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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
INTRODUÇÃO
Esta Unidade Pedagógica compõem-se de textos de diferentes autores os quais
contemplam através de seus estudos , um aprofundamento teórico sobre a etnomatemática, tema de
nosso estudo no PDE ( Programa de Desenvolvimento Educacional), com ênfase na análise das
interferências sociais no Ensino da Matemática .
Tal estudo a ser proposto através de entrevistas com questionários, respondidos pelos
alunos, a serem realizados no âmbito escolar, para que possamos juntamente com a equipe
pedagógica e docentes, detectar e analisar as interferências sociais mais perceptíveis em nosso
meio educacional para propor possíveis formas de solucionar ou amenizar tais problemas.
Justificando-se, é claro, com embasamento no principal autor D' Ambrosio, e estudioso do
tema, “ Etnomatemática” que conhecimentos diversos são transportados de fora para dentro da
escola, devendo-se levar em consideração as experiências de vida dos alunos.
A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A PERSPECTIVA
Conceito de etnomatemática
O termo Etnomatemática foi introduzido pela primeira vez em 1975 por Ubiratan
D’Ambrosio e desde então vem sendo utilizada também internacionalmente. Para alguns
educadores; D’Ambrosio (1993), Frankestein e Powel (1997) e Knijnik (1996); o termo designa um
programa de pesquisa que se desenvolve junto com a prática escolar. Segundo esses autores,
reconhecendo que todas as culturas produzem conhecimentos matemáticos, é importante que se
conquistem espaços nos currículos para que conhecimentos usualmente marginalizados possam ser
contemplados no universo da escolarização.
Pesquisadores são levados a identificar técnicas ou habilidades práticas utilizadas por
diferentes grupos culturais, na tentativa de conhecer e entender suas realidades e direcionar esse
conhecimento em benefício desses grupos.
De acordo com D’Ambrosio a Matemática, desde os tempos gregos até os dias atuais, tem
sido a modalidade de pensamento lógico e racional que se conservou estável a ponto de se tornar
elemento de identificação da própria espécie humana.
A disciplina que conhecemos como Matemática teve sua origem e seu desenvolvimento na
Europa com a contribuição das civilizações indiana e islâmica. Foi conduzida e exposta ao mundo
no período colonial. No mundo contemporâneo, esse conhecimento matemático é legitimado como
universal em decorrência do papel preponderante que a ciência e a tecnologia determinaram a partir
do século XVII na Europa.
Ante as críticas sociais que se intensificaram no final do século XIX, o ensino da
Matemática passou a ser objeto de estudos em congressos, conferências e comissões internacionais.
Os primeiros encontros sobre Educação Matemática tinham como preocupação primordial os
conteúdos programáticos. Este fator ficou evidente nas Conferências Internacionais de Educação
Matemática – ICME – de 1968, 1972, 1976, 1980 e 1984 deram ênfase aos conteúdos e às
condições de execução dos programas. Foi na terceira Conferência Internacional de Educação
Matemática, na Alemanha, que discussões socioculturais e políticas foram aprofundadas e tiveram
prioridade sobre os conteúdos programáticos. Nesse evento, que contou com a presença de países de
terceiro mundo, foram levantados questionamentos quanto a posição ocupada pela Matemática nos
sistemas educacionais. Ocorreram discussões sobre os efeitos negativos resultantes de uma
Educação Matemática inadequada às distintas condições socioculturais dos estudantes. Em 1978,
duas conferências difundiram as idéias: a conferência sobre “Desenvolvimento da Matemática nos
Países de Terceiro Mundo”, no Sudão, em 1978, e a conferência sobre “Matemática e o mundo
real”, na Dinamarca, também em 1978.
Em 1979, a 5ª Conferência Internacional de Matemática, realizada em Campinas, evidencia
a tendência sociocultural desses eventos, a qual é confirmada pelas análises do 4º Congresso
Internacional de Educação Matemática, em 1980, realizado em Berkeley.
Segundo D’Ambrosio, foi o 5º Congresso Internacional de Educação Matemática, realizada
na Austrália, em 1984, quando se verifica a tendência definitiva da introdução de questões
socioculturais nas discussões sobre a Educação Matemática, que mostrou uma mudança qualitativa
nas preocupações e reflexões nessa área do conhecimento.
