Curso de Teoria do Estado e Ciência Política

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  • 7/22/2019 Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica

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    CURSO DE TEORIADO ESTADO E CINCIAPOLTICA

    Celso Ribeiro Bastos

    Esta obra que a Saraiva lana nomercado tem tudo para se tornar um dos

    grandes xitos bibliogrficos do ano emcurso. Tal antecipao to mais procedente quando se leva em conta que oautor consagrado mestre das letras jurdicas, responsvel pelo Curso de direi-to constitucional, j na 11? edio, reconhecido por muitos como o mais cientfico, preciso e didtico dos livros de cursoatualmente no mercado.

    De outra parte, ela a culminao deuma longa caminhada no campo do magistrio exercido principalmente na Pontifcia Universidade Catlica de So Pau

    lo, onde coordena os cursos de Ps-Gra-duao em Direito Constitucional e emDireito das Relaes Econmicas Internacionais.

    Todas as suas obras anteriores mereceram calorosa acolhida dos leitores:Elementos de direito constitucional, embrio do que veio a ser mais tarde o Curso de direito constitucional, Do manda

    do de segurana (2? edio). Interpretao e aplicabilidade das normas consti

    tucionais, em co-autoria com o Prof.Carlos Ayres Britto, e, mais recentemente. Lei complementar, teoria e comentrios, obra que lhe valeu o ttulo de Livre-Docente pela PUCSP, e Reflexes, estudos e pareceres, todas editadas pela Saraiva, exceto esta ltima.

    0 autor , tambm. Procurador doEstado Assessor Jurdico, alm deDiretor-Geral do Instituto Brasileiro deDireito Constitucional e Vice-Presidentedo Instituto dos Advogados de So Paulo. Fundou a Revista de Direito Consti-

    CURSODE TEORIA DO ESTADO

    E CINCIA POLTICA

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    CELSO RIBEIRO BASTOSProfessor de Direito Constitucional e Internacional da PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo. Diretor-Geral do InstitutoBrasileiro de Direito Constitucional. Procurador do Estado de

    So Paulo, Assessor Jurdico

    C U R S O

    D E T E O R I A D O E S T A D O

    E C I N C IA P O L T IC A

    3 edio1 9 9 5

    Ed i t o ra

    Saraiva

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    ISBN 85- 02 - 00520- 0

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bastos, Celso Ribeiro, 1938-Curso de teoria do Estado e cincia poltica / Celso Ribeiro

    Bastos. 3. ed. So Paulo : Saraiva, 1995.

    Bibliografia.1. O Estado 2. Estado - Teoria 3. Poltica I. Ttulo.

    93-3537 CDD-320.101

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Estado : Teoria : Cincia poltica 320 .10 1

    2. Teoria do Estado : Cincia poltica 320 .1 01

    6017

    ca EdKoraI SaraivaAvenid a Marqus de So Vicente, 1697 C EP 01139-904 TeL: P ABX (011) 861-3344 Barra Funda

    Caixa Pos tal 2362 Telex: 1126789 Fax (011) 861-3308 Fax Vendas: (011) 861-3268

    So Paulo - SP

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    S TRS MULHERES DA MINHA VIDA

    RISOLETA, JULIANA E SABRINA

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    AGRADECIMENTOS

    Prof.a

    Leda Pereira da Mota por ter estado sempre presente,por seu aconselhamento e sugestes.

    Ao Dr. Celso Spitzcovsky, cujo trabalho foi inestimvel na coleta

    de textos e no arranjo das notas.

    V I I

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    PREFACIO

    O que nos animou a escrever o presente trabalho foi um propsito exclusivamente didtico.

    H muitos anos exercendo o magistrio regularmente, sempre

    nos perseguiu a idia de um dia verter em palavras simples os muitas

    vezes complexos e intrincados problemas do Estado.

    Simplificar, pois, foi o norte do nosso estudo. Da porque pro

    curamos eliminar do texto toda citao excessiva de trechos de outros

    autores, de nomes, de lugares e de datas.

    Ciframo-nos queles que por se tornarem clssicos so pontos e

    marcos cujo desconhecimento absolutamente imperdovel no estudo

    do Estado.

    A nfase foi toda posta na compreenso ampla dos fenmenos

    cuja abordagem se tentou. Afigurou-se-nos mais importante tentar

    explicar ao leitor as idias que sempre subjazem aflorao dos

    grandes institutos vigorantes no Estado. Todo esforo foi posto no

    sentido da compreenso da mecnica do funcionamento do Estado em

    detrimento de uma pura tentativa de definir o objeto em anlise como

    se ele fosse composto de coisas estticas.

    Para aqueles desejosos de mais intimamente se familiarizarem

    com os autores trazidos colao, procuramos fornecer um nmero

    grande de notas de rodap que se destinam exatamente a cumprir

    com esta finalidade de fornecer dados de toda sorte, sem qualquerperigo de se quebrar aquela ligeireza e acessibilidade do texto.

    evidente, ante todo o exposto, que a obra no tem qualquer

    inteno de revolucionar os fundamentos da Teoria do Estado, para

    o que, de resto, nos falta certamente competncia.

    Se inovar se intentou foi, to-somente, na modalidade de dizer as

    coisas, de que, o leitor, familiarizado com o tema, no ter dificuldade

    em rastrear as fontes inspiradoras, inclusive porque, o mais das vezes.

    I X

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    procuramos atravs das mesmas notas de rodap fazer explcita men

    o aos autores e doutrinas de cuja inspirao nos valemos.

    Assim sendo, se algum dia algum mrito houver de ser conferido

    ao presente trabalho esperamos que ele o seja naquele nico campo

    em que aspirou a alguma coisa: o da divulgao e propagao do en

    sino, o que, ainda assim, certamente, s se dar se contar com a ex-

    trema benevolncia do leitor.

    O autor.

    NDICE

    Agradeci mentos V I I

    Prefcio IX

    Captulo I Introduo teoria geral do Estado 1

    1. Os tipos de sociedade s 2

    2. Sociedades polticas 3

    Captul o II O Estado. Conceito e natureza 6

    Captulo III O territrio 12

    Captulo IV O povo 18

    Captul o V O poder 24

    1. Soberania 25

    2. A legalidade e a legitimidade 28

    3. Poder constituinte 32

    4. Natureza jurdica 35

    5. Titularidade e exerccio 36

    6. Modalidade s de poder consti tuinte 40

    Captulo VI Classificao do Estado 46

    1. Monocracia 48

    2. Oligarquia 49

    3. Democraci a 50

    Captulo VII O Estado a partir das foras sociais 59

    1. Socie dade de classes 59

    2. Sociedade pluralista 63

    X I

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    Captulo VIII O Estado Totalitrio, Estado Liberal e Estado

    Social 66

    1. Estado Totalitrio 662. Estado Liberal 68

    3. Estado Social 70

    Captulo IX Estados de poderes divididos 74

    l. As trs funes bsicas do Estado 74

    2. A essncia da teoria da separa o de poderes 76

    3. Evolu o da teoria 78

    Captulo X Principais tipos de Estado 83

    1. Parlamentarismo 83

    2. Presidencialismo 87

    3. Estado marxist a 92

    Captulo XI Estado Unitrio e Federao 96

    1. Estado Unitr io 962. Desconcentra o, descentralizao e Federao 105

    3. O organismo estata l 107

    Captulo XII Sistemas eleitorais 109

    1. Elei es majorit rias e eleies proporci onais 111

    a) Voto majoritrio 111

    b) Voto proporcional 112

    2. Sistema eleitoral misto 114

    Captulo X II I Burocracia 11 6

    1. Noes gerais 11 62. Burocraci a e poltica 118

    3. Avaliao do papel da burocracia 119

    Captulo XIV Os grupos de presso 121

    1. Surgime nto dos grupos de presso 121

    2. Grupos de interesse e grupos de presso 121

    3. Vantag ens e desvantagens dos grupos de presso 123

    X I I

    4. Grupos de press o e partidos polti cos 12 5

    5. Da regula o jurdi ca dos grupos de presso 127

    Captulo XV Os partidos polticos 129

    1. Part e geral 12 9

    2. Classificao 130

    3. Partidos de quadros 131

    4. Partidos de massas 1315. Siste mas de partidos 13 3

    a) Bipartidarismo 133

    b) Multipartidarismo 134

    6. Sist emas de partidos e sistemas eleit orais 135

    7. Os partidos polticos e o seu progressivo enquadramento

    pelo direito 136

    Captulo XVI Liberdades pblicas 138

    1. Histrico 138

    2. A Declara o Francesa 140

    3. A Declara o Americana 143

    4. Evolu o dos direitos individuai s 143

    5. Contedo da Declarao Universal dos Direitos do Ho

    mem 1476. Eficcia da Declarao 147

    Captulo XVII O Estado na ordem jurdica internacional . . . 150

    1. A dupla personalidade do Estado: a interna e a externa 150

    2. O primado da ordem jur dica estadual 153

    3. O primado da ordem jur dica inter nacional 153

    4. A teoria dualista 154

    5. Organizaes internacionais 155

    Bibliogra fia 1 5 9

    X I I I

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    CAPTULO I

    Introduo teoria geral do Estado

    O homem apresenta uma caracterstica fundamental consistente

    em depender de outros homens para a realizao plena da sua natu

    reza. certo, no h dvida, que outros animais tambm vivem em

    bandos ou grupos (abelhas, formigas, castores) numa forma de mani

    festao gregria na qual no est ausente, inclusive, uma repartio

    de funes que acaba por dar lugar a uma certa organizao. Contu

    do, bem de ver, no se fala a da existncia de uma autntica

    sociedade. Na verdade, esta resultante da atuao prpria e ex

    clusiva do homem. S h, pois, sociedades humanas.

    Isoladamente o homem no se basta a si prprio. Na procura da

    felicidade envida um esforo permanente no sentido de satisfazer aosseus interesses e, muitas vezes, o atingimento destes depende de uma

    atividade coordenada entre diversos homens. Sociedade vem a ser

    toda forma de coordenao das atividades humanas objetivando um

    determinado fi m e regulada por um conjunto de normas 1.

    1. Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo teoria do Estado, 2. ed., Forense,p. 240: "No h sociedade que no possua normas de conduta, uma vez que ohomem no um ser anglico e os divergentes interesses individuais no seharmonizam espontaneamente".

    O mesmo Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo, cit., p. 244: "Todas as manifestaes da vida social e da cultura impem aos indivduos, pelo menos indiretamente, certa maneira de proceder, sob pena de sofrerem determinadas con

    seqncias da sua discordncia, inconformismo ou rebeldia. Esta coero, exercida de vrias formas pela sociedade sobre seus membros, foi ressaltada porDurkheim como a caracterstica mxima dos fatos sociais".

