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D. B. Elkonin Lucinéia Maria Lazaretti Vida e obra de um autor da psicologia histórico-cultural

D B Elkonin-digital

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Psicologia adolescência

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  • Daniil Borisovich Elkonin (1904-1984), psiclogo

    sovitico, conhecido no Brasil por seu livro Psicologia do

    jogo (1998). Todavia, esse autor apresenta um legado mais

    amplo de estudos sobre a dinmica e as caractersticas

    dos perodos do desenvolvimento humano, que envolvem

    atividade de comunicao emocional direta, atividade

    objetal manipulatria, atividade de jogo de papis, ativi-

    dade de estudo, atividade de comunicao ntima pessoal

    e atividade profissional e de estudo. Alm desses, h tra-

    balhos sobre o processo de aquisio do conhecimento

    na educao escolar, o desenvolvimento do pensamento

    e da linguagem na criana pr-escolar e escolar, mtodos

    de ensino e reflexes sobre o processo de aprendizagem

    da leitura e da escrita.

    Elkonin viveu oito dcadas. Nasceu durante o pero-

    do pr-revolucionrio. Com o desenrolar da Revoluo

    Russa, comeou a trabalhar ainda jovem e vivenciou as

    profundas transformaes que estavam ocorrendo no

    interior da sociedade sovitica. Inspirado por Vigotski

    (1896-1934) e sua escola, Elkonin desenvolveu seus

    estudos no solo frtil da Revoluo de Outubro de 1917

    e que primavam pela construo de um novo homem,

    orientado pelos princpios de uma sociedade socialista.

    No esteio dessa luta para a superao da sociedade

    russa czarista, o marxismo foi referencial direcionador no

    alcance de um novo modo estrutural, em que as cincias

    humanas, em especial, a Psicologia e a Educao, orien-

    taram e formaram a base epistemolgica fundante da

    sociedade pretendida. Assim, para ler e compreender as

    obras dos autores que compuseram a Escola de Vigotski

    que teve como principais representantes Davidov (1930-

    1998), Galperin (1902-1988), Leontiev (1903-1979), Luria

    (1902-1977), Zaporozhts (1905-1981) , preciso

    admitir que esses autores guardam o marxismo como

    norte filosfico e metodolgico e escrevem em defesa

    de uma sociedade de superao da burguesia/czarismo,

    ou seja, em defesa do comunismo.

    Os escritos desses autores chegaram ao Brasil a

    partir da dcada de 1980, por meio de alguns trabalhos

    traduzidos de Vigotski. Todavia, essas tradues limparam

    o Vigotski revolucionrio marxista e isso trouxe srios

    agravantes no entendimento da obra desse autor e

    graves aproximaes com outras abordagens. Alguns

    anos depois, outros trabalhos da Escola de Vigotski foram

    publicados no Brasil. Mas a insero dessas obras ainda

    tmida, haja vista que a grande maioria est em lngua

    espanhola ou inglesa.

    Mais tmida ainda a entrada de Elkonin no Brasil.

    Tendo somente um livro traduzido e publicado em nosso

    idioma, Psicologia do jogo a nica referncia para aproxi-

    mar-se de Elkonin. Essa ausncia de mais obras traduzidas

    para o portugus dificulta o estudo de suas ideias pelos

    pesquisadores brasileiros. Prova disso est no nmero

    reduzido de teses, dissertaes e peridicos nacionais na

    rea de Psicologia e Educao que citam o autor ou se

    embasam nele. E nesses trabalhos, a grande maioria cita

    Elkonin ao investigar a questo da brincadeira, ou seja, fica

    explcita somente a utilizao da obra traduzida. Isso nos

    revela que, por um lado, se Elkonin vem ganhando espao

    no cenrio de estudos em Psicologia e Educao, especi-

    ficamente no segmento infantil, por outro, demonstra a

    necessidade de conhecer e compreender o conjunto de

    seu trabalho atrelado s circunstncias de sua poca.

    Nesse sentido, este livro pretende compreender

    quais foram as condies que tornaram possvel o

    desenvolvimento das ideias de Elkonin e apresentar um

    dilogo introdutrio sobre Elkonin, como um exerccio de

    reflexo para compreender esse autor e suas produes

    nas reas da psicologia e da pedagogia infantis. Com isso,

    a autora espera contribuir para a superao da lacuna

    sobre esse ilustre (des)conhecido no Brasil. Que a leitura

    deste trabalho fomente o interesse entre os pesquisado-

    res em dar continuidade s reflexes aqui desenvolvidas,

    no intuito de aprofundar as ideias desse autor e possibili-

    tar uma maior compreenso de sua obra.

    Lucinia Maria Lazaretti possui graduao em Pedagogia (2003) pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, com habilitao em Educao Infantil e especializao em Teoria Histrico-Cultural (2004-2006) pela Universidade Estadual de Maring. mestre em Psicologia (2008) pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Atualmente douto-randa em Educao pela Universidade Federal de So Carlos. Desenvolve estudos nas reas de Educao Infantil; Psicologia Histrico-Cultural; Desenvolvimento Humano; Brincar.

    D. B. Elkonin

    Lucinia Maria Lazaretti

    Lucinia Maria Lazaretti

    D. B. Elkonin

    Neste livro, Lucinia Maria Lazaretti aborda no somente a perspectiva biogrfica de Daniil Borisovich Elkonin (1904- -1984), como tambm apresenta uma formulao sistematizada da dinmica do desenvolvimento infantil proposta por esse psi-clogo sovitico que contribuiu sobremaneira para as reas da Psicologia e da Educao.

    A autora explora com competncia a vida e os escritos de Elkonin, um autor clssico da psicologia scio-histrica, e intro-duz os leitores na obra desse pensador, h at pouco tempo praticamente desconhecido entre profissionais e acadmicos. Prope, antes de tudo, um exerccio de reflexo para compreen-der suas produes nas reas da psicologia e da pedagogia infan-tis. Com isso, contribui para a superao da lacuna bibliogrfica sobre esse ilustre (des)conhecido no Brasil e fomenta o interes-se entre os pesquisadores em dar continuidade s reflexes aqui desenvolvidas.

    9 7 8 8 5 3 9 3 0 1 8 8 1

    ISBN 978-85-393-0188-1

    Vida e obra de um autor da psicologia histrico-cultural

  • D. B. ELKONIN

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  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho CuradorHerman Jacobus Cornelis Voorwald

    Diretor-PresidenteJos Castilho Marques Neto

    Editor-ExecutivoJzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial AcadmicoAlberto Tsuyoshi Ikeda

    ureo BusettoClia Aparecida Ferreira Tolentino

    Eda Maria GesElisabete Maniglia

    Elisabeth Criscuolo UrbinatiIldeberto Muniz de Almeida

    Maria de Lourdes Ortiz Gandini BaldanNilson Ghirardello

    Vicente Pleitez

    Editores-AssistentesAnderson NobaraHenrique Zanardi

    Jorge Pereira Filho

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  • LUCINIA MARIA LAZARETTI

    D. B. ELKONINVIDA E OBRA

    DE UM AUTOR DA PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL

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  • Editora afiliada:

    CIP BRASIL. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    L459d

    Lazaretti, Lucinia Maria D. B. Elkonin: vida e obra de um autor da psicologia histrico--cultural / Lucinia Maria Lazaretti. So Paulo: Editora Unesp, 2011.

    Inclui bibliografi a ISBN 978-85-393-0188-1

    1. Elkonin, D. B. 1904-1984. (Daniil Borisovich). 2. Psic-logos Biografi a. I. Ttulo.

    11-7107 CDD: 921CDU: 929.159.9

    Este livro publicado pelo projeto Edio de Textos de Docentes ePs-Graduados da UNESP Pr-Reitoria de Ps-Graduao

    da UNESP (PROPG) / Fundao Editora da UNESP (FEU)

    2011 Editora UNESP

    Direitos de publicao reservados :

    Fundao Editora da UNESP (FEU)

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    Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172

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  • Romilde, minha me, exemplo de perseverana e inspirao.

    A Andr, meu amado esposo, pelo amor e cumplicidade de todos os momentos.

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  • SUMRIO

    Introduo 9

    1 Daniil Borisovich Elkonin: um olhar sobre um homem em seu tempo 17

    2 Fundamentos tericos e metodolgicos norteadores da obra de Elkonin 67

    3 As investigaes cientficas de Elkonin: das pesquisas experimentais s elaboraes tericas 123

    Consideraes finais: da fecunda e desafiadora obra de Elkonin 255Referncias bibliogrficas 261Anexos 273

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  • INTRODUO

    Daniil Borisovich Elkonin1 (1904-1984), psiclogo sovitico, conhecido no Brasil por seu livro Psicologia do jogo. Todavia, esse autor apresenta um legado de estudos sobre a dinmica e as carac-tersticas dos perodos do desenvolvimento humano, que envolvem a atividade de comunicao emocional direta, atividade objetal ma-nipulatria, atividade jogo de papis, atividade de estudo, atividade de comunicao ntima pessoal e atividade profissional de estudo. Alm desses, h trabalhos sobre o processo de aquisio do conhe-cimento na educao escolar, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem na criana pr-escolar e escolar, mtodos de ensino e reflexes sobre o processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

    Elkonin viveu oito dcadas. Nasceu durante o perodo pr-re-volucionrio; com o desenrolar da Revoluo, comeou a trabalhar ainda jovem e vivenciou as profundas transformaes que estavam

    1 Em decorrncia de o idioma russo possuir um alfabeto distinto do nosso o cirlico podem ser encontradas outras formas de grafar o nome desse autor no alfabeto ocidental como: Elkonin, Elconin, Elconin e Elkonin. Adotamos essa ltima grafia que a mais comumente encontrada no Brasil. Porm, respeitar-se-, nas referncias bibliogrficas, a grafia utilizada em cada edio quando aqui citadas.

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    ocorrendo no interior da sociedade sovitica. Inspirado por Vi-gotski (1896-1934) e sua escola, Elkonin desenvolveu esses estudos no solo frtil da Revoluo de Outubro de 1917 que primava pela construo de um novo homem, orientado pelos princpios de uma sociedade socialista. No esteio dessa luta para a superao da so-ciedade russa czarista, o marxismo foi referencial direcionador no alcance de um novo modo estrutural, em que as cincias humanas, em especial, a psicologia e a educao, orientaram e formaram a base epistemolgica fundante da sociedade pretendida. Assim, para ler e compreender as obras dos autores que compuseram a Escola de Vigotski cujos principais representantes so Davidov (1930-1998), Galperin (1902-1988), Leontiev (1903-1979), Luria (1902-1977), Zaporozhts (1905-1981) preciso admitir que estas guardam o marxismo como norte filosfico e metodolgico e que escrevem em defesa de uma sociedade de superao da burgue-sia e do czarismo, ou seja, em defesa do comunismo.

