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CURSO SOBRE LEI MARIA DA PENHA E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER Prof. Magno Gomes de Oliveira MEDIDAS PROTETIVAS DE AFASTAMENTO I. Dispositivos Legais Aplicáveis CAPÍTULO III DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mu - lher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providên- cias legais cabíveis. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida pro- tetiva de urgência deferida. Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quan- do houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apre- sentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exa- mes periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes cri- minais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1 o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

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CURSO SOBRE LEI MARIA DA PENHA E AVIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

Prof. Magno Gomes de Oliveira

MEDIDAS PROTETIVAS DE AFASTAMENTO

I. Dispositivos Legais Aplicáveis

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mu-lher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providên-cias legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida pro-tetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridadepolicial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Públicoe ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quan-

do houver risco de vida;IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local

da ocorrência ou do domicílio familiar;V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da

ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízodaqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apre-sentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido

da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exa-

mes periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas;VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes cri-

minais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contraele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:I - qualificação da ofendida e do agressor;II - nome e idade dos dependentes;III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

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§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrênciae cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos porhospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAISArt. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da

prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos deProcesso Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescen-te e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordi-nária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Ter -ritórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da práti -ca de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuse-rem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, oJuizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;III - do domicílio do agressor.Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que

trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiênciaespecialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido oMinistério Público.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, depenas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que impli-que o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (qua-renta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o

caso;III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do

Ministério Público ou a pedido da ofendida.§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente

de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente co-municado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderãoser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidosnesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder no-vas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteçãoda ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

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Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventi -va do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante repre-sentação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar afalta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifi -quem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especial-mente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado consti -tuído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos destaLei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes me-didas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente,nos termos da Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de

distância entre estes e o agressor;b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da

ofendida;IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimen-

to multidisciplinar ou serviço similar;V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legisla-

ção em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a provi -dência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições menciona-das no caput e incisos do art. 6 o da Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará aorespectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determi-nará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumpri-mento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediên-cia, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, aqualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§5 o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou

de atendimento;II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após

afastamento do agressor;III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens,

guarda dos filhos e alimentos;IV - determinar a separação de corpos.Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade

particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de

propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

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IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais de-correntes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos IIe III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decor-rentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e desegurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situaçãode violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabí-veis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência do-méstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aosserviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policiale judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

II. Natureza Jurídica das Medidas Protetivas

2.1 - Medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha tem caráter cível e satisfativo(TJGO, em 23/mai/2012).

Para que o agressor seja mantido longe da vítima, de forma aresguardar sua liberdade e integridade, tanto física, quanto moral, conforme estabelecem as medidasprotetivas previstas na Lei Maria da Penha (artigo 22), não é necessária a instauração de processoprincipal (criminal), uma vez que estas medidas têm caráter cível e satisfativo. A decisão inovadora éda 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que, seguindo voto do desembargador-relator Carlos Alberto França, cassou nesta terça-feira (22) sentença do juízo singular que extinguiu,sem julgamento do mérito, ação protetiva com pedido de aplicação de medida cautelar ajuizada naJustiça por uma mulher de 80 anos que era ameaçada pelo próprio filho.

Na sentença, o juiz de primeiro grau entendeu que para acatar talpedido era preciso a propositura de uma ação penal (principal) pela requerente no prazo de 30 dias.Contudo, Carlos França, ao analisar minuciosamente os autos, observou que as medidas protetivaspossuem natureza satisfativa, ou seja, encerram, por si mesmas e por sua natureza, a finalidadedesejada, independente de qualquer outra ação. “A finalidade da medida cautelar, conforme o artigo800 do Código Processual Civil (CPC), é justamente assegurar o resultado de um processo principal,porém esse raciocínio só se ajusta à hipótese de interposição de medida cautelar de naturezapreparatória. Em se tratando de cautelar satisfativa, em que nem mesmo é obrigatório o ajuizamentoda ação principal no prazo legal, incabível a extinção do feito sem resolução do mérito por ausência deajuizamento da ação principal no prazo legal”, pontuou.

Lembrando que esse entendimento é pacífico no Superior Tribunal deJustiça (STJ), o relator, com a finalidade de elucidar a questão, citou ainda trechos do texto ViolênciaDoméstica e Natureza Jurídica das Medidas Protetivas de Urgência, da defensora pública Júlia MariaSeixas Bechara, publicado no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). “Para alguns,é possível que se entenda que o principal é o processo criminal. Todavia, essa vinculação trariainconvenientes, em especial a desproteção da mulher em caso de retratação da representação ou amanutenção dessa para garantia de vigência da ordem. Ademais, não se pode admitir que medida denatureza cível vincule-se a processo principal de caráter criminal”, frisou, ao fundamentar seu voto

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com o posicionamento da autora.

No recurso, a apelante representada pelo Escritório Maria Luíza PóvoaCruz & Advogados Associados, sustentou que sofria constantes ameaças do apelado e passava poruma situação delicada em razão das suas atitudes agressivas. No entanto, não tinha intenção deingressar com demanda criminal contra ele, por se tratar do próprio filho. De acordo com aargumentação explanada na apelação cível, as medidas protetivas previstas nos artigos 22, 23 e 24 daLei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), visam garantir a segurança psíquica e física da mulherofendida, uma vez que a referência são as relações domésticas. “Se a medida pugnada possuíacaráter nitidamente cível, amparo na legislação de regência, na doutrina e jurisprudência abalizadas,por que se aplicar as disposições do procedimento criminal para tratar de instituto civilista?”,questionou.

Segundo o artigo 22, da Lei Maria da Penha, se constatada a práticade violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei, o juiz poderá aplicar, de imediato,ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entreoutras: suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente,nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; afastamento do lar, domicílio ou local deconvivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: a aproximação daofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e oagressor; contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio decomunicação; frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física epsicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipede atendimento multidisciplinar ou serviço similar; e prestação de alimentos provisionais ouprovisórios. (Texto: Myrelle Motta/Centro de Comunicação Social do TJGO)

A ementa recebeu a seguinte redação: “Apelação Cível e RecursoAdesivo. Ação protetiva dos direitos da mulher com pedido de aplicação de medida cautelar.Deferimento de medidas protetivas. Natureza cível das medidas aplicadas à espécie. Aplicação dasnormas do CPC. Tempestividade do apelo. Caráter satisfativo. Desnecessidade de interposição da açãoprincipal. Cassação de sentença. Recurso adesivo prejudicado. I - Possuem as medidas protetivasimpostas à espécie, previstas na Lei 11.343/2006, caráter eminentemente civil, devendo, pois, seraplicado subsidiariamente ao caso em comento o Código de Processo Civil, o qual dispõe ser dequinze dias o prazo para interposição de recurso de apelação. II - As medidas de proteção em apreçopossuem natureza satisfativa, ou seja, encerram, por si mesmas e por sua natureza, a finalidadedesejada, independentemente de propositura de qualquer outra ação, não havendo falar, pois, emnecessidade de ajuizamento da demanda principal em trinta dias. III – Cassada a sentença, como oprovimento da apelação interposta, resta prejudicado o recurso adesivo. Apelo conhecido e provido.Sentença cassada. Recurso Adesivo prejudicado”

2.2 - As medidas protetivas são medidas cautelares inominadas que visam garantirdireitos fundamentais e “coibir a violência” no âmbito das relações familiares (FaustoRodrigues de Lima)

A Lei 12.403/11 alterou substancialmente o sistema das cautelarescriminais, com repercussão direta na Lei Maria da Penha (LMP), já que o Código de Processo Penal(CPP) se aplica na violência doméstica praticada contra a mulher por expressa disposição dos artigos12 e 13 da Lei 11.340/06 (LMP). Vejamos.

a) Finalidade das cautelares x medidas protetivas

As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, embora sejamespécies das medidas cautelares criminais, têm finalidade diversa das cautelares previstas no CPP. Osrequisitos típicos destas (fumus comissi delicti e periculum libertatis, nos termos dos artigos 282, I eII, e 312 do CPP), não se confundem com os requisitos indispensáveis ao deferimento das medidasprotetivas, como lembra o promotor de Justiça Amom Albernaz Pires (2011).

De fato, o novo artigo 282 do CPP, homenageando os elementos doprincípio da proporcionalidade, dispõe:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão seraplicadas observando-se a:

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I — necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou ainstrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar aprática de infrações penais;II — adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias dofato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

O inciso I do dispositivo deixa claro o objetivo maior das medidascautelares criminais: garantir o processo. Pretende-se evitar a fuga do acusado (aplicação da leipenal) ou que ele perturbe a investigação ou a instrução criminal. O inciso prevê também anecessidade de evitar “a prática de infrações penais”, mas somente nos casos “expressamenteprevistos”, ou seja, nas exceções. A regra, portanto, é garantir o resultado do processo, conformevocação antiga tanto das cautelares criminais quanto cíveis.

Ao contrário, as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penhanão são instrumentos para assegurar processos. O fim das medidas protetivas é proteger direitosfundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. E só. Elas nãosão, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Elas não visam processos, mas pessoas(LIMA, 2011).

A LMP foi expressa quanto a esses objetivos, ao determinar que asmedidas visam a “proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio” (art. 19, § 3º), edevem ser aplicadas “sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados”(art. 19, § 2º) e “sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem” (art. 22, §1º).

Assim, a própria LMP não deu margem a dúvidas. As medidasprotetivas não são acessórios de processos principais e nem se vinculam a eles. No ponto,assemelham-se aos writs constitucionais que, como o habeas corpus ou o mandado de segurança,não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo.

Portanto, as medidas protetivas são medidas cautelares inominadasque visam garantir direitos fundamentais e “coibir a violência” no âmbito das relações familiares,conforme preconiza o artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição da República. Ou, como já sustentadopor Didier Jr e Oliveira, representam modalidade de tutela jurisdicional diferenciada que se aproximadas medidas provisionais satisfativas constantes do artigo 888 do CPC, mas que não teriam conteúdocautelar e prescindiriam do ajuizamento de uma demanda principal (PIRES, 2011).

Assim, a discussão instalada em parte da doutrina, no sentido deperquirir qual a natureza das medidas protetivas, se cíveis ou criminais, é desnecessária, porquepressupõe um processo principal a ser protegido.

Ademais, as medidas protetivas não buscam provar crimes, atéporque podem ser deferidas mesmo em sua ausência:

No ponto, também divergem das cautelares penais (busca eapreensão, interceptação telefônica, prisão temporária, etc.), quevisam provar a prática de um crime no bojo do processo penal, ou daprisão preventiva, que, embora possa ter como um dos seusrequisitos a garantia da integridade das vítimas, só se sustenta sehouver indícios suficientes da prática de crime. Ora, as medidasprotetivas previstas na LMP não se prestam para provar crimes. Elaspodem inclusive ser requeridas mesmo quando não seja praticadainfração penal. Basta a ocorrência de alguma das violênciasdomésticas elencadas no art. 7º da LMP, pois a Lei busca enfrentar aviolência, que nem sempre terá um tipo correspondente na legislaçãopenal. (LIMA, 2011)

b) Ausência de contraditório

O art. 282 do CPP dispõe que:

§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da

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medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará aintimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimentoe das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

Assim, o novo sistema prevê, como regra geral, a oitiva prévia dosuspeito antes da aplicação de alguma cautelar, em homenagem ao princípio do contraditório.Ressalva apenas os “casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida”.

