242
11 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG III Módulo Regional Nordeste São Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 2: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ÍNDICE SUMÁRIO

Textos Página

01 MATRIZ PEDAGÓGICA 01

02 RELAÇÕES DE GÊNERO E AGRICULTURA FAMILIAR - Miriam Nobre

09

03 RELAÇÕES RACIAIS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL – João Carlos Nogueira 18

04 PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO – POTENCIALIDADES, AVANÇOS E DESAFIOS NOS ÚLTIMOS 10 ANOS

31

05 DO DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: algumas considerações – Vilênia V. Porto Aguiar

53

06 INTRODUÇÃO À ECONOMIA SOLIDÁRIA – Paul Singer

88

07 REFORMA AGRÁRIA AGROECOLÓGICA CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA PROPOSTA ALTERNATIVA – Marcos Antonio B. Figueiredo

125

08 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR SUCROALCOOLEIRO DO NORDESTE – ENTRE O

140

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 3: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ATRASO E A MODERNIDADE – Bruno Ribeiro Paiva

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 4: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E EM METODOLOGIA.- III Módulo da Região Nordeste –

São Luis/MA – 25 de março a 1 de abril/2008.

OBJETIVO: Viabilizar a formação de militantes do MSTTR, de modo que aprimorem sua capacidade multiplicadora e potencializadora da ação formativa em suas áreas de atuação.

OBJETIVOS ESPECIFICOS: Socializar e aprofundar referenciais teóricos, políticos e ideológicos que fundamentam e alimentam

os ideais e a luta sindical e popular. Re-avaliar e fortalecer a luta sindical , numa visão e prática transformadoras, estimulando processos

de mudanças de atitudes, comportamentos e práticas individuais e coletivas, coerentes com as exigências de implementação do PADRSS.

Favorecer a experimentação, sistematização e apropriação de novas metodologias pedagógicas que realimentem a prática formativa do movimento sindical.

Contribuir para a constituição de uma rede de formadores/as que assumam e implementem o projeto de formação do MSTTR.

EIXO TEMÁTICO: Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 5: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

EIXOS PEDAGÓGICO-METODOLÓGICOS: Memória e Identidade / Pedagogia para uma nova Sociabilidade 25/03 (terça feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis MANHÃCredenciamento e distribuição dos materiais didáticos Reunião da Equipe Pedagógica Nacional com Educandas/os Nacional e FETAEMA

Equipe Pedagógica e Equipe FETAEMA

TARDEAbertura Política do II Curso.

Reafirmar os compromissos, princípios e objetivos desse Itinerário Formativo da ENFOC e seus desdobramentos nos estados.

Coordenação Política da ENFOC, Dirigentes do MSTTR e convidados

Memória e Identidade- Identidade Camponesa

Estimular uma breve reflexão sobre a identidade camponesa

A partir de símbolos e expressões culturais, estimular a vivencia das identidades de gênero, raça, geração e regional nessa construção

Equipe FETAEMA, Joyce, Viviane, Bena, Maciela e Equipe ENFOC

Organização do

Favorecer uma compreensão sobre a construção social dos diversos papéis de homens e mulheres na

Exposições sobre gênero e sobre raça, refletindo sobre essas relações na família e na agricultura familiar

Nalú Faria e Nogueira

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 6: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

trabalho na família e na agricultura familiar.

família e na agricultura familiar. Identificar e refletir sobre alguns aspectos dos módulos anteriores e que foram retomados nas exposições, como algumas inquietações trazidas nas exposições.

A equipe de sistematização apoiada pela equipe pedagógica apresentará após as exposições e o dialogo com o plenário, alguns aspectos relevantes para serem abordados nas considerações finais da/o expositora/or

Equipes de Sistematização e Equipe Pedagógica

26/03 (quarta feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis MANHÃCriar um ambiente de co-responsabilidade e comprometimento com o desenvolvimento do curso.

Apresentar a programação, constituir acordos e as comissões de apoio ao curso.

De forma breve e explícita apresentar a programação, caderno de textos, sugestão de acordo de convivência e, as comissões de apoio ao curso: Organização e apoio; mística e animação; avaliação; relatoria e sistematização.

Equipe Pedagógica

Reapropriação temática 1º e 2º módulo

Estimular uma releitura do I e II Módulos e a compreensão da inter-relação estes e o III Módulo

A partir da Linha do Tempo, revisitar aspectos temáticos e pedagógico-metodológicos do 1º e do 2º módulo, apontando pontos de encontro com o 3º modulo.

Equipe Pedagógica apoiada pelas/os educandas/os do

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 7: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Curso Nacional

Concepções de Desenvolvimento Rural no Brasil e Nordeste

Favorecer uma leitura critica das diferentes concepções (modelos) de desenvolvimento vivenciadas no Brasil a partir dos anos 1960.Estimular a compreensão sobre as principais dimensões para a construção do desenvolvimento rural sustentável e solidário na atualidade – desafios e potencialidades.

Exposição dialogada considerando: As concepções (modelos) de desenvolvimento implementadas no país e no nordeste.

Seus impactos políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais ontem e hoje.

Os elementos centrais para a construção do DRSS na atualidade e, as tendências/desafios para o campo brasileiro/nordestino.

Vilênia Aguiar

Debate em plenário

TARDE

Concepções de Desenvolvimento Rural no Brasil e Nordeste

Aprofundamento sobre o tema a partir de texto, dos debates em plenário e no acumulo do grupo.

A partir da exposição e debate da manhã, os grupos irão identificar: O impacto das diferentes concepções de desenvolvimento no nordeste, refletindo a partir dos diversos sujeitos, mulheres e homens de todas as idades e raças.

Os principais eixos estruturadores do DRSS na região nordeste.

As tendências/desafios para o MSTTR e as demais organizações sociais na perspectiva

Vilênia Aguiar e Equipe Pedagógica Nacional

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 8: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

do DRSS.Concepções de Desenvolvimento Rural no Brasil e Nordeste

Reflexão em plenário sobre as contribuições dos grupos de trabalho.

Após cada GT apresentar sua contribuição estabelece-se o debate em plenário.Considerações finais da expositora e possíveis arremates

Vilênia Aguiar

NOITEDiálogos pedagógicos

Oficina metodológica sobre Linha do Tempo

De forma lúdica e criativa, o grupo ira refletir sobre os limites e possibilidades na utilização do recurso metodológico Linha do Tempo.

Equipe Pedagógica Nacional

27/03 (quinta feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis MANHÃ e TARDERuralidade, Territorialidade, Socioeconômica Solidária, Soberania e Segurança

Contribuir para o aprofundamento temático sobre Ruralidade, Territorialidade, Economia Solidária, Soberania e Segurança alimentar, Agroecologia, Agroextrativismo e Segurança Hídrica tendo como lugar

Serão três oficinas simultâneas por período, a cada período mudam as/os educandas/os por oficina. Ao final, todas/os participarão de todas as três oficinas (manha e tarde da quinta-feira e manha da sexta-feira). Cada oficina terá a moderação de especialista

Oficina 1 – Zeke Beze;Oficina 2 – Mauricio Faria;

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 9: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Alimentar, Agroextrativismo, Agroecologia e Segurança Hídrica.

o nordeste, refletindo a partir dos diversos sujeitos, homens e mulheres de todas as idades e raças.

convidado.Oficina 1 – Ruralidade, Territorialidade;Oficina 2 – Sócioeconomia Solidária, Soberania e Segurança Alimentar;Oficina 3 – Agroextrativismo, Agroecologia e Segurança Hídrica.

Oficina 3 – Felipe Jalfim

NOITEDiálogos pedagógicos

Oficina metodológica sobre Oficina De forma lúdica e criativa, o grupo ira refletir sobre os limites e possibilidades da Oficina enquanto recurso metodológico.

Equipe Pedagógica Nacional

28/03 (sexta feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis MANHA Continua as Oficinas

Continua as Oficinas Continua as Oficinas

TARDEDiálogos pedagógicos

Aprofundamento e reflexão sobre Ruralidade, Territorialidade, Economia Solidária, Soberania e Segurança alimentar, Agroecologia, Agroextrativismo e Segurança Hídrica

De forma lúdica e criativa, as educandas/os serão estimuladas/os a refletir e partilhar as vivências, as aprendizagens e as lições que marcaram a reflexão sobre os temas.

Alexandre Merrem

NOITE Ver sugestões

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 10: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

FESTA com FETAEMA

28/03 (sexta feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis MANHA LIVRE Equipe FETAEMA

TARDERelações de trabalho no espaço rural do Brasil e do Nordeste

Estimular a compreensão sobre as relações de trabalho no campo e suas inter-relações com as concepções de desenvolvimento vivenciadas na região.

Exposição dialogada explicitando: Explicitar as diferentes relações de trabalho no espaço rural, sobretudo no nordeste.

Os impactos dos grandes projetos e da revolução verde na agricultura familiar e na agricultura patronal.

Os elementos centrais para a construção do DRSS na atualidade e, as tendências/desafios para o campo brasileiro/nordestino.

Bruno Ribeiro – FETAPE

NOITE Construção de síntese temática e pedagógico-metodológica da caminhada destacando dentre outros: as diferentes concepções refletidas; as orientações que indiquem as tendências do desenvolvimento; grandes eixos do DRSS...

Equipes de Sistematização e Pedagógica

30/03 (domingo) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 11: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

MANHA Reapropriação sobre as reflexões sobre o DRSS

Reflexão sobre as grandes tendências do DRSS e as questões desafiadoras para a ação sindical.

Breves intervenções do grupo sobre as tendências do DRSS e as questões desafiadoras para a ação sindical a partir da socialização de síntese sobre as reflexões construídas pelo grupo nos dias anteriores sobre o DRSS.

Equipe de Sistematização e Equipe Pedagógica

Atividades Inter-módulos

Socialização e reflexão sobre as atividades Inter-módulos desenvolvidas pelos 09 estados.

Socialização e reflexão sobre cada uma das atividades inter-módulos

Equipe Pedagógica

TARDETrabalho em grupo

Favorecer a compreensão sobre a importância da ação sindical do MSTTR na região, na perspectiva de implementação do PADRSS.

A partir de perguntas geradoras o grupo irá refletir a inter-relação: ação sindical e os elementos trazidos nas atividades inter-módulos, identificando as potencialidades, desafios e possibilidades.

Equipe Pedagógica

Plenária de socialização e debateNOITE Construção de um painel que expresse o “olhar” do grupo sobre a Ação Sindical do MSTTR na região Nordeste – ele deve problematizar a ação sindical.

Equipes de Sistematização e Pedagógica

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 12: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

31/03 (segunda-feira) Conteúdo Objetivos Metodologia Responsáveis

MANHA Ação Sindical e as Tendências do DRSS no Nordeste TARDEPossibilidades e desafios para ação sindical frente às grandes tendências do DRSS.

Construir entendimentos acerca da Ação Sindical do MSTTR no Nordeste, tendo o DRSS enquanto referencia para a reflexão.

Apontar o alcance, limites e possibilidades da ação sindical para estimular mudanças concretas na vida dos diversos sujeitos à luz das tendências identificadas.

Socialização da síntese do acumulo do grupo e uma breve reflexão coletiva.

Exposição dialogada sobre a ação sindical e o Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário.

Equipe de Sistematização e Equipe Pedagógica

Manoel dos Santos

TARDEDiálogos pedagógicos

Construir encaminhamentos comuns para o desenvolvimento da Estratégia da PNF, sobretudo, quanto ao Itinerário da ENFOC nos Estados (GES e Cursos Estaduais)

FORMATURA (ato político e festa)

01/04 (terça-feira) Conteúdo Objetivos Responsáveis MANHA Oficina de Avaliação Encerramento do Curso de Formação em Concepção, Prática Sindical e em Metodologia - Mística de

Equipe de Avaliação e Equipe Pedagógica Coordenação Pedagógica

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 13: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

encerramento ENFOC, Federações e Convidados (as).

TARDE Retorno aos Estados

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 14: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

RELAÇÕES DE GÊNERO E AGRICULTURA FAMILIAR

Miriam NobreNos últimos anos, a agricultura familiar tem estado no centro das atenções do movimento sindical, dos pesquisadores, do Governo e dos organismos internacionais relacionados com a questão. Ela aparece como a base de um modelo alternativo de desenvolvimento para o meio rural capaz de reduzir a pobreza, as disparidades de renda e o uso irracional dos recursos naturais. O debate predominante em torno da agricultura familiar trata de como torná-la mais eficiente e com maior capacidade de resistência ao mercado cada vez mais concentrado. Para isso, buscam entendê-la melhor, definindo características, como tamanho, produção, presença ou não de empregados e classificando-a em grupos. Infelizmente, muitos ainda pensam essa atividade apenas como um setor da economia ou, no máximo, enquanto função social com potencial para conter o êxodo rural, o qual contribui para aumentar o desemprego nas cidades. Poucos se detêm sobre as pessoas que vivem e trabalham na agricultura familiar — seus sonhos e anseios, os direitos que constroem e procuram tornar realidade. Quanto à família, quando considerada, apenas o é na figura do chefe da família. O trabalho e a visão de mulheres, filhas e filhos são negligenciados, como se os interesses do pai incluíssem os de todos. A idéia de um pai que decide pela vida de todos parece uma coisa do passado, pelo menos no discurso voltado para o meio urbano. Por que então é aceita sem questionamentos para as famílias de trabalhadores rurais? Talvez porque, para os agricultores que trabalham a terra por conta própria, a forma de combinar a disponibilidade de trabalho da família com as exigências das diferentes etapas do ciclo de produção agrícola propicie uma divisão do trabalho que se naturaliza pelo sexo e pela idade. A naturalização da divisão sexual do trabalho impede que esta se torne um problema a ser enfrentado pela sociedade. Mesmo o grande estudioso da produção econômica camponesa, Alexander

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 15: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Chayanov, ao se deparar com as estatísticas que apontavam o tempo de trabalho muito maior das mulheres na Rússia do princípio do século, em relação ao dos homens, afirmou:

“Uma grande parte do trabalho do homem é empregada nas atividades artesanais, comércio e agricultura. A força de trabalho da mulher se utiliza de forma predominante no trabalho doméstico. Em geral a mulher trabalha mais do que o homem, mas seu trabalho não é tão duro. Os adolescentes trabalham menos dias que os adultos. A distribuição de seu trabalho nos setores da fazenda é de acordo com o sexo; em geral os jovens se ocupam mais da agricultura e as jovens dedicam muitos dias ao trabalho doméstico” (Chayanov, 1985, p. 210).

Ainda hoje a divisão sexual do trabalho parte do princípio de que os homens são responsáveis pelo trabalho produtivo (a agricultura, a pecuária, enfim tudo o que se associa ao mercado) e as mulheres, pelo trabalho reprodutivo (o trabalho doméstico, o cuidado da horta e dos pequenos animais, tudo o que é feito para uso e consumo próprio, sem contar a reprodução da própria família pelo nascimento e cuidado dos herdeiros). Nos estudos brasileiros sobre campesinato essa divisão se expressou na oposição entre casa e roçado.

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NA AGRICULTURA: UM PESO, DUAS MEDIDAS

Beatriz Heredia e outros (1984), estudando pequenos produtores ligados à plantação açucareira no Nordeste brasileiro, apontam a relação entre roçado e casa como definidora das áreas de trabalho e de não-trabalho. No roçado se produz farinha, feijão e milho, considerados, pelos agricultores, fundamentais à sobrevivência, de modo que as atividades aí realizadas são reconhecidas como trabalho. O pai encarna essas atividades, logo o trabalho é dele. Mesmo que os filhos e a esposa desempenhem tarefas no roçado, essas são consideradas “ajuda”. Por oposição ao roçado, a casa é o lugar da mulher, mãe de família, e as

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 16: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

atividades aí desenvolvidas são consideradas um não-trabalho. O produto das atividades femininas no cuidado de pequenas criações ou no artesanato é comercializado para a compra de outros bens para a casa, como, por exemplo, utensílios de cozinha, roupa de cama etc. As mulheres geralmente não participam da comercialização de produtos. Quando estão nas feiras, localizam-se na venda de produtos considerados secundários, tais como verduras, frutas e condimentos.A idéia de que, em última instância, a hierarquia entre os produtos determina os conceitos de trabalho e ajuda merece melhor análise. O Deser (Departamento Sindical de Estudos Rurais) e a Comissão da Mulher Trabalhadora Rural da CUT — Central Única dos Trabalhadores — do Paraná realizaram uma pesquisa sobre a participação das mulheres na produção de leite, cujo resultado evidenciou que elas são responsáveis por grande parte das etapas dessa produção (Deser e CEMTR-PR, 1996). Porém, à medida que a produção de leite se tecnifica e passa a contribuir com maior peso para a renda das famílias, as tarefas passam progressivamente a ser desenvolvidas pelos filhos maiores e, depois, pelos maridos. Enquanto fruto de uma produção complementar, o resultado da venda do leite contribui para o pagamento da conta de luz e para a compra do “rancho” (produtos de consumo doméstico industrializados como macarrão, óleo de soja, fósforo), o que é essencial para a manutenção dessas famílias; contudo, tal aspecto não é facilmente reconhecido. Para as agricultoras presentes ao seminário de apresentação da pesquisa, isso ocorre “porque o dinheiro sai todo mês e não faz volume”.Quando a produção agrícola é vendida, entra o “dinheiro grande”, com o qual são compradas novas roupas para toda a família, eletrodomésticos de maior custo, e decidem-se os novos investimentos na produção — este último, um assunto que não é considerado “de mulher”.A divisão sexual do trabalho estaria então profundamente relacionada com as representações sociais vinculadas a mulheres e homens. Em estudo publicado em 1975, Verena Martinez-Alier já trazia a fala das mulheres bóias-frias: “O homem trabalha porque é homem; a mulher

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 17: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

porque precisa”. Isto é, o trabalho constitui a própria identidade masculina, enquanto as mulheres estão como que provisórias no mundo do trabalho. O título de “provisórias” ou “estranhas” a um mundo onde sempre estiveram serve a uma desvalorização do trabalho das mulheres. Maria Ignez Paulilo (1987), analisando os trabalhos agrícolas no sertão e no brejo paraibano, e na cultura de fumo na região sul de Santa Catarina, percebeu como traço comum entre eles a distinção entre trabalho leve e trabalho pesado: o primeiro, atribuição de mulheres e crianças; o segundo, incumbência masculina. Segundo a autora, o trabalho é considerado leve por quem o executa, e não pela natureza do trabalho em si. Mesmo que as mulheres e crianças trabalhem o mesmo número de horas que os homens e suas tarefas exijam habilidade, paciência e rapidez, elas recebem menos, pois o valor da diária é determinado pelo sexo e idade de quem a recebe.O esforço físico é sempre apontado como uma das razões para os homens serem considerados mais importantes do que as mulheres no trabalho agrícola. Mas, quando se olha para a realidade, não há tarefa que elas não executem se não for possível prescindir de seus braços. Mulheres já fizeram destoca, araram a terra, puxando o burro ou “no muque”, e carregaram sacos de 60 kg na cabeça. Mas, toda vez que essas tarefas são mecanizadas e, portanto exige menor força física, contraditoriamente, elas são excluídas, ou seja, é muito mais fácil ver uma mulher carpindo com a enxada do que dirigindo o trator para a realização do trabalho agrícola.Outro estudo interessante é o de Maria Aparecida Moraes (1987) sobre as mulheres agricultoras do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais). Segundo essa autora:

“No tocante às mulheres, não existe uma separação rígida entre casa e roçado. Ela transita por esses dois espaços. As mulheres fazem ou podem fazer todos os serviços nessas unidades camponesas, dependendo não só do ciclo produtivo, como também da ausência ou permanência do marido e filhos adultos na terra” (p. 9).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 18: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Permanece, entretanto, a valorização diferente entre homens e mulheres. Nas regras para a troca de dias, prática fundamental na organização do trabalho ao longo do ciclo agrícola, mulheres não trocam dias com homens, havendo mesmo locais em que isso é proibido. Quando o fazem, elas têm de trabalhar dois dias para pagar um dia de serviço de um homem.

AS RELAÇÕES DE GÊNEROA valorização diferente do trabalho de mulheres e homens se explica pela existência de uma relação de hierarquia entre os gêneros. Essa relação tem sua base material na divisão sexual do trabalho, mas organiza, sem ordem de prioridades, aspectos econômicos, sociais, vivências particulares, símbolos e representações em imagens de constante movimento, como em um caleidoscópio. Olhar para a complexidade das relações de gênero é querer, mais do que ver suas formas aparentes, entender sua dinâmica, a forma como produzem e reproduzem desigualdades para poder superá-las. Um dos aspectos a se considerar é o processo de socialização de gênero desenvolvendo habilidades e capacidades diferentes nos homens e nas mulheres. Quando resgatamos, em uma linha da vida, o desenvolvimento de meninos e meninas, percebemos que, na área rural, eles estão juntos, sem grandes diferenças até por volta dos 5 anos. Depois, as meninas começam a seguir as mães, aprendendo com elas o trabalho doméstico e contribuindo para a realização deste. Os meninos passam a seguir o pai, a aprender com ele e a brincar entre meninos nas horas de lazer que geralmente são maiores que as das meninas. Os rapazes também saem mais, vão mais longe, enquanto as moças ficam mais com a família, não só pelo trabalho, mas pelo medo dos pais de que elas “caiam na vida”.Quando se tornam adultos, se ocupam das tarefas consideradas do sexo oposto, sentem dificuldades pessoais e sofrem reprovações sociais de parentes e amigos. Se a mulher está de resguardo e o casal não tem filhas com idade suficiente para fazer o serviço da casa, o homem o faz.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 19: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

E, sempre que necessário, as mulheres fazem o serviço considerado dos homens. Algumas temem a igualdade derivada do fato de assumirem “oficialmente” a responsabilidade pelo serviço que muitas vezes já fazem: “Se eu aprender o serviço dele, ele não vai fazer nem isso”. Ademais, os homens resistem ao novos aprendizados das mulheres: “Se você souber dirigir, não vai parar mais aqui”, e elas se sentem pressionadas por uma grande exigência interna e externa de não poderem errar. Na maioria das vezes, o que acontece é que as aprendizagens de homens e mulheres no “campo oposto” só servem para complementar o serviço do/a outro/a ou para cobrir uma ausência, e não para redividir as tarefas de forma mais permanente, e muito menos o poder e o reconhecimento social que as recobre. Os estudos sobre a agricultura familiar que utilizam o conceito de gênero como instrumentos de análise ainda são recentes. Destaca-se o de Ellen Woortmann (1995) sobre as relações de parentesco entre colonos de origem alemã do Sul do Brasil e entre sitiantes do Nordeste. A hierarquia de gêneros é aí detectada não só na produção agrícola, mas na sexualidade, na posição na comunidade (na “oposição simbólica mulheres à esquerda, homens à direita, no interior da igreja”) e na família. Entre os colonos alemães do Sul, por exemplo, os nomes masculinos expressam relações de compadrio e parentesco, e o fazer parte de uma família. Os nomes das mulheres são “nomes fantasia”, pois elas serão reconhecidas em relação com o nome do pai e, depois, com o do marido.Para Ellen Woortmann, a reprodução camponesa depende de sua capacidade de resistência e adaptação, o que, para ela, se baseia, nos dois casos estudados, “no valor atribuído à família e ao trabalho familiar, e na lealdade à tradição, mas, ao mesmo tempo, na dinâmica conservadora de sua organização social”.Entre os colonos alemães do Sul, a insatisfação da mulher com respeito a esse modelo tem como resposta a migração para a cidade, onde ela terá “ao menos seu salário”. Uma leitura possível é, então, a de que a hierarquia entre os gêneros constitui de tal forma o modelo de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 20: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

existência da agricultura familiar que seu questionamento, por parte das mulheres, comprometeria a sua própria reprodução enquanto agricultoras.Outro estudo, de Maria José Carneiro (1996), analisa as unidades de produção agrícola familiar da França atual, que combinam o trabalho na terra com o assalariamento em fábricas da região. Esse fenômeno é conhecido como pluriatividade. Apesar de já ser comum no Brasil há muitos anos (exemplificado pelos migrantes que trabalham na cidade e mandam dinheiro para a família no campo), vem chamando a atenção como uma característica que se projeta no futuro da agricultura familiar. Na França, o homem sai para trabalhar e a mulher passa a ter o status de chefe do estabelecimento, para continuar recebendo o incentivo oficial dirigido aos trabalhadores exclusivamente agrícolas. As mulheres fazem todo o trabalho, inclusive o manejo das máquinas, mas se vêem como se fossem um “prolongamento dos braços de seus maridos”. Na prática, as esposas de agricultores não tomam jamais o lugar de seus maridos na hierarquia familiar, mesmo que elas os substituam no trabalho e obtenham um estatuto legal junto às entidades que regulamentam a profissão de agricultor. Da mesma maneira, elas não ocupam posições de poder nos organismos deliberativos voltados para a agricultura.A autora conclui, por isso, que o papel da mulher na produção não seria o determinante para a redefinição da sua posição na família ou na sociedade, mas sim a ideologia que cimenta as relações de hierarquia entre os gêneros.As análises de Ellen Woortmann e de Maria José Carneiro têm em comum o fato de buscarem ir além de uma interpretação exclusivamente econômica da desigualdade entre os gêneros. Mas a impressão que fica é a de que a cultura, a tradição e a ideologia são entidades autônomas, não estando profundamente imbricadas na produção material da vida e dificilmente sendo mudadas. Essas análises nos fazem refletir sobre as questões estratégicas envolvidas no fortalecimento das mulheres enquanto agricultoras. O fundamental é ter

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 21: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

sempre presente as mulheres como sujeitos que, por sua ação política, definem quais questões adquirem formas estratégicas para mudar as relações de gênero.

AS TRANSFORMAÇÕES EM CURSOOs movimentos de mulheres trabalhadoras rurais, nas suas mais diferentes vertentes (autônomos, ligados ao movimento sindical, a associações de pequenos produtores etc.), vêm construindo a identidade política das agricultoras no seu reconhecimento público. Eles obtêm a cidadania destas por seu acesso à documentação profissional e por seu auto-reconhecimento enquanto trabalhadora e pela aceitação, pelos agentes públicos, da profissão de agricultora na declaração para o Censo, na certidão de casamento, na emissão da nota conjunta do produtor e no gozo dos direitos previdenciários (auxílio maternidade e aposentadoria). Apesar de todos esses avanços, muitos funcionários do INSS ou de cartórios ainda resistem, na prática, a reconhecer as mulheres enquanto agricultoras, sem contar os gerentes de banco. Por isso, uma vitória importante do Grito da Terra de 1998 foi a criação de linhas especiais de crédito para mulheres no Procera (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária).A visibilidade e a valorização do trabalho das mulheres, porém, são mais restritos na sua relação com a família. A maioria das agricultoras não decide sobre o dinheiro que é fruto de seu suor ou sobre os investimentos que poderiam melhorar suas condições de trabalho. Por exemplo, nas regiões onde são responsáveis por tirar leite, é comum as mulheres terem de cuidar de duas a três vacas, que, somadas, atingem a produção de uma mais produtiva, ou ter de cortar o capim e trazer para os animais, porque não podem decidir sobre um pequeno pedaço de terra para fazer um piquete.As propostas para enfrentar essa questão ainda são poucas. Geralmente restringem-se à de que o marido pague um salário à esposa ou divida a terra em lotes individuais a serem explorados em separado pelos

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 22: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

membros da família. Essas propostas contrariam a lógica tradicional da agricultura camponesa, de utilizar de forma combinada seu principal recurso disponível, que é à força de trabalho de todos os seus integrantes para garantir sua sobrevivência e reprodução. Outra questão é a da herança da terra. Mesmo quando nos dirigimos diretamente aos jovens, ela permanece um tabu. A divisão igualitária de tão pouca terra e instrumentos de trabalho pode significar que nenhum dos filhos e filhas tenha como continuar sua vida na condição de agricultores. Mas, se permanecerem as regras tradicionais, as mulheres continuarão a ser excluídas — destinadas ao convento, a receber uma máquina de costura e uma vaca para viver com a família do marido ou à migração para a cidade em busca de um emprego. A opção por essa última alternativa tem aumentado cada vez mais, e começa a chamar a atenção da sociedade (Veja, 05-08-98). A saída das mulheres do campo pode não se explicar somente por uma maior oferta de empregos para mulheres na cidade ou por sua maior escolaridade, mas por uma negação da condição de vida da mãe de família, esposa de agricultor.Para o delicado problema da herança, a novidade foi trazida pelo Movimento dos Sem-Terra, que abriu, pela luta política, a possibilidade de acesso a terra e à condição de agricultor para os filhos, infelizmente não na mesma proporção para as filhas. A luta política cria identidades de classe — os sem-terra — e de gênero. Essas identidades parecem algumas vezes contraditórias, mas a própria luta cria formas de mediação entre tais interesses, produzindo mesmo novas representações sociais. Por exemplo, a pesquisa “Mulheres na Produção do Leite” (Deser-CEMTR/PR, 1996) registrou que os homens que tiram leite, tarefa considerada feminina naquela região do país, eram identificados como “do PT”. Isso significa que maneiras diferentes de viver em família e organizar o trabalho dentro dela, pelo menos na idéia, se associam rapidamente com uma maneira diferente de ver o mundo e querer transformá-lo. Os movimentos sociais podem, portanto, em interação com outras forças, construir na sua ação política respostas para dilemas que ainda não estão conscientemente colocados.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 23: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Cabem, ainda, algumas reflexões na tentativa de uma formulação mais próxima da realidade das agricultoras familiares. Para Delma Pessanha (1997), a sobreposição do que move a unidade de produção nos interesses da unidade familiar, e de cada um de seus membros, é simplista e tende a subordinar o segundo ao primeiro por uma determinação econômica. Esse olhar nos faz entender novas realidades, como, por exemplo, o manejo de pequenas unidades de produção de cana no interior de São Paulo ou do Rio de Janeiro, feito por especialistas com o acompanhamento de apenas um membro da família proprietária, que pode bem ser uma mulher viúva ou solteira.Mesmo que a família, como uma reunião de sujeitos, e a unidade econômica de produção possa ter movimentos próprios, estes se relacionam e, para fortalecer a autonomia das mulheres, é preciso considerar a maneira como elas se inserem em cada uma dessas dimensões.Nas oficinas que realizamos, conhecemos Rosa, uma mulher solteira que administra a propriedade de sua família, onde ainda vivem sua mãe viúva e seu irmão mais novo. Desde criança, ela preferia ir para a roça a dividir o trabalho ao redor da casa com suas irmãs. Perto do pai, aproveitava para observar e aprender sua forma de agir, de organizar o trabalho, de decidir os negócios. Já adulta, era sempre ela que o agrônomo da ONG local procurava para falar das novidades tecnológicas, pensarem propostas para a exploração agrícola de sua família. Foi assim que Rosa montou a criação e o abatedouro de frangos que garante uma renda pequena, mas estável, para o sustento de todos. Na região, um antigo e atuante movimento de mulheres cria o ambiente favorável para que ela não seja a exceção que justifica a regra. Sempre pensando novas formas de produzir, sustentáveis dos pontos de vista financeiros e ecológicos, para sua roça e para a comunidade, Rosa tornou-se presidente da associação de pequenos produtores local. A trajetória pessoal e organizada no movimento de mulheres e nas iniciativas alternativas de produção se combina na história dessa mulher, que construiu para si um destino diferente do de muitas de suas

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 24: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

amigas e contemporâneas. Para que outras rosas, margaridas, açucenas floresçam, ainda é preciso que a desigualdade entre os gêneros na sociedade, inclusive na agricultura familiar, não lhes tire o viço.

Referências bibliográficasCARNEIRO, Maria José. “Esposa de agricultor na França”, Revista Estudos Feministas,

vol. 4, n. 2, Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1996.CHAYANOV, Alexander V. La organización de la unidad económica campesina.

Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.DESER e CEMTR/PR. Gênero e agricultura familiar; cotidiano de vida e trabalho na

produção de leite. Paraná, 1996.HEREDIA, Beatriz M. A. de; GARCIA, Marie France e GARCIA Jr., A. R. O lugar da

mulher em unidades domésticas camponesas. In: . Mulheres na força de trabalho na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1984.

MARTINEZ-ALIER, Verena. “As mulheres do caminhão de turma”, Debate e Crítica, n. 5, São Paulo, março, 1995.

MORAES, Maria Aparecida. A migração das mulheres do Vale do Jequitinhonha para São Paulo: de camponesas a proletárias. Araraquara, 1987 (mímeo).

MOURA, Margarida M. Os herdeiros da terra. São Paulo: Hucitec, 1978.“Nordestinas migram mais do que os homens”, Veja n. 1558, São Paulo, 05-08-98. PAULILO, Maria Ignez. “O peso do trabalho leve”, Ciência Hoje, vol. 5, n. 28, jan.-fev.

1987.PESSANHA NEVES, Delma. “Agricultura familiar e mercado de trabalho”, Estudos

Sociedade e Agricultura, n. 8, Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, abril, 1997.SUÁREZ, Mireya e LIBARDONI, Marlene. Mulheres e desenvolvimento agrícola no

Brasil: uma perspectiva de gênero. Brasília: IICA, 1992.TEIXEIRA, Zuleide A. (coord.). “Perspectiva de gênero na produção rural; estudos de

política agrícola”. Documentos de Trabalho, n. 22, Ipea, Brasília, 1994.Woortmann, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. São Paulo/Brasília: Hucitec/EdUnb, 1995.

RELAÇÕES RACIAS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL1.

1 As questões abordadas neste texto integram o artigo “A construção dos conceitos de raça, racismo e discriminação racial nas relações sociais” publicado in: NEN. Multiculturalismo e pedagogia multirracial e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 25: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

João Carlos Nogueira2

IntroduçãoAs relações sociais no Brasil estão marcadas pelas relações raciais, de gênero e de classe. Essas formas de relações, não eliminam umas as outras, ao contrário, formam um intrincado complexo de relações humanas, que desafiam as clássicas áreas do conhecimento como a sociologia, história, antropologia, economia, a pedagogia e outras áreas, como o direito, a psicologia, a própria geografia e a arquitetura que passam a discutir o espaço, o território, o mundo urbano, as cidades articuladas com os conceitos e categorias produzidas no campo das relações raciais, portanto, a interdisciplinaridade como metodologia de análise e investigação é o ponto de partida para alcançar os desafios que os estudos das relações étnico-raciais exigem.

Nas ciências humanas e sociais o tripé Raça, Ciência e Sociedade, desde sempre orientou e continua orientando várias áreas do conhecimento e, particularmente, nas últimas décadas do Século XIX e início do século XX, formou as bases do pensamento político e ideológico das elites brasileiras, acerca do projeto social, cultural e econômico para as populações negras e indígenas (já condenadas pelo processo de extermínio, violência e dominação vividos nos séculos passados), cujo projeto as excluiu tacitamente do desenvolvimento do Estado-Nação. Este modelo de desenvolvimento excludente praticado pelas elites brasileiras impediu o desenvolvimento das potencialidades humanas e materiais que o País tinha como possibilidade em cada região, localidade e território.

popular. Atilènde, 2002.

2 Sociólogo, Secretário Executivo do Núcleo de Estudos Negros - NEN, Consultor do Instituto Interamericano

de Cooperação para a Agricultura - IICA e Doutorando em Gestão do Território pela UTAD - Portugal.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 26: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Desse modo, a presença dos trabalhadores negros principalmente, se dá nas franjas da sociedade, seja no campo como meeiro, roceiro, diarista, mensalista, raramente “dono” de uma pequena propriedade rural. O processo de desenvolvimento acelerado na construção das cidades no início do século XX é também profundamente excludente, na medida em que a política incentivada de imigrantes europeus, deliberadamente desqualificava a mão-de-obra nacional, em particular a dos ex-escravos. Estes são alguns dos elementos que vão estruturando o modelo histórico e contemporâneo do racismo á brasileira, que foi desenvolvendo-se enquanto prática social.

Portanto, a ideologia do racismo, a discriminação e preconceitos de toda ordem, foram também se estruturando nas práticas dos movimentos sociais, nas suas estratégias de lutas reivindicativas, nos seus propósitos enquanto sujeitos coletivos que pretendiam formar uma nova cultura política, sobretudo no movimento sindical brasileiro e nos partidos políticos. Quando recorremos às fontes produzidas à época, é nítida a negação da presença dos trabalhadores negros como sujeitos ativos (Nogueira,1996; Araújo, 2000; Bento, 1998; Rodrigues, 2000)

As relações sociais no Brasil são também historicamente marcadas pela violência, seja nas relações de trabalho no campo ou no meio urbano, do mesmo modo ela se reproduz nas relações de gênero e classes, de raça, cor, de geração, opção sexual, a opressão se manifesta como forma de intimidação. Vale destacar, que os métodos utilizados nas relações de trabalho ao longo desses 500 anos, as formas autoritárias e violentas sempre foram utilizadas para resolver conflitos, onde o pressuposto democrático seria a negociação (Weffort, 1980; Nogueira, 2001; Hirata, 2002) A negação do outro, como sujeito de direitos, permitiu fazer da diferença, instrumento para a perpetuação das desigualdades, estas marcas sedimentaram a formação do Estado, dos espaços de poder e da sociedade.

A construção dos conceitos de raça, racismo e a discriminação racial no Brasil estão diretamente relacionados ao desenvolvimento do

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 27: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

capitalismo ocidental. Pretendia-se uma construção negativa do trabalhador negro escravizado, anteposto a valores supostamente positivos brancos de origem européia. São estes valores e conceitos do mundo ocidental como: a ética protestante, liberalismo, individualismo a noção de propriedade e posse, que alimentaram e retroalimentam as bases da cultura hegemônica do ocidente. No universo competitivo dos sistemas produtivos de estímulo a simples competição nas relações de trabalho, a substituição de mão-de-obra dos trabalhadores negros pelos imigrantes, a política de branqueamento, as leis de locação de mão-de-obra incentivos e oportunidades voltados para os imigrantes europeus (Lamounier, 1988), reduziu quase a zero as possibilidades dos trabalhadores negros serem bem sucedidos nessa nova fase do desenvolvimento capitalista, conhecida como capitalismo industrial

Para os sociólogos, antropólogos, historiadores, intelectuais e pesquisadores que acreditavam no fim do racismo e da discriminação racial com o processo de industrialização no Brasil e a força do desenvolvimento econômico, ou seja, a integração passiva dos negros na sociedade de classes, esta constatação mostrou-se insuficiente. Ao contrário se cristalizaram dado a sua dinâmica e permanência mesmo nos processos com profundas mudanças sociais como foi o caso das últimas décadas do século XIX e o século XX, provando com isso, que atualmente os investimentos públicos para o desmantelamento de suas estruturas, não aceitam atitudes tímidas e evasivas. Na seara da garantia de direitos iguais e oportunidades equivalentes, os investimentos precisam ser robustos nas políticas públicas, seja para coibir, persuadir ou reeducar a sociedade para o exercício pleno da democracia.

O texto pretende abordar aspectos gerais sobre os conceitos de raça, racismo e a discriminação racial, orientando-se como questão central, a formação do pensamento racializado (John Rex, 1986) no Brasil e suas capilaridades, com o mundo das relações sociais.

Identidade, Raça, Classe e a Exclusão Social:

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 28: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Nossas singularidades enquanto Nação, nossa formação sociocultural e política, cada vez mais nos dizem quem somos. As afirmações são categóricas: Da população total 170 milhões (IBGE. Censo 2000), 61% dos brancos brasileiros têm sangue índio ou africano; somos mesmo o país da miscigenação; há brancos que são geneticamente negros, e vice-versa, ou seja, índios, negros e europeus formam a base genética da população brasileira. O que parece evidente para alguns, independente da sua ancestralidade genômica, pode parecer estranho para outros. O mistério nos parece, não é saber o que cada um de nós é, mas sim, o que queremos ser. Assumindo a definição que identidade é, sobretudo uma construção social, é o pertencimento a uma cultura, é o sentir-se num mundo de significados e valores, é o modo do grupo ou do indivíduo dar sentido a sua própria existência, cujas raízes localizam-se em algum lugar.

A cultura política e a identidade enquanto um valor socialmente construído são categorias conceituais fundamentais para compreendermos o ethos da formação da sociedade brasileira. Para Renato Ortiz (1985) “toda identidade é uma construção simbólica” afirma também “que não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos”. Para o autor, “falar em cultura brasileira é falar em relações de poder. Colocado dessa forma, existe uma história da identidade e da cultura brasileira que corresponde aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relação com o Estado”. Outro aspecto importante são as bases autoritárias da formação do Estado brasileiro que pouco ou nada contribuiu para a formação e preservação da cultura popular. No caso das culturas negras, viveram longos momentos de proibição. Principalmente as de manifestações religiosas (Candomblé e Umbanda). Essa política de negação de si e do outro, ainda atormentam as estruturas das nossas organizações sociais atualmente no Brasil. E o mesmo “monstro” que atormentou as elites no início do século XX o de querer serem brancas européias num país de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 29: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

predominância indígena e negra. A pirâmide da teoria do branqueamento inverteu-se, todas as previsões pseudo científicas sucumbiram mortalmente. O que permanece e pouco mudou é o sentido e os efeitos do racismo e da discriminação esta é a base que precisa ser desmontada.