    Giorgio Del Vecchio, Lies de filosofia do direito, trad. Antnio Jos Bran-do, 2. ed., Coimbra, 1951, p. 329: "Complexo de relaes pelo qual diversosindivduos vivem e operam conjuntamente de modo a formarem uma nova esuperior unidade".

    Ataliba Nogueira, Lies de teoria geral do Estado, Revista dos Tribunais,1969, p. 19: "Sociedade a coordenao estvel da atividade de dois ou maishomens para atingirem um escopo unitrio comum".

    I

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    A normatividade um elemento importante para caracterizar asociedade e distingui-la de determinados grupos que, embora consa

    grem uma forma de convivncia humana, no so tidos em geral por

    sociedade s. Estas necessitam de normas explci tas e conscien tes s

    vezes, as normas existem mas s no inconsciente das pessoas. Isto

    se pode ilustrar com o exemplo de um indivduo que se envolve numa

    multido e, em conseqncia, passa a receber a sua influncia, atravs

    de um processo psicolgico de poder social. A psicologia social estuda

    este poder e demonstra que o indivduo imerso na multido sofre ainterferncia destes fenmenos multitudinrios e chega at a perdera sua individualidade.

    H outros agrupamentos que se podem prestar a confuses. Um

    pblico de urna conferncia, ou de um espetculo teatral ou cinema

    togrfico, por exemplo. Embora irmanados por um interesse comum

    e por uma circunstncia de fato precisa, a de estarem presentes no

    mesmo momento e local, no constituem sociedade porque ainda

    no adotaram objetivos comuns a serem perseguidos de forma mais

    ou menos permanente.

    Para configurao plena da sociedade trs elementos bsicos

    havero de estar sempre presentes: os membros, os objetivos e as

    regras

    1 OS TIPOS DE SOCIEDADES

    A mais difundida de todas a sociedade familiar. O homem

    nela nasce e, em regra, dela s se retira para fundar um novo ncleo

    jacq ues Leclere, citad o por Mach ado Paupe rio, Teoria geral do Estado,1. ed., Forense, p. 35: "Sociedade uma unio durvel em vista de um fimcomum".

    2. Pedro Salvetti Netto. Curso de teoria do Estado, 3. ed., Saraiva, p. 24:"Os elementos constitutivos da sociedade assim se mostram: homem, base fsica,normas jurdicas, poder. ( . . . ) Normas j urdicas So os meios pelos quais associedades se organizam e disciplinam o comportamento dos seus associados.Pelas normas estabelecem-se os direitos e os deveres dos associados para que.de tal sorte vinculados, componham a forma necessria convivncia socialsuperando os conflitos originados da vida comum".

    3. Ataliba Nogueira, Lies, cit., p. 20: "A necessidade de atingir determinado objetivo, fim, que d origem a uma sociedade. Importa disciplinar ocomportamento dos membros da sociedade para que ela atinja a sua finalidade.So precisas regras de comportamento".

    2

    dessa natureza. tida por natural porque o nascer nesta ou naquela

    famlia no um ato de vontade. A sua finalidade precpua

    a reproduo da espcie embora no deixe de ter fins de ordemafetiva, assistencial, educativa e, at mesmo, econmica. ela con

    siderada a clula mater da sociedade numa equiparao com as c

    lulas dos organismos vivos, que so as menores partes em que pode

    ser decomposto o ser vivo sem perder a sua natureza. A despeito de

    vir historicamente perdendo importncia, sobretudo pela reduo das

    suas dimenses, a famlia ainda , no mundo moderno, a entidadeem que se d, por excelncia, a socializao do homem pelo apren

    dizado dos seus valores e das suas regras fundamentais.

    O fenmeno associativo ultrapassa de longe a existncia da fa

    mlia para corporificar-se num sem-nmero de entidades com fins e

    formas dos mais variados. Na verdade, o homem agrupa-se para rea-

    lizar toda sorte de tarefas econmicas, culturais, recreativas, religio-

    sas, esportivas, filantrpicas, polticas etc. Algumas tm dimenses

    territoriais muito pequenas (uma sociedade de amigos de bairros),

    outras transcendem os limites do prprio Estado. o caso das empre-

    sas multinacionais, da Cruz Vermelha Internacional, por exemplo.

    Essas sociedades que se situam intermediariamente entre o indi

    vduo e a organizao estatal foram, por ocasio da Revoluo Fran

    cesa, o mais das vezes, proibidas. Sobretudo as de cunho sindical,

    partidrio ou profissional. Hoje elas no fazem seno crescer e no

    sofrem qualquer restrio sua existncia. O certo que o indivduo,

    nada obstante o fato de continuar sendo a razo de ser de todas as

    sociedades, cada vez mais impotente para realizar as tarefas de uma

    sociedade tecnolgica e altamente complexa.

    Mas h mais ainda. que a unio multiplica as foras que a

    integram. Uma sociedade atinge objetivos que no seriam alcanveis

    pela mera soma dos seus membros. As vantagens da associao so,

    pois, manifestas. At mesmo para delinqir o homem moderno pre

    fere as quadrilhas, que so sociedades de fins ilegais, o que no sig

    nifica dizer que no tenham as suas normas. H at mesmo organiza-

    es internacionais do crime, como o caso da mfia.

    2 SOCIEDADES POLTICAS

    Desde os tempos mais remotos, assim que a sociedade atingiu

    um nvel mnimo de diferenciao e especializao das suas funes,

    3

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    surgiu um tipo especial de poder, que no se confundia com aquele

    existente dentro das diversas sociedades, ao qual passou tambm a

    corresponder uma forma societria especfica. Aparecia, assim, a so

    ciedade poltica, que tem por notas caracterizadoras o fato de ser

    mais abrangente, pela amplitude dos seus fins, que as demais e, tam

    bm, por encerrar dentro de si mesma essas ltimas.

    O fato que tendo atingido um certo nvel de complexidade as

    diversas sociedades existentes entravam a requerer uma organizaomais ampla, que disciplinasse o seu mtuo relacionamento, assim como

    passasse a zelar pelos interesses emergidos do conjunto das diversas

    sociedades. A tais interesses denominou-se "bem comum" ou "interes

    se pblico". A defesa contra o inimigo comum, a prestao de servios

    indispensvei s convi vnci a de todos (estradas, portos et c) , a manu

    teno da ordem, tudo isso no podia ficar relegado ao plano do indi

    vduo ou das suas mltiplas sociedades de fins especficos. Cumpria

    que algum provesse acerca deles. Da o surgimento dos governantes,

    que eram pessoas que em razo da fora ou da destreza pessoal, ou

    em virtude de faculdades mgicas, ou de um invocado relacionamento

    especial com Deus, se alavam em detentores de um poder que sobre

    pairava a todos e cujos fins iam-se amoldando s necessidades da

    poca. Era a poltica que surgia com uma dimenso inestirpvel do

    prprio homem.

    Sociedade poltica , desta rte, aq uela que tem em mira a reali

    zao dos fins daquelas organizaes mais amplas que o homem teve

    necessidade de criar para enfrentar o desafio da naturez a e das outras

    sociedades rivais.

    As sociedades polticas sempre estiveram circunscritas ao terri

    trio sob sua jurisdio. So tidas por tais: as tribos, as cidades-esta-

    dos gregas, o Imprio Romano, a sociedade feudal e o Estado.

    No mundo atual h organizaes de Estados que colaboram no

    processo de criao de condies de uma convivncia harmnica entreos pases, mas no h uma sociedade poltica internacional porque

    no existe um poder ou uma fora superiores aos do prprio Estado.

    Existem, sem dvida, sociedades de Estados ou sociedades interna

    cionais, o que significa dizer que seus membros se encontram em

    mais de um Estado e seus fins tambm se cumprem num mbito

    espacial mais amplo que o da sociedade estatal, mas a ausncia de

    um poder poltico internacional impede a formao de uma autntica

    sociedade poltica internacional.

    4

    Constata-se, pois, que o poder poltico, embora no seja diferente

    sob muitos aspectos do poder em geral, visto que se traduz tambm

    na possibilidade de obter a obedincia de outrem, no menos certo,

    contudo, que ostenta algumas marcas caracterizadoras. Em primeiro

    lugar, ele no se confunde com outras formas de poder dentro da

    sociedade (econmico, militar, religioso etc), embora sofra, no resta

    dvida, o influxo destas. Nas sociedades mais primitivas, o mais das

    vezes, o poder poltico era exercido por autoridades religiosas ou

    militares.

    O poder poltico se caracteriza, tambm, pelo fato de estar vol

    tado para o atingimento dos fins ltimos de toda a sociedade, o que

    acaba por fazer com que procure uma ascendncia e uma supremacia

    sobre todos os demais. Embora seja notria a influncia que o poder

    poltico recebe das estruturas econmicas sobre as quais pretende

    incidir, no menos certo, tambm, que essas estruturas econmicas

    procuram o controle do prprio poder poltico como forma de perdu

    rarem no tempo. O poder poltico o ponto para o qual convergem

    os demais poderes na medida em que pretendam influir nos destinos

    da sociedade. ainda este poder, por encerrar em si as funes de

    editar as normas gerais a que a sociedade dever obedincia (leis)

    e tambm a de aplicar estas mesmas normas atravs da administraoe da jurisdio, que se traduz na via por excelncia de conformao,

    no sentido de dar forma a, da sociedade.

    5

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    CAPTULO II

    0 Estado. Conceito e natureza

    O Estado a mais complexa das organizaes criadas pelo ho

    mem. Pode-se at mesmo dizer que ele sinal de um alto estgio de

    civi liza o, Nesse sentido o Estado aparece num momento histri co

    bem preciso (sculo X VI ) . No se nega que a Antigidade Clssica

    (as cidades gregas e o Imprio Romano) j apresentasse sinais pre

    cursores dessa realidade. Todavia, preferem os autores localizar o seu

    aparecimento no incio dos tempos modernos, uma vez que s ento,

    em ltima anlise, se renem, nas entidades polticas assim denomi

    nadas, todas as caractersticas prprias do Estado.

