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Universidade de Brasília Faculdade de Direito Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal Monografia Final de Curso “BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM FACE DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL” ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES Brasília, 21 de fevereiro de 2003.

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO SANITÁRIOpfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude/... · Prof. Leo Leoncy Ferreira. RESUMO Trata-se de estudo cuja intenção

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Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do

Ministério Público e da Magistratura Federal

Monografia Final de Curso

“BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA

PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM FACE DE ATOS DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DE

NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL”

ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES

Brasília, 21 de fevereiro de 2003.

Universidade de Brasília

Faculdade de Direito

Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do

Ministério Público e da Magistratura Federal

Monografia Final de Curso

“BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA

PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM FACE DE ATOS DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DE

NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL”

ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES

Tutor: Adilson José Paulo Barbosa

Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior

Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix

Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iorio

Aranha

Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende

Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal

Consultora de Ensino à Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Souza

Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix.

Brasília, 21 de fevereiro de 2003.

ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES

DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM

FACE DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA

VIOLAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL

Brasília

Aprovada em 21 de fevereiro de 2003

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________

_

Prof. Dr. Márcio Iorio Aranha

______________________________________________________

Prof. I’talo Fioravante Sabo Mendes

______________________________________________________

Prof. Leo Leoncy Ferreira

RESUMO

Trata-se de estudo cuja intenção é examinar os critérios de

determinação de competência “de jurisdição”, relativamente às ações civis públicas

que se destinam à aplicação das sanções da Lei n. 8.429/92, quanto às condutas

atentatórias às normas de Direito Sanitário, no âmbito municipal. Inicialmente, busca-

se conceituar o termo saúde, demonstrando-se que não se confunde ele com a mera

ausência de doenças. Após, verifica-se o perfil constitucional do direito à saúde,

constatando-se ser este um corolário da garantia ao bem-estar, do princípio da

dignidade da pessoa humana e do direito à vida, bem como estar dotado do atributo da

fundamentalidade (nos sentidos formal e material). Parte-se, adiante, para a análise do

sistema constitucionalmente voltado à concretização fática do referido direito – o

sistema único de saúde (SUS) – declinando seus princípios, sua forma de

financiamento e a repartição interna de atribuições, com ênfase nas modalidades de

gestão municipal. Segue-se uma análise das correlações entre improbidade

administrativa e saúde, abrangendo noções essenciais acerca da improbidade, o

alcance subjetivo, o âmbito de proteção da norma e a tipologia das condutas.

Comentam-se casos de improbidade em situações de violação às normas de Direito

Sanitário, enfocando a disciplina das omissões. Examinam-se os critérios de

determinação da competência, e são indicados, caso a caso, os ramos do Judiciário

competentes, em hipóteses de afronta do Direito à Saúde.

Palavras-chave: Saúde – Direito – Improbidade – Municípios – Competência.

ABSTRACT

This study tries to examine the criteria of determination of jurisdiction

ability, relatively to the public civil actions for the application of sanctions of the Law of

Administrative Improbity, related to offensive behaviors to the norms of Sanitary Right,

in the municipal scope. Initially, it searchs to appraise the term health, demonstrating

that it not confuses itself with the mere absence of illnesses. After, the constitutional

profile of the right to the health is verified, having evidenced itself to be this a corollary

of the guarantee of welfare, of the principle of the dignity of the human person and the

right to the life, as well as being endowed with the attribute of the fundamentality (in

the directions formal and material). Ahead, it’s made an analysis of the system

constitutionally directed to the concretion of the right to health (the brazilian system of

health) declining its principles, its form of financing and the internal distribution of

attributions, with emphasis in the modalities of municipal management. An analysis of

the correlations between administrative improbity and health is followed, enclosing

essential slight knowledge concerning the improbity, the subjective reach, the scope of

protection of the norm and the tipology of the behaviors. Cases of improbity in

situations of breaking to the norms of Sanitary Right are commented, focusing the

discipline of the omissions. The criteria of determination of the ability are examined,

and are indicated, in case that the case, the branches of Judiciary the competent ones,

in hypotheses of confronts of the Right to the Health.

Keywords: Health – Law – Improbity – Cities – Jurisdiction.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................8

2. DIREITO À SAÚDE: CONCEITO E PERFIL CONSTITUCIONAL.............10

2.1. CONCEITO DE SAÚDE..............................................................................10

2.2. PERFIL CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE................................12

3. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)........................................................16

3.1. PRINCÍPIOS...............................................................................................16

3.2. FINANCIAMENTO......................................................................................20

3.3. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES.............................................................23

3.3.1. Modalidades de gestão dos Estados.......................................................26

3.3.2. Modalidades de gestão dos Municípios..................................................27

3.3.3. Convênios..................................................................................................30

4. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE........................................32

4.1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES ESSENCIAIS...................32

4.2. ALCANCE SUBJETIVO..............................................................................33

4.3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA.......................................................36

4.4. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS...................................................................37

4.5. CONDUTAS ATENTATÓRIAS ÀS NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO...39

4.5.1.Omissão: Separação dos Poderes e reserva do possível.......................... 42

5. COMPETÊNCIA PARA A APRECIAÇÃO DE AÇÕES CIVIS

PÚBLICAS POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM CASOS DE

VIOLAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO

MUNICIPAL..........................................................................................45

5.1. CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA...........................45

5.2. COMPETÊNCIA, IMPROBIDADE E GESTÕES MUNICIPAIS.......................48

6. CONCLUSÕES....................................................52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................55

ANEXOS

A – Legislação.....................................................65

B – Exemplo de inicial de ação civil pública.......166

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

AIH: Autorização de Internação Hospitalar

APAC: Autorização de Procedimentos de Alto Custo

CIB: Comissão Intergestores Bipartite

CIT: Comissão Intergestores Tripartite

CF: Constituição Federal

EC: Emenda Constitucional

FNS: Fundo Nacional de Saúde

FUNASA: Fundação Nacional de Saúde

GPAB-A: Gestão Plena da Atenção Básica Avançada

GPSM: Gestão Plena do Sistema Municipal

NOAS: Norma Operacional de Assistência à Saúde

NOB: Norma Operacional Básica

OMS: Organização Mundial da Saúde

PAB: Piso Assistencial Básico

PACS: Programa de Agentes Comunitários da Saúde

PBVS: Piso Básico de Vigilância Sanitária

PDR: Plano Diretor de Regionalização

PPI: Programação Pactuada e Integrada

PSF: Programa de Saúde da Família

SIAB: Sistema de Informações da Atenção Básica

SIA/SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS

SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do SUS

SUS: Sistema Único de Saúde

STJ: Superior Tribunal de Justiça

TCU: Tribunal de Contas da União

TGFM: Teto Financeiro Global do Município

1. INTRODUÇÃO

Dada a morosidade inerente ao sistema judiciário (gerada pela

carência numérica de Magistrados, pela multiplicidade kafkiana de instâncias e por

recursos e legislações processuais anacrônicas), a efetividade e a presteza da

prestação jurisdicional dependem, e muito, das corretas identificação e aplicação dos

parâmetros definidores da competência, relativamente à causa. Equívocos, nesse

assunto, podem levar a anos de delonga na definitiva composição da lide.

Isso é particularmente danoso quando não se está diante de direitos

disponíveis, e sim de bens e interesses cuja titularidade repousa em toda a

coletividade, como o patrimônio público. Quanto mais demora a aplicação de sanções

aos ímprobos, maior queda a sensação de impunidade e mais ousados e freqüentes

são os assaltos ao já tão combalido erário.

A tarefa, porém, torna-se hercúlea quando lacunoso é o conhecimento

do direito material subjacente à lide, o que tristemente ocorre em sede de Direito

Sanitário. De fato, apesar da imensa importância e da evidente fundamentalidade do

direito à saúde, bem como das normas estruturais do sistema constitucionalmente

voltado à sua concretização fática – o sistema único de saúde (SUS) – , pouco do

assunto sabem os operadores do Direito.

Com isso, equívocos brotam amiúde, na doutrina e na praxis, nublando

o horizonte daqueles que têm o dever de punir os malversadores do dinheiro público.

Este texto pretende discutir os critérios de determinação da

competência “de jurisdição” para o processamento das ações civis públicas destinadas

à aplicação das sanções constantes na Lei de Improbidade Administrativa, nos

sistemas municipais (a limitação ocorreu por questões metodológicas).

Para tanto, analisar-se-á, por primeiro, o conceito e o perfil

constitucional do direito à saúde. Após, tecer-se-ão breves comentários acerca dos

princípios e da estrutura do sistema único de saúde (SUS), com enfoque nas

modalidades de gestão municipal.

No capítulo posterior, noções basilares acerca da improbidade

administrativa serão passadas em revista, ao que se seguirá um exame do

8

enquadramento de condutas atentatórias às normas do Direito da Saúde nas três

figuras da improbidade, com ênfase na questão da omissão.

Haverá, adiante, verificação das várias hipóteses de possível

ocorrência de condutas ímprobas, nas duas modalidades de gestão municipal

atualmente vigentes, indicando, para cada caso, qual é, dentro da ótica do presente

estudo, o ramo do Judiciário competente.

Por fim, serão elencadas as conclusões, seguidas de um anexo,

contendo a legislação básica atinente ao tema, e outro, com cópia de uma inicial de

ação civil pública para a punição de controladores ímprobos de entidade privada

credenciada junto ao SUS, ajuizada pelo redator do presente estudo.

Longe se está de pretender esgotar o tema. Isso só ocorrerá depois de

longo trabalho de sedimentação doutrinária e jurisprudencial. O intento desta

monografia é colaborar, ainda que modestamente, junto a tais discussões.

9

2. DIREITO À SAÚDE: CONCEITO E PERFIL CONSTITUCIONAL

2.1. CONCEITO DE SAÚDE

O termo saúde tem carga semântica tão intuitiva que raríssimas são as

vezes em que exsurge a preocupação de conceituá-lo. Às árduas tentativas de

empreender a tarefa, contudo, remanesce apenas um aspecto incólume: o significado,

ao contrário do que possa aparentar, transborda, e em muito, a esfera do biológico,

indo se alocar no campo do cultural, e, portanto, do histórica e sociologicamente

referenciado.

Não há, nessa assertiva, nenhuma novidade. Para os sociólogos, há

muito as representações sociais0 têm significado fundamental para a tradução mais

acurada do processo saúde-doença.

Avivar essa idéia ajuda a entender o motivo de tanto ter cambiado, na

nossa história, aquilo a que as pessoas rotulavam (e rotulam) de saúde. Na

antigüidade, por exemplo, a palavra era sinônima, essencialmente, de equilíbrio do ser

humano, considerado em si e diante do ambiente externo. Assim o foi na Mesopotâmia,

na China e na antiga Grécia0.

A expansão burguesa e a lógica capitalista modificaram bastante essa

perspectiva. O então emergente substrato ideológico, ao ver o homem essencialmente

como insumo de um modo de produção racionalmente organizada, determina a

0 Compreendidas, a grosso modo, como concepções enraizadas na realidade histórica e social, comoformas temporalmente circunscritas pelos quais os atores sociais imputam e negociam significados parasuas experiências (GOMES, MENDONÇA e PONTES, 2002, p. 1208).0 “Una de las particularidades de la medicina helénica es considerar el cuerpo humano de maneraintegral: relaciona con el todo con cada una de sus partes y con el entorno mismo; parece que estapercepción daba sentido a los conceptos de salud y enfermidad. Consideraban la salud como unfenómeno de armonía y proporción, no como producto de las culaidades de la materia, sino comoequilibrio de las fuerzas y por la mezcla de los componentes corporales, y sus interrrelaciones, y todoesto como respuesta del organismo a los estímulos del ambiente. Contemplaba al hombre dentro de suentorno físico y social, lo que explica porque ubicaban la salud y la enfermedad en este ámbito, pero sindesatender las situaciones particulares, siempre cambiantes” (VEGA-FRANCO, 2002, p. 265).

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abertura de um fosso entre as dimensões coletiva – assumida por uma postura

epidemiológica policialesca0 e fortemente interventiva0 – e individual do fenômeno0.

Saúde, nesse contexto, passa a ser vista como a mera ausência de

doenças, o que é bastante compreensível, uma vez que o adoecimento do trabalhador

leva a seu afastamento da labuta e, conseqüentemente, à redução na mais-valia. Essa

concepção se torna tão arraigada que prevalece até hoje no senso comum.

O surgimento do Welfare State, a partir da década de 40 do século

passado, levou à superação, ao menos no plano normativo, dessa acepção. Assevera

Leopoldo Vega-Franco:

En 1941 Siegerist definía la salud diciendo que ‘salud nos es simplesmente la

ausencia de enfermedad, es algo positivo, una actitud gozosa y una

aceptación alegre de las responsabilidades que la vida impone al individuo’;

esta definición tal vez inspiró a Sampar para construir la que propuso a la

OMS en 1946 y que aparece en sua Carta Constitutiva (VEGA-FRANCO,

2002, p. 264).

Qualquer que tenha sido a fonte de inspiração, é certo que a

Constituição da Organização Mundial de Saúde – regularmente incorporada ao

ordenamento jurídico pátrio – considera a saúde como primeiro princípio básico para a

“felicidade, as relações harmoniosas e a segurança de todos os povos”. E, em seu

preâmbulo, conceitua-a – de maneira bem similar às concepções da antigüidade –

0 “A concepção mercantilista alemã de saúde pública foi sistematizada e posta em prática com a noçãode polícia médica no final do século XVIII e início do seguinte, disseminando-se para além das fronteirasalemãs. A idéia de Código Sanitário surgiu nessa época (...). Assim, quando do início da sistematizaçãodas questões referentes à higiene individual e coletiva no século XVIII, ações hoje denominadas deVigilância Sanitária, como parte do conjunto de ações da Saúde Pública, assumiam o caráter de políciamédica ou de polícia sanitária, carregando um ‘defeito’ de seu formulador – Peter Frank – referido (...)como uma ‘excessiva confiança na regulação legal’, uma perigosa herança para o novo mundo emexpansão, gerido pela lógica do lucro e da produção, sempre ampliada, de objetos de regulação”(COSTA, E., 2002, p. 378-379).0 “Paralelamente à emergência do modo de produção capitalista e ao racionalismo científico, aconjuntura política é marcada pela aparição dos Estados modernos, com diferentes tipos de intervençãoestatal sobre a questão da saúde das populações (Rosen, 1975).

Para Scliar, o que predominará é o olhar autoritário, cujo berço é a Alemanha, com o conceito depolícia ou política médica ou sanitária, formulado em 1779. Baseava-se em medidas compulsórias decontrole e vigilância de enfermidades, com funcionários médicos responsáveis por distritos, além deimposição de regras de higiene através de leis e regulamentos” (CONILL, 2002, p. 77).0 Essa antinomia deitou raízes tão profundas que mesmo hoje é difícil sua superação. Vide, a propósito,MELO-FILHO, 1996, p. 383-391.

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como o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

ausência de doença.

Não são poucas, todavia, as críticas à postura adotada. Como sintetiza

Sueli Dallari, “diz-se que corresponde à definição de felicidade, que tal estado de

completo bem-estar é impossível de alcançar-se e que, além disso, não é operacional0”

(DALLARI, 2002, p. 53). Outros a têm, ainda, como ultrapassada, eis que parece levar à

uma incorreta separação entre os planos somático, psíquico e social (SEGRE e

FERRAZ, 1997, p. 540).

Em verdade, nunca é demais lembrar que, apesar de tudo, o conceito

representa insofismável avanço, em termos normativos, justamente em razão de se

contrapor frontalmente àquilo que foi tão firmemente impingido pelo ideário capitalista.

O fato de trazer, em seu bojo, uma utopia – o completo bem-estar –,

não é uma deficiência, e sim uma virtude. De fato, cria um permanente estado de

insatisfação fática da previsão normativa, pois nunca a realidade alcançará, por

completo, o conteúdo da regra; mas isso é extremamente benéfico, uma vez que impõe

aos Poderes Públicos e à sociedade um quadro de perpétua tentativa de superação

dos standards vigentes. Sempre haverá o que realizar, para cumprir o objetivo

preconizado pelo preâmbulo da Constituição da OMS; em momento algum da história

poderá se dar a tarefa como terminada. Como a humanidade, que nunca deixa de

evoluir, as ações de saúde não podem, também por força de sua definição jurídica,

estagnar0.

2.2. PERFIL CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE

Muito além do ordenamento anterior (art. 165, XV, CF/69), que

reconhecia tão-somente o direito à “assistência sanitária, hospitalar e médica

preventiva, nos termos da lei” (o que implicava, na prática, a sua denegação a imensos

0 Para Schwartz, “em verdade, o conceito não é operacional, pois depende de várias escalas decisóriasque podem não implementar suas diretrizes” (SCHWARTZ, 2001, p. 36).0 Afinal de contas, “o completo bem-estar do ser humano é um processo, ou seja, a saúde é uma buscacontínua pelo ‘equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e os vários componentes’’“(ROCHA, 1999, p. 43).

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contingentes populacionais, justamente os mais necessitados0), a Constituição de 1988

explicitamente versa acerca da saúde em várias oportunidades.

Com efeito, o art. 6o expressamente a reconhece como direito social

fundamental; o art. 23, II, estabelece como competência material comum dos entes

federativos “cuidar da saúde”; o art. 24, XII, inclui no âmbito da competência legislativa

concorrente a elaboração de normas sobre “proteção e defesa da saúde”; enquanto o

caput do art. 196 espanca quaisquer dúvidas quanto à caracterização do direito como

subjetivo público, pois se está diante de “direito de todos e dever do Estado”. É, porém,

no que está implícito que o aludido direito se fundamenta mais profundamente.

O direito à saúde, em verdade, é um corolário da garantia ao bem-

estar, inscrita no preâmbulo do texto constitucional, bem como da dignidade da

pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1o, III, CF/88), e,

inegavelmente, princípio estruturante, indicativo “das ideias directivas básicas de toda

a ordem constitucional” (CANOTILHO, 1999, p. 1099). Hodiernamente, entende-se que

esse princípio não só tem uma dimensão estática, ontologicamente determinada, mas

também uma dinâmica, instrumental, a que a doutrina francesa tem denominado de

l’égale dignité. Nesse sentido, “elle entend promouvoir les conditions d’une

contribuition active et civique à l’élaboration d’une panoplie des droits et des libertés

nécessaires à notre temps” (MODERNE, 1996, p. 198-199).

E mais: deriva, também, do próprio direito à vida (art. 5o, caput), a qual

se traduz, no texto constitucional, não apenas “no seu sentido biológico, de incessante

auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica

mais compreensiva” (SILVA, 1999, p. 200-201). Ou seja, na sua mais extensa acepção,

informada e interpenetrada pelo valor constitucional dignidade, anteriormente

referenciado.

Sopesando tudo isso, é inegável o fato de ter o constituinte

reconhecido ao direito à saúde o caráter de fundamental0, explicitado na legislação

0 “Isso permitia, na legislação infraconstitucional, a separação entre o sistema de saúde dos seguradosda Previdência Social, integrantes do mercado formal do trabalho, e a maioria da população, que nãotinha acesso a esse sistema” (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 477-478).0 Ecoando, talvez, o ensinamento de José Carlos Vieira de Andrade, in verbis: “Na realidade,ultrapassadas as perspectivas puramente individualistas associadas a concepções atomísticas dasociedade, é hoje entendimento comum que os direitos fundamentais são os pressupostos elementaresde uma vida humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é livree digno numa comunidade livre: a comunidade só é livre se for composta por homens livres e dignos”(ANDRADE, 2001, p. 110).

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infraconstitucional (art. 2o, caput, Lei n. 8.080/90), outorgando-lhe, de tal sorte, uma

proteção jurídica diferenciada no âmbito do nosso ordenamento constitucional, de

forma a comungar, assevera Ingo Sarlet, “da dupla fundamentalidade formal e material

da qual se revestem os direitos e garantias fundamentais (e que, por esta razão, assim

são designados) na nossa ordem constitucional” (SARLET, 2002, p. 2).

Essa dupla fundamentalidade, tomada aqui0 em sentido algo diverso

do consagrado na doutrina alemã0, revela-se, no plano formal, jungido ao direito

positivado, em três vertentes: 1) os direitos fundamentais (dentro os quais a saúde),

integrando o texto constitucional, são dotados de supremacia frente às normas

hierarquicamente inferiores; 2) estão eles, também por esse motivo, protegidos frente

ao Poder Reformador, como parte do núcleo constitucional intangível (“cláusulas

pétreas”); 3) revestem-se de aplicabilidade imediata (art. 5o, § 1o, CF/88). O material,

por outro lado, consiste no valor intrínseco expressamente reconhecido ao direito, com

sua condição de constitucionalmente tutelado (SARLET, 2002, p. 2-3).

Desvelar que o direito à saúde é fundamental implica, além dos

atributos já mencionados (supremacia, intangibilidade ao poder de reforma,

aplicabilidade imediata e inequivocidade de seu valor intrínseco), verificar que a

pretensão jurídica voltada à sua concretização0 consiste, em verdade, em algo muito

mais amplo que um mero direito subjetivo público, irradiando seus efeitos até sobre os

0 A acepção usada no texto é a de Ingo Sarlet, bastante aproximada à de Jorge Miranda (MIRANDA,2000, p. 7-12).0 Hesse, por exemplo, assim trata do caráter duplo dos direitos fundamentais: “Nos direitosfundamentais da Lei Fundamental unem-se, distintamente acentuadas e, muitas vezes, em passagenscorrentes, várias camadas de significado. Por um lado, eles são direitos subjetivos, direitos do particular,e, precisamente, não só nos direitos do homem e do cidadão no sentido estrito (por exemplo, art. 3o, 4o, 5o,8o e 9o da Lei Fundamental), mas também lá onde eles, simultaneamente, garantem um instituto jurídicoou a liberdade de um âmbito de vida (por exemplo, artigo 6o, alínea 1, 14, alínea 1, 5o, alínea 3, da LeiFundamental). Por outro, eles são elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade” (HESSE,1998, p. 228).0 Pois, inegavelmente, na tipologia inicialmente proposta por Jellinek, é um direito fundamental aprestações positivas. “Tal como observado por Krebs, não se cuida apenas de ter liberdade em relaçãoao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade mediante atuação do Estado (Freiheitdurch...)” (MENDES, G., 2002, p. 6).

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particulares (eficácia horizontal)0, quer em sua dimensão negativa0, quer na positiva

(direito a prestações materiais).

Para os fins da presente monografia – centrada nas relações jurídicas

mantidas pelo Estado (ou quem lhe faz as vezes) e os usuários do sistema único de

saúde –, basta a concepção tradicional, de direito subjetivo público, por mais

reducionista que ela seja.

Empregando-a, fácil é ver que eventuais violações ao direito à saúde,

por parte dos Poderes Públicos, tanto no plano individual quanto no coletivo, serão em

regra ilícitas, cabendo a responsabilização administrativa, civil e, quando for o caso,

penal dos autores e partícipes.

0 “Também o direito à saúde não pode, portanto, continuar sendo reconduzido exclusiva eirrefletidamente à condição de direito público subjetivo, já que manifesta sua atuação também na esferadas relações entre particulares, ainda que se possa admitir que a assim denominada ‘eficácia horizontal’dos direitos fundamentais, em suma, a vinculação dos sujeitos privados, não possa ser tratada de modosimilar à vinculação do poder público”.0 “No âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito à saúde não assume a condição dealgo que o Estado (ou a sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestaçãoconcreta, tal como acesso a hospitais, serviço médico, medicamentos etc. Na assim chamada dimensãonegativa, ou seja, dos direitos fundamentais como direitos negativos (ou direitos de defesa),basicamente isto quer significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegidacontra qualquer agressão de terceiros. Ou seja, o Estado (assim como os demais particulares) tem odever jurídico de não afetar a saúde das pessoas, de nada fazer (por isto direito negativo) no sentido deprejudicar a saúde. Assim, qualquer ação do poder público (e mesmo de particulares) ofensiva ao direitoà saúde é, pelo menos em princípio,inconstitucional, e poderá ser objeto de uma demanda judicialindividual ou coletiva, em sede de controle concreto ou abstrato de constitucionalidade (...).

Além disso, ainda no contexto da assim denominada dimensão defensiva do direito à saúde, há queconsiderar o princípio da proibição de retrocesso, que, embora ainda não esteja suficientementedifundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com aconcepção do Estado Democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional” (SARLET,2002, p. 10).

Especificamente quanto ao princípio da proibição do retrocesso, doutrina Paulo Gustavo GonetBranco: “O aspecto de defesa dos direitos fundamentais pode ainda ser visualizado no direito à não-eliminação de posições jurídicas. Direito a que “o Estado não derrogue determinadas normas”. O direitofundamental produziria como efeito a proibição a que o Estado elimine posições jurídicas concretas –atuaria, por exemplo, como proibição a que se extinga o direito de propriedade para quem adquiriu certobem segundo as normas então vigentes. Operaria, igualmente, como proibição a que o Estado removaposições jurídicas em abstrato, como a possibilidade de transmitir a propriedade de determinados bens”(BRANCO, 2000, p. 141).

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3. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

3.1. PRINCÍPIOS0

Para a concretização prática do direito à saúde, a Constituição

determinou, seguindo o ideário do movimento de reforma sanitária, cristalizado na VIII

Conferência Nacional de Saúde, não só serem as ações e serviços de saúde de

relevância pública (art. 197), como também lançou as linhas-mestras de um sistema

único de saúde (SUS). Com efeito, dispõe o art. 198, caput e incisos I a III:

Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede

regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de

acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

Esses princípios são classificados, principalmente por estudiosos

integrantes dos quadros do Executivo Federal, em éticos/doutrinários (universalidade,

eqüidade e integralidade) e organizacionais/operativos (descentralização,

regionalização e hierarquização da rede e participação social) (BRASIL, 2000, p. 5).

A tipologia acima descrita, contudo, embute duas premissas assaz

perigosas: 1) a de que haveria discrepância de eficácia entre os dois grupos de normas,

pois o que atina à ética não necessariamente pertence ao Direito; b) a falta de ênfase

em outros princípios, veiculados também na Constituição, porém em passagens

diversas, ou mesmo em sede infra-constitucional.

A primeira obviamente improcede. Bem examinando a questão, nota-

se que a força normativa dos chamados princípios éticos/doutrinários é, em verdade,

0 Nesta monografia, não será feita a distinção, feita por Dworkin e adotada por Canotilho, entreprincípios e regras, por refugir ao âmbito deste trabalho. Por princípios se tomarão as normas que aConstituição e as leis alcunharem como tais. Para uma breve, porém preciosa, explanação a respeito,vide CANOTILHO, 2002, p. 1085 e ss.

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bem maior que a dos organizacionais, que necessariamente demandam, para sua

aplicabilidade, interposição normativa (legal ou regulamentar).

A segunda também embute uma falácia. Na própria Carta Magna,

vários são as normas gerais que, apesar de não inseridos no topos especificamente

destinado ao sistema único de saúde, incidem sobre ele, a exemplo dos alusivos à

Administração Pública0 (art. 37), dos referentes à ordem social (art. 193) e dos

concernentes à seguridade social (art. 194) (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 482). Além

disso, carreou o art. 7o da Lei n. 8.080/90, além das anteriormente listadas, diversos

outros princípios basilares ao justo funcionamento do sistema.

Impõe-se, no ensejo, um breve exame do conteúdo de cada uma

dessas diretrizes, constitucionais ou não:

1) universalidade do acesso: a rigor, já tendo a Constituição albergado

a noção de Estado Democrático de Direito, bem como outorgado inédita extensão ao

direito à saúde, a positivação desse princípio poderia parecer desnecessária,

porquanto já implícito. Todavia, para assinalar, de forma inequívoca, a ruptura com o

modelo anterior, em que só os segurados da previdência social (a grosso modo, apenas

os incluídos no mercado formal de trabalho) tinham acesso ao sistema, entendeu-se

necessário o consignar expressamente. Com isso, qualquer cidadão tem o direito de

acessar as benesses (extremamente parcas, por sinal) do SUS.

2) integralidade da assistência: que se projeta em dois planos. O

primeiro deles diz respeito à articulação e continuidade das ações e serviços

“preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os

níveis de complexidade do sistema” (art. 7o, II, Lei n. 8.080/90). O outro se reporta à

necessidade de se considerar o sistema teleologicamente voltado para o usuário final,

o cidadão, considerando-se este como um ser humano integral, ínsito no contexto

social, cujas necessidades devem ser, na medida do possível, plenamente satisfeitas.

3) eqüidade na prestação dos serviços: a política de saúde deve ser

redistributiva, visando à eqüidade material, e não a meramente formal. Assim, devem

ser corrigidas desigualdades sociais e regionais, concedendo, dentro dos parâmetros

da razoabilidade, tratamento desigual para situações díspares, tão comuns em um país

0 O art. 7o, IV, da Lei n. 8.080/90, ao garantir a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ouprivilégios de qualquer natureza”, está, em verdade, tornando explícita a aplicação ao SUS do princípioconstitucional-administrativo da impessoalidade.

17

de contrastes, como o nosso. Isso justifica, por exemplo, a validade do art. 4o, parágrafo

único, a e b, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); a absoluta

prioridade no socorro e no atendimento, para os infantes, justifica-se em virtude de sua

vulnerabilidade, enquanto pessoas ainda em formação.

4) descentralização político-administrativa: consiste na tentativa de

reversão da lógica altamente centralizadora que caracteriza o Estado brasileiro, em

respeito às concepções do Movimento de Reforma Sanitária (cuja influência foi

decisiva para o delineamento das normas constitucionais atinentes à saúde, como se

viu precedentemente), buscando redefinir as responsabilidades e dos recursos de cada

ente federativo, com ênfase na municipalização.

5) participação social: Toda a concepção do SUS partiu da idéia de

substituição de um modelo centralizador, tecnocrata e autocrático, por outro, tendente

à mais ampla distribuição dos recursos de poder (MAUÉS, 1999, p. 100). O princípio da

participação ou do controle social, em verdade, é uma expressão do prius democrático

(art. 1o, caput e parágrafo único, CF/88), e preconiza a necessidade de formação, em

cada ente federativo, um Conselho de Saúde, órgão colegiado composto por

representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários

(art. 1o, § 2o, Lei n. 8.142/90), com atribuições deliberativas0 e fiscalizatórias. Mas não se

esgota nisso. Exprimem esse princípio, também, as Conferências de Saúde, reunidas a

cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais (art. 1o, § 1o, Lei n.

8.142/90), bem como todos os direitos e garantias usualmente empregados para o

controle popular da Administração Pública (de que, em sentido lato, o SUS é

expressão), a exemplo do direito de petição e de representação, da ação popular, do

mandado de segurança etc.

6) regionalização e hierarquização: visam à estruturação da rede de

serviços de forma desconcentrada, porém racionalmente estruturada, a fim de evitar

desnecessárias duplicidades (art. 7o, XIII, Lei n. 8.080/90), com pleno conhecimento da

0 Como recorda Antonio Maués, “(...) a criação de órgãos de coordenação de políticas públicas com aparticipação de representantes da sociedade não é novidade no direito brasileiro, tendo acompanhado aampliação das atividades do Estado a partir de 1930, sem, entretanto, significar uma democratização dasdecisões, inclusive pelas funções meramente consultivas que lhes eram atribuídas”.

E continua o constitucionalista paraense: “Com efeito, podemos apontar que os conselhos da área depolítica social criados a partir da Constituição de 1988 possuem caráter deliberativo e não apenasconsultivo, além de funções administrativas. Esse caráter deliberativo significa não apenas que nosconselhos são tomadas decisões vinculantes, mas também que algumas delas definem a própria políticasocial” (MAUÉS, 1999, p. 132).

18

realidade social e epidemiológica. Todo o sistema deve se organizar em fluxos de

referenciamento (indicação, por parte do prestador de serviço impossibilitado de

atender a demanda apresentada, do estabelecimento capacitado) e contra-

referenciamento (envio de pacientes cujo atendimento não requer maior especialização

para os níveis mais baixos). É necessário, contudo, não penalizar o usuário, que deve,

em regra, ter atendido o seu problema dentro da sua região de saúde. Vale salientar,

ainda, que contém ou se articula com os princípios da “utilização da epidemiologia para

o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática”,

da “integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento

básico”, da “conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços

de assistência à saúde da população”, da “capacidade de resolução dos serviços em

todos os níveis de assistência” e da “organização dos serviços públicos de modo a

evitar duplicidade de meios para fins idênticos” previstos, respectivamente, nos incisos

VII, X, XI, XII e XIII do art. 7o da Lei n. 8.080/90.

7) preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua

integridade física e moral: “o que significa respeito à capacidade de o indivíduo tomar

decisões, inclusive elegendo o procedimento a ser adotado, desde que eficaz para a

preservação da sua saúde ou da comunidade” (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 484).

8) direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde e

divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização

pelo usuário (art. 7o, V e VI, da Lei n. 8.080/90), expressões do direito constitucional à

informação e do princípio constitucional-administrativo da publicidade.

Todas essas normas jurídicas conformam o sistema, consistindo em

diretrizes obrigatórias para os gestores do sistema.

3.2. FINANCIAMENTO

O SUS, de abrangência nacional, compreende e coexiste com

subsistemas, no âmbito de cada Estado (o SUS estadual) e de cada Município (o SUS

19

Municipal). Para o custeio de todo esse aparato, devem concorrer as três esferas

federativas.

Mas, em lugar de promoverem os entes políticos diretamente os

dispêndios, optou-se, primariamente, por um conhecido expediente de Direito

Financeiro: a constituição de fundos específicos0, destinados ao financiamento das

ações e serviços. Essa técnica tem a virtude, dentre outras, de conferir certo grau de

estabilidade ao numerário disponível, pois há vinculação, nas leis de regência, de

fontes de custeio, as quais, assim, não ficam ao alvedrio dos administradores.

O gestor financeiro, no âmbito federal, dos recursos do SUS é o Fundo

Nacional de Saúde (FNS)0. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem

também constituir seus respectivos fundos de saúde.

A fim de facilitar a descentralização dos recursos, e diante da

necessidade de não delongar desnecessariamente o custeio de atividade tão vital,

erigiu-se como estratégia principal um mecanismo de transferências fundo a fundo,

mediante o qual os fundos são remunerados automaticamente, uma vez cumpridos

critérios e requisitos objetivamente pactuados (art. 3o, II, Decreto n. 3.964/2001).

Assim, por exemplo, estados e municípios recebem depósitos diretos e

automáticos de recursos em seus respectivos fundos de saúde, provenientes

do Fundo Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, mediante, tão somente,

o cumprimento de obrigações inerentes a cada tipo de gestão do sistema ou

aos programas para os quais se habilitem (BRASIL, 2002, p. 15).

Tendo em mente, todavia, a insuficiência dessa sistemática, que, em

sendo a única disponível, certamente conduziria a distorções, privilegiando os entes

políticos em cujo território haja maior capacidade instalada, em detrimento dos demais,

como política secundária foi mantida a efetivação de convênios, a fim de fomentar

0 Os fundos servem, na lição de Kiyoshi Harada, como “reservas de certas receitas públicas para arealização de determinados objetivos ou serviços de interesse público. Representam uma exceção aoprincípio da unidade de tesouraria em virtude do qual todas as receitas públicas são recolhidas aoTesouro para daí saírem somente sob forma de pagamento de despesas consignadas no orçamento.Entretanto, a Constituição veda a vinculação da receita de impostos a órgãos, despesas e fundos (art.167, IV). Daí a necessidade de autorização legislativa específica para a constituição de cada fundo,providência essa, aliás, determinada pelo inciso IX do mesmo artigo, deforma abundante. Os fundos sãoformados com parcelas dos recursos financeiros colocados no orçamento anual ou em créditosadicionais, para consecução de determinada finalidade pública, servindo, não raras vezes, comoinstrumento de intervenção no domínio econômico” (HARADA, 2001, p. 99).0 Cujas receitas estão discriminadas no art. 2o do Decreto n. 3.964/2001.

20

projetos específicos (art. 3o, III, Decreto n. 3.964/2001), como a construção, a reforma

ou o aparelhamento de unidades de saúde, bem como a capacitação de profissionais.

Volvendo ao modelo principal, lastreado, como se viu, na constituição

de fundos, é de se notar que, mesmo antes da promulgação da Emenda Constitucional

n. 29, de 13 de setembro de 2000, Fundos Estaduais e Municipais de Saúde já

percebiam automaticamente, como se viu, transferências de recursos do FNS (de

acordo com as modalidades de gestão em que estivessem habilitados), aos quais

deveriam somar verbas próprias destinadas à saúde. A realidade, todavia, mostrava

que a determinação constituía letra morta, porquanto os aportes dos entes federativos

locais simplesmente inocorriam.

A referida emenda, alterando a redação do art. 198, §§ 1o a 3o, CF/88,

buscou cambiar essa situação, ao preconizar que lei complementar, a ser revista a

cada cinco anos, deverá estipular percentuais mínimos da receita arrecada com

tributos, em cada ente político, para aplicação na saúde. Até o exercício financeiro de

2004 (ou mesmo posteriormente, caso não seja editada a lei complementar, é de ser

observado o art. 77, do Ato das Disposições Constitucional Transitórias (acrescentado

pela EC n. 29/2000), in verbis:

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas

ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

I - no caso da União:

a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde

no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;

b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela

variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que

tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas

que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto

da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que

tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais

inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o

exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um

21

quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos

sete por cento.

§ 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por

cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério

populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.

§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União

para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que

será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do

disposto no art. 74 da Constituição Federal.

§ 4º - Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir

do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.

No caso dos Municípios, que interessam mais de perto ao tema desta

monografia, os recursos repassados pelos Fundos Nacional e Estadual mesclam-se, no

acervo do Fundo Municipal, àqueles que obrigatoriamente devem ser aplicados por

aqueles entes federativos (art. 77, § 3o, ADCT/88).

