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1 CURSO DE FILOSOFIA ANTIGA Prof. Marcos Aurélio Fernandes UnB – Fil: 2019.1 TEXTO 1 1. PROPEDÊUTICA: ESCOPO, CARÁTER E MÉTODO DO CURSO. O escopo de nosso curso é introduzir na paisagem da filosofia antiga através de incursões hermenêuticas no pensamento originário e clássico dos gregos. Tentemos refletir esta afirmação. Escopo é objetivo, intuito, intenção, propósito, mas num sentido bem determinado, a saber, no sentido de aquilo que temos em mira 1 . É aquilo que, tendo em mira, nós almejamos, buscamos, sem perder de vista, observando atentamente, perscrutando. O escopo é aquilo para o que tendemos. Mas o que nosso curso tem em mira, a que ele tende? Introduzir na paisagem da filosofia antiga. Introduzir é levar para dentro, deixar e fazer entrar na familiaridade com a coisa em questão, ajudar a entender-se com ela. Só entendemos de uma coisa quando conseguimos nos entender com ela. A introdução 1 “Escopo” vem do grego (skopós). Esta palavra era usada tanto para alguém, aquele que observava, vigiava, supervisionava; quanto para coisas, significando aquilo que era observado, por exemplo, o alvo, a mira, o objetivo. Daí, na filosofia passou a significar “propósito” [Platão: Górgias, 507d; Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1119b 16, etc.]. Em grego há o verbo (skopéo): olhar, observar, contemplar, prestar atenção a, cuidar de; examinar, ponderar, refletir; buscar, pesquisar, aspirar a. Também há o verbo (sképtomai): olhar atentamente, perscrutar, examinar, considerar; refletir sobre.

CURSO DE FILOSOFIA ANTIGA · filosofia não é um saber específico, uma especialidade. A filosofia não é um conhecimento, uma ciência particular. Na universidade nascente havia

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CURSO DE FILOSOFIA ANTIGA

Prof. Marcos Aurélio Fernandes

UnB – Fil: 2019.1

TEXTO 1

1. PROPEDÊUTICA: ESCOPO, CARÁTER E MÉTODO DO

CURSO.

O escopo de nosso curso é introduzir na paisagem da filosofia antiga através de

incursões hermenêuticas no pensamento originário e clássico dos gregos. Tentemos

refletir esta afirmação.

Escopo é objetivo, intuito, intenção, propósito, mas num sentido bem

determinado, a saber, no sentido de aquilo que temos em mira1. É aquilo que, tendo em

mira, nós almejamos, buscamos, sem perder de vista, observando atentamente,

perscrutando. O escopo é aquilo para o que tendemos. Mas o que nosso curso tem em

mira, a que ele tende?

Introduzir na paisagem da filosofia antiga. Introduzir é levar para dentro, deixar

e fazer entrar na familiaridade com a coisa em questão, ajudar a entender-se com ela.

Só entendemos de uma coisa quando conseguimos nos entender com ela. A introdução

1 “Escopo” vem do grego (skopós). Esta palavra era usada tanto para alguém, aquele que observava, vigiava, supervisionava; quanto para coisas, significando aquilo que era observado, por exemplo, o alvo, a mira, o objetivo. Daí, na filosofia passou a significar “propósito” [Platão: Górgias, 507d; Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1119b 16, etc.]. Em grego há o verbo (skopéo): olhar, observar, contemplar, prestar atenção a, cuidar de; examinar, ponderar, refletir; buscar, pesquisar, aspirar a. Também há o verbo (sképtomai): olhar atentamente, perscrutar, examinar, considerar; refletir sobre.

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visa este entender-se com a coisa em questão. Mas, o que é a coisa em questão, em

nosso curso?

A coisa em questão em nosso curso, aquilo que buscaremos estudar e colocar

em discussão, é a “paisagem” da filosofia antiga. Mas, o que é uma paisagem?

Chamamos de paisagem, antes de tudo, um espaço entre o céu e a terra, que se abre e

se conserva aberto num lance de vista. Suponhamos que estamos caminhando perdidos

numa floresta que se assenta sobre uma serra. Vamos tentando abrir picadas na mata

cerrada. E, de repente, damos numa clareira. A clareira nos dá passagem. Não só. Ela dá

passagem também à luz. Nela reina a luz e sua claridade. Não só. Também o som e sua

claridade. Caminhamos por esta clareira e, de repente, nos damos com um mirante. Do

alto deste mirante nós vemos um vale. O vale se nos abre num lance de vista. E, aberto,

se nos mantém descoberto, dando-se a nós em vários e vários aspectos. Suponhamos

que resolvamos descer e percorrer aquela paisagem. Queremos descobri-la mais de

perto. Para isso, vamos fazendo incursões em meio a ela, abrindo caminhos nela, até

chegamos a nos deter nela, a acampar nela, sim, chegamos mesmo a nos deter nela, a

morar, a conviver com ela, na passsagem dos dias, das estações, etc. Com o tempo, nós

já não vemos a paisagem. Morando nela, nós a sentimos em nós. Nós e ela vamos nos

tornando um. Nós nos tornamos gente daquela paisagem e aquela paisagem vai se nos

tornando nosso país. País é região que se abre assim, no habitar humano. Mas o habitar

humano se dá como cuidado. É cuidando daquela paisagem, daquele pais, cultivando-o,

construindo nele nossas moradas e nossas edificações, e, ao mesmo tempo, deixando-

o se impor no seu vigor nativo, selvagem, que a gente vai aprendendo a habitá-lo.

Pois bem. Pensemos numa “paisagem” do pensamento de “filosofia antiga”. É

todo um país, isto é, toda uma terra e todo um mundo. O nosso curso convida a fazermos

incursões nesta paisagem. Você pode querer fazer um voo panorâmico sobre ela. Mas

isso não vai lhe permitir conhecer de fato a ela. É habitando nela que ela vai se lhe tornar

conhecida. Você pode decidir frequentar os habitantes dela e conversar com eles. Você

pode fazer visitas rápidas e sair com algumas impressões deles. Mas você também pode

optar por por frequentá-los assiduamente e conversar muitas vezes e por bastante

tempo com eles. Pois bem, nosso curso será tanto mais bem sucedido quanto mais você

se dispuser a frequentar assiduamente e até mesmo a habitar com os habitantes desta

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paisagem. As nossas incursões podem ter algo de “turismo” ou de “visita guiada”. Mas

pode também ser apresentações de possibilidades de convívio, de conversa, no

exercício assíduo do pensamento.

A “paisagem, o país, em questão”, no nosso curso, é a “filosofia antiga”.

Entretanto, imediatamente nos vem a pergunta: o que é isto – a filosofia? Ao colocar

esta pergunta, nós somos postos diante de um grande desafio. O tema da pergunta – o

perguntado nela: o que é a filosofia, seu ser, isto é, sua essência – é muito amplo,

extenso. Por ser amplo, é indeterminado. Por ser indeterminado, nós podemos, na

resposta, dizer muitas coisas que são corretas sobre a filosofia, mas que não conseguem

desvendar a sua essência. Nossa resposta ficaria dispersa e sem penetração no

essencial. Para que isso não aconteça, convém concentrar-nos na pergunta,

determinando-a melhor. Assim a nossa discussão toma um rumo. Ganha um caminho.