    Embora todos ns vivamos dentro de um Estado qualquer e com

    ele travemos a todo instante relaes (quando sofremos a tributao,quando frumos de um servio pblico, quando chamamos a polcia

    ou os bombeiros em nosso socorro), nem por isso podemos com

    facilidade e com o acordo de todos dizer o que ele seja. A principal

    razo dessa dificuldade de conceituao repousa no fato de que o

    Estado um ser altamente heterogneo resultante de realidades de

    diversas naturezas 1. Conforme nos impressionemos mais por esta ou

    aquela faceta deste ser polimrfico chegaremos a concluses diversas

    sobre sua essncia. No se trata, pois, de um imperfeito ou insatis-

    1. Dalmo Dallari, O futuro do Estado, Saraiva, 1972, p. 104: "Em face de

    todas as razes at aqui expostas, e tendo em conta a possibilidade e a convenincia de se acentuar o componente jurdico do Estado, sem perder de vistaa presena necessria dos fatores no jurdicos, parece-nos que se poder conceituar o Estado como a ordem jurdica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado territrio. Nesse conceito, seacham presentes todos os elementos que compem o Estado e s esses elementos.A noo de poder est implcita na de soberania, que, no entanto, referidacomo caracterstica da prpria ordem jurdica. A politicidadc do Estado afirmada na referncia expressa do bem comum, com a vinculao deste a umcerto povo e, finalmente, a territorialidade limitadora da ao jurdica e polticado Estado est presente na meno a determinado territrio".

    6

    fatrio desenvolvimento cientfico, mas sim de uma dificuldade que

    reside no prprio mago do objeto estudado. Assim sendo, duas fa

    mlias principais de pensamento surgem. Uma primeira que se prope

    mais a ver no Estado um agrupamento humano que se organiza sobre

    um dado territrio. Assim abordados, os elementos de cunho mais

    material como a populao e o territrio ganham o primeiro plano.

    Para a segunda corrente, impressiona mais o terceiro elemento do

    Estado: a sua organizao normativa, ou, at mesmo, a fora ou

    poder que empresta obrigatoriedade a esse direito, se bem que paraesses autores tambm no possa existir Estado sem populao e sem

    territrio; o certo que pretendem eles ver nestes to-somente os

    pr-requisitos ou as condies que tornam possvel o funcionamento

    de uma ordem juridicamente soberana na qual residiria a essncia

    derradeira do Estado.

    No fundo, no entanto, o Estado simultaneamente as duas coi

    sas e s por convenincia de estudo, ou em virtude das limitaes

    da cincia que no consegue dar conta do real seno seccionando-o

    ou restringindo-o a uma nica dimenso, que se h de reduzi-lo a

    alguma das suas mltiplas manifestaes. Mas a verdade que o

    Estado simultaneamente um fato social e como tal passvel de estudo pela sociologia, como tambm um fenmeno normativo e, nessas

    condies, conhecvel e estudvel pelo Direito.

    Seu nascimento prende-se s vicissitudes polticas por que passou

    a sociedade no incio dos tempos modernos. Deflagrou-se, ento, um

    violento processo de lutas religiosas instaurando a insegurana no

    prprio meio social e relativamente qual as instituies jurdicas

    da poca medieval eram absolutamente impotentes. Urgia o surgi

    mento de um poder que se colocasse acima das faces em pugna.

    Era necessrio, em outras palavras, que o rei deixasse de ser to-so

    mente um aliado de um dos grupos rivais do qual tiraria a fora

    para subjugar o outro. Cumpria que a fundamentao do poder real

    se desvinculasse da mera fora que ele pudesse trazer em seu auxlio.Em uma palavra era mister tornar o rei soberano e acima das pr

    prias leis (legibus solutus).

    Ao cabo desse processo de fortalecimento do poder real advm

    o Estado moderno, cuja tnica precisamente a existncia de uma

    ordem jurdica soberana, o que significa dizer que ela suprema e a

    origem de toda autoridade dentro do Estado. No mundo exterior no

    reconhece este nenhuma entidade que lhe esteja acima, com todas

    7

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    se relacionando num nvel, ao menos, de coordenao. dizer de

    poderes dotados da mesma hierarquia. V-se, assim, que o poder se

    concentra na mo da autoridade rgia que repele a intromisso de

    qualquer outra advinda do exterior, assim como subjuga todas as

    existentes no interior do territrio sob sua jurisdio 2.

    2. Alexandre Groppalli, Doutrina do Estado, Saraiva, p. 265: "Colocando-nos no ponto de vista objetivo dos elementos que o integram, para dar uma

    definio de Estado, devemos dizer que ele um ente social constitudo de umpovo organizado sobre um territrio, sob o comando de um poder supremo,para fins de defesa, ordem, bem-estar e elevao. ( . . . ) Sob outro critrio, pode-se definir o Estado como uma ordenao jurdica na qual um complexo denormas gerais e coercitivas regulam os rgos e os poderes do Estado bem comoas relaes dos cidados entre si, e a deles com o mesmo Estado. ( . . . ) Colo-cando-nos finalmente no ltimo ngulo visual, pode definir-se o Estado comouma corporao territorial ou como uma instituio territorial, conforme os cidados sejam ou no admitidos na sua administrao e governo. Unindo agoraem uma nica definio sinttica todas estas definies analticas sucessivas,pode-se dizer que o Estado a pessoa jurdica soberana constituda de um povoorganizado, sobre um territrio, sob o comando de um poder supremo, parafins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social".

    Santi Romano, Princpios de direito constitucional geral, trad. Maria HelenaDiniz, Revista dos Tribunais, 1977, p. 92: "De uma forma lapidar a definiodo Estado mais ampla e sinttica que se pode formular a seguinte: Estadotoda ordenao jurdica territorial soberana, isto , originria. O termo ordenao jurdica, quando for conveniente ressaltar mais explicitamente certos aspectos do conceito, pode ser substitudo por outros substancialmente equivalentes,como 'ente', 'comunidade' ou 'instituio'. O Estado que seja pessoa, alm domodo precedente, pode tambm definir-se a fim de pr em relevo esta suaqualidade como 'pessoa jurdica territorial soberana' ".

    Georges Scelle, Curse de droit internationel public, p. 104: "O Estado uma ordem jurdica imediatamente subordinada ordem jurdica internacional,dotada das atribuies de regulamentar a quase-totalidade dos interesses geraisde uma coletividade poltica institucionalmente organizada e fixada sobre umterritrio determinado, e cujos governantes dispem da competncia maior, talcomo o direito internacional a estabelece".

    Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo, cit., p. 265: "Embora cnscios dos pe

    rigos de uma definio aventuremo-nos tambm a reunir as notas distintivas doEstado em uma frmula que, pelos motivos expostos, no se pode exigir sejamuito concisa ou elegante. Cremos aproximar-nos mais da realidade, se definirmos o Estado como uma associao poltica, de base territorial com capacidade

    jurdi ca inter na e exte rna, cujo govern o dotado do poder originr io de san odireta e incondicionada, bem como da atribuio de conferir a pessoas e bensa condio de nacionalidade que os distingue na rbita internacional".

    Oreste Ranelletti, Istituzioni di diritto pubblico, Milano, Giuffr, 1955, p. 88:"Dopo quanto abbiamo exposto in questo capitolo, passiamo a dare una nozionesociale dello Stato in genere, avendo riguardo alia sua struttura, cio ai suoi

    8

    Esses so os traos que at hoje informam o Estado moderno,

    embora, preciso que se diga, no seja ele hoje idntico ao do

    sculo XV I . que desde aquela poca at os nossos dias foi possvel,

    em certa medida, controlar o exerccio do poder absoluto do Estado

    sem que ele deixasse, todavia, de ser soberano.

    Mesmo o Estado constitucional moderno, aquele que se submete

    a leis que limitam o exerccio do seu poder, no abdicou das suas

    prerrogativas de sober ania/ Essa a razo pela qual continua ele agerir os seus negcios com independncia em face dos demais Esta

    dos e, internamente, com uma ascendncia sobre todos os demais

    interesses, que lhe assegurada pelo monoplio da fora. Dentro do

    Estado s este pode fazer uso legtimo da coao fsica. Em situaes

    extremas ele autoriza o uso desta aos particulares, o que no renega

    o princpio de ser ele o titular exclusivo desse privilgio.

    elementi costitutivi. Lo Stato un popolo stanziato su un territrio, e organiz-zato sotto un potere supremo originrio d'impero, per attuare con azione unitria i propri fini collettivi: nello Stato moderno, e in particolare nel nostroStato, difesa di fronte all'estero, ordine, nel diritto, allinterno, elevazione progressiva, del popolo, secondo un alto principio di solidariet sociale.

    Tale ordinamento, nelle forme pi alte di Stato, giuridico, poich rego-lato da norme di diritto: lo Stato l'organizzazione giuridica di un popolosopra un territrio, sotto un potere supremo.

    E nel campo del diritto lo Stato si pone come persona: la persona giuri-dica pubblica per eccellenza, e persona giuridica pubblica territoriale, perchha come suo elemento costitutivo un territrio".

    Oscar George Fischbach, Teoria general del Estado: "La esencia jurdicadel Estado puede cifrarse en el hecho de constituir una organizacin que aspiraa la regulacin de la convivncia en un pueblo determinado asentado sobre uncierto territrio, mediante la creacin de una voluntad dominante sobre la tota-lidad de los ciudadanos".

    Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 6. ed., Revista dosTribu nais, p. 37: " O concei to de Esta do varia segundo o ngulo em que considerado. Do ponto de vista sociolgico, corporao territorial dotada deum poder de mando originrio (Jellinek); sob o aspecto poltico comunidadede homens, fixada sobre um territrio, com potestade superior de ao demando e coero (Malberg); sob o prisma constitucional pessoa jurdica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituao do nosso Cdigo Civil, pessoa jurdica de direito pblico interno. Como ente personalizado, o Estadotanto pode atuar no campo do direito pblico como no do direito privadomantendo sempre sua nica personalidade de direito pblico, pois a teoria dadupla personalidade do Estado se acha definitivamente superada. Esse o Estadode Direito, ou seja, o Estado juridicamente organizado e obediente s suasprprias leis".

    9

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    De outra parte, todas as demais sociedades que viscejam no seio

    do Estado nele vo haurir a fonte da sua autoridade, da qual tambem

    necessitam para atingir os seus fins sociais. Mas a todas o Estado

    sobreleva na medida em que ele que define os mbitos vlidos de

    sua atuao, assim como as acode com a sua fora no caso de terem

    necessidade.

    Diante de todo o exposto de concluir-se que o Estado a or-

    ganizao poltica sob a qual v ive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser a resultante de um povo vivendo sobre um territrio

    delimitado e governado por leis q ue se fundam num poder no so

    brepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente.

    Algumas vezes a palavra Estado utilizada para designar, to-

    somente, o conjunto dos governantes mais o seu aparato organizacio

    nal. Assim, identificamos o Estado com o Poder Executivo, o Legis-

    lativo ou o Judicirio. At mesmo expresses menores suas, como a

    polcia, o Exrcito, as reparties burocrticas, so tidas como a ma

    nifestao da totalidade do Estado.

