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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM GEOLOGIA ZOLTAN ROMERO CAVALCANTE RODRIGUES APLICAÇÃO DE MODELOS ANALÍTICOS PARA OUTORGA E GESTÃO INTEGRADA DOS RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO GRANDE Salvador/BA 2013

CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM GEOLOGIA - RI … · Graduação em Geologia, área de concentração em ... general and for the granting of water in particular. These implications, we

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    CURSO DE PS-GRADUO EM GEOLOGIA

    ZOLTAN ROMERO CAVALCANTE RODRIGUES

    APLICAO DE MODELOS ANALTICOS PARA OUTORGA E GESTO INTEGRADA DOS RECURSOS

    HDRICOS NA BACIA DO RIO GRANDE

    Salvador/BA 2013

  • ZOLTAN ROMERO CAVALCANTE RODRIGUES

    APLICAO DE MODELOS ANALTICOS PARA OUTORGA E GESTO INTEGRADA DOS RECURSOS

    HDRICOS NA BACIA DO RIO GRANDE

    Dissertao de Mestrado apresentada Cmara de Ensino de Pesquisa e de Ps-Graduao, da Universidade Federal da Bahia, do Curso de Ps-Graduao em Geologia, rea de concentrao em Geologia Ambiental, Hidrogeologia e Recursos Hdricos, submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Cincias Geologia. Orientador: Prof. Dr. Luz Rogrio Bastos Leal

    Co-orientador: Prof. Dra. Iracema Reimo Silva

    Salvador/BA 2013

  • _______________________________________________________ R696 Rodrigues, Zoltan Romero Cavalcante Aplicao de modelos analticos para outorga e gesto integrada dos recursos

    hdricos na bacia do rio Grande Bahia / Zoltan Romero Cavalcante Rodrigues. - Salvador, 2013.

    98 f. : il.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Rogrio Bastos Leal. Co-Orientadora: Profa. Dra. Iracema Reimo Silva.

    Dissertao (Mestrado) Curso de Ps - Graduao em Geologia da Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geocincias, 2013.

    1. Hidrogeologia Modelos matemticos. 2. Recursos hdricos Desenvolvimento Aspectos ambientais. 3. guas subterrneas. 4. Poos. I. Leal, Luiz Rogrio. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geocincias. III. Ttulo.

    CDU: 556.18 (813.8)

    _______________________________________________________ Elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geocincias da UFBA.

  • ZOLTAN ROMERO CAVALCANTE RODRIGUES Gelogo (Universidade Federal da Bahia 1996)

    Aplicao de modelos analticos para outorga e gesto integrada dos recursos hdricos na bacia do rio Grande

    Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de mestre na Ps-Graduao, em Geologia da Universidade Federal da Bahia, na rea de Concentrao em Geologia Ambiental, Hidrogeologia e Recursos Hdricos.

    APROVADA EM:22/04/2013

    BANCA EXAMINADORA:

  • i

    Este trabalho dedicado a Lenicleide,

    Sophia e Arthur.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo inicialmente a Deus que me deu foras para superar as dificuldades no decorrer

    dessa jornada de aprendizado.

    A Lenicleide, Sophia e Arthur pelo apoio e presena constante.

    Aos professores Doutores Luiz Rogrio Bastos Leal e Iracema Reimo, pelas orientaes,

    discusses e sugestes que tanto contriburam para aperfeioar este trabalho.

    Agradecimentos especiais para Paulo Henrique Prates Maia pelo grande incentivo na

    execuo dos trabalhos e, principalmente na leitura e reviso dos textos.

    Aos colegas Ferraro e Kitty Tavares que me incentivaram e apoiaram em momentos crticos.

    Ao corpo docente da UFBA que contribuiu para ampliar nosso conhecimentosobre o tema e

    ofereceu condies para realizar a pesquisa.

    E por fim Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hdricos da Bahia SEMA, que facilitou

    a participao do tcnico quando se fez necessrio.

  • iii

    Nada pode deter uma idia cujo tempo chegou."

    Victor Hugo

  • iv

    RESUMO

    Este trabalho abordou a conectividade entre guas subterrneas e superficiais, na rea de influncia do Sistema Aqufero Urucuia, bacia do rio Grande, sub-bacias do rio de Janeiro e das Fmeas, na regio oeste da Bahia, bem como a aplicao de modelos analticos para avaliar o impacto que o bombeamento a partir de poos tubulares profundos tem sobre os rios.

    Ao considerar que os rios da regio so mantidos perenes pelo aqufero, foram estimados os impactos potenciais da extrao de guas subterrneas sobre os mananciais superficiais, com base nos diversos estudos realizados na regio.

    A motivao para este estudo decorreu de que as relaes entre aquferos e rios continuam a ser mal entendidas, na gesto de recursos hdricos de praticamente todas as bacias hidrogrficas do mundo e, ainda assim, so fundamentais para a efetiva gesto dos recursos hdricos. De fato, a extrao de guas de aquferos, com conexes hidrulicas com os rios, pode reduzir significativamente as vazes do escoamento superficial, com implicaes para as polticas de gesto de recursos hdricos em geral e para a outorga de gua em particular. Destas implicaes, destacamos o risco potencial de conflitos entre os diversos usurios de recursos hdricos, possveis problemas para o ecossistema, para a segurana social e econmica, alm de atritos entre as diversas polticas pblicas.

    Este trabalho demonstrou que para atender aos pressupostos de uma gesto integrada dos recursos hdricos, um modelo analtico pode perfeitamente atender aos problemas envolvidos, dando respostas rpidas e eficazes. Isto permite aperfeioar as metodologias para outorga de guas superficiais e subterrneas, para quantificar os impactos do bombeamento dos poos na vazo dos rios e possibilitar aos gestores dos recursos hdricos, a avaliao das opes de alocao de gua desses mananciais.

    Apesar da modelagem que utiliza mtodos analticos apresentar algumas limitaes, incluindo os decorrentes da falta de informao sobre a recarga, esta oferece muitas vantagens adicionais, incluindo a melhor compreenso dos problemas envolvidos na gesto entre usurios, gestores e sociedade civil. Possibilita avaliar os impactos da extrao de gua subterrnea sobre os mananciais superficiais e cria condies para estabelecer uma estratgia de gesto preventiva, conservacionista, para minimizar as possibilidades de conflitos futuros ou mesmo de danos ambientais.

    Em particular, esta abordagem estratgica possibilita a avaliao integrada das opes de outorga de gua em que, aspectos hidrolgicos, ecolgicos e socioeconmicos podem ser combinados. Alm disso, os dados podem ser trabalhados em resposta s exigncias da poltica de recursos hdricos em paralelo s demandas de outras polticas publicas.

    Por fim os resultados da pesquisa apontam para uma forma sustentvel de gerenciar os impactos da extrao de gua subterrnea em regies onde os mananciais superficiais e subterrneos, encontram-se conectados.

  • v

    ABSTRACT

    This work addressed the connectivity between groundwater and surface water in the area of influence of the Aquifer System Urucuia, Grande River basin, sub-basin of Rio de Janeiro and females, in western Bahia, and the application of analytical models to assess the impact that pumping from deep wells has on the rivers.

    When considering that the rivers of the region are maintained by perennial aquifer were estimated potential impacts of groundwater extraction on surface water sources, based on several studies in the region.

    The motivation for this study was held that the relationship between aquifers and rivers remain poorly understood, in the management of water resources in almost all river basins in the world and yet are fundamental to the effective management of water resources. In fact, the extraction of water from aquifers with hydraulic connections with the rivers can significantly reduce the flow of runoff, with implications for the policies of water resources management in general and for the granting of water in particular. These implications, we highlight the potential for conflicts between different water users, potential problems for the ecosystem, for social and economic security, as well as friction between the various public policies.

    This study showed that to meet the assumptions of an integrated management of water resources, an analytical model can perfectly meet the problems involved, giving rapid and effective responses. This allows enhancing methodologies for grant of surface and groundwater, to quantify the impacts of well pumping on river flows and enable managers of water resources, assessment of water allocation options in these watersheds.

    Although modeling using analytical methods present some limitations, including those arising from lack of information on recharging, this offers many additional advantages, including better understanding of the problems involved in the management between users, managers and civil society. Possible to evaluate the impacts of groundwater extraction on surface water sources and creates conditions to establish a strategy for managing preventive conservation to minimize the chances of future conflicts or environmental damage.

    In particular, this strategic approach enables integrated assessment of options granted in that water, hydrologic, ecological and socioeconomic factors may be combined. In addition, data can be worked out in response to the demands of resource policy in parallel to the demands of other public policies.

    Finally the results of the research point to a sustainable way of managing the impacts of groundwater extraction in regions where surface and underground springs, are connected.

  • vi

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 2.1 Localizao da rea da pesquisa, na bacia do rio Grande 6

    Figura 3.1 Rio Influente (Adaptado de Winter, 1998) 9

    Figura 3.2 Rio Efluente (Adaptado de Winter, 1998) 9

    Figura 3.3 Em um sistema natural a recarga do aqufero aproximadamente igual descarga para os rios (Adaptado de Winter,1988)

    10

    Figura 3.4 Reduo da descarga natural (vazo de base dos rios), resultante do bombeamento de gua subterrnea (Adaptado de Winter,1988)

    11

    Figura 3.5 Bombeamento de gua Subterrnea Induzindo a Recarga do Aqufero em Detrimento da Vazo dos Rios (Recarga Induzida), (Adaptado de Winter,1988)

    12

    Figura 3.6 Modelo Conceitual do Sistema Aqufero Urucuia, com as Duas Unidades Aquferas Sobrepostas (Adaptado de Rodrigues et al, 2009) 14

    Figura 3.7 Comportamento do aqufero ao longo de um ano de monitoramento em um piezmetro de 80 metros de profundidade, com filtros apenas no aqufero Serra das Araras, com as subidas de nvel resultantes das chuvas

    15

    Figura 3.8 Comportamento do aqufero de dezembro de 2005 a novembro de 2006 em um piezmetro de 200 metros de profundidade, com filtros apenas no Aqufero Posse, com as subidas de nvel resultantes das chuvas

    16

    Figura 3.9 Percentual de reduo da vazo do rio com retirada de gua subterrnea na bacia do rio Grande. Condies simuladas no modelo MGB-IPH para um bombeamento de 108 m/s (Adaptado de Corbo et al, 2005)

    17

    Figura 5.1 Exemplo de Modelo Fsico Adaptado de http:/www.wvca.us/ education/groundwater model

    25

    Figura 5.2 Correlao entre os valores monitorados e os modelos de Theis e Hunt, (Adaptado de Garey, 2009)

    32

    Figura 5.3 Representao esquemtica do Modelo de Theis, (Adaptado de Winter, 1995) 33

    Figura 5.4 Representao Esquemtica do Modelo de Hantush, Adaptado de Winter (1995) 36

    Figura 5.5 Representao Esquemtica dos Modelos de Hantush (1965) e Hunt (1999) 39

    Figura 5.6 Modelo esquemtico de Hunt (2003a), com duas unidades aquferas sobrepostas, conectadas drenagem superficial

    40

    Figura 5.7 Grfico geral do raio de influncia de um poo em bombeamento versus tempo 50

  • vii

    para distintos coeficientes de armazenamento

    Figura 5.8 rea de Modelagem na Fazenda Campo Aberto e seus poos produtores 45

    Figura 5.9 Representao esquemtica do modelo rio-aqufero-poo adaptado de Schuster et al. 2010

    48

    Figura 6.1 Exemplo das Macros Utilizadas no Visual Basic for Applications 52

    Figura 6.2 Insero dos Dados da Planilha Para Clculo da Interferncia Poo/Rio 53

    Figura 6.3 Resposta Grfica da Planilha no Clculo da Interferncia Poo/Rio (Depleo x Tempo)

    53

  • viii

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 3.1 Parmetros hidrodinmicos ajustados dos aquferos Serra das Araras e Posse. 14

    Quadro 4.1 Vazes mximas outorgveis. 21

    Quadro 6.1 Depleo gerada em um rio por um poo de bombeamento, operando 24 h/dia e 365 dias/ano.