    Os escritos desses autores chegaram ao Brasil a partir da dcada de 1980, por meio de alguns trabalhos traduzidos de Vigotski. To-davia, como polemizado por Duarte (1996, 2001), Tuleski (2002) e outros autores, essas tradues limparam o Vigotski revolucionrio marxista e isso trouxe srios agravantes no entendimento da obra desse autor e graves aproximaes com outras abordagens. Alguns anos depois, outros trabalhos da Escola de Vigotski foram publi-cados no Brasil. No entanto, a insero desses trabalhos ainda tmida, haja vista que a grande maioria est em lngua espanhola ou inglesa. Mais tmida ainda a entrada de Elkonin no Brasil. Tendo somente um livro traduzido e publicado em nosso idioma, em 1998, a obra Psicologia do jogo a nica referncia para aproximar-se de Elkonin. Essa ausncia de mais obras traduzidas para o portugus dificulta o estudo de suas ideias pelos pesquisadores brasileiros. Prova disso est em levantamento realizado no qual constatamos um nmero reduzido de teses, dissertaes e peridicos nacionais na rea de psicologia e educao que citam o autor ou se embasam nele. Nesses trabalhos, a grande maioria cita Elkonin ao investigar a questo da brincadeira, ou seja, fica explcita somente a utiliza-

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    o da obra traduzida. Isso nos revela que, ao mesmo tempo que Elkonin vem ganhando espao no cenrio de estudos em psicolo-gia e educao, especificamente no segmento infantil, tambm, demonstra a necessidade de conhecer e compreender o conjunto de seu trabalho atrelado s circunstncias de sua poca.

    Nesse sentido, este estudo traz como fundamental a necessidade de compreender-se quais foram as condies que tornaram possvel o desenvolvimento das ideias de Elkonin no esforo de apresentar a totalidade de sua produo terica. Logo, pertinente demonstrar os aportes iniciais dos estudos de Elkonin at seu encontro com Vigotski e quais as circunstncias possveis de continuidade dos pressupostos vigotskianos em suas pesquisas durante o acirramen-to stalinista e aps a abertura poltica nos anos de 1960 a 1980.

    Diante do exposto, preocupamo-nos em responder: Qual o tra-jeto biogrfico de Elkonin? Que influncias marcaram suas ideias? Qual sua relao com a Psicologia Histrico-Cultural? Qual o con-junto de sua obra?

    Essas questes so contempladas neste livro, consolidadas da seguinte forma: no primeiro captulo, intitulado Daniil Borisovich Elkonin: um olhar sobre um homem em seu tempo, apresentamos a vida, a obra e em que princpios o autor desenvolve seu trabalho. Para isso, exploramos a constituio da Psicologia Histrico-Cul-tural atrelada ao contexto social e histrico; como Elkonin torna-se membro dessa Escola; o andamento de suas investigaes; e os caminhos tomados em seus 80 anos de vida.

    No segundo captulo, cujo ttulo Fundamentos tericos e metodolgicos norteadores da obra de Elkonin, discutimos sobre quais os principais aportes tericos e metodolgicos do pensamento de Elkonin e como esses aportes delimitaram seu caminho como pesquisador. Nesse esforo, analisamos a obra Psicologia do jogo como validao das hipteses de Vigotski, ao afirmar que a brinca-deira infantil uma atividade historicamente datada e socialmente desenvolvida.

    No captulo intitulado As investigaes cientficas de Elkonin: das pesquisas experimentais s elaboraes tericas, tratamos das

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    elaboraes tericas e experimentais de Elkonin, abordando suas ideias em unidade. Para isso, apresentamos os textos coletados, buscando apontar, a partir da discusso da dinmica e das carac-tersticas dos perodos do desenvolvimento humano, o tratamento dado pelo autor nas temticas por ele contempladas.

    Almejamos, com este estudo, apresentar um dilogo introdut-rio sobre Elkonin, como um exerccio de reflexo para compreender esse autor e suas produes nas reas da psicologia e da pedagogia infantis. Com isso, esperamos contribuir, mesmo que parcialmen-te, para a superao dessa lacuna sobre esse ilustre (des)conhecido no Brasil. Que a leitura deste trabalho fomente o interesse entre os pesquisadores na continuidade das reflexes aqui desenvolvidas, no intuito de aprofundar as ideias e possibilitar uma maior com-preenso da obra desse autor.

    Antes de prosseguir na leitura do livro, apresentamos a seguir uma cronologia dos principais dados biogrficos e bibliogrficos de Elkonin, a fim de proporcionar ao leitor uma aproximao breve ao autor em discusso.

    Cronologia dos principais dados biogrficos e bibliogrficos de D. B. Elkonin

    1904 Daniil Borisovich Elkonin nasce em 29 de fevereiro em Pe-retshepino, uma pequena aldeia pertencente provncia de Poltava, na Ucrnia.

    1914 Aos dez anos, matriculado no seminrio de Poltava para continuar seus estudos.

    1917 Ocorre a Revoluo de Outubro.1920 Elkonin abandona o seminrio em funo da escassez de

    recursos da famlia.1922 Com a inteno de continuar seus estudos, Elkonin comea

    a trabalhar como ajudante de cursos polticos militares e, tambm, torna-se educador em uma colnia de reeducao de crianas e jovens rfos e ex-delinquentes, em Poltava.

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    1924 enviado a Leningrado (atual So Petersburgo), ingressa no Curso de Psicologia, no Instituto Pedaggico de Herzen. Nesse mesmo ano, ocorre o encontro entre Vigotski, Leon-tiev e Luria.

    1927 Gradua-se em Psicologia e trabalha como assistente de la-boratrio do fisilogo Ujtomski.

    1929 Desvincula-se do laboratrio e inicia trabalhando como paidlogo e professor no ambulatrio profiltico da Estrada de Ferro Outubro. Nesse mesmo ano, torna-se docente na instituio em que havia se formado.

    1931 Conhece Vigotski e torna-se seu auxiliar. Perodo em que tambm comeam as perseguies polticas e ideolgicas de Stalin.

    1932 Elkonin expe suas primeiras hipteses sobre a brincadeira infantil, apoiado por Vigotski.

    1933 Vigotski ministra uma conferncia sobre brincadeira in-fantil e esta se torna a pedra basilar dos estudos de Elkonin sobre o tema.

    1934 Vigotski falece. Elkonin conhece Leontiev e seu grupo e integra-se a eles.

    1936 publicado o decreto Sobre as deformaes paidolgicas no sistema dos Narkompros, sendo proibido aos paidlogos de trabalharem e isso atingiu diretamente o trabalho e estudos de Elkonin. Desempregado, Elkonin, para garantir a sobre-vivncia de sua famlia, comea a pintar e a vender tapetes de parede.

    1937 Consegue um trabalho como professor de sries iniciais na mesma escola em que suas filhas estudavam. Inicia-se um perodo de estudos dedicados ao processo de ensino e apren-dizagem da leitura e da escrita em idade escolar.

    1938 Divulga seus primeiros trabalhos sobre essa experincia como professor, produzindo livros para o ensino da leitura e da escrita, com instrues e orientaes aos professores, para a escola sovitica.

    1941 Inicia a Segunda Guerra Mundial e Elkonin inscreve-se na milcia popular como voluntrio no Exrcito sovitico.

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    1945 Retorna da guerra condecorado com o ttulo de tenente-co-ronel, porm recebe um duro golpe: sua esposa e suas duas filhas pereceram no Cerco de Leningrado. Mesmo com o fim da guerra, Elkonin no foi liberado do Exrcito e ali teve de permanecer, lecionando e organizando os princpios do Curso de Psicologia Militar Sovitica.

    1948 Publica o texto Questes psicolgicas da brincadeira pr-escolar.1952 Comea uma onda de represses por parte de Stlin, e Elko-

    nin entra na lista dos que estariam cometendo supostos erros.1953 Trs de maro seria a data de julgamento dos supostos erros

    cometidos por Elkonin, porm Stlin falece, e revogou-se essa data. Assume a secretaria geral do partido Nikita Krus-chev. Inicia-se a era da desestalinizao .

    1955 Escreve o texto Questes sobre o desenvolvimento psquico das crianas pr-escolares, juntamente com Zaporozhts.

    1956 Publica trs textos na coletnea Psicologia: O desenvol-vimento psquico da criana desde o nascimento at o ingresso na escola; Caracterstica geral do desenvolvi-mento psquico das crianas; Desenvolvimento psqui-co dos escolares. Publica na revista Voprosy Psychologii: Algumas questes da psicologia sobre a aprendizagem da alfabetizao.

    1958 Elkonin dirige o Laboratrio de Psicologia de Crianas em Idade Escolar, no Instituto Cientfico de Psicologia Geral e Educacional da URSS.

    1959 Por iniciativa de Elkonin, funda-se a Escola Experimental de Moscou Nmero 91.

    1960 Lana o livro Psicologia infantil.1961 Publica o artigo Questes psicolgicas da formao da ati-

    vidade de estudo na idade escolar sries iniciais.1963 Escreve o texto Sobre a teoria da educao primria.1964 Organiza um livro, juntamente com o Zaporozhts, intitu-

    lado Psicologia das crianas pr-escolares.1965 Escreve o artigo Algumas caractersticas psicolgicas da

    personalidade do adolescente, juntamente com Dragunova.

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    1966 Publica o texto Questes fundamentais da teoria sobre a brincadeira infantil.

    1971 O texto Sobre o problema da periodizao do desenvolvi-mento psquico na infncia publicado pela primeira vez.

    1974 Escreve o artigo Psicologia do ensino do escolar nas sries iniciais.

    1978 Depois de 50 anos de pesquisas, conclui seus estudos sobre a brincadeira, publicando o livro Psicologia do jogo.

    1981 Expe suas ideias sobre a Psicologia Histrico-Cultural em uma conferncia intitulada L. S. Vygotsky hoje. A confern-cia foi publicada no mesmo ano.

    1982 Elkonin participa ativamente no trabalho de lanamento das Obras escolhidas de Vigotski, sendo um dos membros do conselho editorial. Nesse mesmo ano, lanado o Tomo 1.

    1984 Organiza o Tomo 4 das Obras escolhidas de Vigotski, es-crevendo os comentrios e o eplogo dessa edio. Nesse mesmo ano, Elkonin falece no dia 4 de outubro.

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  • 1DANIIL BORISOVICH ELKONIN: UM OLHAR SOBRE UM HOMEM

    EM SEU TEMPO

    Para mim, D. B. Elkonin, como um cientista a pessoa do caminho, pois sabe abrir portas onde ningum mais as v; sabe observar coisas onde nunca ningum prestou ateno, e, que com o tempo [essas coisas] demonstram-se extraordina-riamente importantes.

