18
244 Andrea Brandão Puppin Da atualidade de Goffman para a análise de casos de interação social: deficientes, educação e estigma ESTUDOS Palavras-chave: deficiência físi- ca; estigma; escolas especiais. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999. Apresenta os resultados de um estudo de caráter exploratório, desenvolvido há alguns anos acerca da categoria social da "deficiência física", a qual foi entendida como fenômeno que apela para leituras situadas no âmbito de uma sociologia das atitudes, e para tal nos servimos dos escritos de Goffman, contextualizando e relativizando a perspectiva teórica que inscreve esse autor. A proposta é juntar observações de campo a relatos colhidos em entrevistas no intuito de apreender a partir da escola vivências de situações de estigma passíveis de circunscrever a vivência social dos chamados deficientes. Foi historicizado e problematizado o conceito de deficiência associando-o ao problema da constituição de identidades. A dinâmica de construção do texto possui uma proposta de recorte-colagem de cenas e depoimentos em estilo puzzle, assumindo que foram construídas interpretações sobre interpretações ao lidar com as representações dos entrevistados, produzindo um discurso que emoldura discursos outros e que pode ser também circunscrito por molduras outras, conforme indica o jogo de possibilidades de Goffman.

Da atualidade de Goffman para a análise de casos de ... · Deficiência e diferença têm, então, um parentesco. A diferença pode ser pensada como o outro da identidade. Assim

Embed Size (px)

Citation preview

244

Andrea Brandão Puppin

Da atualidade de Goffman para a análisede casos de interação social: deficientes,educação e estigma

ESTUDOS

Palavras-chave: deficiência físi-ca; estigma; escolas especiais.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

Apresenta os resultados deum estudo de caráter exploratório,desenvolvido há alguns anosacerca da categoria social da"deficiência física", a qual foientendida como fenômeno queapela para leituras situadas noâmbito de uma sociologia dasatitudes, e para tal nos servimosdos escritos de Goffman,contextualizando e relativizando aperspectiva teórica que inscreveesse autor. A proposta é juntarobservações de campo a relatoscolhidos em entrevistas no intuitode apreender a partir da escolavivências de situações de estigmapassíveis de circunscrever avivência social dos chamadosdeficientes. Foi historicizado eproblematizado o conceito dedeficiência associando-o aoproblema da constituição deidentidades. A dinâmica deconstrução do texto possui umaproposta de recorte-colagem decenas e depoimentos em estilopuzzle, assumindo que foramconstruídas interpretações sobreinterpretações ao lidar com asrepresentações dos entrevistados,produzindo um discurso queemoldura discursos outros e quepode ser também circunscrito pormolduras outras, conforme indicao jogo de possibilidades deGoffman.

245R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

Introdução

A homenagem que o XIV CongressoMundial de Sociologia da InternationalSociological Association (ISA) prestou anopassado no Canadá aos trabalhos dos dezsociólogos masters mais importantes doséculo, segundo enquête feita pela ISAincluiu Erving Goffman como um dos eleitosna seleta lista. Foi a seus escritos querecorremos para desenvolver um estudo decaráter exploratório1 desenvolvido háalguns anos acerca da categoria social da"deficiência física" entendendo-a comofenômeno que apelava para leituras situadasno âmbito de uma sociologia das atitudes,no qual avultavam os trabalhos de Goffman(1988) a respeito do estigma com suaopção pela interação como unidade analí-tica, com sua abordagem dramatúrgica.Vale colocar, no entanto, que a perspectiva

1 Trata-se da tese defendida naPontifícia Universidade Cató-lica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no início dos anos 90,Deficiência, escola, estigma:um estudo. Por termos nosdeparado com várias solici-tações para publicação eusos recentes daquele textoem nível de citações biblio-gráficas (ver, por exemplo,Kramer, 1998), resolvemosproduzir esse artigo-síntesepara difundir, em âmbito maisamplo, os resultados daquelapesquisa, articulando-a auma homenagem a Goffman.

246 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

dramatúrgica possui suas limitações soci-ológicas, refletindo o momento histórico detransição de uma economia mais antiga,centrada na produção, para uma economiaterciária baseada na propaganda, navalorização performática, na centralidadeda aparência. Temos consciência, noentanto, de que enquanto articuladorteórico Goffman se ajustou particularmentebem ao estudo que empreendemos. Suareflexão toma como unidade de análise oencontro, entendendo-o como "campo detensão interpessoal, discrepância e ruptura",apontando para a opacidade da interação– e não pela intersubjetividade propriamen-te dita; há em Goffman a ultrapassagemde uma visão compreensiva (de tipoweberiano) em favor de uma visão desmis-tificadora do ocultamento. A sua análise dainteração estratégica deita raízes no mo-delo dramatúrgico palco/bastidores paraaveriguar as oscilações do comportamen-to humano.

É nessa perspectiva que se insere nos-so estudo, que foi informado pelo modelodramatúrgico em dois níveis: em relação àperspectiva de análise do objeto e em re-lação à própria posição do autor enquantoator-professor no nível da docência com"deficientes" e ator-espectador no nível daobservação de campo. A situação deduplicidade de papéis chegou a influir di-retamente no recorte do objeto da pesqui-sa, já que o autor optou por se eximir dapossibilidade de efetuar uma análise pro-priamente pedagógica – que apontasseeventuais problemas na atividade docentede colegas – e que o colocaria na situaçãodo "delator" ou do "leva-e-traz". Daí a op-ção de tratar tangencialmente a questãode como é efetivada a escolarização dodeficiente.

A compreensão teóricado problema: a genealogia

do conceito

As leituras conduzidas para o enten-dimento concreto da categoria social dadeficiência nos colocaram em frente àperspectiva da sua construção histórica.A deficiência se apresenta como conceitoeminentemente moderno, diretamenterelacionado com a concepção de vida ede humanidade enfatizadas a partir doséculo 19. Na raiz do conceito temos outro

termo datado e assumido como uma daspedras-de-toque da organização socialocidental desde o século 18: a eficiência.Deficiência só surge como conceito quandoa eficiência passa a ser a marca do quese pretendeu extrair da vida. Deficiênciajá surge como um conceito-julgamento-de-valor: designa o improdutivo, o negativo.Deficiência e diferença têm, então, umparentesco. A diferença pode ser pensadacomo o outro da identidade. Assim operouo colonialismo europeu, em que a identi-dade européia definia a diferença africanacomo primitiva. O termo "deficiência" fazuma experiência da diferença desse mesmotipo, pois a identidade que se postula, quese quer universal é eficiência – o diferentedo eficiente é o deficiente.

Mas há outras formas de se pensar oconceito em questão, como bem apontaTavares d'Amaral2 – na linha de força con-trária à nossa prática social dominante –que conecta a idéia de deficiência com ade diferença, postulando a eficiência comoidentidade. Isso significa imprimir uma vi-são afirmativa da deficiência – que obrigaa pensar a deficiência na chave política –como uma questão de cidadania, de de-mocracia. Mas a idéia mesma de demo-cracia é uma tradução da idéia de dife-rença na chave de igualdade: a igualdadede todos na organização social torna pos-sível organizar a sociedade de tal formaque as diferenças sejam respeitadas e nãodiferidas. Conceber a deficiência nessachave significa conferir à sua temática afunção de uma luta política cujo ambien-te é a democracia, e aprender a lidar coma idéia de que igualdade pode significartratamento diferente para os diferentes –sem que essa idéia passe pelo prismapaternalista e caritativo que tradicional-mente a delimita. Dentro dessa visão afir-mativa do direito à diferença, é que in-corporamos a visão crítica de Goffman arespeito do estigma.

