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Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do
Ministério Público e da Magistratura Federal
Monografia Final de Curso
“BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA
PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM FACE DE ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DE
NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL”
ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES
Brasília, 21 de fevereiro de 2003.
Universidade de Brasília
Faculdade de Direito
Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do
Ministério Público e da Magistratura Federal
Monografia Final de Curso
“BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA
PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM FACE DE ATOS DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DE
NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL”
ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES
Tutor: Adilson José Paulo Barbosa
Diretor da Faculdade de Direito: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior
Coordenadora de Pós-Graduação: Profa. Loussia Musse Felix
Coordenadores do Curso: Prof. José Geraldo de Sousa Júnior e Prof. Márcio Iorio
Aranha
Consultora de Saúde: Dra. Conceição Aparecida Pereira Rezende
Consultor Jurídico: Prof. Sebastião Botto de Barros Tojal
Consultora de Ensino à Distância: Profa. Maria de Fátima Guerra de Souza
Consultora de Metodologia e Monografia Final de Curso: Profa. Loussia Musse Felix.
Brasília, 21 de fevereiro de 2003.
ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES
DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS EM
FACE DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MOVIDAS DIANTE DA
VIOLAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL
Brasília
Aprovada em 21 de fevereiro de 2003
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________
_
Prof. Dr. Márcio Iorio Aranha
______________________________________________________
Prof. I’talo Fioravante Sabo Mendes
RESUMO
Trata-se de estudo cuja intenção é examinar os critérios de
determinação de competência “de jurisdição”, relativamente às ações civis públicas
que se destinam à aplicação das sanções da Lei n. 8.429/92, quanto às condutas
atentatórias às normas de Direito Sanitário, no âmbito municipal. Inicialmente, busca-
se conceituar o termo saúde, demonstrando-se que não se confunde ele com a mera
ausência de doenças. Após, verifica-se o perfil constitucional do direito à saúde,
constatando-se ser este um corolário da garantia ao bem-estar, do princípio da
dignidade da pessoa humana e do direito à vida, bem como estar dotado do atributo da
fundamentalidade (nos sentidos formal e material). Parte-se, adiante, para a análise do
sistema constitucionalmente voltado à concretização fática do referido direito – o
sistema único de saúde (SUS) – declinando seus princípios, sua forma de
financiamento e a repartição interna de atribuições, com ênfase nas modalidades de
gestão municipal. Segue-se uma análise das correlações entre improbidade
administrativa e saúde, abrangendo noções essenciais acerca da improbidade, o
alcance subjetivo, o âmbito de proteção da norma e a tipologia das condutas.
Comentam-se casos de improbidade em situações de violação às normas de Direito
Sanitário, enfocando a disciplina das omissões. Examinam-se os critérios de
determinação da competência, e são indicados, caso a caso, os ramos do Judiciário
competentes, em hipóteses de afronta do Direito à Saúde.
Palavras-chave: Saúde – Direito – Improbidade – Municípios – Competência.
ABSTRACT
This study tries to examine the criteria of determination of jurisdiction
ability, relatively to the public civil actions for the application of sanctions of the Law of
Administrative Improbity, related to offensive behaviors to the norms of Sanitary Right,
in the municipal scope. Initially, it searchs to appraise the term health, demonstrating
that it not confuses itself with the mere absence of illnesses. After, the constitutional
profile of the right to the health is verified, having evidenced itself to be this a corollary
of the guarantee of welfare, of the principle of the dignity of the human person and the
right to the life, as well as being endowed with the attribute of the fundamentality (in
the directions formal and material). Ahead, it’s made an analysis of the system
constitutionally directed to the concretion of the right to health (the brazilian system of
health) declining its principles, its form of financing and the internal distribution of
attributions, with emphasis in the modalities of municipal management. An analysis of
the correlations between administrative improbity and health is followed, enclosing
essential slight knowledge concerning the improbity, the subjective reach, the scope of
protection of the norm and the tipology of the behaviors. Cases of improbity in
situations of breaking to the norms of Sanitary Right are commented, focusing the
discipline of the omissions. The criteria of determination of the ability are examined,
and are indicated, in case that the case, the branches of Judiciary the competent ones,
in hypotheses of confronts of the Right to the Health.
Keywords: Health – Law – Improbity – Cities – Jurisdiction.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................8
2. DIREITO À SAÚDE: CONCEITO E PERFIL CONSTITUCIONAL.............10
2.1. CONCEITO DE SAÚDE..............................................................................10
2.2. PERFIL CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE................................12
3. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)........................................................16
3.1. PRINCÍPIOS...............................................................................................16
3.2. FINANCIAMENTO......................................................................................20
3.3. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES.............................................................23
3.3.1. Modalidades de gestão dos Estados.......................................................26
3.3.2. Modalidades de gestão dos Municípios..................................................27
3.3.3. Convênios..................................................................................................30
4. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE........................................32
4.1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES ESSENCIAIS...................32
4.2. ALCANCE SUBJETIVO..............................................................................33
4.3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA.......................................................36
4.4. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS...................................................................37
4.5. CONDUTAS ATENTATÓRIAS ÀS NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO...39
4.5.1.Omissão: Separação dos Poderes e reserva do possível.......................... 42
5. COMPETÊNCIA PARA A APRECIAÇÃO DE AÇÕES CIVIS
PÚBLICAS POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM CASOS DE
VIOLAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO
MUNICIPAL..........................................................................................45
5.1. CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA...........................45
5.2. COMPETÊNCIA, IMPROBIDADE E GESTÕES MUNICIPAIS.......................48
6. CONCLUSÕES....................................................52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................55
ANEXOS
A – Legislação.....................................................65
B – Exemplo de inicial de ação civil pública.......166
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADCT: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AIH: Autorização de Internação Hospitalar
APAC: Autorização de Procedimentos de Alto Custo
CIB: Comissão Intergestores Bipartite
CIT: Comissão Intergestores Tripartite
CF: Constituição Federal
EC: Emenda Constitucional
FNS: Fundo Nacional de Saúde
FUNASA: Fundação Nacional de Saúde
GPAB-A: Gestão Plena da Atenção Básica Avançada
GPSM: Gestão Plena do Sistema Municipal
NOAS: Norma Operacional de Assistência à Saúde
NOB: Norma Operacional Básica
OMS: Organização Mundial da Saúde
PAB: Piso Assistencial Básico
PACS: Programa de Agentes Comunitários da Saúde
PBVS: Piso Básico de Vigilância Sanitária
PDR: Plano Diretor de Regionalização
PPI: Programação Pactuada e Integrada
PSF: Programa de Saúde da Família
SIAB: Sistema de Informações da Atenção Básica
SIA/SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares do SUS
SUS: Sistema Único de Saúde
STJ: Superior Tribunal de Justiça
TCU: Tribunal de Contas da União
TGFM: Teto Financeiro Global do Município
1. INTRODUÇÃO
Dada a morosidade inerente ao sistema judiciário (gerada pela
carência numérica de Magistrados, pela multiplicidade kafkiana de instâncias e por
recursos e legislações processuais anacrônicas), a efetividade e a presteza da
prestação jurisdicional dependem, e muito, das corretas identificação e aplicação dos
parâmetros definidores da competência, relativamente à causa. Equívocos, nesse
assunto, podem levar a anos de delonga na definitiva composição da lide.
Isso é particularmente danoso quando não se está diante de direitos
disponíveis, e sim de bens e interesses cuja titularidade repousa em toda a
coletividade, como o patrimônio público. Quanto mais demora a aplicação de sanções
aos ímprobos, maior queda a sensação de impunidade e mais ousados e freqüentes
são os assaltos ao já tão combalido erário.
A tarefa, porém, torna-se hercúlea quando lacunoso é o conhecimento
do direito material subjacente à lide, o que tristemente ocorre em sede de Direito
Sanitário. De fato, apesar da imensa importância e da evidente fundamentalidade do
direito à saúde, bem como das normas estruturais do sistema constitucionalmente
voltado à sua concretização fática – o sistema único de saúde (SUS) – , pouco do
assunto sabem os operadores do Direito.
Com isso, equívocos brotam amiúde, na doutrina e na praxis, nublando
o horizonte daqueles que têm o dever de punir os malversadores do dinheiro público.
Este texto pretende discutir os critérios de determinação da
competência “de jurisdição” para o processamento das ações civis públicas destinadas
à aplicação das sanções constantes na Lei de Improbidade Administrativa, nos
sistemas municipais (a limitação ocorreu por questões metodológicas).
Para tanto, analisar-se-á, por primeiro, o conceito e o perfil
constitucional do direito à saúde. Após, tecer-se-ão breves comentários acerca dos
princípios e da estrutura do sistema único de saúde (SUS), com enfoque nas
modalidades de gestão municipal.
No capítulo posterior, noções basilares acerca da improbidade
administrativa serão passadas em revista, ao que se seguirá um exame do
8
enquadramento de condutas atentatórias às normas do Direito da Saúde nas três
figuras da improbidade, com ênfase na questão da omissão.
Haverá, adiante, verificação das várias hipóteses de possível
ocorrência de condutas ímprobas, nas duas modalidades de gestão municipal
atualmente vigentes, indicando, para cada caso, qual é, dentro da ótica do presente
estudo, o ramo do Judiciário competente.
Por fim, serão elencadas as conclusões, seguidas de um anexo,
contendo a legislação básica atinente ao tema, e outro, com cópia de uma inicial de
ação civil pública para a punição de controladores ímprobos de entidade privada
credenciada junto ao SUS, ajuizada pelo redator do presente estudo.
Longe se está de pretender esgotar o tema. Isso só ocorrerá depois de
longo trabalho de sedimentação doutrinária e jurisprudencial. O intento desta
monografia é colaborar, ainda que modestamente, junto a tais discussões.
9
2. DIREITO À SAÚDE: CONCEITO E PERFIL CONSTITUCIONAL
2.1. CONCEITO DE SAÚDE
O termo saúde tem carga semântica tão intuitiva que raríssimas são as
vezes em que exsurge a preocupação de conceituá-lo. Às árduas tentativas de
empreender a tarefa, contudo, remanesce apenas um aspecto incólume: o significado,
ao contrário do que possa aparentar, transborda, e em muito, a esfera do biológico,
indo se alocar no campo do cultural, e, portanto, do histórica e sociologicamente
referenciado.
Não há, nessa assertiva, nenhuma novidade. Para os sociólogos, há
muito as representações sociais0 têm significado fundamental para a tradução mais
acurada do processo saúde-doença.
Avivar essa idéia ajuda a entender o motivo de tanto ter cambiado, na
nossa história, aquilo a que as pessoas rotulavam (e rotulam) de saúde. Na
antigüidade, por exemplo, a palavra era sinônima, essencialmente, de equilíbrio do ser
humano, considerado em si e diante do ambiente externo. Assim o foi na Mesopotâmia,
na China e na antiga Grécia0.
A expansão burguesa e a lógica capitalista modificaram bastante essa
perspectiva. O então emergente substrato ideológico, ao ver o homem essencialmente
como insumo de um modo de produção racionalmente organizada, determina a
0 Compreendidas, a grosso modo, como concepções enraizadas na realidade histórica e social, comoformas temporalmente circunscritas pelos quais os atores sociais imputam e negociam significados parasuas experiências (GOMES, MENDONÇA e PONTES, 2002, p. 1208).0 “Una de las particularidades de la medicina helénica es considerar el cuerpo humano de maneraintegral: relaciona con el todo con cada una de sus partes y con el entorno mismo; parece que estapercepción daba sentido a los conceptos de salud y enfermidad. Consideraban la salud como unfenómeno de armonía y proporción, no como producto de las culaidades de la materia, sino comoequilibrio de las fuerzas y por la mezcla de los componentes corporales, y sus interrrelaciones, y todoesto como respuesta del organismo a los estímulos del ambiente. Contemplaba al hombre dentro de suentorno físico y social, lo que explica porque ubicaban la salud y la enfermedad en este ámbito, pero sindesatender las situaciones particulares, siempre cambiantes” (VEGA-FRANCO, 2002, p. 265).
10
abertura de um fosso entre as dimensões coletiva – assumida por uma postura
epidemiológica policialesca0 e fortemente interventiva0 – e individual do fenômeno0.
Saúde, nesse contexto, passa a ser vista como a mera ausência de
doenças, o que é bastante compreensível, uma vez que o adoecimento do trabalhador
leva a seu afastamento da labuta e, conseqüentemente, à redução na mais-valia. Essa
concepção se torna tão arraigada que prevalece até hoje no senso comum.
O surgimento do Welfare State, a partir da década de 40 do século
passado, levou à superação, ao menos no plano normativo, dessa acepção. Assevera
Leopoldo Vega-Franco:
En 1941 Siegerist definía la salud diciendo que ‘salud nos es simplesmente la
ausencia de enfermedad, es algo positivo, una actitud gozosa y una
aceptación alegre de las responsabilidades que la vida impone al individuo’;
esta definición tal vez inspiró a Sampar para construir la que propuso a la
OMS en 1946 y que aparece en sua Carta Constitutiva (VEGA-FRANCO,
2002, p. 264).
Qualquer que tenha sido a fonte de inspiração, é certo que a
Constituição da Organização Mundial de Saúde – regularmente incorporada ao
ordenamento jurídico pátrio – considera a saúde como primeiro princípio básico para a
“felicidade, as relações harmoniosas e a segurança de todos os povos”. E, em seu
preâmbulo, conceitua-a – de maneira bem similar às concepções da antigüidade –
0 “A concepção mercantilista alemã de saúde pública foi sistematizada e posta em prática com a noçãode polícia médica no final do século XVIII e início do seguinte, disseminando-se para além das fronteirasalemãs. A idéia de Código Sanitário surgiu nessa época (...). Assim, quando do início da sistematizaçãodas questões referentes à higiene individual e coletiva no século XVIII, ações hoje denominadas deVigilância Sanitária, como parte do conjunto de ações da Saúde Pública, assumiam o caráter de políciamédica ou de polícia sanitária, carregando um ‘defeito’ de seu formulador – Peter Frank – referido (...)como uma ‘excessiva confiança na regulação legal’, uma perigosa herança para o novo mundo emexpansão, gerido pela lógica do lucro e da produção, sempre ampliada, de objetos de regulação”(COSTA, E., 2002, p. 378-379).0 “Paralelamente à emergência do modo de produção capitalista e ao racionalismo científico, aconjuntura política é marcada pela aparição dos Estados modernos, com diferentes tipos de intervençãoestatal sobre a questão da saúde das populações (Rosen, 1975).
Para Scliar, o que predominará é o olhar autoritário, cujo berço é a Alemanha, com o conceito depolícia ou política médica ou sanitária, formulado em 1779. Baseava-se em medidas compulsórias decontrole e vigilância de enfermidades, com funcionários médicos responsáveis por distritos, além deimposição de regras de higiene através de leis e regulamentos” (CONILL, 2002, p. 77).0 Essa antinomia deitou raízes tão profundas que mesmo hoje é difícil sua superação. Vide, a propósito,MELO-FILHO, 1996, p. 383-391.
11
como o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doença.
Não são poucas, todavia, as críticas à postura adotada. Como sintetiza
Sueli Dallari, “diz-se que corresponde à definição de felicidade, que tal estado de
completo bem-estar é impossível de alcançar-se e que, além disso, não é operacional0”
(DALLARI, 2002, p. 53). Outros a têm, ainda, como ultrapassada, eis que parece levar à
uma incorreta separação entre os planos somático, psíquico e social (SEGRE e
FERRAZ, 1997, p. 540).
Em verdade, nunca é demais lembrar que, apesar de tudo, o conceito
representa insofismável avanço, em termos normativos, justamente em razão de se
contrapor frontalmente àquilo que foi tão firmemente impingido pelo ideário capitalista.
O fato de trazer, em seu bojo, uma utopia – o completo bem-estar –,
não é uma deficiência, e sim uma virtude. De fato, cria um permanente estado de
insatisfação fática da previsão normativa, pois nunca a realidade alcançará, por
completo, o conteúdo da regra; mas isso é extremamente benéfico, uma vez que impõe
aos Poderes Públicos e à sociedade um quadro de perpétua tentativa de superação
dos standards vigentes. Sempre haverá o que realizar, para cumprir o objetivo
preconizado pelo preâmbulo da Constituição da OMS; em momento algum da história
poderá se dar a tarefa como terminada. Como a humanidade, que nunca deixa de
evoluir, as ações de saúde não podem, também por força de sua definição jurídica,
estagnar0.
2.2. PERFIL CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE
Muito além do ordenamento anterior (art. 165, XV, CF/69), que
reconhecia tão-somente o direito à “assistência sanitária, hospitalar e médica
preventiva, nos termos da lei” (o que implicava, na prática, a sua denegação a imensos
0 Para Schwartz, “em verdade, o conceito não é operacional, pois depende de várias escalas decisóriasque podem não implementar suas diretrizes” (SCHWARTZ, 2001, p. 36).0 Afinal de contas, “o completo bem-estar do ser humano é um processo, ou seja, a saúde é uma buscacontínua pelo ‘equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e os vários componentes’’“(ROCHA, 1999, p. 43).
12
contingentes populacionais, justamente os mais necessitados0), a Constituição de 1988
explicitamente versa acerca da saúde em várias oportunidades.
Com efeito, o art. 6o expressamente a reconhece como direito social
fundamental; o art. 23, II, estabelece como competência material comum dos entes
federativos “cuidar da saúde”; o art. 24, XII, inclui no âmbito da competência legislativa
concorrente a elaboração de normas sobre “proteção e defesa da saúde”; enquanto o
caput do art. 196 espanca quaisquer dúvidas quanto à caracterização do direito como
subjetivo público, pois se está diante de “direito de todos e dever do Estado”. É, porém,
no que está implícito que o aludido direito se fundamenta mais profundamente.
O direito à saúde, em verdade, é um corolário da garantia ao bem-
estar, inscrita no preâmbulo do texto constitucional, bem como da dignidade da
pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1o, III, CF/88), e,
inegavelmente, princípio estruturante, indicativo “das ideias directivas básicas de toda
a ordem constitucional” (CANOTILHO, 1999, p. 1099). Hodiernamente, entende-se que
esse princípio não só tem uma dimensão estática, ontologicamente determinada, mas
também uma dinâmica, instrumental, a que a doutrina francesa tem denominado de
l’égale dignité. Nesse sentido, “elle entend promouvoir les conditions d’une
contribuition active et civique à l’élaboration d’une panoplie des droits et des libertés
nécessaires à notre temps” (MODERNE, 1996, p. 198-199).
E mais: deriva, também, do próprio direito à vida (art. 5o, caput), a qual
se traduz, no texto constitucional, não apenas “no seu sentido biológico, de incessante
auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica
mais compreensiva” (SILVA, 1999, p. 200-201). Ou seja, na sua mais extensa acepção,
informada e interpenetrada pelo valor constitucional dignidade, anteriormente
referenciado.
Sopesando tudo isso, é inegável o fato de ter o constituinte
reconhecido ao direito à saúde o caráter de fundamental0, explicitado na legislação
0 “Isso permitia, na legislação infraconstitucional, a separação entre o sistema de saúde dos seguradosda Previdência Social, integrantes do mercado formal do trabalho, e a maioria da população, que nãotinha acesso a esse sistema” (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 477-478).0 Ecoando, talvez, o ensinamento de José Carlos Vieira de Andrade, in verbis: “Na realidade,ultrapassadas as perspectivas puramente individualistas associadas a concepções atomísticas dasociedade, é hoje entendimento comum que os direitos fundamentais são os pressupostos elementaresde uma vida humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é livree digno numa comunidade livre: a comunidade só é livre se for composta por homens livres e dignos”(ANDRADE, 2001, p. 110).
13
infraconstitucional (art. 2o, caput, Lei n. 8.080/90), outorgando-lhe, de tal sorte, uma
proteção jurídica diferenciada no âmbito do nosso ordenamento constitucional, de
forma a comungar, assevera Ingo Sarlet, “da dupla fundamentalidade formal e material
da qual se revestem os direitos e garantias fundamentais (e que, por esta razão, assim
são designados) na nossa ordem constitucional” (SARLET, 2002, p. 2).
Essa dupla fundamentalidade, tomada aqui0 em sentido algo diverso
do consagrado na doutrina alemã0, revela-se, no plano formal, jungido ao direito
positivado, em três vertentes: 1) os direitos fundamentais (dentro os quais a saúde),
integrando o texto constitucional, são dotados de supremacia frente às normas
hierarquicamente inferiores; 2) estão eles, também por esse motivo, protegidos frente
ao Poder Reformador, como parte do núcleo constitucional intangível (“cláusulas
pétreas”); 3) revestem-se de aplicabilidade imediata (art. 5o, § 1o, CF/88). O material,
por outro lado, consiste no valor intrínseco expressamente reconhecido ao direito, com
sua condição de constitucionalmente tutelado (SARLET, 2002, p. 2-3).
Desvelar que o direito à saúde é fundamental implica, além dos
atributos já mencionados (supremacia, intangibilidade ao poder de reforma,
aplicabilidade imediata e inequivocidade de seu valor intrínseco), verificar que a
pretensão jurídica voltada à sua concretização0 consiste, em verdade, em algo muito
mais amplo que um mero direito subjetivo público, irradiando seus efeitos até sobre os
0 A acepção usada no texto é a de Ingo Sarlet, bastante aproximada à de Jorge Miranda (MIRANDA,2000, p. 7-12).0 Hesse, por exemplo, assim trata do caráter duplo dos direitos fundamentais: “Nos direitosfundamentais da Lei Fundamental unem-se, distintamente acentuadas e, muitas vezes, em passagenscorrentes, várias camadas de significado. Por um lado, eles são direitos subjetivos, direitos do particular,e, precisamente, não só nos direitos do homem e do cidadão no sentido estrito (por exemplo, art. 3o, 4o, 5o,8o e 9o da Lei Fundamental), mas também lá onde eles, simultaneamente, garantem um instituto jurídicoou a liberdade de um âmbito de vida (por exemplo, artigo 6o, alínea 1, 14, alínea 1, 5o, alínea 3, da LeiFundamental). Por outro, eles são elementos fundamentais da ordem objetiva da coletividade” (HESSE,1998, p. 228).0 Pois, inegavelmente, na tipologia inicialmente proposta por Jellinek, é um direito fundamental aprestações positivas. “Tal como observado por Krebs, não se cuida apenas de ter liberdade em relaçãoao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade mediante atuação do Estado (Freiheitdurch...)” (MENDES, G., 2002, p. 6).
14
particulares (eficácia horizontal)0, quer em sua dimensão negativa0, quer na positiva
(direito a prestações materiais).
Para os fins da presente monografia – centrada nas relações jurídicas
mantidas pelo Estado (ou quem lhe faz as vezes) e os usuários do sistema único de
saúde –, basta a concepção tradicional, de direito subjetivo público, por mais
reducionista que ela seja.
Empregando-a, fácil é ver que eventuais violações ao direito à saúde,
por parte dos Poderes Públicos, tanto no plano individual quanto no coletivo, serão em
regra ilícitas, cabendo a responsabilização administrativa, civil e, quando for o caso,
penal dos autores e partícipes.
0 “Também o direito à saúde não pode, portanto, continuar sendo reconduzido exclusiva eirrefletidamente à condição de direito público subjetivo, já que manifesta sua atuação também na esferadas relações entre particulares, ainda que se possa admitir que a assim denominada ‘eficácia horizontal’dos direitos fundamentais, em suma, a vinculação dos sujeitos privados, não possa ser tratada de modosimilar à vinculação do poder público”.0 “No âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito à saúde não assume a condição dealgo que o Estado (ou a sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestaçãoconcreta, tal como acesso a hospitais, serviço médico, medicamentos etc. Na assim chamada dimensãonegativa, ou seja, dos direitos fundamentais como direitos negativos (ou direitos de defesa),basicamente isto quer significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegidacontra qualquer agressão de terceiros. Ou seja, o Estado (assim como os demais particulares) tem odever jurídico de não afetar a saúde das pessoas, de nada fazer (por isto direito negativo) no sentido deprejudicar a saúde. Assim, qualquer ação do poder público (e mesmo de particulares) ofensiva ao direitoà saúde é, pelo menos em princípio,inconstitucional, e poderá ser objeto de uma demanda judicialindividual ou coletiva, em sede de controle concreto ou abstrato de constitucionalidade (...).
Além disso, ainda no contexto da assim denominada dimensão defensiva do direito à saúde, há queconsiderar o princípio da proibição de retrocesso, que, embora ainda não esteja suficientementedifundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com aconcepção do Estado Democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional” (SARLET,2002, p. 10).
Especificamente quanto ao princípio da proibição do retrocesso, doutrina Paulo Gustavo GonetBranco: “O aspecto de defesa dos direitos fundamentais pode ainda ser visualizado no direito à não-eliminação de posições jurídicas. Direito a que “o Estado não derrogue determinadas normas”. O direitofundamental produziria como efeito a proibição a que o Estado elimine posições jurídicas concretas –atuaria, por exemplo, como proibição a que se extinga o direito de propriedade para quem adquiriu certobem segundo as normas então vigentes. Operaria, igualmente, como proibição a que o Estado removaposições jurídicas em abstrato, como a possibilidade de transmitir a propriedade de determinados bens”(BRANCO, 2000, p. 141).
15
3. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
3.1. PRINCÍPIOS0
Para a concretização prática do direito à saúde, a Constituição
determinou, seguindo o ideário do movimento de reforma sanitária, cristalizado na VIII
Conferência Nacional de Saúde, não só serem as ações e serviços de saúde de
relevância pública (art. 197), como também lançou as linhas-mestras de um sistema
único de saúde (SUS). Com efeito, dispõe o art. 198, caput e incisos I a III:
Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Esses princípios são classificados, principalmente por estudiosos
integrantes dos quadros do Executivo Federal, em éticos/doutrinários (universalidade,
eqüidade e integralidade) e organizacionais/operativos (descentralização,
regionalização e hierarquização da rede e participação social) (BRASIL, 2000, p. 5).
A tipologia acima descrita, contudo, embute duas premissas assaz
perigosas: 1) a de que haveria discrepância de eficácia entre os dois grupos de normas,
pois o que atina à ética não necessariamente pertence ao Direito; b) a falta de ênfase
em outros princípios, veiculados também na Constituição, porém em passagens
diversas, ou mesmo em sede infra-constitucional.
A primeira obviamente improcede. Bem examinando a questão, nota-
se que a força normativa dos chamados princípios éticos/doutrinários é, em verdade,
0 Nesta monografia, não será feita a distinção, feita por Dworkin e adotada por Canotilho, entreprincípios e regras, por refugir ao âmbito deste trabalho. Por princípios se tomarão as normas que aConstituição e as leis alcunharem como tais. Para uma breve, porém preciosa, explanação a respeito,vide CANOTILHO, 2002, p. 1085 e ss.
16
bem maior que a dos organizacionais, que necessariamente demandam, para sua
aplicabilidade, interposição normativa (legal ou regulamentar).
A segunda também embute uma falácia. Na própria Carta Magna,
vários são as normas gerais que, apesar de não inseridos no topos especificamente
destinado ao sistema único de saúde, incidem sobre ele, a exemplo dos alusivos à
Administração Pública0 (art. 37), dos referentes à ordem social (art. 193) e dos
concernentes à seguridade social (art. 194) (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 482). Além
disso, carreou o art. 7o da Lei n. 8.080/90, além das anteriormente listadas, diversos
outros princípios basilares ao justo funcionamento do sistema.
Impõe-se, no ensejo, um breve exame do conteúdo de cada uma
dessas diretrizes, constitucionais ou não:
1) universalidade do acesso: a rigor, já tendo a Constituição albergado
a noção de Estado Democrático de Direito, bem como outorgado inédita extensão ao
direito à saúde, a positivação desse princípio poderia parecer desnecessária,
porquanto já implícito. Todavia, para assinalar, de forma inequívoca, a ruptura com o
modelo anterior, em que só os segurados da previdência social (a grosso modo, apenas
os incluídos no mercado formal de trabalho) tinham acesso ao sistema, entendeu-se
necessário o consignar expressamente. Com isso, qualquer cidadão tem o direito de
acessar as benesses (extremamente parcas, por sinal) do SUS.
2) integralidade da assistência: que se projeta em dois planos. O
primeiro deles diz respeito à articulação e continuidade das ações e serviços
“preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema” (art. 7o, II, Lei n. 8.080/90). O outro se reporta à
necessidade de se considerar o sistema teleologicamente voltado para o usuário final,
o cidadão, considerando-se este como um ser humano integral, ínsito no contexto
social, cujas necessidades devem ser, na medida do possível, plenamente satisfeitas.
3) eqüidade na prestação dos serviços: a política de saúde deve ser
redistributiva, visando à eqüidade material, e não a meramente formal. Assim, devem
ser corrigidas desigualdades sociais e regionais, concedendo, dentro dos parâmetros
da razoabilidade, tratamento desigual para situações díspares, tão comuns em um país
0 O art. 7o, IV, da Lei n. 8.080/90, ao garantir a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ouprivilégios de qualquer natureza”, está, em verdade, tornando explícita a aplicação ao SUS do princípioconstitucional-administrativo da impessoalidade.
17
de contrastes, como o nosso. Isso justifica, por exemplo, a validade do art. 4o, parágrafo
único, a e b, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); a absoluta
prioridade no socorro e no atendimento, para os infantes, justifica-se em virtude de sua
vulnerabilidade, enquanto pessoas ainda em formação.
4) descentralização político-administrativa: consiste na tentativa de
reversão da lógica altamente centralizadora que caracteriza o Estado brasileiro, em
respeito às concepções do Movimento de Reforma Sanitária (cuja influência foi
decisiva para o delineamento das normas constitucionais atinentes à saúde, como se
viu precedentemente), buscando redefinir as responsabilidades e dos recursos de cada
ente federativo, com ênfase na municipalização.
5) participação social: Toda a concepção do SUS partiu da idéia de
substituição de um modelo centralizador, tecnocrata e autocrático, por outro, tendente
à mais ampla distribuição dos recursos de poder (MAUÉS, 1999, p. 100). O princípio da
participação ou do controle social, em verdade, é uma expressão do prius democrático
(art. 1o, caput e parágrafo único, CF/88), e preconiza a necessidade de formação, em
cada ente federativo, um Conselho de Saúde, órgão colegiado composto por
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários
(art. 1o, § 2o, Lei n. 8.142/90), com atribuições deliberativas0 e fiscalizatórias. Mas não se
esgota nisso. Exprimem esse princípio, também, as Conferências de Saúde, reunidas a
cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais (art. 1o, § 1o, Lei n.
8.142/90), bem como todos os direitos e garantias usualmente empregados para o
controle popular da Administração Pública (de que, em sentido lato, o SUS é
expressão), a exemplo do direito de petição e de representação, da ação popular, do
mandado de segurança etc.
6) regionalização e hierarquização: visam à estruturação da rede de
serviços de forma desconcentrada, porém racionalmente estruturada, a fim de evitar
desnecessárias duplicidades (art. 7o, XIII, Lei n. 8.080/90), com pleno conhecimento da
0 Como recorda Antonio Maués, “(...) a criação de órgãos de coordenação de políticas públicas com aparticipação de representantes da sociedade não é novidade no direito brasileiro, tendo acompanhado aampliação das atividades do Estado a partir de 1930, sem, entretanto, significar uma democratização dasdecisões, inclusive pelas funções meramente consultivas que lhes eram atribuídas”.
E continua o constitucionalista paraense: “Com efeito, podemos apontar que os conselhos da área depolítica social criados a partir da Constituição de 1988 possuem caráter deliberativo e não apenasconsultivo, além de funções administrativas. Esse caráter deliberativo significa não apenas que nosconselhos são tomadas decisões vinculantes, mas também que algumas delas definem a própria políticasocial” (MAUÉS, 1999, p. 132).
18
realidade social e epidemiológica. Todo o sistema deve se organizar em fluxos de
referenciamento (indicação, por parte do prestador de serviço impossibilitado de
atender a demanda apresentada, do estabelecimento capacitado) e contra-
referenciamento (envio de pacientes cujo atendimento não requer maior especialização
para os níveis mais baixos). É necessário, contudo, não penalizar o usuário, que deve,
em regra, ter atendido o seu problema dentro da sua região de saúde. Vale salientar,
ainda, que contém ou se articula com os princípios da “utilização da epidemiologia para
o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática”,
da “integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento
básico”, da “conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços
de assistência à saúde da população”, da “capacidade de resolução dos serviços em
todos os níveis de assistência” e da “organização dos serviços públicos de modo a
evitar duplicidade de meios para fins idênticos” previstos, respectivamente, nos incisos
VII, X, XI, XII e XIII do art. 7o da Lei n. 8.080/90.
7) preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua
integridade física e moral: “o que significa respeito à capacidade de o indivíduo tomar
decisões, inclusive elegendo o procedimento a ser adotado, desde que eficaz para a
preservação da sua saúde ou da comunidade” (MAUÉS e SIMÕES, 2002, p. 484).
8) direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde e
divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização
pelo usuário (art. 7o, V e VI, da Lei n. 8.080/90), expressões do direito constitucional à
informação e do princípio constitucional-administrativo da publicidade.
Todas essas normas jurídicas conformam o sistema, consistindo em
diretrizes obrigatórias para os gestores do sistema.
3.2. FINANCIAMENTO
O SUS, de abrangência nacional, compreende e coexiste com
subsistemas, no âmbito de cada Estado (o SUS estadual) e de cada Município (o SUS
19
Municipal). Para o custeio de todo esse aparato, devem concorrer as três esferas
federativas.
Mas, em lugar de promoverem os entes políticos diretamente os
dispêndios, optou-se, primariamente, por um conhecido expediente de Direito
Financeiro: a constituição de fundos específicos0, destinados ao financiamento das
ações e serviços. Essa técnica tem a virtude, dentre outras, de conferir certo grau de
estabilidade ao numerário disponível, pois há vinculação, nas leis de regência, de
fontes de custeio, as quais, assim, não ficam ao alvedrio dos administradores.
O gestor financeiro, no âmbito federal, dos recursos do SUS é o Fundo
Nacional de Saúde (FNS)0. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem
também constituir seus respectivos fundos de saúde.
A fim de facilitar a descentralização dos recursos, e diante da
necessidade de não delongar desnecessariamente o custeio de atividade tão vital,
erigiu-se como estratégia principal um mecanismo de transferências fundo a fundo,
mediante o qual os fundos são remunerados automaticamente, uma vez cumpridos
critérios e requisitos objetivamente pactuados (art. 3o, II, Decreto n. 3.964/2001).
Assim, por exemplo, estados e municípios recebem depósitos diretos e
automáticos de recursos em seus respectivos fundos de saúde, provenientes
do Fundo Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, mediante, tão somente,
o cumprimento de obrigações inerentes a cada tipo de gestão do sistema ou
aos programas para os quais se habilitem (BRASIL, 2002, p. 15).
Tendo em mente, todavia, a insuficiência dessa sistemática, que, em
sendo a única disponível, certamente conduziria a distorções, privilegiando os entes
políticos em cujo território haja maior capacidade instalada, em detrimento dos demais,
como política secundária foi mantida a efetivação de convênios, a fim de fomentar
0 Os fundos servem, na lição de Kiyoshi Harada, como “reservas de certas receitas públicas para arealização de determinados objetivos ou serviços de interesse público. Representam uma exceção aoprincípio da unidade de tesouraria em virtude do qual todas as receitas públicas são recolhidas aoTesouro para daí saírem somente sob forma de pagamento de despesas consignadas no orçamento.Entretanto, a Constituição veda a vinculação da receita de impostos a órgãos, despesas e fundos (art.167, IV). Daí a necessidade de autorização legislativa específica para a constituição de cada fundo,providência essa, aliás, determinada pelo inciso IX do mesmo artigo, deforma abundante. Os fundos sãoformados com parcelas dos recursos financeiros colocados no orçamento anual ou em créditosadicionais, para consecução de determinada finalidade pública, servindo, não raras vezes, comoinstrumento de intervenção no domínio econômico” (HARADA, 2001, p. 99).0 Cujas receitas estão discriminadas no art. 2o do Decreto n. 3.964/2001.
20
projetos específicos (art. 3o, III, Decreto n. 3.964/2001), como a construção, a reforma
ou o aparelhamento de unidades de saúde, bem como a capacitação de profissionais.
Volvendo ao modelo principal, lastreado, como se viu, na constituição
de fundos, é de se notar que, mesmo antes da promulgação da Emenda Constitucional
n. 29, de 13 de setembro de 2000, Fundos Estaduais e Municipais de Saúde já
percebiam automaticamente, como se viu, transferências de recursos do FNS (de
acordo com as modalidades de gestão em que estivessem habilitados), aos quais
deveriam somar verbas próprias destinadas à saúde. A realidade, todavia, mostrava
que a determinação constituía letra morta, porquanto os aportes dos entes federativos
locais simplesmente inocorriam.
A referida emenda, alterando a redação do art. 198, §§ 1o a 3o, CF/88,
buscou cambiar essa situação, ao preconizar que lei complementar, a ser revista a
cada cinco anos, deverá estipular percentuais mínimos da receita arrecada com
tributos, em cada ente político, para aplicação na saúde. Até o exercício financeiro de
2004 (ou mesmo posteriormente, caso não seja editada a lei complementar, é de ser
observado o art. 77, do Ato das Disposições Constitucional Transitórias (acrescentado
pela EC n. 29/2000), in verbis:
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas
ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
I - no caso da União:
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde
no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;
b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela
variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que
tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas
que forem transferidas aos respectivos Municípios; e
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto
da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que
tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais
inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o
exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um
21
quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos
sete por cento.