Os novos dispositivos constitucionais potencialmente podem

contribuir em muito para uma mais eficiente prestação de serviços em saúde. No

entanto, para que isso aconteça, é imprescindível a constante fiscalização dos

Conselhos de Saúde, da sociedade e do Ministério Público, não só quanto à

veracidade, à eficácia e a regularidade formal das despesas, como também no sentido

de coibir a falta de real arrecadação dos tributos (que constituem a base de cálculo

para os repasses da saúde) por motivos políticos, tão tristemente comum nos

Municípios do interior do Nordeste0.

Instrumentos para isso não faltam: além de todas as normas de Direito

Sanitário, há possibilidade de lançar-se mão da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000), principalmente no tocante aos arts. 11,

caput (proibição de efetivação de transferências voluntárias para os entes federados

0 Comentando o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, assevera Carlos Valder do Nascimento: “Odispositivo em questão incorpora regra da doutrina administrativa e, como tal, obriga o agente público acumprir em toda a sua plenitude o mandato que lhe é conferido pela sociedade. Tenta evitar as atitudesfisiológicas, tão comuns na política brasileira, assentadas na máxima religiosa que ganhou certanotoriedade, consistente no é dando que se recebe, numa utilização deturpada e caricaturada doprincípio consagrado pela crença popular” (NASCIMENTO, 2001, p. 83).

22

que não promoverem efetiva arrecadação dos tributos que a eles competem), 48,

parágrafo único (realização de audiências públicas, garantindo a participação popular,

durante a elaboração dos orçamentos) e 49, caput (disponibilidade, para consulta e

apreciação, por parte da sociedade, das contas apresentadas pelo Poder Executivo, na

sede do Legislativo local)0. Falta fomentar o controle social, para os pôr em prática.

3.3. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES

A repartição de atribuições, no âmbito do SUS, malgrado a inequívoca

determinação de descentralização esposada pela Constituição de 1988, têm enfrentado

desde então, na prática, uma série de óbices, próprios da cultura burocrática

centralizadora que por décadas reinou no setor.

Nesse contexto, as relações internas do sistema têm sido

sucessivamente objeto de normas de cunho regulamentar – suscitando dúvidas quanto

à invasão ou não de competência legislativa (art. 84, IV, in fine, CF/88) –, as quais têm

confessadamente procurado aprofundar, de maneira gradativa, a tendência centrífuga.

A princípio, a disciplina coube à Norma Operacional Básica (NOB)

01/91, cuja contribuição principal consistiu na extensão aos prestadores de serviços

médicos de natureza pública o pagamento por produção de serviços, operante há

vários anos para a iniciativa privada. Já a NOB seguinte, 01/92, procurou modificar os

critérios de distribuição dos recursos, atrelando a sua liberação ao cumprimento de

planos qüinqüenais.

A primeira NOB com cunho marcadamente inovador foi a de número

01/93, tanto que teve por base o documento do Ministério da Saúde nominado

“Descentralização de Ações e Serviços de Saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir

a lei”, “cujo título, por si só, dá idéia das dificuldades percebidas para a implantação do

novo modelo” (MALIK, 2002, p. 514). Mediante ela, iniciou-se o esboço do modelo, até

0 Compreendendo não só a mera acessibilidade física, como também a oferta à população de cursos epalestras, visando ao integral entendimento dos documentos contábeis. Afinal, como ensina MarceloFigueiredo: “De nada valeria todo o esforço de incentivo à participação se não pudessem a população eas entidades interessadas efetivamente opinar e, sobretudo, influenciar a decisão administrativa. A‘apreciação’ exige conhecimento, explicação minuciosa das peças orçamentárias, preparação de quemvai examinar e esclarecimento de quem exibe a conta, enfim, transparência e participação para efetivar acidadania” (FIGUEIREDO, 2001, p. 7).

23

hoje utilizado, de incentivo à descentralização por intermédio da adesão voluntária dos

entes federados a patamares progressivos de autonomia, mediante o preenchimento

de requisitos pré-estabelecidos. No tocante aos Municípios, havia três espécies de

gestão: Incipiente, Parcial e Semiplena, sendo que a última ensejava o repasse de

recursos segundo parâmetros que levavam em consideração dados demográficos e o

desempenho anterior da rede de prestação de serviços.

Em 06 de novembro de 1996 veio a lume a NOB 01/96, com o

declarado propósito de enfatizar as ações de atenção básica e de prevenção, bem

como de avançar no sentido da descentralização, com ênfase na municipalização.

Para os Estados, são previstos dos tipos de gestão: a) Avançada do

Sistema Estadual, mediante a qual, resumidamente, o gestor estadual assume o

planejamento e a coordenação da rede, dentro do respectivo ente político, além da

ordenação do pagamento dos serviços hospitalares e ambulatoriais sob gestão

estadual e a atenção básica para os municípios inabilitados; b) Plena do Sistema

Estadual, com as mesmas prerrogativas da modalidade anterior, somadas à b.1)

contratação, controle, auditoria e pagamento aos prestadores do conjunto dos serviços

sob gestão estadual; b.2) operação do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS

(SIA/SUS) e do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), conforme

normas do Ministério da Saúde, e alimentação dos bancos de dados de interesse

nacional.

No tocante aos Municípios, restaram previstas duas modalidades: a

Gestão Plena da Atenção Básica e a Gestão Plena do Sistema Municipal.

Na primeira, Gestão Plena da Atenção Básica, as ações de atenção

básica (um conjunto de ações e serviços, normativamente definido, tido como

representativo do mínimo necessário para os usuários no primeiro patamar de

assistência, abrangendo atuações de planejamento, de educação, de vigilância

sanitária e epidemiológica, bem como de atendimento médico de baixa complexidade

ou baixo custo), são de responsabilidade direta dos gestores municipais.

No intuito de garantir a correta aplicação dos recursos, rompeu-se o

paradigma anterior, consagrado por décadas de utilização, de pagamento por

faturamento, definindo-se um Piso Assistencial Básico (PAB), calculado de acordo com

a população do Município. A essa parcela fixa, podem ser adicionadas outras, de índole

variável, caso o Município se habilite (cumprindo os requisitos para tanto) em

24

programas específicos, a exemplo do de agentes comunitários da saúde (PACS) ou de

saúde da família (PSF). Incentiva-se, assim, a otimização do sistema municipal, em

uma lógica gerencial de prestação dos serviços públicos.

Somando-se a isso, era transferido um Piso Básico de Vigilância

Sanitária (PBVS), calculado nos mesmos moldes do PAB fixo, para a cobertura de

ações básicas em vigilância sanitária.

Já na Gestão Plena do Sistema Municipal, nos moldes da NOB 01/96,

às responsabilidades anteriores adicionavam-se, essencialmente: a) contratação,

controle, auditoria e pagamento aos prestadores de serviços ambulatoriais e

hospitalares, cobertos pelo Teto Financeiro Global do Município (TFGM); b)

administração da oferta de procedimentos ambulatórias de alto custo e procedimentos

hospitalares de alta complexidade conforme a Programação Pactuada e Integrada0

(PPI) e segundo normas federais e estaduais.

As Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS), de 2001 e

2002, aprofundaram o processo de desconcentração, com uma preocupação adicional

com a regionalização. A NOAS-SUS 01/2002, atualmente vigente (Portaria MS/GM n.

373, de 27.02.2002), foi elaborada, segundo consta de sua introdução, em face de

discussões acerca do texto da NOAS 01/2001, decorrentes das dificuldades de

estabelecer o comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e de assegurar

a totalidade da gestão municipal nas sedes dos módulos assistenciais, “bem como a

fragilidade para explicitação dos mecanismos necessários à efetivação da gestão

estadual para as referências intermunicipais” (BRASIL, 2002, p. 7).

Para essa norma, a regionalização deverá contemplar uma lógica de

planejamento integrado,

compreendendo as noções de territorialidade, na identificação de prioridades

de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não

necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus

0 “A PPI envolve as atividades de assistência ambulatorial e hospitalar, de vigilância sanitária e deepidemiologia e controle de doenças, constituindo um instrumento essencial de reorganização domodelo de atenção e da gestão do SUS, de alocação dos recursos e de explicitação do pactoestabelecido entre as três esferas de governo. Essa Programação traduz as responsabilidades de cadamunicípio com a garantia de acesso da população aos serviços de saúde, quer pela oferta existente nopróprio município, que pelo encaminhamento a outros municípios, sempre por intermédio de relaçõesentre gestores municipais, mediadas pelo gestor estadual” (item 11.1.1, NOB 01/96).

25

limites como unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a

todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de

saúde, otimizando os recursos disponíveis (item 1.1, NOAS 01/2002).

Essa política tem como instrumento principal o Plano Diretor de

Regionalização (PDR), cuja elaboração cabe às Secretarias Estaduais (no Distrito

Federal, Distrital) de Saúde, e que se fundamenta

na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde,

por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microrregiões e

módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços;

do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência e contra-referência

intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência e o acesso

da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas

necessidades (item 3, NOAS 01/2002).

3.3.1. Modalidades de gestão dos Estados

Apesar de terem crescido os Estados em importância, principalmente

no tocante à direção do processo de regionalização, a NOAS 01/2002, seguindo

tradição que remonta à NOB 01/1996, reservou-lhes, no mais, papel quase que

meramente supletivo, na repartição de atribuições internas do SUS. Afinal de contas, o

enfoque principal do processo de descentralização sempre foi a da municipalização.

Aos gestores estaduais, porém, cabe, além da elaboração do citado

PDR, a adoção de critérios para a organização dos serviços de média complexidade0

(item 19, NOAS 01/2002) e a gestão da política de alta complexidade/alto custo no

âmbito do Estado (mantendo vinculação com a política nacional – item 24, NOAS

01/2002), dentre outros misteres.

0 De acordo com o item 17, capítulo I, da NOAS 01/2002, “a Atenção de Média Complexidade (MC)compreende um conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que visam a atender osprincipais problemas de saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade deprofissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico,que não justifique sua oferta em todos os municípios do País”.

26

De acordo com a multicitada NOAS 01/2002, os Estados podem se

habilitar na Gestão Avançada do Sistema Estadual ou na Gestão Plena do Sistema

Estadual.

Para a Gestão Avançada do Sistema Estadual, são definidas diversas

responsabilidades no item 57 da NOAS 01/2002. Destas, podem ser citadas, a título de

exemplo: a) elaboração do Plano Estadual de Saúde e do Plano Diretor de

Regionalização, incluindo o Plano Diretor de Investimentos e Programação Pactuada e

Integrada; b) gerência de unidades públicas de hemonúcleos/hemocentros e de

laboratórios de referência para controle de qualidade, vigilância sanitária e vigilância

epidemiológica; c) formulação e execução da política de sangue e hemoterapia, de

acordo com a política nacional; d) coordenação do sistema de referências

intermunicipais; e) gestão dos sistemas municipais não habilitados em nenhuma das

condições de gestão vigentes no SUS; f) formulação e execução da política estadual de

assistência farmacêutica, de acordo com a política nacional; g) implementação de

políticas de integração das ações de saneamento às ações de saúde; h) execução de

operações complexas voltadas ao controle de doenças que possam se beneficiar da

economia de escala.

À Gestão Plena do Sistema Estadual, por seu turno, correspondem os

mesmos deveres alusivas à Avançada, acrescidos do cadastro, contratação, controle,

avaliação e auditoria pagamento aos prestadores dos serviços sob gestão estadual.

Para se habilitar nessa modalidade de gestão, todavia, o Estado deve preencher, além

dos requisitos atinentes à Gestão Avançada, o seguinte: “dispor de 50% do valor do

Limite Financeiro de Assistência do estado comprometido com transferências

regulares e automáticas aos municípios” (item 58, NOAS 01/2002).

3.3.2. Modalidades de gestão dos Municípios

Foram previstas duas modalidades de gestão para os Municípios, que

interessam mais de perto à presente monografia: a Gestão Plena da Atenção Básica

Ampliada e a Gestão Plena do Sistema Municipal.

Na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A),

aprimoramento, advindo da NOAS 01/2001, da Gestão Plena da Atenção Básica

27

disciplinada pela NOB 01/960, a gestão da atenção básica, ou seja, do “conjunto de

ações do primeiro nível de atenção em saúde que deve ser ofertado por todos os

municípios do País em seu próprio território, com qualidade e suficiência para a

população” (item 1.3.1.1., NOAS 01/2002), é de responsabilidade do Município0. Os

recursos para seu custeio são transferidos dos Fundos Nacional e Estadual de Saúde

para o Fundo Municipal, onde se mesclam à parcela das receitas municipais de

aplicação obrigatória na saúde.

Para incentivar o efetivo e eficaz emprego dos recursos, desde a NOB

01/96 o valor repassado à atenção básica é constituído, como se viu anteriormente, de

uma parcela fixa (piso de atenção básica fixo – PAB fixo), cujo cálculo depende da

população do município, e de uma parcela variável, que aumenta à medida em que o

Município adere a programas específicos, “cada qual com regras, forma de

financiamento e normas para adesão próprias” (MALIK, 2002, p. 517), a saber: a)

incentivo às Ações Básicas de Vigilância Sanitária; b) de Agentes Comunitários de

Saúde; c) de Saúde da Família; d) de Combate às Carências Nutricionais; e) de

Assistência Farmacêutica Básica; f) de Saúde Bucal0.

0 De acordo com a NOAS 01/2002, item 7.5, “os municípios já habilitados nas condições de gestão daNOB-01/96 estarão aptos a receber o PAB ampliado, após assumirem a condição de Gestão Plena daAtenção Básica Ampliada (GPAB-A), mediante avaliação pela Secretaria Estadual de Saúde, aprovaçãopela CIB e homologação pela CIT”. É de se presumir, assim, que, por algum tempo, conviverão a GPABe a GPAB-A.

CIB e CIT são, respectivamente, a Comissão Intergestores Tripartite (formada pelos gestoresmunicipais, estaduais e federal) e a Comissão Intergestores Bipartite (integrada pelos gestoresmunicipais e estadual). Nelas, de acordo com a NOB 01/96, “são apreciadas as composições dossistemas municipais de saúde, bem como pactuadas as programações entre gestores e integradas entreas esferas de governo. Da mesma forma, são pactuados os tetos financeiros possíveis – dentro dasdisponibilidades orçamentárias conjunturais – oriundos dos recursos das três esferas de governo,capazes de viabilizar a atenção às necessidades assistenciais e às exigências ambientais” (BRASIL,2001, p. 44).0 Como exemplos de procedimentos inseridos no rol dos atinentes à atenção básica, pode-se citar: a)no controle da tuberculose: identificação e exame clínico de sintomáticos respiratórios (SR), realizaçãoou referência de baciloscopia, realização ou referência para exame radiológico em SR com baciloscopiasnegativas; fornecimento de medicamentos, vacinação com BCG, quimioprofilaxia, pesquisa decomunicantes, ações educativas etc.; b) no controle da hipertensão: diagnóstico clínico, cadastramentode portadores, acompanhamento ambulatorial e domiciliar, fornecimento de medicamentos, diagnósticoprecoce de complicações (realização ou referência de exames laboratoriais complementares, realizaçãode eletrocardiograma, realização ou referência para raio X de tórax) etc; c) nas ações de saúde bucal:procedimentos individuais e coletivos preventivos; escovação supervisionada e evidenciação de placa,bochechos com flúor, educação em saúde bucal; consultas e outros procedimentos individuais curativos;restauração com ionômero de vidro, necropulpectomia em dente decíduo ou permanente, glossorrafia,ulectomia; d) cirurgias ambulatoriais especializadas, a exemplo de sutura de ferida na cavidade bucal eface, exerese de calo e debridamento e curativo em escara ou ulceração.0 “O Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS incentiva a contratação de pessoas dacomunidade para desenvolverem a integração desta com os serviços de saúde. É financiado pelorepasse de um valor fixo por agente. O Programa de Saúde da Família – PSF estimula a implantação deequipes compostas de médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários para

28

Toda a atenção básica, nos Municípios habilitados na GPAB-A, é,

repita-se, custeada pelo Fundo Municipal de Saúde, constituído pelo somatório das

verbas repassadas pelos Fundos Nacional e Estadual de Saúde e das receitas oriundas

da própria urbe.

Os serviços hospitalares que demandam internação, porém, apesar de,

nos termos da NOAS 01/2002, serem organizados e supervisionados diretamente pelo

gestor municipal (item 54, prerrogativas, b), são remunerados da seguinte forma:

concomitantemente ao atendimento, é elaborado um documento (Autorização de

Internação Hospitalar – AIH; Autorização de Procedimentos de Alto Custo – APAC),

que serve como fatura dos serviços prestados pelo estabelecimento hospitalar, apta a

ensejar o pagamento à rede privada credenciada. Os hospitais públicos, mesmo

quando geridos por outra esfera federativa, também assim são remunerados, até que

seja dado integral cumprimento ao item 49 da NOAS 01/20020.

As AIHs são pagas diretamente pelo Fundo Nacional de Saúde. Já as

APACs, em municípios habilitados na GPAB-A, são adimplidas pelos Fundos Estaduais

de Saúde0.

Quando se está diante da Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM),

a situação é diversa. Não só são financiados pelo Fundo Municipal de Saúde (com

recursos federais e estaduais a ele incorporados) os procedimentos da atenção básica,

como, ainda, os referentes à população referenciada (desde que haja cumprimento

efetivo do Termo de Compromisso para Garantia de Acesso0 —item 33.5, NOAS

atendimento de uma população adscrita. Seu financiamento é por equipe com valores progressivossegundo a cobertura existente. Programa de Combate às Carências Nutricionais – PCCN, destina-se aocombate da desnutrição e às carências nutricionais. É financiado pelo repasse de recursos a partir deuma estimativa de beneficiários. Recentemente foi alterado, possibilitando o repasse de valores emespécie para mães e gestantes. Por meio do Programa de Assistência Farmacêutica Básica, sãorepassados recursos numa base per capita para aquisição de medicamentos constantes de uma relaçãodos mais utilizados. As Ações Básicas de Vigilância Sanitária financiam numa base per capita aestruturação de ações de vigilância sanitária. O Programa de Ações de Epidemiologia e Controle deDoenças descentraliza as ações epidemiológicas e de controle de endemias. Os recursos são definidosconsiderando população e área dos estados” (MALIK, 2002, p. 517).0 Cuja redação é: “Definir que unidades hospitalares públicas sob gerência de um nível de governo egestão de outro, preferencialmente, deixem de ser remunerados por produção de serviços e passem areceber recursos correspondentes à realização de metas estabelecidas de comum acordo”.0 “Nos municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) ou Gestão Plena daAtenção Básica Ampliada (GPAB-A) que tenham serviços de alta complexidade em seu território, asfunções de gestão e relacionamento com os prestadores de alta complexidade são de responsabilidadedo gestor estadual, podendo este delegar aos gestores municipais as funções de controle e avaliaçãodos prestadores, incluindo o processo autorizativo” (item 25.3, NOAS 01/2002).0 “A garantia do atendimento à população referenciada será objeto de um Termo de Compromisso paraGarantia de Acesso a ser assinado pelo gestor estadual e pelo gestor municipal quando o município forsede de módulo ou o município-pólo estiver em GPSM” (item 37, NOAS 01/2002).

29

01/2002), bem como os serviços hospitalares, inclusive os de alta

complexidade/custo0-0.

3.3.3. Convênios

A par da alocação de recursos própria da repartição interna de

atribuições do SUS, subsiste a possibilidade de transferência voluntária de verbas

oriundas do Fundo Nacional de Saúde a Estados, Municípios, entidades filantrópicas e

universidades via convênio, para atendimentos a projetos específicos.

Munida de um plano de trabalho, do qual devem constar os objetivos e

os benefícios pretendidos (anexados dados estatísticos acerca das condições das

unidades ou serviços de saúde, da população a ser assistida ou beneficiada, além de

dados complementares, inclusive, quando for o caso, informações sintéticas acerca da

execução de obras civis e de engenharia, bem como as dimensões do terreno sobre o

qual se propõe a execução da obra e a compatibilidade destas dimensões com as

constantes na escritura ou documento de posse ou propriedade ou equivalente), a

entidade interessada apresenta o seu pleito a uma das Unidades de Convênio, as

quais, seguindo a política de descentralização do Ministério da Saúde, funcionam nos

Núcleos Estaduais deste.

Aprovado o projeto, e firmado o convênio, é normalmente estipulada

uma contrapartida, a ser fornecida pelo interessado. Em regra, é exigida, outrossim, a

abertura de conta corrente específica, para movimentação do numerário.

Após a execução do objeto, deve ser apresentada prestação de contas

junto ao Fundo Nacional de Saúde. Não acontecendo isso, ou existindo indícios de

prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico, deve ser instaurada Tomada

de Contas Especial, a ser julgada pelo Tribunal de Contas da União (art. 8o, caput, Lei

n. 8.443/92).

0 “25. Os municípios que tiverem em seu território serviços de alta complexidade/custo, quandohabilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão desempenhar as funções referentes àorganização dos serviços de alta complexidade em seu território, visando a assegurar o comando únicosobre os prestadores, destacando-se:(...) d) autorização para realização dos procedimentos e a efetivação dos pagamentos (créditosbancários)” (NOAS 01/2002).0 Salvo enquanto persistir a divisão de comando entre os prestadores, situação transitória regrada peloitem 25.2, NOAS 01/2002.

30

Julgando as contas irregulares, a Corte Administrativa condenará, ex

vi do art. 19 da Lei n. 8.443/92, o responsável a pagar a dívida atualizada

monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, outrossim, aplicar-lhe

multa. Em não havendo débito – o que ocorre, por exemplo, quando há afronta a

princípios constitucionais, ainda que não haja prejuízo financeiro – apenas a multa é

imposta.

31

4. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE

4.1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES ESSENCIAIS

Na sua tarefa precípua, ou seja, a de cristalizar, no texto

constitucional, os valores supremos da sociedade, os constituintes redigiram o art. 37,

§ 4o, CF/88, nos seguintes termos:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos

políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o

ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da

ação penal cabível.

A retomada da democracia e a crescente indignação popular, frente à

profusão de casos de malversação de dinheiros públicos, cuja veiculação na imprensa

a partir daquele momento se fazia possível, fomentavam um ciclo virtuoso, ainda em

curso, no qual os cidadãos começavam a se conscientizar da necessidade de participar

e fiscalizar mais ativamente as ações estatais, procurando afastar dos cargos públicos

os inaptos a servir à nação. Iniciava-se a tentativa de superação daquilo constatado

com acuidade, já em 1949, por Oliveira Viana: a tenuidade da consciência do bem

coletivo, no povo brasileiro0.

O dispositivo anteriormente citado, todavia, somente ganhou

aplicabilidade quando, em 02.06.1992, adveio a Lei n. 8.492, definindo os atos que

ensejam a aplicação de suas sanções.

O que vem a ser, todavia, improbidade administrativa? Obviamente,

consiste em algo maior que o mero descumprimento da lei de ofício. Trata-se da

violação à probidade administrativa, cujo conceito, apesar de menos extenso que o de

0 “Em toda esta psicologia da vacuidade ou ausência de motivações coletivas da nossa vida pública, háum traço geral que só por si bastaria para explicar todos os outros aspectos (...). Este: a tenuidade oufraqueza da nossa consciência do bem coletivo, do nosso sentimento da solidariedade social e dointeresse público. Esta tenuidade ou esta pouca densidade do nosso sentimento do interesse coletivo éque nos dá a razão científica do fato de que o interesse pessoal ou de família tenha, em nosso povo – nocomportamento político dos nossos homens públicos – mais peso, mais força, mais importânciadeterminante, em geral, do que as considerações do interesse coletivo ou nacional” (VIANA, 1999, p.308).

32

moralidade administrativa, é a ele correlato, até por possuírem o mesmo conteúdo

axiológico (GOMES, 2002, p. 252-253), revelando-se, para os agentes públicos, em dois

deveres fundamentais: “honestidade e eficiência funcional mínima” (OSÓRIO, 1998, p.

61).

A improbidade, portanto, “decorre tanto da desonestidade e da

deslealdade, quanto da inidoneidade ou da incompetência do agente público no

desempenho de suas atividades funcionais” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 16). O

conceito de ímprobo, no Direito Administrativo, dissocia-se, assim, daquele reinante no

senso comum, abarcando não só os casos de desonestidade ou deslealdade às

instituições, como também os de inaptidão ou incompetência.

Esse rigor longe está de ser desmesurado ou descabido.

Consubstanciando-se a administração pública em “um complexo de atividades

concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei,

visando ao atendimento das necessidades coletivas” (GASPARINI, 2000, p. 40), de

caráter imprescindível para o bom funcionamento da sociedade, é evidente que a

tarefa de geri-la não pode redundar em atuações temerárias, em um jogo de amadores.

Assim, apesar de serem, a princípio, acessíveis as funções públicas a todos os

cidadãos, deve o administrador público se acercar, além do corpo burocrático estável

do aparato estatal pelo qual responde, de assessores ou consultores, para evitar que o

numerário tão arduamente haurido de nossa sociedade seja malversado.

4.2. ALCANCE SUBJETIVO

Com o intento de não deixar nenhum ilícito administrativo impune, a

Lei n. 8.429/92 foi dotada de notável alcance subjetivo, não só em face da dicção de

seus arts. 2o e 3o, mas principalmente em razão da extensão do art. 1o, caput e

parágrafo único, abarcando até mesmo os sucessores dos causadores da lesão (art. 8o,

lei n. 8.429/92)0.

0 “Assente-se, com isso, que o sucessor do causador da lesão ao patrimônio público não é, nem delonge, sujeito na relação ímproba. Conquanto relação de causalidade alguma possua o sucessor com ofato sancionado, dada a repercussão da coisa pública e sua indisponibilidade nata, determinou olegislador o alcance da lei na herança do herdeiro de forma a garantir o ressarcimento, como, de resto, aConstituição Federal já havia prescrito.

33

O núcleo da imputação, porém, é o conceito de agente público; e, de

acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “quem quer que desempenhe funções

estatais, enquanto as exercita, é um agente público” (MELLO, 2000, p. 219). Daí

porque Diógenes Gasparini afirma pertencerem a tal categoria jurídica todas as

“pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam

serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua

responsabilidade” (GASPARINI, 2000, p. 124).

Atentando para o já assentado doutrinária e jurisprudencialmente, a

Lei n. 8.429/92 dispôs, em seu art. 2o:

Art. 2° - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,

nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou

vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no

artigo anterior.

Os agentes públicos podem ser divididos, de acordo com clássica lição

de Celso Antônio Bandeira de Mello, em três grandes grupos: a) agentes políticos; b)

servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores de pessoas

governamentais de Direito Privado; e c) particulares em atuação colaboradora com o

Poder Público (MELLO, 2000, p. 221).

Como se sabe, não há consenso quanto ao conceito de agente político.

Hely Lopes Meirelles adotava conceituação ampla, afirmando o serem os componentes

do Governo “nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou

comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de

atribuições constitucionais” (MEIRELLES, 2001, p. 71); com isso, alçava à categoria

Membros da Magistratura, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e

representantes diplomáticos. Celso Antônio Bandeira de Mello posiciona-se

restritivamente, concebendo-os como os “titulares dos cargos estruturais à

organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço

constitucional” (MELLO, 2000, p. 221), subsumindo no rol apenas o Presidente da

O disposto no art. 8o da Lei federal 8.429/92 ainda serve como esteio de interpretação extensiva noscasos em que o agente ímprobo, quando em vida, repassar, por meio de doação ou venda simulada, seusbens, para evitar a persecução judicial e indenização. É a típica hipótese de anulação do negócio jurídicopor vício social, arts. 102 e 103 do CC” (MARTINS, 2000, p. 80-81).

34

República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos

Chefes de Executivo (Ministros e Secretários), Senadores, Deputados e Vereadores.

Apesar da controvérsia acadêmica, em que a Lei de Improbidade

Administrativa sabiamente não pretendeu se imiscuir, é inegável que o art. 2o alcança

os agentes políticos, qualquer que seja o conceito esposado. Não detêm eles

imunidade material frente à Lei n. 8.429/92, até porque o seu fundamento

constitucional (art. 37, § 4o, CF/88) não restringe, em momento algum, a incidência das

sanções para essa modalidade — composta pelos destinatários por excelência do

preceito – de exercentes de funções públicas0-0.

Os servidores estatais compreendem, para a doutrina

administrativista, os servidores públicos (sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de

cargos públicos), os empregados públicos (contratados sob o regime da legislação

trabalhista e ocupantes de empregos públicos em empresas públicas, sociedades de

economia mista e fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público) e os

servidores temporários (contratados por tempo determinado, em face de necessidade

temporária de excepcional interesse público) (PIETRO, 2001, p. 424).

A Lei de Improbidade Administrativa, porém, dando mais uma prova

de seu elastério (derivado de sua mens, voltada à punição de toda e qualquer conduta

atentatória ao patrimônio público, em seu sentido mais amplo), afirma poder ocorrer ato

de improbidade contra “entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido

ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual” (art.

1o, caput), bem como “entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou

creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário

haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da

receita anual” (art. 1o, parágrafo único). E que “todo aquele que exerce, ainda que

transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação

ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou

0 Apesar de obviamente refugir aos lindes desta monografia, desde logo deve ser consignado repúdioà tese que presentemente se está tentando empurrar ao Supremo Tribunal Federal, no sentido de que,por estarem os agentes políticos sujeitos aos crimes de responsabilidade, seriam imunes, do ponto devista material, à incidência da Lei n. 8.429/92, apesar de literalmente afirmar o art. 37, § 4o, na sua partefinal, que a responsabilização por improbidade se dá “sem prejuízo da ação penal cabível”. Na defesadesse posicionamento, vide, todavia, de Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, RePro 107/253 (WALDe MENDES, 2002, p. 253 e ss.).0 Francisco Octavio de Almeida Prado assevera que, quanto aos Magistrados, há que se ver se os atossão tipicamente jurisdicionais, caso em que escapam à incidência da lei. Em sendo praticados noexercício de função administrativa, isso incorre (PRADO, 2001, p. 70).

35

função” (art. 2o) nessas entidades pode ser sancionado. Insofismavelmente,

sobrepujou a Lei n. 8.429/92, e em muito, os posicionamentos doutrinários a ela

anteriores, referentemente aos servidores estatais.

Por fim, os particulares em colaboração com a Administração são

pessoas físicas que, exercem função pública, com ou sem remuneração, não perdendo,

entretanto, a característica de particulares. Para tanto, podem agir sob títulos diversos,

a saber: a) requisição, nomeação ou designação para o exercício de funções públicas

relevantes (jurados, membros de Mesa apuradora ou receptora de votos, comissários

de menores, integrantes de comissões e grupos de trabalho etc.); b) os que sponte

própria assumem, perante situações anômalas, a função de gestores de negócio,

protegendo o patrimônio público; c) contratados por locação de serviços, “como, por

exemplo, um advogado ilustre contratado para sustentação oral perante Tribunais”

(MELLO, 2000, p. 224); d) concessionários e permissionários de serviços públicos; d)

delegados de função ou ofício público.

Desde que estas pessoas manipulem, administrem ou promovam

dispêndios lançando mão de dinheiro público, estão sujeitas à Lei de Improbidade.

Como ensina Fábio Medina Osório, neste campo ocorre aquilo que se denomina de

“convergência entre os direitos público e privado, pois as entidades privadas são

atingidas pela legislação, na medida em que estiverem em contato com o dinheiro

público” (OSÓRIO, 1998, p. 98), pouco importando que suas atividades estejam

majoritariamente sob o influxo de normas de direito privado.

4.3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA

No tocante ao âmbito de proteção da norma, impende ressaltar que se

destina ela à proteção do patrimônio público, termo mais abrangente que erário, como

adverte José Jairo Gomes0, bem como que, ainda na lição daquele Procurador da

República, “a par do dano material, (...) pode haver ferimento a um interesse moral do

0 “Observe-se que o termo patrimônio público é mais abrangente que erário (do latim areariu), poiseste refere-se apenas ao que próprio da fazenda, ou seja, a um conjunto de bens ou haveres. Nadaobstante, foram eles utilizados como sinônimos,, devendo o intérprete ter em vista sempre a significaçãomais ampla do termo patrimônio público” (GOMES, 2002, p. 264).

36

ente público, sendo, conseguintemente, moral o dano causado e a natureza da

respectiva reparação” (GOMES, 2002, p. 264)0.

Enquadrar-se-á, assim, como ato de improbidade não só o que importa

(ou ameaça implicar) prejuízo ou desfalque material, como também o que afeta a

credibilidade, a honra objetiva, das entidades protegidas. No mundo contemporâneo,

em que a velocidade de disseminação de informações é cada vez maior, fácil é ver que

determinadas condutas, mesmo que não causem dano patrimonial imediatamente

mesurável aos entes protegidos pela Lei n. 8.429/92, podem ferir a longo prazo sua

imagem, sua respeitabilidade, normalmente conquistada por força do árduo trabalho de

décadas. Redimir o impacto pode levar custar anos de labor e/ou milhões de reais em

campanhas publicitárias. Não é justo que se escusem os responsáveis por esses atos

das sanções da Lei de Improbidade.

4.4. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS

São elas agregadas em três grupos, com repercussão na gradação das

sanções: a) as que importam enriquecimento ilícito (art. 9o, Lei n. 8.429/92); b) as

causadoras de prejuízo ao erário (rectius: ao patrimônio público; art. 10); c) as

violadoras dos princípios da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às

instituições. A técnica utilizada, para todos eles, foi a da descrição genérica no caput,

seguida de enumeração exemplificativa (numerus apertus) nos incisos.

Descurou-se, todavia, de cuidados redacionais básicos, remanescendo

diversas inconsistências sintáticas internas.

Por exemplo, o art. 9o, VII, prevê a figura do enriquecimento ilícito

presumido, ao qualificar como improbidade a aquisição, para si ou para outrem, no

exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, de bens de qualquer

natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do

agente público. Mas silencia quanto ao necessário nexo a ser verificado entre a renda

ou a evolução patrimonial e a função pública exercida. Não pode o intérprete saber,0 Em outra passagem, afirma o mesmo autor: “Assim, temos que o ato de improbidade administrativapode ferir também um interesse moral do ente público, traduzido na sua honra objetiva, na confiança erespeito que as pessoas devem devotar-lhe, não havendo motivo plausível para a recusa deressarcimento” (GOMES, 2002, p. 265).

37

com isso, se a presunção relativa, a militar em desfavor do agente público, opera com

ou sem inversão do ônus da prova (SAMPAIO, 2002, p. 166).

O inciso VIII do mesmo artigo é eivado de um outro problema. Sendo

sua dicção “aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou

assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser

atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente

público”, é evidente que está topologicamente deslocado, pois cuida-se

verdadeiramente de violação do dever de imparcialidade, subsumível no art. 11

(SAMPAIO, 2002, p. 167).

Também o art. 11, caput, contém imprecisões; mais exato seria se

reiterasse todos os princípios constitucionais basilares à Administração Pública. A

circunstância de constar nele a expressão violação da legalidade, compreensiva de

todos os princípios e regras positivados sana, porém, o problema. Na lição de Mário

Pazzaglini Filho, “a afronta ao ‘dever de honestidade’ corresponde à violação do

princípio da moralidade, e ao ‘dever de imparcialidade’ à ofensa ao princípio da

impessoalidade” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 100-101).

O arredamento de exegese meramente literal, no tocante ao mesmo

dispositivo, impõe-se, outrossim, para que não seja por demais ampliado o âmbito

proibitivo da norma.

De fato, é óbvio que não pode configurar improbidade administrativa

toda e qualquer ação ou omissão contrária à lei (em sentido amplo). O termo em testilha

traz consigo carga semântica indicativa de gravidade da conduta, que ultrapassa a

mera ilegalidade. Afinal, as três categorias de improbidade legalmente previstas têm a

mesma natureza intrínseca, o que resta patente do exame etimológico do termo.

Por isso, a conduta administrativamente ilícita do sujeito ativo, para

ser considerado também ato de improbidade, “deve ter esse traço comum ou

característico de toda as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade,

má-fé, falta de probidade no trato da coisa pública” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 101-

102). Dizendo de outra maneira: o elemento objetivo do art. 11, caput, consiste em ação

ou omissão que “traduzindo desonestidade, transgrida os princípios que regem a

Administração Pública” (COSTA, J., 2002, p. 141)0.

0 No mesmo sentido: BUENO, 2001, p. 394. Contra, afirmando bastar o dolo, para a configuração daimprobidade: PRADO, 2001, p. 126.

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De fato, a Lei de Improbidade porta em seu bojo, diversas

impropriedade, topológicas e redacionais. Mas se não a deve crucificar por isso –

afinal, equívocos legislativos ocorrem com freqüência, nos mais diversos textos

normativos. As arestas serão aparadas, com o tempo, pelos nossos Tribunais,

mediante a “complementação ou desenvolução do Direito” (Rechtsfortbildung)

(ENGISH, 1996, p. 338).

4.5. CONDUTAS ATENTATÓRIAS ÀS NORMAS DE DIREITO

SANITÁRIO

Dada a amplitude dos arts. 1o, 2o e 3o, da Lei n. 8.429/92, a princípio

toda conduta oposta a regras ou princípios de Direito Sanitário será caracterizável

como ato de improbidade administrativa. Com efeito, qualquer ato, comissivo ou

omissivo0, violador quer da dimensão negativa, quer da prestacional, do direito à

saúde, praticada por qualquer agente público (a exemplo de servidores públicos,

servidores contratados temporariamente, celetistas, membros dos Conselhos de Saúde

ou das Comissões Intergovernamentais, agentes políticos), pode acarretar punição

com as sanções do art. 12 da Lei de Improbidade.