A "deficiência" na educação

De modo geral, em nossa sociedadesão identificadas como "deficiências" asdiferenças consideradas prejudiciais emrelação ao modo como a pessoa interatuaem seu ambiente; consideram-se "defici-ências" os "impedimentos visuais, auditivos,mentais e motores" cabendo, então, varie-dades em termos de tipos e intensidades.

2 Em conferência proferida naUniversidade do Estado doRio de Janeiro (Uerj), em 15agosto de 1989, no ciclo"Deficiência – identidade ediferença".

247R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

No que concerne especificamente aocampo da educação, são vários os modelosteóricos de referência da definição dadeficiência, entendida como sinônimo deexcepcionalidade, quando se tem em vistaas condições do indivíduo em face dosserviços educacionais. A ênfase no aspectosocial, psicológico, médico ou educacionaltem como ponto em comum a referênciaao desvio da média, da norma.

Algumas definições sintetizam comexemplaridade o entendimento geral:

São considerados excepcionais oseducandos que, em razão de desviosacentuados, de ordem física, intelectual,emocional ou sociocultural, apresentemnecessidades educacionais que para se-rem adequadamente atendidas requeremauxílio ou serviços especiais de educa-ção (Mazzotta, 1982).

Assim sendo, os diferentes instrumentoslegais que regulam o atendimento edu-cacional aos "deficientes" servem-se demodalidades equivalentes de classificaçãode tipos – sendo os mais populares osderivados do modelo clínico, que distin-gue o deficiente mental treinável, o cego,o surdo, o deficiente físico...

Quanto aos instrumentos legais nota-se,também, na própria dinâmica da catego-rização, a assimilação de uma deman-da básica dos movimentos de defesados chamados deficientes: trata-se da de-signação dos "deficientes" como "portado-res de deficiência", seguindo a tentativasimbólica de separar a parte "problemáti-ca" do ser da sua totalidade pessoal. Essaé a outra face da moeda do comportamen-to geral da identificação do problema coma totalidade da pessoa – que é exatamen-te a marca definidora do estigma.

O estigma e a "deficiência"

Goffman (1988) aplica o termo estigmaàs situações do indivíduo que se encontreinabilitado para a aceitação social plena,em virtude da posse de um atributo quese impõe como alvo de atenção e detonao afastamento daqueles que o encontram.O indivíduo é, então, colocado na situaçãode "desviante" com relação a normassocialmente estabelecidas. Mas quando sefala em normas no tratamento do estigma,

se está lidando com um gênero de normas:as que se referem à construção da identi-dade ou ao ser. A manutenção ou o fracassodessas normas não tem como efeito o meroengendramento de medidas restauradorasque reparam o dano. As normas em questãoincidem diretamente sobre a integridadepsicológica do indivíduo que, no caso doestigmatizado, é condenado a um lugarsocial de descrédito e isolamento. Mas, poresse conceito, abre-se a possibilidade dequase todos os seres humanos que sevejam em situação de não-enquadramentoem frente a expectativas socialmenteconstruídas, em algum período da vida,experimentarem a vivência do estigma.Segue-se a compreensão do estigmacomo processo que ocorre sempre que hánormas de identidade (que engendram tantodesvios como conformidades).

Goffman detecta no atributo estigma-tizante a função social de conformação danormalidade de outrem (não sendo, em simesmo, nem honroso nem desonroso). Osatributos estigmatizadores vão determinara freqüência com que um indivíduo vaidesempenhar o dito papel no processo deinteração. O estigma é entendido, então,como um processo social que envolve doispapéis – o de normal e o de estigmatizado,como perspectivas geradas em interaçõessociais. Goffman designa como normais osque não se afastaram negativamente dasexpectativas postas socialmente, e é comesse entendimento que nós adotamos otermo. Quando as expectativas relativas àidentidade social virtual de um indivíduoentram em discrepância com relação àidentidade social real do mesmo, tem-sea vivência social do estigma. Mas os es-tigmatizados não estão sozinhos no mun-do. Há os que adotam seu ponto de vista,e que chamamos, como faz Goffman, deinformados. Entre esses encontramosindivíduos que se relacionam com o estig-matizado de modo tão próximo que ficamsujeitos a confusões de identidade, dadaspor contágio. Também é freqüente queo aliado do estigmatizado, em contrapo-sição ao comportamento estigmafóbico,lance a resposta estigmáfila (culto aoestigmatizado).

Na interação de contato misto – comonas cenas de conversação entre normal eestigmatizado – é que se condensa omomento de fundamental interesse socio-lógico, em que os dois lados enfrentam ascausas e os efeitos do estigma. No encontro

248 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

normal/estigmatizado, a visibilidade imedi-ata de um sinal identificador do estigmacoloca o indivíduo portador de deficiênciana condição de desacreditado, cabendo asi a tarefa de manipular a tensão do mo-mento. O estigmatizado é desacreditávelquando sua deficiência não é imediatamenteidentificável, abrindo a possibilidade damanipulação da informação.

A aceitação – respeito e consideraçãoque o indivíduo espera receber, malgradoo atributo estigmatizador – parece ser aproblemática central da situação de vidado indivíduo estigmatizado, que respondea ela com tentativas de correção do seudefeito de modo direto (como nas cirurgiasplásticas) ou indireto (como no aprendizadode áreas ou domínios "fechados" ao portadorde determinado tipo de "deficiência").

A seqüência semelhante de ajusta-mentos pessoais dos estigmatizadosimpõe semelhantes aprendizados emtermos da formação da identidade, o queGoffman denomina de "carreiras morais"semelhantes. Esse aprendizado podeincluir o reconhecimento de ser portadorde um estigma, a experiência de ser tratadocomo "não-pessoa", a identificação ambiva-lente com o grupo de seus "iguais".

Goffman aponta o fato de o mundo doindivíduo com atributos diferenciais estig-máticos estar dividido por sua identidadesocial em lugares proibidos (onde suapresença é um chamamento à expulsão)– lugares onde há tratamento cuidadosotendo em vista uma aceitação rotineira, elugares retirados, onde pode se exporsem se preocupar com a aparência derotina que tantos procuram imprimir nãoprestando atenção a ele. Também a iden-tidade pessoal divide o mundo do indi-víduo: locais onde há conhecimento pes-soal (pelo maître, pelo barbeiro, etc.) elocais onde não há conhecidos e é sustentá-vel a situação de anonimato. A divisão domundo posta pela identidade pessoal esocial forma os quadros de referência quedevem ser aplicados ao estudo da rotinadiária de uma pessoa estigmatizada. Opesquisador, então, se impôs a observa-ção do ciclo cotidiano de restrições quan-to à aceitação social, na hipótese dos de-sacreditados – e na busca das contingên-cias da manipulação da informação, nocaso dos desacreditáveis. Essa busca doselementos conformadores do estigma sefez, em nossa pesquisa, privilegiando osrelatos de vida dos deficientes colhidos

através da voz dos pais e professores –o que ampliou o ângulo de enfoque, quenão se restringiu apenas aos contatosobserváveis na escola. As entrevistas quepromovemos não atingiram diretamenteos portadores de deficiência por temor deo pesquisador gerar embaraços de ordempsicológica – já que tratávamos de umamaioria de crianças de menos de 14anos, com alguns poucos adolescentes.