Aqui e agora nós propomos um caminho investigativo. Não temos a pretensão

de ser o caminho. É apenas um caminho. Nós homens somos seres a caminho. Somos

travessia, como recorda o Grande Sertão: Veredas. É em sendo travessia que o homem

se abre ao real, às realizações, à realidade. Parece-nos oportuno nos recordar também

do que disse Guimarães Rosa certa feita em algum lugar: “o real não está na saída nem

na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Assim também é nosso

relacionamento com a filosofia: o que ela é, sua realidade e sua natureza, só se dispõe

para nós é no meio da travessia, à medida que vamos caminhando nela. E, na filosofia,

como de resto em toda a realidade da vida, encontrar um caminho, nem que seja

pequeno, estreito, pobre, é já uma grande alegria. Que nos seja permite lembrar de

novo uma passagem do Grande Sertão: Veredas: “Mas liberdade – aposto – ainda é só

alegria de um pobre caminhosinho, no dentro do ferro das grandes prisões. Tem uma

verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o beco

para a liberdade se fazer”2.

Segundo a nossa finitude, nos é possível caminhar cada vez apenas um caminho.

Oxalá cada um encontre o seu caminho. Aqui e agora buscamos um caminho para pôr a

pergunta: o que é isto – a filosofia? Buscamos, na verdade, um caminho que nos conduza

2 Rosa, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas (18ª ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 286.

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para o essencial da filosofia. Um caminho que não nos permita falar sobre a filosofia,

isto é, por cima dela, por fora dela, mas um caminho que nos permita falar a partir da

filosofia mesma, nos movendo dentro dela.

Usualmente, nós falamos da filosofia como de uma ciência entre as outras

ciências. Na universidade, por exemplo, a filosofia está presente como uma ciência entre

outras ciências. Está presente como uma disciplina que se ensina. Está presente como

um curso ou um faculdade. Quando a universidade surgiu, na Idade Média, a faculdade

de filosofia era uma faculdade básica (coincidia com a faculdade de artes – leia: artes

livres ou liberais). Era o coração da universidade dos estudos (universitas studiorum). É

que não bastava reunir a diversidade dos mestres e aprendizes na unidade de uma

instituição escolar superior (universitas magistrorum et discipulorum)3. Para que a

universidade fosse de fato universidade dos estudos, isto é, a diversidade dos estudos

reunida, a filosofia era fundamental. Era ela que dava a universidade ser universidade,

isto é, uma instituição em que o saber se reunia em sua universalidade. Não bastava à

universidade ter as faculdades de medicina, direito, teologia... era preciso que a filosofia

estivesse presente, e que o médico, o juiz, o teólogo, em formação, a estudasse. A

filosofia não é um saber específico, uma especialidade. A filosofia não é um

conhecimento, uma ciência particular. Na universidade nascente havia a ideia (o ideal?),

de que todo o saber específico, toda a ciência ou arte particular, deveria ser in-formado

(a) pela filosofia. Só assim o estudo, o trabalho intelectual, universitário, seria de fato

universal (sem ser geral!). Um indicío disso está no fato de que em muitas universidades

de língua alemã ou inglesa os título de “Dr. Phil.” (doctor philosophus) ou “PhD”

(philosophiae Doctor) indica o mais alto nível de formação acadêmica. É que sem

filosofia não há estudo acadêmico em sentido essencial, pleno e próprio, e a

universidade não é senão uma organização burocrática de produção de conhecimentos

parciais. Sem a filosofia, a universidade é apenas agenciamento da produção de

conhecimento, não é lugar do saber, pois saber é, em sentido rigoroso, outra coisa do

que conhecimento. Saber é a salvaguarda da relação do homem com a abertura e a

manifestação do todo do real, das realizações, da realidade.

3 Universidade dos mestres e aprendizes.

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Nós vivemos na época da ciência. Isto quer dizer: a nossa época é científica em

sua essencialização. É a ciência que determina o ser e a verdade do ente (do real). É o

meio em que se faz a experiência e se entende o sentido de tudo o que é. Ciência é o

elemento (medium) em que se decide o destino da história humana. É a forma que

informa toda a nossa compreensão e avaliação da realidade. Ela determina o sentido de

ser do que somos e do ser que não somos. Decide a concepção de verdade em que nos

movemos e existimos. Decide também da concepção de linguagem: esta se torna, na

época da ciência, informação. Decide ainda da concepção de pensamento: este se torna,

na época da ciência, cálculo.

Nós vivemos na época do conhecimento científico (metódico, sistemático, exato

e de validade universal). Não do saber. Vivemos na época da informação. Não da

formação. Do cálculo, não da meditação. Conhecimento e informação andam de mãos

dadas. Saber e formação também. Mas de há muito nosso ensino já não tem lugar para

o saber, para a meditação e para a formação. Um conhecimento isolado de algo

particular nunca é saber (tomamos a palavra “saber”, aqui, em sentido forte). O saber

é, de algum modo, uma relação com a manifestação do todo, uma penetração do todo

manifesto, em seus nexos de fundamentação, etc. Na modernidade, a ciência foi

perdendo o seu caráter de saber, para ir tomando a feição de produção de

conhecimento (objetivo-funcional). Trata-se de um conhecimento cada vez delimitado

de um setor ou de um campo de objetos.

Ciência é, assim, em nosso tempo, conhecimento positivo (do que está posto,

dado na realidade), objetivo (posto como o que é representável ou representado),

particular (sempre se refere a uma parte do real – a um setor ou campo de objetos). O

conhecimento científico sempre opera, neste sentido, com um recorte do real,

circunscreve e fixa o que, partindo do todo do real (da realidade), pode ser posto como

objeto temático de investigação. A penetração neste campo, nos nexos de

fundamentação do objeto, é um processo metódico. O mundo do conhecimento não

celebra a vitória da ciência (no sentido de saber), mas a vitória do método sobre a ciência

(no sentido de conhecer). Método não é, aqui, mero procedimento e instrumento de

pesquisa, que se volta para objetos já dados. Método é a constituição dos próprios

objetos em sua objetualidade (se é que se possa falar, ainda de objetos, neste momento

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da nossa história). Como filosofia não é conhecimento positivo-objetivo de um campo

delimitado do real, ela permanece estranha à ciência.

Ciência, em tempos modernos, não é a busca da essência (do “o que” – da

estrutura fundamental do ente em questão), mas é apenas a investigação da aparência

(do contexto fenomênico do setor em questão), e, nisso, do “como” e do “por que”. O

que aparece é tomado não como substância (ser em si e por si), mas como relação (ser

para outro). É, cada vez, um contexto de relações. Este contexto tem assim o caráter de

sistema. Sistemático é também o conhecimento deste contexto. Ciência já não é teoria

no sentido de contemplação, especulação. A teoria tem um caráter de modelo

explicativo, funcional. É instrumento de exploração do real. Ciência não é saber no

sentido de contemplação. Ciência só é saber no sentido de operacionalização do

domínio técnico do homem sobre o real (um “saber-como” – Know How). A ciência tem

um escopo técnico. Ela é o conhecimento a serviço da técnica. No mundo da técnica, o

homem busca em tudo, em toda a parte, a todo o tempo, poder, controle, segurança.