Ocorrendo enriquecimento ilícito, como na hipótese de apropriação de

verbas oriundas dos Fundos de Saúde, aplicável é o art. 9o da Lei de Improbidade, com

as correspondentes sanções do art. 12, I, daquele diploma normativo.

Em havendo ação, dolosa ou culposa, que enseje prejuízo, desvio,

apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades

públicas em sentido amplo (conforme definido no art. 1o, Lei n. 8.429/92), a exemplo da

hipótese de administrador público negligente, que deixa de fiscalizar os subordinados,

ou escolhe assessores incompetentes0, dando causa a perda patrimonial, por parte da

Administração Pública, incide o art. 10 da Lei n. 8.429/92. Vale lembrar, por oportuno,

0 A responsabilidade por omissão será examinada com mais vagar, em tópico específico deste estudo.0 “Desnecessário seria, assim, comprovar cabal má fé do agente, em determinadas hipóteses, namedida em que dos fatos emergem presunções legais em desfavor dos agentes públicos. Estes devemportar-se de forma exemplar. A eles é inescusável o desconhecimento das leis e normas jurídicas. Paratanto, devem estar corretamente assessorados e devem observar, estritamente, os limites legais nodesempenho de suas tarefas” (OSÓRIO, 1998, p. 86-87).

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que patrimonial, nesse contexto, tem sentido amplo, a abarcar não só as perdas

pecuniárias, como, outrossim, as de índole moral.

Já ações ou omissões afrontadoras dos princípios da Administração

Pública, caso não se enquadrem em nenhuma das modalidades anteriormente

descritas0, mas se revistam de gravidade ou sejam indiciárias de desonestidade ou má-

fé, devem ser punidas. Por exemplo, a falta de cumprimento, por parte de membros do

Conselho de Saúde, de seu dever legal de fiscalizar a aplicação dos recursos, pode, em

algumas situações, adentrar na esfera de incidência do art. 11, mesmo que não se

demonstre prejuízo material à Administração Pública. Ou “a omissão na prestação de

contas, quando o agente público encontre-se obrigado a tanto (inciso VI) e a omissão

na realização de publicidade dos atos oficiais (inciso IV)” (VIGLIAR, 2002, p. 427-428).

Por fim, deve-se ressaltar que, nos termos do art. 3o, também devem

ser responsabilizados particulares que induzem, concorrem ou se beneficiam de atos

de improbidade.

Especial atenção, ressalte-se por oportuno, deve ser dedicada à

situação jurídica dos administradores e trabalhadores da saúde de estabelecimentos

médico-hospitalares privados credenciados junto ao SUS. Exercem eles,

inequivocamente, função pública delegada, em entidades que recebem, por força de

ajuste de direito público (consubstanciado na adesão à rede do sistema único), verbas

da coletividade, pelo que obviamente podem ser sujeitos ativos da Lei n. 8.429/92, sem

que se necessite lançar mão da norma de extensão (art. 3o, Lei n. 8.429/92).

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça recentemente assim se

pronunciou:

ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA

DA EXPRESSÃO ‘AGENTES PÚBLICOS’. HOSPITAL PARTICULAR

CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO

DELEGADA.

1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não só os

servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito

0 “É intuitivo, também, que o agente público, ao praticar ato de improbidade administrativa queimporta enriquecimento ilícito (art. 9o), ou que causa lesão ao erário (art. 10), transgride, sempre, oprincípio constitucional da legalidade e, em geral, outros princípios constitucionais explícitos ouimplícitos, relativos ao conteúdo de sua conduta ímproba.

Daí se conclui que a norma em exame é residual em relação às que tratam das duas outrasmodalidades de atos de improbidade, pois a afronta a legalidade faz parte de sua contextura”(PAZAGLINI FILHO, 2002, p. 101).

40

de agente público, insculpido no art. 2o, da Lei n. 8.429/92: ‘a Lei Federal n.

8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de

probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na

relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a

noção de servidor público, com uma visão mais dilatada que o conceito de

funcionário público contido no Código Penal (art. 327).

2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função

pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de

improbidade administrativa.

3. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em

que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de

enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a

exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa do

ordenamento.

4. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não

do ato ímprobo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula

07, do STJ.

5. Recursos providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos

recorridos para se submeterem às sanções da Lei de Improbidade

Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local. (REsp

n. 416.329-RS, 1a T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 13.08.2002, DJ 23.09.2002, p. 254).

Vale colacionar o seguinte trecho do voto do Em. Relator, o Min. Luiz

Fux:

Em assim sendo, se os médicos conveniados ao SUS são equiparáveis a

agentes públicos e, portanto, podem ser sujeitos ativos dos crimes próprios

contra a Administração, o que já foi objeto de julgamento por esta Corte (RHC

7966/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 21.06.1999 e RHC 7760/RS, Rel. Min.

Edson Vidigal, DJ de 22.03.1999), e, em razão da maior abrangência do texto

da lei n. 8.429/92, não há como se afastar a característica de agentes públicos

dos recorridos e o seu enquadramento como possíveis sujeitos ativos de atos

de improbidade.

4.5.1. Omissão. Separação dos Poderes e reserva do possível

41

A caracterização das inações atinentes à saúde como de improbidade

forneceria, por si só, material mais que suficiente à elaboração de um estudo apartado,

pelo que as estudar pormenorizadamente suplanta, e em muito, os balizamentos

impostos ao presente texto. Aqui o assunto será objeto de considerações aligeiradas, a

título de notícia dos pontos controvertidos,

A admissibilidade, in abstrato, é pacífica. Quando se desce ao plano

concreto, todavia, a situação mostra-se muito mais complexa.

No tocante às lacunas derivadas de negligência, consistem elas,

obviamente, atos ímprobos. Membros dos Conselhos de Saúde que, como em exemplo

anteriormente invocado, deliberadamente, abstêm-se de exercer, em sua plenitude, o

seus encargos fiscalizatórios, em face de interesses pessoais, subordinação político-

partidária ou qualquer outro motivo injustificável, devem sofrer as sanções previstas

na Lei de Improbidade. O mesmo ocorre, verbi gratia, com os gestores de saúde, em

Municípios habilitados no Programa de Saúde da Família (PSF) que alimentam

incorretamente o Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB) – situação

verificada com freqüência por recente auditoria do Tribunal de Contas da União0.

Nada difere quanto à qualidade dos serviços. Por influxo do princípio

constitucional-administrativo da eficiência, não é só necessário que os serviços de

saúde sejam disponibilizados; faz-se imperativo que o sejam de forma adequada,

plena, eficaz. As tristemente célebres imagens de longas filas, ausência e/ou má

qualificação de profissionais de saúde, falta de medicamentos, não podem ser mais

toleradas. Serão punidos, com isso, em face da prática de atos de improbidade

administrativa, os agentes públicos responsáveis pela má qualidade do atendimento à

população (SARMENTO, 2002, p. 100).

Muitas das omissões, porém, podem ser também identificadas na

formulação de políticas públicas, terreno em que, para a doutrina tradicionalista0,

0 Entre outras deficiência na implementação do Programa, atestou a auditoria “que o Sistema deInformações da Atenção Básica (SIAB) tem apresentado um grau de inconsistências muito elevado nosseus dados (falta ou duplicidade), problema que atinge cerca de metade dos municípios com o PSFimplantado. A falta de informações confiáveis pode comprometer o acompanhamento do Programa edificultar o estabelecimento de prioridades de ação em saúde” (BRASIL, 2002c, p. 14).0 Paradigmática do momento do apogeu desse entendimento é a afirmação de Alexander Hamilton,nos albores da conformação politico-constitucional norte-americana: “The courts must declare the senseof the law; and if they should be disposed to exercise WILL instead of JUDGMENT, the consequencewould equally be the substitution of their pleasure to that of the legislative body” (HAMILTON, 1999, p.437).

42

aferrada a uma concepção tão conservadora quanto obsoleta da teoria da separação

dos poderes0, é defeso o ingresso do Judiciário.

A conveniência e a oportunidade dos atos administrativos

discricionários emanados dos gestores de saúde, contudo, não são intangíveis.

Discricionariedade não se confunde arbitrariedade; todo e qualquer ato estatal, por

maior que seja o grau de liberdade disponível, é vinculado quanto ao fim perseguido –

o bem público. Esta última expressão é semanticamente imprecisa, mas sempre será

possível identificar facilmente, nos casos concretos, núcleos de certeza positiva (o que

inegavelmente atende ao bem público) e de negativa (o que evidentemente não o faz).

Devidamente instado a se pronunciar, o Judiciário, examinando o fato

concretamente trazido a baila, tem o dever de verificar se os atos praticados ou

omitidos atenderam às finalidades da norma, “se guardou afinamento com a

significação possível dos conceitos expressados à guisa de pressuposto ou de

finalidade da norma ou se lhes atribuiu inteligência abusiva” (MELLO, 2000, p. 763).

Em sede de improbidade, tal aferição é de fato fundamental, uma vez que, constatada

a ilicitude administrativa da omissão, é bastante provável que a conduta se subsuma a

alguma das três modalidades de vulneração à Lei n. 8.429/92.

Os Magistrados têm, com o passar dos anos, conscientizado-se de seu

papel, como efetivos garantidores do Estado Democrático de Direito, aqui e alhures,

tanto que a doutrina portuguesa, em ensinamentos passível de integral traslado à

nossa realidade forense, versa acerca da jurisdicização do governar (CANOTILHO,

2001, p. 470), imperativo da eficácia da jurisdição constitucional (ALMEIDA, 2000, p.

286).

Por isso, hoje a maior ameaça à efetivação judicial do direito

fundamental à saúde encontra-se em uma cláusula recentemente importada da

jurisprudência constitucional alemã: a da reserva do possível (Vorbehalt des

Möglichen).

De acordo com ela, em sede de direitos fundamentais cujo

atendimento demanda prestações positivas, estas últimas somente podem ter lugar

“quando permitam as possibilidades materiais do Estado” (BRANCO, 2000, p. 146). Por

0 “(...) Impõe-se reconhecer, à guisa de conclusão, que o paradigma da separação dos poderes, pelomenos em sua configuração inicial, há muito tempo que entrou em crise e isso aconteceu, precisamente,porque foi ultrapassada a conjuntura jurídico-política em que viveram John Locke e Montesquieu, osseus formuladores históricos” (COELHO, 2000, p. 98).

43

possível, leia-se, então, financeiramente possível (finanziell Möglichen) (MENDES, G.,

2002, p. 7).

O argumento, todavia, não deve ser irrefletidamente acatado, pois

inverte a lógica subjacente a nosso ordenamento constitucional. A dignidade da

pessoa humana é fundamento de nosso Estado Democrático de Direito; o aparelho

estatal existe para a servir, e não o contrário.

Embora o contingenciamento orçamentário imponha, na prática, limite

fático ao direito da saúde, relativizando sua eficácia, não podemos olvidar, como

ponderou Ingo Sarlet, que a nossa ordem constitucional proibiu explicitamente a pena

de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes, mesmo aos

condenados por crime hediondo, motivo pelo qual não se poderá, sob pena de ofender

à razoabilidade e ao próprio senso de justiça, sustentar que com lastro “numa alegada

(e mesmo comprovada) insuficiência de recursos, se acabe virtualmente condenando à

morte uma pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter

condições de arcar com o custo do tratamento” (SARLET, 2002, p. 13).

Por isso, quando algum gestor de sistema de saúde intentar elidir sua

responsabilidade, em sede de improbidade administrativa, invocando a reserva do

possível, deve o julgador, no caso concreto, ponderar cuidadosamente as

circunstâncias existentes, para não se deixar envolver por uma lógica puramente

financeira – tão típica do nosso atual projeto de Estado.

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5. COMPETÊNCIA PARA A APRECIAÇÃO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS POR

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM CASOS DE VIOLAÇÃO DE NORMAS DE

DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL

5.1. CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Embora a jurisdição, enquanto poder estatal de autoritativa e

imparcialmente pacificar conflitos0, seja una, motivos de ordem prática impõem ao

Estado a distribuição do poder jurisdicional entre os vários magistrados e tribunais.

A jurisdictio é, no seu exercício, circunscrita por lindes previamente

estabelecidos em regras jurídicas, definindo aquilo a que se denomina de

competência. Por isso, em frase clássica, diz-se que a competência é a medida da

jurisdição. “Quando o poder jurisdicional, de abstrato se torna concreto, em face de

algum litígio, determinada fica a competência, que é a medida usada no distribuir-se a

jurisdição entre os vários magistrados ou órgãos judiciários” (MARQUES, 2000, p. 320).

Os vários parâmetros distributivos da competência variam,

obviamente, conforme o direito positivo de cada país, mas sempre servem

simultaneamente à divisão do trabalho judicante e à garantia aos jurisdicionados0.

No Brasil, peculiaridades históricas legaram um sistema

particularmente confuso, coexistindo as Justiças comuns (Federal e Estadual/Distrital),

de competência residual, e as especializadas (do Trabalho, Militar Federal e Militar

0 Ensinam Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes: “(...) o outro componente essencial do atojurisdicional é a condição de terceiro imparcial em que se encontra o Juiz com relação ao interesse sobreo qual recai sua atividade. Ao realizar o ato jurisdicional, o Juiz mantém-se numa posição deindependência e estraneidade relativamente ao interesse tutelado. Como observa Micheli, (...) não étanto o caráter de substitutividade, como afirma Chiovenda, que define a jurisdição, mas seu caráter deimparcialidade” (SILVA e GOMES, 2002, p. 74).0 “A atribuição de competência, pressuposto das mais relevantes garantias constitucionais, tem porfulcro impedir a ingerência de circunstâncias e fatores alheios ao Poder Judiciário, capazes deinfluenciar, diretamente ou por via reflexa, as decisões proferidas em casos submetidos à apreciação domagistrado” (PERRINI, 2001, p. 89).

45

Estadual). Com isso, os critérios de determinação da competência de jurisdição0

desempenham aqui um papel extremamente importante.

No confronto entre a competência da Justiça Federal e a atinente à

Justiça Estadual comum – que vem a ser o de interesse para a presente monografia –,

deve-se ter em mente a lição de Aloisio Gonçalves de Castro Mendes, no sentido de

que “a competência da Justiça Federal é taxativa e vem elencada numerus clausus na

Constituição da República, arts. 108 e 109, não comportando a ampliação das

hipóteses previstas por norma infraconstitucional” (MENDES, A., 1998, p. 34).

De todos os incisos do referido art. 109, alusivo à primeira instância, o

que de mais perto diz respeito a este estudo é o I, in verbis:

Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal

forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,

exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça

Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Mesmo figurando, como parte ou a título de interveniente, a União,

entidades autárquica ou empresa pública federal, só será aquele ramo do Judiciário

competente se houver, com suficiente densidade, interesse jurídico atinente à esfera

federal, o qual necessita “ser de ordem direta e não reflexa; deve ser imediato, e não

remoto nem geral” (CARVALHO, 1998, p. 49). O cerne da questão consiste, pois, em

corretamente preencher o conceito semanticamente aberto de interesse federal.

De imediato, faz-se mister destacar que ele não se confunde com a

categoria processual interesse de agir; trata-se de algo que emana do próprio direito

material em discussão, jungido ao interesse primário, comprometido na lide, de que

0 A nomeclatura foi consagrada pelo clássico Teoria Geral do Processo, da lavra de ninguém menosque Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, que assim aexplanam: “A expressão competência de jurisdição é, a rigor, incorreta e contraditória (ou o problema aque se refere é de competência, ou de jurisdição – nunca de ambas as coisas). Ela é utilizada aqui, àfalta de outra melhor (e segundo o uso da doutrina), para significar o conjunto de atividadesjurisdicionais cujo exercício é atribuído a cada organismo judiciário, ou sistema integrado e autônomo deórgãos (Justiças). Como se vê, ‘competência de jurisdição’ é típico fenômeno de competência, nãointerferindo de maneira alguma na jurisdição como expressão do poder inerente ao Estado soberano(que todas as Justiças, indiferentemente, têm)” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 1994, p. 233).

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falou Carnelutti0, ou à pretensão (Anspruch), na terminologia de Pontes de Miranda0-0.

Esses devem trazer consigo a direta e relevante repercussão em bens ou serviços

federais, para que se possa reputar presente o interesse federal e, conseqüentemente,

firme-se a competência em favor do Judiciário comum da União.

É necessário, portanto, um exame caso a caso. Essa tarefa tem sido

feita iterativamente pelos Magistrados, sedimentando-se na jurisprudência de nossos

Tribunais Superiores.

Especificamente no que tange às verbas transferidas para Municípios,

o Superior Tribunal de Justiça editou duas súmulas:

Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de

verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal (Súmula n. 208).

Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba

incorporada ao patrimônio municipal (Súmula n. 209).

Dos arestos que lhe serviram de precedentes, nota-se, claramente, ter

entendido a Corte Superior encarregada da uniformização do direito infra-

constitucional que o mero fato de estar sujeito o prefeito municipal a prestar contas,

administrativamente, perante órgão federal já denotaria interesse federal suficiente à

fixação da competência em prol da Justiça Federal0.

0 “(...) O interesse de agir não é absolutamente o mesmo que o interesse comprometido na lide ou nonegócio, mas um interesse secundário a respeito deste; precisamente o interesse na tutela judicial dointeresse primário; o interesse em lide refere-se à relação jurídica material, sobre a qual o juiz devedecidir; o interesse de agir refere-se, entretanto, à relação jurídica processual, pela qual o juiz devedecidir” (CARNELUTTI, 2000, p. 570-571).0 “Pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa.Não tenho direito nem pretensão no tocante ao devedor de A; mas A a tem, salvo se a sua posiçãosubjetiva de credor está mutilada, de modo a se tratar de direito sem pretensão. O correlato dapretensão é um dever ‘premível’ do destinatário dela, talvez obrigação (no sentido estrito), sempreobrigação (no sentido largo). Ao ‘posso’ do titular da pretensão, corresponde o ‘ser obrigado’ dodestinatário” (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 68).0 Como recorda Marinoni, “a pretensão de direito material é a faculdade de se poder exigir a realizaçãodo direito. A pretensão é uma mera potencialidade; portanto, difere do seu exercício. O direito subjetivo ea pretensão de direito material são estados de que desfruta seu titular, enquanto o exercício dessafaculdade de exigir não é mais estado, mas o desenvolvimento de uma ação por parte do titular dapretensão” (MARINONI, 1999, p. 207). Pensando assim, pode parecer que o interesse federal deve estarínsito à ação de direito material, e não à pretensão; rememorando-se, todavia, que ambos têm o mesmoconteúdo intrínseco, diferindo apenas quanto ao estado (potência ou ato) e à precedência lógica (apretensão é anterior à ação de direito material), verifica-se o acerto da colocação feita no texto acima.0 Note-se, por oportuno, que, apesar do que sustentam alguns, as referidas súmulas não são, entre si,contraditórias, e sim complementares.

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Não se pretende aqui empreender a tarefa de debater o acerto ou não

desse pensar. Isso implicaria olvido aos estreitos limites desta monografia. Por ora,

basta ressaltar, com Alexy, que a adesão aos standards judiciais, embora não deva ser

irrefletida, “contribui ao mesmo tempo para a certeza jurídica e a proteção da confiança

na tomada de decisão judicial” (ALEXY, 2001, p. 260), principalmente por força das

funções de estabilização, redutora de encargo e heurística da dogmática jurídica0.

Considerando isso, e levando em conta razões de cunho metodológico,

abrir-se-á mão da discussão acerca de seu acerto ou não, tomando-as como premissas

das hipóteses que ora se pretende demonstrar.

Vale ressaltar, por derradeiro, que malgrado versar a jurisprudência

citada sobre causas penais, ela é inteiramente aplicável aos casos de improbidade, até

em face do caráter penal, em sentido amplo, de que as normas administrativas

sancionatórias se revestem.

5.2. COMPETÊNCIA, IMPROBIDADE E GESTÕES MUNICIPAIS

O infortunado desconhecimento, pelos juristas, do Direito Sanitário

nubla as decisões de nossos Tribunais Superiores, ora a apontar em um sentido, ora

em outro. Há precedentes a asseverar ser sempre competente, em sendo discutidos

aspectos ligados ao Sistema Único de Saúde, a Justiça Federal0, coexistindo com

arestos indicando, para a hipótese, as Justiças Estaduais, quer supondo recair o0 A função de estabilização “é realizada pelo fato de que soluções particulares para questões práticaspodem ser retidas e assim reproduzidas quando requerido com a ajuda das proposições dogmáticas”; aredutora de encargo, indispensável ao trabalho decisório dos órgãos judicantes, consiste napossibilidade de adoção, ao menos provisória, itens previamente examinados e aceitos, o que “reduz oencargo do processo justificativo, a ponto de na ausência de alguns motivos especiais, novo exame serdesnecessário”. Já heurística consiste no amparo, fornecido pela dogmática, voltado à solução de“problemas, distinções e pontos de vista, que não ocorreriam prontamente a alguém começar sempre denovo” (ALEXY, 2001, p. 253-257).0 Nesse sentido: “1. Recurso extraordinário. 2. Ação penal. Crime de peculato, em face de desvio, noâmbito estadual, de dotações provenientes do orçamento da União federal, mediante convênio, edestinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamentode crime resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde– SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, IV, da Constituição. 4. Além do interesse inequívoco daUnião Federal, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes, no caso, sãotambém em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos,mas ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5.Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n. 8.080, de 19.09.1990, arts.4o, 31, 32, § 2o, 33 e § 4o. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido, para reconhecer a competênciado Tribunal Regional Federal da 4a Região, pelo envolvimento de ex-Secretário Estadual de Saúde”(STF, Pleno, RE n. 196.982-PR, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 20.02.1997, DJ 27.06.1997, p. 30.247).

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encargo material aos Estados0, quer admitindo, em hipóteses específicas, delegações

para os Municípios0. Esse estado de incerteza, gerado pelo titubeio de nossos

julgadores, contribui, em muito, para o excídio da responsabilização dos ímprobos.

Ab initio, importa verificar que o raciocínio atributivo, em toda e

qualquer situação, de competência à Justiça Federal não se sustenta, porquanto

baseado em premissas equivocadas. Como se viu anteriormente, Estados, Distrito

Federal e Municípios são obrigados a aplicar percentual mínimo de suas receitas nas

ações e serviços de saúde. Ainda que os recursos sejam majoritariamente da União,

não são exclusivamente federais.

Ademais, por haver, em diversas situações, incorporação das verbas

federais ao patrimônio de entidade municipal (o Fundo Municipal de Saúde), será

competente a Justiça Estadual.

Usando como pontos de partidas as Súmulas n. 208 e 209 do Superior

Tribunal de Justiça, as quais delimitam, conforme explanado oportunamente, quando

prepondera o interesse federal, em se tratando de repasse de recursos ao Municípios,

buscar-se-á propor critérios racionalmente fundados, com vistas à estabilização da

tertúlia.

Recorde-se, para tanto, que atualmente existem duas modalidades de

gestão municipal: a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A) e a Gestão

Plena do Sistema Municipal (GPSM)0.

0 “Direito à saúde. ‘Diferença de classe’ sem ônus para o SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS.Artigo 196 da Constituição Federal. Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendoúnica e descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição), cabe, no âmbito dosEstados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente. O direito à saúde, como estáassegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridadesadministrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa àisonomia. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, 1a T., RE n. 261.268-RS, Rel. Min. Moreira Alves,j. 28.08.2001, DJ 05.10.2001, p. 57).0 “PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÜDE. DISTRIBUIÇÃO DEAUTORIZAÇÃO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR. DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO. INTERESSEMUNICIPAL. LEI N. 8.080/90.I – O art. 18 da Lei n. 8.080/90, em seu inciso X, estabeleceu ao Município, na defesa de seu interesse, aatribuição de celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde,bem como controlar e avalia sua execução.II – Delegada ao Município a faculdade para a emissão de autorização de internação hospitalar, não háinteresse em litígio da União Federal, ainda que a administração financeira do Sistema Único de Saúdeseja do Ministério da Saúde.III – Competência da Justiça Estadual” (STJ, 1a Seção, CC n. 31.055-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ29.10.2001, p. 178).0 A Gestão Plena da Atenção Básica, disciplinada na NOB 01/96, ainda vige, em caráter residual, mas,para os fins desta monografia, é idêntica a sua disciplina à da Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada(GPAB-A).

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Para os Municípios habilitados na GPAB-A, a atenção básica é

custeada, como se viu, pelo Fundo Municipal de Saúde, que recebe aportes do Fundo

Nacional e, em algumas hipóteses, do Fundo Estadual, mas os mescla com o

percentual mínimo de suas receitas a ser obrigatoriamente aplicado. Os recursos

federais, assim, são incorporados ao patrimônio do fundo municipal.

Por força da Súmula n. 209/STJ, em ocorrendo ato de improbidade nas

relações internas do SUS Municipal, no tocante à atenção básica, o interesse federal

será meramente indireto, pelo que a competência para o processamento da ação civil

pública em face de ato de improbidade caberá à Justiça Estadual.

Exemplificando: caso um prestador de serviços médicos (incluídos na

gestão básica) falseie dados, a fim de obter remuneração indevida, seu ato de

improbidade apenas reflexamente repercutirá junto ao Fundo Nacional de Saúde.

Percebendo remuneração do fundo municipal, com fiscalização direta do gestor local

do SUS, deverá responder, em face do cometimento de ilícito administrativo tipificado

no art. 9o da Lei n. 8.429/92, perante a Justiça Estadual.

No entanto, em se tratando de serviços hospitalares não inclusos no

PAB, remunerados via Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs), pagas

diretamente pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), gestor financeiro do SUS no âmbito

federal, a competência será da Justiça Federal.

Na hipótese de serem os serviços de alta complexidade ou de alto

custo, cujos créditos são consubstanciados em Autorizações para Procedimentos de

Alta Complexidade/Custo (APACs), pagos pelo Fundo Estadual de Saúde (que recebe

recursos do FNS, aos quais junta os oriundos das receitas do próprio Estado), não

haverá interesse federal direto, imediato, pelo que o processamento de eventual ação

de improbidade competirá à Justiça Estadual.

Em sendo as verbas oriundas de convênio firmado junto ao Fundo

Nacional de Saúde, o Ministério da Saúde ou a Fundação Nacional de Saúde

(FUNASA), para, por exemplo, construir um posto de saúde, há o dever de prestar

contas, administrativamente, a entidade/órgão federal, pelo que, por força da Súmula

n. 208/STJ, em havendo prática de ato de improbidade, deverá ter a ação respectiva

curso na Justiça Federal.

50

O mesmo se verifica, por fim, em se tratando de conduta ímproba,

comissiva ou omissiva, atribuída a gestor do Fundo Municipal de Saúde, há inequívoco

interesse federal subjacente, em face do dever de prestar contas junto ao controle

interno do Poder Executivo e ao Tribunal de Contas da União, quanto aos repasses

recebidos do FNS. Assim, a ação civil pública visando à aplicação das sanções da Lei n.

8.429/92 deverá ser proposta junto à Justiça Federal.

Para os Municípios habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal

(GPSM), nas relações intra-sistêmicas (internas ao SUS Municipal), quer de derivadas

de ações de atenção básica, quer de procedimentos oriundos de serviços hospitalares

(incluindo os de alta complexidade/alto custo), a competência será da Justiça Estadual.

Na GPSM, o gestor municipal responde por todas as unidades

hospitalares, inclusive para efeito de autorização e pagamento. Para tanto, recebe

recursos do FNS, que se incorporam ao do Fundo Municipal. O interesse imediato,

direto, tanto do ponto de vista fiscalizatório, quanto do pecuniário, é municipal.

Relativamente a convênios, porém, eventual ato ímprobo deverá ser

apurado e sancionado pelo Judiciário Federal, justamente por força da necessidade de

prestação de contas junto à esfera federal.

É exatamente isso o que sucede em se tratando das questões alusivas

ao relacionamento do subsistema municipal do SUS com a gestão nacional.

Cometendo o gestor municipal ato subsumível aos arts. 9o, 10 ou 11, da Lei n. 8.429/92,

responderá ele, por força do dever de prestar contas junto ao FNS e ao TCU, a ação de

improbidade que terá curso na Justiça Federal, ex vi da Súmula n. 208/STJ.

51

6. CONCLUSÕES

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em

2000 os dispêndios públicos em saúde nacionais responderam por 40,8% (quarenta

vírgula oito por cento) dos gastos sanitários totais. No cotejo com o restante dos países

americanos, o Brasil figura na antepenúltima posição, atrás, para exemplificar, de El

Salvador, da Guatemala, da Jamaica, do Chile e dos Estados Unidos, e apenas à frente

do Paraguai e da República Dominicana (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD,

2002, p.1). Os recursos estatais são, portanto, parcos e as extremas desigualdades

sociais e regionais aumentam ainda mais a imprescindibilidade de sua correta

aplicação.

O direito constitucional fundamental à saúde, cuja extensão em muito

sobrepuja, até em termos normativos, a mera ausência de doenças, vem, porém, para a

vergonha de toda uma nação, sendo diuturnamente achincalhado, em todos os rincões

de nosso país, por todas as espécies de agentes públicos.

O intrincado aparato organizacional e normativo elaborado a partir das

concepções do movimento de reforma sanitária – o Sistema Único de Saúde (SUS) –

funciona como um mero arremedo do que deveria. Às favas são mandados, sem

esboçar a sociedade qualquer reação concreta, os princípios da universalidade,

integralidade e da participação popular, bem como os constitucionais-administrativos

da impessoalidade, moralidade e eficiência.

Praticamente a totalidade desses casos consiste em atos de

improbidade administrativa. No entanto, a imposição das sanções encontra, na prática,

óbice no titubeio da jurisprudência.

Nunca é demais lembrar que se destina o ordenamento jurídico à

estabilização das expectativas fáticas, a fim de conjurar, o quanto possível, a

instabilidade derivada da incerteza. O valor segurança jurídica, na verdade, não tem

vida própria e destacada do sistema; ao contrário, impregna-o, pois lhe demandam a

presença as cada vez mais complexas relações sociais.

A incidência da Lei de Improbidade Administrativa, na seara da saúde,

pouco tem encontrado respaldo dentre os juristas justamente em razão de não dispor a

imensa maioria deles, infelizmente, de noções rudimentares de Direito Sanitário. Por

52

lacunoso ser o domínio das premissas do raciocínio, o colimado condicionamento

prévio dos atos decisórios, inerente à ciência jurídica, simplesmente inocorre, e os

julgados acabam sendo imprevisíveis.

Sem norte, as instituições muitas vezes não têm noção da integral

extensão do rol de suas atribuições, e, no turbilhão de demandas sociais, acabam por

priorizar outras, de mais fácil solução. Com isso, as punições acabam sendo relegadas

às calendas gregas e os ímprobos ao Olimpo.

Transmutar esse quadro implica aliar um conhecimento ao menos

mediano da estruturação do SUS, com o pleno domínio das variáveis envolvidas.

No que respeita ao SUS Municipal, é imprescindível considerar,

portanto, as especificidades das diversas situações fáticas passíveis de ocorrência,

quer do ponto de vista intra-sistêmico (ou seja, interno ao subsistema local de saúde),

quer mirando as relações do gestor municipal com as instâncias federal e

estadual/distrital.

Isso tudo, todavia, deve ser feito sem descurar que a principal

sistemática de irrigação financeira do SUS – a de repasse fundo a fundo –, importa, em

diversas situações, em incorporação aos patrimônios dos Fundos Municipais de Saúde

dos valores transferidos pela União. Ex vi da Súmula n. 209/STJ, tal fato acarreta o

ajuizamento das ações civis públicas visando à aplicação das sanções nas Justiças

Estaduais. Noutros casos, deverá o pleito ter curso na Justiça Federal comum.

Munidos de critérios estáveis, talvez consigam algum dia os brasileiros

objurgar, ao menos na saúde, o mal já identificado pelo Padre Antônio Vieira, no

Sermão do Bom Ladrão, pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655.

Aquela obra sacra, versando acerca da conjugação do verbo rapio pelos governadores

do Brasil e sobre a cumplicidade real, encerrava-se com seguinte oração, dotada,

apesar do passar dos séculos, de funesta atualidade:

Rei dos Rei, e Senhor dos Senhores, que morrestes entre ladrões para pagar o

furto do primeiro ladrão, e o primeiro a quem prometestes o Paraíso foi outro

ladrão; para que os ladrões e os Reis se salvem, ensinai com vosso exemplo, e

inspirai com vossa graça a todos os Reis, que não elegendo, nem

dissimulando, nem consentindo, nem aumentando ladrões, de tal maneira

impidam os furtos futuros, e façam restituir os passados, que em lugar de os

53

ladrões os levarem consigo, como levam, ao Inferno, levem eles consigo os

ladrões ao Paraíso, como vós fizestes hoje. Hodie mecum eris in Paradiso

(VIEIRA, 2000, p. 413).

Eis o desafio de toda a sociedade: fazer com que os agentes públicos,

ao menos no campo da saúde, não elejam, não dissimulem, não consintam e nem

aumentem as pesarosamente corriqueiras malversações das verbas a tanto custo

extraída dos setores produtivos.

Para tanto, faz-se mister um mínimo de estabilidade e coerência

jurídicas, alçáveis apenas após muitas discussões, doutrinárias e jurisprudenciais.

Serão embates árduos, cujos enfrentamentos, contudo, não mais podem ser

delongados

54

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CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO ‘AGENTES PÚBLICOS’. HOSPITAL

PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO

DELEGADA. 1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não só os

servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente

56

público, insculpido no art. 2o, da Lei n. 8.429/92: “a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica

atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público,

que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública,

superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada que o conceito de

funcionário público contido no Código Penal (art. 327)”. 2. Hospitais e médicos conveniados ao

SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são

sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. 3. Imperioso ressaltar que o âmbito de

cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público

passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese

da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa do ordenamento. 4. Em

conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do ato ímprobo é matéria

fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07, do STJ. 5. Recursos providos, apenas,

para reconhecer a legitimidade passiva dos recorridos para se submeterem às sanções da Lei

de Improbidade Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.

Recorrente: Ministério Público Federal. Recorridos: Rogério Tregnago et al. Relator: Ministro

Luiz Fux. Brasília, 13 de agosto de 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/webstj>.

Acesso em: 14.12.2002.

_______. Superior Tribunal de Justiça. PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA.

SISTEMA ÚNICO DE SAÜDE. DISTRIBUIÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE

INTERNAÇÃO HOSPITALAR. DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO. INTERESSE

MUNICIPAL. LEI N. 8.080/90. I – O art. 18 da Lei n. 8.080/90, em seu inciso X,

estabeleceu ao Município, na defesa de seu interesse, a atribuição de celebrar

contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem

como controlar e avalia sua execução. II – Delegada ao Município a faculdade para a

emissão de autorização de internação hospitalar, não há interesse em litígio da União

Federal, ainda que a administração financeira do Sistema Único de Saúde seja do

Ministério da Saúde. III – Competência da Justiça Estadual. CC n. 31.055-MG.

Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 10 de outubro de 2001. Disponível em:

<http://www.stj.gov.br/webstj>. Acesso em: 14.12.2002.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 208. Compete à Justiça Federal

processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas

perante órgão federal. Brasília, 27 de maio de 1998. Disponível em:

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57

_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 209. Compete à Justiça Estadual

processar e julgar prefeito por desvio de verba incorporada ao patrimônio municipal.

Brasília, 27 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/webstj>. Acesso

em: 01.12.2002.

_______. Supremo Tribunal Federal. 1. Recurso extraordinário. 2. Ação penal. Crime

de peculato, em face de desvio, no âmbito estadual, de dotações provenientes do

orçamento da União federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de

Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamento de crime

resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único

de Saúde – SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, IV, da Constituição. 4. Além

do interesse inequívoco da União Federal, na espécie, em se cogitando de recursos

repassados ao Estado, os crimes, no caso, são também em detrimento de serviços

federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mas ainda a

supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5.

Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n. 8.080, de

19.09.1990, arts. 4o, 31, 32, § 2o, 33 e § 4o. 6. Recurso extraordinário conhecido e

provido, para reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 4a Região,

pelo envolvimento de ex-Secretário Estadual de Saúde. RE n. 196.982-PR. Recorrente:

Ministério Público Federal. Recorridos: Manoel Antonio Almeida Neto et al. Relator:

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para o SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS. Artigo 196 da Constituição Federal.

Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendo única e

descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição), cabe, no

âmbito dos Estados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente. O

direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer

embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de

dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia. Recurso

extraordinário não conhecido. RE n. 261.268-RS. Recorrente: Estado do Rio Grande do

Sul. Recorrido: Fernando José Pires Silveira. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília,

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64

ANEXO A: LEGISLAÇÃO

CONSTITUIÇÃO FEDERAL – EXCERTOS

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia

Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na

ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,

sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA

DO BRASIL.

TÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados

e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem

como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário.

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

65

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.

TÍTULO II

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e

conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas

portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico

e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios

arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de

outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas

formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

66

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das

condições habitacionais e de saneamento básico;

X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo

a integração social dos setores desfavorecidos;

XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e

exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

Parágrafo único - Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União

e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do

desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente

sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

II - orçamento;

III - juntas comerciais;

IV - custas dos serviços forenses;

V - produção e consumo;

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e

dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;

XI - procedimentos em matéria processual;

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

XIII - assistência jurídica e defensoria pública;

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

XV - proteção à infância e à juventude;

XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a

estabelecer normas gerais.

67

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a

competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a

competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da

lei estadual, no que lhe for contrário.