Relatos de vida, relatosde trabalho

Os relatos de vida colhidos totali-zaram 30 entrevistas com mães (desangue e adotivas) de portadores de defi-ciência, das quais selecionamos umterço para análise. Dos 13 relatos de pro-fissionais de educação acerca de suaspráticas educativas com "deficientes",selecionamos a metade. O critério assu-mido para a seleção dos relatos a seremanalisados foi mais ou menos impressio-nista, pois todos os relatos continham

249R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

informações mais ou menos pertinentesà temática enfocada. Definindo e expon-do aos entrevistados o foco de atençãocomo concentrado no espaço de interse-ção da "deficiência" e do estigma, apre-endido a partir do aparelho escolar, acre-ditamos ter delimitado um campo de ex-ploração. As características gerais dosentrevistados assumiram certa heteroge-neidade, dado o fato de as famílias aten-didas pela escola pesquisada incluíremsetores de classe média (pais profissio-nais liberais) juntamente com setores daschamadas "camadas populares" (paismoradores da favela da Rocinha, mãesempregadas domésticas, etc.).

A funcionalidade posta na inserçãodos relatos no corpo do trabalho, enquantoelementos dele constituinte, fez-se presen-te em nossa pesquisa por dois motivos:por facilitar interpretações alternativas porparte do leitor e por entendermos que elesconstituem totalidades que não deveriamser desfeitas, sob pena de enfraquecer seusentido e densidade. Não havendo espa-ço para a apresentação integral dos dis-cursos selecionados, apresentamo-los "fil-trados" pela interpretação. É evidente quea necessidade de recorte e extração dostrechos mais ilustrativos se faz visível nes-se momento, em que os cacos dasvivências relatadas foram sendo coladosnuma composição-mosaico. Também,aqui, a presença de Goffman fica transpa-rente, não só em nível de suas categorias,idéias ou noções, mas também no seu pro-cedimento analítico de gosto fragmentá-rio, tipo puzzle.

Sistematizando anotações

Juntando as nossas observações decampo aos relatos colhidos, objetivamosapreender a partir da escola vivências desituações do estigma que circunscreve oschamados deficientes. Ao lidar tambémcom as representações dos entrevistados,estamos conscientemente construindointerpretações sobre interpretações –discurso que emoldura discursos e quepode ser também circunscrito por moldurasoutras, conforme indica o jogo de possibi-lidades de Goffman.

* * *

O estudo da modalidade de estigmados deficientes físicos que são absorvidospor unidades escolares, tal como a da po-pulação que estudamos em uma escolaespecial do Rio de Janeiro, apresenta al-gumas peculiaridades que não se esten-dem aos que vivem sob a condição do iso-lamento total: a vivência regular em regi-ões social e geograficamente diferenciadas– propiciadora de contatos interativos, ri-cos e variados. O convívio familiar no lar(relações íntimas), interações cotidianas narua (relações ocasionais) e interações mé-dico-profissionais ou escolares institucio-nalizadas (relações normatizadas, regula-das) dispõem séries distintas de contatos,incluindo-se neles os antagônicos.

A situação específica da escola ondeconcentrei a coleta de dados pode teravivado as cores de uma série de especi-ficidades em termos de interação mãe/fi-lho deficiente, professor/aluno deficiente,aluno/aluno deficiente – o que fez com quenós descrevêssemos os padrões deinteração percebidos tendo o cuidado denão apressar generalizações que po-deriam ser estabelecidas. Mas a possibili-dade comparativa é justamente um doselementos que nas pesquisas qualitativasalicerçam interferências. Nesse sentidoapontam-se vertentes de similaridadesentre os "casos" dignas de notação.

A relação responsável/parente porta-dor de deficiência assumiu característicasde extrema dependência do segundo emrelação ao primeiro, nos casos do turnodiurno (crianças de até 14 anos de idade).Já os alunos observados do turno noturnoabarcavam um razoável número de ado-lescentes e jovens independentes, o sufi-ciente para se locomoverem até a escola

250 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

e participarem das atividades pedagógicas(aulas, trabalhos). O nível de comprometi-mento mais grave era mais freqüente nosalunos do turno diurno – crianças com altonível de dependência em termos de loco-moção, de ação – o que coloca em pautaconsiderações acerca da escolarizaçãodos jovens maiores de 14 anos, portado-res de deficiência: seriam inferiores emnúmero os altamente comprometidos pelainviabilidade familiar de prolongar, por todaa vida, o nível de dedicação concentradoque é posto na infância (incluindo-se aí oacesso acompanhado à escola)? Tambémé verdade que, na unidade escolar especi-al em questão, o turno noturno vinculava-se à rede de ensino supletivo, não contan-do com as denominadas "classes semseriação" (para alunos com comprometi-mentos que chegariam a impossibilitar afreqüência às turmas regulares de 1° grau)que se incluíam no turno diurno através doatendimento individual em horários deter-minados. Do que foi posto decorre, então,a necessidade de se verificar a eficácia daestrutura e funcionamento escolar (ou edu-cacional) de atendimento às crianças e jo-vens "deficientes".

A constatada dependência aguda dascrianças portadoras de deficiência física seconcretizava na escola com relação a mãesou responsáveis acompanhantes (babás,avós, tias), com relação a professores,serventes e mesmo com relação a colegas(dos mais comprometidos para com osmenos comprometidos). A dependência semanifestava, em termos funcionais, nalocomoção em cadeiras de rodas empur-radas ou em andar apoiado, no desempenhode "tarefas elementares" como a de higieneno banheiro, a da alimentação no refeitório.Sendo problemática a execução de "atossimples" da vida cotidiana, é natural que o"currículo de apoio" dos alunos envolvessetarefas de rotina como as rotuladas "ativi-dades de vida diária", atendimentos comterapeutas ocupacionais – além dos aten-dimentos médicos propriamente ditos:semanalmente, muitos dos alunos freqüen-tavam fisioterapeutas e psicólogos – o queno caso da escola M. F. P. era facilitado,por ser efetuado no prédio vizinho a ela, jáque se tratava de escola anexa à instituiçãode reabilitação A. B. B. R. Essa especifi-cidade, aliás, demarcava um tipo especialde relação entre as mães (ou responsá-veis) e das mães para os alunos. A rotina davida diária do responsável pelo chamado

deficiente constituía-se fundamental-mente uma rotina de acompanhamento.O levar, o trazer de crianças deficientesna moderna vida urbana do Rio de Janei-ro implicam enfrentamento de trânsito, fre-qüência a conduções lotadas – o que con-tribui para o aumento de motivos para a op-ção das mães em esperar na instituiçãoescolar o término do atendimento. As impli-cações dessa freqüência à escola se fize-ram sentir em relação a uma normatizaçãoespecífica para com os pais, com vistasao espaço escolar: mães ou responsáveisnão podem entrar no espaço das salas deaulas, mas podem freqüentar o refeitóriopara auxiliarem os alunos que não têmcondições de se alimentarem sozinhos.Mães ou responsáveis podem auxiliar osseus filhos dependentes na ida ao banhei-ro quando a servente não estiver disponí-vel para tal – se isso for solicitado peloprofessor de turma. A conclusão é a deque as relações mãe/filho "deficiente" tor-nam-se relações institucionalizadas du-rante boa parte do dia. No bojo des-sa institucionalização criou-se, ali-ás, um espaço específico deconvivência entre as mães(ou responsáveis): o clubede mães, funcionandoem sala anexa à escola,permitia que a esperado filho portador dedeficiência fosse umtempo preenchidopor conversas en-tre "iguais", quea p r o v e i t a v a maquele momentopara trabalhos be-neficentes de cos-tura, pintura, etc.