    55

    Quadro 6.2 Depleo gerada em um rio por um poo de bombeamento, operando 18 h/dia e 365 dias/ano pelo mtodo de Glover.

    56

    Quadro 6.3 Depleo gerada em um rio por um poo de bombeamento, operando 18 h/dia e 180 dias/ano pelo mtodo de Glover.

    56

    Quadro 6.4 Depleo gerada em um rio por um poo de bombeamento a partir do mtodo de Hunt (2003), operando nos regimes de: 24 h/dia e 365 dias/ano; 18h/dia e 365 dias/ano e; 18h/dia e 180 dias/ano.

    58

    Quadro 7.1 Volumes Outorgados Pelo ING At Junho de 2010 no Aqufero Urucuia. 61

    Quadro 7.2 Cenrios de Explorao do Aqufero com o Modelo de Theis. 61

    Quadro 7.3 Cenrios de Explorao do Aqufero com o Modelo de Hunt (1999). 62

  • ix

    SUMRIO

    DEDICATRIA i

    AGRADECIMENTOS ii

    EPGRAFE iii

    RESUMO iv

    ABSTRACT v

    NDICE DE FIGURAS vi

    NDICE DE QUADROS viii

    SUMRIO ix

    1 INTRODUO 1

    1.1 OBJETIVOS 2

    1.2 JUSTIFICATIVAS 3

    2 REA DE ESTUDO 5

    2.1 LOCALIZAO E CARACTERIZAO FISIOGRFICA 5

    2.2 ARCABOUO GEOLGICO 7

    2.3 SISTEMA AQUFERO URUCUIA 7

    3 INTERAO ENTRE GUAS SUPERFICIAIS E SUBTERRNEAS E CARACTERSTICAS HIDRODINMICAS DO AQUFERO NA REA DE ESTUDO

    9

    3.1 IMPACTOS DA INTERFERNCIA DE POOS NOS RIOS 10

    3.2 INTERFERNCIA ENTRE OS RIOS E O AQUFERO NA BACIA DOS RIOS DE JANEIRO E DAS FMEAS

    13

    4 OUTORGA DE GUA 18

    4.1 ASPECTOS LEGAIS 19

    4.2 USOS SUJEITOS A OUTORGA 19

    4.3 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA DE RECURSOS HDRICOS 20

    4.4 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA INTEGRADA DE RECURSOS

    HDRICOS EXPERINCIA INTERNACIONAL 22

    4.5 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA INTEGRADA DE RECURSOS

    HDRICOS NA BAHIA AQUFERO URUCUIA 22

  • x

    5 QUANTIFICAO DA INTERFERNCIA POO/RIO MODELAGEM 24

    5.1 MODELOS CONCEITUAIS 24

    5.2 MODELOS FSICOS 25

    5.3 MODELOS MATEMTICOS 26

    5.4 HISTRICO DOS MODELOS ANALTICOS E SUAS APLICAES 28

    5.5 MODELAGENS NUMRICAS REALIZADAS NA REA ESTUDADA 42

    6 APLICAO DOS MODELOS ANALTICOS PARA A REA ESTUDADA 50

    6.1 ESCOLHA DO MODELO

    6.2 UTILIZAO DOS MODELOS ANALTICOS EM PLANILHAS ELETRNICAS 51

    6.3 DADOS PARA APLICAO DOS MODELOS ANALTICOS 54

    6.4 UTILIZAO E RESULTADO DOS MODELOS ANALTICOS 54

    6.5 DISCUSSES 58

    7 APLICAO DE MODELOS ANALTICOS NO AQUFERO URUCUIA PARA UMA REVISO TERICA

    60

    7.1 IMPACTOS DAS TAXAS HISTRICAS E FUTURAS DE EXTRAO DE GUA SUBTERRNEA

    60

    8 CONCLUSES E RECOMENDAES 64

    8.1 RECOMENDAES PARA A GESTO DE INTEGRADA DE RECURSOS HDRICOS SUPERFICIAIS E SUBTERRNEOS

    64

    8.2 RECOMENDAO PARA REDEFINAO DE TERMOS TCNICOS 66

    8.3 CONSIDERAES FINAIS 67

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 69

    ANEXOS

  • 1

    1 INTRODUO

    A conectividade entre as guas dos mananciais superficiais e subterrneos so conhecidas desde o sculo XIX. Em 1877 Boussinesq, publicou o primeiro trabalho sobre o tema (DEWANDEL et al. 2003). Entretanto, at a segunda dcada do sculo XXI, os atores envolvidos com a gesto dos recursos hdricos no conduziram este conhecimento para a realidade prtica, salvo algumas raras excees (ABAS, 2011).

    Hidrlogos e hidrogelogos sabem que as guas superficiais e subterrneas so normalmente interligadas e seus recursos so intercambiveis. No entanto, para a maioria dos envolvidos a nvel tcnico, este entendimento no foi traduzido em uma realidade prtica.

    No Brasil, a maior parte dos estudos hidrolgicos e hidrogeolgicos, planos de bacia e de recursos hdricos e as diversas aes de gesto dos recursos hdricos, ainda tratam os aquferos e rios como entidades separadas e independentes, emborauma parteda legislao considerea mesma, essencial gesto dos recursos hdricos (CNRH, 2001). Grande parte dos estudos e pesquisas cientficas voltadas para a hidrologia, hidrogeologia, planos de bacia, planos diretores e outros trabalhos, tratam os aquferos e os rios, como entidades separadas e independentes.

    Do ponto de vista da gesto no diferente, os sistemas aquferos e rios so muitas vezes interpretados e geridos como se cada um deles fosse um componente independente do ciclo hidrolgico, ainda que estes sistemas comumente interajam com ampla gama de configuraes geolgicas, topogrficas e climticas (SOPHOCLEOUS, 2002).

    A gesto separada de ambos os recursos pode induzir a uma superestimao das disponibilidades hdricas das bacias, pois se a gua subterrnea, que mantm o fluxo de base dos rios, em alguns casos, considerada mais de uma vez, o que pode levar duplicao das disponibilidades. Esta contabilidade superavitria reduz a segurana das reservas para os usurios de gua, bem como reduz o fluxo superficial e em casos extremos, pode at mesmo, secar os rios.

    A explorao sustentada dos recursos hdricos superficiais e subterrneos requer a avaliao, em termos volumtricos, do impacto da explorao de gua subterrnea sobre as disponibilidades hdricas superficiais, abatendo estes valores nos clculos dos volumes ainda disponveis, previamente concesso de novas outorgas para utilizao de gua superficial e subterrnea.

    Uma soluo indicada para este problema a utilizao de modelos analticos que possibilitem uma gesto integrada com os ainda incipientes conhecimentos disponveis sobre os aquferos no Brasil em geral e no Estado da Bahia, em particular.

    Modelos analticos nada mais so do que equaes matemticas, ratificadas por pesquisadores, profissionais e cientistas da rea onde so aplicados. No caso especfico da hidrogeologia, estas equaes visam quantificar o fluxo das guas subterrneas e suas relaes com os mananciais superficiais. So instrumentos prticos para determinao dos volumes de gua que podem ser alocados por meio de poos tubulares dos mananciais superficiais prximos, demandando

  • 2

    relativamente poucas informaes sobre a regio. Estes modelos produzem resultados satisfatrios a custos relativamente baixos,com a vantagem adicional de possibilitar uma grande flexibilidade no tipo de gesto requerida, mais restritiva ou menos restritiva. (JENKINS, 1970).

    Dada a sua simplicidade, os modelos podem ser aplicados por meio de planilhas eletrnicas como o EXCEL (Microsoft), CALC (LibreOffice) ou com aplicativos que rodam em um banco de dados, inclusive via web, conforme ser demonstrado neste trabalho.

    A pesquisa pretende demonstrar a praticidade de uso de alguns modelos analticos, para a gesto integrada de recursos hdricos, em comparao com o MODFLOW, modelo padro da modelagem internacional. A avaliao das relaes entre as guas superficiais e subterrneas realizada nas bacias dos rios de Janeiro, do Cachorro e das Fmeas, considerando seus rebatimentos na gesto desses mananciais. Sero estabelecidos os modelos analticos mais adequados realidade local e as melhorias nos clculos de disponibilidade e no balano, que ir proporcionar uma gesto integrada, de fato, das guas superficiais e subterrneas.

    1.1 OBJETIVOS

    1.1.1 Objetivo Geral

    O principal objetivo desta dissertao pesquisar um modelo analtico simples para quantificar os volumes retirados dos rios por poos, em virtude da conectividade hidrulica entre as guas superficiais e subterrneas, com a finalidade de gerenciar as guas de forma integrada, evitando conflitos e maximizando o potencial para o desenvolvimento sustentvel da regio.

    1.1.2 Objetivos Especficos

    Os objetivos especficos que compem esta pesquisa so os seguintes:

    1) Revisar os procedimentos atuais de gesto de recursos hdricos, baseado quase exclusivamente na vazo de referncia dos rios, praticamente ignorando suas conexes com os aquferos;

    2) Descrever os modelos analticos para subsidiar a outorga de gua superficial e subterrnea, com base nos estudos geolgicos, hidrolgicos e hidrogeolgicos e comparar os resultados obtidos na aplicao do modelo MODFLOW;

    3) Estabelecer critrios para a outorga das guas subterrneas com base nos modelos analticos, na bacia do rio Grande, sub-bacias dos rios das Fmeas e de Janeiro no Oeste baiano;

    4) Apresentar planilhas capazes de realizar os clculos necessrios para aplicao prtica dos modelos selecionados.

  • 3

    1.2 JUSTIFICATIVAS

    A interao entre guas superficiais e subterrneas ainda no se tornou uma realidade na gesto dos recursos hdricos, muito menos para os responsveis pelo planejamento pblico ou para os investidores privados. De fato, existe uma compartimentao dos estudos e pesquisas, na qual os hidrlogos s estudam e avaliam as guas superficiais e, os hidrogelogos, somente as guas subterrneas. Dificilmente os estudos so integrados como so os mananciais superficiais e subterrneos.

    Entretanto, estudos e pesquisas realizados desde o final do sculo XIX reconhecem as interaes entre guas superficiais e subterrneas. Isto vlido primeiramente para pesquisas realizadas por hidrlogos, estudando recursos hdricos superficiais (BOUSSINESQ, 1877 e MAILLET, 1905 apud DEWANDEL et al. 2002), referindo-se influncia dos aquferos como responsveis pelo escoamento de base.

    Alm disso, hidrogelogos, j na primeira metade do sculo XX, tambm demonstraram que os mananciais subterrneos, alm de contriburem para o fluxo de base dos rios, tambm poderiam ser recarregados pelos mesmos. Estes estudos resultaram nos primeiros modelos analticos para o clculo do impacto da extrao de gua subterrnea na vazo dos rios (THEIS, 1941 e BOULTON, 1942).