A perspectiva da etnomatemática é ampla e, portanto, não se limita a identificar a
Matemática criada e praticada por um grupo cultural específico, restringindo-se a essa dimensão
local. Considera a matemática acadêmica uma entre outras formas de etnomatemática. Além disso,
os saberes matemáticos de estudantes, construídos na sua prática cotidiana, no mundo social mais
amplo, são também incorporados aos conhecimentos transmitidos pela escola.
Para Knijnik (1996), a abordagem etnomatemática é caracterizada como:
A investigação das tradições, práticas e concepções matemáticas de um grupo social subordinado (quando o volume do capital social, cultural e econômico) e o trabalho pedagógico que se desenvolve com o objetivo de que o grupo interprete e decodifique seu conhecimento, adquira o conhecimento produzido pela Matemática acadêmica, estabeleça comparações entre seu conhecimento e o conhecimento acadêmico, analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes.
Na perspectiva enunciada por Knijnik, os saberes matemáticos dos estudantes, construídos
na sua prática cotidiana, não só são tornados visíveis, como também são confrontados com os dos
acadêmicos, por meio de uma análise crítica que examina a viabilidade e a relevância desses dois
conhecimentos no contexto próprio do grupo. Conforme argumenta a autora não é suficiente
discutir como ensinar os conhecimentos matemáticos relevantes às necessidades imediatas dos
grupos, mas problematizar que conhecimentos são estes. Na perspectiva em que são desenvolvidos
os trabalhos pedagógicos por ela conduzidos, são consideradas as tradições, os modos de viver,
sentir e produzir significados dos grupos sociais. No entanto, a autora assinala que resgatar os
saberes matemáticos nativos, praticados pelos grupos com os quais trabalha, não significa tratá-los
como ponto de partida para a aprendizagem de conhecimentos acadêmicos, pois um enfoque, nesse
sentido, poderia caracterizar os conhecimentos dos nativos como se estivesse em estágio inicial, em
uma escala ascendente em direção ao domínio do conhecimento escolar universalmente legitimado
como válido. De acordo com seu ponto de vista, o acesso aos conhecimentos nativos e oficiais
oferece possibilidades para que diferentes grupos sociais possam compreender seus próprios modos
de produzir significados matemáticos. Além disso, ao resgatar as práticas oriundas de relações
sociais próprias de determinado grupo, elas podem ser interpretadas e analisadas quanto às suas
vantagens e limitações.
Knijnik também relata que tem estado atenta para que não sejam destacados os saberes
acadêmicos de modo que passem a ser concebidos como únicos conhecimentos capazes de tornar
inteligíveis e resolver todas as situações-problema que se apresentam no cotidiano dos distintos
grupos sociais. Além disso, a análise dos saberes acadêmicos possibilita que as suas desvantagens,
em situações específicas, sejam verificadas. O trabalho pedagógico por ela conduzido busca
discutir, também, as maneiras pelas quais as diferenças culturais são transformadas em
desigualdades sociais. Em seus trabalhos mais recentes sobre a Educação Matemática, a autora tem
incorporado novos elementos em suas análises. As relações de poder têm sido analisadas também
sob o ponto de vista interno, e passam a fazer parte das teorizações as práticas cotidianas dos
grupos, acrescidas do uso da tecnologia contemporânea. Ela argumenta que a introdução da
dimensão tecnológica na perspectiva da Etnomatemática teve origem a partir de discussões que
apontavam que a limitação dessa abordagem aos conhecimentos nativos dos distintos grupos sociais
poderia reforçar ainda mais as desigualdades sociais já existentes. Na perspectiva em que
desenvolve seus trabalhos, os grupos não são vistos como homogêneos, ou seja, são examinados
também nas suas diferenças.
O trabalho pedagógico está voltado para integrar os jovens estudantes às atividades do
assentamento, nas quais também participam os professores e técnicos. Tais atividades exigem
recursos matemáticos específicos, que auxiliem na análise das condições passadas e presentes, com
vistas a uma melhor qualificação dos futuros empreendimentos. A participação dos jovens, não só
tem possibilitado a aprendizagem de novos recursos matemáticos, como ainda tem se promovido
uma discussão mais aprofundada a respeito de aspectos financeiros ligados ao sistema produtivo
desses grupos.
Os projetos educacionais recentes de Knijnik que integram suas atividades de pesquisa
tendem a uma direção no sentido do deliamento de processos pedagógicos nos quais práticas
matemáticas nativas e conhecimentos técnicos sejam incorporados à educação formal de maneira
que seja possível transpor os limites da escola. As abordagens estão, portanto, voltadas para
problemas e necessidades práticas dos assentados. De acordo com o pensamento da autora:
A etnomatemática encontra sua expressão mais relevante quando expõe seu engajamento social, quando trata
questões culturais como elementos não-exóticos, quando se vincula aos interesses dos grupos sociais que, ao longo da história, têm sido marginalizados e excluídos.
