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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Alessandra Pinheiro Rodrigues D'Aquino de Jesus
A proteção das pessoas com deficiência por meio
das ações afirmativas no direito tributário
Mestrado em Direito
São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Alessandra Pinheiro Rodrigues D'Aquino de Jesus
A proteção das pessoas com deficiência por meio
das ações afirmativas no direito tributário
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Robson Maia
Lins.
Mestrado em Direito
São Paulo
2016
Nome: Alessandra Pinheiro Rodrigues D’Aquino de Jesus
Título: A proteção das pessoas com deficiência por meio das ações afirmativas no direito
tributário
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Robson Maia
Lins.
Aprovada em:
Banca examinadora
Prof. Dr. Robson Maia Lins, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Julgamento:
Assinatura:
Prof. _________________________________________, da Universidade ____________.
Julgamento:
Assinatura:
Prof. _________________________________________, da Universidade ____________.
Julgamento:
Assinatura:
Dedico este estudo à minha mãe Ivani, pelo
exemplo de mulher determinada, forte,
batalhadora e sensível às necessidades do
próximo.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Doutor Robson Maia Lins, pelos valiosos
ensinamentos durante o desenvolvimento deste trabalho e pela compreensão quanto aos
obstáculos que a vida nos impõe.
Aos meus pais, Rodolfo D'Aquino e Ivani Pinheiro Rodrigues D'Aquino, por
serem meu porto seguro.
Ao meu marido, Rodrigo Weber de Jesus, por compartilhar a vida e os sonhos.
À minha irmã, Andreza Pinheiro Rodrigues D'Aquino, pela força e por cuidar de
mim.
Às minhas avós, Idalina Pinheiro Rodrigues e Lina D'Aquino, pelas lições de
vida.
Aos meus amigos, Gabriela Azevedo Campos Sales, Márcio Cristiano Ebert,
Jorge Alberto Araújo de Araújo e Eliana Borges de Mello Marcelo, pelo apoio, pelo incentivo
e pelas ideias.
Aos servidores da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo e da Biblioteca do Fórum
Pedro Lessa por todo o auxílio.
“Quem habita este planeta não é o Homem,
mas os homens. A pluralidade é a lei da
Terra.”
Hannah Arendt
JESUS, Alessandra P. R. D'Aquino de. A proteção das pessoas com deficiência por meio
das ações afirmativas no direito tributário. São Paulo, 2016. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
RESUMO
O cerne deste trabalho é o estudo das ações afirmativas no direito tributário destinadas à
proteção da pessoa com deficiência. Procura-se responder às seguintes indagações: existem
desigualdades de fato relevantes e injustificadas no tratamento conferido às pessoas com
deficiência? A eliminação dessas desigualdades de fato está de acordo com os valores
previstos na Constituição? O direito tributário é um ramo do direito que deve ser utilizado
como instrumento para a eliminação das diversas barreiras existentes com vistas à concreção
dos objetivos e valores constitucionais? De quais os mecanismos que o direito tributário
dispõe para realizar esses objetivos? As medidas adotadas estão atingindo as finalidades
desejadas? A escolha do tema se justifica pela relevância da efetiva adoção de ações que
permitam que a pessoa com deficiência tenha participação efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as outras pessoas. A hipótese que guiou a elaboração da pesquisa é a de que
o direito tributário não tem se mostrado alheio a essa necessidade e conta com relevantes
mecanismos para mitigar as diversas barreiras existentes, que obstacularizam o pleno
exercício pelas pessoas com deficiência do direito a uma vida digna, à locomoção, à
comunicação, à educação, ao trabalho. A pesquisa consistiu, num primeiro momento, na
análise do direito, sob a perspectiva do fato, do valor e da norma, ocasião em que os diversos
institutos foram considerados nos pontos relevantes para a compreensão da proteção da
pessoa com deficiência. Num segundo momento, foi realizada uma análise genérica dos
diversos direitos garantidos às pessoas com deficiência com fulcro na Constituição Federal,
na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e no Estatuto da
Pessoa com Deficiência, bem como justificada a adoção de ações afirmativas para a proteção
dessas pessoas. Por fim, num terceiro momento, houve aprofundamento do estudo das ações
afirmativas no direito tributário, oportunidade em que se firmou a correspondência entre as
ações afirmativas e a concessão de benefícios fiscais para a proteção da pessoa com
deficiência e foram expostos os diversos benefícios em espécie positivados no ordenamento
jurídico brasileiro. Constatou-se a importância da concessão dos benefícios fiscais para a
proteção da pessoa com deficiência, embora seja possível avançar na busca resultados ainda
mais significativos.
Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Justiça. Igualdade. Ações afirmativas. Direito
tributário. Benefícios fiscais.
JESUS, Alessandra P. R. D'Aquino de. Protection of persons with disabilities through
affirmative actions in tax law. São Paulo, 2016. Dissertation (Masters degree). Law School,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
ABSTRACT
The core of this research is the study of affirmative actions in tax law aimed at protecting the
person with disability. It seeks to answer the following questions: are there relevant and
injustified inequalities on the treatment given to disabled persons? Is the elimination of these
inequalities conformed to the values laid down in the Brazilian Constitution? Is the tax law a
field of law that should be used as a tool for the elimination of existing barriers aimed at
concretion of objectives and constitutional values? Which mechanisms does the tax law have
to achieve these goals? Are the measures taken achieving the desired goals? The choice of
theme is justified by the importance of the real implementation of actions that allow the
person with disability to have effective participation in society on equal basis with others. The
hypothesis that guided the research is that the tax law has not denied these needs and has
relevant mechanisms to mitigate the various barriers that obstruct the full exercise of the right
to life with dignity, locomotion, communication, education and work by persons with
disabilities. At first, the research consisted in the analysis of law, from the perspective of fact,
value and rule, at which various institutes were considered in the relevant points for
understanding the protection of disabled persons. Secondly, it was conducted a general
analysis of the various rights guaranteed to persons with disabilities by the Brazilian
Constitution, the United Nations Convention on the Rights of Persons with Disabilities and
the Statute of Persons with Disabilities and, also, it was justified the adoption of affirmative
actions to the protection of these persons. Finally, a deep research into affirmative actions in
tax law was conducted, during which was established the correspondence between affirmative
actions and the granting of tax benefits for the protection of the person with disability and the
various benefits existing in the Brazilian legal system were exposed. It was noted the
importance of granting tax benefits for the protection of people with disabilities, although it is
possible go further to significant results.
Keywords: Person with disability. Justice. Equality. Affirmative action. Tax law. Tax
benefits.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AgRg Agravo Regimental
Art., arts. Artigo, artigos
CF Constituição Federal
CTN Código Tributário Nacional
DAA Declaração de Ajuste Anual
Des. Desembargador/Desembargadora
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços
Inc. Inciso
IOF Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro e sobre
operações relativas a títulos ou valores mobiliários
IPI Imposto sobre produtos industrializados
IPVA Imposto sobre a propriedade de veículos automotores
IR Imposto de Renda
IRPF Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (pessoa
física)
ITR Imposto Territorial
Min. Ministro/Ministra
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU Organização das Nações Unidas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
2 NOÇÕES DE TEORIA DO DIREITO: ESTADO, DIREITO, JUSTIÇA,
IGUALDADE E PESSOA COM DEFICIÊNCIA .............................................. 16 2.1 Considerações iniciais.......................................................................................... 16
2.2 Direito como fato social: a realidade das pessoas com deficiência e a
desigualdade de fato ............................................................................................ 23
2.3 Direito como valor: a igualdade como valor a ser concretizado ........................ 35 2.3.1 Noções sobre a teoria dos valores ......................................................................... 37
2.3.1.1 Validade e características dos valores .................................................................... 45 2.3.2 Igualdade como critério para a concretização do valor justiça .............................. 52
2.4 Direito como norma: o direito como instrumento de proteção das pessoas
com deficiência .................................................................................................... 59
2.4.1 Noções gerais: teoria do ordenamento jurídico como sistema de normas
protetivas das pessoas com deficiência .................................................................. 59
2.4.1.1 Normas jurídicas: as sanções positivas e a pessoa com deficiência ......................... 64 2.4.1.2 Regras e princípios: a força normativa dos princípios e a pessoa com deficiência .. 74
2.4.1.3 Princípios e valores: os conceitos práticos deontológicos e axiológicos ................. 81 2.4.2 O princípio da igualdade: a igualdade como critério comparativo e a pessoa
com deficiência ..................................................................................................... 82
3 A PROTEÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ......................................... 89
3.1 Definição de pessoa com deficiência: os sujeitos de direito a serem
protegidos ............................................................................................................ 90 3.2 O ordenamento jurídico brasileiro e as pessoas com deficiência ....................... 99
3.2.1 Constituição Federal: a proteção constitucional da pessoa com deficiência .......... 99 3.2.2 Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo .......................................................................................... 101 3.2.3 Estatuto da Pessoa com Deficiência .................................................................... 105
3.3 Ações afirmativas: políticas públicas a serem adotadas para a concretização
do fundamento e objetivos da República Federativa do Brasil ....................... 110
4 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO: O DIREITO
TRIBUTÁRIO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DAS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA........................................................................................ 116
4.1 Considerações gerais sobre as normas jurídicas tributárias ........................... 116 4.1.1 Princípio da igualdade tributária ........................................................................ 122
4.1.2 Princípios da capacidade contributiva e da solidariedade ................................... 127 4.1.3 Extrafiscalidade como mecanismo para a igualdade de participação .................. 133
4.1.3.1 A progressividade e a regressividade ................................................................... 137 4.1.3.2 Seletividade de alíquotas e essencialidade ........................................................... 138
4.1.3.3 A concessão de benefícios fiscais ........................................................................ 141 4.1.3.3.1 As isenções.......................................................................................................... 151
4.2 Os benefícios fiscais como ações afirmativas do direito tributário .................. 162 4.2.1 Isenção do IR – doenças graves ........................................................................... 163
4.2.1.1 Considerações gerais ........................................................................................... 163 4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR ...................................................................... 164
4.2.1.3 A norma isentiva - doenças graves ....................................................................... 165
4.2.1.4 A norma isentiva e o princípio da igualdade ........................................................ 170 4.2.2 Dedução da base de cálculo do IR – despesas com saúde .................................... 172
4.2.2.1 Considerações gerais ........................................................................................... 172 4.2.2.2 A norma isentiva parcial - despesas com saúde .................................................... 173
4.2.2.3 O beneficio fiscal e o princípio da igualdade........................................................ 174 4.2.3 Dedução da base de cálculo do IR – despesas com educação equiparadas à
saúde ................................................................................................................... 175 4.2.3.1 Considerações gerais ........................................................................................... 175
4.2.3.2 A norma isentiva parcial - despesas com educação equiparadas à saúde ............... 176 4.2.3.3 O beneficio fiscal e o princípio da igualdade........................................................ 177
4.2.4 Isenção do IPI na aquisição de automóvel de passeio .......................................... 178 4.2.4.1 Considerações gerais ........................................................................................... 178
4.2.4.2 A regra-matriz de incidência do IPI ..................................................................... 179 4.2.4.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel de passeio ........................................ 180
4.2.4.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 183 4.2.5 Isenção do ICMS na aquisição de automóvel de passeio ...................................... 185
4.2.5.1 Considerações gerais ........................................................................................... 185 4.2.5.2 A regra-matriz de incidência do ICMS................................................................. 186
4.2.5.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel de passeio ........................................ 187 4.2.5.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 190
4.2.6 Isenção do IPVA sobre a propriedade de veículos automotores ........................... 192 4.2.6.1 Considerações gerais ........................................................................................... 192
4.2.6.2 A regra-matriz de incidência do IPVA ................................................................. 193 4.2.6.3 A norma isentiva – ser proprietário de automóvel “adaptado” .............................. 195
4.2.6.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 197 4.2.7 Isenção do IOF na aquisição de automóveis mediante financiamento bancário ... 198
4.2.7.1 Considerações gerais ........................................................................................... 198 4.2.7.2 A regra-matriz de incidência do IOF .................................................................... 199
4.2.7.3 A norma isentiva – aquisição de crédito para a compra de automóvel adaptado ... 200 4.2.7.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 201
4.2.8 Isenção do ICMS nas operações com artigos e aparelhos ortopédicos e para
fraturas ............................................................................................................... 202
4.2.8.1 Considerações gerais ........................................................................................... 202 4.2.8.2 A norma isentiva – artigos e aparelhos ortopédicos e para fraturas ....................... 202
4.2.8.3 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 204 4.2.9 Isenção do ICMS nas operações relativas às mercadorias destinadas a pessoas
com deficiência física, auditiva ou visual. ............................................................ 205 4.2.9.1 Considerações gerais ........................................................................................... 205
4.2.9.2 A norma isentiva – mercadorias destinadas a pessoas com deficiência física,
auditiva ou visual ................................................................................................ 206
4.2.9.3 A regra isentiva e o princípio da igualdade .......................................................... 209
5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 211
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 220
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal preceitua que a dignidade da pessoa humana é um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil, o que impõe sejam os homens e mulheres
considerados, em todas as suas particularidades e individualidades, como fim e não meio.
Além disso, também por imposição constitucional, a sociedade brasileira tem por
objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da
marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos sem
qualquer forma de discriminação.
A presente dissertação tem por finalidade analisar o cumprimento desses objetivos
sob a perspectiva das pessoas com deficiência no âmbito do direito tributário.
Por pessoa com deficiência entende-se toda aquela que tem impedimentos de
longo prazo, os quais, em interação com as diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante
estabelece a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esses
impedimentos de longo prazo podem ser de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.
Para que seja possível compreender o raciocínio que será construído, alguns
esclarecimentos são desde já necessários.
Adota-se o entendimento de que além da realização do princípio da igualdade
perante e na lei, existem desigualdades de fato injustificadas que precisam ser corrigidas por
meio da igualdade material.
Nesse aspecto, constata-se que as pessoas com deficiência possuem menos
oportunidades de participação na sociedade, seja em decorrência da discriminação (barreira
atitudinal), seja em decorrência de diversas outras barreiras existentes (física e
comunicacional).
O tema objeto da pesquisa possui grande relevância diante do número expressivo
de pessoas com deficiência, pois em torno de 10% da população mundial possui algum tipo de
impedimento. Além disso, existe um círculo vicioso em que a deficiência pode ser tanto a
causa, como a consequência da pobreza.
Desse modo, partindo dos valores e princípios constitucionais positivados,
entende-se que essas diferenças de tratamento e de oportunidades devem ser corrigidas, com
vistas à promoção da igualdade material.
12
Para tanto, parte-se do entendimento de que as chamadas ações afirmativas, ou
seja, as políticas públicas ou privadas instituídas e realizadas com o intuito de eliminar as
desigualdades de fato injustas, são medidas dotadas de constitucionalidade e, portanto,
instrumentos legítimos para a eliminação da discriminação, a erradicação da marginalização e
a promoção da justiça.
De conseguinte, defende-se a existência de mecanismos como a reserva de vagas
para pessoa com deficiência no serviço público e no serviço privado, a reserva de vagas na
concessão de licença para taxistas e a reserva de vagas no ensino superior.
Contudo, embora não se desconsidere a relevância dessas medidas para assegurar
o acesso das pessoas com deficiência e, em consequência, a promoção da diversidade nas
áreas correlatas de trabalho e ensino compreende-se que os mecanismos dispostos no
ordenamento jurídicos brasileiros não podem ser limitados ao sistema de cotas.
Sob essa perspectiva, ou seja, na busca da identificação de outros mecanismos tão
ou mais eficazes que o sistema de cotas, o presente estudo terá como foco o direito tributário.
O norte desta pesquisa é a busca de respostas para os seguintes questionamentos:
existem desigualdades de fato relevantes e injustificadas no tratamento conferido às pessoas
com deficiência? A eliminação dessas desigualdades de fato está de acordo com os valores
previstos na Constituição? O direito tributário é um ramo do direito que deve ser utilizado
como instrumento para a eliminação das diversas barreiras existentes com vistas à concreção
dos objetivos e valores constitucionais? De quais os mecanismos que o direito tributário
dispõe para realizar esses objetivos? As medidas adotadas estão atingindo as finalidades
desejadas?
Almeja-se analisar o direito tributário como um ramo do direito propício para a
adoção de ações afirmativas com vistas à proteção da pessoa com deficiência.
Para o desenvolvimento dessa pesquisa, serão analisados os benefícios fiscais
previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Entende-se por benefícios fiscais quaisquer
benefícios previstos na legislação tributária que proporcionem uma condição ou situação mais
favorável a determinados contribuintes.
Contudo, a análise será restrita aos benefícios fiscais que, ao desobrigar o
pagamento de um dado tributo, ao reduzir o montante a ser pago ou ao criar condições mais
favoráveis para determinado contribuinte, tenham por meta a eliminação ou redução de
diversas barreiras que impedem que a pessoa com deficiência tenha plena participação na vida
em sociedade.
13
O tema ainda assume grande importância diante dos poucos estudos realizados
com o foco específico dos benefícios fiscais para a proteção da pessoa com deficiência.
A pesquisa realizada resultou na elaboração de três capítulos (capítulos, 2, 3 e 4),
além desta introdução (capítulo 1) e da conclusão (capítulo 5).
O segundo capítulo divide-se em quatro partes: a) considerações iniciais; b)
direito como fato social: a realidade das pessoas com deficiência e a desigualdade de fato; c)
direito como valor: a igualdade como valor a ser concretizado; e d) direito como norma: o
direito como instrumento de proteção das pessoas com deficiência.
No item “considerações iniciais”, a exposição é iniciada com o esclarecimento a
respeito do método de estudo adotado, qual seja, sobre o constructivismo lógico-semântico.
Prosseguindo, a partir de noções a respeito da teoria geral do direito, são expostas as várias
teorias existentes relativas à definição do vocábulo direito, bem como os motivos pelos quais
é adotada a teoria tridimensional do jurista Miguel Reale, ou seja, o conceito de direito como
fato, valor e norma.
Os demais subitens do primeiro capítulo – direito como fato social: a realidade
das pessoas com deficiência e a desigualdade de fato, direito como valor: a igualdade como
valor a ser concretizado e direito como norma: o direito como instrumento de proteção das
pessoas com deficiência – são desenvolvidos levando em consideração essa definição
tridimensional do direito.
Na parte destinada ao estudo do direito como fato social é tecida uma breve
explicação acerca dos diversos tratamentos que o direito conferiu às pessoas com deficiência
e, com a finalidade de contextualizar a desigualdade de fato existente comparativamente à
participação na sociedade de uma pessoa com deficiência e de uma pessoa sem deficiência,
são trazidos dados do IBGE e da ONU.
Na segunda parte, visando trazer noções sobre o direito como valor, são expostos
conceitos importantes da teoria dos valores. Ademais, ao se identificar os importantes valores
para o direito – justiça e igualdade – são explanadas as razões pelas quais a igualdade é eleita
como critério para a concretização da justiça. Também é abordada a questão referente à
importância do valor justiça para a tributação, bem como destacada a possibilidade de
utilização dos tributos para a realização de fins extrafiscais.
Após essa breve exposição sobre a realidade da pessoa com deficiência e da
tensão existente entre esse fato social e os valores aceitos pela sociedade, o estudo prossegue
sob o prisma do direito como norma.
14
Nesta parte do trabalho, são tecidas noções sobre a teoria geral do direito, com a
exposição de importantes conceitos do direito, como a diferenciação entre a Ciência do
Direito e o direito positivo, noções sobre o ordenamento jurídico e sobre a estrutura da norma
jurídica. Ademais, destaca-se a evolução do direito que, ao lado das sanções negativas, passou
a contar com um forte instrumento para incentivar as condutas que entende como adequadas
para a vida em sociedade, isto é, as chamadas sanções positivas.
São explicitadas, outrossim, as diversas teorias que tratam das diferenciações
entre os princípios e as regras e, a partir da compreensão dos princípios como normas
jurídicas portadoras de grande conteúdo axiológico, apresenta-se a evolução do princípio da
igualdade ao longo do tempo até culminar com a noção de igualdade material ou substancial,
centrada na noção de igualdade de oportunidades. Por fim, ainda tendo em conta o princípio
da igualdade, é explicitado o método proposto por Celso Antônio Bandeira de Mello com
vistas a verificar a constitucionalidade de uma norma jurídica sob a perspectiva do princípio
da igualdade.
Expostos os conceitos de direito sob as três perspectivas – fato, valor e norma –, o
terceiro capítulo é dedicado à análise das normas jurídicas protetivas das pessoas com
deficiência.
Nesse capítulo, a definição da pessoa com deficiência é tratada com maior
profundidade, abordando-se a alteração de paradigma na compreensão da deficiência, com o
modelo médico de deficiência dando lugar ao modelo social ou biopsicossocial de deficiência.
Ademais, com a finalidade de trazer um panorama geral, são expostas as principais normas
que cuidam da proteção da pessoa com deficiência previstas na Constituição Federal, na
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Estatuto da
Pessoa com Deficiência. Por fim, a proteção é analisada sob a perspectiva das ações
afirmativas.
Chega-se, então, ao último capítulo, com estudos direcionados para o ramo do
direito tributário. Como antecedentes necessários ao desenvolvimento do tema, são tecidas
considerações referentes a esse ramo do direito, notadamente sobre a atividade tributária do
Estado, a existência de um verdadeiro sistema tributário nacional, a definição e espécies de
tributo e da regra-matriz de incidência. Retomando o conceito e a importância dos princípios,
discorre-se o princípio da igualdade tributária, com apoio na metodologia de trabalho de José
Artur Lima Gonçalves quanto à análise das regras tributária sob o prisma do principio da
igualdade.
15
Cuida-se, também neste capítulo, dos princípios da capacidade contributiva e da
solidariedade, bem como acerca da importância da extrafiscalidade para a concretização da
igualdade material. São expostas, então, as diversas técnicas para a obtenção de finalidades
extrafiscais: a) a progressividade e a regressividade; b) a seletividade de alíquotas e
essencialidade, destacando-se a utilização de alíquotas zero para a tributação do IPI incidente
sobre a industrialização de diversos instrumentos necessários para a pessoa com deficiência; e
c) a concessão de benefícios fiscais, oportunidade em que são trazidas as definições de
benefícios fiscais em sentido amplo e em sentido estrito e expostas as suas espécies.
Dadas as peculiaridades e a importância que as isenções possuem, essa espécie de
benefício fiscal é tratada em tópico próprio.
Para finalizar o estudo dos benefícios fiscais como ações afirmativas para a
proteção das pessoas com deficiência, são abordados os benefícios em espécie positivados no
ordenamento jurídico brasileiro: a) isenção do imposto sobre a renda – IR na hipótese de
doenças graves; b) dedução da base de cálculo do IR – despesas com saúde e com educação
equiparadas à saúde; c) isenção do imposto sobre produtos industrializados – IPI, imposto
sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços – ICMS e imposto sobre operações de
crédito, câmbio e seguro e sobre operações relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF na
aquisição de automóvel de passeio; d) isenção do imposto sobre a propriedade de veículos
automotores – IPVA sobre a propriedade de veículos automotores; e) isenção do ICMS nas
operações com artigos e aparelhos ortopédicos; e f) para fraturas e isenção do ICMS nas
operações relativas às mercadorias destinadas a pessoas portadoras de deficiência física,
auditiva ou visual.
A exposição de cada um dos benefícios em espécie é feita da seguinte forma:
principia com considerações gerais a respeito de cada um dos impostos, segue com a
exposição dos elementos que integram a regra-matriz de incidência tributária, bem como a
norma isentiva, concentrando-se a análise na identificação do elemento da regra-matriz de
incidência que a norma isentiva mutila, e, por fim, analisa-se o benefício fiscal sob a
perspectiva do princípio da igualdade.
16
2 NOÇÕES DE TEORIA DO DIREITO: ESTADO, DIREITO, JUSTIÇA,
IGUALDADE E PESSOA COM DEFICIÊNCIA
2.1 Considerações iniciais
Retomando o que já constou da introdução, o objetivo da presente dissertação é o
estudo da proteção da pessoa com deficiência pelo ordenamento jurídico brasileiro, mais
especificamente por meio de ações afirmativas no âmbito tributário.
A análise será feita a partir do método ou forma de compreender o Direito
proposto por Paulo de Barros Carvalho, denominado Constructivismo Lógico-Semântico ou
Teoria comunicacional do direito, que se vale de importantes reflexões da Filosofia da
Linguagem, da Semiótica e da Lógica.
Segundo Paulo de Barros Carvalho:
O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo, um instrumento de
trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do
pensamento; meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do saber científico tradicional.
Acolhe, com entusiasmo, a recomendação de Norberto Bobbio, segundo a
qual não haverá ciência ali onde a linguagem for solta e descomprometida.
O modelo constructivista se propõe amarrar os termos da linguagem, segundo esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado
especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o
plano do conteúdo, escolhendo as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação
1.
Esse método parte da concepção de que é a linguagem que constitui e desconstitui
a realidade.
O mundo que se conhece, as árvores, o céu, as praias, as praças, os arranha-céus,
as pontes só existem para o homem porque foram criados por ele. Não se toma a expressão
literal de “criados”, vale dizer, não se pretende significar que o homem colocou a “mão na
massa” e proporcionou a existência desses bens, embora em grande parte isso também seja
verdade. Pretende-se dizer que o modo como conhecemos o mundo decorre da percepção que
cada ser humano possui do universo, o que pode coincidir ou não e que é influenciada pela
maneira de ver o mundo por seus antepassados. De igual forma, preleciona Aurora Tomazini
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico in Constructivismo lógico-
semântico. Aurora Tomazini de Carvalho (org), São Paulo: Noeses, 2014, v. I, p. 4.
17
de Carvalho: “o ser humano só conhece o mundo quando o constitui linguisticamente em seus
intelectos”2.
O homem constrói em sua mente o mundo em que vive em um constante processo
interpretativo. Em outras palavras, a linguagem é o modo natural de o homem conhecer e
entender o mundo em um processo criacionista.
Nos dias atuais, o estudo linguístico encontra relevante importância para o
conhecimento científico. Consoante ensinamentos de Fabiana Del Padre Tomé, embora não se
possa falar que inexiste objeto físico onde não haja linguagem, apenas “pela linguagem, e
somente por ela, a realidade social se constitui. A linguagem não cria o mundo-em-si, como
objeto fenomênico, mas sim a sua compreensão, realidade objetiva do ser cognoscente”3.
Indo além, é possível afirmar que a linguagem – construções linguísticas – está
condicionada ao contexto sociocultural em que inserido o intérprete. O conhecimento que se
tem das coisas se dá a partir das palavras e do significado delas em uma língua específica, que
é formada a partir da influência direta de uma cultura. O homem integra uma cultura, que
condiciona e influi na construção da língua. O objeto do conhecimento não é a coisa em si,
mas as construções linguísticas que se reportam a outras construções linguísticas.
Portanto, de acordo com Aurora Tomazini Carvalho “o objeto do conhecimento
não são as coisas em si, mas as proposições que as descrevem, porque delas decorre a própria
existência dos objetos”4.
Ao se conferir grande importância ao próprio intérprete e construtor do mundo,
passa-se a admitir a inexistência de verdades absolutas. Isso, não se quer dizer, contudo, que
não existam verdades ou que existam apenas verdades intersubjetivas. Todo o discurso e toda
a teoria são realizados em nome da verdade. Entretanto, a verdade é aferida a partir de um
dado referencial, de forma que, mudando o modelo-referencial, são possíveis outras
conclusões.
Nesse método (constructivismo lógico-semântico), o direito também é
considerado como linguagem e sua análise deve ser realizada tendo como base os aspectos
sintático ou lógico, semântico e pragmático. Ademais, essa análise, realizada observando
todos esses aspectos, somente será possível tendo em conta o valor.
2 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico.
São Paulo: Noeses, 2014, p. 15. 3 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Teoria do fato jurídico e a importância das provas in Constructivismo lógico-
semântico. Aurora Tomazini de Carvalho (org), São Paulo: Noeses, 2014b, v. I, p. 328. 4 CARVALHO, A., op. cit., p. 16.
18
Nesse passo, exsurge um dos paradoxos no estudo e interpretação do direito. Isso
porque o homem busca sempre uma explicação única, uma teoria única, uma verdade única.
No caso específico do direito, um dos seus fundamentos basilares é a segurança jurídica.
Entretanto, a realidade vivenciada pelo operador do direito aponta no sentido da possibilidade
de mais de uma interpretação de um mesmo fenômeno, sendo que a diferença entre as
diferentes interpretações está exatamente na carga argumentativa. De acordo com Aurora
Tomazini Carvalho:
Esclarecemos, porém, que adotar a postura de serem as normas jurídicas
construção do intérprete, não importa situar o direito no plano das subjetividades (intrassujeito) e nem limitá-lo à vontade do intérprete.
Adotamos uma posição culturalista perante o direito ao concebê-lo como
instrumento linguístico susceptível de valoração e utilizado para
implementar certos valores, mas ao mesmo tempo, positivista ao considerar que tais valores objetivam-se no texto positivado e que todas as valorações
do sujeito interpretante estão restritas a ele5.
O estudo será realizado a partir de um direito posto, ou seja, de um conjunto de
normas válidas e vigentes, no caso, o ordenamento jurídico brasileiro.
Quando se pensa em um dado ordenamento jurídico, alguns questionamentos
surgem, como: o que é o direito? O que é o ordenamento jurídico? Qual a diferença entre
Ciência do Direito e o direito positivo? O que são normas jurídicas? Qual a diferença entre
normas e princípios? As ações afirmativas também configuram normas jurídicas? O que são
valores? Como concretizar os valores justiça e igualdade?
Para a melhor compreensão do ponto fulcral do presente trabalho consistente no
estudo das ações afirmativas positivadas no direito tributário e com a finalidade de manter o
rigor técnico exigido, permite-se trazer à baila algumas considerações sobre os
questionamentos acima explicitados, oportunidade em que se ingressará em importantes
conceitos da teoria geral do direito.
Não se desconhece a dificuldade em apresentar uma definição de direito.
Conforme ensinamento de Tercio Sampaio Ferraz Jr., grande parte das definições
apresentadas são genéricas e abstratas em demasia, o que impede identificar precisamente os
seus contornos. Em outros casos, são muito restritas, de forma a perder a sua universalidade6.
Para Aurora Tomazini Carvalho, definir “direito” não é tão simples, uma vez que
as “possibilidades de suas formas de uso e estruturação frásica são muitas. Seu conceito é
5 CARVALHO, A., 2014, p. 236/237. 6 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução do estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 7. ed.
São Paulo: Atlas, 2013, p. 9/10.
19
amplo, os vários modos de recortá-lo demonstram a infinidade de definições possíveis e, em
cada uma, a constituição de diferentes realidades jurídicas”7.
Quando se pensa na palavra direito, pelos menos três noções invadem a mente.
Ora ele designa a própria Ciência do Direito, ora o conjunto de normas e instituições, ora
confunde-se com o próprio direito subjetivo.
Prosseguindo nessa compreensão, há os que definem direito como fato social,
outros como norma ou sistema de normas, outros como norma e fato social e, ainda, segundo
a teoria de Miguel Reale, como fato, valor e norma.
Aurora Tomazini Carvalho adota a segunda concepção acima indicada. O direito é
“um conjunto de normas jurídicas válidas num dado país, que se materializam por meio de
uma linguagem, mas que só têm existência e sentido porque imersas num universo cultural
(valorativo), que as determinam”8. Para referida autora, o direito consubstancia-se em normas
jurídicas: “Nada além, nem antes e nem depois delas”9.
De conseguinte, nessa definição restrita de direito, quando se propõe estudar a
realidade sob o enfoque jurídico, eventual análise do fato social enseja a ampliação do
conceito do direito de forma que, embora sob o fundamento de um prisma jurídico, está sendo
feito um estudo sociológico. Tal forma de entender o direito, contudo, não proporciona a
depreciação do fato social, uma vez que o direito se vale do recorte dos fatos sociais para
disciplinar as condutas (hipótese e antecedente) e as consequências.
Nesse mesmo sentido, Miguel Reale esclarece que a corrente de pensamento que
compreende o direito como norma, embora não despreze a importância das causas das
relações jurídicas, da observação da realidade social e dos fins que legitimam a convivência,
entende que esse estudo não é objeto da Ciência Jurídica, mas de outras ciências, como a
Sociologia ou a Política stricto sensu, restando apenas o estudo da norma jurídica na plenitude
de sua força lógica10
.
Por outro lado, a partir de uma visão mais ampla do direito, segundo a concepção
tridimensional de Miguel Reale, “o Direito é síntese ou integração de ser e de dever ser, é fato
e é norma, pois é o fato integrado na norma exigida pelo valor a realizar”11
.
7 CARVALHO, A., 2014, p. 66.
8 Ibid., p. 92. 9 Ibid., p. 90. 10 REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. 5. ed. rev. São Paulo, 2000, Capítulo 1 A concepção
culturalista do Estado e o problema metodológico. 11 REALE, loc. cit.
20
Ainda de acordo com o referido doutrinador, embora o momento de maior
importância para o jurista seja, de fato, o momento normativo, os outros elementos também
são imprescindíveis para a compreensão do direito, que nada mais é do que uma experiência
social de natureza dialética, em que todos os seus elementos – fato, valor e norma – a
integram, de modo que essa experiência se mantém una e concreta na diversidade de seus
momentos. Faz necessário e imprescindível a referência à tensão existente entre os “dados de
fato e às exigências axiológicas que lhe deram vida, assim como às intercorrentes ou
sucessivas implicações fático-axiológicas capazes de alterar-lhe o significado”12
.
Dessa forma, o direito é fato social porque ele nasce como obra cultural e é a
partir da vivência e também com o objetivo de proporcionar melhores condições para a vida
em sociedade que ele é criado. Em outras palavras, o direito é uma realidade psicossocial em
constante transformação. Há uma conexão com os valores éticos e sociais da convivência e
com elementos econômicos.
O direito também é um conjunto de normas, normas essas de condutas e de
estruturas, dotado de certa organização lógica e de uma unidade (relações de coordenação e de
subordinação-hierárquica).
Contudo, a compreensão do direito não é completa sem a consideração dos
valores que proporcionam desde a escolha das condutas a serem exigidas, permitidas,
proibidas ou mesmo incentivadas, até a forma pela qual essas condutas serão tipificadas. O
direito, a partir dos valores aceitos por uma determinada sociedade e levando em conta a
importância conferida a cada um desses valores, proporciona a ordenação social. É a partir
dessa valoração que o direito institucionaliza a relação entre as pessoas.
Miguel Reale preleciona que:
Na realidade, não nos é possível enunciar uma norma jurídica obedecendo
tão-somente a conexões lógicas a priori do pensamento in abstrato, ainda quando nos propomos atingir hipoteticamente um resultado; nem podemos
conceber a norma jurídica como uma relação neutra e objetiva, como se
fosse simples cópia ou retrato de conexões de natureza factual. Toda norma jurídica assinala uma tomada de posição perante os fatos em função
tensional de valores13
.
Em consequência, é possível afirmar que a norma jurídica nasce da tensão
existente entre o fato social e os valores aceitos por uma dada sociedade, de forma que o
nascimento da norma “pressupõe sempre uma tomada de posição perante fatos sociais, tendo-
12 REALE, Miguel. O direito como experiência. 2. ed. 4. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 201. 13 Id. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. 9. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 96.
21
se em vista a realização de determinados valores”14
. Contudo, o processo não é estático, de
forma que “uma norma jurídica, uma vez emanada, sofre alterações semânticas, pela
superveniência de mudanças no plano dos fatos e valores, até se tornar necessária a sua
revogação”15
.
Desse modo, ainda segundo referido autor, “todo direito representa uma
apreciação de fatos e de atos segundo uma tábua de valores que o homem deseja alcançar
tendo em vista o valor fundamental do justo”16
, de forma que “não nos parece possível
compreender o direito sem referibilidade a um sistema de valores, em virtude do qual se
estabeleçam relações de homem para homem com exigibilidade bilateral de fazer ou de não
fazer alguma coisa”17
.
Em outras palavras, o fenômeno jurídico com suas diversas perspectivas tem por
objetivo central a melhor organização da vida dos homens em sociedade. Ele é parte da
experiência humana e composto pelos seguintes elementos constitutivos: “ideias de justiça a
realizar, instituições normativas para realizá-los, ações e reações dos homens frente àqueles
ideais e a essas instituições”18
.
De acordo com Joseph Raz, as características mais importantes do direito são a
normatividade, a forma institucional e a coercitividade. Ele é normativo porque tem por
objetivo servir de orientação para as condutas humanas. É institucionalizado, porque a sua
criação, aplicação e modificação são executadas ou reguladas por instituições. Por fim, ele é
coercitivo, pois o cumprimento de seus comandos normativos é garantido, em última
instância, pelo uso da força19
.
Nessa visão do direito como fato, valor e norma não é possível deixar de
relacionar o direito à noção de Estado.
Isso porque, de acordo com J. J. Gomes Canotilho, “numa sociedade plural e
complexa, a constituição é sempre um produto do ‘pacto’ entre forças políticas e sociais”20
,
produto esse resultante das mais diversas formas de composição dos interesses conflitantes
14 REALE, 2014, p. 101. 15 REALE, loc. cit. 16 Id., 2000, Capítulo 1 A concepção culturalista do Estado e o problema metodológico. 17 REALE, loc. cit. 18 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Ariani Bueno Sudatti e Fernando Pavan
Baptista. 5. ed. rev. 1. reimp. São Paulo: EDIPTRO, 2014, p. 55. 19 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de
Maria Cecília Almeida. Revisão de tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2012, p. 4. 20 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 16. reimp. Coimbra:
Edições Almedina, 1941, p. 218.
22
em jogo, por meio da barganha, da argumentação ou de cooperação na deliberação mesmo
nos casos sensíveis de desacordos persistentes.
De forma similar, leciona Miguel Reale, que embora sob o olhar do jurista o
direito se revele predominantemente como norma, ele não deixa de ser uma realidade
essencialmente histórica. Desse modo, cada norma jurídica existente significa a solução que
foi dada, no âmbito de certa conjuntura histórico-social, para resolver a tensão existente entre
as “exigências axiológicas (pressões políticas ou ideológicas, interêsses de ordem econômica,
valorações jurídicas, morais, religiosas, etc.) e um dado complexo de fatos, isto é, todas as
condições, circunstâncias e realidades já existentes no ato em que a norma surge”21
.
Nesse diapasão, o Estado considerado neste trabalho é o Estado Democrático de
Direito, que cresceu em importância e em funções, assumindo posturas ativas perante os
problemas sociais. Tercio Sampaio Ferraz Jr. preleciona que, além da função garantidora e
repressiva, hoje o Estado ocupa relevante posição como produtor de serviços e mercadorias,
além de regulamentador da economia. Acompanhando esse avanço, foi sendo alterada a
legislação e o Estado foi dotado de diversos mecanismos jurídicos para permitir, “de um lado,
organizar sua própria máquina assistencial, de serviços e de produção e, de outro, criar um
imenso sistema de estímulos e subsídios” 22
.
Contudo, levando em consideração essas divergências de forças, o valor maior
considerado neste trabalho é a dignidade da pessoa humana que, na concepção Kantiana,
significa que a pessoa humana é um fim e não um meio.
No desempenho das funções ora assumidas pelo Estado, como também prestador
de serviços, cabe a ele não desprezar o valor da dignidade humana e proporcionar, de fato,
medidas capazes de efetivamente implementar os direitos sociais, econômicos e culturais,
com a finalidade de propiciar que todos os cidadãos possuam condições de participar
ativamente na vida em sociedade.
Nesse passo, de acordo com Sidney Madruga, o novo papel do Estado como
regulador e fomentador da economia deve ter como objetivo a redução das desigualdades e
injustiças sociais que atingem milhões de pessoas em todo o mundo e ele deverá ser atingido
por meio da implementação de direitos sociais, econômicos e culturais23
.
21 REALE, 2010, p. 201. 22 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 59. 23 MADRUGA, Sidney. Pessoas com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e ações afirmativas.
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 53.
23
Ganha relevância, em consequência, a adoção de ações que permitam que as
pessoas com deficiência, em igualdade de condições, também participem ativamente da
sociedade.
Apenas antecipando o que será exposto com maior profundidade no item “3.1
Definição de pessoa com deficiência: os sujeitos de direito a serem protegidos”, no presente
trabalho adota-se a definição de pessoa com deficiência da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, segundo a qual, pessoa com deficiência é aquela que
tem impedimentos de longo prazo, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as
demais pessoas. Esses impedimentos de longo prazo podem ser de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial.
Dessa forma, nas diversas oportunidades em que se individualizar o sujeito de
direitos como sendo a pessoa com deficiência, deverão ser levados em consideração os
seguintes elementos: um corpo com impedimentos em interação com as diversas barreiras
gerando a desigualdade de participação na sociedade.
Por outro lado, entende-se por ações afirmativas as diversas políticas públicas –
inclusive fiscais – e privadas previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade
de permitir à pessoa com deficiência a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas. Dito de outro modo, as ações afirmativas são um
instrumento para a concretização dos valores consagrados na Constituição de forma a
proporcionar igualdade de participação e recursos e a eliminação da discriminação.
Diante desta finalidade, surge toda a problemática referente ao uso das ações
afirmativas no âmbito tributário como medida de proteção da pessoa com deficiência, foco do
presente trabalho.
Na linha do acima exposto, embora o conceito de direito não possa ser
compreendido em toda a sua extensão sem a consideração dos seus três elementos (fato, valor
e norma), para fins didáticos e melhor sistematização, será realizada adiante a análise de cada
um desses elementos de forma isolada, embora não de forma estanque.
2.2 Direito como fato social: a realidade das pessoas com deficiência e a desigualdade de
fato
Ao recortar certos fatos da realidade numa dada sociedade e lhes conferir
característica de licitude ou ilicitude, o direito também pode ser visto como obra cultural, que
continuamente se aperfeiçoa e evolui.
24
Importante, portanto, para a melhor compreensão do fenômeno jurídico, voltar-se
também para a realidade concreta. Para Miguel Reale, o jurista não pode desconsiderar a
realidade concreta, as circunstâncias do meio social em que vive, com todas as suas
peculiaridades e contingências. Por outro lado, ele deve sempre ter em mente o ideal sublime
da justiça. Ele fica, portanto, entre “o que deve ser e o que é, sentindo que a realidade
histórica jamais exaure e atualiza os valores ideais que sugere e revela” 24
.
Contudo, a análise não pode prosseguir sem a exata compreensão do que seria
essa realidade concreta, na perspectiva do direito como linguagem.
Conforme já mencionado no presente trabalho (item “2. Noções de Teoria do
Direito: Estado, Direito, Justiça, igualdade e Pessoa com deficiência”), a linguagem é o
modo pelo qual o homem constrói o mundo e o próprio direito.
Conforme sustenta Paulo de Barros Carvalho, enquanto a realidade em que
vivemos ou o mundo circundante é criado pela linguagem natural, o domínio jurídico ou o
campo material das condutas intersubjetivas é criado pela linguagem do direito. Destarte, não
haverá fato jurídico sem a respectiva linguagem que o retrate como tal25
.
Dessa forma, no caso do direito positivo, num primeiro momento, o acesso que se
tem a ele é das palavras marcadas em um suporte físico. Esse é o ponto de partida para a
compreensão da norma e não o de chegada, cuja análise pressupõe o ingresso nos diferentes
campos cognoscitivos: sintático, semântico e pragmático26
. Daí ser possível falar em direito
como texto, uma vez que “ele se apresenta na forma idiomática escrita, é composto por signos
arbitrariamente construídos e aceitos por convenções linguísticas (símbolos)”27
.
Por outro lado, se o direito é texto, não é possível falar em texto, sem o contexto.
Vale dizer: todo o texto está inserido em um processo histórico-social em que se vislumbram
as formações ideológicas. Dessa forma, a compreensão de um texto pressupõe sempre um
diálogo com outros textos ou outros discursos (contexto).
Esse diálogo entre os textos passados, presentes e futuros pode ser definido como
intertextualidade, que é um dos axiomas da interpretação. No âmbito do direito, a
intertextualidade pode envolver tanto textos estritamente jurídicos, como textos de outras
áreas de conhecimento, como da Sociologia do Direito.
24 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 554. 25 CARVALHO, Paulo de Barros. Entre a forma e o conteúdo na desconstituição dos negócios jurídicos
simulados. São Paulo: IBET, 2014b, p. 4. Disponível em: <http://www.ibet.com.br/download/
PBC%20Forma%20e%20conteúdo.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. 26 Ibid., p. 6. 27 CARVALHO, A., 2014, p. 177.
25
Paulo de Barros Carvalho classifica a intertextualidade em dois níveis. No nível
estritamente jurídico, a relação se dá entre os textos dos diversos ramos do ordenamento
jurídico (intertextualidade interna ou intrajurídica). No nível jurídico em acepção lata, a
relação ocorre com textos que têm o direito como objeto, mas o consideram sob ângulo
externo, como a Sociologia do Direito, a História do Direito, a Antropologia Cultural do
Direito (intertextualidade externa ou extrajurídica)28
.
Ainda se faz oportuno, para se prosseguir na exposição, a diferenciação entre
evento e fato.
Isso porque o evento é “o acontecimento do mundo fenomênico, despido de
qualquer relato linguístico”29
. O fato, por sua vez, é o evento interpretado de acordo com uma
linguagem própria, ou seja, no caso da linguagem jurídica, tem-se o fato jurídico, no caso da
linguagem sociológica, o fato social.
O mero acontecimento natural não integra nem o sistema jurídico, nem o sistema
social. É preciso que esse acontecimento existente no mundo da experiência seja convertido
na linguagem própria de cada um desses sistemas. Em sendo vertido para a linguagem social,
ele será considerado fato social. Em sendo vertido para a linguagem jurídica, tratar-se-á de
fato jurídico. Destarte, de acordo com Fabiana Del Padre Tomé, “os fatos da chamada
realidade social, enquanto não constituídos mediante linguagem jurídica própria, qualificam-
se como eventos em relação ao mundo do direito”30
.
Tendo em conta o objetivo do presente trabalho, imprescindível fazer uma breve
digressão histórica para compreender o fato social (contexto) consubstanciado na realidade
das pessoas com deficiência e como o direito disciplinava a realidade dessas pessoas (fato
jurídico) e, em consequência, como a sociedade encarava a deficiência.
A partir de então será possível compreender que o fato social nesta perspectiva é
relevante para a sociedade e é disciplinado pelo direito.
Antonio Leon Aguado Diaz leciona que:
Es decir, cada sociedad tiene en cada momento histórico unas determinadas necesidades y unos valores sociales (contexto social), en función de los
cuales se establece lo que es adecuado socialmente y lo que resulta
inadecuado (diferencia), unos encargados (expertos) que precisan la forma
de distinguir (criterios de selección) a los sujetos (diferentes), el calificativo con que se les ha de reconocer (terminología), la función que
28 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo, 2013, p. 198. 29 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. rev. São Paulo: Noeses, 2011/2012, p. 35. 30 Ibid., p. 36.
26
han de desempeñar en la sociedad (papel social) y el trato que se les ha de
otorgar (tratamiento)31
.
Costuma-se agrupar a visão da sociedade e do direito a respeito da deficiência em
pelo menos três fases. A primeira fase é caracterizada pelo extermínio das pessoas com
deficiência. A segunda fase, pela exclusão, ocasião que as pessoas eram segregadas. A
terceira fase é marcada pela reinserção na sociedade, sucessivamente pela integração
instrumental, pela inclusão e, mais recentemente, por medidas voltadas à emancipação.
Lauro Luiz Gomes Ribeiro identifica quatro marcos sociais da vida das pessoas
com deficiência: “a) um período de exclusão social total; b) um período de exclusão parcial,
com o acolhimento dessas pessoas em entidades, em regra religiosas (segregação
institucional); c) um período de integração social; d) o atual, de sociedade inclusiva”32
.
No que se refere à primeira fase (extermínio), conforme ensinamentos de Ricardo
Tadeu Marques da Fonseca, “é sabido que povos como os bárbaros nômades, os espartanos,
os romanos e outros eliminavam as crianças com deficiência em rituais religiosos ou com
apoio legal, conforme previa a própria lei romana das XII Tábuas”33
.
Entretanto, de acordo com Lauro Luiz Gomes Ribeiro, “nos primórdios, o
tratamento era antagônico, variando da proteção como forma de louvar os deuses e ganhar sua
simpatia ou a destruição por serem considerados um estorvo, um empecilho ao
desenvolvimento da raça”34
.
Já a fase de exclusão teve origem na idade média, quando se relacionou a
deficiência como fruto do pecado e a única forma de redenção era a caridade ou a penitência
religiosa, o que legitimou “o isolamento das pessoas com deficiência em instituições
beneficentes sustentadas pelo óbolo redentor”35
.
De acordo com Christiani Marques, “na Idade Média, quando nasciam filhos com
deficiência, e, portanto, considerados imperfeitos, desprovidos das bênçãos divinas: não
mereciam viver, eram jogados em calabouços”36
.
31 DIAZ, Antonio Leon Aguado. Historia de Las Deficiencias. Madrid: Escuela Libre Editorial – Fundacion
Once, 1995, p. 20. Disponível em: <http://sid.usal.es/idocs/F8/8.1-5051/librohistoriadelasdeficiencias.pdf>.
Acesso em: 11 ago. 2015. 32 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. Direito à intimidade e à vida privada in Manual dos direitos da pessoa com
deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 151. 33 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O novo conceito constitucional de pessoa com deficiência: um ato de
coragem in Manual dos direitos da pessoa com deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 27. 34 RIBEIRO, loc. cit. 35 FONSECA, op. cit., p. 28. 36 MARQUES, Christiani. Direito à integridade física e mental in Manual dos direitos da pessoa com
deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 168.
27
Apenas a partir da revolução industrial que, em decorrência dos avanços
tecnológicos, foi possível o início da compreensão de que as deficiências podem ser
amenizadas ou suprimidas por meio de instrumentos adequados como as muletas, as cadeiras
de rodas, a escrita Braille e as línguas de sinais37
.
Surge, em consequência, o período de integração, em que a pessoa com
deficiência é aceita na sociedade. Entretanto, vige a concepção de que compete a ela se
adaptar a sociedade e não à sociedade a criação de mecanismos para a eliminação dos
diversos tipos de barreiras.
Neste prisma, de acordo com Lauro Luiz Gomes Ribeiro, o período de integração
surgiu a partir do final da década de 60 em oposição à exclusão total ou institucional.
Objetivou-se a inserção das pessoas que já estavam preparadas para viver em sociedade.
Havia uma perspectiva distorcida de que o problema estava na deficiência e, portanto, embora
as pessoas com deficiência pudessem participar da vida social, competia “somente a ela e à
sua família a superação dos obstáculos; é dizer, a pessoa com deficiência tem de se preparar
para viver dentro do modelo social imposto e assim será aceito”38
.
A partir dos anos 80, o movimento internacional para a inclusão ganhou força e se
acentuou na década seguinte com a percepção, ainda em estágio inicial, de que caberia à
sociedade acolher as pessoas com deficiência por meio de ações afirmativas. No caso do
Brasil, essas ações se traduzem na fixação de cotas em empresas ou cargos públicos, bem
como a criação do benefício de amparo assistencial para aqueles que não pudessem exercer
qualquer ofício39
.
No que se refere ao período inclusivista, parte-se da concepção de que a sociedade
também é responsável por proporcionar às diversas pessoas condições efetivas de participação
nela.
Para Lauro Luiz Gomes Ribeiro há obrigações de mão dupla. Ao mesmo tempo
em que a pessoa com deficiência deve se preparar para ocupar o seu lugar na sociedade, a
sociedade deve se preparar para receber essas pessoas, eliminando as barreiras físicas, de
comunicação e atitudinais e permitindo que elas participem das atividades sociais em sua
plenitude40
.
37 FONSECA, 2012, p. 28. 38 RIBEIRO, 2012, p. 151. 39 FONSECA, loc. cit. 40 RIBEIRO, op. cit., p. 151/152.
28
Desse modo, a pessoa cega tem que aprender as técnicas de mobilidade por meio
do uso do cão guia e/ou bengala. A sociedade, por sua vez, deve eliminar o preconceito e
empregar essas pessoas. Devem ser eliminados, ainda, os obstáculos que impedem a
locomoção dessas pessoas, como, por exemplo, permitir o ingresso do cão guia no interior dos
estabelecimentos comerciais e nos transportes públicos.
Para Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, a fase da mera inclusão já foi superada e
se depara com a fase da concepção emancipatória da pessoa com deficiência41
.
Flávia Piovesan preleciona que a história da construção dos direitos das pessoas
com deficiência pode ser dividida em quatro fases. Na fase de intolerância, as pessoas com
deficiência não eram aceitas, pois simbolizavam a impureza, o pecado e o castigo divino. Na
fase da invisibilidade, essas pessoas eram totalmente ignoradas. Na fase assistencialista,
pautava-se pela perspectiva médica e o foco era a obtenção da cura. Por fim, na quarta fase,
orientada pelos direitos humanos, surge o direito à inclusão social da pessoa com deficiência,
em que é considerada a relação dessa pessoa com o meio em que ela vive, ganhando relevo a
necessidade de “eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou
sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos”42
.
Ainda de acordo com ela, apenas nesta quarta fase, “de ‘objeto’ de políticas
assistencialistas e de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser
concebidas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos”43
. Entretanto, é necessário avançar
ainda mais a fim de que se “convertam amarras e barreiras em pontes e rampas, a fomentar o
exercício dos direitos das pessoas com deficiência com inteira autonomia e participação, sob o
trunfo da ação emancipatória e da capacidade criativa e transformadora de realidades”44
.
Cumpre ainda registrar a influência da sociedade, dos valores por ela aceitos e a
legislação que é criada para reger as relações sociais. Com efeito, segundo Luiz Alberto
David Araújo, o primeiro documento que tratou dos direitos da pessoa com deficiência em
âmbito constitucional foi a Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional nº 12, de 17
de outubro de 1978. Na ocasião, foi utilizada a expressão “deficiente” e “apenas para ter uma
ideia da simbologia da questão, a Emenda Constitucional n. 12 não foi incorporada ao texto,
41 FONSECA, 2012, p. 29. 42 PIOVESAN, Flávia. Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência: inovações, alcance e
impacto in Manual dos direitos da pessoa com deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 46. 43 Ibid., p. 47. 44 Ibid., p. 50.
29
ficando ao final da Constituição. Era uma emenda ‘segregada’”45
. Conclui-se, então, que os
direitos não foram incorporados ao texto Constitucional, permanecendo segregados, ao final
do texto principal.
Quando se fala em proteção das pessoas com deficiência, imprescindível ter em
conta quem são essas pessoas, o quanto elas representam numa sociedade e o tratamento
conferido a elas pela sociedade e pelo direito. Em suma, como elas são vistas pela sociedade e
o que elas esperam desta sociedade.
Nesse passo, com a finalidade de trazer luzes para a compreensão da proteção da
pessoa com deficiência por meio das ações afirmativas no âmbito tributário, importante citar
alguns dados que permitirão a compreensão do contexto, a fim de proporcionar um estudo
interpretativo sem se descuidar do processo histórico-social. Para tanto, numa verdadeira
intertextualidade, serão trazidos à baila dados estatísticos da Organização das Nações Unidas -
ONU e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
De acordo com a ONU, em torno de 10% da população mundial, ou seja, 650
milhões de pessoas vivem com algum tipo de deficiência. Esse número está subindo, devido
ao aumento da população, ao avanço da medicina e ao aumento da expectativa de vida.
Ademais, 80% das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento e, segundo
dados do Banco Mundial, estima-se que 20% das pessoas mais pobres do mundo possuam
algum tipo de deficiência e sejam consideradas em suas próprias comunidades como pessoas
em condições mais desvantajosas46
.
Na maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o número de mulheres com deficiência é superior ao de homens na
mesma condição. Mulheres e meninas com deficiência são mais vulneráveis a abusos. De
acordo com um levantamento feito em Orissa (Índia), quase todas as mulheres e meninas com
deficiência apanhavam em casa, 25% das mulheres com deficiência intelectual haviam sido
estupradas e 6% das mulheres com deficiência tinham sido esterilizadas à força47
.
Segundo a UNESCO, 90% das crianças com deficiência não vão à escola e apenas
3% dos adultos com deficiência são alfabetizados48
. Já de acordo com a Organização
45 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e seus reflexos na
ordem jurídica interna no Brasil in Manual dos direitos da pessoa com deficiência. Carolina Valença Ferraz et
al. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 52. 46 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas. Algunos
datos sobre las personas con discapacidad. Disponível em:
<http://www.un.org/spanish/disabilities/convention/overview.html>. Acesso em: 11 ago. 2015. 47 Ibid. 48 Ibid.
30
Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 386 milhões de pessoas em idade para trabalhar são
pessoas com deficiência e o desemprego alcança em torno de 80% das pessoas com
deficiência em alguns países49
.
No que se refere à proteção jurídica, de acordo com a ONU, apenas 45 países
possuem legislação coibindo a discriminação ou tratando de outros aspectos específicos para a
proteção da pessoa com deficiência50
.
No caso específico do Brasil, o Censo Demográfico 2010 teve entre seus objetivos
identificar as pessoas com deficiências visual, auditiva, motora, mental ou intelectual nos seus
diversos graus de severidade. Foram consideradas com deficiência severa visual, auditiva e
motora as pessoas que declararam ter grande dificuldade ou que não conseguiam ver, ouvir ou
se locomover de modo algum, bem como aquelas que declararam deficiência mental ou
intelectual. A análise foi realizada, outrossim, a partir da própria percepção do indivíduo
sobre sua dificuldade em enxergar, ouvir ou se locomover, e na existência da deficiência
mental ou intelectual, o que pressupõe sua interação com o ambiente em que está inserido,
bem como com as condições econômicas e sociais que o cercam 51
.
De acordo com os resultados do referido Censo, 45.606.048 de pessoas
declararam ter pelo menos uma das deficiências investigadas, o que corresponde a 23,9% da
população brasileira. A grande maioria dessas pessoas, 38.473.702, se encontrava em áreas
urbanas e 7.132.347, em áreas rurais. Constatou-se ainda que a Região Nordeste concentra os
municípios com os maiores percentuais da população com pelo menos uma das deficiências
investigadas, embora também tenha sido observado que em todas as Unidades da Federação
havia municípios com percentual de pessoas com pelo menos uma das deficiências
investigadas acima da média nacional52
. Para fins de melhor visualização, segue o cartograma
elaborado pelo próprio IBGE53
:
49 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015. 50 Ibid. 51 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE. Censo Demográfico 2010, Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Censo
demogr., Rio de Janeiro, p. 72. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf>. Acesso em: 11 ago.
2015. 52 Ibid., p. 73. 53 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, loc. cit.
31
No que se refere à idade das pessoas com deficiência, a prevalência de pelo menos
uma das deficiências investigadas foi “maior (24,9%) na população de 15 a 64 anos de idade e
atingiu mais da metade da população de 65 anos ou mais de idade (67,7%)”54
. Já em relação
às crianças de 0 a 14 anos de idade, constatou-se 7,5% de pessoas com pelo menos uma das
deficiências nessa faixa etária. Essa diferença de percentuais demonstra o aumento
proporcional do número em razão do próprio fenômeno do envelhecimento55
, o que pode ser
melhor verificado a partir do seguinte gráfico56
:
54 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, 2010, p. 74. 55 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, loc. cit. 56 Ibid., p. 75.
32
No tocante à alfabetização, os dados do Censo demonstram a redução da taxa de
alfabetização das pessoas com pelo menos uma das deficiências. Enquanto a taxa de
alfabetização das pessoas de 15 anos de idade ou mais foi de 90,6%, na população na mesma
faixa etária com pelo menos uma das deficiências investigadas essa taxa se reduz para 81,7%.
A região sudeste apresentou a maior taxa de alfabetização das pessoas com pelo menos uma
deficiência (88,2%), e a região nordeste, a menor (69,7%). Para a região nordeste, observou-
se a maior diferença entre as taxas de alfabetização da população total e daquela com pelo
menos uma deficiência57
. Nesse sentido, o gráfico que segue58
:
57 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, 2010, p. 80. 58 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, loc. cit.
33
Também foram constatadas diferenças significativas entre o nível de instrução das
pessoas com pelo menos uma das deficiências investigadas e o daquelas sem essas
deficiências. Isso porque:
Enquanto 61,1% da população de 15 anos ou mais de idade com deficiência
não tinha instrução ou possuía apenas o fundamental incompleto, esse
percentual era de 38,2% para as pessoas de 15 anos ou mais que declararam não ter nenhuma das deficiências investigadas, representando uma diferença
de 22,9 pontos percentuais. A segunda maior diferença em pontos
percentuais foi observada para o ensino médio completo e o superior incompleto, onde o percentual de população de 15 anos ou mais com
deficiência foi de 17,7% contra 29,7% para as pessoas sem deficiência.