Esse dispositivo conflita com a Lei Maria da Penha, que determina aconcessão imediata da protetiva, no prazo de 48 horas e independentemente de manifestação préviado acusado e do próprio Ministério Público:

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá aojuiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:I — conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidasprotetivas de urgência; (…)Art. 19. (…)§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas deimediato, independentemente de audiência das partes e demanifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamentecomunicado.

Dessa forma, ao contrário das cautelares gerais, não se aplica ocontraditório para a concessão de medidas protetivas, até porque, como vimos, a sua finalidade não éresguardar processos, e sim pessoas, de forma que a oitiva prévia do acusado pode inviabilizar aprópria segurança das vítimas.

Nada impede, porém, dependendo do caso, que o juiz determine umaaudiência de justificação, na forma prevista no artigo 804 do Código de Processo Civil, para ouvir aspartes. Tal audiência não implica intimação prévia do acusado para responder ao pedido, mas apenaspara participar do ato.

c) Medidas protetivas de ofício

O novo artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, proíbe a concessão decautelares de ofício pelo juiz na fase investigatória. Essa regra geral, que aprimora o sistemaacusatório no processo criminal, não se aplica às medidas protetivas.

Como vimos, a finalidade das medidas protetivas é diferente dascautelares criminais tradicionais. Enquanto estas visam garantir o processo e ajudar na apuração docrime, aquelas buscam proteger a própria integridade da vítima, em outras palavras, os direitoshumanos mais básicos.

Dessa forma, não ofende o princípio acusatório a concessão demedidas protetivas de ofício pelo juiz, pois, no caso, este atua como garante de direitos fundamentais(função basilar do Judiciário), e não como agente direcionado a provar crimes ou resguardar oresultado do processo.

Por isso, nos termos dos artigos 18 e 19 da Lei Maria da Penha, o juizpode conceder medidas protetivas de ofício no inquérito, sem ouvir as partes e sequer o MinistérioPúblico. Esta disposição afasta a regra geral do atual artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, mas mantémíntegro o sistema acusatório.

Ressalve-se, porém, que o juiz não pode conceder de ofício asmedidas cautelares do CPP no inquérito, mesmo em defesa da mulher em situação de violênciadoméstica. O mesmo se diga quanto ao decreto de prisão preventiva, conforme veremos no próximotópico.

d) Prisão preventiva de ofício no inquérito

O artigo 20 da Lei Maria da Penha admite a prisão preventivadecretada de ofício pelo juiz tanto no inquérito quanto no processo. No ponto, repetiu a regra então

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prevista no artigo 311 do CPP.

No entanto, a Lei 12.403/11 mudou essa disposição, vedando ao juizo decreto de prisão preventiva na fase policial sem o pedido do delegado ou do promotor de justiça,estabelecendo nova redação ao artigo 311 do CPP.

Essa mudança aprimorou o sistema acusatório, quem tem sedeconstitucional (SILVA, 2010), pois ao juiz deve ser garantida equidistância da fase investigativa, sobpena de ser contaminado pelo lavor persecutório. Imagine-se o decreto de uma prisão cautelar noinquérito com a discordância do Ministério Público. Se o titular exclusivo da ação penal sequer formousua opinio delicti ou entende desnecessária a prisão, como ficará a garantia do cidadão em serjulgado por um juiz imparcial em eventual processo?

Assim, em que pesem opiniões em sentido contrário, o juiz não pode,no inquérito, decretar de ofício a prisão preventiva nos casos regidos pela Lei Maria da Penha, porqueo artigo 20 daquele diploma legal restou parcialmente revogado pelo novo artigo 311 do CPP.

Ressalve-se, porém, a possibilidade de o juiz converter a prisão emflagrante em prisão preventiva, por força do artigo 310, II, do CPP. Esta exceção à regra geral doartigo 311 do CPP, permite ao juiz manter a prisão mediante outros fundamentos (requisitos dapreventiva). Vejamos o descortino doutrinário:

Em verdade, na hipótese do art. 310, há houve uma prisão anteriorem flagrante, de sorte que o magistrado não esta tomando qualqueriniciativa. A prisão em flagrante já foi realizada por qualquer do povoou pela autoridade policial e o magistrado, em verdade, apenasverifica se há a necessidade de sua manutenção (…) Na prática, aprisão já ocorreu e o juiz não a decreta, mas apenas verifica se é ocaso de manter a prisão ou conceder liberdade. (MENDONÇA, 2011)

A rigor, a análise feita pelo juiz na forma do artigo 310 é umanecessidade para concessão da liberdade provisória, como regra geral, do preso em flagrante. Apenasem hipóteses estritamente necessárias é que se permitirá, como corolário da não concessão deliberdade, a prisão preventiva. O juiz funciona nesse caso como garantidor do direito fundamental daliberdade, de modo que não há ofensa ao princípio acusatório. O que não se permite é que determinea custódia preventiva de quem não está preso por um flagrante legal.

e) Prisão preventiva independe de medida protetiva anterior

A Lei Maria da Penha possibilitou a prisão preventiva para todos oscrimes cometidos em violência doméstica contra a mulher, independentemente da pena máximacominada, “para garantir a execução das medidas protetivas”. Tal disposição, prevista no artigo 313,III, do CPP, foi mantida pela Lei 12.403/11.

Inobstante a citada finalidade expressa da prisão “garantir a execuçãodas medidas protetivas”, a Lei 12403/11 não proíbe seu decreto na ausência de medida protetivaanterior, ou mesmo de seu eventual descumprimento.

De fato, a Lei 12.403/11 admite dois tipos de prisão preventiva: uma,para o caso de descumprimento das cautelares e a ser decretada em “último caso” (art. 282, § 4º,CPP), denominada pela doutrina “substitutiva” ou “subsidiária” (MENDONÇA, 2011); outra, comoprimeiro recurso (prisão preventiva “originária” ou “autônoma”), desde que não seja “cabível a suasubstituição por outra medida cautelar” (art. 282, § 6º, CPP) ou estas “se revelarem inadequadas ouinsuficientes” (art. 310, II, CPP).

Dessa forma, essa disposição deve ser observada nos casos da LeiMaria da Penha, admitindo-se o decreto de prisão preventiva (autônoma) desde logo, sob pena deofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, perpassados pelo fundamento dadignidade do ser humano. Não haveria sentido permitir a prisão cautelar para todos os casos e,quando se tratar de violência contra a mulher, subordiná-la a um requisito especial, que podesignificar a prática de novas violências, e até o assassinato. Há casos em que somente a prisão, comoprimeiro recurso, pode debelar um estado de violência, mormente no âmbito familiar, em que os

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acusados tem privilegiado acesso às vítimas.

f) Delegado de polícia não pode representar pelas medidas protetivas

O novo artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, permite à autoridade policialrepresentar pela decretação de medidas cautelares na fase investigatória. A Lei Maria da Penha, noentanto, somente permite às vítimas e ao Ministério Público requerer medidas protetivas.

Considerando que, mesmo antes da Lei 12.403/11, a lei processualadmitia que a autoridade policial representasse por cautelares (prisão preventiva e sequestro deimóveis, p. e), tem-se que a opção do legislador ao aprovar a Lei Maria da Penha foi clara no sentidode não permitir à polícia postular medidas protetivas. Ora, a regra é o pedido das vítimas. Na suafalta, permite-se apenas ao Parquet, como titular da ação penal pública, requerer por ela.

Explica-se: o Ministério Público não precisa aguardar o pedido dasvítimas e pode, inclusive, requerer medidas contra a vontade delas. Esta é a razão principal dodispositivo. É que a vulnerabilidade própria das pessoas que sofrem violência doméstica, motivo daconstrução da LMP, não raro as impede de se opor aos(às) agressores(as). O medo ou o sentimentode lealdade vigente na família, aliado à perplexidade perante um ato criminoso praticado por pessoapróxima, paralisa sua reação. Um representante de uma criança (pai ou mãe), por exemplo, pode serconivente com um ato violento praticado por algum parente. Essa omissão deve ser suprida peloEstado, que pode determinar, por exemplo, o afastamento do lar de todos quantos coloquem em riscoa integridade dos membros da família. Frise-se que a jurisprudência tem admitido até a abertura deprocessos contra a vontade das vítimas nos casos em que a representação delas é necessária (videcomentários ao art. 16). Com maior razão, é permitido ao Ministério Público agir na proteção dasvítimas, buscando as medidas protetivas por elas recusadas, quando houver indícios de que suavontade não é livre ou espontânea. (LIMA, 2011)

Dessa forma, a regra geral das medidas cautelares, no sentido de quea autoridade policial pode representar pelo seu decreto, não se aplica aos casos tratados pela LeiMaria da Penha.

Advirta-se, porém, que a autoridade policial pode representar pelascautelares previstas no CPP, como a monitoração eletrônica, mesmo nos casos de violência domésticacontra a mulher. O que não se admite é que represente pelas medidas protetivas previstas na LeiMaria da Penha. Isso se dá porque, como vimos anteriormente, a função genérica das cautelares doCPP é resguardar a investigação ou o processo; das medidas protetivas, ao contrário, é proteger aintegridade das vítimas, não raro, ingressando-se na esfera de sua intimidade, como na determinaçãode afastamento do lar ou proibição de contato.

g) Proibição de a autoridade policial fixar fiança

Desde a reforma processual penal de 1977, é vedado à autoridadepolicial conceder fiança nos crimes considerados mais graves, identificados como aqueles em que seautoriza, em tese, a prisão preventiva (art. 313 e incisos do CPP). Em tais casos, somente o juizpoderá conceder a liberdade ou manter a prisão em flagrante, convertendo-a em prisão preventiva.

Com efeito, dispõe o CPP, em artigo mantido pela Lei 12.403/11:

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: (…)IV — quando presentes os motivos que autorizam a decretação daprisão preventiva (art. 312).

Ora, os “motivos que autorizam a prisão preventiva” só estarãopresentes nos crimes em que se admite tal cautelar extrema. A análise dos requisitos da prisãopreventiva, e sua consequente decretação, é matéria de alçada judicial. Não se admite que outroórgão arbitre fiança, uma vez que sua concessão está vinculada à ausência dos requisitos da prisãopreventiva, cuja apreciação compete ao juiz, como corolário da cláusula de reserva jurisdicionalprevista no artigo 5º, LXI, da Constituição Federal.

Para os demais crimes, considerados menos graves, pode o delegadoconceder fiança, pois a própria prisão preventiva é vedada e nem mesmo o juiz poderia manter a

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prisão em tais casos.

Com a Lei Maria da Penha, os crimes envolvendo violência domésticacontra a mulher, independentemente da pena prevista, entraram no rol dos que se proíbe a liberdademediante fiança no âmbito policial. A reforma das medidas cautelares feita pela Lei 12.403/11 não sómanteve este entendimento como o reforçou e também o ampliou para impedir a fiança policialquando a vítima de violência doméstica for do sexo masculino, desde que vulnerável (menor, idoso,enfermo ou pessoa deficiente), nos termos do artigo 313, III, do CPP.