A posição de destinar atenção a necessidades presentes dos estudantes é também defendida
por D’Ambrosio que sugere que sejam desenvolvidas práticas educativas associadas aos problemas
atuais e às necessidades dos estudantes. Para D’Ambrosio não são as atividades do passado que
interessam aos sujeitos do futuro; ao se referir a preparação dos estudantes para o mundo
contemporâneo ele alerta que principalmente em escolas cujos alunos sejam oriundos de classes
sociais menos favorecidas faz-se necessário o contato com equipamentos tecnológicos que estarão
presentes em todo o mercado laboral da sociedade.
Mariana Kawall Leal Ferreira (1994), por meio de um trabalho desenvolvido com povos
indígenas do Brasil, constatou que conhecimentos matemáticos usualmente ensinados nas escolas,
em outros contextos, eram reinterpretados e reorganizados pelos índios. As estratégias matemáticas
empregadas na resolução dos problemas cotidianos variavam não somente de povo para povo, mas
no interior da mesma comunidade. Elas eram eficientes mesmo quando aplicadas por sujeitos que
nunca haviam freqüentado a escola. Os problemas, quando formulados oralmente, eram resolvidos
de forma correta por meio de cálculos mentais expressos também oralmente. Porém, quando
executados com o auxílio da escrita, os resultados variavam significativamente. As tentativas de
interpretação de problemas da vida diária mediante enunciados matemáticos por escrito eram,
geralmente, malsucedidas.
A transposição para o papel de quantidades e operações matemáticas produzia confusão. Em
operações nas quais, por exemplo, na ótica da matemática escolar é utilizada, usualmente, a
multiplicação, era empregada a forma de adições sucessivas. As atividades que envolviam cálculo
por escrito tornavam-se de difícil solução em contraste com aqueles problemas resolvidos
oralmente, fossem eles simulados ou extraídos de situações reais.
Ferreira argumenta que essas supostas dificuldades estão associadas ao fato de que a
matemática escolar, ao transmitir estratégias de resolver problemas, também comunica
procedimentos e valores próprios do que é considerado matemática. Estudar, para os índios,
significava dominar a Matemática dos brancos para atuar com eficiência durante as negociações
econômicas com eles.
Segundo suas análises, a Matemática trabalhada em contextos informais não visa encontrar
soluções corretas, mas soluções aceitáveis de acordo com diferentes óticas e distintas estratégias
matemáticas. Os problemas que surgiram na vida dos índios nem sempre eram passíveis de ser
traduzidos segundo a linguagem da matemática formal. Mesmo quando representadas por valores
numéricos, as respostas aproximadas eram as mais viáveis. Na cultura indígena, em oposição ao
modelo capitalista, ao qual a matemática formal está vinculada, dar e receber não significa ficar,
respectivamente, com menos e mais; em vez disso, receber pode estar associado à retribuição por
parte do receptor.
Ferreira defende a idéia de que as distintas estratégias matemáticas comumente usadas pelas
diferentes culturas não devem ser vistas como limitação ou carência de habilidade cognitiva, mas
entendidas como modalidades particulares ou coletivas de compreender o mundo. A idealização do
pensamento matemático no qual se torna necessária a construção de respostas apropriadas faz com
que sejam desprezadas soluções alternativas produzidas pelos estudantes, fator que também
contribui para o fracasso escolar.
O estudo de Marcelo Borba (1987) enfoca o conhecimento da matemática usada pelos
moradores de uma favela em Campinas, São Paulo. Segundo ele, a Matemática praticada por grupos
culturais específicos é diferenciada da matemática acadêmica, tanto pelos códigos quanto pelos
objetivos que se propõe atingir. Quanto a esses últimos, a Matemática elaborada pelos grupos que a
utilizam apresenta-se mais eficiente que a matemática acadêmica. Os objetivos a serem atingidos
nascem da necessidade de superar obstáculos da vida cotidiana; a partir daí, surgem o interesse, a
curiosidade e a necessidade de transpor esses obstáculos, os quais, por sua vez, assumem as
características de um problema a ser solucionado. Apesar da maioria das pessoas do grupo social
pesquisado desenvolver Matemática em suas atividades laborais e cotidianas, esta não era
considerada por eles como tal. Sua proposta pretendia, a partir da Matemática aplicada e elaborada
pela comunidade com que trabalhou, proporcionar condições para que, por meio do diálogo,
houvesse interação entre essa matemática e a matemática escolar.
