, p. 43.

4 CARMO, Thalita Faria Machado do; ARAÚJO, Sandra Maria Baccara. O Sujeito Aliena-dor in ALIENAÇÃO PARENTAL: Interlocuções entre o Direito e a Psicologia. Curitiba, PR: Maresfield Gardens, 2014, p. 116.

5 MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: a importância de sua detecção com seus aspectos legais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 52.

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