De fato, o CPP autoriza a fiança policial apenas para os crimespunidos com pena máxima de quatro anos de prisão, conforme artigo 322. O dispositivo secorrelaciona com a atual redação do artigo 313, I, que só admite a prisão preventiva para os crimescom pena superior a quatro anos de prisão. Essa regra geral, consequência lógica do artigo 324, IV, éaplicável para todas as demais hipóteses em que se admite a prisão preventiva, inclusive na violênciadoméstica, de modo que mesmo nos crimes punidos com pena inferior a quatro anos de prisão seproíbe a fiança na esfera policial.

Assim, o dispositivo previsto no artigo 322, que permite a concessãode fiança pelo delegado nos crimes punidos com pena até quatro anos, não se aplica à violênciadoméstica, em face das inovações introduzidas no próprio CPP pela Lei Maria da Penha e pela Lei12.403/11.

Com efeito, todos os crimes punidos com pena até quatro anos deprisão estão agora sujeitos à prisão preventiva, nos termos do aludido artigo 313, inc. III. Logo, nãoserá concedida a fiança se presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 324, IV), apreciação a serfeita pelo juiz, nos termos do artigo 311. Na ausência desses requisitos, somente o magistrado devesoltar o acusado, independentemente da fixação de fiança, nos termos expressos do artigo 310, queesclareceu sua função quando se deparar com uma prisão em flagrante:

I — relaxar a prisão ilegal; ouII — converter a prisão em flagrante em preventiva, quandopresentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e serevelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelaresdiversas da prisão; ouIII — conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.Ao determinar que o juiz pode converter o flagrante em preventiva, olegislador se refere a todos os crimes em que a lei autoriza, em tese,a prisão preventiva, inclusive os praticados em violência doméstica. Seo delegado conceder fiança, por exemplo, num crime de ameaça,impedirá a atuação jurisdicional. Ora, como o juiz converterá umflagrante em prisão se o agente já foi solto com o mero pagamentode fiança na delegacia?

Para além disso, se a lei obrigasse o delegado a fixar a fiança nessescasos, criaria uma situação delicada e constrangedora para esse profissional. É que, quando verificadaa periculosidade do acusado ou o risco à integridade da vítima, por exemplo, o delegado teria quesoltar o preso, desde que ele tivesse dinheiro para a fiança. Assim, assumiria um ônus e um risco quenem ao Judiciário é conferido, qual seja, o de conceder liberdade quando presentes os requisitos daprisão cautelar.

Esclareça-se que tal entendimento não causa prejuízos aos acusadosporque sua prisão deve ser comunicada imediatamente ao juiz e ao promotor, bem como o auto deflagrante deve ser remetido em 24 horas ao juiz e ao defensor público, conforme artigo 306, caput, eseu parágrafo 1º, do CPP.

Sobre o tema, a Comissão Permanente dos Promotores de Justiça daViolência Doméstica (COPEVID)[1] emitiu em 7/12/2011 o seguinte enunciado:

Enunciado nº 6: Nos casos de violência doméstica e familiar contra amulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa comdeficiência, é vedada a concessão de fiança pela Autoridade Policial,considerando tratar-se de situação que autoriza a decretação da

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prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, CPP.

2.3 - AS MEDIDAS PROTETIVAS DO ARTIGO 22 DA LEI 11.340/2006 SÃO SANÇÕES DENATUREZA JURÍDICA CÍVEL

RECLAMAÇÃO. VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. NATUREZAJURÍDICA DE MEDIDAS PROTETIVAS. CÍVEIS ACAUTELATÓRIAS. INDEFERIMENTO. RECURSOCABÍVEL. MANEJO DE RECLAMAÇÃO CORREICIONAL. NÃO CONHECIMENTO. 1 AS MEDIDASPROTETIVAS DO ARTIGO 22 DA LEI 11.340 /2006 SÃO SANÇÕES DE NATUREZA JURÍDICA CÍVEL,RAZÃO PELA QUAL DETERMINAM A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .DESSA FORMA, A IMPUGNAÇÃO À DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AS INDEFERE DESAFIA RECURSODE AGRAVO E NÃO RECLAMAÇÃO CORREICIONAL. 2 RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. (TJ-DF -RECLAMACAO nº 20070020117275 DF, Data de publicação: 22/04/2008).

III. Descumprimento de medida protetiva da Lei Maria da Penha configura: atipicidade,desobediência (art. 330 do CP) ou desobediência à decisão judicial (art. 359 do CP)?(Lilian Rodrigues).

3.1 - Descumprimento de medida protetiva conduta atípica.

Como é conhecido, o entendimento majoritário da jurisprudência é nosentido de considerar atípica a conduta prevista no art. 330 ou no art. 359, ambos do Código Penal,quando do descumprimento de medida protetiva imposta pela Lei Maria da Penha.Neste sentido, apenas para ilustrar, alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande doSul:

“APELAÇÃO CRIME. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTI-CA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. DESOBEDIÊNCIA. ATI-PICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Prova colhida nos autos a demonstrar aprática do delito de lesão corporal cometido pelo acusado contra suaex-companheira, o que leva a manter-se a sentença condenatória emrelação ao crime de lesão corporal. Todavia, compartilho do entendi-mento de que o descumprimento de uma medida protetiva não carac-teriza o crime de desobediência, apenas autoriza a aplicação demedida mais drástica, como a decretação de prisão preventiva, o que,inclusive, ocorreu no caso em tela. Assim, tenho que a absolviçãoquanto aos primeiro e terceiro fatos é medida que se impõe. RECUR-SO PARCIALMENTE PROVIDO”. (Apelação Crime Nº 70048191043,Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lize-te Andreis Sebben, Julgado em 31/10/2013).

“LEI Nº 11.340/06. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTI-CA. CÓDIGO PENAL. ART. 147. AMEAÇA. ART. 330. DESOBEDIÊN-CIA. EXISTÊNCIA DOS FATOS E AUTORIA. Acusado que descumpriumedida protetiva, aproximou-se da mulher - ex-companheira - e pro-feriu ameaças pessoalmente, reiterando o que havia feito por telefo-ne. AMEAÇA. Prova suficiente para o reconhecimento da ameaça.Comportamento do réu deixa certa a autoria. Comportamento daofendida deixa evidente o fundado temor, configurando o crime. DE-SOBEDIÊNCIA. Considerando que a própria Lei nº 11.340/06, assimcomo o CPP, estabelecem a sanção para o descumprimento das medi-das protetivas, não há como punir novamente o mesmo fato. Atipici-dade. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Fixada com moderação, jus-tificado o pequeno distanciamento do mínimo. REINCIDÊNCIA. A rein-cidência sempre agrava a pena. ART. 61, INC. II, ALÍNEA F. Viável aimposição da agravante, em se tratando do crime de ameaça. REGIMEDE CUMPRIMENTO DA PENA. Para pena de detenção, o regime decumprimento da pena deve ser, de início, o semiaberto. APELO DE-FENSIVO PROVIDO, EM PARTE”. (Apelação Crime Nº 70050087709,Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: IvanLeomar Bruxel, Julgado em 19/09/2013).

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“APELAÇÃO-CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRI-MENTO DE MEDIDA PROTETIVA. DELITO DE DESOBEDIÊNCIA.ATIPICIDADE. O descumprimento de medidas protetivas não carac-teriza o delito de desobediência, pois a própria Lei Maria da Penhaprevê sanção específica quando tal ocorrer. Absolvição mantida. Apeloimprovido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70054515655, Quarta Câ-mara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedrosode Albuquerque Neto, Julgado em 13/06/2013).

3.2 - Descumprimento de medida protetiva Tipicidade da conduta:

Contudo esta matéria não encontra tranquilidade nas colendas Câma-ras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sendo possível verificar inúmerasdecisões contrárias ao entendimento majoritário, nas quais se admite a tipicidade do delito de desobe-diência em casos semelhantes ao presente. Neste sentido, as recentes decisões do Tribunal de Justiçado Estado do Rio Grande do Sul:

“APELAÇÃO CRIME. DESOBEDIÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTI-CA E FAMILIAR. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. DE-SOBEDIÊNCIA. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. DESCUM-PRIMENTO. TIPICIDADE. Controvérsia jurisprudencial. Preceden-tes. A conduta prevista no artigo 330 do Código Penal pode ser tidacomo atípica quando para a ordem legal desobedecida há previsão desanção extrapenal não cumulativa. Em se tratando de desobediênciade medida protetiva de urgência, a lei processual penal prevê a possi-bilidade de prisão, o que não é espécie de sanção. A tendência atualde esvaziamento das hipóteses de segregação cautelar, mormente emse tratando de crimes de violência doméstica, tende a deixar o agenteque desrespeita ordem legal de afastamento do lar sem punição, in-centivando a continuidade de agressões, o que retira a coação da or-dem emanada do Juiz e fomenta a prática do crime, ferindo a própriaratio da Lei Maria da Penha e da Constituição Federal. A conduta dedesobedecer medida protetiva de urgência, portanto, é típica e deveser repreendida pelo direito penal, inclusive como reforço sistemáticoàs ações mandamentais de natureza cível. Direito fundamental à tute-la jurisdicional adequada e efetiva. Direito comparado. Injuctions econtempt of court. Distinção entre os crimes previstos nos artigos 330e 359 do Código Penal, consoante as respectivas infrações aos incisosdo artigo 22 da Lei Maria da Penha. Consideração pragmática relacio-nada ao exercício preventivo do poder de polícia, diante de flagrantede desobediência. 2. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVADAS.Prova carreada aos autos que confirma a materialidade delitiva e aautoria. Ademais, o réu ignorou proibição e alertas proferidos pelavítima, cuja palavra merece especial relevância, haja vista esse tipode crime ocorrer, na sua maioria, sem a presença de testemunhas.Condenação impositiva. 3. DOSIMETRIA DA PENA. Condenado o réu a15 (quinze) dias de detenção a serem cumpridos em regime aberto eao pagamento de 10 (dez) dias-multa, com o valor unitário fixado em1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente. A pena privativade liberdade restou substituída por restritiva de direitos consistente naprestação de serviços à comunidade. RECURSO PROVIDO. SENTENÇAREFORMADA.” (Apelação Crime Nº 70053723656, Terceira CâmaraCriminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme WeingartnerNeto, Julgado em 27/06/2013).

“APELAÇÃO. DESOBEDIÊNCIA. MEDIDA PROTETIVA. PROVA. CONDE-NAÇÃO MANTIDA. Pratica o crime de desobediência o agenteque descumpre medida protetiva de proibição de se aproxi-mar de sua ex-companheira, invadindo a casa desta, insatis-feito com a separação conjugal. A palavra da vítima, confirmadapelas declarações dos policiais militares que atenderam a ocorrência,são elementos suficientes para se ter a certeza da pratica delitiva do

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acusado. AMEAÇA. AMEAÇA. AMEAÇA VERBAL. PROVA. CONDENAÇÃOMANTIDA. O agente que verbaliza ameaças contra sua ex-companhei-ra em razão da separação conjugal pratica o crime de ameaça previs-to no art. 147 do Código Penal, especialmente quando o injusto é ve-rossímil e o réu tem histórico de violência doméstica e reiterada deso-bediência à ordem judicial. A coerência da palavra da vítima é ele-mento suficiente para o juízo condenatório. NEGADO PROVIMENTO.”(Apelação Crime Nº 70031074883, Primeira Câmara Criminal, Tri-bunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira,Julgado em 09/09/2009).