    Contudo, na maioria dos casos, os envolvidos na parte tcnica, terica e prtica, bem como os de nvel administrativo, no costumam levar este entendimento a uma realidade prtica, apesar desta ser uma rea do conhecimento em constante evoluo h mais de 100 anos.

    Esta pesquisa aborda o tema de conectividade das guas superficiais e subterrneas e seus rebatimentos para a gesto dos recursos hdricos na regio oeste do Estado da Bahia, rea de ocorrncia do Grupo Urucuia, utilizando modelos analticos.

    importante citar que os mananciais superficiais, como rios, lagos, audes e reas midas, possuem diferentes graus de conexo com os aquferos (WINTER, 1999). Nestas condies a utilizao ou a alterao da qualidade de um destes mananciais pode ter impacto, direto ou indireto sobre o outro.

    Os estudos realizados por diversas instituies de pesquisa costumam em virtude das diferentes escalas temporais envolvidas, dos objetivos e recursos restritos, alm de competncias jurdicas e institucionais distintas, tratar em separado estes mananciais. As consequncias da gesto separada destes mananciais esto se tornando cada vez mais evidentes, principalmente em funo dos impactos negativos da extrao das guas subterrneas sobre os mananciais superficiais, gerando prejuzos econmicos para os usurios e graves conflitos. Vrios casos deste tipo j esto documentados na literatura cientfica (SOPHOCLEOUS, 2000; SOPHOCLEOUS & PERKINS, 2000; CHEN et al. 2003).

    Em tempos de abundncia de gua, para atender pequenas demandas dos usurios, esta prtica no implica em problemas graves de gesto.Porm, nas ltimas dcadas,a presso econmica

  • 4

    aumentou significativamente as demandas na regio Oeste da Bahia e alguns rios j apresentam com 100% de sua disponibilidade hdrica,outorgvel, comprometida. Um exemplo a bacia do rio das Fmeas, onde nenhuma nova outorga de gua superficial pode ser concedida, a menos que uma existente seja cancelada.

    Como novas demandas esto sempre chegando ao rgo gestor, pois todas as atividades humanas demandam gua, as novas outorgas s podero ser concedidas para poos tubulares. Nestas condies, um modelo para o clculo das interferncias com foco na gesto integrada dos mananciais torna-se essencial.

    Vale ressaltar que no Oeste baiano, vrios estudos (SCHUSTER et al. 2002; BAHIA, 2003; CPRM & UFBA, 2008; SCHUSTER et al. 2010; entre outros) j comprovaram a conexo direta entre as guas superficiais e subterrneas, indicando que a vazo dos rios na regio mantida por exsudaes do aqufero. Esta situao poder resultar, futuramente, em srios problemas para a gesto de ambiental, de recursos hdricos e para a economia local.

    Estes riscos tendem a aumentar, pois as presses de demandas sobre os rios e guas subterrneas so crescentes, em virtude da ampliao contnua das reas irrigadas no Oeste baiano e as perspectivas so que estas demandas aumentarem muito aps a implantao da ferrovia Leste-Oeste e do Porto Sul, que iro melhorar a logstica para o agronegcio de forma bastante significativa.

    A bacia hidrogrfica do rio Grande, especificamente nas sub-bacias dos rios das Fmeas e do rio de Janeiro, foi escolhida como rea piloto para esta dissertao por vrias razes. Em primeiro lugar a rea tem vrios estudos prvios, particularmente com modelagem numrica, que permite uma confrontao dos resultados com aqueles obtidos na aplicao dos modelos analticos. Alm disso, trata-se de rea onde muitos mananciais superficiais foram outorgados at o limite mximo legal e os novos empreendimentos esto se voltando para as guas subterrneas, com a implantao de baterias de poos que em alguns casos, retiram mais de 50.000 m/dia, a exemplo da Faz. Campo Aberto, com oito poos de produo, com vazo de 500 m/h, cada um. Por ltimo, os estudos existentes na regio indicam forte conexo entre os rios e o aqufero.

    Algumas das questes que devem ser respondidas no contexto desta dissertao:

    Qual o impacto volumtrico da extrao de gua subterrnea na vazo dos rios?

    Como se d este impacto?

    Existe risco de conflito entre usurios de gua superficial e subterrnea?

    Como os modelos de gesto de gua atualmente utilizados podem ser melhorados?

  • 5

    2 REA DE ESTUDO

    2.1 LOCALIZAO E CARACTERIZAO FISIOGRFICA

    A bacia do rio Grande, especificamente na rea de suas sub-bacias das Fmeas, Cachorros e Janeiro, foi escolhida para a pesquisa por possuir mais estudos e pesquisas sobre o aqufero Urucuia. A rea est localizada entre os paralelos 11 52 14 S e 12 45 25 S e os meridianos 44 53 36 W e 46 29 12 W, no extremo oeste da Bahia (Figura 2.1).

    A bacia do rio Grande situa-se no Chapado dos Gerais, que ocupa uma rea de aproximadamente 70.000 km2 no Estado da Bahia. Este chapado caracterizado por relevos planos suavemente inclinados para leste, com altitudes variando entre 500 e 900 m, com os trechos mais elevados situados na sua borda ocidental. Nesse extenso altiplano esto localizados os principais divisores de guas superficiais e subterrneas, entre as bacias dos rios So Francisco e Tocantins.

    A vegetao dominante a de campos cerrados, caracterizada por rvores de pequeno porte isoladas ou esparsamente agrupadas sobre um tapete quase contnuo de gramneas e arbustos lenhosos, cuja presena est ligada aos solos ali encontrados, predominantemente Latossolos (BRASIL, 1982).

    O regime de precipitao compreende a faixa das isoietas entre 1.400 e 900 mm, de oeste para leste. A climatologia registra que a chuva nesta regio tem incio na segunda quinzena de outubro e prolonga-se at maro. Neste perodo ocorrem 94% das chuvas anuais, com os demais meses do ano, bastante secos. (BRASIL, 1982).

    A rede de drenagem representada por rios e riachos, fortemente alimentados por exsudaes de guas subterrneas, que os mantm perenes na estao seca. Estes rios apresentam um padro dominantemente paralelo, estruturalmente controlado, geralmente orientado de WSW para ENE (SILVA et al. 2001).

    Neste extenso chapado desenvolve-se um processo acelerado de agricultura mecanizada, principalmente, de soja, caf, feijo, milho, algodo e culturas irrigadas, alm de uma extensiva atividade pecuria. Isto tem levado a uma intensa explorao de gua que tanto captada diretamente nos cursos dos rios, quanto extrada do aqufero via poos tubulares profundos.

  • 6

    Figura 2.1 Localizao da rea da pesquisa, bacia do rio Grande. Adaptado de

    Nascimento (2009)

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    2.2 ARCABOUO GEOLGICO

    O termo Urucuia foi atribudo a Euzbio de Oliveira apud OLIVEIRA & LEONARDOS (1943), para designar os arenitos que formam o Chapado do Urucuia, no noroeste de Minas Gerais. A mesa redonda sobre o Cretceo de Minas Gerais, no XXV Congresso Brasileiro de Geologia em 1971, conservou esta designao com hierarquia de Formao. A unidade foi caracterizada como Grupo Urucuia, por CAMPOS & DARDENNE (1997) e ser assim considerada neste trabalho.

    Compe-se de arenitos quartzosos de cores variadas, predominando castanho-avermelhado, rseo e amarelo-esbranquiado, com granulometria fina a mdia. Estes arenitos so friveis e limpos, por vezes com matriz argilosa e, localmente, cimentados com materiais silicoso e carbontico. Contm intercalaes de siltitos, camadas muito argilosas e nveis conglomerticos. Frequentemente registra-se, em diferentes profundidades, a presena de zonas silicificadas (BRASIL, 1982; GHIGNONE, 1979), que interpretada como um ambiente fluvial com contribuio elica, (LIMA & LEITE, 1978; FERNANDES et al. 1982).

    De acordo com Inda & Barbosa (1978), os sedimentos Urucuia posicionam-se no Aptiano, com base na flora fssil e nos polinomorfos Cicatricossisporitos hallei, Schizea certa e Matonisporitos spp. Segundo Ghignone (1979), esses sedimentos tm idade aptiano-Albiana e constituem parte de uma extensa cobertura plataformal, representando a repercusso, no interior do continente, da transgresso albo-aptiana que se seguiu separao dos continentes Sul-Americano e Africano. Ainda segundo este autor, essa transgresso, de carter mundial, teria provocado o aluvionamento para montante da rede fluvial do interior, em consequncia da elevao do nvel de base geral.

    Estes arenitos se sobrepem, em discordncia erosional, sequncia pelito-carbontica do Grupo Bambu, composta por calcrios, calcrios-dolomticos, dolomitos, margas, siltitos, argilitos, arcseos e os termos intermedirios dessas litologias ou, eventualmente, sobre rochas cristalinas do embasamento gnissico-migmattico de idade Arqueana e/ou ProterozicoInferior (BARBOSA, 1982).

    Grandes ruturas impostas ao substrato do Urucuia (alinhadas preferencialmente segundo N60-70E), controlaram a evoluo estrutural desta formao aps o Cretceo, com movimentos de reativao ao longo dessas zonas de fraqueza, resultando em conjuntos de falhas e fraturas subverticais. Algumas dessas falhas e, as redes de fraturamento associadas, constituem lineamentos facilmente identificveis nas fotografias areas da regio. Geomorfologicamente, algumas paredes subverticais silicificadas, constituem feies lineares, alinhadas com as principais direes de fraturamento (MOUTINHO DA COSTA et al. 1976).

    2.3 SISTEMA AQUFERO URUCUIA

    O Sistema Aqufero Urucuia foi assim nomeado por Gaspar (2006), sendo constitudo por um conjunto de aquferos que ocorrem no domnio geolgico do Grupo Urucuia, que recobre toda a rea em estudo. Esta unidade aparentemente homognea composta pelas Formaes Posse, na base e

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    Serra das Araras, no topo (CAMPOS & DARDENNE, 1997; SGARBI et al. 2001). A Formao Posse essencialmente composta por arenitos depositados por processos elicos, enquanto que a Formao Serra das Araras inclui arenitos, conglomerados e pelitos de ambientes fluviais entrelaados que apresentam vrios nveis silicificados e bastante fraturados (CAMPOS & DARDENNE, 1997).

    O aqufero Urucuia um reservatrio de gua importantssimo para os estados da Bahia e Tocantins, pois mantm o fluxo de base da extensa rede de drenagem da regio e responsvel por mais de 50% da vazo do rio So Francisco nos perodos de estiagem (BAHIA, 2003).

    Apesar de ser uma enorme reserva hdrica, que permite a extrao de gua em grandes volumes, o Estado poder ter problemas no futuro se o bombeamento dos poos impactar significativamente na vazo de base dos rios da regio, cujos volumes, j esto outorgados.

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    3 INTERAO ENTRE GUAS SUPERFICIAIS E SUBTERRNEAS E CARACTERSTICAS HIDRODINMICAS DO AQUFERO NA REA DE ESTUDO

    As conexes entre os sistemas aquferos e os mananciais superficiais so pouco relatadas na maioria das bacias hidrogrficas do mundo, indicativo, de que apesar de sua importncia, um tema em desenvolvimento. Para que se possa compreender sua real importncia preciso conhecer os princpios bsicos que comandam essa interao.