Cláudio José de Oliveira (1998) realizou uma descrição e uma análise de um processo
pedagógico que vinculou práticas cotidianas dos estudantes e de suas famílias à matemática escolar
no Rio Grande do Sul. O processo pedagógico foi realizado a partir de questões do mundo social
dos estudantes, as quais auxiliaram no questionamento de estruturas maiores na sociedade.
Tanto no trabalho de Borba quanto no de Oliveira estão presentes questões socioculturais e
econômicas que visam contribuir para um estudo efetivo da incorporação da Etnomatemática às
propostas pedagógicas.
Para Vithal e Skovsmose (1997) as experiências e o conhecimento matemático diferem no
mesmo contexto cultural, significando que a cultura de grupos específicos não deve ser concebida
como algo uniforme e harmonioso. No interior dos diferentes grupos sociais, estão presentes
conflitos de natureza cultural, porém, estes têm sido interpretados, predominantemente, como
produto da interação entre as culturas produzidas na escola e aquelas desenvolvidas fora dela. Os
autores mencionam que, na África do Sul, trazer as experiências dos estudantes para o interior da
sala de aula pode significar reproduzir as desigualdades no interior desse mesmo ambiente. É a
partir da experiência cultural e da percepção das possibilidades futuras que o contexto social lhes
oferece que as representações dos distintos grupos podem ser interpretadas. Porém, em seu modo de
ver, trazer as experiências culturais dos estudantes para o interior da sala de aula não significa
necessariamente desvalorizá-las, tampouco expandir ainda mais as desigualdades sociais já
existentes. É preciso ter presentes as formas como serão tratadas as experiências culturais, levando
em conta as distintas dimensões que atuam na reprodução dessas desigualdades, buscando
problematizá-las.
Marta Civil (1995) fundamentada em seus projetos desenvolvidos com vistas a inovações no
ensino de Matemática relata que tem sido possível verificar reações motivadoras e afetivas
mediante um enfoque dos conteúdos de matemática centrado nas experiências dos estudantes. Os
estudantes raramente estão ausentes e parecem motivados e satisfeitos de estar em aula. Todavia,
isso não dá garantia quanto às conquistas em relação à aprendizagem de Matemática. Nos projetos
dos quais tem participado, a partir do conhecimento das experiências, das habilidades dos
estudantes e de seus familiares, são construídos módulos de ensino. Por meio de visitas domiciliares
às casas dos alunos, os professores que participam do projeto aprendem sobre experiências culturais
que posteriormente são analisadas e discutidas a fim de ser incorporadas ao trabalho pedagógico.
Para Sandra Mara Corazza (1997) para trabalhar com temas culturais faz-se necessário:
“[...] realizar ajustes e rearticulações entre os conteúdos estabelecidos e legitimados, acrescentar ou suprimir outros conhecimentos [...]”
A pesquisa de Sérgio Roberto Nobre (1989) configura-se como um trabalho na perspectiva
etnomatemática que tem como proposta inserir fatores sociais, políticos e econômicos na Educação
Matemática. Nobre caracteriza em três grupos os conhecimentos matemáticos existentes fora da
escola. Ao primeiro grupo corresponde a Matemática que é produzida e manipulada pelas pessoas
em suas atividades cotidianas. Nela situam-se aquelas matemáticas presentes nas atividades
laborais, nos jogos e nas brincadeiras das crianças. O segundo grupo é composto pela Matemática
que é produzida no decorrer da história e está sob domínio de poucas pessoas. Um exemplo é a
Matemática que aparece na adoção de medidas econômicas. O último grupo abrange a Matemática
utilizada como instrumento de ação política contra a repressão e exploração.
A investigação de Nobre centralizou-se no segundo e terceiro grupo, visto que sua proposta
tinha como objetivo ampliar o número de pessoas politicamente atuantes. No entanto, não deixa de
reconhecer que a Matemática do primeiro grupo é fundamental para o avanço das outras duas. O
autor também defende a idéia de que práticas pedagógicas que abordam aspectos socioculturais
contribuem para que um maior número de pessoas tenha acesso as matemáticas que têm ficado
restritas a uma pequena parcela da população e, portanto, preparam os estudantes para atuar em
posições de igualdade com aqueles que os dirigem, pelo menos no que diz respeito aos
conhecimentos matemáticos.