“EMBARGOS INFRINGENTES. PROCESSUAL. FORMA DE TOMADA DEDEPOIMENTOS. PERGUNTAS INICIAIS FORMULADAS PELO MAGIS-TRADO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 212 DO CPP. ATUAÇÃO, EMCONCRETO, SEM QUALQUER DESVIO NO TANGENTE À NEUTRALI-DADE, QUE NEM MERECEU IMPUGNAÇÃO DURANTE A AUDIÊNCIA.DESOBEDIÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. A nova redação do artigo212 do Código de Processo Penal não retirou do magistrado, aindadestinatário da prova, a possibilidade de dar início às indagações per-tinentes às testemunhas, muito mais tendo visado se adaptar às no-vas técnicas de redução a termo dos depoimentos, que não consoamcom a tradicional triangulação, pela qual a parte dirigia a pergunta aojuiz, que a retransmitia à testemunha. Inteligência do dispositivo delei citado. Posição consolidada deste Grupo. Suposta inversão na or-dem de formulação de perguntas, pois, não ocorrente. Hipótese, ain-da, em que, mais caracterizando inviabilidade de invalidação da prova,a defesa nada arguiu, seja durante a audiência, seja nos memorais,seja nas razões de recurso. Prova satisfatória no sentido do não-atendimento da ordem judicial de afastamento do lar conju-gal e da proibição de aproximação da ex-companheira. Com-portamento que, a despeito de viabilizar prisão preventiva,também caracteriza o crime de desobediência. Embargos desa-colhidos por maioria”. (Embargos Infringentes Nº 7003922218, Se-gundo Grupo Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: MarceloBandeira Pereira, Julgado em 10/09/2010).

Entretanto, tal orientação encontra respaldo na jurisprudência de ou-tros Estados da Federação, como por exemplo, nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e São Paulo:

“CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - TIPIFICAÇÃO - DESCUMPRI-MENTO DE MEDIDA PROTETIVA - LEI MARIA DA PENHA -CONSTITUCIONALIDADE - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELOCUMPRIMENTO DA PENA. O descumprimento de medida protetiva, aimpor ao réu o afastamento do lar, rende ensejo à tipificação do delitode desobediência, não constituindo óbice à configuração do delito me-didas punitivas já previstas na Lei Maria da Penha e no Código Penal.”(Apelação n. 1.0259.13.000540-0/001. TJ/MG, Rel. Des. MatheusChaves Jardim, julgado em 03.04.2014).

“Apelação Desobediência a medidas protetivas da Lei Mariada Penha. Descabimento da suspensão condicional do processo, emse desenrolando o feito com base nesse diploma específico, ainda queadvindo absolvição quanto à infração em que contida a violência Inte-ligência do art. 41. Pretensão ao reconhecimento da atipicidade daconduta por inexistência de ameaça ou violência. Circunstâncias nãoexigidas pela lei. Delito caracterizado. Aumento da pena corporal aci-ma domínio em razão de conduta social desajustada Fixação de regi-me aberto Suspensão condicional do processo não concedida Ausên-cia dos requisitos subjetivos. Recurso não provido.” (APELAÇÃO nº0003540-92.2012.8.26.0242, TJ/SP, Rel. Des. Ivan Sartori, julgadoem 01.04.2014).

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A Quinta Turma da Corte Cidadã também considera típica tal conduta– nos termos do art. 359 do Código Penal -, consoante se extrai do seguinte precedente:

“(...) DESOBEDIÊNCIA A DECISÃO JUDICIAL SOBRE PERDA OUSUSPENSÃO DE DIREITO (ARTIGO 359 DO CÓDIGO PENAL). DES-CUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI11.340/2006. ALEGADA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME PREVISTO NOARTIGO 330 DO ESTATUTO REPRESSIVO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIODA ESPECIALIDADE. INCIDÊNCIA DO TIPO ESPECÍFICO DISPOSTONO ARTIGO 359. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1.Da leitura do artigo 359 do Código Penal, constata-se que nele incidetodo aquele que desobedece decisão judicial que suspende ou priva oagente do exercício de função, atividade, direito ou múnus. 2. A deci-são judicial a que se refere o dispositivo em comento não precisa es-tar acobertada pela coisa julgada, tampouco se exige que tenha cu-nho criminal, bastando que imponha a suspensão ou a privação de al-guma função, atividade, direito ou múnus. Doutrina. 3. A desobe-diência à ordem de suspensão da posse ou a restrição do porte dearmas, de afastamento do lar, da proibição de aproximação ou conta-to com a ofendida, bem como de frequentar determinados lugares,constantes do artigo 22 da Lei 11.340/2006, se enquadra com perfei-ção ao tipo penal do artigo 359 do Estatuto Repressivo, uma vez quetrata-se de determinação judicial que suspende ou priva o agente doexercício de alguns de seus direitos. 4. O artigo 359 do Código Penal éespecífico para os casos de desobediência de decisão judicial, moti-vo pelo qual deve prevalecer sobre a norma contida no artigo 330 daLei Penal. (...)” (HC 220392 / RJ, STJ, Quinta Turma, Min. Jorge Mussi,julgado em 25.02.2014).

Noutra direção, verifica-se que a Sexta Turma do STJ, bem como asdemais Câmaras do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, consideram que o descumpri -mento às medidas protetivas não pode configurar o delito de desobediência, haja vista que a inobser-vância de tais medidas enseja a aplicação de sanções específicas, como, por exemplo, a prisão pre-ventiva e a multa, o que caracterizaria o bis in idem.

Neste sentido, colaciona-se:

“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESO-BEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊN-CIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA. COMINAÇÃO DE PENA PE-CUNIÁRIA OU POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVEN-TIVA. INEXISTÊNCIA DE CRIME. 1. A previsão em lei de penalidadeadministrativa ou civil para a hipótese de desobediência a ordem legalafasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo a ressalvaexpressa de cumulação (doutrina e jurisprudência). 2. Tendo sidocominada, com fulcro no art. 22, § 4º, da Lei n. 11.340/2006, sançãopecuniária para o caso de inexecução de medida protetiva de urgên-cia, o descumprimento não enseja a prática do crime de desobediên-cia. 3. Há exclusão do crime do art. 330 do Código Penal também emcaso de previsão em lei de sanção de natureza processual penal (dou-trina e jurisprudência). Dessa forma, se o caso admitir a decretaçãoda prisão preventiva com base no art. 313, III, do Código de ProcessoPenal, não há falar na prática do referido crime. 4. Recurso especialprovido.” (REsp 1374653 / MG, STJ, Sexta Turma, Min. Sebastião ReisJúnior, julgado em 11.03.2014).

“APELAÇÃO-CRIME. DESOBEDIÊNCIA, AMEAÇA E LESÃO CORPORAL.ABSOLVIÇÃO. Desobediência. O descumprimento de medidas proteti-vas impostas com base na Lei Maria da Penha não configura o ilícitode desobediência, haja vista que as medidas previstas na Lei n.º11.340/2006 são cautelares progressivas, isto é, podem ensejar, in-clusive, a prisão preventiva quando os meios mais brandos forem des-

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cumpridos e/ou insuficientes à proteção da ofendida. Atipicidade.Ameaça. O tipo do artigo 147 exige que a ameaça se refira a um malconcreto, injusto e grave, e as frases ditas pelo acusado, isoladamen-te, não se mostram suficientes para preencher o dispositivo legal. Par-tes que estavam em meio a uma discussão - tendo a vítima inclusiveofendido as irmãs do acusado. Lesão corporal. Absolvição. Dúvida ra-zoável a respeito de ter o réu agido em legítima defesa. Vítima queadmite que na ocasião segurava um tijolo e ameaçava bater no réu.Reação que se deu em medida proporcional. Art. 386, VI, do Códigode Processo Penal. RECURSO PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA.”(Apelação Crime Nº 70054596879, Terceira Câmara Criminal, Tribunalde Justiça do RS, Relator: Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgadoem 03/04/2014)

“APELAÇÃO CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - CRIMES DE AMEAÇA- PALAVRA DA VÍTIMA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS- CONDENAÇÃO MANTIDA - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTE-TIVA - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - ART. 330 DO CP - INAPLICABILI-DADE - ABSOLVIÇÃO.” (Apelação 1.0479.13.004037-7/001, TJ/MG,Rel. Des. Silas Vieira, julgado em 25.03.2014).

Sustenta-se no entendimento majoritário a atipicidade do crime dedesobediência naqueles casos em que a lei de conteúdo extrapenal cominar, para o mesmo fato, san-ção civil ou administrativa. A Lei nº 11.343/06 prevê medidas cautelares progressivas, podendo evoluira uma possível decretação de uma prisão preventiva do agente, no caso de as medidas mais brandasnão se mostrarem suficientes para a proteção da pretensa vítima. Todavia, não prevê sanção propria -mente dita, objetivando punir, de pronto, a conduta de desobedecer à medida cautelar de urgência.

Desta forma, inserido nesta concepção de progressividade da medidacautelar, verifica-se que não há sanção prevista quando da ocorrência de desobediência, havendo tãosomente a possibilidade da decretação da prisão preventiva, nos ditames do art. 313, inciso III, CPP,condicionada ao preenchimento dos requisitos do art. 312, do mesmo dispositivo penal.

Como já referido anteriormente, ainda que o art. 313, inciso III, CPP,admita a decretação da prisão preventiva se o crime envolver violência doméstica e familiar contra amulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução dasmedidas protetivas de urgência, não se pode olvidar que deverão ser atendidos os requisitos presen-tes no art. 312 do mesmo diploma legal. Portanto, não havendo ofensa à garantia da ordem pública,da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicabilidade da leipenal, não há o que se falar em decretação de prisão preventiva.

A partir da leitura do art. 20 da Lei nº 11.343/2006 verifica-se quenão há previsão para a sua decretação que decorra do descumprimento de ordem que determinou amedida cautelar de urgência. Segue a redação do dispositivo legal:

“Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução crimi-nal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, deofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representa-ção da autoridade policial.Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no cur-so do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bemcomo de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.”

Ainda, sobre a decretação da prisão preventiva no art. 20 da Lei11.343/2006, refere Nucci, 2008:

“34. Decretação de prisão preventiva: o dispositivo é inútil. A decreta-ção da prisão preventiva é regida pelo Código de ProcessoPenal, de modo que não há a menor necessidade de se repetiraquilo que é mais que óbvio. Se preenchidos os requisitos le-gais (art. 312, CPP), cabe a custódia cautelar. Entretanto, é funda-mental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatí-

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veis com a decretação de prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corpo-ral possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça, dedetenção de um a seis meses, ou multa. São infrações penais quenão comportam preventiva, pois a pena a ser aplicada, no futuro, se-ria insuficiente para “cobrir” o tempo de prisão cautelar (aplicando-se,naturalmente, a detração, conforme art. 42 do Código Penal). Leve-seem conta, inclusive, para essa ponderação, que vigora no Brasil achamada política da pena mínima, vale dizer, os juízes, raramente,aplicam pena acima do piso e, quando o fazem, é uma elevaçãomínima, bem distante do máximo. (...). Por tal motivo, o juiz deveponderar, com faz em processos criminais comuns, se a prisão pre-ventiva é, realmente necessária e compatível com o crime cometidoem tese.”