    Rios em geral interagem com as guas subterrneas de trs formas bsicas: rios influentes, que fornecem gua para o aqufero (Figura 3.1); rios efluentes, que recebem gua do aqufero (Figura 3.2) e; uma combinao dos dois, quando parte do mesmo influente e outra efluente (WINTER, 1998). Exemplo deste ltimo caso o rio dos Cachorros na bacia do rio de Janeiro. Este rio se mostra perene nos trechos em que recebe contribuio do aqufero e intermitente, onde no.

    Figura 3.1 Rio Influente (Adaptado de Winter, 1998)

    Figura 3.2 Rio Efluente (Adaptado de Winter, 1998)

  • 10

    Para que um rio seja efluente, a carga hidrulica das guas subterrneas nas proximidades deve ser superior do rio. No rio influente, ao contrrio, a carga hidrulica do mesmo, maior do que a do aqufero subjacente. Em ambos os casos, deve existir um substrato permevel que permita a circulao de gua entre os dois sistemas, que pode ser contnuo ou no.

    Em casos onde a gua do rio est acima do nvel fretico e a gua infiltra para o aqufero por gravidade, o fluxo entre os dois sistemas no ser uma funo direta embora, o armazenamento da zona no saturada, possa manter algum grau de conectividade (BOUWER & MADDOCK, 1997).

    De fato, as guas subterrneas e superficiais interagem em uma grande variedade de escalas e ambientes. Apesar da viso comum de que a interferncia entre guas superficiais e subterrneas limita-se basicamente conexo entre um rio e o aqufero aluvial onde o mesmo est encaixado, atualmente se sabe que a gua subterrnea e a superficial interagem em uma vasta gama de ambientes. Estas interaes tambm ocorrem nas mais diversas escalas locais e regionais e os mananciais superficiais alm dos rios incluem lagos, reas midas e regies costeiras, incluindo ilhas ocenicas.

    Muitos trabalhos foram elaborados para explicar os mais variados casos, a exemplo de Bencala et al. (1993) e Harvey & Bencala (1993), para interferncias em terrenos montanhosos; Kling (1986) e Phillips & Shedlock (1993) apresentaram solues para a interferncia das guas subterrneas com o mar em reas costeiras; Winter (1983) determinou as interferncias resultantes em lagos e reas midas; enquanto para terrenos crsticos podemos citar o trabalho de Patton & Klein (1989).

    3.1 IMPACTOS DA INTERFERNCIA DE POOS NOS RIOS

    Sob condies naturais (pr-desenvolvimento), como as que existem antes do incio da explorao de guas subterrneas em uma regio ou, quando a mesma incipiente e os sistemas aquferos ali existentes esto em um estado de equilbrio dinmico, a recarga do aqufero aproximadamente igual sua descarga (HEATH, 1987; SOPHOCLEOUS, 2002; WINTER, 1998), como mostrado na figura 3.3.

    Figura 3.3 Em um sistema natural a recarga do aqufero aproximadamente igual

    descarga para os rios (Adaptado de Winter, 1998)

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    Com o incio de uma explorao significativa na regio, com a implantao de vrios poos de grande vazo, ocorre uma reduo da gua armazenada no aqufero e um novo estado de equilbrio dinmico alcanado, com a formao de um cone de depleo ao redor dos poos de bombeamento. Entretanto, este novo estado de equilbrio dinmico, somente alcanado por um aumento da recarga (recarga induzida), por uma reduo da descarga, ou por uma combinao de ambos os fatores (SOPHOCLEOUS, 2002).

    Em praticamente todos os casos o que ocorre, : primeiro a reduo da descarga natural do aqufero. Nesse caso, o volume de gua removido do aqufero pelo bombeamento no estar mais disponvel para alimentar o escoamento de base dos rios, visto que este volume de gua, j foi interceptado pelos poos. Este fenmeno pode ser visualizado na figura 3.4.

    Figura 3.4 Reduo da descarga natural (vazo de base dos rios), resultante do

    bombeamento de gua subterrnea (Adaptado de Winter, 1998)

    Se o poo de bombeamento estiver localizado nas proximidades de um rio ou quando este bombeado por um longo perodo tempo, observando que quando a vazo bombeada alta o suficiente, o tempo de bombeio pode ser relativamente curto, o cone de depleo gerado pelo poo ir se expandir at o rio e induzir o fluxo da gua do rio para o aqufero. Esta situao pode resultar na inverso do gradiente do fluxo de gua, transformando um rio efluente em influente. Neste caso est ocorrendo o segundo problema associado interferncia entre poos e rios, que a recarga induzida do aqufero (Figura 3.5). Desta forma, no apenas o fluxo de base dos rios reduzido, mas o escoamento superficial natural comprometido ao recarregar o aqufero durante o bombeamento do poo.

    Os processos de reduo da descarga e de recarga induzida reduzem volumetricamente o escoamento superficial em um sistema integrado de guas superficiais e subterrneas.

    A conexo hidrulica entre guas superficiais e subterrneas tem como consequncia a reduo das vazes dos rios pelo bombeamento de gua subterrnea. Assim, se as outorgas de gua subterrnea no considerarem os impactos sobre os mananciais superficiais, uma parte da gua disponvel nos rios ser disponibilizada duas vezes, uma para o usurio de gua superficial e outra para o usurio de gua subterrnea. Esta situao resulta em uma dupla contabilizao do mesmo

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    volume de gua. Assim sendo, outro problema resultante de no se considerar os recursos hdricos interconectados como um nico recurso a disponibilidade dobrada.

    Figura 3.5 Bombeamento de gua Subterrnea Induzindo a Recarga do Aqufero em

    Detrimento da Vazo dos Rios (Recarga Induzida), (Adaptado de Winter, 1988).

    A disponibilidade dobrada impacta negativamente na segurana dos processos de outorga e de gesto de recursos hdricos, podendo resultar em conflitos entre usurios, prejuzos econmicos e danos ambientais que poderiam ser evitados. Essas condies so particularmente graves em bacias cujos limites disponveis para os usurios superficiais j tenham sido outorgados.

    Um aspecto que os gestores de recursos hdricos pouco discutem e que por vezes leva os usurios e a sociedade a ignorar o problema da interao rio/aqufero, que pode existir uma defasagem temporal, entre o incio do bombeamento dos poos e seu impacto sobre os rios da bacia. Uma ampla gama de defasagens de tempo tem sido relatada, para que os efeitos da explotao de guas subterrneas, como um resultado de recarga induzida e da reduo da descarga, produzam um impacto sobre a vazo dos rios, de poucos minutos at centenas de anos, dependendo de caractersticas especficas da bacia hidrogrfica e dos sistemas aquferos associados.

    Os fatores mais comuns que influenciam este intervalo temporal so: o grau de conexo entre o aqufero e os rios; o volume bombeado pelos poos em relao recarga e a descarga natural; o tipo de aqufero (confinado, semi-confinado ou livre); a largura do vale do rio; propriedades hidrulicas do aqufero e; a distncia do poo de bombeamento para o rio (KIRK & HERBERT, 2002; BRAATEN & GATES, 2003). Estas caractersticas especficas devem ser consideradas para cada sistema avaliado, visto que as mesmas podem variar consideravelmente a depender dos fatores citados.

    Do exposto, fica claro que os impactos resultantes da explorao de gua subterrnea em virtude da reduo da descarga, da recarga induzida e da disponibilidade dobrada, pode ter implicaes significativas para os usurios de gua, comunidades ribeirinhas e o meio ambiente, podendo criar conflitos sociais, econmicos e legais.

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    3.2 INTERFERNCIA ENTRE OS RIOS E O AQUFERO NA REA DE ESTUDO

    O primeiro passo para que se possa encarar os desafios de uma gesto integrada rio/aqufero identificar os tipos de interaes que ocorrem entre os sistemas subterrneos e superficiais da rea. Diante disso vamos discutir os resultados de diversos estudos j existentes para a bacia do rio Grande, sub-bacias dos rios de Janeiro e das Fmeas, apresentando um sistema para classificar a interao rio/aqufero na rea.

    A bacia do rio Grande, sub-bacias dos rios de Janeiro e das Fmeas foi caracterizada de acordo com dois nveis de informaes: 1) a presena de conexo hidrulica entre aquferos e rios; 2) o potencial para extrao de guas subterrneas e seu impacto sobre a vazo dos rios.

    3.2.1 Conexo Hidrulica Entre Rios e Aquferos Bacia do Rio Grande

    Diversos estudos foram realizados na bacia com enfoque parcial ou total na conexo entre os rios e o aqufero na rea. Entre eles destacamos: Pimentel et al (1999); Lima (2000); Santana et al. (2000); Silva et al. (2001); Schuster (2002); BAHIA (2003); Corbo et al (2005), Da Cruz (2006); Gaspar, 2006; Rodrigues et al. (2009); Nascimento (2009); Albuquerque (2009), Schuster et al. (2010); Albuquerque & Chaves (2011). Todos estes estudos indicaram uma forte conexo hidrulica entre os rios e o aqufero, com o aqufero mantendo as vazes dos rios nos perodos de estiagem.

    Um aspecto interessante, que vrios destes trabalhos tambm indicaram que o Aqufero Urucuia na verdade um sistema aqufero, representado na rea estudada pelo acoplado de distintas unidades aquferas (SCHUSTER, 2003; GASPAR, 2006; DA CRUZ, 2006; RODRIGUES et al. 2009 e; SCHUSTER et al. 2010).

    Segundo os trabalhos de Schuster (2003) e Rodrigues et al (2009), temos duas camadas aquferas superpostas. A camada superior conhecida como aqufero Serra das Araras e a camada inferior conhecida como aqufero Posse. A camada superior est em contato com os rios da regio e possui parmetros hidrodinmicos diferentes da camada inferior. Esta peculiaridade pode ser melhor visualizada na figura 3.6, observando-se que a espessura de ambas as camadas muito varivel na regio.

    Os rios encontram-se em conexo hidrulica direta com a camada aqufera superior (aqufero Serra das Araras) e os poos produtores para fins agrcolas geralmente so instalados na camada aqufera inferior (Posse).

    Como tambm pode ser observado na figura 3.6, no existe uma camada confinante que separe as duas unidades aquferas citadas, como tradicionalmente ocorre em um aqufero semi-confinado, mas a espessa camada aqufera superior funciona como camada gotejante ou drenante na direo vertical. Nessas condies, a camada superior (aqufero Serra das Araras) libera volumes significativos de gua de seu armazenamento em resposta aos bombeamentos no aqufero Posse (camada inferior), que no est diretamente conectado aos rios.

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    Figura 3.6 Modelo Conceitual do Sistema Aqufero Urucuia, com as Duas Unidades Aquferas Sobrepostas (Adaptado de Rodrigues et al, 2009).

    Essa situao hidrogeolgica peculiar caracterizaria o aqufero Posse, como um sistema aqufero semi-livre segundo Kruseman & De Ridder, 1970. Essa denominao no muito utilizada no Brasil, mas encaixa-se perfeitamente rea de estudo, que apresenta um comportamento intermedirio, entre livre e semi-confinado. A diferena entre um aqufero semi-livre e um aqufero semi-confinado que no caso dos aquferos semi-livres a camada semi-confinante alm de possuir um fluxo vertical de gua, tambm possui um fluxo horizontal que no pode ser negligenciado. Em outras palavras, a camada semi-confinante tambm aqufera. Neste caso, a Formao Serra das Araras.