Nesse tempo, em que a filosofia se dissolveu em várias ciências independentes e

autônomas, ou seja, em que as ciências se emanciparam e se autonomizaram em

referência à filosofia; em que elas se multiplicaram e se diversificaram ao extremo; a

única forma de articulação delas é dada pela sua tendência básica, técnica. Por isso,

neste contexto, não a filosofia, mas a cibernética, pode se pôr como base das ciências.

Cibernética é a teoria que serve ao controle do controle de todo o real. No tempo da

cibernética, a linguagem se torna mera informação. As antigas artes, as ciências, se

tornam instrumentos controlados e controladores de informação. Na educação

universitária já não vigora a formação. Formação é mais do que adestramento técnico.

Formação é a orientação fundamental do ser inteiro do homem no todo do ente, ou

melhor, na totalidade do ser (se quiser: na realidade do real e de suas realizações). Esta

orientação de há muito se encontra confusa e perdida. E a “educação”, que não

consegue ser formação, mas apenas informação e adestramento técnico, para atuação

em determinados setores da atividade humana, funcionalizada e instrumentalizada,

perde seu potencial libertador. Os homens vão se tornando mais animais espertos e

expertos em funcionalidades, em especialidades, em particularidades, mas

desorientados no todo. O todo, aliás, vai se tornando um deserto: lugar do inóspito, do

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intransitável. Um vazio vazio. O homem de hoje vai sendo obrigado a caminhar nesse

deserto, desprovido de rumos e referências. Ou, se quisermos outra imagem, o todo vai

se tornando um mar (“modernidade líquida”?), onde tudo é fluído, mutável,

impermanente, onde a impermanência é cada vez mais rápida, etc. E toda a busca, sim,

a obsessão do homem atual pelo controle, pelo poder e pela segurança, dá em nada. No

nada da violência – que já não é apenas atos, mas estado, disposição permanente,

constante, habitual, modo de ser e de viver –; portanto, no nada negativo, destrutivo,

aniquilador.

A filosofia não é ciência. Esta tese quer dizer: a ciência não é um gênero e a

filosofia uma espécie deste gênero, assim como cor é um gênero e o vermelho é uma

espécie dentro deste gênero. Tentar entender a filosofia a partir da ciência é inviável.

Mas não vice-versa: o único modo de se entender a essência da ciência é a partir da

filosofia. A ciência não pode pensar a si mesma nem à realidade do real que ela, objetiva

e funcionalmente, estuda. Quando nos pomos a pensar a essência de uma ciência (ou

da ciência em geral) e daquele que ela estuda, já não realizamos ciência, filosofamos.

A filosofia não é ciência. Ela não é produção de conhecimento ôntico, positivo,

objetivo, funcional, técnico4. Dessa diversidade entre filosofia e ciência resulta um

estranhamento:

Na Froehliche Wissenchaft, Gaia Ciência, diz Nietzsche que a filosofia vive nas geleiras das altas montanhas, tendo por única companhia o monte vizinho, onde mora o poeta. No país da ciência, a filosofia aparece como uma montanha solitária, envolta numa luz marginal. Por isso, toda vez que ela desce da montanha, tem que exibir o passaporte de suas credenciais. Tem que justificar o direito de seu aparecimento. E há mais de dois mil e seiscentos anos, sempre que a filosofia apresenta as suas credenciais, se repete uma cena tragicômica. À luz de seu espectro ela se descobre a si mesma no fundo de cada ciência, enquanto o olho indagador da ciência,

4 Neste sentido os esforços de Descartes, Kant, Hegel e Husserl, que almejam a filosofia como “mathesis universalis” (saber universal), como crítica da razão, como vontade de saber, como busca da “ciência rigorosa” precisariam ser entendidos diversamente do que no sentido de constituir a filosofia como ciência em sentido usual. Ciência, aí, tem muito mais a ver como o saber, no sentido do relacionamento clarividente do homem com a abertura e a manifestação do todo, do que com o conhecer, no sentido do conhecimento objetivo-funcional, ôntico, particular.

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que, vendo tudo, não vê a si mesmo, é cego para seus próprios fundamentos. Por isso mesmo, só pode rir das credenciais da filosofia.

Já no primeiro aparecimento da filosofia entre os gregos no século VII antes de Cristo esse impasse de incompreensão é testemunhado por uma história, que Platão recolheu e nos conservou no diálogo Teeteto (174 a): “Tales de Mileto refletia certa vez sobre o significado dos astros para a existência e, olhando para o céu estrelado, caiu num buraco. Uma doméstica da Trácia, bela e galhofeira, dele riu e o gozou, dizendo: aquele ali se preocupa tanto com o que se passa no céu, enquanto não tem olhos para ver o que tem diante do nariz e debaixo dos pés”. – Platão acrescenta ao relato dessa história as palavras significativas: “à mesma gozação está sujeito todo aquele que se dedica à filosofia”! Assim, desde suas origens, a filosofia se vem apresentando como o esforço de pensamento que traz consigo o risco de cair num buraco e do qual as domésticas sempre riem!5

A filosofia é um saber inútil. Os que riem da inutilidade da filosofia têm razão.

Confessa-o Roger Bacon, no seu Opus Maius: “Si bene inspicis, philosophia nullius est

utilitatis” – Se examinas bem, a filosofia não é de nenhuma utilidade. Com a filosofia

não se pode fazer nada. Por outro lado, não têm razão. Dizer que algo não é útil não

significa dizer que ele é inútil (que não presta), nem que não tem importância, não é

bom. O não útil não é sempre o mero inútil (aquilo de que se espera uma utilidade e que

não cumpre esta expectativa, como, por exemplo, um computador que não está

funcionando). O não útil pode ser também o desútil, para usar uma feliz expressão do

poeta Manuel de Barros, usada em seu “Livro sobre Nada”. O poeta de chama de “nada”

“tudo que use o abandono por dentro e por fora” (p. 7). Ele tem em mente a

“desutilidade poética”, o “dessaber” (p. 11). Diz: “Meu avô sabia o valor das coisas

imprestáveis”. E pergunta: “Seria um autodidata?” Responde: “Era o próprio indizível

pessoal” (p. 27). De si mesmo atesta: “Trabalho arduamente para fazer o que é

5 Leão, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a Pensar I: o pensamento na modernidade e na religião. Teresópolis-RJ: Daimon Editora, 2008, p. 12-13.

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desnecessário” (p. 41). “Nasci para administrar o à-toa / o em vão / o inútil” (p. 51). E

toma isso como uma experiência de religiosidade: “Todas as coisas apropriadas ao

abandono me religam / a Deus. / Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!” (p. 57). E

de seu ofício de poeta diz: “Eu fiz o nada aparecer” (p. 63). E adverte ao mundo de hoje,

que só dá importância à abundância de coisas, de algos: “perder o nada é um

empobrecimento” (p. 63). Lendo estes dizeres poéticos de Manuel de Barros,

entendemos porque o Nietzsche da Gaia Ciência diz que o poeta mora numa montanha

ao lado de outra montanha solitária: a geleira da filosofia. O poeta tem um sentido para

o nada.