    Essa tendncia traz o grande inconveniente de descurar o papel

    do prprio indivduo na composio da sociedade poltica. Esta a

    resultante da conjugao dos governantes com os governados. Embora

    a ttulo profissional apenas algumas pessoas cumpram funes esta

    tais, no menos certo, todavia, que cada cidado tem deveres para

    com o Estado. Antes de mais nada o dever de votar, para o que

    dever manter-se inteirado do andamento das coisas pblicas. pre

    ciso, pois, que todos se instruam sobre as realidades polticas do

    momento, mas preciso tambm que externem a sua opinio colabo

    rando, destarte, para a formao de uma slida opinio pblica sem

    o que a democracia autntica dificilmente viscejar. imperioso, em

    conseqncia, denunciar a falta de interesse pelas coisas pblicas

    que parte da populao demonstra na falsa convico de que basta

    cuidar dos seus assuntos pessoais para se alcanar o xito. Todos

    ns nesse sentido temos uma dimenso poltica. Nem mesmo o alheamento ou o desinteresse podem ofuscar essa realidade. Todos aqueles

    que se omitem esto, na verdade, colaborando para a manuteno

    do status quo. O Estado no , pois, uma abstrao. Ele gere os

    recursos da sociedade. O bem-estar e o sucesso pessoais esto na

    estrita dependncia de uma sociedade regida por pessoas competentes

    e dentro de princpios mnimos de tica e moralidade. Ns todos

    somos o Estado da mesma forma que um clube esportivo no for-

    10

    mado to-somente pelo seu conselho e diretoria, mas sim por todos os

    associados. Isso no significa dizer que o Estado absorva todas as

    atividades. Sobretudo nos Estados de economia capitalista a atividade

    econmica exercida pelos indivduos a quem tambm cabe um papel

    importante na cultura, na sade, na educao etc. Mas isto ficar

    mais bem explicado quando se examinar as modalidades de Estado.

    Antes, contudo, conviria passar em revista o estudo dos trs

    elementos em que normalmente se decompe o Estado: territrio,

    povo e poder.

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    CAP TULO III

    0 territrio

    O territrio a base geogrfica do Estado. dizer, aquela par

    cela do globo terrestre que se encontra sob sua jurisdio. elemento,

    sem dvida, essencial do Estado. No se conhece nenhum ente estatal

    sem territrio. O inverso tambm verdadeiro. A parte slida do

    globo terrestre est toda ocupada por Estados, com exceo, to-

    somente, da Antrtida 1.

    I. Carlo Lavagna, Istituzioni di diritto pubblico, UTET, 1970, v. 1, p. 100:"Volendome dare una definizione si pu dire dunque che il territrio quellaparte geograficamente limitata dellemisfero che sede Stabile del popolo e,salvo casi eccezionali, del governo, el quale vi deve esercitare, comunque, la

    sua potest d'impero. Sarebbe perci inesatto, e potrebbe portare, come spessoa accaduto a confusioni, far discendere il concetto di territrio, come elementoessenziale dello Stato, dai rapporti esistenti fra il territrio stesso ed uno solodegli altri elementi costitutivi".

    Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A personalidade do Estado, RDP, 7:23:"S nos tempos modernos distinguiram-se perfeitamente os elementos componentes do prprio Estado, que se no realiza nem no territrio, nem na populao, e menos ainda nos governantes. Ele havido, ento, como uma unidadeno tempo, mas distinto deles, considerados isoladamente, pela concepo de umser parte. Corresponde na verdade organizao moral de um povo, em dadoterritrio, sob um poder supremo, para realizar o bem comum dos seus membros. O territrio e o povo podem ser, segundo o aspecto considerado, objetose partes integrantes do Estado como sujeito de direito. Como objeto, o territrio a base indispensvel do Estado, onde se encontram as pessoas a ele

    subordinadas e, como participao do sujeito, se considera a zona interditadaa outra entidade poltica para exercer qualquer atividade sobre esse espao,independente do consentimento dele".

    Themstocles Brando Cavalcanti, Teoria geral do Estado, 3. ed., Revista dosTribunais, p. 122: "Territrio apenas a expresso fsica do espao, dentro doqual se exerce a soberania do Estado".

    Ferruccio Pergolesi, Diritto costituzionale, 15. ed., Padova, 1962, v. 1, p. 94:"Territrio a parte do globo terrestre na qual se acha efetivamente fixado oelemento populacional, com excluso da soberania de qualquer outro Estado".

    12

    No territrio de cada Estado vige, to-somente, a sua ordem jur

    dica. Em outros termos, a nenhum pas estrangeiro lcito praticar

    atos coativos dentro do territrio nacional. A este fenmeno d-se

    o nome de impenetrabilidade da ordem jurdica estatal. Da a im

    portncia assumida pelo territrio na configurao do Estado. pre

    cisamente a circunstncia de dispor ele de uma poro de terra

    sobre a qual apenas o seu poder reconhecido que permite ao

    Estado ser soberano 2.

    Normalmente, a idia de territrio vincula-se apenas superfcie

    do solo. No h dvida ser esta a sua base essencial. A ela acresce-

    se, ainda, contudo, o espao que lhe vem acima, assim como aquele

    2. Martn Kriele, Introduccin a la teoria del Estado, Depalma, 1980, p. 127:"Jurisdiccin territorial significa exclusividad del poder estatal dentro del territorio del Estado. A este principio corresponde exactamente el principio reflejo:la presuncin de que el poder estatal no puede realizar actos jurisdicionales enel territorio de un Estado extranjero (pues all vale la presuncin en favor dela exclusividad del otro poder estatal)".

    Jellinek, Teora general del Estado, Ed. Albatros, 1973, p. 298: "El terri

    torio es, en segundo lugar, fundamento espacial para que el Estado pueda desplegar su autoridad sobre todos los hombres que viven en l, ya sean ciudadanos propios, o de un pas extrao. Los mandamientos de autoridad del Estado

    deben realizarse dentro de su territorio, bien traten de asegurar la situacin deste, bien de modificarla. Slo en este sentido se puede hablar del territoriocomo de un objeto del dominio del Estado. Sin embargo, a menudo se sacade lo antedicho una consecuencia falsa, cual es la de que el territorio mismoest sometido al dominio inmediato del Estado, y que, por conseguiente, existeun Derecho real estatista".

    Pedro Salvetti Netto, Curso, cit., p. 47: "Territrio a poro limitada doglobo terrestre, onde o Estado exerce, com exclusividade, seu poder de imprio.Poder-se-ia dizer que o Territrio a limitao espacial da soberania. Da se concluir que o conceito possui contedo de natureza poltica, no se reduzindoa mero significado geogrfico. O que lhe d, naturalmente, a especificao ne

    cessria para constituir-se elemento do Estado, , por assim dizer, 'esse sentidopoltico da terra', relacionado com o prprio exerccio da soberania".

    Arthur Machado Pauperio, Teoria geral do Estado, 7. ed.. Forense, p. 133:"O territrio a parte do universo em que um determinado governo tem competncia para organizar a vida pblica e fazer funcionar os diversos serviospblicos, de tal modo que nenhum governo estrangeiro se possa opor ao livreexerccio desse poder poltico. Cada Estado est, portanto, garantido pelas normas do direito internacional, que estabelece, de modo geral, o princpio dano-interveno".

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    que desce s profundezas da terra. Este ltimo encontra o seu limite

    nas prprias possibilidades tecnolgicas de explorao : l .

    O espao areo apresenta maiores problemas. certo que o

    Estado pode fazer valer a sua soberania sobre toda poro area

    situada acima da sua base geogrfica. Tal regra, contudo, vem sendo

    constantemente infirmada pela supervenincia dos satlites artificiais

    que na verdade sobrevoam todos os pases sem pedir autorizao.

    V-se, do exposto, que o chamado territrio , na verdade, umvolume de espao ostentando alm da extenso a altura e a profun

    didade.

    Os limites da extenso do territrio podem-se dar no ponto em

    que ele esbarre com o territrio de outro Estado ou ento com o

    mar. Na primeira hiptese as linhas demarcatrias ganham o nome

    de fronteiras, que podem ser naturais ou artificiais. Naturais so as

    que coincidem com acidentes geogrficos, como cumeeiras de mon

    tanhas, rios etc. Artificiais quando criadas pelo homem sem qualquer

    compromisso com ditos acidentes.

    Os limites com o mar apresentam certos problemas basicamente

    consistentes na demarcao de uma poro de guas ocenicas que

    passam a ser consideradas como integrantes do territrio. o cha

    mado mar territorial, cuja dimenso tem variado historicamente. At

    os nossos dias no foi possvel adotar um critrio unificado.

    Variam as naes entre aquelas que se contentam com um mar

    territorial de doze milhas, enquanto h outras, sobretudo na Amrica

    3. Marcello Caetano, Direito constitucional, Forense, 1977, v. 1, p. 162:"O territrio formado por um certo solo, com toda profundidade do respectivo subsolo, e toda a altura do espao areo que lhe corresponder. Quandoo pas seja banhado pelo mar, considera-se ainda pertencente ao territrio afaixa das chamadas guas territoriais, que abrange umas tantas milhas martimas, a contar da costa, bem como o solo que prolonga a costa, subjacente aomar, at que se abra o plago profundo (plataforma submarina ou continental).Os limites do territrio so as fronteiras, linhas naturais ou convencionais deseparao".

    Pedro Salvetti Netto (Curso, cit., p. 48), analisando os ensinamentos deDonato Donati: "Donati, cumpre notar, considerou unicamente uma parcela doterritrio, j que a este encontram-se integrados, alm do solo, o subsolo, oespao areo, o mar territorial, os navios e as aeronaves de guerra onde seencontrem, os navios mercantes em alto-mar, as aeronaves comerciais sobrevoando o espao livre e ainda as embaixadas".

    14

    Latina, entre as quais se insere o prprio Brasil, que pretendem esten

    der o mar territorial at duzentas milhas.

    Os pases tomam essas atitudes fundados em atos unilaterais de

    soberania, mas bvio que tal comportamento acaba por conflitar

    com as posies assumidas por outros pases. Da porque a matria

    ficar, em ltima anlise, na dependncia de uma soluo interna

    cional. o que, no momento, se procura atravs da realizao de

    convenes com a participao de todos os interessados. Nada obs

    tante a dificuldade do tema, uma vez que os interesses postos emjogo so de gra nde mon ta , tud o ind ica que se ac ab ar por encont ra r

    uma soluo que harmonize as convenincias dos pases vizinhos com

    o oceano, com aqueles Estados no contguos ao mar ou inseridos

    em rea que no permite a apropriao de grande extenso de guas

    marinhas, por exemplo os pases com costas para o mar do Norte.

    considerada tambm parte do territrio a plataforma continen

    tal, que consiste no solo coberto pelo mar em estreita continuao s

    terras continentais. Em outras palavras, a plataforma continental

    aquela poro do solo marinho que apresenta idntica constituio

    geolgica dos terrenos no cobertos pelas guas.