    A partir dos trabalhos de Schuster (2003), BAHIA (2003), Nascimento (2009) e Rodrigues et al. (2009) foi elaborada o quadro 3.1, resumindo os parmetros hidrodinmicos das duas unidades aquferas.

    Quadro 3.1 - Parmetros hidrodinmicos ajustados dos aquferos Serra das Araras e Posse.

    Parmetro Tempo [segundo] Tempo [hora] Tempo [dia] Parmetros hidrodinmicos da Formao Serras das Araras

    Transmissividade (T1) 4.027E-3 [m2/s] 14.5 [m2/h] 348 [m2/d]

    Coeficiente de Armazenamento (Ss1) 9.1E-4[ - ] Porosidade Eficaz (Sy1) 4.7E-2[- .]

    Permeabilidade Horizontal (Kr) 5.0 E-5 [m/s] 1.8 E-1 [m/h] 4.32 [m/d] Permeabilidade Vertical (Kz) 8.0 E-5 [m/s] 2.88 E-1 [m/h] 6.91 [m/d]

    Parmetros hidrodinmicos da Formao Posse Transmissividade (T2) 1.652E-2 [m

    2/s] 59.5 [m2/h] 1427.3 [m2/d] Coeficiente de Armazenamento (Ss2) 2.872E-4 [ - ]

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    Nesta configurao hidrulica, os parmetros hidrodinmicos da camada superior influenciam fortemente o comportamento de todo o sistema aqufero, principalmente no seu comportamento dinmico, tanto na propagao do seu cone de depresso e a sua extenso do raio de influncia, quanto na infiltrao induzida dos seus rios ao poo em bombeamento e a liberao da taxa volumtrica do seu armazenamento (KRUSEMAN & DE RIDDER, 1970).

    A depleo dos rios fortemente controlada pelos parmetros da camada superior e pequenas variaes no coeficiente de armazenamento criam uma dinmica totalmente diferente na expanso do raio de influncia e na taxa de depleo do rio afetado.

    Tambm de grande influncia so os parmetros hidrolgicos do prprio rio (onde apenas a variao da condutividade hidrulica do material do leito do rio foi simulada), tais como o grau de sua penetrao no aqufero superior, sua largura e sua distncia ao poo em bombeamento (SCHUSTER et al. 2010).

    3.2.2 Interferncia da Explorao de Poos nos Rios da Regio

    Entre dezembro de 2005 e novembro de 2006, foi realizado pela extinta Superintendncia de Recursos Hdricos (SRH-BA), o monitoramento de dois poos piezomtricos instalados na Fazenda Campo Aberto, sub-bacia do rio de Janeiro. Um deles, com profundidade de 80 metros e filtros apenas no aqufero Serra das Araras e o outro com 200 metros de profundidade e filtros apenas no Aqufero Posse.

    As figuras 3.7e 3.8 a seguir, mostram o comportamento do nvel esttico observado nos dois aquferos, ao longo de um ano hidrolgico. Nos grficos dessas figuras, observa-se que as duas curvas tm a mesma forma e a diferena de nvel esttico entre os dois de cerca de 0,7 metros mantendo-se assim durante todo o ano.

    Figura 3.7 Comportamento do aqufero entre dezembro de 2005 a novembro de 2006 no

    monitoramento de um piezmetro de 80 metros de profundidade, com filtros apenas no aqufero Serra das Araras, com as subidas de nvel resultantes das chuvas

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    Figura 3.8 Comportamento do aqufero de dezembro de 2005 a novembro de 2006de um piezmetro de 200 metros de profundidade, com filtros apenas no Aqufero Posse, com as

    subidas de nvel resultantes das chuvas

    Um aspecto que chama a ateno a resposta dos dois aquferos s chuvas. Observa-se que os dois aquferos tem respostas similares, entretanto, os picos das chuvas so muito acentuados na Formao Serra das Araras, como consequncia do retardo na drenagem vertical nesta Formao.

    A diferena de nvel esttico, cerca de 70 centmetros, entre as duas unidades aquferas e a resposta s chuvas, muito mais acentuada na camada superior, so bons indicativos do aspecto livre do aqufero Serra das Araras e semi-livre do aqufero Posse.

    Rodrigues et al (2009), ressaltam a importncia do aqufero Serra das Araras para o abastecimento humano e domstico, fato comprovado pelos 427 poos perfurados neste aqufero, na rea dos municpios de Lus Eduardo Magalhes e So Desidrio. Estes poos so usados basicamente para abastecimento humano e dessedentao animal, apresentando uma vazo mdia de 9 m/h e vazes mximas da ordem de 60 m/h. J os poos perfurados no aqufero Posse, na mesma regio, so muito diferentes, apresentando vazes que podem superar os 500 m/h, com vazo mdia da ordem de 100 m/h, sendo utilizados principalmente para projetos de irrigao e o abastecimento de cidades.

    Rodrigues et al (2009), observaram que a porosidade eficaz elevada do aqufero Serra das Araras indica que a depleo dos rios somente ocorrer, aps um longo perodo de bombeio, situao particularmente comum em perodos de estiagem longos.

    Concluses similares foram alcanadas por Corbo et al (2005), que utilizaram hidrogramas e o modelo hidrolgico distribudo (MGB-IPH), verificando que 70% do escoamento total da bacia do rio Grande, tem sua origem no aqufero. Os resultados de seus clculos para os impactos da explotao de gua subterrnea nos rios da bacia so apresentados na figura 3.9.

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    Figura 3.9 Percentual de reduo da vazo do rio com retirada de gua subterrnea na bacia do rio Grande. Condies simuladas no modelo MGB-IPH para um bombeamento de 108 m/s

    (Corbo et al, 2005)

    Corbo et al (2005), tambm estimaram que somente a partir de 10 anos de bombeamento dos poos, o sistema rio/aqufero entraria em um novo equilbrio. Nestas condies, as vazes mdias dos rios ficariam permanentemente situadas em um patamar inferior srie histrica observada. A resilincia do sistema rio/aqufero, no permitiria uma observao imediata dos impactos dos poos nos rios, que aps este perodo se caracterizaria pela reduo gradativa dos escoamentos superficiais, principalmente nos corpos menores, a exemplo de fontes e crregos, em funo das capturas da descarga natural do aqufero.

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    4 OUTORGA DE GUA

    No mbito nacional e estadual da Poltica de Recursos Hdricos, a outorga de direito de uso de recursos hdricos o ato administrativo, mediante o qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado o direito de uso da gua, por prazo determinado, nos termos e nas condies expressas no respectivo ato. No se vislumbra qualquer prestao de servio pblico ou de utilidade pblica pelo outorgado e no se transfere a titularidade do volume de gua outorgado pelo Poder Pblico, pois o recurso hdrico um bem de domnio pblico, no passvel de apropriao.

    A outorga no implica em alienao parcial das guas, que so inalienveis desde 1988, quando foram erigidas pela Constituio Federal (BRASIL, 1988) categoria de bem pblico. Nestas condies, a vigncia da outorga est limitada ao interesse pblico, assim, no assiste qualquer direito de carter indenizatrio ao outorgado quando suspenso o ato de outorga. Alm disso, ao pressupor o uso privado de um bem pblico, este ato administrativo est sujeito ao exerccio do Poder de Polcia por parte das instituies pblicas, no tocante fiscalizao e imposio de penalidades para os infratores, com a finalidade de proteger os interesses sociais.

    A outorga um dos principais instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, pois permite ratear a gua disponvel entre as demandas existentes ou potenciais a fim de alcanar melhores resultados sociedade. As demandas, geralmente, esto atreladas ao crescimento econmico (abastecimento industrial), equidade social (abastecimento pblico) e sustentabilidade ambiental (manuteno da vazo mnima do curso de gua "vazo ecolgica"), com a finalidade de assegurar o controle qualitativo e quantitativo dos usos da gua e o efetivo exerccio dos direitos de acesso.

    Sem este controle, outros instrumentos, a exemplo da cobrana, se tornam na prtica, inteis. A outorga tambm vincula a ao do governo, que se v impedido de autorizar os usos que agridam a qualidade e a quantidade das guas e impossibilitado de agir sem equidade ao possibilitar acesso ao recurso. Desta forma, a recomendao inicial para qualquer Estado que queira iniciar a gesto dos recursos hdricos, a implantao da outorga, sendo hoje, o instrumento de gesto da gua, mais difundido e aplicado no Brasil e sua efetivao possibilita uma poltica de controle dos diversos usos, com diretrizes gerais de ao, visando garantir o cumprimento dos objetivos da gesto.

    Constitui ainda um meio de reconhecimento dos problemas relativos ao mau uso da gua e de usurios que degradam os corpos dgua, possibilitando a aplicao das sanes previstas na legislao.

    Por sua relevncia e complexidade, a outorga de direito de uso dos recursos hdricos um tema merecedor de toda ateno, tendo em vista que, a partir dela, sero viabilizadas todas as aes de racionalizao do uso e de melhoria na alocao desse recurso entre os seus mltiplos usurios.

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    4.1 ASPECTOS LEGAIS

    O fundamento legal das outorgas foi inicialmente estabelecido no artigo 42 do Cdigo de guas de 1932, tendo sido recepcionado pela Constituio Federal de 1988 que prev que os titulares do domnio das guas pblicas no Brasil so a Unio e os Estados (artigos 20, III e 26, I). Nos termos desses dispositivos, as guas superficiais e subterrneas do Brasil so pblicas e passveis de outorga.

    A Bahia foi um dos primeiros estados a implementar a outorga de direito do uso da gua. Seu primeiro registro no Estado foi elaborado ainda em 1988, atravs da ento Coordenao de Recursos Hdricos. Este procedimento, foi melhor instrumentalizado pela criao da Lei de Recursos Hdricos da Bahia, 6.855/95, que antecedeu a Lei Federal 9.433/97 que instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos. A estes instrumentos, foi acrescido o Decreto Estadual 6.296/97 que regulamentou a outorga de direito de uso da gua no Estado da Bahia.

    A legislao baiana foi posteriormente alterada pela Lei 10.432/06, e a Poltica de Recursos Hdricos passou a ser detalhada por Instrues Normativas a partir do Decreto 10.255/07. Esta lei foi revogada pela Lei 11.612/09, que atualmente est em vigor com algumas alteraes efetuadas de acordo com as Leis 12.035/10 e 12.212/11.

    4.2 USOS SUJEITOS A OUTORGA

    A Unio definiu os usos sujeitos a Outorga do Direito de Uso da gua atravs do artigo 12 da Lei 9433/97: derivao ou captao de parcela da gua existente em um corpo hdrico para consumo final, inclusive abastecimento pblico, ou insumo de processo produtivo; extrao de gua de aqufero subterrneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; lanamento em corpo de gua de esgotos e demais resduos lquidos ou gasosos, tratados ou no, com o fim de sua diluio, transporte ou disposio final; outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua existente em um corpo de gua. Alm de usos no consuntivos, como o aproveitamento dos potenciais hidreltricos.

    A Unio tambm definiu na mesma lei, os usos insignificantes independentes de outorga, mas dependentes de regulamentao especfica: o uso de recursos hdricos para a satisfao das necessidades de pequenos ncleos populacionais distribudos no meio rural; as derivaes, captaes e lanamentos considerados insignificantes; as acumulaes de volumes de gua consideradas insignificantes.