Para o antropólogo Darcy Ribeiro “poucos países juntaram como o Brasil, tijolos e cimentos tão díspares em seu processo de constituição. Poucos também experimentaram vicissitudes que mostram de forma tão clara os caminhos pelos quais uma nação pode constituir-se não para servir a si mesma, mas atender a interesses alheios. Efetivamente o Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em conseqüência da soma dos desígnios de seus criadores. Surgiu ao contrário, como uma espécie de subproduto indesejado e surpreendente de um empreendimento colonial, cujo propósito era produzir açúcar, ouro e café e, sobretudo gerar lucros exportáveis” (Ribeiro, pg.19, 1987)

Desse empreendimento levado a cabo no curso do processo civilizatório desencadeado pela Revolução Mercantil resultou ocasionalmente um povo e, mais tarde, uma sociedade nacional. Esta emergiu da condição de feitoria colonial a de nação aspirante ao comando de seu destino, por força de um outro processo civilizatório de âmbito mundial – a Revolução Industrial, que embora só afetasse reflexamente a transfigurou radicalmente. Os países que lideraram a I Revolução Industrial, em especial a Inglaterra, destinou as nações periféricas e em desenvolvimento, a produção de gente, mão-de-obra barata e muita miséria, enquanto isso produzia bens de consumo, tecnologia, conhecimento e poder.

É na esteira da I Revolução Industrial que melhor se cristalizaram os conceitos de classe operária, divisão do trabalho, como também se alcunham novas categorias como: raça, etnia, nação, e outros, estas desenvolvidas como forma de melhor perceber as novas relações sociais e posteriormente, impô-las as suas colônias como critério científico e metodológico, para interpretar e compreender a realidade.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 30: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Como surge o preconceito? Para Oliver C. Cox as formas modernas de relações raciais surgem por volta de 1493-94, por influência dos portugueses e espanhóis no novo mundo, e afirma que é a lógica do “espírito capitalista” as causas da discriminação e do racismo. Para Marvin Harris (ano, pg.) “o preconceito racial surge como uma justificação ideológica do interesse das nações européias na exploração do trabalho negro”. Arnold Rose traça a sua origem por volta de 1793, data em que, com a invenção da máquina de separar o algodão bruto das suas sementes, se renovou o interesse dos plantadores em manter a escravidão nos EUA. Mas as tentativas de explicar as bases ou a origem do preconceito racial a partir de uma única fonte tem se revelado inconsistente e pouco convincente.

O racismo e a discriminação são elementos dinâmicos nas sociedades e nas relações sociais e interpessoais, ultrapassam as fronteiras de um ou outro marco histórico. Todavia, os alvos, as vítimas permanecem as mesmas, ou seja, os grupos discriminados permanecem hierarquizados na estrutura social.

Frantz Fanon coloca de forma extraordinária, os sentidos do racismo no ocidente, o de “ser não apenas um negro, (um índio) mas um membro dos marginalizados, dos deslocados, dos diaspóricos. Estar entre aqueles cuja própria presença é vigiada [overlooked] - no sentido de controle social”. Fanon. F, Black Skin, White Masks in Bhabha, 1986.). No seu sonho humanista e socialista Fanon afirma “tudo o que eu queria era ser um homem entre outros homens. Queria chegar lépido e jovem a um mundo que fosse nosso e construí-lo em conjunto” (idem).

Como afirmou também o professor e geógrafo Milton Santos à Folha de São Paulo, ao ser indagado sobre o que seria necessário fazer pelos negros no Brasil, respondeu sabiamente “que o mais importante para um negro no Brasil é ser cidadão”.

A Construção do conceito de raça, racismo e a discriminação racial.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 31: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O conceito de raça é construído na Europa no século XVI, designa pessoas e grupos, orienta-se por classificações e hierarquias. No caso do Brasil, relacionou-se a negros e índios e, classificou-se estes dois grupos, como pertencentes à raças/etnias inferiores.

Quando falamos de raça negra estamos nos referindo a uma origem, a um povo, a várias populações oriundas do continente africano, de aspectos culturais e sociais, de valores e crenças, de olhares e singularidades. Onde sua história e identidade positiva, buscam permanentemente desconstruir a carga negativa atribuída ao conceito de raça (negros na diáspora) no Brasil.

As definições conceituais sobre raça, racismo e discriminação racial, são importantes, no sentido de compreender suas dimensões político-ideológicas numa sociedade como a brasileira, que pretende ser democrática e racialmente integrada. As três definições do conceito de raça, que seguem no texto, procuram atualizar o debate.

Raça como Classificação

Definição de um grupo ou pessoas conectadas por uma origem comum. A palavra entrou para a língua inglesa no começo do século XVI; desde então e até o começo do século XIX, foi usada principalmente para se referir a características comuns apresentadas em virtude de uma mesma ascendência.

Raça como Significante

Esta definição pretende tratar o conceito de raça no nível do discurso, coloca-se em oposição aos outros enfoques do tema. Significante – É uma expressão, som ou imagem cujos significados são viabilizados somente por meio da aplicação de regras ou códigos. Assim, os significados de raça estão codificados e, portanto, podem ser decodificados somente nos parâmetros do discurso. O enfoque vai para além da crítica ao conceito de raça como um termo biológico equivocado

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 32: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ou até como um sinônimo para a diversidade cultural: o interesse esta no uso popular do termo.

Raça como Sinônimo

Este conceito foi construído pelas áreas do conhecimento, como a biologia e a antropologia física, que pretendiam montar um “esquema” para hierarquizar os grupos humanos. Atualmente para a maioria dos biólogos e principalmente para os antropólogos, as formas de classificação em: negróides, mongolóides e caucasóides, está ultrapassada. A discussão fundamental sobre as relações raciais no mundo atual, não reserva mais espaço para as categorizações biológicas, embora elas ainda encontrem espaços para sobrevida. Os dados sobre as desigualdades, os critérios de verificação do desenvolvimento humano e, sobretudo as suas causas, indicam razões

ideológicas e motivações sociais como geradores do preconceito racial,

da discriminação e do racismo.

Racismo Estrutural

O racismo no Brasil é estrutural. O tráfico de homens, mulheres e crianças do continente africano para o Brasil, transformados em escravos ao longo de quase quatro séculos, mantidos pelas elites permitiu que se construísse ao longo do período colonial, império e inicio da republica, um sistema social, sustentado pelo Estado, de discriminação, segregação, preconceitos e racismo. Com isso, estruturou-se como ideologia traduzida em prática social, uma cultura racial, baseada evidentemente na dominação e poder em todas as formas de relações sociais. Assim, estruturaram-se nas instituições públicas e privadas, os valores da inferioridade dos negros, indígenas e pobres, estes valores, inculcados nas estruturas de pensamento dos indivíduos e grupos, reproduziram-se no nosso desenvolvimento social e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 33: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

econômico, causando as profundas desigualdades sociais que

conhecemos. Estas, transformadas em indicadores de pobreza entre negros e brancos na atualidade. É estrutural porque o Estado e a Sociedade no Brasil se organizaram com base na exclusão dos espaços públicos, dos territórios e regiões, privilegiaram-se as relações patrimonialistas em detrimento do universal e republicano. Para desmantelar o conjunto dos sistemas de dominação e poder, é necessário forte investimento publico e privado, seja para persuadir o conjunto da sociedade á uma cultura da diversidade ou para desestruturar o sistema constituído.

As relações sociais e trabalhistas no campo, baseado no patriarcado no arcaísmo como projeto, é a base epistemológica para compreendermos as relações que se desenvolveram ao longo dos séculos no Brasil, tanto na construção da sociedade agrária, como no desenvolvimento em direção a construção das cidades no inicio do século XX. São estas relações de dominação que cimentam e estruturam o racismo no Brasil.

Racismo InstitucionalO racismo institucional tal como foi praticado pelo professor Stokeley Carmichael, militante negro norte americano (Carmichael and Hamilton, 1968), pode ser melhor compreendido se o localizarmos numa conjuntura histórica bastante singular, mas que modifica a nossa percepção acerca dos tratamentos possíveis no combate ao racismo. O racismo institucional permeia as artérias dos sistemas públicos e privados, apresenta-se como fim em si mesmo nas modalidades dos serviços, equipamentos sociais, nos concursos, nas carreiras profissionais, nas representações sociais e políticas, enfim, é um forte instrumento de bloqueio as oportunidades iguais entre negros e brancos, entre mulheres e homens etc.

Outro conceito que ganha espaço e força, principalmente na sociologia e na teoria política é a definição de racialização “Termo que surgiu nas

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 34: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

análises da década de 70 para se referir ao processo político e ideológico por meio das quais determinadas populações são identificadas por referência direta ou indireta as suas características fenotípicas reais ou imaginárias;... o uso e o sentido do termo emergem da análise histórica” (Cashmore, 1996).

O racismo é uma palavra usada com vários sentidos, até o final da década de 60, era definida como doutrina, dogma, ideologia ou conjunto de crenças. O substancial dessa doutrina era que a raça determinava a cultura, e dela derivavam as alegações de superioridade racial, mantendo a idéia que são as práticas e atitudes que geram a discriminação racial, produzindo as desvantagens raciais.

Outra abordagem que concorria a essa no mesmo período, afirmava que a expansão do capitalismo no Novo Mundo necessitou da exploração da mão-de-obra africana, combinado a isso, criou-se justificativas e crenças a respeito da suposta inferioridade dos negros. Essa nova criação histórica, nos séculos subseqüentes foi modificada juntamente com a estrutura econômica. A esse complexo histórico denominou-se racismo.

A definição comum sobre racismo, entre a maioria dos autores, correntes de pensamento e escolas na atualidade está sustentada no seu caráter ideológico, ou seja, é a imputação de características negativas reais ou supostas a um determinado grupo social.

Embora o racismo mantenha sempre seus pressupostos básicos de fundamentação e justificativa, ele é dinâmico socialmente, resignifica-se conjunturalmente. No final dos anos oitenta e início dos anos 90, dois novos termos apareceram para explicar uma característica do racismo Norte Americano nos Estados Unidos e nos países Europeus:

Racismo do Meio Ambiente: Este termo tem suas origens num relatório de 1987, da Comissão de Justiça Social dos Estados Unidos, que detectou em várias áreas residenciais de maioria negra e latina, a localização de depósitos de resíduos tóxicos e incineradores. Concluindo

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 35: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

que a maior parte dos mais amplos e perigosos lixões era destinada pelo estado e empresas privadas a essas duas comunidades.

As questões chave são os padrões de estabelecimento de áreas

residenciais, onde a segregação étnico-racial é flagrante.

Racismo Europeu: Durante o início da década de 1990, um dos principais fenômenos da realidade política contemporânea, tanto na Europa ocidental quanto na oriental, foi o aumento do racismo e o crescimento do debate público a respeito da imigração. Essa tendência fez-se notar em países tão diferentes da Europa ocidental quanto na França, na Alemanha, na Áustria, na Bélgica e Itália. Nas sociedades pós-comunistas, tais como Hungria, Romênia, Polônia, República Theca e as componentes da antiga União Soviética, houve um verdadeiro desabrochar de movimentos racial-nacionalistas.

A desintegração da Iugoslávia foi acompanhada de tentativas organizadas de remover grupos étnicos e religiosos inteiros por meio da “limpeza étnica” e do terror. Há nesse período um crescimento espantoso do racismo e dos movimentos neofacistas.

E esses movimentos tiveram repercussões no Brasil, principalmente nas capitais e grandes cidades os skinheads (organizações neonazistas) atacaram e perseguiram negros, nordestinos e homossexuais principalmente.

Estas manifestações racistas não são localizadas em um ou outro ponto geográfico, são tendências mundiais do racismo contemporâneo.

Como se construiu e se inculcou no pensamento, no discurso e na prática o racismo no Brasil? Poderíamos partir de bases explicativas anteriores a Abolição em 1888 e a Proclamação da República em 1889, no entanto, pretendemos privilegiar as análises sobre as relações raciais a partir dos finais do século XIX e início do século XX e nessa opção,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 36: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ressalta as decisões políticas das elites a época e está diretamente relacionada ao processo imigratório dos brancos europeus, e os negros e índios no Brasil.

Para Giralda Seyferth (2000, p. 112) “O eixo da discussão sobre política imigratória passa para a questão racial de forma mais explícita, nas primeiras décadas da república, sempre vinculada à colonização – ou seja, o imigrante preferencial é aquele que pretende se fixar como agricultor ou trabalhador rural. O tema preponderante é o da assimilação associado à miscigenação enquanto processo histórico de formação de uma “raça” ou “tipo” nacional”.

O Brasil já possuía uma ciência das raças gestada desde 1860, sob influência de Paul Broca, eminente anatomista e antropólogo francês – conforme periodização em Castro Faria (1952). Até 1877 são trabalhos esparsos, realizados no âmbito das escolas de medicina, versando sobre as origens das raças humanas e temas próximos. Em 1877 foi instituído o primeiro curso de Antropologia Física no Museu Nacional – lecionado por João Batista de Lacerda. A partir daí, os estudos sobre raças tornaram-se mais sistematizados tanto nos Museus como na Medicina Legal com os pesquisadores interessados, principalmente na morfologia e classificação de tipos indígenas e de mestiços. Essa ciência tinha como premissa a desigualdade das raças e construiu hierarquias baseadas na superioridade da “raça branca”, na inferioridade das “raças de cor” leia-se negra, e nos “prejuízos” da mestiçagem embaralhada (termo pelo qual alguns intérpretes da formação racial brasileira se referiam à massa de “trabalhadores nacionais”). O exemplo mais eminente foi Nina Rodrigues, médico anatomista e catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia que com o livro “Os africanos no Brasil” sistematizou os estudos e as pesquisas sobre a situação do negro na diáspora africana. Os antropólogos seguiam o rigor metodológico e estatístico preconizado por Broca, que sistematizou a Antropometria e estava convencido da inferioridade dos não brancos como muito outros cientistas da sua época preocupados com a elaboração de rigorosas hierarquias raciais. Por

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 37: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

outro lado, até a Primeira Guerra Mundial estavam em evidência às teses darwinistas sociais e o mito ariano (principalmente na forma inventada por Gobineau, Chamberlain e Lapouge) e a mestiçagem aparece como elemento negativo em todas elas.

Mas os cientistas brasileiros encontraram meios para contornar a visão negativa seguida pelo racismo para a mistura de raças ora classificadas como inferiores, ora como atrasadas: inventaram a tese do branqueamento e os mestiços “superiores”. Nos termos da sua versão “científica”, através da memória apresentada por J.B de Lacerda no Congresso Universal das Raças, Londres, 1911, como delegado do governo brasileiro (Lacerda, 1911), o branqueamento da raça era visualizado como um processo seletivo de miscigenação que, dentro de um certo tempo (três gerações), produziria uma população de fenótipo branco (A concepção de seleção natural e social inspirada no darwinismo social presumia que os mestiços mais bem dotados – classificados como superiores- procurariam cônjuges de pele mais clara; para os “mestiços inferiores” (índios e negros) foi vaticinado o desaparecimento progressivo no contexto de uma civilização em progresso).

Portanto, em termos gerais, o Brasil teria uma raça, ou um tipo ou, ainda, um povo nacional. Em suma, a característica que faltava para definir a nação. Sendo assim, os imigrantes tinham um papel adicional a exercer: contribuir para o branqueamento e, ao mesmo tempo, submergir na cultura brasileira através de um processo de assimilação.

O fluxo imigratório para o Brasil foi mais intenso entre 1880 e 1920, e a década de 1890 concentrou o maior volume de entrada de estrangeiros, mais de 1 milhão e duzentos mil indivíduos (Carneiro, 1950 citada por Guimarães), a maioria proveniente da Europa (principalmente da Itália). Na virada do século, as estatísticas serviram para dar credibilidade á imaginada nação branca do futuro. Os assuntos da colonização e da imigração, assim, passaram a ser discutidos por cientistas de todos os matizes como uma questão de “raça”.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 38: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Devemos ainda considerar as relações de benefícios cedidas aos imigrantes, e os sacrifícios impostos aos que produziram nestas terras na condição de trabalhador escravizado por quase 400 anos. Não se trata somente de uma lembrança, é dar sentido ao processo histórico, e compreender em grande medida, as razões das desigualdades, da concentração de renda, da terra e dos elevados índices de analfabetismo concentrados na população negra.

Conclusão:As identidades de um povo formam uma nação, sua soberania. Ao negá-la interrompe-se sua força de desenvolver-se e sonhar.

A cultura política, compreendida como ação dos sujeitos coletivos e dos indivíduos, fortalece as bases de uma nação, dos territórios, da sociedade e do estado.

Um novo projeto social, político e econômico, se constroem a cada dia, a partir das realidades de cada cultura envolvida e envolvente com o todo, com as partes e, com o universal. É este movimento dialético que permite que uma sociedade seja mais tolerante com as e entre as pessoas e o meio ambiente.

As teorias, os conceitos, de sorte, não são eternas, uma nova hipótese, uma nova investigação, um novo movimento em sentido contrário, pode desconstruir o que parecia verdade absoluta.

Acreditamos que podemos desencorajar as teorias, os discursos e as práticas racista, sexistas, discriminatórias e preconceituosas discutindo-as abertamente nas esferas públicas e privadas, nas nossas casas, na escola, nos locais de trabalho. Assegurar recursos públicos e privados para desenvolver políticas antidiscriminatórias, como está sendo feito em alguma medida, em vários projetos e programas de governos, organizações sociais e entidades do movimento negro é também um caminho. No entanto, todas essas iniciativas serão absolutamente insuficientes sem a mobilização da sociedade em especial, do movimento negro organizado e dos movimentos sociais e populares.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 39: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARAÚJO, J. (2000). A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Ed Senac.

BENTO, M.A. (1998). Cidadania em preto e branco. São Paulo: Ática.

BHABHA, H. K. (1998). O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG.

CASHMORE, E. (1996). Dicionário de relações étnico-raciais. São Paulo: Selo Negro.

GIRALDA, S. (2000). Identidades, estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec.

GUIMARÂES. A. S. A. (1999). Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Fundação de apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34.

HIRATA, H. (2002). Nova divisão sexual do trabalho. São Paulo: Boitempo.

LAMOUNIER, M. (1988). Da escravidão ao trabalho livre. São Paulo: Papirus.

MUNANGA, K. (1996). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Edusp: Estação Ciência.

NOGUEIRA, J.C. (1996). A discriminação racial no trabalho sob a perspectiva sindical. In: MUNANGA, K. (Org.) Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Edusp: Estação Ciência.

__________________ (2001). A construção do pensamento negro e as relações raciais. In: Central Única dos Trabalhadores. Todos são iguais, semelhantes e diferentes. Recife: Escola de Formação Sindical Nordeste.

__________________ (2002). A construção dos conceitos de raça. Racismo e a discriminação racial nas relações sociais. In: NEN. Multiculturalismo e a pedagogia multiracial e popular. Florianópolis: Atilènde. (Série Pensamento Negro em Educação).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 40: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

____________________ (2001). História do trabalho e do trabalhado negro no Brasil. São Paulo: CUT.

ORTIZ R. (1985). Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense.

REX, J. (1988). Raça e etnia. Lisboa: Editorial Estampa.

RIBEIRO, C. (1987). Os brasileiros: teoria do Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes.

WEFFORT, F. (1980). Populismo na política brasileira. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra.

ANAIS DO 9º CONGRESSO NACIONAL DE TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS

Brasília – DF, 28/02, 1º, 2, 3 e 4 de março de 2005CONTAG – FETAGs – STRs

PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

POTENCIALIDADES, AVANÇOS E DESAFIOS NOS ÚLTIMOS 10 ANOS

INTRODUÇÃOOs anos 80, marcados pelo processo de democratização do país, trouxeram para a cena pública, diversos e diferentes sujeitos políticos: Movimento Sindical, Movimento Popular, Movimento Feminista, Movimento Indígena,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 41: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Igrejas, partidos políticos, etc., que se aglutinaram em torno da construção de um projeto democrático, popular, justo e igualitário para o Brasil.Neste momento, era necessário e urgente reorientar e fortalecer as instituições políticas brasileiras para torná-las aptas à construção deste projeto de sociedade. No campo, surge o debate sobre a emergência de novos sujeitos de base que se organizam dentro da estrutura e organização sindical, em especial as mulheres trabalhadoras rurais que fizeram a opção de articular a luta feminista com a luta sindical, bem como, a juventude e a 3ª idade. Os anos 90 ou a era dos governos Collor e FHC se traduziram em momentos de grave crise política e econômica, mobilizando diversos setores da sociedade brasileira para se contrapor ao projeto neoliberal. Neste contexto, em 1991, no seu 5º CNTR, o MSTTR identifica a necessidade de construir um Projeto Alternativo de Desenvolvimento, que orientasse a ação sindical para a superação dos problemas oriundos dos modelos de desenvolvimento excludentes, que sempre foram impostos para o campo brasileiro.Para se tornar sujeito protagonista no processo de implementação desse projeto era preciso definir políticas de fortalecimento das nossas entidades sindicais e compreender as diversas dinâmicas de desenvolvimento rural. Essa tarefa foi fortalecida e tomou uma dimensão mais estratégica com a filiação da CONTAG a CUT, em abril de 1995.A partir do 6º CNTTR, foram realizados seminários regionais de diagnostico da realidade, que subsidiaram a construção do Projeto CUT/CONTAG de Pesquisa e Formação Sindical, que mobilizou mais de 5 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. Esta pesquisa se somou a elaboração que vinha sendo realizada pelo MSTTR em torno da construção de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - PADRSS, aprovado em 1995, no 6º CNTTR. As primeiras mobilizações do Grito da Terra Brasil foram, por sua vez, os espaços de formulação, articulação, proposição e negociação de políticas públicas, que buscaram dar materialidade às proposições do PADRSS.O PADRSS foi concebido como estratégia de enfrentamento ao projeto neoliberal e de superação do modelo agrário e agrícola vigente no país, pautados no latifúndio e no agronegócio. As bases essenciais para construção deste Projeto de Desenvolvimento são a realização da ampla e massiva reforma agrária e a ampliação, valorização e fortalecimento da Agricultura

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 42: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Familiar. Quanto aos assalariados e assalariadas rurais, considerados os proletariados agrícolas, a estratégia é torná-los protagonistas deste projeto de desenvolvimento, principalmente nas áreas de maior resistência da agricultura patronal.O PADRSS, ao propor a construção e implementação permanente e sistemática do desenvolvimento sustentável no meio rural, definiu que a sustentabilidade deste projeto depende das lutas das trabalhadoras e trabalhadores pela terra, política agrícola diferenciada, defesa e ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, política permanente de valorização do salário mínimo, erradicação do trabalho infantil e escravo, educação do campo, saúde integral pública e gratuita, respeito à autodeterminação das populações tradicionais, preservação do meio ambiente e superação da desigualdade de gênero e de todas as formas de discriminação, inclusive, a luta dos jovens.O 7º e 8º CNTTR, bem como o 2º CNETTR, a 1ª PNTTR, os “GRITOS DA TERRA BRASIL”, as “MARCHAS DAS MARGARIDAS”, as ocupações de terras e de prédios públicos e outras ações de massa, foram incorporando novas temáticas, ampliando a concepção e fortalecendo a prática do PADRSS em suas várias dimensões.Passados quase 10 anos, o 9º CNTTR precisa fazer uma avaliação da prática do MSTTR no processo de construção e implementação do PADRSS, levando em conta o novo cenário político brasileiro e as tendências de sustentabilidade do desenvolvimento rural. O país vive um momento histórico e, por isso, deve ser implantado o PADRSS, para combater o desemprego e fixar homens e mulheres no campo.

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DO PADRSS E A RELAÇÃO COM AS NOVAS TENDÊNCIAS

SOBRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADEO conceito de desenvolvimento e sustentabilidade utilizado pelo MSTTR é uma idéia em construção, portanto não existe um caminho único para sua realização. Esta proposta incorpora e se articula com o pensamento de diversos setores da sociedade nacional e internacional, que utiliza a noção de desenvolvimento sustentável como portadora de um novo

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 43: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

projeto de sociedade, capaz de garantir, no presente e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e preservação da natureza.O PADRSS propõe romper com o preconceito anti-rural incorporado na cultura brasileira de que o campo está associado ao passado e ao atraso. Além deste, se propõe a romper com outro senso comum de campo, enquanto espaço de guerra por conta dos conflitos agrários, ou ultramoderno projetado pelo agronegócio. No PADRSS o meio rural é concebido como um espaço político, social, econômico, produtivo, ambiental e cultural, que têm sujeitos organizados e dinâmicas de desenvolvimento potencializadoras da sustentabilidade. Do total de 5.507 municípios brasileiros existentes até o ano 2000, mais de 4.485 municípios fazem parte do Brasil Rural, pois têm menos de 50 mil habitantes e cerca de 80 habitantes por Km2. Neste sentido, o PADRSS se propõe a ser um processo permanente de produção e reprodução de qualidade vida para o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores rurais, contribuindo para a melhoria de vida das populações rurais e urbanas.A estratégia a ser adotada pelos STTRs, FETAGs e a CONTAG, deve se orientar pela participação política e a gestão democrática na comunidade, município, território ou região, transformando os excluídos e marginalizados em cidadãos e cidadãs; nunca perdendo de vista a articulação entre o local, regional, territorial com o global, e o rural com o urbano, na perspectiva de uma sociedade justa, democrática, igualitária e solidária.A territorialidade já é uma estratégia adotada pelo MSTTR em diversas ações, inclusive em parceria com programas e projetos governamentais, como o PDHC – Projeto Dom Hélder Câmara, Projeto de Capacitação em Desenvolvimento Territorial Sustentável, com ênfase na Educação do Campo e o Projeto de Formação de Multiplicadores (as) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos. É necessária a participação efetiva do MSTTR nos processos políticos e eleitorais e nos espaços de concepção e gestão de políticas públicas, em

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 44: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

todos os níveis, para reverter o processo neoliberal e viabilizar políticas públicas necessárias à implementação do PADRSS.Isto porque, a concepção e prática de desenvolvimento rural estão em disputa entre diversos setores sociais e governamentais. Dessa forma é necessário que o 9º CNTTR defina estratégias de afirmação e visibilidade do PADRSS, ao nível local, estadual, regional e nacional.É fundamental, também, que os STTRs, FETAGs e CONTAG estabeleçam um diálogo amplo e permanente com a sociedade, em torno da concepção de espaço rural e do desenvolvimento sustentável que propomos. Este diálogo deve se orientar na construção de relações sociais que na prática incorporem a solidariedade e a cooperação mútua entre os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, em contraposição ao individualismo, que é a marca central do neoliberalismo.O 9º CNTTR aprofundou a discussão e deliberou pela inclusão do termo “solidariedade” ao nome do PADRS, passando a ser denominado de Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - PADRSS.

A POLÍTICA TRANSVERSAL DE GÊNERO, GERAÇÃO, RAÇA E ETNIA NO PADRSS

O desenvolvimento da pessoa, em sua integralidade, deve orientar a construção e implementação do PADRSS. Isto significa que o MSTTR deve assumir o compromisso de transformar as estruturas que sustentam as relações entre as pessoas, pois não haverá sustentabilidade nos processos de desenvolvimento sem o estabelecimento de relações sociais, justas, democráticas, igualitárias e solidárias.Neste sentido o MSTTR deve estar em constante diálogo com todos os sujeitos políticos que compõem a categoria trabalhadora rural, garantindo a sua participação, reconhecendo as suas diferenças e especificidades e incorporando as suas respectivas demandas,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 45: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

especialmente os mais excluídos e discriminados como mulheres, jovens, 3ª idade, idosos. Esses princípios dão maior legitimidade ao nosso projeto político. Alguns avanços significativos já vêm acontecendo, a exemplo da aprovação da cota de mulheres, participação crescente de mulheres e jovens nos cargos de direção do MSTTR, ampliação e fortalecimento das comissões de mulheres, ações de massa como a Marcha das Margaridas, e mais recentemente a criação das comissões de jovens e pessoas da 3ª idade. Onde foram desenvolvidas ações do PADRSS/PDLS houve uma maior motivação da base demonstrando a necessidade de participação das mulheres. Garantir a ampliação do PADRSS/PDLS para todos os municípios, pois isto permitirá o avanço das conquistas e da organização das mulheres.É importante entender que a cota mínima de participação no MSTTR surge como instrumento de democratização das relações de poder entre mulheres e homens, contribuindo para o reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos, assegurando a sua participação direta em todos os espaços formativos e de decisão da CONTAG, FETAGs e STRs. Embora importantes e necessárias, a cota sozinha e a estruturação de uma secretaria de mulheres não tem sido suficientes para superar os problemas relacionados às desigualdades de gênero. É urgente e necessário também ampliar e fortalecer as comissões de mulheres em todas as instâncias do MSTTR, pois são nesses espaços que as mulheres se articulam e buscam construir unidade em torno de questões comuns, refletem sobre sua realidade específica e elaboram propostas para serem articuladas e incorporadas às lutas gerais do MSTTR.A participação organizada das mulheres tem motivado, ainda que de forma diferenciada, a participação organizada de jovens e 3º idade.Tem sido importante também para incorporar no nosso projeto político o enfoque da igualdade de gênero, articulado com a dimensão de classe, geração, raça e etnia. Na prática, isso significa que todas as políticas e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 46: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ações do MSTTR devem estar voltadas para o desenvolvimento da pessoa na sua integralidade. O desafio está em superar alguns equívocos de concepção, investir na formação de lideranças e dirigentes do MSTTR em torno destes temas, sensibilizando-os e comprometendo-os para a construção de novas práticas. Para qualificar o PADRSS o enfoque de gênero deve transversalizar/perpassar todas as políticas e ações do MSTTR. Gênero no PADRSS é um conceito em construção, que articula a dimensão de classe, geração, raça e etnia, e serve para entender as relações de poder e de hierarquia estabelecidas entre mulheres e homens na família, na comunidade, no local de trabalho, no sindicato, e na sociedade em geral. É importante compreender que estas desigualdades estão fundamentadas em aspectos culturais, estruturais e institucionais, tendo pôr base o modelo de família patriarcal e a divisão sexual do trabalho. A ideologia patriarcal se sustenta na idéia de que o homem representa a família em todos os assuntos externos e é o administrador da propriedade familiar. Já a divisão sexual do trabalho fundamenta a idéia do homem ser socialmente reconhecido como agricultor e a mulher como doméstica ou “ajudante”. Essa visão discriminatória revela uma profunda desigualdade nas relações entre mulheres e homens, uma vez que não valoriza e não reconhece a quantidade de tempo que as mulheres dedicam às atividades agrícolas e não-agrícolas produtivas. Muito menos atribuem um valor econômico ao trabalho doméstico, fundamental para viabilizar a agricultura familiar, não fazendo a inter-relação entre o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e a reprodução e manutenção da força de trabalho na agricultura familiar. Com prejuízo para o acesso aos benefícios da Previdência Social.Por esta razão, o foco central da nossa política transversal de gênero é contribuir para a construção de novas relações entre mulheres e homens baseadas na igualdade de direitos e oportunidades. A estratégia política é reconhecer e empoderar as mulheres como sujeitos políticos, contrapondo-se à condição de opressão e subordinação imposta pelo

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 47: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

capitalismo e patriarcado. Empoderar as mulheres significa reconhecê-las como sujeitos políticos, fortalecer sua organização no MSTTR, valorizar suas habilidades e capacidades políticas, sociais, econômicas, produtivas e culturais, assegurando sua participação direta nos espaços de decisão e poder do MSTTR e nos espaços de formulação e gestão de políticas públicas de desenvolvimento sustentável.Geração no PADRSS é um conceito que explicita o papel social que cada pessoa cumpre nas diferentes fases da vida: infância, adolescência, juventude, adulto, terceira idade e idosos. Estes papéis se alteram de acordo com a época e história de cada sociedade. Diferente das questões de gênero que dirigem um apelo para o fim da desigualdade, subordinação e opressão das mulheres, o enfoque geracional faz um apelo sobre a valorização e as oportunidades de inserção social de jovens, 3ª idade e idosos na sociedade.Juventude Rural: Para o MSTTR jovem rural são mulheres e homens que vivem e trabalham no meio rural, e se encontram na idade de 16 a 32 anos. Ser jovem é uma condição relativa e transitória, pois logo entrarão nas outras fases da vida. Entretanto, é na fase da juventude que as pessoas vão afirmando suas identidades sociais e profissionais, e definindo sua formação física, intelectual, psicológica e emocional. Dessa forma, é importante estarmos abertos para entender os processos de mudanças e definições que se apresentam nesta fase da vida. Neste sentido, ressaltamos que os critérios de faixa etária (18 a 24 anos), estabelecidos pelos gestores públicos e instituições multilaterais e bilaterais não dialogam com a realidade da juventude rural, precisando ser avaliados e alterados, para que seja adotado o conceito de juventude utilizado pelo MSTTR.É a partir do 8º CNTTR, em 2001, que a juventude rural se organiza nacionalmente no MSTTR, dando visibilidade às novas lutas, já que em alguns estados havia organizações de jovens. O foco central de nossa política é elevar a auto-estima da juventude, incentivar e fortalecer a sua organização e formação política, apresentar propostas de políticas sindicais e políticas públicas que promovam e efetivem a inserção social

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 48: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

da juventude no meio rural em nível nacional reafirmando a consciência de classe e o fortalecimento do trabalho coletivo e solidário.A construção de políticas voltadas para atender os anseios da juventude é um investimento que o MSTTR está fazendo para os (as) jovens trabalhadores e trabalhadoras rurais de hoje e os (as) adultos de amanhã. Neste sentido, as questões da juventude devem perpassar todas as políticas e ações sindicais. As propostas políticas da juventude devem ser de responsabilidade compartilhada entre as Coordenações e Comissões de Jovens trabalhadores e trabalhadoras do MSTTR e as demais secretarias e setores do movimento sindical.Sabemos da importância da mobilização de todos os setores, mas não podemos permitir que esta setorização contribua para a divisão do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.3ª idade no PADRSS é uma forma de valorizar os conhecimentos e saberes de mulheres e homens que estão acima dos 50 anos de idade, que vivem e trabalham no meio rural. É também uma forma de reconhecer a contribuição dessas pessoas na construção do Movimento Sindical, na vida familiar, na vida comunitária e na sociedade em geral.No MSTTR é predominante a participação de mulheres e homens acima dos 50 anos de idade nos espaços de direção do MSTTR. É visível também como associados dos STTRs, até porque é nesta fase da vida que essas pessoas procuram assegurar seu direito à aposentadoria. Mesmo desempenhando papel importante na vida familiar e comunitária, infelizmente muitas dessas pessoas sofrem discriminação e preconceitos, ficando à margem na sociedade. É neste sentido que surge o debate sobre a organização da 3ª Idade e Idosos na estrutura sindical. A finalidade é elaborar e implementar políticas sindicais e políticas públicas que elevem a auto-estima dessas pessoas assegure seus direitos e garantam sua inserção social na vida familiar, comunitária, sindical e na sociedade em geral. Raça e Etnia A pessoa é portadora de diferentes identidades sociais. Além de sermos mulheres e homens, trabalhadoras e trabalhadores

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 49: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

rurais, em diferentes fases da vida, somos também portadores de uma identidade racial e étnica. Raça é uma categoria que serve para definir a identidade racial de uma pessoa ou grupos sociais. Esta categoria considera as características físicas de um determinado grupo de pessoas que são transmitidas de geração em geração, bem como sua origem e história de vida. Estas pessoas incorporam e difundem expressões culturais específicas, como a religião, língua, dança, arte, literatura, etc. Etnia é uma categoria que serve para entender a identidade de um povo. Cada povo tem seu território, costumes, hábitos, tradições e formas próprias de organização social, política, econômica, bem como de convivência com o meio ambiente. As abordagens transversais de gênero, geração, raça e etnia têm contribuído para entender alguns fenômenos sociais que vêm ocorrendo no meio rural, como a feminização da pobreza, a masculinização do campo, o envelhecimento das pessoas com diminuição das taxas de natalidade (nascimentos) e a tendência de saída da juventude em busca de outras oportunidades de vida e de futuro. Tem contribuído também, para quebrar a indiferença frente às discriminações e preconceitos de raça e etnia. A transversalidade de gênero, geração, raça e etnia é um dos maiores desafios colocados para os Movimentos Sociais e Sindical, bem como para o Estado e seus poderes. Por isso, o 9º CNTTR deve deliberar estratégias para qualificar sua ação neste campo de atuação.

REFORMA AGRÁRIA E AGRICULTURA FAMILIAR COMO BASES PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

O PADRSS se contrapõe aos padrões dos sucessivos modelos de desenvolvimento rural implementados no Brasil, em que o enfoque econômico- financeiro se sobrepõe à dimensão social, política, cultura e ambiental das populações.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 50: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O MSTTR propõe a construção de um desenvolvimento rural sustentável, em que o elemento fundamental é a realização de uma ampla e massiva reforma agrária, não apenas como mecanismo distributivo de terras, mas como medida eficaz para promover a ampliação, valorização e o fortalecimento da agricultura familiar. Para o MSTTR, a realização da Reforma deve interferir na base e estrutura fundiária, promovendo a ruptura com o desenvolvimento excludente, concentrador de terra e renda e reprodutor do poder oligárquico, representado pelo Agronegócio e pelo latifúndio. Neste sentido, a agricultura familiar é estratégica para a sustentabilidade do desenvolvimento rural, quando fomenta a interiorização do desenvolvimento possibilitando a inclusão social, produtiva e política das populações locais. Esta agricultura familiar incorpora um valor social, econômico, cultural e ambiental, porque garante à segurança alimentar das famílias, abastece o mercado interno, tem viabilidade econômica para ser competitiva, amplia as oportunidades de geração de renda e de ocupações produtivas, se estabelece através de formas cooperativas e associativas do trabalho, deve estar associada à produção agroecológica e na convivência equilibrada com o meio ambiente.A agricultura familiar responde por 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, ocupa 77% da mão-de-obra no campo e é responsável por 51% da produção de alimentos que chegam à mesa da população brasileira. Apesar de seu bom desempenho, a agricultura familiar ocupa apenas 21% das terras agricultáveis e tem acesso a menos de 25,3% do volume de crédito que o governo federal disponibiliza para a agricultura brasileira. No entanto, existe uma disputa política e ideológica entre diversos setores da sociedade e setores governamentais, sobre qual modelo de desenvolvimento rural deve ser implementado no Brasil. A concepção defendida pelo MSTTR se contrapõe ao modelo de desenvolvimento rural que o setor ruralista defende. Este setor, representado pela CNA, por numerosa bancada no Congresso Nacional e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 51: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

pelo Ministro da Agricultura, apoiados pela grande mídia e alguns intelectuais e economistas, têm defendido o agronegócio como o modelo de desenvolvimento redentor para o campo e para o Brasil. Como contraposição a essa concepção do agronegócio a agricultura familiar precisa resgatar a importância da comercialização de seus produtos excedentes, na perspectiva da economia solidária.Para fazer a defesa de sua concepção, os ruralistas e seus aliados se apropriaram do conceito de Agronegócio, incorporando nele um significado que extrapola a simples tradução de “negócios da agricultura”. Mais do que os negócios da agricultura, este setor defende um modelo de desenvolvimento para o campo baseado na grande propriedade, na produção de monoculturas para o mercado externo, utilização de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados, além de tecnologias que dispensam o uso de mão-de-obra. Tudo isso em nome do lucro e da produtividade, sem considerar as implicações sociais e ambientais que este modelo acarreta para esta e para as futuras gerações. Da mesma forma, os defensores do agronegócio têm afirmado que o problema agrário e agrícola será resolvido por este modelo, que será capaz de responder à demanda de produção e de emprego, através do aumento da produtividade e das exportações. Nesta proposta, caberia ao Estado proporcionar aos trabalhadores e trabalhadoras não inseridos como força de trabalho do agronegócio, políticas sociais compensatórias para evitar os conflitos no campo.No entanto, o discurso da auto-suficiência e eficácia do agronegócio, não tem sustentação. Pelo contrário, o incremento deste padrão de desenvolvimento concentra a terra e a renda, aumenta a dependência tecnológica, desrespeita a legislação trabalhista e ambiental, agrava a exclusão social, promove a degradação ambiental, o desemprego e a violência no campo. Da mesma forma, se mostra incapaz de superar a fome e a miséria no País, já que priorizam a produção e exportação apenas do que seja rentável economicamente, sem se preocupar com as necessidades alimentares da população, especialmente dos mais pobres.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 52: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Os dados do 2º PNRA demonstram que as propriedades rurais com área superior a 2.000 hectares, demandam 67 hectares para gerar uma única ocupação, chegando a demandar 217 hectares na região Centro Oeste. Do ponto de vista ambiental, não há como negar os danos irreparáveis que vêm sendo produzidos pelo agronegócio. Especialmente o cerrado, onde hoje se concentra o ambiente de expansão da fronteira agrícola, tem apenas 20% de sua área em estado original e mais de 57% totalmente desmatada. Da mesma forma sofre a Amazônia que já tem 600 mil Km2 de suas terras desflorestadas, situação que se agrava na região do arco do desmatamento, que abrange os estados da Amazônia legal, como Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Pará, Amazonas, e demais estados amazônicos, onde também está havendo expansão de áreas exploradas com monoculturas.É preciso exigir dos grandes latifundiários o cumprimento do percentual definido em lei de reflorestamento e preservação nas áreas devastadas de suas propriedades, principalmente nas margens dos rios, priorizando a vegetação nativa.Ao considerarmos as relações sociais e trabalhistas, constatamos que muitas vezes o setor patronal da agricultura continua impondo aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, práticas do período colonial. Além da exploração no trabalho, mantendo inclusive mão de obra escrava, praticam todo tipo de repressão e violência contra as pessoas que lutam pela democratização da terra. Há um processo acentuado de expulsão de inúmeras famílias de pequenos posseiros, inclusive populações tradicionais e povos indígenas que estão tendo suas terras tomadas para ampliar as grandes fazendas. É relevante considerar, também, que este processo de expansão pelo agronegócio faz reduzir a capacidade de se encontrar terras passíveis de desapropriação, já que a interpretação da legislação agrária é bastante restritiva na constatação do cumprimento da função social das propriedades. Isto faz estabelecer uma aliança estratégica entre o latifúndio e o agronegócio.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 53: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A REFORMA AGRÁRIA E A AGRICULTURA FAMILIAR NO

PADRSSO papel da Reforma Agrária para o desenvolvimento sustentável Com a construção do PADRSS, a dimensão dada pelo MSTTR ao papel exercido pela Reforma Agrária no desenvolvimento rural evoluiu, passando a compreendê-la como medida estratégica para a ampliação e o fortalecimento da Agricultura Familiar. Apesar da série de entraves e limitações impostas à reforma agrária, os Projetos de Assentamentos vem se constituindo em espaços importantes de ampliação e fortalecimento da agricultura familiar.Os projetos de assentamento, além de possibilitar o acesso a terra e ao crédito, para uma população historicamente excluída, vem atuando como fator gerador de postos de trabalho em atividades agrícolas e não agrícolas e com isto, dinamizado o comércio local com a diversificação e o rebaixamento dos preços de produtos alimentícios. Outras inovações também têm sido introduzidas, como novas formas de comercialização e beneficiamento da produção, surgimento de cooperativas e associações, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de marcas próprias como sendo “produto da reforma agrária”, resultando, de modo geral, em melhoria dos rendimentos e das condições de vida e no padrão de consumo das famílias. Para que a reforma agrária se constitua, de fato, enquanto instrumento para ampliação e o fortalecimento da Agricultura Familiar, será necessário que a política de distribuição de terras, esteja aliada a uma política agrícola forte, que destine linhas de créditos especiais, assessoria técnica e extensão rural, pesquisa, políticas de saúde, educação e formação profissional e investimentos em infra-estrutura social e produtiva, dentre outras ações voltadas à organização da produção e ao bem estar das famílias no campo. Em novembro de 2003, o governo Lula lançou o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA buscando responder às históricas demandas dos

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 54: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

movimentos sociais. O MSTTR reconhece que o PNRA apresenta avanços importantes, mesmo não contemplando todas as demandas, especialmente quanto à meta de assentar um milhão de famílias em 04 anos. A pressão do MSTTR sobre o governo federal foi importante para que se estabelecessem metas no PNRA, mesmo que estas tenham sido as de assentar 400 mil famílias pela desapropriação; 130 mil pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário e mais a regularização fundiária para 500 mil famílias de pequenos posseiros (as), até o ano de 2006.O PNRA propôs que as ações de reforma agrária sejam realizadas para além do acesso a terra. A implantação, recuperação e qualificação dos assentamentos, devem se orientar por planejamento e integração das ações, de modo a promover a viabilidade econômica, a segurança alimentar, a sustentabilidade ambiental, o acesso a direitos, promoção da igualdade e o desenvolvimento territorial sustentável, adequando modelos de reforma agrárias às realidades e demandas específicas de cada região. Entretanto, para que estas proposições sejam implementadas, será necessário superar os limites de ordem política, financeira, legal, jurídica, administrativa e social, que dificultam a solução definitiva para o problema agrário brasileiro. Buscar o desenvolvimento de tecnologia adequada para a agricultura familiar, para manter a sobrevivência no campo.