As relaçõesmãe/filho "deficien-te", fundamental-mente pautadas nasituação de depen-dência, deixaram en-trever em muitos casoscaracterísticas simbió-ticas (apontadas, aliás, pordois dos professores entre-vistados). Em termos psicoló-gicos, o principal problema, ameu ver, seria o da dificuldade dese firmar a autonomia (recíproca)nesse contexto. Como já fizeram notaras análises psicológicas das relações

251R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

período: a segregação na primeira infân-cia é viável, essencialmente em se tratan-do de famílias dos estratos médios ou su-periores. Essa segregação na socializaçãoda criança de camadas populares em con-texto urbano é muito mais difícil. Pais quesão obrigados a andar permanentementeem transportes coletivos enfrentam comfreqüência contatos antagônicos, tornan-do inviável a manutenção de um círculoprotetor fechado. Como todos os casosabordados em nossas entrevistas tiveramcomo base a freqüência a uma escola,eles se excluem do enquadramento doisolamento total. É bem verdade que, sen-do uma escola especial, ela também re-presentaria uma modalidade de educaçãosegregadora. Trata-se de uma região es-pecial onde há tratamento cuidadoso, ten-do em vista uma aceitação rotineira, po-dendo ser considerada como um local re-tirado, próprio à exposição. De fato, nãoexistiam condições para que a conside-rássemos locus de isolamento. Ela seachava acoplada a um hospital, num bair-ro da Zona Sul do Rio de Janeiro, incluin-do no seu círculo de vizinhança popula-ção "normal" de moradores, trabalhado-res, comerciantes.

A "deficiência" física que coloca o es-tigmatizado na categoria de desacreditado– por seu atributo imediatamente visível – jádelimita as questões sociologicamente per-tinentes ao estudo: o pesquisador deve es-tar atento ao ciclo cotidiano de restriçõesquanto à aceitação social – incluindo aí oafrouxamento do ciclo dos desacreditadosna vizinhança e as condições do seuenrijecimento. As companhias familiares dosdeficientes, colocadas na categoria dedesacreditáveis, impõem ao pesquisador abusca das contingências com que se de-param na manipulação da informação. Aítambém se colocam as questões relativasao tato e à sua quebra, assim como a dofuncionamento da opção do isolamento e àquestão do autodesprezo.

Pelas entrevistas que fizemos, pude-mos verificar ser freqüente uma modalida-de de manipulação da informação social:esconder relações de parentesco com defi-cientes. O encobrimento é rotineiro quantoa relações de trabalho e conhecimento semintimidade obrigatória. O conhecimentopessoal é permitido até o ponto em que oconhecimento do elemento constrangedornão coloca em risco a relação pessoal. Ouso de uma multiplicidade de eus, dada pela

criança "incapacitada"/mãe ou responsá-vel, há vezes em que a criança forma

com o segundo pólo um só corpo,parecendo viver uma só e mes-ma história, contaminada de an-gústia: "O filho destinado a pre-encher a insuficiência do ser damãe e não tendo outro significa-do senão existir para ela e não parasi própria".

O depoimento de M., arespeito do sentidoda maternidade co-mo valor per se, pa-rece comprovar es-se ponto... sem estaressa ligação costu-rada pela angústia.

Isso aparece como decorrên-cia da sua "compreensão espiritualista" davida, que coloca o entendimento do senti-do da maternidade na "felicidade em si deser mãe, e não como é ou deixa de ser ofilho". Subentende-se aqui que o filho exis-te fundamentalmente para a mãe. De modosemelhante, V. também reivindica uma vi-são de mundo pautada na religião para "ra-cionalizar" a sua situação e a da filha: "Elaé assim não por ela mesma" – por faltascometidas em vidas anteriores – mas acre-dita que "ela veio para ajudar a nós, da fa-mília". Esse seu ponto de vista é aqui inter-pretado como rebatimento no plano ideo-lógico-religioso da situação concreta da ex-periência do problema da absorção da pró-pria vida pela da filha. Esses são algunsdos elementos constituidores das relaçõespautadas na chamada simbiose mãe/filhoe que tem seus indícios aparecendo namontagem dos relatos de vida, como o quedetectamos no discurso de V.:

– O meu caso pessoal é um caso típicodas estórias de paralisia cerebral (...) Foijustamente no hospital que houve acontaminação com o vírus da encefalite.Quando a capacidade dela rejeitar ovírus estava diminuída, ela entrou emconvulsão durante doze horas, e a lesãocerebral se tornou irreversível.

Com relação às delimitações espaciaissocialmente construídas, o que se notounos casos analisados foi uma certadificuldade de manutenção de um isola-mento ambiental do gênero "gaiola familiar".É bem verdade que a história de vida dealgumas crianças deficientes pode tercomportado essa situação durante algum

252 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

segregação de audiências, aparece comnitidez nessa situação. Esse fato é viável,pois a rotina diária de uma pessoa estig-matizada, assim como a de seus familiares,inclui uma diferenciação geográfico-social,estruturada com base no encontro de gruposdiferentes: há os códigos de relação comos informados, há aqueles a quem se diztudo, há aqueles a quem não se diz nada.A revelação é rotineira nos contatos compessoas que vivem situações similares –como pudemos verificar no episódio damãe do aluno A. em sua relação com avizinhança. Nesse episódio, fica claro oestigma como base para formação de umacomunidade que se engendra a partir deuma identidade comum. De fato, asdesvantagens que inscrevem queixasconformam "estilos de vida" que chegarama unir, no caso em questão, uma avó idosa,uma criança "deficiente" e uma tia cega,habitantes de um mesmo edifício.

A formação de uma comunidade tendocomo base a identidade estigmatizadaexplicaria, inclusive, o agrupamento deindivíduos que formavam a população daunidade escolar em questão: a hetero-geneidade decorrente da diversidade de ti-pos de deficiências era anulada pelahomogeneidade proveniente da identidadeestigmatizada, que unificava portadores deleve dificuldade de aprendizagem e "defi-cientes" totalmente comprometidos.

Caso de ocultamento/revelação deparentes de estigmatizados se apresentouatravés de uma das mães entrevistadas quetrabalhava numa empresa há dez anos, esó veio a saber que tinha colegas comfilhos deficientes depois de um incidentede regulamentação trabalhista, quandopassou a receber remuneração suplementar.Ela me confessou ter ficado surpresa como fato de tantas pessoas acharem normalesconder seus dependentes "deficientes"de modo tão taxativo. A sociologia damanipulação da informação e da impressãonos instrumentaliza para a interpretação dosignificado expresso nesse esforço. Oesconder da informação e da impressãonos instrumentaliza para a interpretação dosignificado expresso nesse esforço. Oesconder da informação desacreditadoramaterializa a tentativa de deixar o indivíduoenquadrado nas expectativas estereotipadasdo profissional sem problemas, confiável.Desse modo, mantém-se o indivíduo presoà norma geral.

A categoria de desacreditável sendoincorporada aos informados – professores

e pais de deficientes, numa confusão deidentidades por extensão – é um aspectodo comportamento estigmafóbico emação. O mais comum como resposta é acontraposição estigmáfila. Nos depoimentosanalisados, vislumbramos algumas profes-soras sendo questionadas por familiarese amigos acerca da opção pelo trabalhocom "deficientes": "Por quê? Por queescolher uma coisa tão deprimente?"