CAPÍTULO VII

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

SEÇÃO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que

preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na

forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia

em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a

natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,

ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre

nomeação e exoneração;

III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável

uma vez, por igual período;

IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele

aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado

com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na

carreira;

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores

ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por

68

servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos

em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei

específica;

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as

pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para

atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39

somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa

privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem

distinção de índices;

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos

públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e

os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos

cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra

natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do

Supremo Tribunal Federal;

XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não

poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;

XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies

remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;

XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão

computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores;

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos

públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste

artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando

houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no

inciso XI:

69

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c) a de dois cargos privativos de médico;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange

autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas

subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder

público;

XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de

suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores

administrativos, na forma da lei;

XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a

instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,

cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de

subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a

participação de qualquer delas em empresa privada;

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,

compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública

que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas

que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da

proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de

qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento

das obrigações.

§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos

públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não

podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal

de autoridades ou servidores públicos.

§ 2º - A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato

e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

§ 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração

pública direta e indireta, regulando especialmente:

70

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,

asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a

avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre

atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de

cargo, emprego ou função na administração pública.

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos

políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento

ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por

qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as

respectivas ações de ressarcimento.

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos

casos de dolo ou culpa.

§ 7º - A lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou

emprego da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações

privilegiadas.

* § 7º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de

1998.

§ 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da

administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser

firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a

fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor

sobre:

I - o prazo de duração do contrato;

II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, e obrigações e

responsabilidade dos dirigentes;

III - a remuneração do pessoal.

71

* § 8º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de

1998.

§ 9º - O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de

economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos

Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de

pessoal ou de custeio em geral.

* § 9º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de

1998.

§ 10º É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes

do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função

pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos

eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e

exoneração.

* §10º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro

de 1998.

Art. 38 - Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no

exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado

de seu cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou

função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários,

perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da

remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a

norma do inciso anterior;

IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato

eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto

para promoção por merecimento;

V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores

serão determinados como se no exercício estivesse.

72

SEÇÃO II

DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de

política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores

designados pelos respectivos Poderes.

§ 1º - A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema

remuneratório observará:

I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos

componentes de cada carreira;

II - os requisitos para a investidura;

III - as peculiaridades dos cargos.

§ 2º - A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a

formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a

participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada,

para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

§ 3º - Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV,

VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei

estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o

exigir.

§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e

os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por

subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,

adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória,

obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

§ 5º - Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá

estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores

públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI.

§ 6º - Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os

valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos.

§ 7º - Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a

aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas

correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento

73

de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento,

modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a

forma de adicional ou prêmio de produtividade.

§ 8º - A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser

fixada nos termos do § 4º.

TÍTULO VIII

DA ORDEM SOCIAL

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÃO GERAL

Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-

estar e a justiça sociais.

CAPÍTULO II

DA SEGURIDADE SOCIAL

SEÇÃO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único - Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a

seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

74

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão

quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos

aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

SEÇÃO II

DA SAÚDE

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao

acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

Art. 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder

Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,

devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por

pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e

hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes

diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos

do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, além de outras fontes.

§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em

ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de

percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista

no § 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos

impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e

75

159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas

aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos

impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e

159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º - Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,

estabelecerá:

I - os percentuais de que trata o § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a

seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das

disparidades regionais;

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde

nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do

sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito

público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins

lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às

instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais

estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de

órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e

tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus

derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos

da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse

para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos,

imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

76

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de

saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de

saneamento básico;

V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e

tecnológico;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor

nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e

utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do

trabalho.

ATO DAS DISPOSIÇÕES

CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e

serviços públicos de saúde serão equivalentes:

I - no caso da União:

a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de

saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por

cento;

b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela

variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que

tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas

que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto

da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que

tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

77

§ 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais

inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o

exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um

quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete

por cento.

§ 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento,

no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em

ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.

§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às

ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma

finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e

fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da

Constituição Federal.

§ 4º - Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do

exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios o disposto neste artigo.

LEI COMPLEMENTAR N. 101, DE 4 DE MAIO DE 2000 – EXCERTOS

Estabelece normas de finanças

públicas voltadas para a responsabilidade

na gestão fiscal e dá outras providências

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei

Complementar:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

78

Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a

responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da

Constituição.

§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e

transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o

equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados

entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a

renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e

outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por

antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

§ 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios.

§ 3º Nas referências:

I - à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão

compreendidos:

a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de

Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;

b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e

empresas estatais dependentes;

II - a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;

III - a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União, Tribunal de

Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tribunal de

Contas do Município.

CAPÍTULO V

DAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a

entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de

cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação

constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

§ 1º São exigências para a realização de transferência voluntária, além das

estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:

79

I - existência de dotação específica;

II - (VETADO);

III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;

IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:

a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e

financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação

de contas de recursos anteriormente dele recebidos;

b) cumprimento dos limites constitucionais relativos a educação e à saúde;

c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de

operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em

Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;

d) previsão orçamentária de contrapartida.

§ 2º É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da

pactuada.

§ 3º Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias

constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de

educação, saúde e assistência social.

CAPÍTULO IX

DA TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO

Seção I

Da Transparência da Gestão Fiscal

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla

divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e

leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio;

o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as

versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à

participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de

elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e

orçamentos.

80

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis,

durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico

responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e

instituições da sociedade.

Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do

Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e

financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da

seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do

impacto fiscal de suas atividades no exercício.

LEI N. 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte lei:

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde,

executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por

pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as

condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

81

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de

políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros

agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e

igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da

sociedade.

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a

alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a

educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de

saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto

no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de

bem-estar físico, mental e social.

TÍTULO II

DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições

públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das

fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais,

estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos,

medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em

caráter complementar.

CAPÍTULO I

Dos Objetivos e Atribuições

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

82

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e

social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e

recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das

atividades preventivas.

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

a) de vigilância sanitária;

b) de vigilância epidemiológica;

c) de saúde do trabalhador; e

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento

básico;

III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;

V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;

VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e

outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;

VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a

saúde;

VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;

IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e

utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;

XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.

§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar,

diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes

do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de

interesse da saúde, abrangendo:

I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a

saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e

II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com

a saúde.

83

§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam

o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores

determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de

recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.

§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de

atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância

sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à

recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e

agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença

profissional e do trabalho;

II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em

estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde

existentes no processo de trabalho;

III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da

normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração,

armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de

máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre

os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os

resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão,

periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do

trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de

trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e

VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a

interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando

houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.

84

CAPÍTULO II

Dos Princípios e Diretrizes

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou

conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de

acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo

ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das

ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada

caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e

moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer

espécie;

V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua

utilização pelo usuário;

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de

recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de

governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento

básico;

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de

assistência à saúde da população;

XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e

85

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para

fins idênticos.

CAPÍTULO III

Da Organização, da Direção e da Gestão

Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS),

seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão

organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade

crescente.

Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do

art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos

seguintes órgãos:

I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde

ou órgão equivalente; e

III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão

equivalente.

Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as

ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.

§ 1º Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção

única, e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância.

§ 2º No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em

distritos de forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a

cobertura total das ações de saúde.

Art. 11. (Vetado).

Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao

Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por

entidades representativas da sociedade civil.

Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e

programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas

no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

86

Art. 13. A articulação das políticas e programas, a cargo das comissões intersetoriais,

abrangerá, em especial, as seguintes atividades:

I - alimentação e nutrição;

II - saneamento e meio ambiente;

III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia;

IV - recursos humanos;

V - ciência e tecnologia; e

VI - saúde do trabalhador.

Art. 14. Deverão ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços

de saúde e as instituições de ensino profissional e superior.

Parágrafo único. Cada uma dessas comissões terá por finalidade propor prioridades,

métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos

do Sistema Único de Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à

pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições.

CAPÍTULO IV

Da Competência e das Atribuições

Seção I

Das Atribuições Comuns

Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu

âmbito administrativo, as seguintes atribuições:

I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das

ações e serviços de saúde;

II - administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à

saúde;

III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das

condições ambientais;

IV - organização e coordenação do sistema de informação de saúde;

V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e

parâmetros de custos que caracterizam a assistência à saúde;

87

VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade para

promoção da saúde do trabalhador;

VII - participação de formulação da política e da execução das ações de saneamento

básico e colaboração na proteção e recuperação do meio ambiente;

VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde;

IX - participação na formulação e na execução da política de formação e

desenvolvimento de recursos humanos para a saúde;

X - elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de

conformidade com o plano de saúde;

XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde,

tendo em vista a sua relevância pública;

XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da saúde,

autorizadas pelo Senado Federal;

XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes

de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a

autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar

bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada

justa indenização;

XIV - implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados;

XV - propor a celebração de convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à

saúde, saneamento e meio ambiente;

XVI - elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da

saúde;

XVII - promover articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e

outras entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos

padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde;

XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde;

XIX - realizar pesquisas e estudos na área de saúde;

XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder

de polícia sanitária;

XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de

atendimento emergencial.

88

Seção II

Da Competência

Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:

I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;

II - participar na formulação e na implementação das políticas:

a) de controle das agressões ao meio ambiente;

b) de saneamento básico; e

c) relativas às condições e aos ambientes de trabalho;

III - definir e coordenar os sistemas:

a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;

b) de rede de laboratórios de saúde pública;

c) de vigilância epidemiológica; e

d) vigilância sanitária;

IV - participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins, de

agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde

humana;

V - participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições

e dos ambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador;

VI - coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;

VII - estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e

fronteiras, podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e

Municípios;

VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade

sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;

IX - promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercício

profissional, bem como com entidades representativas de formação de recursos

humanos na área de saúde;

X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e

produção de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais

órgãos governamentais;

XI - identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o

estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde;

89

XII - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a

saúde;

XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;

XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS)

e os serviços privados contratados de assistência à saúde;

XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios,

dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;

XVI - normatizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue,

Componentes e Derivados;

XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as

competências estaduais e municipais;

XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em

cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal;

XIX - estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e

financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os

Estados, Municípios e Distrito Federal.

Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e

sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à

saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de

Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.

Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:

I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde;

II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de

Saúde (SUS);

III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações

e serviços de saúde;

IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços:

a) de vigilância epidemiológica;

b) de vigilância sanitária;

c) de alimentação e nutrição; e

d) de saúde do trabalhador;

90

V - participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente

que tenham repercussão na saúde humana;

VI - participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico;

VII - participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de

trabalho;

VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de

insumos e equipamentos para a saúde;

IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos

de alta complexidade, de referência estadual e regional;

X - coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, e gerir

as unidades que permaneçam em sua organização administrativa;

XI - estabelecer normas, em caráter suplementar, para o controle e avaliação das ações

e serviços de saúde;

XII - formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de

procedimentos de controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo

humano;

XIII - colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e

fronteiras;

XIV - o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e

mortalidade no âmbito da unidade federada.

Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e

executar os serviços públicos de saúde;

II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e

hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção

estadual;

III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e

aos ambientes de trabalho;

IV - executar serviços:

a) de vigilância epidemiológica;

b) vigilância sanitária;

c) de alimentação e nutrição;

d) de saneamento básico; e

91

e) de saúde do trabalhador;

V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a

saúde;

VI - colaborar na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham

repercussão sobre a saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e

federais competentes, para controlá-las;

VII - formar consórcios administrativos intermunicipais;

VIII - gerir laboratórios públicos de saúde e hemocentros;

IX - colaborar com a União e os Estados na execução da vigilância sanitária de portos,

aeroportos e fronteiras;

X - observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com

entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar

sua execução;

XI - controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde;

XII - normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu

âmbito de atuação.

Art. 19. Ao Distrito Federal competem as atribuições reservadas aos Estados e aos

Municípios.

CAPÍTULO V

DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA

Art 19 - A. As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações

indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao

disposto nesta Lei.

Art 19 - B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do

Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei nº 8.142, de

28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração.

Art 19 -C. Caberá à União, com seus recurso próprios, financiar o Subsistema de

Atenção à Saúde Indígena.

Art 19 - D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com

os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País.

92

Art 19 - E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-

governamentais poderão atuar complementarmente no custeiro e execução das ações.

Art 19 - F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as

especificidade da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção

à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global,

contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição,

habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração

institucional.

Art 19 - G. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como o SUS,

descentralizado, hierarquizado e regionalizado.

§ 1º O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os Distritos

Sanitários Especiais Indígenas.

§ 2º O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde

Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS

nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o

atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminações.

§ 3º As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em âmbito local,

regional e de centros especializados, de acordo com suas necessidades,

compreendendo a atenção primária, secundária e terciária à saúde.

Art 19 - H. As populações indígenas terão direto a participar dos organismos

colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais

como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde,

quando for o caso.

CAPÍTULO VI

DO SUBSISTEMA DE ATENDIMENTO E INTERNAÇÃO DOMICILIAR

Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento

domiciliar e a internação domiciliar.

§ 1º Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-

se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos,

psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos

pacientes em seu domicílio.

93

§ 2º O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes

multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e

reabilitadora.

§ 3º O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação

médica, com expressa concordância do paciente e de sua família.

TÍTULO III

DOS SERVIÇOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

CAPÍTULO I

Do Funcionamento

Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por

iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas

jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.

Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os

princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de

Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento.

Art. 23. É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais

estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos

internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de

cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.

§ 1° Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do

Sistema Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem

desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados.

§ 2° Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, em

finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e

dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.

94

CAPÍTULO II

Da Participação Complementar

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura

assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS)

poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada

mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins

lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de

cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de

Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.

§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da

remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde

(SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que

garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.

§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e

aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio

econômico e financeiro do contrato.

§ 3° (Vetado).

§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços

contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema

Único de Saúde (SUS).

TÍTULO IV

DOS RECURSOS HUMANOS

Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada,

articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes

objetivos:

95

I - organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de

ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente

aperfeiçoamento de pessoal;

II - (Vetado)

III - (Vetado)

IV - valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde

(SUS).

Parágrafo único. Os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS)

constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas específicas,

elaboradas conjuntamente com o sistema educacional.

Art. 28. Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do

Sistema Único de Saúde (SUS), só poderão ser exercidas em regime de tempo integral.

§ 1° Os servidores que legalmente acumulam dois cargos ou empregos poderão

exercer suas atividades em mais de um estabelecimento do Sistema Único de Saúde

(SUS).

§ 2° O disposto no parágrafo anterior aplica-se também aos servidores em regime de

tempo integral, com exceção dos ocupantes de cargos ou função de chefia, direção ou

assessoramento.

Art. 29. (Vetado).

Art. 30. As especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão serão

regulamentadas por Comissão Nacional, instituída de acordo com o art. 12 desta Lei,

garantida a participação das entidades profissionais correspondentes.

TÍTULO V

DO FINANCIAMENTO

CAPÍTULO I

Dos Recursos

Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS)

de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas

finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a

96

participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista

as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Art. 32. São considerados de outras fontes os recursos provenientes de:

I - (Vetado)

II - Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde;

III - ajuda, contribuições, doações e donativos;

IV - alienações patrimoniais e rendimentos de capital;

V - taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema

Único de Saúde (SUS); e

VI - rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais.

§ 1° Ao Sistema Único de Saúde (SUS) caberá metade da receita de que trata o inciso I

deste artigo, apurada mensalmente, a qual será destinada à recuperação de viciados.

§ 2° As receitas geradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) serão creditadas

diretamente em contas especiais, movimentadas pela sua direção, na esfera de poder

onde forem arrecadadas.

§ 3º As ações de saneamento que venham a ser executadas supletivamente pelo

Sistema Único de Saúde (SUS), serão financiadas por recursos tarifários específicos e

outros da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e, em particular, do Sistema

Financeiro da Habitação (SFH).

§ 4º (Vetado).

§ 5º As atividades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde

serão co-financiadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelas universidades e pelo

orçamento fiscal, além de recursos de instituições de fomento e financiamento ou de

origem externa e receita própria das instituições executoras.

§ 6º (Vetado).

CAPÍTULO II

Da Gestão Financeira

97

Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados

em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização

dos respectivos Conselhos de Saúde.

§ 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da

Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão

administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde.

§ 2º (Vetado).

§ 3º (Vetado).

§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a

conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a

Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos

recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei.

Art. 34. As autoridades responsáveis pela distribuição da receita efetivamente

arrecadada transferirão automaticamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS),

observado o critério do parágrafo único deste artigo, os recursos financeiros

correspondentes às dotações consignadas no Orçamento da Seguridade Social, a

projetos e atividades a serem executados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Parágrafo único. Na distribuição dos recursos financeiros da Seguridade Social será

observada a mesma proporção da despesa prevista de cada área, no Orçamento da

Seguridade Social.

Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito

Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo

análise técnica de programas e projetos:

I - perfil demográfico da região;

II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;

III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;

IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;

V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais;

VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;

VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de

governo.

98

§ 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo

o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de

qualquer procedimento prévio.

§ 2º Nos casos de Estados e Municípios sujeitos a notório processo de migração, os

critérios demográficos mencionados nesta lei serão ponderados por outros indicadores

de crescimento populacional, em especial o número de eleitores registrados.

§ 3º (Vetado).

§ 4º (Vetado).

§ 5º (Vetado).

§ 6º O disposto no parágrafo anterior não prejudica a atuação dos órgãos de controle

interno e externo e nem a aplicação de penalidades previstas em lei, em caso de

irregularidades verificadas na gestão dos recursos transferidos.

CAPÍTULO III

Do Planejamento e do Orçamento

Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS)

será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos,

compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de

recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da

União.

§ 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de

direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na

respectiva proposta orçamentária.

§ 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas

nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na

área de saúde.

Art. 37. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas

na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e

da organização dos serviços em cada jurisdição administrativa.

Art. 38. Não será permitida a destinação de subvenções e auxílios a instituições

prestadoras de serviços de saúde com finalidade lucrativa.

99

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 39. (Vetado).

§ 1º (Vetado).

§ 2º (Vetado).

§ 3º (Vetado).

§ 4º (Vetado).

§ 5º A cessão de uso dos imóveis de propriedade do Inamps para órgãos integrantes

do Sistema Único de Saúde (SUS) será feita de modo a preservá-los como patrimônio

da Seguridade Social.

§ 6º Os imóveis de que trata o parágrafo anterior serão inventariados com todos os

seus acessórios, equipamentos e outros bens móveis e ficarão disponíveis para

utilização pelo órgão de direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) ou,

eventualmente, pelo estadual, em cuja circunscrição administrativa se encontrem,

mediante simples termo de recebimento.

§ 7º (Vetado).

§ 8º O acesso aos serviços de informática e bases de dados, mantidos pelo Ministério

da Saúde e pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, será assegurado às

Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde ou órgãos congêneres, como suporte ao

processo de gestão, de forma a permitir a gerência informatizada das contas e a

disseminação de estatísticas sanitárias e epidemiológicas médico-hospitalares.

Art 40. (Vetado).

Art. 41. As ações desenvolvidas pela Fundação das Pioneiras Sociais e pelo Instituto

Nacional do Câncer, supervisionadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde

(SUS), permanecerão como referencial de prestação de serviços, formação de recursos

humanos e para transferência de tecnologia.

Art. 42. (Vetado).

Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços

públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios

estabelecidos com as entidades privadas.

Art. 44. (Vetado).

100

Art. 45. Os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao

Sistema Único de Saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia

administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino,

pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados.

§ 1º Os serviços de saúde de sistemas estaduais e municipais de previdência social

deverão integrar-se à direção correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS),

conforme seu âmbito de atuação, bem como quaisquer outros órgãos e serviços de

saúde.

§ 2º Em tempo de paz e havendo interesse recíproco, os serviços de saúde das Forças

Armadas poderão integrar-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme se dispuser

em convênio que, para esse fim, for firmado.

Art. 46. o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecerá mecanismos de incentivos à

participação do setor privado no investimento em ciência e tecnologia e estimulará a

transferência de tecnologia das universidades e institutos de pesquisa aos serviços de

saúde nos Estados, Distrito Federal e Municípios, e às empresas nacionais.

Art. 47. O Ministério da Saúde, em articulação com os níveis estaduais e municipais do

Sistema Único de Saúde (SUS), organizará, no prazo de dois anos, um sistema

nacional de informações em saúde, integrado em todo o território nacional, abrangendo

questões epidemiológicas e de prestação de serviços.

Art. 48. (Vetado).

Art. 49. (Vetado).

Art. 50. Os convênios entre a União, os Estados e os Municípios, celebrados para

implantação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, ficarão rescindidos

à proporção que seu objeto for sendo absorvido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 51. (Vetado).

Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular

de verbas ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos

financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas

nesta lei.

Art. 53. (Vetado).

Art. 54. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 55. São revogadas a Lei nº. 2.312, de 3 de setembro de 1954, a Lei nº. 6.229, de 17

de julho de 1975, e demais disposições em contrário.

101

Brasília, 19 de setembro de 1990; 169º da Independência e 102º da República.

FERNANDO COLLOR

Alceni Guerra

LEI N. 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990

Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde

(SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na

área da saúde e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte lei:

Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro

de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder

Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:

I - a Conferência de Saúde; e

II - o Conselho de Saúde.

1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos

vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a

formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder

Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.

2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado

composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de

saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da

política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e

financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente

constituído em cada esfera do governo.

3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de

Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho

Nacional de Saúde.

102

4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será

paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos.

5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e

normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo

conselho.

Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados como:

I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades,

da administração direta e indireta;

II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e

aprovados pelo Congresso Nacional;

III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério da Saúde;

IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios,

Estados e Distrito Federal.

Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a

investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e

às demais ações de saúde.

Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma

regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os

critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.

1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei

n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse de recursos,

exclusivamente o critério estabelecido no § 1° do mesmo artigo.

2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento,

aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados.

3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de

saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2°

desta lei.

Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os

Estados e o Distrito Federal deverão contar com:

I - Fundo de Saúde;

II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438,

de 7 de agosto de 1990;

III - plano de saúde;

103

IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n°

8.080, de 19 de setembro de 1990;

V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;

VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto

o prazo de dois anos para sua implantação.

Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo

Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os

recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela

União.

Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a

estabelecer condições para aplicação desta lei.

Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 28 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.

FERNANDO COLLOR

Alceni Guerra

LEI N. 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992

Dispõe sobre as sanções

aplicáveis aos agentes públicos nos

casos de enriquecimento ilícito no

exercício de mandato, cargo, emprego ou

função na administração pública direta,

indireta ou fundacional e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

CAPÍTULO I

104

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1° - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou

não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa

incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário

haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da

receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único - Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de

improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,

benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas

para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de

cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos,

a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres

públicos.

Art. 2° - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,

ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,

emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3° - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não

sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele

se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 4° - Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela

estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e

publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Art. 5° - Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa,

do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

Art. 6° - No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro

beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

Art. 7° - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar

enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito

representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

105

Parágrafo único - A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá

sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo

patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 8° - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer

ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

CAPÍTULO II

DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Seção I

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito

Art. 9° - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito

auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,

mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei,

e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer

outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,

percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou

indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente

das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,

permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços

pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,

permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente

estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos

ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer

das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de

servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para

tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico,

106

de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar

promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para

fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou

qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou

característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades

mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego

ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à

evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou

assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível

de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições

do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de

verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou

indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja

obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou

valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°

desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do

acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Seção II

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário

Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário

qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,

apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades

referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

107

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio

particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores

integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta

lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,

rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades

mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou

regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda

que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do

patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem

observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do

patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a

prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por

preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e

regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das

formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou

regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que

diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou

influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,

equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à

disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem

108

como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por

essas entidades.

Seção III

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da

Administração Pública

Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da

administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,

imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele

previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e

que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da

respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de

afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

CAPÍTULO III

DAS PENAS

Art. 12 - Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na

legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes

cominações:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao

patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função

pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de

multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

109

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou

valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,

perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,

pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da

função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,

pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida

pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios

ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três

anos.

Parágrafo único - Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a

extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

CAPÍTULO IV

DA DECLARAÇÃO DE BENS

Art. 13 - A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação

de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser

arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1° - A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos,

ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País

ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do

cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a

dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de

uso doméstico.

§ 2º - A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente

público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

110

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo

de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração

dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º - O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de

bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação

do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias

atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo .

CAPÍTULO V

DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DO PROCESSO JUDICIAL

Art. 14 - Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente

para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de

improbidade.

§ 1º - A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a

qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a

indicação das provas de que tenha conhecimento.

§ 2º - A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho

fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste

artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do

art. 22 desta lei.

§ 3º - Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a

imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será

processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de

dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os

respectivos regulamentos disciplinares.

Art. 15 - A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao

Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para

apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único - O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá,

a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento

administrativo.

111

Art. 16 - Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao

Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a

decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido

ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º - O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts.

822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° - Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de

bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no

exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Art. 17 - A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério

Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da

medida cautelar.

§ 1º - É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

§ 2º - A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à

complementação do ressarcimento do patrimônio público.

§ 3º - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-

se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de

1965.

§ 4º - O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará

obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

§ 5º - A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações

posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo

objeto.

§ 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios

suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da

impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a

legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de

Processo Civil.

§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a

notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser

instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

112

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão

fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de

improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.

§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de

improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos

por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal.

Art. 18 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar

a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos

bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES PENAIS

Art. 19 - Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público

ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

Parágrafo único - Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o

denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.

Art. 20 - A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam

com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único - A autoridade judicial ou administrativa competente poderá

determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou

função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à

instrução processual.

Art. 21 - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo

Tribunal ou Conselho de Contas.

Art. 22 - Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a

requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de

113

acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial

ou procedimento administrativo.

CAPÍTULO VII

DA PRESCRIÇÃO

Art. 23 - As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser

propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em

comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas

disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de

exercício de cargo efetivo ou emprego.

CAPÍTULO VIII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 24 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25 - Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de

dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

FERNANDO COLLOR

Célio Borja

LEI N. 8.443, DE 16 DE JULHO DE 1992 – EXCERTOS

Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

114

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO I

Natureza, Competência e Jurisdição

CAPÍTULO I

Natureza e Competência

Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos

termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:

I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e

valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração

indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público

federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra

irregularidade de que resulte dano ao erário;

II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas

Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das entidades

referidas no inciso anterior;

III - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos

termos do art. 36 desta lei;

IV - acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas

no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de

demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;

V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a

legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta

e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal,

excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das

concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias

posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;

VI - efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos

fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição

Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;

115

VII - emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio sobre

as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar de seu

recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;

VIII - representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados,

indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de

Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

IX - aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;

X - elaborar e alterar seu regimento interno;

XI - eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;

XII - conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e

membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta

médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;

XIII - propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros, auditores

e membros do Ministério Público junto ao Tribunal;

XIV - organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e prover-

lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente;

XV - propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos,

empregos e funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da

respectiva remuneração;

XVI - decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido

político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;

XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a

respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares

concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento

interno.

1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá

sobre a legalidade, de legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e das

despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia

de receitas.

2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter

normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.

3° Será parte essencial das decisões do Tribunal ou de suas Câmaras:

116

I - o relatório do Ministro-Relator, de que constarão as conclusões da instrução (do

relatório da equipe de auditoria ou do técnico responsável pela análise do processo,

bem como do parecer das chefias imediatas, da unidade técnica), e do Ministério

Público junto ao Tribunal;

II - fundamentação com que o Ministro-Relator analisará as questões de fato e de

direito;

III - dispositivo com que o Ministro-Relator decidirá sobre o mérito do processo.

CAPÍTULO II

Jurisdição

Art 4° O Tribunal de Contas da União tem jurisdição própria e privativa, em todo o

território nacional, sobre as pessoas e matérias sujeitas à sua competência.

Art 5° A jurisdição do Tribunal abrange:

I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta

lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores

públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta assuma obrigações

de natureza pecuniária;

II - aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte

dano ao erário;

III - os dirigentes ou liquidantes das empresas encampadas ou sob intervenção ou que

de qualquer modo venham a integrar, provisória ou permanentemente, o patrimônio da

União ou de outra entidade pública federal;

IV - os responsáveis pelas contas nacionais das empresas supranacionais de cujo

capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado

constitutivo.

V - os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado

que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou

social;

VI - todos aqueles que lhe devam prestar contas ou cujos atos estejam sujeitos à sua

fiscalização por expressa disposição de lei;

117

VII - os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União,

mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao

Distrito Federal ou a Município;

VIII - os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo,

até o limite do valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da

Constituição Federal;

IX - os representantes da União ou do Poder Público na assembléia geral das

empresas estatais e sociedades anônimas de cujo capital a União ou o Poder Público

participem, solidariamente, com os membros dos conselhos fiscal e de administração,

pela prática de atos de gestão ruinosa ou liberalidade à custa das respectivas

sociedades.

TÍTULO II

Julgamento e Fiscalização

CAPÍTULO I

Julgamento de Contas

SEÇÃO I

Tomada e Prestação de Contas

Art. 6° Estão sujeitas à tomada de contas e, ressalvado o disposto no inciso XXXV do

art. 5° da Constituição Federal, só por decisão do Tribunal de Contas da União podem

ser liberadas dessa responsabilidade as pessoas indicadas nos incisos I a VI do art. 5°

desta lei.

Art. 7° As contas dos administradores e responsáveis a que se refere o artigo anterior

serão anualmente submetidas a julgamento do Tribunal, sob forma de tomada ou

prestação de contas, organizadas de acordo com normas estabelecidas em instrução

normativa.

Parágrafo único. Nas tomadas ou prestações de contas a que alude este artigo devem

ser incluídos todos os recursos, orçamentários e extra-orçamentários, geridos ou não

pela unidade ou entidade.

118

Art. 8° Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da

aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art.

5° desta lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores

públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que

resulte dano ao erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de

responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à

instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos

responsáveis e quantificação do dano.

§ 1° Não atendido o disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a

instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa

decisão.

§ 2° A tomada de contas especial prevista no caput deste artigo e em seu § 1° será,

desde logo, encaminhada ao Tribunal de Contas da União para julgamento, se o dano

causado ao erário for de valor igual ou superior à quantia para esse efeito fixada pelo

Tribunal em cada ano civil, na forma estabelecida no seu regimento interno.

§ 3° Se o dano for de valor inferior à quantia referida no parágrafo anterior, a tomada

de contas especial será anexada ao processo da respectiva tomada ou prestação de

contas anual do administrador ou ordenador de despesa, para julgamento em conjunto.

Art. 9° Integrarão a tomada ou prestação de contas, inclusive a tomada de contas

especial, durante outros elementos estabelecidos no regimento interno, os seguintes:

I - relatório de gestão;

II - relatório do tomador de contas, quando couber;

III - relatório e certificado de auditoria, com o parecer do dirigente do órgão de controle

interno, que consignará qualquer irregularidade ou ilegalidade constatada, indicando

as medidas adotadas para corrigir as faltas encontradas;

IV - pronunciamento do Ministro de Estado supervisor da área ou da autoridade de

nível hierárquico equivalente, na forma do art. 52 desta lei.

SEÇÃO II

Decisões em Processo de Tomada ou Prestação de Contas

Art. 10. A decisão em processo de tomada ou prestação de contas pode ser preliminar,

definitiva ou terminativa.

119

§ 1° Preliminar é a decisão pela qual o Relator ou o Tribunal, antes de pronunciar-se

quanto ao mérito das contas, resolve sobrestar o julgamento, ordenar a citação ou a

audiência dos responsáveis ou, ainda, determinar outras diligências necessárias ao

saneamento do processo.

§ 2° Definitiva é a decisão pela qual o Tribunal julga as contas regulares, regulares com

ressalva, ou irregulares.

§ 3° Terminativa é a decisão pela qual o Tribunal ordena o trancamento das contas que

forem consideradas iliquidáveis, nos termos dos arts. 20 e 21 desta lei.

Art. 11. O Relator presidirá a instrução do processo, determinando, mediante despacho

singular, de ofício ou por provocação do órgão de instrução ou do Ministério Público

junto ao Tribunal, o sobrestamento do julgamento, a citação ou a audiência dos

responsáveis, ou outras providências consideradas necessárias ao saneamento dos

autos, fixando prazo, na forma estabelecida no regimento interno, para o atendimento

das diligências, após o que submeterá o feito ao Plenário ou à Câmara respectiva para

decisão de mérito.

Art. 12. Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal:

I - definirá a responsabilidade individual ou solidária pelo ato de gestão inquinado;

II - se houver débito, ordenará a citação do responsável para, no prazo estabelecido no

regimento interno, apresentar defesa ou recolher a quantia devida,

III - se não houver débito, determinará a audiência do responsável para, no prazo

estabelecido no regimento interno, apresentar razões de justificativa; não resulte dano

ao erário;

IV - adotará outras medidas cabíveis.

1° O responsável cuja defesa for rejeitada pelo Tribunal será cientificado para, em novo

e improrrogável prazo estabelecido no regimento interno, recolher a importância

devida.

2° Reconhecida pelo Tribunal a boa-fé, a liquidação tempestiva do débito atualizado

monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade

nas contas.

3° O responsável que não atender à citação ou à audiência será considerado revel pelo

Tribunal, para todos os efeitos, dando-se prosseguimento ao processo.

Art. 13. A decisão preliminar a que se refere ao art. 11 desta Lei poderá, a critério do

Relator, ser publicada no Diário Oficial da União.

120

Art. 14. O Tribunal julgará as tomadas ou prestações de contas até o término do

exercício seguinte àquele em que estas lhes tiverem sido apresentadas.

Art. 15. Ao julgar as contas, o Tribunal decidirá se estas são regulares, regulares com

ressalva, ou irregulares.

Art. 16. As contas serão julgadas:

I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos

demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de

gestão do responsável;

II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra

falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou

regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou

patrimonial;

c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;

d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no

descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em

processo de tomada ou prestarão de contas.

2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar

irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular, e

b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de

qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.

3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal

providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério

Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.

SUBSEÇÃO I

Contas Regulares

121

Art. 17. Quando julgar as contas regulares, o Tribunal dará quitação plena ao

responsável.

SUBSEÇÃO II

Contas Regulares com Ressalva

Art. 18. Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal dará quitação ao

responsável e lhe determinará, ou a quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas

necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas, de modo a prevenir

a ocorrência de outras semelhantes.

SUBSEÇÃO III

Contas Irregulares

Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o

responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros

de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta lei,

sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a

respectiva ação de execução.

Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências

previstas nas alíneas a , b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao

responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta lei.

SUBSEÇÃO IV

Contas Iliquidáveis

Art. 20. As contas serão consideradas iliquidáveis quando caso fortuito ou de força

maior, comprovadamente alheio à vontade do responsável, tornar materialmente

impossível o julgamento de mérito a que se refere o art. 16 desta lei.

Art. 21. O Tribunal ordenará o trancamento das contas que forem consideradas

iliquidáveis e o conseqüente arquivamento do processo.

§ 1° Dentro do prazo de cinco anos contados da publicação da decisão terminativa no

Diário Oficial da União, o Tribunal poderá, à vista de novos elementos que considere

122

suficientes, autorizar o desarquivamento do processo e determinar que se ultime a

respectiva tomada ou prestação de contas.

§ 2º Transcorrido o prazo referido no parágrafo anterior sem que tenha havido nova

decisão, as contas serão consideradas encerradas, com baixa na responsabilidade do

administrador.

DECRETO N. 3.964, DE 10 DE OUTUBRO DE 2001

Dispõe sobre o Fundo Nacional de Saúde e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art.

84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no

8.080, de 19 de setembro de 1990, na Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e na Lei

no 9.656, de 3 de junho de 1998,

DECRETA:

Art. 1o O Fundo Nacional de Saúde - FNS, instituído pelo Decreto no 64.867, de 24

de julho de 1969, reorganizado pelo Decreto no 806, de 24 de abril de 1993, e

reestruturado pelo Decreto no 3.774, de 15 de março de 2001, é organizado de acordo

com as diretrizes e objetivos do Sistema Único de Saúde - SUS, nos termos deste

Decreto.

Art. 2o Constituem recursos do FNS:

I - os consignados, a seu favor, no Orçamento da Seguridade Social, de acordo

com o disposto no art. 34 da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para o

atendimento das despesas e transferências referidas no art. 2o da Lei no 8.142, de 28

de dezembro de 1990;

II - os consignados, a seu favor, no Orçamento Fiscal da União;

III - os decorrentes de créditos adicionais;

IV - os provenientes de dotações de organismos internacionais vinculados à

Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica, de

financiamento e de empréstimo;

123

V - os provenientes do seguro obrigatório de danos pessoais causados por

veículos automotores de vias terrestres, de que trata o parágrafo único do art. 27 da

Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;

VI - os resultantes de aplicação financeira na forma da legislação vigente;

VII - os decorrentes de ressarcimento de recursos realizados por pessoas físicas e

jurídicas originários da prestação de contas, do acompanhamento ou das ações de

auditorias previstas no § 4o do art. 33 da Lei no 8.080, de 1990;

VIII - as receitas provenientes de parcelamentos de débitos apurados em

prestação de contas de convênios, ou derivadas do acompanhamento, de auditorias e

de financiamentos relacionados com as ações e os serviços de saúde;

IX - os créditos provenientes dos agentes ou das entidades integrantes do SUS,

bem como aqueles resultantes de transações financeiras e comerciais;

X - as receitas provenientes do ressarcimento previsto no art. 32 da Lei no 9.656,

de 3 de junho de 1998;

XI - os obtidos por intermédio de operações de crédito;

XII - as receitas provenientes da execução de seus créditos;

XIII - os saldos positivos apurados em balanço transferidos para o exercício

seguinte;

XIV - as rendas e receitas eventuais que lhe venham a ser destinadas; e

XV - os de outras fontes, de acordo com o art. 32 da Lei no 8.080, de 1990.