Meio Ambiente O debate sobre sustentabilidade, além de refletir sobre o uso racional e adequado dos recursos naturais, deverá incorporar as discussões quanto à necessidade de se promover a democratização da terra e da água e a distribuição das riquezas, entre as nações e internamente em cada País. A sustentabilidade não pode estar associada ao mero crescimento econômico, baseado na exploração dos recursos naturais como se estes fossem infinitos, como a que vem sendo implementada pelos grandes projetos agropecuários, hidrelétricos, madeireiros, dentre outros.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 55: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O grande desafio para a agricultura familiar é o de se afirmar enquanto a alternativa viável para a construção do desenvolvimento rural sustentável. Para tanto, a agricultura familiar deverá orientar, cada vez mais, suas formas produtivas e organizativas de modo a incorporar valores ambientais.Neste sentido, o PADRSS define a agroecologia como estratégia a ser adotada pela agricultura familiar, porque que este padrão produtivo, além de significar rentabilidade, incorpora valores essenciais da sustentabilidade. A CONTAG, FETAGs e STTRS, deverão ampliar seus esforços para promover a capacitação e sensibilização do conjunto dos assentados (as) e agricultores (as) familiares, estimulando para que adotem a agroecologia como forma produtiva que melhor responde à demanda pelo equilíbrio entre a exploração econômica e a conservação ambiental. Inclusive promovendo a recomposição e conservação das matas ciliares e de reserva legal com a utilização de plantas frutíferas.É urgente incorporar, também, no debate sobre sustentabilidade a discussão sobre o uso racional e democrático dos recursos hídricos, conscientizando sobre o direito à água enquanto um direito humano e um bem público, universal e não privatizável. O cuidado com os mananciais, a recomposição de matas ciliares, investimento em políticas de saneamento, dentre outras, são medidas essenciais e urgentes. Da mesma forma, é preciso que o MSTTR aprofunde o debate (que vem sem feito por vários setores da sociedade), quanto à proposta de construir uma legislação ampla sobre os valores da água e sua dimensão como um direito humano. Esta é uma luta será tão árdua quanto à luta pela reforma agrária, já que contraria interesses políticos e econômicos poderosos. Mas é fundamental que a água não seja compreendida apenas como um recurso dotado de valor econômico, que pode ser explorado como qualquer outra mercadoria.

Organização da produçãoPara que a agricultura familiar se torne viável é preciso investir no processo de organização da produção, acesso ao crédito e aos

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 56: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

mercados, assessoria técnica, pesquisa, infra-estrutura social e produtiva, etc.O PADRSS identificou que o MSTTR deve atuar nos setores ligados à produção, estocagem, crédito e comercialização voltados para os trabalhadores e trabalhadoras rurais, com a criação de instrumentos capazes de assegurar a melhoria da eficiência e da capacidade produtiva, da renda e da poupança da categoria.O MSTTR deve intensificar a relação com as entidades econômicas associativas (Associações, Cooperativas e Grupos informais). O público beneficiário dessas entidades é o mesmo que o MSTTR representa politicamente. Entretanto, estas atividades não podem ser assumidas diretamente pelas organizações da estrutura sindical, sendo necessário a criação de novas estruturas de organização da produção, que articuladas ao MSTTR, dêem conta dessa tarefa sem perder a perspectiva política da construção do PADRS. Esta iniciativa se consolidará na medida em que o MSTTR incorporar em sua pauta de reivindicação as demandas dessas entidades econômicas associativas, como também fortalecer a Rede de Articulação de Entidades Econômicas Associativas, visando à promoção de negócios, troca de tecnologias e ajuda mútua.Na 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, realizada em Brasília no período de 24 a 27/11/03, foi encaminhada a criação do Sistema CONTAG de Organização da Produção - SISCOP, um sistema integrado por subsistemas de cooperativas de crédito, de produção e de consumo.Foi aprovado pelas FETAGs uma ação conjunta de apoio às Cooperativas singulares que deverão fundar uma Central que será denominada CREDITAG. É claro que a implementação deste sistema comporta dificuldades consideráveis, já que a criação das cooperativas depende de autorização e fiscalização do Banco Central. Outra dificuldade enfrentada pelo sistema diz respeito à articulação das entidades já criadas e as em fase de criação, com demandas diferenciadas.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 57: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Recentemente, com a colaboração e participação da CONTAG e das Federações, foi criada a Unicafes (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária), uma pré-entidade que organizará a fundação, em 2005, de uma organização nacional representativa do cooperativismo deste setor. Isto parte da compreensão de que o SISCOP terá que, necessariamente, se articular com outras cooperativas rurais e, em uma segunda etapa, com as cooperativas do setor urbano para poder fazer frente ao sistema OCB, que efetivamente só faz a representação dos interesses dos grandes produtores.Um dos grandes desafios do processo de organização da produção é construir estratégias políticas que permitam a inserção não-subordinada da agricultura familiar no mercado. Neste aspecto, o Comércio Justo e Solidário deve ser uma alternativa de construir outras relações sociais entre produtor e consumidor. Além disso, é preciso promover a articulação entre a produção e o consumo, construindo mecanismos de diálogo entre as famílias que produzem com as famílias que consomem, valorizando, assim, a agricultura familiar e os assalariados e assalariadas rurais. Há que se estabelecer parcerias com outras instituições, órgãos públicos (a exemplo da Emater) e provados, capazes de superar a falta de incentivos e de políticas públicas municipais, promovendo a conscientização dos agricultores e agricultoras familiares da necessidade de agregação de valor à matéria prima e esclarecê-los sobre os benefícios da agricultura agroecológica.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO PADRSSAssalariados e Assalariadas Rurais

Não podemos falar em desenvolvimento rural sustentável sem levar em consideração os 5 milhões de assalariados e assalariadas rurais que constituem a parte mais explorada e marginalizada da categoria trabalhadora rural.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 58: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Destes 5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras assalariadas rurais, existem 2 milhões de postos de trabalho fixo, em que o contrato é por prazo indeterminado. 1,5 milhão trabalha pelo menos uma vez por ano de 4 a 8 meses, no período da safra (contrato de safra) e 1,5 milhão trabalha em culturas de curta duração (feijão, milho, tomate, hortifrutigranjeiros, colheita do café, etc.), neste caso grande quantidade de trabalhadores (as) não possuem carteira de trabalho assinada e a duração no trabalho é no máximo de 15 dias. Muitos trabalham em 3 ou 4 estados durante o ano. Segundo dados da PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2002 existem cerca de 3,1 milhões de trabalhadores (as) com vínculo empregatício sem carteira assinada na área rural. Muitos desses profissionais moram nas periferias das pequenas e médias cidades, e devido ao alto índice de desemprego e baixos salários pagos, essas pessoas também se constituem no setor mais empobrecido da categoria. Não é preciso muito esforço para se perceber o lucro gerado pela produção agro-industrial das grandes e médias propriedades rurais. A regra geral é de empresas ricas em municípios pobres, onde o lucro acaba indo para o sistema financeiro e/ou investidos nos grandes centros urbanos. Já os assalariados e assalariadas rurais gastam os seus salários nos municípios onde moram, dinamizando o comércio e a economia local. Neste sentido, a melhoria na remuneração dos assalariados e assalariadas rurais tem repercussões diretas e concretas no local. Com melhoria do poder de compra dos assalariados e assalariadas rurais ocorrerá ampliação do mercado consumidor local com possibilidades de crescimento de venda dos produtos da agricultura familiar.O principal instrumento para a melhoria do salário e das condições de trabalho dos assalariados e assalariadas é a negociação coletiva (convenção coletiva, acordo coletivo ou dissídio coletivo). Infelizmente, existem poucos assalariados e assalariadas rurais protegidos por convenções ou acordos coletivos de trabalho.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 59: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Outro instrumento por melhores condições de segurança e saúde no trabalho, são as ações de fiscalização realizadas pelos auditores fiscais do trabalho, vinculada às Delegacias Regionais do Trabalho, importantíssimos para avançar no cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária, de medicina e segurança no trabalho. Neste processo, são imprescindíveis o envolvimento do Sindicato dos Trabalhadores (as) Rurais e das FETAGs quando da denúncia de irregularidades nas relações de trabalho e de denúncias relacionadas ao trabalho escravo. Nesse sentido, exige-se a ratificação imediata da Convenção 184 da OIT.

As mulheres no trabalho assalariadoO aumento das oportunidades de trabalho e emprego para as mulheres assalariadas no campo, especialmente as mais jovens, não significa dizer que há igualdade de oportunidades entre os trabalhadores do sexo feminino e masculino. A mão–de-obra feminina tem sido absorvida nas atividades temporárias, sem garantia de direitos e benefícios, sem investimento na formação profissional e sem nenhum equipamento de uso coletivo nos locais de trabalho, como creches, banheiros, refeitórios.O tipo de inserção que as mulheres tem no mercado de trabalho assalariado reproduz a divisão-sexual do trabalho. Ao selecionar e contratar mulheres, as empresas destinam a elas funções consideradas “tipicamente femininas”. Exemplo disso é o uso massivo da mão-de-obra feminina na fruticultura (morango, uva) , hortigranjeiros , etc. Em muitas situações, para se manter empregada, a mulher precisa apresentar produção igual ou maior do que a do homem, ainda que isto implique no recebimento de salários menores.

POLÍTICAS SOCIAIS NO PADRSSEducação do Campo

A Pesquisa CUT/CONTAG, em 1996, já apontava para a necessidade do MSTTR investir na promoção da educação básica, formação política e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 60: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

formação profissional, articulada com as redes de pesquisa, tecnologia e extensão rural ou de assistência técnica. Em 2000, realizamos o IV Fórum CONTAG de Educação que mobilizou todas as instâncias do MSTTR, universidades, organismos internacionais, ONGs, etc. O resultado foi uma agenda de trabalho visando acumular um debate sobre as bases de uma política específica de educação voltada para o desenvolvimento rural sustentável. No ano de 2001, o MSTTR e outras entidades parceiras que têm experiência com educação formal e não-formal3 sistematizaram uma proposta de política pública, constituída por princípios e diretrizes da educação do campo que já vem sendo implementada em alguns municípios rurais. Essa proposta foi apresentada e debatida nas audiências públicas do Conselho Nacional de Educação – CNE realizadas no final do ano de 2001. O conteúdo proposto foi incorporado ao documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação ao instituir as “Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo”, através da Resolução n.º 01, de 03 de abril de 2002. Nas Diretrizes Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo a educação não se restringe ao espaço da escola, ela acontece também nos diferentes espaços em que os sujeitos vivem e trabalham, alimentando e fortalecendo o vínculo entre a cultura, a educação escolar e a educação não-escolar (formação política, formação profissional, etc.). As escolas do campo incorporam os espaços da floresta, da pecuária, das minas, da pesca, dos ribeirinhos, dos extrativistas e da agricultura (agricultura familiar, assalariados, assentados e acampados).O que vai definir a identidade das escolas do campo não é necessariamente a sua localização geográfica, mas seu projeto político pedagógico e os sujeitos a quem ela se destina. Entretanto, é fundamental que essas escolas, em todos os níveis e modalidades de

3 MOC – Movimento de Organização Comunitária, SERTA, Secretaria Municipal de Educação de Curaçá/BA, IRPAA/BA, ARCAFAR, UNEFAB, GT/UnB, Instituto Agostim Castejon, Escola de Formação da CUT da Amazônia, Escola do Campo Casa Familiar Rural de Pato Branco/PR, dentre outros.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 61: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ensino, estejam localizadas nas comunidades, povoados, assentamentos, etc.O projeto político pedagógico das escolas do campo deve estar a serviço da promoção do desenvolvimento humano e sustentável, e ter como referência a concepção e prática pedagógica construída pelos movimentos sociais e sindical que atuam no campo. Ou seja, os seus objetivos, conteúdos programáticos, metodologia e processos de aprendizagem e de avaliação devem levar em conta os sujeitos desse processo educativo e a sua realidade. Este novo momento aponta para a necessidade do MSTTR potencializar e desenvolver nos estados e municípios estratégias de sensibilização e formação de dirigentes e lideranças sindicais, em especial a juventude rural, e parceiros de outros movimentos sociais. A sensibilização e formação de gestores públicos também se fazem necessárias, uma vez que cabe a estes a responsabilidade de implementar esta política.O MSTTR deve, também, intervir nos espaços de formulação e gestão dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de educação, com a finalidade de incorporar a política de educação do campo.

Saúde IntegralCom o PADRSS o MSTTR foi redimensionando o conceito de saúde passando a concebê-lo em sua integralidade física, mental, emocional e psicológica, além das interfaces: saúde do trabalhador, saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente, saúde do idoso, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva, saúde nutricional, atenção primária ambiental, inclusive tratando a violência sexual e doméstica, uso de drogas e do álcool como também problema de saúde. O MSTTR está presente nos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde. Na maioria dos municípios rurais somos nós que estamos representando a população rural e os usuários do SUS. Entretanto esta representação só faz sentido se estivermos mantendo uma interlocução permanente com a população local, apresentando suas demandas no espaço de formulação e gestão das políticas públicas de saúde articulando com o desenvolvimento local, integrando a política de saúde

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 62: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

a um conjunto de políticas publicas que elevem o padrão de vida da população como, saneamento, preservação ambiental, habitação, acesso a terra, acesso à água de qualidade, lazer, etc.Exigir um atendimento com qualidade, integralizado e humanizado, exigindo do governo o efetivo funcionamento do SUS e a capacitação dos servidores para atendimento à população rural.A existência de bolsões de fome e miséria, a crescente violência no campo, os baixos indicadores de desenvolvimento humano, indicadores sanitários, epidemiológicos (doenças) e de saúde ambiental, somados à mobilização e pressão política dos Gritos da Terra Brasil e Marcha das Margaridas, levaram o Ministério da Saúde a assinar um convênio com a CONTAG para implementar em todos estados brasileiros, no período de 2004 a 2006, o “Projeto de Formação de Multiplicadores (as) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos”. Este projeto articula diversas áreas da saúde (sexual, reprodutiva, mental, bucal, nutricional, etc.), está voltado para as pessoas nos vários ciclos da vida, e tem por finalidade a formação de atores/atrizes sociais. Este projeto deverá contribuir na formulação e adequação de uma Política Pública de Saúde para a População do Campo. Em maio de 2004, o Ministério da Saúde constituiu um grupo denominado “Grupo da Terra”, com representação de diversas áreas técnicas do Ministério da Saúde e movimentos sociais e sindical. A este grupo cabe a responsabilidade de formular a política de saúde para a População do Campo em parceria com outros ministérios. Esta política em construção tem por base a intersetoralidade da saúde com outras políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável; uma nova sistemática de financiamento para a Atenção Básica assegurando um adicional de 50% nos valores pagos por equipe de saúde da família em 100% dos municípios da Amazônia Legal com população inferior a 50 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7). E também em 100% dos municípios com população inferior a 30 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7), bem como áreas de assentamento e de quilombos.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 63: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

A Política Pública de Saúde para a População do Campo, entretanto, só atingirá os resultados se os estados e municípios assumirem a sua parte, uma vez que lhes competem à responsabilidade de promover a assistência integral médica, laboratorial, hospitalar e farmacêutica à população, em especial a rural. Entretanto esta responsabilidade não vem sendo cumprida pela maioria de estados e municípios, uma vez que estes não aplicam corretamente o recurso repassado pelo Ministério da Saúde e muito menos o que é de sua responsabilidade enquanto gestor público municipal. Diante dos desafios, se faz necessária a intervenção efetiva e qualificada do MSTTR nos conselhos estaduais e municipais de saúde com a finalidade de fiscalizar a implementação desta política e aplicação desses recursos. Realizando cursos de capacitação para todos/as os/as conselheiros/as que representam os diversos conselhos em seus respectivos municípios, através das FETAGs.Políticas fundamentais para a saúde da população, como saneamento básico e construção de moradia para o campo ainda são inexpressivas, necessitando, portanto, ações efetivas relacionadas ao abastecimento de água e de esgoto sanitário, como forma de melhoria das condições de vida e saúde da população rural, e da preservação do meio ambiente. Outro tema, que merecerá discussão por parte do MSTTR foi aprovado na 3ª Conferência de Saúde Bucal, que é o Programa de Saúde Bucal e que deve ser implementado e assumido pelos governos estaduais e municipais.

Previdência SocialNo PADRSS a Previdência Social é um instrumento importante para alavancar processos de desenvolvimento e distribuição de renda. Na área rural, houve uma evolução significativa de proteção social devido à universalização dos benefícios da Previdência Social ocorrida a partir do início de 1990. O Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR destaca-se neste cenário, como um importante protagonista em função da luta histórica e permanente em defesa da Previdência Social.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 64: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O resultado prático das ações do MSTTR pode ser mensurado pelo contingente de trabalhadores e trabalhadoras rurais que obtiveram acesso aos benefícios previdenciários até o momento. São aproximadamente, 7 milhões de benefícios rurais pagos mensalmente pela previdência social, cujo volume de recursos tem dinamizado a economia dos municípios brasileiros, notadamente no comércio; tem causado impacto direto na redução do nível de pobreza do país; tem se constituído como espécie de seguro agrícola, servindo como fonte de financiamento da agricultura familiar e tem ajudado a garantir a permanência de homens e mulheres no campo.

PAPEL DA FORMAÇÃO NO PADRSSO papel da formação é qualificar a ação sindical enquanto agente transformador da realidade, dialogando e colaborando com o processo de formulação e implementação do PADRSS. Para isso, é preciso que a formação a contribua para que a categoria analise criticamente a sua realidade social, potencializando a construção de alternativas de enfrentamento e transformação social. Esta é uma das razões para que o MSTR compreenda a formação enquanto investimento e não como despesa.

Aspectos da FormaçãoA formação é um instrumento político - pedagógico, que favorece a expressão e afirmação da pluralidade de idéias e pensamentos, abrindo caminho para a construção da unidade política sindical.

Princípios Pedagógicos da FormaçãoSão princípios pedagógicos da formação do MSTTR:

Analisar os fatos a partir de uma visão de movimento, onde tudo está em constante mudança;

Compreender formação de modo sistêmico, ou seja, a formação não é só um instrumento meio que permeia toda a ação sindical, mas também um

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 65: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

início e um fim, que tem por finalidade construir produtos/resultados claros;

Interpretar e entender os interesses das partes a partir da dinâmica do todo;

Compreender que a ação formativa é uma ação política, nela não há neutralidade;

Compreender que a ação sindical é sempre uma ação formativa; Trabalhar não só com uma única verdade, mas perceber as possibilidades

de estabelecer consensos, entre as várias verdades existentes sobre um dado conhecimento;

Direcionar sua ação no caminho do fortalecimento da cooperação, da não-violência e da justiça social;

Avaliação permanente da prática sindical; Repensar a ação e a organização sindical de forma que ambas estejam

pautadas num amplo processo de democratização das relações políticas no interior do MSTTR. Nesta perspectiva, as relações sociais de gênero, geração, raça e etnia devem ser trabalhadas enquanto base para a superação da exclusão e aumento da participação das mulheres, das pessoas da terceira idade e dos jovens nos processos de formulação das políticas e das instâncias de decisão.

Recomenda-se que os STRs, FETAGs e CONTAG adotem a utilização da sigla MSTTR.

A abordagem metodológica da formaçãoDeve estar centrada no enfoque da construção coletiva, na garantia da afirmação e negociação entre os diversos saberes, desejos, necessidades e potencialidades das pessoas envolvidas na definição dos procedimentos e dos conteúdos trabalhados. O objetivo é estabelecer um processo de cooperação ativa entre os participantes, desenhando de forma progressiva, consensos táticos e estratégicos;Deve ter como ponto de partida o resgate e a garantia do diálogo entre os interesses de todos os envolvidos. A perspectiva política é potencializar, ampliar e radicalizar o conceito e a prática da democracia.Deve ser planejada com indicadores de resultados definidos para que se saiba o que se quer alcançar, acompanhadas de avaliações periódicas. O

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 66: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

processo deve ser realimentado pela análise dos serviços que estão sendo prestados à categoria. A análise coletiva da prática é o referencial de avaliação a ser utilizado. Para termos segurança se o que estamos avaliando é verdadeiro ou falso precisamos identificar alguns indicadores de resultados. Desta forma, devem ser garantidos recursos financeiros, humanos e técnicos próprios, para executar as propostas planejadas, pois do contrário, o MSTTR continuará fazendo formação de forma esporádica e amadora.A metodologia de formação deve propiciar a inserção dos diversos segmentos que fazem parte da classe trabalhadora (mulheres, homens, jovens, pessoas da terceira idade, etc.) no processo político pedagógico, respeitando suas especificidades e favorecendo a troca de aprendizagem.Realização permanente de atividades de capacitação do PADRSS dentro do MSTTR, que além dos dirigentes alcance os trabalhadores e trabalhadoras rurais, ressaltando os aspectos da busca da igualdade, preservação ambiental e da solidariedade.Capacitar e mobilizar as mulheres trabalhadoras rurais para uma participação mais qualificada nos fóruns e conselhos, onde ocorre a construção do PADRSS.

DO DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: algumas considerações

Vilênia V. Porto AguiarIntroduzindo a discussãoOs debates sobre a necessidade de novos projetos de desenvolvimento rural tornaram-se comuns após o notório fracasso do modelo agrícola mundial, onde os sistemas produtivos agrícolas sofreram modificações importantes, sobretudo no período do pós-guerra, dando início a um processo crescente de homogeneização, cuja matriz foi o modelo norte-americano.A concepção subjacente a este modelo, e também implementada em nosso país, obedeceu fielmente à lógica de Schultz (1965), economista neoclássico norte-americano que fundamentou economicamente os princípios da Revolução

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 67: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Verde. Analisando os camponeses da América central, esse autor concluiu que os agricultores eram pobres, mas eficientes. Portanto, o problema não estava no uso dos fatores de produção disponíveis, mas no fato de que esses fatores disponíveis não propiciavam o retorno necessário para superar altos índices de pobreza em que se encontravam. Por isso, seria necessário um conjunto de “novos fatores” (sementes melhoradas, adubos químicos, máquinas, etc.), que romperia com o ciclo ali estabelecido e superaria a pobreza. (Cf. Mattei, 1998)Enfim, tratou-se de um modelo que, assentado nos princípios da Revolução Verde, teve por objetivo a obtenção de ganhos de produtividade, através da incorporação de “novos fatores de produção” (Schultz,1965), destacando-se aí o uso de sementes melhoradas, de adubos químicos, dos agrotóxicos e da maquinária agrícola.O modelo anteriormente descrito, bem como suas contradições e crise, também estiveram e estão presentes no Brasil. A partir da modernização da agricultura brasileira, prevaleceu o ideário da revolução verde. Este pressupunha que o simples desenvolvimento agrícola (visão da agricultura como um setor econômico distinto) levaria ao desenvolvimento rural. Decorre daí todo aparato institucional construído no pós-guerra (centros de pesquisa, empresas de pesquisa e de extensão rural, etc.) e as políticas públicas implementadas nesta direção. Esse processo fortaleceu a concepção do espaço rural meramente como um meio de produção e não como um ambiente de desenvolvimento rural. (cf. Mattei, 1998)A opção brasileira pelo modelo de desenvolvimento modernizante que foi implantado foi feita ainda nos anos 504, quando a indústria passou a assumir o comando da economia destinando ao “setor agrícola” determinadas “funções” e “papéis” a ser desempenhados no processo de desenvolvimento econômico, tido como necessário para o desenvolvimento urbano/industrial. A essas funções5 relacionaram-se: Liberação de mão de obra para o setor industrial; Fornecimento de alimentos e matérias- primas a custos baixos; Suprimento de capital para o financiamento de investimentos industriais;

4 Vale salientar que no NE, apenas a partir dos anos 60 as atividades urbanas, especialmente,, as atividades industriais, passarem a ganhar crescente espaço no ambiente econômico, passando a comandar o crescimento da produção na região. 5 Além das funções aqui relacionadas, cabe destacar que um outro papel atribuído à agricultura, no final dos anos 70, foi o de gerar energia em função da crise do petróleo.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 68: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Suprimento de divisas estrangeiras, através da exportação de produtos agrícolas;

Criação do mercado interno para os produtos secundários quer para a própria indústria de insumos e máquinas para a agricultura, quer para a indústria em geral. (cf. Mior,1997)

E assim, contrariando previsões dos analistas das décadas de 50 e 60, o setor agrícola, a partir de finais dos anos 60, absorveu quantidades crescentes de crédito agrícola, incorporou os chamados "insumos modernos" ao seu processo produtivo, tecnificando e mecanizando a produção, e integrou-se aos modernos circuitos de comercialização (Palmeira, 1998). O aumento da produtividade permitiu o aumento da produção de matérias-primas e alimentos para a exportação, mas também para o mercado interno. Mesmo a produção de alimentos para abastecimento das cidades, apesar de dificuldades que teriam a ver com orientações da política econômica, teria sido, no entender de alguns estudiosos, "bastante razoável" (GRAZIANO da SILVA, 1987: 25).Segundo Beus & Dunlap (1990) a agricultura que se desenhou e se reforçou a partir da definição do modelo de desenvolvimento agrícola adotado, assentou-se num paradigma marcado, segundo pelas seguintes características: Centralização: produção de larga escala, concentração da produção,

privilegiamento de grandes produtores; Dependência: utilização intensiva de capital e tecnologia, geralmente

obtidos fora da unidade produtiva; centrado em conhecimentos científicos especializados;

Competição: centrada na propriedade como unidade de negócios, relegando a um segundo plano, ou mesmo se opondo, às pequenas comunidades rurais.

Poupador de mão de obra; Dominação da natureza: dissociação entre homem e meio ambiente físico. Especialização: estreitamento da base genética, na monocultura, na

sucessão de cultivos não complementares, na divisão em produção agrícola e pecuária, assim como na padronização dos sistemas de produção;

Exploração intensiva: centrado no aumento da produção e da produtividade física dos produtos, numa visão de curto prazo, ignorando os custos sociais e ambientais.

Este padrão tecnológico, denominado de agroquímico, foi mais adequado ao sistema de organização da produção na grande propriedade agrícola (patronal),

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 69: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

em detrimento dos sistemas de produção familiares. Mas, de qualquer forma, boa parte dos objetivos atribuídos à agricultura, como vimos, foram alcançados e o Brasil foi elevado a um patamar surpreendente de desenvolvimento agrícola, sugerido pela ampliação da produção e da produtividade de boa parte dos produtos agrícolas.Contudo,

“O desenvolvimento rural, além de não ter sido alcançado, foi agravado, já que o padrão tecnológico da produção agrícola adotado e as políticas públicas impactaram negativamente as variáveis conformadoras do bem estar no meio rural como: i) perfil de distribuição de renda setorial e intersetorial; ii) democratização do acesso a terra; iii) qualidade de vida; iv) conservação dos recursos naturais; v) descapitalização e êxodo rural (Mior, 1997: 898)

É importante salientar, o caso da região Nordeste do país. Uma região caracterizada por ocupar 20% do território brasileiro, concentrando aí 46 % da população rural brasileira e trazendo como traço marcante a pobreza. Nessa região, segundo Tânia Bacelar, convive áreas dinâmicas de modernização intensa com áreas tradicionais. No primeiro caso temos o complexo petroquímico de Camaçari, o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, o complexo minero-metalúrgico de Carajás; além do pólo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro (com base na agricultura irrigada do submédio São Francisco), das áreas de moderna agricultura de grãos (que se estendem dos cerrados baianos atingindo, mais recentemente, o sul dos estados do Maranhão e do Piauí), do moderno pólo de fruticultura do Rio Grande do Norte (com base na agricultura irrigada do Vale do Açu), e dos diversos pólos turísticos implantados nas principais cidades litorâneas do Nordeste. Em relação às áreas tradicionais, temos as zonas cacaueiras, canavieiras e o sertão semi-árido que manteve um padrão dominantemente tradicional frente a uma modernização restrita e seletiva. Ainda, segundo Tânia Bacelar, na Zona da Mata, o processo de concentração fundiária tem aumentado nos anos recentes, e o monopólio da cana sobre as áreas cultiváveis se amplia. No semi-árido, das secas, também se verifica o agravamento da já elevada concentração das terras em mãos de pouquíssimos produtores: "na seca, pequenos proprietários inviabilizados vendem suas terras a baixos preços e os latifúndios crescem", como bem explica Andrade (1988). Simultaneamente, os incentivos à pecuária fortaleceram e modernizaram tal

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 70: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

atividade, que sempre foi à principal da unidade produtiva típica do sertão e do agreste nordestino. A hegemonia crescente da pecuária nos moldes em que foi realizada agravou a questão fundiária do Nordeste, além de provocar outros consideráveis efeitos, como a redução da produção de alimentos e a intensificação da emigração rural. Mesmo onde a irrigação introduziu uma agricultura moderna no semi-árido, a modernização foi conservadora, inclusive da estrutura fundiária. A base técnica modernizou-se, a questão fundiária agravou-se (Graziano da Silva, 1989).O fato concreto é que o processo de modernização gerou uma enorme diversidade regional e intra-regional - contradição entre regiões com elevados índices de modernização e outras extremamente retardatárias - e acentuou as desigualdades sociais, sobretudo entre as distintas categorias de produtores rurais, evidenciando, assim, os chamados efeitos perversos da modernização da agricultura: concentração de renda, êxodo rural, super-exploração dos empregados rurais, concentração de renda, degradação ambiental, entre outros. Este modelo começou a dar sinais de esgotamento já na década de 70 e resultou em uma crise6 de enormes proporções na década de 80, a chamada década perdida. É, inclusive, é a partir dessa década que a crise da agricultura passa a fazer parte do discurso dos mais diferentes setores e agentes envolvidos nessa problemática. Fala-se insistentemente a linguagem da crise, e nesse contexto emergiu a necessidade da construção de novos modelos de desenvolvimento para agricultura brasileira, que viabilizassem a sua superação. As razões dessa crise se situam, pois, nas órbitas econômica, social e ambiental, levando “a emergência de um consenso na literatura internacional sobre a necessidade de se repensar os processos de desenvolvimento rural, os quais não podem mais ser analisados na forma tradicional”. (Mattei, 1998)Assim, alguns estudiosos passaram afirmar que o desenvolvimento agrícola não levaria, necessariamente, ao desenvolvimento rural, ao contrário o desenvolvimento rural é maior que o desenvolvimento agrícola.

Desenvolvimento agrícola ou desenvolvimento rural?

6

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 71: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Historicamente, a opção feita pelo governo brasileiro foi o desenvolvimento agrícola, via modernização da agricultura, onde esta passa a ser pensada enquanto um setor da economia, operando como se fosse ela mesma uma indústria de um ramo qualquer da produção, devendo não apenas comprar a força de trabalho e os insumos que necessita de certas indústrias, como também venderem os seus produtos, os quais se convertem, em sua grande maioria, em matérias-primas para outras indústrias. Embora se afirme que processo produtivo perderia aquelas características “artesanais” próprias de atividades ditas “camponesas” (Cf. Graziano da Silva, 1997), é possível perceber que ela se manteve, principalmente, em regiões de alta vulnerabilidade econômica como é o caso do Nordeste do país.De qualquer modo, não há como negar que os papéis que a agricultura e o meio rural desempenharam, no Brasil, ao longo do processo de modernização estavam balizados pela predominância do setor urbano-industrial. Segundo Mior (1997): “O setor econômico agrícola foi caudatário do setor urbano industrial no modelo de desenvolvimento e o meio rural foi visto como espaço de produção e não como espaço de desenvolvimento” (Mior, 1997: 896).Esta perspectiva informava uma dicotomia rural-urbano, que considerava o urbano como “locus” das atividades não agrícolas, ou seja, indústria e serviços; e que atribuía ao rural às atividades propriamente agrícolas. Derivando daí expressões como desenvolvimento urbano e desenvolvimento rural.

Mas o que diferencia desenvolvimento agrícola do desenvolvimento rural?Segundo Mior (1997), o desenvolvimento agrícola envolve aspectos vinculados com o crescimento da produção e produtividade agrícola. Já o desenvolvimento rural relaciona-se, de um lado, a melhorias no nível e na distribuição de renda setorial - incluindo-se questões relativas à geração de trabalho e/ou emprego, concentração da terra e fontes de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 72: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

renda dentro e fora da unidade produtiva-; e, de outro, aos aspectos relacionados com a qualidade de vida no meio rural em suas múltiplas dimensões.Nessa perspectiva, os indicadores de desenvolvimento agrícola estão relacionados aos aspectos ligados ao setor econômico da produção, centrando-se basicamente no aumento da produção agrícola, no aumento da produtividade das culturas e criações, na melhoria da qualidade dos produtos e matérias primas, e, por fim, na ampliação da competitividade da agricultura no contexto da globalização da economia e abertura dos mercados. Contudo, a história tem nos mostrado que o alcance de melhores resultados nos indicadores acima não foi suficiente e nem condição necessária para se atingir o desenvolvimento rural, pois não se alcançou a melhoria da qualidade de vida da população rural, que envolve aspectos relacionados com o meio rural como espaço de vida e desenvolvimento, e não apenas de produção.No Brasil, a atenção prioritária das políticas públicas se dirigiu predominantemente para o desenvolvimento agrícola. A forma com que as forças políticas encaminharam a questão agrícola (o que e quanto produzir) agravou, nos dizeres de Graziano da Silva (1985) a questão agrária (como e quem produz), e não contribuiu com o desenvolvimento rural. Ou seja, o desenvolvimento agrícola não levou ao desenvolvimento rural. E os impactos negativos do modelo modernizante, baseado nos princípios da Revolução Verde ao se fazer sentir colocou a necessidade de se propor alternativas que tivessem no seu campo de preocupações, não somente os aspectos econômicos, mas que contemplassem fundamentalmente as variáveis sociais, culturais e ambientais, sem as quais tornar-se-ia praticamente impossível a conformação de um modelo sustentável ao longo do tempo. Essa problemática passará, então, a ser estudada, especialmente, sob duas categorias analíticas distintas: ruralidade e sustentabilidade, por isso agora vamos nos deter sobre a especificidade de cada uma dessas categorias.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 73: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Gostaria de ressaltar que “ruralidade” e “sustentabilidade” não são meros conceitos, mas são campos de disputa sobre diferentes concepções de sociedade.