Um sentido para o nada, para o desútil, tinha também o sábio chinês Chuang Tzu.

Hui-tzu disse a Chuang-tzu: “Você fala do desnecessário”. Chuang-tzu falou: “primeiramente carece de alguém reconhecer o desnecessário, antes de poder falar com ele do necessário. A terra é larga e grande, e, no entanto, o homem carece, para ficar de pé, só daquele tanto de lugar necessário onde ele põe o pé. Porém, se, ao lado dos pés, se lhe arrancasse toda a terra, abrindo-se para ele um abismo, aquele tanto de lugar ainda lhe seria útil? ”. Hui-tzu falou: “não lhe seria mais útil”. Falou, então, Chuang-tzu: “daí resulta com clareza a necessidade do desnecessário, do não-útil”.

Para o homem atual, que vive num mundo cheio de objetos, de máquinas, de

dispositivos, de informações, encontrar-se com a filosofia, e com a filosofia grega, é uma

tarefa difícil. Falta-nos o sentido do ser e do nada. Falta-nos a necessidade do

desnecessário. Carecemos do sentido da importância do não útil (do inútil, do desútil).

Daí, o primeiro requisito para visitarmos o país da filosofia grega é o de nos despir de

toda a abundância e autosuficiência, de toda a potência e prepotência (no sentido da

hybris) do homem atual – que todos nós, de alguma maneira, somos. É preciso ir ao país

da filosofia grega não para tomar informações, para conhecer e dominar, mas para

aprender a pensar. Quando estudamos para conhecer e dominar, buscamos

informações que nos tornam ricos e poderosos, para nos assegurarmos mais, para

termos mais. Quando estudamos para aprender a pensar, nos dispomos a nos esvaziar

e a desaprender, para mais nos arriscarmos a ser mais.

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Hoje, ao ouvirmos que filosofia não é ciência, somos impulsionados a achar que

filosofia seja, então, visão de mundo, e seus epifenômenos, a saber, convicção ou

concepção de vida, ideologia, persuasão, doutrinação ideológicas (enquanto técnicas de

processamento dos fenômenos sociais). Visão de mundo (Weltanschauung) é algo assim

como uma concepção global, em si unitária, sobre a estrutura, o fim, o sentido, o valor

do conjunto do mundo. Este conceito surgiu na Alemanha, no contexto do romantismo.

Dilthey foi o filósofo que dedicou especial atenção ao conceito e à coisa mesma que nele

está em questão. Ele viu que na visão de mundo há sempre uma conexão íntima de

experiência de vida e imagem de mundo e, que, igualmente, nela há sempre uma

tendência para um ideal de vida. Os componentes da visão de mundo são: imagem do

mundo, experiência de vida, estimativa e ideal de vida e de realidade, concepção de

valor e de fim, determinação da vontade. Estes componentes têm diversas

proveniências e são de caráter diverso. Dilthey os estudou na perspectiva psicológica:

em referência ao conhecer, ao sentir e ao querer. Ela é um modo como o homem se

relaciona com o todo do real. Ela é uma compreensão e uma interpretação do mundo.

A historicidade perpassa toda este modo. Dilthey falou de uma visão de mundo religiosa,

de uma visão de mundo poética, de uma visão de mundo filosófica. Segundo ele, a visão

de mundo filosófica teria alguns traços peculiares: tendência a uma validade universal,

caráter imperativo-reformador em referência à vida real, a partir de conceitos e não a

partir da imaginação, etc. A visão de mundo filosófica, para ele, é, fundamentalmente,

metafísica.

Não só as diversas visões de mundo são históricas. A própria visão de mundo é

um fenômeno histórico bem determinado. É um fenômeno moderno. Nem os gregos

nem os medievais tiveram “visão de mundo”. Os gregos cultivaram um saber do todo –

que eles chamaram de (kósmos). Os medievais também cultivaram um saber

do todo – que eles compreenderam como ordo (ordem), mas propriamente, como

ordenação das coisas criadas. Mas aquilo que veio a se chamar de “Weltanschauung”

(visão-de-mundo ou mundividência) é um fenômeno tipicamente moderno. É um traço

fatídico da condição do homem moderno.

Visão de mundo é algo típico do homem moderno. É um fenômeno histórico de

nossa época. Visão de mundo acontece, quando o mundo se torna, ele mesmo, imagem.

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Na modernidade, o mundo como tal vira imagem. Isto significa: que o todo do ente, o

real, passou a ser configurado a partir da representação de um ego cogito; que o real

como tal e como um todo se apresenta, projetando-se na perspectiva da objetualidade;

que o mundo que se nos presenta e apresenta acaba se deixando representar como

conjuntura objetivo-funcional, como sistema. É na época do mundo-sistema que a visão

de mundo se impõe. O sistema é o mundo para o homem-sujeito, o homem cuja

humanidade é determinada pela subjetividade, seja como a subjetividade do ego

(egoidade), seja como a subjetividade do nós, da comunidade, da sociedade

(intersubjetividade). Mundo como imagem é mundo como sistema, como instalação que

se instaura na relação sujeito-objeto, ou, para além disso, na perspectiva da

funcionalidade técnica, exploradora do real. O (kósmos) grego não era mundo-

sistema; também não o era o ordo (ordem) do ens creatum (ente criado) dos medievais.

Neste sentido, nem os gregos nem os medievais viveram as suas vidas no horizonte de

algo assim como “visão de mundo”.

A visão de mundo tem caráter ôntico e positivo. É um modo de relacionamento

com o ente (o real), mas não enquanto ente, isto é, um modo de relacionamento que

não põe em questão, pelo exercício do pensamento, o ser do ente (a realidade do real).

Na visão de mundo, o todo do ente é tomado como algo dado, posto (positivo),

inquestionado e inquestionável. Nela, o ser não vem ao questionamento. Permanece no

esquecimento. Neste sentido, em seu caráter ôntico e positivo, a visão de mundo está

mais próxima da ciência do que da filosofia. Por outro lado, enquanto o que está em

causa, na visão de mundo, é o todo do ente e o modo como o homem se põe e se ergue

e se orienta no todo do ente, a visão de mundo tem certa proximidade com a filosofia.

Assim como é equivocado falar de “filosofia científica” (partindo do conceito de

ciência como conhecimento objetivo-funcional ôntico-positivo), também é equivocado

encarar a filosofia como visão de mundo. Com isso capta-se uma semelhança, deixando-

se escapar a dessemelhança. Tanto a filosofia quanto a visão de mundo concernem ao

mundo, melhor, ao ser-no-mundo do homem, à sua transcendência. A transcendência

do ser-no-mundo é ôntica, isto é, ela é a abertura do relacionamento do humano do

homem com o ente no todo. A visão de mundo se funda nesta transcendência ôntica.