Em convergência com o pensamento de Civil, Nobre conclui que, apesar de ver em sua
proposta uma experiência valiosa, que deve ser introduzida no processo educacional, os professores
não estão preparados para enfrentar tal situação. Faz-se necessário em primeiro lugar, conquistar
espaços na escola e no conteúdo a ser trabalhado e, em seguida, ampliar esses espaços conquistados.
Além dos trabalhos mencionados, muitos outros estudos têm sido desenvolvidos na área da
Educação Matemática, os quais evidenciam o alcance da etnomatemática na América Latina, assim
como em outros países do mundo. Acrescente-se a isto que o fracasso escolar, os processos de
exclusão e as dificuldades dos estudantes em lidar com conceitos matemáticos escolares têm atraído
a atenção de educadores para a construção de propostas que visem desenvolver novas abordagens e
práticas pedagógicas que contribuam para o ensino dessa ciência.
A Etnomatemática: uma abordagem sociocultural e cognitiva
A etnomatemática constitui-se num campo da Educação Matemática que muito tem
despertado o interesse de estudiosos, pesquisadores e educadores, na busca de solução para os
problemas relacionados à epistemologia da Matemática e seu ensino. Surgem, porém, de início,
algumas interrogações relativas ao assunto: O que vem a ser etnomatemática? Qual a sua relação
com o ensino de Matemática? Essas são algumas das inquietações dos professores de Matemática,
dos licenciandos em Matemática ou áreas afins, bem como de supervisores e orientadores
educacionais, quando se trata de apresentar e utilizar essas idéias em várias escolas do Brasil.
De acordo com Ferreira (2004), foram criados vários termos metafóricos para designar esta
nova Matemática que estava surgindo, a fim de diferenciar esta, daquela Matemática estudada no
contexto escolar:
· Cláudia Zaslavski, em 1973, chamou de Sociomatemática, as aplicações da matemática na
vida dos povos africanos e, inversamente, a influência que instituições africanas exerciam e
ainda exercem sobre a evolução da Matemática, sendo esta a abordagem mais significativa
de seu trabalho.
· D’Ambrosio, em 1982, denominou de Matemática Espontânea, os métodos matemáticos
desenvolvidos por povos na sua luta de sobrevivência.
· Pasner, também em 1982, designa de Matemática Informal aquela que se transmite e se
aprende fora do sistema de educação formal, isto levando em conta, também, o processo
cognitivo.
· Paulus Gerdes, ainda em 1982, chamou de Matemática Oprimida, aquela desenvolvida em
países subdesenvolvidos, onde se pressupunha a existência do elemento opressor como:
sistema de governo autoritário, pobreza, fome etc.
· Mais tarde, em 1987, Gerdes, Carraher e Harris utilizaram o termo: Matemática não
Estandartizada para diferenciar da standard ou academia.
· Outro termo usado por Gerdes em 1985 foi de Matemática Escondida ou Congelada, que
estudava as cestarias e os desenhos em areia dos moçambicanos.
·Mellin-Olsen, em 1986, chama de Matemática Popular aquela desenvolvida no dia a dia e que
pode ser ponto de partida para o ensino da matemática dita acadêmica.
· Ubiratan D’Ambrosio utilizou em 1985, pela primeira vez, o termo Etnomatemática no seu
livro: “Etnomatematics and its Place in the History of Mathematics”
A etnomatemática foi conceituada como zona de confluência entre a Matemática e a
Antropologia cultural, até quando aponta como uma última concepção de etnomatemática definida
por D’Ambrosio, o qual se refere à metáfora da bacia onde ele chama a atenção dos pesquisadores
em etnomatemática de que é importante perceber o que de conhecimento, os afluentes do grande rio
da cultura trazem para eles, mas o que não se deve esquecer, e até mesmo priorizar, o que de
conhecimento e cultura continuam nos igarapés e não chega através do rio principal.
A etnomatemática pode ser considerada como uma área do conhecimento intrinsecamente
ligada a grupos culturais e a seus interesses, sendo expressa por uma (etno)linguagem também
ligada à cultura do grupo, a seus ethos. Atualmente, vivemos em uma sociedade bastante complexa,
onde as relações interculturais ocorrem continuamente e as etnomatemáticas produzidas expressam
essa complexidade do entrelaçamento cultural.