A difusão do estigma dos familiaresultrapassa muito a suave barreira dosquestionamentos inconvenientes e cami-nha firme no terreno da discriminação ex-plícita, expressa na ausência de convitespara os relacionamentos sociais usuais,etc. A base concreta da difusão do estig-ma por extensão, nesse caso, está na iden-tificação dos familiares com o "deficiente"pela absorção de idéias que vão determi-nar respostas específicas. A resposta estig-máfila é um elemento que se apresentacom freqüência também nos casos dos queassumem papel de liderança e represen-tação. Mesmo quando atinge o nível do cul-to do estigmatizado, não deixam de existiros problemas de ordem política, como osrelatados por V. Conflitos entre "nativos" e"informados", disputando a liderança naformação de grupos com capacidade deação coletiva, comprovam as dificuldadesexistentes na relação entre estigmatizadose seus aliados. A maior dificuldade da rela-ção fica na possibilidade ameaçadora derompimento da aliança.

Atravessando as várias camadassociais, há regularidades interativas quecircunscrevem o estigmatizado. No espaçofamiliar, o fenômeno de aceitação e dedi-cação ao deficiente pode ser encontradoou não – independentemente de camadasocial ou condição socioeconômica,conforme vimos através dos relatos devida.

Nos depoimentos colhidos não hou-ve, por parte das mães relatoras, adesõestotais à posição estigmatizadora. Isso, ameu ver, deve-se ao fato de que a amos-tra se restringiu aos responsáveis que le-vavam as crianças à escola, fazendo par-te do grupo que efetivamente se empe-nha no trato do filho "deficiente" – exclu-indo-se de antemão aqueles pais que to-maram a posição de abandono, de rejei-ção extrema, e que aparecem em nívelde denúncia nos relatos de tantos dos en-trevistados... às vezes visíveis até naexplicitação de culpas travestidas por

253R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

"racionalizações" exemplares, como a mãedo aluno G., que provocou o nascimentoda menina deformada por tentativa deaborto – mas que imputava a culpa a umaanemia ocorrida em seus 4 meses de ida-de! Encontra-se também, em alguns dosrelatos de mães, o conformismo com a si-tuação de estigmatização, como no dis-curso de Z., em sua gratidão pela escolacom relação a sua filha "porque todos atratam bem (...)"! A aceitação da situaçãode maus-tratos ao "deficiente" entendidocomo "não pessoa", já é, a meu ver, ade-são a uma visão estigmática, como a quese apresenta de modo sutil no dizer: "Mi-nha filha Adriana fica tão tristinha quandonão querem brincar com ela! Por isso éque eu gosto dessa escola onde todomundo a trata bem!"

E que não se interprete esse elogiorasgado como mera tentativa de agradaro pesquisador identificado como membrodo corpo docente da escola: a entrevistafala explicitamente no sacrifício que écarregar a filha para a escola, "vindo detão longe com ela no colo"!

Mas a adesão à visão estigmática peloconformismo nada é senão mecanismo deadaptação a um modus vivendi aderenteà realidade da luta pelo pão-de-cada-dia:de fato, no relato da mesma mãe Z., os"bons tratos" dos vizinhos incluíam na "ajuda"à menina deficiente a negligência e o roubode alimento!

É claro que nas camadas socialmen-te mais favorecidas encontram-se alterna-tivas facilitadoras da vida cotidiana do de-ficiente: acompanhantes ou babás no pe-ríodo da infância, motoristas para facilitaro transporte, etc. Nesse mesmo segmen-to social, a possibilidade da rejeição totalpelo afastamento do deficiente da vida fa-miliar, ainda que por um período – encon-tra alternativas, como verificamos no casode um dos ex-alunos de E., internado emcasa de repouso. Mas está claro, para nós,que o procedimento de rejeição, quandotoma sua forma mais crua, está no afasta-mento da pessoa incomodada do agru-pamento familiar – os homens (pais) dasfamílias contatadas, mais freqüentemente,abandonam o convívio do que as mulhe-res (como no caso da mãe M.) que aca-bam ficando com a responsabilidade deeducação e criação do "deficiente". Casoextremo está representado no depoimen-to de A., ameaçada de morte pelo pai. Asferidas decorrentes de rejeição parecemser de difícil cicatrização, mesmo na

vivência de um presente de aceitação –como verificamos na história da menina C.

A situação socioeconômica das ca-madas populares não é problemáticaapenas no nível do atendimento ao "defi-ciente" – que, quando conta com o trata-mento médico gratuito, sofre dificuldadesno nível da aquisição de aparelhagem ne-cessária (as cadeiras de rodas por Z., asbotas ortopédicas por I., etc.). No nível daorigem da deficiência, temos a informaçãodo depoimento dos professores E. e W. comrelação à predominância de distúrbios(como a cegueira congênita) ocasionadospor falta de higiene, esclarecimentos oucondições materiais para uma gestação"normal". No nível das expectativas futuras,tem-se um horizonte de esperanças sim-ples – como no caso de Zenóbia: umacadeira de rodas e um emprego. Tambémfoi possível entender, a partir do depoimen-to de Zenóbia, a ampliação das dificulda-des das camadas sociais populares em aci-onarem medidas de reparação a danospessoais – por terem mais a perder comconseqüências imprevistas (ameaças derevide, dentre outras, conforme constata-mos no perigo de demissão sofrido poruma enfermeira que dispunha de informa-ção comprometedora com relação a umdos médicos que atendeu à filha de Z.).

Num sentido diferente, temos a leiturado depoimento do professor O., que apontapara a aproximação dos pólos "carentes" e"deficientes", numa sociedade onde asdiferenciações de classe social são acen-tuadas como a nossa:

No Ciep (...) o que me espantou foi o fatodos alunos (normais) serem por vezesmais estreitos que esses jovens deficientes(ou semideficientes) ... Na Maré, as criançasque não têm retardamento algum estãoemparedadas entre realidades que asdeixam "ilhadas" na favela (...) Aqui naZona Sul do Rio, mesmo com a deficiência,sinto que o mundo está aí; é dos meusalunos também.

Uma mesma caracterização mentalpadronizada para normais e estigmatizados,no que concerne a valores e expectativas,explica algumas passagens das entrevistas– tais como a da turma do professor O.,que o rejeitou a princípio por seus trajesnão estarem consoantes ao esperado deum professor em situação de trabalho. Na-quela cena, o professor vivenciava o papelde estigmatizado, ansiando pela situação

254 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

de aceitação, enquanto os alunos defici-entes agiam segundo o papel de grupo depressão, unido em torno de uma expecta-tiva normativa quanto à identidade so-cial virtual do professor. É óbvio que a as-similação dos mesmos padrões norma-tivos por "normais" e "deficientes" colocacom muito mais freqüência os segundosna situação de desconforto. Vimos, nocaso de uma das alunas, a percepção dovalor social da universidade e a decepçãoem frente à situação da impossibilidadede aquisição desse nível de formação:a tristeza de A. quando lhe foi vetada aoportunidade de escolarização num perí-odo da vida em que via todos os seus vizi-nhos freqüentando a escola, assim comosua frustração ao sentir que riam de seumodo de andar e falar; a recusa de E. emusar a bengala – sinal identificador da ce-gueira – expressando a assimilação dospreconceitos sociais mais amplos e aidentificação ambivalente com o grupodos cegos.