Mas a visão de mundo permanece um olhar ôntico para com o todo do ente (o real). Ela

12

não o visa na perspectiva do ser do ente (o ente enquanto ente), isto é, no interesse da

questão do ser, da compreensão ontológica. Na visão de mundo se dá uma

compreensão pré-ontológica, isto é, uma compreensão prévia do ser. Entretanto, esta

compreensão é operativa, não temática. E se é temática, não é teorética.

Além disso, há diferença entre a atitude da visão de mundo e a da filosofia com

o todo do ente. A visão de mundo busca amparo, segurança (assim como a ciência e a

técnica), no ente. Já a filosofia se arrisca no questionamento e no pensamento do ser.

Visão de mundo busca a solidez da convicção. Para a filosofia a convicção consolidada

da visão de mundo é, antes, um obstáculo na busca da verdade. Visão de mundo busca

tomar posição no todo do ente (do real). A filosofia questiona toda a suposição e

pressuposição, regressando ao abismo do ser (da realidade). Para o Pensamento, que

funda a filosofia, amparo, abrigo, não está segurança que o homem encontra junto ao

ente, quer junto ao ente que ele não é, no domínio das “coisas”, quer no ente que ele é

(autoasseguramento). Por conseguinte, a filosofia não se relaciona de modo positivo

para com o ente enquanto este ou aquele, pondo-o (como objeto de domínio),

instalando-se nele. A filosofia se expõe ao ente, ao ser. É na ousadia e no risco desta

exposição que ela se torna o que ela é e se consolida. A filosofia considera o ente

enquanto ente, isto é, na perspectiva do ser, abrindo-se à sua imensidão, sondando o

seu fundo-abismo, co-nascendo com sua originariedade. Como o ser não é nada de ente,

considerado a partir do ente (do que é, do que está sendo), o ser é tomado como nada.

Neste sentido, a filosofia é negativa. Ela é a recondução do pensar ao nada (ser como

não-ente).

A visão de mundo direciona a experiência da vida a um caminho e a um âmbito

que se fecha ao questionamento ontológico da filosofia. A visão de mundo impede uma

experiência originária do ente enquanto ente. A filosofia, ao contrário, abre uma

experiência originária. A visão de mundo é fim. A filosofia é princípio. A visão de mundo

não quer ser ultrapassada e superada enquanto tal. Já a filosofia tem no seu bojo a

tendência para ser superada e ultrapassada, na direção de outro princípio, de outro

pensar. A visão de mundo é uma “atitude total” que se endurece em forma de

“convicção” e, assim, se fecha ao questionamento e à meditação do pensamento, à

coragem da busca do sentido de ser de tudo que é.

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A filosofia é uma atitude que se diferencia fundamentalmente da atitude da

cotidianidade. Ela se diferencia do senso comum. O senso comum é aquela orientação

que o homem toma, de modo ordinário, cotidiano, a partir de uma situação já

interpretada, de um um mundo já constituído. Para a filosofia, tudo está por interpretar,

e toda a interpretação já dada há que ser sempre de novo posta à prova, sondada em

seus pressupostos. O senso comum é tomada de posição. A filosofia é pensar as

suposições em que se plantam as posições e suposições, tanto as alheias quanto as

próprias. O senso comum é o modo como enfrentamos os fatos imediatos, como

resolvemos os problemas propostos pelos mais diversos interesses. É a orientação no

mundo já constituído, no sentido de um enfrentamento imediato (sem prévia discussão)

dos fatos e dos problemas imediatos. É um modo de ser constituído, idêntico consigo

mesmo, uma atitude total não cambiante no trato com a realidade. É um modo habitual

e irrefletido de julgar, compartilhado, comumente sentido, por toda uma classe, por

todo um povo, por toda uma nação, ou por todo o gênero humano (neste sentido é que

este senso é comum). O senso comum é uma orientação prática, não teorética. Não

cuida de argumentar, fundamentar, criticamente a si mesmo. Por isso, o senso comum

não pode ser erigido em critério para a discussão das questões filosóficas.

A partir da visão de mundo em que se move a compreensão do homem de início

e na maioria das vezes, no cotidiano, na discussão do que está na “ordem do dia”, a

filosofia se mostra como algo difícil, inacessível, abstrato, não natural, violento. Aparece

como uma “eversio generalis” (uma eversão geral – alusão a Descartes), como o “mundo

de cabeça para baixo” (alusão a Hegel). A filosofia não só inverte, mas também everte,

o modo de consideração usual do homem, a racionalidade do são entendimento, do

senso comum. Parece dizer que tudo, no fundo, é diverso do que costumamos achar

que é. Vista do ponto de vista da visão de mundo, a filosofia é chocante. Ela aparece

como desmascaradora, irônica, etc.

A visão de mundo tem a ver com a busca de abrigo do homem, de amparo, no

ente (no real). Neste sentido, a visão de mundo é para o homem moderno, o que o mito

para o homem arcaico. No entanto, de início e na maioria das vezes, a visão de mundo

se degenera e se defasa em mero empreendimento, agenciamento, funcionamento, que

visa processar os fenômenos humanos. À tecnologia de processamento dos fenômenos

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humanos, sociais, que se dá no horizonte de um ideal (dever-ser) e que se apoia num

ideário (conjunto articulado de ideias, isto é, de ideiais e valores) chamamos de

ideologia. Neste sentido, ideologia é a mecânica do processamento e da construção do

mundo social6.

A filosofia, à medida que exige uma “eversio generalis” (Descartes) do modo de

considerar e representar o real operante no ordinário, no cotidiano, ou seja, na medida

em que exige uma guinada, uma reviravolta, da mente (Hegel), tem um caráter

revolucionário. A figura do pensamento filosófico moderno é caracterizada em boa

medida por este traço revolucionário. Nesta época, a filosofia quer se tornar

revolucionária. Ela quer chegar a uma presentação e apresentação do mundo, que

aconteça desde o fundo de novo fundamento, e em uma nova luz. Ela quer pôr as coisas

humanas, o mundo histórico, em uma novo estilo unitário, não ainda pensado. A

filosofia, assim, impele os homens, de um movo agressivo e ativo, para a necessidade