Assim sendo, não havendo sanção extrapenal prevista para os casosde desobediência de medida protetiva de urgência, a conduta de desobedecer a ordem judicial se en-quadra sim no delito previsto no art. 330 do Código Penal. Neste sentido o ensinamento deNucci,2011:

“O afastamento do marido ou companheiro do lar ou a proibição dese aproximar da ofendida, medidas protetivas de urgência, pre-vistas no art. 22, II e III, da Lei 11.343/2006, constituem or-dens judiciais, que, se violadas, podem implicar em crime dedesobediência (art. 330, CP). Não se configura o crime do art.359, pois não se trata de função, atividade, direito, autoridade oumúnus.”

No comentário ao art. 22 da Lei Maria da Penha, Nucci:2011 posici-ona-se acerca do descumprimento de medida protetiva:

“39. Auxílio Policial: quando as medidas de urgência não forem cum-pridas pelo agressor, chegando ao conhecimento do juiz, este deverequisitar a participação da força policial, intervindo e buscando sanara ocorrência. Não se pode excluir a configuração de crime dedesobediência, por parte do agente agressor, se, por exem-plo, insistir em se aproximar da vítima, fora do limite mínimoprevisto pelo magistrado.”.

3.3 Considerações Finais

Assim, ocorrendo o descumprimento da medida protetiva de urgência,e, na hipótese de os requisitos do art. 312 do CPP não serem preenchidos, não podendo, assim, ense-jar a decretação da prisão preventiva – já que esta é reconhecida como sanção pela corrente majori-tária –, de que forma vai se punir o agente agressor, se o crime de desobediência é tido como atípicopara esses casos? De que maneira as ordens judiciais serão respeitadas? Respondendo a estes questi-onamentos brevemente, há que se atuar com cautela, para que as ordens judiciais não sejam des-cumpridas e tidas como ineficazes, uma vez que a legislação extravagante não possui sanção específi -ca para os casos de desobediência da determinação do magistrado.

Diante do exposto, entendo, portanto, estar configurada a prática dodelito de desobediência (art. 330, CP).

IV. Recurso

4.1 - Agravo de Instrumento

Da irresignação recursal contra o deferimento de medida protetiva deurgência na Lei Maria da Penha (Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado doEspírito Santo)

Sem nenhum átimo de dúvida, a Lei Ordinária Federal n. 11.340, de07 de Agosto de 2006, conhecida mais como “Lei Maria da Penha”, é espécie normativa de

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indisfarçável e predominante conteúdo penal. E não se chega a esta conclusão por precipitadoexagero sensacionalista ou adesão a certa moda feminista deslumbrada. As razões de sua edição esuas disposições legais protetivas desautorizam patentemente outra ilação.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar aViolência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, de 1994), Diploma internacional predecessore idealizador da Lei 11.340/2006, em toda a sua extensão enfatiza o seu desprendimento à tutelapenal da mulher objeto de violência. O Art. 7º, deste Tratado das Américas, impõe como dever deseus Estados-signatários a inclusão nas suas próprias legislações internas de normas penais quesejam necessárias e suficientes para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. A alínea“d” deste dispositivo, mais especificamente, deve ser considerada a gênese das medidas protetivas deurgência da Lei 11.340/2006, que assinala que também deverão os Estados-Partes adotar medidasjurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôrem perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique suapropriedade.

Outrossim, a Lei 11.340/2006, complementa norma constitucional deeficácia relativa complementável (ou dependente de complementação legislativa), qual seja, oluminoso Parágrafo 8º, do Art. 226, da Constituição Federal de 1988. Rezando este dispositivo que “oEstado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criandomecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Ou seja, na qualidade de normaintegrativa infraconstitucional, deve a Lei 11.340/2006 servientemente positivar a proteção contra aviolência doméstica no âmbito do núcleo familiar.

Colmatando o desejo do constituinte originário, de especial proteçãodo Estado à família – definida como base da sociedade – a Lei 11.340/2006, minudentemente,cumpre o seu desiderato normativo com substância. É mesmo Lei de vanguarda, desacostumada como desprezo e indiferença do Código de Processo Penal de 1941 pelo estudo e aplicação da vitimologia,ainda tão enraizados lamentavelmente na hermenêutica penal hodierna. Nos dias de hoje,incompreensivelmente, parece que qualquer medida tendente a resguardar a integridade da vítima noprocesso penal deve ser concebida como o Oitavo Passageiro, coisa dos domínios invencíveis dasações cíveis ex delicto.

Desta forma, a Lei 11.340/2006 não deve ser convidada a detonar suaaplicabilidade a quaisquer lides, indistintamente, senão àquelas que versem precisamente sobre aquestão da violência doméstica e familiar contra a mulher, sob pena de desvirtuamento e banalizaçãode seu alcance infraconstitucional integrativo.

Logo de início, para fazer contraposição jurídico-material às Varas deFamílias comuns, cria a Lei 11.340/2006 os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra aMulher, aonde nestes a prática da violência consistirá no seu elemento necessário de atração para finsde fixação de sua competência, juntamente com o propósito de processo e julgamento de infraçõespenais baseadas no gênero, que causem à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico,patrimonial ou moral. Daí o motivo pelo qual levou o legislador ordinário a estabelecer que, enquantonão estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminaiscomuns acumularão competência para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, e não as Varas Cíveis ou de Família. Mantém-se, assim, orespeito à cadência dos juízes criminais, sem ofensa também à liberdade de organização judiciária dosEstados.

Não se confundem as hipóteses de formas de violência doméstica efamiliar contra a mulher, arroladas no Art. 7º e Incisos da Lei 11.340/2006, com simples e inocentescasos de condutas desonrosas ou atos que importem em grave violação dos deveres do casamentotornando a vida em comum insuportável para os cônjuges. Definitivamente, a violência doméstica efamiliar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, e a pena ao finalinfligida ao agressor deverá representar sanção necessária e suficiente para reprovação e prevençãoda barbárie familiar. O que tradicionalmente nas Varas de Família é concebido como falta de respeito econsideração a importar em descumprimento dos deveres do cônjuge varão no casamento, acasocometido com o uso de violência real ou moral, em determinado momento deverá ser deflagrada adualidade de instâncias – “instância” naquela acepção de “processo” de JOÃO MONTEIRO – , para (a)dissolução da sociedade e do vínculo conjugal na Vara de Família e, noutra ponta, para (b) processo ejulgamento da prática de violência nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,

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sem nenhuma relação de litispendência ou prejudicialidade entre estes juízos diversos, senão aquelagenérica estampada nos Arts. 65, 66 e 67, do Código de Processo Penal.

O Art. 10 da Lei 11.340/2006, no mesmo sentir, é revelador danatureza penal deste novel Diploma da Mulher, quando estatui que quando da prática de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, “a Autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência”adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Ora, a Polícia Civil é sabidamente Órgãocomponente do Sistema de Segurança Pública traçado pela Lex Fundamentalis, dirigida por Delegadosde Polícia, incumbindo-lhe a função estrita de apuração das infrações penais. A primeira autoridadepública, eleita pela Lei 11.340/2006, a estrear na hipótese de iminência ou da prática de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, bem revela, assim, que estamos em área reservada ao DireitoPenal. Não é dado aos Delegados de Polícia exercer as atividades de postulação ao Poder Judiciário,nem de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

Não se nega, aqui, vigência ao Art. 14 da Lei 11.340/2006 que dispõeque os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher terão competência criminal e cível,para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência domésticae familiar contra a mulher. Mas processo penal serve ao processo e julgamento de infrações penais(crimes e contravenções penais) e o processo civil, por sua vez, presta-se no caso ao processo ejulgamento de causas cíveis para formação de título executivo judicial (sentença de mérito) comeficácia declaratória, constitutiva ou condenatória. As coisas não se confundem. A Lei 11.340/2006não trouxe inovação surreal ou impraticável. Aonde já efetivamente instalados os Juizados deViolência Doméstica e Familiar contra a Mulher deverá ser implementada essa dupla competênciamaterial, mas, isto não quer dizer que se dará tudo em um simultaneus processus, em um único feito,mediante prolação de sentença mista, dividida em capítulos cíveis e criminais. Não se retrocede paratransformar os juízes no Profeta Moisés, único legislador e juiz solitário do povo de Israel, que julgavatodas as causas segundo o que Deus lhe revelava. Não se pode olvidar a advertência de Jetro, não sedeve admitir o insuportável e inconciliável.

Ter competência jurisdicional cível e criminal não significa o abandonodas regras de congruência e adstrição, procedimentais próprias relativas ao respeito ao devidoprocesso legal, nem artifício para que o Juiz componha lides envolvendo violência doméstica e familiarcontra a mulher do modo como lhe mais convenha ou seja interessante em cada caso. A separaçãojudicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, decorrentes da prática daviolência doméstica e familiar contra a mulher (violação dos deveres do casamento), serãoprocessadas e julgadas em ações cíveis próprias no Juizado da Mulher onde instalados.

Enquanto que a condenação ou absolvição do suposto agressor sedará, neste mesmo Juizado especializado, mas em outro processo, iniciado mediante ação penalpública ou privada, conforme o caso. E, se versar a lide matéria de Direito de Família, apartada daquestão da violência em quaisquer de suas modalidades, a competência será das Varas de Famíliapara solução do imbróglio familiar mais sereno. É, nada mais nada menos do que a velha sínteseteórica imanentista de CLÓVIS que preconizava que a todo direito corresponde uma ação própria queo assegura. A antagonista teoria abstrata de LIEBMAN também não autoriza ao jurisdicionado bater àsportas da Justiça para requerer instauração de um feixe instrumental único para resolução de todos ostipos de pretensões cíveis e criminais conjuntamente, buscando-se pronunciamento judicial singular(sentença única) sobre diversas questões variadas de mérito.

Por todos, BUZAID bem sintetizou a questão, quando na confecção doArt. 292 do seu Código Civil de Ritos, disse que será permitida a cumulação, num único processo,contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão, quando (a) ospedidos sejam compatíveis entre si; (b) que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; e,(c) que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. Igualmente, o feito deve serextinto em seu nascedouro, quando não concorrer qualquer das condições da ação, como apossibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

Sensato, afastando qualquer possibilidade de procedimento materialhíbrido (cível e criminal), o Art. 15 da Lei 11.340/2006 estabelece regras de competência tão-somentepara os processos cíveis decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,mantendo, de outra banda, a regra clássica do Art. 69 et seq. do Código de Processo Penal para oscasos de fixação da competência para os processos criminais. E, assim também é o seu seguinte Art.16, quando emprega as expressões “ações penais públicas condicionadas à representação”, “renúncia

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(retratação) à representação”, “recebimento da denúncia” e “Ministério Público” (titular privativo daação penal publica), absolutamente estranhas e não invocáveis nas demandas cíveis privadas.

Pois bem, recebido o expediente policial anotado pelo Delegado dePolícia, com o pedido da ofendida, caberá ao Magistrado às pressas decidir sobre as medidasprotetivas de urgência requeridas, comunicando de tudo após o Ministério Público para que adote asprovidências cabíveis. Perceba-se, o veículo de aporte das medidas protetivas no Juizado de ViolênciaDoméstica e Familiar contra a Mulher é o expediente da Autoridade Policial, que, como dito linhasacima, exerce nos limites de sua respectiva circunscrição a atividade precípua de apuração dasinfrações penais e da sua autoria. Não desejou a Lei 11.340/2006, desse modo, que fossemrequeridas medidas protetivas quando não estivessem em jogo a prática e apuração de infraçõespenais.