A identificação ambivalente, aliás, pa-rece assimilar bem sua presença nos ca-sos de pessoas que vivenciam a situaçãolimítrofe entre "normais" e "estigmatizados":não são completamente "deficientes", nemcompletamente "normais". Verificamos suapresença nos casos de pessoas "deficien-tes", possuidoras de padrão de beleza acei-tável ou que poderiam se considerar dis-tanciadas do "deficiente típico". Encontra-mos, também, esse tipo de consideraçãoambivalente efetuada por parte das mães– como no caso de U., mãe de dois filhos"deficientes". Também vislumbramos comoGoffman a possibilidade da identificaçãoambivalente se constituir enquanto um pe-ríodo da vida, estando presente com fre-qüência nas carreiras morais que se apre-sentam minadas por um acidente ou dinâ-mica causadora do evento estigmatizador,produzindo portadores tardios do estigma(como foi o caso de B.). Entendendo-ocomo um elemento da carreira moral doestigmatizado, um elemento dentro da se-qüência semelhante de ajustamentos pes-soais que levam a experiências semelhan-tes de aprendizagem acerca do eu, colo-camos também a possibilidade de supe-ração da incorporação do ponto de vistados "normais", que está na base da estru-tura da sua história de vida.

É interessante notar que o fenômenoda manipulação da informação, doencobrimento, não caminha unidire-cionalmente no caso de familiares e de-ficientes estigmatizados. As informações

255R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

contidas na entrevista da professora M.colocam um exemplo de ocultamento –no caso, ocultamento de desejos "proibidos"socialmente – um amor homossexual – nocircuito da intimidade familiar: a revela-ção da informação colocou a professorano circuito das amizades "informadas". Acompreensão do fator de discriminaçãoimposta ao homossexualismo numasociedade heterossexual levou ao enco-brimento de um comportamento assimiladocomo de exceção.

Se a manipulação da informaçãoestigmática, como apontou Goffman, éuma ramificação do processo de estereo-tipia, também é nítida a sua função decontrole social, na confirmação da "nor-malidade" de outrem. Mas é interessantenotar o peso dos condicionantes sociaisnos processos de percepção da realida-de: uma mesma pessoa capaz de detec-tar a arbitrariedade da tendência à dis-criminação dos "deficientes" e de associá-la como paralela à condição de outrasminorias (como negros, homossexuais,mulheres) é também capaz de aderir auma visão estereotipada das diferençasentre as categorias de "deficientes"; foi ocaso da professora L., quando apontouo cego e o surdo como revoltados e omongolóide como carinhoso.

O isolamento, mesmo que relativo,imposto aos estigmatizados, é a conde-nação do esforço de rompimento com asua situação por parte de "normais" (queexpressam explícita ou veladamente seudesagrado), e o apontar contínuo para asvantagens de uma aceitação, de umconformismo quanto ao lugar que a soci-edade, de modo geral, reserva aos "defi-cientes" é por nós entendido como partedessa moralidade que se emprega paramanter as pessoas em "seus lugares".Nesse sentido, vai a reprovação velada demuitas mães ao comportamento de N.,mãe de K., pelo seu "modo de ser" exces-sivamente extrovertido para quem temuma filha "deficiente", e o veto a progra-mações sociais que a incluem. Também,no mesmo sentido, caminha a exposiçãodo professor W., na compreensão queapresenta (e na reprovação velada quemanifesta) acerca dos processos indiretosde rompimento da situação de isolamentode seus alunos, pela adesão a mecanismosde compensação – que vão no sentido daprocura da formação universitária, mesmoque seja para depois "acabar vendendo

256 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

bilhetes de loteria". Os esforços paradominar áreas que lhe são interditas nãosão bem vistos pelos "normais".… comovemos pela categorização da "opção porvaidades" sendo contraposta às "profissõesmais práticas".

Também, é comum aos que vivenciamcontatos meramente esporádicos e ocasi-onais com "deficientes" lançar mão daestratégia de ignorar a presença dos estig-matizados, tratando-os como não-pessoas.

O tratamento como não-pessoa podeser expresso, na educação, pela situaçãorelatada por N., em relação ao procedimen-to de professores que ignoravam a presen-ça de seu filho A. em sala de aula. Tam-bém, a meu ver, um quadro de escassezde modalidades de atendimento educaci-onal especial no momento da escola-rização dos "deficientes". A própria oscila-ção da política de diretrizes educacionais– como percebemos através do relato deN. com respeito à reorientação das matrí-culas das escolas especiais num momen-to em que se definiu a integração pura esimples dos alunos "deficientes" na redecomum – é um elemento que não pode serignorado no desenho desse quadro pano-râmico sobre o estigma. Se o "isolamento"do chamado deficiente em escolas espe-cializadas pode ter aspectos problemáti-cos, não menos problemática é a sua ab-sorção pura e simples por escolas "co-muns", como pudemos apreender atravésdo depoimento de C., quando aponta que"A escola particular (comum) foi mais umaguerra que tive de travar, pois as outrasmães não aceitavam a convivência de seusfilhos com uma criança 'aleijada'".3

A solicitude de estranhos, assim comoinvasões da privacidade através da obser-vação fixa de crianças também chegam aser rotina nos contatos eventuais de rua,nos transportes coletivos. A resposta ríspidaàs agressões diretas é encontrada nosdepoimentos das mães e nas ações dosfilhos. Uma delas nos contou que seu filhoL., certa vez, estava sendo observado poroutros dois garotos que se entreolhavam ecochichavam. L. ficou tão incomodado quechegou a abordá-los de modo direto e firme:"O que é que vocês dois têm? Se sãobichas podem procurar outro, porque eusou muito homem!"

Na dinâmica da interação angustiadainclui-se o desagrado por parte do deficiente,ocasionado pela sensação de estar emexibição, quando se desloca em locais

públicos e nos momentos em que seuatributo diferencial é foco de todas asatenções.

Eunice fala que "o adulto fere com oolhar". A atuação freqüente na manipula-ção da tensão do encontro entre "normal"e estigmatizado, como já havia apontadoGoffman, é a de forjar a pouca importân-cia da qualidade diferencial, como disseEunice: "Não ligo (...) O que mais importaé meus filhos estarem felizes e poderemsair". Mesmo no caso de aparente suces-so do procedimento, não se elimina a in-segurança acerca das considerações maisíntimas que se fazem, silenciosamente,"normais" e estigmatizados. Isso foi senti-do por mim exatamente no momento darealização das entrevistas quando, inclu-sive, tive a oportunidade de adentrar la-res para conversar com familiares dos de-ficientes. Em algumas ocasiões, senti daparte das mães um movimento de receio,manifesto em leves tremores de mão, he-sitações na fala, tropeções de diferentesordens – que eram instantaneamente re-feitos por hábeis sinais de "controle da si-tuação" – como o pigarro que elimina qual-quer desconfiança, etc.

Sobre a experiência de aceitação da"deficiência" como circunstância de vidapositiva ou rica, para seu portador, famili-ares ou profissionais envolvidos, tive aoportunidade de atestar considerações va-riadas. A resposta da mãe de A. aosagressores de rua quando afirmou: "Castigonada; é prêmio porque me faz crescer!" Oentendimento da maternidade por partede M. com relação a sua filha K., assimcomo o depoimento da professora T. e deoutros docentes e familiares de deficientesapontavam numa mesma direção.