    O interesse econmico na explorao dessas regies muitogrande, uma vez que a fina lmina de gua que cobre essa poro

    da terra no impede uma explorao econmica das riquezas a

    existentes.

    A determinao exata das dimenses que podem ser assumidas

    pela plataforma continental est tambm entregue a uma discusso de

    nvel internacional, nada obstante o fato de os Estados, unilateral

    mente, como o fazem com o mar territorial, fixarem os seus prprios

    critrios.

    compreensvel que o problema ganha proporo to-somente

    na medida em que a plataforma continental ultrapassa os limites do

    mar territorial. Neste o Estado j exerce um poder quase que desoberania plena, incluindo a, portanto, a prerrogativa de explorar o

    solo e o subsolo marinhos. O direito explorao da plataforma

    continental permite ao seu detentor a possibilidade de explorar a

    fauna e a flora e os minrios do solo e subsolo dessa plataforma

    sem embargo de j no lhe pertencerem as guas que ficam acima.

    Como j ficou visto, num dado territrio, s vige uma ordem

    ju rdi ca . o chamado pri nc pio da ter rit ori ali dad e. ) se foi o tem po.

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    anterior consolidao do Estado, em que numa mesma rea geogr

    fica conviviam pessoas leais a diferentes ordens jurdicas. Hoje, o

    ente estatal submete todos que se encontrem no seu territrio ao seu

    prprio direito. Isso no quer dizer que ele no assujeite mais acen

    tuadamente uns do que outros. o que se d, por exemplo, com a

    distino entre nacionais e estrangeiros. Mas mesmo esses ltimos,

    pelo s fato de se encontrarem no seu territrio, j se submetem s

    leis do pas, nada obstante, nem sempre possam utilizar todos os

    seus direitos

    4

    .O princpio da territorialidade no sofre restrio pelo s fato

    de o Estado, por vezes, preferir a aplicao de um direito estrangeiro

    em detrimento do seu prprio. que, ainda aqui, a fora cogente do

    direito nacional no negada, uma vez que pela sua prpria vonta

    de que se d preferncia lei de outro pas. No existe caso em que

    o Estado aplique lei estrangeira pela fora prpria dela.

    H situaes em que o direito de um Estado dispe sobre fatos

    ocorridos em outro. Isto possvel desde que, contudo, ele tenha,

    por ocasio da execuo da lei, condies de torn-la eficaz, o que,

    normalmente, pressupe a utilizao de medidas coercitivas, quer

    sobre o patrimnio, quer sobre a liberdade do indivduo, e esta coer-

    4. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 162: "Hoje, as grandes sociedades polticas a que chamamos Estados implicam necessariamente a existncia de umterritrio, onde o povo seja senhor de se reger segundo suas leis, executadas porautoridade prpria com excluso da interveno de outros povos. A coletividadeorganizada em Estado exerce, assim, sobre o territrio, um senhorio que setraduz no poder de jurisdio (imperium) quanto s pessoas e s coisas quenele se encontrem e no domnio das partes no individualmente apropriadasque sejam imprescindveis utilidade pblica".

    Martn Kriele, Introduccin, cit., p. 126: "Jurisdiccin territorial significa:dominacin del Estado sobre todas las personas y cosas que estn dentro desu territorio.

    Con esto se quiere decir, en primer lugar, que el poder del Estado no se

    extiende tan slo a los ciudadanos o nacionales. Tambien el extranjero y elviajero que est de paso estn sometidos al poder del Estado. Lo obligan lasleyes del Estado dentro del territorio estatal y queda sometido a la jurisdiccinpolicial y penal. Hablando jurdicamente: el Estado no es una corporacin personal, sino territorial.

    Con esto no se excluye que el Estado puede dictar regulaciones especialespara los extranjeros; los puede exceptuar de obligaciones (como, por ejemplo,de la obligacin de prestar servicio militar) y los derechos (por ejemplo, derechoal voto).

    16

    o, no h negar-se, s pode ser aplicada dentro dos limites do

    territrio.

    Cumpre, agora, fazer referncia ao chamado fenmeno da extra-

    territorialidade. Sob tal nome designam-se aquelas situaes em que,

    em virtude de tratados ou de costumes internacionais, h uma tole

    rncia dos Estados em reconhecer as Embaixadas e as Represen

    taes Diplomticas em geral, assim como as belonaves, como uma

    extenso do prprio territrio a que pertencem. Por fora desse re-

    conhecimento aplica-se sobre elas o direito dos pases a que sevinculam e no o daqueles em que se encontram. Esta analogia

    sempre relativa, no havendo condies para ser levada s suas lti

    mas conseqncias. Uma Embaixada, por exemplo, nunca chega a

    fazer parte integrante do territrio a que pertence. certo, no en

    tanto, que dentro dela no se aplica o direito local.

    Para finalizar, assinale-se que s aeronaves e aos navios, quando

    em espao internacional, se aplica o direito dos pases a que se

    vinculam.

    17

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    CAPITULO IV

    0 povo

    Povo o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado.

    Se o territrio o elemento material do Estado, o povo o

    seu substrato humano. No pode, obviamente, haver Estado sem

    povo. O que determina se algum faz ou no parte do povo de um

    Estado o direito. Da porque ser a nacionalidade um vnculo jur

    dico. por ela que o Estado considera algum como seu membro.

    Tem-se, destarte, uma outra forma de conceituar povo, qual

    seja, o conjunto de nacionais de um Estado 1. Lamentavelmente, no

    se chegou, ainda, possibilidade de estabelecerem-se normas jur

    dicas de direito internacional fixando critrios uniformes para a ou

    torga da nacionalidade. Isso significa dizer que o Estado, soberana

    mente, define as pessoas que ele vai considerar como seus nacio

    nais. certo que em termos prticos esses critrios no costumam

    variar alm de dois fundamentais: o do jus sanguinis e o do jus soli.

    Pelo primeiro nacional todo aquele que filho de pais nacio

    nais. um critrio que leva em conta, como se v, a paternidade.

    O segundo consiste em considerar nacional todo aquele que

    nasce no territrio do Estado. Os pases que exportam populao,

    ou, se se preferir, pases de emigrao, preferem adotar, em regra, o

    1. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 159: "O termo populao tem um significado econmico, que corresponde ao sentido vulgar, e que abrange o con

    junto de pessoas residentes num terr itr io, quer se trat e de naciona is quer deestrangeiros. Ora, o elemento humano do Estado constitudo unicamente pelosque a ele esto ligados pelo vnculo jurdico que hoje chamamos nacionalidade.( . . . ) A palavra povo designa a coletividade humana que, a fim de realizar umideal prprio de justia, segurana e bem-estar, reivindica a instituio de umpoder poltico privativo que lhe garanta o direito adequado s suas necessidades e aspiraes. ( . . . ) O povo constitudo apenas pelos nacionais, resulta ques estes podem intervir no exerccio do poder constituinte (originrio) e ques estes em princpio gozam em geral dos direitos polticos (embora nem todoseles, pois os menores, os dementes. . .) . isto , podem ser cidados ativos".

    18

    critrio do jus sanguinis, que lhes permite considerar como jurisdicio-

    nados seus mesmo pessoas que vivam no estrangeiro, bastando serem

    filhas de pais nacionais. J os pases de imigrao inclinam-se pelo

    critrio do jus soli, pelo qual eles mais rapidamente integram os con

    tingentes estrangeiros no conjunto dos seus nacionais.

    'Como a nacionalidade unilateralmente concedida, dizer, cada

    Estado individualmente dita a legislao por fora da qual se con

    fere a algum a condio de nacional, resultam da alguns inconve

    nientes, tais como pessoas com dupla nacionalidade (por exemplo,filho de pais oriundos de pas que adote o jus sanguinis nascido em

    Estado que adota o jus soli) e outras sem nenhuma, denominadas

    aptridas (algum que perde sua nacionalidade antes de adquirir outra

    nova). Tais situaes so manifestamente indesejveis, sobretudo a

    ltima: a aptrida priva o indivduo de filiao a qualquer Estado

    e, em conseqncia, da tutela jurdica que lhe resultaria da naciona

    lidade. H um esforo internacional no sentido de fazer cessar esta

    anomalia. O remdio definitivo para este mal s surgir, contudo,

    quando os Estados uniformizarem sua legislao sobre nacionalidade,

    o que nada deixa entrever deva acontecer em breve.

    Perante o Estado todos so, pois, nacionais, estrangeiros ou ap

    tridas. A todos ele submete com igual fora exigindo-lhes obedincia ao seu ordenamento jurdico. Vincular-se a um Estado, entretan

    to, no apenas fonte de submisso, mas tambm fato gerador de

    direitos, to mais amplos estes quanto for alto o teor de democracia

    na sua organizao do poder poltico. Esta fruio de direitos no

    assegurada, todavia, a todos na mesma proporo. Prestigiam-se os

    nacionais, a quem, em regra, se confere em carter exclusivo o des

    frute dos direitos polticos (aqueles que dizem respeito participao

    do indivduo na formao da vontade estatal). Procura-se, por outro

    ludo, estender aos estrangeiros e aptridas ao menos o gozo dos

    direitos humanos. Ao assegurarem pessoa humana as condies

    mnimas de sua expresso e dignidade repele o estgio atual da civi

    lizao que o Estado discrimine no seu exerccio entre nacionais eestrangeiros.

    Ante tudo at aqui exposto, infere-se ser a idia de povo cons-

    lituda pelo direito. este que 2 diz quais so aqueles que o inte-

    2. Paulo Bonavides, Cincia poltica, 5. ed., Forense, p. 68: "S o direitopode explicar plenamente o conceito de povo. Se h um trao que o caracteriza.