    B. D. Elkonin

    A epgrafe que abre este captulo corresponde a uma homena-gem dedicada a Elkonin no centenrio de seu nascimento, reali-zada nos dias 2 e 3 de maro de 2004 no Instituto Psicolgico da Academia Russa de Educao, em Moscou. Elkonin no s foi um eminente psiclogo sovitico, como tambm especialista nas reas da pedagogia e psicologia infantis. Pertencente gerao ps--revolucionria dos psiclogos soviticos, os quais compem o es-queleto da escola universalmente conhecida de Vigotski, Elkonin costumava chamar-se, orgulhosamente, discpulo deste e compa-nheiro de seus outros alunos e colegas. Abraando profundamente as ideias dessa escola, Elkonin, durante muitas dcadas, concreti-zava seus trabalhos experimentais e tericos. Juntamente com Vi-gotski, Leontiev, Luria, Zaporozhts, Davidov, Galperin e outros, Elkonin assumiu a tarefa de desenvolver pesquisas que resultaram

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    em trabalhos que, na atualidade, vm alcanando reconhecimento internacional. O conjunto da obra de Elkonin indica que a principal vertente de seu pensamento sempre foi relacionar suas produes tericas com a prtica da educao. Sendo essa uma das centrais preocupaes de Elkonin efetivar suas produes tericas com a prtica da educao , seu trajeto biogrfico e sua obra demonstram a validade dessa preocupao. Realizou pesquisas referentes psi-cologia do desenvolvimento infantil, psicologia da brincadeira in-fantil, desenvolvimento da linguagem e do pensamento em crianas pr-escolares e escolares, atividade de estudo, periodizao do de-senvolvimento humano, sobretudo infantil e escolar, e ideias acerca da psicologia do adolescente. Essas pesquisas serviram de base para o estudo de como as sries iniciais deveriam elevar as capacidades e a formao de conhecimentos nos escolares. Tambm desenvolveu mtodos para o ensino da leitura e da escrita.

    Junto com o estudo aprofundado do trabalho terico e concei-tual dos problemas metodolgicos referentes infncia, Elkonin dedicou-se s questes das aplicaes na psicologia da aprendi-zagem, do ensino e da educao. Seus trabalhos somam mais de cem escritos publicados em diferentes livros, coletneas e revistas cientficas tanto na Rssia quanto em outros pases. Podemos des-tacar como principais: Psicologia infantil (1960); Psicologia do jogo (1998); Trabalhos psicolgicos selecionados (1989).1

    Zinchenko (1994) e Venger (2004) declaram que Elkonin com-binou em si o talento de cientista, que soube profundamente anali-sar os problemas cientficos fundamentais, com a capacidade de in-vestigador, e foi capaz de solucionar questes psicolgicas que tm significado essencial para as prticas pedaggicas. Foi um notvel orador, com firmeza em seus princpios e argumentos. Exerceu

    1 Em 1960, foi publicada a 1a edio do livro Psicologia Infantil e encontra-se na 4a edio, no idioma russo, em 2007. Psicologia do jogo foi publicado pela primeira vez em 1978 no idioma russo; em 1980, na lngua espanhola; e, em 1998, no portugus. Os Trabalhos psicolgicos selecionados ou Obras escolhidas encontram-se somente no idioma russo.

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    grande influncia na formao dos jovens psiclogos de sua gera-o. Acrescentam ainda que Elkonin possua um esprito admirvel e generoso de uma pessoa amante da vida, que soube, at os ltimos dias, conservar uma grande mente de bondade. Na realidade, havia nele o carter nobre de um verdadeiro cientista.

    Aps essa breve apresentao, discutiremos a seguir sobre a constituio da Psicologia Histrico-Cultural, encabeada por Vigotski, ressaltando o contexto revolucionrio que, de forma di-reta, influenciou o rumo tomado por essa Escola no desenrolar das ideias.

    A herana revolucionria na constituio da psicologia histrico-cultural

    Tivemos, sob a bandeira vermelha,

    anos de sacrifcio, dias de fome.

    Mas, cada tomo de Marx,

    ns o abramos como se fossem janelas, e, mesmo sem ler,

    saberamos onde ficar,

    de que lado lutar

    Maiakovski (1967)

    Essa estrofe instiga-nos a compreender que espao e tempo foram aqueles na Rssia ps-revolucionria, que tornaram possvel o surgimento e o desenvolvimento de uma teoria psicolgica, que, com os ps no marxismo, props-se tambm revolucionria. Frisamos o tambm, observando que, no perodo revolucionrio pelo qual a Rssia estava passando, todos os setores da sociedade tambm aspiraram esse ar revolucionrio. Entretanto, para com-preendermos esse momento, devemos recuar um pouco na histria

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    e tomar conscincia do profundo movimento de iniciativa histrica da classe proletria na Rssia e posterior URSS.

    O sculo XX entra em cena e traz em seu bojo uma sociedade que negava as antigas formas de vida, condenando a velha socieda-de, a velha economia, os velhos sistemas polticos. A humanidade estava espera de uma alternativa para dar a to esperada virada.

    Essa alternativa era conhecida em 1914. Os partidos socialis-tas, com o apoio das classes trabalhadoras em expanso de seus pases, e inspirados pela crena na inevitabilidade histrica de sua vitria, representavam essa alternativa na maioria dos Estados da Europa. Aparentemente, s era preciso um sinal para os povos se levantarem, substiturem o capitalismo pelo socialismo, e com isso transformarem os sofrimentos sem sentido da guerra mundial em alguma coisa mais positiva: as sangrentas dores e convulses do parto de um novo mundo. A Revoluo Russa, ou mais precisa-mente, a Revoluo Bolchevique de outubro de 1917, pretendeu dar ao mundo esse sinal. (Hobsbawm, 1995, p.62)

    Entender como se processou o movimento da Revoluo Russa nos leva a olhar o contexto que gestou esse movimento, ou seja, em que condio estava o Imprio Russo. Era um imprio que se man-tinha pobre e campons, lento e fraco no desenvolvimento de suas foras produtivas, ou seja, um imprio atrasado ou que atrasou-se em relao aos avanos advindos desde o sculo XVIII em toda a Europa (Aaro Reis Filho, 2003).

    Esse desenvolvimento desigual e combinado eclode, no incio do sculo XX, nas contradies entre o proletariado industrial, que minoria, mas estrategicamente localizado, e um campesinato livre dos laos servis em que esteve amarrado durante o perodo cza-rista, mas que vivia precariamente e submetido explorao dos latifundirios. Somando-se a esse quadro, os danosos resultados da Primeira Guerra Mundial contriburam para aumentar ainda mais o descontentamento da populao, empurrando a derrubada do poder czarista. Com isso, em 1915, os problemas que acome-

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    tiam o governo czarista pareciam mais uma vez insuperveis. Essa condio deu margem Revoluo de Outubro de 1917, [...] que derrubou a monarquia russa e foi universalmente saudada por toda a opinio pblica ocidental, com exceo dos mais empedernidos reacionrios tradicionalistas (Hobsbawm, 1995, p.64).

    A Revoluo Russa, que pretendeu dar um sinal de esperana aos oprimidos do mundo inteiro, abarca duas revolues no ano de 1917, a saber: a de Fevereiro e a de Outubro. O resultado dessa Revoluo foi a derrubada do poder czarista, colocando-se em seu lugar um regime socialista. O novo regime instaura-se, cumpriu-se a palavra de Lenin (1870-1924), Todo poder aos sovietes, mas os prprios revo-lucionrios tinham conscincia que as condies presentes na Rssia no possibilitariam, por si s, a virada socialista, o que se produziu foi uma revoluo burguesa, com elementos da revoluo proletria. Deutscher (1967, p.11) avalia que [...] a Rssia realizou a ltima das grandes revolues burguesas e a primeira revoluo proletria na Histria da Europa. As duas revolues mesclaram-se numa s.

    A Revoluo de Fevereiro s poderia criar condies que favo-recessem o desenvolvimento das formas burguesas de sociedade: distribuiu as terras da aristocracia e criou uma ampla base potencial para o desenvolvimento de uma nova burguesia rural. Os campo-neses, livres dos aluguis e das dvidas e com a possibilidade do aumento de suas propriedades, queriam manter-se nelas e exigiram do governo tal segurana. Nessas circunstncias, [...] a Rssia rural, como disse Lenin, era o terreno para a proliferao do livre capitalismo (Deutscher, 1967, p.13).

    Entretanto o objetivo da Revoluo de Outubro era a abolio da propriedade e, com essa defesa, foi garantida a revoluo, tendo como principal elemento a classe trabalhadora urbana, que assegu-rou o poder nas mos dos bolcheviques. A Revoluo de Outubro, assim como ficou popularmente conhecida, sendo nominada de proletria, no era para proporcionar liberdade e socialismo somen-te Rssia, e sim espalhar a revoluo mundial do proletariado. Mas a revoluo mundial no ocorreu e a Rssia viu-se comprometida ao isolamento empobrecido e atrasado (Hobsbawm, 1995).

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    Essa situao gestou uma explcita contradio, de um lado, a Rssia rural esforava-se para adquirir mais propriedade, que, por outro lado, os trabalhadores industriais se empenhavam em des-truir. Em meio a essas contradies, a Revoluo no aboliu a luta de classes, nem a propriedade privada dos meios de produo, o que s agravou ainda mais a situao. Tuleski (2002, p.54) assinala que

    a luta de classes permanecia porque a relao burguesa de produ-zir no fora inteiramente abolida. Em cada unidade de produo os produtores inseriam-se no mesmo tipo de diviso do trabalho; mantendo-se a separao entre trabalho intelectual e manual, entre tarefas diretivas e executivas. [...] Pode-se dizer que as relaes capitalistas foram apenas parcialmente transformadas, uma vez que as formas sob as quais estas se manifestavam continuavam a reproduzir-se, como: a moeda, o preo, o salrio, o lucro etc. Tais formas no podiam ser abolidas por decreto.

    Os interesses dos proletrios e dos camponeses eram contra-ditrios e essa contradio foi engendrando guerras civis que se tornavam latentes. Essa situao mostrou as dificuldades no avano para a construo da sociedade pretendida e [...] descobriu-se que essas medidas a haviam levado para um lado muito distante do que Lenin tinha em mente [...] (Hobsbawm, 1995, p.70).

    Esse foi o cenrio de duas dcadas na Rssia e posterior Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), ao longo dos anos de 1920 e 1930, em meio a vrias tentativas efetivao do novo regime, como o Comunismo de Guerra e a Nova Poltica Econmica (NEP), Lenin ainda acreditava na essncia da doutrina marxista e que sua iniciativa histrica daria ao proletariado o papel histrico universal como criador da sociedade socialista. E esse crdito de Lenin sobre a doutrina marxista refletiu no s no plano poltico, mas tambm no cientfico.

    A cincia ajudaria a enfrentar os problemas dessa nova socie-dade, por se compreender que no havia experincias prontas para o desenvolvimento da sociedade socialista, at porque, [...] nenhu-

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    ma receita ttica poderia dar vida Revoluo de Outubro se a Rs-sia no a levasse nas suas prprias entranhas. O partido revolucio-nrio no pode desempenhar outro papel seno o de parteiro que se v obrigado a recorrer operao cesariana (Trotski, 1967, p.138).