de uma transformação concreta do mundo, no sentido de uma nova interpretação do

6 A palavra “ideologia” foi um neologismo criado, a partir do grego, na França, por Destutt de Tracy para designar a filosofia sensualista de Condillac (1801). Ao ser criada, a palavra “ideologia” significava a ciência que tem por objeto o estudo das ideias – sendo estas entendidas em sentido sensualista, isto é, como fatos de consciência. Stendal e Taine usaram a palavra não tanto no sentido psicológico, como Destutt de Tracy, mas no sentido lógico: tratado das ideias – no sentido do pensado do pensar. Destutt de Tracy, junto com Cabanis, Volney, Garat, Danou, formavam um grupo filosófico e político. Destutt de Tracy usava a palavra “ideologista” para dizer aqueles que se ocupavam com a “ideologia”. Já a palavra “ideólogo” foi cunhada com uma conotação pejorativa (Napoleão, Chateaubriand). A palavra foi usada em seguida no sentido de “convicção de uma verdade referida a grupos, concebida institucionalmente, que não deve sua força a razões de verdade, mas a interesses práticos” (Lübbe). Por extensão, passou a ser usada no sentido de doutrina que inspira ou parece inspirar um governo ou um partido. Marx usou o termo para designar toda classe de visão de mundo, como também o conjunto de religião, direito, arte, em parte também, ciência, de uma determinada sociedade e época, que, enquanto fenômenos sem conteúdo substancial de verdade, só são epifenômenos das respectivas condições econômicas e dos interesses da classe dominante. Ideologia seria o modo de consideração que crê desenvolver-se sobre seus próprios dados, mas que é, na realidade, a expressão de fatos sociais, particularmente, de fatos econômicos, de que aquele que a contrói não tem consciência, ou, pelo menos, não percebe que determinam o seu modo de considerar e de representar o real. A ideologia seria, então, um modo de considerar o real, através de um conjunto de ideias, conduzido por uma consciência falseada. As forças motrizes que motivam este modo de consideração e representação do real ficam ignoradas. O marxismo encarou a ideologia como “superestrutura”, a “infraestrutura” seria as condições econômico-sociais de produção, força motriz da história. A filosofia teria o papel de ser crítica da ideologia. Norberto Bobbio falava de um significado “fraco” e de um significado “forte” da palavra ideologia. No seu significado fraco, “ideologia” designa o genus (gênero) ou a species (espécie) do sistema de crenças políticas: um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes. Neste segundo sentido, há uma ênfase no caráter de falsidade: ideologia como crença falsa. Nele, se ressalta o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política.

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ente no todo (o todo do real). Por e para ser revolucionária, a filosofia se torna, assim

crítica. A filosofia tem que ser, por si mesma, “crítica”. Ela quer ser crítica de si mesma

e de tudo o mais.

A filosofia contemporânea, pós-hegeliana, acentua a ênfase deste traço. Na

perspectiva deste caráter revolucionário, a filosofia quer se pôr como fundamento de

uma intenção de transformação do mundo. Esta pretensão se compreende como

universal (não se entende como restrita a determinados problemas sociais ou políticos).

Não raro, na época moderna, das filosofias são retiradas visões de mundo e ideologias,

que atuam no âmbito político, técnico, econômico, etc.

Os “Hegelinge” (jovens hegelianos)7 viram em Hegel o fim da filosofia. Arnold

Ruge encarou a filosofia de Hegel como die letzte aller Philosophien überhaupt (a última

de todas as filosofias em geral). Depois de Hegel, já não se poderia filosofar como antes.

Em vez de fazer filosofia, era preciso fazer história. É a partir da história e da sua

facticidade que soam palavras fundamentais da filosofia pós-hegeliana e que, não raro,

vibram como palavras de ordem: “realidade” (Wirklichkeit), “práxis”, transformação

(verändern), “político” (politisch), “existência” (Existenz), etc. Nesta perspectiva, a

realidade é, fundamentalmente, o mundo histórico, político-social. A realidade é o

mundo histórico dos homens em produção. Estes – os homens em produção –

constituem o novo sujeito da história. Já não o Espírito, o sujeito da história. É a

sociedade, isto é, o homem sócio, que produz em sociedade. A subjetividade deste

sujeito não para ser representada pela reflexão do Espírito, é para ser produzida pelas

relações de produção dos sócios, isto é, dos homens em sociedade.

A realidade do real é, para os homens de hoje, o desenvolvimento econômico, e

a armação que ele requer. Em torno desta realidade, lutam individualismo e socialismo.

Ambos são decorrências de posições filosóficas. Um, o individualismo, parte da

concepção de que o indivíduo é a última instância da realidade e da natureza humana;

o outro, o socialismo, entende que esta última instância é a sociedade e que o indivíduo

está obrigado a esta e suas demandas e exigências. A luta política torna visível esta

7 Heinrich Heine, Arnold Ruge, Ludwig Feuerbach, Max Stirner, Bruno Bauer, Moses Hess, Sören Kierkegaard, Karl Marx.

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confrontação. Esta oposição pode ser vista também, de outro modo, como a luta entre

liberalismo, defasado em mero liberalismo econômico8 e a defesa do trabalhador e do

trabalho, por exemplo, no sentido do laborismo9.

Nesta situação, a filosofia é entendida como práxis de transformação da

realidade (leia-se, do mundo histórico dos homens que produzem em sociedade).

Ressoa assim a palavra de Marx (na última das Teses sobre Feuerbach): “os filósofos até

agora só interpretaram o mundo de maneira diferente. O que importa, é transformá-

lo”. Pode-se ouvir esta palavra como uma sentença sem dialética ou como uma sentença

dialética. Entendendo-a como uma sentença sem dialética, ela quereria dizer que não

se deve interpretar o mundo. O que se tem de fazer é transformar o mundo. No entanto,

não é toda transfomação do mundo que satisfaz o ímpeto revolucionário. Transformar

por transformar também o capitalismo transforma – transforma o mundo num sistema

bem determinado de produção. O humanismo marxista vai denunciar no capitalismo um

sistema de alienações. Não é, pois, toda a transformação que importa. Mas, na

perspectiva do humanismo marxista, aquela que supera as desumanidades do

8 Liberalismo é um título amplo e plurívoco, quase equívoco. Abarca todos os empenhos surgidos desde o fim do século XIX no campo intelectual, político e econômico, que, originariamente, tendiam à libertação da pessoa individual das ataduras transmitidas historicamente, representadas nas instituições políticas e eclesiásticas. É uma fase do individualismo. Originariamente, o individualismo era a afirmação e o desdobramento da peculiaridade e do direito próprio do indivíduo humano, enraizados na singularidade do homem. Tal individualismo defendia, frente ao socialismo e ao coletivismo moderno, o caráter insubstituível, a responsabilidade e a historicidade, baseadas na liberdade humana, que supõem precisamente vinculações objetivas e formas de comunidade que transcendem o indivíduo. No liberalismo, a liberdade do indivíduo é a mais alta exigência e mais elementar pressuposição da vida humana. Mesmo o trabalho e a propriedade são posteriores à liberdade. A propriedade e o trabalho só valem ali onde o indivíduo livre vive em uma sociedade livre. O individualismo se opõe ao coletivismo: concepção em que o homem individual fica reduzido a membro de um todo (coletividade) social, perdendo sua consistência pessoal própria. No coletivismo se absolutiza a referência essencial própria do homem à coletividade e se nega o seu ser como pessoa. O individualismo se degenera e se defasa na afirmação da primazia absoluta da individualidade de cada um, negando a essencial vinculação à sociedade. O liberalismo, partindo de filosofias do racionalismo francês e inglês (Descartes, Locke) e de Kant, desenvolve uma teoria social (Locke, Rousseau, A. Smith, J. S. Mill). Esperava-se fundar no sentido de responsabilidade moral, baseada na racionalidade, uma ordem social e política em que a liberdade plena dos indivíduos fosse respeitada. Incluía o reconhecimento dos direitos dos semelhantes, como freio à ânsia egoísta de utilidade própria e de interesse pessoal. O liberalismo, assim como o individualismo, degenera e se defasa na mera promoção da liberdade entendida como independência econômica. O liberalismo econômico proporciona oportunidades mínimas aos que carecem de propriedade e de posses frente aos proprietários e possuidores. A liberdade dos que carecem de propriedade é meramente abstrata. Neste sentido, promove a exploração dos muitos, a massa dos trabalhadores, pelos poucos, a elite (oligarquia, plutocracia). Por isso, é a ideologia da classe dominante. 9 Para esta perspectiva o homem desprovido de propriedade e de trabalho não pode ser livre. O homem verdadeiramente livre é o que é senhor de seu próprio trabalho. Os relacionamentos de trabalho são o que definem ou não liberdade.