Ubiratan D’Ambrosio e a Etnomatemática
D’Ambrosio vem contribuindo enormemente com a construção do pensamento (matemático)
contemporâneo, e uma das funções da etnomatemática tem sido a de procurar as contribuições
diversas das culturas variadas para tal construção.
D’Ambrosio com o desenvolvimento da etnomatemática, se voltou com respeito para as
culturas tradicionais não-européias atribuindo-lhes valor nem sempre antes conferido, esta está
longe de ser reconhecida por ele como a matemática dos oprimidos ou a matemática dos indígenas,
ou ainda, aquela dos maus sucedidos na escola.
A perspectiva da etnomatemática deu lugar ao Programa Etnomatemático, uma re-
organização de cunho teórico elaborada por D’Ambrosio (1990). A idéia de programa está, de
algum modo, aliada ao estudo e à análise comparativa destes fazeres/saberes e da dinâmica cultural
intrínseca a eles, mas com o objetivo de compreendê-los no movimento da história da humanidade
dentro de uma leitura transcultural e transdisciplinar entre aspectos cognitivos, filosóficos,
históricos, sociólogos, políticos e naturalmente educacionais. Segundo D’Ambrosio, o Programa
Etnomatemático procura entender os ciclos de geração e a difusão do conhecimento focalizando,
nos debates e pesquisas, as relações entre cultura, sociedade e práticas matemáticas assim como a
politização das nações de identidade e diferença.
O trabalho de D’Ambrosio com os estudos etnomatemáticos provocou transformações no
âmbito da educação matemática semelhantes aquelas que a Antropologia provocou nos movimentos
de compreensão dos povos colonizados. Num primeiro momento, a Antropologia operou profundas
transformações na sua perspectiva de compreender o “outro”, até chegar, modernamente à
compreensão da “diferença” como um dado positivo (Barreto, 1993). A etnomatemática de
D’Ambrosio, por sua vez, busca de início identificar problemas(matemáticos) a partir do
conhecimento do “outro” no sentido de levar os educadores (matemáticos) a lidar com a questão da
diversidade cultural. O Programa Etnomatemático chega mais adiante destacando, assim como a
Antropologia, a “diferença” como um dado positivo, constituinte de uma outra possibilidade do
saber matemático ao longo da história da humanidade daquela que nos tem sido dada.
Os estudos etnomatemáticos de D’Ambrosio se desenvolveram mais profundamente a partir
de meados dos anos 70, uma vez que ele próprio identifica o Third International Congress on
Mathematics Education – ICME3, realizado em Karlsruhe (1976), como o ponto de partida do
desenvolvimento de suas idéias sobre as raízes sócio-culturais da matemática.
Ao longo dos anos 80, fazem parte das preocupações de outros educadores, educadores
matemáticos, psicólogos, sociólogos e antropólogos estudos/pesquisas sobre o conhecimento não-
matemático, de grupos indígenas, de grupos africanos, de diferentes grupos de profissionais entre
outros. Alguns psicólogos da cognição brasileiros trataram esse tipo de investigação como
matemática de fora da escola/matemática oral/matemática de rua, da feira visto em Ana Lúcia
Schliemann, David Carraher e Terezinha Nunes Carraher assim como Geoffrey Saxe, nos Estados
Unidos. Jean Lave e outros analisaram, em 1984, os critérios qualitativos utilizados pelos
resolvedores frente a tomada de decisão diante do cálculo , em atividades de compra no
supermercado. Paulus Gerdes, outro grande educador etnomatemático, discute em seus trabalhos
desenvolvidos em Moçambique-África o pensamento matemático (escondido) nos ornamentos e
jogos tradicionais sob a interpretação matemática oprimida/matemática escondida e congelada
(1982-1985); Stieg Mellin-Olsen da Inglaterra chama, por volta de 1986, matemática
popular/matemática do povo aquela usada pessoas que estão fora da sociedade de matemáticos.
Sociomatemática, como o conhecimento matemático desenvolvido no dia a dia que pode ser ponto
de partida para o ensino da matemática acadêmica, é o termo usado por Claudia Zaslavski que
escreveu em 1973 “África Counts: numbers and patterns in african cultures” tornando-se um texto
clássico para aqueles que desenvolvem investigações em etnomatemática, matemática codificada no
saber fazer é outra denominação dentro dos estudos etnomatemáticos criada pelo educador e
matemático Eduardo Sebastiani Ferreira do IMECC/UNICAMP, que junto a professora Marineusa
Gazzeta, abriram um campo fértil de pesquisa em etnomatemática , educação indígena e outros.