    Todo esse processo revolucionrio provocou uma revoluo no plano da conscincia social, originando movimentos transformado-res na poesia, teatro, literatura, cinema, pintura, entre outros setores que estavam emergindo havia alguns anos, e encontraram, nesse momento, as condies propcias para seu desenvolvimento. Esses movimentos que eclodiram em todas as esferas da sociedade. Como bem nos lembra Tuleski (2002, p.69), Sob o socialismo, dar-se--iam as condies objetivas para que a revoluo tcnico-cientfica seguisse uma orientao que respondesse aos interesses do homem e da sociedade. E isso compreende que [...] somente o fomento ace-lerado da cincia e da tcnica poderia cumprir as tarefas finais de pro-gresso social que conduziriam construo da sociedade comunista.

    Nesse mbito, Lenin afirmava a difuso do materialismo hist-rico e dialtico como base para o desenvolvimento das cincias na-turais e sociais. No campo das cincias humanas, os Congressos de Psiconeurologia, dos anos de 1923 e 1924, so considerados como ponto de virada ao desenvolvimento da psicologia marxista. Porm, as dificuldades terico-metodolgicas do materialismo histrico e dialtico no campo da psicologia estenderam-se a vrios psiclogos soviticos: pela aplicao mecnica, reducionista e dogmatizada das teses do marxismo na psicologia; pelo prprio desconhecimento do materialismo histrico e dialtico; e pela ausncia de uma cul-tura metodolgica para explicar os fenmenos psquicos. Segundo Shuare (1990), corresponde a Vigotski o mrito de ser o primeiro psiclogo sovitico a compreender e aplicar, verdadeiramente, as teses marxistas na psicologia, provocando, assim, uma verdadeira revoluo nesse campo da cincia.

    A dcada de 1920, nesse sentido, foi considerada como a dcada de ouro, pela abertura da cincia e por esta se colocar a servio da construo da nova sociedade. A psicologia entra em cena e procura aliar essas novas possibilidades, baseando-se na doutrina marxista

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    e no podemos olvidar que uma psicologia marxista, que no consi-dera as relaes entre os homens e os laos que prendem o homem sociedade, os quais do origem a seu comportamento, seria pura abstrao (Tuleski, 2002).

    Na tentativa de estabelecer os fundamentos de uma psicologia marxista, no II Congresso de Psiconeurologia em 1924, Vigotski explanou seu trabalho sobre O mtodo de investigao reflexolgica e psicolgica, despertando a ateno de jovens pesquisadores, como Leontiev e Luria. Depois desse encontro, ambos decidiram que Vigotski deveria ser convidado a fazer parte do jovem corpo de as-sistentes do novo e reorganizado Instituto de Psicologia de Moscou. Naquele mesmo ano, Vigotski chega ao Instituto e une-se a Leon-tiev e Luria. Esse encontro marcou o incio de um trabalho que continuou at a morte de Vigotski uma dcada mais tarde. Reco-nhecendo as habilidades pouco comuns de Vigotskii, Leontiev e eu ficamos encantados quando se tornou possvel inclu-lo em nosso grupo de trabalho, que chamvamos de troika (Luria, 1988, p.22).

    Com essa formao inicial, comeou a ampliao da troika, qual, posteriormente, juntaram-se Zaporozhts, Moronova, Bo-jovich, Slavina e Levina. Nos anos de 1928 e 1929, houve a conso-lidao definitiva do grupo e, desde ento, j era possvel falar da existncia de uma escola de pensamento, como bem destaca Golder (2004, p.22),

    Foi uma poca muito produtiva do grupo, j fortalecido pela entrada dos mencionados cinco novos membros. Essa ampliao, alm da posterior, com Galperin e Elkonin, constituiu, sem dvida, o pilar da conformao, estruturao e projeo da teoria j traada naquele quinqunio.

    A consolidao de uma escola verdadeiramente baseada em uma diretriz terico-metodolgica marxista esteve consoantemente respaldada por condies concretas de solidificao de uma nova sociedade, proposta pela URSS sob direo de Lenin na poca. Nos trabalhos desses psiclogos, havia o entrelaamento da psicologia s

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    necessidades sociais. Essas necessidades, postas no mbito de reso-luo de tarefas prticas gestadas no interior da sociedade, retiram a psicologia at ento centrada nos marcos acadmicos tradicionais, e esta deixa de ser uma cincia mais ou menos neutra no sentido de suas investigaes de laboratrio e no basta mais apenas verificar seus esquemas explicativos em situaes reais, mas dar respostas a problemas de significado vital para a sociedade (Shuare, 1990).

    A primeira gerao da Psicologia Histrico-Cultural ou Escola de Vigotski, composta pelos integrantes nominados anteriormente, viveu uma poca que encabeou profundas mudanas sociais, cul-turais, que iam marchando em sentido construo de uma nova sociedade, de um novo homem, pensado no coletivo, no socialismo. Essa marcha era seguida pela [...] extrema recesso, escassez de ali-mentos, choques entre grupos antagnicos e, sobretudo, de ameaa ao projeto coletivo, aos objetivos da prpria Revoluo e ao ideal da nova sociedade (Tuleski, 2002, p.123). E isso implicou, por um lado, na marcha da revoluo rumo a possibilidades de realizao de um mundo novo, por outro, [...] ardiam em sofrimento os protago-nistas da antiga e da nova histria: a abstrao de uma nova vida e o al-cance do devir se processavam com homens concretos, reais, em lutas aguerridas e sangrentas (Barroco, 2007a, p.37, grifos originais).

    At aqui fizemos uma breve incurso pelo momento revolucio-nrio que permitiu o surgimento de uma cultura cientfica to pe-culiar, que carrega em seu seio uma tentativa de superao das rela-es burguesas entre os homens, colocando em seu lugar as relaes socialistas, de modo a transform-la em uma sociedade socialista.

    Elkonin: o difcil comeo, mas feliz!

    Em meio peculiar situao do surgimento da Psicologia His-trico-Cultural, observamos que essa Escola s foi possvel pelo trabalho coletivo realizado entre os pesquisadores, com a inteno de atingirem um objetivo comum: compreender o homem e o de-senvolvimento de seu psiquismo luz do materialismo histrico e dialtico.

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    Dentre esses pesquisadores, Elkonin um dos que se destaca, por ser quem, durante toda a sua vida, procurou manter vivo o pen-samento dessa Escola. Venger (2004) menciona que [...] nos lti-mos anos de sua vida, Daniil Borisovich declarava-se, muitas vezes, o ltimo dos moicanos. Pois todos aqueles com quem constantemen-te era citado nas referncias bibliogrficas, no estavam mais pre-sentes: Luria, Leontiev, Zaporozhts, Bojovich e outros. Foi esse grupo de cientistas os alunos diretos de L. S. Vigotski que, por mais de meio sculo, [...] desenvolveram e divulgaram as ideias do mestre. Graas aos seus trabalhos, a teoria histrico-cultural do desenvolvimento do psiquismo, inaugurada por L. S. Vigotski, tem sido enriquecida com inmeras novas noes e direes (Venger, 2004, p.103).

    Elkonin nasceu em 29 de fevereiro de 1904, em uma pequena aldeia chamada Peretshepino, na provncia de Poltava, Ucrnia. Ao longo de sua vida, testemunhou e participou de acontecimentos e mudanas polticas, econmicas, sociais e culturais, que marcaram diretamente sua trajetria cientfica.

    No perodo de 1914 a 1920, Elkonin estudou no seminrio de Poltava, abandonando-o em funo da escassez de recursos da fa-mlia. Com o intuito de continuar seus estudos, em 1922, ingressou como ajudante dos cursos polticos militares, sendo tambm educa-dor, durante dois anos, em uma colnia de reeducao de crianas e jovens rfos e ex-delinquentes. importante ressaltar que Anton Makarenko (1888-1939) foi diretor de uma colnia de reeducao de crianas e jovens rfos e ex-delinquentes que, aps a Revoluo de Outubro, debateu-se no sentido de construir um mtodo geral de educao comunista e em sua experincia na Colnia Gorki cen-trou a atividade pedaggica na educao da coletividade. No pero-do, entre 1920 a 1928, a experincia de construo da coletividade da Colnia Gorki, deu-se em trs locais. Em um desses foi Poltava (1920-1923), mesmo perodo em que Elkonin tambm trabalhava como educador em alguma instituio nessa mesma provncia. No temos dados suficientes para confirmar se foi nessa colnia que Elkonin tambm trabalhou. Apenas queremos registrar que o tra-

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    balho nessas instituies, aps a Revoluo de Outubro, seguiam no sentido da construo da coletividade, posta a servio do ideal de sociedade comunista.

    Mediante ao trabalho desenvolvido nessa instituio, em 1924, o servio de Narkompros Comissariado do Povo para a Instruo Pblica enviou Elkonin para continuar seus estudos na Faculda-de de Psicologia do Instituto de Educao Social, posteriormente reorganizado e unido ao Instituto Estatal de Pedagogia Herzen, em Leningrado.

    Zinchenko (1994) relata que o comeo da vida cientfica de Elkonin foi muito difcil, reportando as imensas dificuldades que havia nesse perodo graas s mudanas que estavam ocorrendo, pois com a solidificao da sociedade coletiva, os interesses coleti-vos estavam acima dos individuais. possvel supor que toda essa gerao foi inspirada pela energia da mudana revolucionria.

    Estando em Leningrado, Elkonin gradua-se em Psicologia, no Instituto Pedaggico Herzen. Assim que terminou o curso, em 1927, foi atrado para a fisiologia, tornando-se assistente de labora-trio de A. A. Ujtomski (1875-1942) na mesma instituio. Pouco provvel, de acordo com Zinchenko (1994, p.44), que o jovem Elkonin percebesse que A. A. Ujtomski fosse um grande fisilogo materialista da Academia de Cincias da URSS. Quando entrou no laboratrio, Elkonin conheceu [...] um homem idoso, de capuz, com a barba cerrada, quem o aceitou como assistente. O primeiro trabalho realizado por Elkonin foi investigar os choques eltricos na inervao do msculo espinhal permanente. A princpio, o jovem assistente deveria conduzir as experincias com quinhentas rs, ento, ler mais de 1.000 pginas de um texto e finalmente escrever um artigo de algumas pginas. Esse trabalho rendeu-lhe uma pu-blicao, em 1929, na revista inglesa Nova reflexologia e fisiologia do sistema nervoso, intitulado Ao local da corrente eltrica con-tnua na inervao espinhal do msculo. Esse artigo repercutiu no meio acadmico, considerando Elkonin como um grande fisilogo Como mostrado na investigao clssica do fisilogo russo D. B. Elkonin (Zinchenko, 1994, p.44, grifos originais).