Observou-se ainda que a menor diferença estava no ensino superior completo: 6,7% para a população de 15 anos ou mais com deficiência e
10,4% para a população sem deficiência59
.
Mais uma vez, reproduz-se o gráfico elaborado pelo IBGE60
:
No que diz respeito à inserção no mercado de trabalho, a deficiência apresenta-se
como um fator limitante mais acentuadamente com relação à população masculina. A
diferença percentual das taxas de atividade das mulheres por condição de deficiência foi de
59 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, 2010, p. 82. 60 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, loc. cit.
34
sete pontos percentuais, ao passo que, para os homens, essa diferença foi de aproximadamente
dez pontos percentuais, conforme gráfico a seguir61
:
A partir dos dados estatísticos mencionados, é constata-se que ainda existe muito
trabalho a fazer, notadamente para propiciar a efetiva emancipação das pessoas com
deficiência.
Nesse ponto, compartilha-se do entendimento adotado por Lauro Luiz Gomes
Ribeiro quando leciona que, embora exista avanço, ainda hoje, é possível vislumbrar pelos
menos a existência concomitante da segunda (exclusão) e terceira fase (reinserção): “a
evolução não representou a ruptura total com os períodos pretéritos. Ainda convivemos com
situações de exclusão social da pessoa com deficiência, de segregação institucional, de
integração e da sociedade inclusiva”62
.
Ademais, é possível constatar que as dificuldades decorrentes da deficiência são
mais sentidas nas camadas mais pobres da sociedade, seja no caso da pobreza como origem da
deficiência (como no caso de desnutrição), seja pela dificuldade de inclusão como causa da
pobreza.
61 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, 2010, p. 84. 62 RIBEIRO, 2012, p. 152.
35
De conseguinte, “a deficiência tanto pode ser causa como advir da pobreza,
situação agravada nos países menos desenvolvidos em que os níveis de emprego, saúde,
moradia e previdência social são insatisfatórios”63
.
Nesse sentido, Flávia Piovesan defende que:
Deficiência e pobreza são termos inter-relacionados. As pessoas mais pobres têm uma chance significativa de adquirir uma deficiência ao longo de suas
vidas, podendo tal deficiência resultar em pobreza. As pessoas com deficiência sofrem discriminação e marginalização. A deficiência é associada ao analfabetismo, à nutrição precária, à falta de acesso à água potável, ao baixo grau de imunidade, às doenças e às condições de trabalho
perigosas e insalubres64
.
Desse modo, pode-se afirmar que existe uma relação entre deficiência e
pobreza/exclusão social que não pode ser ignorada. De acordo com Sidney Madruga, “em
todo o mundo, portanto, o vínculo entre deficiência de um lado e pobreza e exclusão social
por outro é patente. O fato é que essa interface negativa conduz à marginalização e à
vulnerabilidade dessa população, com sua consequente exclusão”65
.
Em consequência, entre a vulnerabilidade e exclusão da pessoa com deficiência
(fato social) e os valores da sociedade brasileira, no sentido de proporcionar a igualdade de
oportunidade e participação de todos, surge a tensão proporcionadora da criação das normas
jurídicas protetivas veiculadoras de políticas públicas consistentes nas ações afirmativas no
âmbito tributário.
A realidade da pessoa com deficiência é identificada não só como um fato social
relevante (contexto), como também é disciplinada pelo direito brasileiro, assumindo também a
qualidade de fato jurídico.
Levando em consideração que “a norma jurídica é a indicação de um caminho,
porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa
direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor”66
, surge a
necessidade de compreender quais os valores que fundamentam essa proteção a fim de se
coibir a discriminação e garantir iguais oportunidades.
2.3 Direito como valor: a igualdade como valor a ser concretizado
O direito, como obra cultural, pressupõe em toda a sua construção – o que abrange
não somente a elaboração das normas jurídicas, como também a sua aplicação – a emissão de
juízos de valor.
63 MADRUGA, 2013, p. 57. 64 PIOVESAN, 2012, p. 50. 65 MADRUGA, op. cit., p. 57. 66 REALE, 2014, p. 119.
36
O legislador, ao escolher certos fatos da realidade social para figurar como
antecedente das normas jurídicas e, portanto, também das normas tributárias, exerce uma
preferência ao selecionar esses fatos e deixar de lado os demais. Essa conduta já configura a
emissão de um juízo de valor, “de tal sorte que a mera presença de um enunciado sobre
condutas humanas em interferência subjetiva, figurando na hipótese da regra jurídica, já
significa o exercício da função axiológica de quem legisla”67
.
De igual forma, ao gravar dada conduta com os modais “obrigatório”, “permitido”
ou “proibido” o legislador também emite juízos de valor. Isso porque, os modais
“obrigatório” e “permitido” configuram um valor positivo para o direito, ou seja, o
comportamento é aprovado pela sociedade, ao passo que o modal “proibido” configura um
valor negativo, o que significa a desaprovação social da conduta.
Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho “o valor está na raiz mesma do dever-
ser, isto é, na sua configuração lógico-formal”68
.
Dessa forma, de acordo com Miguel Reale “[...] o Direito só se constitui quando
determinadas valorações dos fatos sociais culminam numa integração de natureza
normativa”69
.
Contudo, ao estudar um determinado sistema jurídico, no caso em tela, o direito
brasileiro, forçoso reconhecer que a análise dos valores deve ser realizada a partir daqueles
que foram efetivamente positivados, conforme preleciona Paulo de Barros Carvalho:
“[a]dvirta-se, entretanto, que ao aludirmos a “valores” estamos indicando somente aqueles
que julgamos depositados pelo legislador (consciente ou inconscientemente) na linguagem do
direito posto”70
.
Quando se pensa em proteção das pessoas com deficiência no âmbito jurídico e
quando se vivencia a efetiva concretização da justiça sob esse enfoque, constata-se a
realização dos valores “justiça” e “igualdade”. Esses valores deixam de ser meros objetivos
(dever-ser), ainda que previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e ganham o estado de
realidade prática (ser).
De conseguinte, para que seja possível prosseguir no presente estudo,
imprescindível trazer algumas noções acerca da Teoria dos Valores, objetivando esclarecer o
conceito e a essência do valor, na tentativa de demonstrar o acerto da escolha da igualdade
67 CARVALHO, P., 2013, p. 175. 68 CARVALHO, P., loc. cit. 69 REALE, 2014, p. 103. 70 CARVALHO, P., op. cit., p. 275.
37
como o critério/meio para a realização do valor justiça, pressuposto para as ações afirmativas
no âmbito tributário.
2.3.1 Noções sobre a teoria dos valores
Embora realizar escolhas, o que pressupõe a emissão de juízos de valor, possua
um caráter intuitivo e seja uma constante para o homem, existe dificuldade em explicar o que
são valores. Destarte, cumpre desde o início consignar que não se desconhece a dificuldade
em enfrentar o tema.
Na tentativa de traçar elementos mínimos que possibilitem a compreensão dos
valores “justiça” e “igualdade”, permite-se trazer à baila alguns ensinamentos da Teoria dos
Valores ou Axiologia, que pertence ao ramo da Filosofia, mas sem qualquer pretensão de
esgotar o tema.
Entretanto, antes de se adentrar propriamente na chamada Teoria dos valores,
imprescindível trazer algumas noções sobre a Teoria Geral dos Objetos.
Paulo de Barros Carvalho, partindo da classificação antropocêntrica dos objetos
proposta por Edmund Husserl que os divide em naturais, ideais, culturais e metafísicos, e dos
ensinamentos de Maria Helena Diniz, define os objetos físicos ou naturais como sendo
aqueles reais, localizados no tempo e no espaço e, de conseguinte, que podem ser captados na
experiência mediante enunciados protocolares e que proporcionam a construção das leis da
física. São objetos que tendem à neutralidade axiológica, ou seja, em regra, neutros com
relação a valores, uma vez que são dados pela natureza71
.
Miguel Reale subdivide os objetos naturais em físicos – aqueles que não podem
ser concebidos sem referência ao espaço e ao tempo – e em psíquicos – como as emoções, as
paixões e os desejos. Os objetos psíquicos são apenas concebidos com referência ao tempo,
mas não ao espaço. “A emoção é enquanto dura”72
.
Em geral é o princípio da causalidade que possibilita atingir e explicar os objetos
naturais – sejam eles físicos, sejam eles psíquicos – “porque se distinguem como fenômenos
que se processam, em geral, segundo nexos constantes de antecedente a consequente”73
.
Os objetos naturais diferenciam-se dos objetos ideais, porque esses são irreais e
não se manifestam no tempo e espaço, o que impede o seu conhecimento empírico. “O ato
71 CARVALHO, P., 2013, p. 18. 72 REALE, 2002, p. 174. 73 Ibid., p. 175.
38
gnosiológico que lhes é próprio chama-se intelecção e o método eficaz para o trato com tais
elementos é o racional-dedutivo”74
.
Os objetos ideais, como a matemática e a lógica, em sendo atemporais e
aespaciais, não se confundem com o processo psíquico em que são “pensados”. O objeto ideal
é algo que existe como entidade lógica, igual em si mesma, universal e insuscetível de
modificação, de forma a não se confundir com a sua representação. O triângulo desenhado em
uma folha de papel é apenas a representação do objeto ideal e não o próprio objeto. O seu ser
é puramente ideal.
Os objetos culturais são reais, são suscetíveis à experiência, pois possuem
existência espaço-temporal, mas, diversamente dos outros, podem ser valorados positiva ou
negativamente, porquanto construídos pela atividade humana, que lhes confere sentido. De
acordo com Paulo de Barros Carvalho, o conhecimento dos objetos culturais se dá pela
compreensão e o método próprio é o empírico-dialético, “já que o saber, nesse campo,
pressupõe incessantes idas e venidas da base material ao plano dos valores e, deste último, à
concreção da entidade física que examinamos”75
.
Por fim, os objetos metafísicos são reais, possuem existência no tempo e no
espaço, podem ser valorados positiva e negativamente, mas não podem ser conhecidos pela
experiência. A sua existência é justificada apenas pela crença. Os exemplos mais comuns são
Deus e os objetos em sua essência, “a coisa em si mesma considerada”, conforme a visão
Kantiana de que é impossível conhecer a essência das coisas.
Considerando o enfoque a ser dado nesta dissertação, indaga-se em quais dessas
classificações o valor poderia melhor se tratado. A questão, como as diversas outras que são
tratadas pela Teoria dos Valores, não tem uma resposta unânime.
Segundo Nicolai Hartmann, os valores estão inseridos na classe dos objetos
ideais, pois integram um reino diverso do reino das coisas reais. Os valores, portanto,
pertencem ao reino das essencialidades:
[...] los valores son según el modo de ser de las ideas platónicas. Forman parte de ese otro reino del ser descubierto por vez primera por Platón; reino
que se puede contemplar espiritualmente, pero que no se pude ni ver ni tocar.
Ciertamente que aún no sabemos nada determinado del modo de ser de las
ideas; está aún por investigar. Pero hasta donde es inmediatamente manifiesto, también para los valores, y para ellos, por cierto, en sentido
eminente, es válida la proposición siguiente: los valores son aquello <<por lo
que>> todo lo que participa de ellos es como es – a saber, valioso. Pero en el
74 CARVALHO, P., 2013, p. 18. 75 CARVALHO, P., loc. cit.
39
lenguaje conceptual de hoy, esto singnifica: los valores son
essencialidades76
.
De igual forma, Max Scheler entende que “[l]os valores no pueden ser creados ni
aniquilados. Los valores existen con independência de toda organización de um ser espiritual
determinado”77
.
Já Johannes Hessen, parte de uma classificação reduzida, composta por apenas
três classes de objetos: objetos sensíveis ou empíricos, objetos suprassensíveis ou metafísicos
e objetos não sensíveis ou ideais. O autor inclui os valores nesta última classe, composta pelos
objetos lógicos, pela matemática e pelos valores78
.
Por outro lado, Risieri Frondizi defende que os valores não integram a classe dos
objetos ideais, pois os valores são irreais:
No hay que confundir a los valores con los lhamados objetos ideales –
esencias, relaciones, conceptos, entes matemáticos –; la diferencia está en que éstos son ideales mientras que los valores son irreales. Mejor se verá la
diferencia si se compara la belleza, que es un valor, con la idea de belleza,
que es un objeto ideal. Captamos la belleza, primordialmente, por via emocional, mientras que la idea de belleza se aprehende por via intelectual
79.
Paulo de Barros Carvalho discorda da existência de “uma ‘região de valores’,
existente em si, como o topos uranos de Platão”80
. Ele sustenta que os valores se enquadram
na classe dos objetos metafísicos quando considerados de forma isolada, por exemplo, a
justiça em si mesma considerada81
.
Miguel Reale posiciona o valor em classificação autônoma, independentemente
das mencionadas. Ele entende que os valores não se confundem com os objetos ideais,
tampouco com os objetos metafísicos, mas aproximam-se dos objetos culturais:
Os valores não são, por conseguinte, objetos ideais, modelos estáticos os
quais iriam se desenvolvendo, de maneira reflexa, as nossas valorações, mas se inserem antes em nossa experiência histórica, irmanando-se com ela.
Entre valor e realidade não há, por conseguinte, um abismo; e isto porque
entre ambos existe um nexo de polaridade e de implicação, de tal modo que a História não teria sentido sem o valor: um “dado” ao qual não fosse
atribuído nenhum valor, seria como que inexistente; um “valor” que jamais
76 HARTMANN, Nicolai. Ética. Madrid: Ediciones Encuentro, 2011, Capítulo 14. Los valores como
esencialidades, a) Sentido provisional de esencialidad. 77 SCHELER, Max. Ética. Tradução de Hilario Rodrígues Sanz. Buenos Aires: Revista de Occidente Argentina,
1948, t. II, p. 32. 78 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Tradução de Cabral de Moncada. 5. ed. Coimbra: Armênio
Amado, Editor, sucessor, 1980, p. 50. 79 FRONDIZI, Risieri. ¿Qué son los valores? Indroducción a la axiologia. México: Fondo de Cultura
Económica, 1958, 13. 80 CARVALHO, Paulo de Barros. Princípios e sobreprincípios na interpretação do direito. São Paulo: IBET,
2011, p. 12. Disponível em: < http://www.ibet.com.br/download/Princípios%20PBC.pdf>. Acesso em: 29 dez.
2015. 81 CARVALHO, P., 2013, p. 176.
40
se convertesse em momento da realidade, seria algo de abstrato ou de
quimérico. Pelas mesmas razões, o valor não se reduz ao real, nem pode
coincidir inteiramente, definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente, converter-se-ia em “dado”, perderia a sua essência que é a de
superar sempre a realidade graças à qual se revela e na qual jamais se
esgota82
.
Levando em consideração os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho de que as
classificações dos objetos não esgotam com precisão o mundo objetal e que “há entidades que
preenchem os critério de pertinência de duas ou mais classes regionais, suscitado a dúvida em
nosso espírito”83
, discorda-se da inclusão dos valores entre os objetos ideais, pois não se
compartilha do entendimento de que eles são imutáveis e que integram um mundo à parte. Por
outro lado, entende-se que é possível a inclusão dos valores na classe dos objetos metafísicos,
quando considerados em si mesmo, como também é possível incluí-los dentre os objetos
culturais, dada a importância da história para a construção dos valores e a relevância destes
valores para a construção da história numa relação de constante implicação.
No tocante à definição do valor, conforme Johannes Hessen, não se pode
rigorosamente definir o conceito de “valor”, uma vez que ele pertence ao número daqueles
conceitos supremos como os de “ser” e “existência”, que não admitem definição. Entretanto,
pode-se tentar procurar o seu conteúdo, exatamente o que o autor visa em seu livro “Filosofia
dos valores”84
.
Por outro lado, buscar o conteúdo de um determinado objeto de estudo nada mais
é do que investigar e trazer os elementos para a sua compreensão, o que indubitavelmente
contribui para a criação do próprio conceito.
Ademais, conforme as lições de Tácio Lacerda Gama “definir o conceito de uma
expressão pressupõe escolher um sentido e abandonar outros, igualmente possíveis”85
.
Contudo, não se desconsidera a dificuldade enfrentada pelos doutrinadores em
conceituar a palavra valor.
Segundo Johannes Hessen, quando a palavra valor é pronunciada, ela pode
significar três coisas distintas: a vivência de um valor, a qualidade de um valor ou a própria
ideia de valor em si mesma. Vale a transcrição:
Se quisermos significar com esta palavra, exclusivamente, a vivência,
permaneceremos no domínio da consciência, da Psicologia e do
psicologismo. Se entendermos por ela unicamente uma qualidade, um
82 REALE, 2002, p. 202/203. 83 CARVALHO, P., 2013, p. 17. 84 HESSEN, 1980, p. 37. 85 GAMA, Tácio Lacerda. Competências Comunicativas e o Tema da Validade do direito in Constructivismo
lógico-semântico. Aurora Tomazini de Carvalho (org), São Paulo: Noeses, 2014, v. I, p. 278.
41
particular modo de ser das coisas, permaneceremos no domínio do
Naturalismo, em que o valor é apenas uma qualidade real de certos objectos.
Se finalmente entendermos por valor apenas a sua ideia, não tardaremos em coisificar, em hipostasiar, os valores, como já aconteceu com PLATÃO
86.
A acepção do valor como vivência revela o sentido passivo do homem perante a
vida, de mero apreciador ou experimentador. Fala-se de vivência dos valores quando eles
iluminam a alma, acarretando um estado psíquico que “nos enriquece e nos torna felizes”87
,
mas não se confunde com a mera sensação de prazer. Seria, pois “um sentimento ou emoção
muito sui generis, mais altos e essencialmente espirituais”88
. Essa acepção está intimamente
ligada às emoções. “Experimentamos o valor de uma personalidade excepcional, a beleza de
uma paisagem, o caráter sagrado de um lugar”89
. De igual forma, é possível se emocionar ao
ouvir uma música ou admirar uma história de superação e ajuda.
Entretanto, previamente à vivência, é indispensável considerar que o homem
atribui ao objeto dado valor (aspecto ativo). Logo, a valoração é pressuposto da alteração do
estado psíquico e da vivência. “Quando experimentamos esta segunda atitude, reconhecemos
então alguma coisa como valioso, no sentido de sermos nós a atribuir-lhe um valor, julgando
e apreciando, emitindo um <<juízo de valor>>”90
.
Em outras palavras, somente haverá um sentimento de felicidade e satisfação em
seu mais alto grau espiritual (alteração da psíquique e a vivência) porque foi atribuído a dado
homem a qualidade de “homem de bem”, a determinada paisagem a qualidade de “bela”, a
dado local a qualidade de “santo”, a determinada música a qualidade de “bela” e aos
protagonistas de certa história a qualidade de “bem”.
Indo além, todos os homens, ao viver, ao definir seu caráter, ao escolher suas
amizades, ao decidir seu destino e da sociedade em que vivem, emitem constantemente juízos
de valor, ou seja, julgam, apreciam e reconhecem dado objeto ou modo de ser como valioso.
“É da essência do ser humano conhecer e querer, tanto como valorar”91
.
Entretanto, valorar nem sempre implica atribuir qualidades positivas. O ato de
valorar pode ter como resultado a imputação de valores negativos, ou seja, um desvalor, um
não querer, algo a ser desprezado. Nesse sentido, é possível resignar-se com a notícia de um
86
HESSEN, 1980, p. 38. 87 Ibid., p. 39/40. 88 Ibid., p. 55. 89 Ibid., p. 38. 90 Ibid., p. 40. 91 HESSEN, loc. cit.
42
assassinato, isto é, emitir um juízo de valor negativo sobre a conduta humana que retirou a
vida de outrem.
Ademais, conforme ensinamentos de Johannes Hessen, embora considerando as
ressalvas do próprio doutrinador de que esse conceito não revela o conteúdo dos valores, mas
apenas diz que eles produzem determinados efeitos, valor é “tudo aquilo que for apropriado a
satisfazer determinadas necessidades humanas”, tanto as necessidades elementares da vida,
como necessidades espirituais. Nessas últimas podem ser encontrados os chamados valores
éticos, estéticos e religiosos. De conseguinte, do mesmo modo que o pão é necessário para
saciar a fome e, portanto, possui seu valor para suprir as necessidades elementares da vida, o
belo satisfaz uma necessidade espiritual.
Além disso, a determinação do valor (o ato de valorar) pressupõe uma íntima
relação com o sujeito que procede referida valoração. “Por outras palavras: no conceito de
valor está incluído o da sua referência a um sujeito. Valor é sempre valor para alguém”92
.
Por fim, há ainda o valor na terceira acepção apresentada por Johannes Hessen
como ideia, essência ou estruturas ideais de ser (do Ser ideal ou do Valer). “Ter valor ou
validade, quer dizer, neste caso, simplesmente, que os valores reclamam ou exigem de nós
que os aceitemos”93
. Diferentemente do Ser ideal Kantiano, para Johannes Hessen o valor
como ideia trata-se de um “conteúdo ideal de Ser, referido e subordinado ao lado emocional
do Espírito, isto é, ao nosso sentimento dos valores”94
.
De acordo com Tercio Sampaio Ferraz Jr., os valores são “centro significativos
que expressam uma preferibilidade (abstrata e geral) por certos conteúdos de expectativa, ou
melhor, por certos conjuntos de conteúdos abstratamente integrados num sentido
consistente”95
. Por decorrência, em sendo os valores núcleos significativos muito abstratos,
faz-se necessário outro mecanismo integrador, de modo a conferir-lhes um mínimo de
consistência concreta, ainda que genérica. Essa função compete às ideologias, que nada mais
são do que o conjunto rígido, limitado, consistente e global das avaliações dos valores. Para
Tercio Sampaio Ferraz Jr.:
[...] enquanto os valores, por sua abstração, são expressões abertas e
flexíveis, as ideologias são rígidas e limitadas. Elas atuam, ao avaliar os valores, no sentido de tornar conscientes os valores, estimando as
estimativas que em nome deles se fazem, garantido assim o consenso dos
que precisam expressar seus valores, estabilizando, assim, em última análise,
92 HESSEN, 1980, p. 47. 93 Ibid., p. 51. 94 Ibid., p. 52. 95 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 86.
43
os conteúdos normativos. Temos, pois, a justiça no sentido liberal,
comunista, fascista etc. As ideologias, portanto, conjugam os valores,
hierarquizando-os, permitindo que se os identifique, quando em confronto, que se opte pela justiça contra a ordem ou pela ordem contra a liberdade,
pela dignidade contra a vida etc96
.
Paulo de Barros Carvalho, a partir dos ensinamentos de Tercio
Sampaio Ferraz Jr., leciona que “os valores são preferências por núcleos de significação, ou
melhor, são centros significativos que expressam preferibilidade por certos conteúdos de
expectativa”97
. Ele esclarece que o valor “é um vínculo que se institui entre o agente do
conhecimento e o objeto, tal que o sujeito, movido por uma necessidade, não se comporta
com indiferença, atribuindo-lhe qualidades positivas ou negativas”98
.
A doutrina costuma dizer que o modo particular de ser do valor é valer. O valor
não é, mas vale.
Para a melhor compreensão, importante novamente trazer os três conceitos
supremos: ser, existir e valer. Nesse ponto, destaca-se que ser e existir não se confundem.
De conseguinte, partindo de referidos conceitos supremos, valor e ser-existencial
– o ser real, o existir – não se confundem.
De tal afirmativa, entretanto, não se infere que o valor também não possa “ser”.
Em outras palavras, é possível compreender o valor como ser, mas como “ser irreal” e não
“ser real”.
Embora o valor não exista no mundo real, ele pode se tornar realidade quando e
na medida em que ele adere a um dado ser, ou seja, quando passa a ser característica de outro
ser. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho leciona que o existir do valor consiste apenas no
ato psicológico de valor, por meio do qual, atribui-se a objetos – entendido em sua plenitude
semântica – qualidades positivas e negativas99
.
De igual forma, Miguel Reale afirma que “os valores não possuem uma existência
em si, ontológica, mas se manifestam nas coisas valiosas”100
.
Embora Nicolai Hartmann entenda que o modo de ser dos valores seja o
meramente ideal, ele compartilha a convicção de que “[l]os valores no tienen ser em sí
real”101
.
96 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 86. 97
CARVALHO, P., 2013, p. 175. 98 CARVALHO, loc. cit. 99 Ibid., p. 176. 100 REALE, 2002, p. 204. 101 HARTMANN, 2011, Capítulo 16. Del ser en sí ideal de los valores, b) Realidade ética y esfera éticamente
ideal.
44
O valor ético existe no agir do homem virtuoso e o valor estético existe na beleza
de um quadro.
Nesse caso, por certo, ele não se torna real em si mesmo, com independência, mas
num ser ideal que está em outro ser. Ademais, observa-se que mesmo existindo num outro ser,
ele não se esgota nele. A título ilustrativo, o bem e o belo permanecem como “ser ideal”, para
além do referido homem virtuoso e do quadro acima exemplificado.
De igual forma, com a morte do homem virtuoso ou com o perecimento do
quadro, os valores do bem e do belo permanecem como “ser ideal”.
De conseguinte, os valores não são objetos reais, dos quais se diz que são (no
sentido de forma essencial e existência), pois se diz que eles valem. Conforme leciona Tercio
Sampaio Ferraz Jr., a forma essencial do valor não é um ser, mas um dever-ser e a sua
existência expressa-se por sua validade102
. “O ser é, o valor vale, é sua fórmula
consagrada”103
.
De acordo com a Filosofia dos valores de base fenomenológica, todo o dever-ser
funda-se em um valor e não o oposto (o valor funda-se no dever-ser)104
.
Nicolai Hartmann diferencia o dever-ser ideal do dever-ser atual. O dever-ser
ideal embora não se confunda com o valor é indissociável dele:
En este sentido, valor y deber ser ideal van juntos indisolublemente. No por eso son indénticos. El deber ser significa direccíon hacia algo; el valor, el
algo mismo al que apunta la dirección. El punto final es condicionante para
la dirección, pelo la dirección hacia el es condicionante para el modo de ser del punto final. El valor y el deber ser ideal es el modo de ser del valor, su
modalidad peculiar, que nunca se esgota en la estructura de la materia. Y el
valor es el contenido del deber; es la estructura categorial cuyo modus de ser es el del deber ser ideal. En el viejo lenguaje conceptual –ciertamente
impreciso– se podría decir: el deber ser ideal es condición formal del valor;
el valor, condición material del deber ser. La correlación es equivalente –no
a la clase de la correlación entre sustância y accidente sino a la correlación entre substancia y relación. La preeminência no está en ningumo de los
lados. La relación es estable, está em suspenso105
.
O dever-ser atual, por outro lado, é a contradição entre o real e o valor:
[...] La dimensión del deber es primariamente la dimensión puramente
axiológica entre valor y disvalor. Y la ley básica del deber ser consiste em que, en el seno de esta bipolaridad, su dirección señala siempre
unívocamente al polo positivo, al valor. Si se añade que lo real, de cuyo
contenido de valor se trata, siempre se encuentra em médio de estos dos polos, resulta de esta ley la consecuencia de que, desde el nivel
correspondiente, siempre es <<Bueno>> lo que se halla subiendo hacia el
102 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 150. 103 FERRAZ JUNIOR, loc. cit. 104 HESSEN, 1980, p. 84. 105 HARTMANN, 2011, Capítulo 18. La relación entre valor y deber, a) Deber ser ideal.
45
valor y <<malo>> lo que se halla descendiendo hacial el disvalor. Vistos
desde lo real, el bien y el mal son direcciones opuestas em la dimensión ética
del dever ser106
.
Em outras palavras, o dever-ser ideal e o dever-ser atual interagem: “El deber ser
actual interviene cuando el deber ser ideal se encuentra en oposición a la realidad, cuando los
valores, siendo em si, no son reales”107
.
De acordo com Johannes Hessen, o próprio valor traz consigo o dever-ser, pois
“o dever-ser e a obrigatoriedade para a consciência são-nos dados imediatamente na vivência
do próprio valor e fundam-se nele. Não são algo vindo de fora, mas são-lhe imanentes”108
. Em
consequência, “pertence à essência do moralmente bom o ser absolutamente obrigatório para
a consciência”109
.
Importante, ainda, tratar da validade e das características dos valores, análise que
será realizada no tópico a seguir.
2.3.1.1 Validade e características dos valores
Johannes Hessen ilustra a existência de diversas espécies de valores. Para ele, há
valores subjetivos individuais, como por exemplo, a coleção de selo para o colecionador e
valores subjetivos gerais ou também denominados “valores inferiores ou puramente
sensíveis”, como a comida, a água e o ar. Há, ainda, valores mais altos chamados de valores
espirituais110
.
Entretanto, a grande questão que se coloca e que marca uma das grandes
divergências entre os doutrinadores que se dedicam a estudar a axiologia consiste em
identificar a natureza dos valores: subjetiva ou objetiva.
Existe uma validade ou valor independente das valorações de fato feitas pelos
indivíduos? Existem os valores mais altos denominados espirituais, cuja validade é objetiva e
absoluta?
Esses dois modos de pensar acerca dos valores configuram uma das maiores
divergências entre os doutrinadores que se dedicaram ao estudo da Axiologia e é sintetizada
por Fabiana Del Padre Tomé nos seguintes termos:
106
HARTMANN, 2011, Capítulo 18. La relación entre valor y deber, c) Extensión de la tensión, grado de
actualidad y dimensión ética del deber ser. 107 Ibid., Capítulo 18. La relación entre valor y deber, b) Deber ser actual. 108 HESSEN, 1980, p. 91/92. 109 HESSEN, loc. cit. 110 Ibid., p. 94.
46
(ii.1) subjetivismo axiológico, segundo o qual as coisas não são por si
valiosas e todo valor se origina de uma valoração prévia, consistente em uma
concessão de dignidade e hierarquia que o sujeito faz às coisas segundo o prazo ou desprazer que lhe causam, e o (ii.2) objetivismo axiológico, para
cujos defensores uma instância externa e superior às inclinações de cada
indivíduo forneceria os parâmetros para separar valor de desvalor, lícito de
ilícito. Nessa concepção atribui-se ao valor um status metafísico, que independe completamente das suas relações com o homem
111.
A diferença entre as teorias pode ser assim compreendida nas palavras de Risieri
Frondizi: “[e]l valor será “objetivo” si existe independientemente de un sujeto o de una
conciencia valorativa; a su vez, será “subjetivo” si debe su existência, su sentido o su validez
a reacciones, ya sean fisiológicas o psicológicas, del sujeto que valora”112
.
De acordo com a teoria do subjetivismo axiológico, não existem valores objetivos
e absolutos. Aquilo que dada pessoa pode considerar um valor, para outra pode ser
considerado um desvalor. A análise do valor é reduzida à satisfação de um desejo, de um
propósito, de um sentimento de agrado ou de desagrado.
Miguel Reale leciona que embora sejam diversas as perspectivas do psicologismo
axiológico, a tese nuclear se baseia no entendimento de que os valores existem como
resultado de motivos psíquicos113
. De acordo com ele “[a]s coisas valem em razão de algo que
em nós mesmos se põe como desejável ou apetecível, ou capaz de dar-nos prazer; porque
existe, em suma, como fenômeno de consciência e como ‘vivência estimativa’”114
.
Ao se defender essa corrente, deixa-se em aberto questões relevantes como a
ausência de explicação para as preferências de um grupo ou coletividade. Estar-se-ia negando
a possibilidade de qualquer distinção entre o bem e o mau, o belo e o feio, o útil e o inútil.
Também não estariam esclarecidas a força e a pressão social que os valores muitas vezes
representam, até porque, muitas vezes, a realização de um valor está em exatamente abrir mão
de um desejo115
.
Em sentido diverso, Nicolai Hartmann defende a objetividade dos valores, pois
eles configuram “un prius condicionante de todo fenómeno de la vida moral, en donde la
aprioridad de la consciencia del valor configura sólo una parte del fenómeno”116
. Ademais, os
111 TOMÉ, 2011/2012, p. 282. 112
FRONDIZI, 1958, p. 19. 113 REALE, 2002, p. 192. 114 REALE, loc. cit. 115 REALE, loc. cit. 116 HARTMANN, 2011, Capítulo 16. Del ser en sí ideal de los valores, a) El ser em sí gnoseológico de los
valores.
47
valores possuem caráter absoluto frente ao sujeito que valora, pois eles integram o reino dos
valores, que existe além do reino da realidade e do reino da consciência117
.
Ademais, embora existente o reino dos valores, nem todas as pessoas conseguem
ingressar nesse mundo e as que conseguem, nem sempre conseguem na mesma extensão:
Pero con esto sucede exactamente lo mismo que con la evidencia
matemática. No todo el mundo es capaz de ella; no todo el mundo tiene la
mirada, la madurez ética, el nivel espiritual, para ver la situación objetiva tal como es. Sin embargo, existe con todo derecho, en la idea, la universalidad,
la necesidad y la objetividad del juicio de valor. Pues esta universalidad no
significa en absoluto que todo el mundo sea capaz de la evidencia del valor
en cuestión. Sólo significa que quien es capaz de ella, esto es, quien alcanza espiritualmente su sentido, necesariamente tiene que sentir y juzgar
moralmente así y no de otro modo. En el fondo, esto es una verdad
completamente trivial: no todo el mundo, por ejemplo, tiene sentido y comprensión para una acción generosa llevada a cabo en silencio o para una
deferencia ejercida delicadamente. Pero todo el mundo que tenga el sentido
para ello tiene que dictaminarlo como algo valioso, tiene que respetar por esa razón a la persona que lo ha hecho
118.
De acordo com Miguel Reale, a defesa realizada por Nicolai Hartmann quanto ao
mundo dos valores é tão extremada que “[o] seu objetivismo culmina, pois, em um verdadeiro
ontologismo axiológico”119
, pois para ele “os valores representam um mundo subsistente e
cerrado em si mesmo, com todas as características de uma realidade ontológica”120
.
De forma similar, Johannes Hessen defende a existência de valores objetivos e
absolutos, ou seja, uma validade objetiva – residente na própria essência do valor – e absoluta
– independente de quaisquer valorações acidentais e particulares dos indivíduos121
.
Ainda segundo referido autor, a objetividade pode ser constatada e justificada a
partir de três vias: fenomenológica, ontológica ou ainda sob o prisma da Filosofia da Cultura.
Segundo a fundamentação fenomenológica apresentada por Johannes Hessen, os
valores são vividos pelos homens como algo absoluto e objetivo, independentemente do
sujeito, uma vez que, em razão de algo que ultrapassa a consciência, são levados
incondicionalmente a aderi-lo. O homem reconhece que, para além da sua valoração
subjetiva, existem valores objetivos para os quais se curva de forma incondicional:
Quando nos impressiona a beleza duma paisagem, quando nos empolga a contemplação duma obra de arte, duma bela acção ou duma obra santa,
temos a imediata impressão de que tais valores não se acham fundados
apenas na subjectividade da nossa consciência, mas em alguma coisa que a
117 HARTMANN, 2011, Capítulo 16. Del ser en sí ideal de los valores, d) El ser em sí ético-ideal de los valores. 118 HARTMANN, loc. cit. 119 REALE, 2002, p. 199. 120 REALE, loc. cit. 121 HESSEN, 1980, p. 95.
48
transcende, em alguma coisa real. O fundamento que lhes entrevemos é
transsubjetivo, é algo para lá da consciência, como que subtraído aos acasos
duma valoração caprichosa da nossa fantasia. É isto o que se quer dizer, no presente caso, com a expressão objetivo e mesmo, num certo sentido, com a
de absoluto. Os valores são vividos por nós como algo de objectivo e
absoluto, independentemente do sujeito122
.
Já a fundamentação ontológica parte da localização da existência dos valores na
própria natureza espiritual do homem (no intelecto humano) e, portanto, da referencialidade
dos valores a um sujeito. Sob esse ponto de vista, a objetividade dos valores decorre do
intelecto humano, que é igual para todos os indivíduos123
.
Por fim, sob o enfoque da Filosofia da Cultura, o raciocínio que ampara a
fundamentação da objetividade dos valores é o de que a cultura é um fato e, portanto, tem
existência. Entretanto, a cultura significa a realização dos valores ou, nas palavras de
Johannes Hessen, “a realização de valores objectivos por meio duma actividade exercida
pelos homens. A existência da Cultura pressupõe portanto a existência de valores
objectivos”124
.
Para Miguel Reale, referidas teorias culminam num ontologismo axiológico e
estabelecem uma separação entre o problema do valor e o da história, ficando esta sem
sentido, contrariando a melhor forma de entender os valores, que, segundo ele, seria a partir
das doutrinas histórico-culturais125
.
Seguindo esse raciocínio, Miguel Reale leciona que os valores não são objetos
ideais, mas constitutivos da própria experiência (historicismo axiológico), em razão da
projeção do ser espiritual (homem) sobre a natureza de modo a inovar e a instaurar algo de
novo no processo dos fenômenos naturais126
.
Em consequência, para ele, a objetividade dos valores pode ser assim explicada:
No plano da História, os valores possuem objetividade, porque, por mais que
o homem atinja resultados e realize obras de ciência ou de arte, de bem e de
beleza, jamais tais obras chegarão a exaurir a possibilidade dos valores, que representam sempre uma abertura para novas determinações do gênio
inventivo e criador. Trata-se, porém, de uma objetividade relativa, sob o
prisma ontológico, pois os valores não existem em si e de per si, mas em relação aos homens, com referência a um sujeito. Não se entenda, porém,
que os valores só valham por se referirem a dado sujeito empírico, posto
como sua medida e razão de ser. Os valores não podem deixar de ser
referidos ao homem como sujeito universal de estimativa, mas não se reduzem às vivências preferenciais deste ou daquele indivíduo da espécie: -
122 HESSEN, 1980, p. 100. 123 Ibid., p. 101. 124 Ibid., p. 102. 125 REALE, 2002, p. 199/200. 126 Ibid., p. 202/203.
49
referem-se ao homem que se realiza na História, ao processus da experiência
humana de que participamos todos, conscientes ou inconscientes de sua
significação universal127
.
Risieri Frondizi defende que enquanto os valores mais baixos dependem do
agrado ou desagrado128
, no outro extremo, os valores éticos, que são considerados os mais
altos. O valor ético “tiene una fuerza impositiva que nos obliga a reconocerlo aun contra
nuestros deseos, tendencias e interesses personales”129
, de sorte que o ingrediente da
objetividade é muito maior nesse valor. Entre estes dois extremos, há diversos outros valores
– úteis, vitais e estéticos – em que a maior ou menor carga de subjetividade e objetividade
variam130
.
Compartilha-se do posicionamento defendido por referido doutrinador de que
ambas as teorias – subjetiva e objetiva – possuem respostas acertadas em alguns pontos, mas
erram ao levar em consideração apenas um aspecto da questão131
.
Nesse sentido, entende-se como correta a teoria subjetiva quando assevera que
não é possível separar o valor da valoração, mas essa teoria não se mostra acertada ao reduzir
o valor à valoração, uma vez que “[s]i los valores fueran tan sólo una proyección del agrado,
el deseo, o el interés del sujeto, reinaría en el mundo una verdadera anarquia axiológica, pues
los deseos e intereses varían de una época a outra y de hombre a hombre”132
. Destarte, se os
valores fossem criados pelos sujeitos sem levar em consideração nenhum elemento que o
trascenda, por exemplo, a norma de conduta reduziria a um capricho pessoal e desaparecia
toda a possibilidade de estabelecer uma forma estável de apreciação estética.
Por outro lado, a teoria objetiva considera que os valores são independentes dos
bens e dos sujeitos que os valoram e são absolutos e imutáveis, pois “[l]a natureza del ser
humano, sus cambios a través de la historia, el fluir constante de las preferencias, las
vicisitudes de los deseos e intereses de los hombres, deja a los valores intactos e
imperturbables”133
. Contudo, essa hierarquia axiológica é captada por um meio próprio do
conhecimento chamado de preferir134
.
Todavia, “como el preferir es un acto psicológico concreto, será necesario
determinar cuáles son los tipos de preferencia realmente reveladores de la superioridad
127 REALE, 2002, p. 204/205. 128 FRONDIZI, 1958, 26. 129
Ibid., 27. 130 FRONDIZI, loc. cit. 131 Ibid., 103. 132 FRONDIZI, loc. cit. 133 Ibid., 113. 134 Ibid., 115.
50
axiológica”135
, o que impõe considerar que a preferência depende da pessoa, da idade, da
cultura e da época histórica.
Dessarte, Risieri Frondizi sustenta que embora os estados psicológicos de agrado,
desejo e interesse sejam uma condição necessária, não são suficientes, pois tais estados não
excluem, mas supõem elementos objetivos. O valor, portanto, se apresenta como o resultado
de uma relação de tensão entre o sujeito e o objeto136
em que “[l]a relación del sujeto con el
objeto se da, a su vez, dentro de una sociedad, una cultura y época histórica determinadas” 137
.
Para Paulo de Barros Carvalho, “o que nos dá acesso ao reino dos valores é a
intuição emocional, não a sensível nem a intelectual”138
.
De forma diversa, embora entenda que o sentimento possui papel essencial no ato
de valoração, que a apreensão dos valores tem um caráter emocional, Johannes Hessen rejeita
o conceito de um “sentir intencional” “como um dado primitivo e originário da alma”139
. Para
ele esse “sentir” é “mais do que um misto de conhecer e de sentir, uma combinação de
factores intelectuais e emocionais”140
, ou seja, “todo o conhecimento dos valores assenta
numa colaboração entre as funções do entendimento e do sentimento”141
, com a
preponderância do sentimento.
Partindo dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho e Miguel Reale, os
valores são dotados das seguintes características: bipolaridade, implicação recíproca,
referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade, tendência à graduação hierárquica,
objetividade, historicidade, inexauribilidade, atributividade, indefinibilidade, vocação dos
valores em se expressar em termos normativos, associatividade e modo de acesso aos valores.
A bipolaridade representa a característica de que todo o valor pressupõe o seu
oposto, um desvalor. A título ilustrativo, o valor positivo da justiça tem o seu contraponto no
desvalor da injustiça. O valor igualdade tem o seu desvalor desigualdade. De acordo com
Paulo de Barros Carvalho essa característica apenas é “possível entre os objetos metafísicos e
culturais, que é marca obrigatória dos valores”142
.
Nenhum valor se realiza sem influir em outros valores, de forma que a implicação
recíproca também é eleita como uma característica. Desse modo, “o certo implica o justo que
135 FRONDIZI, 1958, 116. 136 Ibid., 122. 137
Ibid., 121. 138 CARVALHO, P., 2013, p. 176. 139 HESSEN, 1980, p. 146. 140 HESSEN, loc. cit. 141 HESSEN, loc. cit. 142 CARVALHO, P., 2013, p. 177.
51
implica a liberdade”143
, ou, de outro modo, o certo implica a igualdade, que implica o justo,
que implica a liberdade.
Há ainda a necessidade de sentido ou referibilidade, pois todo o valor consiste na
tomada de decisão perante algo. Atribuímos valor às coisas e ao próprio homem.
Em consequência, o valor demonstra uma preferibilidade a algo. Ao escolher a
teoria da justiça com base na igualdade e não na liberdade, demonstra-se a tomada de uma
decisão: a preferência de uma teoria a outra.
Ademais, eles não podem ser mensurados (não são passíveis de medição -
incomensurabilidade). Não é possível afirmar que de determinada política governamental
atingiu o padrão de 25% de igualdade. Ou é igual, ou é desigual, não existe a quantificação.
Apresentam forte tendência de serem colocados em uma ordem hierárquica e
requerem sempre o objeto da experiência para neles assumir objetividade. A igualdade não
existe em abstrato, mas a partir da análise de terminada circunstância.
Não se pode desconsiderar, ainda, que os valores são frutos de um processo
histórico-social (historicidade) e eles não se esgotam (inexauribilidade). Ainda que a política
pública adotada observe a igualdade, ainda haverá igualdade para realizar.
Ademais, os valores sempre pressupõem a presença humana e um ato de
atribuição (atributividade) e, enquanto dado metafísico, é impossível de definição
(indefinibilidade).
Por fim, os valores possuem vocação para se expressar em termos normativos e o
modo de compreendê-los é a associatividade, isto porque “a ideia do valor a que pretendemos
ter acesso vai se formando, lentamente, em nosso espírito, até atingir o nível que a intuição
emocional recomendar”144
. Por fim, o acesso aos valores ocorre por meio da emoção.
Quando se volta o olhar novamente para o direito, não se pode ignorar que as
normas jurídicas representam o resultado da tensão entre os fatos sociais e os valores de uma
dada sociedade. Há que se ter em mente que valores não somente orientam a criação do
direito, como toda a existência deste último, dada a sua natureza de bem cultural. De
conseguinte, o intérprete, ao se deparar com todo o conjunto de enunciados normativos,
atribui a eles valores para construir o seu sentido.
Não se pode ignorar, outrossim, que o valor próprio do direito é a justiça. Há,
portanto, uma concepção objetiva de justiça como um valor a ser concretizado.
143 CARVALHO, A., 2014, p. 273. 144 CARVALHO, P., 2013, p. 180.
52
Nesse passo, importante compreender a eleição do valor igualdade como
instrumento da justiça.
2.3.2 Igualdade como critério para a concretização do valor justiça
Conforme já explicitado, o direito é “ordem das relações sociais segundo um
sistema de valores reconhecido como superior aos indivíduos e aos grupos”145
.
Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, “não é exagero referir que o dado
valorativo está presente em toda configuração do jurídico, desde seus aspectos formais
(lógicos), como nos planos semântico e pragmático”146
.
Isso porque, o direito é um objeto cultural, produzido para alcançar os valores que
a sociedade pretende concretizar. De conseguinte, onde há o direito, há o elemento axiológico.
Segundo Miguel Reale, o direito possui por fundamento duas espécies de valores.
A primeira espécie é composta pelos valores que “são primordiais, ou melhor, conaturais ao
homem, tal como o valor da pessoa humana, que é o valor-fonte da ideia do justo”147
. A
segunda espécie “são valores adquiridos por meio da experiência histórica”148
.
O valor próprio do direito é a justiça.
Nesse sentido, preleciona Miguel Reale que o que se chama propriamente de justo
é o bem, visto como valor social e que constitui o valor fundante do direito. Indo além, para
referido doutrinador, toda Axiologia tem como fonte o valor da pessoa humana e, no caso da
Axiologia jurídica, o valor fonte é o justo, que significa “a coexistência harmônica e livre das
pessoas segundo proporção e igualdade149
.
De igual forma, Norberto Bobbio firma seu posicionamento de que, mesmo numa
concepção positiva, faz-se necessário examinar as normas a partir dos valores que elas se
inspiram, de modo que, para ser jurídica, a norma também precisa ser justa:
Concordamos que o direito positivo seja aquele estabelecido e imposto pelo
soberano (entendendo-se por soberano a pessoa ou o grupo de pessoas que
detêm o poder de fazer respeitar, inclusive através da força, as regras de
conduta que emanam). Mas será necessário distinguir as decisões segundo os ideais em que se inspiram, e então serão jurídicas não todas as regras, mas
somente as que inspiram em determinados valores. Em geral, dá-se ao
supremo valor em que o direito se inspira o nome de justiça. Daí, segue que,
145
REALE, 2000, Capítulo I. A concepção culturalista do Estado e o problema metodológico, Estado, direito e
cultura, item 4. 146 CARVALHO, P., 2013, p. 74. 147 REALE, loc. cit. 148 REALE, loc. cit. 149 Id., 2002, p. 267.
53
para uma regra ser jurídica, é preciso que seja justa, isto é, que tenda à
realização de certos valores em primazia de outros150
.
Mas o que é justiça? O que é igualdade?
De acordo com Aristóteles:
A justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a
fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de
modo análogo, a injustiça [10] é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto
151.
Ademais, segundo ele, no que se refere à justiça distributiva (uma das espécies da
justiça, ao lado da justiça corretiva), a divisão das coisas deverá ser realizada “de acordo com
o mérito de cada um”:
[...] se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mais isso é a
origem de disputas e queixas (como quando iguais têm e recebem [25] partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais). Ademais, isso se
torna evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas “de acordo
com o mérito de cada um”, pois todos concordam que o que é justo com relação à distribuição, também o deve ser com o mérito em um certo sentido,
embora nem todos especifiquem a mesma espécie de mérito: os democratas
o identificam com a condição de homem livre, os partidários da oligarquia com a riqueza (ou nobreza de nascimento), e os partidários da aristocracia
com a excelência152
.
Segundo John Rawls, “a justiça de um arranjo social depende, em essência, de
como se atribuem os direitos e os deveres fundamentais e também das oportunidades
econômicas e das condições sociais dos diversos setores da sociedade”153
.
De forma similar, leciona Michael J. Sandel que, para descobrir se uma sociedade
é justa, é preciso saber como ela distribui as coisas que valoriza, como ela distribui a renda e a
riqueza, os deveres e os direitos, os poderes e as oportunidades, os cargos e as honrarias.
Conclui-se que uma sociedade justa é aquela que distribui essas coisas da forma correta, ou
seja, a que confere a cada indivíduo o que lhe é devido. Contudo, as perguntas consideradas
difíceis iniciam-se quando se indaga o que é devido às pessoas e por quê154
.
Ainda segundo referido autor, há três maneiras de abordar a distribuição de bens
em uma sociedade. A que leva em consideração o bem-estar; neste caso indaga-se o que
maximizará o bem-estar ou a felicidade da sociedade em geral. A que leva em consideração a
150 BOBBIO, 2014, p. 149/150. 151 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Torrieri Guimarães. 6. ed. 9. reimp. São Paulo: Martin
Claret, 2015, p. 94. 152 ARISTÓTELES, loc. cit. 153 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Jussara Simões. Revisão técnica de Álvaro de Vita. 3.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 9. 154 SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice
Máximo. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 28.
54
liberdade, como no caso do pensamento libertário, em que a justa distribuição da renda e da
riqueza se dá pela livre troca de bens e serviços, pois se entende que restringir o mercado
importa em violação da liberdade individual de escolha. A que se baseia no conceito de
virtude, ou seja, justiça é dar às pessoas o que elas moralmente merecem, impõe a destinação
de bens para recompensar as desigualdades e promover a equidade155
.
Considerando que nem todos os homens são iguais e nem todos possuem as
mesmas influências culturais, o entendimento sobre a justiça como fim último do direito
possui conteúdo variável conforme a maior ou menor inclusão para dada espécie de valores.
Tudo depende da abertura que se tem para os valores. Indo além, tudo dependerá se o valor
igualdade será o critério adotado para a concretização da justiça, mas, não se esgotará nessa
escolha, pois as conclusões dependerão da definição do que se entende por igualdade.
Salienta-se que a igualdade, além de ser um valor, também é princípio constitucional do
ordenamento jurídico brasileiro, o que será tratado no item “2.4.2 O princípio da igualdade: a
igualdade como critério comparativo e a pessoa com deficiência”.
Miguel Reale, partindo dos seis tipos de homens ideais proposto por Eduardo
Spranger, preleciona que o homem econômico tende a sujeitar os homens e as coisas às
exigências vitais, de forma a ver a verdade e o belo como meras expressões do útil e do
econômico. O homem teorético, por sua vez, perde-se no mundo abstrato das teorias, das leis
abstratas, colocando a ciência em posição hieráquica superior. Por fim, o homem político
tende a sentir-se acima do bem e do mal, pois os compreende em função das necessidades da
ordem e da autoridade156
.
Para Norberto Bobbio, a justiça entendida como igualdade proporciona, na
história do pensamento jurídico, ao menos quatro respostas sobre o seu significado: a
igualdade de acordo o mérito, a igualdade de acordo com a necessidade, a igualdade de
acordo com o trabalho e a igualdade de acordo com o status157
. O problema está em responder
a seguinte indagação: “Qual desses critérios é o justo, ou seja, o que permite afirmar que uma
norma é jurídica ao sustentar-se que uma norma, para ser jurídica, deve ser também justa?”158
.
Ao tratar da moral política constitutiva do liberalismo, que teria permanecido a
mesma durante a história, bem como das diferenças entre conservadores e liberais no que se
refere aos princípios da liberdade e igualdade, Ronald Dworkin distinguiu dois princípios
155 SANDEL, 2013, p. 137/138. 156 REALE, 2002, p. 225/226. 157 BOBBIO, 2014, p. 150. 158 BOBBIO, loc. cit.
55
diferentes que consideram a igualdade como um ideal político. O primeiro exige que o
governo trate todos os que estão sob o seu cuidado como iguais, ou seja, todos têm o direito a
igual atenção e respeito por parte do governo. O segundo princípio exige que o governo trate
igualmente todos os que estão ao seu cuidado no que se refere à atribuição de oportunidades,
ou, no mínimo, que trabalhe para assegurar que todos sejam iguais ou mais aproximadamente
iguais neste ponto. Embora a maioria admita que o governo não pode tornar todas as pessoas
iguais em todos os aspectos, a discordância reside sobre em que medida o governo deve tentar
assegurar a igualdade no que diz respeito a algum recurso específico, como o monetário159
.
Ainda segundo Ronald Dworkin, a justiça pressupõe também o direito à igualdade
(Right to equal concern and respect):
Argumento, através de uma análise da poderosa e influente teoria da justiça
de John Rawls, que nossas intuições sobre a justiça pressupõem não apenas que as pessoas têm direitos, mas que um desses direitos é fundamental e até
mesmo axiomático. Esse direito, que é o mais fundamental de todos, é uma
concepção nítida do direito à igualdade, que chamo de direito à igual consideração e respeito
160.
Isso porque, embora seja uma característica do homem, a diferença muitas vezes
ultrapassa as preferências por bens e atividades. Os talentos não são distribuídos igualmente,
de sorte que a escolha para se trabalhar em uma fábrica ou em um escritório de advocacia ou
não trabalhar tem mais relação com as capacidades do que com as preferências de trabalho ou
entre trabalho e lazer. Os filhos das pessoas bem-sucedidas irão começar a sua jornada com
mais riqueza do que os filhos dos não bem-sucedidos. No que se refere às pessoas com
deficiência, a deficiência poderá ser uma causa que impede o acesso ao emprego mais
produtivo e lucrativo, como também, em termos de rendimentos, as pessoas com deficiência
precisarão, em geral, de mais do que as não deficientes para satisfazer ambições idênticas161
.
Nesse ponto, surge inconteste a importância do Estado e, mais especificamente do
direito, para, ao fazer o recorte dessa realidade, conferir o tratamento mais apto, segundo os
valores de uma dada sociedade, de minimizar a exclusão e proporcionar, de fato, igualdade de
participação.
Permite-se citar o voto da Min. Rosa Weber, nos autos da ADPF 186/DF162
, que
embora tivesse por objeto específico analisar a constitucionalidade dos programas de ação
159 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. Revisão técnica de Gildo
Sá Leitão Rios. Revisão de tradução de Silvana Vieira. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 283/284. 160 Id. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2010, p. XVI. 161 Id., 2005, p. 291/292. 162 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator Min. RICARDO
LEWANDOWSKI. Tribunal Pleno. Data da Decisão: 26 abr. 2012. Diário da Justiça, 20 out. 2014.
56
afirmativa para acesso ao ensino superior, que estabelecem um sistema de reserva de vagas,
com base em critério étnico-racial, também pode ser aplicado no caso das pessoas com
deficiência.
Referida Ministra traça uma importante relação entre a igualdade mínima de
oportunidades e a igualdade de liberdade, porque, havendo desigualdades concretas, a
presunção da igualdade deixa de ser benéfica e passa a ser um fardo ao impedir que sejam
consideradas as necessidades específicas e concretas de um determinado grupo, de sorte que,
“por não terem as mesmas oportunidades, ficam impossibilitados de galgar os mesmos
espaços daqueles que desfrutam de condições sociais mais favoráveis. E, sem igualdade
mínima de oportunidades, não há igualdade de liberdade”163
. Por consequência, constata-
se que, para aqueles que não são vistos em suas particularidades e necessidades, sob a
justificativa da presunção da igualdade, “as possibilidades de ação, as escolhas de vida, as
visões de mundo, as chances econômicas, as manifestações individuais ou coletivas
específicas são muito mais restritas”164
.
Para sanar esse problema, que também é enfrentado pelas pessoas com
deficiência, compartilha-se do entendimento da Ministra de que é imprescindível a
intervenção do Estado por meio das ações afirmativas:
Necessária se faz, então, a intervenção do Estado, que tem ocorrido em
especial por meio das chamadas ações afirmativas. É preciso adentrar no
mundo das relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a
igualdade formal volte a ter seu papel benéfico. Assim, a desigualdade material, que justifica a presença do Estado nas relações sociais, só se
legitima quando identificada concretamente, a impedir que determinado
grupo ou parcela da sociedade usufrua das mesmas chances de acesso às oportunidades sociais de que beneficiários outros grupos. Se as
oportunidades são limitadas, é necessário que todos os indivíduos e todos os
grupos tenham chances equivalentes de usufruí-las. Uma vez que tal situação
está em perspectiva, só então é dado ao legislador e ao aplicador do Direito voltar a presumir a igualdade em razão do igual tratamento legal. Em outros
termos, às vezes se fazem necessários tratamentos desiguais em
determinadas questões sociais ou econômicas para que o resto do sistema possa presumir que todos são iguais nas demais esferas da sociedade
165.
Não se pode ignorar que dentre os instrumentos colocados à disposição do Estado
para esse fim – uso das ações afirmativas para a correção de desigualdades concretas –, está a
tributação. Por meio da instituição dos tributos, o Estado adquire os recursos necessários para
propiciar a correta redistribuição deles na sociedade. Daí exsurge a importância de levar em
163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator Min. RICARDO
LEWANDOWSKI. Tribunal Pleno. Data da Decisão: 26 abr. 2012. Diário da Justiça, 20 out. 2014. 164 Ibid. 165 Ibid.
57
consideração não apenas o valor justiça em sua concepção ampla, mas também a justiça fiscal
e a justiça extrafiscal.
Nos dizeres de Ricardo Lobo Torres, “[a] justiça fiscal, especial dimensão da
justiça política, é a nosso ver, a que oferece o melhor instrumental para a redistribuição de
rendas, com a adjudicação de parcelas da riqueza nacional a indivíduos concretos”166
.
Não se desconhece que a ampliação do olhar para compreender o direito tributário
também como um ramo do direito próprio para a realização da justiça social é controvertido e
depende da compreensão do valor igualdade como critério para a redistribuição de recurso.
De acordo com Luiz Octavio Rabelo Neto, há divergências de entendimento
quando se almeja utilizar o poder tributário não apenas para fornecer bens públicos a todos,
mas para propiciar a transferência de recursos para os mais pobres e discriminados, sob a
justificativa da existência da responsabilidade de todos para a correção das desigualdades
socioeconômicas e de discriminação consideradas injustas167
.
A justiça fiscal abrange a justiça orçamentária, a tributária e a financeira (com a
concessão de subvenções e transferências). Por meio da justiça fiscal é possível proporcionar
a justiça distributiva, diante da interação entre a justiça social e a política168
.
Por outro lado, a “[a] justiça extrafiscal é a que informa a cobrança dos tributos do
ponto de vista da proteção à vida econ[ômica] e social. A finalidade extrafiscal deve vir
amalgamada, ainda que em porção mínima, à fiscal, sob pena de descaracterizar o tributo”169
.
É na justiça extrafiscal que a proteção das pessoas com deficiência encontrará guarida,
conforme será tratado no item “4.1.3 Extrafiscalidade como mecanismo para a igualdade de
participação”.
De conseguinte, também no âmbito fiscal os valores igualdade e justiça se
interrelacionam, sem, contudo, um se limitar ao outro.
Preleciona Ricardo Lobo Torres que a igualdade, como princípio vazio, recebe o
seu conteúdo de outros princípios constitucionais e é a medida da justiça fiscal, pois não se
pode falar em justiça sem a igual repartição do ônus fiscal. Contudo, a igualdade transcende a
justiça, pois ela pode estar em outros valores e, em certos casos, pode estar na própria
166
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – valores e princípios
constitucionais tributários. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, v. II, p. 113/114. 167 RABELO NETO, Luiz Octavio. Benefícios fiscais como instrumento das medidas de ação afirmativa. São
Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 121. 168 TORRES, op. cit., p. 124. 169 Ibid., p. 124/125.
58
injustiça170
. Ademais, de acordo com ele, “a justiça fiscal se obtém pelo desigual tratamento
dos desiguais, como sempre afirmou a doutrina liberal, o que faz com que algum grau de
desigualdade e de injustiça exista sempre na tributação”171
.