1) RURALIDADE Antes de tudo é preciso compreender que o espaço rural é um fenômeno social. Ele é produto da ação dos homens sobre o meio natural. Nele e com ele as relações estão em constante transformação. Enquanto fenômeno social o espaço rural é construído historicamente. Portanto, as idéias, as noções e as representações que se faz do rural sofrem transformações no tempo e no espaço.Assim, por exemplo, se voltarmos no tempo, antes da Revolução Industrial, na Europa, a principal função do espaço rural era a produção de alimentos para a subsistência, tendo a agricultura como atividade econômica dominante e os camponeses como grupo social de referência. No Brasil, na mesma época, a produção de produtos para a exportação era a principal função do espaço rural, tendo a grande lavoura como atividade econômica dominante e os escravos como grupo social de referência.Após a Revolução Industrial, com o predomínio da indústria e a concentração da população nas cidades, o mundo rural perde a centralidade econômica, social, política e simbólica, passando a fornecedor de mão-de-obra desqualificada e barata para a indústria e serviços e a agricultura volta a sua produção para os centros urbanos. Aliás, foi especialmente após a revolução industrial que a noção de rural esteve atrelada à idéia de atraso em contraposição à cidade associada ao progresso, símbolo da modernidade. A relação que se estabelecia era de oposição: cidade e desenvolvimento X campo e atraso/subdesenvolvimento. Pareciam coexistir dois mundos: um marcado pela urbanização, divisão do trabalho, industrialização, atrelado ao futuro e à modernidade – a cidade; e outro, marcado pela agricultura,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 74: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

exploração da natureza, atrelado ao passado e ao tradicional – o campo, o rural que inevitavelmente estaria fadado ao desaparecimento. Mesmo as principais concepções nas ciências sociais, desde as clássicas de Durkheim, Marx e Weber até as de teóricos mais recentes, haviam previsto um paulatino desaparecimento das sociedades camponesas tradicionais, e dos espaços rurais, em decorrência de uma urbanização progressiva, bem como projetaram a transformação da agricultura em mais um ramo da indústria. Porém, presenciamos, atualmente, mudanças políticas e econômicas nas sociedades contemporâneas que não vão nesta direção.A modernidade sempre construiu o sentido rural-urbano da mudança social. A continuidade foi sempre esta, pressupondo que o movimento deveria se dar, necessariamente, na direção do campo para a cidade. Muitas correntes de pensamento, nas décadas anteriores, foram influenciadas por esta perspectiva. Uma outra vertente teórica com forte influência na academia brasileira, particularmente na Antropologia, estuda, no rural, o campesinato como uma classe subordinada, explorada (referenciados em autores como Wolf, Redfield, Godelier, entre outros). Vendo o rural do ponto de vista da diferenciação interna, capitalistas e assalariados rurais, outros autores, sobretudo sociólogos, sublinham o desaparecimento do campesinato, fundamentados nos trabalhos de Lênin e Kautski, elaborando categorias como proletarização do campo e trabalhadores para o capital. Em decorrência destas representações, reforça-se a perspectiva dualista na abordagem do rural, na medida em que se verifica, nestas linhas de pensamento, uma omissão dos pontos intermediários que não são nem capitalistas nem proletários, pois o que não cabia nos modelos era considerado como sobrevivência de formas pré-capitalistas, modelos em transição ou formas subordinadas formalmente ao capital. Entretanto, as profundas transformações resultantes dos processos sociais mais globais - urbanização, industrialização, modernização da agricultura - não se traduziram por nenhuma “uniformização” da sociedade que provocasse o fim das particularidades dos espaços rurais

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 75: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ou dos grupos sociais que ali vivem, ainda que sobre eles tenham causado um grande impacto e significativas transformações. É inegável, por exemplo, o impacto que a modernização da agricultura brasileira provocou nos espaços rurais. Ela caracterizou-se, basicamente, por: i) aplicação da tecnologia à produção agrícola; ii) Concentração de terras; iii) ajuda estatal. Assim, promoveu o aumento da produtividade agrícola e, no primeiro momento, o aumento dos rendimentos dos agricultores. Em contraposição, promoveu também o aumento das disparidades regionais e sociais e a degradação ambiental (poluição e destruição de ecossistemas)Com a modernização as disparidades regionais e sociais no mundo rural se acentuaram. Passaram a coexistir áreas que desenvolveram uma agricultura moderna, que apresentam proximidade dos centros urbanos ou que se encontram afastadas desses mesmos centros; áreas rurais marginalizadas onde se pratica uma agricultura tradicional; áreas rurais que tendem ao crescimento e modernização e outras onde se processa a diminuição e envelhecimento da população, etc. Além disso, a modernização da agricultura ao incentivar a exploração intensiva da natureza pondo em causa a sua capacidade de renovação contribuiu para a degradação ambiental, promovendo, muitas vezes, o abandono do meio rural a si próprio, com o abandono da agricultura, dos terrenos de cultivo, das florestas. A modernização, em seu sentido amplo, redefiniu as questões referentes à relação campo/cidade, ao lugar do agricultor (a) na sociedade, à relevância social, cultural e política do espaço rural. Mas, são os questionamentos lançados pela crise provocada pelos impactos do modelo urbano-industrial na sociedade moderna que recolocam o rural no cerne das discussões das ciências sociais. Apesar das divergências, incertezas e pertinências quanto ao uso do conceito, o certo é que o “rural” vem ocupando um espaço relevante quando se trata de pensar desenvolvimento, de refletir sobre a sociedade. Assim, as questões da ruralidade voltam. Dito de outro modo, estamos assistindo a um “renascimento do rural”, nos dizeres de Kayser (1990), onde discussões

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 76: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

em torno da agricultura familiar, espaço, meio ambiente, desemprego, exclusão, modo de vida, entre outras ganham evidência. Assim, o rural passa a ser visto, por algumas tendências de pensamento, de uma forma mais valorizada, ou seja, uma representação mais positiva do papel e do espaço ocupado pela ruralidade na sociedade contemporânea. Ou seja, no momento atual da sociedade, em que o modelo urbano-industrial está sendo questionado, o rural adquire importância enquanto maneira de se pensar desenvolvimento, de refletir sobre a sociedade. A “questão rural” enfrentada pelas sociedades modernas, sob formas e intensidades diferentes, se constitui na necessidade de inserir plenamente os espaços e as populações rurais na dinâmica econômica e social moderna e de assegurar a preservação dos recursos naturais presentes no meio rural, como um patrimônio de toda a sociedade. Pelo exposto podemos perceber que o rural não diz respeito apenas a uma base física, mas a um território que possui um tecido social e inter-relações complexas que vão além dos seus atributos naturais. Enquanto território, o rural é um espaço socialmente organizado, com relações de bases históricas e políticas que vão além da análise econômica, configurando-se no ambiente político institucional onde se mobilizam atores em prol do seu projeto de desenvolvimento. Segundo Abramovay (2003), ruralidade é um conceito de natureza territorial e não setorial; não pode ser encarada como etapa do desenvolvimento social a ser vencida pelo avanço do progresso e da urbanização. A agricultura, a indústria, o comércio são setores econômicos: a ruralidade é e será cada vez mais um valor para as sociedades contemporâneas. Um valor ao qual o mundo contemporâneo atribui crescente importância, por seu significado na preservação da biodiversidade e no estilo de vida cada vez mais procurado pelos habitantes dos grandes centros.O meio rural tem sido definido por alguns estudiosos a partir de três atributos básicos: i) A relação com a natureza: a ruralidade supõe, em última análise, o contato muito mais imediato dos habitantes locais com

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 77: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

o meio natural do que nos centros urbanos; ii) A relativa dispersão da sua população em contraposição com as imensas aglomerações metropolitanas; iii) A relação com as regiões urbanas. Mas o próprio crescimento e a interiorização das grandes e médias cidades abrem a oportunidade de novas atividades e da valorização de atributos do meio rural até então desprezados. É fundamentalmente da renda urbana que depende o dinamismo rural: não só daquela constituída por mercados consumidores anônimos, distantes e destinatários de commodities, mas sobretudo da que se volta ao aproveitamento das virtudes mais valorizadas no meio rural, como a produção territorializada de qualidade, a paisagem, a biodiversidade, a cultura e um certo modo de vida. O pressuposto aí é que o meio rural justamente não se “urbanize”, mas que ele tenha, ao mesmo tempo, um conjunto de organizações que planejem o aproveitamento econômico de atributos que os mercados convencionais dificilmente serão capazes de revelar.O rural está sendo redescoberto, deixando de ser visto como espaço único para a produção agropecuária e sendo vinculado a atividades ligadas à preservação ambiental – sendo o ecoturismo uma delas - e à manutenção da agricultura familiar. São equivocadas as previsões de que o rural acabaria conforme avançasse o processo de desenvolvimento ou de que a agricultura familiar seria suprimida com o progresso. A agricultura familiar, por exemplo, não foi suprimida com o progresso. Isso não aconteceu nem mesmo nos países desenvolvidos, onde a agricultura é de natureza familiar e o trabalho assalariado excepcional. No Brasil, ela conseguiu se afirmar em setores extremamente modernos: na produção de aves, suínos, fumo, produtos ligados a mercados internacionais. E responde por cerca de um terço do valor da produção de toda a agricultura. Aliás, a agricultura familiar tem sido um ator importante nesse “renascimento do rural” no Brasil. A sua participação garante a existência de um tecido social que vai gerar diversas atividades além da própria agricultura. E o rural, por sua vez, cada vez menos se associa ao estritamente agrícola. E o agrícola cada vez mais será marcado por exigências de qualidade, de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 78: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

distinção e de atributos ligados à localização e aos conhecimentos de cada região. Isso já é comum na Europa: o produto rural (agrícola e não agrícola) é valorizado por sua capacidade de exprimir uma tradição, um modo de fabricação em que se recuperam culturas e se colocam à mostra estilos de vida que os habitantes dos grandes centros têm buscado. Esse “renascimento do rural” traz elementos novos para se pensar o desenvolvimento e o próprio espaço rural. Um aspecto a ser destacado nesta discussão é que se rompe a concepção "produtivista" tradicional, que identificou, por muito tempo, o desenvolvimento rural em termos setoriais, uma vez que as avaliações se concentravam apenas nos níveis da produtividade das atividades agrícolas e na eficiência dos sistemas de produção agropecuários. Embora importantes, estes elementos não são suficientes para avaliar o estágio do desenvolvimento rural, como vimos, que pressupõe a incorporação de outros indicadores que transcendem os aspectos meramente produtivos, com destaque para as condições de vida da população; as relações de trabalho; o acesso aos meios de produção, especialmente a terra; a qualidade dos produtos; a conservação dos recursos naturais; os níveis de renda dos produtores rurais, etc.Um outro aspecto importante diz respeito às novas funções sociais e econômicas desempenhadas pelo "espaço rural", mostrando que as funções a ele atribuídas também têm se transformado com o tempo. Se, inicialmente, a sua função estava relacionada à produção de alimentos para subsistência, posteriormente foi a ela incorporada a produção de alimentos para os mercados urbanos e fornecimento de mão-de-obra barata para a indústria. Em seguida, com a modernização da agricultura, o espaço rural torna-se cliente da produção industrial e fornecedor de produtos agrícolas para as indústrias agro-alimentares. Hoje, novos sistemas de produção agrícola, têm se desenvolvido apoiados, por exemplo, na agroecologia e outras funções tais como, serviços, local de moradia, turismo e lazer, industrialização da produção, conservação do

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 79: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

patrimônio e proteção do ambiente. Tudo isso paralelo à sua vocação primordial de continuar produzindo alimentos e matérias-primas.Assim, hoje convivemos com diferentes perspectivas de ruralidade. O seu conceito, como vimos, tem se transformado com o tempo. Nos anos 60/70, a modernização da agricultura dividiu o mundo rural em duas realidades distintas: o mundo rural moderno (urbano-industrial) e o mundo rural tradicional (rural). O conceito de ruralidade identificava-se com o mundo rural tradicional, com uma população escassa e marginalizada, dedicada a agricultura de subsistência.A partir da década de 90, verificam-se transformações no mundo rural, além da agricultura, se desenvolve a indústria e o artesanato, e os serviços, ligados, sobretudo ao turismo, lazer, etc., a agricultura familiar é reconhecida como ator social e se impõe como ator político, há uma valorização discursiva do patrimônio natural e cultural das zonas rurais e dos modos de vida tradicionais. Com isso, a própria significação do que é o “rural” tem sido objeto de aceso debate entre os estudiosos e seus significados vêm sendo redimensionados, deixando para trás sua identificação com o meramente agrícola (Navarro, 2001; 10). Assim, muitos falam no renascimento do rural. Hoje, já se admite que o mundo rural é um fenômeno complexo e pluridimensional, pois engloba comunidades e territórios distintos, embora interligados; desempenha uma multiplicidade de atividades (agricultura,artesanato, turismo, comércio); e apresenta uma grande heterogeneidade.Mas, apesar da sua heterogeneidade, o espaço rural apresenta algumas especificidades comuns:

Dependência em relação aos processos naturais e ligação dos agentes sociais ao espaço que habitam;

Importância das relações de interconhecimento; Persistência do grupo doméstico enquanto unidade de produção,

consumo e moradia.Em relação à dependência aos processos naturais e a ligação dos agentes sociais ao espaço que habitam, alguns aspectos merecem ser

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 80: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

destacados. O primeiro deles é que, apesar da modernização da agricultura, persiste a relação agricultura/agentes sociais/natureza, embora essa relação seja a um só tempo de cooperação e conflito. Um segundo aspecto, diz respeito ao fato de que em virtude das poucas oportunidades econômicas e profissionais oferecidas pelo espaço rural, observa-se um enfraquecimento da ligação dos agentes sociais com este espaço. Um terceiro aspecto está relacionado ao fato da terra continuar sendo um fator de segurança e estabilidade e a importância do trabalho agrícola como gerador de renda, mesmo em regiões onde ele apenas complementa a renda familiar.Quanto à importância das relações de interconhecimento, é possível perceber que nos espaços rurais as relações interpessoais são fortes devido à reduzida dimensão e densidade populacional do espaço rural. Existe, ainda, um controle maior da coletividade sobre todos os seus membros, que partilham e aceitam um conjunto de valores, normas e comportamentos, embora esses traços venham se tornando menos intenso devido ao êxodo rural, ao impacto da mídia, à nucleação das escolas, à presença de citadinos no meio rural, etc.Enfim, a respeito da persistência do grupo doméstico7 enquanto unidade de produção, consumo e residência é interessante atentarmos para alguns aspectos. Anteriormente, o grupo doméstico vivia exclusivamente da atividade agrícola. Com as transformações do espaço rural nas últimas décadas (aparecimento de novas atividades, envelhecimento da população, etc.), muitos desses grupos passam a dispor de outras fontes de rendimento para além da atividade agrícola, como indústria caseira, serviços, comércio, turismo, aposentadoria etc. Anteriormente, o grupo doméstico assentava numa família numerosa (avós, pais, filhos, netos...), hoje, com a saída dos jovens do campo e o envelhecimento da população, o grupo doméstico já não tem por base uma família extensa, ainda que muitas vezes a família rural seja encarada também do ponto

7 Grupo doméstico - conjunto de pessoas que habita a mesma casa e partilha as funções de produção, consumo e reprodução.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 81: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

de vista dos ausentes, daqueles que continuam a manter relações com o meio rural de origem.Entretanto, a despeito das especificidades e diferenças, o fato é que o conceito de ruralidade passa a ser entendido como um espaço social organizado e com valores próprios, cujo patrimônio natural e cultural deve ser preservado. Deixa de fazer sentido a oposição mundo rural/mundo urbano, estimulando-se a interdependência e a solidariedade entre ambos.

2) SUSTENTABILIDADEA sustentabilidade de um modelo de desenvolvimento se constitui num conjunto integrado de fatores que potencializem ao mesmo tempo a manutenção do capital natural dos territórios, a sustentação dos ecossistemas, qualidade de vida, cidadania, eficiência na gestão dos recursos, equilíbrio demográfico, valorização da identidade popular, fortalecimento da organização social e equidade. É um conceito de grande abrangência, que se refere de uma forma geral às condições de reprodução da sociedade no longo prazo.São várias as concepções de desenvolvimento sustentável e a forma como ela é incorporada por diferentes grupos sociais dependendo dos seus interesses. Portanto, a melhor forma de abordar o conceito é percorrendo a sua história.Resgatar a origem do conceito de desenvolvimento sustentável nos remete necessariamente ao debate social e ambiental dos anos 60 e 70, que despontou primeiramente nos países industrializados do hemisfério norte e generalizou-se no mundo ocidental, criticando a noção de desenvolvimento. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007).Tal crítica se dirigia à idéia de desenvolvimento como possibilidade de progresso (material) e crescimento ilimitado, idéia que se constituiu como fundamento da sociedade industrial ocidental, particularmente após a Segunda Guerra Mundial. O grande desafio do pós-guerra era: i) reconstruir as sociedades afetadas pela guerra; ii) “estabelecer uma

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 82: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ordem internacional hegemônica num contexto de grandes disparidades entre as nações centrais, urbanizadas e industrializadas e os países periféricos predominantemente rurais e com baixa industrialização” (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:15). De acordo com este ponto de vista, com a liderança dos EUA e com o apoio da Europa capitalista, os países do chamado “Terceiro Mundo” foram “disputados e integrados na esfera de influência do bloco capitalista”, que queria se consolidar como pólo oposto e concorrente ao bloco socialista, o qual se encontrava em disputa, caracterizando um cenário denominado de “guerra fria”.Assim, com as noções de desenvolvimento, subdesenvolvimento e modernização o bloco dos países capitalistas conduziu sua política internacional. O desenvolvimento era então identificado com o crescimento econômico, tecnológico e urbano. Era preciso internalizar a lógica da acumulação e da produção capitalista em todas as esferas da vida social (...) O paradigma de desenvolvimento a ser alcançado era a sociedade de consumo norte-americana. Foi assim que o desenvolvimento tornou-se um objeto maior de política pública de governos e organismos internacionais como a ONU e o Banco Mundial. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:16).A ideologia do desenvolvimento ou da modernização era postulada como ideal de progresso. Para os países chamados subdesenvolvidos ingressarem nesta condição de bem-estar e consumo era necessário crescer economicamente, industrializar-se, urbanizar-se e à medida que entravam na corrida para o desenvolvimento, passaram a ser chamados também em desenvolvimento, sugerindo que poderiam chegar ao nível de um país desenvolvido. Esta política desenvolvimentista, além da marginalização cultural de muitos setores populares e tradicionais, gerou uma outra situação que foi a contração de empréstimos e financiamentos que se traduziram numa pesada dívida externa que acompanhou este momento de “ajuda” internacional para o desenvolvimento. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:18).Este modelo de desenvolvimento foi criticado pelos efeitos perversos que promoveu. O desenvolvimento tecnológico associado á

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 83: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

concentração de renda, por exemplo, gerou na América latina o que se convencionou chamar de ”modernização dolorosa” (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:18). Modernização que a despeito das promessas não conseguiu reduzir a pobreza, mas ao contrário, aumentou as disparidades sociais, levando Celso Furtado a falar no mito do desenvolvimento econômico.Já na década de 60 os movimentos de contracultura e os movimentos ecológicos questionavam o modelo materialista, bélico, individualista, competitivo e degradador do meio ambiente da sociedade industrial. Essa crítica é acentuada nos anos 70 com a grande crise do petróleo e com as constatações do fracasso do desenvolvimentismo na solução dos problemas globais, denunciando a exploração ilimitada dos bens ambientais e a insustentabilidade social e ambiental por ele gerada. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:19).Em 1962, Rachel Carson lançou o livro A Primavera Silenciosa, mostrando que o DDT (pesticida introduzido para uso no combate às pragas) penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem com o risco de causar câncer e dano genético. A grande polêmica movida pelo livro é que não só ele expunha os perigos do DDT, mas questionava de forma eloqüente a confiança cega da humanidade no progresso tecnológico.Em 1968, ocorre em paris a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, conhecida como Conferência da Biosfera, que foi organizada pela UNESCO. Esta conferência também muito importante foi direcionada somente para os aspectos científicos da conservação da biosfera e pesquisas em Ecologia. Ainda em 1968, constituiu-se o Clube de Roma, composto por cientistas, industriais e políticos, que tinham como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais.A preocupação com o meio ambiente e os impactos do modelo de desenvolvimento para o futuro do planeta, faz com que a ONU promova

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 84: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

a I Conferência sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972). No mesmo ano, Dennis Meadows e os pesquisadores do “Clube de Roma” publicaram o estudo Limites do Crescimento. O estudo concluía que, mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100 anos, provocando uma repentina diminuição da população mundial e da capacidade industrial. O estudo recorria ao neo-malthusianismo como solução para a iminente “catástrofe” provocada pelo crescimento acelerado da população, sugerindo o controle populacional como maneira de evitá-la. As reações vieram de intelectuais do Primeiro Mundo (para quem a tese de Meadows representaria o fim do crescimento da sociedade industrial) e dos países subdesenvolvidos (já que os países desenvolvidos queriam “fechar a porta” do desenvolvimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica).O relatório Meadows revelava uma tensão entre crescimento econômico, expansão humana, avanço tecnológico e conservação da natureza, causando assim reações tanto dos países industrializados para quem a tese de Meadows poderia representar o fim do crescimento da sociedade industrial quanto dos países em desenvolvimento que alertavam para a intenção dos países desenvolvidos limitarem o crescimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica. Os ecologistas acusavam o relatório de ser uma tentativa de equalização dos problemas ambientais dentro da lógica do capitalismo, já alguns intelectuais afirmavam que ele não chegava a romper com os pressupostos do modelo de desenvolvimento que estava na raiz da crise ambiental. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:22).Neste embate de propostas e críticas aos limites do desenvolvimento, surge o conceito precursor do desenvolvimento sustentável: o eco desenvolvimento, lançado em 1973 pelo canadense Maurice Strong, cujos princípios foram formulados por Ignacy Sachs. Os caminhos do desenvolvimento seriam seis: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as gerações futuras; participação da população

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 85: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

envolvida; preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; programas de educação. Esta teoria referia-se principalmente às regiões subdesenvolvidas, envolvendo uma crítica à sociedade industrial. Foram os debates em torno do eco desenvolvimento que abriram espaço ao conceito de desenvolvimento sustentável, com sendo aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades, e para tal, devendo estar baseado no tripé: economicamente viável, socielamente justo e ambientalmente correto.Ignacy Sachs (1991) coloca ainda que todo o planejamento do desenvolvimento deva levar em conta cinco dimensões de sustentabilidade:

Sustentabilidade social - entendido como processo de desenvolvimento onde o crescimento está a serviço da construção de uma civilização com maior equidade na distribuição de renda e bens, de modo a reduzir as diferenças entre ricos e pobres.

Sustentabilidade econômica - possível através da alocação mais eficiente dos recursos públicos e privados. A eficiência econômica deve ser avaliada em termos macros sociais, e não apenas através do critério da rentabilidade empresarial de caráter microeconômico.

Sustentabilidade ecológica - é dada pela capacidade de suporte dos ecossistemas, pela redução do uso dos recursos não-renováveis, pela redução da emissão de resíduos, pelo equilíbrio no consumo dos recursos naturais entre países ricos e pobres, pela pesquisa de tecnologias menos poluidoras, de baixo custo e eficientes, tanto para o meio rural como para o meio urbano, e finalmente, ela é dada pelas normas adequadas que visem à proteção do ambiente.

Sustentabilidade espacial - dirigida para a obtenção de uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 86: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

distribuição territorial dos assentamentos humanos e das atividades econômicas.

Sustentabilidade cultural - inclui a procura de raízes endógenas de processos de modernização e de sistemas agrícolas integrados, processos que busquem mudanças dentro da continuidade cultural e que traduzam o conceito normativo de eco desenvolvimento em um conjunto de soluções específicas para o local, o ecossistema, a cultura e a área.

O cenário de crise econômica, social e ambiental aprofunda, nos anos 80, a critica à idéia de desenvolvimento, considerada como noção central do modelo social hegemônico. A constatação da falácia e da falência do modelo desenvolvimentista e a percepção da crise ambiental geram um debate que busca construir propostas que tanto procura caminhos de superação deste modelo, como tentam reformulá-lo dentro dos marcos da lógica capitalista que o gerou. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:19).No início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade, a primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, chefiou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, para estudar o assunto. O documento final desses estudos chamou-se Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland. Apresentado em 1987, o documento, que se propunha a apresentar “uma agenda global para a mudança” introduz pela primeira vez, no cenário político, o conceito de desenvolvimento sustentável, buscando apontar caminhos de reconciliação entre os ideais do desenvolvimento e a necessidade premente de reconhecer os limites ambientais e de diminuir a pobreza no mundo. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:29). Entretanto, o conceito foi definitivamente incorporado – ou popularizado - durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Cúpula da Terra de 1992 – Eco-92, no Rio de janeiro e serviu como base para a formulação da Agenda 218, aí ganhando força. Os destaques são, entre outras questões, para a relação entre 8

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 87: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

pobreza e degradação ambiental e a necessidade de buscar novos padrões de produção e de consumo sustentáveis para estas e para as futuras gerações (Barbieri, 1997: 26).Entretanto, Scotto (2007) chama a atenção para as diferentes perspectivas, abordagens, matrizes discursivas e visões que refletem as maneiras implícitas de se pensar as questões relacionadas a (in) sustentabilidade, a partir das quais apresenta as classificações utilizadas por alguns estudiosos. Tentamos assim agrupá-las:

1) Sustentabilidade via regulação do mercadoA arma fundamental para evitar o “colapso” social e ambiental é a “força competitiva” do mercado. Ou seja, a melhor solução para combater a escassez de recursos naturais é através de mecanismos de mercado, fundamentalmente através do preço. O problema ambiental é redefinido como uma questão de alocação eficientes de recursos (eco-eficiência). Trata-se de uma perspectiva que vai ao encontro da abordagem econômico-liberal de mercado, que pressupõe a necessidade de crescimento econômico como fator de garantia da redução da pobreza e

? Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência ECO-92. É um documento que estabelece a importância de cada país, através de seus respectivos governos, empresas, ONG’s, movimentos sociais e todos os setores organizados da sociedade, debater e cooperar no encaminhamento de soluções para os problemas sócio-ambientais e na construção política das bases de um plano de ação e de um planejamento participativo em nível global, nacional e local, de forma gradual e negociada, tendo como meta um novo paradigma econômico e civilizatório. Cada país desenvolve a sua Agenda 21 e no Brasil as discussões são coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 nacional (CPDS). Suas ações prioritárias são os programas de inclusão social ( acesso de toda a população à educação, saúde e distribuição de renda), a sustentabilidade urbana e rural, a preservação dos recursos naturais e minerais, a ética política para o planejamento na construção do desenvolvimento sustentável, o planejamento de sistemas de produção e consumo suatentáveis contra a cultura do disperdício. A Agenda 21 é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 88: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

promoção de um desenvolvimento mais compatível com as exigências ambientais. Ela utiliza-se de uma matriz discursiva da “eficiência” e da “escala”. É através da “eficiência”que se combate o desperdício da base material do desenvolvimento, sendo necessário estender a racionalidade econômica ao “espaço não-mercantil”. Aqui evidencia-se uma visão de mercado, pois são os mecanismos de mercado e as relações entre produtores e consumidores os meios mais eficiêntes para conduzir e regular a sustentabilidade do desenvolvimento. Dentro dessa perspectiva é muito presenta a idéia de que a grande ameça à sustentabilidade em termos globais provém dos países do sul (América latina e Ásia principalmente). Aí estariam localizadas as origens dos riscos ambientais, a pobreza e o perigo de desestabilização mundial. Assim, a arena principal para o ajuste ambiental são esses países, sendo demandado que eles tomem medidas necessárias - em especial, as de controle populacional – para que seja evitado um colapso ambiental. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007, Parte II.4).

2) Sustentabilidade via regulação do EstadoA qualidade ambiental é um bem público e como tal deve ser normatizada, regulada e promovia pelo Estado, com a complementariedade das demais esferas sociais, em plano secundário (o mercado e a sociedade civil) (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007: 65).

3) Sustentabilidade via desenvolvimento comunitário As organizações da sociedade civil desempenham papel predominante na transição para uma sociedade sustentável. O pressuposto aqui é o de que não há desenvolvimento sustentável sem democracia e participação social e que a vida comunitária é a única que torna isso possível. Trata-se de uma abordagem política de participação democrática, mas a partir das comunidades. Encontramos aqui a incorporação de uma matriz discursiva da auto-suficiência, que busca assegurar a capacidade de auto-regulação comunitária das condições de reprodução da base material do desenvolvimento, o que pressupõe a desvinculação de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 89: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

economias nacionais e sociedades tradicionais dos fluxos de mercado mundial. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007: 64).

4) Sustentabilidade ecológica via acordos globais.A grande vítima da “insustentabilidade” do desenvolvimento é o planeta, e é ele que deve ser urgentemente salvo antes que pereça. O Planeta Terra é tomado como objeto de intervenção científica e política. A solução para problemas globais ( buraco na camada de ozônio, efeito estufa, chuva ácida etc) devem ser igualmente globais, sendo necessário um planejamento racional das condições planetárias, exigindo, pois a gestão global de soluções e de recursos financeiros. Aí se insere os acordos globais como por exemplo, a Convenção sobre Mudança do Clima.9 A arena para o ajuste ambiental é o globo inteiro.Trata-se de uma perspectiva que vai ao encontro da abordagem eológico-tecnocrata de planejamento, para a qual a ação deverá estar norteada pelo primado da sustentabilidade ecológica e da conservação da natureza, o que exige a presença de instituições com amplas forças de controle, de imposição e intervenção. Percebe-se aí a utilização de uma matriz discursiva da ética, ao inscrever a apropriação social do mundo material em um debate sobre os valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida no planeta. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007, Parte II.4: 63,64).

9 A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 1992 é uma de uma série de acordos recentes por meio dos quais países de todo o mundo estão se unindo para enfrentar esse desafio. A Convenção sobre Mudança do Clima enfoca o seguinte problema: nós estamos mudando a forma com que a energia solar interage com a atmosfera e escapa dela e corremos o risco de alterar o clima global. Entre as conseqüências possíveis, estão um aumento na temperatura média da superfície da Terra e mudanças nos padrões climáticos mundiais Em 1997, é assinado em Kyoto, Japão, o Protocolo de Kyoto, um novo componente da Convenção, que contém, pela primeira vez, um acordo vinculante que compromete os países do Norte a reduzir suas emissões (no acordo esses países deveria reduzir as suas emissões em 5,2% - em relação aos níveis de 1990 – para o período de 2008-2012).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 90: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

5) Sustentabilidade econômica baseada em princípios de justiça e equidade globalA principal preocupação é com as maneiras de se garantir os meios de subsistência fundamentalmente dos grupos sociais muito atingidos pela crise ecológica e a degradação ambiental, tais como camponeses, indígenas e outras populações que dependem da terra e do acesso aos recursos naturais. O objetivo aqui é produzir alternativas para o desenvolvimento econômico, incorporando à discussão os problemas relacionados à justiça e à equidade global. Ou seja, é colocada a necessidade de que seja cobrado de uma minoria de países (fundamentalmente os países do Norte) que abram mão do seu consumo excessivo, para permitir o desenvolvimento das sociedades mais pobres. Nessa perspectiva, a arena principal para o ajuste ambiental é a constituída pelos países ricos do Norte. Aqui o discurso “econômico” se articula aos princípios de justiça e ecologia.Através do exposto podemos perceber que sustentabilidade não é um conceito fechado, acabado e homogêneo, mas que está colocado num campo de disputas. O que significa que nem sempre quando falamos em desenvolvimento sustentável estamos falando da mesma coisa.Podemos perceber ainda que existem alguns pontos de tensão que podem ser percebidos no debate em torno da sustentabilidade. Scotto (2007) salienta quatro aspectos apontados como “pontos nevrálgicos” das discussões mais contemporâneas. Seriam eles: o consumo, as “externalidades”, o território e o mercado.

a) Em relação ao consumo parece haver um consenso nos debates sobre a necessidade de sua redução. A crise socioambiental tem sido relacionada aos estilos de vida e consumo das sociedades contemporâneas, dando centralidade ao consumo nos debates atuais em torno da sustentabilidade ambiental. A percepção que se tem do consumo abarca um campo amplo, que vai desde a sua consideração enquanto um mal - desencadeador de valores e de atitudes desconectadas de uma perspectiva ecológica e um dos principais causadores do desequilíbrio ambiental – passando pela

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 91: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

concepção de ‘consumo verde” 10 até “consumo sustentável” 11, sendo a esse incorporado questões relativas ao acesso aos bens de consumo e suas redes de distribuição, sob a égide de práticas socialmente mais justas. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007: 67)

b) Em relação às “externalidades” – impactos negativos (danos) causados por práticas produtivas -, a questão que se coloca é se é possível internalizá-las. A proposta que tem sido amplamente aventada é, exatamente, a destinação de um valor monetário (internalização) aos danos considerados negativos de certa atividade produtiva. . (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007: 79. Entretanto, fica a pergunta: é possível converter um impacto negativo em valor monetário? Imputar um valor monetário a um dano causado por uma prática insustentável soluciona o problema?

c) Proposta de sustentabilidade é sempre pensada a partir de uma dimensão territorial, mas qual o nível mais adequado para se pensar e propor, negociar e planejar ações visando o desenvolvimento? A arena de disputa se encontra no local, no nacional, ou no global? Como transitar entre os diferentes níveis?

d) Em relação ao mercado, a questão posta é: através dos seus mecanismos é possível se alcançar um desenvolvimento sustentável? Alguns acreditam que sim, desde que sejam internalizadas as externalidades negativas das produções econômicas, a construção de um consumo que possa ser cada vez

10 Consumo verde é aquele em que o consumidor, além de buscar melhor qualidade e preço, inclui em seu poder de escolha, a variável ambiental, dando preferência a produtos e serviços que não agridam o meio ambiente tanto na produção, quanto na distribuição, no consumo e no descarte final. A crítica que se faz ao consumo verde é que ele ataca somente uma parte do problema - a tecnologia - enfatizando o desenvolvimento de produtos verdes para uma parcela da sociedade, enquanto os pobres ficam com produtos inferiores e com um nível de consumo abaixo da satisfação de suas necessidades básicas. O tema da desigualdade no acesso aos bens ambientais desapareceu completamente dos debates e propostas de consumo verde11 Saber usar os recursos naturais para satisfazer as nossas necessidades, sem comprometer as necessidades e aspirações das gerações futuras.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 92: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

mais qualificado como “verde” e a edificação ampliada de uma matriz tecnológica com baixos impactos ambientais em todas as etapas dos processos produtivos. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007: 90). Outros acreditam que não, pois o a lógica mercantil não garante o acesso dos homens, de igual forma, aos recursos energéticos e bens materiais.

Colocadas estas questões que transitam em torno do conceito de sustentabilidade, nos resta indagar como esse conceito se incorpora ao conceito de desenvolvimento rural. Segundo Navarro (2001), a expressão desenvolvimento rural sustentável surgiu em meados dos anos oitenta, a partir da crescente difusão da expressão mais geral, “desenvolvimento sustentável”. A idéia de sustentabilidade nasceu, como vimos, da crescente percepção acerca dos impactos ambientais do padrão civilizatório acelerado após a Segunda Guerra, cujas evidências empíricas multiplicaram-se a partir da década de 1970. Neste sentido, o componente “sustentável” da expressão refere-se, exclusivamente, ao plano ambiental, indicando a necessidade das estratégias de desenvolvimento rural incorporar uma apropriada compreensão das chamadas “dimensões ambientais”.Assim, o desenvolvimento sustentável rural passa pelo desenvolvimento de sistemas de uso da terra/sistemas de produção sustentáveis adaptados às condições de produção da agricultura familiar, que no Brasil passa a ser colocada como base de tal desenvolvimento, por ser considerado o locus mais indicado para a consolidação de um novo padrão produtivo que não agrida o meio ambiente e que mantenha as características dos agroecossistemas. A Agenda 21 Brasileira ressalta que é necessário resgatar a importância da agricultura familiar na promoção da sustentabilidade, compreendendo que a agricultura cumpre funções relevantes ao desenvolvimento do País, e recomendando que a política agrícola tenha seu foco sobre o aspecto multifuncional da agricultura familiar. A agricultura familiar se apresenta, pois, mais apropriada para o estabelecimento de estilos de agricultura sustentável tanto pelas

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 93: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

características de maior ocupação de mão de obra, e de diversificação de culturas que são próprias desta forma de organização da produção, quanto pela sua maior capacidade de proceder ao redesenho de agroecossistemas de forma mais condizente aos ideais de sustentabilidade. As principais contribuições da agricultura familiar para o desenvolvimento rural sustentável que, conforme (Altafin, 2003), já faziam parte da sua prática e foram inibidas pelo modelo produtivista são:

1) Garantia da sobrevivência da unidade familiar pela produção para o consumo e garantia da segurança alimentar;

2) Garantia da capacidade produtiva; 3) Capacidade de geração de emprego; 4) Preservação ambiental; 5) Resgate de um modo de vida que associa conceitos de cultura,

tradição e identidade; 6) Valorização do local e de seu desenvolvimento.

A partir do exposto percebemos que uma das importâncias atribuídas à agricultura familiar para o desenvolvimento rural sustentável é a sua potencial capacidade de garantir quantidade e qualidade de alimentos necessários à população brasileira, ou seja, a sua importância na garantia da segurança alimentar.

3) SEGURANÇA ALIMENTARO termo "Segurança Alimentar" surge, pela primeira vez, na Europa, logo após o fim da 1ª. Guerra Mundial. Percebia-se que um país poderia dominar outro, se tivesse o controle sobre seu fornecimento de alimentos. Esta era uma arma poderosa, principalmente se aplicada por uma potência sobre um país mais fraco no plano militar e, também, incapaz de produzir suficientemente seus alimentos. Portanto, o termo "Segurança Alimentar" é, de fato, em sua origem, um termo militar. Tratava-se de uma questão de segurança nacional para todos os países.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 94: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Apontava para a exigência de formação de estoques "estratégicos" de alimentos e fortalecia a visão sobre a necessidade de busca de auto-suficiência por cada país.Trazia, assim, um entendimento que vinculava a questão alimentar à capacidade de produção. Esta vinculação manteve-se até a década de setenta. Na 1ª. Conferência Mundial sobre Alimentação, promovida pela FAO, em 1974, em um momento em que os estoques mundiais de alimentos estavam bastante escassos, com quebras de safra em importantes países produtores, a expressão Segurança Alimentar aparece como conceito orientador para políticas públicas, sendo corrente a idéia de que ela estava estritamente ligada à produção agrícola. Isto veio, inclusive, fortalecer o discurso da indústria química na defesa da Revolução Verde. Afirmavam que o flagelo da fome e da desnutrição no mundo desapareceria com o aumento significativo da produção agrícola, o que estaria assegurado com o emprego maciço de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos). A produção mundial, ainda na década de setenta, se recuperou - embora não da mesma forma como prometia a Revolução Verde - e nem por isto desapareceram os males da desnutrição e fome, que continuavam atingindo tão gravemente parcela importante da população mundial. (Menezes, 1998).É neste contexto que se começa a perceber que, mais do que a disponibilidade de alimentos, a capacidade de acesso aos alimentos por parte dos povos em todo o mundo mostra-se como questão crucial para a Segurança Alimentar.Em 1983 a FAO definiu um novo conceito de segurança alimentar. Essa deveria assegurar “... que todas as pessoas tenham permanente acesso físico e econômico aos alimentos básicos de que necessitam”. Tal conceito se fundamentava em três objetivos: oferta de alimentos, estabilidade da oferta e dos mercados de alimentos e a segurança no acesso aos alimentos. Posteriormente, em 1986, o Banco Mundial redefine segurança alimentar como “acesso por parte de todos, todo o

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 95: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

tempo, da quantidade suficiente de alimentos para levar uma vida ativa e saudável”. Tomando como referência esse conceito, a Segurança Alimentar passou a ser abordada levando-se em consideração a insegurança alimentar12

decorrente da falta de poder aquisitivo, porém sem reduzi-la à auto-suficiência alimentar. Além disso, levou-se em consideração que ela também requer políticas de geração de emprego e redistribuição de renda e da riqueza socialmente produzida, contribuindo, assim, na redução dos índices de pobreza. No final da década de 80 e início de 90, o conceito de segurança alimentar passa novamente a ser redefinido, incorporando a noção de alimento seguro (não contaminado, de qualidade, balanceamento de dieta, informação e opções culturais dos seres humanos). Somando-se a isto a questão da equidade e da justiça, com vistas nas futuras gerações, ao uso adequado e sustentado dos recursos naturais, do meio ambiente e do tipo de desenvolvimento adotado. O direito à alimentação passou-se a inserir no contexto do direito à vida, da autodeterminação e satisfação das necessidades básicas. O conceito de segurança alimentar foi definido de forma bastante clara no documento oficial do Brasil, apresentado na Cúpula Mundial da 12 Insegurança alimentar é a condição em que as pessoas estão incapacitadas de adquirir alimentos suficientes em qualquer momento. A insegurança alimentar pode ser do tipo crônica ou persistente, conforme se refira a falta persistente ou transitória de acesso aos alimentos. Existe uma causa fundamental para a insegurança alimentar no Brasil: a incapacidade de acesso. Isto se dá especialmente pela falta de poder aquisitivo de uma parcela não desprezível da população para adquirir os alimentos que necessita. Mas também pela falta de acesso aos bens de produção, na área rural, principalmente para aqueles que não tem terra. E, em uma outra dimensão, a falta de acesso aos serviços públicos (água, esgoto, educação e saúde) que têm impacto sobre a segurança alimentar e a falta de acesso à informação, instrumento básico para aqueles mais vulneráveis à fome e desnutrição. Outros problemas também ameaçam a segurança alimentar e nutricional no Brasil. De um lado, o crescimento das importações de alimentos, deixando a soberania alimentar do país ameaçada. De outro, a falta de sustentabilidade do sistema alimentar. Por último, a imposição de um padrão alimentar inadequado e que ameaça valores culturais de grande riqueza da nossa alimentação. (Menezes, 1998)

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 96: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Alimentação em 1996. O documento sistematiza o conceito da seguinte forma:A Segurança Alimentar e Nutricional significa garantir, a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana.Trata-se de um conceito bastante abrangente, comportando as noções do alimentar e do nutricional; enfatizando os aspectos do acesso e da disponibilidade em termos de suficiência, continuidade e preços estáveis e compatíveis com o poder aquisitivo da população; ressaltando a importância de qualidade; valorizando os hábitos alimentares adequados e colocando a segurança alimentar e nutricional como uma prerrogativa básica para a condição de cidadania. (Menezes, 1998)Entretanto, essa definição não incluía o aspecto da sustentabilidade do sistema alimentar, noção que foi incorporada, posteriormente, quando por ocasião do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) se elaborou uma nova definição, aprovada na II Conferência Nacional de SAN realizada em 2004:Segurança Alimentar e Nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (II Conferência Nacional de SAN, Olinda, 2004)Esta compreensão foi o resultado de um longo debate travado no Brasil e em diversas outras partes do mundo. Um debate que, a exemplo também do conceito de sustentabilidade, reflete uma disputa árdua de posições entre interesses às vezes bastante conflitantes, em torno dos sentidos que a "Segurança Alimentar" vai adquirindo. (Menezes, 1998)

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 97: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Segundo Maluf, é próprio da formulação brasileira ter acrescentado o adjetivo “nutricional” à expressão consagrada internacionalmente como “segurança alimentar”. Primeiro, tinha-se o propósito de interligar os dois principais enfoques que estiveram na base da evolução dessa noção no Brasil: o socioeconômico e o de saúde e nutrição; segundo, procurou-se englobar numa única noção - Segurança Alimentar e Nutricional- duas dimensões: a disponibilidade de alimentos e a qualidade desses bens. E ao reunir essas duas dimensões o enfoque da SAN coloca em questão os modelos de produção e as referências de qualidade que se tornaram predominantes (Maluf, 2007: 18) Enquanto objetivo de ações e políticas públicas, a SAN está subordinada a dois princípios: o direito humano à alimentação adequada e saudável e a soberania alimentar. A noção de SAN parte do pressuposto de que todo cidadão e cidadã devem estar seguro (a) em relação aos alimentos e à alimentação nos seguintes aspectos: (i) suficiência; ii) qualidade; iii) adequação (ou apropriado às circunstâncias sociais, ambientais e culturais). São através das políticas de SAN que se assegura o direito à alimentação. (Maluf, 2007)A soberania alimentar é um dos princípios da SAN. Esta noção vem sendo trabalhada e difundida, principalmente, pelos movimentos sociais, a partir de meados da década de 1990, frente à perda da capacidade dos Estados nacionais em formular políticas agrícolas e alimentares no contexto da progressiva internacionalização da economia (Menezes, apud Maluf, 2007). O emprego da noção de soberania alimentar começa a surgir com força no debate sobre segurança alimentar de 1996. Durante a Cúpula Mundial da Alimentação, no foro paralelo da sociedade civil, também realizado em Roma, a reivindicação da soberania alimentar aparece com grande relevância. Este conceito busca dar importância à autonomia alimentar dos países, associada à geração de emprego e menor dependência de importações e flutuações de preços do mercado internacional. A soberania alimentar atribui grande importância à preservação da cultura e dos hábitos alimentares de um país. Esta