A princípio, assim, a medida protetiva de urgência é instituto exclusivodo Direito Processual Penal. Ou, noutras, palavras, nos Juizados de Violência Doméstica e Familiarcontra a Mulher somente serão deferidas medidas protetivas de urgência quando apoiadas emprocedimento penal, inquisitivo ou judicial. Quando atuando no exercício de sua competência cível, oJulgador do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher deverá, para garantia eefetividade do provimento cognitivo final de mérito, valer-se de seu poder geral de cautela, semprejuízo, inclusive, do emprego da analogia para outorgar-se à autora da ação cível provimentocautelar protetivo idêntico àquele a que faria jus no processo penal, como, p. ex., o afastamento doréu-devedor de alimentos do lar numa ação de cobrança. Mas, aí neste caso, por óbvio, será incabívela decretação pelo Juiz deste feito cível da prisão preventiva de que trata o Art. 313, Inciso IV, paragarantir a execução da medida protetiva de urgência analogicamente aplicada. A solução, para oJulgador do cível, no entanto, será novamente recorrer à analogia para aplicar o disposto no Parágrafo5º, do Art. 461, do Código de Processo Civil, que estabelece que para a efetivação da tutela específicaou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento,determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso (astreintes),busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividadenociva, se necessário com requisição de força policial. É claro, poderá ainda esse Magistrado do cível,como “qualquer do povo”, prender em flagrante delito este réu recalcitrante pelo crime dedesobediência, apresentando-o imediatamente à Autoridade Policial, para comunicação do flagranteao Juiz natural, mas, aí, outro será o busílis.

Corroborando o ponto referido, é de se salientar que a comunicaçãodo expediente policial ao Ministério Público, após a análise do pedido de medidas protetivas pelo Juiz,para que aquele adote as providências cabíveis, repousa no fato de que é função institucional doParquet promover, privativamente, a ação penal pública. Ora, a conhecida intervenção do MinistérioPúblico para atuar como fiscal da lei nas ações cíveis pressupõe a existência, é claro, de processo emcurso, e, neste caso, não há processo, mas mero expediente policial. A determinação deencaminhamento do expediente policial ao Ministério Público revela o nítido conteúdo penal dessapeça de informação, quando se sabe, como dito, competir ao Ministério Público a promoção privativada ação penal pública, e, outrossim, exerce esta Instituição o controle externo da atividade policial,podendo requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito Policial. No juízo cível ainércia inicial do Juiz deve ser superada necessariamente através da petição inicial ajuizada pela partepatrocinada por Advogado, operando-se a partir daí a angularização da relação processual, no sentidode só assim ser oportunizada a abertura de vistas ao Ministério Público como Fiscal da Lei.

Qualquer argumento de uma possível natureza cível das medidasprotetivas de urgência instituídas pela Lei 11.340/2006 caem por terra, definitivamente, quando seatinge o Art. 19 desse mesmo Diploma protetivo da mulher. Reza este dispositivo que as medidasprotetivas de urgência poderão ser concedidas pelo Juiz de ofício, a requerimento do MinistérioPúblico ou a pedido da ofendida. O irredutível Princípio Dispositivo informador de toda a teoria geraldo processo civil jamais admitiria a concessão de medida acautelatória ou assecuratória de tão largaenvergadura sem a iniciativa da parte. A legitimidade do Ministério Público para requerimento demedidas protetivas repousa no fato de que tem esta Instituição poderes para requisitar a instauraçãode Inquérito Policial e formular requerimentos que bem entender, com a intervenção do PoderJudiciário, quando for o caso, antes mesmo da formação da lide penal pelo oferecimento da Denúncia.E pela expressão “pedido da ofendida” é sabido que não há ofendido vs. ofensor nos feitos cíveis,mas, sim, autor e réu.

Se assim não fosse, indaga-se, por que o instituto da prisão provisória

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do “agressor” – e não “réu” – , medida típica do processo penal, foi inserida dentro do capítulodestinado às medidas protetivas de urgência (Art. 20)? Porque proclama o Art. 313, Inciso IV, doCódigo de Processo Penal que será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos seo crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, “paragarantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Noutras palavras, a prisão preventiva émedida extrema e subsidiária, que só deverá ser imposta quando as medidas protetivas se revelaremineficazes. E é regra pueril em Direito a de que só há prisão preventiva em processo criminal. Por estarazão que a Lei 11.340/2006 situou a medida acessória da prisão preventiva dentro do capítuloreservado às medidas protetivas de urgência, ambos institutos de natureza eminentemente penal.

Poderia ser argüir, entretanto, que muitas das medidas protetivas deurgência arroladas pela Lei 11.340/2006 encontram disposição semelhante no Código de ProcessoCivil e legislação processual civil em vigor, como, p. ex., a separação de corpos. E, por isto, tambémseriam as medidas protetivas de urgência providência de natureza cível.

Em primeiro lugar, não se concederá medida protetiva de urgência daseparação de corpos – e nenhuma outra! – em caso de mera violação dos deveres conjugais, mas,sim, em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, a revelar que imediatamente deve sedar a largada ao período de reflexão de um ano para que após seja levado a efeito a desejada eprofilática dissolução do casamento pelo divórcio no juízo de família. Do contrário, se não fosse aquelamedida assecuratória penal da separação de corpos, estaria ainda a ofendida submetida ao caprichode seu carrasco, com grande abalo à ordem pública que estaria ameaçada pela possibilidade dareiteração criminosa. Sem falar que a separação de corpos decretada no processo penal isenta avítima de qualquer dever de fidelidade e coabitação com o seu agressor, o que seria verdadeirodisparate. Pelo que, no exemplo dado, a medida protetiva da separação de corpos não atinge um fimem si mesma, não apresenta conteúdo satisfativo, apenas assegura à mulher violentada a certeza daruptura de sua vida em comum com seu ofensor, prestigiando-se, por esta via tão-somente o exercícioefetivo do direito à vida em paz.

Quanto ao argumento de que muitas das medidas protetivas deurgência arroladas pela Lei 11.340/2006 encontram disposição semelhante no Código de ProcessoCivil e na legislação processual civil em vigor, o mesmo, ao contrário, também sempre foi sentido poraqueles que militam com o processo penal, mas sem nenhum alarde. Ora, se o vigente Código deProcesso Civil de 1973 possui entre seus procedimentos cautelares específicos o Arresto, o Sequestro,a Busca e Apreensão, a Produção Antecipada de Provas, entre outros, o Código de Processo Penal de1941, há mais de três décadas antes, já previa em seus Arts. 134, 125, 240 e 366, respectivamente,as mesmas medidas de cautela previstas naquele primeiro Codex. Seriam aqueles provimentos doEstatuto de Ritos Civil medidas de natureza processual penal, importados do vetusto Código deProcesso Penal? Ou seriam mesmo medidas de natureza civil repetidas do Código de Processo Civil de1939?

Nem uma coisa e nem outra. É fácil desfazer-se a ligeira confusãorecitada. Para isto, basta lembrarmos que a decisão cautelar não é de mérito, mas sim, quando muito,acessória do mérito da ação principal. A ação principal é que será de natureza cível ou penal, jamais amedida protetiva de urgência ou cautelar (ou assecuratória) subjacentes. A tutela através da medidaprotetiva (tutela preventiva), deveras, não atinge nem soluciona o mérito da causa principal, mas noâmbito exclusivo dessa tutela preventiva contém-se uma pretensão de segurança, traduzida numpedido de medida concreta para eliminar o risco à integridade da ofendida, já abatida pelaperpetração da violência no seio familiar.

E, como asseverado, se a medida protetiva de urgência é acessória domérito da ação principal, e, se a Lei 11.340/2006 cravou aquela medida protetiva como instrumentode garantia da ordem pública no processo penal, para garantia da incolumidade da mulher violentada(não reiteração criminosa), temos assim que as medidas protetivas em discussão são nitidamente denatureza penal e não cível, por força do objeto da ação principal – apuração de infração penal (crimeou contravenção penal) – . Tudo, então, a desafiar a sistemática recursal prevista no Código deProcesso Penal, à luz das regras da taxatividade e adequação. A interposição do recurso de Agravo deInstrumento, do Código de Processo Civil, revela inaceitável erro grosseiro, que sequer chega a serescorado pela implícita regra da fungibilidade recursal ainda admitida por alguns.

Mas, não só pela evidente inadequação da via eleita, caracterizadordo erro grosseiro, que se afasta a regra da fungibilidade recursal mantida viva pelos saudosistas do

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Código de Processo Civil de 1939 – perceba-se, não é nem no Código de Processo Penal que semantém a brecha recursal, mas em Diploma estranho ao Direito Processual Penal por força deanalogia com lei revogada! – , mas, também, pela hipótese de ausência do pressuposto objetivo daboa-fé, quando é sabido por todos que a interposição do Agravo de Instrumento diretamente nosTribunais de Justiça elimina por completo a possibilidade do Julgador a quo sustentar sua Decisão,robustecendo-a, e, inclusive fazendo juntar ao recurso os traslados que lhe parecerem necessáriospara manutenção da medida protetiva pelo Órgão Colegiado ad quem.

A via recursal do Agravo de Instrumento revela-se, assim, meio desubtrair do juízo de origem a possibilidade de sustentação da decisão concessiva da medida protetivade urgência – direito-poder do Magistrado que não pode ser mitigado – , e também da possibilidadedeste Órgão Julgador de piso de instruir o recurso com as peças que entender necessárias e úteispara melhor análise e manutenção da medida assecuratória de urgência (efeito regressivo, tambémchamado de iterativo, reiterativo ou diferido). O volume numeroso e assustador de processos que jáse encontram tramitando em todos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher doPaís – reflexo da falência dos valores familiares e morais – bem revela que decisões concessivas demedidas protetivas são concedidas a todo o momento, com a urgência que a Lei 11.340/2006determina (48 horas, Art. 18, Inciso I), não havendo, por óbvio, espaços para dissertação minuciosaem 1º Grau, uma vez que o tempo conspira. Será, então, no momento da sustentação de sua decisãoque o Magistrado deverá proceder ao profundo cotejo do fumus boni iuris e do periculum in mora comas provas carreadas aos autos do processo ou expediente. E, só então, após este trâmite no juízo deorigem, com as contrarrazões, o recurso subirá para a Instância superior.

Após a Reforma de 2001 do Código de Processo Civil, a solicitação deinformações pelo Juiz da causa nos recursos de Agravo de Instrumento passou a ser uma faculdadedo Relator no Tribunal, que poderá dispensá-las, deixando o Magistrado de 1º Grau em verdadeiroestado de perplexidade, eis que, como cediço, deverá este recurso ser conhecido tão-somente com ajuntada de cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procuraçõesoutorgadas aos Advogados do Agravante e do Agravado. Ao contrário do que se dá no Recurso emSentido Estrito, onde Juiz e ofendida-recorrida, no despacho de sustentação e nas contrarrazões,respectivamente, poderão juntar todo o acervo probatório que entenderem pertinentes paramanutenção da decisão concessiva da medida protetiva no Tribunal, afastando-se em muito apossibilidade da concessão de medida liminar inaudita alter pars pelo Relator.