Art. 3o Os recursos do FNS, observado o disposto no art. 2o da Lei no 8.142, de

1990, destinam-se a prover:

I - despesas correntes e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e suas

entidades, da administração direta e indireta, integrantes do SUS;

II - transferências para a cobertura de ações e serviços de saúde destinadas a

investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial e hospitalar e às demais

ações de saúde do SUS a serem executados de forma descentralizada pelos Estados,

pelo Distrito Federal e pelos Municípios;

III - financiamentos destinados à melhoria da capacidade instalada de unidades e

serviços de saúde do SUS;

IV - investimentos previstos no plano plurianual do Ministério da Saúde e na Lei

Orçamentária Anual;

V - outras despesas autorizadas pela Lei Orçamentária Anual.

124

Art. 4o A administração dos recursos do FNS é exercida pelo seu Diretor-

Executivo, sob a orientação e supervisão direta do Secretário-Executivo do Ministério

da Saúde.

Art. 5o Ao Diretor-Executivo do FNS compete:

I - planejar, coordenar, orientar e supervisionar a execução das atividades da

Diretoria-Executiva do FNS, inclusive das unidades de convênios e gestão do

Ministério da Saúde nas unidades federadas;

II - ordenar o desenvolvimento das ações da Diretoria-Executiva do FNS,

mediante a expedição de atos;

III - com vistas à destinação de recursos para aplicação em ações e serviços de

saúde vinculados ao SUS, movimentar as contas do FNS para:

a) despesas correntes e de capital da administração direta e indireta do Ministério

da Saúde por meio de repasses financeiros, na forma prevista no art. 2o da Lei no

8.142, de 1990; e

b) despesas correntes e de capital de outras entidades públicas federais, por meio

de portaria ou instrumento similar, para aplicação em ações e serviços de saúde

vinculados ao SUS;

IV - praticar os atos de gestão orçamentária e financeira e contábil relativos ao

orçamento do FNS;

V - exercer a prerrogativa de ordenador de despesas da unidade gestora do FNS

e, por subdelegação de competência, das demais unidades gestoras;

VI - zelar, no que lhe couber, pela regularidade e exatidão das transferências de

recursos do FNS para os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e para outras

entidades e profissionais conveniados, credenciados ou contratados junto ao SUS;

VII - fornecer às autoridades do SUS nas três esferas de governo e aos

Conselhos de Saúde os elementos e as informações que lhe forem requeridos, além de

criar mecanismos para disponibilizar informações para toda a sociedade, relativos aos

custeios, investimentos e financiamentos de programas e projetos do Ministério da

Saúde;

VIII - apresentar, trimestralmente, à Subsecretaria de Planejamento e Orçamento

do Ministério da Saúde, proposta de programação financeira destinada a atender o

disposto no art. 3o deste Decreto;

125

IX - elaborar e apresentar relatórios, balancetes, balanços e prestações de contas

aos órgãos de controle interno e externo, nos termos da legislação pertinente;

X - conceder, na fase administrativa, os parcelamentos de débitos;

XI - conceder os financiamentos de que trata o inciso III do art. 3o deste Decreto; e

XII - praticar outros atos relativos à gestão orçamentária, financeira e contábil

previstos em legislação específica.

Art. 6o A gestão dos recursos do FNS observará o Plano Nacional de Saúde e o

Plano Plurianual do Ministério da Saúde, nos termos das leis definidoras dos

orçamentos anuais, das diretrizes orçamentárias e dos planos plurianuais.

Art. 7o Ao FNS incumbe a provisão de recursos aos entes administrativos do

Ministério da Saúde encarregados da execução e implementação das atribuições e

competências relacionadas nos arts. 15 e 16 da Lei no 8.080, de 1990.

Art. 8o Sem prejuízo das competências dos órgãos de controle externo e interno e

do Sistema Nacional de Auditoria do SUS, no âmbito federal, o FNS procederá ao

acompanhamento, ao controle e à avaliação de todos os recursos a ele alocados,

considerando os seus aspectos técnicos-científicos, contábeis, financeiros e

patrimoniais.

Art. 9o O FNS, como unidade de orçamento, finanças e contábil do SUS, integra

os órgãos setoriais de que trata o inciso II do art. 4o da Lei no 10.180, de 6 de fevereiro

de 2001.

Parágrafo único. Aplica-se ao FNS o disposto no art. 6o da Lei no 10.180, de 2001.

Art. 10. O FNS, como unidade de acompanhamento, fiscalização, controle e

avaliação dos recursos transferidos ao SUS, integra o Sistema Nacional de Controle e

Avaliação do Ministério da Saúde.

Art. 11. O regimento interno do FNS será elaborado pelo Diretor-Executivo e

submetido à Secretaria-Executiva para aprovação do Ministro de Estado da Saúde.

Art. 12. O Ministro de Estado da Saúde promoverá, junto aos Ministérios

responsáveis pela arrecadação e distribuição da receita da Seguridade Social e no

âmbito do Ministério da Saúde, as medidas necessárias para a efetiva e pronta

transferência ao FNS dos recursos que lhes são destinados.

Art. 13. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 14. Fica revogado o Decreto no 806, de 24 de abril de 1993.

Brasília, 10 de outubro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.

126

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Serra

PORTARIA N. 373/GM DE 27 DE FEVEREIRO DE 2002 (NOAS-SUS 01/2002)

O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, e

Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde de universalidade do acesso e

de integralidade da atenção;

Considerando o disposto no Artigo 198 da Constituição Federal de 1998, que

estabelece que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada

e hierarquizada e constituem um sistema único;

Considerando a necessidade de dar continuidade ao processo de descentralização e

organização do Sistema Único de Saúde – SUS, fortalecido com a implementação da

Norma Operacional Básica – SUS 01/96, de 5 de novembro de 1996; e Considerando as

contribuições do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS e Conselho

Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS, seguidas da aprovação

da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Conselho Nacional de Saúde – CNS, em 7

de dezembro de 2001;

Considerando o contínuo movimento de pactuação entre os três níveis de gestão,

visando o aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde, resolve:

Art. 1.º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, a Norma Operacional da

Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2002 que amplia as responsabilidades dos

municípios na Atenção Básica; estabelece o processo de regionalização como

estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior eqüidade; cria

mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de

Saúde e procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios.

Art. 2.º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, cessando os efeitos da

Portaria GM/MS n.° 95, de 26 de janeiro de 2001, publicada no Diário Oficial n.° 20-E,

de 29 de janeiro de 2001, Seção 1.

Barjas Negri

127

NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE/SUS – NOAS-SUS 01/02

INTRODUÇÃO

A presente Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/2002 – NOAS-SUS 01/02

resulta do contínuo movimento de pactuação entre os três níveis de gestão, visando o

aprimoramento do Sistema Único de Saúde.

A partir da publicação da NOAS-SUS 01/01, em 26 de janeiro de 2001, o Ministério da

Saúde, as Secretarias Estaduais de Saúde, através do CONASS, e as Secretarias

Municipais de Saúde, através do CONASEMS, desencadearam diversas atividades de

planejamento e de adequação de seus modelos assistenciais e de gestão aos preceitos

estabelecidos, ponderando criticamente os avanços e os desafios que novas diretrizes

organizativas trariam para sua realidade concreta.

Durante este percurso, em algumas unidades da federação foram identificados

entraves na operacionalização de determinados itens, decorrentes das dificuldades

para estabelecer o comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e

assegurar a totalidade da gestão municipal nas sedes dos módulos assistenciais, bem

como da fragilidade para explicitação dos mecanismos necessários à efetivação da

gestão estadual para as referências intermunicipais.

Em decorrência da necessidade de viabilizar o debate sobre essas questões,

identificadas como causadoras de maior tensionamento na implantação da Norma, o

processo de negociação foi reaberto durante o segundo semestre de 2001. Neste

sentido, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), em reunião realizada em 22 de

novembro de 2001, firmou acordo contemplando propostas referentes ao comando

único sobre os prestadores de serviços de média e alta complexidade e o

fortalecimento da gestão dos estados sobre as referências intermunicipais. Nessa

mesma ocasião, deliberou-se pela constituição de um Grupo de Trabalho, com

representação tripartite, com a atribuição de detalhar o acordo e incorporar a NOAS os

pontos acordados, mantendo a coerência do texto. Em 7 de dezembro de 2001 foi feito

um relato, por representantes do Ministério da Saúde, CONASS e CONASEMS, aos

membros do Conselho Nacional de Saúde, acerca da negociação realizada na CIT e

das alterações que dela resultaram.

128

Ainda como resultado do processo de elaboração da NOAS-SUS 01/02 e com o objetivo

de facilitar sua utilização, este documento incorporou definições da regulamentação

complementar relacionadas aos temas que foram objeto do acordo, que, na versão

anterior, encontravam-se descritos em documentos normativos específicos.

Enfim, cabe destacar que esta NOAS-SUS 01/02, ao assegurar a manutenção das

diretrizes organizativas definidas pela NOAS-SUS 01/01, procura oferecer as

alternativas necessárias à superação das dificuldades e impasses oriundos da

dinâmica concreta de sua implementação.

CAPÍTULO I – DA REGIONALIZAÇÃO

1. Estabelecer o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos

serviços de saúde e de busca de maior eqüidade.

1.1 O processo de regionalização deverá contemplar uma lógica de planejamento

integrado, compreendendo as noções de territorialidade, na identificação de

prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não

necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus limites como

unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e

serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os

recursos disponíveis.

I.1 DA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE REGIONALIZAÇÃO

2. Instituir o Plano Diretor de Regionalização – PDR como instrumento de ordenamento

do processo de regionalização da assistência em cada estado e no Distrito Federal,

baseado nos objetivos de definição de prioridades de intervenção coerentes com as

necessidades de saúde da população e garantia de acesso dos cidadãos a todos os

níveis de atenção.

3. O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de

assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em

regiões/microrregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes

hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência

e contra-referência intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência

129

e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas

necessidades.

4. O PDR deverá ser elaborado na perspectiva de garantir:

a) o acesso dos cidadãos, o mais próximo possível de sua residência, a um conjunto de

ações e serviços vinculados às seguintes responsabilidades mínimas:

- assistência pré-natal, parto e puerpério;

- acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil;

- cobertura universal do esquema preconizado pelo Programa Nacional de

Imunizações, para todas as faixas etárias;

- ações de promoção da saúde e prevenção de doenças;

- tratamento das intercorrências mais comuns na infância;

- atendimento de afecções agudas de maior incidência;

- acompanhamento de pessoas com doenças crônicas de alta prevalência;

- tratamento clínico e cirúrgico de casos de pequenas urgências ambulatoriais;

- tratamento dos distúrbios mentais e psicossociais mais freqüentes;

- controle das doenças bucais mais comuns;

- suprimento/dispensação dos medicamentos da Farmácia Básica.

b) o acesso de todos os cidadãos aos serviços necessários à resolução de seus

problemas de saúde, em qualquer nível de atenção, diretamente ou mediante o

estabelecimento de compromissos entre gestores para o atendimento de referências

intermunicipais.

5. Definir os seguintes conceitos-chaves para a organização da assistência no âmbito

estadual, que deverão ser observados no PDR:

a) região de Saúde – base territorial de planejamento da atenção à saúde, não

necessariamente coincidente com a divisão administrativa do estado, a ser definida

pela Secretaria Estadual de Saúde, de acordo com as especificidades e estratégias de

regionalização da saúde em cada estado, considerando as características

demográficas, socioeconômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas, oferta de

serviços, relações entre municípios, entre outras.

Dependendo do modelo de regionalização adotado, um estado pode se dividir em

macrorregiões, regiões e/ou microrregiões de saúde. Por sua vez, a menor base

territorial de planejamento regionalizado, seja uma região ou uma microrregião de

saúde, pode compreender um ou mais módulos assistenciais.

130

b) módulo Assistencial – módulo territorial com resolubilidade correspondente ao

primeiro nível de referência, definida no Item 8 – Capítulo I desta Norma, constituído

por um ou mais municípios, com área de abrangência mínima a ser estabelecida para

cada Unidade da Federação, em regulamentação específica, e com as seguintes

características:

- conjunto de municípios, entre os quais há um município-sede, habilitado em Gestão

Plena do Sistema Municipal/GPSM ou em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada

(GPAB-A), com capacidade de ofertar a totalidade dos serviços de que trata o Item 8 –

Capítulo I desta Norma, com suficiência, para sua população e para a população de

outros municípios a ele adscritos; ou

- município em Gestão Plena do Sistema Municipal ou em Gestão Plena da Atenção

Básica Ampliada (GPAB-A), com capacidade de ofertar com suficiência a totalidade

dos serviços de que trata o Item 8 – Capítulo I para sua própria população, quando não

necessitar desempenhar o papel de referência para outros municípios.

c) município-sede do módulo assistencial (GPSM ou GPAB-A) – município existente

em um módulo assistencial que apresente a capacidade de ofertar a totalidade dos

serviços de que trata o Item 8 Capítulo I, correspondente ao primeiro nível de

referência intermunicipal, com suficiência, para sua população e para a população de

outros municípios a ele adscritos.

d) município-pólo (GPSM ou GPAB-A) – município que, de acordo com a definição da

estratégia de regionalização de cada estado, apresente papel de referência para outros

municípios, em qualquer nível de atenção.

e) unidade territorial de qualificação na assistência à saúde – representa a base

territorial mínima a ser submetida à aprovação do Ministério da Saúde e Comissão

Intergestores Tripartite para qualificação na assistência à saúde. Deverá ser a menor

base territorial de planejamento regionalizado com complexidade assistencial acima do

módulo assistencial, conforme definido no PDR. Poderá ser uma microrregião ou uma

região de saúde, de acordo com o desenho adotado pelo estado.

6. Para se qualificarem aos requisitos da NOAS-SUS 01/02, os estados e o Distrito

Federal deverão submeter à CIT os produtos, bem como os meios de verificação

correspondentes, definidos no Anexo 6 desta norma, contendo, no mínimo:

131

a) a descrição da organização do território estadual em regiões/microrregiões de saúde

e módulos assistenciais, com a identificação dos municípios-sede e municípios-pólo e

dos demais municípios abrangidos;

b) a identificação das prioridades de intervenção em cada região/microrregião;

c) o Plano Diretor de Investimentos para atender as prioridades identificadas e

conformar um sistema resolutivo e funcional de atenção à saúde, preferencialmente

identificando cronograma e fontes de recursos;

d) a inserção e o papel de todos os municípios nas regiões/microrregiões de saúde,

com identificação dos municípios-sede, de sua área de abrangência e dos fluxos de

referência;

e) os mecanismos de relacionamento intermunicipal como organização de fluxos de

referência e contra-referência e implantação de estratégias de regulação visando à

garantia do acesso da população aos serviços;

f) a proposta de estruturação de redes de referência especializada em áreas

específicas;

g) a identificação das necessidades e a proposta de fluxo de referência para outros

estados, no caso de serviços não disponíveis no território estadual;

6.1 Os produtos relativos à qualificação dos estados e do Distrito Federal aos requisitos

desta Norma, no que tange a sua elaboração, tramitação, requisitos e meios de

verificação, obedecerão ao seguinte:

6.1.1 na sua elaboração:

a) cabe às Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal a elaboração do

PDR, em consonância com o Plano Estadual de Saúde, que deverá contemplar uma

lógica de planejamento que envolva os municípios na definição dos espaços

regionais/microrregionais de assistência à saúde, dos fluxos de referência, bem como

dos investimentos para a conformação de sistemas de saúde resolutivos e funcionais.

b) o PDR deve contemplar a perspectiva de redistribuição geográfica de recursos

tecnológicos e humanos, explicitando o desenho futuro e desejado da regionalização

estadual, prevendo os investimentos necessários para a conformação destas novas

regiões/microrregiões e módulos assistenciais, observando assim a diretriz de

possibilitar o acesso do cidadão a todas as ações e serviços necessários para a

resolução de seus problemas de saúde, o mais próximo possível de sua residência.

c) o PDR subsidiará o processo de qualificação de regiões/microrregiões.

132

6.1.2 na tramitação:

a) a Secretaria de Saúde do estado ou do Distrito Federal deverá encaminhar os

produtos à respectiva Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que deverá convocar

reunião para análise e aprovação, após, no máximo, 30 (trinta) dias a contar da data de

recebimento da proposta;

b) aprovado o Plano Diretor de Regionalização e demais produtos, a CIB deverá

remete-la ao Conselho Estadual de Saúde (CES), que terá 30 (trinta) dias para

apreciação e deliberação;

c) após aprovado nas instâncias estaduais, a Secretaria Estadual de Saúde deverá

encaminhar o PDR e demais produtos à Secretaria Técnica da Comissão Intergestores

Tripartite (CIT), que encaminhará a documentação referida à Secretaria de Assistência

à Saúde (SAS/MS) e à Secretaria de Políticas de Saúde (SPS/MS), para análise de

conteúdo e viabilidade; após o que procederão ao encaminhamento destes, com

parecer, à Comissão Intergestores Tripartite para deliberação e homologação.

d) caso não seja homologada pela CIT, a referida documentação deverá ser devolvida à

respectiva Secretaria Estadual de Saúde, para ajuste e análise das recomendações e

novamente submetido à apreciação da CIB e do CES.

e) em caso de alteração do PDR pelo estado ou Distrito Federal após sua homologação

pela CIT, deverá ser observada a mesma tramitação definida para a proposta original.

I.2 DA AMPLIAÇÃO DO ACESSO E DA QUALIDADE DA ATENÇÃO BÁSICA

7. Instituir a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A), como uma das

condições de gestão dos sistemas municipais de saúde.

7.1 Definir como áreas de atuação estratégicas mínimas da condição de Gestão Plena

da Atenção Básica Ampliada: o controle da tuberculose, a eliminação da hanseníase, o

controle da hipertensão arterial, o controle da diabetes mellitus, a saúde da criança, a

saúde da mulher e a saúde bucal, conforme detalhamento apresentado no ANEXO 1

desta Norma.

7.2 As ações de que trata o ANEXO 1 desta Norma devem ser assumidas por todos os

municípios brasileiros, respeitado o seu perfil epidemiológico, como um componente

essencial e mínimo para o cumprimento das metas do Pacto da Atenção Básica,

133

instituído pela Portaria GM/MS n.º 3.925, de 13 de novembro de 1998, e regulamentado

anualmente em portaria específica.

7.3 O conjunto de procedimentos assistenciais que compõem as ações de Atenção

Básica Ampliada é compreendido por aqueles atualmente cobertos pelo Piso de

Atenção Básica (PAB), acrescidos dos procedimentos relacionados no ANEXO 2 desta

Norma.

7.4 Para o financiamento do elenco de procedimentos da Atenção Básica Ampliada, foi

instituído o PAB ampliado, e seu valor definido em Portaria do Ministério da Saúde,

sendo que os municípios que hoje já recebem o PAB fixo em valor superior ao PAB

ampliado não sofrerão alteração no valor per capita do PAB fixo destinado ao seu

município.

7.5 Os municípios já habilitados nas condições de gestão da NOB-01/96 estarão aptos a

receber o PAB ampliado, após assumirem a condição de Gestão Plena da Atenção

Básica Ampliada (GPAB-A), mediante avaliação pela Secretaria Estadual de Saúde,

aprovação pela CIB e homologação pela CIT.

7.6 A Secretaria de Políticas de Saúde (SPS) é a unidade organizacional do Ministério

da Saúde responsável pela regulamentação de critérios, fluxos e instrumentos do

processo de avaliação da Atenção Básica para efeito de habilitação e manutenção nas

condições de gestão definidas nesta Norma.

I.3 DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS E DA QUALIFICAÇÃO DAS MICRORREGIÕES

8. Definir um conjunto mínimo de procedimentos de média complexidade como

primeiro nível de referência intermunicipal, com acesso garantido a toda a população

no âmbito microrregional, ofertados em um ou mais módulos assistenciais.

8.1 Esse conjunto mínimo de serviços de média complexidade compreende as

atividades ambulatoriais de apoio diagnóstico e terapêutico (M1) e de internação

hospitalar, detalhadas no ANEXO 3 desta Norma.

9. O financiamento federal do conjunto de serviços do M1 adotará a seguinte lógica:

9.1 O financiamento das atividades ambulatoriais de apoio diagnóstico e terapêutico

(M1), será feito com base na programação de um valor per capita nacional mínimo,

definido em Portaria do Ministro da Saúde.

134

9.2 O financiamento das internações hospitalares será feito de acordo com o processo

de Programação Pactuada e Integrada, conduzido pelo gestor estadual, respeitado o

Limite Financeiro Global da Assistência de cada Unidade da Federação;

9.3 Para apoiar o processo de qualificação das regiões/microrregiões e garantir os

recursos per capita para o financiamento dos procedimentos mínimos da média

complexidade (M1) para toda a população brasileira, o Ministério da Saúde adicionará

recursos ao Limite Financeiro dos Estados, conforme definido em Portaria específica,

sendo que a destinação destes recursos estará descrita na PPI dos estados e do

Distrito Federal, devendo sua incorporação ao Limite Financeiro dos Estados ocorrer

na medida em que forem efetivadas as qualificações das regiões/microrregiões

assistenciais.

9.4 Serão qualificadas apenas as regiões/microrregiões nas quais a PPI estadual tenha

definido a alocação dos recursos destinados ao financiamento dos procedimentos

mínimos da média complexidade (M1) na(s) sede(s) de módulo(s) assistencial(is).

9.5 Nas microrregiões não qualificadas, o financiamento dos procedimentos constantes

do M1 desta Norma continuará sendo feito de acordo com a lógica de pagamento por

produção.

10. O repasse dos recursos de que trata o Subitem 9.3 – Item 9 – Capítulo I, desta

Norma, para a cobertura da população de uma dada microrregião estará condicionado

à aprovação pela CIT da qualificação da referida microrregião na assistência à saúde.

11. A qualificação compreende o reconhecimento formal da constituição das

regiões/microrregiões, da organização dos sistemas funcionais de assistência à saúde

e do compromisso firmado entre o estado e os municípios componentes dos módulos

assistenciais, para a garantia do acesso de toda a população residente nestes espaços

territoriais a um conjunto de ações e serviços correspondente ao nível de assistência à

saúde relativo ao M1, acrescidos de um conjunto de serviços com complexidade acima

do módulo assistencial, de acordo com o definido no PDR.

12. Os requisitos para a qualificação de cada região/microrregião e respectivos

instrumentos de comprovação estão listados no Anexo 7 desta Norma.

13. A solicitação de qualificação de cada região/microrregião de saúde deverá ser

encaminhada à CIT, observando que:

13.1 O gestor estadual, conjuntamente com os gestores municipais da região a ser

qualificada, deve encaminhar à CIB solicitação de qualificação da região/microrregião.

135

13.2 A CIB deverá analisar a solicitação que, se aprovada, deverá ser encaminhada ao

CES, para conhecimento, e à Secretaria Técnica da CIT, para deliberação.

13.3 A Secretaria Técnica da CIT deverá encaminhar documentação à Secretaria de

Assistência à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, que procederá a respectiva análise,

de acordo com o PDR já aprovado.

13.4 A SAS/MS deverá encaminhar parecer quanto ao processo de qualificação à CIT,

para decisão quanto à sua homologação.

14. Após a homologação na CIT do processo de qualificação de uma microrregião, o

montante de recursos correspondente ao financiamento dos procedimentos, listados

no ANEXO 3A desta Norma (M1), destinados à cobertura da população do município-

sede de módulo, acrescido do montante de recursos referentes à cobertura da

população residente nos municípios a ele adscritos, passam a ser transferidos por uma

das duas formas: (i) fundo a fundo ao estado habilitado quando o município-sede de

módulo for habilitado em GPAB-A (ii) fundo a fundo ao município-sede de cada módulo

assistencial quando esse for habilitado em Gestão Plena do Sistema Municipal de

acordo com a Norma Operacional da Assistência à Saúde, sendo que, neste caso, a

parcela relativa à população residente nos municípios adscritos estará condicionada ao

cumprimento de Termo de Compromisso para a Garantia de Acesso, conforme

normatizado nos Itens 37 e 38 – Capítulo II desta Norma.

15. Em módulos nos quais a sede estiver sob gestão municipal, caso exista um

município habilitado em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada que disponha em

seu território de laboratório de patologia clínica ou serviço de radiologia ou ultra-

sonografia gineco-obstétrica, em quantidade suficiente e com qualidade adequada

para o atendimento de sua própria população, mas que não tenha o conjunto de

serviços requeridos para ser sede de módulo assistencial, esse município poderá

celebrar um acordo com o gestor do município-sede do módulo para, provisoriamente,

atender sua própria população no referido serviço.

16. A Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) é a unidade organizacional do MS

responsável pela análise técnica das propostas de qualificação das microrregiões na

assistência à saúde, a serem submetidas à aprovação da CIT, de acordo com as regras

estabelecidas nesta Norma.

I.4 DA ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE

136

17. A Atenção de Média Complexidade (MC) compreende um conjunto de ações e

serviços ambulatoriais e hospitalares que visam a atender os principais problemas de

saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais

especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e

terapêutico, que não justifique a sua oferta em todos os municípios do País.

18. Excetuando as ações mínimas da média complexidade (M1), que devem ser

garantidas no âmbito dos módulos assistenciais, as demais ações assistenciais de

média complexidade, tanto ambulatoriais como hospitalares, podem ser garantidas no

âmbito microrregional, regional ou mesmo estadual, de acordo com o tipo de serviço, a

disponibilidade tecnológica, as características do estado e a definição no Plano Diretor

de Regionalização do estado.

19. O gestor estadual deve adotar critérios para a organização regionalizada das ações

de média complexidade que considerem: necessidade de qualificação e especialização

dos profissionais para o desenvolvimento das ações, correspondência entre a prática

clínica e a capacidade resolutiva diagnóstica e terapêutica, complexidade e custo dos

equipamentos, abrangência recomendável para cada tipo de serviço, economias de

escala, métodos e técnicas requeridos para a realização das ações.

20. Os subsídios à organização e à programação da média complexidade,

compreendendo grupos de programação e critérios de classificação das ações desse

nível de atenção, são descritos em instrumento a ser acordado pelas três esferas de

governo e definido em Portaria do MS.

21. O processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI), coordenado pelo gestor

estadual representa o principal instrumento para garantia de acesso da população aos

serviços de média complexidade não disponíveis em seu município de residência,

devendo orientar a alocação de recursos e definição de limites financeiros para todos

os municípios do estado, independente de sua condição de gestão.

21.1 A programação das ações ambulatoriais de média complexidade deve

compreender: identificação das necessidades de saúde de sua população, definição de

prioridades, aplicação de parâmetros físicos e financeiros definidos nos estados para

os diferentes grupos de ações assistenciais – respeitados os limites financeiros

estaduais – e estabelecimento de fluxos de referências entre municípios.

137

21.2 A alocação de recursos referentes a cada grupo de programação de ações

ambulatoriais de média complexidade para a população própria de um dado município

terá como limite financeiro o valor per capita estadual definido para cada grupo,

multiplicado pela população do município.

21.3 A programação de internações hospitalares deve utilizar critérios homogêneos de

estimativa de internações necessárias para a população, e considerar a distribuição e

complexidade dos hospitais, o valor médio das internações hospitalares, bem como os

fluxos de referência entre municípios.

21.4 A alocação de recursos correspondentes às referências intermunicipais,

ambulatoriais e hospitalares, decorre do processo de programação pactuada integrada

entre gestores e do estabelecimento de Termo de Compromisso de Garantia de Acesso

implicando a separação da parcela correspondente às referências no limite financeiro

do município.

22. Diferentemente do exigido para a organização das referências intermunicipais no

módulo assistencial, abordada na seção I.3 – Capítulo I desta Norma, no caso das

demais ações de média complexidade, quando os serviços estiverem dispersos por

vários municípios, admite-se que um mesmo município encaminhe referências para

mais de um município pólo de média complexidade, dependendo da disponibilidade de

oferta, condições de acesso e fluxos estabelecidos na PPI.

22.1 O gestor estadual, ao coordenar um processo de planejamento global no estado,

deve adotar critérios para evitar a superposição e proliferação indiscriminada e

desordenada de serviços, levando sempre em consideração as condições de

acessibilidade, qualidade e racionalidade na organização de serviços.

22.2 Deve-se buscar estabelecer as referências para a média complexidade em um

fluxo contínuo, dos municípios de menor complexidade para os de maior complexidade,

computando, no município de referência, as parcelas físicas e financeiras

correspondentes ao atendimento da população dos municípios de origem, conforme

acordado no processo de Programação Pactuada e Integrada entre os gestores.

I.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS

23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta

complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições:

138

a) definição de normas nacionais;

b) controle do cadastro nacional de prestadores de serviços;

c) vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento

estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde;

d) definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo

SUS;

e) definição do elenco de procedimentos de alta complexidade;

f) estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo

as diferenças regionais na alocação dos serviços;

g) definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais,

através da Central Nacional de Regulação para Procedimentos de Alta Complexidade;

h) formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços

prestados;

i) financiamento das ações.

23.1 A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de

responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos

estados e do Distrito Federal.

24. O gestor estadual é responsável pela gestão da política de alta complexidade/custo

no âmbito do estado, mantendo vinculação com a política nacional, sendo consideradas

intransferíveis as funções de definição de prioridades assistenciais e programação da

alta complexidade, incluindo:

a) a macroalocação de recursos orçamentários do Limite Financeiro da Assistência do

estado para cada área de alta complexidade;

b) a definição de prioridades de investimentos para garantir o acesso da população a

serviços de boa qualidade, o que pode, dependendo das características do estado,

requerer desconcentração ou concentração para a otimização da oferta de serviços,

tendo em vista a melhor utilização dos recursos disponíveis, a garantia de economia de

escala e melhor qualidade;

c) a delimitação da área de abrangência dos serviços de alta complexidade;

d) a coordenação do processo de garantia de acesso para a população de referência

entre municípios;

e) a definição de limites financeiros municipais para a alta complexidade, com

explicitação da parcela correspondente ao atendimento da população do município

139

onde está localizado o serviço e da parcela correspondente às referências de outros

municípios;

f) a coordenação dos processos de remanejamentos necessários na programação da

alta complexidade, inclusive com mudanças nos limites financeiros municipais;

g) os processos de vistoria para inclusão de novos serviços no que lhe couber, em

conformidade com as normas de cadastramento do MS;

h) a coordenação da implementação de mecanismos de regulação da assistência em

alta complexidade (centrais de regulação, implementação de protocolos clínicos, entre

outros);

i) o controle e a avaliação do sistema, quanto à sua resolubilidade e acessibilidade;

j) a otimização da oferta de serviços, tendo em vista a otimização dos recursos

disponíveis, a garantia de economia de escala e melhor qualidade.

24.1 A regulação da referência intermunicipal de alta complexidade será sempre

efetuada pelo gestor estadual.

25. Os municípios que tiverem em seu território serviços de alta complexidade/custo,

quando habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão desempenhar as

funções referentes à organização dos serviços de alta complexidade em seu território,

visando a assegurar o comando único sobre os prestadores, destacando-se:

a) a programação das metas físicas e financeiras dos prestadores de serviços,

garantindo a possibilidade de acesso para a sua população e para a população

referenciada conforme o acordado na PPI e no Termo de Garantia de Acesso assinado

com o estado;

b) realização de vistorias no que lhe couber, de acordo com as normas do Ministério da

Saúde;

c) condução do processo de contratação;

d) autorização para realização dos procedimentos e a efetivação dos pagamentos

(créditos bancários);

e) definição de fluxos e rotinas intramunicipais compatíveis com as estaduais;

f) controle, avaliação e auditoria de serviços.

25.1 A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor

municipal, quando o município encontrar-se na condição de Gestão Plena do Sistema

Municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações.

140

25.2 A regulação dos serviços de alta complexidade, localizados em município

habilitado em GPSM de acordo com as regras estabelecidas pela NOB-SUS 01/96 em

que persista a divisão do comando sobre os prestadores, deverá ser assumida pelo

município ou pelo estado, de acordo com o cronograma de ajuste do comando único

aprovado na CIB estadual, conforme previsto no item 66 desta Norma.

25.3 Nos municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) ou

Gestão Plena da Atenção Básica-Ampliada (GPAB-A) que tenham serviços de alta

complexidade em seu território, as funções de gestão e relacionamento com os

prestadores de alta complexidade são de responsabilidade do gestor estadual,

podendo este delegar aos gestores municipais as funções de controle e avaliação dos

prestadores, incluindo o processo autorizativo.

26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo

com Portaria do Ministério da Saúde.

27. O Ministério da Saúde, definirá os valores de recursos destinados ao custeio da

assistência de alta complexidade para cada estado.

28. Caberá aos estados, de acordo com a PPI e dentro do limite financeiro estadual,

prever a parcela dos recursos a serem gastos em cada município para cada área de

alta complexidade, destacando a parcela a ser utilizada com a população do próprio

município e a parcela a ser gasta com a população de referência.

29. A assistência de alta complexidade será programada no âmbito regional/estadual, e

em alguns casos macrorregional, tendo em vista as características especiais desse

grupo – alta densidade tecnológica e alto custo, economia de escala, escassez de

profissionais especializados e concentração de oferta em poucos municípios.

29.1 A programação deve prever, quando necessário, a referência de pacientes para

outros estados, assim como reconhecer o fluxo programado de pacientes de outros

estados, sendo que esta programação será consolidada pela SAS/MS.

30. A programação da Atenção de Alta Complexidade deverá ser precedida de estudos

da distribuição regional de serviços e da proposição pela Secretaria Estadual de Saúde

(SES) de um limite financeiro claro para seu custeio, sendo que o Plano Diretor de

Regionalização apontará as áreas de abrangência dos municípios-pólo e dos serviços

de referência na Atenção de Alta Complexidade.

CAPÍTULO II – FORTALECIMENTO DA CAPACIDADE DE GESTÃO NO SUS

141

II.1 DO PROCESSO DE PROGRAMAÇÃO DA ASSISTÊNCIA

31. Cabe ao Ministério da Saúde a coordenação do processo de programação da

assistência à saúde em âmbito nacional.

31.1 As secretarias de saúde dos estados e do Distrito Federal deverão encaminhar ao

Ministério da Saúde uma versão consolidada da Programação Pactuada e Integrada

(PPI), conforme definido em Portaria do Ministério da Saúde.

31.2 As secretarias de saúde dos estados e do Distrito Federal poderão dispor de

instrumentos próprios de programação adequados às suas especificidades,

respeitados os princípios gerais e os requisitos da versão consolidada a ser enviada ao

Ministério da Saúde.

32. Cabe à SES a coordenação da programação pactuada e integrada no âmbito do

estado, por meio do estabelecimento de processos e métodos que assegurem:

a) que as diretrizes, objetivos e prioridades da política estadual de saúde e os

parâmetros de programação, em sintonia com a Agenda de Saúde e Metas Nacionais,

sejam discutidos no âmbito da CIB com os gestores municipais, aprovados pelos

Conselhos Estaduais e implementados em fóruns regionais e/ou microrregionais de

negociação entre gestores;

b) a alocação de recursos centrada em uma lógica de atendimento às reais

necessidades da população e jamais orientada pelos interesses dos prestadores de

serviços;

c) a operacionalização do Plano Diretor de Regionalização e de estratégias de

regulação do sistema, mediante a adequação dos critérios e instrumentos de alocação

e pactuação dos recursos assistenciais e a adoção de mecanismos que visem a regular

a oferta e a demanda de serviços, a organizar os fluxos e a garantir o acesso às

referências;

d) a explicitação do modelo de gestão com a definição das responsabilidades inerentes

ao exercício do comando único de forma coerente com as condições de habilitação.

33. A Programação Pactuada e Integrada, aprovada pela Comissão Intergestores

Bipartite, deverá nortear a alocação de recursos federais da assistência entre

municípios pelo gestor estadual, resultando na definição de limites financeiros para

todos os municípios do estado, independente da sua condição de habilitação.

142

33.1 Define-se limite financeiro da assistência por município como o montante máximo

de recursos federais que poderá ser gasto com o conjunto de serviços existentes em

cada território municipal, sendo composto por duas parcelas separadas: recursos

destinados ao atendimento da população própria e recursos destinados ao

atendimento da população referenciada de acordo com as negociações expressas na

PPI.

33.2 Esses recursos poderão estar sob gestão municipal, quando o município

encontrar-se em GPSM, ou sob gestão estadual, quando o município estiver em outra

condição de gestão.

33.3 O Limite Financeiro da Assistência de cada estado, assim como do Distrito Federal

no que couber, independente de sua condição de gestão, deverá ser programado e

apresentado da seguinte forma:

a) relação de todos os municípios do estado, independentemente da sua condição de

gestão.

b) condição de Gestão do Município/nível de governo responsável pelo comando único

de média e alta complexidade.

c) parcela de recursos financeiros para o atendimento da população residente sob

gestão municipal.

d) parcela de recursos financeiros para o atendimento das referências intermunicipais.

e) parcela de recursos financeiros para o atendimento da população residente sob

gestão estadual.

f) outros recursos sob gestão estadual, alocados nos municípios ou na Secretaria

Estadual de Saúde.

g) limite Financeiro Global da Unidade Federativa – soma dos itens c, d, e e f.