§ 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por
cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério
populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.
§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União
para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que
será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do
disposto no art. 74 da Constituição Federal.
§ 4º - Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir
do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios o disposto neste artigo.
No caso dos Municípios, que interessam mais de perto ao tema desta
monografia, os recursos repassados pelos Fundos Nacional e Estadual mesclam-se, no
acervo do Fundo Municipal, àqueles que obrigatoriamente devem ser aplicados por
aqueles entes federativos (art. 77, § 3o, ADCT/88).
Os novos dispositivos constitucionais potencialmente podem
contribuir em muito para uma mais eficiente prestação de serviços em saúde. No
entanto, para que isso aconteça, é imprescindível a constante fiscalização dos
Conselhos de Saúde, da sociedade e do Ministério Público, não só quanto à
veracidade, à eficácia e a regularidade formal das despesas, como também no sentido
de coibir a falta de real arrecadação dos tributos (que constituem a base de cálculo
para os repasses da saúde) por motivos políticos, tão tristemente comum nos
Municípios do interior do Nordeste0.
Instrumentos para isso não faltam: além de todas as normas de Direito
Sanitário, há possibilidade de lançar-se mão da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000), principalmente no tocante aos arts. 11,
caput (proibição de efetivação de transferências voluntárias para os entes federados
0 Comentando o art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal, assevera Carlos Valder do Nascimento: “Odispositivo em questão incorpora regra da doutrina administrativa e, como tal, obriga o agente público acumprir em toda a sua plenitude o mandato que lhe é conferido pela sociedade. Tenta evitar as atitudesfisiológicas, tão comuns na política brasileira, assentadas na máxima religiosa que ganhou certanotoriedade, consistente no é dando que se recebe, numa utilização deturpada e caricaturada doprincípio consagrado pela crença popular” (NASCIMENTO, 2001, p. 83).
22
que não promoverem efetiva arrecadação dos tributos que a eles competem), 48,
parágrafo único (realização de audiências públicas, garantindo a participação popular,
durante a elaboração dos orçamentos) e 49, caput (disponibilidade, para consulta e
apreciação, por parte da sociedade, das contas apresentadas pelo Poder Executivo, na
sede do Legislativo local)0. Falta fomentar o controle social, para os pôr em prática.
3.3. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES
A repartição de atribuições, no âmbito do SUS, malgrado a inequívoca
determinação de descentralização esposada pela Constituição de 1988, têm enfrentado
desde então, na prática, uma série de óbices, próprios da cultura burocrática
centralizadora que por décadas reinou no setor.
Nesse contexto, as relações internas do sistema têm sido
sucessivamente objeto de normas de cunho regulamentar – suscitando dúvidas quanto
à invasão ou não de competência legislativa (art. 84, IV, in fine, CF/88) –, as quais têm
confessadamente procurado aprofundar, de maneira gradativa, a tendência centrífuga.
A princípio, a disciplina coube à Norma Operacional Básica (NOB)
01/91, cuja contribuição principal consistiu na extensão aos prestadores de serviços
médicos de natureza pública o pagamento por produção de serviços, operante há
vários anos para a iniciativa privada. Já a NOB seguinte, 01/92, procurou modificar os
critérios de distribuição dos recursos, atrelando a sua liberação ao cumprimento de
planos qüinqüenais.
A primeira NOB com cunho marcadamente inovador foi a de número
01/93, tanto que teve por base o documento do Ministério da Saúde nominado
“Descentralização de Ações e Serviços de Saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir
a lei”, “cujo título, por si só, dá idéia das dificuldades percebidas para a implantação do
novo modelo” (MALIK, 2002, p. 514). Mediante ela, iniciou-se o esboço do modelo, até
0 Compreendendo não só a mera acessibilidade física, como também a oferta à população de cursos epalestras, visando ao integral entendimento dos documentos contábeis. Afinal, como ensina MarceloFigueiredo: “De nada valeria todo o esforço de incentivo à participação se não pudessem a população eas entidades interessadas efetivamente opinar e, sobretudo, influenciar a decisão administrativa. A‘apreciação’ exige conhecimento, explicação minuciosa das peças orçamentárias, preparação de quemvai examinar e esclarecimento de quem exibe a conta, enfim, transparência e participação para efetivar acidadania” (FIGUEIREDO, 2001, p. 7).
23
hoje utilizado, de incentivo à descentralização por intermédio da adesão voluntária dos
entes federados a patamares progressivos de autonomia, mediante o preenchimento
de requisitos pré-estabelecidos. No tocante aos Municípios, havia três espécies de
gestão: Incipiente, Parcial e Semiplena, sendo que a última ensejava o repasse de
recursos segundo parâmetros que levavam em consideração dados demográficos e o
desempenho anterior da rede de prestação de serviços.
Em 06 de novembro de 1996 veio a lume a NOB 01/96, com o
declarado propósito de enfatizar as ações de atenção básica e de prevenção, bem
como de avançar no sentido da descentralização, com ênfase na municipalização.
Para os Estados, são previstos dos tipos de gestão: a) Avançada do
Sistema Estadual, mediante a qual, resumidamente, o gestor estadual assume o
planejamento e a coordenação da rede, dentro do respectivo ente político, além da
ordenação do pagamento dos serviços hospitalares e ambulatoriais sob gestão
estadual e a atenção básica para os municípios inabilitados; b) Plena do Sistema
Estadual, com as mesmas prerrogativas da modalidade anterior, somadas à b.1)
contratação, controle, auditoria e pagamento aos prestadores do conjunto dos serviços
sob gestão estadual; b.2) operação do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS
(SIA/SUS) e do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), conforme
normas do Ministério da Saúde, e alimentação dos bancos de dados de interesse
nacional.
No tocante aos Municípios, restaram previstas duas modalidades: a
Gestão Plena da Atenção Básica e a Gestão Plena do Sistema Municipal.
Na primeira, Gestão Plena da Atenção Básica, as ações de atenção
básica (um conjunto de ações e serviços, normativamente definido, tido como
representativo do mínimo necessário para os usuários no primeiro patamar de
assistência, abrangendo atuações de planejamento, de educação, de vigilância
sanitária e epidemiológica, bem como de atendimento médico de baixa complexidade
ou baixo custo), são de responsabilidade direta dos gestores municipais.
No intuito de garantir a correta aplicação dos recursos, rompeu-se o
paradigma anterior, consagrado por décadas de utilização, de pagamento por
faturamento, definindo-se um Piso Assistencial Básico (PAB), calculado de acordo com
a população do Município. A essa parcela fixa, podem ser adicionadas outras, de índole
variável, caso o Município se habilite (cumprindo os requisitos para tanto) em
24
programas específicos, a exemplo do de agentes comunitários da saúde (PACS) ou de
saúde da família (PSF). Incentiva-se, assim, a otimização do sistema municipal, em
uma lógica gerencial de prestação dos serviços públicos.
Somando-se a isso, era transferido um Piso Básico de Vigilância
Sanitária (PBVS), calculado nos mesmos moldes do PAB fixo, para a cobertura de
ações básicas em vigilância sanitária.
Já na Gestão Plena do Sistema Municipal, nos moldes da NOB 01/96,
às responsabilidades anteriores adicionavam-se, essencialmente: a) contratação,
controle, auditoria e pagamento aos prestadores de serviços ambulatoriais e
hospitalares, cobertos pelo Teto Financeiro Global do Município (TFGM); b)
administração da oferta de procedimentos ambulatórias de alto custo e procedimentos
hospitalares de alta complexidade conforme a Programação Pactuada e Integrada0
(PPI) e segundo normas federais e estaduais.
As Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS), de 2001 e
2002, aprofundaram o processo de desconcentração, com uma preocupação adicional
com a regionalização. A NOAS-SUS 01/2002, atualmente vigente (Portaria MS/GM n.
373, de 27.02.2002), foi elaborada, segundo consta de sua introdução, em face de
discussões acerca do texto da NOAS 01/2001, decorrentes das dificuldades de
estabelecer o comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e de assegurar
a totalidade da gestão municipal nas sedes dos módulos assistenciais, “bem como a
fragilidade para explicitação dos mecanismos necessários à efetivação da gestão
estadual para as referências intermunicipais” (BRASIL, 2002, p. 7).
Para essa norma, a regionalização deverá contemplar uma lógica de
planejamento integrado,
compreendendo as noções de territorialidade, na identificação de prioridades
de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não
necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus
0 “A PPI envolve as atividades de assistência ambulatorial e hospitalar, de vigilância sanitária e deepidemiologia e controle de doenças, constituindo um instrumento essencial de reorganização domodelo de atenção e da gestão do SUS, de alocação dos recursos e de explicitação do pactoestabelecido entre as três esferas de governo. Essa Programação traduz as responsabilidades de cadamunicípio com a garantia de acesso da população aos serviços de saúde, quer pela oferta existente nopróprio município, que pelo encaminhamento a outros municípios, sempre por intermédio de relaçõesentre gestores municipais, mediadas pelo gestor estadual” (item 11.1.1, NOB 01/96).
25
limites como unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a
todas as ações e serviços necessários para a resolução de seus problemas de
saúde, otimizando os recursos disponíveis (item 1.1, NOAS 01/2002).
Essa política tem como instrumento principal o Plano Diretor de
Regionalização (PDR), cuja elaboração cabe às Secretarias Estaduais (no Distrito
Federal, Distrital) de Saúde, e que se fundamenta
na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde,
por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microrregiões e
módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços;
do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência e contra-referência
intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência e o acesso
da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas
necessidades (item 3, NOAS 01/2002).
3.3.1. Modalidades de gestão dos Estados
Apesar de terem crescido os Estados em importância, principalmente
no tocante à direção do processo de regionalização, a NOAS 01/2002, seguindo
tradição que remonta à NOB 01/1996, reservou-lhes, no mais, papel quase que
meramente supletivo, na repartição de atribuições internas do SUS. Afinal de contas, o
enfoque principal do processo de descentralização sempre foi a da municipalização.
Aos gestores estaduais, porém, cabe, além da elaboração do citado
PDR, a adoção de critérios para a organização dos serviços de média complexidade0
(item 19, NOAS 01/2002) e a gestão da política de alta complexidade/alto custo no
âmbito do Estado (mantendo vinculação com a política nacional – item 24, NOAS
01/2002), dentre outros misteres.
0 De acordo com o item 17, capítulo I, da NOAS 01/2002, “a Atenção de Média Complexidade (MC)compreende um conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que visam a atender osprincipais problemas de saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade deprofissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico,que não justifique sua oferta em todos os municípios do País”.
26
De acordo com a multicitada NOAS 01/2002, os Estados podem se
habilitar na Gestão Avançada do Sistema Estadual ou na Gestão Plena do Sistema
Estadual.
Para a Gestão Avançada do Sistema Estadual, são definidas diversas
responsabilidades no item 57 da NOAS 01/2002. Destas, podem ser citadas, a título de
exemplo: a) elaboração do Plano Estadual de Saúde e do Plano Diretor de
Regionalização, incluindo o Plano Diretor de Investimentos e Programação Pactuada e
Integrada; b) gerência de unidades públicas de hemonúcleos/hemocentros e de
laboratórios de referência para controle de qualidade, vigilância sanitária e vigilância
epidemiológica; c) formulação e execução da política de sangue e hemoterapia, de
acordo com a política nacional; d) coordenação do sistema de referências
intermunicipais; e) gestão dos sistemas municipais não habilitados em nenhuma das
condições de gestão vigentes no SUS; f) formulação e execução da política estadual de
assistência farmacêutica, de acordo com a política nacional; g) implementação de
políticas de integração das ações de saneamento às ações de saúde; h) execução de
operações complexas voltadas ao controle de doenças que possam se beneficiar da
economia de escala.
À Gestão Plena do Sistema Estadual, por seu turno, correspondem os
mesmos deveres alusivas à Avançada, acrescidos do cadastro, contratação, controle,
avaliação e auditoria pagamento aos prestadores dos serviços sob gestão estadual.
Para se habilitar nessa modalidade de gestão, todavia, o Estado deve preencher, além
dos requisitos atinentes à Gestão Avançada, o seguinte: “dispor de 50% do valor do
Limite Financeiro de Assistência do estado comprometido com transferências
regulares e automáticas aos municípios” (item 58, NOAS 01/2002).
3.3.2. Modalidades de gestão dos Municípios
Foram previstas duas modalidades de gestão para os Municípios, que
interessam mais de perto à presente monografia: a Gestão Plena da Atenção Básica
Ampliada e a Gestão Plena do Sistema Municipal.
Na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A),
aprimoramento, advindo da NOAS 01/2001, da Gestão Plena da Atenção Básica
27
disciplinada pela NOB 01/960, a gestão da atenção básica, ou seja, do “conjunto de
ações do primeiro nível de atenção em saúde que deve ser ofertado por todos os
municípios do País em seu próprio território, com qualidade e suficiência para a
população” (item 1.3.1.1., NOAS 01/2002), é de responsabilidade do Município0. Os
recursos para seu custeio são transferidos dos Fundos Nacional e Estadual de Saúde
para o Fundo Municipal, onde se mesclam à parcela das receitas municipais de
aplicação obrigatória na saúde.
Para incentivar o efetivo e eficaz emprego dos recursos, desde a NOB
01/96 o valor repassado à atenção básica é constituído, como se viu anteriormente, de
uma parcela fixa (piso de atenção básica fixo – PAB fixo), cujo cálculo depende da
população do município, e de uma parcela variável, que aumenta à medida em que o
Município adere a programas específicos, “cada qual com regras, forma de
financiamento e normas para adesão próprias” (MALIK, 2002, p. 517), a saber: a)
incentivo às Ações Básicas de Vigilância Sanitária; b) de Agentes Comunitários de
Saúde; c) de Saúde da Família; d) de Combate às Carências Nutricionais; e) de
Assistência Farmacêutica Básica; f) de Saúde Bucal0.
0 De acordo com a NOAS 01/2002, item 7.5, “os municípios já habilitados nas condições de gestão daNOB-01/96 estarão aptos a receber o PAB ampliado, após assumirem a condição de Gestão Plena daAtenção Básica Ampliada (GPAB-A), mediante avaliação pela Secretaria Estadual de Saúde, aprovaçãopela CIB e homologação pela CIT”. É de se presumir, assim, que, por algum tempo, conviverão a GPABe a GPAB-A.
CIB e CIT são, respectivamente, a Comissão Intergestores Tripartite (formada pelos gestoresmunicipais, estaduais e federal) e a Comissão Intergestores Bipartite (integrada pelos gestoresmunicipais e estadual). Nelas, de acordo com a NOB 01/96, “são apreciadas as composições dossistemas municipais de saúde, bem como pactuadas as programações entre gestores e integradas entreas esferas de governo. Da mesma forma, são pactuados os tetos financeiros possíveis – dentro dasdisponibilidades orçamentárias conjunturais – oriundos dos recursos das três esferas de governo,capazes de viabilizar a atenção às necessidades assistenciais e às exigências ambientais” (BRASIL,2001, p. 44).0 Como exemplos de procedimentos inseridos no rol dos atinentes à atenção básica, pode-se citar: a)no controle da tuberculose: identificação e exame clínico de sintomáticos respiratórios (SR), realizaçãoou referência de baciloscopia, realização ou referência para exame radiológico em SR com baciloscopiasnegativas; fornecimento de medicamentos, vacinação com BCG, quimioprofilaxia, pesquisa decomunicantes, ações educativas etc.; b) no controle da hipertensão: diagnóstico clínico, cadastramentode portadores, acompanhamento ambulatorial e domiciliar, fornecimento de medicamentos, diagnósticoprecoce de complicações (realização ou referência de exames laboratoriais complementares, realizaçãode eletrocardiograma, realização ou referência para raio X de tórax) etc; c) nas ações de saúde bucal:procedimentos individuais e coletivos preventivos; escovação supervisionada e evidenciação de placa,bochechos com flúor, educação em saúde bucal; consultas e outros procedimentos individuais curativos;restauração com ionômero de vidro, necropulpectomia em dente decíduo ou permanente, glossorrafia,ulectomia; d) cirurgias ambulatoriais especializadas, a exemplo de sutura de ferida na cavidade bucal eface, exerese de calo e debridamento e curativo em escara ou ulceração.0 “O Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS incentiva a contratação de pessoas dacomunidade para desenvolverem a integração desta com os serviços de saúde. É financiado pelorepasse de um valor fixo por agente. O Programa de Saúde da Família – PSF estimula a implantação deequipes compostas de médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários para
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Toda a atenção básica, nos Municípios habilitados na GPAB-A, é,
repita-se, custeada pelo Fundo Municipal de Saúde, constituído pelo somatório das
verbas repassadas pelos Fundos Nacional e Estadual de Saúde e das receitas oriundas
da própria urbe.
Os serviços hospitalares que demandam internação, porém, apesar de,
nos termos da NOAS 01/2002, serem organizados e supervisionados diretamente pelo
gestor municipal (item 54, prerrogativas, b), são remunerados da seguinte forma:
concomitantemente ao atendimento, é elaborado um documento (Autorização de
Internação Hospitalar – AIH; Autorização de Procedimentos de Alto Custo – APAC),
que serve como fatura dos serviços prestados pelo estabelecimento hospitalar, apta a
ensejar o pagamento à rede privada credenciada. Os hospitais públicos, mesmo
quando geridos por outra esfera federativa, também assim são remunerados, até que
seja dado integral cumprimento ao item 49 da NOAS 01/20020.
As AIHs são pagas diretamente pelo Fundo Nacional de Saúde. Já as
APACs, em municípios habilitados na GPAB-A, são adimplidas pelos Fundos Estaduais
de Saúde0.
Quando se está diante da Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM),
a situação é diversa. Não só são financiados pelo Fundo Municipal de Saúde (com
recursos federais e estaduais a ele incorporados) os procedimentos da atenção básica,
como, ainda, os referentes à população referenciada (desde que haja cumprimento
efetivo do Termo de Compromisso para Garantia de Acesso0 —item 33.5, NOAS
atendimento de uma população adscrita. Seu financiamento é por equipe com valores progressivossegundo a cobertura existente. Programa de Combate às Carências Nutricionais – PCCN, destina-se aocombate da desnutrição e às carências nutricionais. É financiado pelo repasse de recursos a partir deuma estimativa de beneficiários. Recentemente foi alterado, possibilitando o repasse de valores emespécie para mães e gestantes. Por meio do Programa de Assistência Farmacêutica Básica, sãorepassados recursos numa base per capita para aquisição de medicamentos constantes de uma relaçãodos mais utilizados. As Ações Básicas de Vigilância Sanitária financiam numa base per capita aestruturação de ações de vigilância sanitária. O Programa de Ações de Epidemiologia e Controle deDoenças descentraliza as ações epidemiológicas e de controle de endemias. Os recursos são definidosconsiderando população e área dos estados” (MALIK, 2002, p. 517).0 Cuja redação é: “Definir que unidades hospitalares públicas sob gerência de um nível de governo egestão de outro, preferencialmente, deixem de ser remunerados por produção de serviços e passem areceber recursos correspondentes à realização de metas estabelecidas de comum acordo”.0 “Nos municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) ou Gestão Plena daAtenção Básica Ampliada (GPAB-A) que tenham serviços de alta complexidade em seu território, asfunções de gestão e relacionamento com os prestadores de alta complexidade são de responsabilidadedo gestor estadual, podendo este delegar aos gestores municipais as funções de controle e avaliaçãodos prestadores, incluindo o processo autorizativo” (item 25.3, NOAS 01/2002).0 “A garantia do atendimento à população referenciada será objeto de um Termo de Compromisso paraGarantia de Acesso a ser assinado pelo gestor estadual e pelo gestor municipal quando o município forsede de módulo ou o município-pólo estiver em GPSM” (item 37, NOAS 01/2002).
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01/2002), bem como os serviços hospitalares, inclusive os de alta
complexidade/custo0-0.
3.3.3. Convênios
A par da alocação de recursos própria da repartição interna de
atribuições do SUS, subsiste a possibilidade de transferência voluntária de verbas
oriundas do Fundo Nacional de Saúde a Estados, Municípios, entidades filantrópicas e
universidades via convênio, para atendimentos a projetos específicos.
Munida de um plano de trabalho, do qual devem constar os objetivos e
os benefícios pretendidos (anexados dados estatísticos acerca das condições das
unidades ou serviços de saúde, da população a ser assistida ou beneficiada, além de
dados complementares, inclusive, quando for o caso, informações sintéticas acerca da
execução de obras civis e de engenharia, bem como as dimensões do terreno sobre o
qual se propõe a execução da obra e a compatibilidade destas dimensões com as
constantes na escritura ou documento de posse ou propriedade ou equivalente), a
entidade interessada apresenta o seu pleito a uma das Unidades de Convênio, as
quais, seguindo a política de descentralização do Ministério da Saúde, funcionam nos
Núcleos Estaduais deste.
Aprovado o projeto, e firmado o convênio, é normalmente estipulada
uma contrapartida, a ser fornecida pelo interessado. Em regra, é exigida, outrossim, a
abertura de conta corrente específica, para movimentação do numerário.
Após a execução do objeto, deve ser apresentada prestação de contas
junto ao Fundo Nacional de Saúde. Não acontecendo isso, ou existindo indícios de
prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico, deve ser instaurada Tomada
de Contas Especial, a ser julgada pelo Tribunal de Contas da União (art. 8o, caput, Lei
n. 8.443/92).
0 “25. Os municípios que tiverem em seu território serviços de alta complexidade/custo, quandohabilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão desempenhar as funções referentes àorganização dos serviços de alta complexidade em seu território, visando a assegurar o comando únicosobre os prestadores, destacando-se:(...) d) autorização para realização dos procedimentos e a efetivação dos pagamentos (créditosbancários)” (NOAS 01/2002).0 Salvo enquanto persistir a divisão de comando entre os prestadores, situação transitória regrada peloitem 25.2, NOAS 01/2002.
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Julgando as contas irregulares, a Corte Administrativa condenará, ex
vi do art. 19 da Lei n. 8.443/92, o responsável a pagar a dívida atualizada
monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, outrossim, aplicar-lhe
multa. Em não havendo débito – o que ocorre, por exemplo, quando há afronta a
princípios constitucionais, ainda que não haja prejuízo financeiro – apenas a multa é
imposta.
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4. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE
4.1. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: NOÇÕES ESSENCIAIS
Na sua tarefa precípua, ou seja, a de cristalizar, no texto
constitucional, os valores supremos da sociedade, os constituintes redigiram o art. 37,
§ 4o, CF/88, nos seguintes termos:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da
ação penal cabível.
A retomada da democracia e a crescente indignação popular, frente à
profusão de casos de malversação de dinheiros públicos, cuja veiculação na imprensa
a partir daquele momento se fazia possível, fomentavam um ciclo virtuoso, ainda em
curso, no qual os cidadãos começavam a se conscientizar da necessidade de participar
e fiscalizar mais ativamente as ações estatais, procurando afastar dos cargos públicos
os inaptos a servir à nação. Iniciava-se a tentativa de superação daquilo constatado
com acuidade, já em 1949, por Oliveira Viana: a tenuidade da consciência do bem
coletivo, no povo brasileiro0.
O dispositivo anteriormente citado, todavia, somente ganhou
aplicabilidade quando, em 02.06.1992, adveio a Lei n. 8.492, definindo os atos que
ensejam a aplicação de suas sanções.
O que vem a ser, todavia, improbidade administrativa? Obviamente,
consiste em algo maior que o mero descumprimento da lei de ofício. Trata-se da
violação à probidade administrativa, cujo conceito, apesar de menos extenso que o de
0 “Em toda esta psicologia da vacuidade ou ausência de motivações coletivas da nossa vida pública, háum traço geral que só por si bastaria para explicar todos os outros aspectos (...). Este: a tenuidade oufraqueza da nossa consciência do bem coletivo, do nosso sentimento da solidariedade social e dointeresse público. Esta tenuidade ou esta pouca densidade do nosso sentimento do interesse coletivo éque nos dá a razão científica do fato de que o interesse pessoal ou de família tenha, em nosso povo – nocomportamento político dos nossos homens públicos – mais peso, mais força, mais importânciadeterminante, em geral, do que as considerações do interesse coletivo ou nacional” (VIANA, 1999, p.308).
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moralidade administrativa, é a ele correlato, até por possuírem o mesmo conteúdo
axiológico (GOMES, 2002, p. 252-253), revelando-se, para os agentes públicos, em dois
deveres fundamentais: “honestidade e eficiência funcional mínima” (OSÓRIO, 1998, p.
61).
A improbidade, portanto, “decorre tanto da desonestidade e da
deslealdade, quanto da inidoneidade ou da incompetência do agente público no
desempenho de suas atividades funcionais” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 16). O
conceito de ímprobo, no Direito Administrativo, dissocia-se, assim, daquele reinante no
senso comum, abarcando não só os casos de desonestidade ou deslealdade às
instituições, como também os de inaptidão ou incompetência.
Esse rigor longe está de ser desmesurado ou descabido.
Consubstanciando-se a administração pública em “um complexo de atividades
concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei,
visando ao atendimento das necessidades coletivas” (GASPARINI, 2000, p. 40), de
caráter imprescindível para o bom funcionamento da sociedade, é evidente que a
tarefa de geri-la não pode redundar em atuações temerárias, em um jogo de amadores.
Assim, apesar de serem, a princípio, acessíveis as funções públicas a todos os
cidadãos, deve o administrador público se acercar, além do corpo burocrático estável
do aparato estatal pelo qual responde, de assessores ou consultores, para evitar que o
numerário tão arduamente haurido de nossa sociedade seja malversado.
4.2. ALCANCE SUBJETIVO
Com o intento de não deixar nenhum ilícito administrativo impune, a
Lei n. 8.429/92 foi dotada de notável alcance subjetivo, não só em face da dicção de
seus arts. 2o e 3o, mas principalmente em razão da extensão do art. 1o, caput e
parágrafo único, abarcando até mesmo os sucessores dos causadores da lesão (art. 8o,
lei n. 8.429/92)0.
0 “Assente-se, com isso, que o sucessor do causador da lesão ao patrimônio público não é, nem delonge, sujeito na relação ímproba. Conquanto relação de causalidade alguma possua o sucessor com ofato sancionado, dada a repercussão da coisa pública e sua indisponibilidade nata, determinou olegislador o alcance da lei na herança do herdeiro de forma a garantir o ressarcimento, como, de resto, aConstituição Federal já havia prescrito.
33
O núcleo da imputação, porém, é o conceito de agente público; e, de
acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “quem quer que desempenhe funções
estatais, enquanto as exercita, é um agente público” (MELLO, 2000, p. 219). Daí
porque Diógenes Gasparini afirma pertencerem a tal categoria jurídica todas as
“pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam
serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua
responsabilidade” (GASPARINI, 2000, p. 124).
Atentando para o já assentado doutrinária e jurisprudencialmente, a
Lei n. 8.429/92 dispôs, em seu art. 2o:
Art. 2° - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no
artigo anterior.
Os agentes públicos podem ser divididos, de acordo com clássica lição
de Celso Antônio Bandeira de Mello, em três grandes grupos: a) agentes políticos; b)
servidores estatais, abrangendo servidores públicos e servidores de pessoas
governamentais de Direito Privado; e c) particulares em atuação colaboradora com o
Poder Público (MELLO, 2000, p. 221).
Como se sabe, não há consenso quanto ao conceito de agente político.
Hely Lopes Meirelles adotava conceituação ampla, afirmando o serem os componentes
do Governo “nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou
comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de
atribuições constitucionais” (MEIRELLES, 2001, p. 71); com isso, alçava à categoria
Membros da Magistratura, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e
representantes diplomáticos. Celso Antônio Bandeira de Mello posiciona-se
restritivamente, concebendo-os como os “titulares dos cargos estruturais à
organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço
constitucional” (MELLO, 2000, p. 221), subsumindo no rol apenas o Presidente da
O disposto no art. 8o da Lei federal 8.429/92 ainda serve como esteio de interpretação extensiva noscasos em que o agente ímprobo, quando em vida, repassar, por meio de doação ou venda simulada, seusbens, para evitar a persecução judicial e indenização. É a típica hipótese de anulação do negócio jurídicopor vício social, arts. 102 e 103 do CC” (MARTINS, 2000, p. 80-81).
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República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos
Chefes de Executivo (Ministros e Secretários), Senadores, Deputados e Vereadores.
Apesar da controvérsia acadêmica, em que a Lei de Improbidade
Administrativa sabiamente não pretendeu se imiscuir, é inegável que o art. 2o alcança
os agentes políticos, qualquer que seja o conceito esposado. Não detêm eles
imunidade material frente à Lei n. 8.429/92, até porque o seu fundamento
constitucional (art. 37, § 4o, CF/88) não restringe, em momento algum, a incidência das
sanções para essa modalidade — composta pelos destinatários por excelência do
preceito – de exercentes de funções públicas0-0.
Os servidores estatais compreendem, para a doutrina
administrativista, os servidores públicos (sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de
cargos públicos), os empregados públicos (contratados sob o regime da legislação
trabalhista e ocupantes de empregos públicos em empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público) e os
servidores temporários (contratados por tempo determinado, em face de necessidade
temporária de excepcional interesse público) (PIETRO, 2001, p. 424).
A Lei de Improbidade Administrativa, porém, dando mais uma prova
de seu elastério (derivado de sua mens, voltada à punição de toda e qualquer conduta
atentatória ao patrimônio público, em seu sentido mais amplo), afirma poder ocorrer ato
de improbidade contra “entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido
ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual” (art.
1o, caput), bem como “entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou
creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual” (art. 1o, parágrafo único). E que “todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
0 Apesar de obviamente refugir aos lindes desta monografia, desde logo deve ser consignado repúdioà tese que presentemente se está tentando empurrar ao Supremo Tribunal Federal, no sentido de que,por estarem os agentes políticos sujeitos aos crimes de responsabilidade, seriam imunes, do ponto devista material, à incidência da Lei n. 8.429/92, apesar de literalmente afirmar o art. 37, § 4o, na sua partefinal, que a responsabilização por improbidade se dá “sem prejuízo da ação penal cabível”. Na defesadesse posicionamento, vide, todavia, de Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, RePro 107/253 (WALDe MENDES, 2002, p. 253 e ss.).0 Francisco Octavio de Almeida Prado assevera que, quanto aos Magistrados, há que se ver se os atossão tipicamente jurisdicionais, caso em que escapam à incidência da lei. Em sendo praticados noexercício de função administrativa, isso incorre (PRADO, 2001, p. 70).
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função” (art. 2o) nessas entidades pode ser sancionado. Insofismavelmente,
sobrepujou a Lei n. 8.429/92, e em muito, os posicionamentos doutrinários a ela
anteriores, referentemente aos servidores estatais.
Por fim, os particulares em colaboração com a Administração são
pessoas físicas que, exercem função pública, com ou sem remuneração, não perdendo,
entretanto, a característica de particulares. Para tanto, podem agir sob títulos diversos,
a saber: a) requisição, nomeação ou designação para o exercício de funções públicas
relevantes (jurados, membros de Mesa apuradora ou receptora de votos, comissários
de menores, integrantes de comissões e grupos de trabalho etc.); b) os que sponte
própria assumem, perante situações anômalas, a função de gestores de negócio,
protegendo o patrimônio público; c) contratados por locação de serviços, “como, por
exemplo, um advogado ilustre contratado para sustentação oral perante Tribunais”
(MELLO, 2000, p. 224); d) concessionários e permissionários de serviços públicos; d)
delegados de função ou ofício público.
Desde que estas pessoas manipulem, administrem ou promovam
dispêndios lançando mão de dinheiro público, estão sujeitas à Lei de Improbidade.
Como ensina Fábio Medina Osório, neste campo ocorre aquilo que se denomina de
“convergência entre os direitos público e privado, pois as entidades privadas são
atingidas pela legislação, na medida em que estiverem em contato com o dinheiro
público” (OSÓRIO, 1998, p. 98), pouco importando que suas atividades estejam
majoritariamente sob o influxo de normas de direito privado.
4.3. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA
No tocante ao âmbito de proteção da norma, impende ressaltar que se
destina ela à proteção do patrimônio público, termo mais abrangente que erário, como
adverte José Jairo Gomes0, bem como que, ainda na lição daquele Procurador da
República, “a par do dano material, (...) pode haver ferimento a um interesse moral do
0 “Observe-se que o termo patrimônio público é mais abrangente que erário (do latim areariu), poiseste refere-se apenas ao que próprio da fazenda, ou seja, a um conjunto de bens ou haveres. Nadaobstante, foram eles utilizados como sinônimos,, devendo o intérprete ter em vista sempre a significaçãomais ampla do termo patrimônio público” (GOMES, 2002, p. 264).
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ente público, sendo, conseguintemente, moral o dano causado e a natureza da
respectiva reparação” (GOMES, 2002, p. 264)0.
Enquadrar-se-á, assim, como ato de improbidade não só o que importa
(ou ameaça implicar) prejuízo ou desfalque material, como também o que afeta a
credibilidade, a honra objetiva, das entidades protegidas. No mundo contemporâneo,
em que a velocidade de disseminação de informações é cada vez maior, fácil é ver que
determinadas condutas, mesmo que não causem dano patrimonial imediatamente
mesurável aos entes protegidos pela Lei n. 8.429/92, podem ferir a longo prazo sua
imagem, sua respeitabilidade, normalmente conquistada por força do árduo trabalho de
décadas. Redimir o impacto pode levar custar anos de labor e/ou milhões de reais em
campanhas publicitárias. Não é justo que se escusem os responsáveis por esses atos
das sanções da Lei de Improbidade.
4.4. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS
São elas agregadas em três grupos, com repercussão na gradação das
sanções: a) as que importam enriquecimento ilícito (art. 9o, Lei n. 8.429/92); b) as
causadoras de prejuízo ao erário (rectius: ao patrimônio público; art. 10); c) as
violadoras dos princípios da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições. A técnica utilizada, para todos eles, foi a da descrição genérica no caput,
seguida de enumeração exemplificativa (numerus apertus) nos incisos.
Descurou-se, todavia, de cuidados redacionais básicos, remanescendo
diversas inconsistências sintáticas internas.
Por exemplo, o art. 9o, VII, prevê a figura do enriquecimento ilícito
presumido, ao qualificar como improbidade a aquisição, para si ou para outrem, no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, de bens de qualquer
natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do
agente público. Mas silencia quanto ao necessário nexo a ser verificado entre a renda
ou a evolução patrimonial e a função pública exercida. Não pode o intérprete saber,0 Em outra passagem, afirma o mesmo autor: “Assim, temos que o ato de improbidade administrativapode ferir também um interesse moral do ente público, traduzido na sua honra objetiva, na confiança erespeito que as pessoas devem devotar-lhe, não havendo motivo plausível para a recusa deressarcimento” (GOMES, 2002, p. 265).
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com isso, se a presunção relativa, a militar em desfavor do agente público, opera com
ou sem inversão do ônus da prova (SAMPAIO, 2002, p. 166).
O inciso VIII do mesmo artigo é eivado de um outro problema. Sendo
sua dicção “aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público”, é evidente que está topologicamente deslocado, pois cuida-se
verdadeiramente de violação do dever de imparcialidade, subsumível no art. 11
(SAMPAIO, 2002, p. 167).
Também o art. 11, caput, contém imprecisões; mais exato seria se
reiterasse todos os princípios constitucionais basilares à Administração Pública. A
circunstância de constar nele a expressão violação da legalidade, compreensiva de
todos os princípios e regras positivados sana, porém, o problema. Na lição de Mário
Pazzaglini Filho, “a afronta ao ‘dever de honestidade’ corresponde à violação do
princípio da moralidade, e ao ‘dever de imparcialidade’ à ofensa ao princípio da
impessoalidade” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 100-101).
O arredamento de exegese meramente literal, no tocante ao mesmo
dispositivo, impõe-se, outrossim, para que não seja por demais ampliado o âmbito
proibitivo da norma.
De fato, é óbvio que não pode configurar improbidade administrativa
toda e qualquer ação ou omissão contrária à lei (em sentido amplo). O termo em testilha
traz consigo carga semântica indicativa de gravidade da conduta, que ultrapassa a
mera ilegalidade. Afinal, as três categorias de improbidade legalmente previstas têm a
mesma natureza intrínseca, o que resta patente do exame etimológico do termo.
Por isso, a conduta administrativamente ilícita do sujeito ativo, para
ser considerado também ato de improbidade, “deve ter esse traço comum ou
característico de toda as modalidades de improbidade administrativa: desonestidade,
má-fé, falta de probidade no trato da coisa pública” (PAZZAGLINI FILHO, 2002, p. 101-
102). Dizendo de outra maneira: o elemento objetivo do art. 11, caput, consiste em ação
ou omissão que “traduzindo desonestidade, transgrida os princípios que regem a
Administração Pública” (COSTA, J., 2002, p. 141)0.
0 No mesmo sentido: BUENO, 2001, p. 394. Contra, afirmando bastar o dolo, para a configuração daimprobidade: PRADO, 2001, p. 126.
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De fato, a Lei de Improbidade porta em seu bojo, diversas
impropriedade, topológicas e redacionais. Mas se não a deve crucificar por isso –
afinal, equívocos legislativos ocorrem com freqüência, nos mais diversos textos
normativos. As arestas serão aparadas, com o tempo, pelos nossos Tribunais,
mediante a “complementação ou desenvolução do Direito” (Rechtsfortbildung)
(ENGISH, 1996, p. 338).