    19

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    18/89

    gram, do que, em conseqncia, decorre um sentimento de pertinn

    cia a uma mesma sociedade poltica. Acontece, entretanto, que as

    pessoas, em razo dos traos comuns que possam apresentar (raa,

    religio, descendncia, lngua, cultura), cultivam por vezes um senti

    mento de pertinncia ao grupo, resultante da confluncia dos mesmos

    caracteres unificadores. Surge, ento, a nao. Por esta, entende-se

    um conjunto de seres humanos, aglutinados em funo de um elemen

    to agregador, que pode ser tanto histrico, cultural, quanto biolgico

    e que, cnscios das suas peculiaridades, desejam preserv-las no

    futuro3

    .

    bem de ver que o conceito de nao extravasa dos limites

    do jurdico. Pertence, isto sim, rea sociolgica. a sociologia que

    procura explicar os fenmenos relativos s naes. Isto no quer

    dizer que no interfiram elas na vida do Estado. Pelo contrrio so

    em grande parte responsveis pela sua formao e pela manuteno

    de sua coeso. que desde os fins do sculo XV I I I a consc incia

    nacional, despertada pelas guerras contra Napoleo, procurou tradu

    zir-se no mbito das organizaes polticas, dando lugar ao que hoje

    conhecemos por Estado nacional. O princpio ento vigorante era o

    de que a cada nao deve corresponder um Estado e a cada Estado

    uma nao. Sem embargo de reconhecer-se a importncia do princpio das nacionalidades na gerao e transformaes do Estado mo

    derno (sobretudo aps a Primeira Guerra Mundial, quando ardoro

    samente encampado pelo presidente dos Estados Unidos de ento,

    Woodrow Wilson, influenciou sensivelmente na fixao das novas

    fronteiras de alguns pases da Europa). Ainda assim no h recusar-se

    o fato de que ele jamais encontrou vigncia integral. No desceu pois

    do seu nvel de ideal libertrio e generoso para implementar-se na

    realidade concreta. Esta continua regida por outros princpios, entre

    os quais o da convenincia e dos interesses dos Estados existentes

    esse trao sobretudo jurdico e onde ele estiver presente, as objees no

    prevalecero. Com efeito, o povo exprime o conjunto de pessoas vinculadas, deforma institucional, e estvel a um determinado ordenamento jurdico, ou, segundo Ranelletti, 'o conjunto de indivduos que pertencem ao Estado, isto , oconjunto de cidados' ".

    3. Raul Pederneiras, Direito internacional compendiado, 11. ed., FreitasBastos, p. 92: "A nao no figura virtualmente no Direito Internacional, umorganismo natural, formado pelos laos de sangue, de idioma, de tradio, detendncias, que estabelecem uma certa unidade de carter moral, sem precisardo elemento coercitivo do governo".

    20

    que o mais das vezes no vem com bons olhos os movimentos se

    paratistas de minorias nacionais porventura existentes no seu seio.

    H sem dvida uma tendncia das minorias em manifestarem-se, quer

    para fundarem um novo Estado, quer para incorporarem-se a Estados

    j existentes e afins do ponto de vista nacional. De qualquer forma,

    at hoje no foi possvel encontrar-se uma soluo definitiva para as

    minorias nacionais, nada obstante se tenha por vezes chegado a utili

    zar -se de meios desumanos, como a emigrao, a troca de populaes

    c a expulso do territrio4

    .

    Enquanto no resolvido problema das minorias nacionais, os

    Estados democrticos procuram assegurar-lhes uma proteo que im

    pea sejam reduzidas a uma situao de dominao pela maioria.

    Isto feito tanto assegurando-se-lhes igualdade de direitos, quanto

    propiciando-se-lhes oportunidade para que cultivem as suas peculia

    ridades culturais. Nesse particular, a prerrogativa de usar o prprio

    idioma, inclusive nele ministrando o ensino, ocupa papel de relevo.

    O ponto mximo que se pode caminhar neste sentido, antes da outor

    ga de emancipao plena, a concesso de uma certa dose de com

    petncia administrativa para que as minorias organizem-se e adminis

    trem-se autonomamente, dentro, contudo, da organizao estatal em

    que esto inseridas.

    No havendo exata sobreposio espacial entre as fronteiras do

    Estado e os confins da nao, inexiste, de igual forma, simultanei

    dade ou coincidncia temporal na sua gerao. Por vezes a nao

    antecede ao Estado. Nos tempos modernos, temos o exemplo do povo

    jud eu, que , con sti tu do secul arment e em na o , s se est abi liz ou co m

    a criao do Estado de Israel ( 19 48 ). Em outros casos, o Estado pre

    cede a nao. So exemplos deste fenmeno muitos dos atuais Esta

    dos africanos sados da situao de ex-colnias europias. As reali

    dades tribais a ainda existentes impedem a formao de uma nacio

    nalidade prpria a cada Estado. O Brasil tambm poderia ser

    invocado como exemplo. Tornado independente de Portugal porum processo eminentemente poltico, no se podia nessa ocasio falar

    4. Raul Pederneiras, Direito, cit., p. 95: "A definio do Estado como nao politicamente organizada no admissvel. Uma nao pode eventualmenteformar um Estado, mas o Estado no precisa nunca de uma nao para seestabelecer. Basta o exemplo da Sua. A nao nasce do instinto, constri-senaturalmente com os elos que formam uma famlia de famlias, tendo a origemcomum por principal elemento".

    21

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    19/89

    na existncia de uma nao brasileira. Foi a identidade do destinopoltico que, gradualmente, permitiu a emergncia de um sentimento nacional. Verifica-se, assim, que o prprio desenrolar das

    vicissitudes polticas de um Estado, dando lugar a uma comunhode vivncias histricas, no pode ser menosprezado como fator deter

    minante da apario das naes 5 .

    Vimos mais acima que, diante do Estado, todos so basicamente

    nacionais ou estrangeiros. Cumpre aqui adensar um tanto o conceitode nacional, introduzindo uma distino usualmente feita entre

    aqueles que desfrutam dos direitos polticos e aqueles outros a quem

    no so conferidas tais prerrogativas. Aos primeiros d-se o nome

    de cidados. A cidadania implica a nacionalidade, na medida em quetodo cidado tambm nacional. Nem todo nacional todavia cida

    do. Basta que no esteja no gozo dos direitos polticos, quer ativos,consistentes na prerrogativa de eleger seus representantes para inte

    grar os rgos do Estado, quer passivos, substanciados na possibi

    lidade de ser eleito. certo que a distino ignorada na linguagem

    comum e at mesmo por alguns ordenamentos jurdicos, que denominam cidados todos os que integram o Estado, sem considerar o

    problema dos direitos polticos. A melhor doutrina agasalha esta dife

    renciao, assim como o nosso direito constitucional, que registra uma

    ntida separao entre direitos extensveis a todos os nacionais e di

    reitos restritos ao cidado 6.

    5. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 159: "Embora a nao tenda a ser umEstado, no h necessariamente coincidncia entre nao e Estado: h naesque ainda no so Estados (pela sua pequenez por exemplo) ou que esto repartidas por vrios Estados, e Estados que no correspondem a naes, comogeralmente acontece nos pases novos, aonde ocorrem todos os dias imigrantesprovenientes dos mais diversos cantos do globo, cada qual com seu facies nacional prprio. que, em muitos casos, em vez de ser a nao que d origemao Estado, o Estado que, depois de fundado, vai, pelo convvio dos indivduose pela unidade de governo, criando a comunidade nacional".

    6. Paulo Bonavides, Cincia, cit., p. 69: "Na terminologia do Direito Constitucional Brasileiro, ao invs da palavra cidadania, que tem uma acepo maisrestrita, emprega-se com o mesmo sentido o vocbulo nacionalidade. A matriase acha regulada no artigo 12 da Constituio Federal, que define quem brasileiro e por conseguinte, face s nossas leis, quem constitui nosso povo".

    Martin Kriele, Introduccin, cit., p. 130: "Nacionalidad es un status queda lugar a derechos y deberes recprocos entre el Estado y el nacional dondela extensin de los derechos del nacional puede ser muy diferente: en las democracias liberales es amplia, en dictaduras puede reducirse a la nada".

    2 2

    Reinhold Zippelius, Teoria geral do Estado, 3. ed., Fund. Calouste Gulben-

    kian, 1971, p. 39: "Com a definio progressiva do princpio da territorialidade,o estranho que se encontra no territrio equiparado pouco a pouco aos cidados da comunidade poltica. Isso no exclui que o prprio direito interno dis-tinga (dentro do campo de aplica o do princ pio da terr itori alidade ) entre ossditos e os no sditos do Estad o. ( . . . ) Os direitos fundamentais modernosso vlidos t ambm em benefci o dos estra ngeiros , sempre que aqueles const i-tuam direitos do homem e no meramente direitos do cidado. O estrangeiro,

    durante a sua estadia no territrio de um Estado, no fundamentalmente de-tentor de direito algum, a no ser que o Estado lhe conceda asilo".

    23

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    CAP TULO V

    0 poder

    O poder social um fenmeno presente nas mais diversas mo

    dalidades do relacionamento humano. Ele consiste na faculdade de

    algum impor a sua vontade a outrem. O poder no se confunde com

    a mera fora fsica porque esta suprime no seu destinatrio a prpria

    vontade, o que no significa dizer que no exerccio do poder no

    exista coercitividade. Pelo contrrio, ela est sempre presente embora

    possam ser muito diferentes as sanes em que pode incidir aquele

    que enfrenta o poder. Se no houver, contudo, ao menos a virtua

    lidade do exerccio da coero, o que se tem , na verdade, a mera

    persuaso, na qual predomina a tcnica argumentativa. De outra par

    te, aquele que se persuade se convence das razes do persuasor, en

    quanto no poder o que h uma sujeio da vontade do dominadopor temor das conseqncias da no-sujeio l .

    O poder, como vimos, pode estar presente em todo tipo de

    relacionamento humano. O prprio pai tem poder sobre o filho; omdico sobre o paciente; nas prprias relaes amorosas no infre-

    quente ver-se que um parceiro domina o outro.

    Assim amplamente entendido o poder extravasa os campos da

    teoria do estado para interessar mais sociologia e at mesmo

    psicologia. Para a compreenso do Estado, interessa mais diretamente

    1. Mrio Stoppino. O poder, jornal da Tarde, 14 jan. 1975 : " Em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade deagir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivduos e a grupos humanos como a objetos e a fenmenos naturais (exemplo: poder do calor, poderde absoro). Se a entendermos em sentido especificamente social, ou seja, nasua relao com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso,e seu espao conceituai pode ir desde a capacidade geral de agir at a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: poder do homemsobre o homem. O homem no s o sujeito mas tambm o objeto do podersocial. poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens aos seusfilhos ou a capacidade de um governo de dar ordens aos cidados".

    24

    o poder poltico. Para a inteligncia deste urge lembrar que em toda

    organizao ou sociedade h de comparecer uma certa dose de auto

    ridade para impor aqueles comportamentos que os fins sociais esto

    a exigir. Neste sentido o poder poltico no outro seno aquele

    exercido no Estado e pelo Estado. H inegavelmente algumas notas

    individualizadoras do poder estatal. A que chama mais ateno a

    supremacia do poder do Estado sobre todos os demais que se encon

    tram no seu mbito de jurisdio. A criao do Estado no implica

    a eliminao desses outros poderes sociais: o poder econmico, opoder religioso, o poder sindical.