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    O fisilogo Ujtomski exerceu grande influncia na vida cientfi-ca de Elkonin e os trabalhos desenvolvidos junto dele lhe serviram de base para os estudos posteriores. Portanto, [...] os historiadores da psicologia ainda tero que descobrir qual a influncia do perodo anterior dos estudos de D. B. Elkonin com A. A. Ujtomski, para compor sua biografia cientfica (Zinchenko, 1994, p.44).

    Desvinculando-se da fisiologia em 1929, Elkonin trabalhou como paidlogo2 e professor no ambulatrio profiltico da Estrada de Ferro Outubro. No perodo de 1929 a 1937, Elkonin atuou como docente na instituio em que havia se formado, em Leningrado, na rea da paidologia. Em 1932, foi diretor adjunto dos trabalhos cien-tficos do Instituto Terico-Prtico de Paidologia de Leningrado. O interesse pela paidologia, somado a suas experincias anteriores com crianas, aproximaram Elkonin de Vigotski, em Leningrado, quando este vinha com frequncia ao Instituto realizar conferncias e dirigir os cursos de ps-graduao nos anos de 1931 e 1932. Essa aproximao e esse perodo determinaram a esfera de interesses de Elkonin: a psicologia e a pedagogia infantis. Golder (2006, p.91) informa que essa estreita colaborao est documentada pelo inter-cmbio de cartas entre ambos os cientistas: a leitura dessas cartas [...] permite apreciar a incidncia deste [Vigotski] na formao intelectual de Elkonin. Nesse perodo, Elkonin (1998, p.3) co-meou a trabalhar com Vigotski, sendo seu auxiliar, estudando os problemas da brincadeira no desenvolvimento infantil.

    Em fins de 1932, expus as minhas conjeturas aos estudantes e numa conferncia no Instituto Pedaggico Herzen de Lenin-grado. Os meus critrios foram alvo de uma crtica bastante dura; o nico que apoiou minhas teses fundamentais foi Liev Semino-vitch Vigotski.

    2 Estudo da criana em toda a sua complexidade, tomando os pontos de vista da sociologia, da gentica, da psicologia, da fisiologia e da pedagogia (B. D. Elkonin, 2007).

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    Nessa poca, Elkonin estava dedicado a estudar, com muito empenho, a brincadeira infantil, tema que tambm interessava a Vigotski. A conferncia ministrada por Vigotski, em 1933, no Ins-tituto Pedaggico de Herzen em Leningrado, intitulada O papel da brincadeira no desenvolvimento psquico da criana e traduzida para o ingls em 2002, apresenta-se como pedra basilar do arcabouo terico de Elkonin. Foi nas ideias expressas por Vigotski nessa conferncia que apoiei minhas pesquisas posteriores sobre a psico-logia do jogo (Elkonin, 1998, p.4).

    Da mesma forma pela qual Vigotski, com seus apontamentos, influenciou Elkonin no incio de suas pesquisas e no desenrolar de outras por mais de 50 anos, acreditamos que o pensamento de Vigotski tambm influenciou, decisivamente, os outros integrantes do grupo.

    L.S. Vigotski deu somente os primeiros passos, os passos mais difceis na nova orientao, deixando para os futuros pesquisado-res uma srie de interessantes hipteses, e possivelmente o mais importante, o histrico e o sistmico na investigao dos problemas da psicologia, conforme os princpios que esto estruturados em quase todas as suas investigaes tericas e experimentais. (Elko-nin, 1996, p.387)

    Os primeiros trabalhos realizados por Elkonin sobre a brinca-deira, na direo de Vigotski, iniciaram-se quando este ainda era vivo. Essa relao entre Elkonin e Vigotski durou pouco mais de quatro anos, por conta da morte prematura de Vigotski em 1934. Foi nesse perodo da perda do lder que Elkonin conheceu Leontiev, o qual passou a ser o seu novo companheiro de trabalho. Eu conheci Leontiev muito antes que acontecesse nosso encontro pessoal. Nas conferncias cientficas, eu o visualizava em meio a um grupo, com Vigotski e Luria. Neste grupo, exteriormente, ele se diferencia por sua altura e por seus culos redondos. Elkonin expe que escutava as intervenes de Leontiev nessas conferncias. Tambm tinha lido seu livro Desenvolvimento da memria. Mas o encontro pessoal,

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    na realidade, ocorreu no Instituto de Defectologia, por ocasio do funeral de Vigotski em junho de 1934.

    Rodeado de pessoas que no conhecia, encontrava-me to comovido e levado por meus sentimentos pessoais que no con-segui observar nada nem ningum. Na verdade, no consigo me lembrar em que momento aconteceu nosso encontro, mas foi l, nessa ocasio. No dia seguinte fui sua casa. Ele me conhecia, pro-vavelmente a partir dos relatos de Vigotski. (Elkonin, 2004b, p.77)

    Aps esse encontro, Elkonin volta a encontrar-se com Leon-tiev dois anos aps esse fato na cidade de Karkhov. Nessa ocasio, Elkonin fora convidado, na qualidade de debatedor, defesa da tese de Komenko. Como de costume, depois da defesa exitosa, o grupo acomodou-se no apartamento de Leontiev e Lebedinski, onde rea-lizaram a comemorao. Elkonin (2004b, p.78) relata esse momen-to: Falou-se muito, cantou-se, danou-se e, de repente, senti que me encontrava em meio ao Grupo de Karkhov, livre e tranquilo, e em grande medida devido deferncia e amizade que me outorga-ram, especialmente Leontiev e Zaporozhts.

    Elkonin menciona que sua afinidade com Leontiev e Zapo-rozhts tornou-se muito prxima, talvez pelos trs pertencerem Escola de Vigotski: Recordo que, sobre muitos temas, pens-vamos quase em unssono; pode ser tambm porque ramos da mesma idade, relativamente jovens, por volta dos 30 anos (Elko-nin, 2004b, p.78).

    No outono de 1938, Leontiev dirigia-se a Leningrado (atual So Petersburgo) com frequncia para ministrar aulas no Instituto de Pedagogia Krupskaia, instituto em que Elkonin tambm minis-trava aulas de psicologia infantil. Em suas vindas a Leningrado, Leontiev ocupava um quarto no mesmo prdio em que Elkonin tambm morava, o que lhes oportunizou se encontrarem diaria-mente. Leontiev passava os dias de folga em meu apartamento, com minha famlia, almoava, descansava. Nesse perodo, fica-mos muito ntimos (ibidem, p.80). Foi nessa poca que surgiu a

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    pesquisa conjunta sobre a gnese da atividade ldica, centrada em crianas da primeira infncia.

    H passagens de recordaes desse perodo tanto no texto das lembranas de Elkonin quanto do filho de Leontiev, A. A. Leon-tiev. Elkonin discorre sobre o vero de 1939, em Kratovo, perto de Moscou, onde vivia Leontiev e sua famlia em uma casa de campo. Nessa poca, Leontiev estava preparando sua tese de doutorado, com dedicao de vrias horas por dia. Depois dessas 12 intensas horas, fazamos nosso passeio cotidiano, perambulando pela regio com as calas arregaadas e com bastes de madeira (ibidem).

    Observamos nesses textos, as lembranas tanto de Elkonin e Leontiev quanto as de A. A. Leontiev relembrando dessa relao, do carinho e da admirao que pairava entre eles. Afamadas pela forma amorosa e amigvel (eu diria at meiga) eram as relaes que uniram por toda a vida D. B. Elkonin a A. N. Leontiev, assim como a toda a famlia de Leontiev (A. A. Leontiev, 2004, p.124). Dessa relao, h recordaes impressas que demonstram esse sen-timento amigvel de ambas as famlias.

    Essas afirmaes encontram testemunhos impressos cartas publicadas de Daniil Borisovich famlia de Leontiev e espe-cialmente suas memrias sobre A. N. Leontiev. Mesmo assim, recordo-me perfeitamente de Daniil Borisovich em nossa casa, em nossa famlia. Sem ele no acontecia nenhuma festa familiar ainda mais a comemorao anual (ou melhor, a cada quatro anos!) do dia do casamento de Aleksey Nikolevich e Margarita Petrovna, que ocorreu no dia de Cassiano (29 de fevereiro), coincidindo com o aniversrio de Daniil Borisovich.

    Outra dessas lembranas, tambm narrada por A. A. Leontiev, refere-se a uma visita de Elkonin famlia de Leontiev no vero de 1939: Certa vez, na casa de campo, chegou Daniil Borisovich, com sua mulher Tsilia T. P. Nemanova e suas duas filhas [Natasha e Glia]. Minhas recordaes delas so vagas, mas Daniil Borisovich, com sua maneira brilhante de comunicao e sua voz de contra-

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    baixo, ficou em minha memria da infncia [...] (A. A. Leontiev, 2004, p.124).

    Essas visitas no eram somente para encontros familiares. Havia nos encontros e nessas cartas discusses de ideias sobre o desen-rolar das pesquisas que se firmavam nesse perodo: O jogo que propes parece-me excelente, e no fcil esquec-lo. por isso que os temas que ficaram pendentes depois de teu informe ainda esto vigentes, ainda so lembrados e a gente gostaria, ainda que com atraso, de coloc-los para o futuro (Leontiev apud Elkonin, 2004b, p.78).

    Discorremos a respeito de alguns fatos sobre a vida de Elko-nin, que, como ele prprio mencionava, era difcil, mas feliz! (Zin-chenko, 1994). Esses fatos, correlacionados com as condies da vivncia societria, abrem-nos a possibilidade de melhor com-preender tanto o desenrolar de sua vida quanto o desenvolvimento de seus trabalhos. Como vimos at agora, as dcadas de 1920 e incio da de 1930 foram marcadas pelo ingresso de Elkonin na Es-cola de Vigotski e o incio de suas primeiras pesquisas em relao brincadeira infantil. Veremos, a seguir, o quanto sua pesquisa e at mesmo sua vida tomaram rumos muito distantes do que ele havia planejado.

    A longa noite de terror stalinista: implicaes s pesquisas de Elkonin

    A partir da dcada de 1930, com a morte de Lenin e com ascen-so de Stlin ao poder, a luta mundial de solidificao do socialismo reduz-se URSS. H um intenso redirecionamento, causando uma imensa distncia entre o que se propunha nos anos antecedentes com Lenin e o que se torna, no limite, a realidade sovitica durante a longa noite do terror stalinista.

    Ao assumir o poder, Stlin presidiu com mos de ferro a URSS, partindo em uma caminhada rumo industrializao a qualquer custo. Essa corrida desembocou em vrios planos quinquenais para a economia, que estavam [...] mais perto de uma operao militar

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    do que de um empreendimento econmico. Esses planos quin-quenais, interpretados como instrumentos grosseiros, substituram a NEP em 1928, impostos custa de sangue, esforos, lgrimas e suor ao povo. Com seus objetivos traados, que era instaurar a co-letivizao do campo e a industrializao acelerada, Stlin buscou o crescimento da URSS a qualquer preo, ou seja, o preo estabeleci-do para tal empreendimento caa sobre a populao. A curto prazo, investiu na industrializao pesada, que estabelecia [...] delibera-damente metas irrealistas que encorajam esforos sobre-humanos (Hobsbawm, 1995, p.371-2).