Pela equivocada via do Agravo de Instrumento, contra decisãoconcessiva de medida protetiva de urgência, afasta-se, também, a possibilidade da aferição dospressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade pelo Juiz da causa, que só é exercido nestaespécie recursal pelo Relator do Tribunal, porque o mesmo é interposto diretamente nesta 2ªInstancia. Já o adequado Recurso em Sentido Estrito, sofre essa dupla avaliação, tanto pelo juízo deorigem, como pela Corte revisora. O que denota ser inaceitável para fins de pretendida e incabívelfungibilidade recursal a interposição daquele recurso de Agravo de Instrumento.

Pela sistemática criada pelos Juizados de Violência Doméstica eFamiliar contra a Mulher, só será admitida a interposição de Agravo de Instrumento nas açõespropriamente cíveis, dentro do específico âmbito de competência cível que também possui esteJuizado da Mulher, onde já efetivamente instalados, para enfrentamento de todas e quaisquerdecisões interlocutórias, inclusive aquelas onde concedidas medidas semelhantes às típicas medidasprotetivas de urgência da Lei 11.340/2006 por força da analogia, mas sem olvidar que o objeto daação principal deverá conter pedido de provimento final de natureza cível, qual seja, a declaração, aconstituição ou a condenação sobre determinado bem da vida (sentença de mérito cível), jamais oprocesso e julgamento de infração penal (sentença penal), onde ressoa mais evidente a violação dosdireitos humanos da mulher.

V. Rede de enfrentamento à violência contra as mulheres

O conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheresdiz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais ea comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas quegarantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres, os seus direitos humanos, aresponsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência.Portanto, a rede de enfrentamento tem por objetivos efetivar os quatro eixos previstos na Política Na-

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cional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres – combate, prevenção, assistência e garantiade direitos – e dar conta da complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres.

A fim de contemplar esses propósitos, a rede de enfrentamento écomposta por: agentes governamentais e não-governamentais, formuladores, fiscalizadores e execu-tores de políticas voltadas para as mulheres (organismos de políticas para as mulheres, ONGs femi-nistas, movimentos de mulheres, conselhos dos direitos das mulheres, outros conselhos de controlesocial; núcleos de enfrentamento ao tráfico de mulheres etc.); serviços/programas voltados para aresponsabilização dos agressores; universidades; órgãos federais, estaduais e municipais responsáveispela garantia de direitos (habitação, educação, trabalho, seguridade social, cultura) e serviços especi-alizados e não-especializados de atendimento às mulheres em situação de violência (que compõem arede de atendimento).

Já a rede de atendimento refere-se ao conjunto de ações e servi-ços de diferentes setores (em especial, da assistência social, da justiça, da segurança pública e dasaúde), que visam à ampliação e à melhoria da qualidade do atendimento, à identificação e ao enca-minhamento adequados das mulheres em situação de violência e à integralidade e à humanização doatendimento. Assim, é possível afirmar que a rede de atendimento às mulheres em situação de violên-cia é parte da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres, contemplando o eixo da “assis-tência” que, segundo o previsto na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,objetiva:

“(…) garantir o atendimento humanizado e qualificado às mulheresem situação de violência por meio da formação continuada de agentespúblicos e comunitários; da criação de serviços especializados (Casas-Abrigo/Serviços de Abrigamento, Centros de Referência de Atendi-mento à Mulher, Serviços de Responsabilização e Educação do Agres-sor, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, De-fensorias da Mulher, Delegacias Especializadas de Atendimento àMulher); e da constituição/fortalecimento da Rede de Atendimento(articulação dos governos – Federal, Estadual, Municipal, Distrital- eda sociedade civil para o estabelecimento de uma rede de parceriaspara o enfrentamento da violência contra as mulheres, no sentido degarantir a integralidade do atendimento.” (SPM-PR, 2007, p. 8).

A rede de atendimento à mulher em situação de violência está dividi-da em quatro setores/áreas principais (saúde, justiça, segurança pública e assistência social) e é com-posta por duas categorias de serviços: a) serviços não-especializados de atendimento à mulher –que, em geral, constituem a porta de entrada da mulher na rede (a saber, hospitais gerais, serviços deatenção básica, programa saúde da família, delegacias comuns, polícia militar, polícia federal, Cen-tros de Referência de Assistência Social/CRAS, Centros de Referência Especializados de AssistênciaSocial/CREAS, Ministério Público, defensorias públicas); b) serviços especializados de atendimento àmulher – aqueles que atendem exclusivamente a mulheres e que possuem expertise no tema da vio-lência contra as mulheres.

No que tange aos serviços especializados, a rede de atendimento écomposta por: Centros de Atendimento à Mulher em situação de violência (Centros de Referência deAtendimento à Mulher, Núcleos de Atendimento à Mulher em situação de Violência, Centros Integra-dos da Mulher), Casas Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório (Casas-de-Passagem), Delegacias Es-pecializadas de Atendimento à Mulher (Postos ou Seções da Polícia de Atendimento à Mulher), Núc-leos da Mulher nas Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais de Violên-cia Doméstica e Familiar contra a Mulher, Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, Ouvidoria daMulher, Serviços de Saúde voltados para o atendimento aos casos de violência sexual e doméstica,Posto de Atendimento Humanizado nos aeroportos (tráfico de pessoas) e Núcleo de Atendimento àMulher nos serviços de apoio ao migrante.

VI. Enunciados do FONAVID

ENUNCIADO 1 – Para incidência da Lei Maria da Penha, não importa o período de relacionamentoentre vítima e agressor (a), nem o tempo decorrido desde o seu rompimento, bastando que restecomprovado que a violência decorreu da relação de afeto.

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ENUNCIADO 2 – Inexistindo coabitação ou vínculo de afeto entre agressor (a) e ofendida, deve serobservado o limite de parentesco estabelecido pelos artigos 1.591 a 1595 do Código Civil, quando ainvocação da proteção conferida pela Lei n. 11.340/06 decorrer exclusivamente das relações de paren-tesco.ENUNCIADO 3 – A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulheré restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações relati -vas a Direito de Família ser processadas e julgadas pelas Varas de Família (ALTERADO NO VIII FO-NAVID-BH).ENUNCIADO 3 – A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulheré restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveise as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente.(NOVA REDAÇÃO APROVADA NO VIII FONAVID-BH)ENUNCIADO 4 – A audiência prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/06 é cabível, mas não obrigató -ria, somente nos casos de ação penal pública condicionada à representação, independentemente deprévia retratação da vítima.ENUNCIADO 5: A competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher estácondicionada à existência de notícia-crime ou representação criminal da vítima (REVOGADO EM RA-ZÃO DA APROVAÇÃO DO ENUNCIADO 37 NO VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 6 – A Lei n. 11.340/06 não obsta a aplicação das penas substitutivas previstas no Códi-go Penal, vedada a aplicação de penas de prestação pecuniária ou pagamento isolado de multa.ENUNCIADO 7 – O sursis, de que trata o artigo 77 do Código Penal, é aplicável aos crimes regidospela Lei n. 11.340/06, quando presentes os requisitos.ENUNCIADO 8 – O artigo 41 da Lei n.º 11.340/06 não se aplica às contravenções penais. (Revogadono VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 9 – A notificação/intimação da vítima acerca da concessão de soltura do agressor podeser feita por qualquer meio de comunicação (ALTERADO no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 9 – A notificação/intimação da vítima acerca da concessão de soltura do agressor e/oude qualquer ato processual pode ser feita por qualquer meio de comunicação.(NOVA REDAÇÃO APRO-VADA NO VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 10 – A Lei n.º 11.340/06 não impede a aplicação da suspensão condicional do proces-so, nos casos em que couber. (Revogado no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 11 – Poderá ser fixada multa pecuniária, no caso de descumprimento de medida prote-tiva de urgência.ENUNCIADO 12 – Em caso de absolvição do réu ou de extinção da punibilidade do agressor, cessaráo interesse de agir, em sede de medidas protetivas de urgência. (Revogado no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 13 – Poderá a Equipe Multidisciplinar do Juízo proceder ao encaminhamento da vítima,do agressor e do núcleo familiar e doméstico envolvido à rede social, independentemente de decisãojudicial. (Alterado no VI Fonavid-MS)ENUNCIADO 13 – Poderá a Equipe Multidisciplinar do Juízo proceder ao encaminhamento da vítima,do agressor e do núcleo familiar e doméstico envolvido à rede de atenção integral, independentemen-te de decisão judicial. (Nova Redação aprovada no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 14 – Os Juízos com competência para processar e julgar os processos de violência do-méstica e familiar contra a mulher deverão contar com Equipe Multidisciplinar. Onde houver Juízos es-pecializados deverá haver uma Equipe Multidisciplinar exclusiva (Complementação em destaque apro-vada no Fonavid IV) (Alterado no VI Fonavid-MS)ENUNCIADO 14 – Os Tribunais de Justiça deverão prover, obrigatoriamente, os Juízos com compe-tência para processar e julgar os processos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de Equi-pe Multidisciplinar exclusiva, com quantidade de profissionais dimensionadas de acordo com o manualde rotinas estruturação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do CNJ. (NovaRedação aprovada no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 14 – Os Tribunais de Justiça deverão prover, obrigatoriamente, os juízos com compe-tência para processar e julgar os processos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de Equi-pe Multidisciplinar exclusiva, com quantidade de profissionais dimensionadas de acordo com o Manualde Rotinas e Estruturação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do CNJ.(NOVA REDAÇÃO aprovada no VI FONAVID – MS) (ALTERADO no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 15 – A Equipe Multidisciplinar poderá elaborar documentos técnicos solicitados pelo Mi-nistério Público ou Defensoria Pública, mediante autorização do Poder Judiciário.ENUNCIADO 16 – Constitui atribuição da Equipe Multidisciplinar conhecer e contribuir com a articu-lação, mobilização e fortalecimento da rede de serviços de atenção às mulheres, homens, crianças eadolescentes envolvidos nos processos que versam sobre violência doméstica e familiar contra a mu-lher.