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 98: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

posição em torno da soberania alimentar encontra defensores entre os representantes dos povos indígenas mais fortes da América Andina, América Central e entre os pequenos produtores europeus.A soberania alimentar é assim definida como:

“... direito dos povos definirem suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental [...]. A soberania alimentar é a via para erradicar a fome e a desnutrição e garantir a segurança alimentar duradoura e sustentável para todos os povos” (Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, Havana, 2001)

Maluf (2007) acrescenta que soberania alimentar implica também que as políticas adotadas em seu nome, particularmente pelos países avançados, não comprometa a soberania de outros países. Este enfoque faz restrição ao papel atribuído ao comércio internacional no abastecimento alimentar interno (Maluf, 2007:23). É importante salientar que o desenvolvimento e aplicações da engenharia genética na agricultura e na alimentação tem colocado novas ameaças e desafios em relação à soberania alimentar. Não é à toa que os transgênicos estão no centro da problemática da segurança alimentar. Garantir o princípio da soberania alimentar passa por produzir em consonância com as características climáticas da região; priorizar a produção e o comércio  local e a cultura de subsistência; passa por resgatar a cultura camponesa nas suas dimensões da diversidade e respeito à natureza. Passa também por visibilizar o trabalho das mulheres na produção, preparação e distribuição dos alimentos deixando para trás a divisão sexual do trabalho e recolocar a sustentabilidade da vida humana como centro da economia e da

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 99: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

atividade das pessoas. A alimentação é parte fundamental desse processo.A maneira como os países enfrentam a questão alimentar pode contribuir ou dificultar para que os processos de desenvolvimento promovam eqüidade social e melhoria sustentável da qualidade de vida de sua população. Nesse sentido, o objetivo do SAN pode ser colocado como um dos eixos ordenadores de ações, políticas e programas que potencializam uma interação positiva entre a questão alimentar e eqüidade social. (Maluf, 2007:24)O enfoque da SAN a) busca ampliar o acesso aos alimentos, ao mesmo tempo em que questiona o padrão de consumo alimentar; b) sugere formas mais eqüitativas e sustentáveis de produzir e comercializar os alimentos; c) requalifica as ações dirigidas para os grupos populacionais vulneráveis ou com requisitos alimentares específicos. Essas três linhas de ação convertem a busca da SAN num parâmetro para as estratégias de desenvolvimento de um país. (Maluf, 2007:24)Logo, constata-se que o objetivo da segurança alimentar e nutricional implica uma concepção de desenvolvimento socioeconômico que questiona os componentes do modelo hegemônico no Brasil, geradores de desigualdade, pobreza e fome e com impactos negativos sobre o meio ambiente e a saúde. Em outras palavras, a discussão da falta de sustentabilidade, proporcionada por esse modelo ganha relevância quando examinado à luz do problema da Segurança Alimentar, pois modelos agrícolas excludentes e insustentáveis são fatores de insegurança alimentar. (Maluf, 2007:117)Se considerarmos apenas o lado da produção, podemos concluir que para o Brasil alcançar o objetivo de Segurança Alimentar e Nutricional, para toda a população brasileira, é necessário que sejam implementadas políticas públicas que: a) disponibilizem mais recursos para estimular e bem remunerar a produção de alimentos básicos compatíveis com os hábitos alimentares predominantes em cada região do país; e b) destinem recursos para implementar um amplo processo de reconversão da agricultura, ou seja, um processo de transição do sistema

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 100: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

convencional, baseado na agroquímica, para uma agricultura sustentável.A segurança alimentar e nutricional implica, então, na necessidade de produção de alimentos em quantidade e com qualidade, assim como na possibilidade de acesso da população aos alimentos produzidos. A oferta de alimentos na quantidade necessária, de forma permanente, requer uma agricultura ambientalmente sustentável e capaz de produzir alimentos com elevada qualidade e uma forma de distribuição dos gêneros alimentícios que garanta o acesso à alimentação por parte de toda população.Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da Reforma Agrária, da Agricultura Familiar e do agroextrativismo na construção de estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de aumento e consolidação da produção nacional de alimentos básicos. A agricultura realizada em bases familiares possui pelo menos duas peculiaridades. Ela possibilita, por um lado, a ocupação socialmente eqüitativa do espaço agrário e favorece a valorização das dimensões social, ambiental e cultural da produção agroalimentar, como é próprio do enfoque da SAN. As atividades agroalimentares de pequena escala são, ao mesmo tempo, grandes geradoras de ocupação e de renda e ofertantes de alimentos de qualidade e diversificados, tornando-as componente central de estratégias de desenvolvimento com eqüidade social e SAN (Maluf, 2007:132)Enfim, o fortalecimento da agricultura familiar pode efetivamente constituir-se numa das principais estratégias de efetivação de uma política de segurança alimentar no Brasil, possibilitando tanto o incremento da produção agrícola nacional, como também a reprodução social e econômica de um contingente significativo de trabalhadores rurais, que, mesmo vivendo sob condições de pobreza e miséria no campo, ainda resistem à estratégia sempre possível da migração para os grandes centros metropolitanos em busca de melhores oportunidades de vida.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 101: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Nesse sentindo, as ações e programas visando à efetivação da SAN como política pública precisam:

a) Estimular a produção agroalimentar de base familiar e circuitos regionais de produção, distribuição e consumo;

b) Promover a agrobiodiversidade e fortalecer as estratégias de desenvolvimento sustentável;

c) Incentivar a Educação Alimentar e Nutricional e o consumo sustentável, valorizando hábitos culturalmente referenciados. Nessa perspectiva, é preciso destacar que a aproximação entre produção familiar e consumo de alimentos, contribuiria para a articulação mais estreita entre campo e cidade e ratificaria o papel dos consumidores de alimentos como promotores de modelos de desenvolvimento mais eqüitativos e sustentáveis (Maluf, 2007:141)Essa relação estreita entre produtores e consumidores na perspectiva aqui apresentada se apresenta como porta de entrada para a discussão de uma economia solidária, pois a transformação das relações de produção passa pela organização dos produtores e consumidores, desde já, numa nova forma de relações de produção a ser exercida em novas relações de produção.

4) ECONOMIA SOLIDÁRIA Antes de tudo, é importante ressaltar que é possível tratar a temática da economia solidária no nível conceitual, refletindo sobre o sentindo do agir econômico em sociedades; a partir de sua manifestação concreta na realidade, como um fenômeno da sociedade contemporânea; a partir de suas práticas organizativas, analisando as experiências concretas; enquanto metodologia de intervenção, ou seja, enquanto instrumento ou ferramenta para geração de trabalho, renda e para a promoção de desenvolvimento sustentável, especialmente em territórios marcados por alto grau de vulnerabilidade e exclusão social; e por fim, como política pública. Para fins desse trabalho, procuraremos abordar os aspectos conceituais da temática.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 102: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O termo economia deriva das palavras gregas oikos, que significa casa, e nomos, que significa gestão. Assim sendo, a própria etimologia da palavra nos remete à noção de ciência da boa gestão da casa (França Filho, 2007).Segundo França Filho (2007) a origem da palavra está mais próxima de uma definição substantiva da economia que a compreende como “um processo institucionalizado de interação entre o homem e a natureza que permite um aprovisionamento regular de meios materiais para satisfação de necessidades” (Caillé, 2003, p. 221 apud França Filho, 2007:158). Por outro lado, ela estaria menos relacionada à definição formalista que compreende a economia “todo comportamento visando economizar recursos raros procedendo sistematicamente a um cálculo de custos e benefícios envolvidos numa decisão pensada como uma questão de escolha racional”.A partir da compreensão substantiva da economia é possível associar a idéia de economia a toda forma de produção e de distribuição de riqueza. Como as formas de “fazer economia”, de produzir e distribuir riquezas variou historicamente nas diferentes culturas humanas, podem-se reconhecer diferentes economias, ou diferentes princípios do comportamento econômico (França Filho, 2007:159). Este mesmo autor, referindo-se a Laville (1994), afirma que estes diferentes princípios históricos do comportamento econômico podem resumir-se a três formas de economia com o seu rearranjo na modernidade. Assim, a economia, entendida como toda forma de produzir e distribuir riqueza admite, segundo ele:

a) uma economia mercantil: fundada no princípio do mercado auto-regulado, onde a impessoalidade e a equivalência monetária marcam o tipo de troca marcado pela impessoalidade, caracterizando uma relação utilitária;

b) uma economia não mercantil: fundada no princípio da redistribuição, marcada pela verticalização da relação de troca e por seu caráter obrigatório, visto que o Estado se apropria dos recursos com a finalidade de distribuí-los;

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 103: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

c) uma economia não monetária: fundada no princípio da reciprocidade, onde a relação de troca é orientada principalmente pela lógica da dádiva, tal como descrita por Mauss (1978).

Ou seja, a economia que admite uma pluralidade de formas de produzir e distribuir riquezas. Essa compreensão permite ampliar o olhar sobre o econômico para além da visão dominante, que reduz seu significado à idéia de economia de mercado, permitindo, ainda, perceber certas singularidades, próprias às práticas de economia solidária. (França Filho, 2007:160)

Assim, é possível compreender a economia solidária: i) como uma economia plural; ii) como uma articulação entre as três formas de economia citadas acima, sugerindo um outro modo de definir o ato econômico. Mas afinal o que é economia solidária?A economia Solidária é uma prática social regida pelos valores da autogestão, democracia, cooperação, solidariedade, respeito à natureza, promoção da dignidade e valorização do trabalho humano, tendo em vista um projeto de desenvolvimento sustentável. Esse entendimento subverte o conceito funcionalista de economia e recoloca a economia no seio do mundo da vida, do mundo das relações humanas, recuperando-se a idéia de troca como a essência das relações econômicas. Ao contrário da economia capitalista centrada sobre o capital a ser acumulado e que funciona a partir de relações competitivas cujo objetivo é o alcance dos interesses individuais, a economia solidária não tem como objetivo a acumulação de capital, mas a resposta às necessidades humanas, organizando-se, pois, a partir de fatores humanos, favorecendo as relações onde o laço social é valorizado através da reciprocidade e adota formas comunitárias de propriedade. Ela se distingue também da economia estatal que supõe uma autoridade central e formas de propriedade institucional.Segundo Nobre (2003) A economia solidária se constitui em práticas alternativas à economia capitalista. Ela apresenta uma forma de organização do trabalho e da produção em outros moldes que não sejam

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 104: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

a propriedade privada dos meios de produção, a extração da mais-valia e a alienação do trabalho (Nobre, 2003: 91)Já o Ministério do Trabalho e Emprego (2003) a define da seguinte forma: “a Economia Solidária corresponde ao conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, finanças, trocas, comércio, consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão, ou seja, pela propriedade coletiva dos meios de produção de bens e serviços e pela participação democrática (uma pessoa, um voto) nas decisões dos membros da organização ou empreendimento”.Paul Singer (2002) identifica as origens da economia solidária na Inglaterra do século XIX. Ela foi desenvolvida a partir das experiências de sindicalistas e socialistas como uma reação à acumulação do capital associada à primeira Revolução Industrial e que levou à desestruturação do trabalho e da vida dos trabalhadores; os quais relacionavam-se entre si através de uma rede de trocas que respondia ao ciclo de produção, comercialização e consumo. Com esse cenário configurado, surgiram às idéias de Robert Owen, que em 1832 criou em Londres a Bolsa de Trabalho (Labour Exchange, onde se intercambiavam produtos de cooperativas a preços calculados conforme o número de horas de trabalho gastas em sua produção. Outras bolsas com o mesmo formato foram organizadas em Birmingham, Liverpool e Glasgow.) Tendo obtido lucro no ano de 1833, ela entrou em colapso no ano seguinte, justamente com o enfraquecimento do movimento sindical, devido a boicotes patronais. Owen, um dos pais do socialismo, pregava que a indústria em si é benéfica mas deveria estar sob o controle dos trabalhadores e os resultados deveriam ser repartidos igualmente entre eles. Ele propôs a criação de aldeias cooperativas ao redor das fábricas onde os meios de produção seriam possuídos e geridos coletivamente. A partir das suas idéias, várias comunidades ou aldeias cooperativas foram criadas, na Inglaterra e nos Estados Unidos, no século XIX, mas não conseguiram manter-se por mais de alguns anos as numerosas experiências de cooperativas operárias lideradas pelo movimento sindical inglês, após vários êxitos e avanços democráticos, foram

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 105: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

extintas pela forte reação da classe patronal e pela declarada hostilidade do governo. Um outro antecedente identificado por Singer é a cooperativa de consumo de Rochdale, criada em 1844, por um pequeno número de trabalhadores, partidários dos princípios de Owen A cooperativa estabeleceu uma carta de princípios que até hoje inspira o cooperativismo e sua legislação.Em 1864 ela chegou a ter 4.747 membros e seu capital foi investido em cooperativas de produção de trigo e têxteis, representando um importante mercado consumidor. Os seus fundadores ficaram conhecidos como os Pioneiros de Rochdale e criaram diversas outras cooperativas de produção, como a de fiação, tecelagem, habitação etc. O exemplo de Rochdale, considerada a mãe de todas as cooperativas, se difundiu pela Inglaterra e outros países. Mas, ainda em 1864, a maioria dos sócios decidiu abolir as regras de autogestão e o direito dos trabalhadores de participar do capital da cooperativa, tornando-se aos poucos uma empresa capitalista convencional. Em 1895 foi fundada a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) que, desde então, congrega as entidades cooperativas de todo o mundo.Sobre este assunto existem publicações e a recente publicação de Paul Singer vai neste sentido, por isso não pretendemos aqui nos prolongar demasiadamente. Retomando a compreensão da economia numa perspectiva solidária, ressaltamos pelo menos três contribuições trazidas por essa abordagem: i) ela permite a utilização de recursos variados; ii) tem o foco nas necessidades humanas; iii) constitui um espaço onde as pessoas podem criar e exercitar direitos em uma justiça de proximidade. Assim ela reconhece que a sociedade necessita de recursos, não apenas os recursos monetários, mas também os não-monetários. Reconhece ainda que as relações de confiança e reciprocidade sejam fundamentais para que um grupo funcione e dê certo. Ela é mais que uma estratégia de organização, gestão e comercialização.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 106: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

A economia solidária é construída por iniciativas de natureza associativa ou cooperativa, envolvendo pessoas que, num determinado contexto territorial, buscam a solução de problemas concretos, relacionados à sua condição cotidiana de vida, através do fomento à criação de atividades sócio-econômicas. (França Filho, 2007)A inserção da economia solidária em processos de desenvolvimento fortalece a combinação de ações estruturantes de acesso e incentivo às alternativas locais de geração de trabalho com outras melhorias nas condições de vida da população. Por isso tais processos devem contribuir para a criação e fortalecimento das redes, das cadeias, das centrais de comercialização e do sistema de comércio justo, de modo a dar sustentabilidade aos diversos empreendimentos solidários.A economia solidária estimula, no território, um circuito integrado de relações sócio-econômicas envolvendo produtores/prestadores de serviço e consumidores/usuários de serviços, numa lógica de rede. Ou seja, ela estimula à livre associação entre produtores e consumidores (ou prestadores de serviços e usuários). Neste tipo de economia, perde sentido a consideração da oferta e da demanda como entidades abstratas, supostamente vocacionadas a harmonizarem-se graças à ação da mão invisível, num processo mais conhecido como auto-regulação do mercado. Do mesmo modo, a competição também deixa de ter importância nesta lógica. (França Filho, 2007).Neste sentido, justifica-se a constituição do chamado Comércio Justo, que corresponde a práticas de parceria entre produtores e consumidores para superar as dificuldades enfrentadas pelos primeiros, procurando criar meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho dos produtores, principalmente os pequenos produtores desfavorecidos. O seu propósito é de promover a eqüidade social, a proteção do ambiente e a confiança econômica através do comércio e da promoção de campanhas e conscientização.O central, portanto, em termos políticos, está em apostar na organização dos produtores e consumidores, no aperfeiçoamento da organização da sociedade civil – não para sobreviver dentro do sistema ou para arranjar

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 107: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

o que fazer aos que já não tem lugar numa economia automatizada – para, a partir deles (os excluídos do sistema), gerar novas relações produtivas.

Referência bibliográfica:ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS. 2003, 149p.ALTAFIN, Iara Guimarães. Sustentabilidade, Políticas Públicas e Agricultura Familiar: Uma Apreciação sobre a Trajetória Brasileira. Tese de Doutorado. CDS - Centro de Desenvolvimento Sustentável. UnB – Universidade de Brasília. 2003. 225 pAGUIAR, Vilênia V.P. Sindicalismo rural e cooperação agrícola: buscando as bases para a construção de um outro desenvolvimento. Projeto de doutorado. Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas: sociedade e meio ambiente Centro de Filosofia e Humanas/UFSC, 1999. Mimeo.ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural) sustentável, In: Reconstruindo a agricultura. Porto Alegre: Editora da Universidade/ UFRGS, 1997.BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: as estratégias de mudança da agenda 21. Petrópolis, RJ. Vozes 1997.BAVA, S. C. Desenvolvimento local: uma alternativa para a crise social? São Paulo em Perspectiva. São Paulo: Fundação SEADE, v.10, n.3, p.53-59, 1996.CAMPANHOLA, Clayton. Diretrizes de políticas públicas para o novo rural brasileiro: incorporando a noção de desenvolvimento local, In: Anais da SOBER, 1999.FILHO, Genauto Carvalho de França. Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 7, n. 1, jan.-jun. 2007FLORES, Murilo Xavier. Novos rumos do desenvolvimento rural. Anais da SOBER, 1999.Godelier, M. L’idéel et le matériel. Paris: Fayard, 1984KAYSER, Bernard. La Renaissance Rurale. Armand Colin éditeur, Paris, 1990.MALUF, Renato Sérgio Jamil. Segurança Alimentar e Nutricional. Coleção Conceitos Fundamentais. Editora Vozes: Petrópolis, 2007MATTEI, Lauro. A pluriatividade no contexto do desenvolvimento rural catarinense. Idéias e ações. CEPAGRO, ano 2, No 4. Florianópolis, Abril/98. MENEZES, Francisco. Panorama Atual da Segurança Alimentar no Brasil, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Rio de Janeiro, 1998MIOR, Luiz Carlos. Políticas públicas e desenvolvimento rural, In: Anais da SOBER, 1997.MOYANO, E. Las políticas de desarrolo rural en la Union Europea, In: Agricultura, Meio ambiente e Sustentabilidade no Cerrado brasileiro. Uberlândia, Shigeo Shiki et al orgs. 1987.NAVARRO, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. Estudos Avançados, São Paulo, n.43, v.15, p. 83-100, set./dez., 2001.NOBRE, Miriam; Faria, Nalu. A produção do viver: ensaios de economia feminista .São Paulo: SOF, 2003. (Coleção Cadernos Sempreviva. Série Gênero, Políticas Públicas e Cidadania, 7)PALMEIRA, Moacir. Debates Econômicos, Processos Sociais e Lutas Políticas. In: Política e Reforma Agrária. Rio de Janeiro: Mauad,1998.SACHS, I. Estratégias de transição para o Século XXI. In: PARA pensar o desenvolvimento sustentável. Brasília: Editora Brasiliense, 1991 p.29 - 54.SCOTTO, Gabriela; Carvalho, Isabel Cristina de Moura; Guimarães, Leandro. Desenvolvimento sustentável. Petrópolis: Vozes, 2007.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 108: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

SILVA, José Graziano da. A Modernização dolorosa. Zahar ed., Rio de Janeiro,1982______________________. “O novo rural brasileiro”. Campinas,1996, mimeo.SILVA, José Graziano da. A Modernização dolorosa. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1982.SILVA, José Graziano da. Tecnologia e Agricultura Familiar. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS,1999. SINGER, Paul. Introdução à economia solidária, 1ª edição, São Paulo: editora Fundação Perseu Abramo, 2002.STROPASOLAS, Valmir Luiz. O mundo rural no horizonte dos jovens. Florianópolis: Editora da UFSC, 2006.WANDERLEY, Maria Nazareth B. O “lugar” dos rurais: o meio rural no Brasil moderno, In: resumo dos anais do XXXV Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia. Natal, RN, 1997.

Introdução à Economia SolidáriaO texto a seguir, de autoria de Paul Israel Singer foi extraído do livro “Introdução à Economia Solidária” Capítulos 1, 2 e 4 - Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2002

Capítulo IFundamentos

1. Solidariedade X competição na economiaO capitalismo se tornou dominante há tanto tempo que tendemos a tomá-Io como normal ou natural. O que significa que a economia de mercado deve ser competitiva em todos os sentidos: cada produto deve ser vendido em numerosos locais, cada emprego deve ser disputado por numerosos pretendentes, cada vaga na universidade deve ser disputada por numerosos vestibulandos, e assim por diante. A competição é boa de dois pontos de vista: ela permite a todos nós consumidores escolher o que mais nos satisfaz pelo menor preço; e ela faz com que o melhor vença, uma vez que as empresas que mais vendem são as que mais lucram e mais crescem, ao passo que as que menos vendem dão prejuízo e se não conseguirem mais clientes acabarão por fechar. Os que melhor atendem os consumidores são os ganhadores, os que não o conseguem são os perdedores13. 13 A economia capitalista atual não é competitiva na maior parte dos seus mercados. Dominada

geralmente por 0ligopólios. Mas há concorrência no comércio varejista e em muitos mercados de serviços, de modo que os consumidores com poder aquisitivo têm possibilidades de escolha. Os pobres são obrigados a gastar o seu pouco dinheiro no essencial à sua

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 109: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Não obstante essas virtudes, a competição na economia tem sido criticada por causa de seus efeitos sociais. A apologia da competição chama a atenção apenas para os vencedores, a sina dos perdedores fica na penumbra. O que acontece com os empresários e empregados das empresas que quebram? e com os pretendentes que não conseguem emprego? ou com os vestibulandos que não entram na universidade? Em tese, devem continuar tentando competir, para ver se saem melhor da próxima vez. Mas, na economia capitalista, os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras. Empresários falidos não têm mais capital próprio, e os bancos Ihes negam crédito exatamente porque já fracassaram uma vez. Pretendentes a emprego que ficaram muito tempo desempregados têm menos chance de serem aceitos, assim como os que são mais idosos. Os reprovados em vestibular precisariam se preparar melhor, mas como já gastou seu dinheiro fazendo cursinho a probabilidade de que o consigam é cada vez menor. Tudo isso explica por que o capitalismo produz desigualdade crescente, verdadeira polarização entre ganhadores e perdedores. Enquanto os primeiros acumulam capital, galgam posições e avançam nas carreiras, os últimos acumulam dívidas pelas quais devem pagar juros cada vez maiores, são despedidos ou ficam desempregados até que se tornam inempregáveis, o que significa que as derrotas os marcaram tanto que ninguém mais quer empregá-los14. Vantagens e desvantagens são legadas de pais para filhos e para netos. Os descendentes dos que acumularam capital ou prestígio profissional, artístico etc. entram na competição econômica com nítida vantagem em relação aos descendentes dos que se arruinaram, empobreceram e foram socialmente excluídos. O que

sobrevivência. 14 A inempregabilidade provém do fato de que os empregadores também estão competindo

pelos melhores empregados. Como eles não podem saber de antemão quem é o melhor, guiam-se pelas aparências e por preconceitos. Quem ficou muito tempo sem trabalho ou foi despedido muitas vezes não "deve" ser bom. Então por que arriscar?

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 110: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

acaba produzindo sociedades profundamente desiguais. Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir. O que está de acordo com a divisão do trabalho entre empresas e dentro das empresas. Cada um desempenha uma atividade especializada da qual resulta um produto que só tem utilidade quando complementado pelos produtos de outras atividades. O médico só consegue curar o paciente com a ajuda dos remédios fornecidos pelas farmácias e· pelos serviços prestados por hospitais, ambulâncias, laboratórios etc. O mesmo vale para quem nos abriga, alimenta, veste, transporta, e assim por diante. Dentro de cada empresa, os trabalhos do operário, do engenheiro, do contador etc. têm de se combinar harmoniosamente para que as necessidades do cliente sejam atendidas. A solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A chave dessa proposta é a associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais. Na cooperativa de produção, protótipo de empresa solidária, todos os sócios têm a mesma parcela do capital e, por decorrência, o mesmo direito de voto em todas as decisões. Este é o seu princípio básico. Se a cooperativa precisa de diretores, estes são eleitos por todos os sócios e são responsáveis perante eles. Ninguém manda em ninguém. E não há competição entre os sócios: se a cooperativa progredir, acumular capital, todos ganham por igual. Se ela for mal, acumular dívidas, todos participam por igual nos prejuízos e nos esforços para saldar os débitos assumidos. Se toda economia fosse solidária, a sociedade seria muito menos desigual. Mas, mesmo que as cooperativas cooperassem entre si, inevitavelmente algumas iriam melhor e outras pior, em função do acaso e das diferenças de habilidade e inclinação das pessoas que as

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 111: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

compõem. Haveria portanto empresas ganhadoras e perdedoras. Suas vantagens e desvantagens teriam de ser periodicamente igualadas para não se tomarem cumulativas, o que exige um poder estatal que redistribua dinheiro dos ganhadores aos perdedores, usando para isso impostos e subsídios e/ou crédito. O que importa entender é que a desigualdade não é natural e a competição generalizada tampouco o é. Elas resultam da forma como se organizam as atividades econômicas e que se denomina modo de produção. O capitalismo é um modo de produção cujos princípios são o direito de propriedade individual aplicado ao capital e o direito à liberdade individual. A aplicação destes princípios divide a sociedade em duas classes básicas: a classe proprietária ou possuidora do capital e a classe que (por não dispor de capital) ganha à vida mediante a venda de sua força de trabalho à outra classe. O resultado natural é a competição e a desigualdade. A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda. Em outras palavras, mesmo que toda atividade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável. Uma alternativa freqüentemente aventada para cumprir essa função é a renda cidadã, uma renda básica igual, entregue a todo e qualquer cidadão pelo Estado, que levantaria o fundo para esta renda mediante um imposto de renda progressivo.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 112: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

2. Empresa capitalista e empresa solidária: a repartição dos ganhos

Na empresa capitalista, os empregados ganham salários desiguais, conforme uma escala que reproduz aproximadamente o valor de cada tipo de trabalho determinada pela oferta e demanda pelo mesmo no mercado de trabalho. Os trabalhadores são livres para mudar de emprego e portanto tendem a procurar as empresas que pagam melhor. E os empregadores são livres para demitir os empregados e assim tendem a procurar os que produzem melhor. Da interação entre oferta - os trabalhadores que vendem sua ca-pacidade de produzir - e demanda - as empresas que a compram - resulta um escalonamento de salários que acaba por prevalecer, com variações, na maioria das empresas. Este mesmo esca-lonamento se estende a outras características do contrato de tra-balho: expectativas de carreira, benefícios não-salariais etc. É por isso que diretores ganham mais do que gerentes, estes mais do que técnicos ou vendedores e estes mais do que simples operadores de máquinas, recepcionistas e faxineiros. As diferenças de pagamento são objeto de negociações entre sindicatos de empregados e empregadores, e formam planos de classificação de cargos, em que cada nível é determinado por critérios objetivos. Mas, no fundo, o que determina a remuneração de cada trabalho é o incessante ajuste entre oferta e demanda desta força de trabalho. Como há forte rivalidade entre as carreiras, os empregadores dão a algumas, que desejam beneficiar, aumentos disfarçados em bônus, seguro-saúde subsidiado etc. Esperam com isso que os não contemplados não passem a exigir o mesmo benefício. Na empresa solidária, os sócios não recebem salário mas retirada, que varia conforme a receita obtida. Os sócios decidem coletivamente, em assembléia, se as retiradas devem ser iguais ou diferenciadas. Há empresas em que a maioria opta pela igualdade das retiradas por uma questão de princípio ou então porque os trabalhos que executam são

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 113: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

idênticos, ou quase. Mas a maioria das empresas solidárias adota certa desigualdade das retiradas, que acompanha o escalonamento vigente nas empresas capitalistas, mas com diferenças muito menores, particularmente entre trabalho mental e manual. Muitas empresas solidárias fixam limites máximos entre a menor e a maior retirada. As razões que levam a maioria dos cooperadores a aceitar certa desigualdade de retiradas variam de empresa para empresa. Em algumas, a maioria acha natural que certos trabalhos valham mais do que outros, pois os trabalhadores aceitam e defendem a hierarquia profissional a que foram acostumados. Em outras, a maioria opta pela desigualdade de retiradas para não perder a colaboração de cooperadores mais qualificados, que poderiam obter melhor remuneração em empresas capitalistas15. Nestes casos, há um cálculo racional: pagar melhor a técnicos e administradores permite à cooperativa alcançar ganhos maiores que beneficiam o conjunto dos sócios, inclusive os que têm retiradas menores. Situações como essa foram teorizadas pelo filósofo John Rawls, para o qual alguma desigualdade é tolerável desde que ela sirva para melhorar a situação dos menos favorecidos. Como, em geral, os menos favorecidos são a maioria em quase todas as empresas _ capitalistas e solidárias -, se nas últimas eles decidem que algumas categorias de sócios devem ter retiradas maiores, é de esperar que esta decisão seja benéfica para eles. É a regra que John Rawls chama de maximin.

15 Pode parecer paradoxal que administradores de cooperativas aceitem ganhar menos do que em empresas capitalistas, mas exijam ganhar mais que os seus companheiros para continuarem nas cooperativas. Mas há lógica nisso. Os administradores se dispõem a abrir mão de grande parte do que ganhariam a serviço do capital, desde que ganhem mais que os demais sócios, por causa de suas noções de hierarquia profissional e também porque devem satisfações a seus familiares, que nem sempre partilham seus valores solidários. O agrupamento cooperativo de Mondragón. no País Basco (Espanha), adota entre seus princípios o da Solidariedade Redistributiva. segundo o qual o índice máximo de retirada é igual ao vigente no mercado, com uma redução de 30% "en concepto de compromiso de solidaridad" (da página da Mondragón Corporación Cooperativa - MCC, na internet: http://mondragon.mcc.es/).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 114: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

"Desigualdades são permissíveis quando elas maximizam, ou ao menos todas contribuem para [elevar] as expectativas de longo prazo do grupo menos afortunado da sociedade" (1971, p. 151). À primeira vista, pode-se ter a impressão de que, afinal, não faz muita diferença trabalhar numa empresa capitalista ou solidária, já que numa e noutra os ganhos são diferenciados de acordo com os mesmos critérios: os do mercado de trabalho. Mas esta impressão é falsa. Na empresa capitalista, os salários são escalonados tendo em vista maximizar o lucro, pois as decisões a respeito são tomadas por dirigentes que participam nos lucros e cuja posição estará ameaçada se a empresa que dirigem obtiver taxa de lucro menor que a média das empresas capitalistas16• Na empresa solidária, o escalonamento das retiradas é decidido pelos sócios, que têm por objetivo assegurar retiradas boas para todos e principalmente para a maioria que recebe as menores retiradas. Por isso, na empresa capitalista, os altos dirigentes recebem ordenados extremamente altos, além de prêmios generosos se as metas de lucros forem atingidas ou ultrapassadas. Na empresa solidária, os dirigentes podem receber as retiradas mais altas, mas elas quase sempre são muito menores que os ordenados de seus congêneres em empresas capitalistas. Também a repartição do excedente anual - o lucro na empresa capitalista e a sobra na empresa solidária - obedece a mecanismos e critérios diferentes num e noutro tipo de empreendimento. Na firma capitalista, a decisão sobre a destinação do lucro cabe à assembléia de acionistas, quase sempre dominada por um pequeno número de grandes acionistas, chamado de "grupo controlador". Como regra

16 O que interessa aos acionistas não é o valor absoluto dos lucros, mas sua relação com o capital investido na empresa. A relação lucro anual/capital investido é a taxa de lucro. O valor das ações nas bolsas de valores depende da expectativa da taxa de lucro, que é fortemente influenciada pelas taxas de lucro alcançadas no passado. Se por alguma razão esta expectativa cair, os especuladores vendem as ações da empresa, que perdem cotação, tomando provável que o controle da empresa passe a outro grupo. Neste caso, a diretoria e os gerentes mais importantes são demitidos.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 115: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

geral, uma parcela do lucro é entregue em dinheiro aos acionistas sob a forma de dividendos e o restante vai para fundos de investimento. Periodicamente, uma parte desses fundos é acrescida ao capital, o que dá lugar a nova emissão de ações, que são também entregues aos acionistas. Todo o lucro é apropriado, imediatamente ou alguns anos depois, pelos acionistas, sempre em proporção ao número de ações possuído por cada um deles. Nas cooperativas, as sobras têm sua destinação decidida pela assembléia de sócios. Uma parte delas é colocada num fundo de educação (dos próprios sócios ou de pessoas que podem vir a formar cooperativas), outra é posta em fundos de investimento, que podem ser divisíveis ou indivisíveis, e o que resta é distribuído em dinheiro aos sócios por algum critério aprovado pela maioria: por igual, pelo tamanho da retirada, pela contribuição dada à cooperativa etc. O fundo divisível é usado para expandir o patrimônio da cooperativa e é contabilizado individual mente para cada sócio, pelo mesmo critério de repartição da parcela das sobras paga em dinheiro. Sobre o fundo divisível a cooperativa contabiliza juros, sempre pela menor taxa no mercado. Quando um sócio se retira da cooperativa, ele tem o direito de receber sua cota do fundo divisível acrescido dos juros a ele creditados. Cada retirada do fundo divisível representa uma descapitalização da cooperativa. O fundo indivisível não pertence aos sócios que o acumularam, mas à cooperativa como um todo. Os cooperadores que se retiram nada recebem dele. É um legado que os mais antigos deixam a seus sucessores. Foi com este fim que o Dr. Buchez, grande líder cooperativista do século XIX, propôs a sua criação. Ele notou que os sócios mais antigos se ressentiam com o fato de os recém-chegados à empresa solidária usufruírem todos os direitos e vantagens decorrentes do resultado acumulado, à custa de muito trabalho e sacrifícios dos veteranos. É regra nas cooperativas que novos trabalhadores passem por um estágio probatório, que varia em geral entre seis meses e um ano. Enquanto se encontram neste estágio,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 116: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

os novos trabalham como assalariados. Quando são aceitos como sócios, seus créditos trabalhistas servem para formar sua cota do capital da cooperativa. Buchez percebeu que os mais antigos procuravam perpetuar os novos na condição de assalariados, inclusive pela fixação da cota de capital em nível muito elevado. Os novos trabalhadores que não podiam integralizar a cota ficavam como empregados dos sócios, o que destruía o caráter solidário do empreendimento. O fundo indivisível sinaliza que a empresa solidária não está a serviço de seus sócios atuais apenas, mas de toda a sociedade, no presente e no futuro. Por isso é preciso que ela persista no tempo e não deixe de ser solidária. O tamanho do fundo indivisível varia de empresa para empresa, dependendo das decisões anuais das assembléias de sócios. O fundo indivisível preserva a cooperativa da descapitalização se parte dos sócios se retirar dela. Além disso, ele impede que a cota de capital (referida apenas ao fundo divisível) se valorize excessivamente, o que dificultaria à cooperativa recrutar novos sócios. Há casos em que a empresa solidária fica muito rentável. o que a torna valiosa no mercado em que empresas são compradas e vendidas. Os sócios mais antigos podem ficar tentados a vender a cooperativa a alguma empresa capitalista interessada. Se, no entanto, uma grande parte do capital da cooperativa estiver indivisível, esta tentação é muito menor. Os níveis de remuneração e as diferenças entre eles são decididos, em empresas capitalistas e solidárias, por sujeitos diferentes e com objetivos diferentes. O mesmo vale para a destinação dos lucros ou sobras. Na empresa capitalista, prevalecem sempre o poder e o interesse dos acionistas. representados pelo grupo controlador. Na empresa solidária, prevalecem o poder e o interesse dos sócios, cuja maioria em geral ganha menos por constituir a base da pirâmide de retiradas. O interesse dos sócios é manter e reforçar a solidariedade entre eles. É do seu interesse também maximizar o valor da retirada e da parcela das sobras apropriadas por cada sócio, mas como

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 117: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

objetivo subalterno. O objetivo máximo dos sócios da empresa solidária é promover a economia solidária tanto para dar trabalho e renda a quem precisa como para difundir no país (ou no mundo) um modo democrático e igualitário de organizar atividades econômicas.

3. Autogestão e heterogestão Talvez a principal diferença entre economia capitalista e solidária seja o modo como as empresas são administradas. A primeira aplica a heterogestão, ou seja. a administração hierárquica, formada por níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo para cima e as ordens e instruções de cima para baixo. Os trabalhadores do nível mais baixo sabem muito pouco além do necessário para que cumpram suas tarefas. que tendem a ser repetitivas e rotineiras. À medida que se sobe na hierarquia. o conhecimento sobre a empresa se amplia porque as tarefas são cada vez menos repetitivas e exigem iniciativa e responsabilidade por parte do trabalhador. Nos níveis mais altos, o conhecimento sobre a empresa deveria ser (em tese) total, já que cabe a seus ocupantes tomar decisões estratégicas sobre os seus rumos futuros. Esta descrição não é totalmente realista porque não considera os efeitos da competição entre setores e grupos de empregados situados nos níveis intermediários e elevados da hierarquia gerencial. Sobretudo em empresas grandes, grupos rivais disputam a destinação dos fundos de investimento, cada um demandando mais capital para expandir o setor em que exerce poder. Os gerentes da produção querem equipamentos novos para aperfeiçoar as técnicas de produção, os gerentes de vendas e marketing querem produtos melhores e mais baratos para conquistar mercado dos concorrentes, os dos laboratórios exigem mais recursos para desenvolver novos produtos e novos métodos de produção, os de pessoal solicitam mais dinheiro para contratar cursos de atualização

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 118: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

etc. etc. A competição exacerbada entre setores e grupos rivais. Embora sempre vise aumentar a lucratividade do conjunto, pode prejudicar o funcionamento da empresa como um todo, sobretudo se alguns setores sonegarem informações estratégicas aos setores rivais para enfraquecê-Ios. A alta direção precisa coibir o que seria excesso de competição. sem coibir a competição sadia, vista como essencial para obter o esforço máximo dos empregados. Mas, para tanto, seria preciso que ela tivesse toda a informação sobre o que se passa na empresa, o que a própria competição torna improvável. O segredo do negócio, que protege a competitividade da empresa contra rivais, é utilizado também pelos competidores internos à empresa, uns contra os outros. A heterogestão, para atingir seus objetivos, tem de suscitar o máximo de cooperação entre os empregados, agrupados em seções, departamentos e sucursais. Competição e cooperação são, a rigor, incompatíveis entre si: se você coopera com seu rival, você o fortalece e ele pode vencê-lo na competição; se você não coopera com seu colega ou com o setor que depende de sua ajuda, a empresa inteira pode fracassar. Dentro dessa contradição a heterogestão funciona, sempre à procura de novas fórmulas que lhe permitam extrair o máximo de trabalho e eficiência do pessoal empregado. A empresa solidária se administra democraticamente, ou seja, pratica a autogestão. Quando ela é pequena, todas as decisões são tomadas em assembléias, que podem ocorrer em curtos intervalos, quando há necessidade. Quando ela é grande, assembléias-gerais são mais raras porque é muito difícil organizar uma discussão significativa entre um grande número de pessoas. Então os sócios elegem delegados por seção ou departamento, que se reúnem para deliberar em nome de todos. Decisões de rotina são de responsabilidade de encarregados e gerentes, escolhidos pelos sócios ou por uma diretoria eleita pelos sócios.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 119: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Em empresas solidárias de grandes dimensões, estabelecem-se hierarquias de coordenadores, encarregados ou gestores, cujo funcionamento é o oposto do de suas congêneres capitalistas. As ordens e instruções devem fluir de baixo para cima e as demandas e informações de cima para baixo. Os níveis mais altos, na autogestão, são delegados pelos mais baixos e são responsáveis perante os mesmos. A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da administração. Para que a autogestão se realize, é preciso que todos os sócios se informem do que ocorre na empresa e das alternativas disponíveis para a resolução de cada problema. Ao longo do tempo, acumulam-se diretrizes e decisões que, uma vez adotadas, servem para resolver muitos problemas freqüentes. Mas de vez em quando surgem problemas que são complexos e cujas soluções alternativas podem afetar setores e sócios da empresa, de forma positiva alguns e negativa outros. Tais soluções podem exigir o encerramento de atividades consideradas obsoletas e sua substituição por outras, a aprendizagem de novas técnicas, a revisão do escalonamento das retiradas etc. O que ocasiona conflitos de opinião e/ou de interesse que dividem os sócios e ameaçam a solidariedade entre eles. Pelo visto, a autogestão exige um esforço adicional dos tra-balhadores na empresa solidária: além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa. Esse esforço adicional produz ótimos resultados quando se trata de envidar mais esforços para cumprir um prazo, eliminar defeitos de um produto ou para atingir algum outro objetivo que todos desejam. O fato de todos ficarem a par do que está em jogo contribui para a cooperação inteligente dos sócios, sem necessidade de que sejam incentivados por competições para saber quem é o melhor de todos. Mas o esforço adicional torna-se desgastante quando é preciso se envolver em conflitos, tomar partido pró ou contra companheiros, participar de reuniões cansativas etc.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 120: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

O maior inimigo da autogestão é o desinteresse dos sócios, sua recusa ao esforço adicional que a prática democrática exige. Em geral não é a direção da cooperativa que sonega informações aos sócios, são estes que preferem dar um voto de confiança à direção para que ela decida em lugar deles. E a direção tende, às vezes, a aceitar o pedido, sobretudo quando se trata de decisões que podem suscitar conflitos entre os sócios. É, em geral, mais fácil conciliar interesses e negociar saídas consensuais num pequeno comitê de diretores do que numa reunião mais ampla de delegados, que têm que prestar contas aos colegas que representam. A prática autogestionária corre o perigo de ser corroída pela lei do menor esforço. Os gestores da cooperativa enfrentam fre-qüentemente questões urgentes, que têm de ser resolvidas sem haver tempo de consultar outros sócios. Nas assembléias, os pro-blemas e as soluções adotadas costumam ser relatados como fatos consumados. É muito raro que algum participante se preocupe em discutir se a solução encontrada foi realmente a melhor. Se não houver algo emocionante, é provável que a assembléia aprove rapidamente e sem prestar atenção os relatórios dos gestores. Se a desatenção virar hábito, as informações relevantes passam a se concentrar em círculos seletos de responsáveis, cujas propostas têm toda chance de ser aprovadas, pelos sócios ou seus delegados, por inércia. Há um truísmo que diz que cooperativas que vão mal fecham, as que vão bem deixam de ser cooperativas. Como generalização é falso, mas tem um fundo de verdade. Cooperativas que vão mal têm alto índice de participação dos sócios, todos interessados em consertar o que está errado. Tudo o que a direção faz é minuciosamente examinado, criticado e, se não há as melhoras esperadas, a direção é substituída. Cooperativas que vão bem podem vir a apresentar o quadro oposto: a lei do menor esforço concentra o poder de decisão de fato nos gestores e a empresa escorrega sem perceber para uma prática de heterogestão. Mas muitas cooperativas que têm êxito

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 121: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

econômico praticam a autogestão, pois seus sócios fazem questão dela pelos motivos certos: porque gostam de participar e se realizam na luta por um outro modo de produção. O perigo de degeneração da prática autogestionária vem, em grande parte, da insuficiente formação democrática dos sócios. A auto gestão tem como mérito principal não a eficiência econômica (necessária em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes. Participar das discussões e decisões do coletivo, ao qual se está associado, educa e conscientiza, tornando a pessoa mais realizada, autoconfiante e segura. É para isso que vale a pena se empenhar na economia solidária. Acontece que, até agora, grande parte dos cooperadores se insere na economia solidária enquanto modo de produção intersticial (conceito que discutiremos adiante), ou seja, para se reinserir à produção social e escapar da pobreza. Muitos não chegam a apreciar as potencialidades da auto gestão, aceitando-a, no máximo, como exigência coletiva para poder participar da cooperativa. As pessoas não são naturalmente inclinadas à auto gestão, assim como não o são à heterogestão. Poucos optariam espontaneamente por passar a vida recebendo ordens, atemorizados com o que lhes possa acontecer se deixarem de agradar aos superiores. Aprende-se a obedecer e temer os "superiores" desde os bancos escolares, num processo educativo que prossegue a vida inteira. As crianças são espontaneamente inquietas, curiosas, desejosas de participar em todos os jogos e brincadeiras. A escola reprime esses impulsos e as obriga a obedecer a horários, a ficar quietas e imóveis durante a aula, a decorar coisas que nada lhes dizem e a renunciar a satisfazer boa parte de sua curiosidade. E tudo isso sob a ameaça de reprimendas e castigos, o pior dos quais é não ser aprovado17• As imposições e repressões da família patriarcal vão na mesma direção.