    Com essas metas, a URSS atingiu seu apogeu, transformando--se em uma grande economia industrial, assegurando o mnimo de social para a populao, que vivia num sistema considerado de privilgio, j que dispunha de comida, roupa, habitao e tudo que subsidiava sua sobrevivncia. Inclusive ofereceu, generosamente, educao: a transformao de um pas em grande parte analfabeto na moderna URSS foi, por quaisquer padres, um efeito impressio-nante. Se at o incio da dcada de 1920, estimava-se que 8 milhes de pessoas frequentavam escolas de todos os nveis, em 1938, o en-sino se estendeu para 31,5 milhes (ibidem, p.373; Ferreira, 2000).

    Entretanto, no foi de fadas que viveu o campo, j que a agricul-tura e aqueles que dela viviam no estavam inclusos nessas polticas e a industrializao se apoiava nas costas do campesinato explo-rado. Vale considerar que os camponeses representavam a maioria da populao e, em lugar da NEP, veio a coletivizao agrcola, que forou milhes de pessoas a abandonarem suas terras e se fi-xarem nas fazendas coletivas, tornando-se assalariados do Estado. Outros milhes tentaram lutar contra a represso e a [...] morte e o degredo em regies distantes e inspitas selaram seus destinos (Deutscher apud Ferreira, 2000, p.86). A poltica stalinista resultou no assolamento da grande fome de 1932.

    Como resultado desse processo, no h como negar que, em meio s atrocidades e inflexibilidade poltica, a URSS atingiu su-cesso em vrios nveis da economia e transformou-se em uma gran-de potncia industrial por quase meio sculo.

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    Em contrapartida, as transformaes impostas por Stlin, pelo terror e medo, estavam muito distantes das idealizadas por Lenin. Stlin dirigiu o sistema sovitico, durante praticamente trs dca-das com punho de ferro e

    De fato, Stalin havia, de certo modo, assentado seu trono sobre um vulco sacudido por profundas erupes peridicas, sobre a lava incandescida, no centro mesmo da conflagrao e das nuvens de fumo da revoluo russa. A cada ronco do vulco, os especta-dores imaginavam que, quando a fumaa dissipasse, Stlin teria desaparecido sem deixar sinal. Mas cada vez, Stlin continuava l em seu antigo lugar, indene, mais majestoso, mais temvel do que antes, enquanto a seus ps jaziam os cadveres mutilados dos seus inimigos, e tambm dos seus amigos. Dir-se-ia um semideus, senhor do Vulco. (Deutscher, 1956, p.12)

    Ao lado dessas transformaes, outras foram ocorrendo a partir de meados dos anos 1930. A mais inusitada talvez tenha sido a aura de glria e admirao cega que envolveu a figura de Stlin, visto como guia genial de todos os povos, o grande lder do proletariado, quarto clssico do marxismo e outros. Essa propaganda foi sendo popularizada, aqueles que o criticavam acabaram sendo marginali-zados ou silenciados e, aos poucos, foram sendo eliminados seus ad-versrios. Ao mesmo tempo, injetava-se o ar que fazia os militantes bolchevistas respirarem, defendendo a construo do socialismo em um s pas. Destarte, o partido de Stlin [...] dirigiu a poltica do re-gime por mtodos que, aps a morte de Lenin, tornaram-se cada vez mais claramente ditatoriais, e cada vez menos dependentes de sua base proletria. Esses mtodos que de incio eram usados com cau-tela, aos poucos, [...] foram sendo aperfeioados num vasto sistema de expurgos e campos de concentrao. Se as metas podem ser con-sideradas socialistas, os meios usados para alcan-las eram, com frequncia, a prpria negao do socialismo (Carr, 1981, p.169).

    A prtica poltica de Stlin, nas mos de autoridades competentes, vinculou-se a um sistema de ideias, como resultado da adaptao do

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    pensamento socialista revolucionrio s condies particulares da URSS. Essa adaptao pode ser explicada no como aquela reali-zada por Lenin, que procurava por meio da teoria atender s neces-sidades de compreenso da realidade concreta, mas uma adaptao efetuada pela aristocracia stalinista que usava a teoria revolucion-ria como meio para justificar a sua prtica poltica. Por essa senda, [...] a teoria no foi utilizada para esclarecer e orientar a poltica, mas para legitim-la. Numa palavra: a teoria foi empregada como apologia, degradou-se em propaganda (Netto, 1981, p.63).

    Por suposto, abre-se a, curiosamente, a conquista apogstica de Stlin. Essa conquista no aconteceu naturalmente, mas cultivada, dia aps dia, logo aps a morte de Lenin. Stlin foi glorificado como Stlin o Lenin de hoje. Essa clebre frase se tornou um ritual de jornais, da propaganda e dos discursos. Essa campanha publicitria foi um dos aportes que contribuiu para tornar Stlin um deus perso-nificado na figura de um dirigente. H, no entanto, outras vertentes que podem tambm justificar essa personificao. Netto (1981, p.60), por exemplo, afirma que esse fenmeno foi gerando o que ficou conhecido como culto personalidade e no se pode afirmar que foi iniciativa prpria de Stlin, mas empreendida nos segmen-tos burocratizados do partido. Ao cultuar Stlin, esses segmentos garantiam-se a si mesmos. Portanto, acrescenta o autor, a hierarquia da autocracia stalinista assegurava-se da seguinte maneira: [...] no uma pirmide com Stlin no topo e o partido na base, mas uma pir-mide formada, da base ao topo, por Stlins de tamanhos diferentes. E tal culto foi tomando um rumo cada vez mais exagerado.

    Esses exageros foram levados a todos os campos da sociedade, ou seja, poltico, social, econmico e, sobretudo, nas cincias huma-nas e sociais, o que inclua a psicologia. Predominou, nesse perodo, uma viso mecanicista, reducionista e dogmatizada em funo da leitura marxista que Stlin acreditava ser coerente, o que resultou na castrao do contedo verdadeiramente dialtico do materia-lismo (Shuare, 1990, p.87).

    Na literatura, por exemplo, essa realidade no foi diferente, houve, de forma implcita, atitudes reificadas de culto personali-

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    dade, em que sobressaa a criao de obras de cunho naturalista, em que no escapavam, no limite, da descrio mecnica da superfcie da realidade. A arte, nas mos de Jdanov (1896-1948), o terico stalinista para as questes culturais, foi utilizada como uma forma de pedagogia. A psicologia assumiu caractersticas idnticas, ou melhor, todas as cincias e mbitos culturais se posicionaram de modo semelhante. Segundo Shuare (ibidem, p.86) [...] na poca stalinista, esta relao se converteu em uma dependncia direta e total, alcanando dimenses tais que permitem falar da deformao da cincia nas mos da ideologia.

    Em face dessa realidade, os escritores e os intelectuais tiveram de tomar como realidade aquilo que a demaggica propaganda ofi-cial disseminava ser a realidade. Coutinho (1967, p.210-1) situa e caracteriza esse processo com riqueza de detalhes.

    Com o desenvolvimento do stalinismo, novas formas de alie-nao tiveram surgimento na realidade sovitica. [...] basta-nos observar que estas alienaes se concentram na completa fragmen-tao da nascente comunidade democrtico-revolucionria, com a consequente desapario das massas como sujeito da histria e sua substituio pela burocracia dirigente. As formas populares de democracia, vigentes no perodo leninista, so substitudas pelo ter-ror burocrtico que apagava mecanicamente qualquer divergncia em nome da unanimidade totalitria. Impedidas de participar histo-ricamente como fora independente e criadora, as massas involuem para novas formas de passividade conformista, de alienao em face da vida pblica e da histria. A alternativa para esta passividade era uma ao no menos conformista, j que fundada apenas na execuo mecnica e burocrtica das palavras de ordem emanadas de cima. Esta separao entre o povo e a direo, entre a teoria e a prxis, d lugar a uma ideologia oscilando entre mecanicismo fatalista e volun-tarismo subjetivista, ou seja, a uma ideologia que estabelece a separa-o entre sujeito e objeto da ao humana. A esta oscilao ideolgica entre falsos polos do mecanicismo e do voluntarismo (que se conver-tem frequentemente um no outro), corresponde na criao artstica

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    o surgimento de obras esquemticas, ou naturalistas ou romnticas, ou ainda, no melhor dos casos, a uma justaposio desorgnica des-tas duas tendncias antirrealistas. Enquanto o realismo autntico capta o homem como unidade de subjetividade e de objetividade, como prxis individual e histrica, o naturalismo e o romantismo s podem capt-lo unilateralmente, de um modo fragmentrio: ou como mera objetividade reificada ou como subjetividade hiposta-siada desligada do real. Assim, ao lado de obras que apresentavam em relato jornalstico da construo do socialismo (sem apreender nenhum dos seus momentos problemticos essenciais), vemos o surgimento no romance sovitico de obras nas quais a perspectiva subjetiva do autor que era quase sempre idntica s vazias pala-vras de ordem e s afirmaes mentirosas da propaganda oficial transformava-se idealisticamente em realidade imediata e efetiva. O escritor se transformava em um burocrata (um engenheiro de almas, segundo o modelo proclamado por Stlin), perdendo a viso global e a fidelidade que caracterizavam o grande realista.

    Houve, nesse perodo, um radical e completo rebaixamento do nvel esttico, conforme observado por Coutinho (1967), em um grau de realidade intensamente alienada. Esse rebaixamento radical e vulgar esteve consonante com a doutrina adotada por Stlin, que reduziu e adulterou o pensamento de Marx, Engels e Lenin um pensamento radicalmente crtico e polmico a seu favor, institucio-nalizando o marxismo como oficial e nico, chamando-o de mar-xismo-leninismo. A transformao em doutrina oficial do Partido Comunista acarretou no dogmatismo stalinista.

    Esse entendimento marxista-leninista pode assim ser ilustrado, como bem nos apresenta Garaudy (1967, p.5): O todo era sinte-tizado em vinte pginas fulgurantes que continham, segundo se acreditava, toda a sabedoria filosfica. Depois do aprenda latim e grego sem esforo, era a filosofia posta ao alcance de todos em trs lies. E o reducionismo ia alm: A ontologia: os trs princpios do materialismo. A lgica: as quatro leis da dialtica. A filosofia da histria: as cinco etapas da luta de classes.