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capitalismo. Mas, como chegar a uma tal transformação do mundo, sem interpretar o

mundo – o que ele é (o real) e o que ele deve ser (o ideal)? Entendendo dialeticamente

a sentença de Marx percebemos que interpretação do mundo e transformação do

mundo não somente se opõem, mas se compõem, num plano superior. Que

transformação importa? Na perspectiva de Marx, a transformação dos relacionamentos

produtivos. Onde tem lugar, porém, estes relacionamentos? Na práxis. E pelo que a

práxis é determinada? Por uma certa teoria. Pressuposta é a teoria de que o ente em

seu todo (o todo do real), a realidade (que aqui ganha o sentido de mundo histórico),

está fundada no processo histórico dialético de produção. O homem é produção. Ele se

fabrica a si próprio. Esta concepção de Marx, da realidade e do homem, pressupõe a de

Hegel. Para Marx, o ser é processo de produção. Também o é para Hegel – abstraindo-

se da inversão do idealismo em materialismo histórico. Também Hegel interpretou a

vida como processo, o ser como devir dialético, só que do Espírito. Conclusão: a

transformação do mundo depende da interpretação do mundo.

Os pós-hegelianos entendiam que a filosofia tinha chegado ao seu fim. Marx

entendeu o fim da filosofia no sentido da transformação do saber filosófico em práxis.

Também Heidegger entendeu que vivemos na época do “fim da filosofia”.

Hegel diz: “Na filosofia enquanto tal, na presente, na derradeira, está contido tudo o que o labor de milênios produziu; ela é o resultado de tudo o que antecedeu” (ed. Hoffmeister, 1940, p. 118). No sistema do idealismo especulativo, a filosofia consumou-se, atingiu, em outras palavras, seu ponto mais alto e está, a partir dele, encerrada. A proposição hegeliana acerca da consumação da filosofia escandaliza. Julgam-na pretenciosa e caracterizam-na como equívoco que já foi há muito refutado pela história. Pois, após a época de Hegel, continuou e continua existindo filosofia. Mas a proposição sobre a consumação não quer dizer que a filosofia chegou ao fim, no sentido de um deixar de existir e de uma interrupção. Muito ao contrário, a consumação exerce justamente a possibilidade de múltiplas formas novas, até as mais simples: a brutal inversão e a maciça contraposição. Marx e Kierkegaard são os maiores entre os hegelianos. São-no contra sua vontade. A consumação da filosofia não é nem seu fim, nem consiste apenas no sistema

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isolado do idealismo especulativo. A consumação somente é como marcha total da história da filosofia, marcha na qual o começo permanece tão essencial quanto a consumação: Hegel e os gregos10.

Que sentido tem falar, aqui, de fim da filosofia? Filosofia significa, aqui,

metafísica11. Metafísica quer dizer não uma disciplina da filosofia, mas a essência da

filosofia mesma, de Platão aos nossos dias. Metafísica quer dizer o pensamento que

pensa o ente em sua totalidade – o mundo, o homem, Deus – sob o ponto de vista do

ser, sob o ponto de vista da recíproca imbricação do ente e ser. Desde o seu começo a

filosofia pensou o ser do ente e com ele o fundamento: (arché),(aítion) –

princípio, origem, causa. O fundamento é aquilo a partir de que o ente enquanto tal, em

seu devir, passar e permanecer, enquanto cognoscível, tratável, trabalhado, é o que ele

é. O ser foi tomado nesta história como o fundamento que traz o ente a cada vez para a

sua vigência/presença. O fundamentar tem vários modos, dependendo do tipo de

presença/vigência, que define o ente (o real, o que está sendo). Pode ser o fundar como

causação ôntica (por exemplo, o criar divino na Idade Média), o fundar como

possibilitação transcendental da objetualidade dos objetos (filosofia moderna: Kant), o

fundar como mediação dialética do movimento do Espírito Absoluto (Hegel), o fundar

do real enquanto e no sentido do processo histórico de produção (Marx), o fundar como

vontade para o poder que põe valores (Nietzsche).

Entretanto, em que sentido a filosofia, no sentido da metafísica, que acabamos

de caracterizar, chega ao fim hoje? Aqui é preciso irmos devagar. Logo que ouvimos falar

de fim entendemos o chegar ao fim como algo negativo, como o mero cessar, como o

carecer de progresso, quando não como decadência e incapacidade. Mas não é neste

sentido que falamos, aqui, de fim da filosofia. Fim significa, em primeiro lugar,

consumação. Consumação não significa perfeição (não teríamos parâmetros para dizer

se a filosofia chegou ou não à sua perfeição). Fim quer dizer, aqui, onde termina, o termo

de uma realização. É onde o todo de uma história se recolhe na sua mais extrema

10Heidegger, Martin. Hegel e os gregos. In: Marcas do Caminho. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 441. 11 Heidegger, Martin. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. Em: Conferências e escritos filosóficos (Os pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 95.

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possibilidade. Fim, enquanto consumação, quer dizer este recolhimento ou

concentração. Vimos que Hegel considerou – e os hegelianos também – que em sua

filosofia, todo o labor de milênios de história teria chegado a seu termo, a seu êxito.

Podemos considerar isso mais do que mera pretensão, arrogância, vaidade, de um

filósofo. Tentemos levar a sério esta tese. Então ela significa: o Espírito se

dessubstancializou e se tornou sujeito da História, superando dialeticamente todas as

oposições. Assim, o Espírito se tornou absoluto. Já não há nada contra o que se

contrapor. Cada filosofia é uma verdade parcial, com sua própria necessidade histórica,

para que o Espírito chegue à verdade total de si mesmo. O princípio chegou finalmente

ao fim. Alcançou sua transparência, no fim. O fim é o momento em que o Espírito se

torna o Absoluto que ele é. Se princípio é o fim, então temos um círculo. Não se trata de

uma espiral infinita. Trata-se de finitude. Os jovens hegelianos descobriram a finitude e

a facticidade do devir. Tomaram o caminho da existência. Kierkegaard, por exemplo.