O sublinhar das "deficiências" exis-tentes nos "normais" também é um recur-so freqüente. Entram nessa ordem deconsiderações o depoimento de T., queencara o "deficiente" como portador delesões visíveis – às quais estariam contra-postas lesões menos visíveis da partedos "normais". O depoimento de N., res-pondendo ao vizinho agressor que haviadiferenças de classe social, raça e padrãoestético no seu prédio, é outro exemplointeressante. O desabafo feito por M. naacusação do corpo médico e paramédicocomo os verdadeiros "débeis mentais"atesta não só a necessidade de desmis-tificar a arbitrariedade das categorizaçõesde normalidade e deficiência, como de

3 Vale esclarecer que a minhapostura de pesquisadora nãose valeu de nenhum parti priscom relação ao debate escolaespecial x escola comum.Concordamos com Mazzotta(1982) na percepção de que"nenhum recurso educacional,seja integrado ou segregado,pode a priori ser consideradoo melhor para toda e qual-quer criança, pois todos eleso fe recem van tagens edesvantagens. O recursomais adequado será aqueleque for mais compatível comas necessidades educacionaise a situação ambiental totalde cada aluno".

257R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

fazer sentir o peso dos termos-chave noato da estigmatização (como aleijado, bas-tardo e outros cuja especificidade já noshavia apontado Goffman). Em outros rela-tos colhidos, constatou-se a presençadesses termos-chave e de mecanismossutis de minimização do peso de seuemprego – como no relato de I. acerca daexpressão estigmática da mãe de sanguede A., posta na frase: "O que eu iria fazerdaquilo?" Frase emendada por uma sinto-mática tentativa de "correção": "Não sabe-ria cuidar".

Ou no relato de N. sobre o encontrocom o médico que a informou que "aquelenão tinha mais jeito" e aconselhou-a a sededicar "à criação dos outros filhos".

Com relação ao advento da defici-ência nos deparamos, então, com a si-tuação paradoxal de grande parte dasentrevistas conterem denúncia da negli-gência médica e hospitalar enquantocausadora dos distúrbios. Vale aqui achamada para a necessária sistematiza-ção de dados, em termos estatísticos, eaveriguações de responsabilidades emnível qualitativo, com responsabilizaçãocriminal, enquanto elementos fundamen-tais para a feitura da reversão do surpre-endente quadro. Reversão para que nãose repitam os casos de C., com lesãocerebral por meningite não diagnos-ticada; E., por cegueira decorrente deerro cirúrgico; Z., com paralisia cerebraldecorrente de erro cirúrgico; A., por pa-ralisia cerebral decorrente de doençanão diagnosticada... e outros casos ci-tados que nada são senão amostra deuma realidade mais ampla e não menosdramática.

* * *

A superação de prognósticos desa-lentadores como um elemento real encon-trado nos relatos de vida, bem como adescoberta de que há um horizonte deexpectativas viáveis à situação específicade cada indivíduo, assumem freqüente-mente uma função propulsora da açãotransformadora, e são elementos que valea pena sublinhar. A outra face da moedada expectativa é a frustração.

Esse problema aparece pedagogica-mente situado no depoimento de uma dasprofessoras que conseguiu alfabetizaruma "deficiente", cujo diagnóstico a colo-cava na situação de impossibilidade parao aprendizado de leitura e da escrita; valedizer que a mesma pessoa declarou que

se tivesse lido o diagnóstico médico antesde iniciar o trabalho teria se influenciado epossivelmente não atingiria o objetivo; já aprofessora L. cita a própria frustração e ados familiares dos deficientes quando nãoconsegue nada além do recorte (torto) eda colagem (malfeita) quando todos al-mejam a alfabetização, a escrita...

Em relação à instituição escolar,pude comprovar que as diferentes formasde discriminação não necessitam obriga-toriamente da reiteração normativa, legal.Há diferentes formas de descumprimentoda fórmula geral da "proibição à discrimi-nação" – expressas em procedimentosintencionalmente dificultadores da matrícula– como foi o caso dos alunos A., C. e tantosoutros. Os que conseguem o ingresso narede escolar regular se deparam freqüen-temente com as barreiras impostas pelasrelações dos familiares de alunos "nor-mais", como nos demonstrou o caso da fi-lha de M. Formas extremamente diluídas deresistência ao encontro com o deficiente es-tão postas nos discursos de vários dos pro-fissionais especializados em educaçãoespecial entrevistados. Como não encon-trá-las em instituições não especializadas?A expectativa inicial generalizada é a de queo encontro normal/deficiente é desgastante– mesmo nos depoimentos que nem che-garam a concretizá-lo como angustiante eprevisto. O professor O. mostrou-se surpre-so em verificar que não havia ficado "cho-cado" com a situação nem ao "perceber quea deficiência não modifica o humano da pes-soa"; E. falou dos "fantasmas" que assom-bram o pensamento de professoras que vis-lumbram no aluno a própria possibilidadede serem portadoras algum dia de uma gra-videz de "deficientes" (o que não era o casoda nossa entrevistada). O professor T. se sur-preendeu com o fato de seus alunos nãoserem depressivos e gostarem de brincar;a professora M. L. admirou-se com o fatode serem eles "pacíficos e gentis". A essên-cia humana do "deficiente", entendida comobase para o relacionamento pautado na"normalidade" professor/aluno, e seu dese-nho comportamental, inserido nas dinâmi-cas facilitadoras do trato comunicativo erelacional, são os pontos (assinalados nosdepoimentos) que encurtam as distânciasentre o Eu da normalidade e o Outro dadeficiência. A diferença gera a atitude decomparação, e a estimativa das diferençasdesemboca no "alívio de si", na satisfação

258 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

de estar na situação de normalidade. Naspalavras da professora M. L.: "... Pude mecomparar com eles e ver que tantas vezesparei diante de obstáculos mínimos, cavalos-de-batalha tão pequenos diante das grandesdificuldades reais que atingem meus alunose suas famílias".

Completando o puzzle: a títulode conclusão

Através da pesquisa de campo reali-zada, pelas observações diretas e pelaapreensão de depoimentos dos parentese professores envolvidos nuclearmente naproblemática dos "deficientes", pode-seapreender que um dos grandes problemasvividos pela família de portadores de defi-ciência é o da sua "aceitação social".Reitera-se a importância das dificuldadesimpingidas socialmente, em termos dorelacionamento do "deficiente" e do seu"outro", o "normal", dentre outros motivos:

1. Por ser a própria categorização da"deficiência" uma construção problemática,eminentemente histórica, que opera comomecanismo de estigmatização – e conse-qüentemente, de controle e de exclusão. Afunção social do conceito de "deficiência"está na própria operação de confirmaçãoda "normalidade" de outrem.

2. Pelas sérias conseqüências práticasadvindas da adesão ao rótulo que delimitaum lugar social discriminatório, verificado:

• Na ausência de equipamentos parao recebimento social do deficiente: no casodo tráfego urbano, esse problema seapresenta na insuficiência de transportescoletivos adaptados; nos prédios de usu-fruto público, está representado na ausênciade rampas; no campo educacional, oproblema se mostra na própria insuficiênciade atendimento escolar especial (ouconcentração inadequada em relação àdemanda – tanto em termos de séries eníveis quanto em termos geográficos).