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    Essa degradao do marxismo, esvaziado e reduzido a uma srie de sofismas, foi destinada a justificar todas as decises de Stlin e seus caprichos. Isso acometeu a cincia, a arte e seus efeitos foram devastadores. O dogmatismo de Stlin interpretado como um conjunto inquestionvel de matrizes condicionantes do pensamen-to marxista: a dialtica, a prxis social e a histria so excludos de sua anlise. Shuare (1990, p.96) sintetiza essa questo ao afir-mar que, nesse perodo [...] no lugar de argumentos, acusaes; no lugar de cincia, ideologia e partidarismo; no lugar da crtica construtiva, eliminao; ausncia total de cultura metodolgica e filosfica. Convm esclarecer que o pensamento marxista, repre-sentado por Marx, Engels e Lenin, subsdio para entendermos o presente maneira marxista, desvendando-o tal como ele na realidade e formulando critrios de conduta, de ao, de criao e de pesquisa a partir da realidade concreta conhecida e no a partir de uma esquemtica citatolgica, ou colocando a cincia, por exemplo, como arma ideolgica para servir as exigncias propagandsticas formuladas moda stalinista (Lukcs, 1967).

    A trajetria aqui percorrida demonstrou como os aconteci-mentos no cenrio poltico e econmico determinaram, em grande parte, os enfoques cientficos em todas as reas especialmente no mbito da psicologia.

    Nesse perodo, a psicologia e as outras cincias estavam [...] firmemente enraizadas na vida social, planejavam resolver (ou pelos menos contribuir a resolver) os problemas que surgiam na construo da nova sociedade, a encar-los criativamente (Shua-re, 1990, p.99). A Escola de Vigotski estava disposta a contribuir nessa construo. Entretanto, no era disso que o regime de Stlin precisava. Seu regime necessitava de simplificao, controle, es-quematizao etc. Nesse sentido, passou a predominar a prtica da induo de testes e escalas de medio, tendo como figura mes-tre, nesse processo, estudos pavlovianos no que concerne refle-xologia. Assim, as pesquisas desenvolvidas por Vigotski e Luria no se enquadravam dentro desse regime dogmtico imposto por Stlin. Ambos sofreram duras crticas e perseguies. Com isso,

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    as crticas atribudas a Vigotski e a Luria se estenderam a Leontiev e a Elkonin, e o grupo sofreu retaliaes pelo Partido Comunista, e os obrigou a redirecionarem seus estudos e/ou tomarem rumos clandestinos para a realizao destes ou at mesmo se afastarem, temporariamente, de suas investigaes. Em meio a essa onda de retaliaes, o dogmatismo stalinista mostrou-se como a nica maneira de pensar, crer e se comportar; qualquer outra manifes-tao de ideias era condenada e criminalizada (Ferreira, 2000, p.104).

    Na poca, os nicos congressos no campo da psicologia eram sobre Pavlov, denominados de Sesses Pavlovianas, que foram, na realidade, trs congressos de cunho stalinista nos finais dos anos 1940. Elkonin (2004b, p.83) relata que, para o grupo de Karkhov conseguir participar desses congressos que estavam ocorrendo na poca, organizaram um artigo, no qual tiveram de driblar o comando stalinista.

    Depois das sesses pavlovianas, ficou a impresso de que se estava colocando em juzo o status da psicologia como cincia. Isso acontecia a partir dos rgidos e agressivos ataques provenientes dos fisiologistas. Leontiev, ento, decidiu publicar um artigo sobre a natureza reflexa do psiquismo, chamando para trabalhar com ele Galperin, Zaporozhts, Luria e eu. Durante semanas trabalhamos juntos no apartamento de Zaporozhts.

    Como vimos no item anterior sobre o incio da vida acadmica de Elkonin, podemos observar agora, com mais especificidade, o quanto o desenrolar dos anos 1930 foram extremamente fechados e de drible para a continuidade das pesquisas. Foi praticamente nesse contexto de estreiteza terica que Vigotski e Elkonin se conhece-ram e firmaram seus laos. Quando parte do grupo se transferiu Acade mia de Psiconeurologia da Ucrnia, em Karkhov, por conta das duras represses, Vigotski dedicou-se ao desenvolvimento de atividades em Leningrado, aprofundando seu vnculo com Elko-nin, j que este era oriundo dessa cidade (Golder, 2004).

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    Nessa poca, a Escola de Vigotski j tinha em cada um de seus membros uma especialidade assumida:

    Leontiev (Psicologia geral, teoria da atividade, personalidade, sentido pessoal); Luria (Neuropsicologia, processos psicolgicos superiores, crebro e psiquismo); Galperin (Teoria da formao da atividade mental por etapas); Elkonin (Psicologia do jogo); Zapo-rojets (Periodizao no psiquismo humano, psicologia evolutiva); Bojovich (Psicologia da personalidade, em especial do adolescente); Morozova (Metodologia e fundamentos da educao especial); etc. (Golder, 2004, p.22)

    Com as crticas sofridas, as obras de Vigotski foram proibidas a partir de 1936, bem como, nesse mesmo ano, a paidologia como cincia da psicologia e pedagogia infantil se torna proibida. As obras de Vigotski s foram reeditadas vinte anos depois.

    Naquela situao de dirigismo, Vygotski no era um homem cmodo. Era um marxista convencido e profundo, mas esse podia ser, de certo ponto de vista, um de seus aspectos mais perigosos. A recusa sempre do mtodo das citaes, com os quais muitos psiclogos soviticos comeavam justificando sua ortodoxia: depois de duas ou trs citaes de Marx, Engels, Lenin ou Stlin, passavam a resolver seu tema, que geralmente no tinha nada a ver com as prprias citaes. Na realidade, essa era uma manifestao da inci-piente tendncia a converter a cincia em escolstica, o pensamento vivo em expresso temerosa e submetida, a dialtica em estrutura petrificada. Em seus ltimos anos (especialmente os dois anterio-res a sua morte), a situao de Vygotski e tambm a de outros psiclogos dialticos era delicada. Morreu antes de ver o avano incontestvel dos novos poderes e tambm a destruio de muitas de suas iluses: mas pde ver, ao final de sua curta vida, como se anunciavam tempos difceis para a psicologia. (Rivire, 1985, p.67)

    Embora Elkonin tenha trabalhado junto a Vigotski pouco mais de quatro anos, por causa de sua morte prematura em 1934, man-

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    teve contato com outros pesquisadores dessa linha, como Leontiev, Galperin, Davidov, Zaporozhts e outros, com os quais desen-volveu pesquisas e trabalhos intimamente ligados com a diretriz histrico-cultural.

    Toda a dcada de 1930, quando se firmaram os laos de Elkonin com a Escola de Vigotski, segundo o orientando e colega de trabalho de Elkonin, Davidov (apud Shuare 1990), foram anos muito difceis tanto para o pas quanto para o desenvolvimento da psicologia. Ven-ger (2004, p.104) expe que a psicologia sovitica desenvolveu-se em condies diferenciadas e adversas. A partir dessa dcada, eram caractersticos: um isolamento quase que completo das correntes cientficas ocidentais; e, uma ameaa constante de sanes puniti-vas, comprometendo de forma aguda tanto o volume dos problemas estudados quanto as possibilidades de abordagem da resoluo.

    Uma dessas sanes punitivas foi o decreto sobre a paidolo-gia, intitulado Sobre as deformaes paidolgicas no Sistema dos Narkompros,3 publicado em 4 de julho de 1936, pelo Comit Cen-tral do Partido Comunista da URSS, no qual, como desabafa Da-vidov, essa [...] disposio do partido acerca da paidologia foi, ao meu juzo, muito prejudicial para o desenvolvimento da psicologia infantil (apud Shuare, 1990, p.236). A paidologia, que havia sido difundida na Rssia anos antes da Revoluo de Outubro, desen-volveu-se muito intensamente depois de 1917. Foram criadas mui-tas instituies paidolgicas sob a gide do Comissariado do Povo para a Instruo Pblica. Como assinala Shuare (ibidem, p.98), embasada em Petrovski, [...] nessa poca quem estudava a criana (psiclogos, fisilogos, mdicos, pedagogos etc.) era considerado

    3 Comissariado do Povo para a Instruo Pblica, cuja sigla era Narkompros ou Cipi, mesma comisso que, no incio da Revoluo de Outubro, possibilitou que Elkonin viesse a Leningrado continuar os estudos. Porm essa Comisso, a partir da entrada de Stalin ao poder, comea a se ajustar aos novos ditames, e toda a reforma da educao da primeira dcada da Revoluo recebeu severas crticas e comearam os ajustes contra os desvios, em uma dessas crticas se evidenciou aos dirigentes sobre os falseamentos paidolgicos dos sistemas do Comissariado do Povo para a Educao (Barroco, 2007b).

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    paidlogo. No entanto, na paidologia, no intuito de ser uma cin-cia integral que procurou reunir e sistematizar os conhecimentos sobre o desenvolvimento da criana, foram se estruturando tendn-cias antipsicolgicas, biologizantes e de um socialismo vulgar que deu lugar a justas crticas referidas.

    Essas tendncias foram alvo de crticas nos finais dos anos 1920 e incio dos anos 1930. No entanto, paulatinamente, com as pes-quisas que estavam se desenrolando na poca, houve possibilidades de superao das referidas crticas. Davidov (apud Shuare, 1990, p.237) afirma que a psicologia infantil, nos anos 1930, oferecia ma-terial fundamental para a psicologia geral. Com isso, o autor [...] no imagina uma psicologia geral que no se apoie na psicologia do desenvolvimento, em que esta predominantemente se ocupa do perodo infantil.

    Mesmo assim, com os ajustes justificados pelos desvios, o de-creto sobre as deformaes paidolgicas qualificava os paidlogos como pseudocientistas e se aboliu a paidologia.

    Essa disposio foi um grande golpe, na medida em que, na Rssia, proibiram-se os paidlogos de trabalharem, em especial, na rea da prtica escolar. Isso se refletiu como um freio no desen-volvimento da psicologia infantil, visto que a psicologia se torna uma cincia de gabinete e a paidologia, personificada na prtica, no teve mais espao e as instituies que se dedicavam a este tra-balho foram fechadas. Essa deciso afetou de maneira imediata Elkonin, que sofreu seriamente nesse perodo: foi despedido de seu trabalho (na ocasio ele ocupava a posio de diretor do Instituto de Paidologia de Leningrado) e, ao mesmo tempo, foi-lhe privado o grau de candidato a doutor, com a tese intitulada Psicologia infan-til. Elkonin perdeu, por muito tempo, a possibilidade de ocupar--se de sua atividade profissional. Venger (2004, p.106) relembra que Elkonin recordava-se desse perodo com orgulho, [...] pois nesta situao difcil, [Elkonin] no se desesperou, nem caiu em melancolia, mas sim aprendeu a obter o mnimo para sua sobrevi-vncia [e de sua famlia] pintando e vendendo tapetes de parede no mercado.

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    Algum tempo depois, Elkonin manifestou seu interesse ao Secretrio do Comit Regional do Partido de Leningrado, A. A. Jdanov, em ser professor das sries iniciais. Indagado se havia mu-dado de convices, afirmou: [...] no sou acostumado a mudar de opinies em 24 horas, o que interferiu para no se estabelecer como professor. Posteriormente, consegue atuar em classes iniciais na escola onde estudavam suas filhas, visto que o diretor da escola conhecia-o bem e resolveu correr o risco (B. D. Elkonin, 2007, p.3).