17 Não por acaso a palavra apromdo significa tanto passar de ano como obter a aprovação de outros.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 122: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Essa carga alienante é sacudida quando a pessoa se envolve em lutas emancipatórias, que desafiam a ordem vigente: greves, manifestações de protesto, reuniões de comunidades eclesiais de base, ocupações de terra visando à reforma agrária e muitas outras. Irmanar-se com os iguais, insurgir-se contra a sujeição e a exploração constituem experiências redentoras. Quando reiteradas, modificam o comportamento social dos sujeitos. Entre as empresas solidárias, a autogestão se pratica tanto mais autenticamente quanto mais sócios são militantes sindicais, políticos e religiosos. As lutas emancipatórias alteram as instituições, introduzindo práticas democráticas e banindo as autoritárias. O sufrágio universal, que vige em muitos países, possibilitou a prática da democracia política, que de certo modo inverte a relação de poder (ao menos formal) entre governo ou autoridade pública e cidadãos. São estes que escolhem e remuneram aqueles, portanto é a sua vontade que deve prevalecer. A grande massa de cidadãos ainda não se conscientizou disso, mas quanto mais eleições se realizam, mais as campanhas eleitorais vão educando os eleitores, muitos dos quais vão adotando atitudes questionadoras e críticas em relação aos governantes. Além da democracia política, outras conquistas importantes foram possibilitadas pela revolução feminina, que está abolindo a opressão do pai sobre a mulher e os filhos; e pela revolução sexual, correlata da primeira, que está acabando com a repressão sexual dos adolescentes e, sobretudo das mulheres (adolescentes ou não). Da mesma forma, um número crescente de instituições civis também está se democratizando: sindicatos, partidos, escolas e universidades, centros científicos, igrejas etc. Esses avanços antiautoritários e democráticos fazem com que as novas gerações sejam menos reprimidas e passivas que as de seus pais e avós. Tudo isso provavelmente está por detrás do atual surto de auto gestão em quase todos os campos de interação social. Cresce o número de pessoas que se acostumaram a eleger autoridades,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 123: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

desde o grêmio estudantil, faculdades e departamentos na universidade, sindicatos e associações profissionais até prefeitos, governadores e presidentes da República e que não toleram mais trabalhar sob as ordens de chefias escolhidas pejos proprietários, cujo interesse - o lucro - é a única finalidade de todas as atividades desenvolvidas na empresa. Embora cresça ainda mais o número dos desempregados e excluídos sociais, ou que estão ameaçados de o serem, e que recorrem à economia solidária para se reinserir num sistema cujos princípios organizativos aceitam como "naturais". Tanto a autogestão como a heterogestão apresentam dificuldades e vantagens, mas seria vão tentar compará-Ias para descobrir qual delas é a melhor. São duas modalidades de gestão econômica que servem a fins diferentes. A heterogestão parece ser eficiente em tornar empresas capitalistas competitivas e lucrativas, que é o que seus donos almejam. A autogestão promete ser eficiente em tornar empresas solidárias, além de economicamente produtivas, centros de interação democráticos e igualitários (em termos), que é o que seus sócios precisam.

Capítulo IIHistória

1. Origens históricas da economia solidária A economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. A Grã-Bretanha foi a pátria da Primeira Revolução Industrial, precedida pela expulsão em massa de camponeses dos domínios senhoriais, que se transformaram no proletariado moderno. A exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites legais e ameaçava a reprodução biológica do proletariado. As crianças começavam a trabalhar tão logo podiam ficar de pé, e as jornadas de trabalho eram tão longas que o debilitamento físico dos trabalhadores e sua elevada morbidade e mortalidade impe-

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 124: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

diam que a produtividade do trabalho pudesse se elevar. Por isso, industriais mais esclarecidos começaram a propor leis de proteção aos trabalhadores. Entre eles encontrava-se o britânico Robert Owen, proprietário de um imenso complexo têxtil em New Lanark. Em vez de explorar plenamente os trabalhadores que empregava, Owen decidiu, ainda na primeira década do século XIX, limitar a jornada e proibir o emprego de crianças, para as quais ergueu escolas. O tratamento generoso que Owen dava aos assalariados resultou em maior produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento. Owen tornou-se objeto de grande admiração e respeito, adquirindo fama de filantropo. Visitantes do mundo inteiro vinham a New Lanark tentar decifrar o mistério de como o dinheiro gasto com o bem-estar dos trabalhadores era recuperado sob a forma de lucro, ao fim de cada exercício. A Revolução Francesa provocou um longo ciclo de guerras na Europa, que se encerrou apenas em 1815, após a vitória britânica sobre Napoleão em Waterloo. Logo a seguir a economia da Grã-Bretanha caiu em profunda depressão. Owen apresentou uma proposta para auxiliar as vítimas da pobreza e do desemprego e restabelecer o crescimento da atividade econômica. Ele diagnosticou corretamente que a depressão era causada pelo desaparecimento da demanda por armamentos, navios, provisões e demais produtos necessários à condução da guerra. Com a perda do trabalho e da renda dos que estavam ocupados na produção bélica, o mercado para a indústria civil também se contraiu. Para reverter essa situação era necessário reinserir os trabalhadores ociosos na produção, permitindo-Ihes ganhar e gastar no consumo, o que ampliaria o mercado para outros produtores. Em 1817, Owen apresentou um plano ao governo britânico para que os fundos de sustento dos pobres, cujo número estava se multiplicando, em vez de serem meramente distribuídos, fossem invertidos na compra de terras e construção de Aldeias Cooperativas, em cada uma das quais viveriam cerca de 1.200 pessoas trabalhando na terra e em indústrias,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 125: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

produzindo assim a sua própria subsistência. Os excedentes de produção poderiam ser trocados entre as Aldeias. Com cálculos cuidadosos de quanto teria de ser investido em cada Aldeia, Owen tentava mostrar que haveria imensa economia de recursos, pois os pobres seriam reinseridos à produção em vez de permanecerem desocupados. Em pouco tempo, a desnecessidade de continuar subsidiando os ex-pobres permitiria devolver aos cofres públicos os fundos desembolsados. O raciocínio econômico de Owen era impecável, pois o maior desperdício, em qualquer crise econômica do tipo capitalista (devida à queda da demanda total), é a ociosidade forçada de parte substancial da força de trabalho. Há um efetivo empobrecimento da sociedade, que se concentra nos que foram excluídos da atividade econômica. Portanto, conseguir trabalho para eles é expandir a criação de riqueza, permitindo a rápida recuperação do valor investido. Isso foi demonstrado de outra forma por John M. Keynes, também britânico, durante a terrível crise da década de 1930. Desta vez os governos atenderam o apelo e passaram a praticar políticas de pleno emprego que funcionaram durante cerca de 30 anos, demonstrando a veracidade da tese de Keynes, antecipada 119 anos antes por Owen. Mas, na segunda década do século XIX, o governo britânico se negou a implementar o engenhoso plano de Owen, que passou a radicalizar sua proposta. "Quanto mais Owen explicava o seu 'plano', mais evidente se tornava que o que ele propunha não era simplesmente baratear o sustento dos pobres, mas uma mudança completa no sistema social e uma abolição da empresa lucrativa capitalista" (COLE, 1944, p. 20). Com isso, Owen perdeu seus admiradores da classe alta e, desiludido, partiu para os Estados Unidos com a intenção de erguer num meio social mais novo, e por isso menos deteriorado, uma Aldeia Cooperativa que seria um modelo da sociedade do futuro, a ser imitado por pessoas de boa vontade mundo afora. Ela foi estabelecida, em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana, e logo sofreu sucessivas cisões. Owen permaneceu à sua testa até 1829, quando, desiludido, voltou à Inglaterra.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 126: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Mas, enquanto ele permanecia além-mar, seus discípulos começaram a pôr em prática as idéias dele, criando sociedades cooperativas por toda parte. Esse movimento coincide com o surto de sindicalismo, desencadeado pela revogação dos Combination Acts. Essa legislação proibia qualquer organização dos trabalhadores como atentado à livre concorrência e foi usada para perseguir com grande empenho os sindicatos existentes, dos quais muitos desapareceram e os demais foram para a clandestinidade. Com a sua revogação, em 1824, novos sindicatos foram formados e, juntamente com eles, cooperativas. A primeira cooperativa owenista foi criada por George Mudie, que reuniu um grupo de jornalistas e gráficos em Londres e propôs que formassem uma comunidade para juntos viverem dos ganhos de suas atividades profissionais. Em 1821 e 1822, Mudie e seus companheiros publicaram The Economist, o primeiro jornal cooperativo. Formaram a London Co-operative Society, mas após algum tempo desistiram de viver em comunidade. Em 1823 surgiu um novo jornal, The Political Economist Qnd Universal Philantropist, e no ano seguinte apareceu uma nova London Co-operative Society. Outro empreendimento owenista foi a Comunidade de Orbiston, fundada em 1826, liderada por Abram Combe, da qual Mudie participou investindo nela tudo o que possuía: 1.000 libras este'rlinas. Durante algum tempo a Comunidade progrediu e iniciou experimentos em educação e num sistema de repartição baseada em pagamento igual por hora de trabalho de qualquer pessoa. Infelizmente, em agosto de 1827, Combe faleceu e seu irmão e herdeiro despejou a Comunidade para pagar as dívidas assumidas (COLE, 1944, p. 20-22). Brighton, um lugar de veraneio, foi palco de importante iniciativa cooperativa encabeçada pelo Dr. William King, que era conhecido como "médico dos pobres". Em 1827 surgiu a Brighton Co-operative Trading Association (Associação Cooperativa de Troca de Brighton), com o objetivo de formar uma comunidade cooperativa owenista, mas ela começou por funcionar como armazém cooperativo para ajudar a formar um fundo de capital. Seus sócios eram predominantemente operários. A associação arrendou terras e empregou membros no cultivo de legumes

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 127: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

para serem vendidos no armazém. Diversas cooperativas descendentes desta primeira se desenvolveram em Brighton, Worthington, Findon, Turnbridge Wells, Canterbury e Gravesend. Em 1830, King deixou a associação por problemas familiares e em 1832 ela desapareceu. A Brighton Association começou, em 1828, a publicação de um pequeno mensário The Co-operator, redigido por King e dedicado a expor sistematicamente os princípios do cooperativismo. Ele durou dois anos e penetrou em todo o país. Em seu número inicial, The Co-operator registrou a existência de apenas quatro cooperativas; em meados de 1829, este número já era de 70, e no fim do ano atingiu 130, além da abertura do London Co-operative Bazaar. Em agosto de 1830, King encerrou a publicação do The Co-operator e o número final registrou LI existência de mais de 300 cooperativas. Nessa época, a imprensa cooperativa também se havia diversificado, com o surgimento de novos órgãos (COLE, 1944, p. 22-23). No meio dessa ascensão do cooperativismo, o owenismo foi assumido pelo crescente movimento sindical e cooperativo da classe trabalhadora. Um dos seus grandes líderes, 10hn Doherty, conseguiu, em 1829, organizar os fiandeiros de algodão em um sindicato nacional. A partir desta vitória, ele passou a lutar pela organização sindical de todas as categorias de trabalhadores, logrando fundar em 1833-34 o Grand National Consolidated Trades Union (sucessora da Grand National Moral Union de Owen, pos sivclmentc a primeira central sindical do mundo18'). "Tornou-se comum que grevistas, em ramos que podiam ser operados sem muita máquina, em vez de cruzar os braços, se lançassem em competição com seus empregadores à base de planos de produção cooperativa" (COLE, 1944, p. 24). A criação desse tipo de cooperativa, estreitamente ligada à luta de classes conduzida pelos sindicatos, conferia a essa luta uma radical idade muito maior. Os trabalhadores em conflito com seus 18 'Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais, que surgiram na Inglaterra, estão

ligados ao nome de Owen. [ ... ] Ele presidiu o primeiro congresso em que trade unions [sindicatos] de toda a Inglaterra se uniram numa única grande central sindical" (ENGELS. 1894, p. 324-325).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 128: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

empregadores, em vez de se limitar a reivindicações de melhora salarial e de condições de trabalho, passavam a tentar substituí-los no mercado. A greve tornava-se uma arma não para melhorar a situação do assalariado, mas para eliminar o assalariamento e substituí-lo por autogestão.

"Muitas das sociedades cooperativas que foram fundadas no fim dos anos 20 e começo dos 30 [do século XIX] eram desta espécie, originadas ou de greves ou diretamente de grupos locais de sindi-calistas, que haviam sofrido rebaixa de salários ou falta de empre-go. Algumas destas cooperativas foram definitivamente patroci-nadas por sindicatos; outras foram criadas com a ajuda de Socie-dades Beneficentes cujos membros provinham do mesmo ofício. Em outros casos, pequenos grupos de trabalhadores simplesmente se uniam sem qualquer patrocínio formal e iniciavam sociedades por conta própria" (COLE, 1944, p. 24).

Ao lado destas cooperativas operárias havia sociedades de propaganda owenista, que tinham como objetivo fundar Aldeias Cooperativas, atualmente chamadas de "cooperativas integrais", pois organizavam integradamente produção e consumo. Dessas sociedades originavam-se freqüentemente armazéns cooperativos (como o da Associação Cooperativa de Troca de Brighton, encabeçada por King), criados para empregar alguns de seus membros, tendo em vista consumir seus próprios produtos ou trocá-los por escambo19 pelos de outras sociedades com os mesmos propósitos. Muitos dos armazéns passaram a adquirir produtos das cooperativas operárias e distribuí-los, transformando-se em centros de escambo da produção cooperativa, denominados Exchange Bazaars (bazares de troca) ou Equitable Labour Exchanges (bolsas eqüitativas de trabalho). Owen, como muitos socialistas da época, rejeitava o comércio visando ao lucro como essencialmente parasitário: "Os distribuidores, pequenos, médios e grandes, têm todos de ser mantidos pelos produtores e, 19 Escambo é troca direta. de produto por produto, sem uso de dinheiro

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 129: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

quanto maior o número dos primeiros comparado ao destes, maior será a carga suportada pelo produtor; pois à medida que aumenta o número de distribuidores, a acumulação de riqueza tem de diminuir e mais tem de ser exigido do produtor. Os distribuidores de riqueza, sob o sistema atual, são um peso morto sobre os produtores e os mais ativos desmoralizadores da sociedade" (OWEN, 1821 apud MILL, 2000, p.68). A rejeição do comércio (assim como de toda atividade visando ao lucro) levou as sociedades owenistas a criar os bazares ou bolsas que acabaram por polarizar boa parte da produção das cooperativas operárias, conferindo-lhes viabilidade econômica. Urna contrapartida hodierna seria o "clube de troca", que cria mercado entre seus membros mediante uma moeda própria. Quando Owen voltou à Inglaterra, ele deu grande impulso a esse comércio sem intermediários, criando o National Equitable Labour Exchange (Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo). Sua finalidade era oferecer a todos os cooperadores um mercado em que pudessem trocar seus produtos. A sua primeira sucursal foi aberta em 1832, logo seguida por uma segunda, sendo imitados por cooperadores em Birmingham, Liverpool, Glasgow e em outras cidades. Em julho de 1833, Owen transferiu a gerência da bolsa a um Comitê Sindical de Londres, que representava os sindicatos cujos membros haviam se engajado em produção cooperativa. As trocas nessas bolsas não eram estritamente escambo, pois eram intermediadas por uma moeda própria: as notas de trabalho, cuja unidade eram horas de trabalho. Os bens oferecidos à venda eram avaliados pelo tempo de trabalho médio que um operário padrão levaria para produzi-los. Cada bem era avaliado por este critério por um comitê formado por profissionais do ramo correspondente. Adotou-se corno padrão um operário que ganhasse seis dinheiros por hora. A hora de trabalho remunerada acima deste valor era aumentada na mesma proporção. Assim, por exemplo, uma peça de pano feita por um tecelão que ganhasse 12 dinheiros por hora e que levasse 5 horas para ser produzida valeria 10 horas de trabalho no padrão monetário da bolsa. A esse respeito, Cole (1944, p. 31) observou: "Isso significava, com

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 130: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

efeito, o mesmo que aceitar a avaliação de mercado dos diferentes graus e espécies de trabalho, tornando as notas de trabalho meras traduções em tempo de trabalho das quantias de dinheiro determinadas ordinariamente pelo comércio". A primeira parte da observação é correta, a segunda não. O que Marx chamava de "grau de complexidade do trabalho" corno gerador de valor era calculado pelo escalonamento salarial do mercado de trabalho, ou seja, aceitava-se que um trabalho pior pago gerava um valor menor que outro mais bem pago. Mas isso não significa que os preços em tempo de trabalho, assim calculados, equivaliam aos do comércio ordinário. Estes últimos incluem uma mar-gem de lucro proporcional ao valor do capital investido na atividade e nada indica que os preços praticados nas bolsas tivessem tal margem. As bolsas "de trabalho eqüitativo" excluíam o lucro industrial na formação de seus preços20. Durante certo tempo as bolsas eqüitativas tiveram notável sucesso. A de Birmingham teve lucro (o que indica que nos preços em notas de trabalho havia alguma margem para cobrir as despesas da bolsa), que ela doou a um hospital. Em 1834, a Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo encerrou suas atividades, por efeito da derrota geral do movimento operário em seu confronto com os empregadores. A luta dos sindicatos contra os capitalistas utilizando as cooperativas operárias como arma para disputar-Ihes o mercado, estava chegando ao auge em 1833, quando Owen reapareceu, assumindo sua liderança. Em setembro daquele ano, o Sindicato dos Trabalhadores em Construção, formado pela união das associações de ofício do ramo, reuniu seu 20 Cole argumenta que as bolsas não poderiam praticar preços diferentes do comércio em geral

porque, se o fizessem, "eles venderiam rapidamente todos os artigos relativamente mais baratos e ficariam sem vender os relativamente mais caros" (p. 31). Isso seria o caso se houvesse conversibilidade entre as notas de trabalho e as libras esterlinas. Deve-se supor que para obter notas de trabalho era preciso vender algo na bolsa, sendo este algo um produto cooperativo. Neste caso, o mercado cooperativo seria fechado e poderia praticar preços diferentes dos do comércio. Mas negociantes comuns vendiam seus produtos em troca de notas de trabalho para comprar produtos cooperativos com elas. Isso pode significar que eles praticavam arbitragem entre os preços externos e internos da bolsa ou que os últimos acabaram sendo ajustados aos primeiros, como imagina Cole.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 131: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Parlamento dos Construtores em Manchester. Owen compareceu e propôs que criassem a Grande Guilda Nacional dos Construtores para su-plantar os empreiteiros privados e tomar toda a indústria em suas próprias mãos, reorganizando-a sob a forma de uma grande cooperativa nacional de construção. Em outubro, tendo sido sua proposta aprovada pelos construtores, Owen foi ao Congresso Cooperativo de Londres, onde propôs a criação da Grande União Nacional Moral das Classes Produtivas do Reino Unido.

"Era para ser constituída por delegados de todos os ramos organi-zados de atividade à base de sindicatos paroquiais, distritais e provinciais e parece que tinha por objetivo tomar toda a indústria do país do mesmo modo que os construtores se propunham a tomar a indústria de construção. Os delegados partiram comprometidos com o estabelecimento deste instrumento espantosamente ambicioso e a realização de um novo congresso em Barnsley na páscoa seguinte" (COLE, 1944, p. 27-28).

Eis que o cooperativismo, em seu berço ainda, já se arvorava como modo de produção alternativo ao capitalismo. O projeto grandioso de Owen equivalia ao que mais tarde se chamou de República Cooperativa, e ele a propôs, não à moda dos utópicos da época aos mecenas para que a patrocinassem, mas ao movimento operário organizado, que ainda estava lutando por seus direitos políticos. Foi um curto, mas inolvidável momento da história da Grã-Bretanha e também do cooperativismo, que vai, deste modo, ainda imaturo, à pia batismal da revolução. No mesmo ano memorável de 1833 é aprovado o Factory Act, que estabelece uma legislação protetora do trabalhador de fábrica, mas recusa a limitação da jornada de Trabalho a dez horas, causando forte frustração. Em novembro, Owen lidera a reação entre os sindicalistas do norte, criando a Sociedade pela Regeneração Nacional, para conquistar de uma vez a jornada de oito horas, não por lei, mas pela recusa em massa de trabalhar além deste período! A Sociedade rapidamente se expandiu, conquistando considerável número de seguidores. A fé na

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 132: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ação direta se difundia num momento de mobilização intensa. Tudo parecia possível desde que todos os trabalhadores agissem em uníssono. Mas a reação dos empregadores já havia começado. Em junho de 1833, os empreiteiros resolveram fazer um lock-out (greve patronal, literalmente "exclusão"), demitindo todos os trabalhadores que pertenciam ao Sindicato dos Trabalhadores em Construção. A luta começou em Liverpool e se estendeu a Manchester e a outros centros. Ela foi cruel e longa, terminando apenas no fim do ano com a derrota dos trabalhadores, que tiveram de abrir mão do sindicato para poder voltar ao trabalho. Foi durante esta luta que Owen propôs ao Parlamento dos Construtores tomarem a indústria dos capitalistas e reorganizá-la como cooperativa. Em novembro, os industriais têxteis decretaram o lock-out, demitindo todos os sindicalizados. Estes, em resposta, abriram cooperativas operárias e tentaram vender seus produtos nas bolsas de trabalho, em todo o país. A Grande União Nacional Moral das Classes Produtoras (GUNM), ainda em organização, resolveu cobrar uma taxa extra de seus membros para angariar fundos para os tecelões excluídos.

"Mas greves e lock-outs logo se multiplicaram em outras partes do país e os recursos da União estavam longe de poder manter os excluídos. A detenção e condenação dos trabalhadores de Dorchester, em março de 1834, foi mais um golpe, pois ameaçava os sindicatos em todos os lugares com penalidades legais, somadas à hostilidade dos empregadores. A GUNM e a maioria dos seus afiliados aboliram os juramentos, que eram comumente parte das cerimônias de iniciação sindical e haviam fornecido a base para as condenações de Dorchester. Mas, em face da crescente militância dos empregadores e da de-clarada hostilidade do governo, os sindicalistas em muitas áreas começaram a perder o ânimo. Owen e seus discípulos puseram-se à frente da demanda pela libertação dos trabalhadores de Dorchester e entraram na GUNM em bloco, na esperança de salvar a situação.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 133: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Mas uma greve sem sucesso dos alfaiates de Londres _ que em seu decorrer cobriram Londres de cartazes anunciando que estavam partindo em bloco para a Produção Cooperativa piorou seriamente a situação; e os empregadores de Yorkshire, retomando a ofensiva do ano anterior, conseguiram em maio e junho quebrar o poder do Sindicato de Leeds. O Sindicato dos Trabalhadores em Construção também estava ruindo face a repetidos ataques.[...] E uma após a outra, as associações de ofício foram deixando o sindicato, que no fim de 1834 se extinguiu. As oficinas cooperativas em Derby tiveram de fechar, e os homens foram forçados a voltar ao trabalho nas condições impostas pelos empregadores. O Sindicato dos Oleiros, que montou uma olaria cooperativa em junho de 1834, teve de abandoná-la seis meses depois. A grande aventura sindical estava chegando a um fim sem glória" (COLE, 1944, p. 29).

Esta é a origem histórica da economia solidária. Seria justo chamar esta fase inicial de sua história de "cooperativismo revolucionário", o qual jamais se repetiu de forma tão nítida. Ela tornou evidente a ligação essencial da economia solidária com a crítica operária e socialista do capitalismo. A figura que sintetizou pensamento e ação nesta fase foi sem dúvida Owen, exemplo acabado de pensador e homem de ação e que inspiraria os seus sucessores. Engels colaborou na imprensa owenista e tanto ele quanto Marx deveram muito a Owen, dívida aliás nunca contestada. Para completar o quadro, seria preciso fazer menção ao menos à experiência na França. Lá o grande autor foi Charles Fourier, que, no entanto, não era homem de ação e nunca quis que seu projeto de falanstério fosse realizado por discípulos. Seu sonho era que algum capitalista se interessasse pelo seu sistema e se dispusesse a experimentá-lo. Sua idéia central era que a sociedade se organizasse de uma forma que todas as paixões humanas pudessem ter livre curso para produzir uma harmonia universal. O principal objetivo dessa organização social seria dispor o trabalho de tal forma que se tornasse atraente para todos, do que deveria resultar enorme aumento de produtividade e de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 134: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

produção. Daí surge a idéia do falanstério, uma comunidade sufi-cientemente grande (com 1.800 pessoas trabalhando) para oferecer a cada um ampla escolha entre trabalhos diversos. Fourier acreditava que cada pessoa poderia encontrar um ou mais trabalhos que estivessem de acordo com suas paixões e aos quais ela poderia se entregar quase sem se importar com a remuneração. Mas o falanstério não é coletivista como a Aldeia Cooperativa de Owen. Nele se preservam a propriedade privada e a liberdade individual de mudar de trabalho. Os meios de produção seriam de todos os membros, mas sob a forma de propriedade acionária. O resultado do trabalho de todos seria repartido de acordo com proporções fixas: 5/12 pelo trabalho, 4/12 pelo capital investido e 3/12 pelo talento. E ele concebe um engenhoso sistema de mercado que deve conciliar as preferências por diferentes tipos de produto dos membros enquanto consumidores e por diferentes tipos de trabalho dos mesmos enquanto produtores. Para evitar que a sociedade se polarize entre ricos e pobres, Fourier propõe diversos mecanismos de redistribuição: I) que as ações devem dar rendimento tanto maior quanto menor for o número delas possuído pela pessoa, de modo que os pequenos acionistas teriam um rendimento proporcionalmente muito maior que os grandes; 2) todos teriam uma renda mínima, "modesta mas muito decente", mesmo que não trabalhem. Esta proposta faz sentido, pois todos trabalharão por paixão, e não por necessidade, embora as pessoas continuem competindo por riquezas, já que o sistema manteria propriedade, herança, juros sobre o capital e alguma desigualdade entre ricos e pobres. "É sobre a livre iniciativa individual apenas que ele espera fazer uma experiência de seu sistema - uma iniciativa que ele solicita, implora, dirigindo-se ao grande capitalista e a príncipes desengajados com tocante pertinácia" (GIDE, 1971, p. 22). O sistema de Fourier é uma variedade de socialismo de mercado, centrado na liberdade individual, na livre escolha dos trabalhos, organizados em equipes e na propriedade por ações dos meios de produção. O sistema é coerente: para que a liberdade humana culmine na paixão pelo trabalho é necessário que

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 135: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

ninguém dependa dele para viver, o que requer uma renda cidadã que garanta a todos uma sobrevivência digna. A idéia de que todos deveriam viver em comunidades autogeridas torna o Estado dispensável, o que faz de Fourier um predecessor dos anarquistas, como nota Gide:

"Como a nova ordem social deve se basear apenas sobre a atração, nem é preciso dizer que Fourier não pensa em empregar a força. Nunca, de fato, ele apela a legisladores, a governo, a uma autoridade, a um poder coercitivo de qualquer espécie; eu nem mesmo sei se a palavra Estado, que hoje serve para caracterizar todas as escolas mais ou menos socialistas, aparece uma única vez em seus livros. Nisso ele pertence à escola liberal mais pura e desde que ele não reconhece nem mesmo a necessidade do Estado policial, pode-se ir ao ponto de dizer que ele pertence à escola anarquista. se este termo não se chocasse estranhamente com o seu amor à ordem e simetria" (GIDE, 1971, p. 21-22).

Fourier teve discípulos ilustres - Muiron, Considerant, Godin, Mme. Vigoureux -, que se congregaram a pal1ir de 1825 e estabeleceram o que se chamou de "escola associativa". Em 1832 eles foram reforçados pela adesão de importantes ex-saintsimonianos como Lechavalier e Transon, iniciaram a publicação de um hebdomadário - Le Phalanstere - e organizaram cursos, alguns dados pelo próprio Fourier. Com a morte de Fourier em 1837, suas doutrinas tiveram novo impulso, fazendo com que a escola crescesse cada vez mais e atingisse 3.700 membros na véspera da Revolução de 1848, entre os quais o próprio futuro imperador Luís Napoleão. A experimentação prática do sistema de Fourier se deu mais nos Estados Unidos.

'Três grandes associações, aplicando em maior ou menor extensão os princípios do fourierismo, foram criadas quase simultaneamente: The North American Phalanx, fundada por Brisbane no estado de Nova Jersey, The Wisconsin Phalanx, no estado do mesmo nome. e a mais famosa de todas, a Brook Farm, perto de Boston, que teve

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 136: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

homens muito ilustres entre seus membros, alguns dos quais de-sempenharam papéis de liderança na organização que se chamou Sovereigns of Industry [Soberanos da Indústria] e nos Knights of Labour [Cavaleiros do Trabalho] e no movimento cooperativista. Até mesmo Channing e Hawthorne ficaram algum tempo lá. Estima-se em 30 o número de tais comunidades; mas nenhuma durou mais do que cinco ou seis anos" (GIDE, 1971, p. 41-42).

Owen e Fourier foram, ao lado de Saint-Simon, os clássicos do Socialismo Utópico. O primeiro foi, além disso, grande protagonista dos movimentos sociais c políticos na Grã-Bretanha nas décadas iniciais do século XIX. O cooperativismo recebeu deles inspiração fundamental, a partir da qual os praticantes da economia solidária foram abrindo seus próprios caminhos, pelo único método disponível no laboratório da história: o da tentativa e erro.

Capítulo IVPresente e futuro

1. A reinvenção da economia solidária no fim do século XX

Na medida em que o movimento operário foi conquistando direitos para os assalariados, a situação destes foi melhorando: menos horas de trabalho, salários reais mais elevados, seguridade social mais abrangente e de acesso universal, ou quase, tornaram-se realidade nos países desenvolvidos. Mesmo em países semi-industrializados, como o Brasil, os direitos obtidos pelos sindicatos deram a muitos assalariados formais (com carteira de trabalho assinada) um padrão de vida de classe média. Este avanço se acentuou e generalizou após a Segunda Guerra Mundial e debilitou a crítica à alienação que o assalariamento impõe ao trabalhador. Em vez de lutar contra o assalariamento e procurar uma alternativa emancipatória ao mesmo, o movimento operário passou a defender os direitos conquistados c sua ampliação. Os sindicatos

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 137: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

tornaram-se organizações poderosas, cuja missão passou a ser a defesa dos interesses dos assalariados, dos quais o mais crucial é conservar o emprego. Por meio do emprego, os trabalhadores alcançam uma espécie de cidadania "social" que compensaria a posição subordinada e alienada que ocupam na produção. Esta mudança foi sem dúvida uma das causas do crescente desinteresse pela economia solidária e pela tolerância com a introdução do assalariamento nas cooperativas e da "profissionalização" de suas gerências. Em termos quantitativos, o movimento cooperativista nunca deixou de se expandir em plano mundial, mas qualitativamente é provável que a sua degeneração tenha se acentuado. Surgiu uma classe operária que se acostumou ao pleno emprego (que vigorou nos países centrais entre as décadas de 1940 e 1970) e se acomodou no assalariamento. Tudo isso mudou radicalmente a partir da segunda metade dos anos 70, quando o desemprego em massa começou o seu retorno. Nas décadas seguintes, grande parte da produção industrial mundial foi transferida para países em que as conquistas do movimento operário nunca se realizaram. O que provocou a desindustrialização dos países centrais e mesmo de países semi-desenvolvidos como o Brasil, eliminando muitos milhões de postos de trabalho formal. Ter um emprego em que seja possível gozar os direitos legais e fazer carreira passou a ser privilégio de uma minoria. Os sindicatos se debilitaram pela perda de grande parte de sua base social e conseqüentemente de sua capacidade de ampliar os direitos dos assalariados. Na realidade, pela pressão do desemprego em massa, a situação dos trabalhadores que continuaram empregados também piorou: muitos foram obrigados a aceitar a "flexibilização" de seus direitos e a redução de salários diretos e indiretos. Sobretudo a instabilidade no emprego se agravou, e a competição entre os trabalhadores dentro das empresas para escapar da demissão deve ter se intensificado. Como resultado, ressurgiu com força cada vez maior a economia solidária na maioria dos países. Na realidade, ela foi reinventada. Há

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 138: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

indícios da criação em número cada vez maior de novas cooperativas e formas análogas de produção associada em muitos países. O que distingue este "novo cooperativismo" é a volta aos princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento. Essa mudança está em sintonia com outras transformações contextuais que atingiram de forma profunda os movimentos políticos de esquerda. A primeira destas transformações foi a crise dos Estados do "socialismo realmente existente" da Europa Oriental, que estourou em 1985, com a Perestroika e a Glasnost na União Soviética, e culminou em 1991 com a sua dissolução. Até mesmo a Iugoslávia, que desenvolveu um modo de produção com traços de economia solidária, teve o mesmo destino. Subitamente ficou claro para milhões de socialistas e comunistas de todo o mundo que o planejamento central da economia do país, imposto por uma pseudo-"ditadura do proletariado", não constrói uma sociedade que tenha qualquer semelhança com o que sempre se entendeu que fosse socialismo ou comunismo. Esta nova consciência levou indubitavelmente muitos a se reconciliar com o capitalismo, mas muitos outros sentem-se desafiados a buscar um novo modelo de sociedade que supere o capitalismo, em termos de igualdade, liberdade e segurança para todos os cidadãos. A outra transformação contextual foi o semifracasso dos governos e partidos social-democratas, principalmente na Europa mas também, mutatis mutandi, na América Latina. Mesmo vencendo eleições e exercendo o poder governamental, os social-democratas não conseguiram muito mais do que atenuar os excessos do neoliberalismo e preservar mal as instituições básicas do Estado de bem-estar social. Não tentaram reverter a privatização dos serviços públicos nem a desregulamentação das finanças mundiais, submetendo as economias nacionais, sobretudo na periferia, aos ditames do grande capital financeiro global. As duas transformações subverteram a concepção (até então

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 139: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

amplamente dominante) de que o caminho da emancipação passa necessariamente pela tomada do poder de Estado. O foco dos movimentos emancipatórios voltou-se então cada vez mais para a sociedade civil: multiplicaram-se as organizações não-governamentais (ONGS) e movimentos de libertação cuja atuação visa preservar o meio ambiente natural, a biodiversidade, o resgate da dignidade humana de grupos oprimidos e discriminados (de que o zapatismo mexicano talvez seja o paradigma) e a promoção de comunidades que por sua própria iniciativa e empenho melhoram suas condições de vida, renovam suas tradições culturais etc. É neste contexto que se verifica a reinvenção da economia solidária. O programa da economia solidária se fundamenta na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de organizações econômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção dominante. O avanço da economia solidária não prescinde inteiramente do apoio do Estado e do fundo público, sobretudo para o resgate de comunidades miseráveis, destituídas do mínimo de recursos que permita encetar algum processo de auto-emancipação. Mas, para uma ampla faixa da população, construir uma economia solidária depende primordialmente dela mesma, de sua disposição de aprender e experimentar, de sua adesão aos princípios da solidariedade, da igualdade e da democracia e de sua disposição de seguir estes princípios na vida cotidiana etc. Cumpre observar, no entanto, que a reinvenção da economia solidária não se deve apenas aos próprios desempregados e marginalizados. Ela é obra também de inúmeras entidades ligadas, ao menos no Brasil, principalmente à Igreja Católica e a outras igrejas, a sindicatos e a universidades. São entidades de apoio à economia solidária, que difundem entre trabalhadores sem trabalho e microprodutores sem clientes os princípios do cooperativismo e o conhecimento básico necessário à criação de empreendimentos solidários. Além disso, estas entidades de apoio treinam os cooperadores em autogestão e acompanham as novas empresas

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 140: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

dando-lhes assistência tanto na realização de negócios como na construção do relacionamento interno da cooperativa.