Ainda se valendo dos ensinamentos de Ricardo Lobo Torres, os valores justiça e
igualdade também devem se relacionar com o valor solidariedade (o valor fraternidade da
Revolução Francesa), pois a solidariedade aproxima-se da justiça ao criar um vínculo de
apoio mútuo entre aqueles que se beneficiam da redistribuição de bens sociais. Em havendo o
fortalecimento da solidariedade, há o fortalecimento da justiça social e da justiça distributiva,
pressupostos esses para a realização dos direitos sociais ou também chamados de direito de
segunda geração, que dependem dos vínculos de fraternidade172
. De conseguinte, “[s]olidários
são os contribuintes e os beneficiários das prestações estatais, em conjunto [...]”173
.
Desse modo, é o valor da solidariedade que cria um vínculo entre os integrantes
da sociedade e a obrigatoriedade de repartição dos diversos bens sociais.
Por ocasião do julgamento da referida ADPF 186/DF174
, o Min. Gilmar Mendes
defendeu a conjugação dos valores da igualdade e da fraternidade para a proteção das
minorias, o que também pode ser aplicado para os grupos vulneráveis, que abrangem as
pessoas com deficiência, conforme trecho do seu voto que se permite trazer à baila:
[...]
Pensar a igualdade segundo o valor da fraternidade significa ter em mente as
diferenças e as particularidades humanas em todos os seus aspectos. A
tolerância em tema de igualdade, nesse sentido, impõe a igual consideração do outro em suas peculiaridades e idiossincrasias. Numa sociedade marcada
pelo pluralismo, a igualdade só pode ser igualdade com igual respeito às
diferenças. Enfim, no Estado democrático, a conjugação dos valores da igualdade e da fraternidade expressa uma normatividade constitucional no
sentido de reconhecimento e proteção das minorias.
[...]
Identificada a realidade da pessoa com deficiência como um fato social relevante,
disciplinado pelo direito em observância dos valores justiça e igualdade, seja para coibir a
discriminação, seja para garantir iguais oportunidades, surge a necessidade de compreender
melhor o direito como norma.
170
TORRES, 2005, p. 163/165. 171 TORRES, loc. cit. 172 Ibid., p. 183. 173 TORRES, loc. cit. 174 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator Min. RICARDO
LEWANDOWSKI. Tribunal Pleno. Data da Decisão: 26 abr. 2012. Diário da Justiça, 20 out. 2014.
59
2.4 Direito como norma: o direito como instrumento de proteção das pessoas com
deficiência
2.4.1 Noções gerais: teoria do ordenamento jurídico como sistema de normas protetivas das
pessoas com deficiência
Diante da demonstração da necessidade do direito recortar da realidade social
diversos aspectos da vida das pessoas com deficiência – dada a sua relevância – para
discipliná-los de forma a proporcionar a eliminação da discriminação e conferir melhores
oportunidades a essas pessoas de real participação na sociedade, imprescindível ingressar nas
especificidades do direito, como forma de melhor compreensão dos mecanismos disponíveis
para efetivar essa proteção, visando identificar se a adoção das ações afirmativas do direito
tributário representa um instrumento idôneo e apto a essa finalidade.
A primeira diferenciação importante quando o estudo é direcionado para o direito
como norma é a que se refere à Ciência do Direito e ao direito positivo.
A Ciência do Direito é a teoria e o direito positivo, o seu objeto de estudo. São
dois corpos de linguagem em constantes processos de interdiscursividade. “Em outras
palavras, o direito se serve da Ciência como norte de legitimação de decisões jurídicas e a
Ciência utiliza o direito como eixo temático para suas investigações”175
.
Portanto, a Ciência do Direito é uma metalinguagem e o direito positivo a sua
linguagem-objeto. Isso quer dizer que, enquanto a Ciência do Direito toma por objeto o
direito positivo, o direito positivo tem por objeto a realidade social.
Em sendo dois corpos de linguagem, importante trazer à colação as duas funções
linguísticas que são importantes para o rigor da diferenciação entre eles, ou seja, a linguagem
descritiva e a linguagem prescritiva.
A linguagem descritiva é o meio adequado para a transmissão de informações,
para relatar acontecimentos do mundo. Trata-se da linguagem própria para a transmissão do
conhecimento, seja ele vulgar ou científico. Nos dizeres de Aurora Tomazini de Carvalho,
essa linguagem “[a]presenta-se como um conjunto de proposições que remetem seu
destinatário às situações por ela indicadas. Submetem-se aos valores de verdade e falsidade,
podendo ser afirmadas ou negadas por outras proposições de mesma ordem”176
.
175 MCNAUGHTON, Charles Willian. Sistema jurídico e ciência do direito in Constructivismo lógico-
semântico. Aurora Tomazini de Carvalho (org), São Paulo: Noeses, 2014, v. I, p. 43. 176 CARVALHO, A., 2014, p. 101/102.
60
Por outro lado, a linguagem prescritiva de condutas é o meio adequado para a
emanação de ordens e comandos. Trata-se de linguagem própria para a regulação de
comportamentos, com a finalidade de modificação das condutas. De acordo com a referida
doutrinadora, a linguagem prescritiva submete-se aos valores de validade e não-validade, não
podendo ser afirmadas ou negadas, mas sim observadas ou não177
.
Enquanto o direito positivo é caracterizado pelo conjunto de normas prescritivas,
que impõe um “dever-ser”, a Ciência do Direito, que possui como objeto de análise o direito
positivo, vale-se de normas descritivas. Nesse mesmo sentido, Aurora Tomazini de Carvalho
sustenta que “[o] direito positivo é formado pelo conjunto estruturado de comunicações do
tipo jurídico-normativa (linguagem prescritiva) e a Ciência do Direito, pelo conjunto
estruturado de comunicações do tipo jurídico-descritivas (linguagem descritiva)”178
.
Portanto, o direito positivo e a Ciência do Direito são conjuntos de comunicações
distintos e autônomos entre si e em relação às demais comunicações que integram o sistema
social. Contudo, não se pode ignorar que eles mantêm estreita relação um com o outro e com
o sistema social.
O direito positivo, por ser linguagem prescritiva, apresenta-se estruturado pela
Lógica Deôntica. As suas proposições se relacionam na forma implicacional: “Se H, deve ser
C” ou, em linguagem formalizada: “H → C”, onde “H” e “C” são variáveis (hipótese e
consequente) e “→” é constante. Nas lições de Aurora Tomazini de Carvalho, “[e]m todas as
unidades do direito positivo encontramos esta estrutura: a descrição de um fato, representado
pela variável “H” que implica (→) uma consequência representada por “C”179
.
Ademais, as estruturas deônticas (dever-ser) operam com os três modalizadores,
obrigatório (O), permitido (P) e proibido (V).
Já a Ciência do Direito, por ser linguagem descritiva, é estruturada pela Lógica
Alética (modal alético “ser”). Suas proposições relacionam-se na forma “S é P” ou, em
linguagem formalizada, “S(P)”.
Neste caso, “S” e “P” “são variáveis representativas das proposições sujeito e
predicado, mutáveis conforme as referências conceptuais construídos pelo cientista; e ‘e’ é a
constante, identificadora da relação entre os conteúdos significativos das variáveis S e P180
.
177 CARVALHO, A., 2014, p. 102. 178 Ibid., p. 143. 179 Ibid., p. 115. 180 Ibid., p. 116.
61
A Lógica Alética opera com dois modalizadores: necessários (N) e possivelmente
(M).
Em consequência, quanto aos valores, os enunciados do direito positivo possuem
valores de validade/invalidade, já a Ciência do Direito é compatível com os valores
verdade/falsidade.
Ademais, enquanto no direito positivo é possível a existência de enunciados que
se contradizem, mas não interferem na sua existência enquanto sistema, a Ciência do Direito
pressupõe uma linguagem rigorosa e sem contradições em seus enunciados181
.
Por outro lado, a partir da diferenciação entre Ciência do Direito e direito positivo
como duas realidades diversas, é possível, de conseguinte, falar em dois sistemas distintos e,
como consequência, é possível identificar os textos prescritivos do direito posto e os textos
descritivos da Ciência do Direito182
.
Por sistema, Aurora Tomazini de Carvalho entende “o conjunto de elementos que
se relacionam entre si e se aglutinam perante um referencial comum”183
. Dessa forma, não
apenas é possível vislumbrar a existência de um identificador comum entre os diversos
elementos, mas também a existência de relações de coordenação e subordinação entre tais
elementos.
Nesse sentido, quando se volta para a análise do direito positivo, mais
precisamente entendido como conjunto de normas, logo se pensa em ordenamento jurídico ou
sistema jurídico.
Isso porque, segundo Paulo de Barros Carvalho, para que o direito positivo possa
ser compreendido e observado pelos sujeitos destinatários imprescindível a existência de um
mínimo de racionalidade na estruturação de suas normas, o que lhe garante a condição de
sistema184
.
Nesse sentido, Tercio Sampaio Ferraz Jr. firma seu posicionamento de que “a
concepção do ordenamento como sistema é consentânea com o aparecimento do Estado
moderno e o desenvolvimento do capitalismo”185
.
Ordenamento jurídico ou sistema jurídico, portanto, nas palavras de Aurora
Tomazini de Carvalho, “é a ordem posta, o direito positivado, um conjunto de disposições
181
CARVALHO, A., 2014, p. 122/123. 182 Ibid., p. 127. 183 Ibid., p. 129. 184 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 76/80. 185 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 147.
62
jurídicas, produzidas por um ato de autoridade, estruturadas por vínculos de subordinação e
coordenação”186
.
Indo além, para Norberto Bobbio, não é possível construir uma definição
satisfatória do direito sem ser a partir do conceito de ordenamento jurídico187
. Conforme seus
ensinamentos, enquanto para a teoria tradicional, um ordenamento jurídico se compõe de
normas jurídicas, na nova perspectiva proposta por ele, normas jurídicas são aquelas que
venham a fazer parte de um ordenamento jurídico. Nesse passo, “não existem ordenamentos
jurídicos porque há normas jurídicas, mas existem normas jurídicas porque há ordenamentos
jurídicos distintos dos ordenamentos não jurídicos”188
.
No presente trabalho, seguindo os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, os
termos “ordenamento” e “sistema” serão utilizados como sinônimos, uma vez que ambos
trazem a ideia de ordem.
A importância desse conceito para fins de estudo do direito é destacada por Tercio
Sampaio Ferraz Jr.:
Em síntese, essas considerações iniciais permitem-nos a seguinte conclusão: o conceito de ordenamento é operacionalmente importante para a dogmática;
nele se incluem elementos normativos (as normas) que são os principais, e
não normativos (definições, critérios classificatórios, preâmbulo etc.); sua
estrutura revela regras de vários tipos; no direito contemporâneo, a dogmática tende a vê-lo como um conjunto sistemático: quem fala em
ordenamento pensa logo em sistema189
.
A existência de um ordenamento jurídico, portanto, pressupõe um conjunto de
normas jurídicas e uma estrutura. De conseguinte, há, a princípio, dois axiomas do
ordenamento jurídico: a validade e a hierarquia (unidade).
Não é possível falar em ordenamento jurídico sem a existência de normas válidas,
ou seja, de normas que integram – pertencem – referido ordenamento jurídico.
Por outro lado, não se pode falar em ordenamento jurídico sem hierarquia.
Quando se fala em unidade de ordenamentos jurídicos complexos, entendido esses quando as
normas não decorrem da mesma fonte, está se falando em hierarquia de normas, ou seja, na
existência de normas superiores e inferiores, de forma que as normas inferiores retiram a sua
validade se em consonância com as normas superiores, procedimento esse realizado até que se
chegue na chamada norma suprema, considerada essa aquela que não depende de nenhuma
186 CARVALHO, A., 2014, p. 649. 187 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon. São Paulo:
EDIPRO, 2011, p. 38. 188 Ibid., p. 45. 189 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 147.
63
outra norma superior. A unidade, segundo Bobbio, decorre do fato de que “direta ou
indiretamente, com desvios mais ou menos torturosos, todas as fontes do direito podem ser
deduzidas de uma única norma”190
.
Nesse mesmo sentido, Tercio Sampaio Ferraz Jr. leciona que o ordenamento
jurídico possui um repertório (elementos normativos) e uma estrutura (elementos não
normativos) que guardam relação entre si de modo que, quando se afirma que a normas estão
dispostas hierarquicamente, está se analisando a sua estrutura191
.
A partir da concepção de que as normas jurídicas devem estar dispostas de tal
forma que uma encontra fundamento noutra norma jurídica de superior hierarquia, é possível
vislumbrar a representação piramidal sugerida por Hans Kelsen192
e a questão dos
fundamentos que legitimam a existência da norma fundamental.
Para fins do presente trabalho, é adotado o raciocínio de que todo o sistema tem
um início e, no caso do sistema jurídico, seu início se dá com a norma fundamental. Eventuais
tentativas de explicar o seu fundamento pressupõem sair do sistema jurídico, de forma que se
entende por suficiente, neste estudo, a explicação apresentada por Norberto Bobbio:
A norma fundamental é um pressuposto do ordenamento: ela cumpre, num
sistema normativo, a mesma função que os postulados num sistema científico. Os postulados são aquelas proposições primitivas das quais se
deduzem as outras, mas que não são dedutíveis elas mesmas. Os postulados
são postos por convenção ou por sua pretensa evidência. O mesmo se pode
dizer da norma fundamental: ela é uma convenção ou, se se quiser, uma proposição evidente que vem posta no vértice do sistema para que a ela se
possam reconduzir todas as outras normas193
.
Por outro lado, não se pode esquecer que um sistema pressupõe também a
existência de mecanismos para a resolução de antinomias jurídicas. Norberto Bobbio leciona
que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem coexistir normas
incompatíveis. “‘Sistema’ aqui equivale a validade do princípio que exclui a
incompatibilidade das normas”194
. Nesse passo, havendo incompatibilidade entre normas
jurídicas, a consequência é a queda de uma das duas normas ou, no máximo, de ambas e não
de todo o sistema195
.
190 BOBBIO, 2011, p. 61. 191
FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 146. 192 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 155. 193 BOBBIO, op. cit., p. 72. 194 Ibid., p. 86. 195 Ibid., p. 87.
64
Por fim, ao lado da hierarquia (unidade) e dos mecanismos de resolução de
antinomias, um ordenamento jurídico também pressupõe ser completo, sem lacunas196
. Em
consequência, “um ordenamento é completo quando nunca se verifica uma situação na qual
não se possa demonstrar a pertinência nem de uma determinada norma nem de sua norma
contraditória”197
.
Compreendido o ordenamento jurídico como o conjunto de normas
harmoniosamente organizadas, é possível concluir que o objeto de estudo do presente trabalho
é o ordenamento jurídico brasileiro ou, em outras palavras, o conjunto de normas tributárias
destinadas à proteção da pessoa com deficiência. Contudo, para prosseguir no estudo da
proteção da pessoa com deficiência, importante tecer algumas considerações sobre as espécies
de normas jurídicas, notadamente porque a forma de proteção eleita no presente estudo, é a
realizada por meio de normas jurídicas tributárias veiculadoras de ações afirmativas.
2.4.1.1 Normas jurídicas: as sanções positivas e a pessoa com deficiência
Como já defendido linhas atrás, o direito é entendido neste trabalho (também)
como um conjunto de normas jurídicas organizadas harmoniosamente. Dessa forma, se o
objetivo é o estudo da proteção da pessoa com deficiência pelo ordenamento jurídico, ainda
que mais especificamente no âmbito tributário, de suma importância a compreensão do que
são normas jurídicas, quais seus elementos e suas estruturas. Somente a partir daí, é possível
ao estudioso do direito compreender quais são os instrumentos (sanções negativas ou sanções
positivas; regras ou princípios) colocados a sua disposição para, de fato, proporcionar essa
proteção.
Muito se discutiu e continuará a se discutir a respeito dos elementos que
diferenciam a norma jurídica das diversas espécies de normas, como as normas morais, as
normas sociais e as normas religiosas. Em outras palavras, a indagação sobre se uma
determinada norma é jurídica não apresenta soluções unânimes na doutrina no que diz
respeito a quais requisitos devem ser considerados para uma resposta satisfatória.
Robert Alexy já alertava acerca da dificuldade em conceituar a norma jurídica,
pois “não é de surpreender que a discussão acerca do conceito de norma como conceito
196 BOBBIO, 2011, p. 48. 197 Ibid., p. 116.
65
fundamental da Ciência do Direito não tenha fim. Toda definição desse conceito implica
decisões sobre o objeto e o método da disciplina, ou seja, sobre seu próprio caráter”198
.
De qualquer forma, Tercio Sampaio Ferraz Jr. preleciona a importância da norma
jurídica para a compreensão do fenômeno jurídico, pois o conceito de norma jurídica é “um
centro teórico organizador de uma dogmática analítica”199
.
Para ele, embora não se desconheça que o jurista também é um cientista social ao
conceber normativamente as relações sociais, é relevante reconhecer que a norma é o critério
fundamental de análise do jurista, tendo em vista que o fenômeno jurídico revela-se como
“um conjunto de proibições, obrigações, permissões, por meio do qual os homens criam entre
si relações de subordinação, coordenação, organizam seu comportamento coletivamente,
interpretam suas próprias prescrições, delimitam o exercício do poder etc”200
.
Conforme Paulo de Barros Carvalho, a função pragmática da linguagem do direito
é a prescritiva de condutas, “pois seu objetivo é justamente alterar os comportamentos nas
relações intersubjetivas, orientando-os em direção aos valores que a sociedade pretende
implantar” 201
.
Reside neste ponto o grande diferencial entre as normas jurídicas e as leis
científicas, pois, segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr. as primeiras prescrevem a normalidade
do comportamento e as segundas descrevem a normalidade202
.
Sob um olhar eminentemente positivista, a identificação da norma jurídica se dá a
partir do ato de autoridade, pois a norma é a expressão do poder. Conforme sustenta Norberto
Bobbio, independentemente da forma, do conteúdo ou da finalidade, a norma jurídica é aquela
emanada pelo poder soberano, ou seja, pelo poder que não é inferior a nenhum outro em uma
dada sociedade, “visto que só quem detém o poder está em posição de decidir o que é
essencial, e de tornar efetivas as suas decisões”203
.
Tercio Sampaio Ferraz Jr. preleciona que a positivação “assegura uma enorme
disponibilidade de endereçados, pois o direito não depende mais do status, do saber, do sentir
de cada um, embora, ao mesmo tempo, continue sendo aceito por todos e cada um”204
, de
forma que o “jurista reconhece o caráter jurídico das normas por seu grau de
198 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. 4. tiragem.
São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 52. 199
FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 76. 200 FERRAZ JUNIOR, loc. cit. 201 CARVALHO, P., 2012, p. 31. 202 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 78. 203 BOBBIO, 2014, p.149. 204 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 149.
66
institucionalização, isto é, pela garantia do consenso geral presumido de terceiros que a elas
confere prevalência”205
.
Referido doutrinador define as normas jurídicas como:
[...] expectativas contrafáticas, que se expressam por meio de proposições de
dever-ser (deve, é obrigatório, é proibido, é permitido, é facultado),
estabelecendo-se entre os comunicadores sociais relações complementares institucionalizadas em alto grau (relação metacomplementar de
autoridade/sujeito), cujos conteúdos têm sentido generalizável, conforme
núcleos significativos mais ou menos abstratos206
.
Aurora Tomazini de Carvalho leciona que o termo norma jurídica pode ser
utilizado para denotar os enunciados do direito positivo (S1 - plano físico), as significações
isoladamente consideradas (S2 - proposições jurídicas), as significações deonticamente
estruturadas (S3 - normas jurídicas) e o plano da contextualização das significações
estruturadas (S4 - sistema jurídico)207
. Nas duas primeiras situações, trata-se de norma
jurídica em sentido amplo; nas duas últimas, de norma jurídica em sentido estrito.
Paulo de Barros Carvalho defende que, ainda que reconhecida a ambiguidade da
expressão “normas jurídicas”, há interesse em manter a secular diferenciação entre norma
jurídica em sentido amplo e norma jurídica em sentido estrito208
.
Para evitar equívocos, é importante trazer a diferença entre norma jurídica e
enunciado normativo. A norma jurídica em sentido estrito sempre é o resultado da
interpretação do enunciado normativo ou dos enunciados normativos, que são classificados
como normas jurídicas em sentido amplo (S1 – plano físico). Este, por sua vez, é o texto
escrito em um instrumento introdutor de norma, ou seja, a Constituição, uma lei, um decreto,
uma portaria. Para Norberto Bobbio:
Por enunciado entendemos a forma gramatical e linguística pela qual um
determinado significado é expresso, por isso a mesma proposição pode ter enunciados diversos, e o mesmo enunciado pode exprimir proposições
diversas. Uma mesma proposição pode ser expressa por enunciados diversos
quando se altera a forma gramatical209
.
De conseguinte, conforme ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho:
[...] Uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usado na função pragmática de prescrever condutas; outra, as normas jurídicas, como
significações construídas a partir dos juízos condicionais, compostos pela
associação de duas ou mais proposições prescritivas210
.
205
FERRAZ JUNIOR, 2013, p.83. 206 Ibid., p.87 207 CARVALHO, A., 2014, p. 284. 208 CARVALHO, P., 2013, p. 128. 209 BOBBIO, 2014, p.75. 210 CARVALHO, P., 2012, p. 46.
67
De acordo com André Fellet, “encontra-se relativamente pacificado em doutrina,
atualmente, que normas são dispositivos legais ou constitucionais interpretados”211
.
Levando em conta o conceito de norma jurídica em sentido estrito, Aurora
Tomazini de Carvalho preleciona que ela pode ser definida como a “significação construída a
partir dos enunciados do direito positivo estruturada na forma hipotético-condicional
“D(H→C)”212
.
As regras jurídicas, portanto, possuem uma proposição-hipótese “H”que descreve
um fato. Caso verificado esse fato na realidade social, implicará a proposição-consequente
“C”, que nada mais é do que uma relação jurídica entre dois sujeitos (S’ R S’’), modalizada
com um dos três operadores deônticos: obrigatório (O), permitido (P) ou proibido (V)213
.
Observa-se que essa estrutura na forma hipotético-condicional é observada por
todas as normas jurídicas do sistema, inclusive as normas tributárias, o que permite afirmar
que sintaticamente, considerando o plano das normas jurídicas, o direito é homogêneo.
Quando se fala que todas as normas jurídicas obedecem à mesma estrutura lógica,
não se quer dizer, contudo, que sempre haverá apenas uma hipótese e apenas uma
consequência. Outras configurações também são possíveis em decorrência da matéria do
conteúdo das variáveis da fórmula eleita pelo legislador e pelos valores existentes em uma
dada sociedade, como por exemplo, uma só hipótese para várias consequências, várias
hipóteses para uma única consequência e várias hipóteses para várias consequências,
associadas conjuntiva ou disjuntivamente, como leciona Aurora Tomazini de Carvalho214
.
Não se pode deixar de mencionar que, ao considerar as normas jurídicas como
prescritivas de condutas, ganha relevância o estudo da imprescindibilidade ou
prescindibilidade da sanção, além da sua própria compreensão.
Oportuno trazer à baila a crítica formulada por Joseph Raz acerca da importância
excessiva conferida por algumas teorias às sanções. Ele sustenta que o sucesso real das
sanções como meio para atingir os resultados desejados não depende da probabilidade geral
de que elas sejam aplicadas, mas da certeza ou alta probabilidade de que elas sejam aplicadas
em casos particulares, ou seja, da probabilidade de que a investigação e a acusação tenham
sucesso, de que o cidadão lesado procure o judiciário, exerça seu direito de ação e consiga um
julgamento favorável, de que o infrator tenha condições efetivas de pagar em caso de sanção
211 FELLET, André. Regras e princípios, valores e normas. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 107. 212 CARVALHO, A., 2014, p. 291. 213 Ibid., p. 291. 214 Ibid., p. 310.
68
pecuniária, da disposição do réu de correr riscos e dos benefícios que ele possa ter em caso de
violação da lei215
.
Segundo Norberto Bobbio, norma jurídica é a norma “cuja execução é garantida
por uma sanção externa e institucionalizada”216
, em outras palavras, “para definir a norma
jurídica bastará dizer que a norma jurídica é aquela que pertence a um ordenamento
jurídico”217
, que, por sua vez, é dotado de sanção. De acordo com referido doutrinador, a
sanção está no ordenamento jurídico como um todo e não em cada norma jurídica em
particular. Em consequência, na tentativa de esclarecer a existência de normas sem sanção,
mas sem desconsiderar que a sanção é um elemento importante, Norberto Bobbio busca uma
solução menos radical e amplia o olhar para colocar a sanção organizada como elemento
integrador do ordenamento jurídico e não de normas específicas; basta, portanto, que a maior
parte das normas desse sistema sejam sancionadas218
.
Isso porque, além das normas de conduta, existem as chamadas normas de
estrutura ou de competência, que são “aquelas normas que não prescrevem a conduta que se
deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos por meio dos quais emanam
normas de conduta válidas”219
, que, segundo Noberto Bobbio, não são dotadas de sanção.
Essas normas de estrutura não se restringem à tripartição clássica das normas de conduta em
normas imperativas, proibitivas e permissivas, mas em nove espécies diferentes: normas que
mandam mandar, normas que proíbem mandar, normas que permitem mandar, normas que
mandam proibir, normas que proíbem proibir, normas que permitem proibir, normas que
mandam permitir, normas que proíbem permitir e normas que permitem permitir220
.
A diferença entre regra de conduta e regra de estrutura pode ser assim sintetizada
nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:
“[...] as regras de comportamento e as regras de estrutura. Enquanto as
primeiras estavam diretamente voltadas para a conduta das pessoas, nas suas relações de intersubjetividade, as últimas (de estrutura) dispunham sobre a
criação de órgãos, procedimentos e de que maneira as normas deveriam ser
criadas, transformadas ou expulsas do sistema221
.
De acordo com Aurora Tomazini Carvalho, mesmo as normas de estrutura são
normas de conduta em sentido amplo. Isto porque todas as regras jurídicas são normas de
215 RAZ, 2012, p. 310. 216
BOBBIO, 2011, p. 42. 217 Ibid., p. 43. 218 Ibid., p.166. 219 Ibid., p. 47. 220 Ibid., p. 60. 221 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 317.
69
conduta em sentido amplo. Trata-se de uma classe universal. Contudo, algumas das normas
jurídicas formam uma subclasse própria, que é denominada de normas de estrutura. Todas as
demais formam a classe das normas de comportamento em sentido estrito222
.
Por certo a análise deve ter como antecedente a compreensão do que seria a
sanção. O termo sanção (negativa) pode ser compreendido como uma consequência
desagradável imputada pelo legislador àquele que transgride uma norma ou como uma relação
jurídica formada entre o titular do direito violado e o Estado (relação processual de cunho
sancionatório). Para fins do presente trabalho, essas duas compreensões serão úteis para
identificar as ações afirmativas como opção possível de proteção da pessoa com deficiência
no âmbito tributário.
Isso porque, considerando a sanção (negativa) como consequência desagradável
imputada como consequência pelo descumprimento do que fora estabelecido na norma
jurídica, é preciso compreender que, embora essa acepção tenha sido a mais utilizada no
decorrer do tempo, houve uma ampliação de significado de sanção para abarcar também as
chamadas “sanções positivas”, aplicadas no caso de observância do comando inserto na
norma jurídica.
A partir desse novo olhar sobre a sanção como consequência da observância da
norma jurídica, Tercio Sampaio Ferraz Júnior, na apresentação do livro “Teoria do
ordenamento jurídico” de Norberto Bobbio, esclarece a evolução histórica que proporciona
esse novo ponto de vista, ampliando a concepção de sanção para também abarcar as chamadas
“sanções positivas” e, em consequência, vislumbrando não apenas a sanção como sentido
negativo, como “ameaça”, mas também, como “promessa” ou “uma consequência agradável”,
in verbis:
Na verdade, como iria observar Bobbio em seus últimos escritos sobre o
problema, a distinção entre sanções negativas e positivas e o relativo desconhecimento, para o Direito, das positivas, reproduzia, no fundo, uma
concepção de sociedade típica do século XIX. Com efeito, a importância
conferida, no mundo jurídico, à sanção negativa reproduzia (caso de Jhering) a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado e a cisão entre a esfera
de interesses econômicos e a de interesses políticos, entre a condição de
burguês e a de cidadão, típica da sociedade industrial do século passado. Em
princípio, nessa concepção, o Estado assumia a função de custodiar a ordem pública e o Direito se resumia, particularmente, em normas negativas (de
proibição), com prevalência óbvia das sanções negativas.
Modernamente, no entanto, a própria transformação e o aumento de complexidade industrial vieram colocando as coisas em outro rumo. Não
resta dúvida de que, sobretudo a partir da Segunda Guerra mundial, o Estado
cresceu para além de sua função protetora-repressora, aparecendo até muito
222 CARVALHO, A., 2014, p. 356/357.
70
mais como produtor de serviços de consumo social, regulamentador da
economia e produtor de mercadorias. Com isso, foi sendo montado um
complexo sistema normativo que lhe permite, de um lado, organizar sua própria máquina de serviços, de assistência e de produção de mercadorias, e,
de outro, montar um imenso sistema de estímulos e subsídios. Ou seja, o
Estado, hoje, substitui, ainda que parcialmente, por exemplo, o próprio
mercado na coordenação da economia, tornando-se o centro da distribuição da renda, ao determinar preços, ao taxar, ao subsidiar.
Ora, nesse contexto, uma norma jurídica da sanção, limitada ao papel das
sanções negativas e, pois, ignorando o papel assistencial, regulador e empresarial do Estado, estaria destinada a fechar-se num limbo, entendendo
mal, porque entenderia limitadamente a relação entre o Direito, o Estado e a
sociedade223
.
Dessa forma, ainda de acordo com Tercio Sampaio Ferraz Júnior, essa alteração
de posicionamento também pode ser vislumbrada no direito tributário, em que os incentivos
fiscais são caracterizados por serem sanções premiais ou sanções positivas, uma vez que são
concedidos após o cumprimento da norma jurídica e que representam um mecanismo eficaz
de encorajamento de uma conduta (sanção-prêmio) e não o seu desencorajamento (sanção-
castigo)224
.
Norberto Bobbio defende que a imagem tradicional do direito como ordenamento
protetivo-repressivo cedeu lugar a uma nova imagem, qual seja, a do ordenamento jurídico
com função promocional, diante dos novos desafios assumidos pelo Estado, consistentes na
criação de mecanismos que busquem encorajar comportamentos. Para ele, a função
promocional é realizada por meio das sanções positivas, ou seja, por mecanismos
denominados genericamente de incentivos, que não visam impedir atos socialmente
indesejáveis – que é o fim almejado pelas penas, multas, indenizações, reparações,
restituições e ressarcimentos –, mas objetivam promover a realização dos atos desejáveis
socialmente. Trata-se de uma função que não é nova, mas que se encontra em contínua
ampliação, tornando inadequada a teoria do direito que apenas se detenha na função
tradicional protetora dos interesses daqueles que fazem as leis e repressiva das ações que se
oponham a esses interesses225
.
No ordenamento protetivo-repressivo o ponto de interesse são os comportamentos
sociais não desejados e a adoção de mecanismos para impedir a sua prática, ao passo que, no
ordenamento promocional a atenção é direcionada para os comportamentos socialmente
223 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação in BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.
Tradução de Ari Marcelo Solon. São Paulo: EDIPRO, 2011, p. 25/26. 224 Id., 2013, p. 94. 225 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela
Beccaccia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara, Renata Nagamine. Barueri: Manole, 2007, p.
XII.
71
desejáveis, de forma a incentivar não só a sua ocorrência, como também a recalcitrância. Sob
outro prisma, enquanto na primeira situação objetiva-se a manutenção do status social, na
segunda situação, o objetivo é a mudança social.
No âmbito tributário, Luís Eduardo Schoueri defende que as normas tributárias,
além da função arrecadadora, podem possuir, a partir de uma análise eficacial, outras funções
como distribuidora da carga tributária, indutora e simplificadora226
. Para ele, “por normas
tributárias indutoras se entende um aspecto das normas tributárias, identificado a partir de
uma de suas funções, a indutora”227
. Por meio delas, “o legislador vincula a determinado
comportamento um consequênte, que poderá consistir em vantagem (estímulo) ou
agravamento de natureza tributária”228
.
A fórmula lógica representativa da sanção negativa é “‘Se fazer A, deves B’ ou
seja, tens a obrigação de submeter-se ao mal da pena”, ao passo que a fórmula no caso da
sanção positiva é “‘Se fazer A, podes B’, isto é, tens o direito de obter o bem do prêmio”229
.
Norberto Bobbio ainda traça uma diferenciação entre incentivos e prêmios. Para
ele, os incentivos são medidas destinadas a acompanhar a execução de determinada atividade
econômica, facilitando o seu exercício. Os prêmios são medidas que objetivam oferecer uma
satisfação àquele que realizou uma determinada atividade e são concedidos após a finalização
de determinada atividade. Ademais, para ele, apenas os prêmios se inserem na categoria das
sanções positivas, pois o contrário de prêmio é pena, que é o exemplo mais típico de sanção
negativa. Por outro lado, o contrário de incentivo é desincentivo, que não pode ser incluído no
conceito de sanção negativa, por mais que esse conceito seja ampliado230
.
A diferença, portanto, reside no elemento temporal para a obtenção da
“vantagem”. Isso porque a técnica de encorajamento pode preceder ou ocorrer durante a
realização do comportamento desejado, caso em que se verificam os “incentivos”, como a
técnica do encorajamento. Pode, ainda, incidir apenas depois da realização do comportamento
pela obtenção da respectiva recompensa, ocasião em que se têm os prêmios.
Esclarecido de outro modo, é possível o encorajamento por meio da interferência
nas consequências do comportamento (prêmio) ou sobre o próprio comportamento, nesse caso
mediante interferências na modalidade, na forma e nas condições dele (incentivos).
226
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 40. 227 Ibid., p. 30. 228 SCHOUERI, loc. cit. 229 BOBBIO, 2007, p. 19. 230 Ibid., p. 72.
72
De conseguinte, enquanto que os casos de subvenção, de concessão de uma
contribuição financeira ou facilitação de crédito configuram exemplos de
incentivo/facilitação, pois tornam menos oneroso o custo da operação, seja pelo oferecimento
dos meios necessários para a sua execução, seja pela diminuição dos ônus, a consignação de
um prêmio para um comportamento conforme a conduta prescrita ou a concessão de uma
isenção fiscal são exemplos de prêmio/sanção positiva, pois tornam a operação atraente,
assegurando a quem a realiza a obtenção de uma vantagem ou o afastamento de uma
desvantagem, desde que observado o comportamento. Os benefícios fiscais são, portanto,
também classificados como “sanções positivas” por Norberto Bobbio231
.
Por outro lado, conforme já adiantado, o termo sanção também pode ser
compreendido como relação jurídica sancionadora.
De acordo com Norberto Bobbio, a sanção jurídica não deve ser vista como o uso
da força, seja ela entendida como o conjunto de meios destinados a constranger pela força,
seja ela entendida como “forçar”. Ao invés disso, ela deve ser entendida como uma reação à
violação que, por sua vez, é garantida, em última instância, pelo uso da força. Para ele, a
indenização de um dano, o pagamento de uma multa ou a revisão de um contrato abusivo não
se confundem com o uso da força, pois consistem no cumprimento das obrigações secundárias
ou sanções jurídicas. O elo entre essas obrigações secundárias (sanções jurídicas) e a força é
estabelecido pela circunstância de que o cumprimento dessas obrigações é garantido,
primeiramente, pela ameaça de colocar em movimento e, depois, pela efetiva colocação em
andamento de um aparato executivo, que é dotado de meios coativos, cuja razão de existir é
conseguir pela força o cumprimento da obrigação secundária ou, então, um cumprimento
alternativo ou substitutivo. Apenas com esta concepção de sanção jurídica será possível
justificar a existência das sanções positivas232
.
Para melhor compreensão da acepção da sanção como relação processual de
cunho sancionatório, importante compreender a norma jurídica em sua completude, o que
abrange a norma primária e a norma secundária.
Preleciona Paulo de Barros Carvalho que a norma jurídica em sua completude
possui feição dúplice: a norma primária, a que prescreve um dever, se e quando ocorrer o fato
previsto na hipótese e a norma secundária, a que prescreve uma providência sancionatória que
é aplicada pelo Estado-Juiz em caso de descumprimento da conduta estatuída na norma
231 BOBBIO, 2007, p. 18. 232 Ibid., p. 28.
73
primária. Não existem regras jurídicas sem as correspondentes sanções ou normas
sancionatórias233
.
De igual forma, Aurora Tomazini de Carvalho entende que todas as normas
jurídicas são dotadas de sanção, de modo que não há norma primária sem a correspondente
secundária, que, por sua vez, estabelece a relação processual de cunho sancionatório, por meio
da qual é exercida a coação estatal, razão pela qual “[o] ser jurídica da norma significa ter
coercitividade, que é a previsão, pelo sistema, de mecanismos para exigir o cumprimento das
condutas por ele prescritas”234
. A diferenciação entre as normas jurídicas das normas morais,
éticas e religiosas está exatamente na imposição coercitiva das normas jurídicas pelo Estado-
juiz.
A estruturação lógica da norma jurídica em sua completude pode ser assim
reduzida: D {[H → C] v [H’ (-c) → S]}235
, em que, não ocorrendo a consequência prevista na
norma primária “C”, exsurge a hipótese da norma secundária “H’ (-c)”, cuja consequência,
por sua vez, é a relação jurídica sancionatória “S”.
Ainda se faz imperioso fazer uma ressalva. Inúmeras vezes o legislador seleciona
como hipótese de uma norma jurídica o cumprimento ou o descumprimento de condutas
prescritas por outras regras, dando ensejo a uma relação de coordenação entre normas.
Portanto, as normas podem ser classificadas em normas derivadas e dispositivas.
As normas derivadas tomam como hipótese o cumprimento ou o descumprimento de uma
conduta contida nas chamadas normas dispositivas. As normas dispositivas, portanto,
prescrevem as condutas tomadas como pressupostos das normas derivadas.
Entre as normas primárias e as normas secundárias é estabelecida uma relação de
coordenação em que a norma primária é dispositiva e a norma secundária é derivada.
Todavia, a relação de coordenação entre normas não existe apenas entre as normas
primárias e secundárias. É possível a relação de coordenação entre normas primárias.
Dessarte, tendo em conta a valoração realizada pelo legislador quanto à ilicitude
do fato eleito na hipótese da forma hipotético-condicional da norma jurídica primária, as
normas derivadas (primárias) podem ser não punitivas, “que têm como hipótese a realização
de uma conduta prescrita em outra norma (que lhe é precedente) e como consequência a
instauração de um benefício (direito subjetivo) ao sujeito passivo”236
. Podem, ainda, ser
233 CARVALHO, P., 2012, p. 56. 234 CARVALHO, A., 2014, p. 314. 235 Ibid., p. 315. 236 Ibid., p. 367/368.
74
punitivas, tendo como hipótese “o descumprimento de conduta prescrita por outra norma (que
lhe é precedente) e como consequência, a prescrição de um castigo (dever jurídico) para o
sujeito passivo”237
.
Em face do exposto, é possível concluir que o direito possui mecanismos não só
para introduzir as chamadas sanções negativas, como também as sanções positivas, que se
caracterizam pela imputação de um prêmio ou uma situação mais vantajosa ao sujeito que
cumprir a norma prescritiva de conduta.
Ademais, também foi possível constatar que os incentivos fiscais podem ser
considerados sanções positivas, de forma que o estudo da proteção da pessoa com deficiência
no direito tributário pressupõe o estudo dos incentivos fiscais. Em outras palavras, os
incentivos fiscais poderão ser considerados como instrumentos das ações afirmativas
tributárias.
Por fim, é possível concluir que, mesmo em se tratando dos incentivos fiscais, no
caso de serem preenchidos todos requisitos para a sua concessão, mas o Estado deixar de
garanti-lo, ao contribuinte caberá inaugurar a relação processual de cunho sancionatório a fim
de que o Estado-Juiz reconheça esse seu direito.
Ainda sob a perspectiva do estudo da norma jurídica e considerando que a
realização de ações afirmativas possui como finalidade a concreção do princípio da igualdade,
importante ingressar no campo das diferenciações entre regra e princípio.
2.4.1.2 Regras e princípios: a força normativa dos princípios e a pessoa com deficiência
Prosseguindo na análise dos conceitos prévios para se compreender a proteção da
pessoa com deficiência por meio de ações afirmativas, no presente trabalho será entendido por
norma jurídica tanto as regras como os princípios. Entretanto, quais são as diferenças entre
regras e princípios?
No que se refere às regras, tudo o que foi exposto no tópico anterior lhes é
inteiramente aplicável.
Contudo, quando se busca compreender os princípios, o estudioso depara-se com
diversas questões, como a própria definição, a possibilidade de atribuição de força normativa
a eles, a diferenciação estrutural entre regra e princípio e, por fim, como resolver conflitos
entre princípios e entre regras e princípios.
237 CARVALHO, A., 2014, p. 367/368.
75
A importância em traçar elementos mínimos que possibilitem a separação entre
princípio e regra é de suma importância para orientar o trabalho do intérprete, conforme
ensina Humberto Ávila, pois facilita o processo de interpretação e aplicação do Direito e, ao
indicar o que deve ser justificado, confere uma estrutura para a argumentação do aplicador do
Direito238
.
É indubitável que a classificação tanto das regras quanto dos princípios como
normas jurídicas representa uma evolução no próprio conceito de princípio, que ganhou o
reconhecimento de sua força normativa.
De acordo com André Fellet, existia na Europa um relevante debate teórico sobre
a força normativa dos princípios quando foram criadas as primeiras formas de jurisdição
constitucional, prevalecendo o entendimento de que, por não possuírem suporte fático, os
princípios não poderiam ser utilizados na operação de subsunção do fato à norma e, em
consequência, não poderiam ser aplicados pelos juízes239
.
André Fellet explica que as teorias que buscam compreender a diferenciação entre
princípios e regras se dividem em “tese da separação forte”, que parte da diferença da
estrutura lógica observada em regras e em princípios, e “tese da separação fraca”, que leva em
consideração o maior ou menor grau de generalidade da norma240
. Ainda segundo referido
autor, a tese da separação forte é a que possui a resposta mais eficaz.
Com relação à tese da separação forte, para melhor compreensão, serão trazidos
os ensinamentos de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
Ronald Dworkin, para traçar as diferenças entre eles, vale-se da diferenciação na
estrutura lógica. Segundo ele, “as regras são aplicáveis à maneira tudo-ou-nada. Dados os
fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece
deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”241
.
Entretanto, para Ronald Dworkin, a aplicação do princípio impõe raciocínio
diverso, pois “mesmo aqueles que mais se assemelham a regras não apresentam
conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas”242
.
Ainda segundo Ronald Dworkin, essa diferenciação estrutural lógica enseja uma
segunda diferenciação, ou seja, quanto ao peso ou importância, que os princípios possuem,
238
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 88. 239 FELLET, 2014, p. 68/69. 240 Ibid., p. 80/81. 241 DWORKIN, 2010, p. 39. 242 Ibid., p. 40.
76
mas as regras não243
. Isso porque, quando os princípios se relacionam para a resolução de um
conflito, tem que ser levada em consideração pelo intérprete a força de cada um. Não se trata
de haver a possibilidade de realização de uma mensuração exata, até porque esse julgamento
de selecionar um dos princípios como o mais importante é frequentemente objeto de
controvérsia. Todavia, “essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de
modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é”244
.
As regras, por sua vez, não comportam diferenciação sobre o seu peso enquanto
integrantes de um mesmo ordenamento jurídico. Em outras palavras, não se pode dizer que
“uma regra é mais importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal
modo que se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua
importância maior”245
.
Robert Alexy também adota a diferença qualitativa (estrutural) entre regras e
princípios e não de grau. Para ele, enquanto os princípios são mandamentos de otimização,
pois são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentre as
possibilidades jurídicas (que são determinadas pelos princípios e regras colidentes) e fáticas,
as regras são normas que contém determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível, que ou são satisfeitas ou não satisfeitas, nem mais, nem menos246
.
Ainda no que se refere à distinção entre regras e princípios, oportuno também
trazer à baila as teorias sobre a colisão entre regras e entre princípios e a forma que deve ser
adotada para resolução do conflito. Isso porque, enquanto no caso das regras a forma de
aplicação é a subsunção, no caso dos princípios, é o sopesamento247
.
Conforme ensinamentos de Ronald Dworkin, caso duas regras entrem em conflito,
uma delas não pode ser válida. A aferição da validade ou invalidade de uma regra depende da
análise de outras regras existentes em um determinado sistema jurídico, que pode conferir
preferência à regra promulgada por autoridade de grau superior, à regra promulgada mais
recentemente e à regra mais específica ou à regra que é sustentada pelos princípios mais
importantes daquele ordenamento jurídico248
.
243 DWORKIN, 2010, p. 42/43. 244
DWORKIN, loc. cit. 245 Ibid., p. 43. 246 ALEXY, 2015, p. 90/91. 247 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. 3.
tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 46. 248 DWORKIN, op. cit., p. 43.
77
Nesse mesmo sentido preleciona Robert Alexy: “um conflito entre regras somente
pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine
o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida”249
.
Solução diversa deve ser adotada no caso de colisão entre princípios, em que deve
ser realizado o sopesamento deles e “um dos princípios terá que ceder”250
. Contudo, isso não
significa que o princípio que cedeu será considerado inválido, mas que naquela situação
específica o outro princípio possui precedência. Dessa forma, os “conflitos entre regras
ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só
princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do
peso”251
.
Ainda segundo Robert Alexy:
Já se deu a entender que há uma conexão entre a teoria dos princípios e a
máxima da proporcionalidade. Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa
implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da
proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas
parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do
sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos
princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza252
.
Mesmo em caso de um aparente conflito entre regra e princípios é possível
vislumbrar a colidência entre princípios, conforme entende André Fellet, valendo dos
ensinamentos de Robert Alexy, pois neste caso o conflito ocorre entre o princípio que sustenta
a regra e o princípio que com ela colide, de sorte que a ponderação é realizada entre os
princípios253
.
Virgílio Afonso da Silva, embora adote a teoria de Robert Alexy dos princípios
como mandamentos de otimização, que garantem direitos prima facie, leciona que o ponto
mais complexo e menos explorado da teoria dos princípios é a análise da colidência entre
regras e princípios.
Referido doutrinador entende que a solução indicada por Robert Alexy em nota de
rodapé é problemática, pois traria alto grau de insegurança jurídica ao dar a entender que o
aplicador do direito estaria sempre livre para afastar a aplicação de uma regra por entender
que há um princípio mais importante a justificar o afastamento. A regra já é o resultado de um
249 ALEXY, 2015, p. 92. 250 Ibid., p. 93/94. 251 ALEXY, loc. cit. 252 Ibid., p. 117. 253 FELLET, 2014, p. 119.
78
sopesamento entre princípios, realizado pelo Poder que possui competência para tanto, ou
seja, o legislador, o que muitas vezes é ignorado. De conseguinte, muitas vezes não é possível
falar em colisão propriamente dita, pois o que existe é o sopesamento feito pelo legislador
entre dois princípios que preceituam direitos fundamentais, resultando em uma regra de
direito ordinário, que deve ser aplicada ao caso por subsunção. Não se trata, portanto, de uma
relação de colisão de normas jurídicas, mas de uma relação de restrição que é expressada pela
regra254
.
Por outro lado, Virgílio Afonso da Silva afirma que, sem prejuízo de outras
classificações, muitos doutrinadores diferenciam as regras dos princípios em razão do grau,
seja do grau de importância, em que os princípios seriam as normas mais importantes do
ordenamento jurídico em detrimento das regras, seja em razão do grau de abstração e
generalidade, em que também os princípios seriam mais abstratos e gerais do que as regras255
.
Como exemplo de doutrinadores que defendem a tese da separação fraca, permite-
se trazer à baila os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, Aurora Tomazini de Carvalho
e Fabiana Del Padre Tomé.
Paulo de Barros Carvalho define os princípios como sendo normas carregadas de
forte conotação axiológica:
[...] Estes não existem ao lado de normas, coparticipando da integridade do ordenamento. Não estão ao lado das unidades normativas, justapondo-se ou
contraponto-se a elas. Acaso estivessem, seriam formações linguísticas
portadoras de uma estrutura sintática. E qual é esta configuração lógica? Ninguém, certamente, saberá responder a tal pergunta, porque “princípios”
são “normas jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome
que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem
jurídica256
.
Ele leciona que o termo princípio é utilizado em quatro sentidos diversos, sendo
que em dois deles há uma compreensão de princípios como “valor” e em dois deles como
“limite objetivo”, ou seja, como instrumento para se atingir determinada meta ou certos fins,
in verbis:
a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor
expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição
privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas
normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos
254 SILVA, 2014, p. 52. 255 Ibid., p. 44. 256 CARVALHO, P., 2013, p. 261.
79
dois primeiros, temos “princípio” como “norma”; enquanto nos dois últimos,
“princípio” como “valor” ou como “critério objetivo”257
.
De conseguinte, a verificação da natureza da norma jurídica como princípio
depende da interpretação dada pelo intérprete e, de certa forma, do acordo de um número
expressivo de pessoas que assim o reconhece. Para tanto, por esta corrente, a análise recairá
sobre a importância axiológica do seu conteúdo e não a partir de diferenças formais de sua
estrutura. Dessa forma, “princípio” é:
[U]ma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude
influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para
outras regras do ordenamento258
.
Nesse mesmo sentido, leciona Aurora Tomazini de Carvalho que o texto legislado
não traz de forma clara a indicação do legislador acerca de quais proposições devem ser
entendidas como princípios. Cabe ao intérprete valorar o sistema e dizer quais são as
proposições mais relevantes de modo a desempenhar importante função de informar a
construção e estruturação de todas as outras normas259
.
Em consequência, “[a] diferença é que chamamos de “princípios” aqueles valores
que hierarquicamente colocamos num patamar de superioridade, ao organizarmos o
sistema”260
. De conseguinte, “[p]rincípios nada mais são que normas jurídicas carregadas de
forte conotação axiológica”261
.
Das definições propostas por Paulo de Barros Carvalho, Fabiana Del Padre Tomé
adota as duas primeiras alternativas, ou seja, norma-valor e norma-limite “em razão da
homogeneidade sintática do sistema do direito positivo, que é formado única e
exclusivamente por normas jurídicas”262
.
Podemos exemplificar os princípios-valores como sendo “justiça, segurança
jurídica, certeza do direito, igualdade, etc., todos eles como fins a serem perseguidos pelas
demais normas jurídica e, por isso, categoricamente denominados de “princípios”263
. Já os
limites objetivos, embora não sejam valores se considerados em si mesmos, são instrumentos
utilizados pelo legislador para atingir determinados fins. “O valor parece não estar presente,
257 CARVALHO, P., 2011, p. 192. 258
Id., 2013, p. 275. 259 CARVALHO, A., 2014, p. 511. 260 Ibid., p. 512. 261 TOMÉ, 2011/2012, p. 245. 262 TOMÉ, loc. cit. 263 CARVALHO, A., op. cit., p. 512.
80
mas está no fim a ser alcançado pela técnica prescrita, a qual denominamos de ‘princípio’
(limite objetivo)”264
.
Fabiana Del Padre Tomé refuta o critério da classificação forte diante da
constatação de que existem princípios que também podem ser aplicados à maneira do tudo-
ou-nada, como por exemplo, o princípio da legalidade tributária e o princípio da
irretroatividade tributária. Ela esclarece que, em que pese alguns princípios (norma-valor)
serem postos em termos vagos e excessivamente genéricos, o que se impõe adentrar no campo
da Axiologia e até mesmo no mundo das subjetividades, outros princípios (norma-limite
objetivo) são colocados de modo tão preciso, que não demandam maiores discussões, sendo
de verificação pronta e imediata265
.
A partir das diversas definições de normas jurídicas já expostas no item “2.4.1.1
Normas jurídicas: as sanções positivas e a pessoa com deficiência”, é possível afirmar que,
como regra geral, os princípios, em decorrência de seu caráter axiológico, são normas
jurídicas em sentido amplo, conforme lecionada Aurora Tomazini de Carvalho, podendo
aparecer na forma de enunciados, proposições e/ou normas jurídicas em sentido estrito266
.
Entretanto, em havendo a possibilidade de um princípio observar a estrutura
hipotético-condicional, ele será uma norma jurídica em sentido estrito267
. Contudo, neste caso,
diversamente da teoria da separação forte, ele continuará a ser um princípio. Isso que dizer
que, para a teoria da separação fraca, neste caso, ele não assume a natureza jurídica de regra.
Desse modo, Aurora Tomazini de Carvalho exemplifica algumas normas jurídicas
em sentido estrito que não perdem a natureza jurídica de princípios:
Algumas destas significações podem apresentar estrutura hipotético-
condicional, caso em que o princípio aparece na forma de norma jurídica em
sentido estrito. Por exemplo: o princípio da legalidade (H – se for a
instituição de obrigações ou proibições, -> dever ser, C – obrigatório a veiculação por meio de lei); o princípio da anterioridade tributária (H – se
instituir ou majorar tributos, -> dever ser, C – proibida a cobrança no
mesmo exercício financeiro); o princípio da liberdade de associação (H – se for para fins lícitos e de caráter não paramilitar -> deve ser, C – permitida a
associação); etc268
.
Por fim, para essa teoria, não é possível traçar de antemão um código
procedimental com a finalidade de resolver eventual colisão entre princípios e/ou entre
princípios e regras, uma vez que tudo é questão de argumentação. A tentativa de estabelecer
264 CARVALHO, A., 2014, p. 513. 265 TOMÉ, 2011/2012, p. 245. 266 CARVALHO, A., op. cit., p. 509. 267 Ibid., p. 510. 268 CARVALHO, loc. cit.
81
os critérios a serem seguidos torna-se utópica, pois sempre será aplicada uma regra e a
discussão sobre a sobreposição de regras impõe ingressar no campo da ideologia do
intérprete, pois “[c]ada sujeito constrói o seu sistema jurídico (S4), estruturando e sobrepondo
normas de acordo com seus referenciais. E, é assim, segundo a valoração de cada um, que as
normas jurídicas são aplicadas”269
.
Importante, por fim, consignar a relevância dos princípios no sistema normativo,
conforme defende Paulo de Barros Carvalho:
[...] os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a
compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas.
Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas
que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.
Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém,
ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de
feitio indutivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo
conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete,
momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de
sobreprincípios270
.
Portanto, as discussões acerca das diferenças entre regras e princípios ensejam
diversas teses jurídicas que buscam responder às questões colocadas, mas, para fins do
presente estudo, considera-se suficiente a adoção da tese da separação fraca, de forma que
serão considerados princípios as normas jurídicas com alta carga valorativa.
Quando se pensa no princípio da igualdade e no valor igualdade, dúvidas surgem
a respeito da existência de diferença entre princípios e valores, o que será tratado no item
seguinte.
2.4.1.3 Princípios e valores: os conceitos práticos deontológicos e axiológicos
Conforme já explicitado no presente trabalho, foi adotado o conceito de direito de
Miguel Reale, ou seja, o direito como fato, valor e norma.
Por outro lado, não se pode desconsiderar a alta carga valorativa que possuem os
princípios de forma que dúvidas surgem a respeito da efetiva coincidência dos princípios e
dos valores.
269 CARVALHO, A., 2014, p. 515. 270 CARVALHO, P., 2011, p. 197.
82
Nesse passo, Robert Alexy preleciona as semelhanças que possuem os princípios
e os valores, bem como a estreita relação existente entre eles. Para ele, tanto é possível falar
em colisão e em sopesamento entre princípios como entre valores. Ademais, a realização
gradual dos princípios corresponde à realização gradual dos valores271
.
Ricardo Lobo Torres defende que “os valores são idéias absolutamente abstratas,
supraconstitucionais e insuscetíveis de se traduzirem em linguagem constitucional”272
. Já os
princípios, “se situam no espaço compreendido entre os valores e as regras, exibindo em parte
a generalidade e abstração e a concretude das regras”273
.
De acordo com Humberto Ávila os princípios, embora relacionados a valores, não
se confudem com eles, pois enquanto os princípios situam-se no plano deontológico,
estabelecendo a obrigatoriedade de sua observância, os valores situam-se no plano axiológico
ou meramente teleológico e, em decorrência, apenas atribuem uma qualidade positiva a dado
elemento274
.
Em outras palavras, os princípios significam o que “deve ser”, os valores
significam o “que é”.
Segundo André Fellet os princípios são normas jurídicas que podem se estruturar
em “previsão” (suporte fático) e “consequência jurídica” ao passo que os valores estão no
nível metanormativo e possuem um grau de menor concretude275
.
Neste trabalho, portanto, é aceita a diferença entre o princípio da igualdade e o
valor igualdade. Dito de outro modo, o princípio da igualdade é o valor igualdade positivado
na ordem jurídica brasileira e que, portanto, tem natureza prescritiva (dever-ser).
Tecidas essas breves considerações sobre o direito como norma na tentativa de
fornecer maiores elementos para a compreensão dos instrumentos do direito colocados a
disposição do jurista, chegada é a hora de tratar do princípio da igualdade, como pressuposto
para a compreensão da adoção das ações afirmativas tributárias.
2.4.2 O princípio da igualdade: a igualdade como critério comparativo e a pessoa com
deficiência
Nesse ponto do trabalho, reporta-se ao quanto já exposto no item “2.3.2 Igualdade
como critério para a concretização do valor justiça”, em que foi defendido que a igualdade é
271 ALEXY, 2015, p. 144. 272 TORRES, 2005, p. 195. 273 TORRES, loc. cit. 274 ÁVILA, 2015, p. 88. 275 FELLET, 2014, p. 206.
83
um critério válido para a realização do valor justiça. A partir das ideias lá expostas, permite-se
aprofundar na análise do princípio da igualdade, que serve de fundamento para a adoção das
ações afirmativas tributárias.
De acordo com Tercio Sampaio Ferraz Jr., as discussões modernas sobre a justiça
costumam encará-la sob dois aspectos: formal e material. No aspecto formal, a justiça
“aparece como um valor ético-social de proporcionalidade em conformidade com o qual, em
situações bilaterais normativamente reguladas, exige-se a atribuição a alguém daquilo que lhe
é devido”276
, ou seja, justiça é dar a cada um o que é seu. Por outro lado, “a conformidade ou
não com critérios sobre o que e a quem é devido é o problema do aspecto material da
justiça”277
.
Nessa esteira, sob o aspecto formal da justiça, a lei deve ser aplicada a todos
indistintamente, coincidindo a justiça com o princípio da igualdade em sua vertente também
formal.
A Lei não deve servir como instrumento para a criação de privilégios ou
perseguições. Ela deve, em observância ao princípio da isonomia incorporado nos textos
constitucionais em geral, regular a vida em sociedade tratando equitativamente todos os
cidadãos. Por decorrência, “ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela há de receber
tratamento parificado, sendo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir
disciplinas diversas para situações equivalentes”278
.
Robert Alexy, ao analisar o art. 3º, §1º, da Constituição alemã, que possui redação
similar ao art. 5º, caput, da Constituição brasileira – “todos são iguais perante a lei”, leciona
que por muito tempo esse princípio gerou apenas um dever de igualdade na aplicação do
direito e não na criação do direito, de forma que o legislador podia discriminar como
quisesse279
.
Contudo, a mera igualdade na aplicação da lei já era uma consequência lógica das
normas jurídicas, que expressam sempre um “dever-ser”. Desse modo, o dever de igualdade
na aplicação da lei confunde-se com o dever inerente a qualquer norma jurídica válida, ou
seja, a norma jurídica deve ser aplicada a todos os casos em que ocorrer a hipótese prevista
em seu antecedente e não deve ser aplicada quando a hipótese não ocorrer. Por meio dessa
compreensão do princípio da igualdade, “[o] legislador pode discriminar como bem lhe
276 FERRAZ JUNIOR, 2013, p. 333. 277 FERRAZ JUNIOR, loc. cit. 278 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 23. tiragem.
São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 10. 279 ALEXY, 2015, p. 394.
84
aprouver; desde que suas normas discriminatórias sejam observadas em todos os casos, o
dever de igualdade na aplicação da lei terá sido satisfeito”280
.
Entretanto, segundo ele, o Tribunal Constitucional Federal alemão desde o início
adotou o entendimento da ampliação do princípio da igualdade para também abarcar a
vinculação do legislador281
.
É, entretanto, na concepção material da justiça que surge a problematização da
concretização do princípio da igualdade na sua concepção de justiça distributiva.