    Foi aprovado no dia 02 de outubro de 2003 na segunda Reunio Plenria do Comit da Bacia Hidrogrfica do rio So Francisco que as vazes insignificantes na calha do rio So Francisco sero de 4 l/s. Ou seja, os pleitos de outorga com volumes inferiores ou iguais a este valor sero dispensados da obrigatoriedade do procedimento de Outorga.

    A no exigibilidade do instrumento de outorga no significa sua dispensa; apenas garante o direito a certas pessoas de utilizarem a gua sem ter, necessariamente, de solicitar autorizao expressa de uso. A no emisso no impede ou desobriga o Poder Pblico de exercer o poder de

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    polcia, inspecionando e constatando a ocorrncia das situaes supra, bem como exigindo o cadastro dos usurios que gozam deste direito.

    J o Estado da Bahia definiu os usos sujeitos a Outorga do Direito de Uso da gua atravs das Leis 11.612/09 e 12.035/10: as atividades ou empreendimentos que captem ou derivem guas superficiais ou subterrneas, para uso prprio ou para terceiros; as atividades, aes ou intervenes que possam alterar a quantidade, a qualidade ou o regime das guas superficiais ou subterrneas, ou que alterem canais, lveos, correntes de guas, nascentes, audes, aquferos, lenis freticos, lagos e barragens; as interferncias nos leitos dos rios e demais corpos hdricos para a extrao mineral ou de outros materiais, conforme legislao especfica; o lanamento de esgotos e demais efluentes slidos, lquidos ou gasosos, tratados ou no, em corpos d'gua, com finalidade de diluio, transporte ou disposio final; a perfurao de poos tubulares.

    4.3 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA DE RECURSOS HDRICOS

    A definio de critrios para outorga dos direitos de uso da gua demanda a utilizao de um valor de referncia, a partir do qual calculado o limite mximo de utilizao de um manancial. Este limite objetiva assegurar o atendimento s demandas prioritrias e ao mesmo tempo assegurar o atendimento demanda ecolgica (PEREIRA & LANNA, 1996).

    Um valor de referncia muito utilizado pelos estados a vazo mnima mdia, com 7 dias consecutivos de durao e tempo de retorno de 10 anos, conhecida como (Q7,10), obtida a partir de uma curva de frequncia de vazes mnimas de 7 dias de durao. Outro valor de referncia a vazo com 90 ou 95% de permanncia no tempo, ou seja, as vazes mnimas esperadas em 90 ou 95% do tempo. So conhecidas como Q90 e Q95, respectivamente.

    importante observar que, as vazes mnimas so obtidas em perodos de estiagem, nos quais as vazes nos corpos hdricos superficiais so resultantes em sua maioria da descarga subterrnea. Isto ocorre, porque os mananciais que sustentam as vazes mnimas dos rios so os aquferos. De fato, as vazes mnimas so determinadas pelo escoamento de base dos aquferos (PAIVA & PAIVA, 2001). Portanto, pode-se entender que, quando se outorga gua superficial e se utiliza o critrio das vazes mnimas est se outorgando, na verdade, grande quantidade de gua subterrnea.

    De maneira geral, as autoridades outorgantes brasileiras, no utilizam nenhuma metodologia especfica para anlise integrada entre os critrios de outorga para guas superficiais e subterrneas, ou ainda, qualquer preocupao com as interaes entre estes mananciais, desta forma, todo o sistema apresenta uma falha grave.

    O quadro 4.1, a seguir resume informaes sobre critrios de outorga de direito de uso da gua para alguns estados brasileiros, bem como os valores de referncia indiretamente estabelecidos das vazes ecolgicas.

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    Quadro 4.1 Vazes mximas outorgveis.

    Unidade da Federao

    Critrio mximo Outorgvel Vazo Ecolgica Observaes

    AL 90% da Q90% 10% da Q90%

    BA 80% da Q90% 20% da Q90%

    BA2 95% da Q90% 5% da Q90% Abastecimento humano

    CE 90% da Q90% 10% da Q90%

    CE2 33% da Q90% 67% da Q90% Audes, lagos ou lagoas

    DF 80% da Q90% 20% da Q90%

    GO 70% da Q95% 30% da Q95%

    MG 30% da Q7,10 70% da Q7,10

    RJ 50% da Q7,10 50% da Q7,10

    RN 90% da Q90% 10% da Q90%

    RO 30% da Q7,10 70% da Q7,10

    PA 50% da Q95% 50% da Q95%

    PB 90% da Q90% 10% da Q90%

    PE 90% da Q90% 10% da Q90%

    PR 50% da Q7,10 50% da Q7,10

    SE 80% da Q95% 20% da Q95%

    SP 50% da Q7,10 50% da Q7,10

    Alguns estados analisam os pedidos de outorga de gua subterrnea por meio de testes de bombeamento dos poos, outros em funo de uma mdia calculada a partir da capacidade especfica do aqufero (C [m/h/m]), mas a maior parte se preocupa apenas com a tomada de precaues por parte do usurio quanto qualidade da gua de modo a evitar a contaminao do aqufero (ANA, 2007).

    Como muitos j outorgam a gua proveniente dos aquferos no escoamento de base dos rios, caso dos estados que utilizam a Q7,10 como vazo de referncia, estes estados, provavelmente outorgam a mesma parcela de gua duas vezes, ao concederem outorga para poos. As condies no so muito diferentes para os estados que outorgam gua superficial utilizando a Q90, apesar de neste caso se trabalhar com uma garantia maior. Tambm vale para a Q95, mas com menor margem de manobra.

    Esta prtica um caso tpico de disponibilidade extrapolada. Tudo estar funcionando bem, enquanto as retiradas outorgadas de gua subterrnea no levarem as disponibilidades dos mananciais superficiais aos seus limites, iniciando uma srie de conflitos inesperados e de difcil soluo.

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    Cabe aqui lembrar o trabalho de Corbo et al (2005) na rea em estudo, que observou uma inrcia na resposta do sistema rio/aqufero da ordem de dez anos. Isto significa que as outorgas atuais, para gua superficial e subterrnea, podem estar sendo concedidas desconsiderando os efeitos de carter cumulativo da explorao dos poos. Como a tendncia que os rios entrem em equilbrio, aps este perodo, com uma vazo significativamente menor que a mdia histrica, h um srio risco de conflitos futuros entre usurios outorgados de gua na bacia do rio Grande.

    4.4 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA INTEGRADA DE RECURSOS HDRICOS EXPERINCIA INTERNACIONAL

    Agncias reguladoras de uso da gua por todo o mundo atualmente utilizam os modelos analticos para quantificar a interferncia entre aquferos e rios. Nos Estados Unidos, Austrlia, Nova Zelndia e pases da Europa (BUTLER et al, 2001) as estimativas de depleo do fluxo de base so comumente obtidas usando modelos analticos, que se tornaram ferramentas essenciais tanto para a gesto de recursos hdricos, como para aes judiciais relativas a direitos de uso da gua.

    Segundo Butler et. al, (2001) e Miller et al, (2007), as agncias reguladoras frequentemente usam ou especificam o mtodo de Glover/Balmer (Theis, 1941), o mtodo de Jenkins (1968, 1970) Stream Depletion Factor SDF, ou uma metodologia equivalente para quantificar estes impactos,

    De fato, os modelos analticos se tornaram a ferramenta padro para gestores de gua e para as decises dos tribunais de justia nos Estados Unidos e em muitos pases da Europa Ocidental (Butler et. al, 2001).

    4.5 CRITRIOS PARA CONCESSO DE OUTORGA INTEGRADA DE RECURSOS HDRICOS NA BAHIA AQUFERO URUCUIA

    Como diversos trabalhos, alguns deles realizados pelos antigos rgos gestores de recursos hdricos (SRH BA e ING), a exemplo de BAHIA (2003), Shcuster (2003), Luz et al. (2009), indicaram claramente a conexo hidrulica entre os rios e o aqufero, foi elaborada a Instruo Normativa 15 (IN 15) do ING, conforme BAHIA (2010a). Esta IN estabeleceu as seguintes regras para a outorga de gua subterrnea na rea de ocorrncia do aqufero Urucuia no Estado da Bahia:

    - Definiu as seguintes distncias mnimas:

    a) Entre poos tubulares:

    I Poos com vazo menor que 30 m/h: 600 m;

    II Poos com vazo maior ou igual a 30 m/h e menor que 100 m/h: 1000 m;

    III Poos com vazo maior ou igual a 100 m/h e menor que 200 m/h: 1500 m;

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    IV Poos com vazo maior ou igual a 200 m/h e menor que 300 m/h: 2000 m;

    VI Poos com vazo maior ou igual a 300 m/h e menor ou igual a 500 m/h: 2500 m.

    b) Entre poos tubulares e corpos hdricos superficiais:

    I - Poos com vazo menor que 20 m/h: 500 m;

    II - Poos com vazo maior que 20 m/h: 2.500 m.

    c) A capacidade de explorao das guas subterrneas no aqufero Urucuia fica limitada a uma vazo mxima instantnea de 360.000 m/h.

    A Instruo Normativa 15 favorece uma gesto integrada do aqufero, mas resulta em alguns inconvenientes, como por exemplo: a expanso do cone de rebaixamento no considera a vazo de bombeamento de cada poo, a observao exclusiva destas distncias entre poos possibilita uma oscilao entre o limite mximo outorgvel de gua subterrnea para o aqufero entre 0,7 m3/s e 200,0 m3/s, aproximadamente. Uma diferena de quase 300 vezes entre volumes outorgveis. Alm disso, os impactos de alocaes de gua subterrnea nos rios normalmente permanecem no avaliados.

    Em decorrncia deste fato recomenda-se a utilizao de um segundo critrio, a aplicao, de mtodos analticos, que indicam a interferncia do bombeamento dos poos nos rios e possibilita a preservao dos mesmos.

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    5 QUANTIFICAO DA INTERFERNCIA POO/RIO MODELAGEM

    A importncia de se quantificar os impactos da extrao de gua subterrnea na vazo dos rios foi explicada nos captulos anteriores.Aqui sero discutidos alguns dos modelos comumente usados em estudos hidrogeolgicos.

    A literatura sobre o tema cobre uma ampla gama de modelos para aplicao em estudos da interao rio/aqufero.Cada modelo apresenta diferentes configuraes em termos do grau em que os processos fsicos so representados, de requisitos de dados, de custos computacionais e a forma de sada de informaes do modelo.

    Cada modelagem tem seus pontos fortes e limitaes. Muitas vezes no h o "melhor" modelo para todas as aplicaes pois o modelo mais adequado vai depender basicamente da utilizao pretendida, da disponibilidade de dados e das condies locais.

    Modelos matemticos aplicados hidrologia (superficial e subterrnea) geralmente se enquadram em trs categorias principais: conceituais; fsicos e; matemticos (WHEATER et al. 1993). A distino entre modelos conceituais, fsicos e matemticos, por vezes no muito clara e tambm um pouco subjetiva. Modelos podem conter uma mistura de mdulos a partir de cada uma das categorias supracitadas ou podem ser hbridos de dois ou mais tipos. As categorias de modelos so descritas a seguir, juntamente com seus pontos fortes e limitaes.