2. Perspectivas da economia solidária A reinvenção da economia solidária é tão recente que se toma arriscado projetar a sua tendência de crescimento acelerado para o futuro. Em grande medida, as empresas solidárias são resultados diretos da falência de firmas capitalistas, da subutilização do solo por latifúndios (o que permite, no Brasil, exigir sua expropriação para fins de reforma agrária) e do desemprego em massa. Pode-se projetar a vasta crise do trabalho que atingiu a maioria dos países nos anos 80 e 90 do século XX para as próximas décadas? É preciso considerar que a abertura de mercados ao comércio e o deslocamento de empresas para países de trabalho barato são mudanças estruturais que tendem a se esgotar no tempo. Provavelmente, nos próximos decênios, o deslocamento de postos de trabalho industriais e de serviços do centro da economia mundial para a periferia perderá intensidade. Muito vai depender também do ritmo de crescimento das economias nacionais, estimuladas por novos padrões de consumo que decorrem dos efeitos não só da revolução microeletrônica mas também da genômica e de outras frentes da biotecnologia. E da capacidade das potências dominantes de manter alguma ordem no mercado financeiro global, para evitar que crises financeiras localizadas (que são quase ininterruptas, variando apenas de lugar a cada período) se transformem em crises globais. Isso significa que se a economia solidária for apenas uma resposta às contradições do capitalismo no campo econômico seu crescimento poderá se desacelerar no futuro e, pior, ela não passará de uma forma complementar da economia capitalista, cuja existência será funcional para preservar fatores de produção - trabalho, terra, equipamentos e instalações - que, se ficassem sem utilização, estariam sujeitos a se

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 141: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

deteriorar. Em suma, a economia solidária só teria perspectivas de desenvolvimento se a economia capitalista mergulhasse numa depressão longa e profunda (como a da década de 1930, por exemplo) ou se a hegemonia da burguesia rentista mantivesse a economia da maioria dos países crescendo sempre menos que a elevação da produtividade do trabalho. Há, no entanto, uma outra alternativa. A economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior ao capitalismo. Superior não em termos econômicos estritos, ou seja, que as empresas solidárias regularmente superariam suas congêneres capitalistas, oferecendo aos mercados produtos ou serviços melhores em termos de preço e/ou qualidade. A economia solidária foi concebida para ser uma alternativa superior por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras etc., uma vida melhor. Vida melhor não apenas no sentido de que possam consumir mais com menor dispêndio de esforço produtivo, mas também melhor no relacionamento com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo etc.; na liberdade de cada um de escolher o trabalho que lhe dá mais satisfação; no direito à autonomia na atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens alheias, de participar plenamente das decisões que o afetam; na segurança de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou abandonado. A grande aspiração que, desde os seus primórdios, sempre animou a economia solidária tem sido superar as tensões e angústias que a competição de todos contra todos acarreta naqueles que se encontram mergulhados na lógica da "usina satânica", tão bem analisada por Karl Polanyi. A economia solidária foi concebida pelos "utópicos" como uma nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da vida social.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 142: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

"Embora tenha sido a fonte do socialismo moderno, suas propostas não se baseavam na questão da propriedade. que é apenas o aspecto legal do capitalismo. Ao enfocar o novo fenômeno da indústria. como o fez Saint-Simon, reconheceu o desafio da máquina. Porém o traço característico do owenismo era sua insistência no enfoque social: negava-se a aceitar a divisão da sociedade em uma esfera econômica e uma esfera política e por essa razão rechaçava a ação política. A aceitação de uma esfera econômica separada teria implicado o reconhecimento do princípio do ganho e do lucro como força organizadora da sociedade. Owen negou-se a fazê-Io. Seu gênio reconheceu que a incorporação da máquina só seria possível numa nova sociedade. [ ... ] New Lanark havia lhe ensinado que na vida de um trabalhador os salários são somente um de muitos fatores tais como o ambiente natural e doméstico. a qualidade e o preço dos bens. a estabilidade do emprego e a segurança de sua posição. [ ... ] Mas o ajuste incluía muito mais do que isso. A educação de meninos e adultos. a provisão de entretenimento. dança e música e o pressuposto geral de elevadas normas morais e pessoais para velhos e jovens criavam a atmosfera em que a nova posição era alcançada pela população industrial em conjunto.” (POLANY, 1944, p.174).

Trata-se duma concepção de socialismo que dominou a infância e a adolescência do movimento operário europeu e que nunca desapareceu inteiramente, mas foi ofuscada pela perspectiva da "tomada do poder" seja pelo voto, após a conquista do sufrágio universal, seja pela força, após a longa série de revoluções armadas vitoriosas, inaugurada pelo Outubro soviético. É a concepção de que é possível criar um novo ser humano a partir de um meio social em que cooperação e solidariedade não apenas serão possíveis entre todos os seus membros, mas serão for-mas racionais de comportamento em função de regras de convívio que produzem e reproduzem a igualdade de direitos e de poder de decisão e a partilha geral de perdas e ganhos da comunidade entre todos os seus membros. A questão que se coloca naturalmente é como a economia solidária

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 143: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

pode se transformar de um modo de produção intersticial, inserido no capitalismo em função dos vácuos deixados pelo mesmo, numa forma geral de organizar a economia e a sociedade, que supere sua divisão em classes antagônicas e o jogo de gato e rato da competição universal. O que implica que os empreendimentos solidários, que hoje se encontram dispersos territorial e setorialmente, cada um competindo sozinho nos mercados em que vende e nos que compra, teriam que se agregar num todo economicamente consistente, capaz de oferecer a todos os que a desejassem a Oportunidade de trabalhar e viver cooperativamente. A economia solidária teria que gerar sua própria dinâmica em vez de depender das contradições do modo dominante de produção para lhe abrir caminho. Não se pode excluir a possibilidade de que o capitalismo passe nas próximas décadas por uma fase de alta, com ganhos de consumo, produção e produtividade análogos aos dos 30 anos dourados da pós-Segunda Guerra Mundial. Nesta hipótese, o desemprego diminuiria, assim como a quantidade de empresas falidas e a massa dos socialmente excluídos. Estas fontes de crescimento da economia solidária sofreriam forte contração. Em compensação, as empresas solidárias já formadas teriam importantes estímulos de mercado para se expandir e diversificar, para não só crescer em tamanho mas se multiplicar, seja por subdivisão das cooperativas em expansão, seja pelo apoio das mesmas à criação de novas empresas solidárias. A partir de 1956, durante os anos dourados, o Complexo Cooperativo de Mondragón praticou todas estas modalidades de expansão. A trajetória de Mondragón é uma clara demonstração de que isso poderá ser novamente possível, em qualquer país em que a economia solidária tenha se difundido. Seria imprescindível erguer um sistema de crédito cooperativo que desse suporte financeiro a esse crescimento e ao mesmo tempo incubasse os novos empreendimentos (como a Caja Laboral Popular de Mondragón tem feito sistematicamente). Outro pré-requisito seria construir um sistema de geração e difusão de conhecimento, para dar formação técnica e ideológica aos futuros

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 144: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

integrantes da economia solidária. Esta via de crescimento da economia solidária pode desembocar em duas formas muito distintas de relacionamento com a economia inclusiva, dominada pelo capital. Uma destas formas seria o isolamento: a economia solidária tenderia a constituir um todo auto-suficiente, protegido da competição das empresas capitalistas por uma demanda ideologicamente motivada - o chamado cal/sI/mo solidário, que dá preferência a bens e serviços produzidos por empreendimentos solidários. Já existe um movimento nesse sentido, promotor do comércio "justo" (fair trade) procura convencer o público de que deve comprar não em função do seu proveito individual (a melhor mercadoria em termos de preço e qualidade), mas em função do modo como bens e serviços são produzidos. Euclides Mance (2000, p. 30) escreve:

"Consumir um produto que possui as mesmas qualidades que os similares - sendo ou não um pouco mais caro - ou um Produto que tenha uma qualidade um pouco inferior aos similares - embora seja também um pouco mais barato - com a finalidade indireta de promover o bem-viver da coletividade (manter empregos, reduzir jornadas de trabalho, preservar ecossistemas, garantir ser-viços públicos não-estatais etc.) é o que denominamos aqui como consumo solidário".

A partir desta fundamentação, Mance (2000, p. 32) abre a perspectiva da constituição de uma sociedade pós-capitalista:

"[...] os excluídos, isoladamente, não têm como competir com o capital. O fator preponderante até agora na permanência ativa destas novas unidades produtivas, precárias e de pequenas pro-porções, é o consumo solidário que elas agenciam. Contudo, quan-do um movimento de redes integrar a todas, e elas se conectarem em cadeias produtivas, consumindo e produzindo prioritariamente para ampliar a própria rede, que se expande multiplicando-se em novas células, então um novo movimento de geração de riquezas se desenvolverá progressivamente, em razão da incorporação ao

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 145: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

processo produtivo dos trabalhadores atualmente excluídos. A qualificação da produção e o aumento da produtividade permitirão uma progressiva redução da jornada laboral. E uma nova sociedade pós-capitalista estará surgindo, centrada não somente no consumo solidário, mas no consumo em razão do bem-viver".

Pela descrição do consumo solidário de Mance, fica claro que este oferece uma margem limitada de proteção às mercadorias produzidas pelos excluídos, pois para poderem ser vendidas elas podem ser apenas "um pouco" mais caras ou "um pouco" inferiores em qualidade. É fácil perceber que, se a distância entre preço e qualidade da produção capitalista e da produção solidária for mais do que "um pouco", a quantidade de mercadorias compradas solidariamente cai rapidamente, pois apenas um punhado de consumidores solidários ricos e caridosos se disporia a adquiri-Ias. Além disso, se a maioria dos que praticam consumo solidário for constituída pelos próprios trabalhadores das cooperativas autogeridas, o seu limitado poder aquisitivo impede que o consumo solidário seja mais do que uma fração irrisória do consumo total. O que implica que os empreendimentos solidários precisariam vender o grosso de suas mercadorias a consumidores que não vão lhes dar preferência por solidariedade. Eles seriam, pois, obrigados a competir diretamente com firmas capitalistas, em termos de preço e qualidade. Sem dúvida há um esforço militante por parte de paróquias e dioceses da Igreja para promover o consumo solidário por parte dos fiéis, mas os resultados são medíocres, a julgar pelo fato de que a maioria das unidades solidárias de produção, que dependem do mercado solidário, se mostra incapaz de crescer e de elevar sua produtividade ao patamar da produtividade média das empresas capitalistas. Daí se segue o principal argumento contra a proposta de consumo solidário: ao proteger pequenas unidades solidárias de produção, o consumo solidário lhes poupa a necessidade de se atualizar tecnicamente, levando-as a se acomodar numa situação de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 146: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

inferioridade. em que ficam vegetando. A proposta de isolar a economia solidária do seu entorno capitalista só adquiriria efetividade, no sentido de propiciar o surgimento de uma sociedade pós-capitalista, se as unidades produtivas e as comunidades de compras solidárias se integrassem em rede e desenvolvessem padrões de consumo consideravelmente diferentes dos prevalecentes na economia capitalista. Prenúncio de algo assim poderia ser a recusa das comunidades, que se opõem ao capitalismo, de consumir produtos transgênicos e de sua preferência por alimentos provenientes da agricultura orgânica. O estilo de vida de tais comunidades favorece o consumo de produtos artesanais e étnicos e o uso de serviços que não produzem emissões de gases que possam agravar o efeito estufa. Não obstante, esta diferenciação do consumo é restrita demais para constituir um padrão distinto do capitalista. Os membros dessas comunidades participam das modalidades de consumo habituais, exceto as acima mencionadas. Se a grande maioria do público se mantiver nos padrões de consumo desenvolvidos sob a égide do grande capital, como até agora tem feito, os empreendimentos solidários terão de se tomar realmente competitivos. E mesmo se determinados produtos alternativos acabarem se tomando objeto de consumo de massa (como os blue-jeans nos anos 60, por exemplo), nada impedirá o surgimento de empresas capitalistas que os produzirão com máxima produtividade e os venderão a preços mínimos, para tomar o mercado das cooperativas e das unidades familiares de produção. Então a forma mais provável de crescimento da economia solidária será continuar integrando mercados em que compete tanto com empresas capitalistas como com outros modos de produção, do próprio país e de outros países. O consumo solidário poderá ser um fator de sustentação de algumas empresas solidárias, do mesmo modo como o são os clubes de troca. Mas a economia solidária só se tornará uma alternativa superior ao capitalismo quando ela puder oferecer a parcelas crescentes de toda a população oportunidades concretas de auto-sustento, usufruindo o mesmo bem-estar médio que o emprego assalariado proporciona. Em outras palavras, para que a economia solidária se transforme de paliativo dos males do capitalismo

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 147: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

em competidor do mesmo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiro e científico-tecnológico solidário. Atualmente, a maioria dos empreendimentos solidários é de caráter intersticial. Surgiram como respostas a crises nas empresas, ao desemprego e à exclusão social. Mas, em determinadas regiões, a economia solidária atingiu densidade tal que domina a vida econômica e pauta a sua expansão. Mondragón é o exemplo mais acabado, mas no mesmo contexto cabe citar Emilia Romana na Itália, Québec no Canadá, Grande Buenos Aires na Argentina (em que prevalecem clubes de troca), o Grameen Bank em Bangladesh c, quem sabe, nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açucareira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995. No Brasil, a reinvenção da economia solidária é recente, mas apresenta grande vigor e notável criatividade institucional. São invenções brasileiras a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e de Participação Acionária (Anteag), que já orientou a conversão de centenas de empresas em crise em cooperativas, e as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS) inseridas em universidades, das quais 13 formam uma rede e outras tantas desenvolvem atividades análogas ligadas à Fundação Unitrabalho, integrada por mais de 80 universidades de todo o país. As incubadoras organizam comunidades periféricas em cooperativas mediante a incubação, um complexo processo de formação pelo qual

as práticas tradicionais de solidariedade se transformam em instrumentos de emancipação.

Economia Solidária no BrasilO cooperativismo chegou ao Brasil no começo do século XX trazido pelos emigrantes europeus. Tomou principalmente a forma de cooperativas de consumo nas cidades e de cooperativas agrícolas no campo. As cooperativas de consumo eram em geral por empresa e serviam para proteger os trabalhadores dos rigores da carestia. Nas décadas mais recentes, as grandes redes de hipermercados conquistaram os mercados e provocaram o fechamento da maioria das

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 148: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

cooperativas de consumo. As cooperativas agrícolas se expandiram e algumas se transformaram em grandes empreendimentos agroindustriais e comerciais. Mas nenhuma destas cooperativas era ou é autogestionária. Sua direção e as pessoas que as operam são assalariadas, tanto nas cooperativas de consumo como nas de compras e vendas agrícolas. Por isso não se pode considerá-las parte da economia solidária. Com a crise social das décadas perdidas de 1980 e de 1990, em que o país se desindustrializou, milhões de postos de trabalho foram perdidos, acarretando desemprego em massa e acentuada exclusão social. a economia solidária reviveu no Brasil. Ela assumiu em geral a forma de cooperativa ou associação produtiva. sob diferentes modalidades mas sempre autogestionárias, de que trataremos resumidamente a seguir. Ainda nos 1980, a Cáritas, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNSS), financiou milhares de pequenos projetos de-nominados PACS, Projetos Alternativos Comunitários. Uma boa parte dos PACs destinava-se a gerar trabalho e renda de forma associada para moradores das periferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões do país. Uma boa parte dos PACs acabou se transformando em unidades de economia solidária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, outros conseguindo se consolidar economicamente mediante a venda de sua produção no mercado. Há PACS em assentamentos de reforma agrária liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confluindo com o cooperativismo agrícola criado pelos trabalhadores sem-terra. Outra modalidade foi a tomada de empresas falidas ou em via de falir pelos seus trabalhadores, que as ressuscitam como cooperativas autogestionárias. Foi uma forma encontrada pelos trabalhadores de se defender da hecatombe industrial, preservando os seus postos de trabalho e se transformando em seus próprios patrões. Após casos isolados na década de 1980, o movimento começou em 1991 com a falência da empresa calçadista Makerli, de Franca (SP), que deu lugar à

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 149: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

criação da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag), à qual estão hoje filiadas mais de uma centena de cooperativas. A mesma atividade de fomento e apoio à transformação de empresas em crise em cooperativas de seus trabalhadores é desenvolvida pela União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL). O MST conseguiu assentar centenas de milhares de famílias em terras desapropriadas de latifúndios improdutivos. O movimento decidiu que promoveria a agricultura sob a forma de cooperativas autogestionárias. dando lugar a outra modalidade de economia solidária no Brasil. Para realizar isso, "criou em 1989 e 1990 o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Passados dez anos de sua organização, o SCA conta com 86 cooperativas distribuídas em diversos estados brasileiros, divididas em três formas principais em primeiro nível: Cooperativas de Produção Agropecuária, Cooperativas de Prestação de Serviços e Cooperativas de Crédito"1. Um outro componente da economia solidária no Brasil é formado pelas cooperativas e grupos de produção associada, incubados por entidades universitárias, que se denominam Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS). As ITCPS são multidisciplinares, integradas por professores, alunos de graduação e pós-graduação e funcionários, pertencentes às mais diferentes áreas do saber. EIas atendem grupos comunitários que desejam trabalhar e produzir em conjunto. dando-Ihes formação em cooperativismo e economia solidária e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus empreendimentos autogestionários. Desde 1999, as ITCPS constituíram uma rede, que se reúne periodi-camente para trocar experiências. aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar dentro do movimento nacional de economia solidária. No mesmo ano, a rede se filiou à Fundação Unitrabalho, que reúne mais de 80 universidades e presta serviços, nas mais diferentes áreas, ao movimento operário. A Unitrabalho desenvolve desde 1997

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 150: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidária. Um crescente número de núcleos da Unitrabalho em universidades acompanha e assiste às cooperativas, numa atividade que. sob muitos aspectos, se assemelha às das ITCPS. Prefeituras de diversas cidades e alguns governos de estados têm contratado ITCPS, a Anteag, a UNISOL e outras entidades de fomento da economia solidária para capacitar beneficiados por programas de renda mínima, frentes de trabalho e outros programas congêneres. O objetivo é usar a assistência social como via de acesso para combater efetivamente a pobreza mediante a organização dos que o desejarem em formas variadas de produção associada, que Ihes permita alcançar o auto-sustento mediante seu próprio esforço produtivo. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical brasileira, criou em 1999, em parceria com a Unitrabalho e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). A ADS vem difundindo conhecimentos sobre a economia solidária entre lideranças sindicais e militantes de entidades de fomento da economia solidária, por meio de cursos pós-graduados em várias universidades, em parceria com a Unitrabalho. Uma de suas atividades prioritárias é a criação de cooperativas de crédito com o objetivo de estabelecer uma rede nacional de crédito solidário, em parceria com o Rabobank, importante banco cooperativo holandês. Por ocasião do primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2001, foi lançada a Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária, integrada por diversas entidades de fomento da economia solidária de todo o país. É uma rede eletrônica que enseja o intercâmbio de notícias e opiniões e está se transformando também em rede eletrônica de intercâmbio comercial entre cooperativas e associações produtivas e de consumidores. Este quadro sintético da economia solidária no Brasil é incompleto, pois se restringe às informações disponíveis no momento (fevereiro de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 151: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

2002). É muito provável que outras iniciativas de economia solidária estejam se desenvolvendo no vasto território de nosso país. Nota: 1. FERREIRA, Elenar. "A cooperação no MST: da luta pela terra à gestão coletiva dos meios de produção." In SINGER e SOUZA (org.). Economia Solidária no Brasil: autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo, Editora Contexto, 2000.

BibliografiaBENIGER, James R. The COlltrol Revollltioll: Teehllologieal alld Eeollomie Origills ofthe 11lformatioll Society. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1986. B IRCHALL, Johnston. The 11ltematiollal Co-operative Movemellt. Manehester, Manchester University Press, 1997. COLE, G. D. H. A Celltllry of Co-operatioll. Manchester, Co- operative Union LId., 1944. CRAIG, Jolm. The Natllre ofCo-operatioll. Montréal, Black Rose Books, 1993. DUVEAU, Georges. 1848: the Makillg of a Revollltioll. New York, Vintage Books, 1967 (publicado originalmente em 1965). ENGELS, Friedrich. Herm ElIgell Diihrillgs UmwiilzlIllg der Wissellsehaft. Berlim, Dietz Verlag, 1955 (3a edição publicada originalmente em 1894). GIDE, Charlcs. "Introduction". In: FOURIER, Charlcs. Desigllfor Utopia: Seleeted Writillgs of Charles FOllrier. Ncw York, Schockcn Books, 1971. KASMIR, Sharryn. The Myth ofMolldragóll. Cooperatives, Polities alld Workillg-class Life ill a Basqlle TO\Vll. Ncw York, Statc University or New York Press, 1996. MANCE, EucIides. A revolução das redes: a colaboração solidária como alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis, Vozes, 2000. MILL, John Stuart. Capítulos sobre o socialismo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. MOODY, J. Carrol e FITE, Gilbert C. The Credit Union Movement: Origins and Development 1850-1970. Lincoln, University of Nebraska Press, 1971. OWEN, Robert. Book ofthe New Moral World (citado em MILL, 2001). POLANYI, Karl. La gran transformación: Ias orígenes políticas y económicas de nuestro tiempo. México, Fondo de Cultura, 1992 (publicado originalmente em 1944).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 152: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971. (Edição brasileira: Uma teoria da justiça. São Paulo, Martins Fontes, 3" ed., 2000). YUNUS, Muhammad (com a colaboração de Alan Jolis). Hacia 1m mundo sin pobreza. Santiago de Chile, Andrés BeBo, 1998 (publicado originalmente em francês, em 1997; edição brasileira: O banqueiro dos pobres. São Paulo, Ática, 2000).

REFORMA AGRÁRIA AGROECOLÓGICACONSIDERAÇÕES SOBRE UMA PROPOSTA ALTERNATIVA

Marcos Antonio B. Figueiredo*Córdoba, 08 de fevereiro de 2005.

1. IntroduçãoEste texto parte da premissa de que a necessidade de uma Reforma Agrária – R.A. para o desenvolvimento do Brasil já está amplamente justificada em diversos trabalhos históricos e outros mais recentes (CARVALHO, 2004; FERNANDES e NETO, 2003/04; RANIERI, 2003).21

21* Professor do Departamento de Educação da UFRPE e estudante no Programa de doutorado do Instituto de Sociología y Estudios Campesinos - ISEC da Universidade de Cordoba - ES. Agradecemos a Verônica Araújo da Silva e Lucas S. Figueiredo pela revisão. ? Do ponto de vista dos defensores da R.A. poderíamos afirmar que existe suficiente evidencia empírica para justificar a mudança da estrutura agrária. Sobre isto Horacio Martins de Carvalho em estudo recente sobre a realidade agrária afirma que Brasil apresenta um índice de Gini de 0,856 (propriedade da terra altamente concentrada); que as grandes propriedades rurais improdutivas correspondem a 59,8 mil e detém una área total de 166,3 milhões de hectares; que cerca de 200 milhões de hectares de terra ainda não foram apropriadas formalmente e são passiveis de serem incorporadas à exploração agropecuária, florestal e mineral e que existe um

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 153: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Diante disto se propõe a contribuir com a reflexão sobre R.A. Agroecológica, como uma proposta que consideramos apropriada à realidade do País. A lacuna teórica existente sobre este tema ainda é expressiva, apesar dos avanços verificados na consciência social em relação ao meio ambiente e aos sistemas de produção de base ecológicos. Também do ponto de vista das políticas públicas para os assentamentos rurais, observamos que ainda é dominante o modelo agroindustrial, que degrada e polui os recursos naturais mais escassos e importantes para as comunidades camponesas, como a água, o solo e as árvores. A R.A. que acreditamos, além de garantir vez e voz aos campesinos, com a democratização do poder de decisão sobre as políticas e a autogestão de suas atividades, deve garantir a conservação dos recursos naturais. Assim, reforma agrária y ecologização dos processos produtivos, andam juntas e são duas necessidades inseparáveis de um modelo de desenvolvimento que se pretenda sustentável. Dentro disto, duas dimensões aparecem como centrais: a do poder político e a do meio ambiente.Entendemos que a R.A. é, sobretudo, uma proposta de natureza política, estando vinculada às relações sociais de poder que se estabelecem na sociedade. Sendo sua realização e profundidade determinada pela correlação de forças entre os segmentos sociais favoráveis e contrários à proposta. Em outras palavras, o alcance da reforma agrária é determinado pela luta política que se trava no seio da sociedade para mudar ou manter a propriedade da terra, entre latifundiários e camponeses, enquanto segmentos antagônicos e conflitantes.

público potencial para a R.A. de 6,1 milhões de famílias (CARVALHO, 2004:02). Nesta mesma linha autores como Fernandes e Neto apresentam outros dados que denunciam o desperdício de terras que existe hoje no País. Segundo estes “No Brasil, existem hoje 360 milhões de hectares de terras cultiváveis, mas somente em torno de 100 milhões estão produzindo. Por tanto, existem 260 milhões de hectares que podem ser utilizadas”. (O globo, 5 de Julio de 2003 – Fernandes e Neto 2003/04).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 154: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

A questão do meio ambiente está associada a este debate na medida em que os agroecosistemas são construções sociais. São os homens, em relações sociais entre si e com a natureza, que a transformaram e seguirão transformando-a para atender as suas necessidades de consumo e de mercado. Neste sentido, o latifúndio e o agronegócio burguês são expressões da classe dominante e do seu modo de apropriação dos recursos naturais, que historicamente é conhecido pela destruição da natureza e a exploração dos camponeses. Deste modo, a R.A. deve supor transformações na estrutura da terra, nas relações sociais entre os homens e entre estes e a natureza. Para que uma R.A. agroecológica prospere, é necessário mudar as relações sociais entre os homens baseando-se nos antigos princípios humanos de democracia, igualdade, participação e estabelecer uma nova ética para a relação com a natureza.

2. Conceito de Agroecologia a partir da Reforma AgráriaO aparecimento da agroecologia em uma forma letrada é recente, remonta aos anos 70, segundo Susana Hecht (2002). Todavia enquanto a prática agroecológica é muito mais antiga. Estudos com comunidades camponesas na América Latina, África e Ásia mostram que estas manejam sistemas de cultivos complexos, baseados na diversidade, na produção para o autoconsumo e mercado local de forma sustentável, há muito tempo. Entre outros autores, Stephen Gliessman reconhece o importante papel dos camponeses neste assunto, afirmando que “os agroecosistemas tradicionais oferecem exemplos abundantes de práticas agrícolas sustentáveis, e de como os sistemas sociais - culturais, políticos, e econômicos - se encaixam na equação da sustentabilidade” (GLIESSMAN, 2001:566).Estes agroecosistemas estão baseados em sofisticados sistemas de informação e conhecimento constituído socialmente pelos camponeses a partir de suas interações com o meio onde vivem e trabalham. De

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 155: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

acordo com Angel Palerm, citado por Eduardo Sevilla (s/d), os sistemas agrícolas dos camponeses trazem os elementos constitutivos da proposta agroecológica que em muito se distingue do modelo de agricultura industrial. Neste sentido Palerm foi protagonista em identificar a dimensão socioecológico da agricultura camponesa. Segundo o autor “Angel Palerm foi um dos mais ativos precursores da agroecologia. Em um de seus últimos trabalhos, ao analisar o papel do campesinato no processo histórico escreveu 'resulta evidente que em lugar das hipóteses e práticas de seu desaparecimento se necessita uma teoria de continuidade e uma prática derivada da sua permanência histórica, o campesinato não só subsiste se modificando, se adaptando e utilizando as possibilidades que lhe oferece a mesma expansão do capitalismo e as contínuas transformações do sistema', senão que subsiste também mediante 'as vantagens econômicas frente às grandes empresas agrárias' que lhe dotam suas diversas formas de produção". Tais vantagens procedem de que 'produz e usa energia da matéria viva, que inclui seu próprio trabalho e a reprodução da unidade doméstica de trabalho e consumo. ' Afirma ainda, que o professor Palerm conclui este trabalho adiantando uma das bases epistemológicas da agroecologia atual 'O porvir da organização da produção agrícola parece depender de uma nova tecnologia centrada no manejo inteligente do solo e da matéria viva por meio do trabalho humano, utilizando pouco capital, pouca terra e pouca energia inanimada. Este modelo antagônico à empresa capitalista já tem sua protoforma no sistema camponês'. (SEVILLA, s/d: 44).A evolução da agroecologia parece estar relacionada com a interação positiva que existe entre a prática produtiva e intelectual dos camponeses e o trabalho de investigação e sistematização realizado por pesquisadores em diversas partes do mundo. Desta forma a agroecologia se difunde de forma crescente, sendo entendida por Guzmán, Molina e Sevilla como "aquele enfoque teórico e metodológico que utilizando varias disciplinas científicas, pretende estudar a atividade agrária a partir de uma perspectiva ecológica. (GUZMÁN, 2001:85).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 156: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Desta maneira, a agroecologia é una nova ferramenta de análise que é aberta, multidisciplinar e holística em suas abordagens. Diferenciando-se assim, tanto de estilos de agriculturas, como também de disciplinas de ciências agrárias que se caracterizam pela objetividade e por enfoques atomistas e reducionistas que geram interpretações fragmentadas da realidade agrária.Eduardo Sevilla desenvolveu a partir da práxis de camponeses em assentamentos rurais de Andaluzia – Espanha, uma concepção de agroecologia que nos parece adequada ao contexto da reforma agrária, por projetar um enfoque multidimensional, assim como uma relação entre o local e o global, orientada para a mudança da realidade. Neste sentido, o autor afirma que a agroecologia “Pode ser definida como o manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas ao atual modelo de manejo industrial dos recursos naturais, mediante proposta de desenvolvimento participativo a partir do âmbito da produção e da circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e de consumo que contribuam a encarar a crise ecológica e social, e com isto enfrentar-se ao neoliberalismo e sua globalização econômica” (SEVILLA, 1999:02).Partindo desta aproximação conceitual, enfocaremos a seguir alguns aspectos que consideremos constitutivos de uma proposta de reforma agrária agroecológica. 3. Considerações sobre o uso da terra: parcelação x usufruto comunalDe forma geral, o desafio das políticas de reformas agrárias convencionais foi o de transformar o latifúndio em pequenas parcelas campesinas, através da divisão da terra. Isto que caracterizamos como uma transferência de propriedades, de uma grande para várias pequenas, gera inúmeros problemas.A formação das pequenas parcelas, denominada de propriedades parcelaria, em um processo de R.A. distributiva, segue a lógica de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 157: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

funcionamento da propriedade privada, na medida em que cada camponês, individualmente, tem que assumir responsabilidades integrais sobre o seu lote de terra e responder aos desafios impostos pelo sistema agropecuário nacional. Esta perspectiva individualista endeusada na sociedade moderna, como sinônimo de liberdade, representa um risco para a economia camponesa, na medida em que as pequenas parcelas são mais vulneráveis a dominação econômica e ideológica, sendo mais fácil subordiná-las tanto ao processo de produção como de comercialização capitalista, que ameaçam sua reprodução social. Em uma R.A. parcelaria o camponês está circunscrito a uma área de terra (parcela), devendo ter o controle sobre ela e a partir dela responder suas necessidades. Não podendo aceder a recursos que existam fora do seu domínio sem a autorização dos seus respectivos donos, outros camponeses ou latifundiários da região. Deste modo, em um assentamento parcelário os camponeses são levados a buscar fora, aquilo que não dispõem em sua parcela como, por exemplo: madeira, água para consumo ou irrigação, sementes, pastos e florestas para completar seu ciclo energético. Desta forma, a R.A. ao fracionar os agroecosistemas, cria um sistema de dependência dentro e fora do assentamento. Sobre este aspecto é interessante observar as proposições de Manoel G. de Molina que identifica na propriedade comunal uma utilização mais democrática dos recursos naturais, conforme afirma "Em este campo, os enfoques agroecologicos deveriam assumir as colocações de alguns ecologistas, especialistas em gestão do meio ambiente, que tem ressaltado as virtudes das formas de propriedade comunal, não só para o manejo mais eficiente dos recursos (manejo adaptativo proposto por Holling) senão para colocar-los ao alcance de todos os agricultores" (MOLINA, s/d: 31). De fato, o acesso a terra através de comunidades, com áreas de uso coletivo e familiar, democratiza o uso dos recursos naturais e estimula a construção de alianças estratégicas entre os camponeses para a defesa dos interesses comuns, do trabalho e do meio ambiente. Neste sentido,

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 158: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

o ensinamento das antigas comunidades camponesas parece válido diante da atual proposta de R.A. brasileira, que tem favorecido, na maioria das situações, o cultivo agrícola parcelário e individualizado que leva o camponês a uma especialização produtiva e maior dependência do mercado. Neste sentido, o exercício de repensar a reforma agrária deve combinar o resgate de experiências históricas de comunidades camponesas tradicionais com necessidades de autonomia e participação política dos assentados para se organizarem e defenderem seus interesses. Teodor Shanin, estudioso do campesinato, mostra que as comunas russas realizavam um importante trabalho de proteção diante de seus adversários mais aguerridos, afirmando que "a comuna desempenhava também o papel de uma organização camponesa política de fato, uma proteção coletiva contra o mundo externo hostil, que incluía o latifundiário, a polícia, o cobrador de impostos, o ladrão, o intruso ou mesmo o povoado vizinho" (SHANIN, 1990:26). A respeito do acesso a terra o autor informa que "cada família possuía incondicionalmente uma pequena parcela de terra, a casa e uma horta, mais seu gado e sua maquinaria. A utilização da terra cultivável era atribuída em largo prazo às famílias pela comuna, os prados se resignavam anualmente e, com freqüência, se trabalhavam coletivamente, os pastos e as florestas eram de uso comunal" (SHANIN, op.cit., 26). O funcionamento da comuna garantia serviços de proteção e acesso igualitário aos recursos naturais, operava a partir de um sistema participativo que distribuía entre os camponeses, diversas atividades estratégicas, sendo todo o processo regido por assembléias de representantes das famílias que "decidiam acerca dos serviços, escolhiam seus próprios agentes e... também voltavam a dividir periodicamente as terras cultiváveis de acordo com algum princípio igualitário, geralmente em relação com a mudança de tamanho das famílias implicadas" (SHANIN, op.cit., 26). A importância das comunas foi reconhecida também por Marx, já em sua fase madura. A partir de seus contatos com intelectuais russos ele fez um giro de sua posição e

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 159: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

aceitou as multiplicidades de vias para a transformação social, particularmente no sentido do papel que os camponeses podiam desempenhar neste processo. De acordo com o autor a "comuna primitiva", dialeticamente restabelecida em um novo e mais elevado bem-estar, ingressou nas imagens de Marx sobre a futura sociedade comunista, uma sociedade na qual uma vez mais, 'Os indivíduos se comportam não como trabalhadores, senão como 'proprietários', como membros de uma comunidade que também trabalha' (SHANIN, op.cit., 28). 3.1. Parcelação e fragmentação do agroecosistemaOutro aspecto perverso da parcelação é que parte o agroecosistema em pequenos lotes, rompendo com sua paisagem e com a circulação do fluxo de energia entre seus diversos ambientes, reduzindo assim o potencial endógeno que cada um possui, ou seja, sua capacidade de produção. Sobre este assunto, Manuel G. Molina afirma de modo esclarecedor “Qualquer um que conheça minimamente o funcionamento dos agroecosistemas sabe que não se pode fragmentá-lo sem uma grave deterioração de suas qualidades físico-biológicas. Do mesmo modo, qualquer projeto de reforma agrária agroecológica deve transcender o âmbito reduzido da parcela agrícola para propor medidas que afetem ao agroecosistema em seu conjunto” (MOLINA, s/d, 31). O agroecosistema deve ser visto como uma unidade, um todo, com interação positiva entre seus diversos componentes como os rios, lagos, florestas, pastos, campos de trabalhos, etc. A R.A. parcelaria, ao romper com esta lógica, enfraquece o agroecosistema e deixa os camponeses circunscritos a uma parcela, não lhes permitindo contar com a força da natureza para o desenvolvimento dos seus processos produtivos. São induzidos a suprir suas necessidades a partir do mercado. Além do mais, com a ausência da orientação adequada a sua realidade sócioambiental, muitos camponeses são facilmente influenciados pelo padrão tecnológico dominante da agricultura, que se caracteriza pelo desmatamento florestal e pela exploração excessiva dos solos.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 160: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Francisco Caporal considera que os problemas ambientais em assentamentos rurais no Brasil estão vinculados ao modelo tecnológico e a dinâmica produtivista que os leva à especialização agrícola para o mercado. De fato, ocorre uma agricolização excessiva que aumenta a pressão sobre os recursos naturais. Para este autor é possível se “verificar um processo de exploração do solo e de demais componentes naturais das áreas reformadas que tendem à exaustão. A erosão dos solos e a derruba permanente da mata (onde existem) permitem identificar mais um elemento inibidor da possibilidade de reprodução das famílias nestas áreas” (CAPORAL, 1994:07). Por outro lado, acreditamos que uma orientação voltada para o manejo ecológico dos recursos naturais, assim como a implementação de políticas adequadas às condições socioeconômicas dos camponeses reduziria os impactos ambientais negativos nos assentamentos. Os casos exitosos neste domínio são frutos da criatividade dos camponeses que interagem com a natureza otimizando os recursos locais disponíveis. Com apoio de organizações sociais, estes têm desenvolvido milhares de experiências que são reconhecidas no cenário nacional por sua capacidade inovativa, e que estão contribuindo para reorientar a co-evolução social e ambiental em direção a agroecologia. Os assentamentos agroflorestais,22 desenvolvidos por camponeses em distintos Estados do País, desde o Acre até o Rio Grande do Sul, passando por Pernambuco, entre outros, são bons exemplos nesta direção. Igualmente é o caso dos assentamentos denominados de reservas extrativistas, que são reconhecidas como experiências exitosas pelo próprio governo federal como exemplo de bem-estar social e manejo sustentável dos recursos naturais, que apresentamos a seguir. 3.2. O exemplo das Reservas ExtrativistasA formulação teórica sobre o uso comunal da terra e a conservação do meio ambiente, a que já nos referimos, encontra apoio empírico na realidade rural brasileira, nas reservas extrativistas dos seringueiros dos 222 Ver a respeito o ΙΙ PNRA, que reconhece como positivo esta nueva modalidade de assentamento. p.31.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 161: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Estados do Acre e Amapá, na região Norte. Estes lutaram pela indivisibilidade dos recursos naturais e o acesso democrático aos mesmos com o objetivo de assegurar sua conservação. Estes aspectos constituem a base desta experiência exitosa de assentamento. Depois de anos de lutas contra o desmatamento, conseguiram do governo a posse para usufruírem das terras, sem recorrer à parcelação, como afirmam Leonildes Medeiros e Sergio Leite “Concebida dessa maneira, essas modalidades de assentamento além de incorporar os aspectos fundamentais das reivindicações dos seringueiros (desapropriação dos seringais, manutenção da estrutura de posse e uso da terra através de instrumentos contratuais coletivos, que evitassem o fracionamento da área e titulações individuais das “colocações”) expressavam uma ruptura radical com o modelo de reforma agrária instituído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária”. A originalidade da proposta é reconhecida pelos autores que afirmam “uma das dimensões inovadora da proposta de reserva extrativista é a busca da síntese de uma herança cultural tradicional amazônica na relação homem/natureza com as aspirações contemporâneas em prol da conservação do meio ambiente (LEITE e MEDEIROS, 2002:13). A conjugação dos fatores de indivisibilidade da terra e a forma jurídica conferiram às reservas extrativas “uma nova função social para a terra uma vez que define como posse do Estado destinada ao uso temporário de seus ocupantes tradicionais mediante contrato que regula sua forma de exploração. É em como contraposição à propriedade privada da terra que a proposta de reserva tem enfrentado fortes oposições da classe dominante” (LEITE e MEDEIROS, op.cit., 13). As experiências das Reservas são relevantes também porque expressam o papel ativo que tiveram os camponeses seringueiros no desenho do modelo de R.A. Suas mobilizações e lutas fizeram com que o Estado reconhecesse suas particularidades e estabelecesse um sistema de acesso e gestão dos recursos naturais inovador para a legislação agrária da época. Isto deixa clara a importância da participação das organizações camponesas, enquanto mediadoras na relação com o

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 162: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Estado, na discussão de que modelo de R.A. é mais adequado a cada ecossistema. O que não parece saudável é o modelo único imposto de cima a baixo, com baixa participação dos camponeses que discutiremos em seguida.

4. Participação camponesa na R.A.O tema da participação dos camponeses no processo de R.A. tem relação com nossas raízes históricas, com a estrutura agrária do país, secularmente dominada pelo latifúndio. Este, enquanto um sistema de dominação vertical, com o poder político centralizado, sempre negou aos camponeses o exercício da participação e até da palavra. Paulo Freire, educador brasileiro, sistematizou de forma clara estes elementos a partir de sua convivência com os camponeses brasileiros e chilenos, quando participou da R.A. neste País. Ele afirmou “o latifúndio, como estrutura vertical e fechada, é, em si mesmo, antidialógico. Sendo uma estrutura fechada que obstaculariza a mobilidade social vertical ascendente, o latifúndio implica em uma hierarquia de camadas sociais em que os extratos mais 'baixos' são considerados, em regra gerais, como naturalmente inferiores. Para que estes sejam assim considerados, é preciso que haja outros que desta forma os considerem, ao mesmo tempo em que se consideram a si mesmo como superiores. A estrutura latifundista, de caráter colonial, proporciona ao possuidor da terra, por força e prestígio que tem a extensão de sua posse até os homens”. (FREIRE, 1992:48). Como era de se esperar, este sistema de dominação afeta a consciência do camponês, que se sente inferior, oprimido por tanto inseguro no mundo. Diante desta realidade, a verdadeira reforma agrária ao destruir o latifúndio tem que destruir também sua ideologia que ainda segue existindo na cabeça de muitos camponeses depois de assentado. Estes necessitam construir outra cultura por meio do trabalho cultural educativo, baseada na participação e cooperação. Este processo formativo deve caminhar junto com a luta pela terra, ajudando aos

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 163: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

camponeses a ver sua realidade de forma crítica e ir rompendo com os vícios ideológicos do passado. Neste sentido, o trabalho realizado pelo MST é genial, pois tem a educação política de seus militantes como uma atividade prioritária e permanente, que começa desde o acampamento. O número de crianças, jovens e adultos nas escolas é significativo e revelam uma compreensão mais ampla de um processo de R.A. que não pode restringir-se à conquista da terra pura e simples, sem mudanças efetivas nas mentalidades dos sujeitos envolvidos. 23 A complexidade da R.A. exige um repensar sobre as metodologias utilizadas. Em geral elas são carregadas pelo centralismo e dirigismo estatal em sua condução, com baixa participação dos camponeses, principais interessados. São os burocratas, desde seus conhecimentos, oficinas e mapas, que estabelecem o processo de distribuição da terra em parcelas praticamente homogêneas. Repensar a R.A. significa estabelecer uma metodologia aberta ao diálogo e à participação autônoma, onde os camponeses sejam sujeitos em sua realização e gestação (Freire, op.cit.). Esta estratégia que leva ao empoderamento das organizações camponesas e a uma relação mais horizontal com os técnicos do governo estabelece melhores condições para o aproveitamento do conhecimento campesino que pode aportar informações mais consistentes sobre o uso dos agroecosistemas, incluindo aí a organização social, o sistema de produção, o manejo dos recursos naturais e a circulação dos produtos.