Mas também Marx. Em Marx a filosofia enquanto idealismo se inverte: torna-se

materialismo histórico. Em Nietzsche também há uma inversão da metafísica

(platonismo invertido). A consumação da filosofia em Hegel, a abertura da via da

facticidade da existência em Kierkegaard, e as inversões de Marx e de Nietzsche

assinalam, segundo esta leitura que trazemos como proposta, o fim da filosofia, no

sentido de consumação, termo de uma realização milenar, concentração, recolhimento

na sua mais extrema possibilidade.

Outro sinal deste fim é a formação das ciências autônomas, para o que já

acenamos atrás. Não se trata de uma mera dissolução da filosofia, mas de sua

consumação. Daí emerge toma uma gama de ciências independentes da filosofia:

soziologia, antropologia enquanto antropologia cultural, logística (a partir da lógica). As

ciências ganham um caráter técnico. O seu escopo não é o saber, mas o conhecer, no

sentido do dominar. A verdade científica passa a equivaler à eficiência de seus efeitos.

Teoria quer dizer agora suposição de categorias. Estas têm apenas uma função

cibernética (controle e processamento de informações; já não têm sentido ontológico

(como tiveram na sua origem, em Aristóteles). O pensamento, aqui, não é meditação, é

representação e cálculo do real, e tem caráter operacional e de modelo. O fim da

filosofia é o triunfo da instalação controlável de um mundo científico-técnico. A própria

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sociedade passa a ser controlada pelo controle da informação. Todos os aspectos da

vida social são controlados pelos algoritmos. As deliberações dos algoritmos passam a

substituir as decisões humanas12. O fim da filosofia é o começo da civilização mundial,

baseada no pensamento ocidental-europeu, que se impõe, agora, por meio da ciência e

da técnica, cujo domínio apresenta uma envergadura planetária. Num discurso que

pronunciou em 1969, ao completar 80 anos, Heidegger, depois de um discurso do

pensador japonês Tsujimura, se referia à civilização planetária, e à apatridade que ela

trazia consigo em todas partes da terra:

Há um século ela invadiu o Japão. Civilização planetária significa hoje: predominância das ciências hipotético-dedutivas, significa predomínio e primado da economia, da política, da técnica. Tudo o mais já não é nem mesmo supra-estrutura. É apenas mera para-estrutura toda quebradiça. É nesta civilização planetária que estamos. Para ela é que se dirigem as discussões do pensamento. Entrementes a civilização planetária atingiu toda a terra (...). A apatridade é um destino mundial na forma da civilização planetária. É como se a civilização planetária, que o homem moderno não criou mas em que foi “destinado”, trouxesse consigo o obscurecimento da existência humana. De fato é o que parece. Mas seria um erro pensar somente até aí e não ver nada mais, a saber a possibilidade de uma virada. Mas nós não sabemos nada do futuro. Talvez tudo finde numa grande desolação. Taalvez aconteça que algum dia o homem se enfastie dos produtos de suas pretensas produções e de repente comece a questionar. Talvez também possa ocorrer que a desolação atinja tal nível que as necessidades se nivelem a ponto de o homem já nem sentir a decadência interior e o vazio de sua existência. Talvez também possa acontecer outra coisa. Em qualquer caso, como quer que seja ou aconteça: nós não nos devemos queixar, temos é de nos questionar!13

12 Conferir exemplos e análise em: https://theconversation.com/algorithms-have-already-taken-over-human-decision-making-111436. 13 Heidegger, Martin. Discurso dos 80 anos (1969). A morada do homem. In: Revista Vozes, ano 71, n. 04, maio de 1977, 332-333.

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Por toda a parte, na Ásia, na África, nas Américas, na Oceania, a civilização

planetária, baseada no pensamento ocidental-europeu, se impõe. Esta planetarização é

se impõe na forma de um nivelamento, uma igualação, uma homogeneização técnica,

econômica, social, política, cultural. Se impõe através de recursos tecnológicos, de

modelos econômicos, de formas padronizadas de poderes estatais. Um mesmo

paradigma de conhecimento e de ação se estende a toda a terra. E esta extensão leva o

nome de progresso, de desenvolvimento. Mãos, cérebros e corações se regem por estes

padrões de conhecimento e ação. Não se pode negar a força desta deste

desenvolvimento e de suas pretensões planetárias. Mas questionar aquilo que, nisso, se

nos chega como evidências e obviedades. O ideal, o paradigma da civilização planetária,

que opera a europeização do mundo, se impõe, porém, à custa da perda de identidade

e do esvaziamento das diferenças. Ordens milenares de vida de muitos povos, nos

diversos continentes da terra, sucubem à força desta imposição. As independências

políticas dos países conquistados pelos europeus não fizeram os povos retroceder à

situação pré-colonial. A missão política dos novos dirigentes foi conduzir estes povos ao

desenvolvimento – interpretado segundo o paradigma ocidental-europeu. O não

questionamento do ideal de desenvolvimento cabou padronizando e estandartizando

todas as diferenças.

A partir desta situação atual, somos desafiados a olhar para o futuro. O

pensamento, em sua historicidade, acontece a partir do futuro:

O Pensamento fala do futuro, age com o futuro, vive pelo futuro, trabalha para o futuro. É que o pensamento pensa sempre a partir do futuro. Envio de futuro, o Pensamento produz o novo. O novo não é a novidade. O novo é a plenitude do velho. À plenitude pertence tanto realização como interrupção. O novo não é apenas a continuidade. É também ruptura, ou melhor, é continuidade enquanto ruptura na linha do velho. No Pensamento chega a si mesma a diferença de novo e velho, de passado e futuro. Por isso o Pensamento só conhece o mundo passado de novo, isto é, à luz do futuro. Por isso o Pensamento está sempre enviando a ruptura

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do mundo velho na via de um envio futuro. Por isso nenhum mundo gosta de pensar14.

O fim da filosofia é, assim, o convite para a passagem para um outro princípio do

Pensamento. É a partir da situação atual e da escuta do apelo do futuro que nos

voltamos ao passado do pensamento ocidental: ao começo da filosofia, à filosofia

antiga, aos gregos.

Perguntávamos: o que é isto – a filosofia? Conseguimos uma resposta? Nem

mesmo colocamos a pergunta. Apenas demos algumas indicações negativas: que a

filosofia não é nem ciência nem visão de mundo, embora tanto o destino das ciências

quanto o das visões de mundo, no ocidente (e hoje em todo o planeta) têm muito a ver

com a filosofia. Não há um caminho que nos leve da ciência e da visão de mundo à

filosofia. No entanto, há um caminho que leva da filosofia à ciência e à visão de mundo.

E nós, de início e na maior parte das vezes, temos nossa situação hermenêutica, isto é,

a posição prévia, a visão prévia e a conceituação prévia de nossa interpretação da

filosofia, determinada ou a partir da ciência ou a partir da visão de mundo. Isso nos torna

difícil o acesso à filosofia como tal e, em especial, à filosofia do começo e ao começo da

filosofia: os gregos.

Como, porém, abrir um acesso positivo à filosofia como tal? Mais: à filosofia do

começo. Mais ainda: ao começo da filosofia? É o que pretendemos pensar na próxima

reflexão.

14 Leão, Emmanuel Carneiro. A morte do pensador. In: Aprendendo a Pensar. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 145-146.

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