Assim, faz 20 anos que D’Ambrosio trouxe para a educação as idéias etnomatemáticas.
Desde, então, a etnomatemática vem se desenvolvendo como uma área de estudos e uma linha de
pesquisa. A partir dessa data temos professores, educadores, matemáticos e educadores
matemáticos, com diferentes interesses e motivações, em torno dos estudos etnomatemáticos, os
quais tem se reunido em diferentes grupos, fóruns, conferências e congressos nacionais e
internacionais.
A etnomatemática é hoje reconhecida por duas vias de interpretações: uma primeira está no
reconhecimento de que diferentes relações matemáticas ou práticas matemáticas podem ser geradas,
organizadas e transmitidas informalmente, assim como a língua, para resolver necessidades
imediatas. E como um meio operacional do fazer, no centro dos processos fazer-saber de uma
comunidade, um modo de conhecimento matemático é parte do que nós chamamos cultura. Assim,
desse ponto de vista, a etnomatemática tem sido considerada não somente como área de estudo que
reflete sobre as raízes culturais do conhecimento matemático, mas também como o conjunto das
relações quantitativas e espaciais, geradas no coração da comunidade cultural, que compõe o que
tem sido teorizado como matemática.
Uma segunda interpretação, que se sobrepõe de algum modo a anterior, nos remete a busca
de entender a evolução do saber e do fazer (matemático) próprio dos diferentes grupos culturais,
comunidades, povos e nações, a partir de um movimento dinâmico de exposição de uma cultura as
outras culturas. E, nesta busca das culturas se conhecerem/compreenderem, o conhecimento das
culturas dominantes também deve ser entendido, de forma muito mais geral que a simples descrição
e assimilação de teorias e práticas consagradas pelo ambiente acadêmico. Estamos falando aqui do
Programa Etnomatemático.
Vergani (2000) observou que não é possível ignorar que muitos educadores matemáticos ao
tomarem conhecimento dos estudos etnomatemáticos mudam sua atitude frente a Matemática.
Passam de um entendimento da matemática, ou da matemática pura, como uma estrutura abstrata
com símbolos bem definidos de cunho dedutivo, construída a partir de um jogo intelectual, ou da
matemática aplicada a outros ramos do conhecimento, que a ela recorrem em busca de credibilizar
resultados obtidos, para vê-la como um processo praticamente inverso: passam a olhar a matemática
como um processo profundamente humano.
Alguns educadores matemáticos se opõe veementemente às idéias de D’Ambrosio,
destacando tanto as dificuldades em lidar com sua concepção de cultura como mostrando que a
etnomatemática pode gerar conflitos de cunho político ou ser usada, pela via da educação escolar,
para alimentar os conflitos de classes influenciados por fatores políticos e sociais. Na verdade,
alguns críticos da etnomatemática têm medo que ela possa diminuir o poder social das pessoas de
comunidades de minoria, assim como o poder da matemática e da própria educação matemática,
devido a incorporação de idéias culturais na educação matemática.
Entre os matemáticos da dita Matemática Pura, a influência da etnomatemática foi mínima,
o que é compreensível, pois suas posições nada ortodoxas são expressas de modo pouco cartesiano-
formalista, de modo a atrair a atenção dos matemáticos teóricos, ao mesmo ponto em que
apresentam pontos de vista matemáticos inaceitáveis. Entre os pesquisadores da Matemática
Aplicada há, de algum modo, aproximação com os estudos etnomatemática, uma vez que o
processo de modelagem matemática tem em seus passos iniciais a idéia da formulação do problema
pelo educando, em geral a partir de situações geradas em seus contextos sócio-culturais.
A educação multicultural e o programa da etnomatemática
Dentre os vários questionamentos que levam a preservação de identidades nacionais, muitos
se referem ao conceito de conhecimento e às práticas associadas a ele. Talvez o mais importante a
destacar seja a percepção de uma dicotomia entre saber e fazer, que prevalece no mundo chamado
“civilizado” e que é própria dos paradigmas da ciência moderna, como criada por Descartes,
Newton e outros.
A abordagem a distintas formas de conhecer é a essência do programa da etnomatemática.