    Todos eles continuam vivos na organizao poltica. Acontece,

    entretanto, que esses poderes no podem exercer a coero mxima,

    vale dizer, a invocao da fora fsica, por autoridade prpria. Eles

    tero sempre de chamar em seu socorro o Estado. Nessa medida so

    poderes subordinados.

    1 SOBERANIA

    Isto fica bem claro quando se estuda o surgimento desta su

    premacia do poder estatal. Vai-se ver, de resto, que o advento do

    prprio Estado moderno coincide, precisamente, com o momento em

    que foi possvel, num mesmo territrio, haver um nico poder com

    autoridade originria. Vale dizer, sem ser necessrio chamar o poder

    de outrem em seu socorro.

    Na Idade Mdia no existia esta supremacia inconteste de uma

    pessoa, de uma classe ou de uma organizao. Adversamente, eram

    mltiplos os entes que reclamavam poderes originrios : o Papa , o

    Sacro Imprio Romano-Germnico, os reis, a nobreza feudal, as ci

    dades e as corporaes de artes e ofcios, todos pretendiam exercer

    competncias no derivadas de outrem, o que era o mesmo que dizer

    que no se reconhecia reciprocamente nenhuma soberania.A partir do sculo X V I um fenmeno muito curio so deu-se na

    Europa. Os reis, atravs de diversas batalhas e de tramas polticas,

    ganharam uma ascendncia inconteste dentro do territrio de cada

    reino excluindo, inclusive, no campo externo as pretenses temporais

    do papado e do Sacro Imprio Romano-Germnico. Destarte, formou-

    se uma sorte de poder que alguns querem, at mesmo, diferente da

    quele vigorante na Grcia e em Roma. De qualquer forma, era,

    25

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    sem dvida, completamente diverso do que existiu no milnio compreendido pela Idade Mdia.

    No campo terico, quem forneceu as premissas filosficas sob

    as quais se deu a apario do poder monrquico foi Jean Bodin.Este autor via no poder monr quic o uma fac ul da de incontestvel de

    mando. A esta caracterstica passou-se a conferir o nome de soberania. Soberano , pois, todo poder que no encontra limites, quer na

    ordem interna, quer na externa. Traduz-se na possibilidade de impor

    unilateralmente deveres aos cidados e conferir competncias ao Estado, sendo certo ainda que estas competncias podem ser redefinidas

    a qualquer tempo 2.

    Este foi o apogeu da noo de soberania. A necessidade de en

    carecer a primazia do poder monrquico sobre os demais, exatamente

    para que estes pudessem ser reduzidos submisso, levou, sem d

    vida, a que se cometessem certos exageros. No entanto bom que

    se frise que nem mesmo para ]ean Bodin a soberania era absoluta,

    porque o monarca continuaria, segundo ele, submetido s chamadas

    Leis do Reino (por exemplo, aquelas que estatuem sobre a sucesso

    do trono) e aos princpios do direito natural.

    Em termos prticos o poder monrquico acabava sendo absoluto

    porque no havia ningum em condies de responsabilizar o rei.

    Se por soberania quisermos entender um poder absolutamente

    irrefreado, o mais sensato reconhecer que essa noo no mais

    til nos tempos modernos e mesmo historicamente e, o mais pro

    vvel, que ela no tenha sido a expresso de nenhuma realidade

    objetiva. Um poder absolutamente infrene jamais existiu a comear

    pela bvia razo de que todo exerccio do poder est condicionado

    a circunstncias de ordem econmica, social, demogrfica, at mesmo

    2. Celso Lafer, Os dilemas da soberania, Digesto Econmico, 3:155: "Ateoria tradicional de soberania foi construda tendo como princpio, de um

    lado, a concepo de um poder originrio, que no resulta de nenhum outrodo qual teria obtido seu ttulo; e de outro a concepo de um poder supremo,que no teria outro poder igual ou concorrente. A teoria tradicional da soberania, portanto, significa o carter supremo do poder estatal que se traduzexternamente pela ausncia de subordinao a qualquer autoridade estrangeira,a no ser por via de consentimento, expresso em tratado, e internamente pelapredominncia do Estado sobre o poderio de quaisquer grupos ou indivduosdentro do mbito do seu territrio. Em sntese, portanto, um poder incondicionado (dimenso positiva), que no se subordina a nenhum outro (dimensonegativa)".

    2b

    tecnolgica, que no podem ser alteradas por manifestaes unilate

    rais do poder. Na ordem externa os Estados tambm se limitam re

    ciprocamente na medida em que o prprio respeito soberania de

    outrem implica uma limitao do seu prprio poder. Contudo, ne

    cessrio salientar que a evoluo da ordem jurdica estatal no tem

    feito seno restringir a margem de atuao livre e incondicionada

    do seu poder. Surgem, nos Estados, limitaes constitucionais ao exer

    ccio do poder. O Estado constitucional aquele que s pode atuar

    nos limites das competncias que lhe so referidas pela Lei Maior.

    certo que se poder dizer que a soberania no pertence aos

    poderes constitudos, mas sim ao poder constituinte. Este, no h

    negar-se, tem virtualmente condies para desvincular-se dos manda

    mentos constitucionais e, portanto, de elaborar uma nova partilha das

    competncias entre o Estado e o povo. Embora teoricamente possvel,

    na prtica isto quase de todo excludo. Os tempos modernos no

    mais aceitariam um retorno ao absolutismo monrquico. De outra

    parte o princpio da soberania fortemente corrodo pelo avano

    da ordem jurdica internacional. A todo instante reproduzem-se tra

    tados, conferncias, convenes, que procuram traar as diretrizes

    para uma convivncia pacfica e para uma colaborao permanente

    entre os Estados. Os mltiplos problemas do mundo moderno: alimentao, energia, poluio, guerra nuclear, represso ao crime or

    ganizado etc, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhes, desde

    logo, uma interdependncia de fato.

    pergunta que formulamos de se o termo soberania ainda

    til para qualificar o poder do Estado, deve ser dada uma resposta

    condicionada. Estar caduco o conceito se por ele entendermos uma

    quantidade certa de poder que no possa sofrer contraste ou restri

    o. Ser termo atual se com ele estivermos significando uma quali

    dade ou atributo da ordem jurdica estatal. Neste sentido ela ainda

    6 soberana porque embora exercida com limitaes no foi igualada

    por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma

    outra externa. Veremos este ponto mais adiante, mas o certo quea comunidad e jur dica in ternac ional destituda de poderio. Os Es

    tados continuam, portanto, a ocupar uma posio de destaque invul-

    gur na organiz ao poltic a do mundo 3 .

    3. Roque Antnio Carrazza, Princpio federativo e tributao, RDP, 71:174:"Soberania o poder pblico supremo, absoluto e incontrastvel, que noreconhece, acima de si. nenhum outro poder. Bem por isto, o poder que

    27

  • 7/22/2019 Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica

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    2 A LEGALIDADE E A LEGITIMIDADE

    O direito e o poder no se confundem. Acontece, entretanto,

    que no Estado eles se apresentam de forma interligada. A fora

    presta-se manuteno da ordem jurdica da mesma forma que o

    direito serve ao poder. Isto fica bem claro quando se atenta para a

    diferena existente entre a fora fsica e o poder. Toda vez que um

    homem ou um grupo de homens, uma classe ou mesmo a totalidade

    do povo assumem o controle do Estado sinal de que eles se encontram em condies de sufocar qualquer movimento rebelde s suas

    ordens.

    Esta situao decorrente duma supremacia momentnea de fora

    fsica no teria condies de perdurar caso no viesse o direito em

    seu socorro. Em outras palavras, quem quer que assuma o poder do

    Estado automaticamente o converte em direito. As ordens expedidas

    deixam de ser cumpridas to-somente porque vm acompanhadas da

    sano coercitiva e passam a ganhar eficcia, na verdade, porque

    vm seguidas da noo de que existe um dever de obedincia. A este

    fenmeno d-se o nome de institucionalizao da fora. s por ele

    que se entende o funcionamento do Estado em que de um incomen

    survel nmero de atos imperativos s alguns necessitam, para sua

    efetivao, do real exerccio da fora. bvio que se o Estado ti

    vesse de garantir com o seu aparato policial militar todas as circuns-

    sobrepaira toda e qualquer autoridade. (Da: supra, supramus, soberano, soberania.)

    Atualmente, o Estado a nica instituio soberana, porquanto 'superio-rem non recognocens'. De fato, dentre as vrias pessoas que convivem noterritrio estatal, apenas ele detm a faculdade de reconhecer outros ordenamentos e de disciplinar as relaes com eles, seja em posio de igualdade(na comunidade internacional), seja em posio de ascendncia (por exemploem relao s entidades financeiras), seja at em posio de franco antago

    nismo (v. g. com as associaes subversivas).

    A soberania como qualidade jurdica do imperium apangio exclusivodo Estado. Se ele no tivesse um efetivo predomnio sobre as pessoas que ocompem, deixaria de ser Estado. Da concluirmos que a soberania inerente prpria natureza do Estado (Giorgio Del Vecchio). Ou, como queira Blunts-chili 'o Estado a encarnao e a personificao do poder nacional. Essepoder, considerado na sua fora e majestade supremas, se chama soberania'.E continua este incomparvel mestre: ' . . . a soberania supe o Estado, nopodendo estar nem fora, nem acima dele'. (. . . ) Temos, pois, que, juridica-

    28

    tncias em que sua autoridade pudesse se r posta em cau sa, no se

    riam jamais suficientes todos os efetivos armados de que dispe.

    Na verdade, este recurso violncia feito em rarssimas oca

    sies se levarmos em conta a atuao ampla e abrangente do Estado

    moderno.

    O de que desfruta o Estado, portanto, no do mero monoplio

    da fora fsica, mas sim da faculdade de expedir comandos genricos

    voltados a muitos destinatrios, ordens estas denominadas leis. poreste recurso, portanto, pela utilizao do direito, enfim, que o Estado

    se viabiliza. Noutro dizer, ainda, o Estado manifestao de um

    poder institucionalizado.