4.5. CONDUTAS ATENTATÓRIAS ÀS NORMAS DE DIREITO
SANITÁRIO
Dada a amplitude dos arts. 1o, 2o e 3o, da Lei n. 8.429/92, a princípio
toda conduta oposta a regras ou princípios de Direito Sanitário será caracterizável
como ato de improbidade administrativa. Com efeito, qualquer ato, comissivo ou
omissivo0, violador quer da dimensão negativa, quer da prestacional, do direito à
saúde, praticada por qualquer agente público (a exemplo de servidores públicos,
servidores contratados temporariamente, celetistas, membros dos Conselhos de Saúde
ou das Comissões Intergovernamentais, agentes políticos), pode acarretar punição
com as sanções do art. 12 da Lei de Improbidade.
Ocorrendo enriquecimento ilícito, como na hipótese de apropriação de
verbas oriundas dos Fundos de Saúde, aplicável é o art. 9o da Lei de Improbidade, com
as correspondentes sanções do art. 12, I, daquele diploma normativo.
Em havendo ação, dolosa ou culposa, que enseje prejuízo, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
públicas em sentido amplo (conforme definido no art. 1o, Lei n. 8.429/92), a exemplo da
hipótese de administrador público negligente, que deixa de fiscalizar os subordinados,
ou escolhe assessores incompetentes0, dando causa a perda patrimonial, por parte da
Administração Pública, incide o art. 10 da Lei n. 8.429/92. Vale lembrar, por oportuno,
0 A responsabilidade por omissão será examinada com mais vagar, em tópico específico deste estudo.0 “Desnecessário seria, assim, comprovar cabal má fé do agente, em determinadas hipóteses, namedida em que dos fatos emergem presunções legais em desfavor dos agentes públicos. Estes devemportar-se de forma exemplar. A eles é inescusável o desconhecimento das leis e normas jurídicas. Paratanto, devem estar corretamente assessorados e devem observar, estritamente, os limites legais nodesempenho de suas tarefas” (OSÓRIO, 1998, p. 86-87).
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que patrimonial, nesse contexto, tem sentido amplo, a abarcar não só as perdas
pecuniárias, como, outrossim, as de índole moral.
Já ações ou omissões afrontadoras dos princípios da Administração
Pública, caso não se enquadrem em nenhuma das modalidades anteriormente
descritas0, mas se revistam de gravidade ou sejam indiciárias de desonestidade ou má-
fé, devem ser punidas. Por exemplo, a falta de cumprimento, por parte de membros do
Conselho de Saúde, de seu dever legal de fiscalizar a aplicação dos recursos, pode, em
algumas situações, adentrar na esfera de incidência do art. 11, mesmo que não se
demonstre prejuízo material à Administração Pública. Ou “a omissão na prestação de
contas, quando o agente público encontre-se obrigado a tanto (inciso VI) e a omissão
na realização de publicidade dos atos oficiais (inciso IV)” (VIGLIAR, 2002, p. 427-428).
Por fim, deve-se ressaltar que, nos termos do art. 3o, também devem
ser responsabilizados particulares que induzem, concorrem ou se beneficiam de atos
de improbidade.
Especial atenção, ressalte-se por oportuno, deve ser dedicada à
situação jurídica dos administradores e trabalhadores da saúde de estabelecimentos
médico-hospitalares privados credenciados junto ao SUS. Exercem eles,
inequivocamente, função pública delegada, em entidades que recebem, por força de
ajuste de direito público (consubstanciado na adesão à rede do sistema único), verbas
da coletividade, pelo que obviamente podem ser sujeitos ativos da Lei n. 8.429/92, sem
que se necessite lançar mão da norma de extensão (art. 3o, Lei n. 8.429/92).
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça recentemente assim se
pronunciou:
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA
DA EXPRESSÃO ‘AGENTES PÚBLICOS’. HOSPITAL PARTICULAR
CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO
DELEGADA.
1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não só os
servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito
0 “É intuitivo, também, que o agente público, ao praticar ato de improbidade administrativa queimporta enriquecimento ilícito (art. 9o), ou que causa lesão ao erário (art. 10), transgride, sempre, oprincípio constitucional da legalidade e, em geral, outros princípios constitucionais explícitos ouimplícitos, relativos ao conteúdo de sua conduta ímproba.
Daí se conclui que a norma em exame é residual em relação às que tratam das duas outrasmodalidades de atos de improbidade, pois a afronta a legalidade faz parte de sua contextura”(PAZAGLINI FILHO, 2002, p. 101).
40
de agente público, insculpido no art. 2o, da Lei n. 8.429/92: ‘a Lei Federal n.
8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de
probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na
relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a
noção de servidor público, com uma visão mais dilatada que o conceito de
funcionário público contido no Código Penal (art. 327).
2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função
pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de
improbidade administrativa.
3. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em
que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de
enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a
exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa do
ordenamento.
4. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não
do ato ímprobo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula
07, do STJ.
5. Recursos providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos
recorridos para se submeterem às sanções da Lei de Improbidade
Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local. (REsp
n. 416.329-RS, 1a T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 13.08.2002, DJ 23.09.2002, p. 254).
Vale colacionar o seguinte trecho do voto do Em. Relator, o Min. Luiz
Fux:
Em assim sendo, se os médicos conveniados ao SUS são equiparáveis a
agentes públicos e, portanto, podem ser sujeitos ativos dos crimes próprios
contra a Administração, o que já foi objeto de julgamento por esta Corte (RHC
7966/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 21.06.1999 e RHC 7760/RS, Rel. Min.
Edson Vidigal, DJ de 22.03.1999), e, em razão da maior abrangência do texto
da lei n. 8.429/92, não há como se afastar a característica de agentes públicos
dos recorridos e o seu enquadramento como possíveis sujeitos ativos de atos
de improbidade.
4.5.1. Omissão. Separação dos Poderes e reserva do possível
41
A caracterização das inações atinentes à saúde como de improbidade
forneceria, por si só, material mais que suficiente à elaboração de um estudo apartado,
pelo que as estudar pormenorizadamente suplanta, e em muito, os balizamentos
impostos ao presente texto. Aqui o assunto será objeto de considerações aligeiradas, a
título de notícia dos pontos controvertidos,
A admissibilidade, in abstrato, é pacífica. Quando se desce ao plano
concreto, todavia, a situação mostra-se muito mais complexa.
No tocante às lacunas derivadas de negligência, consistem elas,
obviamente, atos ímprobos. Membros dos Conselhos de Saúde que, como em exemplo
anteriormente invocado, deliberadamente, abstêm-se de exercer, em sua plenitude, o
seus encargos fiscalizatórios, em face de interesses pessoais, subordinação político-
partidária ou qualquer outro motivo injustificável, devem sofrer as sanções previstas
na Lei de Improbidade. O mesmo ocorre, verbi gratia, com os gestores de saúde, em
Municípios habilitados no Programa de Saúde da Família (PSF) que alimentam
incorretamente o Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB) – situação
verificada com freqüência por recente auditoria do Tribunal de Contas da União0.
Nada difere quanto à qualidade dos serviços. Por influxo do princípio
constitucional-administrativo da eficiência, não é só necessário que os serviços de
saúde sejam disponibilizados; faz-se imperativo que o sejam de forma adequada,
plena, eficaz. As tristemente célebres imagens de longas filas, ausência e/ou má
qualificação de profissionais de saúde, falta de medicamentos, não podem ser mais
toleradas. Serão punidos, com isso, em face da prática de atos de improbidade
administrativa, os agentes públicos responsáveis pela má qualidade do atendimento à
população (SARMENTO, 2002, p. 100).
Muitas das omissões, porém, podem ser também identificadas na
formulação de políticas públicas, terreno em que, para a doutrina tradicionalista0,
0 Entre outras deficiência na implementação do Programa, atestou a auditoria “que o Sistema deInformações da Atenção Básica (SIAB) tem apresentado um grau de inconsistências muito elevado nosseus dados (falta ou duplicidade), problema que atinge cerca de metade dos municípios com o PSFimplantado. A falta de informações confiáveis pode comprometer o acompanhamento do Programa edificultar o estabelecimento de prioridades de ação em saúde” (BRASIL, 2002c, p. 14).0 Paradigmática do momento do apogeu desse entendimento é a afirmação de Alexander Hamilton,nos albores da conformação politico-constitucional norte-americana: “The courts must declare the senseof the law; and if they should be disposed to exercise WILL instead of JUDGMENT, the consequencewould equally be the substitution of their pleasure to that of the legislative body” (HAMILTON, 1999, p.437).
42
aferrada a uma concepção tão conservadora quanto obsoleta da teoria da separação
dos poderes0, é defeso o ingresso do Judiciário.
A conveniência e a oportunidade dos atos administrativos
discricionários emanados dos gestores de saúde, contudo, não são intangíveis.
Discricionariedade não se confunde arbitrariedade; todo e qualquer ato estatal, por
maior que seja o grau de liberdade disponível, é vinculado quanto ao fim perseguido –
o bem público. Esta última expressão é semanticamente imprecisa, mas sempre será
possível identificar facilmente, nos casos concretos, núcleos de certeza positiva (o que
inegavelmente atende ao bem público) e de negativa (o que evidentemente não o faz).
Devidamente instado a se pronunciar, o Judiciário, examinando o fato
concretamente trazido a baila, tem o dever de verificar se os atos praticados ou
omitidos atenderam às finalidades da norma, “se guardou afinamento com a
significação possível dos conceitos expressados à guisa de pressuposto ou de
finalidade da norma ou se lhes atribuiu inteligência abusiva” (MELLO, 2000, p. 763).
Em sede de improbidade, tal aferição é de fato fundamental, uma vez que, constatada
a ilicitude administrativa da omissão, é bastante provável que a conduta se subsuma a
alguma das três modalidades de vulneração à Lei n. 8.429/92.
Os Magistrados têm, com o passar dos anos, conscientizado-se de seu
papel, como efetivos garantidores do Estado Democrático de Direito, aqui e alhures,
tanto que a doutrina portuguesa, em ensinamentos passível de integral traslado à
nossa realidade forense, versa acerca da jurisdicização do governar (CANOTILHO,
2001, p. 470), imperativo da eficácia da jurisdição constitucional (ALMEIDA, 2000, p.
286).
Por isso, hoje a maior ameaça à efetivação judicial do direito
fundamental à saúde encontra-se em uma cláusula recentemente importada da
jurisprudência constitucional alemã: a da reserva do possível (Vorbehalt des
Möglichen).
De acordo com ela, em sede de direitos fundamentais cujo
atendimento demanda prestações positivas, estas últimas somente podem ter lugar
“quando permitam as possibilidades materiais do Estado” (BRANCO, 2000, p. 146). Por
0 “(...) Impõe-se reconhecer, à guisa de conclusão, que o paradigma da separação dos poderes, pelomenos em sua configuração inicial, há muito tempo que entrou em crise e isso aconteceu, precisamente,porque foi ultrapassada a conjuntura jurídico-política em que viveram John Locke e Montesquieu, osseus formuladores históricos” (COELHO, 2000, p. 98).
43
possível, leia-se, então, financeiramente possível (finanziell Möglichen) (MENDES, G.,
2002, p. 7).
O argumento, todavia, não deve ser irrefletidamente acatado, pois
inverte a lógica subjacente a nosso ordenamento constitucional. A dignidade da
pessoa humana é fundamento de nosso Estado Democrático de Direito; o aparelho
estatal existe para a servir, e não o contrário.
Embora o contingenciamento orçamentário imponha, na prática, limite
fático ao direito da saúde, relativizando sua eficácia, não podemos olvidar, como
ponderou Ingo Sarlet, que a nossa ordem constitucional proibiu explicitamente a pena
de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes, mesmo aos
condenados por crime hediondo, motivo pelo qual não se poderá, sob pena de ofender
à razoabilidade e ao próprio senso de justiça, sustentar que com lastro “numa alegada
(e mesmo comprovada) insuficiência de recursos, se acabe virtualmente condenando à
morte uma pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter
condições de arcar com o custo do tratamento” (SARLET, 2002, p. 13).
Por isso, quando algum gestor de sistema de saúde intentar elidir sua
responsabilidade, em sede de improbidade administrativa, invocando a reserva do
possível, deve o julgador, no caso concreto, ponderar cuidadosamente as
circunstâncias existentes, para não se deixar envolver por uma lógica puramente
financeira – tão típica do nosso atual projeto de Estado.
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5. COMPETÊNCIA PARA A APRECIAÇÃO DE AÇÕES CIVIS PÚBLICAS POR
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM CASOS DE VIOLAÇÃO DE NORMAS DE
DIREITO SANITÁRIO NO ÂMBITO MUNICIPAL
5.1. CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Embora a jurisdição, enquanto poder estatal de autoritativa e
imparcialmente pacificar conflitos0, seja una, motivos de ordem prática impõem ao
Estado a distribuição do poder jurisdicional entre os vários magistrados e tribunais.
A jurisdictio é, no seu exercício, circunscrita por lindes previamente
estabelecidos em regras jurídicas, definindo aquilo a que se denomina de
competência. Por isso, em frase clássica, diz-se que a competência é a medida da
jurisdição. “Quando o poder jurisdicional, de abstrato se torna concreto, em face de
algum litígio, determinada fica a competência, que é a medida usada no distribuir-se a
jurisdição entre os vários magistrados ou órgãos judiciários” (MARQUES, 2000, p. 320).
Os vários parâmetros distributivos da competência variam,
obviamente, conforme o direito positivo de cada país, mas sempre servem
simultaneamente à divisão do trabalho judicante e à garantia aos jurisdicionados0.
No Brasil, peculiaridades históricas legaram um sistema
particularmente confuso, coexistindo as Justiças comuns (Federal e Estadual/Distrital),
de competência residual, e as especializadas (do Trabalho, Militar Federal e Militar
0 Ensinam Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes: “(...) o outro componente essencial do atojurisdicional é a condição de terceiro imparcial em que se encontra o Juiz com relação ao interesse sobreo qual recai sua atividade. Ao realizar o ato jurisdicional, o Juiz mantém-se numa posição deindependência e estraneidade relativamente ao interesse tutelado. Como observa Micheli, (...) não étanto o caráter de substitutividade, como afirma Chiovenda, que define a jurisdição, mas seu caráter deimparcialidade” (SILVA e GOMES, 2002, p. 74).0 “A atribuição de competência, pressuposto das mais relevantes garantias constitucionais, tem porfulcro impedir a ingerência de circunstâncias e fatores alheios ao Poder Judiciário, capazes deinfluenciar, diretamente ou por via reflexa, as decisões proferidas em casos submetidos à apreciação domagistrado” (PERRINI, 2001, p. 89).
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Estadual). Com isso, os critérios de determinação da competência de jurisdição0
desempenham aqui um papel extremamente importante.
No confronto entre a competência da Justiça Federal e a atinente à
Justiça Estadual comum – que vem a ser o de interesse para a presente monografia –,
deve-se ter em mente a lição de Aloisio Gonçalves de Castro Mendes, no sentido de
que “a competência da Justiça Federal é taxativa e vem elencada numerus clausus na
Constituição da República, arts. 108 e 109, não comportando a ampliação das
hipóteses previstas por norma infraconstitucional” (MENDES, A., 1998, p. 34).
De todos os incisos do referido art. 109, alusivo à primeira instância, o
que de mais perto diz respeito a este estudo é o I, in verbis:
Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça
Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Mesmo figurando, como parte ou a título de interveniente, a União,
entidades autárquica ou empresa pública federal, só será aquele ramo do Judiciário
competente se houver, com suficiente densidade, interesse jurídico atinente à esfera
federal, o qual necessita “ser de ordem direta e não reflexa; deve ser imediato, e não
remoto nem geral” (CARVALHO, 1998, p. 49). O cerne da questão consiste, pois, em
corretamente preencher o conceito semanticamente aberto de interesse federal.
De imediato, faz-se mister destacar que ele não se confunde com a
categoria processual interesse de agir; trata-se de algo que emana do próprio direito
material em discussão, jungido ao interesse primário, comprometido na lide, de que
0 A nomeclatura foi consagrada pelo clássico Teoria Geral do Processo, da lavra de ninguém menosque Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, que assim aexplanam: “A expressão competência de jurisdição é, a rigor, incorreta e contraditória (ou o problema aque se refere é de competência, ou de jurisdição – nunca de ambas as coisas). Ela é utilizada aqui, àfalta de outra melhor (e segundo o uso da doutrina), para significar o conjunto de atividadesjurisdicionais cujo exercício é atribuído a cada organismo judiciário, ou sistema integrado e autônomo deórgãos (Justiças). Como se vê, ‘competência de jurisdição’ é típico fenômeno de competência, nãointerferindo de maneira alguma na jurisdição como expressão do poder inerente ao Estado soberano(que todas as Justiças, indiferentemente, têm)” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 1994, p. 233).
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falou Carnelutti0, ou à pretensão (Anspruch), na terminologia de Pontes de Miranda0-0.
Esses devem trazer consigo a direta e relevante repercussão em bens ou serviços
federais, para que se possa reputar presente o interesse federal e, conseqüentemente,
firme-se a competência em favor do Judiciário comum da União.
É necessário, portanto, um exame caso a caso. Essa tarefa tem sido
feita iterativamente pelos Magistrados, sedimentando-se na jurisprudência de nossos
Tribunais Superiores.
Especificamente no que tange às verbas transferidas para Municípios,
o Superior Tribunal de Justiça editou duas súmulas:
Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de
verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal (Súmula n. 208).
Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba
incorporada ao patrimônio municipal (Súmula n. 209).
Dos arestos que lhe serviram de precedentes, nota-se, claramente, ter
entendido a Corte Superior encarregada da uniformização do direito infra-
constitucional que o mero fato de estar sujeito o prefeito municipal a prestar contas,
administrativamente, perante órgão federal já denotaria interesse federal suficiente à
fixação da competência em prol da Justiça Federal0.
0 “(...) O interesse de agir não é absolutamente o mesmo que o interesse comprometido na lide ou nonegócio, mas um interesse secundário a respeito deste; precisamente o interesse na tutela judicial dointeresse primário; o interesse em lide refere-se à relação jurídica material, sobre a qual o juiz devedecidir; o interesse de agir refere-se, entretanto, à relação jurídica processual, pela qual o juiz devedecidir” (CARNELUTTI, 2000, p. 570-571).0 “Pretensão é a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa.Não tenho direito nem pretensão no tocante ao devedor de A; mas A a tem, salvo se a sua posiçãosubjetiva de credor está mutilada, de modo a se tratar de direito sem pretensão. O correlato dapretensão é um dever ‘premível’ do destinatário dela, talvez obrigação (no sentido estrito), sempreobrigação (no sentido largo). Ao ‘posso’ do titular da pretensão, corresponde o ‘ser obrigado’ dodestinatário” (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 68).0 Como recorda Marinoni, “a pretensão de direito material é a faculdade de se poder exigir a realizaçãodo direito. A pretensão é uma mera potencialidade; portanto, difere do seu exercício. O direito subjetivo ea pretensão de direito material são estados de que desfruta seu titular, enquanto o exercício dessafaculdade de exigir não é mais estado, mas o desenvolvimento de uma ação por parte do titular dapretensão” (MARINONI, 1999, p. 207). Pensando assim, pode parecer que o interesse federal deve estarínsito à ação de direito material, e não à pretensão; rememorando-se, todavia, que ambos têm o mesmoconteúdo intrínseco, diferindo apenas quanto ao estado (potência ou ato) e à precedência lógica (apretensão é anterior à ação de direito material), verifica-se o acerto da colocação feita no texto acima.0 Note-se, por oportuno, que, apesar do que sustentam alguns, as referidas súmulas não são, entre si,contraditórias, e sim complementares.
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Não se pretende aqui empreender a tarefa de debater o acerto ou não
desse pensar. Isso implicaria olvido aos estreitos limites desta monografia. Por ora,
basta ressaltar, com Alexy, que a adesão aos standards judiciais, embora não deva ser
irrefletida, “contribui ao mesmo tempo para a certeza jurídica e a proteção da confiança
na tomada de decisão judicial” (ALEXY, 2001, p. 260), principalmente por força das
funções de estabilização, redutora de encargo e heurística da dogmática jurídica0.
Considerando isso, e levando em conta razões de cunho metodológico,
abrir-se-á mão da discussão acerca de seu acerto ou não, tomando-as como premissas
das hipóteses que ora se pretende demonstrar.
Vale ressaltar, por derradeiro, que malgrado versar a jurisprudência
citada sobre causas penais, ela é inteiramente aplicável aos casos de improbidade, até
em face do caráter penal, em sentido amplo, de que as normas administrativas
sancionatórias se revestem.
5.2. COMPETÊNCIA, IMPROBIDADE E GESTÕES MUNICIPAIS
O infortunado desconhecimento, pelos juristas, do Direito Sanitário
nubla as decisões de nossos Tribunais Superiores, ora a apontar em um sentido, ora
em outro. Há precedentes a asseverar ser sempre competente, em sendo discutidos
aspectos ligados ao Sistema Único de Saúde, a Justiça Federal0, coexistindo com
arestos indicando, para a hipótese, as Justiças Estaduais, quer supondo recair o0 A função de estabilização “é realizada pelo fato de que soluções particulares para questões práticaspodem ser retidas e assim reproduzidas quando requerido com a ajuda das proposições dogmáticas”; aredutora de encargo, indispensável ao trabalho decisório dos órgãos judicantes, consiste napossibilidade de adoção, ao menos provisória, itens previamente examinados e aceitos, o que “reduz oencargo do processo justificativo, a ponto de na ausência de alguns motivos especiais, novo exame serdesnecessário”. Já heurística consiste no amparo, fornecido pela dogmática, voltado à solução de“problemas, distinções e pontos de vista, que não ocorreriam prontamente a alguém começar sempre denovo” (ALEXY, 2001, p. 253-257).0 Nesse sentido: “1. Recurso extraordinário. 2. Ação penal. Crime de peculato, em face de desvio, noâmbito estadual, de dotações provenientes do orçamento da União federal, mediante convênio, edestinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamentode crime resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde– SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, IV, da Constituição. 4. Além do interesse inequívoco daUnião Federal, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes, no caso, sãotambém em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos,mas ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5.Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n. 8.080, de 19.09.1990, arts.4o, 31, 32, § 2o, 33 e § 4o. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido, para reconhecer a competênciado Tribunal Regional Federal da 4a Região, pelo envolvimento de ex-Secretário Estadual de Saúde”(STF, Pleno, RE n. 196.982-PR, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 20.02.1997, DJ 27.06.1997, p. 30.247).
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encargo material aos Estados0, quer admitindo, em hipóteses específicas, delegações
para os Municípios0. Esse estado de incerteza, gerado pelo titubeio de nossos
julgadores, contribui, em muito, para o excídio da responsabilização dos ímprobos.
Ab initio, importa verificar que o raciocínio atributivo, em toda e
qualquer situação, de competência à Justiça Federal não se sustenta, porquanto
baseado em premissas equivocadas. Como se viu anteriormente, Estados, Distrito
Federal e Municípios são obrigados a aplicar percentual mínimo de suas receitas nas
ações e serviços de saúde. Ainda que os recursos sejam majoritariamente da União,
não são exclusivamente federais.
Ademais, por haver, em diversas situações, incorporação das verbas
federais ao patrimônio de entidade municipal (o Fundo Municipal de Saúde), será
competente a Justiça Estadual.
Usando como pontos de partidas as Súmulas n. 208 e 209 do Superior
Tribunal de Justiça, as quais delimitam, conforme explanado oportunamente, quando
prepondera o interesse federal, em se tratando de repasse de recursos ao Municípios,
buscar-se-á propor critérios racionalmente fundados, com vistas à estabilização da
tertúlia.
Recorde-se, para tanto, que atualmente existem duas modalidades de
gestão municipal: a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A) e a Gestão
Plena do Sistema Municipal (GPSM)0.
0 “Direito à saúde. ‘Diferença de classe’ sem ônus para o SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS.Artigo 196 da Constituição Federal. Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendoúnica e descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição), cabe, no âmbito dosEstados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente. O direito à saúde, como estáassegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridadesadministrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa àisonomia. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, 1a T., RE n. 261.268-RS, Rel. Min. Moreira Alves,j. 28.08.2001, DJ 05.10.2001, p. 57).0 “PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÜDE. DISTRIBUIÇÃO DEAUTORIZAÇÃO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR. DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO. INTERESSEMUNICIPAL. LEI N. 8.080/90.I – O art. 18 da Lei n. 8.080/90, em seu inciso X, estabeleceu ao Município, na defesa de seu interesse, aatribuição de celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde,bem como controlar e avalia sua execução.II – Delegada ao Município a faculdade para a emissão de autorização de internação hospitalar, não háinteresse em litígio da União Federal, ainda que a administração financeira do Sistema Único de Saúdeseja do Ministério da Saúde.III – Competência da Justiça Estadual” (STJ, 1a Seção, CC n. 31.055-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ29.10.2001, p. 178).0 A Gestão Plena da Atenção Básica, disciplinada na NOB 01/96, ainda vige, em caráter residual, mas,para os fins desta monografia, é idêntica a sua disciplina à da Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada(GPAB-A).
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Para os Municípios habilitados na GPAB-A, a atenção básica é
custeada, como se viu, pelo Fundo Municipal de Saúde, que recebe aportes do Fundo
Nacional e, em algumas hipóteses, do Fundo Estadual, mas os mescla com o
percentual mínimo de suas receitas a ser obrigatoriamente aplicado. Os recursos
federais, assim, são incorporados ao patrimônio do fundo municipal.
Por força da Súmula n. 209/STJ, em ocorrendo ato de improbidade nas
relações internas do SUS Municipal, no tocante à atenção básica, o interesse federal
será meramente indireto, pelo que a competência para o processamento da ação civil
pública em face de ato de improbidade caberá à Justiça Estadual.
Exemplificando: caso um prestador de serviços médicos (incluídos na
gestão básica) falseie dados, a fim de obter remuneração indevida, seu ato de
improbidade apenas reflexamente repercutirá junto ao Fundo Nacional de Saúde.
Percebendo remuneração do fundo municipal, com fiscalização direta do gestor local
do SUS, deverá responder, em face do cometimento de ilícito administrativo tipificado
no art. 9o da Lei n. 8.429/92, perante a Justiça Estadual.
No entanto, em se tratando de serviços hospitalares não inclusos no
PAB, remunerados via Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs), pagas
diretamente pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), gestor financeiro do SUS no âmbito
federal, a competência será da Justiça Federal.
Na hipótese de serem os serviços de alta complexidade ou de alto
custo, cujos créditos são consubstanciados em Autorizações para Procedimentos de
Alta Complexidade/Custo (APACs), pagos pelo Fundo Estadual de Saúde (que recebe
recursos do FNS, aos quais junta os oriundos das receitas do próprio Estado), não
haverá interesse federal direto, imediato, pelo que o processamento de eventual ação
de improbidade competirá à Justiça Estadual.
Em sendo as verbas oriundas de convênio firmado junto ao Fundo
Nacional de Saúde, o Ministério da Saúde ou a Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA), para, por exemplo, construir um posto de saúde, há o dever de prestar
contas, administrativamente, a entidade/órgão federal, pelo que, por força da Súmula
n. 208/STJ, em havendo prática de ato de improbidade, deverá ter a ação respectiva
curso na Justiça Federal.
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O mesmo se verifica, por fim, em se tratando de conduta ímproba,
comissiva ou omissiva, atribuída a gestor do Fundo Municipal de Saúde, há inequívoco
interesse federal subjacente, em face do dever de prestar contas junto ao controle
interno do Poder Executivo e ao Tribunal de Contas da União, quanto aos repasses
recebidos do FNS. Assim, a ação civil pública visando à aplicação das sanções da Lei n.
8.429/92 deverá ser proposta junto à Justiça Federal.
Para os Municípios habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal
(GPSM), nas relações intra-sistêmicas (internas ao SUS Municipal), quer de derivadas
de ações de atenção básica, quer de procedimentos oriundos de serviços hospitalares
(incluindo os de alta complexidade/alto custo), a competência será da Justiça Estadual.
Na GPSM, o gestor municipal responde por todas as unidades
hospitalares, inclusive para efeito de autorização e pagamento. Para tanto, recebe
recursos do FNS, que se incorporam ao do Fundo Municipal. O interesse imediato,
direto, tanto do ponto de vista fiscalizatório, quanto do pecuniário, é municipal.
Relativamente a convênios, porém, eventual ato ímprobo deverá ser
apurado e sancionado pelo Judiciário Federal, justamente por força da necessidade de
prestação de contas junto à esfera federal.
É exatamente isso o que sucede em se tratando das questões alusivas
ao relacionamento do subsistema municipal do SUS com a gestão nacional.
Cometendo o gestor municipal ato subsumível aos arts. 9o, 10 ou 11, da Lei n. 8.429/92,
responderá ele, por força do dever de prestar contas junto ao FNS e ao TCU, a ação de
improbidade que terá curso na Justiça Federal, ex vi da Súmula n. 208/STJ.
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6. CONCLUSÕES
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em
2000 os dispêndios públicos em saúde nacionais responderam por 40,8% (quarenta
vírgula oito por cento) dos gastos sanitários totais. No cotejo com o restante dos países
americanos, o Brasil figura na antepenúltima posição, atrás, para exemplificar, de El
Salvador, da Guatemala, da Jamaica, do Chile e dos Estados Unidos, e apenas à frente
do Paraguai e da República Dominicana (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD,
2002, p.1). Os recursos estatais são, portanto, parcos e as extremas desigualdades
sociais e regionais aumentam ainda mais a imprescindibilidade de sua correta
aplicação.
O direito constitucional fundamental à saúde, cuja extensão em muito
sobrepuja, até em termos normativos, a mera ausência de doenças, vem, porém, para a
vergonha de toda uma nação, sendo diuturnamente achincalhado, em todos os rincões
de nosso país, por todas as espécies de agentes públicos.
O intrincado aparato organizacional e normativo elaborado a partir das
concepções do movimento de reforma sanitária – o Sistema Único de Saúde (SUS) –
funciona como um mero arremedo do que deveria. Às favas são mandados, sem
esboçar a sociedade qualquer reação concreta, os princípios da universalidade,
integralidade e da participação popular, bem como os constitucionais-administrativos
da impessoalidade, moralidade e eficiência.
Praticamente a totalidade desses casos consiste em atos de
improbidade administrativa. No entanto, a imposição das sanções encontra, na prática,
óbice no titubeio da jurisprudência.
Nunca é demais lembrar que se destina o ordenamento jurídico à
estabilização das expectativas fáticas, a fim de conjurar, o quanto possível, a
instabilidade derivada da incerteza. O valor segurança jurídica, na verdade, não tem
vida própria e destacada do sistema; ao contrário, impregna-o, pois lhe demandam a
presença as cada vez mais complexas relações sociais.
A incidência da Lei de Improbidade Administrativa, na seara da saúde,
pouco tem encontrado respaldo dentre os juristas justamente em razão de não dispor a
imensa maioria deles, infelizmente, de noções rudimentares de Direito Sanitário. Por
52
lacunoso ser o domínio das premissas do raciocínio, o colimado condicionamento
prévio dos atos decisórios, inerente à ciência jurídica, simplesmente inocorre, e os
julgados acabam sendo imprevisíveis.
Sem norte, as instituições muitas vezes não têm noção da integral
extensão do rol de suas atribuições, e, no turbilhão de demandas sociais, acabam por
priorizar outras, de mais fácil solução. Com isso, as punições acabam sendo relegadas
às calendas gregas e os ímprobos ao Olimpo.
Transmutar esse quadro implica aliar um conhecimento ao menos
mediano da estruturação do SUS, com o pleno domínio das variáveis envolvidas.
No que respeita ao SUS Municipal, é imprescindível considerar,
portanto, as especificidades das diversas situações fáticas passíveis de ocorrência,
quer do ponto de vista intra-sistêmico (ou seja, interno ao subsistema local de saúde),
quer mirando as relações do gestor municipal com as instâncias federal e
estadual/distrital.
Isso tudo, todavia, deve ser feito sem descurar que a principal
sistemática de irrigação financeira do SUS – a de repasse fundo a fundo –, importa, em
diversas situações, em incorporação aos patrimônios dos Fundos Municipais de Saúde
dos valores transferidos pela União. Ex vi da Súmula n. 209/STJ, tal fato acarreta o
ajuizamento das ações civis públicas visando à aplicação das sanções nas Justiças
Estaduais. Noutros casos, deverá o pleito ter curso na Justiça Federal comum.
Munidos de critérios estáveis, talvez consigam algum dia os brasileiros
objurgar, ao menos na saúde, o mal já identificado pelo Padre Antônio Vieira, no
Sermão do Bom Ladrão, pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655.
Aquela obra sacra, versando acerca da conjugação do verbo rapio pelos governadores
do Brasil e sobre a cumplicidade real, encerrava-se com seguinte oração, dotada,
apesar do passar dos séculos, de funesta atualidade:
Rei dos Rei, e Senhor dos Senhores, que morrestes entre ladrões para pagar o
furto do primeiro ladrão, e o primeiro a quem prometestes o Paraíso foi outro
ladrão; para que os ladrões e os Reis se salvem, ensinai com vosso exemplo, e
inspirai com vossa graça a todos os Reis, que não elegendo, nem
dissimulando, nem consentindo, nem aumentando ladrões, de tal maneira
impidam os furtos futuros, e façam restituir os passados, que em lugar de os
53
ladrões os levarem consigo, como levam, ao Inferno, levem eles consigo os
ladrões ao Paraíso, como vós fizestes hoje. Hodie mecum eris in Paradiso
(VIEIRA, 2000, p. 413).
Eis o desafio de toda a sociedade: fazer com que os agentes públicos,
ao menos no campo da saúde, não elejam, não dissimulem, não consintam e nem
aumentem as pesarosamente corriqueiras malversações das verbas a tanto custo
extraída dos setores produtivos.
Para tanto, faz-se mister um mínimo de estabilidade e coerência
jurídicas, alçáveis apenas após muitas discussões, doutrinárias e jurisprudenciais.
Serão embates árduos, cujos enfrentamentos, contudo, não mais podem ser
delongados
54
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PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO
DELEGADA. 1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não só os
servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente
56
público, insculpido no art. 2o, da Lei n. 8.429/92: “a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica
atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público,
que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública,
superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada que o conceito de
funcionário público contido no Código Penal (art. 327)”. 2. Hospitais e médicos conveniados ao
SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são
sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. 3. Imperioso ressaltar que o âmbito de
cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público
passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese
da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa do ordenamento. 4. Em
conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do ato ímprobo é matéria
fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07, do STJ. 5. Recursos providos, apenas,
para reconhecer a legitimidade passiva dos recorridos para se submeterem às sanções da Lei
de Improbidade Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorridos: Rogério Tregnago et al. Relator: Ministro
Luiz Fux. Brasília, 13 de agosto de 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/webstj>.
Acesso em: 14.12.2002.
_______. Superior Tribunal de Justiça. PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA.
SISTEMA ÚNICO DE SAÜDE. DISTRIBUIÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE
INTERNAÇÃO HOSPITALAR. DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÃO. INTERESSE
MUNICIPAL. LEI N. 8.080/90. I – O art. 18 da Lei n. 8.080/90, em seu inciso X,
estabeleceu ao Município, na defesa de seu interesse, a atribuição de celebrar
contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem
como controlar e avalia sua execução. II – Delegada ao Município a faculdade para a
emissão de autorização de internação hospitalar, não há interesse em litígio da União
Federal, ainda que a administração financeira do Sistema Único de Saúde seja do
Ministério da Saúde. III – Competência da Justiça Estadual. CC n. 31.055-MG.
Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 10 de outubro de 2001. Disponível em:
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_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 208. Compete à Justiça Federal
processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas
perante órgão federal. Brasília, 27 de maio de 1998. Disponível em:
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57
_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 209. Compete à Justiça Estadual
processar e julgar prefeito por desvio de verba incorporada ao patrimônio municipal.
Brasília, 27 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/webstj>. Acesso
em: 01.12.2002.
_______. Supremo Tribunal Federal. 1. Recurso extraordinário. 2. Ação penal. Crime
de peculato, em face de desvio, no âmbito estadual, de dotações provenientes do
orçamento da União federal, mediante convênio, e destinadas ao Sistema Único de
Saúde – SUS. 3. A competência originária para o processo e julgamento de crime
resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único
de Saúde – SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, IV, da Constituição. 4. Além
do interesse inequívoco da União Federal, na espécie, em se cogitando de recursos
repassados ao Estado, os crimes, no caso, são também em detrimento de serviços
federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mas ainda a
supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados. 5.
Constituição Federal de 1988, arts. 198, parágrafo único, e 71, e Lei Federal n. 8.080, de
19.09.1990, arts. 4o, 31, 32, § 2o, 33 e § 4o. 6. Recurso extraordinário conhecido e
provido, para reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal da 4a Região,
pelo envolvimento de ex-Secretário Estadual de Saúde. RE n. 196.982-PR. Recorrente:
Ministério Público Federal. Recorridos: Manoel Antonio Almeida Neto et al. Relator:
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para o SUS. Resolução n. 283 do extinto INAMPS. Artigo 196 da Constituição Federal.
Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendo única e
descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da Constituição), cabe, no
âmbito dos Estados, às respectivas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente. O
direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da Constituição, não deve sofrer
embaraços impostos por autoridades administrativas no sentido de reduzi-lo ou de
dificultar o acesso a ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia. Recurso
extraordinário não conhecido. RE n. 261.268-RS. Recorrente: Estado do Rio Grande do
Sul. Recorrido: Fernando José Pires Silveira. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília,
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64
ANEXO A: LEGISLAÇÃO
CONSTITUIÇÃO FEDERAL – EXCERTOS
PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,
sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL.
TÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
65
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e
conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico
e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
66
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo
a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único - Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União
e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e
dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
67
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
lei estadual, no que lhe for contrário.
CAPÍTULO VII
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na
forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração;
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável
uma vez, por igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele
aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado
com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na
carreira;
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
68
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos
em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei
específica;
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39
somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa
privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem
distinção de índices;
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e
os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal;
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não
poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies
remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;
XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão
computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores;
XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos
públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste
artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando
houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no
inciso XI:
69
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos privativos de médico;
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange
autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder
público;
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de
suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores
administrativos, na forma da lei;
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de
subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a
participação de qualquer delas em empresa privada;
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento
das obrigações.
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não
podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal
de autoridades ou servidores públicos.
§ 2º - A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato
e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
§ 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração
pública direta e indireta, regulando especialmente:
70
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a
avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;
II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre
atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de
cargo, emprego ou função na administração pública.
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por
qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as
respectivas ações de ressarcimento.
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
§ 7º - A lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou
emprego da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações
privilegiadas.
* § 7º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de
1998.
§ 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da
administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser
firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a
fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor
sobre:
I - o prazo de duração do contrato;
II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, e obrigações e
responsabilidade dos dirigentes;
III - a remuneração do pessoal.
71
* § 8º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de
1998.
§ 9º - O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de
economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de
pessoal ou de custeio em geral.
* § 9º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de
1998.
§ 10º É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes
do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função
pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos
eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e
exoneração.
* §10º acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro
de 1998.
Art. 38 - Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no
exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado
de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou
função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários,
perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a
norma do inciso anterior;
IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato
eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto
para promoção por merecimento;
V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores
serão determinados como se no exercício estivesse.
72
SEÇÃO II
DOS SERVIDORES PÚBLICOS
Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de
política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores
designados pelos respectivos Poderes.
§ 1º - A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema
remuneratório observará:
I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos
componentes de cada carreira;
II - os requisitos para a investidura;
III - as peculiaridades dos cargos.
§ 2º - A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a
formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a
participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada,
para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.
§ 3º - Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV,
VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei
estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o
exigir.
§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e
os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por
subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,
adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória,
obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
§ 5º - Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá
estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores
públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI.
§ 6º - Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os
valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos.
§ 7º - Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a
aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas
correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento
73
de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento,
modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a
forma de adicional ou prêmio de produtividade.
§ 8º - A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser
fixada nos termos do § 4º.
TÍTULO VIII
DA ORDEM SOCIAL
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÃO GERAL
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-
estar e a justiça sociais.
CAPÍTULO II
DA SEGURIDADE SOCIAL
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único - Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
74
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão
quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
SEÇÃO II
DA SAÚDE
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197 - São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos
do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.
§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em
ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de
percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista
no § 3º;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
75
159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas
aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e
159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º - Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,
estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a
seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das
disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde
nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito
público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos.
§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais
estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos
da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse
para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
76
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de
saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e
tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho.
ATO DAS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e
serviços públicos de saúde serão equivalentes:
I - no caso da União:
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de
saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por
cento;
b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela
variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que
tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas
que forem transferidas aos respectivos Municípios; e
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto
da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que
tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
77
§ 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais
inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o
exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um
quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete
por cento.
§ 2º - Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento,
no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em
ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei.
§ 3º - Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às
ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma
finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da
Constituição Federal.
§ 4º - Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do
exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios o disposto neste artigo.
LEI COMPLEMENTAR N. 101, DE 4 DE MAIO DE 2000 – EXCERTOS
Estabelece normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal e dá outras providências
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Complementar:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
78
Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da
Constituição.
§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o
equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados
entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e
outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por
antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
§ 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios.
§ 3º Nas referências:
I - à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão
compreendidos:
a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de
Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;
b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e
empresas estatais dependentes;
II - a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;
III - a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União, Tribunal de
Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tribunal de
Contas do Município.
CAPÍTULO V
DAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a
entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de
cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação
constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1º São exigências para a realização de transferência voluntária, além das
estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
79
I - existência de dotação específica;
II - (VETADO);
III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:
a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e
financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação
de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
b) cumprimento dos limites constitucionais relativos a educação e à saúde;
c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em
Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;
d) previsão orçamentária de contrapartida.
§ 2º É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da
pactuada.
§ 3º Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias
constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de
educação, saúde e assistência social.
CAPÍTULO IX
DA TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO
Seção I
Da Transparência da Gestão Fiscal
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e
leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio;
o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as
versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à
participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de
elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e
orçamentos.
80
Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis,
durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico
responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e
instituições da sociedade.
Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do
Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e
financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da
seguridade social e, no caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do
impacto fiscal de suas atividades no exercício.
LEI N. 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte lei:
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde,
executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por
pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
81
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e
igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da
sociedade.
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de
saúde da população expressam a organização social e econômica do País.
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto
no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de
bem-estar físico, mental e social.
TÍTULO II
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais,
estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos,
medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em
caráter complementar.
CAPÍTULO I
Dos Objetivos e Atribuições
Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;
82
II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e
social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas.
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento
básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e
outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a
saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar,
diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes
do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de
interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a
saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com
a saúde.
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§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam
o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.
§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de
atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância
sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à
recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e
agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença
profissional e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em
estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde
existentes no processo de trabalho;
III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da
normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração,
armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de
máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre
os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os
resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão,
periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do
trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de
trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a
interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando
houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.
84
CAPÍTULO II
Dos Princípios e Diretrizes
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou
conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de
acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo
ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das
ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua
utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de
recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de
governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento
básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de
assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
85
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para
fins idênticos.
CAPÍTULO III
Da Organização, da Direção e da Gestão
Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão
organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade
crescente.
Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do
art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos
seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde
ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.
Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as
ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.
§ 1º Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção
única, e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância.
§ 2º No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em
distritos de forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a
cobertura total das ações de saúde.
Art. 11. (Vetado).
Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao
Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por
entidades representativas da sociedade civil.
Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e
programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
86
Art. 13. A articulação das políticas e programas, a cargo das comissões intersetoriais,
abrangerá, em especial, as seguintes atividades:
I - alimentação e nutrição;
II - saneamento e meio ambiente;
III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia;
IV - recursos humanos;
V - ciência e tecnologia; e
VI - saúde do trabalhador.
Art. 14. Deverão ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços
de saúde e as instituições de ensino profissional e superior.
Parágrafo único. Cada uma dessas comissões terá por finalidade propor prioridades,
métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos
do Sistema Único de Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à
pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições.
CAPÍTULO IV
Da Competência e das Atribuições
Seção I
Das Atribuições Comuns
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu
âmbito administrativo, as seguintes atribuições:
I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das
ações e serviços de saúde;
II - administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à
saúde;
III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das
condições ambientais;
IV - organização e coordenação do sistema de informação de saúde;
V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e
parâmetros de custos que caracterizam a assistência à saúde;
87
VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade para
promoção da saúde do trabalhador;
VII - participação de formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico e colaboração na proteção e recuperação do meio ambiente;
VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde;
IX - participação na formulação e na execução da política de formação e
desenvolvimento de recursos humanos para a saúde;
X - elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de
conformidade com o plano de saúde;
XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde,
tendo em vista a sua relevância pública;
XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da saúde,
autorizadas pelo Senado Federal;
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes
de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a
autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar
bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada
justa indenização;
XIV - implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados;
XV - propor a celebração de convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à
saúde, saneamento e meio ambiente;
XVI - elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da
saúde;
XVII - promover articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e
outras entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos
padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde;
XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde;
XIX - realizar pesquisas e estudos na área de saúde;
XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder
de polícia sanitária;
XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de
atendimento emergencial.
88
Seção II
Da Competência
Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:
I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;
II - participar na formulação e na implementação das políticas:
a) de controle das agressões ao meio ambiente;
b) de saneamento básico; e
c) relativas às condições e aos ambientes de trabalho;
III - definir e coordenar os sistemas:
a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;
b) de rede de laboratórios de saúde pública;
c) de vigilância epidemiológica; e
d) vigilância sanitária;
IV - participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins, de
agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde
humana;
V - participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições
e dos ambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador;
VI - coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;
VII - estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e
fronteiras, podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios;
VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade
sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;
IX - promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercício
profissional, bem como com entidades representativas de formação de recursos
humanos na área de saúde;
X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e
produção de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais
órgãos governamentais;
XI - identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o
estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde;
89
XII - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde;
XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;
XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS)
e os serviços privados contratados de assistência à saúde;
XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios,
dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;
XVI - normatizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue,
Componentes e Derivados;
XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as
competências estaduais e municipais;
XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em
cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal;
XIX - estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e
financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os
Estados, Municípios e Distrito Federal.
Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e
sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à
saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de
Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.
Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:
I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde;
II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de
Saúde (SUS);
III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações
e serviços de saúde;
IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços:
a) de vigilância epidemiológica;
b) de vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição; e
d) de saúde do trabalhador;
90
V - participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente
que tenham repercussão na saúde humana;
VI - participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico;
VII - participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de
trabalho;
VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de
insumos e equipamentos para a saúde;
IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos
de alta complexidade, de referência estadual e regional;
X - coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, e gerir
as unidades que permaneçam em sua organização administrativa;
XI - estabelecer normas, em caráter suplementar, para o controle e avaliação das ações
e serviços de saúde;
XII - formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de
procedimentos de controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo
humano;
XIII - colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e
fronteiras;
XIV - o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e
mortalidade no âmbito da unidade federada.
Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e
executar os serviços públicos de saúde;
II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e
hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção
estadual;
III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e
aos ambientes de trabalho;
IV - executar serviços:
a) de vigilância epidemiológica;
b) vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição;
d) de saneamento básico; e
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e) de saúde do trabalhador;
V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a
saúde;
VI - colaborar na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham
repercussão sobre a saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e
federais competentes, para controlá-las;
VII - formar consórcios administrativos intermunicipais;
VIII - gerir laboratórios públicos de saúde e hemocentros;
IX - colaborar com a União e os Estados na execução da vigilância sanitária de portos,
aeroportos e fronteiras;
X - observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com
entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar
sua execução;
XI - controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde;
XII - normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu
âmbito de atuação.
Art. 19. Ao Distrito Federal competem as atribuições reservadas aos Estados e aos
Municípios.
CAPÍTULO V
DO SUBSISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA
Art 19 - A. As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações
indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao
disposto nesta Lei.
Art 19 - B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do
Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei nº 8.142, de
28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração.
Art 19 -C. Caberá à União, com seus recurso próprios, financiar o Subsistema de
Atenção à Saúde Indígena.
Art 19 - D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com
os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País.
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Art 19 - E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-
governamentais poderão atuar complementarmente no custeiro e execução das ações.
Art 19 - F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as
especificidade da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção
à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global,
contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição,
habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração
institucional.
Art 19 - G. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como o SUS,
descentralizado, hierarquizado e regionalizado.
§ 1º O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os Distritos
Sanitários Especiais Indígenas.
§ 2º O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde
Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS
nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o
atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminações.
§ 3º As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em âmbito local,
regional e de centros especializados, de acordo com suas necessidades,
compreendendo a atenção primária, secundária e terciária à saúde.
Art 19 - H. As populações indígenas terão direto a participar dos organismos
colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais
como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde,
quando for o caso.
CAPÍTULO VI
DO SUBSISTEMA DE ATENDIMENTO E INTERNAÇÃO DOMICILIAR
Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento
domiciliar e a internação domiciliar.
§ 1º Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-
se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos,
psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos
pacientes em seu domicílio.
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§ 2º O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes
multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e
reabilitadora.
§ 3º O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação
médica, com expressa concordância do paciente e de sua família.
TÍTULO III
DOS SERVIÇOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
CAPÍTULO I
Do Funcionamento
Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por
iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas
jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os
princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de
Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento.
Art. 23. É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais
estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos
internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de
cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.
§ 1° Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do
Sistema Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem
desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados.
§ 2° Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, em
finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e
dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.
94
CAPÍTULO II
Da Participação Complementar
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura
assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS)
poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada
mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de
cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de
Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.
§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da
remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde
(SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que
garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.
§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e
aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio
econômico e financeiro do contrato.
§ 3° (Vetado).
§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços
contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema
Único de Saúde (SUS).
TÍTULO IV
DOS RECURSOS HUMANOS
Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada,
articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes
objetivos:
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I - organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de
ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente
aperfeiçoamento de pessoal;
II - (Vetado)
III - (Vetado)
IV - valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde
(SUS).
Parágrafo único. Os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS)
constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas específicas,
elaboradas conjuntamente com o sistema educacional.
Art. 28. Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), só poderão ser exercidas em regime de tempo integral.
§ 1° Os servidores que legalmente acumulam dois cargos ou empregos poderão
exercer suas atividades em mais de um estabelecimento do Sistema Único de Saúde
(SUS).
§ 2° O disposto no parágrafo anterior aplica-se também aos servidores em regime de
tempo integral, com exceção dos ocupantes de cargos ou função de chefia, direção ou
assessoramento.
Art. 29. (Vetado).
Art. 30. As especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão serão
regulamentadas por Comissão Nacional, instituída de acordo com o art. 12 desta Lei,
garantida a participação das entidades profissionais correspondentes.
TÍTULO V
DO FINANCIAMENTO
CAPÍTULO I
Dos Recursos
Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS)
de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas
finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a
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participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista
as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Art. 32. São considerados de outras fontes os recursos provenientes de:
I - (Vetado)
II - Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde;
III - ajuda, contribuições, doações e donativos;
IV - alienações patrimoniais e rendimentos de capital;
V - taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS); e
VI - rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais.
§ 1° Ao Sistema Único de Saúde (SUS) caberá metade da receita de que trata o inciso I
deste artigo, apurada mensalmente, a qual será destinada à recuperação de viciados.
§ 2° As receitas geradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) serão creditadas
diretamente em contas especiais, movimentadas pela sua direção, na esfera de poder
onde forem arrecadadas.
§ 3º As ações de saneamento que venham a ser executadas supletivamente pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), serão financiadas por recursos tarifários específicos e
outros da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e, em particular, do Sistema
Financeiro da Habitação (SFH).
§ 4º (Vetado).
§ 5º As atividades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde
serão co-financiadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelas universidades e pelo
orçamento fiscal, além de recursos de instituições de fomento e financiamento ou de
origem externa e receita própria das instituições executoras.
§ 6º (Vetado).
CAPÍTULO II
Da Gestão Financeira
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Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados
em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização
dos respectivos Conselhos de Saúde.
§ 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da
Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão
administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde.
§ 2º (Vetado).
§ 3º (Vetado).
§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a
conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a
Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos
recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei.
Art. 34. As autoridades responsáveis pela distribuição da receita efetivamente
arrecadada transferirão automaticamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS),
observado o critério do parágrafo único deste artigo, os recursos financeiros
correspondentes às dotações consignadas no Orçamento da Seguridade Social, a
projetos e atividades a serem executados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Parágrafo único. Na distribuição dos recursos financeiros da Seguridade Social será
observada a mesma proporção da despesa prevista de cada área, no Orçamento da
Seguridade Social.
Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito
Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo
análise técnica de programas e projetos:
I - perfil demográfico da região;
II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;
III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;
IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;
V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais;
VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;
VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de
governo.
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§ 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo
o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de
qualquer procedimento prévio.
§ 2º Nos casos de Estados e Municípios sujeitos a notório processo de migração, os
critérios demográficos mencionados nesta lei serão ponderados por outros indicadores
de crescimento populacional, em especial o número de eleitores registrados.
§ 3º (Vetado).
§ 4º (Vetado).
§ 5º (Vetado).
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não prejudica a atuação dos órgãos de controle
interno e externo e nem a aplicação de penalidades previstas em lei, em caso de
irregularidades verificadas na gestão dos recursos transferidos.
CAPÍTULO III
Do Planejamento e do Orçamento
Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS)
será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos,
compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de
recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da
União.
§ 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de
direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na
respectiva proposta orçamentária.
§ 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas
nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na
área de saúde.
Art. 37. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas
na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e
da organização dos serviços em cada jurisdição administrativa.
Art. 38. Não será permitida a destinação de subvenções e auxílios a instituições
prestadoras de serviços de saúde com finalidade lucrativa.
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DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 39. (Vetado).
§ 1º (Vetado).
§ 2º (Vetado).
§ 3º (Vetado).
§ 4º (Vetado).
§ 5º A cessão de uso dos imóveis de propriedade do Inamps para órgãos integrantes
do Sistema Único de Saúde (SUS) será feita de modo a preservá-los como patrimônio
da Seguridade Social.
§ 6º Os imóveis de que trata o parágrafo anterior serão inventariados com todos os
seus acessórios, equipamentos e outros bens móveis e ficarão disponíveis para
utilização pelo órgão de direção municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) ou,
eventualmente, pelo estadual, em cuja circunscrição administrativa se encontrem,
mediante simples termo de recebimento.
§ 7º (Vetado).
§ 8º O acesso aos serviços de informática e bases de dados, mantidos pelo Ministério
da Saúde e pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, será assegurado às
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde ou órgãos congêneres, como suporte ao
processo de gestão, de forma a permitir a gerência informatizada das contas e a
disseminação de estatísticas sanitárias e epidemiológicas médico-hospitalares.
Art 40. (Vetado).
Art. 41. As ações desenvolvidas pela Fundação das Pioneiras Sociais e pelo Instituto
Nacional do Câncer, supervisionadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde
(SUS), permanecerão como referencial de prestação de serviços, formação de recursos
humanos e para transferência de tecnologia.
Art. 42. (Vetado).
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços
públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios
estabelecidos com as entidades privadas.
Art. 44. (Vetado).
100
Art. 45. Os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao
Sistema Único de Saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia
administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino,
pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados.
§ 1º Os serviços de saúde de sistemas estaduais e municipais de previdência social
deverão integrar-se à direção correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS),
conforme seu âmbito de atuação, bem como quaisquer outros órgãos e serviços de
saúde.
§ 2º Em tempo de paz e havendo interesse recíproco, os serviços de saúde das Forças
Armadas poderão integrar-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme se dispuser
em convênio que, para esse fim, for firmado.
Art. 46. o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecerá mecanismos de incentivos à
participação do setor privado no investimento em ciência e tecnologia e estimulará a
transferência de tecnologia das universidades e institutos de pesquisa aos serviços de
saúde nos Estados, Distrito Federal e Municípios, e às empresas nacionais.
Art. 47. O Ministério da Saúde, em articulação com os níveis estaduais e municipais do
Sistema Único de Saúde (SUS), organizará, no prazo de dois anos, um sistema
nacional de informações em saúde, integrado em todo o território nacional, abrangendo
questões epidemiológicas e de prestação de serviços.
Art. 48. (Vetado).
Art. 49. (Vetado).
Art. 50. Os convênios entre a União, os Estados e os Municípios, celebrados para
implantação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, ficarão rescindidos
à proporção que seu objeto for sendo absorvido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 51. (Vetado).
Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular
de verbas ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos
financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas
nesta lei.
Art. 53. (Vetado).
Art. 54. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 55. São revogadas a Lei nº. 2.312, de 3 de setembro de 1954, a Lei nº. 6.229, de 17
de julho de 1975, e demais disposições em contrário.
101
Brasília, 19 de setembro de 1990; 169º da Independência e 102º da República.
FERNANDO COLLOR
Alceni Guerra
LEI N. 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde
(SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na
área da saúde e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte lei:
Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro
de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder
Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:
I - a Conferência de Saúde; e
II - o Conselho de Saúde.
1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos
vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a
formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder
Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.
2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado
composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de
saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da
política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e
financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente
constituído em cada esfera do governo.
3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de
Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho
Nacional de Saúde.
102
4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será
paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos.
5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e
normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo
conselho.
Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados como:
I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades,
da administração direta e indireta;
II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e
aprovados pelo Congresso Nacional;
III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério da Saúde;
IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios,
Estados e Distrito Federal.
Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a
investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e
às demais ações de saúde.
Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma
regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os
critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.
1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei
n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse de recursos,
exclusivamente o critério estabelecido no § 1° do mesmo artigo.
2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento,
aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados.
3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de
saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2°
desta lei.
Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os
Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438,
de 7 de agosto de 1990;
III - plano de saúde;
103
IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n°
8.080, de 19 de setembro de 1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto
o prazo de dois anos para sua implantação.
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo
Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os
recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela
União.
Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a
estabelecer condições para aplicação desta lei.
Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 28 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.
FERNANDO COLLOR
Alceni Guerra
LEI N. 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992
Dispõe sobre as sanções
aplicáveis aos agentes públicos nos
casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta,
indireta ou fundacional e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
CAPÍTULO I
104
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1° - Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único - Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,
benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos,
a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos.
Art. 2° - Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Art. 3° - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele
se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Art. 4° - Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela
estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
Art. 5° - Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa,
do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Art. 6° - No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro
beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.
Art. 7° - Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar
enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito
representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
105
Parágrafo único - A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá
sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo
patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Art. 8° - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer
ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.
CAPÍTULO II
DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Seção I
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito
Art. 9° - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer
outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,
percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou
indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,
permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços
pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,
permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente
estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos
ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer
das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de
servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para
tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico,
106
de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar
promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para
fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou
qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou
característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível
de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições
do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de
verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja
obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Seção II
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
107
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio
particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta
lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda
que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do
patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem
observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do
patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a
prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por
preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que
diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou
influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem
108
como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por
essas entidades.
Seção III
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da
Administração Pública
Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e
que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
CAPÍTULO III
DAS PENAS
Art. 12 - Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de
multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
109
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,
pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida
pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.
Parágrafo único - Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
CAPÍTULO IV
DA DECLARAÇÃO DE BENS
Art. 13 - A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação
de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser
arquivada no serviço de pessoal competente.
§ 1° - A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos,
ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País
ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do
cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a
dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de
uso doméstico.
§ 2º - A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente
público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
110
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo
de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração
dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º - O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de
bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação
do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias
atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo .
CAPÍTULO V
DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DO PROCESSO JUDICIAL
Art. 14 - Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente
para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de
improbidade.
§ 1º - A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a
qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a
indicação das provas de que tenha conhecimento.
§ 2º - A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho
fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste
artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do
art. 22 desta lei.
§ 3º - Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a
imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os
respectivos regulamentos disciplinares.
Art. 15 - A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao
Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para
apurar a prática de ato de improbidade.
Parágrafo único - O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá,
a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento
administrativo.
111
Art. 16 - Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao
Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a
decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º - O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts.
822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° - Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de
bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no
exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.
Art. 17 - A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério
Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar.
§ 1º - É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.
§ 2º - A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à
complementação do ressarcimento do patrimônio público.
§ 3º - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-
se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de
1965.
§ 4º - O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará
obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
§ 5º - A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo
objeto.
§ 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios
suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da
impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a
legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de
Processo Civil.
§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser
instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.
112
§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de
improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.
§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.
§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de
improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.
§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos
por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal.
Art. 18 - A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar
a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos
bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES PENAIS
Art. 19 - Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público
ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único - Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o
denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.
Art. 20 - A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam
com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único - A autoridade judicial ou administrativa competente poderá
determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
instrução processual.
Art. 21 - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;
II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo
Tribunal ou Conselho de Contas.
Art. 22 - Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a
requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de
113
acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial
ou procedimento administrativo.
CAPÍTULO VII
DA PRESCRIÇÃO
Art. 23 - As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas
disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de
exercício de cargo efetivo ou emprego.
CAPÍTULO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 24 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 25 - Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de
dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.
FERNANDO COLLOR
Célio Borja
LEI N. 8.443, DE 16 DE JULHO DE 1992 – EXCERTOS
Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
114
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
TÍTULO I
Natureza, Competência e Jurisdição
CAPÍTULO I
Natureza e Competência
Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos
termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:
I - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração
indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público
federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte dano ao erário;
II - proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas
Casas ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das entidades
referidas no inciso anterior;
III - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos
termos do art. 36 desta lei;
IV - acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas
no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de
demonstrativos próprios, na forma estabelecida no regimento interno;
V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a
legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta
e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal,
excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das
concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
VI - efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos
fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição
Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;
115
VII - emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio sobre
as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar de seu
recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;
VIII - representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados,
indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de
Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;
IX - aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;
X - elaborar e alterar seu regimento interno;
XI - eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;
XII - conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e
membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta
médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;
XIII - propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros, auditores
e membros do Ministério Público junto ao Tribunal;
XIV - organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e prover-
lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente;
XV - propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos,
empregos e funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da
respectiva remuneração;
XVI - decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido
político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;
XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a
respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares
concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento
interno.
1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá
sobre a legalidade, de legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e das
despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia
de receitas.
2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter
normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.
3° Será parte essencial das decisões do Tribunal ou de suas Câmaras:
116
I - o relatório do Ministro-Relator, de que constarão as conclusões da instrução (do
relatório da equipe de auditoria ou do técnico responsável pela análise do processo,
bem como do parecer das chefias imediatas, da unidade técnica), e do Ministério
Público junto ao Tribunal;
II - fundamentação com que o Ministro-Relator analisará as questões de fato e de
direito;
III - dispositivo com que o Ministro-Relator decidirá sobre o mérito do processo.
CAPÍTULO II
Jurisdição
Art 4° O Tribunal de Contas da União tem jurisdição própria e privativa, em todo o
território nacional, sobre as pessoas e matérias sujeitas à sua competência.
Art 5° A jurisdição do Tribunal abrange:
I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta
lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta assuma obrigações
de natureza pecuniária;
II - aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
dano ao erário;
III - os dirigentes ou liquidantes das empresas encampadas ou sob intervenção ou que
de qualquer modo venham a integrar, provisória ou permanentemente, o patrimônio da
União ou de outra entidade pública federal;
IV - os responsáveis pelas contas nacionais das empresas supranacionais de cujo
capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado
constitutivo.
V - os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado
que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou
social;
VI - todos aqueles que lhe devam prestar contas ou cujos atos estejam sujeitos à sua
fiscalização por expressa disposição de lei;
117
VII - os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União,
mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao
Distrito Federal ou a Município;
VIII - os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo,
até o limite do valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da
Constituição Federal;
IX - os representantes da União ou do Poder Público na assembléia geral das
empresas estatais e sociedades anônimas de cujo capital a União ou o Poder Público
participem, solidariamente, com os membros dos conselhos fiscal e de administração,
pela prática de atos de gestão ruinosa ou liberalidade à custa das respectivas
sociedades.
TÍTULO II
Julgamento e Fiscalização
CAPÍTULO I
Julgamento de Contas
SEÇÃO I
Tomada e Prestação de Contas
Art. 6° Estão sujeitas à tomada de contas e, ressalvado o disposto no inciso XXXV do
art. 5° da Constituição Federal, só por decisão do Tribunal de Contas da União podem
ser liberadas dessa responsabilidade as pessoas indicadas nos incisos I a VI do art. 5°
desta lei.
Art. 7° As contas dos administradores e responsáveis a que se refere o artigo anterior
serão anualmente submetidas a julgamento do Tribunal, sob forma de tomada ou
prestação de contas, organizadas de acordo com normas estabelecidas em instrução
normativa.
Parágrafo único. Nas tomadas ou prestações de contas a que alude este artigo devem
ser incluídos todos os recursos, orçamentários e extra-orçamentários, geridos ou não
pela unidade ou entidade.
118
Art. 8° Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da
aplicação dos recursos repassados pela União, na forma prevista no inciso VII do art.
5° desta lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores
públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que
resulte dano ao erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de
responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à
instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos
responsáveis e quantificação do dano.
§ 1° Não atendido o disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a
instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa
decisão.
§ 2° A tomada de contas especial prevista no caput deste artigo e em seu § 1° será,
desde logo, encaminhada ao Tribunal de Contas da União para julgamento, se o dano
causado ao erário for de valor igual ou superior à quantia para esse efeito fixada pelo
Tribunal em cada ano civil, na forma estabelecida no seu regimento interno.
§ 3° Se o dano for de valor inferior à quantia referida no parágrafo anterior, a tomada
de contas especial será anexada ao processo da respectiva tomada ou prestação de
contas anual do administrador ou ordenador de despesa, para julgamento em conjunto.
Art. 9° Integrarão a tomada ou prestação de contas, inclusive a tomada de contas
especial, durante outros elementos estabelecidos no regimento interno, os seguintes:
I - relatório de gestão;
II - relatório do tomador de contas, quando couber;
III - relatório e certificado de auditoria, com o parecer do dirigente do órgão de controle
interno, que consignará qualquer irregularidade ou ilegalidade constatada, indicando
as medidas adotadas para corrigir as faltas encontradas;
IV - pronunciamento do Ministro de Estado supervisor da área ou da autoridade de
nível hierárquico equivalente, na forma do art. 52 desta lei.
SEÇÃO II
Decisões em Processo de Tomada ou Prestação de Contas
Art. 10. A decisão em processo de tomada ou prestação de contas pode ser preliminar,
definitiva ou terminativa.
119
§ 1° Preliminar é a decisão pela qual o Relator ou o Tribunal, antes de pronunciar-se
quanto ao mérito das contas, resolve sobrestar o julgamento, ordenar a citação ou a
audiência dos responsáveis ou, ainda, determinar outras diligências necessárias ao
saneamento do processo.
§ 2° Definitiva é a decisão pela qual o Tribunal julga as contas regulares, regulares com
ressalva, ou irregulares.
§ 3° Terminativa é a decisão pela qual o Tribunal ordena o trancamento das contas que
forem consideradas iliquidáveis, nos termos dos arts. 20 e 21 desta lei.
Art. 11. O Relator presidirá a instrução do processo, determinando, mediante despacho
singular, de ofício ou por provocação do órgão de instrução ou do Ministério Público
junto ao Tribunal, o sobrestamento do julgamento, a citação ou a audiência dos
responsáveis, ou outras providências consideradas necessárias ao saneamento dos
autos, fixando prazo, na forma estabelecida no regimento interno, para o atendimento
das diligências, após o que submeterá o feito ao Plenário ou à Câmara respectiva para
decisão de mérito.
Art. 12. Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal:
I - definirá a responsabilidade individual ou solidária pelo ato de gestão inquinado;
II - se houver débito, ordenará a citação do responsável para, no prazo estabelecido no
regimento interno, apresentar defesa ou recolher a quantia devida,
III - se não houver débito, determinará a audiência do responsável para, no prazo
estabelecido no regimento interno, apresentar razões de justificativa; não resulte dano
ao erário;
IV - adotará outras medidas cabíveis.
1° O responsável cuja defesa for rejeitada pelo Tribunal será cientificado para, em novo
e improrrogável prazo estabelecido no regimento interno, recolher a importância
devida.
2° Reconhecida pelo Tribunal a boa-fé, a liquidação tempestiva do débito atualizado
monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade
nas contas.
3° O responsável que não atender à citação ou à audiência será considerado revel pelo
Tribunal, para todos os efeitos, dando-se prosseguimento ao processo.
Art. 13. A decisão preliminar a que se refere ao art. 11 desta Lei poderá, a critério do
Relator, ser publicada no Diário Oficial da União.
120
Art. 14. O Tribunal julgará as tomadas ou prestações de contas até o término do
exercício seguinte àquele em que estas lhes tiverem sido apresentadas.
Art. 15. Ao julgar as contas, o Tribunal decidirá se estas são regulares, regulares com
ressalva, ou irregulares.
Art. 16. As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos
demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de
gestão do responsável;
II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra
falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou
regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou
patrimonial;
c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no
descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em
processo de tomada ou prestarão de contas.
2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar
irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:
a) do agente público que praticou o ato irregular, e
b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de
qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.
3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal
providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério
Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.
SUBSEÇÃO I
Contas Regulares
121
Art. 17. Quando julgar as contas regulares, o Tribunal dará quitação plena ao
responsável.
SUBSEÇÃO II
Contas Regulares com Ressalva
Art. 18. Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal dará quitação ao
responsável e lhe determinará, ou a quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas
necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas, de modo a prevenir
a ocorrência de outras semelhantes.
SUBSEÇÃO III
Contas Irregulares
Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o
responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros
de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta lei,
sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a
respectiva ação de execução.
Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências
previstas nas alíneas a , b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao
responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta lei.
SUBSEÇÃO IV
Contas Iliquidáveis
Art. 20. As contas serão consideradas iliquidáveis quando caso fortuito ou de força
maior, comprovadamente alheio à vontade do responsável, tornar materialmente
impossível o julgamento de mérito a que se refere o art. 16 desta lei.
Art. 21. O Tribunal ordenará o trancamento das contas que forem consideradas
iliquidáveis e o conseqüente arquivamento do processo.
§ 1° Dentro do prazo de cinco anos contados da publicação da decisão terminativa no
Diário Oficial da União, o Tribunal poderá, à vista de novos elementos que considere
122
suficientes, autorizar o desarquivamento do processo e determinar que se ultime a
respectiva tomada ou prestação de contas.
§ 2º Transcorrido o prazo referido no parágrafo anterior sem que tenha havido nova
decisão, as contas serão consideradas encerradas, com baixa na responsabilidade do
administrador.
DECRETO N. 3.964, DE 10 DE OUTUBRO DE 2001
Dispõe sobre o Fundo Nacional de Saúde e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art.
84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no
8.080, de 19 de setembro de 1990, na Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e na Lei
no 9.656, de 3 de junho de 1998,
DECRETA:
Art. 1o O Fundo Nacional de Saúde - FNS, instituído pelo Decreto no 64.867, de 24
de julho de 1969, reorganizado pelo Decreto no 806, de 24 de abril de 1993, e
reestruturado pelo Decreto no 3.774, de 15 de março de 2001, é organizado de acordo
com as diretrizes e objetivos do Sistema Único de Saúde - SUS, nos termos deste
Decreto.
Art. 2o Constituem recursos do FNS:
I - os consignados, a seu favor, no Orçamento da Seguridade Social, de acordo
com o disposto no art. 34 da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para o
atendimento das despesas e transferências referidas no art. 2o da Lei no 8.142, de 28
de dezembro de 1990;
II - os consignados, a seu favor, no Orçamento Fiscal da União;
III - os decorrentes de créditos adicionais;
IV - os provenientes de dotações de organismos internacionais vinculados à
Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica, de
financiamento e de empréstimo;
123
V - os provenientes do seguro obrigatório de danos pessoais causados por
veículos automotores de vias terrestres, de que trata o parágrafo único do art. 27 da
Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;
VI - os resultantes de aplicação financeira na forma da legislação vigente;
VII - os decorrentes de ressarcimento de recursos realizados por pessoas físicas e
jurídicas originários da prestação de contas, do acompanhamento ou das ações de
auditorias previstas no § 4o do art. 33 da Lei no 8.080, de 1990;
VIII - as receitas provenientes de parcelamentos de débitos apurados em
prestação de contas de convênios, ou derivadas do acompanhamento, de auditorias e
de financiamentos relacionados com as ações e os serviços de saúde;
IX - os créditos provenientes dos agentes ou das entidades integrantes do SUS,
bem como aqueles resultantes de transações financeiras e comerciais;
X - as receitas provenientes do ressarcimento previsto no art. 32 da Lei no 9.656,
de 3 de junho de 1998;
XI - os obtidos por intermédio de operações de crédito;
XII - as receitas provenientes da execução de seus créditos;
XIII - os saldos positivos apurados em balanço transferidos para o exercício
seguinte;
XIV - as rendas e receitas eventuais que lhe venham a ser destinadas; e
XV - os de outras fontes, de acordo com o art. 32 da Lei no 8.080, de 1990.
Art. 3o Os recursos do FNS, observado o disposto no art. 2o da Lei no 8.142, de
1990, destinam-se a prover:
I - despesas correntes e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e suas
entidades, da administração direta e indireta, integrantes do SUS;
II - transferências para a cobertura de ações e serviços de saúde destinadas a
investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial e hospitalar e às demais
ações de saúde do SUS a serem executados de forma descentralizada pelos Estados,
pelo Distrito Federal e pelos Municípios;
III - financiamentos destinados à melhoria da capacidade instalada de unidades e
serviços de saúde do SUS;
IV - investimentos previstos no plano plurianual do Ministério da Saúde e na Lei
Orçamentária Anual;
V - outras despesas autorizadas pela Lei Orçamentária Anual.
124
Art. 4o A administração dos recursos do FNS é exercida pelo seu Diretor-
Executivo, sob a orientação e supervisão direta do Secretário-Executivo do Ministério
da Saúde.