33.4 Os Limites Financeiros da Assistência por município devem ser definidos

globalmente em cada estado a partir da aplicação de critérios e parâmetros de

programação ambulatorial e hospitalar, respeitado o Limite Financeiro Estadual, bem

como da definição de referências intermunicipais na PPI. Dessa forma, o limite

financeiro por município deve ser gerado pela programação para o atendimento da

própria população, deduzida da necessidade de encaminhamento para outros

municípios e acrescida da programação para atendimento de referências recebidas de

outros municípios.

143

33.5 Os municípios habilitados ou que vierem a se habilitar na condição de Gestão

Plena do Sistema Municipal devem receber diretamente, em seu Fundo Municipal de

Saúde, o total de recursos federais correspondente ao limite financeiro programado

para aquele município, compreendendo a parcela destinada ao atendimento da

população própria e, condicionada ao cumprimento efetivo do Termo de Compromisso

para Garantia de Acesso celebrado com o gestor estadual, a parcela destinada ao

atendimento da população referenciada.

33.6 Em regiões/microrregiões qualificadas, os recursos referentes ao M1 alocados no

município-sede serão repassados ao Fundo Municipal de Saúde quando o município-

sede estiver habilitado em GPSM ou ao Fundo Estadual de Saúde quando o município-

sede estiver habilitado em GPAB-A.

33.7 Os Limites Financeiros da Assistência por município estão sujeitos a

reprogramação em função da revisão periódica da PPI, coordenada pelo gestor

estadual. Particularmente, a parcela correspondente às referências intermunicipais,

poderá ser alterada pelo gestor estadual, trimestralmente, em decorrência de ajustes

no Termo de Compromisso e pontualmente, em uma série de situações específicas,

detalhadas no Item 38 – Capítulo II.

34. A SES deverá encaminhar ao Ministério da Saúde os produtos do processo de

programação da assistência, conforme definidos em Portaria do Ministério da Saúde.

II.2 DAS RESPONSABILIDADES DE CADA NÍVEL DE GOVERNO NA GARANTIA DE

ACESSO DA POPULAÇÃO REFERENCIADA

35. O Ministério da Saúde assume, de forma solidária com as Secretarias de Saúde dos

estados e do Distrito Federal, a responsabilidade pelo atendimento a pacientes

referenciados entre estados.

36. A garantia de acesso da população aos serviços não disponíveis em seu município

de residência é de responsabilidade do gestor estadual, de forma solidária com os

municípios de referência, observados os limites financeiros, devendo o mesmo

organizar o sistema de referência utilizando mecanismos e instrumentos necessários,

compatíveis com a condição de gestão do município onde os serviços estiverem

localizados.

144

37. A garantia do atendimento à população referenciada será objeto de um Termo de

Compromisso para Garantia de Acesso a ser assinado pelo gestor municipal e pelo

gestor estadual quando o município sede de módulo ou município-pólo estiver em

GPSM.

37.1 O Termo de Compromisso de Garantia de Acesso tem como base o processo de

programação e contém as metas físicas e orçamentárias das ações definidas na PPI a

serem ofertadas nos municípios pólo, os compromissos assumidos pela SES e SMS, os

mecanismos de garantia de acesso, o processo de acompanhamento e revisão do

Termo e sanções previstas.

38. A SES poderá alterar a parcela de recursos correspondente às referências

intermunicipais no limite financeiro do município em GPSM, nas seguintes situações,

detalhadas no Termo de Compromisso para Garantia de Acesso:

a) periodicamente, em função da revisão global da PPI, conduzida pela SES e

aprovada pela CIB;

b) trimestralmente, em decorrência do acompanhamento da execução do Termo e do

fluxo de atendimento das referências, de forma a promover os ajustes necessários, a

serem informados à CIB em sua reunião subseqüente;

c) pontualmente, por meio de alteração direta pela SES (respeitados os prazos de

comunicação

aos gestores estabelecidos no Termo de Compromisso, conforme detalhado no ANEXO

4 desta Norma), sendo à CIB informada em sua reunião subseqüente, nos seguintes

casos: abertura de novo serviço em município que anteriormente encaminhava sua

população para outro;

redirecionamento do fluxo de referência da população de um município-pólo para outro,

solicitado pelo gestor municipal; problemas no atendimento da população referenciada

ou descumprimento pelo município em GPSM dos acordos estabelecidos no Termo de

Compromisso para Garantia de Acesso.

38.1 Nas situações em que os recursos de média e alta complexidade de municípios

que efetuem atendimento das referências intermunicipais estejam sob gestão estadual,

e os mecanismos de garantia de acesso não forem cumpridos pelo estado, os

municípios que se sentirem prejudicados deverão acionar à CIB para que essa

Comissão tome as providências cabíveis.

145

39. Quaisquer alterações nos limites financeiros dos municípios em Gestão Plena do

Sistema Municipal, decorrentes de ajuste ou revisão da programação e do Termo de

Compromisso para Garantia do Acesso serão comunicadas pelas SES à SAS/MS, para

que esta altere os valores a serem transferidos ao Fundo Municipal de Saúde

correspondente.

40. Para habilitar-se ou permanecer habilitado na condição de GPSM, o município

deverá assumir o comando único sobre os prestadores do seu território e participar do

processo de programação e quando necessário, garantir o atendimento à população de

referência, conforme acordado na PPI e consolidado por meio da assinatura do

referido Termo de Compromisso para a Garantia do Acesso.

II.3 DO PROCESSO DE CONTROLE, REGULAÇÃO E AVALIAÇÃO DA

ASSISTÊNCIA

41. As funções de controle, regulação e avaliação devem ser coerentes com os

processos de planejamento, programação e alocação de recursos em saúde tendo em

vista sua importância para a revisão de prioridades e contribuindo para o alcance de

melhores resultados em termos de impacto na saúde da população.

41.1 As atribuições do Controle, Regulação e Avaliação são definidas conforme as

pactuações efetuadas pelos três níveis de governo.

42. O fortalecimento das funções de controle e avaliação dos gestores do SUS deve se

dar principalmente nas seguintes dimensões:

a) avaliação da organização do sistema e do modelo de gestão;

b) relação com os prestadores de serviços;

c) qualidade da assistência e satisfação dos usuários;

d) resultados e impacto sobre a saúde da população.

43. Todos os níveis de governo devem avaliar o funcionamento do sistema de saúde,

no que diz respeito ao desempenho nos processos de gestão, formas de organização e

modelo de atenção, tendo como eixo orientador a promoção da eqüidade no acesso na

alocação dos recursos, e como instrumento básico para o acompanhamento e avaliação

dos sistemas de saúde o Relatório de Gestão.

44. O controle e a avaliação dos prestadores de serviços, a ser exercido pelo gestor do

SUS responsável de acordo com a condição de habilitação e modelo de gestão

146

adotado, compreende o conhecimento global dos estabelecimentos de saúde

localizados em seu território, o cadastramento de serviços, a condução de processos de

compra e contratualização de serviços de acordo com as necessidades identificadas e

legislação específica, o acompanhamento do faturamento, quantidade e qualidade dos

serviços prestados, entre outras atribuições.

44.1 O cadastro completo e fidedigno de unidades prestadoras de serviços de saúde é

um requisito básico para programação de serviços assistenciais, competindo ao gestor

do SUS responsável pelo relacionamento com cada unidade própria, contratada ou

conveniada, a garantia da atualização permanente dos dados cadastrais e de

alimentação dos bancos de dados nacionais do SUS.

44.2 O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar

o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as

normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão

Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para

o atendimento da população.

44.3 Os contratos de prestação de serviços devem representar instrumentos efetivos

de responsabilização dos prestadores com os objetivos, atividades e metas

estabelecidas pelos gestores de acordo com as necessidades de saúde identificadas.

44.4 Os procedimentos técnico-administrativos prévios à realização de serviços e à

ordenação dos respectivos pagamentos, especialmente a autorização de internações e

de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade e/ou alto custo, devem ser

organizados de forma a facilitar o acesso dos usuários e permitir o monitoramento

adequado da produção e faturamento de serviços.

44.5 Outros mecanismos de controle e avaliação devem ser adotados pelo gestor

público, como o acompanhamento dos orçamentos públicos em saúde, a análise da

coerência entre a programação, a produção e o faturamento apresentados e a

implementação de críticas possibilitadas pelos sistemas informatizados quanto à

consistência e confiabilidade das informações disponibilizadas pelos prestadores.

45. A avaliação da qualidade da atenção pelos gestores deve envolver tanto a

implementação de indicadores objetivos baseados em critérios técnicos, como a

adoção de instrumentos de avaliação da satisfação dos usuários do sistema, que

considerem a acessibilidade, a integralidade da atenção, a resolubilidade e qualidade

dos serviços prestados.

147

46. A avaliação dos resultados da atenção e do impacto na saúde deve envolver o

acompanhamento dos resultados alcançados em função dos objetivos, indicadores e

metas apontados no plano de saúde, voltados para a melhoria do nível de saúde da

população.

47. Os estados e municípios deverão elaborar seus respectivos planos de controle,

regulação e avaliação que consistem no planejamento do conjunto de estratégias e

instrumentos a serem empregados para o fortalecimento da capacidade de gestão.

47.1 Ao gestor do SUS responsável pelo relacionamento com cada unidade, conforme

sua condição de habilitação e qualificação, cabe programar e regular os serviços e o

acesso da população de acordo com as necessidades identificadas, respeitando os

pactos firmados na PPI e os termos de compromisso para a garantia de acesso.

47.2 A regulação da assistência deverá ser efetivada por meio da implantação de

complexos reguladores que congreguem unidades de trabalho responsáveis pela

regulação das urgências, consultas, leitos e outros que se fizerem necessários.

48. A regulação da assistência, voltada para a disponibilização da alternativa

assistencial mais adequada à necessidade do cidadão, de forma equânime, ordenada,

oportuna e qualificada, pressupõe:

a) a realização prévia de um processo de avaliação das necessidades de saúde e de

planejamento/programação, que considere aspectos epidemiológicos, os recursos

assistenciais disponíveis e condições de acesso às unidades de referência;

b) a definição da estratégia de regionalização que explicite a responsabilização e papel

dos vários municípios, bem como a inserção das diversas unidades assistenciais na

rede;

c) a delegação pelo gestor competente de autoridade sanitária ao médico regulador,

para que exerça a responsabilidade sobre a regulação da assistência,

instrumentalizada por protocolos técnico-operacionais;

d) a definição das interfaces da estratégia da regulação da assistência com o processo

de planejamento, programação e outros instrumentos de controle e avaliação.

II.4 DOS HOSPITAIS PÚBLICOS SOB GESTÃO DE OUTRO NÍVEL DE GOVERNO

49. Definir que unidades hospitalares públicas sob gerência de um nível de governo e

gestão de outro, preferencialmente, deixem de ser remunerados por produção de

148

serviços e passem a receber recursos correspondentes à realização de metas

estabelecidas de comum acordo.

50. Aprovar, na forma do Anexo 5 desta Norma, modelo contendo cláusulas mínimas do

Termo de Compromisso a ser firmado entre as partes envolvidas, com o objetivo de

regular a contratualização dos serviços oferecidos e a forma de pagamento das

unidades hospitalares.

51. Os recursos financeiros para cobrir o citado Termo de Compromisso devem ser

subtraídos das parcelas correspondentes à população própria e à população

referenciada do limite financeiro do (município/estado), e repassado diretamente ao

ente público gerente da unidade, em conta específica para esta finalidade aberta em

seu fundo de saúde.

CAPÍTULO III – CRITÉRIOS DE HABILITAÇÃO E DESABILITAÇÃO DE

MUNICÍPIOS E ESTADOS

III.1 CONDIÇÕES DE HABILITAÇÃO DE MUNICÍPIOS E ESTADOS

A presente Norma atualiza as condições de gestão estabelecidas na NOB-SUS 01/96,

explicitando as responsabilidades, os requisitos relativos às modalidades de gestão e

as prerrogativas dos gestores municipais e estaduais.

52. A habilitação dos municípios e estados às diferentes condições de gestão significa

a declaração dos compromissos assumidos por parte do gestor perante os outros

gestores e perante a população sob sua responsabilidade.

III.1.1 COM RELAÇÃO AO PROCESSO DE HABILIATAÇÃO DOS MUNICÍPIOS

53. A partir da publicação desta Norma os municípios poderão habilitar-se em duas

condições:

• Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada;

• Gestão Plena do Sistema Municipal.

149

53.1 Todos os municípios que vierem a ser habilitados em Gestão Plena do Sistema

Municipal, nos termos desta Norma, estarão também habilitados em Gestão Plena da

Atenção Básica Ampliada.

53.2 Cabe à Secretaria Estadual de Saúde a gestão do SUS nos municípios não

habilitados, enquanto for mantida a situação de não habilitação.

54. Os municípios, para se habilitarem à Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada,

deverão assumir as responsabilidades, cumprir os requisitos e gozar das prerrogativas

definidas a seguir:

Responsabilidades

a) Elaboração do Plano Municipal de Saúde, a ser submetido à aprovação do Conselho

Municipal de Saúde, que deve contemplar a Agenda de Saúde Municipal, harmonizada

com as agendas nacional e estadual, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual

será efetuado o acompanhamento dos Relatórios de Gestão.

b) Integração e articulação do município na rede estadual e respectivas

responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programação de ações

e serviços que compõem o sistema municipal.

c) Gerência de unidades ambulatoriais próprias.

d) Gerência de unidades ambulatoriais transferidas pelo estado ou pela União.

e) Organização da rede de atenção básica, incluída a gestão de prestadores privados,

quando excepcionalmente houver prestadores privados nesse nível e atenção.

f) Cumprimento das responsabilidades definidas no Subitem 7.1 – Item 7 – Capítulo I

desta Norma.

g) Disponibilização, em qualidade e quantidade suficiente para a sua população, de

serviços capazes de oferecer atendimento conforme descrito no Subitem 7.3 – Item 7 –

Capítulo I desta Norma.

h) Desenvolvimento do cadastramento nacional dos usuários do SUS, segundo a

estratégia de implantação do Cartão Nacional de Saúde, com vistas à vinculação de

clientela e à sistematização da oferta dos serviços.

i) Prestação dos serviços relacionados aos procedimentos cobertos pelo PAB Ampliado

e acompanhamento, no caso de referência interna ou externa ao município, dos demais

serviços prestados aos seus munícipes, conforme a PPI, mediado pela SES.

150

j) Desenvolver as atividades de: realização do cadastro, contratação, controle,

avaliação, auditoria e pagamento aos prestadores dos serviços contidos no PAB-A,

localizados em seu território e vinculados ao SUS.

k) Operação do SIA/SUS e do SIAB, quando aplicável, conforme normas do Ministério

da Saúde, e alimentação junto à Secretaria Estadual de Saúde, dos bancos de dados

nacionais.

l) Autorização, desde que não haja definição contrária por parte da CIB, das

internações hospitalares e dos procedimentos ambulatoriais especializados, realizados

no município, que continuam sendo pagos por produção de serviços.

m) Manutenção do cadastro atualizado das unidades assistenciais sob sua gestão,

segundo normas do MS.

n) Realização de avaliação permanente do impacto das ações do Sistema sobre as

condições de saúde dos seus munícipes e sobre o seu meio ambiente, incluindo o

cumprimento do pacto de indicadores da atenção básica.

o) Execução das ações básicas de vigilância sanitária, de acordo com a legislação em

vigor e a normatização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

p) Execução das ações básicas de epidemiologia, de controle de doenças e de

ocorrências mórbidas, decorrentes de causas externas, como acidentes, violências e

outras, de acordo com normatização vigente.

q) Elaboração do relatório anual de gestão e aprovação pelo Conselho Municipal de

Saúde/CMS.

r) Firmar o Pacto de Indicadores da Atenção Básica com o estado.

Requisitos

a) Comprovar a operação do Fundo Municipal de Saúde.

b) Comprovar o funcionamento do CMS.

c) Apresentar o Plano Municipal de Saúde, aprovado pelo CMS, que deve contemplar a

Agenda de Saúde Municipal, harmonizada com as agendas nacional e estadual, bem

como o Quadro de Metas, mediante o qual será efetuado o acompanhamento dos

Relatórios de Gestão.

d) Comprovar, formalmente, capacidade técnica e administrativa para o desempenho

das atividades de controle, e avaliação, através da definição de estrutura física e

administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de comunicação.

151

e) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos

Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no

ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do

Tesouro Municipal, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de

2000.

f) Estabelecimento do Pacto da Atenção Básica para o ano em curso.

g) Comprovar, para efeito de avaliação da Atenção Básica a ser realizada pela

Secretaria Estadual de Saúde e validada pela SPS/MS, para encaminhamento à CIT:

1) desempenho satisfatório nos indicadores do Pacto da Atenção Básica do ano

anterior;

2) alimentação regular dos sistemas nacionais de informação em saúde já existentes e

dos que vierem ser criados conforme portaria;

3) disponibilidade de serviços (estrutura física e recursos humanos) em seu território,

para executar as ações estratégicas mínimas;

4) disponibilidade de serviços para realização do Elenco de Procedimentos Básicos

Ampliado (EPBA).

h) Comprovar a capacidade para o desenvolvimento de ações básicas de vigilância

sanitária, conforme normatização da ANVISA.

i) Comprovar a capacidade para o desenvolvimento de ações básicas de vigilância

epidemiológica.

j) Formalizar junto à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de habilitação, atestando

o cumprimento dos requisitos relativos à condição de gestão pleiteada.

Prerrogativas

a) Transferência regular e automática dos recursos referentes ao Piso de Atenção

Básica Ampliado (PAB-A), correspondente ao financiamento do Elenco de

Procedimentos Básicos e do incentivo de vigilância sanitária.

b) Gestão municipal de todas as unidades básicas de saúde, públicas ou privadas

(lucrativas e filantrópicas) integrantes do SUS, localizadas no território municipal.

c) Transferência regular e automática dos recursos referentes ao PAB variável, desde

que qualificado conforme as normas vigentes.

152

55. Os municípios, para se habilitarem à Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão

assumir as responsabilidades, cumprir os requisitos e gozar das prerrogativas

definidas a seguir:

Responsabilidades

a) Elaboração do Plano Municipal de Saúde, a ser submetido à aprovação do Conselho

Municipal de Saúde, que deve contemplar a Agenda de Saúde Municipal, harmonizada

com as agendas nacional e estadual, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual

será efetuado o acompanhamento dos Relatórios de Gestão, que deverá ser aprovado

anualmente pelo Conselho Municipal de Saúde.

b) Integração e articulação do município na rede estadual e respectivas

responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programação de ações

e serviços que compõem o sistema municipal.

c) Gerência de unidades próprias, ambulatoriais e hospitalares.

d) Gerência de unidades assistenciais transferidas pelo estado e pela União.

e) Gestão de todo o sistema municipal, incluindo a gestão sobre os prestadores de

serviços de saúde vinculados ao SUS, independente da sua natureza jurídica ou nível

de complexidade, exercendo o comando único, ressalvando as unidades públicas e

privadas de hemonúcleos/hemocentros e os laboratórios de saúde pública, em

consonância com o disposto na letra c do Item 57 – Capítulo III desta Norma.

f) Desenvolvimento do cadastramento nacional dos usuários do SUS segundo a

estratégia de implantação do Cartão Nacional de Saúde, com vistas à vinculação da

clientela e sistematização da oferta dos serviços.

g) Garantia do atendimento em seu território para sua população e para a população

referenciada por outros municípios, disponibilizando serviços necessários, conforme

definido na PPI, e transformado em Termo de Compromisso para a Garantia de

Acesso, assim como a organização do encaminhamento das referências para garantir o

acesso de sua população a serviços não disponíveis em seu território.

h) Integração dos serviços existentes no município aos mecanismos de regulação

ambulatoriais e hospitalares.

i) Desenvolver as atividades de realização do cadastro, contratação, controle,

avaliação, auditoria e pagamento de todos os prestadores dos serviços localizados em

seu território e vinculados ao SUS.

153

j) Operação do SIH e do SIA/SUS, conforme normas do MS, e alimentação, junto à

SES, dos bancos de dados de interesse nacional e estadual.

k) Manutenção do cadastro atualizado de unidades assistenciais em seu território,

segundo normas do MS.

l) Avaliação permanente do impacto das ações do Sistema sobre as condições de

saúde dos seus munícipes e sobre o meio ambiente.

m) Execução das ações básicas, de média e alta complexidade em vigilância sanitária,

pactuadas na CIB.

n) Execução de ações de epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências

mórbidas, decorrentes de causas externas, como acidentes, violências e outras

pactuadas na CIB.

o) Firmar o Pacto da Atenção Básica com o estado.

Requisitos

a) Comprovar o funcionamento do CMS.

b) Comprovar a operação do Fundo Municipal de Saúde e disponibilidade orçamentária

suficiente, bem como mecanismos para pagamento de prestadores públicos e privados

de saúde.

c) Apresentar o Plano Municipal de Saúde, aprovado pelo CMS, que deve contemplar a

Agenda de Saúde Municipal, harmonizada com as agendas nacional e estadual, bem

como o Quadro de Metas, mediante o qual será efetuado o acompanhamento dos

Relatórios de Gestão.

d) Estabelecimento do Pacto da Atenção Básica para o ano em curso.

e) Comprovar, para efeito de avaliação da Atenção Básica a ser realizada pela

Secretaria Estadual de Saúde e validada pela SPS/MS, para encaminhamento a CIT:

1) desempenho satisfatório nos indicadores do Pacto da Atenção Básica do ano

anterior;

2) alimentação regular dos sistemas nacionais de informação em saúde já existentes e

dos que vierem ser criados conforme portaria;

3) disponibilidade de serviços (estrutura física e recursos humanos) em seu território,

para executar as ações estratégicas mínimas;

4) disponibilidade de serviços para realização do Elenco de Procedimentos Básicos

Ampliado (EPBA).

154

f) Firmar Termo de Compromisso para Garantia de Acesso com a Secretaria Estadual

de Saúde.

g) Comprovar a estruturação do componente municipal do Sistema Nacional de

Auditoria (SNA).

h) Participar da elaboração e da implementação da PPI do estado, bem como da

alocação de recursos expressa na programação.

i) Comprovar, formalmente, capacidade técnica, administrativa e operacional para o

desempenho das atividades de controle, regulação, e avaliação através da definição de

estrutura física, administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de

comunicação (linha telefônica e acesso à Internet).

j) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos

Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no

ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do

Tesouro Municipal, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de

2000.

k) Comprovar o funcionamento de serviço estruturado de vigilância sanitária e

capacidade para o desenvolvimento de ações de vigilância sanitária, de acordo com a

legislação em vigor e a pactuação estabelecida com a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária.

l) Comprovar a estruturação de serviços e atividades de vigilância epidemiológica e de

controle de zoonoses, de acordo com a pactuação estabelecida com a Fundação

Nacional de Saúde.

m) Apresentar o Relatório de Gestão do ano anterior à solicitação do pleito,

devidamente aprovado pelo CMS.

n) Comprovar o comando único sobre a totalidade dos prestadores de serviços ao SUS

localizados no território municipal.

o) Comprovar oferta das ações do primeiro nível de média complexidade (M1) e de

leitos hospitalares.

p) Comprovar Adesão ao Cadastramento Nacional dos usuários do SUS – Cartão SUS.

q) Formalizar, junto à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de habilitação, atestando

o cumprimento dos requisitos relativos à condição de GPSM.

Prerrogativas

155

a) Transferência, regular e automática, dos recursos referentes ao valor per capita

definido para o financiamento dos procedimentos do M1, após qualificação da

microrregião na qual está inserido, para sua própria população e, caso seja sede de

módulo assistencial, para a sua própria população e população dos municípios

abrangidos.

b) Receber, diretamente no Fundo Municipal de Saúde, o montante total de recursos

federais correspondente ao limite financeiro programado para o município,

compreendendo a parcela destinada ao atendimento da população própria e aquela

destinada ao atendimento à população referenciada, condicionado ao cumprimento

efetivo do Termo de Compromisso para Garantia de

Acesso firmado.

c) Gestão do conjunto das unidades prestadoras de serviços ao SUS ambulatoriais

especializadas e hospitalares, estatais e privadas, estabelecidas no território municipal.

III.1.2 DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO DOS ESTADOS

56. A partir da publicação desta Norma, os estados podem habilitar-se em duas

condições:

• Gestão Avançada do Sistema Estadual;

• Gestão Plena do Sistema Estadual.

57. São atributos da condição de gestão avançada do sistema estadual:

Responsabilidades

a) Elaboração do Plano Estadual de Saúde, e do Plano Diretor de Regionalização,

incluindo o Plano Diretor de Investimentos e Programação Pactuada e Integrada.

b) Coordenação da PPI do estado, contendo a referência intermunicipal e pactos de

negociação na CIB para alocação dos recursos, conforme expresso no item que

descreve a PPI, nos termos desta Norma.

c) Gerência de unidades públicas de hemonúcleos/hemocentros e de laboratórios de

referência para controle de qualidade, vigilância sanitária e vigilância epidemiológica e

gestão sobre o sistema de hemonúcleos/hemocentros (públicos e privados) e

laboratórios de Saúde Pública.

156

d) Formulação e execução da política de sangue e hemoterapia, de acordo com a

política nacional.

e) Coordenação do sistema de referências intermunicipais, organizando o acesso da

população, viabilizando com os municípios-sede de módulos assistenciais e pólos os

Termos de Compromisso para a Garantia de Acesso.

f) Gestão dos sistemas municipais nos municípios não habilitados em nenhuma das

condições de gestão vigentes no SUS.

g) Gestão das atividades referentes a: Tratamento Fora de Domicílio para Referência

Interestadual, Medicamentos Excepcionais, Central de Transplantes. O estado poderá

delegar essas funções aos municípios em GPSM.

h) Formulação e execução da política estadual de assistência farmacêutica, de acordo

com a política nacional.

i) Normalização complementar de mecanismos e instrumentos de administração da

oferta e controle da prestação de serviços ambulatoriais, hospitalares, de alto custo, do

tratamento fora do domicílio e dos medicamentos e insumos especiais.

j) Manutenção do cadastro atualizado de unidades assistenciais sob sua gestão,

segundo normas do MS, e coordenação do cadastro estadual de prestadores.

k) Organização e gestão do sistema estadual de Controle, Avaliação e Regulação.

l) Cooperação técnica e financeira com o conjunto de municípios, objetivando a

consolidação do processo de descentralização, a organização da rede regionalizada e

hierarquizada de serviços,

a realização de ações de epidemiologia, de controle de doenças, de vigilância sanitária,

assim como o pleno exercício das funções gestoras de planejamento, controle,

avaliação e auditoria.

m) Estruturação e operação do Componente Estadual do SNA.

n) Implementação de políticas de integração das ações de saneamento às ações de

saúde.

o) Coordenação das atividades de vigilância epidemiológica e de controle de doenças e

execução complementar conforme pactuação estabelecida com a Fundação Nacional

de Saúde.

p) Execução de operações complexas voltadas ao controle de doenças que possam se

beneficiar da economia de escala.

157

q) Coordenação das atividades de vigilância sanitária e execução complementar

conforme a legislação em vigor e pactuação estabelecida com a ANVISA.

r) Execução das ações básicas de vigilância sanitária, referentes aos municípios não

habilitados nas condições de gestão estabelecidas nesta Norma.

s) Execução das ações de média e alta complexidade de vigilância sanitária, exceto as

realizadas pelos municípios habilitados na condição de Gestão Plena de Sistema

Municipal.

t) Apoio logístico e estratégico às atividades de atenção à saúde das populações

indígenas, na conformidade de critérios estabelecidos pela CIT.

u) Operação dos Sistemas Nacionais de Informação, conforme normas do MS, e

alimentação dos bancos de dados de interesse nacional.

v) Coordenação do processo de pactuação dos indicadores da Atenção Básica com os

municípios, informação das metas pactuadas ao Ministério da Saúde e

acompanhamento da evolução dos indicadores pactuados.

Requisitos

a) Apresentar o Plano Estadual de Saúde, aprovado pelo CES, contendo minimamente:

• Quadro de Metas, compatível com a Agenda de Saúde, por meio do qual a execução

do Plano será acompanhada anualmente nos relatórios de gestão;

• programação integrada das ações ambulatoriais, hospitalares e de alto custo, de

epidemiologia e de controle de doenças – incluindo, entre outras, as atividades de

vacinação, de controle de vetores e de reservatórios – de saneamento, de pesquisa e

desenvolvimento;

• estratégias de descentralização das ações de saúde para municípios;

• estratégias de reorganização do modelo de atenção.

b) Apresentar o Plano Diretor de Regionalização, nos termos desta Norma.

c) Comprovar a implementação da programação pactuada e integrada das ações

ambulatoriais, hospitalares e de alto custo, contendo a referência intermunicipal e os

critérios para sua elaboração, bem como proposição de estratégias de monitoramento e

garantia de referências intermunicipais e critérios de revisão periódica dos limites

financeiros dos municípios.

d) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos

Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no

158

ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do

Tesouro Estadual, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de

2000.

e) Comprovar o funcionamento da CIB.

f) Comprovar o funcionamento do CES.

g) Comprovar a operação do Fundo Estadual de Saúde e disponibilidade orçamentária

suficiente, bem como mecanismos para pagamento de prestadores públicos e privados

de saúde.

h) Apresentar relatório de gestão aprovado pelo CES, relativo ao ano anterior à

solicitação do pleito.

i) Comprovar descentralização para os municípios habilitados da rede de Unidades

Assistenciais Básicas.

j) Comprovar a transferência da gestão da atenção hospitalar e ambulatorial aos

municípios habilitados em GPSM, nos termos desta Norma.

k) Comprovar a estruturação do componente estadual do SNA.

l) Comprovar, formalmente, capacidade técnica, administrativa e operacional para o

desempenho das atividades de controle, regulação, e avaliação através da definição de

estrutura física, administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de

comunicação (linha telefônica e acesso à Internet). Comprovar também, a estruturação

e operacionalização de mecanismos e instrumentos de regulação de serviços

ambulatoriais e hospitalares.

m) Comprovar a Certificação do processo de descentralização das ações de

epidemiologia e controle de doenças.

n) Comprovar o funcionamento de serviço de vigilância sanitária no estado, organizado

segundo a legislação e capacidade de desenvolvimento de ações de vigilância

sanitária.

o) Estabelecimento do Pacto de Indicadores da Atenção Básica.

p) Apresentar à CIT a formalização do pleito, devidamente aprovado pela CIB e pelo

CES, atestando o cumprimento dos requisitos relativos à condição de gestão pleiteada.

Prerrogativas

a) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao Piso de

Atenção Básica (PAB) relativos aos municípios não habilitados, nos termos da NOB-96.

159

b) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao financiamento

per capita do M1 em regiões qualificadas, nos casos em que o município-sede estiver

habilitado somente em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada.

58. Além dos atributos da condição de gestão avançada do sistema estadual, ficam

estabelecidos os seguintes atributos específicos à Gestão Plena do Sistema Estadual:

Responsabilidade

a) Cadastro, contratação, controle, avaliação e auditoria e pagamento aos prestadores

do conjunto dos serviços sob gestão estadual.

Requisito

a) Dispor de 50% do valor do Limite Financeiro da Assistência do estado comprometido

com transferências regulares e automáticas aos municípios.

Prerrogativa

a) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao valor do Limite

Financeiro da Assistência, deduzidas as transferências fundo a fundo realizadas a

municípios habilitados.

III.2 DA DESABILITAÇÃO

III.2.1 DA DESABILITAÇÃO DOS MUNICÍPIOS

59. Cabe à Comissão Intergestores Bipartite Estadual a desabilitação dos municípios,

que deverá ser homologada pela Comissão Intergestores Tripartite.

III.2.1.1 DA CONDIÇÃO DE GESTÃO PLENA DA ATENÇÃO BÁSICA AMPLIADA

60. Os municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada estarão

passíveis de desabilitação quando:

a) descumprirem as responsabilidades assumidas na habilitação do município;

160

b) apresentarem situação irregular na alimentação dos Bancos de Dados Nacionais,

estabelecidos como obrigatórios pelo MS, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três)

meses alternados;

c) não cumprirem as metas de cobertura vacinal para avaliação da Atenção Básica;

d) não cumprirem os demais critérios de avaliação da Atenção Básica, para

manutenção da condição de gestão, pactuados na Comissão Intergestores Tripartite e

publicados em regulamentação complementar a esta Norma;

e) não firmarem o Pacto de Indicadores da Atenção Básica;

f) apresentarem irregularidades que comprometam a gestão municipal, identificadas

pelo componente estadual e/ou nacional do SNA.

60.1 São motivos de suspensão imediata, pelo Ministério da Saúde, dos repasses

financeiros transferidos mensalmente, fundo a fundo, para os municípios:

a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,

hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério

da Saúde das seguintes condições:

• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo

Nacional de Saúde;

• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo

DATASUS.

b) falta de alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como

obrigatórios, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três) meses alternados;

c) indicação de suspensão por Auditoria realizada pelos componentes estadual ou

nacional do SNA, respeitado o prazo de defesa do município envolvido.

III.2.1.2 DA CONDIÇÃO DE GESTÃO PLENA DO SISTEMA MUNICIPAL

61. Os municípios habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal estarão passíveis

de desabilitação quando:

a) se enquadrarem na situação de desabilitação prevista no Item 60 – Capítulo III desta

Norma; ou

b) não cumprirem as responsabilidades definidas para a Gestão Plena do Sistema

Municipal, particularmente aquelas que se referem a:

b.1) cumprimento do Termo de Compromisso para Garantia do Acesso;

161

b.2) disponibilidade do conjunto de serviços do M1;

b.3) atendimento às referências intermunicipais resultantes do PDR e da PPI;

b.4) comando único da gestão sobre os prestadores de serviço em seu território.

61.1 A desabilitação de municípios em GPSM implicará permanência apenas em

GPAB-A, desde que o motivo da desabilitação não tenha sido referente às

responsabilidades atribuídas à Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada.

61.2 São motivos de suspensão imediata, pelo MS, dos repasses financeiros a serem

transferidos, mensalmente, fundo a fundo, para os municípios:

a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,

hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério

da Saúde das seguintes condições:

• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo

Nacional de Saúde;

• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo

DATASUS.

b) falta de alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como

obrigatórios pelo MS, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três) meses alternados;

c) indicação de suspensão por Auditoria realizada pelos componentes estadual ou

nacional do SNA, respeitado o prazo de defesa do município envolvido.

III.2.2 DA DESABILITAÇÃO DOS ESTADOS E SUSPENSÃO DO RESPASSE

FINANCEIRO

62. Os estados que não cumprirem as responsabilidades definidas para a forma de

gestão à qual encontrarem-se habilitados estarão passíveis de desabilitação pela CIT.

62.1 São motivos de suspensão imediata pelo MS dos repasses financeiros a serem

transferidos, mensalmente, fundo a fundo, para os estados:

a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,

hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério

da Saúde das seguintes condições:

• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo

Nacional de Saúde;

• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo

162

DATASUS.

b) indicação de suspensão por auditoria realizada pelos componentes nacionais do

SNA, homologada pela CIT, apontando irregularidades graves;

c) não alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como obrigatórios

pelo MS;

d) não firmar o Pacto de Atenção Básica.

CAPÍTULO IV – DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

63. Os requisitos e os instrumentos de comprovação referentes ao processo de

habilitação para os municípios habilitados em GPSM conforme a NOB-SUS 01/96,

pleiteantes a GPSM desta NOAS estão definidos no Anexo II da Instrução Normativa

01/02.

64. Os instrumentos de comprovação, fluxos e prazos para operacionalização dos

processos de habilitação e desabilitação de municípios e estados estão definidos na IN

01/02.

65. Os municípios que se considerarem em condições de pleitear habilitação em GPSM

em estados que não tiverem concluído seus respectivos PDR, PDI e PPI deverão

apresentar requerimento à CIB

estadual para que essa Comissão oficialize o cronograma para conclusão desses

processos.

65.1 Caso a respectiva CIB não se pronuncie em prazo de 30 (trinta) dias ou apresente

encaminhamento considerado inadequado pelo município, este poderá apresentar

recurso a CIT, que tomará as medidas pertinentes.

66. Os municípios atualmente habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal,

localizados em estados em que a gestão encontra-se compartilhada entre o gestor

estadual e o municipal, deverão se adequar ao comando único, com a transferência da

gestão para a esfera municipal ou estadual, se for o caso, de acordo com cronograma

previamente estabelecido na CIB estadual.

67. Os impasses com relação ao ajuste do comando único não solucionados na CIB

estadual deverão ser encaminhados ao CES; persistindo o impasse, o problema deverá

ser encaminhado a CIT, que definirá uma comissão para encaminhar sua resolução.

163

68. Os estados atualmente habilitados nas condições de gestão plena do sistema

estadual deverão adequar-se aos requisitos desta Norma até o dia 29/3/2002, em

conformidade com o que se encontra disposto na Portaria GM/MS n.º 129, de 18 de

janeiro de 2002.

69. As instâncias de recurso para questões relativas à implementação desta Norma são

consecutivamente à CIB estadual, o CES, a CIT e, em última instância, o CNS.

70. No que concerne à regulamentação da assistência à saúde, o disposto nesta

NOAS-SUS atualiza as definições constantes da Portaria GM/MS n.º 95, de 26 de

janeiro de 2001.

164

ANEXO B: INICIAL DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA0

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM ILHÉUS

Procedimento Administrativo n. xxxxxxxxxxxxx

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ILHÉUS

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador

da República que a esta subscreve, vem, com fulcro no art. 129, III, da Constituição da

República, 6o, XIV, da Lei Complementar n. 75/93, e 16 e 17 da Lei n. 8.429/92, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FACE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,

com pedido cumulado de reparação de danos e requerimento de antecipação

parcial da tutela, contra:

0 Tombada na Seção Judiciária de Ilhéus-BA sob o número 2002.33.01.001740-1. Os nomes eendereços verdadeiros foram omitidos.