    Nessa escola, Elkonin dedicou-se ao trabalho com as crianas das primeiras sries. O perodo de 1937 a 1941 foi muito rico para suas investigaes cientfico-pedaggicas. Partindo de sua expe-rincia prtica como professor, comeou a desenvolver um estudo sobre o processo da aprendizagem da leitura e da escrita nas crian-as em idade escolar. Seu trabalho teve como consequncia um excelente e inesperado resultado: nos anos de 1938 a 1940, Elkonin produziu livros para o ensino da leitura e cartilhas para as regies do Extremo Norte, com instrues e orientaes aos professores. Essa experincia tornou-o amplamente conhecido na escola sovitica e rendeu-lhe, anos mais tarde, a publicao de vrios trabalhos, entre os principais, destacam-se: Questes psicolgicas da formao da atividade de estudo na idade escolar em 1961; Investigao psicolgi-ca da aprendizagem dos conhecimentos na escola primria em 1961; Anlise experimental do ensino primrio para a leitura em 1962; As possibilidades intelectuais dos escolares nas sries iniciais e o contedo de ensino em 1966; A relao do ensino e o desenvolvimento psquico em 1969; Problemas psicolgicos em relao ao ensino pelo novo curr-culo em 1971; Psicologia do ensino escolar nas sries iniciais em 1974; Como ensinar as crianas a ler em 1976. Durante esse perodo, todo o seu interesse de vida pelos problemas da psicologia do jogo teve de ser adiado at melhores tempos (Zinchenko, 1994).

    Em 1941, ainda trabalhando como professor de escola primria, Elkonin preparou sua segunda tese de candidato a doutor, sobre o desenvolvimento da linguagem oral e escrita nos escolares. A defe-sa da tese foi s vsperas da Segunda Guerra Mundial. Zinchenko (ibidem) relata que durou at meia-noite e, mais uma vez foi-lhe

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    negado o ttulo. Precisamos lembrar, como j exposto, que esse era um perodo em que as retaliaes e reprovaes eram comuns, visto que esses trabalhos, muitas vezes, no seguiam a diretriz imposta por Stlin.

    Com o incio da guerra, Elkonin participou ativamente como voluntrio no Exrcito sovitico, inscrevendo-se na milcia popular em julho de 1941. Ele participou na defesa e liberao de Leningra-do e, ao trmino da guerra, foi condecorado tenente-coronel. Nesse perodo, Elkonin, no front do Cerco de Leningrado, sempre recebia cartas do grupo de Karkhov. Como discorre Elkonin, em uma das cartas, Leontiev (apud Elkonin, 2004b, p.81) envia palavras de sonhador e romntico.

    Eu sonho que, daqui algum tempo, estaremos todos juntos, que vamos recompor nossa cincia na Ucrnia, sobre uma nova base e uma maior hierarquizao. L vai estar o centro fundamental de nossa cincia! Tu me dirs que isso uma insolncia; no: s uma consequncia. [...]. Ns todos estamos bem, todos te enviam muitas saudaes cordiais, os melhores desejos. Meu caro militar: aguardo com impacincia o momento em que possamos nos dar um abrao. Assim penso aqui em Moscou. Assim no me desligarei de ti, nem mesmo um passo, at o fim dos dias. Tens alguma ideia dos perigos que te aguardam na retaguarda? Cuida-te...

    Elkonin ficava impressionado com a capacidade de Leontiev em expressar-se de tal modo, ante toda aquela situao real do momen-to. Muitas coisas, segundo Elkonin, pareciam irreais, por conta de toda aquela realidade blica que os cercava. E dentre tantos planos durante esse perodo, s foi possvel organizar uma Seo de Psico-logia Infantil no Instituto de Psicologia, na Academia das Cincias Pedaggicas da URSS.

    Retornando da guerra, Elkonin teve de sobreviver a um duro golpe: sua esposa e suas duas filhas haviam perecido no Cerco de Leningrado. A. A. Leontiev relata como seu pai Leontiev tentou, por meio de telegrama, consolar Elkonin sobre o destino de sua

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    esposa Nemanova e suas filhas Natasha e Glia. Em umas das cartas, datada em outubro de 1943, h uma frase de agonia, em que Elkonin desabafa: Voc a pessoa mais querida que me res-tou (com exceo da minha me)! (Elkonin apud A. A. Leontiev, 2004, p.124).

    Nesse perodo, Elkonin morou na casa de Leontiev por uma longa temporada, enquanto a guerra ainda se prolongava. Na oca-sio, o Instituto Pedaggico Militar, sob a jurisdio do Exrci-to Vermelho, havia convidado Leontiev, Zaporozhts, Bojovich e Elkonin para ministrar aulas, que, incentivados por essa oportu-nidade, trabalharam juntos durante um ano. Aps esse perodo, Elkonin permaneceu nessa instituio e os demais colegas passaram a ocupar cargos em outras, trabalhando como professores de psico-logia. Ali tambm organizou os princpios do curso de psicologia militar sovitico, elaboraes no campo de psicologia militar e con-tinuou desenvolvendo suas ideias em psicologia infantil.

    Com o fim da guerra, Elkonin, embora almejasse, no foi li-cenciado. Ao contrrio, teve de continuar a lecionar no referido Instituto. Entretanto, em 1952, iniciou-se uma onda de represses cujo foco era a luta contra o cosmopolitismo, um recurso ideolgico do Estado contra os cosmopolitas sem razes, que tinha por objetivo acusar intelectuais judeus notveis e supresso da cultura judaica. Os que se encaixavam como cosmopolitas sem razes entravam na lista negra de Stlin. Diante dessa situao, no dia 5 de maro de 1953, o comit cientfico do mesmo organizou uma reunio dedica-da anlise e discusso dos supostos erros de carter cosmopolita, cometidos pelo tenente-coronel Elkonin. Porm, com a morte de Stlin, a reunio foi adiada e logo revogada. Por causa desse fato, o tenente-coronel Elkonin foi licenciado.

    Observamos, no decorrer dessa exposio, que, por um lado, os trabalhos de Elkonin iam se desenvolvendo vagarosamente, em funo dos rumos que foram tomando sua vida, e, por outro lado, as dificuldades para desenvolver ativamente esses trabalhos, que ficaram durante muito tempo engavetados.

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    O degelo e a sistematizao dos trabalhos de Elkonin

    A morte de Stlin em maro de 1953 marca o incio de uma nova era: a era do degelo e da desestalinizao. Nikita Kruschev (1894-1971) assume a secretaria geral do partido e inicia-se um discreto, mas real, processo de mudanas no pas: a polcia poltica reformulada, abrem-se os portes das prises polticas, os campos de trabalhos forados comeam a ser encerrados e ocorrem as pri-meiras reabilitaes. Kruschev apresenta, em uma sesso extraor-dinria e secreta do Congresso do Partido Comunista da URSS, em 24 de fevereiro de 1956, uma crtica ao culto personalidade: o se-mideus virara demnio (Aaro Reis Filho, 2003). Na interpretao de Kruschev, a crtica aos mtodos de Stlin revela erros, crimes e falsificaes histricas cometidos pelo guia do proletariado e, ainda, refora que os desvios e as deformaes tiveram sua origem no culto personalidade (Netto, 1981).

    Quaisquer que tenham sido os erros em seguida cometidos por Nikita Kruschev e mesmo sua tendncia para voltar a erros cuja origem e mortais consequncias ele prprio revelara, um mrito sem precedentes o ter um dia, diante do mundo inteiro, posto em discusso fundamental uma concepo e mtodos que levaram um regime socialista a se privar da riqueza nica constituda pela iniciativa histrica pessoal de milhes de cidados e de militantes, derramando o sangue deles, violando as regras da democracia no Partido e no Estado e at mesmo servindo-se da teoria dogmatizada como ideologia de justificao para esse crime contra o socialismo. (Garaudy, 1967, p.8)

    Entre o perodo de 1964 at 1985, data do incio da Perestroika, transcorreu um perodo que, at hoje, objeto de vivas controvr-sias. Em 1964, Kruschev deposto e substitudo por Leonid Brej-nev (1906-1982), que voltou a enfatizar a burocracia e a represso aos dissidentes. O perodo, de aproximadamente duas dcadas, em que Brejnev ficou no poder foi chamado pelos historiadores de era

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    da estagnao ou at mesmo retrocesso, [...] essencialmente por-que o regime parara de tentar fazer qualquer coisa sria em relao a uma economia em visvel declnio (Hobsbawm, 1995, p.458).

    Com a morte de Brejnev em 1982 e a sucesso de dois outros di-rigentes, I. Andropov (1914-1984) e N. Tchernenko (1911-1985), em seus curtos perodos, no mais que um ano cada um, que [...] pareciam mais esperar a morte do que governar (Aaro Reis Filho, 2003, p.134), assume Gorbatchov em 1985, que lanou em sua campanha a transformao do socialismo sovitico com os slogans: Perestroika e Glasnost. Com essa alternativa, iniciou-se um proces-so de descentralizao estrutural, com a renovao dos quadros di-rigentes, do partido, do Exrcito, das foras de segurana; reformas na legislao eleitoral, na administrao popular, na economia e na poltica externa do pas (Hobsbawm, 1995).

    Podemos resumir esse perodo, ps-Stalin, como um perodo de passagem de uma [...] economia de penria a uma economia mais desenvolvida, de uma sociedade que sai do terror, ou dele quer sair, para ascender a uma maior racionalidade em seus meios de ao. Uma e outra tomam conscincia, em favor da desestalinizao, das contradies internas de que esto cheias, da as hesitaes, os pro-gressos desiguais, os avanos e os recuos. (Chambre, 1967, p.61)

    O efeito do degelo e da desestalinizao, no campo das cincias, aconteceu de forma lenta, mas progressiva. Na psicologia, calcada ainda na teoria pavloviana, esse processo foi se reestruturando e o gelo derretendo.

    A segunda metade dos anos 1950 caracteriza-se por uma srie de novas possibilidades para a cincia psicolgica: em 1955, depois de 20 anos enclausurada, a revista Voprosy Psychologi, retorna a seu espao para divulgar os trabalhos no campo da psicologia de forma mais livre. importante lembrar que essa revista ainda existe e responsvel pela continuidade da divulgao das ideias desen-volvidas desde aquela poca at os dias de hoje. Muitos trabalhos dos integrantes da Escola de Vigotski e do prprio Vigotski foram

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    divulgados nessa revista e continuam sendo. Elkonin j comps o conselho editorial dessa revista e, atualmente, seu filho Boris faz parte do conselho. Tambm aconteceu uma srie de divulgaes dos trabalhos dessa Escola, como, por exemplo, a publicao dos primeiros trabalhos de Vigotski.

    Nos primeiros anos de 1960, ocorreu uma reunio na Academia das Cincias Pedaggicas para discutir sobre os problemas filosficos da fisiologia da atividade nervosa superior e a psicologia. Talvez esse tenha sido