De acordo com Joaquim Benedito Barbosa Gomes:
A noção de igualdade, como categoria jurídica de primeira grandeza, teve
sua emergência como princípio jurídico incontornável nos documentos
constitucionais promulgados imediatamente após as revoluções do final do século XVIII. Com efeito, foi a partir das experiências revolucionárias
pioneiras dos EUA e da França que se edificou o conceito de igualdade
perante a lei, uma construção jurídico-formal segundo a qual a lei, genérica e
abstrata, deve ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre as situações
jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais. Concebida para o
fim específico de abolir os privilégios típicos do ancien régime e para dar cabo às distinções e discriminações baseadas na linhagem, no rang, na rígida
e imutável hierarquização social por classes (classem ent par ordre), essa
clássica concepção de igualdade jurídica, meramente formal, firmou-se como idéia-chave do constitucionalismo que floresceu no século XIX e
prosseguiu sua trajetória triunfante por boa parte do século XX282
.
Humberto Ávila defende que compreender o princípio da igualdade apenas como
“igualdade perante a lei” enseja dois problemas, pois deixa de obrigar o Poder Legislativo a
observar o princípio da igualdade na elaboração das normas e, por decorrência, “permite que
lei cujo critério de discriminação é irrazoável sejam havidas como constitucionais desde que
sejam aplicadas de modo uniforme a todos os cidadãos”283
.
De acordo com Flávia Piovesan, a concepção da igualdade pode ser vista sob o
prisma de três vertentes: a) a igualdade formal que é representada pela fórmula “todos são
iguais perante a lei” e que foi de suma importância, num primeiro momento, para a abolição
de privilégios; b) a igualdade material em sua vertente redistributiva, que corresponde ao ideal
de justiça social e distributiva; e c) a igualdade material em sua vertente de reconhecimento,
280 ALEXY, 2015, p. 394. 281 Ibid., p. 395. 282 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. As ações afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva
in Cardernos do CEJ, vol. 24: Seminário Internacional: as minorias e o direito, 2003, p. 89. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/serie-cadernos/Volume%2024%20-%20SEMINARIO%20
INTERNACIONAL%20AS%20MINORIAS%20E%20O%20DIREITO.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2015. 283 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 363/364.
85
que corresponde ao ideal de justiça enquanto reconhecimento das diversas identidades,
representadas por critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia284
.
Ingo Wolfgang Sarlet esquematiza a compreensão do princípio da igualdade em
três fases. A primeira fase equivalia à noção de que todos os homens são iguais perante a lei,
de sorte que o princípio da igualdade correspondia à exigência de generalidade e prevalência
da lei. A segunda fase corresponde à atribuição de um sentido material à igualdade, diante da
constatação de que a igualdade formal não afastava, por si só, situações de injustiças. Migrou-
se de uma igualdade perante a lei e na aplicação da lei para uma igualdade também “na lei”285
.
Por fim, para ele, a terceira fase corresponde à evolução do princípio da igualdade
no âmbito do constitucionalismo moderno e equivale à compreensão desse a partir de um
dever de compensação das diversas desigualdades existentes (sociais, econômicas e culturais),
também chamada de igualdade social ou de fato, embora esses termos nem sempre sejam
entendidos da mesma forma286
.
Observa-se que, a igualdade, na concepção formal, é tomada como pressuposto, já
na concepção material, a igualdade é tomada como o fim a ser perseguido. Dessa forma, na
concepção formal de igualdade, “ela é tomada como pressuposto, como um dado e um ponto
de partida abstrato. Para a concepção material de igualdade, esta é tomada como resultado ao
qual se pretende chegar, tendo como ponto de partida a visibilidade às diferenças”287
.
Contudo, nesse período de alteração da exata compreensão do princípio da
igualdade – perda de espaço para a igualdade formal em detrimento da igualdade material –
surge, de acordo com Joaquim Benedito Barbosa Gomes, a ideia de “igualdade de
oportunidades”. Para tanto, criam-se diversos experimentos constitucionais com o objetivo de
extinguir ou minorar o peso das desigualdades econômicas e sociais, promovendo a justiça
social288
.
Conforme os ensinamentos de Robert Alexy, o enunciado clássico “[o] igual deve
ser tratado igualmente; o desigual, desigualmente” deve ser assim interpretado no que se
refere à primeira parte, por meio da seguinte norma de tratamento igual: “[s]e não houve uma
284 PIOVESAN, 2012, p. 28. 285
SARLET, Ingo Wolfgang. Igualdade como direito fundamental na Constituição Federal de 1988: Aspectos
gerais e algumas aproximações ao caso das pessoas com deficiência in Manual dos direitos da pessoa com
deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 75. 286 SARLET, loc. cit. 287 PIOVESAN, loc. cit. 288 GOMES, 2003, p. 91.
86
razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então, o tratamento igual é
obrigatório”289
.
Já a segunda parte deve ser interpretada pela norma de tratamento desigual, ou
seja, “[s]e houve uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então, o
tratamento desigual é obrigatório”290
.
Esses seriam os pressupostos, segundo Robert Alexy, para o dever, para a
proibição e para a permissão de um tratamento igual ou desigual, mas, de certa forma, não
esclarece o que seria de fato, um tratamento igual ou um tratamento desigual. Referida
fórmula legitima obrigações para que o Estado crie uma igualdade fática?
O confronto entre a igualdade fática e a igualdade jurídica cria um paradoxo, pois
ao se promover uma igualdade fática, diante das diferenças existentes, teria que justificar uma
desigualdade jurídica. Ao passo que, ao se defender uma igualdade jurídica, estar-se-ia
mantendo a desigualdade fática.
Segundo Robert Alexy, há uma carga argumentativa a favor da igualdade jurídica
e não a favor da igualdade fática, mas “uma discriminação com o objetivo de fomentar a
criação de uma igualdade fática somente é obrigatória se houver razões suficientes para
tanto”291
. Nesse caso, o princípio da igualdade fática exerce o papel de fundamentar o direito
a um tratamento jurídico desigual, que se faz necessário para a promoção de uma igualdade
fática292
. Há um direito subjetivo à criação de uma igualdade fática por meio de uma
desigualdade jurídica.
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre o conteúdo jurídico do
preceito isonômico, partindo da afirmação de que a igualdade consiste em tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, busca traçar os parâmetros para identificar quem são os
iguais e quem são os desiguais.
De acordo com ele, para verificar se uma norma viola o princípio da isonomia faz-
se necessário, primeiramente, perquirir qual o critério que foi eleito como discriminatório. Em
segundo lugar, cabe investigar se há justificativa racional para, a partir do critério escolhido,
conferir tratamento jurídico desigual. Por último, deve-se analisar, no caso concreto, se a
escolha realizada abstratamente respeita os valores prestigiados no sistema constitucional, in
verbis:
289 ALEXY, 2015, p. 421. 290 Ibid., p. 422. 291 Ibid., p. 426. 292 Ibid., p. 422.
87
Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser
feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator
erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento
jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados
293.
O desrespeito a quaisquer dos três aspectos acima elencados ensejará a violação
ao princípio da igualdade, ou seja, para que a norma jurídica esteja em consonância com o
princípio isonômico, ela deve observar cumulativamente aos reclamos provenientes de todos
os aspectos mencionados. De conseguinte, haverá ofensa ao preceito constitucional da
isonomia quando:
I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado,
ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e
indeterminada.
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação
de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal
modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fato “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial.
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de
discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica
com a disparidade de regimes outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas
o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo
dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens,
desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo
claro, ainda que por via implícita294
.
Em face de todo o exposto, é possível considerar que o princípio da igualdade é
materialmente neutro e comparativo-valorativo, conforme a lições de José Ricardo do
Nascimento Varejão:
[...] pode-se definir o princípio jurídico da igualdade como princípio
materialmente neutro, comparativo-valorativo, construído a partir das
peculiaridades de cada sociedade e voltado a estabelecer a uniformidade de tratamento entre situações juridicamente similares ou de constituir legítimas
desigualações isonômicas entre situações juridicamente distintas, tomando-
se por base, em qualquer caso, critério razoavelmente eleito e suficientemente adequado ao alcance das específicas razões da comparação
proposta295
.
293 MELLO, 2014, p. 21. 294 Ibid., p. 47/48. 295 VAREJÃO, José Ricardo do Nascimento. Princípio da igualdade e direito tributário. São Paulo: MP Ed.,
2008, p. 126.
88
De conseguinte, forçoso concluir que a adoção de ações afirmativas tributárias
possui como finalidade a concretização do princípio da igualdade na sua acepção material, ou
seja, de proporcionar iguais oportunidades às pessoas com deficiência.
O estudo não pode neste momento prosseguir sem a correta identificação dos
titulares de referida proteção. Em outras palavras, é preciso compreender quem são as pessoas
com deficiência para o ordenamento jurídico brasileiro.
89
3 A PROTEÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Quando se fala em proteção das pessoas com deficiência, está se referindo à
proteção de um grupo “de pessoas particularmente vulnerável (em maior ou menor medida, a
depender da condição pessoal) a práticas discriminatórias, sejam elas diretas ou indiretas”296
.
Sidney Madruga defende que são pessoas em situação de dominação, de
vulnerabilidade, de inferioridade297
.
Desse modo, estudar acerca da proteção das pessoas com deficiência implica
tratar de relações de subordinação, de sub-representação na escala social. Cuida-se de um
grupo que, por questões de preconceito e discriminação, é inferiorizado e dominado por outro
grupo prevalente que detém o poder político e econômico.
O presente capítulo será dedicado ao estudo da proteção da pessoa com
deficiência pelo ordenamento jurídico brasileiro, notadamente pela Constituição Federal, pela
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência.
A Constituição Federal elegeu, como fundamentos da República Federativa do
Brasil, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º da CF).
Ademais, destacou como seus principais objetivos, a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, da CF), a erradicação da pobreza e da marginalização
(art. 3º, inc. III, primeira parte, da CF), a redução das desigualdades sociais (art. 3º, inc. III,
segunda parte, da CF) e a promoção do bem de todos sem qualquer forma de discriminação
(art. 3º, inc. IV, da CF).
É possível, registrar, outrossim, que, ao mesmo tempo em que restou assegurado o
princípio da igualdade em seu aspecto formal (art. 5º, primeira parte, da CF), também houve a
adoção da igualdade na lei e da igualdade material. Nesse sentido, estabelece o art. 5º que
“[t]odos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...]”.
Após a Constituição Federal, o grande divisor de águas na legislação brasileira é a
ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com
296 SARLET, 2012, p. 90. 297 MADRUGA, 2013, p. 44.
90
Deficiência e a incorporação ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto nº
6.949/2009.
Por óbvio, os resultados e conclusões inseridos em referida Convenção
Internacional não foram conquistados de um dia para o outro, mas em razão de muito trabalho
e com a efetiva participação das pessoas com deficiência.
Foi por meio dessa Convenção que houve uma verdadeira instrumentalização da
alteração de paradigma no que se refere à definição de pessoa com deficiência no âmbito da
ONU e na legislação brasileira.
Mais recentemente, dando cumprimento ao disposto na mencionada Convenção,
foi aprovado, por meio da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão
social e cidadania (art. 1º).
Dessa forma, para continuidade do presente trabalho, de suma importância tratar
da definição de pessoa com deficiência298
.
3.1 Definição de pessoa com deficiência: os sujeitos de direito a serem protegidos
A Constituição Federal de 1988 não definiu em seu texto pessoa com deficiência,
embora tenha conferido às pessoas com deficiência diversos direitos, objetivando a sua efetiva
inclusão social.
Ressalta-se que a Constituição Federal utiliza-se da expressão “pessoa portadora
de necessidades especiais”, expressão essa que na época era considerada como um avanço, em
substituição às diversas expressões pejorativas e discriminatórias, mas que, com o
amadurecimento dos estudos, também se tornou inapropriada. Isso porque a deficiência é
inerente à pessoa e não algo que ela carrega. Por outro lado, todos nós, pessoas dotadas de
dignidade, possuímos necessidades especiais. De acordo com Sidney Madruga, a deficiência
não é algo que a pessoa leva consigo, como algo sobressalente ou um objeto; ela também não
é sinônimo de doença ou o antônimo de eficiência299
.
298 Oportuno ressaltar que o tema já foi abordado em artigo publicado sob o título “A definição de pessoa com
deficiência e o benefício assistencial” na obra “Ensaios sobre jurisdição Federal”, publicada pela Editora Noeses
em 2014 e que teve como coordenadores, os professores Paulo de Barros Carvalho e Robson Maia Lins. 299 MADRUGA, 2013, p. 34.
91
Para ele “[d]eficiência significa falha, falta, carência, isto é, a pessoa carece, tem
limitadas determinadas faculdades físicas (v.g., paraplegia), mentais (v.g., paralisia cerebral),
intelectuais (v.g., funcionamento intelectual inferior à média) e sensoriais (v.g., surdez)”300
.
No presente trabalho, optou-se pela utilização da expressão pessoa com
deficiência, que, como se verá, é a expressão adotada pela Convenção e pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência.
Foi por meio do Decreto nº 914, de 6 de setembro de 1993, que regulamentava a
Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que houve a primeira definição de pessoa com
deficiência:
Art. 3º Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
Referido Decreto foi revogado pelo Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999,
que trouxe as seguintes definições de deficiência, deficiência permanente e incapacidade:
Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante
um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou
recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao
desempenho de função ou atividade a ser exercida. (grifo ausente no
original).
Já o art. 4º do mencionado Decreto trata do conceito da pessoa com deficiência a
partir da análise das diversas modalidades de deficiência. Para demonstrar a evolução da
definição, permite-se trazer à colação o art. 4º em sua redação atual:
Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia,
monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral,
nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
300 MADRUGA, 2013, p. 34.
92
deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o
desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ,
1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de
2004)
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea
de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296,
de 2004)
IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações
associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação; b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e h) trabalho;
V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
Em que pese o Decreto ter aprimorado o tratamento dado à matéria, não houve
grande evolução, pois, segundo Gabriela Azevedo Campos Sales, o Decreto nº 3.298/99
trouxe as definições dos termos deficiência, deficiência permanente e incapacidade, mas não
incluiu quaisquer variáveis socioeconômicas nas definições apresentadas. Ademais, manteve a
vinculação entre deficiência e “anormalidade” e somente considerou como pessoas com
deficiência àquelas incluídas nas categorias do art. 4º 301
.
A Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, definia, em seu art. 2º, inc. III, como
pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida a que temporária ou
permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo.
Observa-se que essa primeira definição focava a deficiência a partir de um
paralelo com o chamado “padrão normal”, bem como a partir do corpo com perdas ou
anormalidades permanentes. A deficiência estava na pessoa que não tinha as mesmas
condições de estar, agir e interagir em sociedade.
301 SALES, Gabriela Azevedo Campos. A proteção aos direitos das pessoas com deficiência no Brasil: o diálogo
entre o direito interno e o direito internacional. Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas, vinculada
ao Curso de Direito da URI - Campus de Santo Ângelo – RS, v. 11, n. 16 (2011), p. 7. Disponível em:
<http://srvapp2s.urisan.tche.br/seer/index.php/direito_e_justica/article/view/703>. Acesso em: 02 jun. 2013.
93
De conseguinte, conferia-se grande importância à perícia médica que poderia
constatar alguma das hipóteses do art. 4º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999.
Dessa forma, a legislação até então existente partia exclusivamente da definição
das diversas modalidades de deficiência, na maioria das vezes associadas à incapacidade e a
doença, restringindo-se a critérios médicos.
Sidney Madruga esclarece que embora devam ser reconhecidos os grandes
avanços obtidos com o modelo médico diante do surgimento e reconhecimento de garantias
específicas para esse grupo de pessoas, o modelo tinha como pressuposto o fato de essas
pessoas serem consideradas inadequadas para viverem em sociedade em razão de um atributo
pessoal resultado de suas patologias e “assim propugnava que essa diferenciação fosse
ocultada até o indivíduo ser reabilitado, preparado, para enfrentar-se de igual para igual os
demais membros as coletividade (sem deficiência)” 302
. Em consequência, o problema estaria
na anormalidade do indivíduo, o que implica dizer que estava no próprio indivíduo.
Também a relação feita entre deficiência e incapacidade era duramente criticada,
pois carregava uma carga preconceituosa de que a pessoa com deficiência era incapaz. Nesse
sentido, o estudo realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e
pelo Ministério da Previdência:
Deficiência nunca será o oposto de eficiência. O oposto de eficiência é ineficiência. A idéia da falta de algo não impede o indivíduo de estar
inserido na sociedade e no mercado de trabalho. Ter uma deficiência não
significa ser menos capaz do que qualquer outra pessoa303
.
O Brasil assinou e ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, em 30 de março de 2007, com o
propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o
respeito pela sua dignidade inerente (art. 1º da Convenção).
Em consonância com a Emenda Constitucional nº 45, referida Convenção foi
aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 em dois turnos de votação e
quórum de três quintos dos membros de cada Casa. Posteriormente, a Convenção foi
302 MADRUGA, 2013, p. 60. 303 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação das pessoas com deficiência
para acesso ao Benefício de Prestação Continuada da assistência social: um novo instrumento baseado na
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. / Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome; Ministério da Previdência Social. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome; Ministério da Previdência Social, 2007. Disponível em
<http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/avaliacao_das_pessoas_com_deficiencia_-_bpc.pdf>. Acesso
em: 18 fev. 2014.
94
promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, razão pela qual referido tratado foi aprovado com
força equivalente à de emenda constitucional.
Para Amita Dhanda, a Convenção representa um marco na alteração dos
paradigmas com relação à proteção da pessoa com deficiência, uma vez que consagra a
mudança da assistência para uma concepção de direitos; a igualdade é utilizada para assegurar
o mesmo e o diferente para as pessoas com deficiência; a autonomia é reconhecida por meio
do apoio a ser conferido a essas pessoas e, o mais importante, a deficiência passou a ser
considerada uma parte da experiência humana. Ao se garantir que a pessoa com deficiência
tem o direito à vida em igualdade com os outros homens, a Convenção positiva a negação da
crença de que a deficiência é um déficit que precisa ser eliminado e firma o posicionamento
de que “uma vida com deficiência contribui para a riqueza e a diversidade da condição
humana”304
.
Cumpre ressaltar que a própria Convenção em seu preâmbulo considera a
deficiência como um conceito em evolução. A Convenção, ainda, considera que a deficiência
resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao
ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas (letra “e” do preâmbulo).
Em razão de referida Convenção, portanto, a República Federativa do Brasil passa
a ter uma definição constitucional de pessoa com deficiência, uma vez que ela estabelece em
seu art. 1º que:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
A nova definição nada mais é do que a consolidação da evolução na mudança de
paradigma ao que se entende por deficiência.
Altera, portanto, o próprio sentido de deficiência, pois ela deixa de estar
intimamente relacionada com a patologia para ser considerada como questão ambiental. Os
impedimentos passam a ser considerados como algo inerente à natureza humana.
Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, a Convenção defende a ideia de que
os “impedimentos” pessoais de caráter físico, mental, intelectual ou sensorial revelam-se
304 DHANDA, Amita. Construindo um Novo Léxico dos Direitos Humanos: Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência. Tradução de Pedro Maia Soares. SUR Revista Internacional de Direitos Humanos,
Ano 5, Número 8, São Paulo, Junho de 2008. Disponível em
<http://www.surjournal.org/conteudos/pdf/8/dhanda.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2013.
95
como atributos pessoais e são fatores de restrição de acesso aos direitos, não enquanto
considerados em si mesmos, mas em consequência das barreiras sociais e atitudinais305
.
Conforme ensinamentos de Romeu Kazumi Sassaki há a mudança do chamado
“modelo médico da deficiência”, em que é ressaltado o papel desamparado e passivo do
paciente, uma vez que essas pessoas são consideradas dependentes do cuidado de outras
pessoas, incapazes de trabalhar, isentos dos deveres normais306
, para o chamado “modelo
social da deficiência” em que se identifica que os problemas da pessoa com deficiência não
estão nela tanto quanto estão na sociedade, uma vez que a sociedade cria diversas barreiras
que impedem a inclusão da pessoa com deficiência.
De igual forma, para Lais Vanessa C. de Figueirêdo Lopes a base conceitual da
Convenção é a mudança de paradigma da perspectiva médica assistencial para a visão social
com fundamento nos direitos humanos, uma vez que a deficiência passa a ser considerada
parte da diversidade humana, que em si não limita a pessoa, o que incapacita é o meio em que
o indivíduo está inserido. Dessarte, uma pessoa pode enfrentar diferentes situações
incapacitantes e isso não tem a ver com a patologia, mas sim com o estágio ou lugar de vida
em que se encontra307
.
Ana Paula Barcellos e Renata Ramos Campante defendem que, a abordagem
moderna da deficiência a partir de modelo social, “pressupõe o entendimento de que a
sociedade comporta uma diversidade vastíssima de traços e características, e que não são eles,
por si, que trazem desvantagens e impedimentos às pessoas”308
, mas a vida social que foi
estruturada a partir de um determinado paradigma restrito e limitado de ser humano, que não
comporta as diversas singularidades existentes.
Nesse sentido, permite-se trazer à baila excerto do voto do Relator Des. Jirair
Aram Meguerian na apelação nº 00388107820114013400309
, em que foi reconhecido o direito
à posse de candidato com deficiência, cujo motivo para a inaptidão no exame médico foi a
305 SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de Perícia Judicial Previdenciária. São Paulo: Conceito Editorial,
2011, p. 122. 306 SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA,
1997, p. 28. 307 LOPES, Lais Vanessa C. de Figueiredo. Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência: nova ferramenta de inclusão - ratificação conforme a EC nº 45/2004 poderá positivar entendimento sobre o status
constitucional dos tratados de direitos humanos. Revista do Advogado, v. 27, n. 95, dez. 2007. Imprenta: São
Paulo: AASP, 2007, p. 57/58. 308 BARCELLOS, Ana Paula; CAMPANTE, Renata Ramos. A acessibilidade como instrumento de promoção de direitos fundamentais in Manual dos direitos da pessoa com deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 175/176. 309 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação em mandado de segurança n.
00388107820114013400. Relator Des. Jirair Aram Meguerian. Sexta Turma. Data da Decisão: 10 ago. 2015.
Diário da Justiça: 24 ago. 2015.
96
própria deficiência que anteriormente havia ensejado o deferimento da inscrição para
concorrer às vagas reservadas.
Nesse caso, restou expressamente consignado no voto do relator que houve a
superação do modelo médico, que considerava “a deficiência um defeito patente de
tratamento ou cura e entendia que a pessoa nessa condição deveria ser curada para o exercício
da vida em sociedade”. Desse modo, “[v]ige na atualidade o conceito social de deficiência em
que há o reconhecimento dos problemas de integração desses indivíduos volvendo-se
estratégias para minimizar seus efeitos na vida cotidiana e afastar as barreiras [...]”.
Para Sidney Madruga, o problema da deficiência é matéria de direitos humanos,
dado que o problema está no próprio comportamento estigmatizante que é conferido a essas
pessoas, que são vistas como diferentes e, por isso, inferiorizadas e discriminadas. Fica
evidente que a discriminação tem raízes sociais, econômicas, culturais e históricas e o único
modo de superação é a promoção de uma sociedade acessível a todos os seus membros, sem
distinção310
.
A deficiência, em outras palavras, é:
[...] um conceito que denuncia a relação de desigualdade imposta por
ambientes com barreiras a um corpo com impedimentos. (...) Deficiência não é apenas o que o olhar médico descreve, mas principalmente a restrição à
participação plena provocada pelas barreiras sociais311
.
Isso porque são as barreiras sociais que, “ao ignorar os corpos com impedimentos,
provocam a experiência da desigualdade”312
, o que implica dizer que quanto maiores forem
essas barreiras, maiores serão as desigualdades e, por decorrência, também serão maiores as
restrições impostas às pessoas com impedimentos corporais no que diz respeito à participação
na sociedade313
.
Trata-se da evolução na compreensão do indivíduo, não a partir da divisão médica
estanque de seres “normais” e “anormais” e que, portanto, neste último caso, precisa do
adequado tratamento médico para ser tratado e “ser normal”, mas da compreensão de que os
impedimentos existentes são inerentes à condição humana, ficando a questão da deficiência e
da desigualdade para o âmbito social.
Em nenhum momento, entretanto, a definição da Convenção abandona o critério
médico, uma vez que sua utilização é necessária para identificar os impedimentos, sem que a
310 MADRUGA, 2013, p. 61. 311 DINIZ, Debora; BARBOSA, Lívia & SANTOS, Wederson Rufino dos. Deficiência, direitos humanos e
justiça. SUR Revista Internacional de Direitos Humanos, Ano 6, Número 11, São Paulo, dezembro de 2009,
p. 65/66. Disponível em <http://www.surjournal.org/conteudos/pdf/11/03.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2013. 312 Ibid., p. 67. 313 DINIZ; BARBOSA; SANTOS, loc. cit.
97
análise se esgote nessa primeira parte, pois o ambiente físico, social e atitudinal também
devem ser analisados. É nessa interação que surge a responsabilidade social para que o outro
também possa participar da vida em sociedade.
A inclusão da análise ambiental (meio ambiente físico, comunicacional e
atitudinal) para a constatação da deficiência, portanto, inova no ordenamento jurídico
brasileiro de forma a revogar a legislação anterior, quer para permitir que outras pessoas
possam ser enquadradas no conceito, como para excluir aquelas que assim eram consideradas
apenas em razão do critério objetivo de constatação da patologia indicada na lei ou resolução.
Em consequência, a partir de um novo paradigma, é possível que situações
consideradas anteriormente como protegidas pelo ordenamento jurídico deixem de ser. Por
outro lado, pessoas que não eram consideradas com deficiência podem passar a ser. Conforme
preleciona Luiz Alberto David Araujo, isso ocorre porque a questão da deficiência é tratada
de forma inovadora, avançada e diferente em comparação a como ela era anteriormente
encarada. Entretanto, não se desconhece que a mera aplicação do decreto regulamentar era
mais fácil do que a nova concepção, que exigirá melhor critério e mais discussão do que a
anterior. “O Direito não é simples, e muitas vezes traz soluções complexas. É o caso da
Convenção, que está propondo uma mudança no pensar dos brasileiros (e de outros tantos
povos), trazendo um conceito mais amplo, voltado ao ambiente da pessoa”314
.
Por outro lado, o novo conceito descaracteriza o impedimento como sinônimo de
deficiência, pois o correto entendimento da deficiência pressupõe a análise do impedimento
de forma conjugada com as diversas barreiras sociais.
Para melhor compreensão dessa alteração do paradigma, Ricardo Tadeu Marques
da Fonseca, exemplifica que a eliminação de barreiras arquitetônicas assegura o direito de ir e
vir das pessoas com deficiência física. A eliminação das barreiras de comunicação, por meio
da criação de meios alternativo, garante o direito de livre expressão para os surdos e cegos. O
acesso à educação especial, por meio de métodos próprios, permitirá a construção do
conhecimento para qualquer pessoa com deficiência mental ou sensorial. Contudo, “[q]uando
essas medidas não são adotadas, excluem-se as pessoas com tais impedimentos, pondo-se a nu
a incapacidade social de criar caminhos de acesso à realização plena dos direitos humanos”315
.
Jean Soares Moreira preleciona acerca da importância da realização da perícia,
que, a partir do modelo biopsicossocial, não pode mais ficar restrita à analise do aspecto
biológico do periciando no que fiz respeito à existência de impedimento de longo prazo de
314 ARAÚJO, 2012, p. 56. 315 SAVARIS, 2011, p. 122/123.
98
natureza física, mental, intelectual ou sensorial (perícia médica), “sendo mister a análise do
aspecto sociológico (interação dos impedimentos biológicos com barreiras e a obstrução da
participação de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com os demais
membros da sociedade)” 316
, o que impõe também a realização de perícia por assistente social.
Buscando uma explicação matemática para o avanço conceitual, permite-se trazer
à baila os ensinamentos de Lauro Luiz Gomes Ribeiro, por meio do qual ele objetiva ilustrar o
resultado da deficiência na vida de uma pessoa tendo como referência o impacto do ambiente
em relação à funcionalidade do indivíduo, in verbis:
A fórmula é a seguinte: deficiência = limitação funcional x ambiente. Ao
atribuir valoração que vai “0” a “10”, de forma crescente, para a limitação
funcional (pouca limitação – p. ex., uso de muleta – equivale a “1”, “2”) e também para o grau de comprometimento do ambiente (ambiente totalmente
acessível, tanto material como imaterialmente – preconceito -, corresponde a
“0”, “1”, “2”), chegamos facilmente ao resultado: quando o ambiente é
totalmente acessível, em seu sentido mais amplo (atitudinal, físico, de comunicação etc), e corresponde ao “0”, qualquer limitação funcional, por
maior que seja (p. ex., um surdocego com paralisia cerebral correspondendo
ao valor “8”), o resultado do impacto da deficiência na vida da pessoa será “0” (ou nulo), porque qualquer número multiplicado por “0” resulta “0”.
Por outro lado, uma limitação funcional pequena, quando se depara com o
ambiente altamente restritivo (equivalendo ao valor “9” ou até “10”), dará um resultado elevado, como no seguinte exemplo: uso de muleta (limitação
funcional) = “2” x “10” – ambiente com barreira visíveis e invisíveis
(preconceito, desconhecimento sobre a deficiência), o resultado é “20”317
.
Por meio de referidas situações hipotéticas é esclarecido que “não é que a
deficiência tenha deixado de existir, mas ela deixou de ser um problema para aquela pessoa e
para toda a sociedade e passou a representar a diversidade que caracteriza a humanidade”318
.
Essa nova forma de olhar a questão – de situar a deficiência na sociedade – é de
extrema importância, pois representa uma compreensão mais nítida de que a sociedade, em
seu processo construtivo, poderia ter feito outras opções para que a sua organização, seja
física, seja atitudinal, fosse a mais rica e variada possível, garantindo a maior participação do
homem em suas naturais diferenças. Ana Paula Barcellos e Renata Ramos Campante
argumentam que é indubitável que a sociedade poderia ter escolhido uma forma de
organização que levasse em conta um paradigma mais variado e rico em face da diversidade
dos homens, “[a] verdade, porém, é que essa não foi a opção da sociedade no passado”319
.
316
MOREIRA, Jean Soares. Benefício assistencial à pessoa com deficiência: reflexões acerca das alterações
legislativas patrocinadas pelas Leis nºs 12.435/2011 e 12.470/2011. Juris Plenum Previdenciária, ano I, n. 3,
agosto 2013. Editora Plenum: Caxias do Sul. 317 RIBEIRO, 2012, p. 149. 318 RIBEIRO, loc. cit. 319 BARCELLOS; CAMPANTE, 2012, p. 175/176.
99
Há, portanto, um novo conceito constitucional de pessoa com deficiência que
deve ser aplicado de forma ampla e, não, para uma ou outra situação.
Esse novo conceito, de acordo com Luiz Alberto David Araujo, é novo,
abrangente e mais adequado e deve ser seguido e observado por todo o sistema jurídico
brasileiro, o que pressupõe que “[n]ão podemos utilizar um conceito para obter a isenção de
determinado imposto e outro conceito para obter o salário mínimo existencial ou para as
vagas reservadas”320
.
Uma vez delimitado o que se deve entender por pessoa com deficiência, oportuno
aprofundar o exame da proteção conferida a essas pessoas pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
3.2 O ordenamento jurídico brasileiro e as pessoas com deficiência
Com a finalidade de traçar um panorama geral da proteção conferida às pessoas
com deficiência sem, contudo, qualquer pretensão de esgotar a análise de cada uma das
situações, impõe-se breves considerações a respeito das garantias e direitos previstos na
Constituição Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
3.2.1 Constituição Federal: a proteção constitucional da pessoa com deficiência
Com relação à proteção constitucional conferida às pessoas com deficiência, a lei
deve ser aplicada de forma igual às pessoas com deficiência e às pessoas sem deficiência, uma
vez que a Constituição Federal assegurou a todas a igualdade perante a lei (art. 5º da CF).
Ademais, a Constituição dirigiu-se ao legislador determinando, como regra, que
ele não pode, ao elaborar a lei, criar situações de desigualdades entre pessoas com deficiência
e às pessoas sem deficiência, em razão da deficiência, assegurando-se a igualdade na lei (art.
5º, segunda parte).
Por outro lado, a Constituição, levando em conta as desigualdades sociais, bem
como as situações de discriminação e preconceito, vai além ao autorizar, incentivar e até
mesmo impor a igualdade em sua terceira fase (igualdade material), porque ela também
320 ARAÚJO, 2012, p. 55.
100
objetiva proporcionar a igualdade de fato das pessoas com deficiência em relação às pessoas
sem deficiência321
.
Com relação ao direito ao trabalho, a Constituição veda a adoção de tratamento
discriminatório em relação aos salários e aos critérios de admissão do trabalhador com
deficiência (art. 7º, XXXI, da CF). No que se refere ao trabalho no serviço público (cargos e
empregos públicos), a Constituição prevê a adoção de ação afirmativa com a reserva de cotas
para as pessoas com deficiência, ficando a critério do legislador ordinário a fixação do
percentual reservado e os critérios de admissão (art. 37, VIII, da CF).
De acordo com o posicionamento da Relatora Min. Cármen Lúcia, nos autos do
Recurso Extraordinário n. 676.335/MG322
, a reserva de vagas nos concursos públicos tem por
objetivos:
[...]
a) garantir “a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica, [verdadeira] política de ação
afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê
desde o preâmbulo da Constituição de 1988", como destacado pelo Ministro
Ayres Britto no julgamento do RMS 26.071 (DJ 1º.2.2008);
b) viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de
acesso aos cargos públicos, permitindo, a um só tempo, que pessoas com
necessidades especiais participem do mundo do trabalho e, de forma digna, possam manter-se e ser mantenedoras daqueles que delas dependem; e,
c) possibilitar a Administração Pública preencher os cargos com pessoas
qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos, observando-se, por óbvio, a sua natureza e as suas finalidades.
No que se refere à competência dos entes federados, cabe à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios o cuidado da saúde e assistência pública e a proteção e
garantia das pessoas com deficiência (art. 23, II, da CF). Também os três entes federativos
possuem competência legislativa concorrente no que se refere à proteção e integração social
das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV, da CF).
Tanto no regime próprio da previdência social (destinado aos servidores públicos)
como no regime geral da previdência social (em regra celetistas), embora a regra geral seja a
impossibilidade de eleição de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, no
caso de segurado com deficiência essa vedação é afastada (art. 40, § 4º, I e art. 201, § 1º, da
CF).
321 Quanto à desigualdade de fato, reporta-se ao quanto exposto no item “2.1 Direito como fato: a realidade das
pessoas com deficiência e a desigualdade de fato”. 322 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 676.335/MG. Relatora Min. Cármen Lúcia.
Decisão monocrática. Data da Decisão: 26 fev. 2013. Diário da Justiça, 01 abr. 2013.
101
Dentre os deveres prestacionais do Estado, a Constituição estabelece que caberá à
assistência social a habilitação e reabilitação, a integração da pessoa com deficiência na vida
comunitária e o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência que demonstrar
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, nos
termos da lei (art. 203, IV e V, da CF).
O constituinte também se preocupou com a educação das pessoas com deficiência
ao disciplinar que ela será garantida por meio de atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino, incentivando e determinando a ausência de
segregação dessas pessoas (art. 208, III, da CF).
Na parte destinada à proteção das crianças, dos adolescentes e dos jovens, a
Constituição estabeleceu a criação de programas de prevenção e atendimento especializado
para as pessoas com deficiência com vistas à efetiva inclusão deles, seja no mercado de
trabalho, seja no seio da sociedade com o acesso aos bens e serviços, o que muitas vezes
pressupõe a eliminação das barreiras físicas (art. 227, II e § 2º, da CF). A eliminação das
barreiras arquitetônicas também é tratada nas disposições gerais da Constituição (art. 244 da
CF).
Esse é o panorama geral da proteção da pessoa com deficiência por meio das
normas inseridas no próprio texto constitucional. Isso porque, conforme já se teve a
oportunidade de destacar, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo possui status de norma constitucional e, de
conseguinte, suas normas, embora não previstas expressamente na Constituição, são
materialmente constitucionais.
Entretanto, apenas para fins didáticos e sem que isso tenha o condão de significar
uma menor consideração acerca de sua importância, permite-se realizar uma análise da
Convenção no tópico a seguir.
3.2.2 Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo
Conforme já assinalado, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 e
suas normas possuem status de normas constitucionais.
Da análise do seu preâmbulo, é possível verificar que diversos considerandos se
referem a fatos sociais (contexto) que foram abordados no item “2.2 Direito como fato: a
102
realidade das pessoas com deficiência e a desigualdade de fato”, sob as luzes dos valores
(item “2.3 Direito como valor: a igualdade como valor a ser concretizado”).
Nesse sentido, verifica-se que, embora existam diversos instrumentos e
compromissos, “as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua
participação como membros iguais da sociedade e violações de seus direitos humanos em
todas as partes do mundo” (letra k do preâmbulo).
Ademais, reconhece-se que as mulheres e meninas com deficiência são mais
expostas à discriminação e à violência (letra q do preâmbulo).
Também é levado em consideração “o fato de que a maioria das pessoas com
deficiência vive em condições de pobreza e, nesse sentido, reconhecendo a necessidade crítica
de lidar com o impacto negativo da pobreza sobre pessoas com deficiência” (letra t do
preâmbulo).
Por outro lado, para fins de garantir o valor liberdade, é reconhecida “a
importância, para as pessoas com deficiência, de sua autonomia e independência individuais,
inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas” (letra n do preâmbulo).
Contudo, a liberdade apenas será garantida com a observância do valor igualdade,
de forma que seja possível a igualdade de oportunidades na sociedade, o que impõe seja
garantida a “acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação
e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” (item v).
Depreende-se da letra y do preâmbulo que o objetivo da Convenção é a promoção
da igualdade de oportunidades na vida econômica, social e cultural, por meio da correção das
profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência.
De acordo com Geilson Salomão Leite, a Convenção observou os seguintes
princípios: a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade
de fazer as próprias escolhas; b) a não discriminação; c) a plena e efetiva participação e
inclusão na sociedade; d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com
deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) a igualdade de
oportunidades; f) a acessibilidade; g) a igualdade entre o homem e a mulher; h) o respeito
pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das
crianças com deficiência de preservar sua identidade323
.
323 LEITE, Geilson Salomão. O direito tributário e a pessoa com deficiência in Manual dos direitos da pessoa
com deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 435.
103
Ademais, ela disciplinou as variadas esferas da vida da pessoa com deficiência,
reconhecendo diversos direitos que ainda não são respeitados: direito à igualdade e a não-
discriminação (art. 5); direitos das mulheres e meninas com deficiência (art. 6); direitos das
crianças com deficiência (art. 7); direito à acessibilidade (art. 9); direito à vida (art. 10);
direito das pessoas com deficiência em situações de risco e emergências humanitárias (art.
11); direito ao acesso à justiça (art. 13); direito à liberdade e segurança (art. 14); direito à
prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (art. 15);
direito à prevenção contra a exploração, a violência e o abuso (art. 16); proteção da
integridade da pessoa (art. 17); liberdade de movimentação e nacionalidade (art. 18); direito à
vida independente e inclusão na comunidade (art. 19); direito à mobilidade pessoal (art. 20);
direito à liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação (art. 21); respeito à
privacidade (art. 22); respeito pelo lar e pela família (art. 23); direito à educação (art. 24);
direito à saúde (art. 25); direito à habilitação e reabilitação (art. 26); direito de participação na
vida política e pública (art. 29) e direito de participação na vida cultural e em recreação, lazer
e esporte (art. 30).
A Convenção também prevê que os Estados reconhecerão que as pessoas com
deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em
todos os aspectos da vida (art.12, 1) e devem adotar as medidas necessárias para prover o
acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade
legal (art. 12, 3), com o objetivo de garantir à pessoa com deficiência o direito de possuir ou
herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários,
hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência
não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens (art. 12, 5).
Há também uma preocupação com a dignidade da pessoa com deficiência no que
se refere às condições mínimas para uma vida digna e a necessidade de proteção social
adequada (art. 28), pois os Estados “reconhecem o direito das pessoas com deficiência à
proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e
tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito” (art.
28, 2). Dentre as medidas apropriadas, cabe aos Estados:
Artigo 28
Padrão de vida e proteção social adequados
[...]
2. [...]
c) assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação
de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela
104
deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda
financeira e cuidados de repouso.
Observa-se que a Convenção não apenas determinou a observância do princípio
da igualdade em seu aspecto formal, como também em seu aspecto material, in verbis:
Artigo 5
Igualdade e não-discriminação
1.Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e
igual benefício da lei.
2.Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra
a discriminação por qualquer motivo.
3.A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados
Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida.
4.Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem
necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias (grifo ausente
no original).
No tocante ao direito ao trabalho, a Convenção impõe aos Estados não só que
disponibilizem acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de
colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado (art. 27, d), como também a
promoção de oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência
no mercado de trabalho (art. 27, e). Ademais, os Estados deverão empregar pessoas com
deficiência no setor público (art. 27, g) e, no setor privado, promover o emprego “mediante
políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos
e outras medidas” (art. 27, h).
Importante mencionar o voto do Relator, Min. Celso de Mello, nos autos do
Ag.Reg. no Recurso Ord. em Mandado de Segurança n. 32.732/DF324
, em que, por
unanimidade, se decidiu por ilegítima a exigência de comprovação de que a deficiência
produza dificuldades para o desempenho das funções do cargo objeto de vagas reservadas.
Restou consignado do voto do Relator que a Convenção, ao assegurar o direito de acesso ao
trabalho e ao emprego, busca instituir mecanismos compensatórios que se traduzem em ações
afirmativas a serem promovidas pelo Poder Público para proteger os direitos e a dignidade
dessas pessoas, com a finalidade de corrigir as profundas desvantagens sociais.
324 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Recurso Ord. em Mandado de Segurança n. 32.732/DF.
Relator Min. Celso de Mello. Segunda Turma. Data da Decisão: 03 jun. 2014. Diário da Justiça: 01 ago. 2014.
105
Destarte, a imposição da realização da igualdade material por meio da adoção de
ações afirmativas no direito brasileiro, inclusive no âmbito tributário, é corroborada por
referida Convenção.
3.2.3 Estatuto da Pessoa com Deficiência
Na mesma linha adotada nos itens anteriores, importante ainda fazer breves
considerações acerca da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
O objetivo de referida lei vem estampado em seu art. 1º, que estabelece a
finalidade de assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e
das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania.
No parágrafo único do art. 1º é destacado que referida Lei tem como base a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,
ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de
2008. Na realidade, ela foi criada para dar cumprimento às obrigações assumidas pelo Brasil
por meio de referida Convenção.
Nessa esteira, a Lei adota a mesma definição de pessoa com deficiência prevista
na referida Convenção, ou seja, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para a verificação do preenchimento dos elementos constantes da definição, ou
seja, se se trata de pessoa com deficiência, é prevista a avaliação biopsicossocial a ser
realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que deverá considerar os diversos
fatores a seguir elencados (art. 2º, §1º):
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.
O Estatuto disciplina, ainda, diversos direitos, como: direito à igualdade e não
discriminação (art. 4º a 8º), direito ao atendimento prioritário (art. 9º); direito à vida (arts. 10 a
13); direito à habilitação e à reabilitação (arts. 14 a 17); direito à saúde (arts. 18 a 26); direito
106
à educação (arts. 27 a 30), direito ao trabalho (arts. 34 e 35), direito à habilitação profissional
e à reabilitação profissional (arts. 36); direito à inclusão no Trabalho (arts. 37 e 38), direito à
assistência social (arts. 39 e 40); direito à previdência social (art. 41); direito à cultura, ao
esporte, ao turismo e ao lazer (arts. 42 a 45); direito de acesso à informação e à comunicação
(art. 63 a 73), direito à tecnologia assistida (arts. 74 e 75), direito à participação na vida
pública e política (art. 76); do fomento da ciência e tecnologia (arts. 77 e 78); direito ao
acesso à justiça (art. 79 a 83) e do reconhecimento da igualdade perante a lei (art. 84 a 87).
O Estatuto traz, outrossim, algumas disposições referentes às ações afirmativas.
No que se refere ao direito à moradia (art. 31 a 33), há a previsão de ação
afirmativa para a garantia de reserva de unidades em programas habitacionais públicos ou
subsidiados com recursos públicos:
Art. 32. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, a pessoa com deficiência ou o seu responsável goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte:
I - reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais
para pessoa com deficiência;
[...]
§ 1o O direito à prioridade, previsto no caput deste artigo, será reconhecido
à pessoa com deficiência beneficiária apenas uma vez.
Há, ainda, a previsão de ação afirmativa na construção civil, estabelecendo que as
construtoras e incorporadoras responsáveis pelo projeto e pela construção das edificações de
uso privado multifamiliar devem assegurar percentual mínimo de suas unidades internamente
acessíveis, na forma regulamentar, e não podem cobrar a mais por essas adaptações (art. 58).
Também há a previsão de ação afirmativa quanto ao acesso à comunicação, dado
que os telecentros que receberem recursos públicos federais para seu custeio ou sua instalação
e as lan houses devem garantir, no mínimo, 10% de seus computadores com recursos de
acessibilidade para pessoa com deficiência visual, sendo assegurado pelo menos um
equipamento, quando o resultado percentual for inferior a um (art. 63).
No que diz respeito ao direito ao transporte, há também a previsão de ações
afirmativas. Existe a reserva de vaga em estacionamento aberto ao público, de uso público ou
privado de uso coletivo e em vias públicas e deve equivaler a 2% do total das vagas,
garantida, no mínimo, uma vaga devidamente sinalizada e com as especificações de desenho e
traçado de acordo com as normas técnicas vigentes de acessibilidade (art. 47).
Ademais, as frotas de empresas de táxi devem reservar 10% de seus veículos
acessíveis à pessoa com deficiência, sendo proibida a cobrança diferenciada de tarifas ou de
valores adicionais pelo serviço de táxi prestado à pessoa com deficiência (art. 51).
107
De forma semelhante, as locadoras de veículos são obrigadas a oferecer um
veículo adaptado para uso de pessoa com deficiência, a cada conjunto de vinte veículos de sua
frota (art. 52).
O art. 50 do Estatuto impõe, ainda, obrigação ao poder público de incentivar a
fabricação de veículos acessíveis e a sua utilização como táxis e vans, para garantir o seu uso
por todas as pessoas. Trata-se de importante norma de estrutura – norma que dispõe sobre a
criação de outra norma – que corrobora a adoção de diversas providências incentivadoras,
dentre elas, medidas no âmbito tributário, como a concessão de incentivos fiscais, o que será
tratado no item “4.1.3.3 A concessão de benefícios fiscais”.
O Estatuto também alterou a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, para prever a
reserva de 10% das vagas, na outorga de exploração de serviço de táxi, para condutores com
deficiência de carro adaptado às suas necessidades (art. 119 do Estatuto). Neste caso, a Lei
exige que o veículo seja de propriedade da pessoa com deficiência.
Outra importante alteração trazida pelo Estatuto, e que tem despertado
interessantes debates na doutrina, refere-se à alteração do Código Civil na parte que
disciplinava a incapacidade absoluta e relativa. De acordo com as novas disposições (art. 114
do Estatuto), as pessoas com deficiência não serão mais consideradas absolutamente
incapazes. No caso de não poderem exprimir sua vontade por causa transitória ou permanente,
elas serão consideradas, após processo de curatela (a lei não se vale mais da expressão
interdição), pessoas relativamente incapazes.
Por outro lado, há a previsão do processo de tomada de decisão apoiada, nos casos
em que a pessoa mantenha de forma precária a aptidão de se expressar e fazer compreender,
assim disciplinada:
Art. 114. A Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a
vigorar com as seguintes alterações:
Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa
com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais
mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e
informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
De acordo com os ensinamentos de Nelson Rosenvald, o novo modelo prevê uma
situação intermediária entre os extremos das pessoas ditas sem impedimentos nos aspectos
físico, sensorial e psíquico (pessoas sem deficiência e com capacidade plena) e as pessoas
com deficiência qualificada pela impossibilidade de expressão e de autogoverno que serão
curateladas e consideradas como relativamente incapazes. Essa situação intermediária
abrangerá as pessoas com deficiência que se valerão da tomada de decisão apoiada a fim de
108
que exerçam a sua capacidade de exercício em condição de igualdade com os demais. A partir
de janeiro de 2016, portanto, “aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente
incapazes por “discernimento reduzido” (art. 4, II, do CC/02) serão plenamente capazes e
direcionadas ao novo modelo da Tomada de Decisão Apoiada”325
.
Quanto aos benefícios fiscais, o art. 108 do Estatuto alterou a Lei nº 9.250, de 26
de dezembro de 1995, que dispõe acerca do Imposto de Renda, estabelecendo o direito de
preferência à restituição do IR no caso de contribuinte com deficiência ou de contribuinte que
tenha dependente nessa condição, respeitada a preferência da pessoa idosa, instituída pelo
Estatuto do Idoso.
Trata-se de um benefício fiscal em sentido amplo – não há renúncia de receitas –
concedido à pessoa com deficiência ou contribuinte que tenha a pessoa com deficiência como
dependente, conforme será melhor explicado no item “4.1.3.3. A concessão de benefícios
fiscais”.
Por fim, o art. 106 do Estatuto, que visava promover a ampliação da isenção do
IPI por meio da modificação da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, foi vetado, em razão
de a medida significar a ampliação dos beneficiários e das hipóteses de isenção, sem, contudo,
terem sido apresentadas as estimativas de impacto e as devidas compensações financeiras, em
violação ao que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal326
.
Apenas a título ilustrativo, permite-se trazer à colação o enunciado normativo
vetado:
Art. 106. A Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
‘Art. 1º ........................................................................
.......................................................................................
IV - pessoas com deficiência física, sensorial, intelectual ou mental ou
autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;
............................................................................’ (NR)
‘Art. 2º A isenção do IPI de que trata o art. 1º desta Lei somente poderá ser
utilizada uma vez, salvo se o veículo:
I - tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos; ou II - tiver sido roubado ou furtado ou sofrido sinistro que acarrete a perda
total do bem.
325 ROSENVALD, Nelson. Tudo que você precisa para conhecer o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
2015. Disponível em: <http://www.cursoforum.com.br/tudo-que-voce-precisa-para-conhecer-o-estatuto-da-
pessoa-com-deficiencia/>. Acesso em: 18 nov. 2015. 326 Mensagem de veto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Msg/VEP-
246.htm>. Acesso em: 18 nov. 2015.
109
Parágrafo único. O prazo de que trata o inciso I do caput deste artigo aplica-
se inclusive às aquisições realizadas antes de 22 de novembro de 2005.’
(NR)
‘Art. 5º .........................................................................
Parágrafo único. O imposto não incidirá sobre acessórios que, mesmo não
sendo equipamentos originais do veículo adquirido, sejam utilizados
para sua adaptação ao uso por pessoa com deficiência.’ (NR).
O estudo da isenção referente ao IPI será realizado com maior profundidade no
item “4.2.4 Isenção do IPI na aquisição de automóvel de passeio”. Contudo, apenas para fins
de melhor compreensão de quais seriam as alterações promovidas, caso o dispositivo legal
não tivesse sido vetado, importante trazer a redação vigente da Lei nº 8.989, de 24 de
fevereiro de 1995, que não foi modificada em decorrência do referido veto:
Art. 1º Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de
cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro
portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por:
[...]
IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante
legal; (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
[...]
§ 1º Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração
completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando
o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia,
triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de
membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de
16.6.2003)
§ 2º Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou
menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor
correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
Os beneficiários da isenção são as pessoas portadoras de deficiência física, visual,
mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante
legal (art. 1º, inc. IV da Lei nº 8.989/1995).
A norma vetada ao invés de se valer da expressão “deficiência visual”, optava
pela expressão “deficiência sensorial”, abrangendo além do deficiente visual, o deficiente
auditivo, o que ampliaria o rol dos beneficiários.
110
Por fim, a Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995 também prevê, em seu art. 2º,
que o benefício fiscal somente poderá ser utilizado uma vez, salvo se o veículo tiver sido
adquirido há mais de 2 (dois) anos. Não traz, contudo, a segunda exceção prevista na norma
vetada, ou seja, a hipótese do veículo ser roubado ou furtado ou sofrido sinistro que acarrete a
perda total do bem.
Desse modo, embora o motivo do veto tenha sido acertado em decorrência da
necessidade da observância de diversos requisitos para a concessão de um incentivo fiscal (cf.
item “4.1.3.3. A concessão de benefícios fiscais”) e que, aparentemente, não foram
observados, conclui-se que existe ainda campo para ampliação do referido benefício fiscal.
Por fim, existem inúmeros outros diplomas legais que também cuidam da pessoa
com deficiência. Contudo, diante da necessidade de realização de um corte metodológico,
ocupou-se apenas das legislações que possuem hierarquia de norma constitucional (CF e
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo) e do Estatuto da Pessoa com Deficiência que, embora com status hierárquico de
lei ordinária, representa o que há de mais recente no ordenamento jurídico brasileiro referente
à proteção da pessoa com deficiência.
Neste momento, importante ingressar no estudo das ações afirmativas, objeto do
tópico seguinte.
3.3 Ações afirmativas: políticas públicas a serem adotadas para a concretização do
fundamento e objetivos da República Federativa do Brasil
Constata-se, a partir da análise dos tópicos precedentes, que o constituinte e o
legislador brasileiro tiveram por preocupação, não apenas eliminar a discriminação, por meio
da observância do tratamento igualitário “perante a lei” e “na lei”, mas também a eliminação
da desigualdade de fato, por intermédio de deveres positivos ou prestacionais do Estado (seja
por meio da elaboração de lei, seja por meio de prestação material), que podem ser chamados
de ações afirmativas.
A experiência com o uso das ações afirmativas iniciou-se nos Estados Unidos. Por
meio dessas medidas, buscou-se a promoção da igualdade material em relação aos negros. De
acordo com José Ricardo do Nascimento Varejão, “entende-se como germe das ações
111
afirmativas a desconstituição pela Suprema Corte Americana da doutrina do “equal but
separates”, que imperava ao longo dos séculos XIX e XX”327
.
Contudo, de acordo com o voto do Relator Min. Ricardo Lewandowski, nos autos
da ADPF 186/DF328
, valendo-se dos ensinamentos de Partha Gosh, a experiência das ações
afirmativas teve início da Índia, país marcado por uma profunda diversidade cultural e étnico-
racial, além da desigualdade entre as pessoas, decorrente de uma rígida estratificação social,
em que se verificava a existência de uma casta “párias” ou “intocáveis”. Nesse cenário e com
o objetivo de reverter esse quadro, proeminentes lideranças políticas indianas do século
passado, entre as quais o patrono da independência do país, Mahatma Gandhi, lograram
aprovar, em 1935, o conhecido Government of India Act, por meio do qual foram previstas
diversas ações afirmativas, como reservas de vagas no Parlamento e vantagens em termos
admissão nas escolas, faculdades e empregos.
Joaquim Benedito Barbosa Gomes ensina que, embora no início as ações
afirmativas tenham sido usadas como mecanismos de inclusão social e econômica do negro
nos Estados Unidos da América, posteriormente, o uso foi ampliado de forma a proteger as
mulheres, outras minorias étnicas e nacionais, os índios e os deficientes físicos329
.
Ronald Dworkin, quando trata das ações afirmativas raciais nos Estados Unidos,
esclarece que o objetivo final de referidas medidas é diminuir, não aumentar a importância da
raça na vida social e profissional norte-americana. Para ele, a sociedade americana é
racialmente consciente, dividida em grupos raciais e étnicos, cada um deles com direito a uma
parcela proporcional de recursos, carreiras ou oportunidades. Entretanto, como consequência
inevitável de uma história de escravidão, repressão e preconceito, não há igual liberdade de
escolhas. De conseguinte, homens e mulheres, meninos e meninas negros não são livres para
escolher por si mesmos quais os papéis irão desempenhar na sociedade. Por serem negros,
“nenhum outro atributo de personalidade, lealdade ou ambição irá influenciar tanto o modo
como os outros irão vê-los ou tratá-los, e que tipo e dimensão de vida estarão abertos a eles”
330.
Segundo ele, os programas de ação afirmativa usam critérios racialmente
explícitos porque visam ao aumento do número de membros de certas raças em determinadas
profissões. Como exemplo, ele cita o número ínfimo de médicos negros. Contudo, a longo
327 VAREJÃO, 2008, p. 121. 328 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Preceito Fundamental n. 186/DF. Relator Min. RICARDO
LEWANDOWSKI. Tribunal Pleno. Data da Decisão: 26 abr. 2012. Diário da Justiça, 20 out. 2014. 329 GOMES, 2003, p. 92. 330 DWORKIN, 2005, p. 438.
112
prazo, o objetivo é exatamente reduzir o grau em que a sociedade norte-americana, como um
todo, é racialmente consciente.
Esses programas se baseiam em dois juízos. O primeiro se refere à constatação de
que os Estados Unidos continuarão com as divisões raciais enquanto as carreiras mais
lucrativas, gratificantes e importantes, ou seja, a elite profissional e social, continuarem a ser
prerrogativa de membros da raça branca, ao passo que os negros são sistematicamente
excluídos. O segundo juízo representa a estratégia para a alteração fática, ou seja, com o
aumento do número de negros atuando nas várias profissões, ao longo prazo, a iniciativa irá
“reduzir o sentimento de frustração, injustiça e constrangimento racial na comunidade negra,
até que os negros passem a pensar em si mesmos como indivíduos capazes de ter sucesso,
como os outros, por meio do talento e da iniciativa”331
.
Esse raciocínio possui total compatibilidade com a situação das pessoas com
deficiência. De forma semelhante, é possível constatar que elas, como regra geral, tampouco
ocupam cargos e posições profissionais de destaque. O acesso a esses cargos, além de
proporcionar a diversidade e demonstrar que as possibilidades estão ao alcance de todos,
também permitirá que a inclusão passe a ser algo natural.
Atualmente o uso das ações afirmativas, de acordo com os norte-americanos, ou
discriminações positivas, de acordo com os europeus, tem ganhado mais força e importância
como um imperativo a ser seguido para promover maior igualdade social de grupos até então
fortemente discriminados. Conforme preleciona José Ricardo do Nascimento Varejão, “[a]s
ações afirmativas representam uma pretensão de igualdade de exercício de direitos e acesso a
bens considerados essenciais, pretensão essa ligada à própria noção de cidadania” 332
.
Seguindo os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, a partir da adoção da síntese
de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, no direito brasileiro, o princípio da igualdade
abrange pelo menos três dimensões: a) proibição do arbítrio; b) proibição de discriminação e
c) obrigação de tratamento diferenciado com vistas à compensação de uma desigualdade de
oportunidades333
.
Enquanto nos primeiros dois casos proíbe-se um fazer, ou seja, proíbe-se
estabelecer diferenciações sem justificativa razoável de acordo com um dado ordenamento
jurídico e com base em categorias meramente subjetivas, a terceira dimensão impõe um fazer,
331 DWORKIN, 2005, p. 439. 332 VAREJÃO, 2008, p. 122/123. 333 SARLET, 2012, p. 78.
113
pois “pressupõe a eliminação, pelo Poder Público, de desigualdades de natureza social,
econômica e cultural”334
.
Observa-se que, muitas vezes, a mera vedação à discriminação, ainda que de suma
importância, não permite automaticamente que o até então excluído, seja incluído. Em outras
palavras, embora a discriminação seja causa de exclusão, a ausência de discriminação, por si
só, não é causa de inclusão. Nesse sentido, preleciona Flávia Piovesan que:
Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão-
exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica violenta exclusão e intolerância à diferença e
diversidade. Assim, a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta
automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva
inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de
violência e discriminação335
.
Em outras palavras, no que se refere especificamente aos deveres positivos, há
evidente abertura constitucional para a sua adoção, uma vez que a Constituição Federal
“em vários momentos, impõe ao Poder Público – de modo explícito e implícito – a promoção
de medidas (normativas e fáticas) com vistas à redução das desigualdades, o que, dito de outro
modo, implica o dever de adotar políticas de ações afirmativas”336
e eventual
descumprimento, por consequência, será qualificado como “um estado de omissão
constitucional”337
.
Joaquim Benedito Barbosa Gomes divide a evolução das ações afirmativas em
três momentos. No primeiro deles, as ações afirmativas consistiam em “mero encorajamento”
pelo Estado para que as pessoas com poderes decisórios, seja na esfera pública, seja na esfera
privada, levassem em conta em temas sensíveis, como acesso à educação e ao mercado de
trabalho, fatores como a raça, a cor, o sexo e a origem nacional das pessoas, que até então
eram considerados irrelevantes pelos políticos e empresários338
.