Art. 5o Ao Diretor-Executivo do FNS compete:
I - planejar, coordenar, orientar e supervisionar a execução das atividades da
Diretoria-Executiva do FNS, inclusive das unidades de convênios e gestão do
Ministério da Saúde nas unidades federadas;
II - ordenar o desenvolvimento das ações da Diretoria-Executiva do FNS,
mediante a expedição de atos;
III - com vistas à destinação de recursos para aplicação em ações e serviços de
saúde vinculados ao SUS, movimentar as contas do FNS para:
a) despesas correntes e de capital da administração direta e indireta do Ministério
da Saúde por meio de repasses financeiros, na forma prevista no art. 2o da Lei no
8.142, de 1990; e
b) despesas correntes e de capital de outras entidades públicas federais, por meio
de portaria ou instrumento similar, para aplicação em ações e serviços de saúde
vinculados ao SUS;
IV - praticar os atos de gestão orçamentária e financeira e contábil relativos ao
orçamento do FNS;
V - exercer a prerrogativa de ordenador de despesas da unidade gestora do FNS
e, por subdelegação de competência, das demais unidades gestoras;
VI - zelar, no que lhe couber, pela regularidade e exatidão das transferências de
recursos do FNS para os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e para outras
entidades e profissionais conveniados, credenciados ou contratados junto ao SUS;
VII - fornecer às autoridades do SUS nas três esferas de governo e aos
Conselhos de Saúde os elementos e as informações que lhe forem requeridos, além de
criar mecanismos para disponibilizar informações para toda a sociedade, relativos aos
custeios, investimentos e financiamentos de programas e projetos do Ministério da
Saúde;
VIII - apresentar, trimestralmente, à Subsecretaria de Planejamento e Orçamento
do Ministério da Saúde, proposta de programação financeira destinada a atender o
disposto no art. 3o deste Decreto;
125
IX - elaborar e apresentar relatórios, balancetes, balanços e prestações de contas
aos órgãos de controle interno e externo, nos termos da legislação pertinente;
X - conceder, na fase administrativa, os parcelamentos de débitos;
XI - conceder os financiamentos de que trata o inciso III do art. 3o deste Decreto; e
XII - praticar outros atos relativos à gestão orçamentária, financeira e contábil
previstos em legislação específica.
Art. 6o A gestão dos recursos do FNS observará o Plano Nacional de Saúde e o
Plano Plurianual do Ministério da Saúde, nos termos das leis definidoras dos
orçamentos anuais, das diretrizes orçamentárias e dos planos plurianuais.
Art. 7o Ao FNS incumbe a provisão de recursos aos entes administrativos do
Ministério da Saúde encarregados da execução e implementação das atribuições e
competências relacionadas nos arts. 15 e 16 da Lei no 8.080, de 1990.
Art. 8o Sem prejuízo das competências dos órgãos de controle externo e interno e
do Sistema Nacional de Auditoria do SUS, no âmbito federal, o FNS procederá ao
acompanhamento, ao controle e à avaliação de todos os recursos a ele alocados,
considerando os seus aspectos técnicos-científicos, contábeis, financeiros e
patrimoniais.
Art. 9o O FNS, como unidade de orçamento, finanças e contábil do SUS, integra
os órgãos setoriais de que trata o inciso II do art. 4o da Lei no 10.180, de 6 de fevereiro
de 2001.
Parágrafo único. Aplica-se ao FNS o disposto no art. 6o da Lei no 10.180, de 2001.
Art. 10. O FNS, como unidade de acompanhamento, fiscalização, controle e
avaliação dos recursos transferidos ao SUS, integra o Sistema Nacional de Controle e
Avaliação do Ministério da Saúde.
Art. 11. O regimento interno do FNS será elaborado pelo Diretor-Executivo e
submetido à Secretaria-Executiva para aprovação do Ministro de Estado da Saúde.
Art. 12. O Ministro de Estado da Saúde promoverá, junto aos Ministérios
responsáveis pela arrecadação e distribuição da receita da Seguridade Social e no
âmbito do Ministério da Saúde, as medidas necessárias para a efetiva e pronta
transferência ao FNS dos recursos que lhes são destinados.
Art. 13. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 14. Fica revogado o Decreto no 806, de 24 de abril de 1993.
Brasília, 10 de outubro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.
126
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Serra
PORTARIA N. 373/GM DE 27 DE FEVEREIRO DE 2002 (NOAS-SUS 01/2002)
O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, e
Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde de universalidade do acesso e
de integralidade da atenção;
Considerando o disposto no Artigo 198 da Constituição Federal de 1998, que
estabelece que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único;
Considerando a necessidade de dar continuidade ao processo de descentralização e
organização do Sistema Único de Saúde – SUS, fortalecido com a implementação da
Norma Operacional Básica – SUS 01/96, de 5 de novembro de 1996; e Considerando as
contribuições do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS e Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS, seguidas da aprovação
da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Conselho Nacional de Saúde – CNS, em 7
de dezembro de 2001;
Considerando o contínuo movimento de pactuação entre os três níveis de gestão,
visando o aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde, resolve:
Art. 1.º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, a Norma Operacional da
Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2002 que amplia as responsabilidades dos
municípios na Atenção Básica; estabelece o processo de regionalização como
estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior eqüidade; cria
mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de
Saúde e procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios.
Art. 2.º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, cessando os efeitos da
Portaria GM/MS n.° 95, de 26 de janeiro de 2001, publicada no Diário Oficial n.° 20-E,
de 29 de janeiro de 2001, Seção 1.
Barjas Negri
127
NORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE/SUS – NOAS-SUS 01/02
INTRODUÇÃO
A presente Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/2002 – NOAS-SUS 01/02
resulta do contínuo movimento de pactuação entre os três níveis de gestão, visando o
aprimoramento do Sistema Único de Saúde.
A partir da publicação da NOAS-SUS 01/01, em 26 de janeiro de 2001, o Ministério da
Saúde, as Secretarias Estaduais de Saúde, através do CONASS, e as Secretarias
Municipais de Saúde, através do CONASEMS, desencadearam diversas atividades de
planejamento e de adequação de seus modelos assistenciais e de gestão aos preceitos
estabelecidos, ponderando criticamente os avanços e os desafios que novas diretrizes
organizativas trariam para sua realidade concreta.
Durante este percurso, em algumas unidades da federação foram identificados
entraves na operacionalização de determinados itens, decorrentes das dificuldades
para estabelecer o comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e
assegurar a totalidade da gestão municipal nas sedes dos módulos assistenciais, bem
como da fragilidade para explicitação dos mecanismos necessários à efetivação da
gestão estadual para as referências intermunicipais.
Em decorrência da necessidade de viabilizar o debate sobre essas questões,
identificadas como causadoras de maior tensionamento na implantação da Norma, o
processo de negociação foi reaberto durante o segundo semestre de 2001. Neste
sentido, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), em reunião realizada em 22 de
novembro de 2001, firmou acordo contemplando propostas referentes ao comando
único sobre os prestadores de serviços de média e alta complexidade e o
fortalecimento da gestão dos estados sobre as referências intermunicipais. Nessa
mesma ocasião, deliberou-se pela constituição de um Grupo de Trabalho, com
representação tripartite, com a atribuição de detalhar o acordo e incorporar a NOAS os
pontos acordados, mantendo a coerência do texto. Em 7 de dezembro de 2001 foi feito
um relato, por representantes do Ministério da Saúde, CONASS e CONASEMS, aos
membros do Conselho Nacional de Saúde, acerca da negociação realizada na CIT e
das alterações que dela resultaram.
128
Ainda como resultado do processo de elaboração da NOAS-SUS 01/02 e com o objetivo
de facilitar sua utilização, este documento incorporou definições da regulamentação
complementar relacionadas aos temas que foram objeto do acordo, que, na versão
anterior, encontravam-se descritos em documentos normativos específicos.
Enfim, cabe destacar que esta NOAS-SUS 01/02, ao assegurar a manutenção das
diretrizes organizativas definidas pela NOAS-SUS 01/01, procura oferecer as
alternativas necessárias à superação das dificuldades e impasses oriundos da
dinâmica concreta de sua implementação.
CAPÍTULO I – DA REGIONALIZAÇÃO
1. Estabelecer o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos
serviços de saúde e de busca de maior eqüidade.
1.1 O processo de regionalização deverá contemplar uma lógica de planejamento
integrado, compreendendo as noções de territorialidade, na identificação de
prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, não
necessariamente restritos à abrangência municipal, mas respeitando seus limites como
unidade indivisível, de forma a garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e
serviços necessários para a resolução de seus problemas de saúde, otimizando os
recursos disponíveis.
I.1 DA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE REGIONALIZAÇÃO
2. Instituir o Plano Diretor de Regionalização – PDR como instrumento de ordenamento
do processo de regionalização da assistência em cada estado e no Distrito Federal,
baseado nos objetivos de definição de prioridades de intervenção coerentes com as
necessidades de saúde da população e garantia de acesso dos cidadãos a todos os
níveis de atenção.
3. O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de
assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em
regiões/microrregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes
hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência
e contra-referência intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência
129
e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas
necessidades.
4. O PDR deverá ser elaborado na perspectiva de garantir:
a) o acesso dos cidadãos, o mais próximo possível de sua residência, a um conjunto de
ações e serviços vinculados às seguintes responsabilidades mínimas:
- assistência pré-natal, parto e puerpério;
- acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil;
- cobertura universal do esquema preconizado pelo Programa Nacional de
Imunizações, para todas as faixas etárias;
- ações de promoção da saúde e prevenção de doenças;
- tratamento das intercorrências mais comuns na infância;
- atendimento de afecções agudas de maior incidência;
- acompanhamento de pessoas com doenças crônicas de alta prevalência;
- tratamento clínico e cirúrgico de casos de pequenas urgências ambulatoriais;
- tratamento dos distúrbios mentais e psicossociais mais freqüentes;
- controle das doenças bucais mais comuns;
- suprimento/dispensação dos medicamentos da Farmácia Básica.
b) o acesso de todos os cidadãos aos serviços necessários à resolução de seus
problemas de saúde, em qualquer nível de atenção, diretamente ou mediante o
estabelecimento de compromissos entre gestores para o atendimento de referências
intermunicipais.
5. Definir os seguintes conceitos-chaves para a organização da assistência no âmbito
estadual, que deverão ser observados no PDR:
a) região de Saúde – base territorial de planejamento da atenção à saúde, não
necessariamente coincidente com a divisão administrativa do estado, a ser definida
pela Secretaria Estadual de Saúde, de acordo com as especificidades e estratégias de
regionalização da saúde em cada estado, considerando as características
demográficas, socioeconômicas, geográficas, sanitárias, epidemiológicas, oferta de
serviços, relações entre municípios, entre outras.
Dependendo do modelo de regionalização adotado, um estado pode se dividir em
macrorregiões, regiões e/ou microrregiões de saúde. Por sua vez, a menor base
territorial de planejamento regionalizado, seja uma região ou uma microrregião de
saúde, pode compreender um ou mais módulos assistenciais.
130
b) módulo Assistencial – módulo territorial com resolubilidade correspondente ao
primeiro nível de referência, definida no Item 8 – Capítulo I desta Norma, constituído
por um ou mais municípios, com área de abrangência mínima a ser estabelecida para
cada Unidade da Federação, em regulamentação específica, e com as seguintes
características:
- conjunto de municípios, entre os quais há um município-sede, habilitado em Gestão
Plena do Sistema Municipal/GPSM ou em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada
(GPAB-A), com capacidade de ofertar a totalidade dos serviços de que trata o Item 8 –
Capítulo I desta Norma, com suficiência, para sua população e para a população de
outros municípios a ele adscritos; ou
- município em Gestão Plena do Sistema Municipal ou em Gestão Plena da Atenção
Básica Ampliada (GPAB-A), com capacidade de ofertar com suficiência a totalidade
dos serviços de que trata o Item 8 – Capítulo I para sua própria população, quando não
necessitar desempenhar o papel de referência para outros municípios.
c) município-sede do módulo assistencial (GPSM ou GPAB-A) – município existente
em um módulo assistencial que apresente a capacidade de ofertar a totalidade dos
serviços de que trata o Item 8 Capítulo I, correspondente ao primeiro nível de
referência intermunicipal, com suficiência, para sua população e para a população de
outros municípios a ele adscritos.
d) município-pólo (GPSM ou GPAB-A) – município que, de acordo com a definição da
estratégia de regionalização de cada estado, apresente papel de referência para outros
municípios, em qualquer nível de atenção.
e) unidade territorial de qualificação na assistência à saúde – representa a base
territorial mínima a ser submetida à aprovação do Ministério da Saúde e Comissão
Intergestores Tripartite para qualificação na assistência à saúde. Deverá ser a menor
base territorial de planejamento regionalizado com complexidade assistencial acima do
módulo assistencial, conforme definido no PDR. Poderá ser uma microrregião ou uma
região de saúde, de acordo com o desenho adotado pelo estado.
6. Para se qualificarem aos requisitos da NOAS-SUS 01/02, os estados e o Distrito
Federal deverão submeter à CIT os produtos, bem como os meios de verificação
correspondentes, definidos no Anexo 6 desta norma, contendo, no mínimo:
131
a) a descrição da organização do território estadual em regiões/microrregiões de saúde
e módulos assistenciais, com a identificação dos municípios-sede e municípios-pólo e
dos demais municípios abrangidos;
b) a identificação das prioridades de intervenção em cada região/microrregião;
c) o Plano Diretor de Investimentos para atender as prioridades identificadas e
conformar um sistema resolutivo e funcional de atenção à saúde, preferencialmente
identificando cronograma e fontes de recursos;
d) a inserção e o papel de todos os municípios nas regiões/microrregiões de saúde,
com identificação dos municípios-sede, de sua área de abrangência e dos fluxos de
referência;
e) os mecanismos de relacionamento intermunicipal como organização de fluxos de
referência e contra-referência e implantação de estratégias de regulação visando à
garantia do acesso da população aos serviços;
f) a proposta de estruturação de redes de referência especializada em áreas
específicas;
g) a identificação das necessidades e a proposta de fluxo de referência para outros
estados, no caso de serviços não disponíveis no território estadual;
6.1 Os produtos relativos à qualificação dos estados e do Distrito Federal aos requisitos
desta Norma, no que tange a sua elaboração, tramitação, requisitos e meios de
verificação, obedecerão ao seguinte:
6.1.1 na sua elaboração:
a) cabe às Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal a elaboração do
PDR, em consonância com o Plano Estadual de Saúde, que deverá contemplar uma
lógica de planejamento que envolva os municípios na definição dos espaços
regionais/microrregionais de assistência à saúde, dos fluxos de referência, bem como
dos investimentos para a conformação de sistemas de saúde resolutivos e funcionais.
b) o PDR deve contemplar a perspectiva de redistribuição geográfica de recursos
tecnológicos e humanos, explicitando o desenho futuro e desejado da regionalização
estadual, prevendo os investimentos necessários para a conformação destas novas
regiões/microrregiões e módulos assistenciais, observando assim a diretriz de
possibilitar o acesso do cidadão a todas as ações e serviços necessários para a
resolução de seus problemas de saúde, o mais próximo possível de sua residência.
c) o PDR subsidiará o processo de qualificação de regiões/microrregiões.
132
6.1.2 na tramitação:
a) a Secretaria de Saúde do estado ou do Distrito Federal deverá encaminhar os
produtos à respectiva Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que deverá convocar
reunião para análise e aprovação, após, no máximo, 30 (trinta) dias a contar da data de
recebimento da proposta;
b) aprovado o Plano Diretor de Regionalização e demais produtos, a CIB deverá
remete-la ao Conselho Estadual de Saúde (CES), que terá 30 (trinta) dias para
apreciação e deliberação;
c) após aprovado nas instâncias estaduais, a Secretaria Estadual de Saúde deverá
encaminhar o PDR e demais produtos à Secretaria Técnica da Comissão Intergestores
Tripartite (CIT), que encaminhará a documentação referida à Secretaria de Assistência
à Saúde (SAS/MS) e à Secretaria de Políticas de Saúde (SPS/MS), para análise de
conteúdo e viabilidade; após o que procederão ao encaminhamento destes, com
parecer, à Comissão Intergestores Tripartite para deliberação e homologação.
d) caso não seja homologada pela CIT, a referida documentação deverá ser devolvida à
respectiva Secretaria Estadual de Saúde, para ajuste e análise das recomendações e
novamente submetido à apreciação da CIB e do CES.
e) em caso de alteração do PDR pelo estado ou Distrito Federal após sua homologação
pela CIT, deverá ser observada a mesma tramitação definida para a proposta original.
I.2 DA AMPLIAÇÃO DO ACESSO E DA QUALIDADE DA ATENÇÃO BÁSICA
7. Instituir a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPAB-A), como uma das
condições de gestão dos sistemas municipais de saúde.
7.1 Definir como áreas de atuação estratégicas mínimas da condição de Gestão Plena
da Atenção Básica Ampliada: o controle da tuberculose, a eliminação da hanseníase, o
controle da hipertensão arterial, o controle da diabetes mellitus, a saúde da criança, a
saúde da mulher e a saúde bucal, conforme detalhamento apresentado no ANEXO 1
desta Norma.
7.2 As ações de que trata o ANEXO 1 desta Norma devem ser assumidas por todos os
municípios brasileiros, respeitado o seu perfil epidemiológico, como um componente
essencial e mínimo para o cumprimento das metas do Pacto da Atenção Básica,
133
instituído pela Portaria GM/MS n.º 3.925, de 13 de novembro de 1998, e regulamentado
anualmente em portaria específica.
7.3 O conjunto de procedimentos assistenciais que compõem as ações de Atenção
Básica Ampliada é compreendido por aqueles atualmente cobertos pelo Piso de
Atenção Básica (PAB), acrescidos dos procedimentos relacionados no ANEXO 2 desta
Norma.
7.4 Para o financiamento do elenco de procedimentos da Atenção Básica Ampliada, foi
instituído o PAB ampliado, e seu valor definido em Portaria do Ministério da Saúde,
sendo que os municípios que hoje já recebem o PAB fixo em valor superior ao PAB
ampliado não sofrerão alteração no valor per capita do PAB fixo destinado ao seu
município.
7.5 Os municípios já habilitados nas condições de gestão da NOB-01/96 estarão aptos a
receber o PAB ampliado, após assumirem a condição de Gestão Plena da Atenção
Básica Ampliada (GPAB-A), mediante avaliação pela Secretaria Estadual de Saúde,
aprovação pela CIB e homologação pela CIT.
7.6 A Secretaria de Políticas de Saúde (SPS) é a unidade organizacional do Ministério
da Saúde responsável pela regulamentação de critérios, fluxos e instrumentos do
processo de avaliação da Atenção Básica para efeito de habilitação e manutenção nas
condições de gestão definidas nesta Norma.
I.3 DOS MÓDULOS ASSISTENCIAIS E DA QUALIFICAÇÃO DAS MICRORREGIÕES
8. Definir um conjunto mínimo de procedimentos de média complexidade como
primeiro nível de referência intermunicipal, com acesso garantido a toda a população
no âmbito microrregional, ofertados em um ou mais módulos assistenciais.
8.1 Esse conjunto mínimo de serviços de média complexidade compreende as
atividades ambulatoriais de apoio diagnóstico e terapêutico (M1) e de internação
hospitalar, detalhadas no ANEXO 3 desta Norma.
9. O financiamento federal do conjunto de serviços do M1 adotará a seguinte lógica:
9.1 O financiamento das atividades ambulatoriais de apoio diagnóstico e terapêutico
(M1), será feito com base na programação de um valor per capita nacional mínimo,
definido em Portaria do Ministro da Saúde.
134
9.2 O financiamento das internações hospitalares será feito de acordo com o processo
de Programação Pactuada e Integrada, conduzido pelo gestor estadual, respeitado o
Limite Financeiro Global da Assistência de cada Unidade da Federação;
9.3 Para apoiar o processo de qualificação das regiões/microrregiões e garantir os
recursos per capita para o financiamento dos procedimentos mínimos da média
complexidade (M1) para toda a população brasileira, o Ministério da Saúde adicionará
recursos ao Limite Financeiro dos Estados, conforme definido em Portaria específica,
sendo que a destinação destes recursos estará descrita na PPI dos estados e do
Distrito Federal, devendo sua incorporação ao Limite Financeiro dos Estados ocorrer
na medida em que forem efetivadas as qualificações das regiões/microrregiões
assistenciais.
9.4 Serão qualificadas apenas as regiões/microrregiões nas quais a PPI estadual tenha
definido a alocação dos recursos destinados ao financiamento dos procedimentos
mínimos da média complexidade (M1) na(s) sede(s) de módulo(s) assistencial(is).
9.5 Nas microrregiões não qualificadas, o financiamento dos procedimentos constantes
do M1 desta Norma continuará sendo feito de acordo com a lógica de pagamento por
produção.
10. O repasse dos recursos de que trata o Subitem 9.3 – Item 9 – Capítulo I, desta
Norma, para a cobertura da população de uma dada microrregião estará condicionado
à aprovação pela CIT da qualificação da referida microrregião na assistência à saúde.
11. A qualificação compreende o reconhecimento formal da constituição das
regiões/microrregiões, da organização dos sistemas funcionais de assistência à saúde
e do compromisso firmado entre o estado e os municípios componentes dos módulos
assistenciais, para a garantia do acesso de toda a população residente nestes espaços
territoriais a um conjunto de ações e serviços correspondente ao nível de assistência à
saúde relativo ao M1, acrescidos de um conjunto de serviços com complexidade acima
do módulo assistencial, de acordo com o definido no PDR.
12. Os requisitos para a qualificação de cada região/microrregião e respectivos
instrumentos de comprovação estão listados no Anexo 7 desta Norma.
13. A solicitação de qualificação de cada região/microrregião de saúde deverá ser
encaminhada à CIT, observando que:
13.1 O gestor estadual, conjuntamente com os gestores municipais da região a ser
qualificada, deve encaminhar à CIB solicitação de qualificação da região/microrregião.
135
13.2 A CIB deverá analisar a solicitação que, se aprovada, deverá ser encaminhada ao
CES, para conhecimento, e à Secretaria Técnica da CIT, para deliberação.
13.3 A Secretaria Técnica da CIT deverá encaminhar documentação à Secretaria de
Assistência à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, que procederá a respectiva análise,
de acordo com o PDR já aprovado.
13.4 A SAS/MS deverá encaminhar parecer quanto ao processo de qualificação à CIT,
para decisão quanto à sua homologação.
14. Após a homologação na CIT do processo de qualificação de uma microrregião, o
montante de recursos correspondente ao financiamento dos procedimentos, listados
no ANEXO 3A desta Norma (M1), destinados à cobertura da população do município-
sede de módulo, acrescido do montante de recursos referentes à cobertura da
população residente nos municípios a ele adscritos, passam a ser transferidos por uma
das duas formas: (i) fundo a fundo ao estado habilitado quando o município-sede de
módulo for habilitado em GPAB-A (ii) fundo a fundo ao município-sede de cada módulo
assistencial quando esse for habilitado em Gestão Plena do Sistema Municipal de
acordo com a Norma Operacional da Assistência à Saúde, sendo que, neste caso, a
parcela relativa à população residente nos municípios adscritos estará condicionada ao
cumprimento de Termo de Compromisso para a Garantia de Acesso, conforme
normatizado nos Itens 37 e 38 – Capítulo II desta Norma.
15. Em módulos nos quais a sede estiver sob gestão municipal, caso exista um
município habilitado em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada que disponha em
seu território de laboratório de patologia clínica ou serviço de radiologia ou ultra-
sonografia gineco-obstétrica, em quantidade suficiente e com qualidade adequada
para o atendimento de sua própria população, mas que não tenha o conjunto de
serviços requeridos para ser sede de módulo assistencial, esse município poderá
celebrar um acordo com o gestor do município-sede do módulo para, provisoriamente,
atender sua própria população no referido serviço.
16. A Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) é a unidade organizacional do MS
responsável pela análise técnica das propostas de qualificação das microrregiões na
assistência à saúde, a serem submetidas à aprovação da CIT, de acordo com as regras
estabelecidas nesta Norma.
I.4 DA ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE
136
17. A Atenção de Média Complexidade (MC) compreende um conjunto de ações e
serviços ambulatoriais e hospitalares que visam a atender os principais problemas de
saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais
especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e
terapêutico, que não justifique a sua oferta em todos os municípios do País.
18. Excetuando as ações mínimas da média complexidade (M1), que devem ser
garantidas no âmbito dos módulos assistenciais, as demais ações assistenciais de
média complexidade, tanto ambulatoriais como hospitalares, podem ser garantidas no
âmbito microrregional, regional ou mesmo estadual, de acordo com o tipo de serviço, a
disponibilidade tecnológica, as características do estado e a definição no Plano Diretor
de Regionalização do estado.
19. O gestor estadual deve adotar critérios para a organização regionalizada das ações
de média complexidade que considerem: necessidade de qualificação e especialização
dos profissionais para o desenvolvimento das ações, correspondência entre a prática
clínica e a capacidade resolutiva diagnóstica e terapêutica, complexidade e custo dos
equipamentos, abrangência recomendável para cada tipo de serviço, economias de
escala, métodos e técnicas requeridos para a realização das ações.
20. Os subsídios à organização e à programação da média complexidade,
compreendendo grupos de programação e critérios de classificação das ações desse
nível de atenção, são descritos em instrumento a ser acordado pelas três esferas de
governo e definido em Portaria do MS.
21. O processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI), coordenado pelo gestor
estadual representa o principal instrumento para garantia de acesso da população aos
serviços de média complexidade não disponíveis em seu município de residência,
devendo orientar a alocação de recursos e definição de limites financeiros para todos
os municípios do estado, independente de sua condição de gestão.
21.1 A programação das ações ambulatoriais de média complexidade deve
compreender: identificação das necessidades de saúde de sua população, definição de
prioridades, aplicação de parâmetros físicos e financeiros definidos nos estados para
os diferentes grupos de ações assistenciais – respeitados os limites financeiros
estaduais – e estabelecimento de fluxos de referências entre municípios.
137
21.2 A alocação de recursos referentes a cada grupo de programação de ações
ambulatoriais de média complexidade para a população própria de um dado município
terá como limite financeiro o valor per capita estadual definido para cada grupo,
multiplicado pela população do município.
21.3 A programação de internações hospitalares deve utilizar critérios homogêneos de
estimativa de internações necessárias para a população, e considerar a distribuição e
complexidade dos hospitais, o valor médio das internações hospitalares, bem como os
fluxos de referência entre municípios.
21.4 A alocação de recursos correspondentes às referências intermunicipais,
ambulatoriais e hospitalares, decorre do processo de programação pactuada integrada
entre gestores e do estabelecimento de Termo de Compromisso de Garantia de Acesso
implicando a separação da parcela correspondente às referências no limite financeiro
do município.
22. Diferentemente do exigido para a organização das referências intermunicipais no
módulo assistencial, abordada na seção I.3 – Capítulo I desta Norma, no caso das
demais ações de média complexidade, quando os serviços estiverem dispersos por
vários municípios, admite-se que um mesmo município encaminhe referências para
mais de um município pólo de média complexidade, dependendo da disponibilidade de
oferta, condições de acesso e fluxos estabelecidos na PPI.
22.1 O gestor estadual, ao coordenar um processo de planejamento global no estado,
deve adotar critérios para evitar a superposição e proliferação indiscriminada e
desordenada de serviços, levando sempre em consideração as condições de
acessibilidade, qualidade e racionalidade na organização de serviços.
22.2 Deve-se buscar estabelecer as referências para a média complexidade em um
fluxo contínuo, dos municípios de menor complexidade para os de maior complexidade,
computando, no município de referência, as parcelas físicas e financeiras
correspondentes ao atendimento da população dos municípios de origem, conforme
acordado no processo de Programação Pactuada e Integrada entre os gestores.
I.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS
23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta
complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições:
138
a) definição de normas nacionais;
b) controle do cadastro nacional de prestadores de serviços;
c) vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento
estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde;
d) definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo
SUS;
e) definição do elenco de procedimentos de alta complexidade;
f) estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo
as diferenças regionais na alocação dos serviços;
g) definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais,
através da Central Nacional de Regulação para Procedimentos de Alta Complexidade;
h) formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços
prestados;
i) financiamento das ações.
23.1 A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de
responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos
estados e do Distrito Federal.
24. O gestor estadual é responsável pela gestão da política de alta complexidade/custo
no âmbito do estado, mantendo vinculação com a política nacional, sendo consideradas
intransferíveis as funções de definição de prioridades assistenciais e programação da
alta complexidade, incluindo:
a) a macroalocação de recursos orçamentários do Limite Financeiro da Assistência do
estado para cada área de alta complexidade;
b) a definição de prioridades de investimentos para garantir o acesso da população a
serviços de boa qualidade, o que pode, dependendo das características do estado,
requerer desconcentração ou concentração para a otimização da oferta de serviços,
tendo em vista a melhor utilização dos recursos disponíveis, a garantia de economia de
escala e melhor qualidade;
c) a delimitação da área de abrangência dos serviços de alta complexidade;
d) a coordenação do processo de garantia de acesso para a população de referência
entre municípios;
e) a definição de limites financeiros municipais para a alta complexidade, com
explicitação da parcela correspondente ao atendimento da população do município
139
onde está localizado o serviço e da parcela correspondente às referências de outros
municípios;
f) a coordenação dos processos de remanejamentos necessários na programação da
alta complexidade, inclusive com mudanças nos limites financeiros municipais;
g) os processos de vistoria para inclusão de novos serviços no que lhe couber, em
conformidade com as normas de cadastramento do MS;
h) a coordenação da implementação de mecanismos de regulação da assistência em
alta complexidade (centrais de regulação, implementação de protocolos clínicos, entre
outros);
i) o controle e a avaliação do sistema, quanto à sua resolubilidade e acessibilidade;
j) a otimização da oferta de serviços, tendo em vista a otimização dos recursos
disponíveis, a garantia de economia de escala e melhor qualidade.
24.1 A regulação da referência intermunicipal de alta complexidade será sempre
efetuada pelo gestor estadual.
25. Os municípios que tiverem em seu território serviços de alta complexidade/custo,
quando habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão desempenhar as
funções referentes à organização dos serviços de alta complexidade em seu território,
visando a assegurar o comando único sobre os prestadores, destacando-se:
a) a programação das metas físicas e financeiras dos prestadores de serviços,
garantindo a possibilidade de acesso para a sua população e para a população
referenciada conforme o acordado na PPI e no Termo de Garantia de Acesso assinado
com o estado;
b) realização de vistorias no que lhe couber, de acordo com as normas do Ministério da
Saúde;
c) condução do processo de contratação;
d) autorização para realização dos procedimentos e a efetivação dos pagamentos
(créditos bancários);
e) definição de fluxos e rotinas intramunicipais compatíveis com as estaduais;
f) controle, avaliação e auditoria de serviços.
25.1 A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor
municipal, quando o município encontrar-se na condição de Gestão Plena do Sistema
Municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações.
140
25.2 A regulação dos serviços de alta complexidade, localizados em município
habilitado em GPSM de acordo com as regras estabelecidas pela NOB-SUS 01/96 em
que persista a divisão do comando sobre os prestadores, deverá ser assumida pelo
município ou pelo estado, de acordo com o cronograma de ajuste do comando único
aprovado na CIB estadual, conforme previsto no item 66 desta Norma.
25.3 Nos municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) ou
Gestão Plena da Atenção Básica-Ampliada (GPAB-A) que tenham serviços de alta
complexidade em seu território, as funções de gestão e relacionamento com os
prestadores de alta complexidade são de responsabilidade do gestor estadual,
podendo este delegar aos gestores municipais as funções de controle e avaliação dos
prestadores, incluindo o processo autorizativo.
26. As ações de alta complexidade e as ações estratégicas serão financiadas de acordo
com Portaria do Ministério da Saúde.
27. O Ministério da Saúde, definirá os valores de recursos destinados ao custeio da
assistência de alta complexidade para cada estado.
28. Caberá aos estados, de acordo com a PPI e dentro do limite financeiro estadual,
prever a parcela dos recursos a serem gastos em cada município para cada área de
alta complexidade, destacando a parcela a ser utilizada com a população do próprio
município e a parcela a ser gasta com a população de referência.
29. A assistência de alta complexidade será programada no âmbito regional/estadual, e
em alguns casos macrorregional, tendo em vista as características especiais desse
grupo – alta densidade tecnológica e alto custo, economia de escala, escassez de
profissionais especializados e concentração de oferta em poucos municípios.
29.1 A programação deve prever, quando necessário, a referência de pacientes para
outros estados, assim como reconhecer o fluxo programado de pacientes de outros
estados, sendo que esta programação será consolidada pela SAS/MS.
30. A programação da Atenção de Alta Complexidade deverá ser precedida de estudos
da distribuição regional de serviços e da proposição pela Secretaria Estadual de Saúde
(SES) de um limite financeiro claro para seu custeio, sendo que o Plano Diretor de
Regionalização apontará as áreas de abrangência dos municípios-pólo e dos serviços
de referência na Atenção de Alta Complexidade.
CAPÍTULO II – FORTALECIMENTO DA CAPACIDADE DE GESTÃO NO SUS
141
II.1 DO PROCESSO DE PROGRAMAÇÃO DA ASSISTÊNCIA
31. Cabe ao Ministério da Saúde a coordenação do processo de programação da
assistência à saúde em âmbito nacional.
31.1 As secretarias de saúde dos estados e do Distrito Federal deverão encaminhar ao
Ministério da Saúde uma versão consolidada da Programação Pactuada e Integrada
(PPI), conforme definido em Portaria do Ministério da Saúde.
31.2 As secretarias de saúde dos estados e do Distrito Federal poderão dispor de
instrumentos próprios de programação adequados às suas especificidades,
respeitados os princípios gerais e os requisitos da versão consolidada a ser enviada ao
Ministério da Saúde.
32. Cabe à SES a coordenação da programação pactuada e integrada no âmbito do
estado, por meio do estabelecimento de processos e métodos que assegurem:
a) que as diretrizes, objetivos e prioridades da política estadual de saúde e os
parâmetros de programação, em sintonia com a Agenda de Saúde e Metas Nacionais,
sejam discutidos no âmbito da CIB com os gestores municipais, aprovados pelos
Conselhos Estaduais e implementados em fóruns regionais e/ou microrregionais de
negociação entre gestores;
b) a alocação de recursos centrada em uma lógica de atendimento às reais
necessidades da população e jamais orientada pelos interesses dos prestadores de
serviços;
c) a operacionalização do Plano Diretor de Regionalização e de estratégias de
regulação do sistema, mediante a adequação dos critérios e instrumentos de alocação
e pactuação dos recursos assistenciais e a adoção de mecanismos que visem a regular
a oferta e a demanda de serviços, a organizar os fluxos e a garantir o acesso às
referências;
d) a explicitação do modelo de gestão com a definição das responsabilidades inerentes
ao exercício do comando único de forma coerente com as condições de habilitação.
33. A Programação Pactuada e Integrada, aprovada pela Comissão Intergestores
Bipartite, deverá nortear a alocação de recursos federais da assistência entre
municípios pelo gestor estadual, resultando na definição de limites financeiros para
todos os municípios do estado, independente da sua condição de habilitação.
142
33.1 Define-se limite financeiro da assistência por município como o montante máximo
de recursos federais que poderá ser gasto com o conjunto de serviços existentes em
cada território municipal, sendo composto por duas parcelas separadas: recursos
destinados ao atendimento da população própria e recursos destinados ao
atendimento da população referenciada de acordo com as negociações expressas na
PPI.
33.2 Esses recursos poderão estar sob gestão municipal, quando o município
encontrar-se em GPSM, ou sob gestão estadual, quando o município estiver em outra
condição de gestão.
33.3 O Limite Financeiro da Assistência de cada estado, assim como do Distrito Federal
no que couber, independente de sua condição de gestão, deverá ser programado e
apresentado da seguinte forma:
a) relação de todos os municípios do estado, independentemente da sua condição de
gestão.
b) condição de Gestão do Município/nível de governo responsável pelo comando único
de média e alta complexidade.
c) parcela de recursos financeiros para o atendimento da população residente sob
gestão municipal.
d) parcela de recursos financeiros para o atendimento das referências intermunicipais.
e) parcela de recursos financeiros para o atendimento da população residente sob
gestão estadual.
f) outros recursos sob gestão estadual, alocados nos municípios ou na Secretaria
Estadual de Saúde.
g) limite Financeiro Global da Unidade Federativa – soma dos itens c, d, e e f.
33.4 Os Limites Financeiros da Assistência por município devem ser definidos
globalmente em cada estado a partir da aplicação de critérios e parâmetros de
programação ambulatorial e hospitalar, respeitado o Limite Financeiro Estadual, bem
como da definição de referências intermunicipais na PPI. Dessa forma, o limite
financeiro por município deve ser gerado pela programação para o atendimento da
própria população, deduzida da necessidade de encaminhamento para outros
municípios e acrescida da programação para atendimento de referências recebidas de
outros municípios.
143
33.5 Os municípios habilitados ou que vierem a se habilitar na condição de Gestão
Plena do Sistema Municipal devem receber diretamente, em seu Fundo Municipal de
Saúde, o total de recursos federais correspondente ao limite financeiro programado
para aquele município, compreendendo a parcela destinada ao atendimento da
população própria e, condicionada ao cumprimento efetivo do Termo de Compromisso
para Garantia de Acesso celebrado com o gestor estadual, a parcela destinada ao
atendimento da população referenciada.
33.6 Em regiões/microrregiões qualificadas, os recursos referentes ao M1 alocados no
município-sede serão repassados ao Fundo Municipal de Saúde quando o município-
sede estiver habilitado em GPSM ou ao Fundo Estadual de Saúde quando o município-
sede estiver habilitado em GPAB-A.
33.7 Os Limites Financeiros da Assistência por município estão sujeitos a
reprogramação em função da revisão periódica da PPI, coordenada pelo gestor
estadual. Particularmente, a parcela correspondente às referências intermunicipais,
poderá ser alterada pelo gestor estadual, trimestralmente, em decorrência de ajustes
no Termo de Compromisso e pontualmente, em uma série de situações específicas,
detalhadas no Item 38 – Capítulo II.