    5.1 MODELOS CONCEITUAIS

    O uso do termo modelo conceitual pode gerar dvidas por causa de suas diferentes conotaes. Um modelo conceitual pode ser descrito como uma idia bsica ou a explicao de como um sistema atua (BREDEHOEFT, 2004). Para um hidrogelogo, um modelo conceitual inclui fatores como: estrutura geolgica; localizao; tipos e caractersticas dos aquferos; identificao de locais de descarga e recarga e; a direo do fluxo subterrneo na regio modelada (BEVEN, 2000A). Em ambos os casos a terminologia descreve um modelo mental, que se baseia na experincia de um pesquisador com o prvio conhecimento e familiaridade com os dados e conhecimentos adquiridos sobre a rea de estudo.

    O termo modelo conceitual na hidrologia de superfcie refere-se a um tipo de modelo incorporando uma descrio matemtica relativamente simples para cada um dos processos a ser considerado. Representa uma bacia hidrogrfica, por exemplo, como vrios mdulos individuais, cada um representando os aspectos fundamentais do sistema.

    Observe-se que sistema, qualquer modelagem que responde atravs de uma sada, a uma entrada (TUCCI, 1998), reproduzindo ainda que parcialmente, o comportamento de um processo natural. Um bom exemplo o de uma bacia hidrogrfica. Neste sistema, a entrada a precipitao e a sada uma vazo. A estrutura deste sistema bacia hidrogrfica depende das caractersticas (parmetros), tais como: solo, vegetao, topografia, etc.

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    Este sistema de fato um aglomerado de modelos menores, geralmente vrios modelos matemticos simples (MULLIGAN & WAINWRIGHT, 2004). Este estilo de modelagem tradicionalmente o preferido pelos hidrlogos de gua superficial porque os processos subsuperficiais so inferidos a partir dos hidrogramas de fluxo.

    Os valores dos parmetros para os modelos conceituais, como a vazo de cheia, so normalmente obtidos a partir da calibrao com dados medidos no campo. Devido a esta exigncia, os modelos conceituais tendem a sofrer de problemas associados com a identificao dos valores a serem utilizados como parmetros (MERRITT et al. 2003), com diversos possveis valores, resultando em vrias respostas diferentes.

    Tais problemas com a identificao dos parmetros pode ser minimizada atravs da limitao de quais valores sero estimados e utilizando o conhecimento prvio do sistema modelado, para limitar o intervalo de valores possveis (SEIBERT & MCDONNELL, 2002), quando estimativas forem inevitveis. A falta de especificidade nos valores de parmetros para os modelos conceituais significa que os parmetros de tais modelos pode ter significado fsico limitado (WHEATER et al. 1993).

    5.2 MODELOS FSICOS

    Os modelos fsicos so representaes em escala de prottipos laboratoriais. No caso das guas subterrneas existem quatro tipos principais: feitos em areia; em sistemas eltricos; em fluidos viscosos (placas) e; em membranas. Representam analogias de um fluxo em um meio poroso. A exceo so os modelos em areia que de fato envolvem este tipo de fluxo (Figura 5.1). As dimenses e as formas dos modelos de guas subterrneas so determinadas pela finalidade particular e pelo tipo do modelo. Os modelos de interesse hidrolgico so projetados para representar o aqufero, o rio e seus limites.

    Figura 5.1 - Exemplo de Modelo Fsico (Adaptado de:

    http://www.wvca.us/education/groundwatermodel)

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    Normalmente este tipo de modelagem fsica utilizada como auxiliar no entendimento de fenmenos complexos e complementar os resultados dos modelos matemticos. Sua principal vantagem a de serem realizados atravs de experimentos controlados em laboratrio.

    5.3 MODELOS MATEMTICOS

    Os modelos matemticos podem ser analticos e numricos. Os modelos analticos so geralmente mais simples e so utilizados para descrever o comportamento entre as variveis com base nos dados observados isoladamente. Muitas vezes, a relao entre variveis observadas descrita com uma funo matemtica simples (WHEATER et al. 1993). So muito usados por hidrlogos e hidrogelogos devido a sua simplicidade e podem ter altos poderes de previso dentro do intervalo de dados disponveis (MULLIGAN & WAINWRIGHT, 2004).

    Estes modelos so muitas vezes criticados por no considerar muitos atributos fsicos do sistema e por ignorar a inerente anisotropia e resposta dinmica dos mesmos. Estes modelos sero melhor detalhados ao longo desta pesquisa.

    Os modelos numricos operam atravs da resoluo de equaes matemticas que descrevem princpios fsicos fundamentais. Estes modelos muitas vezes aplicam uma modelagem distribuda por um sistema discretizado, com um grande nmero de elementos ou de quadrculas nos quais as previses so distribudas no espao (BEVEN, 2000a).

    Variveis que representam mdias locais, tais como a condutividade hidrulica, por exemplo, so aplicados a cada unidade discretizada do espao, e as equaes matemticas que representam os processos fsicos so resolvidos em cada regio. Em teoria, os parmetros utilizados nos modelos numricos so mensurveis, por meio de medidas de campo ou determinadas nas amostras em laboratrio e possuem valores conhecidos. Na prtica, entretanto, o grande nmero de parmetros necessrios para representar os principais processos fsicos e os efeitos resultantes de heterogeneidades espaciais do meio, resultam em um grande nmero de parmetros estimados (BEVEN, 2000b).

    Esses parmetros estimados podem ser aprimorados atravs de calibrao com os dados observados, entretanto esta calibragem pode ser demorada e incerta. Um problema existente tanto nos modelos analticos como numricos, que a capacidade de interpretao da fsica do sistema pode ser questionvel, sempre que os dados pontuais das reas onde foram efetuadas as medies so extrapolados para representar grandes reas. A diferena entre a escala em que as medies de campo ou amostragem laboratoriais foram feitas e a escala em que os algoritmos do modelo as aplicam, s vezes criam incertezas nos resultados, (WHEATER et al. 1993).

    Modelos numricos podem fazer uma boa estimativa dos processos fsicos que ocorrem no mbito de uma bacia hidrogrfica, sendo limitados pela qualidade dos dados fornecidos e pela validade das suposies incorporadas aos clculos. Seus resultados so teis no desenvolvimento de uma compreenso de como o sistema funciona, devido a suas apresentaes visuais.

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    O inconveniente deste tipo de modelagem que ela exige muitos parmetros e informaes, que geralmente no esto disponveis (BEVEN, 2001). Sua preciso aumenta com o nmero de processos e clculos considerados, isto pode torn-los excessivamente complexos, para serem aplicados como atividade de rotina por profissionais de formao variada, situao comum em rgos gestores de recursos hdricos. Alm disso, parte dos parmetros utilizados podem apresentar um risco de alto grau de incerteza e como os mesmos so utilizados na entrada do modelo, resultando em uma menor capacidade de previso, particularmente em escalas maiores, exigidas em bacias hidrogrficas.

    Vrios pesquisadores, a exemplo de Konikow & Bredehoeft (1992), argumentam que os modelos numricos de guas subterrneas, quando aplicados a uma rea real, so difceis de serem validados, por causa de estimativas inadequadas de parmetros de entrada, deficincias da sensibilidade do modelo e erros de clculo. No entanto, atravs deste processo de testes e avaliao de erros, podem ser melhorados e uma melhor compreenso dos problemas e sua contextualizao associada se constituem em ganhos substanciais para o conhecimento do aqufero.

    5.3.1 Modelos Numricos e Analticos

    Modelos numricos so, em muitos trabalhos, considerados superiores aos demais. O princpio subjacente que as equaes utilizadas, corretas em certa escala, teoricamente podem ser aplicadas em qualquer escala com resultados igualmente satisfatrios. Isto implica em um grau de preciso que pode no existir na realidade (GRAYSON et al. 1996) especialmente quando os dados de campo no esto disponveis na escala utilizada pelo modelo. Outra vantagem apontada a possibilidade de calibrao do modelo com os dados obtidos em campo, mas depende de um monitoramento continuado e da disponibilidade desses dados.

    A modelagem numrica tem sido o principal instrumento para analisar a interao das guas superficiais e subterrneas desde meados dos anos 60. A maioria destes modelos continua a usar a equao de Darcy (em que a descarga = condutividade hidrulica * gradiente hidrulico * rea da seco transversal), a equao geral do fluxo, bem como uma geometria altamente idealizada, para o fluxo da gua (infiltrao) atravs dos sedimentos com base nas diferenas de nvel entre a gua superficial e subterrnea.

    O modelo numrico mais utilizado atualmente para a modelagem de sistemas hidrogeolgicos o MODFLOW (MCDONALD & HARBAUGH, 1988), que resolve a equao diferencial que rege o fluxo de guas subterrneas em trs dimenses (Equao 5.1).

    (5.1)

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    Onde Kx, Ky e Kz so valores de condutividade hidrulica ao longo dos eixos x, y e z; h a carga hidrulica; W um termo de fluxo que representa o bombeamento, recarga, outras fontes ou sumidouros; Ss o armazenamento especfico; e t o tempo. A capacidade do MODFLOW (e de outros modelos numricos) est sendo continuamente desenvolvida, com o foco atual no aumento da funcionalidade da modelagem integrada da gua superficial e subterrnea. Alguns exemplos incluem o trabalho de Sophocleous et al. (1998) e Rodrguez et al. (2006).

    At o advento da modelagem numrica na dcada 60, quase toda a literatura sobre a interao gua superfcial/subterrnea utilizava modelos analticos. Ainda hoje, na segunda dcada do sculo XXI, esta abordagem uma das mais utilizadas por rgos gestores pelo mundo, (SOPHOCLEOUS et al, 1995; BUTLER et al. 2001; RASSAM & WERNER, 2008). Estes modelos continuam a ser desenvolvidos, aplicados e analisados at os dias atuais, (SPANOUDAKI et al, 2010). Isto acontece porque estes modelos atendem aos objetivos prticos da gesto de recursos hdricos, mostrando-se satisfatrios para usurios e gestores.

    Este trabalho se concentra nas vrias solues analticas que descrevem as taxas de depleo de um rio em relao ao volume d'gua retirado por poos prximos, em aquferos granulares, durante um perodo de bombeamento.

    As opes disponveis na bibliografia so tantas que foi feito um breve histrico dos modelos analticos para interferncia rio/aqufero, focando apenas nos desenvolvidos para a explorao da gua subterrnea interferindo em rios prximos. Ressalte-se que dada a grande quantidade de estudos, este histrico no se pretende aqui ser exaustivo.

    5.4 HISTRICO DOS MODELOS ANALTICOS E SUAS APLICAES

    Theis (1941) foi o primeiro a apresentar uma soluo analtica para este problema especfico, definida pela teoria de poos imagens, propondo uma soluo para um poo ao lado de um rio longo, retilneo, completamente penetrante e com uma conexo hidrulica perfeita para um aqufero semi-infinito.

    Glover e Balmer (1954) reescreveram a integral obtida por Theis, utilizando a funo erro complementar. A partir da, a soluo de Theis passou a ser conhecida como o mtodo de Glover ou Glover-Balmer.

    Ferris et al. (1962) resolveram o problema para um nvel de gua varivel (rio/aqufero) e Rorabaugh (1964) complementou estes clculos para incluir uma recarga constante.

    Cooper & Rorabaugh (1963) usaram a relao de convoluo para obter uma soluo quando o aqufero considerado finito. Esta soluo utiliza um hidrograma de fase de onda de inundao, definido por uma famlia de curvas assimtricas.

    Uma soluo para o clculo da descarga proveniente de um aqufero semi-infinito, como resultante de uma reduo abrupta do nvel de gua de um rio foi elaborada posteriormente por Glover (1964).