No segundo momento, talvez em decorrência da ausência de êxito do “mero
encorajamento” para por fim à discriminação, surge a ideia da ação afirmativa associada
“à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de
cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de
trabalho e a instituições educacionais”339
.
334
SARLET, 2012, p. 78. 335 PIOVESAN, 2012, p. 44. 336 SARLET, op. cit., p. 89. 337 SARLET, loc. cit. 338 GOMES, 2003, p. 96. 339 GOMES, loc. cit.
114
Por fim, no terceiro momento, as ações afirmativas podem ser definidas como
políticas públicas ou privadas adotadas com a finalidade de promoção da igualdade de
oportunidades. Segundo Joaquim Benedito Barbosa Gomes:
Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência fisica e de origem nacional, bem como para corrigir
ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo
por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego
340.
Glauco Salomão Leite também define as ações afirmativas “como políticas
públicas ou privadas que objetivam combater os efeitos decorrentes de uma situação de
discriminação persistente e que atinge uma específica minoria social”341
.
As ações afirmativas visam não apenas combater os efeitos, como também as
causas da discriminação, pois se objetiva assegurar o direito à igualdade de oportunidades,
tendo por pressuposto a existência de diferenças injustificadas de acesso entre o grupo
vulnerável (pessoas com deficiência) e o grupo majoritário (pessoas sem deficiência).
Em consequência, se, em razão da deficiência, as pessoas que possuem
impedimentos de longo prazo são excluídas por questão de preconceitos, bem como lhes
impedem de acessar aos postos de trabalho de maior ou menor importância, impedindo o gozo
de uma vida com respeito a sua dignidade, a sua cidadania e a sua autonomia, justifica-se a
adoção das ações afirmativas, com o sistema de políticas de quotas.
O uso das ações afirmativas representa, portanto, um meio para proporcionar,
numa sociedade livre (que também tenha como princípio a liberdade) uma distribuição mais
igualitária do que é considerado fundamental nessa sociedade. Em outras palavras, busca
proporcionar a melhor distribuição dos recursos (bens e oportunidades), mas respeitando a
diversidade existente entre as pessoas e, em consequência, o direito à liberdade.
Conforme já tratado no item “3.2.1 Constituição Federal: a proteção
constitucional da pessoa com deficiência”, um dos exemplos de ações afirmativas
incentivada, ou melhor, imposta pela própria Constituição, é o sistema de cotas nos concursos
públicos para as pessoas com deficiência.
340 GOMES, 2003, p. 96. 341 LEITE, Glauco Salomão. O sistema de quotas obrigatórias na administração pública e a pessoa com
deficiência in Manual dos direitos da pessoa com deficiência. Carolina Valença Ferraz et al. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 216.
115
Entretanto, como bem preleciona Ingo Wolfgang Sarlet, as ações afirmativas “não
se limitam, por evidente, ao mundo do trabalho, abarcando um dever de inclusão (integração e
promoção) em todas as esferas da vida social, econômica, política e cultural”342
.
A finalidade última é a efetiva emancipação da pessoa com deficiência em todos
os aspectos da vida em sociedade. Para tanto, parte-se do pressuposto de que efetivamente
existe uma desigualdade entre grupos e se investe contra esse problema por meio de ações
concretas aptas a reduzir ou acabar com as diferenças odiosas socialmente existentes343
, o que,
permite, numa perspectiva de melhor distribuição de recursos, “uma forma de combater uma
das razões para a distribuição desequilibrada, que é a discriminação”344
.
Joaquim Benedito Barbosa Gomes defende como objetivos das ações afirmativas:
1) concretizar a igualdade de oportunidade; 2) transformar o comportamento e a mentalidade
coletiva, que são, como se sabe, moldados pela tradição, pelos costumes, em suma, pela
história, de forma que sejam observados os princípios da diversidade e do pluralismo; 3)
eliminar os “efeitos persistentes” (psicológicos, culturais e comportamentais) da
discriminação do passado, que tendem a se perpetuar; 4) aumentar a
participação/representatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios de
atividade pública e privada e, em consequência, o aumento da diversidade e a eliminação das
“barreiras artificiais e invisíveis” e 5) criar as chamadas personalidades emblemáticas, ou
seja, exemplos vivos de mobilidade social ascendente345
.
Levando em conta essa perspectiva, será analisado o direito tributário como
instrumento de ações afirmativas para a proteção da pessoa com deficiência.
De conseguinte, importante agora responder às seguintes indagações: a proteção
conferida às pessoas com deficiência também abrange o âmbito tributário? Como seria
possível essa proteção?
Para tanto, o próximo item será dedicado ao estudo das ações afirmativas no
âmbito tributário.
342 SARLET, 2012, p. 93. 343 VAREJÃO, 2008, p. 124. 344 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Ações afirmativas. 3. ed. São Paulo: LTr. 2014, p. 60. 345 GOMES, 2003, p. 98/100.
116
4 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO: O DIREITO
TRIBUTÁRIO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DAS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA
4.1 Considerações gerais sobre as normas jurídicas tributárias
Chegada é a hora de tratar das ações afirmativas no âmbito tributário. O objetivo
desta parte do trabalho é comprovar não apenas que as ações afirmativas no direito tributário
são medidas válidas e justificadas para a efetiva proteção da pessoa com deficiência, como
também demonstrar que essa é uma área do direito propícia para esse fim, cujo uso deveria ser
ampliado.
Nos capítulos iniciais foram trazidas noções da teoria geral do direito, ocasião em
que o direito foi conceituado como fato, valor e norma. No que se refere especificamente ao
direito como norma, foram tecidas breves considerações a respeito da Ciência do Direito e do
direito positivo, do ordenamento jurídico e da teoria da norma jurídica.
Nesse momento e levando em consideração o quanto já exposto no item “2.4.1.1
Normas jurídicas: as sanções positivas e a pessoa com deficiência”, fazem-se oportunas
algumas observações de caráter mais geral no que se refere ao direito como norma, mas
específicas ao direito tributário, para que sejam fixadas algumas premissas que poderão
orientar o ingresso no estudo das ações afirmativas no âmbito tributário.
É de grande importância a existência de forma e meio para que o Estado arrecade
recursos para que possa realizar as suas funções, seja no que diz respeito a garantir as
chamadas prestações negativas (ou direitos de primeira geração ou direitos individuais), seja
para assegurar as chamadas prestações positivas, dentre elas as ações afirmativas (ou direitos
de segunda geração ou direitos sociais).
Luiz Octavio Rabelo Neto chega a afirmar que houve uma intensificação da
atividade tributária com a finalidade de arrecadar mais recursos e garantir os direitos de
segunda geração346
.
Ainda que não se possa afastar a noção de que o direito é uno e indivisível e seja
árdua a tarefa de identificar qual seria a área de interesse do direito tributário, é possível, para
fins didáticos, traçar uma divisão para reconhecer o direito tributário como um dos ramos do
direito.
346 RABELO NETO, 2013, p. 129.
117
Destarte, em conformidade com os ensinamento de Paulo de Barros Carvalho,
“o direito tributário positivo é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo
conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos”347
.
Já à ciência do direito tributário compete, também nas lições de Paulo de Barros
Carvalho, “descrever esse objeto, expedindo proposições declarativas que nos permitam
conhecer as articulações lógicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de
uma concepção unitária do sistema jurídico vigente”348
.
O sistema tributário brasileiro, que integra o sistema/ordenamento jurídico
brasileiro, é formado pelo conjunto de “princípios e regras constitucionais que regem o
exercício da tributação, função estatal de arrecadar dinheiro a título de tributo”349
.
A Constituição Federal traz em seu bojo uma verdadeira organização do sistema
jurídico tributário, com a finalidade não só de orientar a atividade tributária do Estado, com as
diversas regras de competência e limitações ao poder de tributar, como também, delinear a
esfera jurídica do cidadão a ser protegida (estatuto do contribuinte).
Sustenta Humberto Ávila que o fundamento do sistema tributário nacional
encontra-se, praticamente, na própria Constituição, pois sob o título específico de tributação e
orçamento, a CF regula tanto o “Sistema Tributário Nacional” quanto as “Finanças Públicas”.
Com relação ao “Sistema Tributário Nacional”, a CF prevê não só os princípios gerais, como
as limitações ao poder de tributar e as regras de competência da União, dos Estados e dos
Municípios estão dispostas na própria Constituição. Por consequência, o Direito Tributário
brasileiro tem seu fundamento, embora não exclusivo, na própria CF350
.
Embora a atividade de tributação seja imprescindível para o Estado, ela também
representa uma das maiores formas de ingerência do Poder Público na propriedade privada.
De acordo com José Ricardo do Nascimento Varejão, “por meio dos tributos, o Estado impõe
ao sujeito passivo uma obrigação de transferência compulsória aos cofres públicos de parcela
de seu patrimônio como consequência da ocorrência de um fato legalmente previsto”351
.
Diante da forte interferência da tributação nos direitos mais importantes para o
homem, o legislador constitucional redobrou os cuidados, desenhando um sistema tributário
complexo, “havendo uma multiplicidade de preceitos normativos dirigidos tanto aos agentes
347 CARVALHO, P., 2011, p. 47. 348 CARVALHO, P., loc. cit. 349 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 14. 350 ÁVILA, 2010, p. 107. 351 VAREJÃO, 2008, p. 130.
118
dos poderes tributantes como aos sujeitos passivos, atribuindo, a ambos, deveres e direitos
correlatos”352
.
Todavia, o pensamento a respeito da proteção do contribuinte evoluiu, para não
somente abranger as limitações tributárias clássicas, como, por exemplo, a legalidade e a
anterioridade, mas também para abarcar a interferência da tributação na mudança social.
Nesse sentido, Luiz Octavio Rabelo Neto defende que o respeito aos direitos fundamentais
dos contribuintes também é constatado com a “[...] utilização do Direito Tributário como
instrumento de justiça e mudança social, de desenvolvimento, no sentido utilizado por
Amartya Sen, por meio de um adequado manejo da tributação extrafiscal [...]”353
.
Humberto Ávila sustenta que as limitações ao poder de tributar também podem
ser vistas sob uma perspectiva diversa na medida em que estabelecem um dever de ação. De
conseguinte, a partir de exemplo do próprio doutrinador, o princípio da dignidade humana
impõe ao Estado que assegure o mínimo vital à existência digna do contribuinte e o princípio
da solidariedade social determina que o Estado efetivamente proteja as minorias e os grupos
vulneráveis e avalie o interesse dos outros como seu próprio interesse354
.
Por isso, embora a Constituição Federal possua um capítulo para regular o sistema
tributário nacional, esse sistema sofre influência de outras normas (regras e princípios)
dispostas em outras partes dela, de modo que ele pode ser, por isso, considerado um sistema
aberto.
De acordo com Humberto Ávila, ao estar aberto para as influências das demais
normas constantes da Constituição Federal há uma efetiva interferência delas em prol da
defesa do contribuinte, “seja porque prevê a dedução de direitos fundamentais e garantias
indeterminadas (art. 150 e § 2º do art. 5º), seja porque assegura aplicação imediata das normas
decorrentes dos direitos e garantias fundamentais (§ 1º do art. 5º)”355
.
Valendo-se mais uma vez dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho,
importante citar que o sistema tributário nacional é orientado pelos seguintes princípios
constitucionais gerais: princípio da justiça, princípio da certeza do direito, princípio da
segurança jurídica, princípio da igualdade, princípio da legalidade, princípio da
irretroatividade das leis, princípio da universalidade da jurisdição, princípio que consagra o
direito de ampla defesa e o devido processo legal, princípio da isonomia das pessoas
352 CARVALHO, P., 2013, p. 268. 353 RABELO NETO, 2013, p. 118. 354 ÁVILA, 2010, p. 73. 355 Ibid., p. 108.
119
constitucionais, princípio que afirma o direito de propriedade, princípio da liberdade de
trabalho, princípio que prestigia o direito de petição, princípio da supremacia do interesse
público ao do particular e princípio da indisponibilidade dos interesses públicos356
.
Por outro lado, o direito tributário também é informado por diversos outros
princípios constitucionais específicos, ou seja, pelos seguintes princípios constitucionais
tributários: princípio da estrita legalidade; princípio da anterioridade; princípio da
anterioridade nonagesimal ou noventena; princípio da irretroatividade da lei tributária;
princípio da tipologia tributária; princípio da proibição de tributo com efeito de confisco;
princípio da capacidade contributiva; princípio da vinculação da tributação; princípio da
uniformidade geográfica; princípio da não discriminação tributária, em razão da procedência
ou do destino dos bens; princípio da territorialidade da tributação; princípio da
indelegabilidade da competência tributária; princípio da não cumulatividade357
.
O objeto do direito positivo tributário é, portanto, direta ou indiretamente, a
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, o que pressupõe não só a análise do
nascimento, da vida e da extinção das obrigações jurídica tributárias, mas também de todas as
circunstâncias prévias referentes, como a análise dos princípios que orientam essas atividades
e a própria elaboração legislativa.
Dessa maneira, importante também trazer à baila a definição de tributo. Para
Paulo de Barros Carvalho, o vocábulo “tributo” possui seis significações diversas: a) “tributo”
como quantia em dinheiro; b) “tributo” como proteção correspondente ao dever jurídico do
sujeito passivo; c) “tributo” como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) “tributo”
como sinônimo de relação jurídica tributária; e) “tributo” como norma jurídica tributária e f)
“tributo” como norma, fato e relação jurídica358
.
Não se pode deixar de mencionar que o Código Tributário Nacional define tributo
como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º do CTN). Em consequência, as
principais características do tributo são a compulsoriedade, a prestação pecuniária e a
impossibilidade de ser considerado como sanção por ato ilícito.
356 CARVALHO, 2011, p. 198/207. 357 Ibid., p. 207/220. 358 Ibid., p. 51.
120
Não se desconhece as diversas classificações existentes para estudar os tributos.
Contudo, entende-se que o tributo é o gênero, do qual figuram os impostos, as taxas e a
contribuição de melhoria como suas espécies.
José Artur Lima Gonçalves sustenta que “de um lado, encontramos tributos que só
podem recair sobre situações ou atividades (1) reveladores de alguma manifestação de riqueza
e (2) independentes de qualquer atividade estatal”359
. Nesse caso, trata-se dos impostos.
Contudo, há ainda outros tributos que obedecem aos regimes pertinentes às taxas
e contribuições de melhoria, uma vez que podem ser criados “independentemente da
existência de situações ou atividades reveladoras de riqueza, mas necessariamente atreladas a
alguma atividade estatal, cujo custo – ou benefício – atua como limite máximo do montante a
ser cobrado”360
.
Por fim, ainda em termos de conhecimentos gerais no âmbito tributário, relevante
trazer a noção de regra-matriz de incidência tributária. Conforme já adiantado nos itens “2.3.1
Noções gerais: teoria do ordenamento jurídico como sistema de normas protetivas das
pessoas com deficiência” e “2.3.1.1 Normas jurídicas: as sanções positivas e a pessoa com
deficiência”, a norma jurídica apresenta-se estruturada pela Lógica Deôntica em que se tem a
hipótese (H) e o Consequente (C), que são relacionados pelo modal deôntico (dever-ser
interproposicional - neutro): “Se H, deve ser C”.
A hipótese é o conjunto de propriedades escolhidas pelo legislador ao conceituar o
fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica tributária. Por meio da hipótese, o
legislador recorta da realidade social as características que os fatos deverão possuir para
adquirirem a qualidade de fatos jurídicos. Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, “[n]o
enunciado hipotético vamos encontrar três critérios identificadores do fato: a) critério
material; b) critério espacial; e c) critério temporal”361
.
O consequente, por sua vez, é a relação jurídica formada entre o sujeito ativo e o
sujeito passivo conjugada com um dos três modalizadores (dever-ser intraproposicional):
obrigatório, permitido ou proibido. Integram o consequente o critério pessoal (sujeitos da
relação jurídica) e o critério quantificativo (objeto da relação jurídica).
Paulo de Barros Carvalho esclarece que “[...] o consequente normativo desenha a
previsão de uma relação jurídica, que se instala, automática e infalivelmente, assim que se
concretize o fato”362
.
359 GONÇALVES, 1993, p. 59. 360 Ibid., p. 59. 361 CARVALHO, P., 2011, p. 323. 362 Ibid., p. 353.
121
A hipótese figura como descritor de um fato e o consequente como prescritor de
uma conduta. Enquanto constam da hipótese os critérios para o reconhecimento de um fato,
constam do consequente os critérios necessários para a formação da relação jurídica. Nas
lições de Paulo de Barros Carvalho, a hipótese funcionando como “descritor, anuncia os
critérios conceituais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como prescritor, nos
dá, também, critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce”363
.
Importante analisar cada um dos aspectos da regra-matriz de incidência.
Iniciando-se pela hipótese, o critério material é formado por um verbo pessoal e
de predicação incompleta e por um complemento. É a descrição de um dado fato social. “[...]
Nele, há referência a um comportamento de pessoas, física ou jurídicas, condicionado por
circunstâncias de espaço e de tempo (critérios espacial e temporal) [...]”364
.
Com relação ao critério espacial, ou seja, às condições de lugar onde poderá
ocorrer o comportamento, ele poderá ter uma dessas três formas compositivas explicitadas por
Paulo de Barros Carvalho: a) previsão de determinado local para a ocorrência do fato típico;
b) previsão de áreas específicas; c) previsão bem genérica, de modo que todo e qualquer fato,
que ocorra sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, está apto a ensejar a
incidência da norma e a produção da relação jurídica nela prevista365
.
Por fim, o critério temporal pode ser definido como “marcos de tempo que nos
permitirão saber em que momento se considera ocorrido o fato”366
.
No que se refere ao consequente, identifica-se o critério pessoal e o quantitativo.
O critério pessoal “[...] é o conjunto de elementos, colhidos no prescritor da
norma, e que nos aponta quem são os sujeitos da relação jurídica – sujeito ativo, credor ou
pretensor, de um lado, e sujeito passivo ou devedor, do outro [...]”367
.
Já o critério quantitativo refere-se ao objeto da prestação e subdivide-se em dois:
base de cálculo e alíquota. Diante do fato da prestação tributária ser sempre em pecúnia, o
critério quantitativo possibilitará, pela conjugação dos seus dois elementos, precisar a quantia
a ser paga pelo sujeito passivo a título de tributo.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, “a base de cálculo é a grandeza
instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a
363 CARVALHO, P., 2011, p. 353. 364 Ibid., p. 324. 365 Ibid., p. 329. 366 Ibid., p. 617. 367 Ibid., p. 353.
122
dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico [...]”368
. Ela
possui três funções que podem ser assim explicitadas:
a) função mensuradora, pois mede as proporções reais do fato; b) função
objetiva, porque compõem a específica determinação da dívida; e c) função comparativa, porquanto, posta em comparação com o critério material da
hipótese, é capaz de confirmá-lo, infirmá-lo ou afirmar aquilo que consta no
texto da lei, de modo obscuro369
.
Por fim, a alíquota é o componente aritmético previsto na norma jurídica tributária
para determinar a quantia que será o objeto da prestação tributária [...]. As alíquotas podem ter
duas feições: a) um valor monetário fixo, ou variável em função de escalas progressivas da
base de cálculo ou b) uma fração, percentual ou não, da base de cálculo370
.
Uma vez tecidas essas observações de caráter mais genérico, é possível ingressar
no estudo dos institutos de direito tributário que possuem maior relação com a proposta do
presente trabalho.
Desde já é possível afirmar que o direito tributário não se mostrou indiferente aos
direitos das pessoas com deficiência embora, como será melhor demonstrado, a sua
interferência como meio para a promoção da redução da discriminação e a efetiva inclusão
dessas pessoas ainda é tímida.
Antes de ingressar na análise das ações afirmativas no âmbito tributário, oportuno,
ainda, tecer algumas considerações acerca dos princípios da igualdade tributária, da
capacidade contributiva e da solidariedade, além da função extrafiscal dos tributos.
4.1.1 Princípio da igualdade tributária
Como já se teve a oportunidade de expor nos itens “2.1 Direito como fato: a
realidade das pessoas com deficiência e a desigualdade de fato” e “2.2 Direito como valor: a
igualdade como valor a ser concretizado”, a realidade social compreendida a partir dos
valores da sociedade brasileira impõe que seja conferido um tratamento jurídico distinto às
pessoas com deficiência. Em outras palavras, em razão da existência de desigualdade de fato
valorada como injustificada, o direito e, mais precisamente, o direito tributário, prevê em seu
sistema políticas públicas para minimizar essa desigualdade, criando igualdade de
oportunidades e de recursos.
368 CARVALHO, P., 2011, p. 400. 369 Ibid., p. 405. 370 Ibid., p. 412.
123
Paulo de Barros Carvalho defende que o valor maior do direito é a justiça e,
abaixo da justiça, há outros sobreprincípios, como a segurança jurídica, a certeza do direito, a
igualdade e a liberdade371
.
O legislador constituinte optou por também trazer para o capítulo que cuida do
sistema tributário nacional dispositivo relativo ao princípio da igualdade, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Valendo-se da definição de princípio adotada no presente trabalho (item “2.4.1.2
Regras e princípios: a força normativa dos princípios e a pessoa com deficiência”), o
princípio da igualdade tributária é um princípio-valor, ou seja, uma norma jurídica de posição
privilegiada e portadora de valor expressivo.
Por meio de referido preceito constitucional, objetiva-se limitar o poder de tributar
de modo que não será instituído tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em
situação equivalente. Como regra geral, as pessoas físicas e jurídicas que possuam as mesmas
condições econômicas devem receber o mesmo tratamento pela legislação tributária.
Contudo, tal limitação não impede o tratamento desigual justificado em situações
excepcionais. Se, com o objetivo de garantir a tributação justa, é vedado o tratamento
diferenciado com base na ocupação profissional ou função exercida, tal imposição não
significa que todos os contribuintes devem receber sempre esse mesmo tratamento, quando há
justificativas pautadas nos princípios e valores constitucionais que devem ser observados.
Destarte, em conformidade com as lições de Paulo de Barros Carvalho, ainda que
a equilavência entre os diversos fatos que são selecionados pela norma jurídica deva ser
observada, “[c]aberá à legislação de cada tributo, tomando em consideração as notas
singulares das diversas classes de sujeitos passivos, eleger fatos distintivos que sejam hábeis
para atender às especificidades dos casos submetidos à imposição [...]”372
.
Dessa forma, a aplicação do princípio da igualdade na incidência tributária tem
como norte a variação jurídico-econômica da base de cálculo e, em casos específicos, poderá
ter a influência de providências de natureza extrafiscal373
.
371 CARVALHO, P., 2013, p. 276/290. 372 Ibid., p. 284. 373 Ibid., p. 285.
124
Isso porque, ao se levar em consideração os direitos fundamentais da liberdade e
da propriedade, o direito tributário objetiva que pessoas em igualdade de condições também
contribuam de forma igual para os cofres públicos, de maneira que, de acordo com Paulo de
Barros Carvalho:
A ordem jurídica cerca de garantias o direito que cada um tem de responder
pela carga tributária de forma igualitária, recolhendo aos cofres públicos
importâncias do mesmo tamanho econômico daquelas que qualquer outro sujeito de direitos venha a arcar, encontrando-se em situação idêntica
374.
Conforme preleciona José Ricardo do Nascimento Varejão, o princípio da
igualdade conta com norma expressa dentro do capítulo do sistema tributário nacional com o
objetivo de impedir a utilização de critérios ilegítimos na tributação, ou seja, objetiva-se evitar
a discriminação tributária com base nas castas e ocupações375
. São vedadas, portanto, as
desigualações dessarrazoadas e arbitrárias.
De acordo com referido autor, o princípio da igualdade tributária impõe,
primeiramente, que a tributação apenas recaia sobre quem de fato possua condições de arcar
com ela. Com a identificação do universo dos contribuintes possíveis, a partir de critérios
legítimos, são estabelecidos modos distintos de tributação para esses contribuintes, restando
autorizada constitucionalmente a finalidade discriminatória376
.
O princípio da igualdade tributária possui dois atributos: a generalidade e a
uniformidade. No que se refere à generalidade, de acordo com Geilson Salomão Leite, ela
implica “que todos os cidadãos são obrigados a contribuir com as despesas do Estado. Há, por
assim dizer, o reconhecimento de que ninguém será excluído do dever de contribuir”377
. A
uniformidade, por sua vez, “sugere a utilização de um mesmo critério para a repartição dos
tributos”378
.
Observa-se que o princípio da igualdade é um conceito comparativo, ou seja,
somente é possível falar em consonância ou dissonância com a igualdade quando são levadas
em consideração pelo menos duas situações comparativas. De conseguinte, Paulo de Barros
Carvalho defende que:
O princípio da igualdade, portanto, deve conter em seu conceito o caráter de
não possuir conteúdo material próprio, ser comparativo e relativo, dotado de carga valorativa dirigida à busca do ideal de justiça, a depender de um
374 CARVALHO, P., 2013, p. 285. 375 VAREJÃO, 2008, p. 132. 376 Ibid., p. 132. 377 LEITE, Geilson, 2012, p. 438. 378 LEITE, Geilson, loc. cit.
125
critério de valoração justificado na comunidade jurídica em que se apresenta
o caso concreto, consubstanciando-se em um exercício de poder379
.
De forma semelhante, José Evandro Zaranza Filho sustenta que a igualdade é um
conceito comparativo que, ao formar um juízo de valor por meio da relação de indivíduos,
concede uma ideia de equilíbrio entre partes. Por meio dela, busca-se a justiça a partir de “um
juízo relacional que se faz entre dois ou mais sujeitos em função de um critério, destinado a
determinada finalidade; em ultima ratio, o princípio empresta um caráter essencialmente
qualitativo ao conteúdo das normas”380
.
José Artur Lima Gonçalves propôs-se a sistematizar a aplicação do método de
Celso Antônio Bandeira de Mello à análise da regra jurídica de tributação, facilitando a tarefa
de aferir a sua consonância ou não ao princípio da isonomia.
De acordo com ele, o “tratamento diferenciado” está sempre no objeto da relação
jurídico-tributária, com a alteração de seu conteúdo, seja para agravar, para suavizar ou para
extinguir, nas seguintes possíveis variáveis: “comparativamente, (i) dever entregar mais
dinheiro ao erário, (ii) dever entregar menos, (a) dever entregar, ao passo que os outros não,
(b) não dever entregar enquanto outros devem”381
.
Com relação ao tratamento diferenciado para entregar mais ou menos dinheiro a
título de tributo, o tratamento diferenciado está hospedado no critério quantitativo da regra
matriz de incidência, ou seja, “o artifício técnico-legislativo deflagrador do tratamento
diferenciado (dever de entregar mais do que outros; dever de entregar menos do que outros)
está sempre hospedado no critério quantitativo da regra”382
.
Contudo, o discrímen eleito pelo legislador pode estar nos critérios material,
pessoal, espacial e temporal da regra matriz de incidência tributária, conforme defende José
Artur Lima Gonçalves.
De conseguinte, a regra-matriz de incidência tributária pode estabelecer que uma
categoria específica de sujeitos seja mais ou menos onerada, quando o discrímen está no
critério pessoal da regra. A regra-matriz pode, por outro lado, destacar determinada atividade
ou estado, onerando-a ou desonerando-a. De forma similar, o local da realização de certa
atividade ou estado ou o local onde uma categoria específica de sujeitos atua (critério
espacial) pode ser eleito como o critério diferenciador para fins de tributação.
379 CARVALHO, 2011, p. 32. 380 ZARANZA FILHO, José Evandro Lacerda. A concretização do princípio da igualdade em matéria
tributária por meio de sentenças aditivas. São Paulo: MP Ed., 2010, p. 29. 381 GONÇALVES, 1993, p. 49. 382 GONÇALVES, loc. cit.
126
José Artur Lima Gonçalves defende que o critério temporal apenas poderá ser
eleito como critério discriminador “em caráter acessório, suplementar, quando associado a
algum dos demais critérios da regra matriz de incidência, por seu caráter eminentemente
neutro, se isoladamente considerado. [...]”383
.
Prosseguindo na metodologia proposta por José Artur Lima Gonçalves, passa-se,
então, a analisar a existência de uma correção lógica entre o discrímen adotado pela lei e o
tratamento diferenciado por ela previsto, ou seja, entre o dever de entregar mais ou menos
dinheiro e o discrímen.
No tocante ao tratamento diferenciado consistente no dever de entregar ao passo
que outros sujeitos não devem, “o veículo de diferenciação de tratamento pode estar alojado
em qualquer um dos critérios da regra matriz de incidência tributária”384
.
Quando estiver nos critérios material, temporal, espacial ou pessoal da regra
matriz, de acordo com José Artur Lima Gonçalves impede-se que a atividade, agentes e o
local onde ocorre discriminado não sejam alcançados “pelo antecedente normativo, não
ocorrendo o fenômeno da subsunção normativa e, portanto, não ocorrendo a incidência do
conseqüente normativo”385
.
Nesse caso, não ocorre o nascimento da obrigação tributária.
Diferente ocorre quando se tratar do critério quantitativo. Neste caso, “a norma
jurídica desenha (delimitação do âmbito da validade) o critério quantitativo de tal sorte que,
direta ou indiretamente, o objeto da ‘pretensa obrigação tributária’ é totalmente esvaziado,
restando o que às vezes é chamado de ‘relação sem conteúdo econômico’”386
.
Em consequência, independentemente do meio utilizado para essa discriminação,
a atividade ou o estado que não é alcançado pela norma jurídica (ônus ou bônus) “é perante
ela juridicamente irrelevante – posto que o método de discriminação utilizado (delimitação do
âmbito de validade de critério da regra matriz) importa, exatamente, a não incidência da
norma jurídica”387
. Tendo em vista que a igualdade é critério de comparação de duas
situações, neste caso, a análise da constitucionalidade da discriminação deve ser realizada
comparando-a com a situação que é alcançada pela norma388
.
383
GONÇALVES, 1993, p. 50. 384 Ibid., p. 52. 385 GONÇALVES, loc. cit. 386 Ibid., p. 53. 387 GONÇALVES, loc. cit. 388 GONÇALVES, loc. cit.
127
José Artur Lima Gonçalves, para melhor compreensão da sua teoria, sugere os
seguintes passos a serem seguidos pelo intérprete para a análise da constitucionalidade da
discriminação:
1. Dissecar a norma jurídica tributária, a regra matriz de incidência, em seus
cinco critérios, que, repita-se, são o material, o temporal, o pessoal, o
espacial e o quantitativo.
2. Detectar a existência de discriminação implementada pela regra matriz de
incidência analisada.
3. Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada.
4. Uma vez identificado o discrímen, analisar se a norma onera ou beneficia
singularmente um indivíduo ou categoria ou atividade desde já determinada e se o elemento de discriminação reside na própria pessoa ou situação
discriminada.
5. Aferir a existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação
e o tratamento diferenciado.
6. Perquirir a efetiva ocorrência da relação de subordinação e pertinência
lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto
constitucional389
.
Consequentemente, no direito tributário, ao lado da aplicação do princípio da
igualdade previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, também tem incidência o
princípio da igualdade previsto no art. 150, II da Carta Magna, de forma a impor que os
contribuintes que possuam iguais condições de contribuir para com o Estado, assim o façam.
Antes de ingressar propriamente na concretização da igualdade material no âmbito
tributário, importante, ainda, tratar de outro princípio constitucional que possui estreita
relação com o princípio da igualdade, que é o princípio da capacidade contributiva, além de
expor sobre o princípio da solidariedade.
4.1.2 Princípios da capacidade contributiva e da solidariedade
Embora o princípio da capacidade contributiva tenha forte relação com o princípio
da igualdade, são princípios diversos.
Nesse sentido, Humberto Ávila destaca as diferenças existentes entre eles. Para
ele, enquanto o princípio da igualdade é mais amplo que o princípio da capacidade
contributiva, o princípio da capacidade contributiva representa o particular modo de
concretização do princípio da igualdade no caso das normas tributárias criadoras de encargos.
Por consequência, o âmbito de aplicação do princípio da igualdade é mais extenso do que o
389 GONÇALVES, 1993, p. 69.
128
âmbito de aplicação do princípio da capacidade contributiva, pois ele é aplicado não só no
âmbito das normas que criam tributos, mas para aquelas normas que têm por finalidade a
alteração de comportamentos, sem qualquer vinculação com a capacidade contributiva390
.
O princípio da igualdade, portanto, pode servir de fundamento para a imposição
normativa de comportamentos diversos, desde que observados os direitos fundamentais.
Segundo Regina Helena Costa, a noção de capacidade contributiva não pode ser
dissociada da igualdade, uma vez que a igualdade está na essência daquela. Em consequência,
“a capacidade contributiva é um subprincípio, uma derivação de um princípio mais geral, que
é o da igualdade, irradiador de efeitos em todos os setores do Direito”391
.
Paulo de Barros Carvalho leciona que toda a legislação tributária deve ser
condicionada ao princípio da igualdade, de modo que é possível afirmar que
“mesmo se a atual Constituição nada previsse expressamente sobre o princípio da capacidade
contributiva, tal como o fez a Constituição de 1967, este persistiria no direito brasileiro como
formulação implícita nas dobras do primado da igualdade”392
.
O princípio da igualdade e o da capacidade contributiva complementam-se, uma
vez que a capacidade contributiva é o critério positivo de discriminação eleito pelo legislador.
Conforme os dizeres de Roberto Ferraz, o ordenamento jurídico não apenas veda
o tratamento desigual para situações equivalentes em razão da ocupação profissional e da
função, como ele mesmo elege o critério para impedir o tratamento desigual e identificar os
grupos equivalentes, ou seja, o da capacidade contributiva393
.
De acordo com Klaus Tiple, “[o] princípio da capacidade contributiva é
mundialmente e em todas as disciplinas da ciência da tributação reconhecido como princípio
fundamental da imposição justa [...]”394
.
Estabelece o art. 145, § 1º, da CF que:
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração
Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
390 ÁVILA, 2010, p. 370/371. 391 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. atual. rev. e ampl. São Paulo:
Malheiros Editores, 2012, p. 42. 392 CARVALHO, P., 2013, p. 331/332. 393 FERRAZ, Roberto. Igualdade na tributação – Qual o critério que legitima discriminações em matéria fiscal in
Princípios e Limites da tributação. Roberto Catalano Botelho Ferraz (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2005,
p. 478/479. 394 TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Colaboradores Roman Seer et al. Tradução de Luiz
Doria Furquim. 18 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 200/201.
129
Paulo de Barros Carvalho, valendo-se dos ensinamentos de Fernando Vicente-
Arche Domingo, leciona que o princípio da capacidade contributiva pode ser entendido em
seu sentido absoluto – princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva –
ou em seu sentido relativo – princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva395
.
Em seu sentido absoluto, a capacidade contributiva deve ser entendida como no
dever do legislador escolher fatos que possuam conteúdo econômico, o que configuraria a
presunção de que, em se realizando fato economicamente expressivo, há demonstração de
condições de contribuir. Neste caso, ainda não há o ingresso na seara do princípio da
igualdade tributária.
É, contudo, por meio do princípio da capacidade contributiva relativa ou
subjetiva, que o legislador, após ter eleito os fatos dignos de consideração em razão da
expressão econômica que possuem, deve dosar a carga tributária de forma igualitária, por
intermédio dos diversos instrumentos colocados à sua disposição, como a base de cálculo, a
alíquota e as isenções, levando em consideração as desigualdade sociais e individuais.
Regina Helena Costa também leciona que a capacidade contributiva absoluta ou
objetiva refere-se “à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão
para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim, escolhidos, apontam para a
existência de um sujeito passivo em potencial”396
. Na Constituição Federal a capacidade
contributiva absoluta esta prevista nos arts. 153, 155 e 156, pois preveem “os fatos
indicadores de aptidão para contribuir, que ensejam a obrigação de pagar impostos”397
, ou
seja, a renda, o patrimônio e o consumo.
No tocante à capacidade contributiva relativa ou subjetiva, Regina Helena Costa
defende que ela “expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades
econômicas de determinada pessoa”398
, tornando-se efetivo o potencial de absorver o impacto
tributário. A capacidade contributiva relativa está prevista no art. 145, § 1º, da CF.
Considerando a definição de princípio adotada no presente trabalho (item “2.4.1.2
Regras e princípios: a força normativa dos princípios e a pessoa com deficiência”), o
princípio da capacidade contributiva é um princípio-valor, ou seja, uma norma jurídica de
posição privilegiada e portadora de valor expressivo, embora com menor abstração que o
princípio da igualdade.
395 CARVALHO, P., 2013, p. 334. 396 COSTA, 2012, p. 28. 397 Ibid., p. 95. 398 Ibid., p. 28.
130
Referido princípio impõe que a tributação deve recair sobre fatos que demonstrem
signos de riqueza (fato com conteúdo econômico), o que enseja uma pressuposição de que as
pessoas que deles participam apresentam condições de colaborar com o Estado, com a entrega
de parcela de seu patrimônio, a título de tributo.
Como regra geral, os indicadores da capacidade contributiva podem consistir na
grandeza dinâmica de fluxo “renda” (incremento patrimonial), na grandeza estática do
estoque “patrimônio” (fundo de consumo e investimento) e na grandeza dinâmica de fluxo
“consumo” (consumação de bens)399
.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, tendo em vista que a capacidade
contributiva do contribuinte “[...] sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o
impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a
proporção do expediente impositivo”400
, o grande desafio é exatamente a mensuração dessa
possibilidade de contribuir.
José Artur Lima Gonçalves leciona que os contornos jurídicos do princípio da
capacidade contributiva atuam no sentido de exigir que o fato eleito pelo legislador revele um
mínimo de riqueza e impedir que a exação atinja patamar confiscatório, o que configuraria a
eliminação da própria riqueza pressuposto da tributação, por meio da própria tributação401
.
Ricardo Lobo Torres defende que a construção do conceito de capacidade
contributiva deverá ser realizada pela conjugação da igualdade, da ponderação e da
razoabilidade, com a reflexão sobre o seu fundamento ético e jurídico, bem como com a
observância das limitações constitucionais ao poder de tributar e das possibilidades fáticas da
mensuração da riqueza de cada qual402
.
Dessa forma, a capacidade contributiva se sujeita às limitações constitucionais de
natureza quantitativa – proteção quanto ao excesso de tributação ou o desrespeito ao mínimo
necessário à sobrevivência digna e de natureza qualitativa – garantia contra as discriminações
arbitrárias e os privilégios odiosos, bem como observância das imunidades constitucionais403
.
Quanto à proibição de excesso, a tributação não pode ser excessiva ao ponto de
aniquilar a própria fonte de riqueza. Em outras palavras, a tributação não pode ter o caráter de
399 TIPKE; LANG, 2008, p. 210. 400 CARVALHO, P., 2013, p. 268. 401 GONÇALVES, 1993, p. 63. 402 TORRES, 2005, p. 292. 403 Ibid., p. 304.
131
confisco. Por confisco, entende-se “a absorção total ou substancial da propriedade privada,
pelo Poder Público, sem a correspondente indenização”404
.
Igualmente, ela não pode atingir um mínimo necessário para o desenvolvimento e
sobrevivência da pessoa.
De acordo com Ricardo Lobo Torres, a imunidade do mínimo existencial possui
simetria com a proibição de excesso, pois o fundamento das duas situações está na proteção
da liberdade: “enquanto esta impede a tributação além da capacidade contributiva, a
imunidade do mínimo vital protege contra a incidência fiscal aquém da aptidão para
contribuir”405
.
Para José Ricardo do Nascimento Varejão a função da capacidade contributiva é
identificar a parcela de riqueza, dentro da capacidade econômica do contribuinte, que poderá
servir de base de cálculo para a tributação. Não deve alcançar, portanto, “o mínimo vital,
núcleo inalcançável pela tributação, voltado a preservar a integridade do contribuinte,
assegurando, desta feita, a manutenção da própria fonte de receita do Estado”406
.
Por outro lado, embora não exista consenso na doutrina, é possível compreender
que, ao se exigir que a tributação seja realizada na proporção da riqueza de cada um,
imprescindível a utilização da progressividade da alíquota como forma de mensurar essa
riqueza. Desse modo, por meio da progressividade, a alíquota aumenta à medida que aumenta
a riqueza gravada e, por derradeiro, o princípio da capacidade contributiva é respeitado.
As lições de Regina Helena Costa são no sentido de que a progressividade dos
impostos é a técnica mais adequada para a realização da igualdade em sua concepção
material. Tal constatação decorre do entendimento de que a mera graduação dos impostos
segundo a capacidade contributiva não colabora para a concretização desse ideal. Apenas com
a tributação progressiva “aqueles que detêm maior riqueza arcarão efetivamente mais pelos
serviços públicos em geral, em favor daqueles que pouco ou nada possuem, e, portanto, não
podem pagar”407
.
De igual forma, José Ricardo do Nascimento Varejão defende que o método que
melhor possibilita o tratamento diferenciado entre os sujeitos passivos segundo a capacidade
contributiva é o da graduação dos tributos pela progressividade de alíquotas. Para ele, a
progressividade permite tanto a realização da igualdade tributária horizontal, quando leva em
404 COSTA, 2012, p. 83. 405 TORRES, 2005, p. 305. 406 VAREJÃO, 2008, p. 185. 407 COSTA, loc. cit.
132
consideração os contribuintes na mesma condição e a eles confere o mesmo tratamento, como
a realização da igualdade tributária vertical, por meio da qual é realizada uma diferenciação
para aqueles que possuem aptidões contributivas distintas. Dessarte, “[q]uem tem mais,
efetivamente tem que pagar mais”408
.
Portanto, o principio da capacidade contributiva impõe ao legislador a proibição
de criar impostos que onerem mais os pobres do que os ricos, que incidam sobre fatos
destituídos de significado econômico e que invertam a progressividade ou a seletividade
prevista na Constituição409
.
Ademais, em decorrência do princípio da solidariedade – valor positivado que
possui como finalidade a busca da justiça fiscal – a carga tributária deve recair sobre os mais
ricos, aliviando-se a incidência sobre os mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo
do nível mínimo de sobrevivência”410
.
Tal fato pode ser concluído a partir da concepção moderna de tributo, ou seja, o
pagamento de tributo é símbolo da cidadania e o preço da liberdade no mundo ocidental
moderno411
.
Por outro lado, embora o princípio da capacidade contributiva revele um dever,
conforme Humberto Ávila, “a expressão ‘sempre que possível’ abre expressamente a
possibilidade de instituição de tributos extrafiscais”412
. De conseguinte, pode-se afirmar que
“[...] o princípio da capacidade contributiva é o critério comparativo para normas de fim fiscal
(s. Rz. 20); para normas de fim social valem princípios, que são apropriados para justificar
derrogações do princípio da capacidade contributiva [...]”413
.
Ainda segundo Klaus Tipke e Joachim Lang, as normas com finalidade social
podem ficar aquém ou além da capacidade contributiva. A concessão de benefícios fiscais ou
favorecimentos fiscais poupam a capacidade contributiva tributária. Por outro lado, tributos
com a finalidade social, como os impostos ambientais, podem ao mesmo tempo onerar além
da capacidade contributiva, como operar favorecendo414
.
Destarte, embora a “quebra” do princípio da capacidade contributiva necessite de
justificação415
, no caso das normas de caráter social que objetivem a proteção da pessoa com
408 VAREJÃO, 2008, p. 149/150. 409 TORRES, 2005, p. 311. 410
Ibid., p. 302. 411 FERRAZ, 2005, p. 484. 412 ÁVILA, 2010, p. 374. 413 TIPKE; LANG, 2008, p. 203. 414 Ibid., p. 230. 415 TIPKE; LANG, loc. cit.
133
deficiência, a justificativa é encontrada no próprio ordenamento jurídico brasileiro,
notadamente na Constituição Federal, em que há a determinação para a realização da
igualdade material.
Importante, agora, aprofundar um pouco mais o estudo das normas de caráter
social e da extrafiscalidade, o que será realizado a seguir.
4.1.3 Extrafiscalidade como mecanismo para a igualdade de participação
Para esse estudo, importante ainda mencionar a classificação dos tributos –
notadamente dos impostos – a partir da função normativa: finalidade fiscal e finalidade
extrafiscal.
Isso porque, em certas ocasiões, a finalidade caracterizadora do tributo – obtenção
de recursos para a realização das atividades pelo Estado – é deixada em segundo plano e, por
meio dele, o Estado intervém na economia e no meio social. Enquanto o primeiro caso é
tratado como a finalidade fiscal ou impostos fiscais, o segundo é tratado como a finalidade
extrafiscal ou impostos extrafiscais.
De acordo com Fabiana Del Padre Tomé, “[f]ala-se em ‘fiscalidade’ quando as
disposições normativas inerentes a determinado tributo denunciem a preponderância da
finalidade arrecadatória”416
. Quando se tratar de “prevalência de objetivos diversos, como
sociais, políticos ou econômicos, atribui-se o nome ‘extrafiscalidade’”417
.
Paulo de Barros Carvalho ensina que alguns tributos tendem a introduzir
admiravelmente expedientes extrafiscais e outros tributos se inclinam mais favoravelmente
para a fiscalidade. Contudo, não é possível se falar em finalidade tributária pura, ou só
fiscalidade ou só extrafiscalidade. “Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura
impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes um predomina sobre o outro”418
.
Alfredo Augusto Becker já visualizava a importância da extrafiscalidade na
tributação ao afirmar que a principal finalidade de muitos tributos deixará de ser a
arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas e passará a ser “um instrumento
416 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Extrafiscalidade tributária: Estrutura e função instrumentalizadora de
políticas públicas. São Paulo: IBET, 2014a, p. 19. Disponível em:
http://www.ibet.com.br/download/Fabiana%20Del%20Padre%20Tom%C3%A9(7).pdf. Acesso em: 29 set.
2015. 417 TOMÉ, 2014a, p. 19. 418 CARVALHO, Paulo de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS
in CARVALHO, Paulo de Barros, MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra fiscal: reflexões sobre a
concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014a, p. 40.
134
de intervenção estatal no meio social e na economia privada”419
. Ao mesmo passo que a
finalidade fiscal não será esquecida, a finalidade extrafiscal não será mais ignorada na criação
de cada tributo. Ademais, essas duas finalidades coexistirão, “agora de um modo consciente e
desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo”420
.
Por certo, o princípio da igualdade deve ser respeitado em ambas às situações. De
acordo com Humberto Ávila, no caso de tributos com finalidades fiscais, a desigualdade tem
por base fins internos à própria tributação e, de conseguinte, deve corresponder à capacidade
contributiva dos contribuintes (relação “parâmetro-medida). No caso de tributos com
finalidade extrafiscal, a base da desigualdade possui fins externos. Deve-se verificar que essa
finalidade externa à tributação deve ser “proporcional (relação ‘medida-fim-bem jurídico’),
no sentido de saber se a medida (o meio) é apto para promover a finalidade extrafiscal
almejada (relação ‘meio-fim’)” 421
. Além disso, deve-se analisar a relação “meio x meio” para
verificar se a medida consiste no meio mais suave no que diz respeito à observância do direito
fundamental à igualdade de tratamento e, por fim, deve-se verificar a relação “vantagens x
desvantagens” no intuito de constatar se as vantagens provenientes da promoção da finalidade
extrafiscal são proporcionais às desvantagens decorrentes da desigualdade.
Considerando a possibilidade de o Estado intervir na economia e no meio social
objetivando a concretização dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal e a justa
distribuição de riquezas, Luiz Octavio Rabelo Neto defende a importância da finalidade
extrafiscal das normas tributárias como instrumento, dentre muitas outras finalidades, para
impedir o desemprego, proteger a indústria nacional e o meio ambiente, proporcionar uma
melhor redistribuição de renda, reduzir as desigualdades regionais e sociais422
.
Ainda segundo referido doutrinador, o tributo deve ser utilizado como forma
“para que o bem-estar social seja uma garantia de todos, sem quaisquer discriminações
odiosas. Esta função é conhecida como extrafiscal”423
.
Gustavo de Paiva Gadelha ressalta que além da tarefa meramente arrecadatória, o
tributo pode ser o instrumento para a implementação de políticas de estímulo específico a
determinados setores da sociedade, pois “[...] afasta-se a tributação para que possam
419 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 629/630. 420 BECKER, loc. cit. 421 ÁVILA, 2010, p. 357. 422 RABELO NETO, 2013, p. 125. 423 Ibid., p. 123.
135
preponderar valores outros de interesse da sociedade. É esta a conhecida função extrafiscal do
tributo, temática na qual se insere o sistema de incentivos fiscais”424
.
A título ilustrativo das diversas situações que poderão ser eleitas pelo legislador
para atingir finalidades sociais, políticas ou econômicas que ultrapassam a mera arrecadação,
permite-se mencionar os exemplos citados por Fabiana Del Padre Tomé. O Imposto
Territorial Rural (ITR) incide de forma mais onerosa sobre a propriedade de imóveis
inexplorados ou de baixa produtividade, pois funciona como um desincentivo para o
desrespeito à função social da propriedade. No que tange ao Imposto sobre a Renda é possível
o abatimento da base de cálculo de verbas gastas em determinados investimentos no âmbito
social ou econômico considerados relevantes. Ainda é possível citar o Imposto sobre Produtos
Industrializados, cujas alíquotas são fixadas de acordo com a essencialidade dos produtos, e
os Impostos de Importação e de Exportação, cujas alíquotas são fixadas de acordo com a
política econômica adotada425
.
No que se refere às relações sociais, a intervenção do Estado “decorre dos
objetivos da República traçados na Constituição, bem como do amplo leque de direitos
fundamentais, inclusive sociais, dispostos no texto constitucional”426
.
Observa-se que ao se valer das normas tributárias extrafiscais, abandona-se, de
certa maneira, o princípio da capacidade contributiva como critério para a realização do
princípio da igualdade, mas o principio da igualdade não é violado, pois é aplicado em sua
vertente material, conforme sustenta José Ricardo do Nascimento Varejão:
Como se percebe, em situações como essas uma ponderação principiológica
revela a preponderância de outros valores, em detrimento do princípio
isonômico segundo a capacidade contributiva. Note-se: a isonomia permanece aplicável, embora com campo de incidência reduzido, mas terá
que se valer de outros critérios distintos da capacidade contributiva, a fim de
se adequar à finalidade extrafiscal buscada e constitucionalmente legitimada
427.
De acordo com Gustavo de Paiva Gadelha, “[a] tributação não deve considerar
apenas a finalidade arrecadatória; não deve perseguir o desenvolvimento social e econômico
apenas como fim da atividade impositiva”428
, mas a função tributária deve ir além, de sorte
que “deve se valer o Estado de mecanismos que propiciem um beneficiamento econômico e
424
GADELHA, Gustavo de Paiva. Isenção tributária: crise de paradigma do federalismo fiscal cooperativo.
Curitiba: Juruá, 2010, p. 92. 425 TOMÉ, 2014a, p. 19. 426 RABELO NETO, 2013, p. 126. 427 VAREJÃO, 2008, p. 145. 428 GADELHA, loc. cit.
136
social, sem mesmo a necessidade de imposição tributária, por vezes, inclusive, alcançada pela
não incidência tributária (lato sensu) e através dos incentivos fiscais”429
.
Em consequência, em razão da evolução do entendimento de que a realização dos
fins do Estado, a promoção da igualdade social e a mais justa distribuição de recursos não
demandariam, para a sua concretização, necessariamente a mera arrecadação de numerários,
mas seria também possível por meio da utilização dos tributos em sua finalidade extrafiscal,
conclui-se que o direito tributário é um ramo propício ao desenvolvimento de ações
afirmativas para a proteção das pessoas com deficiência.
Nesse sentido, Luiz Octavio Rabelo Neto defende que a partir da priorização do
intervencionismo estatal no âmbito socioeconômico com a finalidade de alcançar o pleno
emprego e a justa distribuição da renda e riqueza, diversas alterações foram experimentadas
pelo Estado que teve por alteradas as suas funções clássicas e, dentre elas, os tributos por
meio das quais elas eram realizadas430
.
De conseguinte, os tributos ganharam uma nova configuração, passando a serem
“aptos a promoverem uma mudança social para melhor, proporcionando um combate à
discriminação e à desigualdade de recursos por intermédio da instituição de ações afirmativas,
através da função extrafiscal destinada à promoção da igualdade”431
.
Em consequência, também é possível falar em ações afirmativas no âmbito
tributário e o seu fundamento está na busca da concretização da finalidade extrafiscal dos
tributos, mais especificamente, a promoção da igualdade de participação da pessoa com
deficiência na sociedade.
Isso porque o Estado também cumpre suas finalidades e objetivos constitucionais,
por meio das sanções positivas – que foram tratadas no item “2.4.1.1 Normas jurídicas: as
sanções positivas e a pessoa com deficiência” –, de maneira que o Estado consiga incentivar
ou, em muitos casos, facilitar a adoção de determinados comportamentos.
O contribuinte é chamado para participar ativamente das atividades concernentes
à tributação de tal forma que lhe é conferida a opção de mudar o seu modo de agir e, como
consequência, ter direito a determinado benefício fiscal ou evitar que a sua carga tributária
seja onerada. Nesse passo, a realização de programas e ações estatais importantes passam a
contar com a participação direta dos contribuintes. Nessa esteira, “[p]or meio da
429 GADELHA, 2010, p. 92. 430 RABELO NETO, 2013, p. 129/130. 431 RABELO NETO, loc. cit.
137
extrafiscalidade, as normas jurídicas incentivam ou desestimulam certas práticas, servindo,
assim, como importante instrumento voltado à promoção das políticas públicas”432
.
Quando as políticas públicas são voltadas para a promoção da igualdade material,
proporcionando que um determinado grupo vulnerável, como o caso específico das pessoas
com deficiência, tenha efetiva participação na sociedade em igualdades de condições com os
demais grupos, a finalidade extrafiscal eleita é a concretização de ações afirmativas.
Diante dessa finalidade extrafiscal da norma tributária, a relevância da
arrecadação cede em favor da concretização de outros valores constitucionais e a partir da
comparação a ser traçada entre as pessoas sem deficiência e as pessoas com deficiência com
vistas a sua interação e participação social em igualdade de condições, numa verdadeira
intervenção social do Estado. Destarte, “[a] aferição de riqueza cede espaço para outros
fatores externos ao sujeito passivo e não raras vezes a ele desvinculados, e que são capazes de
indicar, caso a caso, qual a medida mais adequada a se atingir referido fim extrafiscal”433
.
A veiculação de ações afirmativas no âmbito tributário nada mais é do que a
utilização das normas tributárias para atingir fins extrafiscais. Nesse sentido, leciona José
Ricardo do Nascimento Varejão:
De fato, esse é o escopo da lei. Essa a finalidade da comparação estabelecida
entre portadores e não portadores de deficiência: a busca pela otimização da
integração social daqueles que, por natureza, detêm dificuldades de interação e de acesso a alguns bens e serviços específicos, e que, por isso, precisam e
merecem tratamento especial. Percebe-se, dessa forma, que as ações
afirmativas em matéria tributária constituem uma face da extrafiscalidade, porquanto há uma nítida intervenção estatal no domínio social
434.
De acordo com Fabio Nieves Barreira, a finalidade extrafiscal pode ser almejada
por meio da aplicação das seguintes técnicas: a progressividade e a regressividade, a
seletividade de alíquotas e a concessão de benefícios fiscais435
.
Para aprofundar um pouco mais a análise, importante o estudo dessas técnicas, o
que será realizado a seguir.
4.1.3.1 A progressividade e a regressividade
A técnica da progressividade já foi mencionada no item “4.1.2 Princípios da
capacidade contributiva e da solidariedade”, oportunidade em que foi sustentado que ela
432 TOMÉ, 2014a, p. 19. 433 VAREJÃO, 2008, p. 144. 434 Ibid., p. 170/171. 435 BARREIRA, Fabio Nieves. Subsistema tributário do meio ambiente natural. Dissertação: Mestrado,
PUC-SP, São Paulo, 2011, p. 68. Disponível em:
<http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=12876>. Acesso em: 29 set. 2015.
138
possui total harmonia com o princípio da capacidade contributiva, uma vez que de fato
proporciona que a tributação atinja de forma mais acentuada quem possui maiores condições
de contribuir. Em outras palavras, possibilita que a riqueza do contribuinte seja atingida de
acordo com a sua capacidade contributiva.
Por outro lado, referida técnica pode também ser utilizada para gravar a riqueza
em razão de motivos econômicos ou sociais relevantes. Em outras palavras, a progressividade
também é uma técnica a ser utilizada para proporcionar a extrafiscalidade.
Dessa forma, de acordo com a definição de Fabio Nieves Barreira, “[...] a
legislação deve imprimir às alíquotas aplicáveis ao imposto um desenvolvimento gradual, de
sorte que serão percentualmente maiores, quanto maior for a sua base de cálculo”436
.
Luís Eduardo Schoueri sustenta a progressividade como técnica a ser empregada
nas chamadas normas tributárias indutoras, in verbis:
Alternativamente, pode a progressividade decorrer da atuação de cânone da Ordem Econômica, exigindo tratamento diferenciado para situações
diferentes, a fim de realizar objetivo visado pela primeira (justiça estrutural).
Neste caso, a progressividade revestir-se-á da característica de norma
tributária indutora. Enquanto, entretanto, na progressividade distributiva, o critério de diferenciação residia na capacidade contributiva, a
progressividade de que ora se trata (progressividade estrutural) baseia-se em
parâmetro nascido da Ordem Econômica437
.
Considerando que a extrafiscalidade também é utilizada para proporcionar o
alcance da modificação social conforme os valores aceitos pelo ordenamento jurídico
brasileiro, a progressividade da alíquota – ou o seu oposto, a regressividade – também pode
configurar um valioso instrumento para a proteção da pessoa com deficiência.
4.1.3.2 Seletividade de alíquotas e essencialidade
A seletividade, na definição apresentada por Fabio Nieves Barreira “consiste em
atribuir aos produtos e serviços carga tributária discriminatória segundo o critério da
essencialidade”438
. Ademais, segundo referido doutrinador, a CF não especifica o que deve ser
considerado essencial, motivo pelo qual a doutrina vem entendendo que a tributação, “deverá
recair sobre os bens na razão inversa da necessidade do consumo popular e direta à
superfluidade para a população, de forma a garantir o mínimo existencial ao povo [...]439
.
436 BARREIRA, 2011, p. 76. 437 SCHOUERI, 2005, p. 298. 438 BARREIRA, op. cit., p. 68. 439 BARREIRA, loc. cit.
139
Em consonância com as lições de Paulo de Barros Carvalho, o princípio da
seletividade abrange um processo e um valor. Enquanto processo, representa apenas a eleição
de determinado campo de objetos, levando em consideração uma determinada diretriz
racionalizadora. Nada mais é do que o processo de escolha. Contudo, a seletividade imposta
pela CF não se esgota nesse esquema formal de selecionar por selecionar (seletividade).
Decorre daí a importância da essencialidade como valor, pois a CF impõe que “os produtos
sejam classificados, tomando-se por base o teor da respectiva essencialidade”440
. Desse modo,
depois que os produtos são organizados pelo critério axiológico da essencialidade, a eles será
vinculada uma alíquota graduada em razão inversa ao grau de utilidade dos produtos
considerados, ou seja, quanto menor o grau de utilidade do produto, maior será a sua alíquota
e quanto maior o grau de utilidade, menor será a alíquota441
.
Neste processo, diante do elemento axiológico que o embasa, a utilidade
“[...] é construção da experiência cultural de cada povo, tomando-se como referência um
intervalo de tempo considerado. O que é indispensável para uma sociedade pode não ser para
outra, ou para ela mesma, em período subsequente [...]”442
.
A seletividade como técnica para obtenção da finalidade extrafiscal dos tributos
possui previsão constitucional.
De acordo com o art. 153, §3º, I, da CF o imposto sobre produtos industrializados
será seletivo, em função da essencialidade do produto.
No que se refere ao imposto sobre as operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação (ICMS), a CF estabelece que ele poderá ser seletivo, em função da
essencialidade das mercadorias e dos serviços (art. 155, §2º, II, da CF).
Por fim, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) poderá
ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização (art. 155, III, §6º, II, da CF).
De conseguinte, em razão da essencialidade de certos produtos para a pessoa com
deficiência, é possível afirmar que há justificativa para que as alíquotas de referidos tributos
sejam menores, quando não fixadas em zero, facilitando, de forma indireta, o acesso a
referidos bens.