• Na vitimização do "deficiente" e desua família posta na desestruturação psi-cológica dos contatos mistos antagônicos:o momento do diagnóstico médico, dadode modo brutal em vários dos casos rela-tados, colocou-o como um momentocondensador da situação de estigma – comtodo o peso sentido por C. M.: "O mundodesaba sobre a cabeça: rejeição, dor, ódio,lágrimas". Os contatos em conduções co-letivas e outros feitos na rua mostraram que

os "choques" estigmatizadores estão lon-ge de se restringirem às relações institu-cionalizadas – que na escola se manifes-tam transparentes na ocasião da matrícu-la, na "alienação" do "deficiente" no fundoda sala de aula, etc.

3. Pela possibilidade de reversãohistórica do quadro assinalado, vislumbradaatravés da abordagem dramatúrgica edada:

• Por iniciativas reativas de "furarbloqueios" – como a expressa por E. emsua luta contra normas legais para poderse inserir como profissional no ensinopúblico do Rio de Janeiro, e em sua recusade adesão ao espaço segregado, seja nolazer, trabalho, escola, etc.

259R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

• Por tentativa de minimizar os efeitosdos "momentos condensadores do estigma"que não podem ser desprezados: aqui seinserindo também as iniciativas pedagó-gicas de educação da população (na rua,nas residências, através dos veículos decomunicação) e dos trabalhadores queatendem a "deficientes" no contexto derelações institucionalizadas como o grupomédico e paramédico e o grupo escolar.Sugestões simples como a de V., quandoaponta que "o que precisa haver é duranteo diagnóstico precoce um atendimentopsicológico, uma orientação afetiva, umacompanhamento da sensibilidade fami-liar", mostra que os discursos dos quevivenciam o problema não podem serdesconsiderados no engendramento desoluções. Com relação aos profissionaisda educação, caberia o desenvolvimentodas discussões propriamente pedagógicas,que retirassem a escola da condição deespaço estigmatizador que muitas vezesa reveste, como no caso das que sedeixam transformar em "depósito decrianças".

• Por iniciativas que incidem direta-mente sobre o campo educacional, comoa necessária compreensão de que um

atendimento satisfatório só se faz com aintegração dos planos terapêutico-psico-lógico, físico e cognitivo – complexidadeessa que exige, de fato, o direito a modali-dades especiais de educação; a urgênciade levantamentos numéricos das condi-ções de atendimento (e da estatística dosdesatendidos) para que se esbocem pro-gramas mais efetivos de ação.

* * *

A carga de contradição do problemado estigma foi desvendada por Goffmande modo desmistificador em relação à so-ciedade americana, quando aponta para anecessária distância que o estigmatizadodeve manter do "normal" que não lhe con-cede mais que uma "aceitação-fantasma"que o estigmatizado deve se conformar emter, exibindo a "aceitação condicional desi" como se fosse a "aceitação total". A re-versão total desse quadro, então, está di-retamente associada ao amadurecimentode novos valores e articulada a redire-cionamentos políticos, de alguns dos quaistivemos notícia através dos depoimentosdos envolvidos nuclearmente no problema.

260 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

Referências bibliográficasAMARAL, Lígia Assunção. Pensar a diferença : deficiência. Brasília : Corde, 1994.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro : Zahar, 1998.

BECKER, Howard. Los estraños : la sociologia de la desviación. México : TiempoContemporáneo, 1971.

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido se desmancha no ar : a aventura da modernidade.3. ed. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. São Paulo : Graal, 1979.

BOSI, Ecléia. Memória e sociedade : lembranças de velhos. 4. ed. São Paulo : T. A.Queiroz, 1990.

BOURDIEU, Pierre. Esquisse d'une théorie de la pratique. Genève : Droz, 1972.

CINTRA, J. B. O que são pessoas deficientes. São Paulo : Brasiliense, 1986.

DITTON, J. et al. The view from Goffman. Hampshire : The MacMillam Press, 1980.

DUNN, L. M. Crianças excepcionais, seus problemas, sua educação. Rio de Janeiro :Livro Técnico, 1971.

FERREIRA, Izabel Neves. Caminhos do aprender : uma alternativa educacional para acriança portadora de deficiência mental. Brasília : Corde, 1993.

FORTES, Elcie Aparecida. Deficiência : alternativas de intervenção. São Paulo : Casado Psicólogo, 1997.

GLAT, Rosana. A integração social dos portadores de deficiências : uma reflexão. Rio deJaneiro : Sette Letras, 1995.

______. Sexualidade e deficiência mental : pesquisando, refletindo e debatendo sobre otema. Rio de Janeiro : Sette Letras, 1996.

______. Somos iguais a você : depoimentos de mulheres com deficiência mental. Rio deJaneiro : Agir, 1989.

GOFFMAN, E. Alienation from interaction. Human Relation, n. 10, p. 47-60, 1957.

______. La carrière morale du malade mental. In: HERZLICH, Claudine. Médecine, maladieet societé. Paris : Mouton, 1970.

______. A elaboração da face : uma análise dos elementos rituais na interação social. In:FIGUEIRA, S. Psicanálise e ciências sociais. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1980.

______. Estigma : notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro :Guanabara, 1988.

______. Fun in game. In: ENCOUNTERS. New York : Bobbs Merril, 1961.

KIRK, S. E., GALLAGHER, J. Educação da criança excepcional. São Paulo : Martins Fontes,1987.

KRAMER, Sonia (Org.). Infância e produção cultural. São Paulo : Papirus, 1998.

LUCENA JÚNIOR, Ricardo. Longo caminho de volta. Brasília : Corde, 1994.

MAZZOTTA, Marcos. Fundamentos de educação especial. São Paulo : Pioneira, 1982.

MESSINGER, S., SAMPSON, H., TOWNE, R. Life as theatre : some notes on thedramaturgic approach to social reality. Sociometry, n. 25, 1962.

NICCOLACI-DA-COSTA, A M. Sujeito e cotidiano : um estudo da dimensão psicológicado social. Rio de Janeiro : Campus, 1987.

261R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 195, p. 244-261, maio/ago. 1999.

SCHNEIDER, Dorith. Alunos excepcionais : um estudo de caso de desvio. In: VELHO,Gilberto. Desvio e divergência : uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro :Zahar, 1991.

Recebido em 10 de julho de 1999.

Andrea Brandão Puppin, doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário dePesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e pela École de Hautes Etudes en Sciences Sociales(EHESC), Paris, é professora adjunta da Faculdade de Educação da UniversidadeFederal Fluminense (UFF) e coordenadora do Núcleo Transdisciplinar de Estudos deGênero (Nuteg) dessa instituição.

Abstract

The paper presents the results of a study of an exploratory kind, effected some yearsago about the social class of physical deficiency. It has been understood as a phenomenonthat demands readings placed inside the context of a type of sociology of attitudes; forsuch an intention, we turn towards Goffman's writings establishing a context and renderingthe theoretical perspective that inscribes this author more relativelly. We decided toassemble field observations and stories taken from interviews, with the intention to seize,starting from school life, the mark of stigma situation liable to circunscribe the social lifeof the so-called handicaped person. The concept of "deficiency" has been historicisedand problematized by ourselves, who have associated it to the problem of identityconstitution. The dynamics of constructing a text taken the form of "découpage-collage"of scenes and testimonies in a puzzle style, assuming that we have built interpretations ondealing with representations of interviewed persons – producing thus a discourse thatframes other discourses and that may also be circunscribed by other frames, as shownby Goffman's possibility games.

Keywords: physically disabled; stigma; special schools.