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    Hantush (1965) obteve uma soluo para as mesmas condies de Theis, mas considerou que a interface entre o rio e o aqufero representada por uma camada com permeabilidade menor que a do aqufero, observando que sua espessura no pode ser desprezada.

    Jenkins (1968) usou o mtodo da superposio e da translao do tempo adaptando-os soluo de Glover, o que permitiu obter solues para poos com horrios de bombeamento intermitentes. Alm disso, ele descreve os impactos residuais aps a interrupo do bombeamento do poo e as resultantes de um bombeamento no uniforme. Esta metodologia conhecida atualmente como mtodo Glover-Jenkins ou mtodo de Jenkins. Jenkins (1968) tambm apresentou o conceito de SDF (stream depletion factor) no estudo da interferncia rio/aqufero. Definido como o tempo que decorre at que o rebaixamento do rio ultrapasse 28% do volume total bombeado.

    Singh (1969) apresentou outra soluo, considerando que o sistema rio-aqufero possui uma condio inicial, matematicamente similar a uma senide. Esta soluo tambm podia incluir a recarga do aqufero.

    Hall & Moench (1972) tambm usaram a equao de convoluo para calcular a partir do nvel aqufero a resposta do fluxo para um rio com nveis de gua flutuantes e arbitrrios:

    Marino (1973) tratou o problema no linear de um aqufero livre, considerando um nvel hidrulico inicial h0 para o rio, evoluindo para uma nova condio h1, com um nvel mais baixo.

    Uma soluo para a regio fora das zonas de recarga foi apresentada por Moench & Kiesel (1983).

    Sahuquillo (1983) apresentou outra soluo analtica, dependente apenas da distncia relativa ao rio e do valor de bombeamento, desconsiderando a transmissividade transversal e a posio relativa do poo a uma linha paralela ao rio. Esta soluo idntica para um ponto ou uma linha (caso de 2 dimenses).

    Gill (1985) resolveu o problema para um estado no estacionrio em duas dimenses considerando, apenas, o coeficiente de armazenamento do aqufero.

    Wallace et al. (1990) desenvolveram uma soluo analtica para a taxa de depleo do rio e o volume d'gua retirado do mesmo resultante do bombeamento cclico de poos prximos a um rio completamente penetrante no aqufero e com o leito apresentando permeabilidade idntica do aqufero.

    No final do sculo XX, representaes mais precisas dos sistemas rio-aqufero incorporaram uma penetrao parcial dos rios e a pequena largura dos mesmos, comparativamente aos aquferos. Alguns exemplos so Hunt (1999) que adaptou a soluo de Hantush (1965), Zlotnik & Huang (1999) e Zlotnik et al. (1999);

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    Singh (2000) derivou expresses para o volume da depleo de um rio durante o bombeamento e recuperao. Moench & Barlow (2000) apresentaram uma soluo utilizando a transformada de Laplace para vrios casos de interao entre um escoamento superficial totalmente penetrante e aquferos confinados ou semi-confinados.

    J no sculo XXI, outras solues similares foram apresentadas por Butler et al. (2001) e Darama (2001). Este ltimo calcula a depleo do rio resultante de um bombeamento cclico e no uniforme, de vrios poos prximos de um rio parcialmente penetrante e com leito semipermevel.

    Chen (2003) desenvolveu uma soluo semi-analtica do sistema rio-aqufero, baseada na soluo de Theis (1941), esta soluo foi aperfeioada por Chen & Yin (2004) a partir da soluo de Hunt (1999) calculando a depleo do rio e a reduo do fluxo de base separadamente.

    Hunt (2003a) desenvolveu uma nova soluo para a condio em que o rio no est diretamente conectado ao aqufero bombeado. Nesta configurao, existe uma camada superior onde est assentado o leito do rio, com permeabilidade inferior do aqufero explotado, sotoposto.

    Zhan & Butler (2005) apresentaram derivadas matemticas para determinao da depleo em uma drenagem com canal estreito e parcialmente penetrante no aqufero.

    Outros estudos continuam a ser desenvolvidos, testados, avaliados e aplicados, a exemplo de Hantush (2005), Matteo & Dragoni (2005), Singh (2006), Spanoudaki et al (2010), entre outros.

    Vale observar que apesar da abundncia de solues, os mais utilizados pelos gestores de gua no mundo (SOPHOCLEOUS et. al, 1995; BUTLER et. al, 2001; MILLER, 2007; REEVES, 2008; KENDY et al. 2012), so os seguintes: Glover (1954), observando-se que este modelo foi originalmente desenvolvido por Theis (1941); Hantush (1965); Jenkins (1968); Hunt (1999) e; Hunt (2003a). No por acaso, estes modelos esto entre os mais simples e fceis de utilizar de todos os aqui citados. Mais importante ainda, estes modelos, realmente fornecem as orientaes e as informaes necessrias para a gesto (CUI & WARD, 2011).

    5.4.1 Descrio e Aplicao dos Modelos

    Como as estimativas de depleo do rio so dependentes das simplificaes inerentes aos modelos analticos, vrios pesquisadores realizaram estudos comparativos destes modelos com modelos numricos e em condies de campo. Esses estudos visavam avaliar a sensibilidade dos parmetros utilizados nas equaes e o impacto das vrias suposies dos modelos analticos, as quais so muito provavelmente violadas em condies reais.

    Esses parmetros so listados em ordem decrescente de importncia como segue: (i) permeabilidade do leito do rio; (ii) grau de penetrao do aqufero pelo rio; (iii) fluxo horizontal

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    da gua subterrnea (suposio de Dupuit); (iv) homogeneidade do aqufero; (v) grau de penetrao do aqufero pelo poo de bombeamento.

    Os mais citados so os de Sophocleous et al. (1988), Spalding & Khaleel (1991); Sophocleous et al. (1995); Conrad & Beljin (1996); Christensen (2000); Butler et al. (2001); Hunt et al. (2001), Nyholm et al. (2002) e Garey & Kizer (2009). Estes estudos observaram que os modelos analticos so mais conservadores, sendo favorveis preservao dos mananciais, pois apresentavam resultados de interferncia iguais ou superiores aos modelos numricos. De fato, os modelos analticos tendem a superestimar a depleo do rio, resultante do bombeamento de poos prximos.

    Sophocleous et al. (1988) estudaram um sistema onde um poo bombeava uma camada aqufera indiretamente conectada a um rio. Neste experimento, uma camada de argila relativamente contnua separava dois aquferos interconectados. O poo de bombeamento estava localizado no aqufero mais baixo, e o rio com penetrao rasa estava no aqufero superior, para que se pudesse medir a interferncia indireta do bombeamento.

    Hunt et al. (2001) executaram um teste de bombeamento ao longo de um pequeno rio, com poos de monitoramento ao longo do mesmo e com uma baixa taxa de fluxo, apresentando resultados muito prximos entre as medies e os resultados do modelo analtico. Nyholm et al. (2002) apresentaram resultados de um estudo de campo de uma bacia completada com anlise numrica, os valores do modelo analtico e numrico apresentaram uma divergncia de menos de 5%.

    Spalding & Khaleel (1991) compararam os resultados de vrias solues analticas com um modelo numrico de fluxo bidimensional para guas subterrneas. Eles descobriram que simplificaes necessrias para a utilizao dos mtodos analticos resultou em diferenas maior na vazo deplecionada da ordem de 20% ao negligenciar-se a penetrao parcial do rio, at 45% quando se negligenciava efeitos de camadas com permeabilidade mais baixa, existentes entre o rio e o poo bombeado, ao fim de 58 dias de bombeamento.

    Garey & Kizer (2009), no North Canadian River, em Oklahoma (EUA), forneceu dados de campo que apoiaram o uso e a aplicabilidade destes modelos analticos. Tanto a soluo proposta por Theis (1941) quanto por Hunt (1999) se mostraram apropriadas neste local, como observado na comparao direta entre o rebaixamento previsto pelos modelos e o observado na rede de monitoramento implantada (Figura 5.2).

    Note-se que os resultados somente se mostraram ajustados no perodo final dos testes efetuados, negligenciando assim os efeitos de retardo na produo em virtude dos atrasos na resposta do rio em consequncia das caractersticas do aqufero. Esta condio foi considerada bastante razovel por causa do interesse da gesto nos efeitos de longo prazo (ou seja, vrios dias a meses) no bombeamento dos aquferos.

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    Figura 5. 2 Correlao entre os valores monitorados e os modelos de Theis e Hunt,

    adaptado de Garey & Kizer (2009)

    5.4.2 Soluo dos Principais Modelos Analticos

    Apesar do grande nmero de modelos analticos para clculo da interferncia poo-rio, vamos nos concentrar nos cinco mais utilizados para a gesto integrada de guas superficiais e subterrneas pelos organismos reguladores, so eles: Glover-Balmer (Theis); Hantush; Glover-Jenkins (Jenkins); Hunt 1999 e; Hunt 2003 (SOPHOCLEOUS et al, 1995; BUTLER et al, 2001; MILLER, 2007; REEVES, 2008; KENDY et al. 2012).

    5.4.2.1 Modelo de Theis (Glover-Balmer)

    O primeiro modelo detalhado aqui o de Theis (1941) que demonstrou que a reposta de um rio s retiradas dos poos em um aqufero hidraulicamente conectado, depende da transmissividade e do coeficiente de armazenamento do aqufero, da distancia entre o poo e o rio, da vazo de bombeamento do poo e da durao do mesmo.

    Esta soluo assume que o rio infinitamente longo, retilneo e completamente penetrante em um aqufero homogneo, como mostrado na figura 5.3. Possveis alteraes no nvel piezomtrico do aqufero so consideradas muito pequenas em relao sua espessura saturada. No existe nenhuma camada de baixa permeabilidade entre o rio e o aqufero.

    Aplicando o princpio da superposio, um poo imagem utilizado para simular uma condio de recarga entre o poo e o rio, definida pela equao 5.2:

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    Figura 5.3 Representao esquemtica do Modelo de Theis, adaptado de Winter (1995).

    (5.2)

    Onde Sw o rebaixamento no rio [L], Q a vazo bombeada no poo [L3/T], T a

    transmissividade do aqufero [L2/T], u a varivel de Boltzmann, definida pela equao 5.3 e E1 a funo de poo de Theis, definida pela equao 5.4:

    (5.3)

    onde:

    r a distncia do poo ao rio [L];

    T a transmissividade do aqufero [L2/T];

    S o coeficiente de armazenamento do aqufero [Adimensional];

    t o tempo

    (5.4)

    onde:

    e a base dos logaritmos naturais, ( 2,718281828459...);

    t o tempo (T).

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    Glover e Balmer (1954) reescreveram a equao de Theis, utilizando a funo de erro complementar (erfc(x) = 1 erf(x)), e a soluo de Theis agora comumente chamada soluo de Glover-Balmer (Equao 5.5), mas nesta dissertao, trataremos como modelo de Theis, em respeito ao autor original. uma equao muito simples, podendo ser resolvida em uma calculadora de mo, a nica dificuldade o clculo de erfc (funo de erro complementar), que no possui uma soluo exata.

    (5.5)

    Onde Q [L3/T] a depleo do fluxo do rio, resultante do bombeamento de um poo localizado a uma distncia r (L) perpendicular ao rio, Qw [L

    3/T] a vazo de bombeamento de gua