34. A SES deverá encaminhar ao Ministério da Saúde os produtos do processo de
programação da assistência, conforme definidos em Portaria do Ministério da Saúde.
II.2 DAS RESPONSABILIDADES DE CADA NÍVEL DE GOVERNO NA GARANTIA DE
ACESSO DA POPULAÇÃO REFERENCIADA
35. O Ministério da Saúde assume, de forma solidária com as Secretarias de Saúde dos
estados e do Distrito Federal, a responsabilidade pelo atendimento a pacientes
referenciados entre estados.
36. A garantia de acesso da população aos serviços não disponíveis em seu município
de residência é de responsabilidade do gestor estadual, de forma solidária com os
municípios de referência, observados os limites financeiros, devendo o mesmo
organizar o sistema de referência utilizando mecanismos e instrumentos necessários,
compatíveis com a condição de gestão do município onde os serviços estiverem
localizados.
144
37. A garantia do atendimento à população referenciada será objeto de um Termo de
Compromisso para Garantia de Acesso a ser assinado pelo gestor municipal e pelo
gestor estadual quando o município sede de módulo ou município-pólo estiver em
GPSM.
37.1 O Termo de Compromisso de Garantia de Acesso tem como base o processo de
programação e contém as metas físicas e orçamentárias das ações definidas na PPI a
serem ofertadas nos municípios pólo, os compromissos assumidos pela SES e SMS, os
mecanismos de garantia de acesso, o processo de acompanhamento e revisão do
Termo e sanções previstas.
38. A SES poderá alterar a parcela de recursos correspondente às referências
intermunicipais no limite financeiro do município em GPSM, nas seguintes situações,
detalhadas no Termo de Compromisso para Garantia de Acesso:
a) periodicamente, em função da revisão global da PPI, conduzida pela SES e
aprovada pela CIB;
b) trimestralmente, em decorrência do acompanhamento da execução do Termo e do
fluxo de atendimento das referências, de forma a promover os ajustes necessários, a
serem informados à CIB em sua reunião subseqüente;
c) pontualmente, por meio de alteração direta pela SES (respeitados os prazos de
comunicação
aos gestores estabelecidos no Termo de Compromisso, conforme detalhado no ANEXO
4 desta Norma), sendo à CIB informada em sua reunião subseqüente, nos seguintes
casos: abertura de novo serviço em município que anteriormente encaminhava sua
população para outro;
redirecionamento do fluxo de referência da população de um município-pólo para outro,
solicitado pelo gestor municipal; problemas no atendimento da população referenciada
ou descumprimento pelo município em GPSM dos acordos estabelecidos no Termo de
Compromisso para Garantia de Acesso.
38.1 Nas situações em que os recursos de média e alta complexidade de municípios
que efetuem atendimento das referências intermunicipais estejam sob gestão estadual,
e os mecanismos de garantia de acesso não forem cumpridos pelo estado, os
municípios que se sentirem prejudicados deverão acionar à CIB para que essa
Comissão tome as providências cabíveis.
145
39. Quaisquer alterações nos limites financeiros dos municípios em Gestão Plena do
Sistema Municipal, decorrentes de ajuste ou revisão da programação e do Termo de
Compromisso para Garantia do Acesso serão comunicadas pelas SES à SAS/MS, para
que esta altere os valores a serem transferidos ao Fundo Municipal de Saúde
correspondente.
40. Para habilitar-se ou permanecer habilitado na condição de GPSM, o município
deverá assumir o comando único sobre os prestadores do seu território e participar do
processo de programação e quando necessário, garantir o atendimento à população de
referência, conforme acordado na PPI e consolidado por meio da assinatura do
referido Termo de Compromisso para a Garantia do Acesso.
II.3 DO PROCESSO DE CONTROLE, REGULAÇÃO E AVALIAÇÃO DA
ASSISTÊNCIA
41. As funções de controle, regulação e avaliação devem ser coerentes com os
processos de planejamento, programação e alocação de recursos em saúde tendo em
vista sua importância para a revisão de prioridades e contribuindo para o alcance de
melhores resultados em termos de impacto na saúde da população.
41.1 As atribuições do Controle, Regulação e Avaliação são definidas conforme as
pactuações efetuadas pelos três níveis de governo.
42. O fortalecimento das funções de controle e avaliação dos gestores do SUS deve se
dar principalmente nas seguintes dimensões:
a) avaliação da organização do sistema e do modelo de gestão;
b) relação com os prestadores de serviços;
c) qualidade da assistência e satisfação dos usuários;
d) resultados e impacto sobre a saúde da população.
43. Todos os níveis de governo devem avaliar o funcionamento do sistema de saúde,
no que diz respeito ao desempenho nos processos de gestão, formas de organização e
modelo de atenção, tendo como eixo orientador a promoção da eqüidade no acesso na
alocação dos recursos, e como instrumento básico para o acompanhamento e avaliação
dos sistemas de saúde o Relatório de Gestão.
44. O controle e a avaliação dos prestadores de serviços, a ser exercido pelo gestor do
SUS responsável de acordo com a condição de habilitação e modelo de gestão
146
adotado, compreende o conhecimento global dos estabelecimentos de saúde
localizados em seu território, o cadastramento de serviços, a condução de processos de
compra e contratualização de serviços de acordo com as necessidades identificadas e
legislação específica, o acompanhamento do faturamento, quantidade e qualidade dos
serviços prestados, entre outras atribuições.
44.1 O cadastro completo e fidedigno de unidades prestadoras de serviços de saúde é
um requisito básico para programação de serviços assistenciais, competindo ao gestor
do SUS responsável pelo relacionamento com cada unidade própria, contratada ou
conveniada, a garantia da atualização permanente dos dados cadastrais e de
alimentação dos bancos de dados nacionais do SUS.
44.2 O interesse público e a identificação de necessidades assistenciais devem pautar
o processo de compra de serviços na rede privada, que deve seguir a legislação, as
normas administrativas específicas e os fluxos de aprovação definidos na Comissão
Intergestores Bipartite, quando a disponibilidade da rede pública for insuficiente para
o atendimento da população.
44.3 Os contratos de prestação de serviços devem representar instrumentos efetivos
de responsabilização dos prestadores com os objetivos, atividades e metas
estabelecidas pelos gestores de acordo com as necessidades de saúde identificadas.
44.4 Os procedimentos técnico-administrativos prévios à realização de serviços e à
ordenação dos respectivos pagamentos, especialmente a autorização de internações e
de procedimentos ambulatoriais de alta complexidade e/ou alto custo, devem ser
organizados de forma a facilitar o acesso dos usuários e permitir o monitoramento
adequado da produção e faturamento de serviços.
44.5 Outros mecanismos de controle e avaliação devem ser adotados pelo gestor
público, como o acompanhamento dos orçamentos públicos em saúde, a análise da
coerência entre a programação, a produção e o faturamento apresentados e a
implementação de críticas possibilitadas pelos sistemas informatizados quanto à
consistência e confiabilidade das informações disponibilizadas pelos prestadores.
45. A avaliação da qualidade da atenção pelos gestores deve envolver tanto a
implementação de indicadores objetivos baseados em critérios técnicos, como a
adoção de instrumentos de avaliação da satisfação dos usuários do sistema, que
considerem a acessibilidade, a integralidade da atenção, a resolubilidade e qualidade
dos serviços prestados.
147
46. A avaliação dos resultados da atenção e do impacto na saúde deve envolver o
acompanhamento dos resultados alcançados em função dos objetivos, indicadores e
metas apontados no plano de saúde, voltados para a melhoria do nível de saúde da
população.
47. Os estados e municípios deverão elaborar seus respectivos planos de controle,
regulação e avaliação que consistem no planejamento do conjunto de estratégias e
instrumentos a serem empregados para o fortalecimento da capacidade de gestão.
47.1 Ao gestor do SUS responsável pelo relacionamento com cada unidade, conforme
sua condição de habilitação e qualificação, cabe programar e regular os serviços e o
acesso da população de acordo com as necessidades identificadas, respeitando os
pactos firmados na PPI e os termos de compromisso para a garantia de acesso.
47.2 A regulação da assistência deverá ser efetivada por meio da implantação de
complexos reguladores que congreguem unidades de trabalho responsáveis pela
regulação das urgências, consultas, leitos e outros que se fizerem necessários.
48. A regulação da assistência, voltada para a disponibilização da alternativa
assistencial mais adequada à necessidade do cidadão, de forma equânime, ordenada,
oportuna e qualificada, pressupõe:
a) a realização prévia de um processo de avaliação das necessidades de saúde e de
planejamento/programação, que considere aspectos epidemiológicos, os recursos
assistenciais disponíveis e condições de acesso às unidades de referência;
b) a definição da estratégia de regionalização que explicite a responsabilização e papel
dos vários municípios, bem como a inserção das diversas unidades assistenciais na
rede;
c) a delegação pelo gestor competente de autoridade sanitária ao médico regulador,
para que exerça a responsabilidade sobre a regulação da assistência,
instrumentalizada por protocolos técnico-operacionais;
d) a definição das interfaces da estratégia da regulação da assistência com o processo
de planejamento, programação e outros instrumentos de controle e avaliação.
II.4 DOS HOSPITAIS PÚBLICOS SOB GESTÃO DE OUTRO NÍVEL DE GOVERNO
49. Definir que unidades hospitalares públicas sob gerência de um nível de governo e
gestão de outro, preferencialmente, deixem de ser remunerados por produção de
148
serviços e passem a receber recursos correspondentes à realização de metas
estabelecidas de comum acordo.
50. Aprovar, na forma do Anexo 5 desta Norma, modelo contendo cláusulas mínimas do
Termo de Compromisso a ser firmado entre as partes envolvidas, com o objetivo de
regular a contratualização dos serviços oferecidos e a forma de pagamento das
unidades hospitalares.
51. Os recursos financeiros para cobrir o citado Termo de Compromisso devem ser
subtraídos das parcelas correspondentes à população própria e à população
referenciada do limite financeiro do (município/estado), e repassado diretamente ao
ente público gerente da unidade, em conta específica para esta finalidade aberta em
seu fundo de saúde.
CAPÍTULO III – CRITÉRIOS DE HABILITAÇÃO E DESABILITAÇÃO DE
MUNICÍPIOS E ESTADOS
III.1 CONDIÇÕES DE HABILITAÇÃO DE MUNICÍPIOS E ESTADOS
A presente Norma atualiza as condições de gestão estabelecidas na NOB-SUS 01/96,
explicitando as responsabilidades, os requisitos relativos às modalidades de gestão e
as prerrogativas dos gestores municipais e estaduais.
52. A habilitação dos municípios e estados às diferentes condições de gestão significa
a declaração dos compromissos assumidos por parte do gestor perante os outros
gestores e perante a população sob sua responsabilidade.
III.1.1 COM RELAÇÃO AO PROCESSO DE HABILIATAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
53. A partir da publicação desta Norma os municípios poderão habilitar-se em duas
condições:
• Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada;
• Gestão Plena do Sistema Municipal.
149
53.1 Todos os municípios que vierem a ser habilitados em Gestão Plena do Sistema
Municipal, nos termos desta Norma, estarão também habilitados em Gestão Plena da
Atenção Básica Ampliada.
53.2 Cabe à Secretaria Estadual de Saúde a gestão do SUS nos municípios não
habilitados, enquanto for mantida a situação de não habilitação.
54. Os municípios, para se habilitarem à Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada,
deverão assumir as responsabilidades, cumprir os requisitos e gozar das prerrogativas
definidas a seguir:
Responsabilidades
a) Elaboração do Plano Municipal de Saúde, a ser submetido à aprovação do Conselho
Municipal de Saúde, que deve contemplar a Agenda de Saúde Municipal, harmonizada
com as agendas nacional e estadual, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual
será efetuado o acompanhamento dos Relatórios de Gestão.
b) Integração e articulação do município na rede estadual e respectivas
responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programação de ações
e serviços que compõem o sistema municipal.
c) Gerência de unidades ambulatoriais próprias.
d) Gerência de unidades ambulatoriais transferidas pelo estado ou pela União.
e) Organização da rede de atenção básica, incluída a gestão de prestadores privados,
quando excepcionalmente houver prestadores privados nesse nível e atenção.
f) Cumprimento das responsabilidades definidas no Subitem 7.1 – Item 7 – Capítulo I
desta Norma.
g) Disponibilização, em qualidade e quantidade suficiente para a sua população, de
serviços capazes de oferecer atendimento conforme descrito no Subitem 7.3 – Item 7 –
Capítulo I desta Norma.
h) Desenvolvimento do cadastramento nacional dos usuários do SUS, segundo a
estratégia de implantação do Cartão Nacional de Saúde, com vistas à vinculação de
clientela e à sistematização da oferta dos serviços.
i) Prestação dos serviços relacionados aos procedimentos cobertos pelo PAB Ampliado
e acompanhamento, no caso de referência interna ou externa ao município, dos demais
serviços prestados aos seus munícipes, conforme a PPI, mediado pela SES.
150
j) Desenvolver as atividades de: realização do cadastro, contratação, controle,
avaliação, auditoria e pagamento aos prestadores dos serviços contidos no PAB-A,
localizados em seu território e vinculados ao SUS.
k) Operação do SIA/SUS e do SIAB, quando aplicável, conforme normas do Ministério
da Saúde, e alimentação junto à Secretaria Estadual de Saúde, dos bancos de dados
nacionais.
l) Autorização, desde que não haja definição contrária por parte da CIB, das
internações hospitalares e dos procedimentos ambulatoriais especializados, realizados
no município, que continuam sendo pagos por produção de serviços.
m) Manutenção do cadastro atualizado das unidades assistenciais sob sua gestão,
segundo normas do MS.
n) Realização de avaliação permanente do impacto das ações do Sistema sobre as
condições de saúde dos seus munícipes e sobre o seu meio ambiente, incluindo o
cumprimento do pacto de indicadores da atenção básica.
o) Execução das ações básicas de vigilância sanitária, de acordo com a legislação em
vigor e a normatização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
p) Execução das ações básicas de epidemiologia, de controle de doenças e de
ocorrências mórbidas, decorrentes de causas externas, como acidentes, violências e
outras, de acordo com normatização vigente.
q) Elaboração do relatório anual de gestão e aprovação pelo Conselho Municipal de
Saúde/CMS.
r) Firmar o Pacto de Indicadores da Atenção Básica com o estado.
Requisitos
a) Comprovar a operação do Fundo Municipal de Saúde.
b) Comprovar o funcionamento do CMS.
c) Apresentar o Plano Municipal de Saúde, aprovado pelo CMS, que deve contemplar a
Agenda de Saúde Municipal, harmonizada com as agendas nacional e estadual, bem
como o Quadro de Metas, mediante o qual será efetuado o acompanhamento dos
Relatórios de Gestão.
d) Comprovar, formalmente, capacidade técnica e administrativa para o desempenho
das atividades de controle, e avaliação, através da definição de estrutura física e
administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de comunicação.
151
e) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos
Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no
ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do
Tesouro Municipal, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de
2000.
f) Estabelecimento do Pacto da Atenção Básica para o ano em curso.
g) Comprovar, para efeito de avaliação da Atenção Básica a ser realizada pela
Secretaria Estadual de Saúde e validada pela SPS/MS, para encaminhamento à CIT:
1) desempenho satisfatório nos indicadores do Pacto da Atenção Básica do ano
anterior;
2) alimentação regular dos sistemas nacionais de informação em saúde já existentes e
dos que vierem ser criados conforme portaria;
3) disponibilidade de serviços (estrutura física e recursos humanos) em seu território,
para executar as ações estratégicas mínimas;
4) disponibilidade de serviços para realização do Elenco de Procedimentos Básicos
Ampliado (EPBA).
h) Comprovar a capacidade para o desenvolvimento de ações básicas de vigilância
sanitária, conforme normatização da ANVISA.
i) Comprovar a capacidade para o desenvolvimento de ações básicas de vigilância
epidemiológica.
j) Formalizar junto à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de habilitação, atestando
o cumprimento dos requisitos relativos à condição de gestão pleiteada.
Prerrogativas
a) Transferência regular e automática dos recursos referentes ao Piso de Atenção
Básica Ampliado (PAB-A), correspondente ao financiamento do Elenco de
Procedimentos Básicos e do incentivo de vigilância sanitária.
b) Gestão municipal de todas as unidades básicas de saúde, públicas ou privadas
(lucrativas e filantrópicas) integrantes do SUS, localizadas no território municipal.
c) Transferência regular e automática dos recursos referentes ao PAB variável, desde
que qualificado conforme as normas vigentes.
152
55. Os municípios, para se habilitarem à Gestão Plena do Sistema Municipal, deverão
assumir as responsabilidades, cumprir os requisitos e gozar das prerrogativas
definidas a seguir:
Responsabilidades
a) Elaboração do Plano Municipal de Saúde, a ser submetido à aprovação do Conselho
Municipal de Saúde, que deve contemplar a Agenda de Saúde Municipal, harmonizada
com as agendas nacional e estadual, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual
será efetuado o acompanhamento dos Relatórios de Gestão, que deverá ser aprovado
anualmente pelo Conselho Municipal de Saúde.
b) Integração e articulação do município na rede estadual e respectivas
responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programação de ações
e serviços que compõem o sistema municipal.
c) Gerência de unidades próprias, ambulatoriais e hospitalares.
d) Gerência de unidades assistenciais transferidas pelo estado e pela União.
e) Gestão de todo o sistema municipal, incluindo a gestão sobre os prestadores de
serviços de saúde vinculados ao SUS, independente da sua natureza jurídica ou nível
de complexidade, exercendo o comando único, ressalvando as unidades públicas e
privadas de hemonúcleos/hemocentros e os laboratórios de saúde pública, em
consonância com o disposto na letra c do Item 57 – Capítulo III desta Norma.
f) Desenvolvimento do cadastramento nacional dos usuários do SUS segundo a
estratégia de implantação do Cartão Nacional de Saúde, com vistas à vinculação da
clientela e sistematização da oferta dos serviços.
g) Garantia do atendimento em seu território para sua população e para a população
referenciada por outros municípios, disponibilizando serviços necessários, conforme
definido na PPI, e transformado em Termo de Compromisso para a Garantia de
Acesso, assim como a organização do encaminhamento das referências para garantir o
acesso de sua população a serviços não disponíveis em seu território.
h) Integração dos serviços existentes no município aos mecanismos de regulação
ambulatoriais e hospitalares.
i) Desenvolver as atividades de realização do cadastro, contratação, controle,
avaliação, auditoria e pagamento de todos os prestadores dos serviços localizados em
seu território e vinculados ao SUS.
153
j) Operação do SIH e do SIA/SUS, conforme normas do MS, e alimentação, junto à
SES, dos bancos de dados de interesse nacional e estadual.
k) Manutenção do cadastro atualizado de unidades assistenciais em seu território,
segundo normas do MS.
l) Avaliação permanente do impacto das ações do Sistema sobre as condições de
saúde dos seus munícipes e sobre o meio ambiente.
m) Execução das ações básicas, de média e alta complexidade em vigilância sanitária,
pactuadas na CIB.
n) Execução de ações de epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências
mórbidas, decorrentes de causas externas, como acidentes, violências e outras
pactuadas na CIB.
o) Firmar o Pacto da Atenção Básica com o estado.
Requisitos
a) Comprovar o funcionamento do CMS.
b) Comprovar a operação do Fundo Municipal de Saúde e disponibilidade orçamentária
suficiente, bem como mecanismos para pagamento de prestadores públicos e privados
de saúde.
c) Apresentar o Plano Municipal de Saúde, aprovado pelo CMS, que deve contemplar a
Agenda de Saúde Municipal, harmonizada com as agendas nacional e estadual, bem
como o Quadro de Metas, mediante o qual será efetuado o acompanhamento dos
Relatórios de Gestão.
d) Estabelecimento do Pacto da Atenção Básica para o ano em curso.
e) Comprovar, para efeito de avaliação da Atenção Básica a ser realizada pela
Secretaria Estadual de Saúde e validada pela SPS/MS, para encaminhamento a CIT:
1) desempenho satisfatório nos indicadores do Pacto da Atenção Básica do ano
anterior;
2) alimentação regular dos sistemas nacionais de informação em saúde já existentes e
dos que vierem ser criados conforme portaria;
3) disponibilidade de serviços (estrutura física e recursos humanos) em seu território,
para executar as ações estratégicas mínimas;
4) disponibilidade de serviços para realização do Elenco de Procedimentos Básicos
Ampliado (EPBA).
154
f) Firmar Termo de Compromisso para Garantia de Acesso com a Secretaria Estadual
de Saúde.
g) Comprovar a estruturação do componente municipal do Sistema Nacional de
Auditoria (SNA).
h) Participar da elaboração e da implementação da PPI do estado, bem como da
alocação de recursos expressa na programação.
i) Comprovar, formalmente, capacidade técnica, administrativa e operacional para o
desempenho das atividades de controle, regulação, e avaliação através da definição de
estrutura física, administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de
comunicação (linha telefônica e acesso à Internet).
j) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos
Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no
ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do
Tesouro Municipal, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de
2000.
k) Comprovar o funcionamento de serviço estruturado de vigilância sanitária e
capacidade para o desenvolvimento de ações de vigilância sanitária, de acordo com a
legislação em vigor e a pactuação estabelecida com a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária.
l) Comprovar a estruturação de serviços e atividades de vigilância epidemiológica e de
controle de zoonoses, de acordo com a pactuação estabelecida com a Fundação
Nacional de Saúde.
m) Apresentar o Relatório de Gestão do ano anterior à solicitação do pleito,
devidamente aprovado pelo CMS.
n) Comprovar o comando único sobre a totalidade dos prestadores de serviços ao SUS
localizados no território municipal.
o) Comprovar oferta das ações do primeiro nível de média complexidade (M1) e de
leitos hospitalares.
p) Comprovar Adesão ao Cadastramento Nacional dos usuários do SUS – Cartão SUS.
q) Formalizar, junto à CIB, após aprovação pelo CMS, o pleito de habilitação, atestando
o cumprimento dos requisitos relativos à condição de GPSM.
Prerrogativas
155
a) Transferência, regular e automática, dos recursos referentes ao valor per capita
definido para o financiamento dos procedimentos do M1, após qualificação da
microrregião na qual está inserido, para sua própria população e, caso seja sede de
módulo assistencial, para a sua própria população e população dos municípios
abrangidos.
b) Receber, diretamente no Fundo Municipal de Saúde, o montante total de recursos
federais correspondente ao limite financeiro programado para o município,
compreendendo a parcela destinada ao atendimento da população própria e aquela
destinada ao atendimento à população referenciada, condicionado ao cumprimento
efetivo do Termo de Compromisso para Garantia de
Acesso firmado.
c) Gestão do conjunto das unidades prestadoras de serviços ao SUS ambulatoriais
especializadas e hospitalares, estatais e privadas, estabelecidas no território municipal.
III.1.2 DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO DOS ESTADOS
56. A partir da publicação desta Norma, os estados podem habilitar-se em duas
condições:
• Gestão Avançada do Sistema Estadual;
• Gestão Plena do Sistema Estadual.
57. São atributos da condição de gestão avançada do sistema estadual:
Responsabilidades
a) Elaboração do Plano Estadual de Saúde, e do Plano Diretor de Regionalização,
incluindo o Plano Diretor de Investimentos e Programação Pactuada e Integrada.
b) Coordenação da PPI do estado, contendo a referência intermunicipal e pactos de
negociação na CIB para alocação dos recursos, conforme expresso no item que
descreve a PPI, nos termos desta Norma.
c) Gerência de unidades públicas de hemonúcleos/hemocentros e de laboratórios de
referência para controle de qualidade, vigilância sanitária e vigilância epidemiológica e
gestão sobre o sistema de hemonúcleos/hemocentros (públicos e privados) e
laboratórios de Saúde Pública.
156
d) Formulação e execução da política de sangue e hemoterapia, de acordo com a
política nacional.
e) Coordenação do sistema de referências intermunicipais, organizando o acesso da
população, viabilizando com os municípios-sede de módulos assistenciais e pólos os
Termos de Compromisso para a Garantia de Acesso.
f) Gestão dos sistemas municipais nos municípios não habilitados em nenhuma das
condições de gestão vigentes no SUS.
g) Gestão das atividades referentes a: Tratamento Fora de Domicílio para Referência
Interestadual, Medicamentos Excepcionais, Central de Transplantes. O estado poderá
delegar essas funções aos municípios em GPSM.
h) Formulação e execução da política estadual de assistência farmacêutica, de acordo
com a política nacional.
i) Normalização complementar de mecanismos e instrumentos de administração da
oferta e controle da prestação de serviços ambulatoriais, hospitalares, de alto custo, do
tratamento fora do domicílio e dos medicamentos e insumos especiais.
j) Manutenção do cadastro atualizado de unidades assistenciais sob sua gestão,
segundo normas do MS, e coordenação do cadastro estadual de prestadores.
k) Organização e gestão do sistema estadual de Controle, Avaliação e Regulação.
l) Cooperação técnica e financeira com o conjunto de municípios, objetivando a
consolidação do processo de descentralização, a organização da rede regionalizada e
hierarquizada de serviços,
a realização de ações de epidemiologia, de controle de doenças, de vigilância sanitária,
assim como o pleno exercício das funções gestoras de planejamento, controle,
avaliação e auditoria.
m) Estruturação e operação do Componente Estadual do SNA.
n) Implementação de políticas de integração das ações de saneamento às ações de
saúde.
o) Coordenação das atividades de vigilância epidemiológica e de controle de doenças e
execução complementar conforme pactuação estabelecida com a Fundação Nacional
de Saúde.
p) Execução de operações complexas voltadas ao controle de doenças que possam se
beneficiar da economia de escala.
157
q) Coordenação das atividades de vigilância sanitária e execução complementar
conforme a legislação em vigor e pactuação estabelecida com a ANVISA.
r) Execução das ações básicas de vigilância sanitária, referentes aos municípios não
habilitados nas condições de gestão estabelecidas nesta Norma.
s) Execução das ações de média e alta complexidade de vigilância sanitária, exceto as
realizadas pelos municípios habilitados na condição de Gestão Plena de Sistema
Municipal.
t) Apoio logístico e estratégico às atividades de atenção à saúde das populações
indígenas, na conformidade de critérios estabelecidos pela CIT.
u) Operação dos Sistemas Nacionais de Informação, conforme normas do MS, e
alimentação dos bancos de dados de interesse nacional.
v) Coordenação do processo de pactuação dos indicadores da Atenção Básica com os
municípios, informação das metas pactuadas ao Ministério da Saúde e
acompanhamento da evolução dos indicadores pactuados.
Requisitos
a) Apresentar o Plano Estadual de Saúde, aprovado pelo CES, contendo minimamente:
• Quadro de Metas, compatível com a Agenda de Saúde, por meio do qual a execução
do Plano será acompanhada anualmente nos relatórios de gestão;
• programação integrada das ações ambulatoriais, hospitalares e de alto custo, de
epidemiologia e de controle de doenças – incluindo, entre outras, as atividades de
vacinação, de controle de vetores e de reservatórios – de saneamento, de pesquisa e
desenvolvimento;
• estratégias de descentralização das ações de saúde para municípios;
• estratégias de reorganização do modelo de atenção.
b) Apresentar o Plano Diretor de Regionalização, nos termos desta Norma.
c) Comprovar a implementação da programação pactuada e integrada das ações
ambulatoriais, hospitalares e de alto custo, contendo a referência intermunicipal e os
critérios para sua elaboração, bem como proposição de estratégias de monitoramento e
garantia de referências intermunicipais e critérios de revisão periódica dos limites
financeiros dos municípios.
d) Comprovar, por meio da alimentação do Sistema de Informações sobre Orçamentos
Públicos em Saúde (SIOPS), a dotação orçamentária do ano e o dispêndio realizado no
158
ano anterior, correspondente à contrapartida de recursos financeiros próprios do
Tesouro Estadual, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 14 de setembro de
2000.
e) Comprovar o funcionamento da CIB.
f) Comprovar o funcionamento do CES.
g) Comprovar a operação do Fundo Estadual de Saúde e disponibilidade orçamentária
suficiente, bem como mecanismos para pagamento de prestadores públicos e privados
de saúde.
h) Apresentar relatório de gestão aprovado pelo CES, relativo ao ano anterior à
solicitação do pleito.
i) Comprovar descentralização para os municípios habilitados da rede de Unidades
Assistenciais Básicas.
j) Comprovar a transferência da gestão da atenção hospitalar e ambulatorial aos
municípios habilitados em GPSM, nos termos desta Norma.
k) Comprovar a estruturação do componente estadual do SNA.
l) Comprovar, formalmente, capacidade técnica, administrativa e operacional para o
desempenho das atividades de controle, regulação, e avaliação através da definição de
estrutura física, administrativa, recursos humanos, equipamentos e mecanismos de
comunicação (linha telefônica e acesso à Internet). Comprovar também, a estruturação
e operacionalização de mecanismos e instrumentos de regulação de serviços
ambulatoriais e hospitalares.
m) Comprovar a Certificação do processo de descentralização das ações de
epidemiologia e controle de doenças.
n) Comprovar o funcionamento de serviço de vigilância sanitária no estado, organizado
segundo a legislação e capacidade de desenvolvimento de ações de vigilância
sanitária.
o) Estabelecimento do Pacto de Indicadores da Atenção Básica.
p) Apresentar à CIT a formalização do pleito, devidamente aprovado pela CIB e pelo
CES, atestando o cumprimento dos requisitos relativos à condição de gestão pleiteada.
Prerrogativas
a) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao Piso de
Atenção Básica (PAB) relativos aos municípios não habilitados, nos termos da NOB-96.
159
b) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao financiamento
per capita do M1 em regiões qualificadas, nos casos em que o município-sede estiver
habilitado somente em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada.
58. Além dos atributos da condição de gestão avançada do sistema estadual, ficam
estabelecidos os seguintes atributos específicos à Gestão Plena do Sistema Estadual:
Responsabilidade
a) Cadastro, contratação, controle, avaliação e auditoria e pagamento aos prestadores
do conjunto dos serviços sob gestão estadual.
Requisito
a) Dispor de 50% do valor do Limite Financeiro da Assistência do estado comprometido
com transferências regulares e automáticas aos municípios.
Prerrogativa
a) Transferência regular e automática dos recursos correspondentes ao valor do Limite
Financeiro da Assistência, deduzidas as transferências fundo a fundo realizadas a
municípios habilitados.
III.2 DA DESABILITAÇÃO
III.2.1 DA DESABILITAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
59. Cabe à Comissão Intergestores Bipartite Estadual a desabilitação dos municípios,
que deverá ser homologada pela Comissão Intergestores Tripartite.
III.2.1.1 DA CONDIÇÃO DE GESTÃO PLENA DA ATENÇÃO BÁSICA AMPLIADA
60. Os municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada estarão
passíveis de desabilitação quando:
a) descumprirem as responsabilidades assumidas na habilitação do município;
160
b) apresentarem situação irregular na alimentação dos Bancos de Dados Nacionais,
estabelecidos como obrigatórios pelo MS, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três)
meses alternados;
c) não cumprirem as metas de cobertura vacinal para avaliação da Atenção Básica;
d) não cumprirem os demais critérios de avaliação da Atenção Básica, para
manutenção da condição de gestão, pactuados na Comissão Intergestores Tripartite e
publicados em regulamentação complementar a esta Norma;
e) não firmarem o Pacto de Indicadores da Atenção Básica;
f) apresentarem irregularidades que comprometam a gestão municipal, identificadas
pelo componente estadual e/ou nacional do SNA.
60.1 São motivos de suspensão imediata, pelo Ministério da Saúde, dos repasses
financeiros transferidos mensalmente, fundo a fundo, para os municípios:
a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,
hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério
da Saúde das seguintes condições:
• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo
Nacional de Saúde;
• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo
DATASUS.
b) falta de alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como
obrigatórios, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três) meses alternados;
c) indicação de suspensão por Auditoria realizada pelos componentes estadual ou
nacional do SNA, respeitado o prazo de defesa do município envolvido.
III.2.1.2 DA CONDIÇÃO DE GESTÃO PLENA DO SISTEMA MUNICIPAL
61. Os municípios habilitados na Gestão Plena do Sistema Municipal estarão passíveis
de desabilitação quando:
a) se enquadrarem na situação de desabilitação prevista no Item 60 – Capítulo III desta
Norma; ou
b) não cumprirem as responsabilidades definidas para a Gestão Plena do Sistema
Municipal, particularmente aquelas que se referem a:
b.1) cumprimento do Termo de Compromisso para Garantia do Acesso;
161
b.2) disponibilidade do conjunto de serviços do M1;
b.3) atendimento às referências intermunicipais resultantes do PDR e da PPI;
b.4) comando único da gestão sobre os prestadores de serviço em seu território.
61.1 A desabilitação de municípios em GPSM implicará permanência apenas em
GPAB-A, desde que o motivo da desabilitação não tenha sido referente às
responsabilidades atribuídas à Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada.
61.2 São motivos de suspensão imediata, pelo MS, dos repasses financeiros a serem
transferidos, mensalmente, fundo a fundo, para os municípios:
a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,
hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério
da Saúde das seguintes condições:
• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo
Nacional de Saúde;
• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo
DATASUS.
b) falta de alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como
obrigatórios pelo MS, por 2 (dois) meses consecutivos ou 3 (três) meses alternados;
c) indicação de suspensão por Auditoria realizada pelos componentes estadual ou
nacional do SNA, respeitado o prazo de defesa do município envolvido.
III.2.2 DA DESABILITAÇÃO DOS ESTADOS E SUSPENSÃO DO RESPASSE
FINANCEIRO
62. Os estados que não cumprirem as responsabilidades definidas para a forma de
gestão à qual encontrarem-se habilitados estarão passíveis de desabilitação pela CIT.
62.1 São motivos de suspensão imediata pelo MS dos repasses financeiros a serem
transferidos, mensalmente, fundo a fundo, para os estados:
a) não pagamento aos prestadores de serviços sob sua gestão, públicos ou privados,
hospitalares e ambulatoriais, até o quinto dia útil, após o cumprimento pelo Ministério
da Saúde das seguintes condições:
• crédito na conta bancária do Fundo Estadual/Municipal de Saúde, pelo Fundo
Nacional de Saúde;
• disponibilização dos arquivos de processamento do SIH/SUS, no BBS/MS pelo
162
DATASUS.
b) indicação de suspensão por auditoria realizada pelos componentes nacionais do
SNA, homologada pela CIT, apontando irregularidades graves;
c) não alimentação dos Bancos de Dados Nacionais, estabelecidos como obrigatórios
pelo MS;
d) não firmar o Pacto de Atenção Básica.
CAPÍTULO IV – DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
63. Os requisitos e os instrumentos de comprovação referentes ao processo de
habilitação para os municípios habilitados em GPSM conforme a NOB-SUS 01/96,
pleiteantes a GPSM desta NOAS estão definidos no Anexo II da Instrução Normativa
01/02.
64. Os instrumentos de comprovação, fluxos e prazos para operacionalização dos
processos de habilitação e desabilitação de municípios e estados estão definidos na IN
01/02.
65. Os municípios que se considerarem em condições de pleitear habilitação em GPSM
em estados que não tiverem concluído seus respectivos PDR, PDI e PPI deverão
apresentar requerimento à CIB
estadual para que essa Comissão oficialize o cronograma para conclusão desses
processos.
65.1 Caso a respectiva CIB não se pronuncie em prazo de 30 (trinta) dias ou apresente
encaminhamento considerado inadequado pelo município, este poderá apresentar
recurso a CIT, que tomará as medidas pertinentes.
66. Os municípios atualmente habilitados em Gestão Plena do Sistema Municipal,
localizados em estados em que a gestão encontra-se compartilhada entre o gestor
estadual e o municipal, deverão se adequar ao comando único, com a transferência da
gestão para a esfera municipal ou estadual, se for o caso, de acordo com cronograma
previamente estabelecido na CIB estadual.
67. Os impasses com relação ao ajuste do comando único não solucionados na CIB
estadual deverão ser encaminhados ao CES; persistindo o impasse, o problema deverá
ser encaminhado a CIT, que definirá uma comissão para encaminhar sua resolução.
163
68. Os estados atualmente habilitados nas condições de gestão plena do sistema
estadual deverão adequar-se aos requisitos desta Norma até o dia 29/3/2002, em
conformidade com o que se encontra disposto na Portaria GM/MS n.º 129, de 18 de
janeiro de 2002.
69. As instâncias de recurso para questões relativas à implementação desta Norma são
consecutivamente à CIB estadual, o CES, a CIT e, em última instância, o CNS.
70. No que concerne à regulamentação da assistência à saúde, o disposto nesta
NOAS-SUS atualiza as definições constantes da Portaria GM/MS n.º 95, de 26 de
janeiro de 2001.
164
ANEXO B: INICIAL DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA0
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM ILHÉUS
Procedimento Administrativo n. xxxxxxxxxxxxx
EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ILHÉUS
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador
da República que a esta subscreve, vem, com fulcro no art. 129, III, da Constituição da
República, 6o, XIV, da Lei Complementar n. 75/93, e 16 e 17 da Lei n. 8.429/92, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FACE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,
com pedido cumulado de reparação de danos e requerimento de antecipação
parcial da tutela, contra:
0 Tombada na Seção Judiciária de Ilhéus-BA sob o número 2002.33.01.001740-1. Os nomes eendereços verdadeiros foram omitidos.