Nesse sentido e apenas a título ilustrativo, é possível citar algumas mercadorias
que possuem alíquota zero ou reduzida de IPI (no caso dos óculos para correção
440 CARVALHO, P., 2013, p. 629/630. 441 CARVALHO, P., loc. cit. 442 Ibid., p. 630.
140
comparativamente aos óculos de sol), conforme dados extraídos da Tabela de Incidência do
Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI)443
:
NCM DESCRIÇÃO ALÍQUOTA (%)
87.13 Cadeiras de rodas e outros
veículos para inválidos, mesmo
com motor ou outro mecanismo
de propulsão.
8713.10.00 - Sem mecanismo de propulsão 0
8713.90.00 - Outros 0
90.01 Fibras ópticas e feixes de fibras
ópticas; cabos de fibras ópticas,
exceto os da posição 85.44;
matérias polarizantes em folhas
ou em placas; lentes (incluindo as
de contato), prismas, espelhos e
outros elementos de óptica, de
qualquer matéria, não montados,
exceto os de vidro não
trabalhado opticamente.
9001.30.00
- Lentes de contato
0
9001.40.00
- Lentes de vidro, para óculos
0
9001.50.00 - Lentes de outras matérias, para
óculos
0
90.04 Óculos para correção, proteção
ou outros fins, e artigos
semelhantes.
9004.10.00 - Óculos de sol
15
9004.90 - Outros
9004.90.10 - Óculos para correção
5
90.21
Artigos e aparelhos ortopédicos,
incluindo as cintas e fundas
médico-cirúrgicas e as muletas;
talas, goteiras e outros artigos e
aparelhos para fraturas; artigos
e aparelhos de prótese; aparelhos
para facilitar a audição dos
surdos e outros aparelhos para
compensar deficiências ou
enfermidades, que se destinam a
ser transportados a mão ou sobre
as pessoas ou a ser implantados
no organismo.
9021.3 - Outros artigos e aparelhos de
prótese:
9021.31 - Próteses articulares
9021.31.10 - Femurais 0
9021.31.20 - Mioelétricas 0
443 BRASIL. RECEITA FEDERAL. Tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI).
Atualizada até 22.12.2014. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/tributos/tipi/tipi-
atualizada-ades-6-7-e-8-dez-2014.pdf. Acesso em: 05 nov. 2015.
141
9021.31.90 - Outras 0
9021.40.00
- Aparelhos para facilitar a audição
dos surdos, exceto as partes e
acessórios
0
Cumpre registrar que a fixação de alíquotas zero configura verdadeira norma
isentiva, o que será tratado no item “4.1.3.3.1 As isenções”.
Em face do exposto, pode-se concluir que a utilização da seletividade com vistas
às necessidades da pessoa com deficiência é um imperativo para proporcionar igualdade de
participação na sociedade.
4.1.3.3 A concessão de benefícios fiscais
Por fim, a concessão de benefícios fiscais também é uma técnica empregada pelo
legislador para imprimir finalidade extrafiscal aos tributos. Trata-se de relevante instrumento
a ser utilizado com a finalidade de veicular ações afirmativas para proporcionar a igualdade
material da pessoa com deficiência em relação às demais pessoas.
Paulo de Barros Carvalho, levando em consideração que as normas tributárias de
caráter extrafiscal buscam fins diversos dos meramente arrecadatórios, preleciona que “[n]ão
há dúvidas, portanto, de que o mecanismo dos benefícios fiscais é forte instrumento de
extrafiscalidade444
.
Para Celso de Barros Correia Neto, as leis de incentivo fiscal enquadram-se entre
as técnicas de encorajamento, pois “[n]ão se resumem, evidentemente, à mera redução da
carga fiscal, carregam em si uma decisão que deve estar comprometida com a concretização
dos valores e objetivos consagrados pela ordem jurídica [...]”445
.
Dessa forma, conforme ensinamentos de Luiz Octavio Rabelo Neto, os
instrumentos veiculadores de ações afirmativas ultrapassam os sistemas de cotas para também
abranger os benefícios fiscais446
.
No mesmo sentido, Joaquim Benedito Barbosa sustenta que além dos sistemas de
cotas, do método de estabelecimento de preferências e dos sistemas de bônus, os incentivos
fiscais podem ser utilizados como técnica para a implementação das ações afirmativas.
Ademais, o uso de poder fiscal possui extrema relevância quando é utilizado “como
instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e
444 CARVALHO, P., 2014a, p. 40. 445 CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
brasileiro. São Paulo: Almedina, 2014, p. 128. 446 RABELO NETO, 2013, p. 134/135.
142
privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico”447, o que
não ocorre normalmente na nossa tradição, pois esse poder é costumeiramente utilizado como
mecanismo de aprofundamento da exclusão, como é da nossa tradição.
De forma similar, José Ricardo do Nascimento Varejão defende que as ações
afirmativas também possuem espaço no âmbito tributário, pois esse ramo do direito sofre os
influxos diretos dos preceitos constitucionais de base. Dentre esses direitos tem-se a igualdade
material que ganhou especial atenção do Sistema Tributário Nacional, motivo pelo qual, “é
inconteste a possibilidade de se falar em discriminações positivas em matéria tributária. A
teleologia e sistematicidade constitucionais não permitem outro entendimento”448
.
Observa-se que as políticas redistributivas e de inclusão social da pessoa com
deficiência, além de serem realizadas por meio de despesas públicas, como no caso do
pagamento do benefício no valor de um salário mínimo à pessoa com deficiência que
demonstrar não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme mencionado no item “3.2.1 Constituição Federal: a proteção
constitucional da pessoa com deficiência”, podem ser realizadas por meio de renúncia de
receitas, ou seja, o Estado renuncia a “recursos em prol da promoção daqueles objetivos”449
.
Nesse passo, não se pode ignorar que as ações afirmativas realizadas a partir dos
incentivos fiscais podem beneficiar diretamente as pessoas com deficiência, com a exclusão
ou redução do valor dos tributos devidos, para propiciar a inclusão social e fins
redistributivos, como podem beneficiar indiretamente as pessoas com deficiência, nos casos
em que elas não figuram propriamente como contribuinte do tributo.
No tocante a essa segunda possibilidade, Luiz Octavio Rabelo Neto leciona que as
pessoas com deficiência são beneficiadas indiretamente, quando a sanção premial em sentido
amplo é destinada a estimular ou premiar a adoção de medidas que visem à proteção das
pessoas com deficiência pela iniciativa privada450
. Nesse caso, o destinatário da sanção
premial não é a pessoa com deficiência, mas ela sofrerá os reflexos positivos decorrente da
conduta do particular.
447 BARBOSA, Joaquim Benedito. As ações afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva in
Cardernos do CEJ, vol. 24: Seminário Internacional: as minorias e o direito, 2003, p. 115. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/serie-cadernos/Volume%2024%20-%20SEMINARIO%20
INTERNACIONAL%20AS%20MINORIAS%20E%20O%20DIREITO.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2015. 448 VAREJÃO, 2008, p. 169. 449 RABELO NETO, 2013, p. 142. 450 Ibid., p. 136.
143
Ademais, como será possível verificar, a adoção dos benefícios fiscais para a
promoção de ações afirmativas em prol da pessoa com deficiência ainda é tímida no
ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme crítica de Luiz Octavio Rabelo Neto, a concessão desses benefícios
fiscais em favor da própria pessoa com deficiência ou de empresas que promovam
voluntariamente a inclusão social dessas pessoas “é uma forma subutilizada de medida de
ação afirmativa, embora com grande potencialidade de eficácia [...]”451
.
Cumpre ressaltar que a adoção da ação afirmativa para a proteção da pessoa com
deficiência por meio de benefícios fiscais não revela violação ao princípio da igualdade, mas
proporciona a sua concretização na vertente da igualdade material.
De acordo com Luiz Octavio Rabelo Neto, as ações afirmativas não configuram
exceção ao princípio da igualdade, pois “o tratamento favorecido conferido pela ação
afirmativa é decorrência intrínseca deste princípio, da necessidade de tratar como iguais os
indivíduos em situação de desigualdade ou de discriminação involuntárias”452
. Não se
objetiva a exclusão, finalidade essa que o princípio da igualdade pretende evitar, mas fornecer
condições para a realização da inclusão das pessoas com deficiência, preservando a liberdade
de escolha.
É importante ter em mente que ao tratar das ações afirmativas no âmbito
tributário, o critério adotado não é a capacidade contributiva, ou seja, a riqueza da pessoa com
deficiência, mas o grau de exclusão dessa pessoa. Ao se buscar a promoção da inclusão das
pessoas com deficiência, de acordo com José Ricardo do Nascimento Varejão, não importa,
ao menos num primeiro momento, “a condição econômica do portador de deficiência. Ele
receberá, indistintamente, o benefício fiscal, ainda que seja mais abastado do que uma outra
pessoa não portadora de deficiência453
.
A isonomia é buscada não em função da riqueza, mas do aspecto social:
“[e]videncia-se, assim, que na elaboração e na aplicação das ações afirmativas há efetiva
distinção entre contribuintes em busca da isonomia, mas não em função de critério
econômico, mas sim do social”454
.
Mas o que se entende por benefícios ou incentivos fiscais? A análise prosseguirá a
partir da compreensão do termo subvenção.
451 RABELO NETO, 2013, p. 143. 452 Ibid., p. 139. 453 VAREJÃO, 2008, p. 170. 454 VAREJÃO, loc. cit.
144
De acordo com Aurélio Pitanga Seixas Filho, “[a]s subvenções (subsídios-
bonificações-prêmios) são recursos em dinheiro transferidos do Erário ou Tesouro Público
para uma determinada atividade empresarial, com a finalidade de reduzir o preço de venda do
bem ou serviço [...]”455
.
De forma similar, Regis Fernandes de Oliveira define subvenção “como o auxílio
financeiro, previsto no orçamento público, para ajudar entidades públicas ou particulares a
desenvolver atividades assistenciais, culturais ou empresariais”456
.
Para fins do presente trabalho os benefícios fiscais serão considerados como
espécie de subvenções. De igual forma, leciona Luíz Eduardo Schoueri que “[...] parece
acertado entender que os incentivos ficais são uma forma de subvenção, sujeitando-se, então
ao regime imposto à última”457
.
Isso porque, na realidade, as subvenções dividem-se em diretas e indiretas.
No caso das subvenções diretas, o “Estado retira recursos próprios para repassar a
uma instituição volvida ao desenvolvimento de algum interesse público”458
. No caso das
subvenções indiretas ou benefícios fiscais, o Estado deixa de arrecadar receita, para alcançar
um objetivo político.
A diferença entre subvenções diretas e indiretas (demais incentivos) pode ser
traçada, na lição de Gustavo de Paiva Gadelha, de acordo com a dinâmica do fluxo dos
recursos, “porquanto, ao passo que nas primeiras incide a tributação, para, deste produto,
fomentar certa atividade, nas segundas, sequer há a tributação”459
.
No caso das subvenções diretas, a tributação incide, os recursos saem da
disponibilidade do particular e ingressa na disponibilidade do Fisco como receita pública e,
após, parte destes valores retornam para o particular na forma de subvenção.
Com relação às subvenções indiretas, não há fluxo de recursos, pois o setor
privado deixa de levar numerários para os cofres públicos, diante dos incentivos que lhe são
concedidos.
A concessão de qualquer benefício fiscal pressupõe a necessidade de previsão em
lei específica, conforme o §6º do art. 150 da CF que estabelece que:
455 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e prática das isenções tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 57. 456 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013, p. 494. 457 SCHOUERI, 2005, p. 57. 458 GADELHA, 2010, p. 100. 459 GADELHA, loc. cit.
145
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do
disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 3, de 1993)
Observa-se, outrossim, que há controles rígidos da renúncia de receita pelo Poder
Público, pois a CF dispõe no §6º do art. 165 que:
§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções,
anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e
creditícia.
Ademais, de acordo com art. 70 da CF, competirá ao Congresso Nacional, em
sede de controle externo e sem prejuízo do controle interno de cada Poder, a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à aplicação das subvenções e renúncia de receitas.
Por fim, a Lei Complementar nº 101/2000, de 04 de maio de 2000, também
conhecida como Lei de responsabilidade fiscal, traz diversas regras limitadoras de renúncia de
receita referentes aos benefícios ou incentivos de natureza tributária.
De acordo com o parágrafo 1º do art. 14 da referida Lei, a renúncia de receitas
pode ocorrer em decorrência dos seguintes institutos: anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação
de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições e outros
benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
Para Regis Fernandes de Oliveira, o rol do parágrafo 1º do art. 14 é meramente
exemplificativo, pois “para fins do que dispõe a Lei de Responsabilidade Fiscal, renúncia de
receita compreende qualquer beneficio de natureza tributária que importe num tratamento
diferenciado”460
.
Quanto à importância dos benefícios fiscais, Paulo de Barros Carvalho sustenta
que eles “configuram um estímulo de índole econômica, introduzido pelo Poder Público, para
que se tenha o exercício de determinadas atividades privadas, consideradas relevantes pelo
legislador e que propiciem atingir os objetivos extrafiscais [...]”461
.
Celso de Barros Correia Neto ensina que de um lado, são utilizadas as expressões
“incentivos”, “benefícios”, “favores”, “alívios”, “estímulos”, “desonerações” e “exonerações”
460 OLIVEIRA, R., 2013, p. 163. 461 CARVALHO, P., 2014a, p. 40.
146
tributárias e de outro as expressões “renúncia de receita”, “gasto tributário” e “despesa fiscal”,
que expressam, as primeiras, o aspecto positivo do uso do instrumento tributário e do outro,
os aspectos negativos, ou seja, os custos financeiro-orçamentários da sua concessão:
Não se trata de mero jogo de palavras. Parece-nos que a contraposição de
ambas as noções é especialmente útil à análise aqui proposta, porque revela
aspectos pragmáticos diferentes do fenômeno em exame e oferece parâmetros para seu controle jurídico. Da perspectiva dos incentivos ou
benefícios fiscais, dá-se destaque aos objetivos da norma de incentivo e à
conduta que se pretende fomentar. Da perspectiva das renúncias, interessa-nos o efeito de perda de arrecadação que essas mesmas normas de incentivo
ensejam, isto é, os custos orçamentários462
.
Ademais, para referido doutrinador, a expressão incentivos fiscais pode assumir
uma acepção ampla e uma acepção restrita.
No sentido amplo, ela é empregada para “designar quaisquer disposições especiais
inseridas, entre as regras tributárias, com o objetivo de favorecer e estimular atividades
privadas consentâneas ao interesse público”463
. Inclui-se nessa concepção não apenas as
modalidades de exoneração total ou parcial, como qualquer forma de favorecimento do
contribuinte que não diminuem diretamente a carga tributária, dentre elas a “forma de
pagamento mais vantajosa para o contribuinte, autorizando parcelamento de débitos ou
concedendo prazos de pagamento mais dilatados, ou ainda, reduzir ou simplificar os deveres
instrumentais que devem cumprir certos contribuintes”464
.
É nessa acepção ampla que deve ser compreendido o direito de preferência à
restituição do imposto de renda, direito esse previsto no art. 108 do Estatuto, que alterou a Lei
nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e que foi tratado no item “3.2.3 Estatuto da Pessoa
com Deficiência” deste trabalho.
Quando o benefício consiste em forma de pagamento mais vantajosa, utiliza-se,
comumente, a expressão diferimento.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, “[a] terminologia “diferimento” é
empregada, no direito positivo brasileiro, para designar vários fenômenos jurídicos ocorridos
nas legislações que disciplinam os impostos plurifásicos e não-cumulativos, como o ICMS” e
ele pode assumir a natureza jurídica de isenção, substituição tributária ou mera postergação da
data prevista para o pagamento do tributo. A identificação da natureza jurídica pressupõe a
correta análise do diploma normativo.
462 CORREIA NETO, 2014, p. 27. 463 Ibid., p. 130. 464 CORREIA NETO, loc. cit.
147
Nos casos de substituição tributária e postergação da data prevista para o
pagamento não há renúncia de receita. À hipótese de diferimento como isenção é aplicada a
mesma sistemática das isenções a ser exposta no item “4.1.3.3.1. As isenções”; neste caso,
haverá renúncia de receita.
No caso de diferimento como substituição tributária, ele ocorrerá quando houver a
postergação do momento do pagamento do tributo com a transferência da obrigação fiscal
para o sujeito que realiza a etapa subsequente da cadeia de positivação.
Ensina Paulo de Barros Carvalho que nesta situação a regra-matriz de incidência
permanece intacta, “[a]penas a exigibilidade do cumprimento dessa relação jurídica é que será
aditada, verificando-se em momento posterior, por sujeito passivo diverso daquele que
praticou o fato jurídico tributário465
.
De forma semelhante, preleciona Hermano Notaroberto Barbosa que o
diferimento é uma técnica de arrecadação própria dos tributos multifásicos não cumulativos,
que enseja a postergação da cobrança de um tributo incidente sobre determinada operação
para “momento posterior ao do ciclo de produção ou comercialização”466
. Nesta circunstância,
um terceiro que atua na condição de responsável.
O diferimento pode configurar mera alteração do prazo para a arrecadação do
tributo devido, postergando o recolhimento para momento cronologicamente posterior àquele
em que deveria ocorrer ao se aplicar a regra-matriz de incidência467
. Embora nessa situação
específica não haja diminuição do valor a ser recolhido, “é evidente que a dilação do prazo
para pagamento se traduz em vantagem econômica efetiva para o beneficiário”468
.
Como exemplos de duas formas típicas de diferimento, pode-se citar a moratória e
o parcelamento.
A moratória, na definição proposta por Paulo de Barros Carvalho, “é a dilação do
intervalo de tempo, estipulado para o implemento de uma prestação, por convenção das
partes, que podem fazê-lo tendo em vista uma execução unitária ou parcelada”469
. O
parcelamento é uma modalidade de moratória.
Por outro lado, os incentivos fiscais, na acepção mais restrita e usual, representam
as disposições do direito tributário que reduzem a carga fiscal, propiciando o favorecimento
465
CARVALHO, P., 2013, p. 745. 466 BARBOSA, Hermano Notaroberto. O poder de não tributar: benefícios fiscais na Constituição. São
Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 111. 467 Ibid., p. 109. 468 BARBOSA, H., loc. cit. 469 CARVALHO, P., 2011, p. 516.
148
de atividades privadas em razão do interesse público. Nesse uso, há uma estreita conexão
entre o incentivo e a renúncia fiscal e, como exemplo, podem ser citadas as isenções
extrafiscais470
.
Para Weder de Oliveira, a expressão benefício tributário traz a ideia de redução do
ônus tributário, podendo ser assim definido:
Norma tributária que alcance exclusivamente determinado grupo de contribuintes, consistindo exceção ao sistema de referência do tributo, e
implique redução da arrecadação potencial da Fazenda Pública, bem como
redução discriminada de tributo ou aumento da disponibilidade econômica do contribuinte, mediante (a) isenção, (b) anistia, (c) remissão, (d) concessão
de crédito presumido, (e) redução de alíquotas, (f) redução de base de
cálculo, (g) devolução total ou parcial do tributo, dos quais resulta redução
ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus, (i) qualquer outra sistemática tributária da qual resulta redução ou eliminação, direta ou
indireta, do montante do crédito tributário devido471
.
Ademais, de acordo com referido doutrinador, a expressão significa algo
excepcional: “um benefício, uma situação financeira ou economicamente favorável que
somente parte dos contribuintes do tributo obtém: aqueles detentores de determinados
requisitos ou que cumpram certas condições”472
.
Hermano Notaroberto Barbosa conceitua benefícios fiscais do seguinte modo:
Constituem, portanto, benefícios fiscais os casos de renúncia de receita
tributária nos quais o legislador, em caráter excepcional, a fim de promover a realização de uma finalidade extrafiscal específica, desonera, total ou
parcialmente, um grupo de contribuintes ou uma determinada atividade
econômica em relação a um tributo que, a se aplicar sua regra geral, deveria incidir sobre os mesmos
473.
José Souto Maior Borges também defende que a expressão “incentivos fiscais”
pode abranger os seguintes institutos tributários: isenções, alíquota reduzida, redução da base
de cálculo, bonificação, deduções para depreciação acelerada, suspensão do imposto, crédito
do imposto para aplicação em determinados investimentos etc474
.
Dessa forma, no presente trabalho as expressões benefícios fiscais e incentivos
fiscais serão utilizadas como sinônimos.
Ademais, apenas os benefícios ou incentivos fiscais na acepção restrita podem ser
considerados espécie de subvenção, pois apenas há renúncia de receita nesta hipótese.
470 CORREIA NETO, 2014, p. 130. 471
OLIVEIRA, Weder de. Curso de responsabilidade fiscal: direito, orçamento e finanças públicas. Belo
Horizonte: Fórum, 2013, p. 943/944. 472 Ibid., p. 864. 473 BARBOSA, H., 2012, p. 96. 474 BORGES, José Souto Maior. Subvenção financeira, isenção e dedução tributárias. Revista de Direito
Público, v.8, n.41-42, p.43-54, jan./jun. 1977, p. 42.
149
Por benefícios ou incentivos fiscais na acepção restrita, portanto, devem ser
entendidas todas as renúncias de receitas provenientes dos tributos, tais como: os mecanismos
de redução de alíquotas, redução da base de cálculo (deduções), a concessão de crédito
tributário ou presumido, isenção, anistia, remissão e qualquer outro instituto que implique na
redução do tributo.
Serão tecidas algumas considerações sobre as espécies mais importantes de
benefícios fiscais na acepção restrita.
A alíquota integra a estrutura da regra-modelo de incidência, mais precisamente o
seu consequênte e, em interação com a base de cálculo, fornece o valor do crédito tributário.
Dessa forma, em caso de norma jurídica que reduza, seja a alíquota, seja a base de cálculo,
haverá redução do valor a ser pago a título de tributo e, em consequência, benefício fiscal.
A renúncia de receita por meio de redução de alíquota é, para Regis Fernandes de
Oliveira, “um incentivo fiscal que incide sobre o modo do cálculo relativo à aferição da
quantia tributária devida. A obrigação tributária persiste, mas ocorre uma redução dos valores
devidos”475
.
Hermano Notaroberto Barbosa defende que a redução da base de cálculo
assemelha-se às isenções (parciais), uma vez que “[...] têm por efeito uma redução do
quantum devido como resultado da aplicação da regra de incidência, importando em benefício
econômico para o contribuinte, que é espécie do gênero dos benefícios fiscais [...]”476
.
O benefício fiscal pode consistir, ainda, na concessão de crédito tributário ou
presumido.
A concessão do crédito tributário é um benefício fiscal concedido ao contribuinte
para fins de fazer valer o princípio da não-cumulatividade. Nesse sentido, a título ilustrativo,
aquele que adquire mercadoria ou insumo, com a finalidade de prosseguir nas demais etapas
do processo industrial, possui direito ao crédito dos valores pagos a título de IPI nas etapas
anteriores.
De acordo com Osvaldo Santos de Carvalho, “a não cumulatividade configura
uma técnica de apuração do valor devido do ICMS apurado por meio da compensação do
imposto, já que não é elemento essencial à integração da hipótese de incidência do ICMS”477
.
475 OLIVEIRA, R., 2013, p. 163. 476 BARBOSA, H., 2012, p. 107. 477 CARVALHO, Osvaldo Santos de. O direito ao crédito nas aquisições de bens de uso e consumo e a não
cumulatividade do ICMS – Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação
de serviços in Temas de direito tributário: estudos em homenagem a Eduardo Bottallo. Nélida Cristina dos
Santos (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2013, p. 321.
150
Conforme Paulo de Barros Carvalho, “exige-se, em cada ciclo, a compensação
entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada do bem) e a relação jurídica
tributária (que nasce com a saída do bem)”478
.
O crédito, ainda, pode ser presumido, quando “a administração tributária renuncia
à apuração efetiva de seu crédito”479
.
Hermano Notaroberto Barbosa tece crítica quanto ao enquadramento do crédito
presumido como uma modalidade de benefício ou incentivo fiscal no âmbito daquelas
medidas que operam seus efeitos na vertente da despesa pública:
Trata-se, porém, de modalidade exoneratória atípica, que pode revelar a natureza jurídica de uma subvenção (inclusive sob a modalidade de subsídio), de redução da base de cálculo ou, simplesmente, resultar da sistemática de arrecadação do tributo, conforme seja o caso, de modo que não parece correto, do ponto de vista técnico, classificá-la, incondicionalmente, como espécie dos incentivos vinculados à despesa pública [...]
480.
Ainda segundo referido autor, os créditos presumidos são normalmente
estabelecidos no caso de impostos indiretos, sujeitos a cobrança pela sistemática da não
cumulatividade, como ocorre com o ICMS e o IPI. Por meio dele, atribui-se ao contribuinte
“um crédito de imposto em valor adicional que não corresponde ao efetivo montante
destacado ou cobrado nas operações anteriores”481
.
A anistia, segundo Paulo de Barros Carvalho, “é o perdão da falta cometida pelo
infrator de deveres tributários e também quer dizer o perdão da penalidade a ele imposta por
ter infringido mandamento legal”482
e, por fim, a remissão, é o perdão do crédito tributário,
causa extintiva da obrigação.
Hermano Notaroberto Barbosa leciona que a remissão e a anistia são os exemplos
máximos do poder de não tributar, uma vez que, por meio delas, o titular da competência
tributária “manifesta a prerrogativa última de renunciá-la (quanto ao crédito em si ou às
penalidades dele decorrentes) em relação a uma situação específica, mesmo após todo o
fenômeno da incidência já ter sido plenamente consumado”483
. Ademais, elas configuram fato
do príncipe e são semelhantes à figura do indulto existente no Direito Penal, pois possuem
natureza discricionária.
Com relação à isenção, tendo em vista que a maioria dos benefícios fiscais
existentes para a proteção da pessoa com deficiência é concedido por intermédio de norma
478
CARVALHO, P., 2013, p. 702/703. 479 OLIVEIRA, R., 2013, p. 163. 480 BARBOSA, H., 2012, p. 112. 481 BARBOSA, H., loc. cit. 482 CARVALHO, P., 2011, p. 579. 483 BARBOSA, H., op. cit., p. 99.
151
isentiva e para melhor sistematização, dada a complexidade que envolve o tema, ela será
tratada no próximo item.
4.1.3.3.1 As isenções
As isenções representam relevantes instrumentos colocados à disposição do
legislador para a busca da concretização de fins extrafiscais.
Paulo de Barros Carvalho defende que as isenções configuram um forte
instrumento de extrafiscalidade, porque a autoridade legislativa, ao dosar equilibradamente a
carga tributária, depara-se frequentemente com situações mais delicadas, em que as
“vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase que desaparecer a
capacidade contributiva de certo segmento geográfico ou social”484
. De certo, o uso adequado
das isenções permite conferir um tratamento mais adequado para essas situações como, ainda,
fomentar as grandes iniciativas de interesse público, além de incrementar a produção, o
comércio e o consumo485
.
De forma similar, José Souto Maior Borges aduz que nas exonerações extrafiscais
“[...] a exoneração total ou parcial da carga tributária, não se produz para que esta corresponda
à riqueza do contribuinte, mas para que exerça uma função reguladora alheia à justiça
tributária”486
.
A isenção está prevista no art. 175, inc. I, do CTN, figurando como uma hipótese
de exclusão do crédito tributário ao lado da anistia.
Contudo, o legislador não contou com a melhor técnica, uma vez que a norma
isentiva não faz desaparecer o crédito tributário, mas antecede a própria constituição do
crédito, pois mutila parcialmente a própria regra-matriz de incidência.
Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, o termo isenção experimentou as
seguintes oscilações semânticas ao longo do tempo: dispensa do pagamento do tributo devido,
hipótese de não incidência legalmente qualificada, fato impeditivo e, por fim, encontro de
normas com a mutilação da regra-matriz de incidência487
.
484 CARVALHO, P., 2013, p. 604. 485 CARVALHO, P., loc. cit. 486 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001, p. 70. 487 CARVALHO, P., op. cit., p. 598.
152
José Souto Maior Borges, ao analisar a definição de isenção como sendo a
“dispensa do pagamento do tributo devido”, traça todo o caminho a ser percorrido até chegar
à efetiva dispensa do recolhimento:
O iter jurídico, a que recorre o raciocínio dos que entendem consistir a
isenção na dispensa legal do pagamento de tributo devido, é o seguinte:
1º momento. A lei tributária incide concretamente sobre o fato gerador hipoteticamente nela previsto.
2º momento. Como decorrência da incidência da lei sobre o fato gerador,
surge a respectiva obrigação tributária.
3º momento. A lei dispensa o pagamento do tributo, limitando-se, pois, a
excluir a exigibilidade do crédito tributário; vale dizer que, por uma
metamorfose jurídica, a lei tributária transforma o fato gerador em fato isento
488.
Referido posicionamento recebeu diversas críticas, dentre elas as apresentadas
pelo próprio José Souto Maior Borges, Alfredo Augusto Becker e Paulo de Barros Carvalho,
isso porque, não existe uma diferença temporal na aplicação das normas a ensejar, num
primeiro momento a aplicação da lei tributária e, num segundo momento a aplicação da lei
isentiva.
De acordo com Alfredo Augusto Becker, não existe a relação jurídica anterior
com a respectiva obrigação tributária que, posteriormente, seriam desfeitas pela incidência da
regra jurídica de isenção. A regra jurídica de tributação nunca incidiu “porque faltou, ou
excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual ou com
o qual, ela não se realiza” 489
. Contudo, na sua compreensão sobre o assunto, a norma isentiva
incide para que a de tributação não possa incidir:
Ora, aquele elemento faltante, ou excedente, é justamente o elemento que,
entrando na composição da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, permitiu diferenciá-la da regra jurídica de tributação, de modo que
aquele elemento sempre realizará uma única hipótese de incidência: a da
isenção, e desencadeará uma única incidência: a da regra jurídica da isenção, cujo efeito jurídico é negar existência de relação jurídica tributária. A regra
jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir490
.
Ainda segundo o citado doutrinador, “[a] regra jurídica que prescreve a isenção,
em última análise, consiste na formulação negativa da regra jurídica que estabelece a
tributação”491
. De conseguinte, “[a] realização da hipótese de incidência da regra jurídica de
488 BORGES, 2001, p. 163. 489 BECKER, 2010, p. 326. 490 BECKER, loc. cit. 491 Ibid., p. 327.
153
isenção, faz com que esta regra jurídica incida justamente para negar a existência de relação
jurídica tributária”492
.
José Souto Maior Borges sustenta que não é possível que “da natureza legal da
obrigação tributária, não se converte o fato gerador, por uma espécie de transubstanciação
legal, em fato isento”. Se isso fosse possível, haveria duas normas jurídicas em flagrante
contradição no sistema e, por consequência, ambas não poderiam ser simultaneamente
válidas, em decorrência do princípio jurídico de contradição493
.
Nessa mesma toada, Paulo de Barros Carvalho afirma que compreender a isenção
como dispensa do pagamento de tributo devido implica que o “preceito da isenção
permaneceria latente, aguardando que o evento ocorresse, que fosse juridicizado pela norma
tributária, para, então, irradiar seus efeitos peculiares, desjuridicizando-o como evento
ensejador de tributo, e transformando-o em fato isento”494
, o que impõe reconhecer que essa
teoria não se sustenta.
Por outro lado, José Souto Maior Borges, em monografia destinada ao estudo do
tema da isenção, a partir da compreensão de que “[o] poder de isentar é o próprio poder de
tributar visto ao inverso”495
, define o instituto como sendo a hipótese de não incidência
legalmente qualificada.
Para fundamentar o seu posicionamento, ele faz a seguinte distinção entre
incidência e não incidência, embora os conceitos sejam relacionados. A incidência da lei
tributária ocorre “quando determinada pessoa ou coisa se encontra dentro do campo coberto
pela tributação”496
. A não incidência, por sua vez, ocorre “quando determinada pessoa ou
coisa se encontra fora do campo de incidência da regra jurídica de tributação”497
.
Posteriormente, ele explicita que a não incidência pode ser pura e simples ou
qualificada, estando a isenção dentre as hipóteses de não incidência qualificada. Na hipótese
da não-incidência pura e simples, os fatos são inteiramente estranhos à regra jurídica de
tributação. Já na não incidência qualificada, há uma norma jurídica que especifica os fatos que
estão fora da esfera de abrangência da regra-matriz, podendo ser dividida em duas
492
BECKER, 2010, p. 326. 493 BORGES, 2001, p. 163. 494 CARVALHO, P., 2011, p. 564. 495 BORGES, op. cit., p. 31. 496 Ibid., p. 184. 497 BORGES, loc. cit.
154
subespécies: a) não-incidência por determinação constitucional ou imunidade tributária; b)
não-incidência decorrente de lei ordinária – a regra jurídica de isenção (total)498
.
Ele enquadra as normas isentivas como normas excepcionais, pois a norma
isentiva regula os fatos isentos de modo diverso do que seriam regulados se ocorresse a
incidência da norma jurídica de tributação, excluindo, total ou parcialmente, a disciplina da
norma tributária geral499
.
Em consequência, para José Souto Maior Borges a norma isentiva incide nos
casos concretos para “excluir o isento do campo obrigacional [...]. Ela é juridicizante porque
instaura vínculo jurídico entre o particular e o poder público – seu efeito liberatório típico,
campo incomunicável, sob esse aspecto, com o da obrigação”500
.
Dessa forma, é possível concluir que tanto para José Souto Maior Borges como
para Alfredo Augusto Becker, a norma isentiva possui autonomia lógico-funcional (hipótese e
consequência) e, ao incidir no caso concreto, impede a incidência da regra-matriz tributária501
.
A definição apresentada por José Souto Maior Borges representou um grande
avanço para a compreensão do fenômeno isentivo na época em que a elaborou e ganhou
ampla aceitação na doutrina. Aprofundando essa particular forma de compreender o
fenômeno isentivo, Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli leciona que a incidência da norma
isentiva promove o surgimento da relação jurídica isentiva: “[...] na regra de isenção há a de
crédito e débito isencional, protagonizadas pelo contribuinte isento e o fisco”502
.
Ademais, referido doutrinador explicitou os elementos da regra-matriz isencional
da seguinte forma:
À compostura geral e abstrata deste conjunto hipotético-condicional,
denominamos regra-matriz da isenção. Vejamos, então, os respectivos
aspectos, parafraseando as anotações de Paulo de Barros Carvalho e
adaptando-as às premissas deste trabalho:
I – a hipótese:
a) Critério material: qualificação de uma conduta-tipo, de um evento, feita
por um verbo pessoal e respectivo complemento;
b) Conotação das coordenadas abstratas de tempo e de espaço daquela
conduta-tipo
II – o conseqüente
498
BORGES, 2001, p. 155. 499 Ibid., p. 116. 500 Ibid., p. 152/153. 501 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 13. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1355. 502 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 95.
155
c) Conotação dos sujeitos ativo e passivo da superveniente relação jurídica
isencional;
d) Conotação dos elementos quantitativos dessa relação, vertidos na base de cálculo e respectiva alíquota
503.
Contudo, não é possível desconsiderar as críticas contra ela levantadas por Paulo
de Barros Carvalho504
, seja porque a definição estaria eivada do vício da definição pela
negativa e seja porque não se explicita como ocorre a harmonização da norma isentiva com a
norma de incidência tributária, embora seja possível depreender de sua teoria, que a regra de
isenção antecipa-se à regra de tributação, impedindo que surja o dever de recolhimento do
tributo.
Embora José Souto Maior Borges tenha precisado a sua definição a partir dos
efeitos da norma isentiva, que, de fato, é a não incidência tributária, Paulo de Barros Carvalho
elaborou a sua definição a partir da causa, ou seja, a partir da interação da norma isentiva com
a norma de incidência.
Para Paulo de Barros Carvalho:
As normas de isenção pertencem à classe das regras de estrutura, que
intrometem modificações no âmbito da regra-matriz de incidência tributária. Guardando sua autonomia normativa, a norma de isenção atua sobre a regra-
matriz de incidência tributária, investindo contra um ou mais critérios de sua
estrutura, mutilando-os, parcialmente. Com efeito, trata-se de encontro de duas normas jurídicas que tem por resultado a inibição da incidência da
hipótese tributária sobre os eventos abstratamente qualificados pelo preceito
isentivo, ou que tolhe sua consequência, comprometendo-lhe os efeitos prescritivos da conduta. Se o fato é isento, sobre ele não se opera a
incidência e, portanto, não há que falar em fato jurídico tributário, tampouco
em obrigação tributária. E se a isenção se der pelo consequente, a ocorrência
fáctica encontrar-se-á inibida juridicamente, já que sua eficácia não poderá irradiar-se
505.
A norma isentiva, portanto, configura norma jurídica, cujo objetivo é “mutilar,
parcialmente, a regra-matriz de incidência tributária”506
. Dessa forma, a norma isentiva
desconfigura em casos específicos a norma-padrão de incidência, sem revogar a regra-matriz,
que continua atuando em outras situações. A norma isentiva opera subtraindo parcela do
campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente da norma-padrão.
A subtração de parcela do campo de abrangência da regra-matriz de incidência
pela norma isentiva pode ocorrer em razão de mutilação do critério da hipótese ou do
consequente da norma de incidência. A supressão da funcionalidade da regra-matriz pela
503 LUNARDELLI, 1999, p. 94/95. 504 CARVALHO, P., 2011, p. 566. 505 CARVALHO, P., 2013, p. 601. 506 CARVALHO, P., loc. cit.
156
hipótese poderá ocorrer pela: 1) mutilação do critério material, pela desqualificação do verbo;
2) mutilação do critério material, pela desqualificação do complemento; 3) modificação do
critério espacial; 4) modificação do critério temporal. Quanto ao consequente, a modificação
poderá atingir: 5) o critério pessoal, pelo sujeito ativo; 6) o critério pessoal, pelo sujeito
passivo; 7) o critério quantitativo, pela base de cálculo; e 8) o critério quantitativo, pela
alíquota507
.
Por meio de referido posicionamento, Paulo de Barros Carvalho resolveu a
questão da problemática da ordem cronológica da incidência das normas. Isso porque, para os
adeptos da corrente da isenção como dispensa do pagamento, primeiro incide a regra-matriz
tributária e depois, a norma isentiva. Para José Souto Maior Borges, Alfredo Augusto Becker
e Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, primeiro incide a norma isentiva e, em consequência,
impede a incidência da regra-matriz tributária.
Com essa teoria, portanto, evita-se o grande problema das outras teorias
mencionadas no sentido de estabelecer qual das normas (isentiva ou regra-matriz de
incidência) deveria incidir primeiro, pois, de modo diverso, o fenômeno – interação da norma-
matriz tributária e norma isentiva – ocorre no plano exclusivamente normativo. Não é
necessário chegar ao nível dos eventos, momento em que se dá a mistura da linguagem do
direito positivo com a realidade social que ele normatiza, para esclarecer essa interação de
normas, que como já foi dito, ocorre no âmbito normativo508
. Paulo de Barros Carvalho
respeita, portanto, o princípio da simultaneidade da dinâmica normativa.
Embora Misabel Abreu Machado Derzi concorde com a utilização dos termos
“mutilar, suprimir ou subtrair parcialmente, utilizados pelo citado jurista para explicitar o
fenômeno da isenção”509
, ela defende que mesmo no caso da mutilação pelo consequente,
com a nulidade do dever, a hipótese não sai ilesa desse fenômeno. Segundo ela, “os fatos
relativamente aos quais a norma de isenção nulificou o dever, atuando por meio da
consequência, são automaticamente ceifados, retirados, alijados da hipótese”510
. De
conseguinte, nesta situação, a técnica legislativa adotada afeta imediatamente o consequente
e, mediatamente, a hipótese, em respeito à relação de implicação necessária entre hipótese e
consequência.
507 CARVALHO, P., 2013, p. 601. 508 CARVALHO, P., 2011, p. 575. 509 BALEEIRO, 2015, p. 1359. 510 BALEEIRO, loc. cit.
157
Ainda cumpre trazer à colação o posicionamento de Sacha Calmon Navarro
Coêlho no sentido de que é “incorreto supor, como faz a doutrina tradicional, que a incidência
da norma de tributação precede a incidência da norma de isenção (que, por isso, é
“desjuridicizante” ou “destributante”). Tal sucessividade inexiste no plano lógico-jurídico”511
.
Por outro lado, ele também não concorda com a incidência da norma isentiva, in verbis:
“Tampouco se nos afigura correta a colocação contrária que vê a isenção incidindo como
regra “não juridicizante”, na medida em que produz uma situação de não incidência”512
.
Para ele, a norma isentiva não configura uma norma autônoma, mas mera
delimitação da norma de tributação. Nesse sentido, ao criticar o posicionamento de José Souto
Maior Borges, Sacha Calmon Navarro Coêlho sustenta que:
Data vênia, ousamos discordar da colocação do mestre nordestino. Achamos
que a norma de isenção não é. E se não é, não pode ser não juridicizante. Não sendo, também não incide. As normas não derivam de textos legais
isoladamente tomadas, por isso que se projetam do contexto jurídico. A
norma é a resultante de uma combinação de leis ou de artigos de leis (existentes no sistema jurídico). As leis e artigos de leis (regras legais) que
definem fatos tributáveis se conjugam com as previsões imunizantes e
isencionais para compor uma única hipótese de incidência: a da norma jurídica de tributação. Assim, para que ocorra a incidência da norma de
tributação, é indispensável que os fatos jurígenos contidos na hipótese de
incidência ocorram no mundo. E esses” fatos jurígenos” são fixados após a
exclusão de todos aqueles considerados não tributáveis em virtude de previsões expressas de imunidade e isenção
513.
Em conclusão, para ele, “[a] hipótese de incidência da norma de tributação é
composta de fatos tributáveis, já excluídos os imunes e os isentos”514
.
A divergência substancial entre o posicionamento de Sacha Calmon Navarro
Coêlho e Paulo de Barros Carvalho reside na autonomia lógico-formal conferida à norma
isentiva por Paulo de Barros ao classificá-la como norma de estrutura, ao passo que a regra-
matriz de incidência é regra de conduta. Já para Sacha Calmon, há apenas um enunciado de
lei que prevê a hipótese de isenção que serve para dar os contornos à hipótese de incidência
tributária (há uma única norma de conduta).
No presente trabalho será adotada a definição proposta por Paulo de Barros
Carvalho, ou seja, a isenção é a norma de estrutura que mutila, parcialmente, a regra-matriz de
incidência tributária. Em outras palavras, é uma norma que modifica outra norma – a regra-
matriz de incidência – sem, contudo, revogá-la. De conseguinte, defende-se que a norma
511 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 14. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 144. 512 COÊLHO, loc. cit. 513 COÊLHO, loc. cit. 514 COÊLHO, loc. cit.
158
isentiva é uma norma de estrutura, semelhante às normas de estrutura que revogam outras
normas.
Isso porque, concorda-se que a norma isentiva não incide no caso concreto, mas
apenas evita que a regra-matriz de incidência incida. Dado que a construção da norma jurídica
é tarefa do intérprete, quando ele vai aplicar a regra-matriz de incidência, ele já previamente
considerou todos os seus elementos e limitações. Isto que dizer que, por ocasião da aplicação
da norma tributária, ela já está totalmente construída pelo intérprete e, em consequência, já
estão fora de sua abrangência todas as situações trazidas pela norma isentiva.
Não se quer dizer, contudo, que o “contribuinte isento” não possua direitos. Isso
porque tal direito não decorre da aplicação da norma isentiva ao seu caso (regra-matriz
isentiva), mas da inobservância da impossibilidade de incidência da regra-matriz tributária por
falta de algum de seus elementos. Dito de outra forma, o contribuinte isento pleiteará que o
Poder Judiciário reconheça a não incidência da norma tributária e não que no seu caso incidiu
a norma isentiva.
Por outro lado, não se pode deixar de fazer constar que o inc. II do art. 111 do
Código Tributário Nacional estabelece que a legislação tributária que disponha sobre a
outorga de isenção deve ser interpretada literalmente.
Nesse ponto, na análise literal prepondera a investigação sintática, impedindo o
intérprete de ingressar nos demais planos interpretativos, ou seja, os planos semântico e
pragmático. Contudo, de acordo com Paulo de Barros Carvalho “o estudo desenvolvido no
nível sintático, por mais importante que seja, é insuficiente para cobrir toda a dimensão dos
enunciados prescritivos”515
. Faz-se imprescindível o ingresso de investigações nos planos
semântico e pragmático. Sem essa ampla análise dos enunciados prescritivos, “o intérprete da
formulação literal dificilmente alcançará a plenitude do comando legislado, exatamente
porque se vê tolhido de buscar a significação contextual e não há texto sem contexto”516
.
Cumpre registrar, como será visto nos itens referentes aos benefícios fiscais em
espécie, que grande parte da divergência quanto às normas isentivas reside exatamente na
violação a referido dispositivo por meio da interpretação extensiva ou mesmo da aplicação da
analogia em tais casos.
515 CARVALHO, P., 2011, p. 139. 516 CARVALHO, P., loc. cit.
159
Dessa forma, apenas para demonstrar essa divergência, cita-se o Acordão
referente ao Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1446735 / PR (2013/0153461-5)517
por meio do qual, por unanimidade, entendeu-se pela impossibilidade de reconhecer a isenção
do imposto de renda no caso de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa
desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações musculares involuntárias). Na
oportunidade, restou assentada a impossibilidade de interpretação de norma isentiva de forma
ampliativa em decorrência da regra prevista no art. 111, II, do CTN. Desse modo, cita-se o
seguinte trecho do voto do Relator:
Destarte, como consectário lógico, tem-se a impossibilidade de interpretação
das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva,
restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei,
em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN.
Sob outro prisma, permite-se trazer à baila excerto do voto do Relator Min. João
Otávio de Noronha, proferido nos autos Recurso Especial n. 192.531 - RS (1998/0077951-
5)518
, que foi acolhido por unanimidade e se entendeu pelo direito ao benefício fiscal no caso
da doença grave cardiopatia ter sido contraída depois da aposentadoria.
Neste caso, restou consignado que não prospera a alegação de que o art. 111, II,
do CTN apenas permite a interpretação literal, vedando a aplicação de outros métodos de
interpretação. Essa não seria a melhor interpretação, pois a justa ponderação entre os métodos
gramatical, lógico-sistemático, histórico e finalista parece ser o modo mais seguro para
proporcionar uma interpretação comprometida com os valores da verdade e da justiça.
Cumpre, ainda, trazer à colação trecho do voto da Relatora Juíza Heloísa Martins
Mimessi, nos autos da Apelação n. 1019899-80.2015.8.26.0053519
, em que foi reconhecido o
direito à isenção do IPVA em caso de deficiente não condutor, a partir da compreensão de que
a norma isentiva deve estar em estrita coerência com os princípios constitucionais da
tributação, entre eles o da igualdade. De conseguinte, a supremacia constitucional impõe que,
antes de se realizar uma intepretação restritiva, “é obrigatório aferir, antes de tudo, se há
justificação constitucional, ou seja, se há uma finalidade capaz de servir como fundamento
para a diferenciação promovida pela isenção”520
.
517 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1446735 / PR
(2013/0153461-5). Relator Min. Og Fernandes. Segunda Seção. Data da decisão: 27 mai. 2014. Diário da
Justiça, 20 jun. 2014. 518 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 192.531 - RS (1998/0077951-5). Relator Min.
João Otávio de Noronha. Segunda Seção. Data da decisão: 17 fev. 2005. Diário da Justiça, 16 mai. 2005. 519 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 1019899-80.2015.8.26.0053. Relatora Juíza Heloísa
Martins Mimessi. 5ª Câmara de Direito Público. Data da decisão: 17 nov. 2015. Diário da Justiça, 18 nov. 2015. 520 Ibid.
160
Contudo, analisar a diferenciação promovida pela isenção sob as luzes dos
princípios e valores constitucionais pressupõe uma interpretação sistemática em decorrência
do postulado de unidade do ordenamento jurídico e a consideração de que a igualdade de
tratamento e a proteção integral dos deficientes possuem previsão constitucional. De
conseguinte, segundo o voto da Juíza Relatora:
Em verdade, é preciso recompreender o art. 111, II do CTN a partir do preceito constitucional da igualdade. Nesse sentido, ele passaria a ser visto
como uma regra interpretativa que, diante das isenções constitucionalmente
justificadas, afasta a possibilidade de a autoridade administrativa exigir de um contribuinte requisitos que a lei não prevê, quando trata aos demais
contribuintes nos termos estritos da legalidade. De igual maneira, o citado
dispositivo impediria que, em face de um rol claro de exigências para gozar
da isenção, alguns contribuintes fossem privilegiados com a dispensa do cumprimento de certas condições, ao passo que aos demais a lei seria
aplicada com rigor. A igualdade ordena que, em situações específicas, sejam
permitidas a interpretação extensiva e analogia na aplicação de normas de isenção, porquanto a postura fiel ao texto implicaria, justamente, em aceitar
uma discriminação que viola o princípio da isonomia tributária [...]521
.
Ainda se faz relevante a diferenciação entre isenção e imunidade, pois muitas
vezes esses institutos são confundidos, o que permitirá conferir maior rigor técnico a este
estudo, até porque, a Constituição Federal não preceitua hipótese de imunidade específica
para a proteção da pessoa com deficiência.
Paulo de Barros Carvalho, após criticar a definição de que imunidade é a não
incidência constitucionalmente qualificada, define a imunidade como sendo:
[...] a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”
522.
Dessa forma, as imunidades, “[n]ão cuidam da problemática da incidência,
atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, o momento da percussão
tributária”523
. São normas de competência – normas de estrutura – que têm por destinatários
as pessoas jurídicas de direito público dotadas de personalidade política524
.
A isenção e a imunidade são institutos jurídicos que não se confundem. Enquanto
as imunidades são normas constitucionais, que colaboram no desenho das competências
impositivas, as isenções são normas ordinárias, cuja dinâmica impõe um encontro normativo
entre a norma isentiva e a regra-matriz de incidência, ocasião em que a norma isentiva “opera
521 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 1019899-80.2015.8.26.0053. Relatora Juíza Heloísa
Martins Mimessi. 5ª Câmara de Direito Público. Data da decisão: 17 nov. 2015. Diário da Justiça, 18 nov. 2015. 522 CARVALHO, P., 2013, p. 370. 523 Ibid., p. 376/377. 524 Ibid., p. 345.
161
como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da
consequência da regra-matriz do tributo”525
.
Por fim, ainda em relação às isenções, importante trazer a crítica tecida por Paulo
de Barros Carvalho quanto à inobservância pelo legislador da melhor técnica ao introduzir no
sistema jurídico brasileiro normas isentivas com outras denominações, isso porque, “[i]mporta
referir que o legislador, muitas vezes, dá ensejo ao mesmo fenômeno jurídico de recorte
normativo, mas não chama a norma mutiladora de isenção [...]”526
.
Essa “falha” do legislador pode ser percebida, a título ilustrativo, na fixação de
alíquotas zero, o que será exposto a seguir, juntamente com o diferimento como espécie de
isenção.
De acordo Hermano Notaroberto Barbosa “[...] em determinadas situações, o
legislador brasileiro tem optado por promover a desoneração fiscal por meio de técnicas
formalmente distintas, entre as quais sobressai a do estabelecimento de alíquota zero”527
.
Trata-se, na realidade, de concessão de uma isenção, pois aniquila-se o critério
quantitativo do antecedente da regra-matriz de incidência. “[...] Ao manipular os sistemas de
alíquotas, implementa o político suas intenções extrafiscais e, por reduzi-las a zero (alíquota
zero), realiza uma das modalidades de isenção”528
.
De forma similar, Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli sustenta que a redução da
alíquota até o percentual zero (0%) representa “fenômeno normativo bastante semelhante ao
da isenção tributária, porquanto, em última análise, o crédito tributário deixaria de ser pago
por inexistência de expressão economicamente considerável”529
.
No mesmo sentido leciona Robson Maia Lins que a redução a zero da alíquota
“aniquila o conteúdo prestacional que forma o critério quantitativo da norma tributária. O
resultado é que, sem prestação, inexiste obrigação e, portanto, não há de se falar em norma
individual e concreta”530
.
Misabel Abreu Machado Derzi , ao comentar a obra de Aliomar Balleiro, também
defende que a alíquota zero é uma espécie de isenção, porque quando a norma isentiva atua no
525 CARVALHO, P., 2013, p. 376/377. 526 Ibid., p. 602. 527 BARBOSA, H., 2012, p. 106. 528 CARVALHO, P., 2011, p. 413. 529 LUNARDELLI, 1999, p. 114. 530 LINS, Robson Maia. A regra-matriz do imposto sobre produtos industrializados in Direito tributário:
tributação do setor industrial. Eurico Marcos Diniz de Santi e Vanessa Rahal Canado (coord.). São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 46.
162
consequente da regra-matriz – pela alíquota, pela base de cálculo ou pela sujeição passiva –
nulificando o dever, a hipótese também é atingida531
.
Por fim, como já se teve a oportunidade de afirmar (item “4.1.3.3. A concessão de
benefícios fiscais”), o diferimento também pode possuir a natureza jurídica de isenção. Neste
caso, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, o diferimento provocará a mutilação
temporal da hipótese, impedindo que uma determinada situação seja atingida pela regra-
matriz de incidência. Em nenhum momento da cadeia, haverá a exigência tributária
concernente à operação intitulada diferida532
.
As normas isentivas de caráter extrafiscal, portanto, ao perseguir objetivos
diversos dos meramente arrecadatórios, são instrumentos aptos a promover relevantes
mudanças sociais de forma a propiciar que as pessoas com deficiência tenham uma efetiva
participação na sociedade.
O próximo tópico será destinado à analise dos benefícios fiscais previstos na
legislação brasileira que objetivam a proteção da pessoa com deficiência.
4.2 Os benefícios fiscais como ações afirmativas do direito tributário
Já restou consignado que os benefícios fiscais configuram relevantes instrumentos
para a concretização de ações afirmativas no direito tributário. Tal fato decorre da
possibilidade que referido instrumento extrafiscal possui de reduzir ou excluir o pagamento
do tributo.
Para prosseguir na análise relativa à proteção da pessoa com deficiência no direito
tributário será realizado um estudo dos benefícios fiscais previstos no ordenamento jurídico
brasileiro com essa finalidade.
Cumpre asseverar desde já que, por razões de corte metodológico e para evitar a
ampliação do objeto de análise, que é restrito às ações afirmativas no âmbito tributário,
apenas serão expostos os elementos de cada um dos tributos necessários e imprescindíveis
para a análise das referidas ações afirmativas. Desse modo, o objetivo não é a análise de cada
um dos tributos em todas as suas especificidades, mas as ações afirmativas realizadas por
intermédio deles.
531 BALEEIRO, 2015, p. 1360. 532 CARVALHO, P., 2013, p. 745.
163
4.2.1 Isenção do IR – doenças graves
4.2.1.1 Considerações gerais
Como regra geral, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza –
pessoa física – IRPF é considerado um tributo fiscal, uma vez que a sua finalidade precípua é
a obtenção de receita para o Estado realizar as suas funções. Contudo, conforme se
demonstrará a seguir, é possível incluir fins extrafiscais em pontos específicos da tributação
pelo IR.
Paulo de Barros Carvalho ressalta a importância que referido imposto sempre
possuiu no sistema tributário nacional, relevância essa adquirida independentemente do
volume de receita que é capaz de gerar para o Estado, sendo certo que “[s]ua dimensão
histórica; seus amplos recursos econômicos, políticos e jurídicos; sua potencialidade de
atingir em cheio a capacidade contributiva do sujeito passivo; sua compostura tão propícia à
realização de valores supremos como a ‘justiça tributária’”533
contribuíram para tanto.
O IR está previsto na Constituição Federal, em seu art. 153, inc. III, por meio do
qual ela veicula norma de estrutura que confere a competência para a sua regulamentação à
União.
Ademais, de acordo com o § 2º, inc. I, do mesmo dispositivo constitucional, o IR
deverá ser informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade,
na forma da lei.
Para prosseguir no estudo, entende-se relevante compreender, num primeiro
momento, a regra-matriz de incidência do IR (norma de conduta) e, num segundo momento,
traçar os elementos que integram a norma de isenção (norma de estrutura), para então ser
possível compreender a interação que ocorre entre a regra-matriz de incidência e a norma
isentiva.
Cumpre destacar que a divisão adotada para efeitos de compreensão do fenômeno
é apenas didática. Isso porque, conforme já defendido, a interação da regra-matriz de
incidência com a norma isentiva ocorre na mente do intérprete, que ao aplicar a regra-matriz
tributária, já o faz considerando a mutilação decorrente da norma isentiva.
533 CARVALHO, P., 2013, p. 670.
164
4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR
Retomando o quanto exposto no item “4.1 Considerações gerais sobre as normas
jurídicas tributárias”, a regra-matriz de incidência tributária pode ser dividida em hipótese e
consequente. Integram a hipótese os critérios material, espacial e temporal e integram o
consequente os critérios pessoal e quantitativo.
O CTN, em consonância com o disposto na CF, estabelece como aspecto material
da regra-matriz de incidência do IRPF a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica
sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 43, caput).
Ademais, define renda como sendo o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos (art. 43, inc. I) e os proventos de qualquer natureza como sendo os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior (art. 43, II).
No que se refere ao critério espacial, “o IR alcança, em linhas genéricas, não só os
acontecimentos verificados no território nacional, mas até fatos, explicitamente tipificados, e
que se compõem para além de nossas fronteiras”534
. Em outras palavras, o legislador utilizou-
se de um critério espacial bem genérico, de maneira que qualquer fato que ocorra sob o manto
da vigência territorial da lei instituidora, está apto a desencadear seus efeitos. Cumpre
asseverar que “[a] incidência do imposto independe da denominação da receita ou do
rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma
de percepção” (§ 1o do art. 43 do CTN), podendo, ainda, incidir sobre rendimentos recebidos
no exterior (§ 2o do art. 43 do CTN).
O critério temporal “[...] consiste no derradeiro momento do último dia relativo ao
período de competência, ou seja, ao átimo final do exercício financeiro”535
.
Dessarte, apenas a aquisição de acréscimo patrimonial decorrente da
disponibilidade econômica ou jurídica de renda (critério material) no dia 31 de dezembro
(critério temporal), configura fato jurídico tributário do imposto sobre a renda, exsurgindo o
consequente da norma jurídica tributária, ou seja, a relação jurídica entre o sujeito ativo e o
sujeito passivo, cujo objeto é o pagamento de determinada quantia a título de imposto de
renda.
Ingressando na análise do consequente quanto ao critério pessoal, o sujeito ativo,
regra geral, é a União e o sujeito passivo, a pessoa física que adquiriu o acréscimo
patrimonial.
534 CARVALHO, P., 2011, p. 330. 535 Id., 2013, p. 682.
165
Por fim, a base de cálculo (um dos elementos do critério quantitativo) é, segundo
a interpretação do art. 44 do Código Tributário Nacional, o montante, real, arbitrado ou
presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Já quanto ao segundo elemento do critério quantitativo, de acordo com a Lei nº
13.149, de 21 de julho de 2015, a alíquota mensal foi fixada de acordo com as seguintes
faixas de renda:
Tabela Progressiva Mensal
Base de Cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a Deduzir do IR (R$)
Até 1.903,98 - -
De 1.903,99 até 2.826,65 7,5 142,80
De 2.826,66 até 3.751,05 15 354,80
De 3.751,06 até 4.664,68 22,5 636,13
Acima de 4.664,68 27,5 869,36
É possível afirmar, portanto, que o IRPF valeu-se, até mesmo por imperativo
constitucional (art. 153, § 2º, inc. I da CF), da progressividade da alíquota, de maneira a
proteger o mínimo vital, considerado esse o valor de renda mensal de até R$ 1.903,98.
Dessa forma, para fins do presente trabalho e sem desconsiderar toda a
complexidade do IRPF em decorrência de todas as suas regras peculiares, cuja análise
ultrapassa os limites do presente trabalho, entende-se que as informações expostas são
suficientes para permitir a análise da isenção em tela.
Neste momento, será analisada a norma isentiva.
4.2.1.3 A norma isentiva - doenças graves
A Lei nº 8.687, de 20 de julho de 1993, dispõe em seu art. 1º que:
Art. 1º Não se incluem entre os rendimentos tributáveis pelo Imposto sobre a
Renda e proventos de qualquer natureza as importâncias percebidas por deficientes mentais a título de pensão, pecúlio, montepio e auxílio, quando
decorrentes de prestações do regime de previdência social ou de entidades de
previdência privada.
De outro lado , estabelece o art. 6º, inc. XIV da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro
de 1988, com a redação dada pela Lei nº 11.052, de 29 de dezembro de 2004 que:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos
percebidos por pessoas físicas:
[...]
166
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente
em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional,
tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia
grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,
hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte
deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a
doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;
[...]