166

HOSPITAL XXXXXX – SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE

Y, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o

número -----, situado na Rua xxxx, Y, BA;

AA, Provedor do Hospital XXXXXX – Santa Casa de

Misericórdia de Y, residente na Av. aa, Y, BA;

BB, vice-provedor, com endereço na Rua bb, Y, BA;

CC, 1º Tesoureiro, morador da Tv. cc, Y, BA;

DD, 2º Tesoureiro, residente na Rua dd, Y, BA;

EE, 1º Secretário, com endereço na Rua ee, Y, BA;

FF, 2º Secretário, morador da R. ff, Y, BA;

GG, Assessor Médico, residente Tv. gg, Y, BA;

HH, Diretor Médico HCMF, morador da Rua hh, Y, BA;

II, diretor médico HMN, com endereço na R. ii, Y, BA,

nos termos em que expõe e requer:

DO DIREITO À SAÚDE: ANTECEDENTES E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O direito à saúde, tal como nos é posto atualmente, é o fruto de uma

lenta evolução histórica. Remonta à Antigüidade Clássica; na Grécia, por exemplo,

hygieia significava, aproximadamente, “o estado daquele que está bem na vida”0. A

0 DALLARI, Sueli Gandolfi, Direito Sanitário. In: Curso de Especialização à distância em DireitoSanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal – Manual Conceitual.Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 47.

167

sua acepção moderna, todavia, encontra raízes mais próximas nos Estados que

atualmente compõem a Alemanha, à época do Iluminismo, com o conceito de polícia

sanitária0, análogo à também nascente noção de poder de polícia.

Eleonor Conill, Professora da Universidade Federal de Santa Catarina,

ensina que:

Na medida em que se desenvolve o tecido urbano no final do século

XVIII, aumenta a inquietude político-sanitária com o crescimento de

populações em cidades como Paris. As ações vão dirigir-se então para o

saneamento, ventilação das ruas e construções públicas, afastando-se para a

periferia áreas consideradas miasmáticas tais como matadouros e cemitérios.

Além de ações urbanas o processo de consolidação da autoridade sanitária vê

nascer a superposição entre poder revolucionário e poder médico na França

de 1789. A autoridade médica é reforçada com jurisprudência sobre

tratamentos e até livros a serem lidos. É introduzida nos hospitais uma nova

ordem, tal como nas fábricas, exércitos e escolas, novo jeito de viver que gere

agora a sociedade como um todo.

(...) Se em 1700 os pobres não eram vistos como perigo executando

pequenos serviços nas grandes cidades, no séc. XIX representam uma

ameaça, com lutas urbanas e novas epidemias. A revolução industrial traz o

fenômeno concreto da força de trabalho e do desgaste da classe trabalhadora

com deterioramento das condições de vida e de saúde.

(...) A passagem do século XVIII para o século XIX é marcada então

pela consolidação do poder político da burguesia emergente, com o Estado

moderno impondo sua autoridade frente às populações por intermédio de

ações sanitárias no espaço urbano e social.

No século XIX predominará um olhar científico, dividido em três

momentos: o olhar contábil das estatísticas e das medidas; o olhar

epidemiológico, com o desenvolvimento de estudos nessa ordem; e,

finalmente, o olhar armado, que com o uso do microscópio e a descoberta do

germe inaugurará importante ruptura epistemológica no campo da saúde0.

0 Cuja primeira menção expressa remonta à obra System einer Vollständigen mediscinischen Politizei,de Johan Peter Frank. É curioso notar que, na acepção original, o vocábulo politzei tinha sentidoambíguo, sendo uma mescla do costumamos designar por política e por polícia.0 CONILL, Eleonor Minho, Epidemiologia e Sistemas de Saúde: fundamentos históricos e conceituaispara uma discussão sobre o acompanhamento de direitos na prestação de serviços. In: Curso deEspecialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e daMagistratura Federal – Manual Conceitual. Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 77-78.

168

O modelo hospitalocêntrico, eminentemente fincado na medicina

curativa, foi herdado por nosso país. Mas, como tudo o que é importado pelos países

periféricos, ganhou contornos muito próprios. Aliou-se à estratégia de exclusão social

da imensa maioria da população, fazendo com que os pobres e miseráveis, que não

tinham acesso ao mercado de trabalho formal, não pudessem também ter acesso à

saúde pública.

A partir dos anos 70, porém, começa-se a contrapor ao status quo o

Movimento de Reforma Sanitária, que encontrou seu ápice na VIII Conferência

Nacional de Saúde, realizada em 1986, a qual pode ser considerada como uma “pré-

constituinte”, no que tange ao Direito Sanitário0.

Analisando-a agora, com a sobriedade que somente a distância

histórica pode conceder, pode-se notar que, em essência, procurava-se naqueles dias

apenas a concretização de diversas normas de direito internacional público, vigentes

em nosso país, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos0, passando

pela Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS)0 e pelo Pacto de San José

da Costa Rica0, sem contar com a Declaração de Alma-Ata0.

0 “O ideário da Reforma Sanitária consistia na proposta de um sistema de saúde único,fundamentalmente estatal, sendo o setor privado suplementar àquele, sob controle público, edescentralizado. O que estava em questão era a universalidade da atenção à saúde, superando-se ahistórica dicotomia entre assitência médica individual e ações coletivas de saúde. A estratégia eleitapara se conquistar a saúde como um direito consistia na descentralização do sistema de saúde. E comojá apontavam vários autores o tema da descentralização tende a emergir nas conjunturas de transição econsolidação democráticas, hibernando em períodos autoritários e ditatoriais. O que se buscava, com adescentralização, era não só a maior racionalidade do sistema de saúde, mas fundamentalmente avalorização da criação de novos espaços institucionais de participação, com poder deliberativo dossegmentos organizados da sociedade, constituindo-se assim como uma estratégia de ampliar, noespectro social, as oportunidades de acesso ao poder” (ELIAS, Paulo Eduardo, Reforma ou contra-reforma: algumas reflexões sobre as políticas de saúde no Brasil. In: Curso de Especialização àdistância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal –Manual Conceitual. Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 96).0 Art. XXV, 1: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua famíliasaúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociaisindispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ououtros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (nãosublinhado no original).0 Preâmbulo: “Health is a state of complete physical, mental and social well-being and not merely theabsence of disease or infirmity”; “The enjoyment of the highest attainable standard of health is one ofthe fundamental rights of every human being without distinction of race, religion, political belief,economic or social condition”; “Governments have a responsibility for the health of their peoples whichcan be fulfilled only by the provision of adequate health and social measures”.0 Art. 4, 1: “Toda persona tiene derecho a que se respete su vida”.0 “I. A Conferência reafirma enfaticamente que a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental esocial, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, eque a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cujarealização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”

169

A Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, na esteira

desses textos, consagrou o direito à saúde como direito social fundamental (art. 6o),

auto-aplicável (art. 5o, § 1o).

O seu fundamento mais pujante, todavia, está no art. 1o,

principalmente no tocante ao Estado Democrático de Direito e ao princípio da

dignidade da pessoa humana. A propósito, leciona Germano Schwartz:

O Estado Democrático de Direito é um compromisso assumido pela

sociedade brasileira no sentido da busca de uma justiça social efetiva, de uma

qualidade de vida que se faça presente; logo, da saúde também.

No que concerne ao direito à saúde, vale dizer que o Estado

Democrático de Direito impõe a todos os componentes da sociedade brasileira

o dever de se buscar a transformação da sociedade brasileira o dever de se

buscar a transformação da realidade que ora se apresenta, por esta contrariar

seus princípios, como é fato notório e como se comprovará adiante.

Esta evidente conexão entre o Estado Democrático de Direito e a saúde

é primordial para o entendimento e efetivação deste direito. O Brasil, portanto,

está obrigado a realizar mudanças na procura de que a saúde seja

efetivamente aplicada e de que seja ela (a saúde) um real instrumento de

justiça social0.

Mas não é só. O art. 196 reiterou ser a saúde direito de todos e dever

do Estado, ao tempo em que o art. 197 expressamente caracterizou a saúde como

serviço de relevância pública.

No art. 198, por seu turno, aduziu-se que

as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e

hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as

seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem

prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

0 SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2001. p. 50.

170

DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE E DA NOB

01/96

O Sistema Único de Saúde (SUS), previsto constitucionalmente, foi

regulado mediante a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dela, vale transcrever o

art. 7o, in verbis:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados

contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS),

são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da

Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de

assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e

contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,

exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade

física e moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de

qualquer espécie;

V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a

sua utilização pelo usuário;

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a

alocação de recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada

esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e

saneamento básico;

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de

serviços de assistência à saúde da população;

XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;

e

171

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de

meios para fins idênticos.

João Paulo Pinto da Cunha e Rosana Evangelista da Cunha estremam

os princípios doutrinários do SUS dos organizativos, sendo que estes últimos tratar-

se-iam, na verdade, “de formas de concretizar o SUS na prática”0.

Dos primeiros, vale ressaltar, por ora, os da universalização, da

eqüidade e da integralidade.

A universalidade de atendimento, por outro lado, significa livre e total

acesso aos serviços públicos de saúde, em todos os níveis de assistência. Traz como

imperativo inafastável a gratuidade de atendimento (lei mencionada, art. 7º, I).

“Historicamente, que tinha direito à saúde no Brasil eram apenas os trabalhadores

segurados do INPS e depois do INAMPS. Com o SUS, isto mudou: a saúde passa a ser

um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar esse direito.

Neste sentido, o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas,

independentemente de sexo, raça, renda, ocupação ou outras características sociais ou

pessoais”0.

Visa a eqüidade à redução das desigualdades. Mas não a se lançar

mão do sentido meramente formal de igualdade, e sim do material. “Eqüidade significa

tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Para isso,

a rede de serviços deve estar atenta às necessidades reais da população a ser

atendida. Eqüidade é um princípio de justiça social”0.

Pela integralidade de atendimento, por fim, compreende-se a

aplicação articulada e contínua de ações e serviços, conforme a exigência de cada caso

(Lei 8.080/90 – art. 7º, II). Logo, a diretriz de assistência integral implica a

disponibilização de todos os meios e recursos existentes para o atendimento da

população, ou seja, cobertura de qualquer enfermidade, bem como a articulação

intersetorial das ações.

0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, Sistema Único de Saúde – princípios.In: Gestão Municipal de Saúde – textos básicos. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2001, p. 301.0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, op. e loc. cit.0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, op. e loc. cit.

172

O financiamento desse sistema é feito conforme dispõem os §§ 1o e 2o

do art. 198 da Constituição da República:

§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com

recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,

anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos

derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar

prevista no § 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos

impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e

159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas

aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação

dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts.

158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

Os recursos hauridos são alocados no Fundo Nacional de Saúde

(FNS), gestor financeiro, na esfera federal, que tem como missão “contribuir para o

fortalecimento da cidadania, mediante a melhoria contínua do financiamento das ações

de saúde”; a aplicação dos valores integrantes do FNS é prevista no art. 2o da Lei n.

8.142/90.

A Norma de Operação Básica (NOB) do Sistema Único de Saúde n.

01/96 buscou primordialmente “promover e consolidar o pleno exercício, por parte do

poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde

de seus munícipes (artigo 30, incisos V e VII, e artigo 32, parágrafo 1o, da Constituição

Federal), com a conseqüente redefinição das responsabilidades dos Estados, do

Distrito Federal e da União, avançando na consolidação dos princípios do SUS” (item

2). Mas, enquanto esse desiderato (a Gestão Plena do Sistema Municipal) não era

alcançado, admitiu a norma regulamentar uma outra modalidade, a Gestão Plena da

Atenção Básica. Os Municípios que sequer conseguiram se habilitar nesta última, e não

foram poucos, transferiam a gestão do SUS, no seu território, aos Estados a que

pertenciam.

173

Voltemos à Gestão Plena da Atenção Básica. Nela estava enquadrado

o Município Y até maio de 2001 (ou seja, durante todo o período dos fatos carreados

por estes autos), e, em linhas rápidas, consistia na atribuição de responsabilidade, ao

Município, da gestão dos serviços básicos, inclusive domiciliares e comunitários,

enquanto a modalidade remuneração à rede hospitalar credenciada (remuneração por

serviços) continuava de responsabilidade do Fundo Nacional de Saúde (FNS),

gerenciado pelo governo federal.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE. COMPETÊNCIA

O elastério com que a expressão agentes públicos foi empregada, na

Lei n. 8.429/92, faz com que nenhum exegeta bem intencionado sequer cogite pensar

ser possível a um médico ou administrador de hospital privado credenciado junto ao

SUS, em caso de malversação de recursos públicos, subtrair-se às sanções da Lei de

Improbidade Administrativa.

A questão, todavia, foi submetida recentemente ao Superior Tribunal

de Justiça, em aresto relatado pelo Min. Luiz Fux, que teve a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL Nº 416.329 - RS (2002 0021459-3)⁄

RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RECORRIDO: ROGERIO TREGNAGO E OUTROS

ADVOGADO: ROQUE GILBERTO CHEDID E OUTRO

EMENTA

ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA

DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR

CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO

DELEGADA.

174

1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os

servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito

de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429 92: ⁄ "a Lei Federal n.

8.429 92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de⁄

probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na

relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a

noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito

do funcionário público contido no Código Penal (art. 327)".

2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função

pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de

improbidade administrativa.

3. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que

se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento

na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da

legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento.

4. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do

ato improbo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07,

do STJ.

5. Recursos providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos

recorridos para se submeteram às sanções da Lei de Improbidade

Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento aos recursos,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Garcia Vieira,

Humberto Gomes de Barros e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.

Brasília (DF), 13 de agosto de 2002(Data do Julgamento).

Vale a pena transcrever trecho extenso, porém extremamente

elucidativo, do voto do Eminente Relator:

(...) Verifica-se que o alcance conferido pelo legislador quanto à

expressão "agente público" possui expressivo elastério o que faz com que os

175

sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os

servidores públicos, mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de

algum modo vinculadas ao Poder Público.

A própria lei, em seu art. 2º, amplia o seu espectro, por isso que de

maneira exemplificativa emprega a expressão "ou qualquer outra forma de

investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função" fazendo remição

ao art. 1º o qual retrata os sujeitos ativos dos atos de improbidade.

Fábio Medina Osório, in “Improbidade Administrativa”, Ed. Síntese,

1997, 2ª ed., p. 97-99, ao tratar da conceituação do termo ‘agentes públicos’,

afirma que quanto às atividades delegadas, quando engendradas em

detrimento de qualquer entidade de Direito Público, podem ser considerados

sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa os denominados

“agentes delegados”:

“Cumpre examinar os sujeitos ativos do ato de improbidade à luz da

Lei número 8.429 92. ⁄

Imperioso analisar as diversas acepções de agente público que se

destinam a ser tutelados pela legislação repressora da improbidade,

interpretando o art. 2º da Lei número 8.429 92.⁄

Agentes públicos são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva

ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. A regra é a

atribuição de funções ao órgão, as quais são repartidas entre os cargos, ou

individualmente entre os agentes de função sem cargos. O agente titulariza

o cargo – o qual integra o órgão – para servir ao órgão. As funções são os

encargos atribuídos aos órgãos, cargos e agentes.

A verdade é que os agentes públicos repartem-se em quatro espécies

ou categorias bem diferenciadas, a saber: agentes políticos, agentes

administrativos, agentes honoríficos e agentes delegados.

O conceito de agente público, para efeitos de controle da probidade

administrativa, levará em linha de conta, fundamentalmente, o art. 1º, caput

e parágrafo único, da Lei número 8.429 92, diferenciando-se, em certa⁄

medida, das concepções doutrinárias que visualizam os agentes delegados

como espécies de agentes públicos.

Os agentes delegados são aqueles que são particulares e recebem

incumbência de execução de determinada atividade, obra ou serviço

público, realizando-o em nome próprio. São colaboradores com o Poder

Público. 'Nesta categoria encontram-se os concessionários e

176

permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou

cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos,

as demais pessoas que recebem delegação para alguma atividade estatal

ou serviço de interesse coletivo'.

Os chamados permissionários, concessionários e autorizatários

realizam serviços públicos pela descentralização administrativa.

Serviços concedidos são aqueles que o particular realiza ou executa,

em seu nome, por sua conta e risco, remunerados por tarifa, na forma

regulamentar, mediante delegação contratual ou legal do Poder Público

executado por particular em razão da concessão.

HELY LOPES MEIRELLES é de opinião no sentido de que os

agentes delegados, quando lesam direitos no desempenho das funções

delegadas, devem responder civil e criminalmente sob o império das normas

que regem a Administração Pública de que são delegados, inclusive por

crime funcional, pois a transferência da execução não descaracteriza o

caráter público da atividade, tanto que a lei de mandado de segurança

considera 'autoridade', para fins de impetração, as pessoas naturais ou

jurídicas com funções delegadas do poder público.

Estarão os agente delegados, todavia, sob o império direto da Lei

número 8.429 92?⁄

Interessante observar, nesse tópico, que a lei busca, primordialmente,

tutelar o dinheiro público, o patrimônio público material, tanto que a definição

dos sujeitos passivos alcança aqueles que atuam comumente ao abrigo das

normas de direito privado, mas, por circunstâncias especiais, se encontram

tocados pelo setor público.

Neste campo, ocorre aquilo que se denomina de convergência entre

os direitos público e privado, pois as entidades privadas são atingidas pela

legislação, na medida em que estiverem em contato com o dinheiro público,

pouco importando que suas atividades ficassem enquadradas nas normas

privatísticas.

As concessionárias, autorizatárias e permissionárias de serviços

públicos atuam, na verdade, como empresas privadas, ao abrigo de regras

do direito privado, salvo se houver nelas injeção de dinheiro público. Assim,

uma empresa de telecomunicações exerce atividade concedida pelo Poder

Público, no que se refere ao canal televisivo, mas nem por isso estará,

automaticamente, enquadrada como sujeito passivo da lei de improbidade

em razão exclusiva da natureza da atividade. Em decorrência, os

177

empregados da entidade, os agentes delegados também não se encontram

sob o império da definição de sujeitos ativos, embora, por ângulo diverso,

até pudessem se subsumir na ampla conceituação de agente público. É

que, não obstante não sejam agentes públicos, podem concorrer ao ato de

improbidade praticado por agente público, quando lesarem o erário.

Os sujeitos ativos do ato de improbidade serão definidos,

fundamentalmente, em razão do reconhecimento dos sujeitos passivos,

porque é agente público todo aquele que exerce , ainda que

transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,

cargo, emprego, ou função nas entidades mencionada no art. 1º e parágrafo

único da Lei número 8.429 92. Dentre essas entidades, s.m.j., não se⁄

consegue vislumbrar todas as empresas concessionárias, autorizatárias ou

permissionárias de serviços públicos, pelo só fato de estarem nessa

condição, salvo se fosse possível inseri-la na conceituação mais ampla de

'administração indireta' exigida pelo art. 1º, caput, da lei, diante da exigência

de tipicidade”.

À luz dessa orientação doutrinária, resta-nos estabelecer se os

administradores dos hospitais conveniados ao SUS exercem ou não função

pública delegada.

Consoante a previsão do art. 199, da CF, as entidades privadas de

assistência à saúde, podem participar, de forma complementar, por meio de

celebração de contrato de direito público ou convênio, do Sistema Único de

Saúde.

Em função da referida parceria, essas entidades hospitalares passam a

receber verbas do Poder Público e, portanto, ficam subordinadas aos

princípios regedores da administração Pública, o que as torna passíveis de

serem consideradas “sujeitos ativos dos atos de improbidade” em caso de

malversação dos valores repassados pelo SUS.

In casu, não há que se cogitar do fato de que as entidades hospitalares

têm natureza privada. O simples e notório fato de serem conveniadas ao SUS

e, portanto, receberem verbas repassadas ao Município pela União, as

submete aos princípios regentes da Administração Pública, primordialmente,

o da Supremacia do Interesse Público.

(...) Deveras, o STJ, por meio de sua Quinta Turma, já se pronunciou

quanto à possibilidade de os médicos conveniados ao SUS, ante a função

pública delegada que exercem, serem processados e julgados por delitos,

178

como se funcionários públicos fossem, a teor do que estabelece o art. 327, do

Código Penal:

´RECURSO DE "HABEAS CORPUS". BENEFICIÁRIO DO SUS.

COBRANÇA INDEVIDA DE HONORÁRIOS MÉDICOS. DENÚNCIA.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR O FEITO.

1. Crime, em tese, de estelionato e concussão, praticado por médico

responsável por hospital conveniado do SUS. Cobrança indevida que

acarreta prejuízos ao particular, e não à União Federal.

2. Recurso parcialmente provido, para determinar seja o feito anulado

a partir do recebimento da denúncia, com a remessa dos autos ao Juízo

Comum, competente para o julgamento.´

(RHC 7760-RS, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 22 03 1999)⁄ ⁄

´RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO

DE AÇÃO. CONCUSSÃO. MÉDICO CADASTRADO NO SUS. JUSTA

CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. INÉPCIA DA

DENÚNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AMPLIAÇÃO DO

CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FUNÇÃO DELEGADA. LESÃO

AO INTERESSE DA UNIÃO. RECURSO DESPROVIDO.

I. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida

quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto

fático-probatório evidencia-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a

fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção de punibilidade.

II. Eventual alegação de inépcia da denúncia só pode ser acolhida

quando demonstrada inequívoca deficiência, a impedir a compreensão da

acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado.

III. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de médicos

cadastrados ao SUS que, no atendimento a segurados da Autarquia,

exercem função pública delegada, ex vi do amplo enquadramento permitido

pelo art. 327 do CP.

IV. Inserem-se no conceito de funcionário público todos aqueles que,

embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo,

emprego ou função pública, ou seja, todos aqueles que, de qualquer forma,

exerçam-na, tendo em vista a ampliação do conceito de funcionário público

para fins penais.

V. Inobstante a descrição típica do art. 316 do CP não exigir o

recebimento de vantagem indevida para a caracterização do delito de

179

concussão - que é de natureza formal, vislumbra-se a lesão ao interesse da

União, no que respeita à fiel prestação de seus serviços, face ao preceito

constitucional da gratuidade dos serviços de saúde pública, ressaltando-se,

por outro lado, que o nosocômio particular efetivamente recebe verbas

federais pelo convênio firmado.

VI. Recurso desprovido.´

(RHC 7966-RS, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 21 06 1999)⁄ ⁄

Preceitua o art. 327, do Código Penal que ‘considera-se funcionário

público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem

remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública’ e o seu parágrafo

único complementa: ‘equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,

emprego ou função em entidade paraestatatal’.

Por sua vez, o art. 3º, da Lei n.º 8.429/92, dispõe que ‘reputa-se agente

público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que

transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,

cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.’

Assim, conforme ressaltou Wallace Paiva Martins Júnior, in ‘Probidade

Administrativa’, Saraiva, 2001 ‘a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica

atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao

agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre

ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com

uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no

Código Penal (art. 327)’.

Em assim sendo, se os médicos conveniados ao SUS, são equiparáveis

a agentes públicos e, portanto, podem ser sujeitos ativos dos crimes próprios

contra a Administração, o que já foi objeto de julgamento por esta Corte (RHC

7966 RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 21.06.1999 e RHC 7760 RS, Rel. Min.⁄ ⁄

Edson Vidigal, DJ de 22.03.1999), e, em razão da maior abrangência do texto

da Lei n.º 8.429 92, não há como se afastar a característica de agentes⁄

públicos dos recorridos e o seu enquadramento como possíveis sujeitos ativos

de atos de improbidade.

Magister dixit. E não o disse sozinho. O E. TRF da 3a Região, julgando

feito análogo, assim decidiu:

180

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO

CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU PARCIALMENTE TUTELA

ANTECIPADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DE

MÉDICOS E ADMINISTRADORES DE HOSPITAL CONVENIADO COM O

SUS, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA AÇÃO.

1 - HÁ ELEMENTOS DE COMPROVAÇÃO HÁBEIS A DAR SUPORTE AO

REQUERIMENTO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL PROVISÓRIO PARA

AFASTAMENTO DOS MÉDICOS, NOMINADOS NO VOTO, DA PRESTAÇÃO

DE SERVIÇOS OBJETO DO CONVÊNIO, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA

AÇÃO. É A MEDIDA MAIS EFICAZ PARA SE EVITAREM AFRONTAS À

GRATUIDADE DO SISTEMA, À SUA CREDIBILIDADE PERANTE OS

USUÁRIOS E À MORALIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA.

(...) 3 - A INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DADA AO ARTIGO 20 E

PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8429/92 REFERE-SE A SERVIDOR ESTÁVEL

LEGALMENTE INVESTIDO EM CARGO PÚBLICO, À VISTA DO ARTIGO

41, § 1º, DA CARTA MAGNA E DO ARTIGO 147 DA LEI 8112/90. OS

MÉDICOS QUE PRESTAM SERVIÇOS PÚBLICOS AOS SUS SÃO

DELEGATÁRIOS DE FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DO CONVÊNIO

ENTRE O GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O HOSPITAL, COM

RECURSOS DA UNIÃO FEDERAL, RAZÃO PELA QUAL PLENAMENTE

VIÁVEL O EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ, CUJA

ABRANGÊNCIA É ACENTUADA, EX VI DO ARTIGO 5º, INCISO XXXVI, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADEMAIS, NADA IMPEDE QUE SE SOCORRA

DO ARTIGO 273 DO CPC, UMA VEZ QUE O AFASTAMENTO PODE SER

LIDO COMO TUTELA PARCIAL DOPROVIMENTO FINAL DA PERDA DE

FUNÇÃO.

4 - A INICIATIVA PRIVADA PODE PRESTAR SERVIÇOS DE SAÚDE, COM

FINS LUCRATIVOS, COBRANDO DIRETAMENTE DOS BENEFICIÁRIOS

(ART. 199, CF) OU PARTICIPANDO DO SUS (§ 1º, ART.199, CF). NESTA

ÚLTIMA CONDIÇÃO, INTEGRA A REDE PÚBLICA, MEDIANTE

CONTRATO DE DIREITO PÚBLICO OU CONVÊNIO. O HOSPITAL

CONVENIADO, SEUS AGENTES DIRETOS OU INDIRETOS, NA FORMA

TERCEIRIZADA, EXERCEM FUNÇÃO PÚBLICA POR DELEGAÇÃO. EM

CONSEQÜÊNCIA, SÃO PASSÍVEIS DE RESPONSABILIZAÇÃO PELA LEI

8429/92 (TRF da 3a Região, 5a T., AI n. 97030606261-SP, Rel. Juiz André

Nabarrete, j. 14.12.1999, DJ 20.06.2000, p. 496).

E a que ramo do Judiciário compete a lide que visa à aplicar as

sanções da Lei n. 8.429/92? Em se estando diante de prestador de serviços

181

hospitalares, remunerado por autorizações de internação hospitalar (AIHs), situado em

urbe na qual não vigia a gestão municipal plena, é evidente que a competência é da

Justiça Federal. Sim, porque o repasse é, nesse caso, oriundo do Fundo Nacional de

Saúde, gestor financeiro do SUS na esfera federal, como se viu; as AIHs eram

fiscalizadas pelo Ministério da Saúde. Assim, inegavelmente, há lesão a serviço ou

interesse da União, pelo que, ex vi do art. 109, I, CF/88, deve ser dirimido o pleito junto

à Justiça Federal.

DAS CONDUTAS DOS RÉUS

As condutas ilícitas narradas nos autos podem ser agrupadas em três

modalidades principais: a) atentatórias ao princípios basilares do SUS; b) dupla

cobrança: procedimentos eram simultaneamente cobrados do SUS e de um plano de

saúde privado, administrado pela primeira ré, o ZZZZ; c) fraudes, mediante as quais

atendimentos meramente ambulatoriais foram cobrados do SUS como se fossem

procedimentos hospitalares.

DENEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE

A fl. 07 do anexo procedimento administrativo narra um fato que

reflete profunda desconsideração pela pessoa humana. O primeiro réu, Hospital Santa

Casa de Misericórdia, recusou-se a realizar uma cirurgia em José Raimundo dos

Santos, sob o argumento de que aquela unidade de saúde não atendia doentes

mentais. Esta conduta viola frontalmente os princípios que norteiam o Sistema Único

de Saúde, em especial o da universalidade, definido anteriormente nesta peça

processual.

Afinal de contas, não podia a instituição selecionar pacientes para

internação, usando como critério a sanidade mental, a condição social ou pessoal ou

qualquer outro preconceito. Essa prática, além de imoral, é frontalmente contrária aos

182

preceitos legais referidos, que vinculam a atuação da instituição hospitalar no âmbito

do SUS.

Consigne-se que, malgrado a recusa, os atendentes do hospital

não esqueceram de preencher a AIH constando como tendo sido internado o

aludido paciente, para o mesmo procedimento médico-hospitalar.

COBRANÇAS IRREGULARES

Informam os autos que os acionados beneficiavam indevidamente a

primeira ré, às custas do Fundo Nacional de Saúde (FNS), administrado pelo governo

federal, ora cobrando e recebendo recursos federais do SUS (Sistema Único de

Saúde), malgrado realizassem as internações em pacientes em caráter privado, ora

efetuando atendimentos ambulatoriais, mas fazendo constar nas Autorizaçôes de

Internamento Hospitalar (AIHs) como internações.

Sabe-se que o sistema de remuneração dos serviços médico-

hospitalares do SUS está centrado na AIH. Trata-se de documento hábil à cobrança,

pelos hospitais, dos serviços prestados. À época dos fatos que dão origem a essa Ação,

a AIH era instrumento de cobrança dos serviços profissionais (honorários médicos),

serviços auxiliares de diagnóstico e terapia (SADI), serviços hospitalares (diárias e

taxas), e de materiais de medicamentos (mat/méd).

Ao longo do procedimento administrativo, constatou-se que ao menos

22 (vinte e duas) internações de pacientes ocorreram pelo ZZZZ (plano de saúde

próprio da Santa Casa de Misericórdia de Y) e que, paradoxal e contraditoriamente,

foram emitidas AIHs para os mesmos pacientes. Vale dizer, recebeu valor

correspondente do SUS a tratamentos já cobrados dos particulares por intermédio do

plano de saúde do Hospital, réu desta ação. Este fato caracteriza, às escâncaras, a

dupla cobrança, em absoluto descompasso com o estatuído na Constituição Federal,

na Lei Federal 8.080 de 19.09.1990 e na PT 113/SAS de 04 de setembro de 1997, que

garante a gratuidade total do atendimento quando este ocorrer pelo SUS.

Constam, ainda, dos autos que os réus registraram, nas AIHs,

internações de no mínimo 10 (dez) pacientes, que tão somente foram submetidos a

tratamento ambulatorial. Assim, hauriram indevidamente os acionados, para si ou para

183

o primeiro acionado, do dinheiro dos cofres públicos, subtraindo de fundo gerido pelo

governo federal valores de internações quando concretamente o serviço prestado pelo

hospital foi outro (tratamento ambulatorial).

Com efeito, realizou-se auditoria no Hospital Santa Casa da

Misericórdia, comprovando-se a destinação de recursos públicos federais para o

financiamento de internações particulares e para o pagamento de tratamentos

ambulatoriais como se internações fossem.

A referida auditoria realizada pelo Ministério da Saúde (relatório de

fls.1/17, Apenso III) analisou as situações representadas de pacientes internados por

aquela unidade sob o prisma da cobrança ao SUS de internações de pacientes

conveniados. As conclusões da auditoria dos casos analisados foram de uma extrema

clareza:

Das 28 visitas domiciliares realizadas, constatamos irregularidades em 15

(53,5%) dos pacientes pesquisados, sendo 9 por cobrança em AIH de

procedimento ambulatorial e 6 por dupla cobrança (AIH+ZZZZ).

Das 23 denúncias analisadas nos Processos apresentados pelo Sr. Procurador

da República de Ilhéus/BA nº mmmm e nnnnn são procedentes e as

irregularidades encontradas foram: dupla cobrança – 16 pacientes,

atendimento ambulatorial com cobrança em AIH – 1 paciente e internamento

inexistente – 1 paciente.(...)

A Santa Casa de Misericórdia de Y possui um Plano de Saúde próprio (ZZZZ),

cuja proposta de Adesão (anexo 1, fls. 3), consta a exigência da guia de

internamento do SUS para admissão dos pacientes usuários do referido plano

o que caracteriza a dupla cobrança, em desacordo com a Constituição Federal,

a Lei 8.080 de 19/9/90 e a PT/SAS 113 de 4/9/97 (Apenso 03, p. 14).

Para melhor identificar as condutas ilícitas perpetradas pelos réus,

vale transcrever do relatório, outrossim, a disposição em quadro de cada um dos casos

analisados pelos auditores:

Irregularidades passíveis de glosa total:

184

Nº da AIH Proc.

Solicitado

Proc.

Realizado

Motivo glosa Proposta de

Auditoria2065345568 7450025-2 7450025-2 Dupla cobrança Glosa total2065345535 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2065344116 7250000-0 7250000-0 Dupla cobrança Glosa total2065345667 7450002-3 7450002-3 Dupla cobrança Glosa total2065343863 8150010-6 8150010-6 Dupla cobrança Glosa total206534646x 7750023-7 7750023-7 Dupla cobrança Glosa total2063455801 3301111-7 3301111-7 Dupla cobrança Glosa total2063455856 7550027-2 7550027-2 Dupla cobrança Glosa total2059059882 3802801-8 3802801-8 Dupla cobrança Glosa total2059059915 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2059064843 7450024-4 7450024-4 Dupla cobrança Glosa total2059999568 9150012-5 9150012—2 Dupla cobrança Glosa total2060001086 3300408-0 3300408-0 Dupla cobrança Glosa total2059998512 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2059998501 8150010-6 8150010-6 Dupla cobrança Glosa total2059998490 3900000-1 3900000-1 Dupla cobrança Glosa total2059998480 9150012-5 9150012-5 Dupla cobrança Glosa total2059998468 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2059998435 4000100-8 4000100-8 Dupla cobrança Glosa total2060002274 7650022-5 7650022-5 Dupla cobrança Glosa total2059059376 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2059060025 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2060002329 4020000-0 - Internamento Inexistente Glosa total

Irregularidades passíveis de glosa parcial:

Nº da AIH Proc.

Solicitado

Proc.

Realizado

Motivo glosa Proposta

Auditoria2065342774 4071204-4 08.061.02.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2065343115 3900609-3 08.055.03.3 Atendimento ambul. Glosa parcial2065342125 4400504-0 08.011.10.9 Atendimento ambul. Glosa parcial2210701625 3802201-0 08.011.11.7 Atendimento ambul. Glosa parcial2210701086 3802201-0 08.011.09.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2209738388 3900816-9 08.063.04.4 Atendimento ambul. Glosa parcial2210702879 3901817-9 08.011.17.6 Atendimento ambul. Glosa parcial2210700800 4200207-9 08.042.05.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2059998303 3900904-1 09.031.01.4 Atendimento ambul. Glosa parcial2065345106 4020600-9 07.011.01.6 Atendimento ambul. Glosa parcial

Verificou-se, portanto, das situações analisadas, que a maior parte das

cobranças efetuadas pelo Hospital ao SUS foram fraudulentas, pois as referidas

internações custeadas pelo erário federal já o tinham sido pelos particulares, em

caráter privado, e outras situações onde os réus cobraram dos cofres da União, por

serviços meramente ambulatoriais, valores correspondentes a internações, como se o

Hospital Santa Casa de Misericórdia houvesse prestado este serviço.

185

A auditoria realizada revelou, ainda, que o desfalque ao erário

federal decorrente das fraudes (suso descritas) pelos réus perpetradas

perfizeram um valor de R$ 11.281,55 (onze mil duzentos e oitenta e um reais e

cinqüenta e cinco centavos).

DOS CONTRATOS DE ATENDIMENTO MÉDICO

A Santa Casa de Misericórdia de Y possui um Plano de Saúde próprio

(ZZZZ), cuja proposta de adesão (anexo 01, fls. 03), consta a exigência da guia de

internamento do SUS para admissão dos pacientes usuários do referido plano o que

caracteriza a dupla cobrança, em desacordo com a Constituição Federal, a Lei 8.080/90

e a PT/SAS 113 de 4/9/97 que garante a gratuidade total do atendimento quando este

ocorrer pelo SUS.

A cláusula nona, que versa sobre a Forma de Atendimento, vem assim

escrita (apenso 1, fl. 16):

9.1. O USUÁRIO/BENEFICIÁRIO e seus dependentes expressamente

declarados na Proposta de Adesão ou no Aditivo, serão atendidos pela Santa

Casa nos casos previstos nestas CONDIÇÕES GERAIS, quando

expressamente exigidos pelo hospital nos casos de internação:

a) Guia de internamento fornecida pelo SUS – Sistema Único de Saúde (não

sublinhado no original).

Deste modo, exigem os contratos do ZZZZ a guia de internação do

SUS para a admissão dos pacientes usuários do plano de saúde próprio da Santa Casa

de Misericórdia. Os contratos do referido plano apresentam ostensivamente que o

hospital vendia atendimento médico hospitalar aos seus clientes, embora empurrasse

as contas das internações para o erário federal. Este fato não somente caracteriza a

indigitada dupla cobrança, como também institucionaliza a ilegalidade.

Além disso, aquele plano adotou como cláusula que os seus aderentes

terão direito à obtenção de tratamento diferenciado, nos casos de internamentos

hospitalares decorrentes de doenças, cirurgias, acidentes, gravidez e partos e

atendimento em consultórios particulares dos médicos credenciados pelo ZZZZ.