166
HOSPITAL XXXXXX – SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE
Y, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o
número -----, situado na Rua xxxx, Y, BA;
AA, Provedor do Hospital XXXXXX – Santa Casa de
Misericórdia de Y, residente na Av. aa, Y, BA;
BB, vice-provedor, com endereço na Rua bb, Y, BA;
CC, 1º Tesoureiro, morador da Tv. cc, Y, BA;
DD, 2º Tesoureiro, residente na Rua dd, Y, BA;
EE, 1º Secretário, com endereço na Rua ee, Y, BA;
FF, 2º Secretário, morador da R. ff, Y, BA;
GG, Assessor Médico, residente Tv. gg, Y, BA;
HH, Diretor Médico HCMF, morador da Rua hh, Y, BA;
II, diretor médico HMN, com endereço na R. ii, Y, BA,
nos termos em que expõe e requer:
DO DIREITO À SAÚDE: ANTECEDENTES E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O direito à saúde, tal como nos é posto atualmente, é o fruto de uma
lenta evolução histórica. Remonta à Antigüidade Clássica; na Grécia, por exemplo,
hygieia significava, aproximadamente, “o estado daquele que está bem na vida”0. A
0 DALLARI, Sueli Gandolfi, Direito Sanitário. In: Curso de Especialização à distância em DireitoSanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal – Manual Conceitual.Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 47.
167
sua acepção moderna, todavia, encontra raízes mais próximas nos Estados que
atualmente compõem a Alemanha, à época do Iluminismo, com o conceito de polícia
sanitária0, análogo à também nascente noção de poder de polícia.
Eleonor Conill, Professora da Universidade Federal de Santa Catarina,
ensina que:
Na medida em que se desenvolve o tecido urbano no final do século
XVIII, aumenta a inquietude político-sanitária com o crescimento de
populações em cidades como Paris. As ações vão dirigir-se então para o
saneamento, ventilação das ruas e construções públicas, afastando-se para a
periferia áreas consideradas miasmáticas tais como matadouros e cemitérios.
Além de ações urbanas o processo de consolidação da autoridade sanitária vê
nascer a superposição entre poder revolucionário e poder médico na França
de 1789. A autoridade médica é reforçada com jurisprudência sobre
tratamentos e até livros a serem lidos. É introduzida nos hospitais uma nova
ordem, tal como nas fábricas, exércitos e escolas, novo jeito de viver que gere
agora a sociedade como um todo.
(...) Se em 1700 os pobres não eram vistos como perigo executando
pequenos serviços nas grandes cidades, no séc. XIX representam uma
ameaça, com lutas urbanas e novas epidemias. A revolução industrial traz o
fenômeno concreto da força de trabalho e do desgaste da classe trabalhadora
com deterioramento das condições de vida e de saúde.
(...) A passagem do século XVIII para o século XIX é marcada então
pela consolidação do poder político da burguesia emergente, com o Estado
moderno impondo sua autoridade frente às populações por intermédio de
ações sanitárias no espaço urbano e social.
No século XIX predominará um olhar científico, dividido em três
momentos: o olhar contábil das estatísticas e das medidas; o olhar
epidemiológico, com o desenvolvimento de estudos nessa ordem; e,
finalmente, o olhar armado, que com o uso do microscópio e a descoberta do
germe inaugurará importante ruptura epistemológica no campo da saúde0.
0 Cuja primeira menção expressa remonta à obra System einer Vollständigen mediscinischen Politizei,de Johan Peter Frank. É curioso notar que, na acepção original, o vocábulo politzei tinha sentidoambíguo, sendo uma mescla do costumamos designar por política e por polícia.0 CONILL, Eleonor Minho, Epidemiologia e Sistemas de Saúde: fundamentos históricos e conceituaispara uma discussão sobre o acompanhamento de direitos na prestação de serviços. In: Curso deEspecialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e daMagistratura Federal – Manual Conceitual. Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 77-78.
168
O modelo hospitalocêntrico, eminentemente fincado na medicina
curativa, foi herdado por nosso país. Mas, como tudo o que é importado pelos países
periféricos, ganhou contornos muito próprios. Aliou-se à estratégia de exclusão social
da imensa maioria da população, fazendo com que os pobres e miseráveis, que não
tinham acesso ao mercado de trabalho formal, não pudessem também ter acesso à
saúde pública.
A partir dos anos 70, porém, começa-se a contrapor ao status quo o
Movimento de Reforma Sanitária, que encontrou seu ápice na VIII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1986, a qual pode ser considerada como uma “pré-
constituinte”, no que tange ao Direito Sanitário0.
Analisando-a agora, com a sobriedade que somente a distância
histórica pode conceder, pode-se notar que, em essência, procurava-se naqueles dias
apenas a concretização de diversas normas de direito internacional público, vigentes
em nosso país, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos0, passando
pela Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS)0 e pelo Pacto de San José
da Costa Rica0, sem contar com a Declaração de Alma-Ata0.
0 “O ideário da Reforma Sanitária consistia na proposta de um sistema de saúde único,fundamentalmente estatal, sendo o setor privado suplementar àquele, sob controle público, edescentralizado. O que estava em questão era a universalidade da atenção à saúde, superando-se ahistórica dicotomia entre assitência médica individual e ações coletivas de saúde. A estratégia eleitapara se conquistar a saúde como um direito consistia na descentralização do sistema de saúde. E comojá apontavam vários autores o tema da descentralização tende a emergir nas conjunturas de transição econsolidação democráticas, hibernando em períodos autoritários e ditatoriais. O que se buscava, com adescentralização, era não só a maior racionalidade do sistema de saúde, mas fundamentalmente avalorização da criação de novos espaços institucionais de participação, com poder deliberativo dossegmentos organizados da sociedade, constituindo-se assim como uma estratégia de ampliar, noespectro social, as oportunidades de acesso ao poder” (ELIAS, Paulo Eduardo, Reforma ou contra-reforma: algumas reflexões sobre as políticas de saúde no Brasil. In: Curso de Especialização àdistância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal –Manual Conceitual. Brasília: Unb/Fiocruz, 2002. p. 96).0 Art. XXV, 1: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua famíliasaúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociaisindispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ououtros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (nãosublinhado no original).0 Preâmbulo: “Health is a state of complete physical, mental and social well-being and not merely theabsence of disease or infirmity”; “The enjoyment of the highest attainable standard of health is one ofthe fundamental rights of every human being without distinction of race, religion, political belief,economic or social condition”; “Governments have a responsibility for the health of their peoples whichcan be fulfilled only by the provision of adequate health and social measures”.0 Art. 4, 1: “Toda persona tiene derecho a que se respete su vida”.0 “I. A Conferência reafirma enfaticamente que a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental esocial, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, eque a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cujarealização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”
169
A Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, na esteira
desses textos, consagrou o direito à saúde como direito social fundamental (art. 6o),
auto-aplicável (art. 5o, § 1o).
O seu fundamento mais pujante, todavia, está no art. 1o,
principalmente no tocante ao Estado Democrático de Direito e ao princípio da
dignidade da pessoa humana. A propósito, leciona Germano Schwartz:
O Estado Democrático de Direito é um compromisso assumido pela
sociedade brasileira no sentido da busca de uma justiça social efetiva, de uma
qualidade de vida que se faça presente; logo, da saúde também.
No que concerne ao direito à saúde, vale dizer que o Estado
Democrático de Direito impõe a todos os componentes da sociedade brasileira
o dever de se buscar a transformação da sociedade brasileira o dever de se
buscar a transformação da realidade que ora se apresenta, por esta contrariar
seus princípios, como é fato notório e como se comprovará adiante.
Esta evidente conexão entre o Estado Democrático de Direito e a saúde
é primordial para o entendimento e efetivação deste direito. O Brasil, portanto,
está obrigado a realizar mudanças na procura de que a saúde seja
efetivamente aplicada e de que seja ela (a saúde) um real instrumento de
justiça social0.
Mas não é só. O art. 196 reiterou ser a saúde direito de todos e dever
do Estado, ao tempo em que o art. 197 expressamente caracterizou a saúde como
serviço de relevância pública.
No art. 198, por seu turno, aduziu-se que
as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
0 SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2001. p. 50.
170
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE E DA NOB
01/96
O Sistema Único de Saúde (SUS), previsto constitucionalmente, foi
regulado mediante a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dela, vale transcrever o
art. 7o, in verbis:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS),
são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade
física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a
sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a
alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada
esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e
saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de
serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;
e
171
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de
meios para fins idênticos.
João Paulo Pinto da Cunha e Rosana Evangelista da Cunha estremam
os princípios doutrinários do SUS dos organizativos, sendo que estes últimos tratar-
se-iam, na verdade, “de formas de concretizar o SUS na prática”0.
Dos primeiros, vale ressaltar, por ora, os da universalização, da
eqüidade e da integralidade.
A universalidade de atendimento, por outro lado, significa livre e total
acesso aos serviços públicos de saúde, em todos os níveis de assistência. Traz como
imperativo inafastável a gratuidade de atendimento (lei mencionada, art. 7º, I).
“Historicamente, que tinha direito à saúde no Brasil eram apenas os trabalhadores
segurados do INPS e depois do INAMPS. Com o SUS, isto mudou: a saúde passa a ser
um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar esse direito.
Neste sentido, o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas,
independentemente de sexo, raça, renda, ocupação ou outras características sociais ou
pessoais”0.
Visa a eqüidade à redução das desigualdades. Mas não a se lançar
mão do sentido meramente formal de igualdade, e sim do material. “Eqüidade significa
tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Para isso,
a rede de serviços deve estar atenta às necessidades reais da população a ser
atendida. Eqüidade é um princípio de justiça social”0.
Pela integralidade de atendimento, por fim, compreende-se a
aplicação articulada e contínua de ações e serviços, conforme a exigência de cada caso
(Lei 8.080/90 – art. 7º, II). Logo, a diretriz de assistência integral implica a
disponibilização de todos os meios e recursos existentes para o atendimento da
população, ou seja, cobertura de qualquer enfermidade, bem como a articulação
intersetorial das ações.
0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, Sistema Único de Saúde – princípios.In: Gestão Municipal de Saúde – textos básicos. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2001, p. 301.0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, op. e loc. cit.0 CUNHA, João Paulo Pinto da, CUNHA, Rosana Evangelista da, op. e loc. cit.
172
O financiamento desse sistema é feito conforme dispõem os §§ 1o e 2o
do art. 198 da Constituição da República:
§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar
prevista no § 3º;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas
aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação
dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts.
158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
Os recursos hauridos são alocados no Fundo Nacional de Saúde
(FNS), gestor financeiro, na esfera federal, que tem como missão “contribuir para o
fortalecimento da cidadania, mediante a melhoria contínua do financiamento das ações
de saúde”; a aplicação dos valores integrantes do FNS é prevista no art. 2o da Lei n.
8.142/90.
A Norma de Operação Básica (NOB) do Sistema Único de Saúde n.
01/96 buscou primordialmente “promover e consolidar o pleno exercício, por parte do
poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde
de seus munícipes (artigo 30, incisos V e VII, e artigo 32, parágrafo 1o, da Constituição
Federal), com a conseqüente redefinição das responsabilidades dos Estados, do
Distrito Federal e da União, avançando na consolidação dos princípios do SUS” (item
2). Mas, enquanto esse desiderato (a Gestão Plena do Sistema Municipal) não era
alcançado, admitiu a norma regulamentar uma outra modalidade, a Gestão Plena da
Atenção Básica. Os Municípios que sequer conseguiram se habilitar nesta última, e não
foram poucos, transferiam a gestão do SUS, no seu território, aos Estados a que
pertenciam.
173
Voltemos à Gestão Plena da Atenção Básica. Nela estava enquadrado
o Município Y até maio de 2001 (ou seja, durante todo o período dos fatos carreados
por estes autos), e, em linhas rápidas, consistia na atribuição de responsabilidade, ao
Município, da gestão dos serviços básicos, inclusive domiciliares e comunitários,
enquanto a modalidade remuneração à rede hospitalar credenciada (remuneração por
serviços) continuava de responsabilidade do Fundo Nacional de Saúde (FNS),
gerenciado pelo governo federal.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SAÚDE. COMPETÊNCIA
O elastério com que a expressão agentes públicos foi empregada, na
Lei n. 8.429/92, faz com que nenhum exegeta bem intencionado sequer cogite pensar
ser possível a um médico ou administrador de hospital privado credenciado junto ao
SUS, em caso de malversação de recursos públicos, subtrair-se às sanções da Lei de
Improbidade Administrativa.
A questão, todavia, foi submetida recentemente ao Superior Tribunal
de Justiça, em aresto relatado pelo Min. Luiz Fux, que teve a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL Nº 416.329 - RS (2002 0021459-3)⁄
RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO: ROGERIO TREGNAGO E OUTROS
ADVOGADO: ROQUE GILBERTO CHEDID E OUTRO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA
DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR
CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO
DELEGADA.
174
1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os
servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito
de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429 92: ⁄ "a Lei Federal n.
8.429 92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de⁄
probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na
relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a
noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito
do funcionário público contido no Código Penal (art. 327)".
2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função
pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de
improbidade administrativa.
3. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que
se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento
na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da
legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento.
4. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do
ato improbo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07,
do STJ.
5. Recursos providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos
recorridos para se submeteram às sanções da Lei de Improbidade
Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento aos recursos,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Garcia Vieira,
Humberto Gomes de Barros e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.
Brasília (DF), 13 de agosto de 2002(Data do Julgamento).
Vale a pena transcrever trecho extenso, porém extremamente
elucidativo, do voto do Eminente Relator:
(...) Verifica-se que o alcance conferido pelo legislador quanto à
expressão "agente público" possui expressivo elastério o que faz com que os
175
sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os
servidores públicos, mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de
algum modo vinculadas ao Poder Público.
A própria lei, em seu art. 2º, amplia o seu espectro, por isso que de
maneira exemplificativa emprega a expressão "ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função" fazendo remição
ao art. 1º o qual retrata os sujeitos ativos dos atos de improbidade.
Fábio Medina Osório, in “Improbidade Administrativa”, Ed. Síntese,
1997, 2ª ed., p. 97-99, ao tratar da conceituação do termo ‘agentes públicos’,
afirma que quanto às atividades delegadas, quando engendradas em
detrimento de qualquer entidade de Direito Público, podem ser considerados
sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa os denominados
“agentes delegados”:
“Cumpre examinar os sujeitos ativos do ato de improbidade à luz da
Lei número 8.429 92. ⁄
Imperioso analisar as diversas acepções de agente público que se
destinam a ser tutelados pela legislação repressora da improbidade,
interpretando o art. 2º da Lei número 8.429 92.⁄
Agentes públicos são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva
ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. A regra é a
atribuição de funções ao órgão, as quais são repartidas entre os cargos, ou
individualmente entre os agentes de função sem cargos. O agente titulariza
o cargo – o qual integra o órgão – para servir ao órgão. As funções são os
encargos atribuídos aos órgãos, cargos e agentes.
A verdade é que os agentes públicos repartem-se em quatro espécies
ou categorias bem diferenciadas, a saber: agentes políticos, agentes
administrativos, agentes honoríficos e agentes delegados.
O conceito de agente público, para efeitos de controle da probidade
administrativa, levará em linha de conta, fundamentalmente, o art. 1º, caput
e parágrafo único, da Lei número 8.429 92, diferenciando-se, em certa⁄
medida, das concepções doutrinárias que visualizam os agentes delegados
como espécies de agentes públicos.
Os agentes delegados são aqueles que são particulares e recebem
incumbência de execução de determinada atividade, obra ou serviço
público, realizando-o em nome próprio. São colaboradores com o Poder
Público. 'Nesta categoria encontram-se os concessionários e
176
permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou
cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos,
as demais pessoas que recebem delegação para alguma atividade estatal
ou serviço de interesse coletivo'.
Os chamados permissionários, concessionários e autorizatários
realizam serviços públicos pela descentralização administrativa.
Serviços concedidos são aqueles que o particular realiza ou executa,
em seu nome, por sua conta e risco, remunerados por tarifa, na forma
regulamentar, mediante delegação contratual ou legal do Poder Público
executado por particular em razão da concessão.
HELY LOPES MEIRELLES é de opinião no sentido de que os
agentes delegados, quando lesam direitos no desempenho das funções
delegadas, devem responder civil e criminalmente sob o império das normas
que regem a Administração Pública de que são delegados, inclusive por
crime funcional, pois a transferência da execução não descaracteriza o
caráter público da atividade, tanto que a lei de mandado de segurança
considera 'autoridade', para fins de impetração, as pessoas naturais ou
jurídicas com funções delegadas do poder público.
Estarão os agente delegados, todavia, sob o império direto da Lei
número 8.429 92?⁄
Interessante observar, nesse tópico, que a lei busca, primordialmente,
tutelar o dinheiro público, o patrimônio público material, tanto que a definição
dos sujeitos passivos alcança aqueles que atuam comumente ao abrigo das
normas de direito privado, mas, por circunstâncias especiais, se encontram
tocados pelo setor público.
Neste campo, ocorre aquilo que se denomina de convergência entre
os direitos público e privado, pois as entidades privadas são atingidas pela
legislação, na medida em que estiverem em contato com o dinheiro público,
pouco importando que suas atividades ficassem enquadradas nas normas
privatísticas.
As concessionárias, autorizatárias e permissionárias de serviços
públicos atuam, na verdade, como empresas privadas, ao abrigo de regras
do direito privado, salvo se houver nelas injeção de dinheiro público. Assim,
uma empresa de telecomunicações exerce atividade concedida pelo Poder
Público, no que se refere ao canal televisivo, mas nem por isso estará,
automaticamente, enquadrada como sujeito passivo da lei de improbidade
em razão exclusiva da natureza da atividade. Em decorrência, os
177
empregados da entidade, os agentes delegados também não se encontram
sob o império da definição de sujeitos ativos, embora, por ângulo diverso,
até pudessem se subsumir na ampla conceituação de agente público. É
que, não obstante não sejam agentes públicos, podem concorrer ao ato de
improbidade praticado por agente público, quando lesarem o erário.
Os sujeitos ativos do ato de improbidade serão definidos,
fundamentalmente, em razão do reconhecimento dos sujeitos passivos,
porque é agente público todo aquele que exerce , ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego, ou função nas entidades mencionada no art. 1º e parágrafo
único da Lei número 8.429 92. Dentre essas entidades, s.m.j., não se⁄
consegue vislumbrar todas as empresas concessionárias, autorizatárias ou
permissionárias de serviços públicos, pelo só fato de estarem nessa
condição, salvo se fosse possível inseri-la na conceituação mais ampla de
'administração indireta' exigida pelo art. 1º, caput, da lei, diante da exigência
de tipicidade”.
À luz dessa orientação doutrinária, resta-nos estabelecer se os
administradores dos hospitais conveniados ao SUS exercem ou não função
pública delegada.
Consoante a previsão do art. 199, da CF, as entidades privadas de
assistência à saúde, podem participar, de forma complementar, por meio de
celebração de contrato de direito público ou convênio, do Sistema Único de
Saúde.
Em função da referida parceria, essas entidades hospitalares passam a
receber verbas do Poder Público e, portanto, ficam subordinadas aos
princípios regedores da administração Pública, o que as torna passíveis de
serem consideradas “sujeitos ativos dos atos de improbidade” em caso de
malversação dos valores repassados pelo SUS.
In casu, não há que se cogitar do fato de que as entidades hospitalares
têm natureza privada. O simples e notório fato de serem conveniadas ao SUS
e, portanto, receberem verbas repassadas ao Município pela União, as
submete aos princípios regentes da Administração Pública, primordialmente,
o da Supremacia do Interesse Público.
(...) Deveras, o STJ, por meio de sua Quinta Turma, já se pronunciou
quanto à possibilidade de os médicos conveniados ao SUS, ante a função
pública delegada que exercem, serem processados e julgados por delitos,
178
como se funcionários públicos fossem, a teor do que estabelece o art. 327, do
Código Penal:
´RECURSO DE "HABEAS CORPUS". BENEFICIÁRIO DO SUS.
COBRANÇA INDEVIDA DE HONORÁRIOS MÉDICOS. DENÚNCIA.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR O FEITO.
1. Crime, em tese, de estelionato e concussão, praticado por médico
responsável por hospital conveniado do SUS. Cobrança indevida que
acarreta prejuízos ao particular, e não à União Federal.
2. Recurso parcialmente provido, para determinar seja o feito anulado
a partir do recebimento da denúncia, com a remessa dos autos ao Juízo
Comum, competente para o julgamento.´
(RHC 7760-RS, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 22 03 1999)⁄ ⁄
´RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO
DE AÇÃO. CONCUSSÃO. MÉDICO CADASTRADO NO SUS. JUSTA
CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AMPLIAÇÃO DO
CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FUNÇÃO DELEGADA. LESÃO
AO INTERESSE DA UNIÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida
quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto
fático-probatório evidencia-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a
fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção de punibilidade.
II. Eventual alegação de inépcia da denúncia só pode ser acolhida
quando demonstrada inequívoca deficiência, a impedir a compreensão da
acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado.
III. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de médicos
cadastrados ao SUS que, no atendimento a segurados da Autarquia,
exercem função pública delegada, ex vi do amplo enquadramento permitido
pelo art. 327 do CP.
IV. Inserem-se no conceito de funcionário público todos aqueles que,
embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo,
emprego ou função pública, ou seja, todos aqueles que, de qualquer forma,
exerçam-na, tendo em vista a ampliação do conceito de funcionário público
para fins penais.
V. Inobstante a descrição típica do art. 316 do CP não exigir o
recebimento de vantagem indevida para a caracterização do delito de
179
concussão - que é de natureza formal, vislumbra-se a lesão ao interesse da
União, no que respeita à fiel prestação de seus serviços, face ao preceito
constitucional da gratuidade dos serviços de saúde pública, ressaltando-se,
por outro lado, que o nosocômio particular efetivamente recebe verbas
federais pelo convênio firmado.
VI. Recurso desprovido.´
(RHC 7966-RS, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 21 06 1999)⁄ ⁄
Preceitua o art. 327, do Código Penal que ‘considera-se funcionário
público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem
remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública’ e o seu parágrafo
único complementa: ‘equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,
emprego ou função em entidade paraestatatal’.
Por sua vez, o art. 3º, da Lei n.º 8.429/92, dispõe que ‘reputa-se agente
público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.’
Assim, conforme ressaltou Wallace Paiva Martins Júnior, in ‘Probidade
Administrativa’, Saraiva, 2001 ‘a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica
atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao
agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre
ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com
uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no
Código Penal (art. 327)’.
Em assim sendo, se os médicos conveniados ao SUS, são equiparáveis
a agentes públicos e, portanto, podem ser sujeitos ativos dos crimes próprios
contra a Administração, o que já foi objeto de julgamento por esta Corte (RHC
7966 RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 21.06.1999 e RHC 7760 RS, Rel. Min.⁄ ⁄
Edson Vidigal, DJ de 22.03.1999), e, em razão da maior abrangência do texto
da Lei n.º 8.429 92, não há como se afastar a característica de agentes⁄
públicos dos recorridos e o seu enquadramento como possíveis sujeitos ativos
de atos de improbidade.
Magister dixit. E não o disse sozinho. O E. TRF da 3a Região, julgando
feito análogo, assim decidiu:
180
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO
CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU PARCIALMENTE TUTELA
ANTECIPADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DE
MÉDICOS E ADMINISTRADORES DE HOSPITAL CONVENIADO COM O
SUS, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA AÇÃO.
1 - HÁ ELEMENTOS DE COMPROVAÇÃO HÁBEIS A DAR SUPORTE AO
REQUERIMENTO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL PROVISÓRIO PARA
AFASTAMENTO DOS MÉDICOS, NOMINADOS NO VOTO, DA PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS OBJETO DO CONVÊNIO, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA
AÇÃO. É A MEDIDA MAIS EFICAZ PARA SE EVITAREM AFRONTAS À
GRATUIDADE DO SISTEMA, À SUA CREDIBILIDADE PERANTE OS
USUÁRIOS E À MORALIDADE DOS SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA.
(...) 3 - A INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DADA AO ARTIGO 20 E
PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8429/92 REFERE-SE A SERVIDOR ESTÁVEL
LEGALMENTE INVESTIDO EM CARGO PÚBLICO, À VISTA DO ARTIGO
41, § 1º, DA CARTA MAGNA E DO ARTIGO 147 DA LEI 8112/90. OS
MÉDICOS QUE PRESTAM SERVIÇOS PÚBLICOS AOS SUS SÃO
DELEGATÁRIOS DE FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DO CONVÊNIO
ENTRE O GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O HOSPITAL, COM
RECURSOS DA UNIÃO FEDERAL, RAZÃO PELA QUAL PLENAMENTE
VIÁVEL O EXERCÍCIO DO PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ, CUJA
ABRANGÊNCIA É ACENTUADA, EX VI DO ARTIGO 5º, INCISO XXXVI, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADEMAIS, NADA IMPEDE QUE SE SOCORRA
DO ARTIGO 273 DO CPC, UMA VEZ QUE O AFASTAMENTO PODE SER
LIDO COMO TUTELA PARCIAL DOPROVIMENTO FINAL DA PERDA DE
FUNÇÃO.
4 - A INICIATIVA PRIVADA PODE PRESTAR SERVIÇOS DE SAÚDE, COM
FINS LUCRATIVOS, COBRANDO DIRETAMENTE DOS BENEFICIÁRIOS
(ART. 199, CF) OU PARTICIPANDO DO SUS (§ 1º, ART.199, CF). NESTA
ÚLTIMA CONDIÇÃO, INTEGRA A REDE PÚBLICA, MEDIANTE
CONTRATO DE DIREITO PÚBLICO OU CONVÊNIO. O HOSPITAL
CONVENIADO, SEUS AGENTES DIRETOS OU INDIRETOS, NA FORMA
TERCEIRIZADA, EXERCEM FUNÇÃO PÚBLICA POR DELEGAÇÃO. EM
CONSEQÜÊNCIA, SÃO PASSÍVEIS DE RESPONSABILIZAÇÃO PELA LEI
8429/92 (TRF da 3a Região, 5a T., AI n. 97030606261-SP, Rel. Juiz André
Nabarrete, j. 14.12.1999, DJ 20.06.2000, p. 496).
E a que ramo do Judiciário compete a lide que visa à aplicar as
sanções da Lei n. 8.429/92? Em se estando diante de prestador de serviços
181
hospitalares, remunerado por autorizações de internação hospitalar (AIHs), situado em
urbe na qual não vigia a gestão municipal plena, é evidente que a competência é da
Justiça Federal. Sim, porque o repasse é, nesse caso, oriundo do Fundo Nacional de
Saúde, gestor financeiro do SUS na esfera federal, como se viu; as AIHs eram
fiscalizadas pelo Ministério da Saúde. Assim, inegavelmente, há lesão a serviço ou
interesse da União, pelo que, ex vi do art. 109, I, CF/88, deve ser dirimido o pleito junto
à Justiça Federal.
DAS CONDUTAS DOS RÉUS
As condutas ilícitas narradas nos autos podem ser agrupadas em três
modalidades principais: a) atentatórias ao princípios basilares do SUS; b) dupla
cobrança: procedimentos eram simultaneamente cobrados do SUS e de um plano de
saúde privado, administrado pela primeira ré, o ZZZZ; c) fraudes, mediante as quais
atendimentos meramente ambulatoriais foram cobrados do SUS como se fossem
procedimentos hospitalares.
DENEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
A fl. 07 do anexo procedimento administrativo narra um fato que
reflete profunda desconsideração pela pessoa humana. O primeiro réu, Hospital Santa
Casa de Misericórdia, recusou-se a realizar uma cirurgia em José Raimundo dos
Santos, sob o argumento de que aquela unidade de saúde não atendia doentes
mentais. Esta conduta viola frontalmente os princípios que norteiam o Sistema Único
de Saúde, em especial o da universalidade, definido anteriormente nesta peça
processual.
Afinal de contas, não podia a instituição selecionar pacientes para
internação, usando como critério a sanidade mental, a condição social ou pessoal ou
qualquer outro preconceito. Essa prática, além de imoral, é frontalmente contrária aos
182
preceitos legais referidos, que vinculam a atuação da instituição hospitalar no âmbito
do SUS.
Consigne-se que, malgrado a recusa, os atendentes do hospital
não esqueceram de preencher a AIH constando como tendo sido internado o
aludido paciente, para o mesmo procedimento médico-hospitalar.
COBRANÇAS IRREGULARES
Informam os autos que os acionados beneficiavam indevidamente a
primeira ré, às custas do Fundo Nacional de Saúde (FNS), administrado pelo governo
federal, ora cobrando e recebendo recursos federais do SUS (Sistema Único de
Saúde), malgrado realizassem as internações em pacientes em caráter privado, ora
efetuando atendimentos ambulatoriais, mas fazendo constar nas Autorizaçôes de
Internamento Hospitalar (AIHs) como internações.
Sabe-se que o sistema de remuneração dos serviços médico-
hospitalares do SUS está centrado na AIH. Trata-se de documento hábil à cobrança,
pelos hospitais, dos serviços prestados. À época dos fatos que dão origem a essa Ação,
a AIH era instrumento de cobrança dos serviços profissionais (honorários médicos),
serviços auxiliares de diagnóstico e terapia (SADI), serviços hospitalares (diárias e
taxas), e de materiais de medicamentos (mat/méd).
Ao longo do procedimento administrativo, constatou-se que ao menos
22 (vinte e duas) internações de pacientes ocorreram pelo ZZZZ (plano de saúde
próprio da Santa Casa de Misericórdia de Y) e que, paradoxal e contraditoriamente,
foram emitidas AIHs para os mesmos pacientes. Vale dizer, recebeu valor
correspondente do SUS a tratamentos já cobrados dos particulares por intermédio do
plano de saúde do Hospital, réu desta ação. Este fato caracteriza, às escâncaras, a
dupla cobrança, em absoluto descompasso com o estatuído na Constituição Federal,
na Lei Federal 8.080 de 19.09.1990 e na PT 113/SAS de 04 de setembro de 1997, que
garante a gratuidade total do atendimento quando este ocorrer pelo SUS.
Constam, ainda, dos autos que os réus registraram, nas AIHs,
internações de no mínimo 10 (dez) pacientes, que tão somente foram submetidos a
tratamento ambulatorial. Assim, hauriram indevidamente os acionados, para si ou para
183
o primeiro acionado, do dinheiro dos cofres públicos, subtraindo de fundo gerido pelo
governo federal valores de internações quando concretamente o serviço prestado pelo
hospital foi outro (tratamento ambulatorial).
Com efeito, realizou-se auditoria no Hospital Santa Casa da
Misericórdia, comprovando-se a destinação de recursos públicos federais para o
financiamento de internações particulares e para o pagamento de tratamentos
ambulatoriais como se internações fossem.
A referida auditoria realizada pelo Ministério da Saúde (relatório de
fls.1/17, Apenso III) analisou as situações representadas de pacientes internados por
aquela unidade sob o prisma da cobrança ao SUS de internações de pacientes
conveniados. As conclusões da auditoria dos casos analisados foram de uma extrema
clareza:
Das 28 visitas domiciliares realizadas, constatamos irregularidades em 15
(53,5%) dos pacientes pesquisados, sendo 9 por cobrança em AIH de
procedimento ambulatorial e 6 por dupla cobrança (AIH+ZZZZ).
Das 23 denúncias analisadas nos Processos apresentados pelo Sr. Procurador
da República de Ilhéus/BA nº mmmm e nnnnn são procedentes e as
irregularidades encontradas foram: dupla cobrança – 16 pacientes,
atendimento ambulatorial com cobrança em AIH – 1 paciente e internamento
inexistente – 1 paciente.(...)
A Santa Casa de Misericórdia de Y possui um Plano de Saúde próprio (ZZZZ),
cuja proposta de Adesão (anexo 1, fls. 3), consta a exigência da guia de
internamento do SUS para admissão dos pacientes usuários do referido plano
o que caracteriza a dupla cobrança, em desacordo com a Constituição Federal,
a Lei 8.080 de 19/9/90 e a PT/SAS 113 de 4/9/97 (Apenso 03, p. 14).
Para melhor identificar as condutas ilícitas perpetradas pelos réus,
vale transcrever do relatório, outrossim, a disposição em quadro de cada um dos casos
analisados pelos auditores:
Irregularidades passíveis de glosa total:
184
Nº da AIH Proc.
Solicitado
Proc.
Realizado
Motivo glosa Proposta de
Auditoria2065345568 7450025-2 7450025-2 Dupla cobrança Glosa total2065345535 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2065344116 7250000-0 7250000-0 Dupla cobrança Glosa total2065345667 7450002-3 7450002-3 Dupla cobrança Glosa total2065343863 8150010-6 8150010-6 Dupla cobrança Glosa total206534646x 7750023-7 7750023-7 Dupla cobrança Glosa total2063455801 3301111-7 3301111-7 Dupla cobrança Glosa total2063455856 7550027-2 7550027-2 Dupla cobrança Glosa total2059059882 3802801-8 3802801-8 Dupla cobrança Glosa total2059059915 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2059064843 7450024-4 7450024-4 Dupla cobrança Glosa total2059999568 9150012-5 9150012—2 Dupla cobrança Glosa total2060001086 3300408-0 3300408-0 Dupla cobrança Glosa total2059998512 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2059998501 8150010-6 8150010-6 Dupla cobrança Glosa total2059998490 3900000-1 3900000-1 Dupla cobrança Glosa total2059998480 9150012-5 9150012-5 Dupla cobrança Glosa total2059998468 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2059998435 4000100-8 4000100-8 Dupla cobrança Glosa total2060002274 7650022-5 7650022-5 Dupla cobrança Glosa total2059059376 3802201-0 3802201-0 Dupla cobrança Glosa total2059060025 3900913-0 3900913-0 Dupla cobrança Glosa total2060002329 4020000-0 - Internamento Inexistente Glosa total
Irregularidades passíveis de glosa parcial:
Nº da AIH Proc.
Solicitado
Proc.
Realizado
Motivo glosa Proposta
Auditoria2065342774 4071204-4 08.061.02.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2065343115 3900609-3 08.055.03.3 Atendimento ambul. Glosa parcial2065342125 4400504-0 08.011.10.9 Atendimento ambul. Glosa parcial2210701625 3802201-0 08.011.11.7 Atendimento ambul. Glosa parcial2210701086 3802201-0 08.011.09.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2209738388 3900816-9 08.063.04.4 Atendimento ambul. Glosa parcial2210702879 3901817-9 08.011.17.6 Atendimento ambul. Glosa parcial2210700800 4200207-9 08.042.05.5 Atendimento ambul. Glosa parcial2059998303 3900904-1 09.031.01.4 Atendimento ambul. Glosa parcial2065345106 4020600-9 07.011.01.6 Atendimento ambul. Glosa parcial
Verificou-se, portanto, das situações analisadas, que a maior parte das
cobranças efetuadas pelo Hospital ao SUS foram fraudulentas, pois as referidas
internações custeadas pelo erário federal já o tinham sido pelos particulares, em
caráter privado, e outras situações onde os réus cobraram dos cofres da União, por
serviços meramente ambulatoriais, valores correspondentes a internações, como se o
Hospital Santa Casa de Misericórdia houvesse prestado este serviço.
185
A auditoria realizada revelou, ainda, que o desfalque ao erário
federal decorrente das fraudes (suso descritas) pelos réus perpetradas
perfizeram um valor de R$ 11.281,55 (onze mil duzentos e oitenta e um reais e
cinqüenta e cinco centavos).
DOS CONTRATOS DE ATENDIMENTO MÉDICO
A Santa Casa de Misericórdia de Y possui um Plano de Saúde próprio
(ZZZZ), cuja proposta de adesão (anexo 01, fls. 03), consta a exigência da guia de
internamento do SUS para admissão dos pacientes usuários do referido plano o que
caracteriza a dupla cobrança, em desacordo com a Constituição Federal, a Lei 8.080/90
e a PT/SAS 113 de 4/9/97 que garante a gratuidade total do atendimento quando este
ocorrer pelo SUS.
A cláusula nona, que versa sobre a Forma de Atendimento, vem assim
escrita (apenso 1, fl. 16):
9.1. O USUÁRIO/BENEFICIÁRIO e seus dependentes expressamente
declarados na Proposta de Adesão ou no Aditivo, serão atendidos pela Santa
Casa nos casos previstos nestas CONDIÇÕES GERAIS, quando
expressamente exigidos pelo hospital nos casos de internação:
a) Guia de internamento fornecida pelo SUS – Sistema Único de Saúde (não
sublinhado no original).
Deste modo, exigem os contratos do ZZZZ a guia de internação do
SUS para a admissão dos pacientes usuários do plano de saúde próprio da Santa Casa
de Misericórdia. Os contratos do referido plano apresentam ostensivamente que o
hospital vendia atendimento médico hospitalar aos seus clientes, embora empurrasse
as contas das internações para o erário federal. Este fato não somente caracteriza a
indigitada dupla cobrança, como também institucionaliza a ilegalidade.
Além disso, aquele plano adotou como cláusula que os seus aderentes
terão direito à obtenção de tratamento diferenciado, nos casos de internamentos
hospitalares decorrentes de doenças, cirurgias, acidentes, gravidez e partos e
atendimento em consultórios particulares dos médicos credenciados pelo ZZZZ.
186
Para oferecer “tratamento diferenciado”, utilizou o hospital dos
recursos do Sistema Único de Saúde (cf. cláusula supratranscrita). Consubstancia-se
tal ato, visto sob outra ótica, uma transgressão aos princípios norteadores do Sistema
Único de Saúde, notadamente o da universalidade e do atendimento integral. Recorde-
se que, mediante eles, o acesso às ações e serviços de saúde não requer para sua
fruição nenhum requisito, devendo ser universal e igualitário em todos os níveis de
assistência. Além disso, a assistência à saúde deve estar pautada na igualdade, sem
preconceitos ou privilégios de qualquer natureza (art. 7º, IV, da LOS).