XXI - os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse
rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste
artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em
conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão. (Incluído pela Lei nº 8.541, de 1992)
(Vide Lei 9.250, de 1995)
(grifo ausente no original).
O Regulamento do IRPF, Decreto nº 3.000/99 dispõe que:
Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
Benefícios Percebidos por Deficientes Mentais
VI - os valores recebidos por deficiente mental a título de pensão, pecúlio,
montepio e auxílio, quando decorrentes de prestações do regime de previdência social ou de entidades de previdência privada (Lei nº 8.687, de
20 de julho de 1993, art. 1º);
Pensionistas com Doença Grave
XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste
artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão
da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XXI, e Lei
nº 8.541, de 1992, art. 47);
Proventos de Aposentadoria por Doença Grave
XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas
por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia
profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla,
neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose
anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget
(osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em
conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido
contraída depois da aposentadoria ou reforma (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XIV, Lei nº 8.541, de 1992, art. 47, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 30,
§ 2º);
§ 2º Para efeito da isenção de que trata o inciso VI, considera-se deficiente
mental a pessoa que, independentemente da idade, apresenta funcionamento intelectual subnormal com origem durante o período de desenvolvimento e
associado à deterioração do comportamento adaptativo (Lei nº 8.687, de
1993, art. 1º, parágrafo único).
167
§ 3º A isenção a que se refere o inciso VI não se comunica aos rendimentos
de deficientes mentais originários de outras fontes de receita, ainda que sob a
mesma denominação dos benefícios referidos no inciso (Lei nº 8.687, de 1993, art. 2º).
§ 4º Para o reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos
XXXI e XXXIII, a partir de 1º de janeiro de 1996, a moléstia deverá ser
comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, devendo ser
fixado o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis
de controle (Lei nº 9.250, de 1995, art. 30 e § 1º).
A partir dos enunciados prescritivos acima citados, pode-se ingressar na análise da
norma isentiva e do fenômeno da isenção.
Seguindo a definição proposta pelo professor Paulo de Barros Carvalho, a norma
jurídica isentiva mutila parcialmente o critério pessoal do consequente da regra-matriz de
incidência tributária, uma vez que exclui as pessoas físicas nela previstas do dever de pagar o
tributo incidente sobre os proventos de aposentadoria ou reforma e as pensões recebidas por
elas. Dessa forma, diminui a abrangência de incidência do IR, ao excluir determinados
“contribuintes” que, embora tenham auferido proventos e pensão (renda), não devem pagar o
imposto sobre essa renda.
Em outras palavras, a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica sobre os
proventos pelas pessoas com deficiência mental e pelas pessoas portadoras de moléstia
profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna,
cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de
Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados
avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da
imunodeficiência adquirida, independentemente da data de aquisição da doença ou
deficiência, não é causa suficiente para ensejar o consequente da regra-matriz tributária em
decorrência da colisão entre esta e a norma isentiva, dada a exclusão do sujeito passivo.
Observa-se que a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça tem se
posicionado pela impossibilidade de ampliação do referido rol de doenças, sem a existência
prévia de lei.
Nesse sentido, o voto do Ministro Luiz Fux no Recurso Especial n. 1.116.620 -
BA (2009/0006826-7)536
, que foi apreciado pela sistemática dos recursos repetitivos e se
entendeu que tanto a competência para tributar como a competência para isenção são
vinculadas ao princípio da legalidade, conforme se depreende dos artigos 5º, II e 150, I, da
536 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.116.620 - BA (2009/0006826-7). Relator Min.
Luiz Fux. Primeira Seção. Data da decisão: 09 ago. 2010. Diário da Justiça, 25 ago. 2010.
168
Carta Maior, e do art. 97, VI, do CTN , razão pela qual o rol previsto no art. 6º, XIV da Lei nº
7.713/88 tem natureza taxativa, não se admitindo a sua ampliação pela interpretação analógica
ou extensiva com fulcro no art. 111, II, do CTN.
Por outro lado, diante da ausência de previsão expressa da pessoa com deficiência
auditiva no rol do art. 6º, inc. XIV, da Lei nº 7.713/88, pelos mesmos fundamentos a
jurisprudência não tem considerado essas pessoas como beneficiadas pela isenção. Nesse
sentido, permite-se mencionar o Recurso Especial nº 1013060537
, que foi relator o Ministro
Mauro Campbell Marques, oportunidade em que restou confirmado o posicionamento de que
o rol do inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/88 é taxativo (numerus clausus), o que impõe
dizer que as hipóteses de concessão de isenção restringem-se às situações nele enumeradas.
Ademais, adotou o entendimento de que não houve mera omissão do legislador
em deixar de incluir a surdez neste rol e, ainda que assim fosse, não poderia o julgador
ampliar o rol para incluí-los.
Embora o Tribunal tenha entendido pela limitação da norma isentiva de forma a
não abranger a pessoa com deficiência auditiva, permite-se trazer à colação excerto do voto
vencido do Ministro Cesar Asfor Rocha que, num esforço argumentativo, permitiria a
aplicação da norma isentiva a partir do enquadramento da pessoa surda na hipótese de
paralisia irreversível e incapacitante, afirmando a norma contida no art. 111, II, do CTN:
É que, na verdade, é impossível qualquer texto legislativo, sobretudo decorrente de um colegiado, em que os interesses, as experiências, as
frustrações, as expectativas, os desejos são tão diversos, as ideologias são tão
distintas, explicitar de forma a não deixar, absolutamente, nenhuma margem
àquilo que se pretendeu dispor. E esse é o nosso papel de julgador, de ajustar a lei às realidades que vão se apresentando em decorrência da própria vida, e
se apresentando em cada processo. Tanto é assim que, durante muito tempo,
entendeu-se que, quando se falava, se comentava que a cegueira a ser contemplada com a não incidência do imposto de renda seria a cegueira
plena, dos dois olhos.
[...]
No caso, e com esse mesmo espírito, o que se percebe, conforme, aliás, foi
anunciado pelo eminente Advogado, é que o ponto nodal dessa controvérsia
é se é aplicado ao caso o benefício previsto no inciso XIV do art. 6º da Lei nº
7.713, de 1988, por ser ele portador de doença explicitamente descrita — essa deterioração progressiva dos seus nervos auditivos — como importando
em paralisia irreversível e incapacitante. A lei fala, no seu inciso XIV, que é
contemplado com o benefício quem for portador de paralisia irreversível e incapacitante. Passamos a entender, porque era apenas assim que
conseguíamos ver, que, quando a lei se reportava à paralisia irreversível e
537 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1013060 / RJ (2007/0295134-0). Relator Min.
Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. Data da decisão: 10 mai. 2011. Diário da Justiça, 08 jun. 2012.
169
incapacitante, estaria a dizer que essa incapacitação era apenas dos membros
que permitisse a locomoção.
Por que não enxergarmos essa paralisia irreversível e incapacitante, também, para os nervos auditivos e dar esse benefício àqueles que têm surdez total e
irreversível? O que nos impede a tanto se sabemos muito bem do sofrimento
que têm essas pessoas, que se veem frustradas da audição, com reflexo,
inclusive, e conduzindo a outras doenças como depressão e coisas que tais?
Por isso, talvez, Sr. Presidente, sejam essas motivações, e pelo olhar não
filantrópico, Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, porque não podemos
fazer filantropia com o dinheiro público, mas com sensibilidade, alargando a nossa capacidade de contemplarmos as pessoas necessitadas com aquilo que
a lei quis amparar, talvez tenha sido essa sensibilidade que levou o egrégio
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pela voz autorizada da
Desembargadora Tania Heine, a conceder o benefício postulado.
[...]
Quanto à cegueira, oportuno citar o voto do Ministro Herman Benjamin, proferido
nos autos do Recurso Especial n. 1.196.500 - MT (2010/0097690-0)538
, em que restou
decidido que, para fazer jus ao benefício, não há a exigência de que a cegueira seja em ambos
os olhos, o que representou uma alteração de paradigma na jurisprudência e uma evolução da
compreensão dessa deficiência visual.
Neste caso, o Ministro relator valeu-se da Classificação Estatística Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde,
na parte que dispõe que a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos, podendo
ser diagnosticada a partir do comprometimento da visão em apenas um olho. Nesse diapasão,
“a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico
‘cegueira’, não importando se atinge a visão binocular ou monocular”539
e, portanto, a norma
isentiva prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, mesmo que interpretada literalmente,
favorece o portador de qualquer tipo de cegueira.
Constata-se uma tendência da jurisprudência em interpretar essas normas isentivas
de forma literal.
Importante ingressar no estudo das referidas normas isentivas sob o prisma do
princípio da igualdade.
538 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.196.500 - MT (2010/0097690-0). Relator Min.
Herman Benjamin. Segunda Turma. Data da decisão: 02 dez. 2010. Diário da Justiça, 03 fev. 2011. 539 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.196.500 - MT (2010/0097690-0). Relator Min.
Herman Benjamin. Segunda Turma. Data da decisão: 02 dez. 2010. Diário da Justiça, 03 fev. 2011.
170
4.2.1.4 A norma isentiva e o princípio da igualdade
Cumpre ressaltar que, exceto com relação à Lei nº 8.687, de 20 de julho de 1993,
que previu a isenção no caso de recebimento de pensão por pessoa com deficiência mental,
nos demais casos, o legislador optou por elencar as doenças (art. 1º).
A isenção não alcança, portanto, indistintamente todas as pessoas com deficiência.
Em linhas gerais, apenas as pessoas com deficiência mental que possuam alienação mental
(exceto no caso tratado no parágrafo anterior que trata, de forma mais abrangente, da pessoa
com deficiência mental), a pessoa cega e a pessoa com deficiência física em grau severo, que
possua paralisia irreversível e incapacitante poderão se valer dessa ação afirmativa.
Contudo, sem desconsiderar que não são todas as pessoas com deficiência que
poderão ser valer da norma isentiva, para facilitar a exposição será utilizada a expressão
“pessoa(s) com deficiência discriminada(s) na lei”.
Retomando os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (item “2.4.2 O
princípio da igualdade: a igualdade como critério comparativo e a pessoa com deficiência”)
e José Artur Lima Gonçalves (item “4.1.1 Princípio da igualdade tributária”), importante
analisar, ainda, a regra isentiva sob o prisma da observância do princípio da igualdade.
De acordo com o quanto lá exposto, José Artur Lima Gonçalves sistematiza a
análise nas seguintes etapas:
1. Dissecar a norma jurídica tributária, a regra matriz de incidência, em seus
cinco critérios, que, repita-se, são o material, o temporal, o pessoal, o
espacial e o quantitativo.
2. Detectar a existência de discriminação implementada pela regra matriz de
incidência analisada.
3. Identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma
analisada.
4. Uma vez identificado o discrímen, analisar se a norma onera ou beneficia
singularmente um indivíduo ou categoria ou atividade desde já determinada
e se o elemento de discriminação reside na própria pessoa ou situação discriminada.
5. Aferir a existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação
e o tratamento diferenciado.
6. Perquirir a efetiva ocorrência da relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto
constitucional540
.
540 GONÇALVES, 1993, p. 69.
171
Após as considerações realizadas acerca da regra-matriz de incidência e da norma
isentiva (itens “4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR” e “4.2.1.3 A norma isentiva -
doenças graves”), a pesquisa deverá continuar a partir da etapa 3.
A partir de referida análise foi possível verificar que o discrímen decorre da
interação da norma isentiva com a norma de incidência, o que gerou a mutilação do critério
pessoal da regra-matriz de incidência. Em outras palavras, o discrímen está na identificação
da “pessoa(s) com deficiência discriminada(s) na lei” como sendo o sujeito de direito a
receber a renda, mas limitada às quantias recebidas a título de proventos e pensão por morte.
Referida norma beneficia as “pessoa(s) com deficiência discriminada(s) na lei”,
que necessitam de maiores condições financeiras para participar ativamente na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas. Ao invés de recolher o imposto de renda e,
por meio de ações sociais, o valor retornar para referidas pessoas, desde já o Estado deixa de
arrecadar (etapa 4).
Nesse sentido, permite-se trazer à colação as lições de Roberto Catalano Botelho
Ferraz:
9.6.4 Outra maneira de encarar essa questão, justificando-a em face da
Constituição, é a constatação de que sendo função do Estado promover a ‘equalização’ dos deficientes relativamente aos demais cidadãos,
propiciando-lhes acesso, que sentido haveria em retirar-lhe recursos para
depois devolvê-los preferencialmente? Melhor será que eles mesmos
administrem esse recurso que seria carreado ao Estado, ficando este obrigado a buscar aplicá-lo em favor da eliminação das dificuldades ocasionadas pela
deficiência541
.
Dessa forma, a finalidade da norma é “não sacrificar o contribuinte que padece de
moléstia grave e que gasta demasiadamente com o tratamento [...]”542
.
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (ser “pessoa(s)
com deficiência discriminada(s) na lei” que recebe proventos ou pensão) e o tratamento
diferenciado (etapa 5). A norma isentiva com relação aos proventos de aposentadoria ou
reforma e de pensão recebidos pelas “pessoa(s) com deficiência discriminada(s) na lei”
ensejará: 1) o não pagamento do imposto de renda, no caso do rendimento decorrente dos
proventos ou da pensão serem os únicos recebidos pela pessoa com deficiência (não dever
entregar dinheiro ao erário, enquanto outros devem); ou 2) o pagamento de menos imposto,
quando a pessoa com deficiência receber outras rendas não abrangidas pela norma isentiva
(dever entregar menos).
541 FERRAZ, 2005, p. 506. 542 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Regição. Apelação Cível n. 5003514-04.2013.404.7102. Relator
Des. Jorge Antonio Maurique. 1ª Turma. Data da decisão: 23 set. 2015. Diário da Justiça, 24 set. 2015.
172
Observa-se que a isenção está restrita aos valores recebidos a título de proventos e
pensão, não abrangendo as outras remunerações, ainda que decorrentes do trabalho
assalariado e recebidas após o diagnóstico da doença grave ou da deficiência, de acordo com
o que restou decido no AgRg no Agravo em Recurso Especial n. 312.149543
.
Por outro lado, a isenção em tela abrange a complementação de aposentadoria,
dado o reconhecimento do caráter previdenciário da aposentadoria privada, que encontra
respaldo no próprio Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99), que estabelece
em seu art. 39, § 6º, a isenção sobre os valores decorrentes da complementação de
aposentadoria, conforme foi decidido no AgRg no Agravo em Recurso Especial n.
1507320/RS544
.
Por fim, quanto à etapa 6, vislumbra-se a total correspondência entre o tratamento
diferenciado e os valores positivados na CF, notadamente a busca da igualdade material, de
forma que se faz imperativo a utilização de ações afirmativas, inclusive no âmbito tributário,
com a finalidade de proporcionar igualdade de recursos e condições a essas pessoas. Ademais
a norma isentiva também está de acordo com as determinações constantes da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
4.2.2 Dedução da base de cálculo do IR – despesas com saúde
4.2.2.1 Considerações gerais
Para facilitar o estudo, o caso da dedução dos gastos com despesas relativas à
saúde não foi tratado no item anterior, diante de algumas diferenciações que serão melhor
explicitadas neste item.
Diante dos elementos da regra-matriz de incidência do IR serem os mesmos que já
foram tratados naquele item, reporta-se ao quanto fora lá exposto e inicia-se, desde logo, a
análise da norma do benefício fiscal – dedução da base de cálculo.
543 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial n. 312.149 - SC (2013/0069455-6). Relatora Min. Assusete Magalhães. Segunda Turma. Data da decisão: 08 set. 2015. Diário da
Justiça, 17 set. 2015. 544 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial n. 1507320 / RS
(2015/0000982-8). Relator Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Data da decisão: 10 fev. 2015. Diário da
Justiça, 20 fev. 2015.
173
4.2.2.2 A norma isentiva parcial - despesas com saúde
O benefício fiscal em tela está previsto no art. 8º, inc. II, alínea “a” da Lei nº
9.250, de 26 de dezembro de 1995, in verbis:
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a
diferença entre as somas:
II - das deduções relativas:
a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas,
psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e
hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços
radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;
[...]
O Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, dispõe que:
Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem
como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias (Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º,
inciso II, alínea "a").
[...]
Por fim, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.500, de 29 de
outubro de 2014, elenca quais são os aparelhos ortopédicos e as próteses ortopédicas, in
verbis:
Art. 94. Na DAA podem ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-
calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses
ortopédicas e dentárias.
§ 8º Consideram-se aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas:
I - pernas e braços mecânicos; II - cadeiras de rodas;
III - andadores ortopédicos;
IV - palmilhas ou calçados ortopédicos; V - qualquer outro aparelho ortopédico destinado à correção de desvio de
coluna ou defeitos dos membros ou das articulações.
§ 9º Enquadram-se no conceito de prótese dentária os aparelhos que substituem dentes, tais como dentaduras, coroas e pontes.
§ 10. São dedutíveis como despesas médicas, observadas as exigências
previstas no § 6º, quando integrarem a conta emitida pelo estabelecimento
hospitalar, ou pelo profissional, os valores gastos com aquisição e colocação de:
I - marcapasso;
II - parafusos e placas nas cirurgias ortopédicas ou odontológicas; III - lente intraocular em cirurgia de catarata;
IV - aparelho ortodôntico, inclusive a sua manutenção.
174
Paulo de Barros de Carvalho aduz que “[a] diminuição que se processa no critério
quantitativo, mas que não conduz ao desaparecimento do objeto, não é isenção, traduzindo
singela providência modificativa que reduz o quantum de tributo que deve ser pago” 545
.
Desse modo, não devem ser confundidas as situações em que há a subtração do
campo de abrangência do critério ou da consequência da regra-matriz de incidência com a
situação de mera redução da base de cálculo ou da alíquota. A doutrina tem denominado essas
últimas de isenção parcial.
Portanto, no caso benefício que está sendo tratado neste tópico, não há que se falar
propriamente em isenção, mas incentivo fiscal consistente na dedução (redução) da base de
cálculo do IR ou isenção parcial, pois haverá a incidência da regra-matriz tributária ao caso,
mas o contribuinte pagará valor menor a título de tributo.
Conclui-se que a norma isentiva parcial reduz o critério quantitativo do
consequente da regra-matriz de incidência tributária do IR, uma vez que exclui da base de
cálculo o valor pago com gastos com saúde, inclusive a título de aparelhos ortopédicos e
próteses ortopédicas. Dessa forma, diminui a abrangência de incidência do IR, pois reduz a
sua base de cálculo. Neste caso, contudo, diante da isenção parcial, haverá obrigação
tributária.
Contudo, enquanto com relação às despesas genéricas com saúde, a norma
abrange as pessoas com e sem deficiência, em se tratando de aparelhos ortopédicos e próteses
ortopédicas, a norma beneficia apenas as pessoas com deficiência física, configurando, nesta
situação, nítida ação afirmativa.
Embora não se desconsidere a importância desse benefício fiscal em sua acepção
ampla, é na perspectiva da ação afirmativa – dedução da base de cálculo dos valores
despendidos com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas – que ele ganha relevância
para o presente trabalho e será melhor tratado no próximo item.
4.2.2.3 O beneficio fiscal e o princípio da igualdade
Nesse item, será realizada a análise do benefício fiscal e do princípio da igualdade
em conformidade com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (item “2.4.2 O
princípio da igualdade: a igualdade como critério comparativo e a pessoa com deficiência”)
545 CARVALHO, P., 2011, p. 574/575.
175
e as diversas etapas explicitadas por José Artur Lima Gonçalves (item “4.1.1 Princípio da
igualdade tributária)”.
No caso em tela, já foram analisadas a regra-matriz de incidência e a regra-matriz
do benefício fiscal (itens “4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR” e “4.2.2.2 A norma
isentiva parcial - despesas com saúde”). Desse modo, a exposição continuará a partir da etapa
3.
Constata-se que o discrímen decorre da interação da norma isentiva com a norma
de incidência de forma que gerou a redução do critério quantitativo (base de cálculo) da regra-
matriz de incidência. Em outras palavras, o discrímen está na dedução da base de cálculo do
valor gasto para aquisição de aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas.
Referida norma beneficia diretamente as pessoas com deficiência física, não se
podendo desconsiderar que, na grande maioria dos casos, também beneficia a pessoa perante a
qual a pessoa com deficiência física é dependente para fins de IR (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (aquisição de
aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas) e o tratamento diferenciado (etapa 5), ou seja, a
norma ensejará o pagamento de menos imposto de renda diante da dedução da base de cálculo
do IR dos valores pagos para a aquisição de aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas
(dever entregar menos).
Por último, o benefício fiscal proporciona a realização do princípio da igualdade
material, razão pela qual ele é compatível com os valores previstos na CF e com as
determinações constantes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, dado que objetiva eliminar ou reduzir as barreiras físicas (etapa 6).
4.2.3 Dedução da base de cálculo do IR – despesas com educação equiparadas à saúde
4.2.3.1 Considerações gerais
O caso da equiparação da educação como saúde, embora também seja uma
hipótese de dedução da base de cálculo do IR, será exposto neste item.
Diante dos elementos da regra-matriz de incidência do IR serem os mesmos que já
foram tratados no item “4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR”, reporta-se ao quanto fora
lá exposto e inicia-se, desde logo, a análise da norma do benefício fiscal – dedução da base de
cálculo.
176
4.2.3.2 A norma isentiva parcial - despesas com educação equiparadas à saúde
O benefício fiscal em tela é extraído da interpretação do art. 8º, inc. II, alínea “a”
da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, complementada pelo § 3º do art. 80 do Decreto
nº 3.000, de 26 de março de 1999, in verbis:
Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a
diferença entre as somas:
II - das deduções relativas:
a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas,
psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e
hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços
radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias;
[...]
Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999
Art. 80. Na declaração de rendimentos poderão ser deduzidos os pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem
como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias (Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º,
inciso II, alínea "a").
§ 3º Consideram-se despesas médicas os pagamentos relativos à instrução
de deficiente físico ou mental, desde que a deficiência seja atestada em laudo médico e o pagamento efetuado a entidades destinadas a deficientes físicos
ou mentais.
[...]
Do mesmo modo que a dedução dos gastos com a saúde, esse benefício não é
hipótese de isenção, mas incentivo fiscal consistente na dedução (redução) da base de cálculo
do IR ou isenção parcial.
Conclui-se que a norma isentiva parcial reduz o critério quantitativo do
consequente da regra-matriz de incidência tributária do IR, uma vez que exclui da base de
cálculo o valor pago a título de instrução da pessoa com deficiência física ou mental a
entidades destinadas a deficientes físicos ou mentais. Dessa forma, diminui a abrangência de
incidência do IR, pois reduz a sua base de cálculo, mas, diante da isenção parcial, haverá
obrigação tributária.
Será analisado, ainda, esse benefício fiscal sob a perspectiva do princípio da
igualdade.
177
4.2.3.3 O beneficio fiscal e o princípio da igualdade
Nesse item também será realizada a análise do benefício fiscal e do princípio da
igualdade em conformidade com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello e José
Artur Lima Gonçalves.
Considerando que já foram analisadas a regra-matriz de incidência e a norma do
benefício fiscal (itens “4.2.1.2 A regra-matriz de incidência do IR” e “4.2.3.2 A norma
isentiva parcial - despesas com educação equiparadas à saúde”), a exposição prosseguirá a
partir da etapa 3.
Constata-se que o discrímen decorre da interação da norma isentiva com a norma
de incidência de sorte que gerou a redução do critério quantitativo (base de cálculo) da regra-
matriz de incidência. Em outras palavras, o discrímen está na dedução da base de cálculo do
valor gasto para a instrução de pessoa com deficiência física ou mental em entidades
destinadas a deficientes físicos ou mentais.
Referida norma beneficia diretamente as pessoas com deficiência física e mental
e/ou a pessoa perante a qual a pessoa com deficiência física ou mental é dependente para fins
de imposto de renda.
Tendo em vista que a pessoa com deficiência necessita de outros cuidados que
diferem das pessoas sem deficiência – instrução em entidades destinadas a deficientes físicos
ou mentais – e diante da necessidade de se promover referida instrução com vistas a
proporcionar igualdade de condições desses sujeitos de direito de participar da sociedade, a
norma equiparou referida despesa como gasto com a saúde e permitiu a dedução da base de
cálculo do IR. Dessa forma, ela beneficia as pessoas com deficiência que precisam de
instrução em entidade própria (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (pagamento de
instituição de educação destinada a deficientes físicos ou mentais) e o tratamento diferenciado
(etapa 5), ou seja, a norma ensejará o pagamento de menos imposto de renda diante da
dedução da base de cálculo do IR dos valores pagos para referida instituição de ensino (dever
entregar menos).
Por último, o benefício fiscal proporciona a realização do princípio da igualdade
material, motivo pelo qual ele é compatível com os valores previstos na Constituição Federal
e com as determinações constantes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (etapa 6).
178
Nesse ponto, observa-se que o benefício fiscal é limitado ao valor gasto com a
instrução e desde que ela seja fornecida por instituição específica. Qualquer outro valor gasto
com instrução da pessoa com deficiência no que se refere à rede normal de ensino não está
abrangido por referida norma.
De conseguinte, resta claro que a norma, numa verdadeira ação afirmativa,
considerou o valor gasto com a instrução específica como um valor mínimo necessário para
promover a igualdade de recursos quanto à instrução das pessoas com deficiência. Em outras
palavras, a pessoa com deficiência apenas poderá participar da vida em sociedade, seja na fase
de sua formação, seja por ocasião do ingresso no mercado de trabalho, se tiver os mesmos
recursos (instrução) que as pessoas sem deficiência.
4.2.4 Isenção do IPI na aquisição de automóvel de passeio
4.2.4.1 Considerações gerais
O Imposto sobre produtos industrializados – IPI é um imposto de competência da
União (art. 153, IV da CF).
Robson Maia Lins leciona, a respeito da origem de referido imposto, que:
O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tem sua origem em 1891, quando a Lei n. 25 instituiu o então “Imposto sobre Consumo”. O referido
tributo tinha por “fato gerador” a “saída de produtos do estabelecimento
fabril” e, à época, representava importante fonte de ingresso para os cofres
públicos, persistindo até os dias de hoje, em que é cobrado na saída dos estabelecimentos industriais ou daqueles que a CEI a eles equipara
546.
Trata-se de imposto seletivo e não-cumulativo.
Como já se teve a oportunidade de tratar no item “4.1.3.2 Seletividade de
alíquotas e essencialidade”, por meio do IPI, a União exerce importante função extrafiscal,
regulando o mercado por intermédio da fixação de alíquotas em razão da essencialidade dos
produtos, incentivando a produção (e o consumo) de produtos essenciais e desincentivando a
produção (e o consumo) de produtos supérfluos e nocivos à saúde.
Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, o IPI representa um exemplo de
instrumento do Estado para intervir na política econômica “[e]m razão de seu caráter
546 LINS, 2013, p. 31.
179
extrafiscal, criado para impulsionar a produção interna do País, a própria Constituição lhe
atribui regime jurídico tributário próprio, em que o excepciona de uma série de princípios”547
.
Nesse mesmo sentido, Robson Maia Lins defende que as alterações de alíquotas
são um instrumento “[...] extremamente útil para que o tributo assuma sua feição extrafiscal,
sendo protagonista no controle de políticas econômicas. Sua redução pode incentivar o
consumo de determinado setor [...]”548
.
Ademais, com base e nos limites das prescrições constantes do Decreto-Lei nº
1.199/71, o Poder Executivo poderá reduzir as alíquotas até zero ou majorá-las, acrescentando
até trinta unidades ao percentual de incidência fixado na lei.
A importância do IPI como instrumento de ação afirmativa não apenas pode ser
constatada a partir da fixação de alíquotas zero ou redução delas, conforme já foi tratado no
item “4.1.3.2 Seletividade de alíquotas e essencialidade”, como também há disposição
expressa com relação à isenção na compra de automóvel de passeio, que será o objeto deste
item.
A mesma metodologia utilizada para a análise das isenções anteriormente tratadas
será utilizada neste caso. Dessa forma, cabe num primeiro momento identificar a regra-matriz
de incidência do IPI.
O estudo prosseguirá com a análise da regra-matriz de incidência relativa à
industrialização de produtos.
4.2.4.2 A regra-matriz de incidência do IPI
Cumpre registrar que o IPI possui três regras-matrizes de incidência distintas, em
decorrência de três condutas diferentes eleitas pelo legislador: 1) o desembaraço aduaneiro; 2)
a saída do estabelecimento; e 3) a arrematação. Contudo, com o fito de realizar de um corte
metodológico, apenas será analisada a regra-matriz de incidência referente à industrialização
de produtos, situação essa que possui correspondência à isenção que será tratada neste item.
O art. 46 do CTN estabelece que o imposto sobre produtos industrializados tem
como fato gerador a sua saída do estabelecimento. Conforme preleciona Robson Maia Lins,
“[é] curioso notar que, a pretexto de designar os “fatos geradores” do IPI, o legislador tratou
547 CARVALHO, P., 2013, p. 687. 548 LINS, op. cit., p. 45.
180
em verdade do critério temporal, isto é, de quando se reputa ocorrida a conduta que
desencadeia a percussão tributária”549
.
Paulo de Barros Carvalho sintetiza os elementos da regra-matriz de incidência do
IPI, que é relevante para a presente análise, da seguinte forma:
[...] Isolando os critérios da hipótese, teremos: a) critério material –
industrializar produtos (o verbo é industrializar e o complemento é
produtos); b) critério espacial – em princípio, qualquer lugar do território nacional; c) critério temporal – o momento da saída do produto do
estabelecimento industrial. Quanto aos critérios da consequência: critério
pessoal – sujeito ativo é a União e sujeito passivo o titular do
estabelecimento industrial; b) critério quantitativo – a base de cálculo é o preço da operação, na saída do produto, e a alíquota, a percentagem
constante da tabela550
.
Passa-se à análise da norma isentiva.
4.2.4.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel de passeio
O enunciado normativo da norma isentiva tem previsão no inc. IV e parágrafos do
art. 1º da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, in verbis:
Art. 1o Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os
automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de
cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem
renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos
por: (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) (Vide art 5º da Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
[...]
IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante
legal; (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
§ 1o Para a concessão do benefício previsto no art. 1
o é considerada também
pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando
o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de
paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de
membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou
adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
§ 2o Para a concessão do benefício previsto no art. 1
o é considerada pessoa
portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor
549 LINS, 2013, p. 36. 550 CARVALHO, P., 2011, p. 420.
181
correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas
as situações. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
§ 3o Na hipótese do inciso IV, os automóveis de passageiros a que se refere
o caput serão adquiridos diretamente pelas pessoas que tenham plena
capacidade jurídica e, no caso dos interditos, pelos curadores. (Incluído pela
Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
[...]
§ 6o A exigência para aquisição de automóveis equipados com motor de
cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro
portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão não se aplica aos
portadores de deficiência de que trata o inciso IV do caput deste artigo.
(Redação dada pela Lei nº 10.754, de 31.10.2003) – grifo ausente no
original.
Conclui-se que a norma isentiva mutila parcialmente o critério material da
hipótese da regra-matriz de incidência tributária do IPI, mais precisamente o complemento do
verbo (automóvel adquirido por pessoa com deficiência), de forma que a industrialização de
automóvel de passageiros de fabricação nacional a ser adquirido por pessoa com deficiência é
retirado da esfera de incidência da regra-matriz tributária.
Neste caso não é possível falar em mutilação parcial do critério pessoal do
consequente, como ocorreu no item “4.2.1 Isenção IR – doenças graves”, pois a pessoa com
deficiência que adquire o veiculo não é o sujeito passivo da relação jurídica tributária, mas o
industrial, ainda que ao final, ele repasse o valor para o referido consumidor.
Nesse sentido, leciona Paulo de Barros Carvalho que “[...] o terceiro que suporta
com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária [...]”551
.
Por outro lado, a norma isentiva não elenca de forma expressa a pessoa com
deficiência auditiva. Conforme já se teve a oportunidade de expor no item “3.2.3 Estatuto da
Pessoa com Deficiência”, o art. 106 do Estatuto, que visava promover a ampliação da isenção
do IPI por meio da utilização da expressão deficiência sensorial no lugar de deficiência visual,
foi vetado.
Entendendo pela impossibilidade da interpretação da norma insentiva de forma a
abranger também a pessoa com deficiência auditiva cita-se o Acórdão proferido nos autos da
Apelação Cível nº 0002692-93.2013.4.03.6111552
, em que restou assentado que o escopo da
isenção em tela é a criação de facilidades de locomoção para as pessoas com deficiência,
viabilizando a compra de automóvel adaptado às suas carências. Trata-se, portanto, de espécie
551 CARVALHO, P., 2013, p. 663. 552 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº 0002692-93.2013.4.03.6111. Relator
Des. Mairan Maia. 6ª Turma. Data da Decisão: 13 ago. 2015. Diário da Justiça, 21 ago. 2015.
182
subjetiva de isenção, em que são levadas em consideração as condições pessoais do
beneficiário indireto. Nessa esteira, diante da ausência de previsão legal, levando em conta a
obrigatoriedade da interpretação literal da norma conforme determina o art. 111, II, do CTN,
não há isenção do IPI na compra de veículo automotivo por deficiente auditivo.
Cumpre ainda registrar que o Ministério Público Federal propôs a ação civil
pública que recebeu o nº 0003667-90.2009.4.03.6100553
, em face da União, a qual tramitou
perante a 26ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, cujo objeto era garantir
a isenção do IPI na aquisição de veículo 0 km para pessoas surdas ou com deficiência
auditiva. O feito foi julgado improcedente por sentença transitada em julgado, dado que o
Ministério Público Federal não interpôs recurso de apelação. Permite-se citar trecho da
sentença prolatada:
[...]
Desse modo, os deficientes auditivos não estão incluídos na regra isentiva. E, de acordo com o inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional, a
legislação tributária que trata de outorga de isenção deve ser interpretada
literalmente.
[...]
Compartilhando do entendimento acima exposto, verifico que não é possível
estender a isenção do IPI aos deficientes auditivos, como pretende o autor,
uma vez que a regra isentiva deve ser literalmente interpretada e esta não faz menção a tal deficiência.
[...]
A questão está novamente sob o crivo do Judiciário, uma vez que o Procurador
Geral da República ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº
30/DF, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade por omissão do art. 1º, inc. IV, por
causar violação aos princípios da dignidade do ser humano e da isonomia, previstos,
respectivamente, nos arts. 1º, III, e 5º , caput, da Constituição da República, uma vez que não
elencou a pessoa com deficiência auditiva. Referido feito foi distribuído em 16/03/2015, o
Ministro Dias Toffoli é o seu relator e ainda não houve o julgamento do pedido.
O estudo avançará com a análise da norma isentiva sob a perspectiva do princípio
da igualdade.
553 BRASIL. Justiça Federal da Seção Judicária de São Paulo. Ação Civil Pública nº 0003667-
90.2009.4.03.6100. 26ª Vara Federal Cível da Subseção Judicária de São Paulo. Diário da Justiça, 14 mar. 2013.
183
4.2.4.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade
No presente tópico, novamente será realizada a análise da regra isentiva e do
princípio da igualdade em conformidade com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de
Mello e por José Artur Lima Gonçalves.
Já foram analisadas a regra-matriz de incidência e a norma isentiva (itens “4.2.4.2
A regra-matriz de incidência do IPI” e “4.2.4.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel de
passeio”). O estudo continuará a partir da etapa 3 da metodologia de trabalho formulada por
José Artur Lima Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério material (complemento do verbo) da regra-matriz de incidência. Isso quer dizer que o
discrímen está na destinação do veículo, ou seja, a compra do veículo por pessoa com
deficiência (etapa 3).
Referida norma beneficia indiretamente as pessoas com deficiência física, visual,
mental severa ou profunda ou autismo e o elemento de diferenciação reside na deficiência
física, visual, mental severa ou profunda ou autismo e, diretamente, o industriário que deixa
de pagar o tributo (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (aquisição de
veículo por pessoa com deficiência) e o tratamento diferenciado (etapa 5), ou seja, a norma
isentiva ensejará o não pagamento do IPI pelo industriário ou pessoa equiparada (não dever
entregar dinheiro ao erário, enquanto outros devem) e, em consequência, a ausência de
transferência do ônus financeiro para a pessoa com deficiência adquirente, desonerando a
aquisição.
Por fim, quanto à etapa 6, vislumbra-se a total correspondência entre o tratamento
diferenciado e os valores positivados na CF e as determinações constantes da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, uma vez que permite e facilita o
exercício do direito de ir e vir da pessoa com deficiência, por meio da eliminação ou
mitigação das barreiras físicas, notadamente com relação aos meios de transporte.
Quanto à legitimidade da ação afirmativa, permite-se citar excerto do voto do
Ministro Luiz Fux, proferido nos autos do Recurso Especial n. 567.873 – MG554
, por ocasião
da vigência do inc. IV do art. 1º da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, em sua redação
554 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 567.873 - MG (2003/0151040-1). Relator Min.
Luiz Fux. Primeira Turma. Data da decisão: 10 fev. 2004. Diário da Justiça, 25 fev. 2004.
184
original555
e, portanto, naquela época, restrito às pessoas com deficiência física, mas que
também serve de fundamento para as outras espécies de deficiência. Neste caso, foi levado em
consideração que as pessoas com deficiência enfrentam inúmeras dificuldades como o
preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho e os
obstáculos físicos, que servem de fundamento para a consagração das denominadas ações
afirmativas, como a isenção do IPI.
Nesse passo, observa-se que a norma isentiva também impõe restrições como a
limitação do benefício fiscal a apenas um veículo (art. 2º da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro
de 1995) e o prazo mínimo de dois anos para a manutenção da propriedade do veículo em
poder de pessoa com deficiência (arts. 2º e 6º da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995).
Em caso de alienação do veículo dentro do prazo de dois anos para pessoa que
não possua o direito à isenção, a pessoa com deficiência, ora alienante, deverá recolher o
imposto, atualizado na forma da legislação tributária (art. 6º da Lei nº 8.989, de 24 de
fevereiro de 1995).
Contudo, a jurisprudência tem afastado a limitação temporal de dois anos em caso
de roubo ou perda total do veículo. Desse modo, o voto proferido pelo Relator Juiz
Convocado Herbert de Bruyn, nos autos nº 0002344-40.2006.4.03.6105556
que, levando em
consideração que a lei não previu a solução para esse caso, a melhor interpretação determina
“o atendimento aos fins sociais, como princípio de Justiça, de sorte que a pessoa com
deficiência faz jus à isenção de IPI na aquisição de novo veículo, mesmo antes de decorridos
dois anos da concessão de anterior desoneração”557
. Isso porque, o estabelecimento do prazo
mínimo de dois anos tem por objetivo impedir o uso indevido do benefício. Todavia, no caso
de roubo ou furto, não há que se falar em burla à sistemática da isenção em tela, motivo pelo
qual negar a concessão de nova isenção significa restringir o direito que foi criado em prol
dessas pessoas.
Conforme já se teve a oportunidade de expor, o art. 106 do Estatuto da Pessoa
com Deficiência foi vetado. Ele buscava excepcionar a regra no caso do veículo ter sido
roubado ou furtado ou sofrido sinistro que acarretasse a perda total do bem.
555 Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de
fabricação nacional de até 127 HP de potência bruta (SAE), quando adquiridos por: IV - pessoas que, em razão
de serem portadoras de deficiência física, não possam dirigir automóveis comuns. 556 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação / Reexame Necessário nº 00023444020064036105. Relator Juiz Convocado Herbert de Bruyn. 6ª Turma. Data da Decisão: 21 fev. 2013.
Diário da Justiça, 28 fev. 2013. 557 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação / Reexame Necessário nº
00023444020064036105. Relator Juiz Convocado Herbert de Bruyn. 6ª Turma. Data da Decisão: 21 fev. 2013.
Diário da Justiça, 28 fev. 2013.
185
Ademais, a isenção apenas abrange os itens originais do veículo, quaisquer
acessórios adquiridos serão tributados normalmente (art. 5º da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro
de 1995).
Desse modo, a norma isentiva traz limitações importantes para que a ausência do
pagamento do tributo seja restringida à realização da igualdade material e não à criação de
privilégios.
4.2.5 Isenção do ICMS na aquisição de automóvel de passeio
4.2.5.1 Considerações gerais
O Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços – ICMS é um
imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal (art. 155, inc. II da CF).
Trata-se de imposto não-cumulativo (art. 155, § 2º, inc. I da CF). Ele poderá ser
seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (art. 155, § 2º, inc. I da
CF), quando então, adquirirá finalidade extrafiscal.
De acordo com Osvaldo Santos de Carvalho, “o constituinte foi extremamente
detalhista. Esse tratamento detalhado decorre da necessidade de lhe dar uma feição mais
completa e tratamento uniforme pelos Estados e Distrito Federal”558
.
A concessão de isenções e benefícios fiscais depende de deliberação dos Estados e
do Distrito Federal (art. 155, § 2º, inc. XII, letra “g” da CF). De forma similar, objetivando a
uniformização nacional, caberá à lei complementar dispor sobre os seus contribuintes, as
hipóteses de substituição tributária, disciplinar o regime de compensação do imposto, fixar,
para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações
relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços, dentre outros (art. 155, §
2º, inc. XII, da CF).
Objetivando evitar a chamada “guerra fiscal”, o ICMS possui caráter nacional,
uma vez que seus principais institutos são definidos em lei federal, no caso, a Lei
Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 e, de conseguinte válida para todo o
território nacional. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, o titular da competência
impositiva é obrigado a legislar observando os traços que o constituinte previu. A sua
instituição não é faculdade dos Estados e do Distrito Federal. Tendo em vista que os
558 CARVALHO, O., 2013, p. 316.
186
comandos para a sua uniformização original emanam da própria CF, as normas previstas
pelos Estados e Distrito Federal devem manter os mesmos conteúdos semânticos559
.
Portanto, para que as isenções de ICMS sejam válidas, “é preciso que os Estados e
o Distrito Federal celebrem entre si convênios, que, ao depois, para se transformarem em
Direito interno de cada uma destas pessoas políticas, deverão ser por elas ratificados”560
. A
aprovação do Convênio no âmbito interno de cada um dos Estados deve ocorrer por meio de
decreto legislativo.
De acordo com Luiz Emygdio F. da Rosa Jr, trata-se de imposto com incidência
plurifásica “[...] porque grava, economicamente, todas as etapas de circulação de riquezas,
mas não é “tributo em cascata”, vez que incide apenas sobre o valor acrescido, em razão do
princípio da não-cumulatividade [...]”561
.
Importante, agora, ingressar no estudo da regra-matriz de incidência do ICMS.
4.2.5.2 A regra-matriz de incidência do ICMS
O ICMS também possui três regras-matrizes de incidência: a) realizar operações
relativas à circulação de mercadorias; b) prestar serviços de comunicação; c) prestar serviços
de transporte interestadual ou intermunicipal562
.
Para o estudo da isenção referente à aquisição de automóvel de passeio,
importante deter a análise nos critérios da regra-matriz constante da letra “a”, ou seja,
realização de operações relativas à circulação de mercadorias, o que será feito a seguir.
O critério material da hipótese é realizar (verbo) operações relativas à circulação
de mercadorias (complemento), o que pressupõe a alteração da titularidade do bem.
O critério espacial são os limites geográficos do Estado.
O critério temporal é o instante em que as mercadorias deixarem o
estabelecimento, podendo ser real ou ficta. Basta a existência de documentação que respalde a
operação jurídica para que ela seja considerada perfeita e acabada, desencadeando, assim, os
efeitos jurídicos e fiscais correspondentes563
.
559 CARVALHO, P., 2013, p. 769. 560
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 30 ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 84/2014. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 1061. 561 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 988. 562 CARVALHO, P., op. cit., p. 733/734. 563 Ibid., p. 734.
187
No que se refere ao critério pessoal do consequente, o sujeito ativo é o Estado ou
o Distrito Federal e o sujeito passivo, “aquele que promoveu a realização do evento”564
.
Extrai-se do enunciado normativo do art. 4º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de
1996, que o contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade
ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria.
Por fim, o critério quantitativo é formado pela base de cálculo consistente no valor
da operação (art. 13, inc. I da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996) e pela
alíquota.
A seguir será analisada a norma isentiva.
4.2.5.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel de passeio
A norma isentiva, por sua vez, tem o seu suporte físico no Convênio ICMS 38, de
30 de março de 2012, que dispõe, em sua cláusula primeira, que:
Cláusula primeira
Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo
automotor novo quando adquirido por pessoas portadoras de deficiência
física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por
intermédio de seu representante legal.
§ 1º O benefício correspondente deverá ser transferido ao adquirente do
veículo, mediante redução no seu preço.
§ 2º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica a veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo
fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00
(setenta mil reais).
§ 3º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica se o adquirente não tiver débitos para com a Fazenda Pública Estadual ou Distrital.
§ 4º o veículo automotor deverá ser adquirido e registrado no Departamento
de Trânsito do Estado - DETRAN em nome do deficiente.
§ 5º o representante legal ou o assistente do deficiente responde
solidariamente pelo imposto que deixar de ser pago em razão da isenção de
que trata este convênio.
O próprio Convênio traz a definição de pessoa com deficiência em sua cláusula
segunda:
Cláusula segunda
Para os efeitos deste convênio é considerada pessoa portadora de:
Nova redação dada ao inciso I do caput da cláusula segunda pelo Conv.
ICMS 68/15, efeitos a partir de 01.10.15.
564 CARVALHO, P., 2011, p. 422.
188
I - deficiência física, aquela que apresenta alteração completa ou parcial de
um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento
da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, nanismo, tetraplegia, tetraparesia, triplegia,
triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de
membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou
adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;
II - deficiência visual, aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor
que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações;
Nova redação dada ao inciso III do caput da cláusula segunda pelo Conv.
ICMS 135/12, efeitos de 01.01.13 a 31.12.13.
III - deficiência mental severa ou profunda, aquela que apresenta o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com
manifestação anterior aos dezoito anos e limitações associadas a duas ou
mais áreas de habilidades adaptativas;
IV - autismo aquela que apresenta transtorno autista ou autismo atípico.
Nova redação dada ao § 1º da cláusula segunda pelo Conv. ICMS 135/12,
efeitos de 01.01.13 a 31.12.13.
§ 1º A comprovação de uma das deficiências descritas nos incisos I a III
do caput e do autismo descrito no inciso IV será feita de acordo com norma
estabelecida pelas unidades federadas, podendo ser suprida pelo laudo
apresentado à Secretaria da Receita Federal do Brasil para concessão da isenção de IPI.
Nova redação dada ao caput do § 2º da cláusula segunda pelo Conv. ICMS
135/12, efeitos de 01.01.13 a 31.12.13.
Conforma já exposto no item “4.2.5.1 Considerações Gerais”, para que o
Convênio seja incorporado na legislação interna de cada Estado da Federação e do Distrito
Federal, faz-se necessário que ele seja aprovado por meio de decreto legislativo.
A título ilustrativo, no Estado de São Paulo, a concessão dessa isenção está
prevista no Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias
e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – RICMS, in verbis:
SEÇÃO III - DA ISENÇÃO
Artigo 8 - Ficam isentas do imposto as operações e as prestações indicadas no Anexo I deste regulamento.
[...]
LIVRO V - Dos Anexos
ANEXO I - Isenções (Relação a que se refere o artigo 8º deste regulamento)
Artigo 19 - (PESSOA COM DEFICIÊNCIA OU AUTISTA - VEÍCULO
AUTOMOTOR) - Saída interna e interestadual de veículo automotor novo
adquirido, diretamente ou por meio de representante legal, por pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista (Convênio
189
ICMS-38/12). (Redação dada ao artigo pelo Decreto 58.897, de 20-02-2013;
DOE 21-02-2013; Efeitos desde 1º de janeiro de 2013)
§ 1º - Para fins do disposto neste artigo, considera-se:
1 - pessoa com deficiência:
a) física, aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais
segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia,
hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral,
membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzem dificuldades para o desempenho de funções
(Convênio ICMS-78/14); (Redação dada à alínea pelo Decreto 61.537, de
07-10-2015; DOE 08-10-2015)
b) visual, aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual
inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações;
c) mental severa ou profunda, aquela que apresenta o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação anterior
aos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades
adaptativas;
2 - autista, a pessoa que apresenta transtorno autista ou autismo atípico.
§ 2º - O benefício previsto neste artigo:
1 - fica condicionado a que:
a) a operação também esteja isenta do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nos termos da legislação federal vigente;
b) o adquirente não tenha débitos para com a Secretaria da Fazenda;
c) o veículo seja adquirido e registrado no DETRAN em nome da pessoa com deficiência ou autista;
d) seja utilizado uma única vez no período de 2 (dois) anos, contados da data
da aquisição do veículo, ressalvados os casos de destruição completa do veículo ou de seu desaparecimento;
2 - deverá ser transferido ao adquirente do veículo, mediante correspondente
redução no preço;
3 - aplica-se a veículo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00
(setenta mil reais).
Conclui-se que a norma isentiva mutila parcialmente o critério material da
hipótese da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, mais precisamente o complemento
do verbo (automóvel novo adquirido por pessoa com deficiência), de modo que realizar
(verbo) operações relativas à circulação de veículo automotor novo, cujo preço de venda ao
consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$
70.000,00, desde que adquirido por pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou
190
profunda ou autismo, diretamente ou por intermédio de seu representante legal
(complemento) é retirado da esfera de incidência da regra-matriz tributária.
Observa-se que neste caso também não é possível falar em mutilação parcial do
critério pessoal do consequente, pois a pessoa com deficiência que adquire o veículo não é o
sujeito passivo da relação jurídica tributária, mas o comerciante, ainda que ao final, ele
repasse o valor para o referido consumidor (“contribuinte de fato”).
Cumpre destacar que a pessoa com deficiência auditiva não foi beneficiada pela
norma.
No próximo tópico será analisada a norma isentiva sob o prisma do princípio da
igualdade.
4.2.5.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade
Já foram analisadas a regra-matriz de incidência e a norma isentiva (itens “4.2.4.2
A regra-matriz de incidência do ICMS” e “4.2.5.3 A norma isentiva – aquisição de automóvel
de passeio”) de sorte que o estudo continuará a partir da etapa 3 da metodologia de trabalho
formulada por José Artur Lima Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério material (complemento do verbo) da regra-matriz de incidência do ICMS. Isso quer
dizer que o discrímen está na destinação do veículo, ou seja, a compra de automóvel novo por
pessoa com deficiência (etapa 3).
Como visto anteriormente, referida norma beneficia indiretamente as pessoas com
deficiência física, visual, mental severa ou profunda ou autismo e o elemento de diferenciação
está na deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou no autismo e, diretamente, o
comerciante, que deixará de recolher o tributo (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (compra de
automóvel novo por pessoa com deficiência) e o tratamento diferenciado (etapa 5), uma vez
que a norma isentiva ensejará o não pagamento do ICMS pelo comerciante (não dever
entregar dinheiro ao erário, enquanto outros devem) e gerará, em consequência, a ausência de
transferência do ônus financeiro para a pessoa com deficiência adquirente, propiciando a
aquisição do veículo por preço inferior ao praticado normalmente.
No tocante à etapa 6 e pelos mesmos motivos já expostos no item “4.2.4.4 A regra
isentiva e o princípio da igualdade” relativo ao IPI, verifica-se que a norma isentiva do ICMS
também respeita os valores constantes da Constituição e as determinações constantes da
191
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, uma vez que permite
e facilita o exercício do direito de ir e vir da pessoa com deficiência, por meio da eliminação
ou mitigação das barreiras físicas, notadamente com relação aos meios de transporte.
Objetiva-se facilitar a locomoção das pessoas com deficiência.
A norma isentiva também estabelece algumas limitações ao direito de isenção.
Primeiramente é fixado um valor máximo para que o veículo novo seja isento, ou seja, o
preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não
pode ser superior a R$ 70.000,00 (§ 2º da cláusula 1ª do Convênio ICMS 38, de 30 de março
de 2012).
Por outro lado, a isenção é limitada a um veículo por deficiente e o prazo mínimo
de manutenção da propriedade dele de dois anos. Contudo, em casos excepcionais de
destruição completa do veículo ou seu desaparecimento, o benefício poderá ser usufluído
novamente em período inferior a dois anos (cláusulas quinta e sétima do Convênio ICMS 38,
de 30 de março de 2012).
Havendo a alienação do veículo dentro do prazo de dois anos para pessoa que não
possua o direito à isenção, a pessoa com deficiência deverá recolher o imposto com
atualização monetária e acréscimos legais. Referida norma não se aplica na hipótese de
transmissão para a seguradora em decorrência de roubo, furto ou perda total do veículo,
transmissão do veículo em virtude do falecimento do beneficiário e alienação fiduciária em
garantia (cláusula quinta do Convênio ICMS 38, de 30 de março de 2012).
De forma similar, deverá haver o recolhimento do tributo nos casos de
modificação das características do veículo para lhe retirar o caráter de especialmente
adaptado, emprego do veículo em finalidade que não seja a que justificou a isenção e não
atender ao disposto no § 3º da cláusula quarta (cláusula quinta do Convênio ICMS 38, de 30
de março de 2012).
A norma isentiva, portanto, traz limitações que permitem restringir o âmbito da
ação afirmativa ao estritamente necessário, segundo a visão do legislador, para a realização da
igualdade material.
Nesse passo, no âmbito do ICMS as restrições são maiores que as existentes no
âmbito do IPI. Ademais, é possível afirmar que não são todas as pessoas com deficiência
protegidas, uma vez que as pessoas surdas também não foram mencionadas na norma isentiva.
192
4.2.6 Isenção do IPVA sobre a propriedade de veículos automotores
4.2.6.1 Considerações gerais
A competência para a regulamentação do Imposto sobre a propriedade de veículos
automotores é dos Estados e do Distrito Federal (art. 155 da CF).
Da interpretação realizada do enunciado do art. 155, § 6º, da CF, é possível
afirmar que as alíquotas mínimas serão estabelecidas pelo Senado Federal e será possível a
fixação de alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização.
De acordo com Luiz Emygdio F. da Rosa Jr, o IPVA possui as seguintes
características:
a) fim predominantemente fiscal porque visa a carrear recursos para os
Estados e o Distrito Federal, mas apresenta extrafiscalidade quando a legislação estadual discrimina em função do combustível ou da origem do
veículo, nacional ou importado, não sendo esta última hipótese admitida na
jurisprudência (vide item 4.5 infra); b) imposto real, mas quando a legislação
estadual estabelece alíquota mais gravosa para o veículo automotor importado, leva em conta a capacidade contributiva do seu proprietário; c)
imposto direto porque não comporta o fenômeno econômico da repercussão;
d) imposto sobre patrimônio porque incide sobre a propriedade de veículo automotor; e) imposto periódico porque a sua incidência ocorre a cada ano;
e) imposto permanente porque integra o sistema tributário nacional em
caráter permanente e não extraordinário, como o imposto por motivo de guerra; f) 50% (cinqüenta por cento) do produto da arrecadação do IPVA
pertencem aos Municípios no que toca aos veículos automotores licenciados
em seus territórios (CF, art. 158, III) [...]565
.
Leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho quanto ao IPVA que a CF de 1988
manteve corretamente esse imposto na esfera de competência dos Estados, com a destinação
de metade da arrecadação para o município da situação do veículo. É o direito de propriedade
o objeto da tributação e não a coisa, “pois o sujeito passivo é sempre uma pessoa física ou
jurídica, e a base de cálculo, o valor da sua propriedade, isto é, do veículo”566
.
Considerando que cada Estado edita a sua própria legislação, os valores muitas
vezes são diferentes.
Diante da existência de legislação específica em cada Estado e no Distrito Federal,
para que seja possível a análise da regra isentiva, eleger-se-á a legislação do Estado de São
Paulo, sem que isso tenha qualquer efeito em desconsiderar a importância das outras
legislações.
565 ROSA JUNIOR, 2003, p. 1075/1076. 566 COÊLHO, 2015, p. 460/461.
193
Portanto, a seguir será realizada a análise da regra-matriz de incidência do IPVA
com base na legislação do Estado de São Paulo.
4.2.6.2 A regra-matriz de incidência do IPVA
O critério material da hipótese é ser (verbo) proprietário de veículo automotor
(complemento), de acordo com a interpretação do enunciado do art. 2º da Lei do Estado de
São Paulo nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008.
O critério espacial são os limites geográficos do Estado de São Paulo.
Com relação ao critério temporal, ele pode ser assim esquematizado, dada as
diversas especificidades referentes ao momento em que é adquirida a propriedade (art. 3º da
Lei do Estado de São Paulo nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008):
I - no dia 1º de janeiro de cada ano, em se tratando de veículo usado;
II - na data de sua primeira aquisição pelo consumidor, em se tratando de
veículo novo;
III - na data de seu desembaraço aduaneiro, em se tratando de veículo
importado diretamente do exterior pelo consumidor;
IV - na data da incorporação do veículo novo ao ativo permanente do
fabricante, do revendedor ou do importador;
V - na data em que deixar de ser preenchido requisito que tiver dado causa à
imunidade, isenção ou dispensa de pagamento;
VI - na data da arrematação, em se tratando de veículo novo adquirido em leilão;
VII - na data em que estiver autorizada sua utilização, em se tratando de
veículo não fabricado em série;
VIII - na data de saída constante da Nota Fiscal de venda da carroceria,
quando já acoplada ao chassi do veículo objeto de encarroçamento;
IX - na data em que o proprietário ou o responsável pelo pagamento do
imposto deveria ter fornecido os dados necessários à inscrição no Cadastro de Contribuintes do IPVA deste Estado, em se tratando de veículo
procedente de outro Estado ou do Distrito Federal;
X - relativamente a veículo de propriedade de empresa locadora: a) no dia 1º de janeiro de cada ano, em se tratando de veículo usado já
inscrito no Cadastro de Contribuintes do IPVA deste Estado;
b) na data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território deste Estado, em se tratando de veículo usado registrado
anteriormente em outro Estado;
c) na data de sua aquisição para integrar a frota destinada à locação neste
Estado, em se tratando de veículo novo.
194
No que se refere ao critério pessoal do consequente, o sujeito ativo é o Estado de
São Paulo e o sujeito passivo, o proprietário de veículo automotor (art. 5º da Lei do Estado de
São Paulo nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008).
Quanto ao critério quantitativo, a base de cálculo será (art. 7º da Lei do Estado de
São Paulo nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008):
I - na hipótese dos incisos I, V, IX e X, alíneas "a" e "b", do artigo 3º desta lei, o valor de mercado do veículo usado constante da tabela de que trata o §
1º deste artigo;
II - na hipótese do inciso II e X, alínea "c", do artigo 3º desta lei, o valor total constante do documento fiscal de aquisição do veículo pelo consumidor;
III - na hipótese do inciso III do artigo 3º desta lei, o valor constante do
documento de importação, acrescido dos valores dos tributos devidos em
razão da importação, ainda que não recolhidos pelo importador;
IV - na hipótese do inciso IV do artigo 3º desta lei:
a) para o fabricante, o valor médio das operações com veículos do mesmo
tipo que tenha comercializado no mês anterior ao da ocorrência do fato gerador;
b) para o revendedor, o valor da operação de aquisição do veículo, constante
do documento fiscal de aquisição; c) para o importador, o valor a que se refere o inciso III deste artigo.
V - na hipótese do inciso VI do artigo 3º desta lei, o valor da arrematação,
acrescido das despesas cobradas ou debitadas do arrematante e dos valores
dos tributos incidentes sobre a operação, ainda que não recolhidos;
VI - na hipótese dos incisos VII e VIII do artigo 3º desta lei, a soma dos
valores atualizados de aquisição de suas partes e peças e outras despesas,
também atualizadas, que incorrerem na sua montagem.
Por fim, as alíquotas serão (art. 9º da Lei do Estado de São Paulo nº 13.296, de 23
de dezembro de 2008):
I - 1,5% (um inteiro e cinqüenta centésimos por cento) para veículos de
carga, tipo caminhão;
II - 2% (dois por cento) para:
a) ônibus e microônibus;
b) caminhonetes cabine simples; c) motocicletas, ciclomotores, motonetas, triciclos e quadriciclos;
d) máquinas de terraplenagem, empilhadeiras, guindastes, locomotivas,
tratores e similares;
III - 3% (três por cento) para veículos que utilizarem motor especificado
para funcionar, exclusivamente, com os seguintes combustíveis: álcool, gás
natural veicular ou eletricidade, ainda que combinados entre si;
IV - 4% (quatro por cento) para qualquer veículo automotor não incluído nos incisos I a III deste artigo.