186

Para oferecer “tratamento diferenciado”, utilizou o hospital dos

recursos do Sistema Único de Saúde (cf. cláusula supratranscrita). Consubstancia-se

tal ato, visto sob outra ótica, uma transgressão aos princípios norteadores do Sistema

Único de Saúde, notadamente o da universalidade e do atendimento integral. Recorde-

se que, mediante eles, o acesso às ações e serviços de saúde não requer para sua

fruição nenhum requisito, devendo ser universal e igualitário em todos os níveis de

assistência. Além disso, a assistência à saúde deve estar pautada na igualdade, sem

preconceitos ou privilégios de qualquer natureza (art. 7º, IV, da LOS).

DA DESCARACTERIZAÇÃO DAS INTERNAÇÕES COMO COBERTAS PELO

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DO DEVER DE RESSARCIR O DANO

As provas colecionadas e demonstradas são suficientes para se

concluir com tranqüilidade que os réus utilizaram-se intencionalmente de recursos

públicos federais do SUS para financiar atendimento médico-hospitalar de pacientes

privados daquela instituição.

Grave na espécie, todavia, foi constatar que a quase totalidade das

internações denunciadas, cobradas ao Fundo Nacional de Saúde, não ocorreram pelo

sistema público de saúde, mas pelo convênio do Hospital.

Esse fato descaracteriza integralmente o ajuste entre o Poder Público

e o prestador privado que, como visto, estava legalmente obrigado (quando usar

recursos do SUS) a prestar um atendimento universal (dentro desse princípio se inclui

a gratuidade) e isonômico e não o fez.

Os réus, portanto, desconsideraram as suas obrigações, tornando

ilícitos os recebimentos das verbas públicas, vez que as internações questionadas

foram realizadas em caráter privado e alguns atendimentos cobrados do erário federal

como internações, tratavam-se somente de tratamento ambulatorial.

A desqualificação do ajuste e dos recebimentos faz surgir, lógica,

jurídica e indissociavelmente, a obrigação dos réus de ressarcirem esses valores,

reparando o dano patrimonial resultante das cobranças ilícitas.

187

DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADOS

Os demandados, do segundo ao último, desempenhavam, à época dos

fatos, funções, junto ao primeiro réu, a implicar claros poderes de administração.

A eles incumbiam, além da fiscalização dos subordinados, a escolha de

seus assessores imediatos. Para que os fatos narrados conseguissem ocorrer, no

mínimo incorreram em culpa in eligendo e in vigilando, de proporções ainda mais

graves quando se tem em conta não ser grande o porte da unidade hospitalar gerida.

Nunca é demais lembrar que, aos responsáveis pela aplicação do

dinheiro público, como eram os réus, faz-se exigível uma diligência acima do normal.

Gestão de recursos públicos não é tarefa de amadores: afinal de contas, é o numerário

da coletividade – escasso, em países periféricos, como o nosso – que está em jogo. É

por isso que Fábio Medina Osório ensina, com muita propriedade:

Desnecessário seria, assim, comprovar cabal má fé do agente, em

determinadas hipóteses, na medida em que dos fatos emergem presunções

legais em desfavor dos agentes públicos. Estes devem portar-se de forma

exemplar. A eles é inescusável o desconhecimento das leis e normas jurídicas.

Para tanto, devem estar corretamente assessorados e devem observar,

estritamente, os limites legais no desempenho de suas tarefas0.

As condutas desses réus, assim, adequam-se plenamente à moldura

do art. 10, caput ou inciso XII, da Lei n. 8.429/92, pois ele, dolosa ou culposamente,

deram causa à perda patrimonial de verbas federais relativas à educação, permitindo,

ao mesmo tempo, que o nosocômio demandado auferisse, indevidamente, mais receita

do que deveria.

Caso assim não considere o Judiciário – e, desde logo, fica articulada

como causa petendi subsidiária –, no mínimo houve lesão a princípios da

administração pública, e, mais especificamante, aos deveres de honestidade (pois

chegou a subscrever simulacro de prestação de contas), de legalidade e de lealdade às

0 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 86-87.

188

instituições, pelo que, ao menos, enquadra-se no art. 11, caput e inciso II, do mesmo

diploma normativo.

DA RESPONSABILIDADE POR DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO

Restou demonstrado que os demandados cometeram atos elencados

dentre os reprimidos pela Lei de Improbidade Administrativo, pelo que lhes incidirão as

devidas sanções, bem como que, descaracterizadas as internações como passíveis de

cobertura pelo SUS, impende-lhes ressarcir o prejuízo, materialmente considerado.

Há, todavia, uma outra ordem de danos a reparar: os de cunho

extrapatrimonial coletivo.

Vale salientar, a propósito, que tal pleito tem inteiro cabimento, no bojo

da presente ação, pois: a) consta dos três incisos do art. 12, da Lei n. 8.429/92, como

sanção a reparação integral do dano, o qual não engloba apenas os prejuízos

materiais, como também os extrapatrimoniais – onde a lei não distingue, não deve o

intérprete fazê-lo; b) mesmo que assim não fosse, a cumulação encontra plena guarida

na jurisprudência; consulte-se, a propósito, TRF da 3a Região, 5a T., AI n. 97030606261-

SP, Rel. Juiz André Nabarrete, j. 14.12.1999, DJ 20.06.2000, p. 496.

E o que são exatamente os danos extrapatrimoniais coletivos? Para

responder essa pergunta, é necessário discorrer, ainda que brevemente, sobre alguns

tópicos da Teoria Geral do Direito Civil.

Os conceitos, na dogmática jurídica, desempenham diversas funções0,

dentre as quais aquela que Alexy alcunhou de heurística, a respeito da qual rememora

ele que “a dogmática contém um grande alcance de modelos para resolver problemas,

distinções e pontos de vista, que não ocorreriam prontamente a alguém começar

sempre de novo”0. Ou seja, mediante ela, concepções prévias poupam o escasso tempo

0 Robert Alexy embora a elas se refira como funções da dogmática, nomeia as seguintes: “(1) função deestabilização; (2) a função de desenvolvimento; (3) a função de redução do encargo; (4) a função técnica;(5) a função de controle e (6) a função heurística” (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: ateoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001, p. 253).0 ALEXY, Robert, ob. cit., p. 256-257.

189

dos operadores do Direito, fazendo com que o pensar quase que se automatize,

aumentando a velocidade dos raciocínios e. por conseguinte, das decisões.

Isso, todavia, faz com que nem sempre as soluções mais corretas

sejam tomadas, justamente por força de uma outra função identificada por Alexy, a da

redução dos encargos. O uso de conceitos pré-concebidos, com efeito, minora o

encargo do processo justificativo, o que é muito bom, diante de velhos paradigmas,

mas é desastroso quando somos confrontados com o novo0.

O reconhecimento disso, contudo, não pode fazer olvidar que, como

ensina Bergel:

Os conceitos, ou seja, as representações mentais gerais e abstratas dos

objetos, só podem ser determinadas, em matéria jurídica, em função do direito

positivo e das realidades socais. O processo intelectual que leva a eles parte

da observação da lei, da jurisprudência, da prática jurídica etc. Ele é

particularmente difícil, pois se apóia em regras inconstantes e em geral

contraditórias e na extrema variabilidade dos comportamentos humanos e dos

fenômenos de ordem psicológica, social, econômica, ética ... Os resultados

dessa observação e os critérios que dela se destacam são traduzidos em

conceitos por meio de indução, mas geram apenas hipóteses e são suscetíveis

de evolução0.

Deveríamos sempre ter isso em mente — os conceitos são suscetíveis

de evolução. No entanto, o automatismo no emprego de soluções pré-concebidas

normalmente faz com que, de seres pensantes, convertamo-nos em meras maquinas

de produção de silogismos, hipoteticamente neutros ideológica e axiologicamente0.

Em sede de Direito Civil, a situação é ainda mais grave, pois

praticamente toda a elaboração conceitual foi gestada por uma só escola, em um só

período, em um só contexto. Os pandectistas germânicos, tentando encontrar um

0 Dentre outros pensadores, isso foi contundentemente analisado por Habermas: “Não menos rica deconseqüências é a autocompreensão objectivista das ciências hermenêuticas. Da apropriação reflectidade tradições ainda actuantes retira um saber esterilizado, e, em vez dele, fecha a história no museu.Guiadas pela atitude objectivista da teoria constitutiva de factos, as ciências normológicas ehermenêuticas complementam-se mutuamente quanto às suas conseqüências práticas. Enquanto estasse desvinculam do nexo com a tradição, aquelas, apoiando-se no enganoso fundamento de uma históriarecalcada, conjuram a prática vital para o círculo funcional do agir instrumental” (HABERMAS, Jürgen.Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 142).0 BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 254.0 Quando, em verdade, o próprio mito da neutralidade tem em si escancarado cunho ideológico.

190

sentido (que, na ótica do pensamento oitocentista, deveria ser ao mesmo tempo

racional e sistemático) em algo totalmente desprovido deste (as normas jurídicas da

Antiga Roma, feitas por um povo cujas aspirações, no particular, eram puramente

pragmáticas — e talvez por isso tenham governado o mundo por tanto tempo),

construíram e legaram-nos o edifício conceitual daquele ramo do Direito0.

Porém, era o tempo da ascensão da burguesia industrial, e o substrato

ideológico subjacente exerceu imensa influência no delinear dos conceitos.

Assim, tudo foi reduzido a uma dimensão meramente material,

traduzível em expressão pecuniária, e com matizes nitidamente individualistas. Isso

marcou profundamente o pensamento jurídico, até os nossos dias. O nosso modelo

teórico de relação jurídica é essencialmente fincada na de índole obrigacional. E até o

instituto do casamento, por exemplo, encontrou propaladores de sua natureza como

contratual0.

No campo da responsabilidade civil, por exemplo, grassaram os

equívocos de entender que o dano moral, por não implicar em diminuição do patrimônio

material do ofendido, seria irressarcível. Lentamente, a doutrina repudiou tal

entendimento, até que nos incisos V e X do art. 5o da atual Constituição a sua

reparabilidade foi expressamente consagrada.

Em verdade, as modificações determinadas pela nova ordem

constitucional foram muito mais profundas, quanto ao trato do tema.

De fato, o vigente texto consagrou, de um lado, a cidadania e a

dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (art. 1o, II e III); de

0 “Como apontado precedentemente, o direito romano havia sido introduzido desde o século XV noImpério Romano-Germânico por intermédio de uma efetiva recepção prática. Por essa razão, o seuestudo continuara a se desenvolver nas universidades sob o signo da sua utilidade e aplicabilidadeconcretas. Entretanto, o direito daí resultante não era mais do que formalmente o direito contido noCorpus Juris, porquanto materialmente fora o mesmo desenvolvido pela jurisprudência — sendo muitoforte, como se assinalou, a influência do usus modernus pandectarum — e mesmo pela legislação,criando-se, assim, o direito comum do império como uma obra de juristas práticos.

Todavia, tendo em conta o grande peso do jusracionalismo na cultura jurídica alemã — haja vistaa linha de continuidade que vai de Puffendorf, Leibiniz e Wolff até Netelblaat e Kant — a ciência jurídicadesenvolve uma tendência, a partir do século XVIII (justamente na época em que começa a ruir aautoridade do Império), que levará o direito a ser tratado como um ‘assunto de professores’, vale dizer,de teóricos, uma vez que, em razão da antinomia entre a teoria e a prática inerente àquela doutrina, odireito natural moderno não poderia ser recebido como um direito de juristas práticos” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado. 1a ed., 2a tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,p. 211-212).0 No caso específico do casamento, esse posicionamento é até nossos dias defendido pelo DireitoCanônico, embora, no Direito Civil, encontre oposição dos institucionalistas — doutrina, aliás, cujoaparecimento foi quase que concomitante ao dos totalitarismos anteriores à segunda grande guerra.

191

outro, tratou da reparação ao dano moral no Capítulo I (Dos direitos e deveres

individuais e coletivos) do Título II (Dos direitos e garantias fundamentais).

Mas isso não foi tudo: de forma inédita, em nosso país, o ingresso da

Constituição-cidadã no ordenamento não se deu apenas no âmbito puramente

abstrato, normativo0. Houve (e continua havendo) uma forte Wille zur Verfassung, de

que falava Hesse0. Com isso, preceitos tidos apenas como simbólicos (“para inglês

ver”, na expressão popular) ganharam eficácia jurídica0, e os atores sociais, co-autores

do processo hermenêutico0, tornaram evidente a insuficiência dos conceitos em outras

épocas cristalizados.

No caso do dano moral, a função redutora do conceito teve de ser

abandonada, para que a sua dimensão individualista, fundada essencialmente na

noção de dor psíquica, pudesse coabitar com o âmbito coletivo. Tudo isso em face da

constatação de que, a latere das lesões extrapatrimoniais individuais, havia outras,

muito mais deletérias, a atingir coletividades inteiras — e é evidente que repugnaria ao

ideal de Justiça, subjacente, como meta, a todo o ordenamento jurídico, relegar tais

situações ao desamparo.

A construção do conceito, todavia, não foi difícil. Bastou acoplar a

teoria dos danos coletivos, a que faz referência, v. g., Carlos Mário da Silva Pereira0,

com a própria noção de dano moral ou extrapatrimonial0, recordando que a reparação

do dano moral coletivo tem lastro constitucional e, como se verá adiante, infra-

constitucional.

0 Termo utilizado, aí, em sentido próximo ao de imperativo categórico kantiano.0 “(…) Pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, naconsciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordemconstitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição(Wille zur Verfassung)” (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 1991, p. 19).0 Ainda que negativa ou paralisante, como nas ditas normas programáticas.0 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional — A sociedade aberta dos intérpretes daconstituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.0 “Nesse contexto intervém a teoria dos danos coletivos, que podem revestir formas ou expressõesvariadas: danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma comunidade, ou danoscausados a uma pessoa jurídica com reflexo nos seus membros componentes” (PEREIRA, Caio Mário daSilva. Responsabilidade civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 44).0 “O fundamento da reparabilidade do dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico,o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordemjurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude,Savatier oferece uma definição de dano moral como ‘qualquer sofrimento humano que não é causadopor uma perda pecuniária” (PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 54).

192

O dano moral coletivo, de acordo com Carlos Alberto Bittar:

é a injusta lesão da esfera moral de um dada comunidade, ou seja, é a violação

antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em

dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio

valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente

considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de

vista jurídico: quer isto dizer, em última instância, que se feriu a própria

cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral

individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se

responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)0.

Ou, na lição de André de Carvalho Ramos:

O Direito Brasileiro encontra-se em fase de aceitação e ampliação da

responsabilidade pelo dano moral. De fato, vislumbra-se cada vez mais a

pacificação do tema do cabimento de indenização por dano moral na doutrina

e na jurisprudência.

(...) Para tanto, deve-se abordar o papel da tutela coletiva dos direitos e

a dimensão indivisível de uma série de ofensas, as quais, se não fosse pela

necessidade de reparação coletiva, ficariam sem a resposta do ordenamento

jurídico.

(...) Aceitar a reparabilidade de dano moral difuso ou coletivo é aceitar o

conceito de um patrimônio moral transidividual.

2. O DANO MORAL COLETIVO

Com a aceitação da reparabilidade do dano moral, verifica-se a

possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e

coletivos.

Como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fiel à concepção

de honra e dano moral, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de

11. 08.1990), quando coloca, em seu art. 6º, VI, entre os direitos básicos do

consumidor (toda pessoa física ou jurídica), a efetiva reparação de danos

patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos.

Tal entendimento dos Tribunais com relação às pessoas jurídicas é o

primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral em face de

uma coletividade, que, apesar de ente despersonalizado, possui valores

0 BITTAR, Carlos Alberto apud CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. In: Revista daEMERJ, Rio de Janeiro: EMERJ, v. 3, n.9, 2000.

193

morais e um patrimônio ideal que merece proteção. Destarte, com a aceitação

da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas

físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados

interesses difusos e coletivos.

As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos

materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a

aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito,

deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria

exclusividade de pessoas físicas. Como esclarece Gabriel Stiglitz, devemos ter

em mente a ampliación del dãno moral, hacia una concepción no restringida a

la idea de sufrimiento o dolor espiritual, sino extensiva a toda modificación

disvaliosa del espíritu.

Pelo contrário, não somente a dor psíquica que pode gerar danos

morais. Qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade também

merece reparação.

Devemos ainda considerar que o tratamento transidividual aos

chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância

destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal

importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral

coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual

acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de

desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda

uma coletividade.

Imagine-se o dano moral gerado por propaganda enganosa ou abusiva.

O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento

de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu

sentimento de cidadania. Como lembra o estudioso Carlos Alberto Bittar Filho,

quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que

o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor)

idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável

do ponto de vista jurídico.

Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo

causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-

imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do

cidadão que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.

Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos

morais coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que

também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o

cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê

desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade

194

séria, onde as leis são cumpridas ?. A expressão popular “o Brasil é assim

mesmo” deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência

na reparação do dano moral coletivo.

A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da

reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são os

mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de

Interesses Difusos, que será responsável pela utilização do montante para a

efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.

Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo

abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado

anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo

ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas

leis, ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social.

Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação a dificuldade

de apuração do justo ressarcimento. O dano moral é incomensurável, mas tal

dificuldade não pode ser óbice à aplicação do direito e sua justa reparação.

Deve servir, pois, de desafio ao juiz, o qual poderá utilizar as armas do art. 5º

da LICC e do art.125 do diploma processual civil. O “non liquet” neste caso

urge ser afastado.

Como coloca o d. Luis Alberto Thompson Flores Lenz, todo o ente moral

possui um conceito social que pode sofrer abalo moral, diferente do abalo

moral que atinge os seus integrantes, pessoas físicas. Diz o citado autor que

nessa situação, eventual ofensa desferida atinge em cheio a entidade moral,

afetando a honorabilidade e conceito social que lhe são próprios, motivo pelo

qual deve ser combatida em respeito àquela e não aos seus integrantes.

Assim, o sentimento de angústia e intranqüilidade de toda uma

coletividade deve ser reparado. Não podemos tutelar coletivamente, então, a

reparação material de violações de interesses materiais e deixar para a tutela

individual a reparação do dano moral coletivo. Tal situação é um contra-senso,

já que não podemos confundir o dano moral individual com o dano moral

coletivo. Como salienta Severiano Aragão, não pode o dano moral ser limitado,

qual atributo da personalidade individual, como a associá-lo, apenas à dor e ao

sofrimento anímico individual. Tal enfoque é casuístico e inaceitável, bastando

lembrar os casos de valor de afeição ou estimação de coisas (Código Civil), ou

de afetação coletiva, como preconizado pelas leis especiais, mencionadas

(Imprensa, Consumidor, Ecologia).

Portanto, a ofensa ao patrimônio moral deste Brasil, consubstanciado

na imagem, no sentimento de apreço a nossa cidadania, deve ser reparada

3. DANO MORAL COLETIVO E A LEGISLAÇÃO NO BRASIL

195

No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública,

tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se

a ser um dos mais importantes – e talvez o mais eficiente – instrumentos de

defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência de opções que

oferece.

A segurança e a tranqüilidade de todos os indivíduos – assim como o

sentimento de cidadania – são bruscamente atingidos quando o patrimônio

moral de uma coletividade é lesado, sem que haja qualquer direito à reparação

desta lesão.

Assim, há expressa previsão de dano moral nas leis de tutela coletiva do

Brasil. De fato, o prejuízo moral – que segue paralelo ao dano material – há de

ser ressarcido, na modalidade de dano moral, conforme previsto no inc. V do

art. 1º da Lei n. 7.347/85.

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla

a indenização por dano moral, nos incs. VI e VII do art. 6º, escudado pela

previsão de nossa Carta de 1988, na dicção do inc. V do art. 5º. Segundo o

citado artigo do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do

Consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos

patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos, e o acesso aos órgãos

judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos

patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção

jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

O quantum que se propõe para tanto e que será revertido para o Fundo

de Bens Lesados de que trata o art. 13 da LACP será apurado por liquidação

de sentença

(...) Em primeiro lugar, podemos ver que o dano moral é reparável como

resposta civil pela agressão ao patrimônio moral, sendo que a cumulação de

indenizações por fato único, com repercussões materiais e morais deve ser

vista como justa e absolutamente constitucional.

(...) Nos Estados Unidos, estruturou-se a teoria do desestímulo. De fato,

a reparação do dano moral visaria ao desestímulo de novas agressões ao bem

jurídico tutelado.

(...) Quanto à prova, verifico que o dano moral já é considerado como

verdadeira presunção absoluta. Para o saudoso Carlos Alberto Bittar, em

exemplo já clássico, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho;

ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o

autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público

da obra, e assim por diante.

O ataque a valores de uma comunidade, além dos danos materiais que

gera, acarreta indiscutível necessidade de reparação moral na ação coletiva.

196

Isso porque, tal qual o dano coletivo material, o dano moral coletivo só é

tutelado se inserido nas lides coletivas. Configurando-se o dano moral coletivo

indivisível (quando gerado por ofensas aos interesses difusos e coletivos de

uma comunidade) ou divisível (quando gerado por ofensa aos interesses

individuais homogêneos), em todos os casos somente a tutela macro-

individual garantirá uma efetiva reparação do bem jurídico tutelado.

Do exposto, observamos que, também como o dano coletivo material, o

dano moral coletivo implica em uma necessidade de reparação por

instrumentos processuais novos. Se estes instrumentos não forem aplicados,

o dano moral coletivo não será reparado e a violação dos valores ideais da

comunidade diminuirá o sentimento de auto-estima de cada um dos indivíduos

dela componentes, com conseqüências funestas para o desenvolvimento da

nação.

As dificuldades advindas da subjetividade dos parâmetros a serem

fixados não devem constituir motivo para a inexistência do direito, em face

desse fundamento. Por outro lado, a finalidade da reparação dos danos extra-

patrimoniais não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação.

Em face das tradicionais críticas quanto à valoração do prejuízo moral,

cabe ao magistrado estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os

critérios de razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, o fator de

desestímulo que a indenização por dano moral acarreta.

(...) As indenizações por dano moral coletivo serão fundamentais para

demonstrar ao brasileiro o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, que

merece proteção judicial. Nas palavras de Oscar Dias Corrêa, a reparação do

dano moral enfatiza o valor e a importância desse bem, que é a consideração

moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que bens materiais e

interesses que a lei protege.

(...) Dessa forma, deve o magistrado levar em consideração que a

reparação do dano moral coletivo representa para a coletividade um

reconhecimento pelo Direito de valores sociais essenciais, tais quais a imagem

do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que compõem o já

fragilizado conceito de cidadania do brasileiro.

Só com o reconhecimento da reparação do dano moral coletivo que

poderemos recompor a efetiva cidadania de cada um de nós0.

Nada mais correto, uma vez que

0 RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. In: Revista de Direito doConsumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 25, p. 80-89.

197

(...) o dano extrapatrimonial ambiental [tema específico do estudo do

autor citado, mas que, mutatis mutandis, pode ser transporto para o caso em

tela] não tem mais como elemento indispensável a dor em seu sentido moral

de mágoa, pesar, aflição, sofrido pela pessoa física. A dor, na qual se formulou

a teoria do dano moral individual, conforme esboçado anteriormente, acabou

abrindo espaço a outros valores que afetam negativamente a sociedade, como

é o caso da lesão material ambiental.

(...) A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao

sentido moral individual, mas não é propriamente este, posto que concernente

a um bem ambiental [in casu, o bem é outro, de índole coletiva, como se viu],

indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental

de toda coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e concomitantemente a outros

valores inter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor, referida

ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se

procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não o interesse

particular subjetivo. Outrossim, refere-se, concomitantemente, a um interesse

comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva0.

Com efeito, tem-se que a reparação por danos morais será devida

sempre que for atingido algum valor ideal do ser humano, aqui entendido do ponto de

vista individual e coletivo, não suscetíveis de imediata apreciação econômica. Assim, a

dor psíquica na qual se baseou a teoria do dano moral individual acaba cedendo

espaço, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço que afeta

negativamente toda a coletividade. Tal se observa, por exemplo, quando a boa imagem

do serviço público ou o conceito de cidadania de cada brasileiro é afetado.

Há, portanto, sólida construção doutrinária, criada a partir da

constatação da insuficiência dos conceitos anteriormente disponíveis, no sentido da

reparabilidade dos danos extrapatrimoniais coletivos. E todo esse labor foi estribado,

como se viu, na extraordinária Wille zur Verfassung que, malgrado todos os percalços,

logrou obter eficácia normativa aos dispositivos constitucionais anteriormente listados

(art. 1o, II e III; art. 5o, X e V — bem como a inserção deste último artigo no rol dos

direitos e deveres individuais e coletivos).

0 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, págs. 299-300.

198

Regras infra-constitucionais expressamente se aliaram ao esforço. Por

exemplo, a redação outorgada ao art. 1o da Lei 7.347 pela Lei n. 8.884, dispôs que:

Art.1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as

ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I- ao meio ambiente;

II- ao consumidor;

III- aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico;

IV- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (não sublinhado no original).

Antes dela, a Lei n. 8.078, alcunhada de Código de Defesa do

Consumidor, em art. 6º, VI, já tornava claro que o dano moral não se vincula tão

somente à pessoa física, ao deduzir ser direito básico do cidadão a efetiva reparação

dos danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos.

No tocante às regras processuais, a Lei n. 8.078 e a Lei n. 7.347

formam um só subsistema normativo. Considerando tudo isso, demonstrado fica que:

(a) as leis n. 8.078 e 8.884 (quanto à redação dada ao art. 1o, caput, da Lei n. 7.437),

seguindo mandamentos constitucionais, já suficientemente desenvolvidos pela

doutrina, disciplinaram, em sede infra-constitucional, a reparabilidade do dano

extrapatrimonial coletivo, mediante o manejo de ação civil pública; (b) tal conceito não

se vê restrito às relações de consumo, mas a todas as hipóteses de cabimento da ação

civil pública, ex vi do art. 21 da Lei n. 7.347.

DO DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO IN CONCRETO

Na espécie, a conduta dos réus, além do dano material acima

demonstrado, causou indisfarçável dano extrapatrimonial à sociedade e ao Poder

Público.

199

Por uma lado, à medida em que os réus apropriam-se indevidamente

de recursos do sistema público de saúde, tem-se, objetiva e diretamente, que esses

mesmos recursos não estarão disponíveis para aplicação em efetiva prestação

do serviço determinado constitucionalmente.

É notória e histórica a situação de carência de recursos para o integral

e universal atendimento à saúde da população (CF art. 196 e 198), acarretando uma

prestação ineficiente do serviço, que acaba por manter no desamparo expressiva

parcela da população, justamente a mais carente e necessitada.

As fraudes perpetradas em face desses serviços adquirem,

portanto, uma significância especial, no sentido de que contribuem diretamente

para a má prestação de um serviço público definido constitucionalmente como

essencial e relevante (CF, art. 197).

O recebimento ilícito de recursos do SUS, além de propiciar um dano

material direto equivalente ao enriquecimento dos réus, acarreta, portanto, também um

dano à sociedade, na medida em que esses mesmos recursos não estarão disponíveis

para aplicação efetiva e a contento em serviços de saúde para a população.

É um sentimento popular, aliás, aquele de que mais grave do que

lesar o patrimônio público ou particular é lesar justamente aqueles serviços

essenciais, que se destinam à parcela mais carente da população, como saúde,

educação, previdência e assistência social. A fraude, nesses casos, adquire ares

de crueldade.

A carência de recursos - gerada em grande parte por fraudes desse

gênero - propicia, ainda, um outro dano gravíssimo para a coletividade como um todo e

ao Poder Público em especial, consistente no descrédito da imagem do serviço

público de saúde.

Nessa vertente encontra-se o Poder Público como o prejudicado

imediato, pois é o seu serviço que passa a merecer o descrédito da população, embora

mediata e inafastavelmente seja a própria sociedade a lesada.

Por outro lado, é a imagem do Estado que fica desprestigiada quando

particulares enriquecem-se ilicitamente mediante fraude a um sistema destinado

200

constitucionalmente para a prestação do serviço público de saúde. O serviço público,

já tão combalido, tem sua imagem imensamente prejudicada. Como conseqüência, a

própria Constituição é desacreditada.

O esvaziamento da Constituição, por sua vez, atinge o próprio Estado,

seus agentes e a Nação, pois, como lembra J. J. GOMES CANOTILHO:

Hoje, no plano político-constitucional, a nação terá valor como elemento

simbólico de unidade, não no sentido de uma entidade mística, transpessoal e

integrativa de todos os membros do corpo social, mas no sentido de República

como 'operador de solidariedades concreta' entre os homens.

(...) Por sua vez, o Estado deixa de ser considerado como 'encarnação

de qualquer espírito objectivo' ou como sujeito superior, transcendente ou pré-

existente aos cidadãos, para se assumir como um princípio de ordenação e de

organização da colectividade nacional. A operação de simbolização através do

Estado consiste, assim, na transformação do Estado em significante ou

projecção da Nação0.

In specie, a imagem do serviço público de saúde é

indiscutivelmente afetada pela sangria de recursos que fraudes, da estirpe das

perpetradas pelos réus, acarretam.

E, embora essa lesão à imagem não provoque um dano patrimonial

direto (o serviço público de saúde é gratuito), gera indisfarçável prejuízo

extrapatrimonial coletivo. É despiciendo lembrar que o serviço é gratuito para o

consumidor, mas o dinheiro que o financia é retirado dos cofres da União Federal.

Em suma, os atos perpetrados pelos réus e relatados acima,

acarretaram danos extrapatrimoniais:

(a) difusos, na medida em que toda a população é prejudicada pelo

desvio de recursos destinados ao sistema público de saúde, que, privado dessas

valiosas e escassas verbas, acaba prestando serviços de pior qualidade; bem como

pelo descrédito dos preceitos constitucionais que asseguram atendimento universal,

gratuito e integral à população;

0 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed., Coimbra: Almedina, 1993, p. 104; grifosausentes no original.

201

(b) à UNIÃO, enquanto gestora e financiadora do Sistema Único de

Saúde, por decorrência do prejuízo à sua imagem de prestadora do serviço público de

saúde;

São, pois, danos passíveis de reparação através de Ação Civil Pública,

alguns, inclusive, na sua espécie Ação de Improbidade.

DO REQUERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DA TUTELA

Não se obnubilar que o deslinde final de uma demanda como a

presentemente apresentada costuma, por maior que seja a boa vontade desse MM. a

quo e dos Srs. Membros dos Tribunais, delongar muito. Anos a fio se passarão, até que

finalmente transite em julgado sentença condenatória.

Esse tempo, provavelmente, transcorrerá sem maiores percalços para

os Magistrados e Membros do Ministério Público que vierem a oficiar no feito. Todavia,

para os recursos públicos atinentes ao SUS – e, portanto, concernentes a um dos mais

vitais bens jurídicos existentes – há imensa possibilidade de serem tenebrosos.

Com efeito, restou cabalmente demonstrado que, senão dolosamente,

ao menos culposamente deram os demandados que figuram da segunda à última

posição nesta inicial a várias fraudes, bem como a vulnerações a regras basilares do

sistema único, a exemplo da gratuidade e da universalidade. Em um panorama desses,

aguardar o final do feito pode implicar rombo ainda maior no já combalido Erário

Público, sem contar com a probabilidade de repetição de atos de improbidade, a

exemplo da denegação do atendimento.

Imperiosa se faz a concessão de antecipação parcial da tutela de

mérito, para, desde logo ou, no máximo, após o juízo de admissibilidade da presente

actio, arredar da administração do primeiro demandado, hospital credenciado junto ao

SUS, os demais acionados.

Da leitura desta exordial, bem como dos documentos que

copiosamente instruem o procedimento administrativo anexo, exsurgem a

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verossimilhança da alegação e a prova inequívoca do fato, a qual, como assinala Teori

Albino Zavascki,

(...) deve ser interpretado no contexto do relativismo próprio do sistema de

provas. Como observou Calamandrei, “todas las pruebas, se bien se mira, no

son más que pruebas de verosimilitud. (...) Aun para el juez más

escrupuloso y atento, vale el límite fatal de la naturaleza humana: lo que

vemos, sólo es lo que nos parece que vemos. Na verdad, sino verosimilitud:

es decir, apariencia (que puede ser también ilusion) de verdad”. Assim, o que

a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta —, que sempre será

relativa, mesmo quando concluída a instrução — mas um prova sumária, que,

embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em medida segura, o juízo

de probabilidade do juízo de verdade0.

Existe, outrossim, fundado receio de dano irreparável ou de dificílima

reparação. Afinal de contas, como reparar, in natura, a saúde de alguém que se viu

cerceado no seu direito de ser atendido gratuitamente? E se vier a falecer no curso do

feito? Ou mesmo a cambiar o endereço, como achá-lo? E os danos extrapatrimoniais

coletivos? Todas essas perguntas sem respostas deixam claro o perigo que sofre o

bem jurídico tutelado, em caso de eventual não concessão do pleito antecipatório.

Isso sem contar com a lembrança de que o pleito ora formulado

carrega, em verdade, carga inibitória, uma vez que se volta ao impedimento da

repetição do ilícito. E, nas palavras de Marinoni,

(...) quando a inibitória é proposta para impedir a continuação ou a repetição

do ilícito, não há muita dificuldade para se demonstrar o perigo do ilícito.

Quando o ilícito anterior já foi praticado, da sua modalidade e natureza se

pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou

repetição no futuro0.

E, por fim, importa recordar, quanto à eventual irreversibilidade da

decisão, que a jurisprudência vem abertamente admitindo a ponderação, nesse caso,

dos bens jurídicos em conflito, e que o objeto da tutela, na presente ação, é a saúde

0 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. Sâo Paulo: Saraiva, 1997, p. 76.0 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2ª ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2000, p. 48.

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pública, ou seja, merecedora dos maiores encômios, devendo, por isso, prevalecer

frente a qualquer outro eventualmente subjacente.

Considerando-se tudo isso, não há como negar ser imperiosa a

concessão da tutela antecipatória parcial, para afastar os que figuram como réus nesta

peça, do segundo ao último nome elencado, de qualquer função ou cargo de

administração ou gerência no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Y, até o

trânsito em julgado do presente.

DOS PEDIDOS

Por todos os fatos e razões expostos, em especial a conclusão de que:

(a) os réus fraudaram o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE através da

cobrança de internações realizadas em pacientes particulares e através de cobrança

de internações a tratamentos meramente ambulatoriais;

(b) essas condutas ilícitas implicaram a ocorrência de danos materiais

à UNIÃO e morais à UNIÃO e à sociedade;

(c) todos os réus são solidariamente responsáveis por esses danos;

(d) a conduta dos réus pessoas-físicas caracterizou, ainda, a prática de

atos de improbidade na modalidade dos arts. 9º (enriquecimento ilícito), 10 (prejuízo ao

erário) e 11 (atentatórios aos princípios da administração pública) da Lei nº 8.429/92,

requer o Ministério Público Federal:

1. A notificação dos réus para, em quinze dias, na forma do art. 4o, § 7o,

da Lei n. 8.429 (com a redação dada pela MP n. 2.225-45, de 04 de setembro de 2001),

manifestar-se, e, após recebida a exordial, a citação dos réus para querendo, contestar,

sob pena de ser-lhe decretada a revelia;

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2. A citação (=chamamento, a fim de que, querendo, integrem a lide)

da União e do Município de Y, nos termos do art. 17, § 3o, da Lei n. 8.429/92;

3. A concessão da antecipação parcial da tutela de mérito, nos termos

anteriormente expostos em capítulo próprio;

4. Seja julgada a pretensão procedente, a fim de

4.1. condenar todos os réus, solidariamente, a:

a) reparar os danos materiais, em montante equivalente a todos os recursos

federais recebidos pelo réu Hospital Santa Casa de Misericórdia, à título de

internações pelo SUS (Súmula n. 43 do STJ), cujo valor ao tempo da realização

da auditoria somava R$ 11.281,55 (onze mil, duzentos e oitenta e um reais e

cinqüenta e cinco centavos), acrescidos de juros de mora no percentual definido

legalmente, desde o recebimento indevido, revertendo a indenização a favor do

fundo a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85, com exceção daquela parcela a

ser revertida à União Federal no âmbito da responsabilização por improbidade

(art. 18 da Lei nº 8.429/92);

b) indenizar os danos extrapatrimoniais sofridos pelo UNIÃO FEDERAL, em

montante a ser fixado por Vossa Excelência, que se sugere de, no mínimo, igual

valor dos danos materiais por ela sofridos, revertendo a indenização ao fundo do

art. 13 da Lei nº 7.347/85, também com exceção daquela parcela a ser revertida

à União Federal no âmbito da responsabilização por improbidade (art. 18 da Lei

nº 8.429/92);

c) indenizar os danos extrapatrimoniais difusos e coletivos, em montante a ser

fixado por Vossa Excelência, que também se sugere de, no mínimo, equivalente

à condenação por danos materiais, a ser revertido ao fundo a que se refere o art.

13 da Lei nº 7.347/85;

d) pagar os ônus da sucumbência

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4.2. Condenar os réus AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, e II,

reconhecendo a prática de atos de improbidade, às cominações previstas no art. 12, II

(ou, em não sendo isso possível, III) da Lei n. 8.429/92.

5. A produção de provas, a exemplo do depoimento pessoal dos réus

listados da segunda à última posição nesta exordial, bem como a testemunhal (com rol

a ser ofertado oportunamente) e a pericial, além de outras que porventura se mostrem

necessárias no curso da instrução.

Dá-se à causa o valor estimativo de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

P. Deferimento,

Ilhéus, 03 de outubro de 2002.

ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES

Procurador da República

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