5. Manejo e produção sustentável23 Ver a respeito do texto de MORISSANA, M., (2001), entre outros, que revela a existência de toda uma rede de educação que vai desde a construção de uma pedagogia própria, a capacitação de professores, construção de currículo adequados à realidade dos camponeses até a organização e realização de oficinas e cursos de formação técnica, de carreira universitária e de pós-graduação para seus militantes. Segundo este autor o Movimento já possuía por esta época: 1.200 escolas de ensino fundamental; 3.800 educadoras; 150 mil estudantes; 25 educando jovens e adultos; 1.200 educadores de jovens e adultos; e, 250 educadores da ciranda infantil, entre outras iniciativas. Ainda vale citar a Escola Florestan Fernandes, ainda em construção no Estado de São Paulo e que será mais um espaço para formação política dos Sem Terra no Brasil.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 164: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

De acordo com Gliessman a agricultura do futuro deve ser tanto sustentável quanto altamente produtiva, ou seja, que produza colheitas para os seres humanos e ao mesmo tempo recupere e conserve os recursos naturais (GLIESSMAN, op.cit.). Em nossa perspectiva, esta premissa deve estar no âmago de um processo de R.A. De modo distinto ao que ocorreu com as reformas agrárias convencionais que estimularam a utilização do padrão tecnológico industrial em busca da maximização produtiva, que causou e causa danos ao meio ambiente como o desmatamento, a contaminação dos solos e a poluição da água, e por conseqüência aos próprios camponeses e a população em geral, uma nova proposta de reforma agrária deve reorientar a co-evolução dos sistemas ecológicos e sociais em direção a agroecologia. Deste ponto de vista, R.A. e ecologia são partes inseparáveis de uma mesma política, como já dissemos. Portanto, a sustentabilidade dos sistemas agrários, não é somente uma questão de ordem local, ela tem relações com problemas agrários e enfoques globais mais amplos da economia, da política, etc. Neste sentido, as ações locais devem estar articuladas às perspectivas amplas de mudanças na sociedade. O professor José Manuel Naredo, analisando esta problemática em artigo sobre a reforma agrária em Andaluzia, disse o seguinte: “Nestas condições, os problemas agrários exigem, cada vez mais, ser tratados com um enfoque global que permita racionalizar as relações entre sistemas econômicos e sistemas ecológicos para os que deles dependem, reorientá-los efetivamente para o único motivo que os justifica: manter e enriquecer a vida humana. Não se trata de exigir (...) uma agricultura que maximize os rendimentos, senão outra que permita obter um bom rendimento compatível com a qualidade dos produtos, com a estabilidade do ecosistema em que se desenvolve e que seja respeitosa para com a fertilidade do solo, que constitui um dos recursos escassos mais apreciados dos quais dispõe a comunidade” (NAREDO, 1978:221).Em estes termos, nos referimos a um enfoque sistêmico que combina de forma harmônica dimensões econômicas, sociais e ambientais, que

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 165: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

devem estar presente nas atividades agrárias, e que seguramente exige mudanças no padrão produtivo, no sistema de comercialização e alimentário. Um agroecosistema será proporcionalmente mais sustentável quanto maior for à capacidade de integração destas dimensões. Deste ponto de vista, o agroecosistema deve apresentar eficiência econômica, oferecendo produção e renda. Deve conservar e recuperar os recursos naturais como a biodiversidade e a fertilidade do solo, ao mesmo tempo deve melhorar a qualidade de vida das famílias, ampliando sua auto-suficiência alimentaria e sua auto-estima por um tempo indeterminado. Gliessman descreve um agroecosistema sustentável “como aquele que mantém a base de recursos do qual depende, contando com o mínimo de recursos/insumos artificiais vindos de fora do sistema de produção agrícola, que maneja pragas e doenças através de mecanismos reguladores internos e é capaz de se recuperar de perturbações causadas pelo manejo e pelas colheitas” (GLIESSMAN, op.cit., 565). 24 Este autor considera que o princípio da sustentabilidade está vinculado com as semelhanças entre agroecosistemas e ecosistemas, conforme afirma “quanto maior a semelhança natural e funcional de um agroecosistema com os ecosistemas naturais existentes em uma região biogeográfica, maior a possibilidade de o agroecosistema ser sustentável” (GLIESSMAN, op.cit., 568). Isto é, a sustentabilidade está relacionada com a capacidade dos agroecosistemas de se aproximarem ao máximo de ecosistemas naturais, ou seja, de imitarem a natureza de cada lugar. Deste modo, não há receita pronta ou modelos padrões de sustentabilidade na agricultura. 25 Ela dependerá dos 24 Neste sentido, o autor citado, apresenta algumas características da agricultura sustentáveis: teria efeitos negativos mínimos sobre o meio ambiente; preservaria e recomporia a fertilidade do solo; utilizaria a água de modo que permitisse a recarga dos aqüíferos; dependeria principalmente de recursos de dentro do agroecosistema; e, trabalharia para valorar e conservar a diversidade biológica (GLIESSMAN, op.cit., 2001). 25 Manuel G. de Molina entende que a sustentabilidade é um conceito dinâmico que cambia com o tempo, com o recurso ou recursos que se pretende gestionar o conservar, com sua escala parcial e temporal, isto é com as preocupações de cada época, com o desenvolvimento do conhecimento científico, com o nível tecnológico e com o nível atual de conhecimento de como funcionam os ecossistemas. A sustentabilidade é mais um processo que um estado, um objetivo a alcançar que o retorno ao equilíbrio ideal (MOLINA, op.cit., 22).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 166: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

fatores endógenos de cada local, onde os camponeses exercerão um papel determinante, discutindo os problemas, detectando soluções para cada realidade e participando dos processos de mudanças. Desta maneira, os modelos de produção e manejo dos recursos naturais nos assentamentos devem ser frutos de uma ação social coletiva, baseadas em experiências dialógicas entre camponeses e técnicos, sempre orientada pelo “farol” da sustentabilidade, como disse Miguel Altieri. No obstante, as experiências agroecológicas desenvolvidas por camponeses, no seio dos assentamentos, ainda apresentam um grau de dispersão, elas têm elementos metodológicos e, potencial que podem subsidiar a construção de uma R.A. agroecológica. Elas constituem uma enorme diversidade temática que inclui: o manejo dos recursos e a circulação dos produtos, que implica entre outras coisas, no resgate de sementes, formação de banco genético, recuperação de cobertura vegetal, conservação do solo, da água, organização de associações e cooperativas para compra e venta de produtos por meios de circuitos alternativos de comercialização, como as feiras e tendas gestionadas pelos próprios camponeses para oferecer à população das cidades produtos saudáveis de alto valor nutricional.

6. Circulação alternativa dos produtosA construção de mercados locais para comercialização alternativa de produtos agropecuários limpos acompanha o próprio desenvolvimento de sistemas de produção ecológicos. Estes, na medida em que foram evolucionando e ampliando seu volume de produção, se constituíram em uma oferta para os consumidores urbanos preocupados com a qualidade dos alimentos. Este processo se inserta na óptica de criação de mercados locais descentralizados, que ao aproximar produtor com consumidor reduz gastos com energia na refrigeração e transporte de alimentos por largas distancias que são características do sistema agroalimentar mundial. Como era de se esperar, a comercialização direta apresenta vantagens importantes para a economia e o meio ambiente. De acordo com Buttel “a descentralização do sistema alimentar implica em uma serie de conseqüências econômicas e ecológicas. A descentralização implicaria no incremento da comercialização direta dos produtos alimentícios, um aumento da participação

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 167: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

de cooperativas comunitárias ou de agricultores-consumidores (ou outra organização parecida), assim como una tendência para uma maior auto-suficiência regional e ao aumento da diversidade de cultivos” (BUTTEL, 1979:294). Para os camponeses, os canais alternativos de comercialização representam a possibilidade de enfrentar e romper com esquemas de dominação, impostos pelo mercado capitalista, que através comerciantes intermediários exploram o seu trabalho. A circulação direta de produtos como ocorre em feiras de ruas ou em tendas, oferece a possibilidade de incremento na renda dos camponeses que reflete diretamente na qualidade de vida. Do ponto de vista ambiental existem também reflexos positivos como disse Buttel, pois os camponeses são estimulados a diversificar e processar seus produtos para atender a demanda variada dos consumidores. Isto representa muitas vezes, a necessidade de reorientar as atividades agropecuárias com o objetivo de potencializar o sistema produtivo. Ao mesmo tempo em que a transformação dos produtos gera um conjunto de novas tarefas para outros membros da família, gerando postos de trabalhos para os jovens e mulheres que passam a atuar diretamente na composição da renda da unidade de produção. Todo este processo se insere em um quadro de mudanças, com rupturas nas antigas formas de comercialização. Estas se concretizam de forma gradual e coletiva com participação de camponeses e consumidores, por meio de associações e cooperativas, e com apoio de Ongs e movimentos sociais. A construção de laços de confiança, solidariedade e respeito entre produtores e consumidores se materializam através dos contatos semanais nas feiras, reuniões, oficinas e visitas à propriedade e outras atividades sociais. Informações de Morissana (2001) revelam que já existiam nos assentamentos do Brasil unidades agroindustriais que envolviam matadouros de bovinos, suínos e aves, lacticínios, despolpadora de frutas, diversos tipos de moinhos e casa de farina, processadora de café, castanha de caju, cana de açúcar, grãos e frutas, além de herbários (MORISSANA, 2001:236). Estes produtos têm como destino o “mercado especial" denominado de feiras da reforma agrária, espaços agroecológicos, entre outros. De acordo com Francisco Caporal já havia em 2002, cerca de 140 pontos de comercialização alternativa no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco existem mais de uma dúzia de feiras com significativo número de participantes, para ficarmos apenas nestes dois

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 168: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

exemplos.26 O impacto econômico e social de este processo foi percebido em uma investigação realizada pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, durante os anos de 1998 e 1999, que revelou um aumento na renda dos camponeses que participam de uma feira na cidade de Recife. Os dados indicam una alta de dois a quatro salários mínimos, representando assim uma melhora direta e substancial na renda mensal e na qualidade de vida das famílias envolvidas no trabalho.

7. Considerações finaisA proposta da R.A. agroecológica, que tem como objetivo promover o acesso democrático a terra, a conservação dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que busca fortalecer as comunidades campesinas, reúne as condições para enfrentar a atual crise socioeconômica e ecológica que existe no meio rural brasileiro. Evidentemente que a sua implementação depende da reorientação das políticas públicas de desenvolvimento rural, mas está, sobretudo, relacionada com o desenvolvimento de uma ação social camponesa que, através de seus movimentos sociais, devem assumir o lugar de protagonistas neste processo. As milhares de experiências exitosas realizadas pelos camponeses no interior dos assentamentos são um sinal do potencial que possuem para mudar a realidade. Neste sentido, estudos recentes sobre assentamentos rurais já demonstraram a força da agricultura camponesa para gerar impactos positivos desde o nível local até regional.Afinal, vale ressaltar que a participação dos camponeses numa reforma agrária agroecológica e descentralizada resultará na formulação de propostas mais adequadas, com respeito às diversidades sócio-ecológicas de cada local. Ao lado disto, também é fundamental insistir no compromisso político dos técnicos, que enquanto educadores devem animar o processo com base no diálogo e na afetividade que todo processo de transformação exige.

8. BibliografiaBUTTEL, F. H. (1979). Estructura Agraria y Ecología Rural: Hacia una política económica del desarrollo rural. Agricultura y Sociedad, nº. 13. Ministerio de Agricultura. Madrid, España.

26 Recentemente camponeses dos assentamentos Serrinha e Águas Claras, através de sua associação denominada de Aflora e com assessoria do Centro Sabiá, criaram mais uma feira de produtos ecológicos, que funciona semanalmente, oferecendo a população do município de Ribeirão produtos in natura e processados de diversos tipos (Centro Sabiá, 2004:03).

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 169: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

CAPORAL, F. R. (1994). A Questão Tecnológica na Realidade dos Assentamentos de Reforma Agraria – RS: Anotações para debate. Mimeo. Emater, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Brasil.CAPORAL, F. R. (1998). Reforma Agraria y Medio Ambiente em Brasil: Elementos para el debate. Instituto de Estúdios Transnacionales de Córdoba. Revista Inetemas. Ano V, numero 13. Córdoba España.CARVALHO, H.M. (2004). A questão agraria e o fundamentalismo neoliberal no Brasil. Mimeo.CENTRO SABIA, (2004). Ribeirão tem feira orgânica. In: Dois Dedos de Prosa. Nº. 42. Setembro. Recife. PE. Brasil.FERNANDES, M. B. e NETO C. C. (2003/04). Das Ocupações de Terra à Reforma Agrária - Territorialização, Renda Capitalizada e Sobre Trabalho. In: Revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, Boitempo, Nº. 02, p. 83-94. São Paulo. FIGUEIREDO, M.A.B. (1999). Políticas Públicas para Pequena Produção Rural: Um estudo sobre o PAPP no Município de Bom Jardim - PE. UFPE. Tese de Mestrado. Recife. PE. Brasil.FIGUEIREDO, M.A.B. e TAVARES, J. (2003). Agrofloresta: uma alternativa para o desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais da Mata Atlântica. In: Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável. Org. Jorge Tavares. Edições Bagaço. Recife. Brasil. FREIRE, Paulo. (1992). Extensão ou comunicação? Editora Paz e Terra, 10º. Edição. São Paulo. BrasilGLIESSMAN, S. R. (2001). Agroecologia – Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável. 2ª. Edição, Editora da UFRGS, Porto Alegre – RS. Brasil. GUZMÁN, et al. (2001). Introducción a Agroecologia como Desarrollo Rural Sustentable. Editorial Mundi - Prensa. Madrid. España.HECHT, S. B. (2002). A evolução do pensamento agroecológico. In: Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Miguel Altieri. Editora Agropecuaria, Guaíba. Rio Grande do Sul. Brasil.MDA/INCRA, (2003). ΙΙ Plano Nacional de Reforma Agraria. Brasília. Brasil.MEDEIROS, L. S. de e S. LEITE. (2002). A Formação dos Assentamentos Rurais no Brasil - Processos sociais e políticas publicas. Ed. da Universidade. UFRGS. RS. MOLINA, M.G. (s/f). Las Experiencias Agroecológicas y su Incidencia en el Desarrollo Rural Sostenible. La necesidad de la agroecologia política. Mimeo, Uiversidad Pablo Olavide, Sevilla. España.MORISSANA, M., (2001). Historia de luta pela terra e o MST. Expressão Popular, São Paulo. Brasil. RANIERI, S.B.L. (2003). Retrospecto da Reforma Agraria e no Mundo. In: A qualidade dos assentamentos da reforma agraria Brasileira, coordenado por Gerd Sparovek. USP / MDA / FAO. Brasília. Brasil. SEVILLA, E. G, (s/d). Los Marcos Teoricos del Pensamiento Social Agrario. Mimeo.ISEC, Universidad de Córdoba - España.SEVILLA, E. G, (1999). Asentamientos Rurales y Agroecologia en Andalucía. Mimeo. ISEC, Universidad de Córdoba - EspañaSHANIN, Teodor. (1990). El Marx Tardío y la Vía Rusa. Marx y la periferia del capitalismo. Editorial Revolución. Madrid, España.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 170: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

TAVARES, J. R. (2004). Procesos educativos para la construcción e implementación de la agroecologia y el desarrollo rural sostenible en la Zona de la Mata de Pernambuco. Sufiencia Investigatoria. Mimeo. ISEC. Universidad de Córdoba. España.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR SUCROALCOOLEIRO DO NORDESTE

ENTRE O ATRASO E A MODERNIDADE

Bruno Ribeiro Paiva INTRODUÇÃOA reflexão sobre as relações de trabalho no setor sucroalcooleiro do Nordeste - sua história, seu perfil atual – é essencial para a formulação de políticas públicas que façam do atraso um referencial para uma verdadeira modernidade.E essa necessária reflexão, precisa ajudar a resolver algumas indagações essenciais, a saber: que conceito de modernidade irá pautar a política pública? A modernidade da vanguarda tecnológica; da produção competitiva; da conquista dos mercados globais? A modernidade do trabalho decente; da sustentabilidade ambiental; e do acesso aos direitos fundamentais pelo cidadão que habita e/ou trabalha nas áreas canavieiras? Ao longo da história, as respostas a essas indagações foram equivocadas e as escolhas feitas foram geradoras de profundas distorções e desperdícios, seja de recursos humanos, seja de recursos ambientais, seja de recursos financeiros do Estado.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 171: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

De fato, o principal atraso do setor no Nordeste resultou da escolha secular pelo conceito da modernidade vinculada apenas ao empreendimento e à lavoura. O cidadão e a sustentabilidade nunca foram prioridades reais do setor privado e, o que é mais grave, das políticas públicas.Desse modo, a sustentabilidade e o futuro exigem novas respostas àquelas indagações e também que novas escolhas sejam feitas na implantação das políticas públicas definidoras do perfil do setor e da qualidade nas relações de trabalho nele constituídas.Para planejar esse futuro é fundamental ter a clareza de que o perfil e o tamanho do setor sucroalcooleiro nordestino e brasileiro sempre FORAM definidos, e continuarão sendo, com a exata medida estabelecida pelas políticas públicas do Estado combinadas com a realidade internacional, desde o período colonial até o momento.

É bom recordar alguns exemplos desses marcos definidores do perfil do setor, sempre associados às políticas internas do Estado e aos fatores externos; (1) foi a metrópole portuguesa a responsável pela introdução da cana na colônia brasileira, como produtora de especiaria valiosa na época, para isso dividindo a colônia em capitanias e introduzindo a escravidão de índios e negros; (2) a crise mundial de 1929 estimulou a criação do IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool e aquela autarquia fomentou a formação das grandes centrais açucareiras, concentrando a produção e a terra; (3) as dificuldades de cabotagem na 2ª Guerra estimularam a expansão da cana no Sudeste na década de 40; (4) o embargo à Cuba na década de 60, foi um fator definitivo para a expansão da produção brasileira de açúcar e para a ampliação do acesso ao mercado internacional; (5) na década de 70, a crise do petróleo foi o elemento essencial para estimular a concepção e a implantação do Proálcool; e, finalmente, (6) os conceitos impostos pelo neoliberalismo predominante na década de 90, definiram a extinção do IAA e a desregulamentação do setor.Na atualidade, seguramente, os principais fatores externos e internos que serão definidores do perfil da atividade no Brasil são (1) o crescimento da demanda mundial pela agroenergia e (2) o perfil e as prioridades da política pública interna em resposta a isso

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 172: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Assim, mais uma vez, a expansão e o formato do setor no Brasil dependerá basicamente do Estado, através de suas políticas (fiscal, financeira e medidas reguladoras) e de suas agências governamentais, a exemplo do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do BB – Banco do Brasil, do BnB – Banco do Nordeste, e da Petrobrás. Isso quer dizer que a expansão do setor para atender à demanda mundial não ocorrerá sem o Estado, sem suas políticas públicas e sem os recursos da sociedade, o que exige um debate mais qualificado do que o que temos assistido.Portanto, uma preliminar básica é essa percepção sobre o papel central e estratégico do Estado e das políticas públicas para a construção de uma modernidade sistêmica e integrada no setor sucroalcoleiro. Com eficiência produtiva, cidadania, trabalho digno e preservação ambiental. A combinação das escolhas governamentais diante do setor e dos desafios colocados será o principal fator definidor do futuro. Ou seja, essa combinação definirá se caminharemos para uma nova configuração da atividade canavieira brasileira ou se vamos repetir, e até ampliar, as graves distorções históricas nas dimensões sociais, ambientais e fundiárias.Fixados esses conceitos introdutórios básicos, as reflexões e as escolhas que precisam ser feitas têm como um dos pressupostos uma avaliação da atual configuração do setor no Nordeste, do que esse texto se ocupa resumidamente na sua parte seguinte.

O SETOR EMPRESARIAL SUCROALOOLEIRO NO NORDESTEAs características básicas da exploração da atividade canavieira pelas empresas sucro-alcooleiras nordestinas permanecem inalteradas, em resumo :

Exploração da cana em regime de monocultura; Propriedade de grandes extensões de terra, em regime de latifúndio; Gestão predominantemente familiar, tendo começado a se alterar

apenas na última década; Modelo altamente concentrador de renda e de terra; Expansão agrícola indiscriminada, com redução da Mata Atlântica para

menos de 4 % da cobertura original;

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 173: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Uso intensivo das queimadas e de vários produtos químicos, dentre eles os agrotóxicos;

Mecanização se ampliando, especialmente nas áreas planas dos Estados (Alagoas, Norte da Bahia e Mata Norte de Pernambuco);

Forte influência política nos núcleos de poder local, estadual e nacional; Dívidas elevadas e não cobradas pela Fazenda Pública;

Ao longo das últimas décadas a produção das empresas nordestinas sofreu uma perda crescente de importância relativa frente à produção nacional, com intensa migração de grupos empresariais para o Sudeste e para o Centro Oeste. A atual situação da participação proporcional da produção nordestina em relação à nacional pode ser visualizada na tabela abaixo:

unidades % safra 2006/7 – ton %

Alagoas 26 6,4 23.635.100 5,5Pernambuco 28 6,9 15.293.700 3,5Paraíba 9 0,2 5.107.700 1,2Rio Grande do Norte 4 0,1 2.397.400 0,5Ceará 1  - 27.400   -Sergipe 3   - 1.136.100 0,2Bahia 5 0,1 2.185.600 5,1Nordeste 79 20 49.783.000 12São Paulo 185 46 264.336.825 62Piauí 1   - 706.000  -Maranhão 2   - 1.660.300 0,4Brasil 403 100 426.002.444 100Fonte : Anuário da Cana – Procana – 2007

A tabela acima também evidencia a consolidação de uma forte concentração regional. Com efeito, apenas os Estados de Alagoas e de Pernambuco produzem 78 % da cana no Nordeste. Somados ao Estado da Paraíba, esses 03 Estados produzem 88 % da cana e detém 83 % das unidades industriais nordestinas. O perfil do setor nordestino também é caracterizado por uma forte concentração da produção agro-industrial e das terras em cada Estado. Para se ter uma idéia desse perfil, registre-se que 73 % da cana produzida em Pernambuco é cultivada pelas usinas e pouco menos de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 174: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

1/3 pelos fornecedores independentes. Há apenas cerca de 20 anos, esses fornecedores produziam aproximadamente 70 % da cana pernambucana, sendo uma categoria que ruma para a extinção se não for alcançada por políticas públicas. O quadro é similar no Estado das Alagoas. Na safra de 2003 os fornecedores de cana plantavam apenas 28 % da cana alagoana. É fundamental destacar que os governos federal e estaduais ainda não discutiram com a sociedade qual o modelo produtivo a ser estimulado nas áreas de expansão previstas para a cana na região nordestina, a saber os perímetros irrigados do Sertão de Pernambuco e da Bahia e amplas áreas nos Estados do Piauí e do Maranhão.Enquanto as características básicas das empresas permanecem preservadas, foram imensas as alterações no mundo do trabalho e na situação ambiental nos últimos 20 anos, como se resume a seguir.

NORDESTE – RELAÇÕES DE TRABALHO E EFEITOS SÓCIOS - AMBIENTAIS

Nas últimas décadas, em função de ações planejadas e articuladas pelas empresas nordestinas, ocorreu uma inversão profunda no perfil dos contratos de trabalho, com esmagadora prioridade sendo conferida para a contratação de trabalhadores temporários, o que gerou uma redução veloz dos contratos permanentes. Os mesmos trabalhadores passaram a ser contratados pelas mesmas empresas a cada safra, criando uma categoria de “trabalhadores temporário-permanentes”, sem condições de acesso ao seguro-desemprego e a muitos direitos trabalhistas.Em virtude desse ciclo avançado e veloz de inversão do perfil do trabalho, embora inexistam indicadores seguros, é certo que menos de 30 % dos trabalhadores engajados no setor têm contrato permanente de trabalho atualmente.No mesmo período, nos últimos 20 anos, centenas de milhares de postos de trabalho foram extintos, com o fechamento de dezenas de unidades na década de 90 e com a migração de empresas para o Sudeste e o

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 175: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Centro Oeste. Em Pernambuco desapareceram mais de 150 mil empregos na atividade canavieira.Nesse quadro de precarização das relações de trabalho, também foi marcante a ampliação da contratação terceirizada, através dos denominados “gatos”, bem como do trabalho clandestino. O Nordeste é o principal centro emissor de trabalhadores migrantes para as safras do Sudeste e do Centro Oeste, muitas vezes em precárias condições de alojamento e para serem submetidos a uma jornada ampliada e severa no corte da cana.Outra característica bastante prejudicial é que estão praticamente excluídos das contratações do setor os trabalhadores homens com idade acima de 40 anos e as mulheres de qualquer idade.A jornada de trabalho diária é associada à produção. A maioria das empresas não contrata trabalhadores que não aceitem cortar diariamente acima de 06 toneladas de cana. A ampliação progressiva das tarefas diárias tem ocorrido mesmo após o crescimento da mecanização e da modernização das técnicas agrícolas. Ou seja, cada vez mais área plantada de cana, com cada vez menos trabalhadores contratados.Por sua vez, as Convenções Coletivas de Trabalho ainda possuem um elevado grau de descumprimento pelas empresas, sobretudo na medição das tarefas, no transporte e no fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual - EPI’s. No Piauí e no Maranhão o setor ainda está na fase dos acordos coletivos por empresas.Por sua vez, a agricultura familiar nos espaços canavieiros nordestinos sempre esteve fora da atividade econômica da cana. Estava restrita à dimensão das atividades de subsistência, através de pequenas glebas (sítios) nos quais as famílias dos trabalhadores moradores nas terras das usinas complementavam a baixa renda e produziam alimentos, plantando lavouras brancas, fruteiras e criando pequenos animais. Todavia, também essa atividade de subsistência sofreu profunda redução nas últimas décadas, com destruição sistemática dos sítios dos trabalhadores para retirá-los das terras em face da mudança do perfil de

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 176: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

contratações já referida acima, com a crescente prioridade para contratar trabalhadores temporários e egressos de outras regiões. Somente em Pernambuco foram cerca de 40 mil pequenos sítios destruídos desde o Proálcool.Essa política perversa de destruição de pequenos sítios e casas rurais disseminou-se dentre as empresas sucroalcooleiras nordestinas, agravando os já elevados problemas sociais. Expulsos das terras, os trabalhadores foram morar em favelas nas cidades vizinhas, por eles denominadas de “pontas de rua”. Além de agravar os problemas urbanos, esses desempregados em massa passaram a formar um grande estoque de bóias-frias nessas cidades, passando a ser contratados nas safras para trabalhar nas outras regiões do Estado ou fora dele. Naturalmente – e essa era parte da estratégia empresarial – o conjunto dessas medidas duras ampliaram, e muito, as dificuldades para a organização sindical dos cortadores de cana nordestinos, fragilizando a defesa de seus direitos.Na questão ambiental, é notório que a atividade canavieira no Nordeste teve uma participação central na destruição progressiva e continuada da Mata Atlântica, atualmente reduzida a menos de 4 % na região. Por outro lado, o manejo pouco sustentável da cana, através da queima e do uso intensivo de agrotóxicos e outros produtos químicos, mantém em altos níveis anuais a agressão ambiental praticada sobre os restos de florestas, os rios, os mangues e as fontes de água.Todo esse precário quadro de impactos sócio-ambientais se reflete no baixo nível de desenvolvimento humano e social, como indicam os números do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano nas Regiões da Cana.Com efeito, no ano de 2002, o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento classificou o Brasil como o 73º colocado entre os 173 países avaliados, com IDH médio de 0,757, classificação incompatível com o tamanho de sua economia.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 177: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

No ano de 2007, o novo Relatório do PNUD identificou o Brasil no bloco das nações com “alto desenvolvimento humano”, ainda que na última colocação, com o índice de 0,800. Mas a situação não se alterou significativamente nas áreas canavieiras desde 2002.Naquele ano de 2002, os valores máximos (e não médios) do IDH apurados nos municípios da meso-região canavieira de Alagoas não ultrapassavam 0,358. Somente eram superiores ao IDH dos 10 países mais pobres do Mundo, dentre os 173 verificados no Relatório de Desenvolvimento do PNUD. Sete dos dez municípios brasileiros mais pobres situavam-se em Alagoas.No caso da meso-região canavieira de Pernambuco, o índice máximo (e não médio, repita-se) identificado nos municípios canavieiros era de 0,438, somente superior ao IDH dos 20 países mais pobres.No dia 03.12.2007, o IBGE divulgou o crescimento da expectativa de vida dos brasileiros. Nos últimos lugares se encontram os estados nordestinos, sendo que, de forma sintomática, o último colocado no Brasil é o maior produtor de cana no Nordeste (Alagoas) e o antepenúltimo colocado é o segundo produtor nordestino (Pernambuco), conforme se verifica nos indicadores divulgados pela citada instituição:

Expectativa de vida(anos)

Bahia 71,7Sergipe 70,6Rio Grande do Norte 70,1Ceará 69,9Paraíba 68,6Piauí 68,5Pernambuco 67,9Maranhão 67,2Alagoas 66,4Nordeste 69,0Minas Gerais 74,4São Paulo 73,9Paraná 73,8Mato Grosso do Sul 73,5Goiás 73,1Mato Grosso 72,8

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 178: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Brasil 72,3Fonte : IBGE - 2007

AS POLÍTICAS PÚBLICAS ATUAIS FORTALECEM O MODELO SECULARConsiderando que somente as políticas públicas podem enfrentar adequadamente esses graves problemas sócio-ambientais acumulados nas áreas canavieiras nordestinas e brasileiras, é bastante preocupante que as atuais ações e políticas federais para a atividade sucro-alcooleira não vem contribuindo para uma reestruturação do setor e para a indução de novas práticas e novos modelos de produção mais sustentáveis. Pelo contrário, a maioria delas fortalece o modelo secular concentrador, conforme se resume a seguir:

A política externa vem sendo marcada por uma agressiva atuação para abrir mercados internacionais para o açúcar e para o etanol, sem discutir a sua forma de produção interna e os seus aspectos concentradores de renda e de terras;

A ampliação da adição do álcool à gasolina, contribui para um crescimento desordenado dos canaviais;

No BNDES, somente no ano de 2007, mais de R$ 3 bilhões foram liberados para o setor. Atualmente, aquela instituição governamental analisa mais de 100 projetos de novas plantas industriais, com previsão de inversão de mais de U$ 20 bilhões até 2010.

Também no BNDES a ampliação anual do volume de crédito na linha Moderfrota e na cogeração, financiou a renovação da frota das empresas sucro-alcooleiras e elevou as suas margens de lucratividade;

O Banco do Brasil e o BnB, após mais de 15 anos, retomaram o financiamento das empresas sucro-alcooleiras no Nordeste;

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 179: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

As dívidas milionárias do setor continuam sem ser cobradas adequadamente pela Fazenda Pública e são beneficiadas com constantes renegociações.

Por sua vez, inexistem ainda políticas públicas que garantam à sociedade de que a euforia expansionista do etanol não será geradora de quebra na soberania alimentar, da ampliação dos danos ambientais e da crescente aquisição de terras por estrangeiros.Generosas com as empresas, poucos foram os avanços das ações e das políticas públicas no mundo do trabalho e da preservação ambiental nas áreas canavieiras, como se resume abaixo:

Apesar das reivindicações constantes dos trabalhadores e de suas entidades, nenhuma evolução ocorreu quanto à extensão do seguro desemprego às centenas de milhares de “safristas” da cana, os “trabalhadores temporário-permanentes” das safras e entressafras sucro-alcooleiras;

As Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego, com orçamentos reduzidos e sempre contingenciados, fazem uma precária fiscalização na atividade canavieira, sobretudo no Nordeste. Em conseqüência, a precarização, a super-exploração da produção diária e o trabalho análogo à escravidão adquirem cada vez mais fôlego;

Particularmente, as políticas atuais sequer cogitam do papel da agricultura familiar na produção da agroenergia a partir da cana, que continua candidata a ser a única lavoura em que a agricultura familiar está completamente fora da produção econômica agrícola e industrial. A discussão de novos modelos cooperados é essencial, particularmente no Nordeste.Por outro lado, pouco se alterou a lentidão da reforma agrária e do seu principal órgão executor, o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Até Setembro de 2002, às vésperas da posse do atual Governo, os números das famílias assentadas eram mínimos diante das populações dos principais estados produtores de cana e da quantidade

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 180: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

de mão de obra desempregada nos canaviais, conforme os números divulgados pelo INCRA naquele mês:

Em Pernambuco: apenas 10 mil famílias assentadas, numa população total de 08 milhões de pessoas;

Em Alagoas: somente 06 mil famílias assentadas, dentre uma população de 2,8 milhões de habitantes;

Em São Paulo: apenas 09 mil famílias assentadas, número irrisório numa população total de 36 milhões;

Em Minas Gerais: somente 15 mil famílias assentadas, dentre uma população de 18 milhões

O Governo Lula pouco acrescentou, ainda, a esses indicadores tímidos. Por isso, crescem os conflitos fundiários em todo o País. Apenas em Pernambuco mais de 30 mil acampados aguardam a desapropriação de terras, resistindo em condições indignas e insalubres por vários anos.

SOMENTE A POLÍTICA PÚBLICA PODE SER INDUTORA DE MODERNIDADE E DE TRABALHO DECENTE

Os graves problemas e impactos resumidos nesse texto só podem ser revertidos através de políticas públicas estruturadoras e articuladas, que fomentem mudanças e restrinjam as práticas danosas nos aspectos sociais e ambientais. Essas mudanças não virão por força da lógica do “mercado”, pois foi exatamente essa lógica, controlando secularmente os núcleos do poder público, que criou e aprofundou tais distorções.O passado e o presente da cana no Brasil evidenciam que a combinação dos fatores internacionais com as políticas públicas brasileiras que a eles responderam não construíram uma modernidade sistêmica e integrada nas áreas canavieiras e no setor sucroalcooleiro. Pelo contrário.Assim, a demanda mundial por agroenergia abre uma oportunidade que oferece uma singular possibilidade de se aprender com os erros e com o atraso, combinando os fatores definidores do setor no rumo da sustentabilidade, superando novos e grandes desafios. Todavia, é bastante claro que essa demanda internacional também representa

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 181: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

elevados riscos de ampliação dos impactos sociais e ambientais negativos.De fato, até aqui a cana-de-açúcar produziu prioritariamente alimento e insumo de alimento (açúcar). No futuro produzirá cada vez mais energia (etanol) e os riscos de impactos negativos serão ainda maiores.Para que o País não se limite a “modernizar” o atraso do setor, especialmente no Nordeste, mas não só nele, o crédito público e as políticas de Estado devem ser condicionadas à obtenção de metas sociais e ambientais pelas empresas sucro-alcooleiras. Os financiamentos públicos e os juros diferenciados somente devem ser concedidos com salvaguardas que assegurem que a eficiência da produção nas empresas seja também um instrumento para construir cidadania e equilíbrio ambiental. Não é mais aceitável que os recursos públicos sejam voltados, como ocorreu em toda a história brasileira, exclusivamente para a lavoura canavieira e para os empreendimentos que a exploram e industrializam.As agências governamentais, como o BNDES, o BB, o BnB, a Petrobrás, bem como uma regulamentação clara e um zoneamento amplo e bem fiscalizado, são instrumentos públicos suficientes para induzir essa modernidade sistêmica e integral.Em centros produtores onde não caiba a rediscussão do modelo produtivo, como o Paulista, o Poder Público tem de fiscalizar rigorosamente as condições do trabalho; criar alternativas para o desengajamento cada vez maior dos trabalhadores, qualificando e recolocando; garantir trabalho digno; erradicar a superexploração; introduzir limites claros ao trabalho por produção; implantar o seguro desemprego para os “safristas”; proibir a mobilização de trabalhadores temporários de outras regiões; estimular salários compatíveis; fomentar a alimentação no local de trabalho; disciplinar a aquisição de terras por estrangeiros; coibir a invasão das áreas de produção de alimentos; cuidar da preservação ambiental. Enfim, zelar para que a eficiência e o baixo custo da produção empresarial sucroalcooleira não sejam

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 182: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

construídos em cima do descompromisso com o trabalho e com o meio-ambiente.Entretanto, em áreas como o Nordeste, a discussão do modelo produtivo é inadiável, com o fomento à introdução da agricultura familiar na cana. Entretanto, se essa introdução também não estiver respaldada em soluções cooperativadas de industrialização apenas mudará a forma de dependência e de exploração dos pequenos produtores. Evidentemente que sem descuidar da diversificação agrícola e industrial.A reforma agrária precisa ser de fato iniciada nas áreas canavieiras, com a aplicação da “função social plena” prevista na Constituição Federal, desapropriando terras e parques industriais de empresas devedoras de tributos e de contribuições como o INSS e FGTS.As universidades e os centros governamentais de pesquisa e tecnologia, como a Embrapa, precisam ser redirecionados para assumir o seu papel essencial na construção dessa verdadeira modernidade, sem se resignar à histórica tarefa de consultoria técnica e acadêmica às empresas e de suporte ao modelo secular predominante.

CONCLUSÃO O nosso País se industrializou e se urbanizou nos últimos 60 anos. Nesse período o campo e o mundo rural foram comumente associados ao atraso. Hoje essa modernidade urbana e industrial no Brasil e no Mundo foi forçada a enxergar no campo a solução para as mazelas ambientais que provocou no planeta. Então, as políticas públicas precisam ouvir e considerar os que vivem no campo e não apenas atender a essa demanda por agroenergia, que é um verdadeiro e indispensável pedido de socorro, mas que precisa gerar sustentabilidade, trabalho decente e cidadania para os trabalhadores rurais. Cuidando também para que o meio-ambiente seja preservado e que a segurança alimentar e a soberania sobre o território brasileiro não sejam vitimadas. E, sobretudo, gerando novos modelos produtivos de agroenergia, mais sustentáveis e distribuidores de renda.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 183: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

E esse debate ainda não começou com seriedade e consistência. Cabe um papel fundamental ao Governo Federal para articular o diálogo com as forças da sociedade sobre o modelo de produção dos agro-combustíveis e sobre a definição clara de seus limites, regulamentações e salvaguardas. Todavia o Governo está desatento a essa missão histórica e tem se resignado a fomentar o modelo atual e a aparelhar a sua expansão para atender ao mercado internacional. É muito pouco para o que o País e o seu povo precisam. Como exposto no início desse texto, é incontestável que a futura configuração e a expansão em curso do setor sucro-alcooleiro nordestino e brasileiro para atender à demanda do mercado internacional, tal como foi no passado, somente ocorrerá se financiada e respaldada pelos recursos da sociedade, pelas políticas públicas e pelos créditos de responsabilidade do Estado, especialmente do Governo Federal. Assim não é admissível que sejam repetidos os erros do passado. Novos modelos e novos parâmetros precisam ser debatidos, planejados e adotados para que a produção sucro-alcooleira não continue atentando contra os padrões civilizatórios minimamente aceitáveis.Metas sociais e ambientais para as empresas sucroalcooleiras, bem como uma regulamentação séria, que sejam parâmetros para orientar a concessão do crédito público e para as políticas públicas na atividade sucro-alcooleira. Esse é o passo definitivo para se construir uma verdadeira modernidade e uma real sustentabilidade, amplas e sistêmicas, que resultem de decisões da sociedade brasileira e não de imposições de cláusulas sociais e barreiras não-tarifárias pelos mercados internacionais. Não é possível que continuemos incapazes de fazer respeitar os direitos dos trabalhadores e de preservar o nosso meio-ambiente, como fomos em toda a história da evolução do setor sucro-alcooleiro no Nordeste e no Brasil. É inconcebível que esses resultados sócio-ambientais fiquem dependendo de pressões internacionais, através de barreiras não-tarifárias que em verdade terão a exclusiva finalidade de proteger a produção de agro-combustíveis de milho ou de colza em outros países.

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.

Page 184: CURSO DE FORMAÇÃO EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA ... de Textos III... · Web viewNo início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade,

11

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Enfim, não podemos nos conformar a assistir novamente uma farsa histórica se repetindo, como ocorreu quando a pressão inglesa no final do século 19 para atender aos seus interesses econômicos, e não por uma vontade nacional e soberana nossa, é que foi o elemento definidor na abolição da escravidão, até hoje mal resolvida no Brasil.

Texto elaborado por BRUNO RIBEIRO DE PAIVA

III Módulo Regional NordesteSão Luis (MA), 25 de março a 01 de abril de 2008.