Uma vez identificados os elementos da regra-matriz de incidência do IPVA,
passa-se a analisar a norma isentiva.
195
4.2.6.3 A norma isentiva – ser proprietário de automóvel “adaptado”
A norma isentiva, por sua vez, tem o seu suporte físico no inc. III do art. 13 da Lei
do Estado de São Paulo nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008, in verbis:
Artigo 13 - É isenta do IPVA a propriedade:
III - de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com
deficiência física [...]
Conclui-se que a norma isentiva mutila parcialmente o critério pessoal do
consequente da regra-matriz de incidência tributária, uma vez que exclui as pessoas com
deficiência física que sejam proprietárias de veículo adaptado do dever de pagar o tributo
incidente sobre a propriedade de veículos automotores. Dessa forma, a abrangência de
incidência do IPVA é restringida ao se excluir determinados “contribuintes” que, embora
sejam proprietários de veículo automotor, não devem pagar o IPVA.
Numa análise comparativa com as demais normas isentivas já tratadas, verifica-se
que essa norma é a mais restritiva delas. Isso porque, a ação afirmativa proporcionada pela
norma isentiva, a princípio, apenas protege a pessoa com deficiência física e está limitada à
propriedade de carro adaptado.
Contudo, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo tem
entendido pela possibilidade de abranger pessoas com outras espécies de deficiência567
. Desse
modo, o entendimento exposto pelo Relator Des. Ferraz de Arruda, nos autos da Apelação nº
0002014-15.2014.8.26.0309568
, que reconheceu o direito a uma pessoa com deficiência física
visual, sob o fundamento de que a norma isentiva deve ser interpretada em conformidade com
os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Destarte, não há justificativa
567 No mesmo sentido inúmeros outros julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo: 1) 0002014-
15.2014.8.26.0309, pessoa com deficiência física visual, Relator(a): Des. Renato Delbianco, Data do julgamento:
17/11/2015; 2) 0004306-70.2014.8.26.0309, pessoa com deficiência visual grave, Relator(a): Des. Ronaldo
Andrade, Data do julgamento: 17/11/2015; 3) 0021956-67.2013.8.26.0309, pessoa com paralisia cerebral, lesão
cerebral com restrição de movimento (locomoção), Relator(a): Des. Maria Olívia Alves, Data do julgamento:
16/11/2015; 4) 1012549-83.2014.8.26.0309, pessoa com trissomia cromossômica XXI, com paraplegia dos
membros inferiores (não condutora), Relator(a): Des. Oswaldo Luiz Palu, Data do julgamento: 18/11/2015; 5)
1024847-04.2014.8.26.0602, criança com paralisia cerebral, Relator(a): Des. Paulo Dimas Mascaretti, Data do
julgamento: 18/11/2015; 6) 1006287-45.2015.8.26.0451, criança com hidrocefalia congênita, com grave
comprometimento neuromotor das quatro extremidades tetraparesia e cegueira de ambos os olhos Relator(a):
Des. Claudio Augusto Pedrassi, Data do julgamento: 17/11/2015; 7) 0001347-59.2014.8.26.0493, pessoa com deficiência visual, Relator(a): Des. Maria Olívia Alves, Data do julgamento: 16/11/2015; e 8) 1007049-
61.2015.8.26.0451, criança portadora de transtorno autista e retardo mental grave, Relator(a): Des. Claudio
Augusto Pedrassi, Data do julgamento: 01/12/2015. 568 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0002014-15.2014.8.26.0309. Relator Des. Ferraz de
Arruda. 2ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 18 nov. 2015. Diário da Justiça, 24 nov. 2015.
196
para se negar o direito à isenção do IPVA às pessoas com deficiência que possuam
dificuldade de locomoção e dependam de terceiros para tanto.
De igual forma, o voto proferido pelo Relator Fermino Magnani Filho, nos autos
da Apelação nº 1016350-70.2014.8.26.0482569
, em que também foi reconhecido o direito a
uma pessoa com deficiência visual, pois a expressão propriedade mencionada no art. 13, inc.
III, da Lei Estadual nº 13.296/2008 deve ser entendida em seu sentido amplo, o que impõe
seja considerado proprietário qualquer pessoa que tenha a possibilidade de gozar, usar ou
dispor do bem móvel e o fato da pessoa ser transportada por outro condutor não desnatura
esse direito.
Restou consignado que compreender a norma de forma diversa implica uma
“odiável distinção entre as diversas deficiências que podem acometer as pessoas, conferindo
somente a algumas o benefício legal, e apartando da margem de proteção todos os demais
que estão, de algum modo, absolutamente impossibilitados de conduzir o veículo por si só”.
Do mesmo modo, o já mencionado voto da Relatora Juíza Heloísa Martins
Mimessi, nos autos da Apelação nº 1019899-80.2015.8.26.0053570
, em que foi reconhecido o
direito à isenção do IPVA em caso de deficiente não condutor (pessoa com deficiência
visual), cujo trecho segue:
[...] A resposta é simples: a suposição referida rejeita o dado real (igualmente presumível, mas livre do risco de aceitar discriminações inconstitucionais)
de que os deficientes, em geral, suportam mais dificuldades financeiras que a
média dos cidadãos em razão das despesas com que precisam arcar para ter uma vida menos difícil e poder contornar as limitações em que a deficiência
implica. Nesses termos, cai por terra o argumento ou melhor, a presunção
que permitiria atribuir diferentes capacidades contributivas a deficientes-condutores e deficientes-não condutores.
Todavia, há mais a considerar. A tentativa de justificar o caráter restrito da
isenção pela tese da compensação de custos suplementares esconde o fato de
que as normas de isenção para deficientes fundamentam-se, também, em finalidades extrafiscais, ou seja, em objetivos externos à arrecadação de
receita e à distribuição equilibrada do ônus fiscal. Com isso se quer afirmar
que a concessão de benefício fiscal aos deficientes serve para facilitar que certas pessoas, atingidas pelas consequências da adversidade biológica e/ou
social, possam obter os meios para uma vida mais digna e liberta de
dificuldades mais intensas. A isenção, aqui, serve como resposta à indiferença e promove a distribuição social dos ônus que afetam alguns
indivíduos. Em síntese, para liberar os deficientes do pagamento do tributo,
faz-se a partilha coletiva dos encargos que sobrecarregariam aqueles que
enfrentam dificuldades graves.
569 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 1016350-70.2014.8.26.0482. Relator Des. Fermino
Magnani Filho. 5ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 23 nov. 2015. 570 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 1019899-80.2015.8.26.0053. Relatora Juíza Heloísa
Martins Mimessi. 5ª Câmara de Direito Público. Data da decisão: 17 nov. 2015. Diário da Justiça, 18 nov. 2015.
197
Mais que compensação e equiparação, a isenção para deficientes é
instrumento expressivo da ação extrafiscal do Estado o que é admitido pela
própria Fazenda, na medida em que visa a oferecer amparo e propiciar alívio àqueles que, resumidamente, têm mais necessidades enfrentam mais
contratempos. Ao mesmo tempo, a extrafiscalidade que marca a isenção aos
deficientes manifesta-se como incentivo daí funcionar a técnica isentiva
como norma indutora de estados de coisas desejados à aquisição de veículos, em vista da dupla finalidade de concretizar o direito ao transporte (o qual
assume relevância especial para aqueles que, em razão da deficiência,
deparam-se com maiores óbices para se deslocar) e fortalecer a proteção estatal aos portadores de deficiência (resultante de deveres constitucionais
dirigidos a todos os entes da Federação).
Em face da finalidade extrafiscal da isenção para deficientes, não há razão
jurídica que valide a restrição do favor fiscal àqueles que podem conduzir o próprio veículo.
Veja-se que não está em jogo, aqui, a igualdade perante a lei (a dita
“igualdade formal”, revelada na aplicação uniforme da lei aos seus destinatários e convertida, no campo da aplicação judicial do direito, na
adequação das situações individuais e concretas à norma geral e abstrata). O
que está, propriamente, sob consideração, é a igualdade na lei (ou “igualdade material”), na medida em que se coloca em dúvida ou melhor, reputa-se
claramente injusto o tratamento diferenciado conferido a diferentes
categorias de sujeitos por uma regra de direito positivo.
Em face do exposto, em decorrência de uma interpretação sistemática e tendo em
vista o princípio da igualdade, a jurisprudência tem ampliado a abrangência de norma
isentiva, afastando-se a necessidade de o carro ser adaptado.
A pesquisa prosseguirá sob a perspectiva do princípio da igualdade.
4.2.6.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade
Após a análise da regra-matriz de incidência e a norma isentiva (itens “4.2.6.2 A
regra-matriz de incidência do IPVA” e “4.2.6.3 A norma isentiva – ser proprietário de
automóvel “adaptado”), a exposição prosseguirá a partir da etapa 3 da metodologia de
trabalho formulada por José Artur Lima Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência tributária. Isso quer dizer que o
discrímen está no sujeito passivo da regra-matriz de incidência, uma vez que exclui as pessoas
com deficiência física, mental e visual do dever de pagar o tributo incidente sobre a
propriedade de veículo automotor (etapa 3).
A norma beneficia, portanto, as pessoas com deficiência e o elemento de
diferenciação está nessa espécie de deficiência (etapa 4).
198
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (pessoa com
deficiência proprietária de veículo automotor) e o tratamento diferenciado (etapa 5), uma vez
que a norma isentiva ensejará o não pagamento do IPVA pela pessoa com deficiência física,
mental e visual (não dever entregar dinheiro ao erário, enquanto outros devem).
No tocante à etapa 6, a norma busca proteger a liberdade de ir e vir, a dignidade e
a cidadania, conforme exposto pelo Relator Des. Nelson Calandra, nos autos da Apelação nº
0047032-29.2009.8.26.0602571
:
Ora, o objetivo do benefício fiscal é a inclusão da pessoa com deficiência,
garantindo-lhe a sua dignidade, cidadania e liberdade de ir e vir. A isenção do imposto não visa a compensar eventual ônus na adaptação do veículo
adquirido. Ainda, o art. 111, II, do CTN não pode ser interpretado de forma
literal, e sim de maneira lógico-sistemática, em razão dos princípios
constitucionais tributários. Tal interpretação garante a isonomia das pessoas com deficiência ao benefício fiscal, não se limitando à pessoa com
deficiência física. O princípio da igualdade das pessoas com deficiência deve
ocorrer não somente perante a lei, mas na própria lei. As pessoas com deficiência devem gozar dos mesmos benefícios fiscais.
De conseguinte, pelos mesmos motivos já expostos no item “4.2.4.4 A regra
isentiva e o princípio da igualdade” relativo ao IPI, verifica-se que a norma isentiva do IPVA
também respeita os valores constantes da Constituição e as determinações constantes da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, criando meios para
facilitar o direito de locomoção.
4.2.7 Isenção do IOF na aquisição de automóveis mediante financiamento bancário
4.2.7.1 Considerações gerais
O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro e sobre operações
relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF é de competência da União (art. 153, V da
CF). Trata-se de um imposto extrafiscal, “já que se presta como instrumento de política de
crédito, câmbio, seguro e transferência de valores”572
, embora com significativa função fiscal,
dada as somas expressivas recolhidas.
Com fulcro no § 1º do art. 153 da CF, o Poder Executivo poderá alterar as
alíquotas do IOF, excepcionando a observância do princípio da legalidade.
571 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 0047032-29.2009.8.26.0602. Relator Des. Nelson
Calandra. 2ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 14 set. 2010. Diário da Justiça, 18 fev. 2011. Outro nº
990.10.237791-1. 572 CARVALHO, P., 2013, p. 724.
199
Ademais, o § 1º do art. 150 da CF dispensa também a observância dos princípios
da anterioridade e da anterioridade nonagesimal.
Por meio desse imposto, objetiva-se tributar a circulação de valores, ou seja, os
valores que transitam pelo sistema financeiro por intermédio de operações de crédito, câmbio,
seguro e de quaisquer espécies de títulos vinculados ao sistema financeiro ou à Comissão de
Valores Mobiliários, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho573
.
De acordo com Sacha Calmon Navarro Coêlho,
O imposto se pretende classificado entre os impostos sobre circulação. É
imposto sobre negócios cambiais, financeiros, creditícios e de seguros. É tipicamente imposto sobre negócios jurídicos específicos. Nas operações de
crédito, a instituição financeira coloca dinheiro atual nas mãos do tomador
em troca de mais dinheiro no futuro (mútuo). Nas operações de câmbio, o
negócio é trocar moedas. Nas operações com seguros, paga o segurado ex contractu quantias em dinheiro para forrar-se de riscos a bens e interesses os
mais variados. As operações com títulos e valores mobiliários pegam os
papéis representantivos de bens e direitos em circulação no mercado financeiro [...]
574.
No próximo tópico será analisada a regra-matriz de incidência do IOF.
4.2.7.2 A regra-matriz de incidência do IOF
O IOF possui, portanto, quatro regras-matrizes de incidência que se referem à: 1)
operações de crédito, b) operações de câmbio, c) operações de seguro e d) operações relativas
a títulos ou valores mobiliários (art. 63 do CTN).
Pra fins do presente trabalho, apenas será analisada as peculiaridades da regra-
matriz de incidência com relação às operações de crédito.
No que se refere à regra-matriz de incidência do IOF referente às operações de
crédito, o art. 63 do CTN estabelece que ele tem como “fato gerador”, “a sua efetivação pela
entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua
colocação à disposição do interessado”.
O critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária é a entrega
ou disponibilização (verbo) do crédito (complemento).
Sacha Calmon Navarro Coêlho leciona que as operações de crédito significam: “a)
operações de empréstimo; b) operações de abertura de crédito e sua utilização; c) operações
de desconto de títulos de crédito”575
.
573 CARVALHO, P., 2013, p. 726. 574 COÊLHO, 2015, p. 451. 575 Ibid., p. 453.
200
O critério espacial é todo o território nacional e o critério temporal, o momento da
entrega do numerário ou a sua disponibilização.
Quanto ao consequente, a União é o sujeito ativo e a pessoa física ou jurídica
tomadora do crédito, o sujeito passivo (critério pessoal).
Por fim, quanto ao critério quantitativo, a base de cálculo é o montante da
obrigação, compreendendo o principal e os juros (art. 64, I do CTN) e a alíquota é aquela
fixada pelo Poder Executivo, sendo no máximo de 1,5% ao dia (art. 1º da Lei nº 8.894, de 21
de junho de 1994).
Desta feita, o estudo prosseguirá com a análise da norma isentiva.
4.2.7.3 A norma isentiva – aquisição de crédito para a compra de automóvel adaptado
A norma isentiva está prevista na Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que
assim dispõe:
Art. 72. Ficam isentas do IOF as operações de financiamento para a
aquisição de automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127
HP de potência bruta (SAE), quando adquiridos por:
IV - pessoas portadoras de deficiência física, atestada pelo Departamento de
Trânsito do Estado onde residirem em caráter permanente, cujo laudo de
perícia médica especifique;
a) o tipo de defeito físico e a total incapacidade do requerente para dirigir
automóveis convencionais;
b) a habilitação do requerente para dirigir veículo com adaptações especiais,
descritas no referido laudo;
Conclui-se que ela mutila parcialmente o critério pessoal da hipótese da regra-
matriz de incidência tributária do IOF, uma vez que exclui as pessoas com deficiência física
que se valem de financiamento para a aquisição de automóvel adaptado de fabricação
nacional de até 127 HP de potência bruta.
A jurisprudência mais recente tem admitido que o direito à isenção abrange
também a pessoa com deficiência física que não pode conduzir veículo automotor, pois o
escopo da norma isentiva é a inclusão social dos deficientes físicos576
.
No mesmo sentido o voto do Relator Des. Joel Ilan Paciornik, nos autos da
Apelação/Reexame Necessário Cível nº 0001000-15.2008.4.04.7111577
, que assentou que a
576 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Reexame Necessário Cível nº 5018897-28.2013.404.7100. Relatora Des. Maria de Fátima Freitas Labarrère. 1ª Turma. Data da Decisão: 16 jul. 2014. Diário da Justiça, 17
jul. 2014. 577 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário Cível nº 0001000-
15.2008.4.04.7111. Relator Des. Joel Ilan Paciornik. 1ª Turma. Data da Decisão: 18 mar. 2009. Diário da Justiça,
24 mar. 2009.
201
“interpretação que somente defere o benefício aos deficientes "condutores", excluindo aqueles
que necessitam do auxílio de um motorista, não é restritiva, mas divorciada do conteúdo e da
finalidade da norma legal”578
, pois o benefício fiscal em tela tem por objetivo promover a
autonomia de locomoção do deficiente físico sem condicionar o benefício à dirigibilidade do
veículo, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.
De conseguinte, é diminuída a abrangência de incidência do IOF, ao excluir
determinados “contribuintes” que, embora tenham adquirido crédito, não possuem o dever de
pagar o IOF. Inibe-se o consequente da regra-matriz de incidência, de forma que a relação
jurídica tributária não se forma.
Resta ainda, analisar a regra isentiva sob a perspectiva do princípio da igualdade.
4.2.7.4 A regra isentiva e o princípio da igualdade
Considerando que já houve a análise da regra-matriz de incidência e a regra-
matriz isentiva (itens “4.2.7.2 A regra-matriz de incidência do IOF” e “4.2.7.3 A norma
isentiva – aquisição de crédito para a compra de automóvel adaptado”), a exposição
prosseguirá a partir da etapa 3 da metodologia de trabalho formulada por José Artur Lima
Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência tributária. Isso quer dizer que o
discrímen está no sujeito passivo da regra-matriz de incidência, uma vez que exclui as pessoas
com deficiência física, que precisem ou não de automóvel adaptado, do dever de pagar o
tributo incidente sobre a operação de crédito (etapa 3).
A norma beneficia, portanto, as pessoas com deficiência física. O elemento de
diferenciação está, portanto, nessa espécie de deficiência (etapa 4).
Verifica-se a correlação lógica entre o elemento de discriminação (pessoa com
deficiência física que realize contrato de mútuo para a aquisição de veículo automotor
adaptado ou não) e o tratamento diferenciado (etapa 5), uma vez que a norma isentiva
ensejará o não pagamento do IOF pela pessoa com deficiência física condutora ou não (não
dever entregar dinheiro ao erário, enquanto outros devem).
578 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário Cível nº 0001000-
15.2008.4.04.7111. Relator Des. Joel Ilan Paciornik. 1ª Turma. Data da Decisão: 18 mar. 2009. Diário da Justiça,
24 mar. 2009.
202
No tocante à etapa 6 e pelos mesmos motivos já expostos nos itens “4.2.4.4 A
regra isentiva e o princípio da igualdade” relativo ao IPI e “4.2.6.4 A regra isentiva e o
princípio da igualdade” relativo ao IPVA, a norma isentiva do IOF está em consonância com
os valores constantes da CF e com as determinações constantes da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, uma vez que garante o direito de locomoção.
É uma das formas de minimizar ou eliminar as barreiras físicas com relação aos meios de
transporte.
Numa análise comparativa com as demais normas isentivas já tratadas, verifica-se
que essa norma é quase tão restritiva quanto à norma isentiva do IPVA, pois inicialmente
apenas protege a pessoa com deficiência física, cabendo ao Poder Judiciário a interpretação da
norma conforme o princípio da igualdade.
Essa isenção também possui limitações. O benefício somente poderá ser utilizado
uma única vez (letra “a” do § 1° do art. 72 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991) e a
alienação do veículo, antes de três anos contados da data de sua aquisição, a pessoas que não
satisfaçam as condições e os requisitos, ensejará o pagamento do tributo (§ 3° do art. 72 da
Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991).
A norma isentiva, portanto, traz limitações que permitem restringir o âmbito da
ação afirmativa ao estritamente necessário, segundo a visão do legislador, para a realização da
igualdade material.
4.2.8 Isenção do ICMS nas operações com artigos e aparelhos ortopédicos e para fraturas
4.2.8.1 Considerações gerais
No presente trabalho já se teve a oportunidade de tratar um pouco acerca do
ICMS, razão pela qual se reporta ao quanto foi exposto nos itens “4.2.5.1 Considerações
gerais” e “4.2.5.2 A regra-matriz de incidência do ICMS” .
De conseguinte, desde já será iniciada a exposição a partir da norma isentiva
quanto aos artigos e aparelhos ortopédicos.
4.2.8.2 A norma isentiva – artigos e aparelhos ortopédicos e para fraturas
A norma isentiva tem o seu suporte físico no Convênio ICMS 126, de 24 de
setembro de 2010 que dispõe, em sua cláusula primeira, que:
203
Cláusula primeira
Ficam isentas do ICMS as operações com as mercadorias a seguir indicadas
com respectivas classificações da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM:
I - barra de apoio para portador de deficiência física, 7615.20.00;
II - cadeira de rodas e outros veículos para inválidos, mesmo com motor ou
outro mecanismo de propulsão: a) sem mecanismo de propulsão, 8713.10.00;
b) outros, 8713.90.00;
III - partes e acessórios destinados exclusivamente a aplicação em cadeiras de rodas ou em outros veículos para inválidos, 8714.20.00;
IV - próteses articulares e outros aparelhos de ortopedia ou para fraturas:
a) próteses articulares:
1. femurais, 9021.31.10; 2. mioelétricas, 9021.31.20;
3. outras, 9021.31.90;
b) outros: 1. artigos e aparelhos ortopédicos, 9021.10.10;
2. artigos e aparelhos para fraturas, 9021.10.20;
c) partes e acessórios: 1. de artigos e aparelhos de ortopedia, articulados, 9021.10.91;
2. outros, 9021.10.99;
V - partes de próteses modulares que substituem membros superiores ou
inferiores, 9021.39.91;
VI - outras partes e acessórios, 9021.39.99;
VII - aparelhos para facilitar a audição dos surdos, exceto as partes e
acessórios, 9021.40.00;
VIII - partes e acessórios de aparelhos para facilitar a audição dos surdos,
9021.90.92.
Acrescido o inciso IX ao caput da clausula primeira pelo Conv. ICMS 30/12, efeitos a partir de 01.06.12.
IX - implantes cocleares, 9021.90.19.
Parágrafo único. Não será exigido o estorno do crédito fiscal de que trata o
art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.
A título ilustrativo, no Estado de São Paulo, a concessão de referida isenção tem
previsão no Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias
e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – RICMS, in verbis:
SEÇÃO III - DA ISENÇÃO
Artigo 8 - Ficam isentas do imposto as operações e as prestações indicadas
no Anexo I deste regulamento.
[...]
LIVRO V - Dos Anexos
ANEXO I - Isenções (Relação a que se refere o artigo 8º deste regulamento)
204
TABELA I DO ANEXO I - (Isenções - Concessões por Tempo Indeterminado)
[...]
53 - As seguintes operações (Convênios ICMS-47/97, cláusulas primeira e segunda, e 55/98): (Redação dada pelo art. 1º do Decreto 43.367, de 06-08-98 - DOE 07-08-98 -; efeitos a partir de 14-07-98)
53.1 - com os produtos adiante indicados, classificados na posição, subposição ou código da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH: I - cadeira de rodas e outros veículos para deficientes físicos, mesmo com motor ou outro mecanismo de propulsão: a) sem mecanismos de propulsão ................................................ 8713.10.00; b) outros ..................................................................................... 8713.90.00;
II - partes e acessórios destinados exclusivamente a aplicação em cadeiras de rodas ou outros veículos para inválidos ....................................... 8714.20.00;
III - próteses articulares: a) femurais ................................................................................. 9021.11.10; b) miolétricas ............................................................................. 9021.11.20; c) outras ....................................................................................... 9021.11.9;
IV - outros artigos e aparelhos ortopédicos ................................. 9021.19.10;
V - outros artigos e aparelhos para fraturas ................................. 9021.19.20;
VI - partes e acessórios de artigos e aparelhos de ortopedia, articulados .................................................................................. 9021.19.91;
VII - outras partes e acessórios ................................................... 9021.19.99;
VIII - partes de próteses modulares que substituem membros superiores ou inferiores .................................................................................... 9021.30.91;
IX - outros .................................................................................. 9021.30.99;
X - aparelhos para facilitar a audição dos surdos, exceto as partes e acessórios ................................................................................... 9021.40.00;
XI - partes e acessórios de aparelhos para facilitar a audição dos surdos..........................................................................................9021.90.92.
Conclui-se que a norma isentiva mutila parcialmente o complemento do critério
material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, (barra de apoio para
portador de deficiência física, cadeira de rodas e outros especificados), de forma que realizar
(verbo) operações relativas à circulação de barra de apoio para portador de deficiência física,
cadeira de rodas e outros especificados (complemento) é retirado da esfera de incidência da
regra-matriz tributária.
A exposição deve prosseguir com a análise do princípio da igualdade.
4.2.8.3 A regra isentiva e o princípio da igualdade
Após a análise da regra-matriz de incidência e da norma isentiva (itens “4.2.5.2 A
regra-matriz de incidência do ICMS” e “4.2.8.2 A norma isentiva – artigos e aparelhos
205
ortopédicos e para fraturas”), o estudo continuará a partir da etapa 3 da metodologia de
trabalho formulada por José Artur Lima Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério material (complemento do verbo) da regra-matriz de incidência do ICMS. Isso quer
dizer que o discrímen está no produto objeto da operação de circulação (etapa 3).
Referida norma beneficia indiretamente as pessoas com deficiência física e
auditiva e diretamente o comerciante de referidas mercadorias (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (operações
envolvendo barra de apoio para portador de deficiência física, cadeira de rodas e outros
veículos para inválidos, mesmo com motor ou outro mecanismo de propulsão e outras
mercadorias especificadas) e o tratamento diferenciado (etapa 5), uma vez que a norma
isentiva ensejará o não pagamento do ICMS pelo comerciante (não dever entregar dinheiro ao
erário, enquanto outros devem) e gerará, em consequência, a ausência de transferência do
ônus financeiro para a pessoa com deficiência adquirente, propiciando a aquisição desses bens
imprescindíveis para eliminar as barreiras física e de comunicação.
No tocante à etapa 6, a norma isentiva do ICMS também respeita os valores
constantes da Constituição e as determinações constantes da Convenção Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência, pois elenca bens necessários à promoção de uma
vida digna às pessoas com deficiência, com a eliminação das barreiras. Ademais, a finalidade
da norma isentiva é incentivar o comércio de referidos bens (sob a perspectiva do
comerciante) e facilitar o acesso a eles (sob a perspectiva da pessoa com deficiência).
4.2.9 Isenção do ICMS nas operações relativas às mercadorias destinadas a pessoas com
deficiência física, auditiva ou visual
4.2.9.1 Considerações gerais
Reporta-se novamente ao quanto foi exposto nos itens “4.2.5.1 Considerações
gerais” e “4.2.5.2 A regra-matriz de incidência do ICMS” .
De conseguinte, desde já será iniciado o estudo da norma isentiva quanto às
mercadorias destinadas a pessoas com deficiência física, auditiva ou visual.
206
4.2.9.2 A norma isentiva – mercadorias destinadas a pessoas com deficiência física, auditiva
ou visual
A norma isentiva tem o seu suporte físico no Convênio ICMS 55, de 19 de junho
de 1998 que dispõe, em sua cláusula primeira, que:
Cláusula primeira
Ficam os Estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe e o Distrito Federal
autorizados a concederem isenção do ICMS às operações internas com os seguintes produtos para uso exclusivo por pessoas portadoras de deficiência,
nas modalidades a seguir indicadas, classificados nas respectivas posições,
subposições e códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema
Harmonizado - NBM/SH:
DESCRIÇÃO DO PRODUTO NBM/SH
I - acessórios e adaptações especiais para serem instalados
em veículo automotor pertencente a pessoa portadora de
deficiência física:
a) embreagem manual, suas partes e acessórios; 8708.93.00
b) embreagem automática, suas partes e acessórios; 8708.93.00
c) freio manual, suas partes e acessórios; 8708.31.00
d) acelerador manual, suas partes e acessórios; 8708.99.00
e) inversão do pedal do acelerador, suas partes e acessórios; 8708.99.00
f) prolongamento de pedais, suas partes e acessórios; 8708.99.00
g) empunhadura, suas partes e acessórios; 8708.99.00
h) servo acionadores de volante, suas partes e acessórios 8708.99.00
i) deslocamento de comandos do painel, suas partes e
acessórios
8708.29.99
j) plataforma giratória para deslocamento giratório do assento de veículo, suas partes e acessórios
9401.20.00
l) trilho elétrico para deslocamento do assento dianteiro
para outra parte do interior do veículo, suas partes e
acessórios
9401.20.00
II - plataforma de elevação para cadeira de rodas, manual,
eletro-hidráulica e eletromecânica, especialmente
desenhada e fabricada para o uso por pessoa portadora de deficiência física, suas partes e acessórios
8428.10.00
III - rampa para cadeira de rodas, suas partes e acessórios,
para uso por pessoa portadora de deficiência física
7308.90.90
IV - guincho para transportar cadeira de rodas, suas partes e
acessórios, para uso por pessoa portadora de deficiência física
8425.39.00
V – produtos destinados a pessoa portadora de deficiência
visual:
a) bengala inteiriça, dobrável ou telescópica, com ponteira de “nylon”
6602.00.00
b) relógio em “Braille”, com sintetizador de voz ou com
mostrador ampliado
9102.99.00
c) termômetro digital com sistema de voz 9025.1
d) calculadora digital com sistema de voz, com 8470.10.00
207
verbalização dos ajustes de minutos e horas, tanto no modo horário, como no modo alarme, e comunicação por voz dos
dígitos de cálculo e resultados
, 8470.2 e 8470.30.00
e) agenda eletrônica com teclado em “Braille”, com ou sem sintetizador de voz
8471.30.11
f) reglete para escrita em “Braille” 8442.50.00
g) “display Braille” e teclado em “Braille” para uso em
microcomputador, com sistema interativo para introdução e
leitura de dados por meio de tabelas de caracteres “Braille”
8471.60.52
h) máquina de escrever para escrita “Braille”, manual ou
elétrica, com teclado de datilografia comum ou na
formatação "Braille”
8469.12,
8469.20.00
e 8469.30.
i) impressora de caracteres “Braille” para uso com microcomputadores, com sistema de folha solta ou dois
lados da folha, com ou sem sistema de comando de voz,
com ou sem sistema acústico
8471.60.1 e
8471.60.2
j) equipamento sintetizador para reprodução em voz de sinais gerados por microcomputadores, permitindo a leitura
de dados de arquivos, de uso interno ou externo, com
padrão de protocolo SSIL de interface com “softwares” leitores de tela
8471.80.90
VI – produtos destinados a pessoas portadoras de
deficiência auditiva:
a) aparelho telefônico para uso da pessoa portadora de deficiência auditiva, com teclado alfanumérico e visor
luminoso, com ou sem impressora embutida, que permite
converter sinais transmitidos por sistema telefônico em
caracteres e símbolos visuais
8517.19
b) relógio despertador vibratório e/ou luminoso para uso
por pessoa portadora de deficiência auditiva
9102.99
Renumerado o parágrafo único da cláusula primeira para § 1º pelo Conv.
ICMS 13/14, efeitos a partir de 01.06.14.
§ 1º O benefício previsto nesta cláusula será concedido de acordo com
disciplina a ser estabelecida em legislação estadual.
No Estado de São Paulo, a concessão de referida isenção tem previsão no
Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação –
RICMS, in verbis:
SEÇÃO III - DA ISENÇÃO
Artigo 8 - Ficam isentas do imposto as operações e as prestações indicadas
no Anexo I deste regulamento.
[...]
LIVRO V - Dos Anexos
ANEXO I - Isenções (Relação a que se refere o artigo 8º deste regulamento)
TABELA I DO ANEXO I - (Isenções - Concessões por Tempo
Indeterminado)
[...]
208
53 - As seguintes operações (Convênios ICMS-47/97, cláusulas primeira e
segunda, e 55/98): (Redação dada pelo art. 1º do Decreto 43.367, de 06-08-
98 - DOE 07-08-98 -; efeitos a partir de 14-07-98) [...]
53.2 - internas que destinem os produtos adiante indicados a pessoas
portadoras de deficiência física, visual ou auditiva, classificados na posição,
subposição ou código da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH:
I - acessórios e adaptações especiais para serem instalados em veículo
automotor pertencente a pessoa portadora de deficiência física: a) embreagem manual, suas partes e acessórios ........................... 8708.93.00;
b) embreagem automática, suas partes e acessórios ..................... 8708.93.00;
c) freio manual, suas partes e acessórios ..................................... 8708.31.00;
d) acelerador manual, suas partes e acessórios ............................ 8708.99.00; e) inversão do pedal do acelerador, suas partes e acessórios ........ 8708.99.00;
f) prolongamento de pedais, suas partes e acessórios ................... 8708.99.00;
g) empunhadura, suas partes e acessórios .................................... 8708.99.00; h) servo acionadores de volante, suas partes e aces-sórios ........... 8708.99.00;
i) deslocamento de comandos do painel, suas partes e acessórios 8708.29.99;
j) plataforma giratória para deslocamento giratório do assento de veículo, suas partes e acessórios ............................................................... 9401.20.00;
l) trilho elétrico para deslocamento do assento dianteiro para outra parte do
interior do veículo, suas partes e acessórios ................................ 9401.20.00;
II - plataforma de elevação para cadeira de rodas, manual, eletro-hidráulica ou eletromecânica, especialmente desenhada e fabricada para o uso por
pessoa portadora de deficiência física, suas partes e acessórios ... 8428.10.00;
III - rampa para cadeira de rodas, suas partes e acessórios, para uso por pessoa portadora de deficiência física ......................................... 7308.90.90;
IV - guincho para transportar cadeira de rodas, suas partes e acessórios, para
uso por pessoa portadora de deficiência física ............................. 8425.39.00;
V - destinados ao uso de pessoa portadora de deficiência visual:
a) bengala inteiriça, dobrável ou telescópica, com ponteira de
"nylon" ....................................................................................... 6602.00.00;
b) relógio em "Braille", com sintetizador de voz com mostrador ampliado .....................................................................................9102.99.00;
c) termômetro digital com sistema de voz .......................................... 9025.1;
d) calculadora digital com sistema de voz, com verbalização dos ajustes de minutos e horas, tanto no modo horário, como no modo alarme, e
comunicação por voz dos dígitos de cálculo e
resultados .................................................. 8470.10.00, 8470.2 e 8470.30.00;
e) agenda eletrônica com teclado em "Braille", com ou sem sintetizador de voz ............................................................................................. 8471.30.11;
f) reglete para escrita em "Braille" .............................................. 8442.50.00;
g) "display Braille" e teclado em "Braille" para uso em microcomputador, com sistema interativo para introdução e leitura de dados por meio de tabelas
de caracteres "Braille" ................................................................ 8471.60.52;
h) máquina de escrever para escrita "Braille", manual ou elétrica, com teclado de datilografia comum ou na formação
"Braille" ....................................................... 8469.12, 8469.20.00 e 8469.30;
i) impressora de caracteres "Braille" para uso com microcomputadores, com
sistema de folha solta ou dois lados da folha, com ou sem sistema de comando de voz, com ou sem sistema acústico .......... 8471.60.1 e 8471.60.2;
209
j) equipamento sintetizador para reprodução em voz de sinais gerados por
microcomputadores, permitindo a leitura de dados de arquivos, de uso
interno ou externo, com padrão de protocolo SSIL de interface com "softwares" leitores de tela .......................................................... 8471.80.90;
VI - produtos destinados ao uso de pessoas de deficiência auditiva:
a) aparelho telefônico com teclado alfanumérico e visor luminoso, com ou
sem impressora embutida, que permite converter sinais transmitidos por sistema telefônico em caracteres e símbolos visuais ......................... 8517.19;
b) relógio despertador vibratório e/ou luminoso ............................... 9102.99.
De forma similar ao quanto exposto no item “4.2.8.2 A norma isentiva – artigos e
aparelhos ortopédicos e para fraturas”, a norma isentiva mutila parcialmente o complemento
do critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, (plataforma
de elevação para cadeira de rodas, guincho para transportar cadeira de rodas, máquina de
escrever para escrita "Braille", relógio despertador vibratório e/ou luminoso, dentre outras
mercadorias arroladas), de forma que realizar (verbo) operações relativas a essas mercadorias
é retirado da esfera de incidência da regra-matriz tributária.
Por fim, resta ainda analisar a regra isentiva sob o prisma do princípio da
igualdade.
4.2.9.3 A regra isentiva e o princípio da igualdade
Já foram analisadas a regra-matriz de incidência e a norma isentiva (itens “4.2.5.2
A regra-matriz de incidência do ICMS” e “4.2.9.2 A norma isentiva – mercadorias destinadas
a pessoas portadoras de deficiência física, auditiva ou visual”). O estudo continuará a partir da
etapa 3 da metodologia de trabalho formulada por José Artur Lima Gonçalves.
Da interação da norma isentiva com a norma de incidência houve a mutilação do
critério material (complemento do verbo) da regra-matriz de incidência do ICMS. Isso quer
dizer que o discrímen está no produto objeto da operação de circulação, ou seja, na espécie da
mercadoria (etapa 3).
Referida norma beneficia indiretamente as pessoas com deficiência física, auditiva
e visual e diretamente o comerciante (etapa 4).
Há, ainda, correlação lógica entre o elemento de discriminação (operações
envolvendo plataforma de elevação para cadeira de rodas, guincho para transportar cadeira de
rodas, máquina de escrever para escrita "Braille", relógio despertador vibratório e/ou
luminoso, dentre outras mercadorias arroladas) e o tratamento diferenciado (etapa 5), porque a
norma isentiva ensejará o não pagamento do ICMS pelo comerciante (não dever entregar
dinheiro ao erário, enquanto outros devem) e gerará, em consequência, a ausência de
210
transferência do ônus financeiro para a pessoa com deficiência adquirente, propiciando a
aquisição desse bens imprescindíveis para eliminar as diversas barreiras física e de
comunicação.
No tocante à etapa 6, a norma isentiva do ICMS também respeita os valores
constantes da CF e as determinações constantes da Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, uma vez que elenca bens necessários à promoção da igualdade
de participação da pessoa com deficiência na sociedade. Ademais, a finalidade da norma
isentiva é incentivar o comércio de referidos bens, desonerando a sua circulação.
211
5 CONCLUSÃO
A proteção das pessoas com deficiência por meio das ações afirmativas no direito
tributário é um imperativo constitucional e continua sendo um desafio.
Por pessoa com deficiência entende-se aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, definição esta introduzida no ordenamento jurídico
brasileiro em razão da ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência.
Embora não se desconsidere a importância da norma para o direito, a
compreensão das questões pertinentes à desigualdade de fato pressupõe o estudo do fato e do
valor como integrantes do fenômeno jurídico e do direito. A norma não é apenas o resultado
estanque da tensão existente entre os fatos sociais e os valores de uma determinada sociedade,
pois os fatos sociais e os valores continuam a exercer importância na interpretação e na
modificação da norma, num constante processo dialético.
Nesse diapasão, as pessoas com deficiência receberam ao longo do tempo
diferentes tratamentos. No início (primeira fase) era constante o extermínio das pessoas com
deficiência e, embora em menor proporção, há também relatos de que as pessoas deficientes
eram protegidas como uma forma de louvar aos deuses.
Numa segunda fase, as pessoas com deficiência eram excluídas do convívio social
ao serem colocadas em instituições beneficentes.
Por fim, numa terceira fase, houve a reinserção da pessoa com deficiência na
sociedade, no início por meio da integração, ou seja, a sociedade estava pronta para receber
essas pessoas, desde que elas se adaptassem, por conta própria, às exigências inerentes à vida
social. Posteriormente, com a alteração do paradigma, passou-se a falar em inclusão, que
significa que a sociedade também deve se adaptar para receber as pessoas com deficiência.
Por fim, defende-se que a fase atual é a da emancipação da pessoa com deficiência.
Contudo, ainda que se trate de uma evolução histórica, nos dias atuais é possível
falar na existência concomitante das fases de exclusão, de integração e de inclusão.
De acordo com os dados estatísticos da ONU trazidos para o bojo da pesquisa, em
torno de 10% da população mundial, ou seja, 650 milhões de pessoas vivem com algum tipo
de deficiência. Com base nos dados estatísticos colhidos pelo IBGE no Censo Demográfico
212
2010, 23,9% da população brasileira, ou seja, mais de quarenta e cinco milhões de pessoas
declararam ter pelo menos uma deficiência.
Esses dados estatísticos indicam, igualmente, que as pessoas com deficiência
possuem maiores dificuldades de acesso à educação, menor nível de instrução e a deficiência
apresenta-se como um fator limitante ao mercado de trabalho, notadamente com relação aos
homens. Ademais, há uma relação estreita entre deficiência e pobreza, seja a deficiência como
a causa ou uma das causas da pobreza, seja a pobreza como causa da deficiência, o que enseja
a marginalização e a vulnerabilidade desta população.
Dessa forma, há uma desigualdade de fato entre as pessoas com e sem deficiência
que interfere negativamente nas oportunidades que as pessoas com deficiência vão ter de
participar da vida em sociedade. A tensão entre essa desigualdade de fato (fato social) e os
valores aceitos pela sociedade brasileira vai dar ensejo à criação das normas jurídicas
protetivas, como as ações afirmativas.
Por outro lado, os valores são preferências por núcleos de significação e o valor
próprio do direito é a justiça.
Para a realização da justiça, o valor igualdade é um instrumento adequado para
esse fim. Com efeito, a justiça de uma sociedade depende de como essa sociedade distribui os
bens valiosos entre o seus membros, incluindo as oportunidades e as condições sociais. A
sociedade é considerada justa quando ela confere a cada indivíduo o que lhe é devido.
A problemática inicia-se em saber qual é o critério mais correto para proceder a
essa divisão: seria de acordo com o mérito? De acordo com o status social? De acordo com a
necessidade? De acordo com o que as pessoas merecem moralmente? De acordo com o
trabalho? Contudo, ela vai além. Isso porque é da natureza do ser humano a diferença e, em
consequência, nem sempre haverá a chamada liberdade de escolha, seja por questões naturais
(congênitas), seja por questões impostas pelo meio social.
A justiça está não só no tratamento igual, como também na igualdade (ou o
máximo possível) de oportunidades e participação. Para tanto, faz-se imprescindível a atuação
do Estado por meio das ações afirmativas.
Nessa toada, houve uma evolução no modo de compreender o direito, que deixou
de ser mero instrumento para a manutenção de uma dada ordem, por meio da previsão de
sanções (negativas) para condutas incompatíveis com ela e passou a exercer importante
função de alteração social com a previsão de prêmios (sanções positivas) para o caso de
adoção dos comportamentos desejados. Ao lado das sanções negativas que implicam uma
213
ameaça, passa a existir as sanções positivas, que consistem em uma promessa ou em uma
consequência agradável e revelam a função promocional do direito.
As sanções positivas também possuem espaço no direito tributário quando, por
exemplo, concedem-se os benefícios fiscais e, portanto, elas representam um mecanismo
eficaz de encorajamento de condutas.
O ordenamento jurídico brasileiro possui dentre os princípios constitucionais o
princípio da igualdade. De conseguinte, a igualdade, além de ser um valor, é também um
valor positivado pelo ordenamento jurídico brasileiro. O princípio da igualdade é, portanto,
uma norma jurídica com alta carga valorativa. Ele, em sua vertente formal, veda a criação de
privilégios ou perseguições (na lei) e impõe que todos devem ser tratados igualmente (perante
a lei). Já em sua vertente material, o princípio da igualdade impõe a realização da justiça
distributiva por meio da compensação das desigualdades sociais, econômicas e culturais
existentes. Neste caso, a igualdade é considerada o fim a ser perseguido. Surge então, a ideia
de “igualdade de oportunidades” e a instituição de medidas jurídicas para minorar o peso das
desigualdades econômicas e sociais e das diversas barreiras, como é o caso das ações
afirmativas.
Desse modo, a eliminação das desigualdades de fato vivenciadas pelas pessoas
com deficiência está de acordo com os valores previstos na Constituição, uma vez que a CF
preceitua os seguintes objetivos: construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e promoção do
bem de todos sem qualquer forma de discriminação. Ademais, a CF traz em seu bojo
expressamente o princípio da igualdade, que deve ser considerado nas suas duas vertentes
(formal e material).
Corroborando tal conclusão, a própria CF previu a adoção de ação afirmativa
quanto à reserva de vagas em concursos públicos para as pessoas com deficiência. Ademais, a
CF proíbe a adoção de tratamento discriminatório em relação aos salários e aos critérios de
admissão da pessoa com deficiência.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que
possui status de norma constitucional, possui como objetivo a promoção da igualdade de
oportunidades nos diversos aspectos da vida, por meio da correção das profundas
desvantagens sociais das pessoas com deficiência. Ademais, além da igualdade formal, a
Convenção prevê que as medidas adotadas pelos Estados-parte para acelerar ou alcançar a
efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias.
214
Por fim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência tem por finalidade assegurar e
promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades das pessoas
com deficiência, visando à sua inclusão social e a cidadania.
Ele estabelece as seguintes ações afirmativas: a) reserva de, no mínimo, 3% das
unidades habitacionais para pessoa com deficiência em programas habitacionais públicos ou
subsidiado com recursos públicos; b) as construtoras e incorporadoras deverão assegurar um
percentual mínimo de unidades internamente acessíveis, na forma regulamentar e não poderão
cobrar a mais por essas adaptações; c) os telecentros que recebem recursos públicos e as lans
houses devem garantir, no mínimo, 10% de seus computadores com recursos de
acessibilidade para pessoa com deficiência visual; d) serão reservadas 2% das vagas em
estacionamento aberto ao público e em vias públicas; e) as frotas de taxis deverão reservar
10% da frota para veículos acessíveis; f) as locadoras de veículos deverão oferecer um veículo
adaptado para uso de pessoa com deficiência a cada conjunto de vinte veículos de sua frota; e
g) na outorga de exploração de serviço de táxi, 10% das vagas serão reservadas a condutores
com deficiência. Ademais, há determinação para o Poder Público incentivar a fabricação de
veículos acessíveis e a sua utilização como táxis e vans.
Conclui-se, portanto, que não apenas a eliminação dessas desigualdades de fato
está de acordo com os valores previstos na Constituição, como a adoção de políticas públicas
com esse objetivo (ações afirmativas) é uma imposição constitucional, pois, por meio delas,
realiza-se uma distribuição mais igualitária do que é considerado fundamental em uma
sociedade. Ao mesmo tempo em que se concretiza a igualdade de oportunidades, ela promove
a alteração do comportamento e da mentalidade coletiva, elimina os efeitos da discriminação
do passado e aumenta a representatividade dos grupos minoritários e vulneráveis, permitindo
a criação das “pessoas emblemáticas”, que são os exemplos vivos da alteração realizada.
Indo além, dada a natureza sistemática e unitária do ordenamento jurídico, é
possível concluir que o direito tributário é um ramo do direito que também deve ser utilizado
como instrumento para a eliminação das diversas barreiras existentes com vistas à concreção
dos objetivos e valores constitucionais.
Contudo, para que isso seja possível, deixa-se latente o principal objetivo do
direito tributário, que é arrecadação de recursos para a manutenção do Estado e dos serviços
públicos (finalidade fiscal), para se introduzir, em normas específicas, outros objetivos
previstos na CF, como a promoção da igualdade material (finalidade extrafiscal).
Nesse passo, como regra geral, impera no âmbito tributário o princípio da
igualdade tributária, por meio do qual os contribuintes que possuem as mesmas condições
215
econômicas devem receber o mesmo tratamento pela legislação tributária. Veda-se, portanto,
o tratamento diferenciado em razão da ocupação profissional ou função exercida.
Por outro lado, o constituinte elegeu como critério positivo de discriminação o
princípio da capacidade contributiva, ou seja, o tributo deve recair sobre fatos que
demonstrem signos de riqueza, como a renda, o patrimônio e o consumo.
Todavia, tanto o princípio da igualdade tributária como o princípio da capacidade
contributiva pode ceder no caso da realização da tributação como finalidade extrafiscal, pois,
por meio do tributo, objetiva-se a realização de uma finalidade externa à própria tributação,
que é a realização do princípio da igualdade material. O critério, portanto, deixa de ser a
riqueza do contribuinte, para ser o grau de exclusão dessa pessoa.
Com a adoção de ações afirmativas no âmbito tributário, não se almeja a
concretização da finalidade fiscal do tributo, mas da finalidade extrafiscal, mais
especificamente a promoção da igualdade de participação da pessoa com deficiência.
De conseguinte, por meio das sanções positivas ou ações afirmativas tributárias, o
contribuinte é chamado a alterar o seu comportamento e a contribuir efetivamente para a
realização de mudanças sociais e, como consequência, tem a sua carga tributária minorada.
As seguintes técnicas colocadas à disposição do legislador são aptas para a
obtenção de fins extrafiscais: a progressividade e regressividade, a seletividade de alíquotas e
a concessão de benefícios fiscais. Por consequência, esses são os mecanismos existentes no
direito tributário que podem ser utilizados para a implementação de ações afirmativas para a
proteção das pessoas com deficiência.
Desse modo, é possível estabelecer alíquotas variadas conforme a riqueza do
contribuinte, de sorte que elas serão, de acordo com a técnica da progressividade, maiores
quanto maior for a base de cálculo. O oposto ocorrerá no caso da regressividade.
Quanto à técnica da seletividade de alíquotas, elas serão estipuladas levando em
consideração a essencialidade do produto, de maneira que os produtos mais essenciais terão
alíquotas menores que os produtos menos essenciais.
O exemplo de ação afirmativa por meio dessa técnica é a alíquota do IPI dos
óculos. Isso porque, enquanto a alíquota no caso da industrialização de óculos de sol é de
15%, em se tratando de óculos para correção, a alíquota passa a ser de 5%.
Também se verifica que diversos outros produtos imprescindíveis para a
eliminação das barreiras – cadeiras de rodas, lentes de contato, lentes de vidro para óculos,
próteses articulares femurais, mioelétricas e outras e os aparelhos para facilitar a audição dos
surdos – possuem alíquota do IPI zerada. Embora se trate, na verdade, de uma isenção, não se
216
desconhece que ela é o resultado de uma valoração quanto à essencialidade de referidos
produtos.
Por fim, a técnica de maior relevância, e que também tem sido a mais utilizada
para a veiculação de ações afirmativas no âmbito tributário, é, sem dúvida, a concessão de
benefícios fiscais. Eles carregam não apenas a mera redução da carga fiscal, mas uma decisão
política de realização dos valores e objetivos consagrados pela ordem jurídica.
Essa técnica poderá beneficiar diretamente a pessoa com deficiência como, por
exemplo, com a exclusão ou redução do valor dos tributos devidos ou, indiretamente, quando
o contribuinte do tributo não é a pessoa com deficiência, mas o objetivo da redução ou
exclusão do ônus tributário é a proteção da pessoa com deficiência.
Compreende-se por beneficio ou incentivo fiscal, em sua acepção ampla, qualquer
tratamento diferenciado conferido a um número restrito de contribuintes. Abrange não só os
casos de renúncias de receitas, como também formas de pagamento mais vantajosas, como os
casos de parcelamento ou concessão de prazos mais dilatados para pagamento ou, ainda, a
redução ou simplificação de deveres instrumentais. Como exemplo desse benefício fiscal foi
citado o art. 108 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que alterou a Lei nº 9.250, de 26 de
dezembro de 1995, para prever o direito de preferência à restituição do imposto de renda no
caso de pessoa com deficiência ou do contribuinte que tenha dependente nesta condição.
Por outro lado, o benefício ou incentivo fiscal, em sua acepção restrita, significa
quaisquer benefícios de natureza tributária que importem renúncia de receita. Neste caso, os
particulares deixam de levar recursos para os cofres públicos. Esses benefícios fiscais podem
se dar por meio de isenção, anistia, remissão, concessão de crédito presumido, redução de
alíquotas, redução de base de cálculo, devolução total ou parcial do tributo, em que resulte
redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus ou qualquer outro benefício que
implique redução ou eliminação do montante do crédito tributário devido.
Cumpre ressaltar que para ser considerado benefício, é imprescindível que ele seja
concedido em caráter excepcional, abarcando apenas um número determinado de
contribuintes.
Dentre essas hipóteses de benefícios fiscais, o legislador tem predominantemente
optado pela concessão de isenções para a implantação de ações afirmativas com o objetivo de
proteção das pessoas com deficiência.
Esse é o caso das seguintes isenções que foram tratadas com todas as suas
especificidades: isenção do IR – doenças graves, isenção do IPI, ICMS e IOF na aquisição de
automóvel de passeio, isenção de IPVA sobre a propriedade de veículos automotores, isenção
217
do ICMS nas operações com artigos e aparelhos ortopédicos e para fraturas e isenção do
ICMS nas operações relativas às mercadorias destinadas a pessoas portadoras de deficiência
física, auditiva ou visual.
Ademais, o legislador também se valeu da dedução da base de cálculo do IR nos
casos de despesas com saúde e despesas com educação equiparadas à saúde.
Observa-se que esses esforços têm se concentrado para assegurar o exercício do
direito de locomoção, seja por meio de isenções de tributos incidentes sobre a industrialização
e circulação de veículos automotores, inclusive para o caso de necessidade de aquisição de
crédito, caso esses dos seguintes tributos (IPI, ICMS e IOF), seja por meio de isenção do
IPVA, assegurando-se a propriedade do veículo automotor.
As legislações do IPI e do ICMS preveem uma proteção mais abrangente e as do
IOF e do IPVA uma proteção menos abrangente.
Todavia, a jurisprudência tem desempenhado relevante papel para, com fulcro no
princípio da igualdade, corrigir algumas situações de desigualdade, como no caso de pessoas
com deficiência que não possuem condições de conduzir veículo automotor, uma vez que o
próprio grau ou a espécie de deficiência as impedem. É o caso, por exemplo, das pessoas
cegas e das pessoas com deficiência mental.
Nesses casos, constatou-se que a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo tem reconhecido o direito à isenção do IPVA e a jurisprudência do
egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem assegurado o direito à isenção do IOF
para as pessoas com deficiência não condutoras.
No entanto, tanto as legislações como a jurisprudência não têm assegurado esse
mesmo direito para as pessoas surdas.
Ademais, a jurisprudência tem garantido o direito à isenção do IPI no caso de
veículo furtado ou roubado dentro do prazo de dois anos.
Semelhantemente à alíquota zero do IPI, há a concessão de isenção do ICMS no
caso de diversas mercadorias que são úteis para a eliminação das diversas barreiras.
No caso de mercadorias destinadas a pessoas com deficiência física permite-se
citar os artigos e aparelhos ortopédicos – cadeiras de rodas e próteses articulares – e os
acessórios e adaptações especiais para serem instalados em veículo automotor pertencente à
pessoa com deficiência física.
Com relação às pessoas com deficiência visual, há isenção do ICMS das seguintes
mercadorias: bengala, relógio em “Braille”, termômetro digital com sistema de voz,
calculadora digital com sistema de voz, agenda eletrônica com teclado em “Braille”, “display
218
Braille” e teclado em “Braille” para uso em microcomputador, máquina de escrever para
escrita em “Braille”, impressora de caracteres “Braille”, equipamento sintetizador para
reprodução em voz de sinais gerados por microcomputadores.
No tocante às pessoas com deficiência auditiva, há a previsão de isenção do ICMS
das seguintes mercadorias: aparelhos para facilitar a audição dos surdos, implantes cocleares,
aparelhos telefônicos com teclado alfanumérico e visor luminoso, que permite converter
sinais transmitidos por sistema telefônico em caracteres e símbolos visuais e relógio
despertador vibratório e/ou luminoso.
No que se refere ao IR, a veiculação das ações afirmativas para a proteção das
pessoas com deficiência tem ocorrido por meio da dedução da base de cálculo. De
conseguinte, é possível descontar os valores gastos com as medidas necessárias para a
preservação da saúde da pessoa com deficiência. Nesse sentido, igualmente às pessoas sem
deficiência, as pessoas com deficiência ou o contribuinte que possui como dependente uma
pessoa com deficiência pode deduzir as despesas com médicos, dentistas, psicólogos,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, hospitais, exames laboratoriais,
serviços radiológicos. Ademais, podem ser deduzidos os gastos com aparelhos ortopédicos e
próteses ortopédicas, como pernas e braços mecânicos, cadeiras de rodas, andadores
ortopédicos, palmilhas ou calçados ortopédicos dentre outros.
Também podem ser deduzidos da base de cálculo do IR os valores gastos com a
instrução do deficiente físico ou mental em caso de entidades destinadas ao ensino dessas
pessoas.
Por fim, há a isenção do IR no caso de recebimento de proventos e complemento
de aposentadoria e de pensão por pessoas que possuem doenças consideradas graves, como no
caso da alienação mental, da cegueira e da paralisia irreversível e incapacitante.
Nesses casos, a isenção está restrita a esses valores, não abrangendo, portanto, o
salário das pessoas com deficiência, o que pode configurar uma situação de desigualdade, ao
se deixar de considerar que as pessoas com deficiência, como regra geral, precisam de um
mínimo existencial superior que as pessoas sem deficiência.
Diante de todo o exposto, é possível concluir que o direito tributário não está
alheio à necessidade de implantação de ações afirmativas para a proteção das pessoas com
deficiência. Ademais, ele possuiu mecanismos, a exemplo dos benefícios fiscais, que
perfeitamente podem ser utilizados para esse fim.
219
Contudo, as ações afirmativas, tais como formuladas, muitas vezes deixam de
cumprir as finalidades para as quais elas foram criadas, mostrando-se insatisfatórias para a
efetiva proteção das pessoas com deficiência.
Ao lado de alterações na própria legislação, a exemplo da ampliação dos
benefícios fiscais para a aquisição de veículos pelas pessoas surdas, exige-se uma atuação
mais firme do Poder Judiciário para o reconhecimento do direito mediante a aplicação do
princípio da igualdade, postura essa nem sempre verificada na prática.
Ademais, não há ações afirmativas com a finalidade específica de eliminação de
barreiras atitudinais, como por exemplo, a concessão de um incentivo fiscal para a empresa
que contratar pessoas com deficiência além do mínimo legal, às instituições de ensino que
viabilizar a inclusão de alunos com deficiência ou, ainda, às empresas que tiverem um número
significativo de pessoas que compreendem a língua dos sinais. Essa área seria propícia para a
adoção de sanções positivas com a finalidade de alterar os comportamentos, eliminando-se a
discriminação e o preconceito.
Em face de todo o exposto, importante concluir que tratar da proteção das pessoas
com deficiência significa considerar a diversidade dos corpos como algo natural na espécie
humana. Tratar da proteção dessas pessoas implica, ainda, em identificar as diversas barreiras
que a sociedade construiu ao longo dos tempos – barreiras físicas, sociais, comunicacionais e
atitudinais – e reduzi-las ou eliminá-las. Significa, contudo, ir além, para reconhecer que a
pessoa com deficiência é um sujeito de direitos e o direito tributário, em conjunto com os
demais ramos do Direito, deve ser utilizado para propiciar igualdade de oportunidades e a
eliminação do preconceito e da discriminação.
220
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222
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial n. 312.149 -
SC (2013/0069455-6). Relatora Min. Assusete Magalhães. Segunda Turma. Data da decisão: 08 set. 2015. Diário da Justiça, 17 set. 2015.
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(2015/0000982-8). Relator Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Data da decisão: 10 fev. 2015. Diário da Justiça, 20 fev. 2015.
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223
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 1019899-80.2015.8.26.0053.
Relatora Juíza Heloísa Martins Mimessi. 5ª Câmara de Direito Público. Data da decisão: 17 nov. 2015. Diário da Justiça, 18 nov. 2015.
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Relator(a) Des. Maria Olívia Alves. 6ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 16 nov. 2015. Diário da Justiça, 24 nov. 2015.
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Relator(a) Des. Claudio Augusto Pedrassi. 2ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 01 dez. 2015. Diário da Justiça, 13 jan. 2015.
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Relator(a) Des. Paulo Dimas Mascaretti. 8ª Câmara de Direito Público. Data da Decisão: 18 nov. 2015. Diário da Justiça, 01 dez. 2015.
______. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação em mandado de segurança n.
00388107820114013400. Relator Des. Jirair Aram Meguerian. Sexta Turma. Data da Decisão: 10 ago. 2015. Diário da Justiça: 24 ago. 2015.
______. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação / Reexame Necessário nº
00023444020064036105. Relator Juiz Convocado Herbert de Bruyn. 6ª Turma. Data da Decisão: 21 fev. 2013. Diário da Justiça, 28 fev. 2013.
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______. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº 0002692-
93.2013.4.03.6111. Relator Des. Mairan Maia. 6ª Turma. Data da Decisão: 13 ago. 2015. Diário da Justiça, 21 ago. 2015.
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