DA DESCARACTERIZAÇÃO DAS INTERNAÇÕES COMO COBERTAS PELO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DO DEVER DE RESSARCIR O DANO
As provas colecionadas e demonstradas são suficientes para se
concluir com tranqüilidade que os réus utilizaram-se intencionalmente de recursos
públicos federais do SUS para financiar atendimento médico-hospitalar de pacientes
privados daquela instituição.
Grave na espécie, todavia, foi constatar que a quase totalidade das
internações denunciadas, cobradas ao Fundo Nacional de Saúde, não ocorreram pelo
sistema público de saúde, mas pelo convênio do Hospital.
Esse fato descaracteriza integralmente o ajuste entre o Poder Público
e o prestador privado que, como visto, estava legalmente obrigado (quando usar
recursos do SUS) a prestar um atendimento universal (dentro desse princípio se inclui
a gratuidade) e isonômico e não o fez.
Os réus, portanto, desconsideraram as suas obrigações, tornando
ilícitos os recebimentos das verbas públicas, vez que as internações questionadas
foram realizadas em caráter privado e alguns atendimentos cobrados do erário federal
como internações, tratavam-se somente de tratamento ambulatorial.
A desqualificação do ajuste e dos recebimentos faz surgir, lógica,
jurídica e indissociavelmente, a obrigação dos réus de ressarcirem esses valores,
reparando o dano patrimonial resultante das cobranças ilícitas.
187
DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADOS
Os demandados, do segundo ao último, desempenhavam, à época dos
fatos, funções, junto ao primeiro réu, a implicar claros poderes de administração.
A eles incumbiam, além da fiscalização dos subordinados, a escolha de
seus assessores imediatos. Para que os fatos narrados conseguissem ocorrer, no
mínimo incorreram em culpa in eligendo e in vigilando, de proporções ainda mais
graves quando se tem em conta não ser grande o porte da unidade hospitalar gerida.
Nunca é demais lembrar que, aos responsáveis pela aplicação do
dinheiro público, como eram os réus, faz-se exigível uma diligência acima do normal.
Gestão de recursos públicos não é tarefa de amadores: afinal de contas, é o numerário
da coletividade – escasso, em países periféricos, como o nosso – que está em jogo. É
por isso que Fábio Medina Osório ensina, com muita propriedade:
Desnecessário seria, assim, comprovar cabal má fé do agente, em
determinadas hipóteses, na medida em que dos fatos emergem presunções
legais em desfavor dos agentes públicos. Estes devem portar-se de forma
exemplar. A eles é inescusável o desconhecimento das leis e normas jurídicas.
Para tanto, devem estar corretamente assessorados e devem observar,
estritamente, os limites legais no desempenho de suas tarefas0.
As condutas desses réus, assim, adequam-se plenamente à moldura
do art. 10, caput ou inciso XII, da Lei n. 8.429/92, pois ele, dolosa ou culposamente,
deram causa à perda patrimonial de verbas federais relativas à educação, permitindo,
ao mesmo tempo, que o nosocômio demandado auferisse, indevidamente, mais receita
do que deveria.
Caso assim não considere o Judiciário – e, desde logo, fica articulada
como causa petendi subsidiária –, no mínimo houve lesão a princípios da
administração pública, e, mais especificamante, aos deveres de honestidade (pois
chegou a subscrever simulacro de prestação de contas), de legalidade e de lealdade às
0 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 86-87.
188
instituições, pelo que, ao menos, enquadra-se no art. 11, caput e inciso II, do mesmo
diploma normativo.
DA RESPONSABILIDADE POR DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO
Restou demonstrado que os demandados cometeram atos elencados
dentre os reprimidos pela Lei de Improbidade Administrativo, pelo que lhes incidirão as
devidas sanções, bem como que, descaracterizadas as internações como passíveis de
cobertura pelo SUS, impende-lhes ressarcir o prejuízo, materialmente considerado.
Há, todavia, uma outra ordem de danos a reparar: os de cunho
extrapatrimonial coletivo.
Vale salientar, a propósito, que tal pleito tem inteiro cabimento, no bojo
da presente ação, pois: a) consta dos três incisos do art. 12, da Lei n. 8.429/92, como
sanção a reparação integral do dano, o qual não engloba apenas os prejuízos
materiais, como também os extrapatrimoniais – onde a lei não distingue, não deve o
intérprete fazê-lo; b) mesmo que assim não fosse, a cumulação encontra plena guarida
na jurisprudência; consulte-se, a propósito, TRF da 3a Região, 5a T., AI n. 97030606261-
SP, Rel. Juiz André Nabarrete, j. 14.12.1999, DJ 20.06.2000, p. 496.
E o que são exatamente os danos extrapatrimoniais coletivos? Para
responder essa pergunta, é necessário discorrer, ainda que brevemente, sobre alguns
tópicos da Teoria Geral do Direito Civil.
Os conceitos, na dogmática jurídica, desempenham diversas funções0,
dentre as quais aquela que Alexy alcunhou de heurística, a respeito da qual rememora
ele que “a dogmática contém um grande alcance de modelos para resolver problemas,
distinções e pontos de vista, que não ocorreriam prontamente a alguém começar
sempre de novo”0. Ou seja, mediante ela, concepções prévias poupam o escasso tempo
0 Robert Alexy embora a elas se refira como funções da dogmática, nomeia as seguintes: “(1) função deestabilização; (2) a função de desenvolvimento; (3) a função de redução do encargo; (4) a função técnica;(5) a função de controle e (6) a função heurística” (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: ateoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. São Paulo: Landy, 2001, p. 253).0 ALEXY, Robert, ob. cit., p. 256-257.
189
dos operadores do Direito, fazendo com que o pensar quase que se automatize,
aumentando a velocidade dos raciocínios e. por conseguinte, das decisões.
Isso, todavia, faz com que nem sempre as soluções mais corretas
sejam tomadas, justamente por força de uma outra função identificada por Alexy, a da
redução dos encargos. O uso de conceitos pré-concebidos, com efeito, minora o
encargo do processo justificativo, o que é muito bom, diante de velhos paradigmas,
mas é desastroso quando somos confrontados com o novo0.
O reconhecimento disso, contudo, não pode fazer olvidar que, como
ensina Bergel:
Os conceitos, ou seja, as representações mentais gerais e abstratas dos
objetos, só podem ser determinadas, em matéria jurídica, em função do direito
positivo e das realidades socais. O processo intelectual que leva a eles parte
da observação da lei, da jurisprudência, da prática jurídica etc. Ele é
particularmente difícil, pois se apóia em regras inconstantes e em geral
contraditórias e na extrema variabilidade dos comportamentos humanos e dos
fenômenos de ordem psicológica, social, econômica, ética ... Os resultados
dessa observação e os critérios que dela se destacam são traduzidos em
conceitos por meio de indução, mas geram apenas hipóteses e são suscetíveis
de evolução0.
Deveríamos sempre ter isso em mente — os conceitos são suscetíveis
de evolução. No entanto, o automatismo no emprego de soluções pré-concebidas
normalmente faz com que, de seres pensantes, convertamo-nos em meras maquinas
de produção de silogismos, hipoteticamente neutros ideológica e axiologicamente0.
Em sede de Direito Civil, a situação é ainda mais grave, pois
praticamente toda a elaboração conceitual foi gestada por uma só escola, em um só
período, em um só contexto. Os pandectistas germânicos, tentando encontrar um
0 Dentre outros pensadores, isso foi contundentemente analisado por Habermas: “Não menos rica deconseqüências é a autocompreensão objectivista das ciências hermenêuticas. Da apropriação reflectidade tradições ainda actuantes retira um saber esterilizado, e, em vez dele, fecha a história no museu.Guiadas pela atitude objectivista da teoria constitutiva de factos, as ciências normológicas ehermenêuticas complementam-se mutuamente quanto às suas conseqüências práticas. Enquanto estasse desvinculam do nexo com a tradição, aquelas, apoiando-se no enganoso fundamento de uma históriarecalcada, conjuram a prática vital para o círculo funcional do agir instrumental” (HABERMAS, Jürgen.Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 142).0 BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 254.0 Quando, em verdade, o próprio mito da neutralidade tem em si escancarado cunho ideológico.
190
sentido (que, na ótica do pensamento oitocentista, deveria ser ao mesmo tempo
racional e sistemático) em algo totalmente desprovido deste (as normas jurídicas da
Antiga Roma, feitas por um povo cujas aspirações, no particular, eram puramente
pragmáticas — e talvez por isso tenham governado o mundo por tanto tempo),
construíram e legaram-nos o edifício conceitual daquele ramo do Direito0.
Porém, era o tempo da ascensão da burguesia industrial, e o substrato
ideológico subjacente exerceu imensa influência no delinear dos conceitos.
Assim, tudo foi reduzido a uma dimensão meramente material,
traduzível em expressão pecuniária, e com matizes nitidamente individualistas. Isso
marcou profundamente o pensamento jurídico, até os nossos dias. O nosso modelo
teórico de relação jurídica é essencialmente fincada na de índole obrigacional. E até o
instituto do casamento, por exemplo, encontrou propaladores de sua natureza como
contratual0.
No campo da responsabilidade civil, por exemplo, grassaram os
equívocos de entender que o dano moral, por não implicar em diminuição do patrimônio
material do ofendido, seria irressarcível. Lentamente, a doutrina repudiou tal
entendimento, até que nos incisos V e X do art. 5o da atual Constituição a sua
reparabilidade foi expressamente consagrada.
Em verdade, as modificações determinadas pela nova ordem
constitucional foram muito mais profundas, quanto ao trato do tema.
De fato, o vigente texto consagrou, de um lado, a cidadania e a
dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (art. 1o, II e III); de
0 “Como apontado precedentemente, o direito romano havia sido introduzido desde o século XV noImpério Romano-Germânico por intermédio de uma efetiva recepção prática. Por essa razão, o seuestudo continuara a se desenvolver nas universidades sob o signo da sua utilidade e aplicabilidadeconcretas. Entretanto, o direito daí resultante não era mais do que formalmente o direito contido noCorpus Juris, porquanto materialmente fora o mesmo desenvolvido pela jurisprudência — sendo muitoforte, como se assinalou, a influência do usus modernus pandectarum — e mesmo pela legislação,criando-se, assim, o direito comum do império como uma obra de juristas práticos.
Todavia, tendo em conta o grande peso do jusracionalismo na cultura jurídica alemã — haja vistaa linha de continuidade que vai de Puffendorf, Leibiniz e Wolff até Netelblaat e Kant — a ciência jurídicadesenvolve uma tendência, a partir do século XVIII (justamente na época em que começa a ruir aautoridade do Império), que levará o direito a ser tratado como um ‘assunto de professores’, vale dizer,de teóricos, uma vez que, em razão da antinomia entre a teoria e a prática inerente àquela doutrina, odireito natural moderno não poderia ser recebido como um direito de juristas práticos” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado. 1a ed., 2a tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,p. 211-212).0 No caso específico do casamento, esse posicionamento é até nossos dias defendido pelo DireitoCanônico, embora, no Direito Civil, encontre oposição dos institucionalistas — doutrina, aliás, cujoaparecimento foi quase que concomitante ao dos totalitarismos anteriores à segunda grande guerra.
191
outro, tratou da reparação ao dano moral no Capítulo I (Dos direitos e deveres
individuais e coletivos) do Título II (Dos direitos e garantias fundamentais).
Mas isso não foi tudo: de forma inédita, em nosso país, o ingresso da
Constituição-cidadã no ordenamento não se deu apenas no âmbito puramente
abstrato, normativo0. Houve (e continua havendo) uma forte Wille zur Verfassung, de
que falava Hesse0. Com isso, preceitos tidos apenas como simbólicos (“para inglês
ver”, na expressão popular) ganharam eficácia jurídica0, e os atores sociais, co-autores
do processo hermenêutico0, tornaram evidente a insuficiência dos conceitos em outras
épocas cristalizados.
No caso do dano moral, a função redutora do conceito teve de ser
abandonada, para que a sua dimensão individualista, fundada essencialmente na
noção de dor psíquica, pudesse coabitar com o âmbito coletivo. Tudo isso em face da
constatação de que, a latere das lesões extrapatrimoniais individuais, havia outras,
muito mais deletérias, a atingir coletividades inteiras — e é evidente que repugnaria ao
ideal de Justiça, subjacente, como meta, a todo o ordenamento jurídico, relegar tais
situações ao desamparo.
A construção do conceito, todavia, não foi difícil. Bastou acoplar a
teoria dos danos coletivos, a que faz referência, v. g., Carlos Mário da Silva Pereira0,
com a própria noção de dano moral ou extrapatrimonial0, recordando que a reparação
do dano moral coletivo tem lastro constitucional e, como se verá adiante, infra-
constitucional.
0 Termo utilizado, aí, em sentido próximo ao de imperativo categórico kantiano.0 “(…) Pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, naconsciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordemconstitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição(Wille zur Verfassung)” (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 1991, p. 19).0 Ainda que negativa ou paralisante, como nas ditas normas programáticas.0 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional — A sociedade aberta dos intérpretes daconstituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.0 “Nesse contexto intervém a teoria dos danos coletivos, que podem revestir formas ou expressõesvariadas: danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma comunidade, ou danoscausados a uma pessoa jurídica com reflexo nos seus membros componentes” (PEREIRA, Caio Mário daSilva. Responsabilidade civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 44).0 “O fundamento da reparabilidade do dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico,o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordemjurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude,Savatier oferece uma definição de dano moral como ‘qualquer sofrimento humano que não é causadopor uma perda pecuniária” (PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 54).
192
O dano moral coletivo, de acordo com Carlos Alberto Bittar:
é a injusta lesão da esfera moral de um dada comunidade, ou seja, é a violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em
dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio
valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico: quer isto dizer, em última instância, que se feriu a própria
cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral
individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se
responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)0.
Ou, na lição de André de Carvalho Ramos:
O Direito Brasileiro encontra-se em fase de aceitação e ampliação da
responsabilidade pelo dano moral. De fato, vislumbra-se cada vez mais a
pacificação do tema do cabimento de indenização por dano moral na doutrina
e na jurisprudência.
(...) Para tanto, deve-se abordar o papel da tutela coletiva dos direitos e
a dimensão indivisível de uma série de ofensas, as quais, se não fosse pela
necessidade de reparação coletiva, ficariam sem a resposta do ordenamento
jurídico.
(...) Aceitar a reparabilidade de dano moral difuso ou coletivo é aceitar o
conceito de um patrimônio moral transidividual.
2. O DANO MORAL COLETIVO
Com a aceitação da reparabilidade do dano moral, verifica-se a
possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e
coletivos.
Como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fiel à concepção
de honra e dano moral, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de
11. 08.1990), quando coloca, em seu art. 6º, VI, entre os direitos básicos do
consumidor (toda pessoa física ou jurídica), a efetiva reparação de danos
patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos.
Tal entendimento dos Tribunais com relação às pessoas jurídicas é o
primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral em face de
uma coletividade, que, apesar de ente despersonalizado, possui valores
0 BITTAR, Carlos Alberto apud CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. In: Revista daEMERJ, Rio de Janeiro: EMERJ, v. 3, n.9, 2000.
193
morais e um patrimônio ideal que merece proteção. Destarte, com a aceitação
da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas
físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados
interesses difusos e coletivos.
As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos
materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a
aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito,
deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria
exclusividade de pessoas físicas. Como esclarece Gabriel Stiglitz, devemos ter
em mente a ampliación del dãno moral, hacia una concepción no restringida a
la idea de sufrimiento o dolor espiritual, sino extensiva a toda modificación
disvaliosa del espíritu.
Pelo contrário, não somente a dor psíquica que pode gerar danos
morais. Qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividade também
merece reparação.
Devemos ainda considerar que o tratamento transidividual aos
chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância
destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal
importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral
coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual
acaba cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de
desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda
uma coletividade.
Imagine-se o dano moral gerado por propaganda enganosa ou abusiva.
O consumidor em potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento
de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como no seu
sentimento de cidadania. Como lembra o estudioso Carlos Alberto Bittar Filho,
quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que
o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor)
idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável
do ponto de vista jurídico.
Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo
causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-
imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do
cidadão que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera.
Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos
morais coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que
também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o
cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê
desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade
194
séria, onde as leis são cumpridas ?. A expressão popular “o Brasil é assim
mesmo” deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência
na reparação do dano moral coletivo.
A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da
reparação material, já que os pressupostos (dano e nexo causal) são os
mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de
Interesses Difusos, que será responsável pela utilização do montante para a
efetiva reparação deste patrimônio moral lesado.
Com isso, vê-se que a coletividade é passível de ser indenizada pelo
abalo moral, o qual, por sua vez, não necessita ser a dor subjetiva ou estado
anímico negativo, que caracterizariam o dano moral na pessoa física, podendo
ser o desprestígio do serviço público, do nome social, a boa-imagem de nossas
leis, ou mesmo o desconforto da moral pública, que existe no meio social.
Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação a dificuldade
de apuração do justo ressarcimento. O dano moral é incomensurável, mas tal
dificuldade não pode ser óbice à aplicação do direito e sua justa reparação.
Deve servir, pois, de desafio ao juiz, o qual poderá utilizar as armas do art. 5º
da LICC e do art.125 do diploma processual civil. O “non liquet” neste caso
urge ser afastado.
Como coloca o d. Luis Alberto Thompson Flores Lenz, todo o ente moral
possui um conceito social que pode sofrer abalo moral, diferente do abalo
moral que atinge os seus integrantes, pessoas físicas. Diz o citado autor que
nessa situação, eventual ofensa desferida atinge em cheio a entidade moral,
afetando a honorabilidade e conceito social que lhe são próprios, motivo pelo
qual deve ser combatida em respeito àquela e não aos seus integrantes.
Assim, o sentimento de angústia e intranqüilidade de toda uma
coletividade deve ser reparado. Não podemos tutelar coletivamente, então, a
reparação material de violações de interesses materiais e deixar para a tutela
individual a reparação do dano moral coletivo. Tal situação é um contra-senso,
já que não podemos confundir o dano moral individual com o dano moral
coletivo. Como salienta Severiano Aragão, não pode o dano moral ser limitado,
qual atributo da personalidade individual, como a associá-lo, apenas à dor e ao
sofrimento anímico individual. Tal enfoque é casuístico e inaceitável, bastando
lembrar os casos de valor de afeição ou estimação de coisas (Código Civil), ou
de afetação coletiva, como preconizado pelas leis especiais, mencionadas
(Imprensa, Consumidor, Ecologia).
Portanto, a ofensa ao patrimônio moral deste Brasil, consubstanciado
na imagem, no sentimento de apreço a nossa cidadania, deve ser reparada
3. DANO MORAL COLETIVO E A LEGISLAÇÃO NO BRASIL
195
No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública,
tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se
a ser um dos mais importantes – e talvez o mais eficiente – instrumentos de
defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência de opções que
oferece.
A segurança e a tranqüilidade de todos os indivíduos – assim como o
sentimento de cidadania – são bruscamente atingidos quando o patrimônio
moral de uma coletividade é lesado, sem que haja qualquer direito à reparação
desta lesão.
Assim, há expressa previsão de dano moral nas leis de tutela coletiva do
Brasil. De fato, o prejuízo moral – que segue paralelo ao dano material – há de
ser ressarcido, na modalidade de dano moral, conforme previsto no inc. V do
art. 1º da Lei n. 7.347/85.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla
a indenização por dano moral, nos incs. VI e VII do art. 6º, escudado pela
previsão de nossa Carta de 1988, na dicção do inc. V do art. 5º. Segundo o
citado artigo do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do
Consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos, e o acesso aos órgãos
judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção
jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
O quantum que se propõe para tanto e que será revertido para o Fundo
de Bens Lesados de que trata o art. 13 da LACP será apurado por liquidação
de sentença
(...) Em primeiro lugar, podemos ver que o dano moral é reparável como
resposta civil pela agressão ao patrimônio moral, sendo que a cumulação de
indenizações por fato único, com repercussões materiais e morais deve ser
vista como justa e absolutamente constitucional.
(...) Nos Estados Unidos, estruturou-se a teoria do desestímulo. De fato,
a reparação do dano moral visaria ao desestímulo de novas agressões ao bem
jurídico tutelado.
(...) Quanto à prova, verifico que o dano moral já é considerado como
verdadeira presunção absoluta. Para o saudoso Carlos Alberto Bittar, em
exemplo já clássico, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho;
ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o
autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público
da obra, e assim por diante.
O ataque a valores de uma comunidade, além dos danos materiais que
gera, acarreta indiscutível necessidade de reparação moral na ação coletiva.
196
Isso porque, tal qual o dano coletivo material, o dano moral coletivo só é
tutelado se inserido nas lides coletivas. Configurando-se o dano moral coletivo
indivisível (quando gerado por ofensas aos interesses difusos e coletivos de
uma comunidade) ou divisível (quando gerado por ofensa aos interesses
individuais homogêneos), em todos os casos somente a tutela macro-
individual garantirá uma efetiva reparação do bem jurídico tutelado.
Do exposto, observamos que, também como o dano coletivo material, o
dano moral coletivo implica em uma necessidade de reparação por
instrumentos processuais novos. Se estes instrumentos não forem aplicados,
o dano moral coletivo não será reparado e a violação dos valores ideais da
comunidade diminuirá o sentimento de auto-estima de cada um dos indivíduos
dela componentes, com conseqüências funestas para o desenvolvimento da
nação.
As dificuldades advindas da subjetividade dos parâmetros a serem
fixados não devem constituir motivo para a inexistência do direito, em face
desse fundamento. Por outro lado, a finalidade da reparação dos danos extra-
patrimoniais não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação.
Em face das tradicionais críticas quanto à valoração do prejuízo moral,
cabe ao magistrado estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os
critérios de razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, o fator de
desestímulo que a indenização por dano moral acarreta.
(...) As indenizações por dano moral coletivo serão fundamentais para
demonstrar ao brasileiro o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, que
merece proteção judicial. Nas palavras de Oscar Dias Corrêa, a reparação do
dano moral enfatiza o valor e a importância desse bem, que é a consideração
moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que bens materiais e
interesses que a lei protege.
(...) Dessa forma, deve o magistrado levar em consideração que a
reparação do dano moral coletivo representa para a coletividade um
reconhecimento pelo Direito de valores sociais essenciais, tais quais a imagem
do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que compõem o já
fragilizado conceito de cidadania do brasileiro.
Só com o reconhecimento da reparação do dano moral coletivo que
poderemos recompor a efetiva cidadania de cada um de nós0.
Nada mais correto, uma vez que
0 RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. In: Revista de Direito doConsumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 25, p. 80-89.
197
(...) o dano extrapatrimonial ambiental [tema específico do estudo do
autor citado, mas que, mutatis mutandis, pode ser transporto para o caso em
tela] não tem mais como elemento indispensável a dor em seu sentido moral
de mágoa, pesar, aflição, sofrido pela pessoa física. A dor, na qual se formulou
a teoria do dano moral individual, conforme esboçado anteriormente, acabou
abrindo espaço a outros valores que afetam negativamente a sociedade, como
é o caso da lesão material ambiental.
(...) A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao
sentido moral individual, mas não é propriamente este, posto que concernente
a um bem ambiental [in casu, o bem é outro, de índole coletiva, como se viu],
indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental
de toda coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e concomitantemente a outros
valores inter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor, referida
ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se
procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não o interesse
particular subjetivo. Outrossim, refere-se, concomitantemente, a um interesse
comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva0.
Com efeito, tem-se que a reparação por danos morais será devida
sempre que for atingido algum valor ideal do ser humano, aqui entendido do ponto de
vista individual e coletivo, não suscetíveis de imediata apreciação econômica. Assim, a
dor psíquica na qual se baseou a teoria do dano moral individual acaba cedendo
espaço, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço que afeta
negativamente toda a coletividade. Tal se observa, por exemplo, quando a boa imagem
do serviço público ou o conceito de cidadania de cada brasileiro é afetado.
Há, portanto, sólida construção doutrinária, criada a partir da
constatação da insuficiência dos conceitos anteriormente disponíveis, no sentido da
reparabilidade dos danos extrapatrimoniais coletivos. E todo esse labor foi estribado,
como se viu, na extraordinária Wille zur Verfassung que, malgrado todos os percalços,
logrou obter eficácia normativa aos dispositivos constitucionais anteriormente listados
(art. 1o, II e III; art. 5o, X e V — bem como a inserção deste último artigo no rol dos
direitos e deveres individuais e coletivos).
0 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, págs. 299-300.
198
Regras infra-constitucionais expressamente se aliaram ao esforço. Por
exemplo, a redação outorgada ao art. 1o da Lei 7.347 pela Lei n. 8.884, dispôs que:
Art.1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I- ao meio ambiente;
II- ao consumidor;
III- aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IV- a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (não sublinhado no original).
Antes dela, a Lei n. 8.078, alcunhada de Código de Defesa do
Consumidor, em art. 6º, VI, já tornava claro que o dano moral não se vincula tão
somente à pessoa física, ao deduzir ser direito básico do cidadão a efetiva reparação
dos danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos.
No tocante às regras processuais, a Lei n. 8.078 e a Lei n. 7.347
formam um só subsistema normativo. Considerando tudo isso, demonstrado fica que:
(a) as leis n. 8.078 e 8.884 (quanto à redação dada ao art. 1o, caput, da Lei n. 7.437),
seguindo mandamentos constitucionais, já suficientemente desenvolvidos pela
doutrina, disciplinaram, em sede infra-constitucional, a reparabilidade do dano
extrapatrimonial coletivo, mediante o manejo de ação civil pública; (b) tal conceito não
se vê restrito às relações de consumo, mas a todas as hipóteses de cabimento da ação
civil pública, ex vi do art. 21 da Lei n. 7.347.
DO DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO IN CONCRETO
Na espécie, a conduta dos réus, além do dano material acima
demonstrado, causou indisfarçável dano extrapatrimonial à sociedade e ao Poder
Público.
199
Por uma lado, à medida em que os réus apropriam-se indevidamente
de recursos do sistema público de saúde, tem-se, objetiva e diretamente, que esses
mesmos recursos não estarão disponíveis para aplicação em efetiva prestação
do serviço determinado constitucionalmente.
É notória e histórica a situação de carência de recursos para o integral
e universal atendimento à saúde da população (CF art. 196 e 198), acarretando uma
prestação ineficiente do serviço, que acaba por manter no desamparo expressiva
parcela da população, justamente a mais carente e necessitada.
As fraudes perpetradas em face desses serviços adquirem,
portanto, uma significância especial, no sentido de que contribuem diretamente
para a má prestação de um serviço público definido constitucionalmente como
essencial e relevante (CF, art. 197).
O recebimento ilícito de recursos do SUS, além de propiciar um dano
material direto equivalente ao enriquecimento dos réus, acarreta, portanto, também um
dano à sociedade, na medida em que esses mesmos recursos não estarão disponíveis
para aplicação efetiva e a contento em serviços de saúde para a população.
É um sentimento popular, aliás, aquele de que mais grave do que
lesar o patrimônio público ou particular é lesar justamente aqueles serviços
essenciais, que se destinam à parcela mais carente da população, como saúde,
educação, previdência e assistência social. A fraude, nesses casos, adquire ares
de crueldade.
A carência de recursos - gerada em grande parte por fraudes desse
gênero - propicia, ainda, um outro dano gravíssimo para a coletividade como um todo e
ao Poder Público em especial, consistente no descrédito da imagem do serviço
público de saúde.
Nessa vertente encontra-se o Poder Público como o prejudicado
imediato, pois é o seu serviço que passa a merecer o descrédito da população, embora
mediata e inafastavelmente seja a própria sociedade a lesada.
Por outro lado, é a imagem do Estado que fica desprestigiada quando
particulares enriquecem-se ilicitamente mediante fraude a um sistema destinado
200
constitucionalmente para a prestação do serviço público de saúde. O serviço público,
já tão combalido, tem sua imagem imensamente prejudicada. Como conseqüência, a
própria Constituição é desacreditada.
O esvaziamento da Constituição, por sua vez, atinge o próprio Estado,
seus agentes e a Nação, pois, como lembra J. J. GOMES CANOTILHO:
Hoje, no plano político-constitucional, a nação terá valor como elemento
simbólico de unidade, não no sentido de uma entidade mística, transpessoal e
integrativa de todos os membros do corpo social, mas no sentido de República
como 'operador de solidariedades concreta' entre os homens.
(...) Por sua vez, o Estado deixa de ser considerado como 'encarnação
de qualquer espírito objectivo' ou como sujeito superior, transcendente ou pré-
existente aos cidadãos, para se assumir como um princípio de ordenação e de
organização da colectividade nacional. A operação de simbolização através do
Estado consiste, assim, na transformação do Estado em significante ou
projecção da Nação0.
In specie, a imagem do serviço público de saúde é
indiscutivelmente afetada pela sangria de recursos que fraudes, da estirpe das
perpetradas pelos réus, acarretam.
E, embora essa lesão à imagem não provoque um dano patrimonial
direto (o serviço público de saúde é gratuito), gera indisfarçável prejuízo
extrapatrimonial coletivo. É despiciendo lembrar que o serviço é gratuito para o
consumidor, mas o dinheiro que o financia é retirado dos cofres da União Federal.
Em suma, os atos perpetrados pelos réus e relatados acima,
acarretaram danos extrapatrimoniais:
(a) difusos, na medida em que toda a população é prejudicada pelo
desvio de recursos destinados ao sistema público de saúde, que, privado dessas
valiosas e escassas verbas, acaba prestando serviços de pior qualidade; bem como
pelo descrédito dos preceitos constitucionais que asseguram atendimento universal,
gratuito e integral à população;
0 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed., Coimbra: Almedina, 1993, p. 104; grifosausentes no original.
201
(b) à UNIÃO, enquanto gestora e financiadora do Sistema Único de
Saúde, por decorrência do prejuízo à sua imagem de prestadora do serviço público de
saúde;
São, pois, danos passíveis de reparação através de Ação Civil Pública,
alguns, inclusive, na sua espécie Ação de Improbidade.
DO REQUERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DA TUTELA
Não se obnubilar que o deslinde final de uma demanda como a
presentemente apresentada costuma, por maior que seja a boa vontade desse MM. a
quo e dos Srs. Membros dos Tribunais, delongar muito. Anos a fio se passarão, até que
finalmente transite em julgado sentença condenatória.
Esse tempo, provavelmente, transcorrerá sem maiores percalços para
os Magistrados e Membros do Ministério Público que vierem a oficiar no feito. Todavia,
para os recursos públicos atinentes ao SUS – e, portanto, concernentes a um dos mais
vitais bens jurídicos existentes – há imensa possibilidade de serem tenebrosos.
Com efeito, restou cabalmente demonstrado que, senão dolosamente,
ao menos culposamente deram os demandados que figuram da segunda à última
posição nesta inicial a várias fraudes, bem como a vulnerações a regras basilares do
sistema único, a exemplo da gratuidade e da universalidade. Em um panorama desses,
aguardar o final do feito pode implicar rombo ainda maior no já combalido Erário
Público, sem contar com a probabilidade de repetição de atos de improbidade, a
exemplo da denegação do atendimento.
Imperiosa se faz a concessão de antecipação parcial da tutela de
mérito, para, desde logo ou, no máximo, após o juízo de admissibilidade da presente
actio, arredar da administração do primeiro demandado, hospital credenciado junto ao
SUS, os demais acionados.
Da leitura desta exordial, bem como dos documentos que
copiosamente instruem o procedimento administrativo anexo, exsurgem a
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verossimilhança da alegação e a prova inequívoca do fato, a qual, como assinala Teori
Albino Zavascki,
(...) deve ser interpretado no contexto do relativismo próprio do sistema de
provas. Como observou Calamandrei, “todas las pruebas, se bien se mira, no
son más que pruebas de verosimilitud. (...) Aun para el juez más
escrupuloso y atento, vale el límite fatal de la naturaleza humana: lo que
vemos, sólo es lo que nos parece que vemos. Na verdad, sino verosimilitud:
es decir, apariencia (que puede ser también ilusion) de verdad”. Assim, o que
a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta —, que sempre será
relativa, mesmo quando concluída a instrução — mas um prova sumária, que,
embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em medida segura, o juízo
de probabilidade do juízo de verdade0.
Existe, outrossim, fundado receio de dano irreparável ou de dificílima
reparação. Afinal de contas, como reparar, in natura, a saúde de alguém que se viu
cerceado no seu direito de ser atendido gratuitamente? E se vier a falecer no curso do
feito? Ou mesmo a cambiar o endereço, como achá-lo? E os danos extrapatrimoniais
coletivos? Todas essas perguntas sem respostas deixam claro o perigo que sofre o
bem jurídico tutelado, em caso de eventual não concessão do pleito antecipatório.
Isso sem contar com a lembrança de que o pleito ora formulado
carrega, em verdade, carga inibitória, uma vez que se volta ao impedimento da
repetição do ilícito. E, nas palavras de Marinoni,
(...) quando a inibitória é proposta para impedir a continuação ou a repetição
do ilícito, não há muita dificuldade para se demonstrar o perigo do ilícito.
Quando o ilícito anterior já foi praticado, da sua modalidade e natureza se
pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou
repetição no futuro0.
E, por fim, importa recordar, quanto à eventual irreversibilidade da
decisão, que a jurisprudência vem abertamente admitindo a ponderação, nesse caso,
dos bens jurídicos em conflito, e que o objeto da tutela, na presente ação, é a saúde
0 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. Sâo Paulo: Saraiva, 1997, p. 76.0 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2ª ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2000, p. 48.
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pública, ou seja, merecedora dos maiores encômios, devendo, por isso, prevalecer
frente a qualquer outro eventualmente subjacente.
Considerando-se tudo isso, não há como negar ser imperiosa a
concessão da tutela antecipatória parcial, para afastar os que figuram como réus nesta
peça, do segundo ao último nome elencado, de qualquer função ou cargo de
administração ou gerência no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Y, até o
trânsito em julgado do presente.
DOS PEDIDOS
Por todos os fatos e razões expostos, em especial a conclusão de que:
(a) os réus fraudaram o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE através da
cobrança de internações realizadas em pacientes particulares e através de cobrança
de internações a tratamentos meramente ambulatoriais;
(b) essas condutas ilícitas implicaram a ocorrência de danos materiais
à UNIÃO e morais à UNIÃO e à sociedade;
(c) todos os réus são solidariamente responsáveis por esses danos;
(d) a conduta dos réus pessoas-físicas caracterizou, ainda, a prática de
atos de improbidade na modalidade dos arts. 9º (enriquecimento ilícito), 10 (prejuízo ao
erário) e 11 (atentatórios aos princípios da administração pública) da Lei nº 8.429/92,
requer o Ministério Público Federal:
1. A notificação dos réus para, em quinze dias, na forma do art. 4o, § 7o,
da Lei n. 8.429 (com a redação dada pela MP n. 2.225-45, de 04 de setembro de 2001),
manifestar-se, e, após recebida a exordial, a citação dos réus para querendo, contestar,
sob pena de ser-lhe decretada a revelia;
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2. A citação (=chamamento, a fim de que, querendo, integrem a lide)
da União e do Município de Y, nos termos do art. 17, § 3o, da Lei n. 8.429/92;
3. A concessão da antecipação parcial da tutela de mérito, nos termos
anteriormente expostos em capítulo próprio;
4. Seja julgada a pretensão procedente, a fim de
4.1. condenar todos os réus, solidariamente, a:
a) reparar os danos materiais, em montante equivalente a todos os recursos
federais recebidos pelo réu Hospital Santa Casa de Misericórdia, à título de
internações pelo SUS (Súmula n. 43 do STJ), cujo valor ao tempo da realização
da auditoria somava R$ 11.281,55 (onze mil, duzentos e oitenta e um reais e
cinqüenta e cinco centavos), acrescidos de juros de mora no percentual definido
legalmente, desde o recebimento indevido, revertendo a indenização a favor do
fundo a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/85, com exceção daquela parcela a
ser revertida à União Federal no âmbito da responsabilização por improbidade
(art. 18 da Lei nº 8.429/92);
b) indenizar os danos extrapatrimoniais sofridos pelo UNIÃO FEDERAL, em
montante a ser fixado por Vossa Excelência, que se sugere de, no mínimo, igual
valor dos danos materiais por ela sofridos, revertendo a indenização ao fundo do
art. 13 da Lei nº 7.347/85, também com exceção daquela parcela a ser revertida
à União Federal no âmbito da responsabilização por improbidade (art. 18 da Lei
nº 8.429/92);
c) indenizar os danos extrapatrimoniais difusos e coletivos, em montante a ser
fixado por Vossa Excelência, que também se sugere de, no mínimo, equivalente
à condenação por danos materiais, a ser revertido ao fundo a que se refere o art.
13 da Lei nº 7.347/85;
d) pagar os ônus da sucumbência
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4.2. Condenar os réus AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, e II,
reconhecendo a prática de atos de improbidade, às cominações previstas no art. 12, II
(ou, em não sendo isso possível, III) da Lei n. 8.429/92.
5. A produção de provas, a exemplo do depoimento pessoal dos réus
listados da segunda à última posição nesta exordial, bem como a testemunhal (com rol
a ser ofertado oportunamente) e a pericial, além de outras que porventura se mostrem
necessárias no curso da instrução.
Dá-se à causa o valor estimativo de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
P. Deferimento,
Ilhéus, 03 de outubro de 2002.
ANDRÉ LUIZ BATISTA NEVES
Procurador da República
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