    Se uma caracterstica de toda organizao poltica o editar

    leis, a relao destas com o Estado varia muito segundo circunstn

    cias de espao e de tempo. At durante o advento das Revolues

    Francesa e Inglesa, os Estados faziam as leis, mas no se submetiam

    u elas. A sujeio do prprio Estado vontade dimanada de um de

    seus rgos, o Legislativo, s foi possvel ao termo de um longo

    processo de corroso do absolutismo monrquico. Foi, portanto, o

    advento do Estado constitucional que tornou possvel falar-se de um

    autntico princpio da legalidade. Por este quer-se significar que ao

    Estado no lcito exigir que o particular faa ou deixe de fazer

    algo se no com fundamento na lei. O princpio da legalidade ainda

    compreende mais. O prprio comportamento do Estado h de estar

    mente, o Estado soberano porque, seno de sua conduta, s ele decide sobrea eficc ia do seu direito (K else n). Insist imos que a soberani a inadmissvelnum Estado dependente. A independncia, como toda negao, repele grause, bem por isto. a comunidade que est subordinada a outra, ainda que emparte, no possui soberania (Marnoco e Souza). (. . . ) Portant o, o trao distintivo e especfico do Estado a soberania, entendida como o poder supremo,autnomo e originrio. No passado, este poder era chamado 'maiestas, impe-

    rium, supremitas etc.'.

    Hodiernamente, conhecido por soberania, para como refere CarloCeretti distingui-lo dos poderes das outras pessoas, mesmo de direito pblico, que no se impem a todos, sem possibilidade de resistncia (a no ser(ION abusos, na forma do direito), nem muito menos usam de coao, parafazerem atuar seus prprios comandos. Por tais fundamentos, conclumos queo listado se distingue das demais pessoas pela soberania que lhe inerente.S ele detm a faculdade de autodeterminar-se, demarcando, sponte propria,seu campo de atuao".

    29

  • 7/22/2019 Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica

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    calcado em lei. Procura-se o mais possvel substituir o arbtrio dos

    homens pela objetividade da lei, havendo-se chegado a falar em subs

    tituio do governo dos homens pelo governo das leis. certo que

    isto tomado ao p da letra nunca tenha chegado mais do que a

    expressar uma generosa inspirao. Jamais houve um Estado que se

    governasse pela s fora das leis. Faz-se sempre necessrio o impulso

    da vontade humana para movimentar a mquina do Estado. No h

    negar-se, todavia, que naqueles pases onde vige o princpio da lega

    lidade, todos os atos, para serem vlidos, ho de estar em conformidade com a lei. O juzo de legalidade , na verdade, tcnico-formal.

    Ele nos diz, to-somente, se dado comportamento legal ou ilegal,

    a partir de uma interpretao, tanto quanto possvel, lgica e imune

    a valores. Trata-se, apenas, de examinar a subsuno de um fato

    norma, procedimento este que levado a efeito aplicando-se preceitos

    da lgica jurdica.

    Ocorre, entretanto, que o homem no se contenta em saber da

    legalidade ou ilegalidade dos seus comportamentos. Muitas vezes no

    se resigna ilegalidade e passa a questionar o prprio valor fundante

    da norma. Diante do confronto da norma com o fato investe contra

    a norma taxando-a de invlida. Para estes casos reserva-se o nomede falta de legitimidade. Uma ordem jurdica pode ser legtima ou

    ilegtima conforme seja a expresso de valores com os quais esteja

    mos ou no de acordo. Houve poca em que o poder monrquico

    era tido por legtimo porque estava de acordo com a convico do

    minante ento de que os reis eram os depositrios das prerrogativas

    de soberania. A evoluo social, cultural, poltica e filosfica privou

    o princpio monrquico de legitimidade que foi substitudo pelo da

    soberania popular, hoje o nico tido por legtimo.

    Uma ordem jurdico-positiva pode ser, como visto, mais ou me

    nos legtima. No se deve, contudo, da inferir que por falta de

    legitimidade ela seja ilegal. Trata-se de conceitos voltados a realidades diversas. O direito com um mnimo de eficcia tem, por si s,

    o condo de categorizar os comportamentos em legais e ilegais. Exem

    plos gritantes dos descompassos entre a legalidade e a legitimidade

    encontramos no caso da ascenso do nazismo ao poder na Alemanha,

    que se deu pela utilizao de instrumentos inteiramente legais. No

    entanto implantou um regime que suscitou uma reao quase mun

    dial pela violao que provocava de princpios j conquistados no

    30

    grau de civilizao por que passa a humanidade. De outra parte,

    o caso dos golpes e revolues que eram inicialmente ilegais, porque

    praticados com quebra da ordem jurdica vigente, mas tidos, muitas

    vezes, por legtimos, porque portadores de um iderio poltico mais

    afiado com as crenas e valores da sociedade 4.

    H, tambm, o exemplo notrio fornecido pela crtica dirigida

    pelo pensamento marxista democracia ocidental. Esta seria ilegtima

    porque consagradora da supremacia da classe burguesa contra o que

    investem os marxistas propugnando pela ascendncia do proletariado,a nica legtima a seus olhos.

    O que parece importante notar que este conflito entre legali

    dade e legitimidade no fundo sempre existir ao menos enquanto o

    homem for um ser sonhador e idealizador de novas realidades. que

    sempre ser possvel tentar superar a ordem jurdica vigente questio

    nando seus fundamentos e perquirindo-lhe os fins. De outra parte, a

    legalidade ser sempre necessria porque s esta pode oferecer a

    segurana e a previsibilidade, sem o que os comportamentos sociais

    se inviabilizam.

    Outro ponto importante o seguinte: uma crise profunda de

    legitimidade implica uma perda de eficcia do poder que necessitasempre de um mnimo de consensualidade. A no-operacionalidade

    da ordem jurdica, por sua vez, conspira no sentido da sua substi

    tuio de forma revolucionria. A ausncia profunda de legitimidade

    4. Norberto Bobbio, A legalidade, Jornal da Tarde, 15 jan. 1975: "Na linguagem poltica, 'legalidade' um atributo e requisito do poder; diz-se queum poder legal ou age legalmente, ou tem carter de legalidade, quando exercido no mbito das leis estabelecidas ou aceitas, ou de conformidadecom elas. Embora originariamente e at no uso tcnico, nem sempre se distingue a 'legalidade' da 'legitimidade', invoca-se a 'legalidade' a propsito doexerccio do poder e a 'legitimidade' a propsito do seu ttulo. Assim diz-seque um poder legtimo, quando seu ttulo tem fundamentao jurdica; que legal, quando exercido de acordo com as leis. O contrrio de um poderlegtimo um poder de fato; o contrrio de um poder legal um poder arbitrrio. Nem sempre quem tem um poder de fato o exerce arbitrariamente;da mesma forma, nem sempre quem exerce o poder arbitrariamente tem sum poder de fato. C om base nesta ac epo do termo 'legalidade' entende-seque o 'princpio da legalidade' aquele segundo o qual todos os rgos doEsta do isto , todos os rgos que exe rce m o poder pblico - devem agirno mbito das leis, salvo em casos excepcion ais, expr essamente determinadose tambm legalizados".

    31

  • 7/22/2019 Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica

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    um convite constante para a emergncia do poder constituinte, que

    a forma por excelncia pela qual se pode dar uma reorganizao

    da legalidade com vistas a uma maior legitimidade

    3 PODER CONSTITUINTE

    Poder constituinte consiste na faculdade que todo povo possui

    de fixar as linhas mestras e fundamentais sob as quais deseja viver.

    Como toda organizao poltica dispe de princpios fundamen

    tais foroso concluir que o poder constituinte sempre houve. Ocor

    re, entretanto, que a expresso s foi cunhada nos fins do sculo

    XVIII na obra do abade Sieys. . .".

    No por acaso que s ento a conscincia terica despertou

    para a existncia desse poder. A causa profunda que se vivia uma

    5. Raimundo Faoro, Assemblia constituinte, a legitimidade recuperada,Brasiliense, p. 44 (col. Primeiros Vo s): "A autori dade e o poder, a legitimidade e a legalidade, longe de se exclurem, se complementam. Se a legiti

    midade est ausente, h um governo de fato, por mais leis que edite e publique. Sua validade social est comprometida, uma vez que depende davontade de quem comanda, no da conscincia de quem o obedece e se submete. Mas, se h ausncia de fora no poder, sua justificao perece. A impotncia compromete o poder que, na ausncia de uma anrquica predominncia de uma fora superior, tem necessidade de recorrer legitimidade.Essa hiptese ocorre sempre que o Estado, para atuar, tem que recorrer a umapoio externo a si mesmo, seja s foras de ocupao, ou a grupos internosdesvinculados do consentimento majoritariamente prestado. Os prprios ditadores, pobres de autoridade, insones com a equao de poder, que deve serdiariamente articulada para justific-los, se socorrem da legitimidade fictcia,em homenagem que o vcio presta verdade, como ocorre sempre que ahipocrisia entra em cena. Sair da legalidade para entrar na falsa legitimidadeconstitui recurso retrico comum, geralmente inspirado no carisma, o carismareal e o carisma forjado pelas eleies manipuladas".

    6. Celso Bastos, Curso de direito constitucional, 3. ed., Saraiva, p. 14:"Em ltima anlise, ao procurar fundamentar juridicamente as reivindicaesda classe burguesa, Sieys foi buscar fora do ordenamento jurdico positivo(que era injusto) um direito superior, o direito natural do povo de auto-constituir-se a fim de justificar a renovao da mesma ordem jurdica. O seupensamento desenvolveu-se aprioristicamente nos moldes do racionalismo iluminista, do contratualismo e da ideologia liberal da poca. Construiu umconceito racional de Poder Constituinte, levantando o problema da sua natureza e da sua titularidade bem como apresentando a sua soluo".

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    forte crise da legitimidade monrquica abalada pelo pensamento ra

    cionalista da poca e pela Revoluo Francesa e Independncia Ame

    ricana. Era ento muito importante demonstrar a diferena que existia

    entre o poder exercido pelos rgos do Estado e, portanto, poderes

    constitudos, e aquele outro poder mais transcendente, de difcil

    apreenso mas sempre existente, ao menos em carter virtual, de a

    qualquer tempo o povo tornar nas suas mos o destino prprio refor

    mulando de maneira incondicionada e desvinculada da situao ante

    rior a estrutura de sua orde m - jurd ica, social , eco nmica e polti ca.

    J vimos anteriormente as afinidades que existem entre as no

    es de soberania e de poder constituinte. Com efeito, este ltimo

    aquele que exerce o poder soberano com todos os atributos que

    normalmente se lhe conferem.

    No funcionamento normal do Estado no se nota o exerccio da

    soberania porque os rgos que o compem exercem todos eles par

    celas do poder total e acabam por, reciprocamente, controlarem-se e

    limitarem-se. Veja-se o que se d com o Legislativo, o Executivo e o

    Judicirio, todos eles adstritos a atuarem no mbito de suas prprias

    competncias. H mais ainda. Todo Estado descentraliza territorial

    mente o seu poder, do que surgem municpios, comunas, provncias,Estados-membros ou federados, tudo contribuindo para a diviso do

    poder, con