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ENUNCIADO 17 – O parágrafo único do art. 238 do Código de Processo Civil é aplicável ao inciden-te de concessão de medida protetiva.( ALTERADO no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 17 – O art. 274 do Código de Processo Civil é aplicável ao incidente de concessão demedida protetiva. (NOVA REDAÇÃO PARA ADEQUAÇÃO AO NOVO CPC, APROVADA NO VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 18 – A concessão de novas medidas protetivas, ou a substituição daquelas já concedi-das, não se sujeita à oitiva prévia do Ministério Público.ENUNCIADO 19 – O não-comparecimento da vítima à audiência prevista no artigo 16 da Lei n.11.340/06 tem como consequência o prosseguimento do feito.ENUNCIADO 20 – A conduta da vítima de comparecer à unidade policial, para lavratura de boletimde ocorrência, deve ser considerada como representação, ensejando a instauração de inquérito polici-al.ENUNCIADO 21 – A competência para apreciar os recursos contra as decisões proferidas pelos Jui-zados de Violência Doméstica contra a Mulher é dos Tribunais de Justiça, independentemente dapena.ENUNCIADO 22 – A decretação da prisão preventiva, ainda que decorrente da conversão da prisãoem flagrante, independe de prévia manifestação do Ministério Público.ENUNCIADO 23 – A mediação pode funcionar como instrumento de gestão de conflitos familiaressubjacente aos procedimentos e processos que envolvam violência doméstica.ENUNCIADO 24 – A competência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher res-tringe-se aos delitos cometidos em razão do gênero, na forma dos arts. 5º e 7º da Lei Maria da Pe-nha, não sendo suficiente que a vítima seja do sexo feminino.ENUNCIADO 25 – As normas de tutela de direitos humanos da vítima do sexo feminino, previstas naLei Maria da Penha não se restringem aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher.ENUNCIADO 26 – O juiz, a título de medida protetiva de urgência, poderá determinar o compareci -mento obrigatório do agressor para atendimento psicossocial e pedagógico, como prática de enfrenta-mento à violência doméstica e familiar contra a mulher. (Aprovado no IV Fonavid-RO).ENUNCIADO 27 – O descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei n.11.340/2006 configura prática do crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal, aser apurado independentemente da prisão preventiva decretada. (Aprovado no VI Fonavid-MS e RE-VOGADO no VII FONAVID).ENUNCIADO 28 – A competência para processar e julgar o crime decorrente do descumprimentodas medidas protetivas é dos Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e,onde não houver, das Varas Criminais com competência para julgar os casos afetos à Lei n.11.340/2006. (Aprovado no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 29 – É possível a prisão cautelar do agressor independentemente de concessão oudescumprimento de medida protetiva, a fim de assegurar a integridade física e/ou psicológica da ofen-dida. (Aprovado no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 30 – O juiz, a título de medida protetiva de urgência, poderá determinar a inclusão doagressor dependente de álcool e/ou outras drogas em programa de tratamento, facultada a oitiva daequipe multidisciplinar. (Aprovado no VI Fonavid-MS).ENUNCIADO 31 – As medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, são aplicá-veis nas Varas do Tribunal do Júri em casos de feminicídio. (Aprovado no VII Fonavid-PR).ENUNCIADO 32 – As vítimas de crime de feminicídio e seus familiares devem contar com a assistên-cia jurídica gratuita, devendo o(a) Juiz(a) designar defensor(a) público(a) ou advogado(a) dativo(a)para atuar em defesa nos processos de competência do Tribunal do Júri, exceto se estiverem assisti -dos por advogado e ou defensor público. (Aprovado no VII Fonavid-PR).ENUNCIADO 33 – O Juízo Criminal que receber requerimento de medidas cautelares e/ou protetivaspoderá aprecia-las e deferi-las, com precedência ao juízo sobre sua competência, que poderá ratificarou não o deferimento, após distribuição e recebimento. (Aprovado no VII Fonavid-PR).ENUNCIADO 34 – As medidas protetivas de urgência deverão ser autuadas em segredo de justiça,com base no art. 189, II e III, do Código de Processo Civil (Aprovado no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 35 – O juízo de violência doméstica e familiar contra a mulher não é competente paraa execução de alimentos fixados em medidas protetivas de urgência (Aprovado no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 36 – Poderá ser utilizado mecanismo compulsório de controle eletrônico em desfavordo agressor para garantia do cumprimento das medidas protetivas de urgência (Aprovado no VIIIFONAVID-BH).ENUNCIADO 37 – A concessão da medida protetiva de urgência não está condicionada à existênciade fato que configure, em tese, ilícito penal. (Aprovado no VIII FONAVID-BH. Revogado oEnunciado 5 em razão da aprovação deste Enunciado).

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ENUNCIADO 38 – Quando da audiência de custódia, em sendo deferida a liberdade provisória aoagressor, o(a) juiz(a) deverá avaliar a hipótese de deferimento das medidas protetivas de urgênciaprevistas na Lei 11.340/06. A vítima deve ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, es-pecialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, por qualquer meio de comunicação, semprejuízo da intimação do seu advogado ou do defensor público, nos termos do art. 21 da Lei11.340/06 (Aprovado no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 39 – A qualificadora do feminicídio, nos termos do art. 121, §2ºA, I, do Código Penal, éobjetiva, uma vez que o conceito de violência doméstica é aquele do art. 5º da Lei 11.340/06, pres-cindindo de qualquer valoração específica (Aprovado no VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 40 – Em sendo o autor da violência menor de idade, a competência para analisar o pe-dido de medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 é do juízo da Infância e Juventude (Aprovadono VIII FONAVID-BH).ENUNCIADO 41 – A vítima pode ser conduzida coercitivamente para a audiência de instrução crimi-nal, na hipótese do art. 218 do Código de Processo Penal (Aprovado no VIII FONAVID-BH).

VII. Estudo de casos

7.1 - 1º CASO:

Mulher, maior de idade, com duas filhas menores (8 e 10 anos) dorelacionamento com o agressor; após a separação (convivência em união estável), é abordada na ruae, segurada pelo ex-companheiro, é agredida pela atual namorada deste, física e verbalmente, nafrente do colégio das filhas, ficando vários hematomas.Procedimento: Abertura de Inquérito Policial; encaminhamento para perícia no IML; solicitação demedidas protetivas de urgência:

1º) Afastamento do agressor do lar, domicílio ou local deconvivência com a ofendida;

2º) Proibição do ofensor de se aproximar da ofendida, deseus familiares e testemunhas, razão por que fixo a distânciamínima de 100 metros, sob pena de crime de desobediência;

3º) Proibição do requerido de fazer qualquer contato com aofendida, com seus familiares e testemunhas por qualquermeio de comunicação;

4º) Nomeação de Defensor Público.

No Inquérito Policial, além das agressões sofridas na data do fato, foirelatado ainda uma série de incidentes que esta mulher vinha sofrendo, tais como: Proibição de entrar na casa onde residia anteriormente com este companheiro, através de troca decadeados e fechaduras, sendo que, o mesmo havia saído de casa e ido morar com a mãe;Furto de documentos pessoais, certificados de cursos;Alienação parental, com agressão moral e emocional na frente das filhas menores (gaslighting);Ausência de estrutura financeira para manter a casa e as filhas, já que sempre foi proibida detrabalhar, para cuidar da casa e das filhas.

Existe ainda, tramitando em Vara de Família, ação de reconhecimentoe dissolução de união estável, alimentos e regulamentação de guarda.

Considerações: Além das agressões físicas sofridas pela mulher, amando do ex-companheiro, esta sofreu violência emocional, angústia e vergonha – foi agredida nafrente das filhas, professores e transeuntes e ninguém tomou nenhuma atitude;

A pessoa com a qual ela convivia por mais de 10 anos, comcomportamento possessivo, egocêntrico e agressivo a manipulava, fazendo com que a mesma nãotivesse autoestima e sempre se questionasse sobre suas atitudes e decisões;

Foi criada uma dependência socioeconômica da vítima e do agressor,desde o primeiro momento do relacionamento; atrás do comportamento “eu cuido de você, eu cuidode tudo”, sempre houve um comportamento de manipulação e subjugação emocional e financeira.

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7.2 - 2º CASO:

Mulher, menor de idade, com filha de meses, representada pelagenitora, solicitando medida protetiva de urgência contra o companheiro, possivelmente drogadito,maior, que a mantinha em cárcere privado em companhia da filha, sob ameaças, com privação dealimentos, contato com outras pessoas, violência física e emocional. A genitora indo visitar a filha,descobriu os fatos e conseguiu resgatar a filha e a neta. Antes de conseguir levar ambas para casa, ogenro chegou e a ameaçou também.

Procedimento: Abertura de Boletim de Ocorrência e solicitação de medidas protetivas de urgência:

1º) Proibição do ofensor de se aproximar da ofendida, deseus familiares e testemunhas, razão por que fixo a distânciamínima de 100 metros, sob pena de crime de desobediência;

2º) Proibição do requerido de fazer qualquer contato com aofendida, com seus familiares e testemunhas por qualquermeio de comunicação;

3º) Nomeação de Defensor Público.

Considerações: Além do cárcere, ameaças, privação de alimentos econtato com outras pessoas, agressões físicas sofridas pela adolescente, a violência emocional, físicae psicológica foi declarada;Não houve encaminhamento para realização de exame de corpo delito, pois foi informado que asagressões declaradas já contavam com mais de um mês, ficando prejudicado o exame a ser realizado;Por também haver sido ameaçada, a genitora da adolescente, também solicitou as medidas protetivas.

7.3 - 3º CASO:

Mulher, maior de idade, sem filhos, solicitando medida protetiva deurgência contra o companheiro, por agressão verbal e ameaça, no ínterim de discussão doméstica.

Procedimento: Abertura de Boletim de Ocorrência e solicitação demedidas protetivas de urgência:

1º) Proibição do ofensor de se aproximar da ofendida, deseus familiares e testemunhas, razão por que fixo a distânciamínima de 100 metros, sob pena de crime de desobediência;

2º) Proibição do requerido de fazer qualquer contato com aofendida, com seus familiares e testemunhas por qualquermeio de comunicação;

3º) Nomeação de Defensor Público.

Considerações: Por ausência de provas, foi determinada a citação dorequerido, deixando o juízo para se manifestar sobre a concessão das medidas protetivas após ocontraditório.Antes mesmo de serem realizados os expedientes de citação do acionado, a requerente compareceuem Secretaria e informou de sua desistência do feito, por haver se reconciliado com o requerido,alegando ter agido “sem pensar nas consequências” ao dar entrada no pedido de medidas protetivasde urgência.

7.4 - 4º CASO:

Mulher, maior de idade, com dois filhos menores (14 e 16 anos),sendo o mais velho de um relacionamento anterior e o mais novo do relacionamento com o agressor;é agredida pelo companheiro, física e verbalmente, na frente dos filhos.

Procedimento: Abertura de Boletim de ocorrência; encaminhamento

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para perícia no IML; solicitação de medidas protetivas de urgência:

1º) Afastamento do agressor do lar, domicílio ou local deconvivência com a ofendida;

2º) Proibição do ofensor de se aproximar da ofendida, deseus familiares e testemunhas, razão por que fixo a distânciamínima de 100 metros, sob pena de crime de desobediência;

3º) Proibição do requerido de fazer qualquer contato com aofendida, com seus familiares e testemunhas por qualquermeio de comunicação;

4º) Nomeação de Defensor Público.

No Inquérito Policial, além das agressões sofridas na data do fato, foirelatado ainda uma série de incidentes que esta mulher vinha sofrendo, tais como: Agressões verbais, denegrindo sua imagem e colocando em dúvida sua fidelidade na frente dos filhose de terceiros;

Apropriação financeira do salário da queixosa; negativa de sair daresidência onde o casal convivia, tendo esta sido comprada especificamente pelos pais da requerentee sendo somente de usufruto de ambos;

Agressão verbal ao filho mais velho da requerente; negativa deconceder o divórcio para a requerente. Existe ainda, tramitando em Vara de Família, ação de divórcioe alimentos.

Considerações: Após a citação do requerido, mesmo tendo sidoadvertida a parte autora de que o procedimento sobre a agressão física é pública incondicionada, estadecidiu se retratar e desistir da solicitação das medidas protetivas de urgência, por haver sereconciliado com o requerido.

Em tempo: o oficial de justiça, no momento da intimação eafastamento do lar, foi informado de que a requerente havia se reconciliado, não tendo mais interesseno prosseguimento do feito e, impedindo o meirinho de realizar o afastamento do lar do requerido.

Fortaleza, 09 de junho de 2017.

Prof. MS MAGNO GOMES DE OLIVEIRAJuiz de Direito Titular da 3ª Vara Criminal de Caucaia

Vara Privativa da Violência Doméstica da Comarca de CaucaiaProfessor de Direito Processual Penal do Centro Universitário 7 de Setembro