Na verdade, diferentemente do que sugere o nome, etnomatemática não é apenas o estudo de
“matemáticas das diversas etnias”. Para compor a palavra etno matema tica utilizou-se as raízes
tica, matema e etno para significar que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar,
de entender, de lidar e de conviver (matema) com distintos contextos naturais e socioeconômicos da
realidade (etno).
Reflexões relacionadas à tese de familiaridade são encontradas nas idéias da
etnomatemática. Especialmente Ubiratan D’Ambrosio tem tentado desenvolver a fundamentação
teórica da etnomatemática. Uma força social por trás do programa é encontrada nos erros
educacionais verificados quando da introdução da “matemática moderna” nos países de Terceiro
Mundo. A idéia de uma educação matemática adaptada à situação cultural do país cresceu.
D’Ambrosio caracteriza a situação assim:
Países ocidentais têm ciência, tecnologia e desenvolvimento moderno e o próprio conceito de progresso implícito na sua evolução histórica, já os Países de Terceiro Mundo têm um papel subsidiário nessa evolução, e a transferência tem sido permitida ou estimulada proveniente de potências ocidentais para países de Terceiro Mundo, na medida em que eles [as potências] se beneficiam (...) Toda a justificativa do empreendedorismo colonial e o
discurso aparentemente distinto da independência e do desenvolvimento são parte de um jogo em que as regras têm sido e ainda são ditadas pelo mundo desenvolvido.
Uma observação importante é que o currículo matemático bem estruturado poderia se tornar
uma obstrução para as atividades de aprendizagem. A estrutura do currículo talvez incorpore
aspectos não-democráticos mencionados no argumento pedagógico sobre democratização.
D'Ambrosio (1985) trata essa questão como:
A matemática “aprendida” elimina a assim chamada matemática “espontânea”. Um indivíduo que lida perfeitamente bem com números, operações, formas e noções geométricas, quando enfrenta uma abordagem completamente nova e formal para os mesmos fatos e necessidades, cria uma barreira psicológica, que cresce como uma barreira entre os diferentes modos de pensamento numérico e geométrico.
As idéias principais que orientam o projeto etnomatemática são: 1) é possível identificar
uma competência matemática escondida, mas fundamental, em todos os diferentes ambientes
culturais; essa competência se manifesta de diferentes formas, por exemplo, em habilidades como
as dos artesãos; 2) essa competência matemática escondida poderia se tornar explícita como
etnomatemática; 3) é possível desenvolver uma educação matemática baseada na competência
etnomatemática preestabelecida. Isso é sublinhado por D’Ambrosio (1984) no seguinte:
Temos de aprender a linguagem deles, sua lógica, sua história e sua evolução, sua ciência e sua tecnologia, a fim de estar a par de seus motivos e de suas metas finais (...) Mas, ao mesmo tempo, a matemática nas escolas deverá ser tal que facilite o conhecimento, o entendimento, a incorporação e a compatibilização da prática popular conhecida e corrente dentro do currículo. Em outras palavras, o reconhecimento e a incorporação da etnomatemática dentro do currículo.
A abordagem etnomatemática incorpora a tese de que existe uma transmissão contínua entre
linguagem ordinária e estruturas conceituais da matemática. Mais que isso, essa abordagem enfatiza
que a educação matemática tradicional freqüentemente socializa de maneiras não pressupostas no
planejamento educacional oficial; paredes psicológicas poderiam se estabelecer. Se queremos
desvendar o currículo oculto da educação matemática e evitar que os estudantes assumam uma
atitude servil em relação às questões tecnológicas, uma estratégia educacional poderia ser talvez
desenvolvida por uma abordagem etnomatemática caracterizada pela tese da familiaridade e pela
abertura da situação de ensino-aprendizagem.
Com o surgimento da idéia de valorização do cotidiano como um elemento importante para
o processo de ensino-aprendizagem, muitas pesquisas dedicaram-se a essa questão, o que
contribuiu, de certa forma, para a compreensão da necessidade de não só utilizar esse conhecimento
cotidiano no processo pedagógico, como ainda a necessidade de se desenvolver pesquisas sobre
essa questão. No caso da Educação Matemática, as pesquisas desenvolvidas nesse campo de ensino
contribuíram para mostrar o conhecimento matemático cotidiano como um elemento indispensável
do processo pedagógico.
No entanto, é preciso considerar que, embora seja necessário valorizar o conhecimento
cotidiano no processo pedagógico, verifica-se em algumas pesquisas, uma polarização entre “saber
cotidiano” e “saber escolar”, enfatizando-se de forma unilateral a utilização do saber cotidiano, e
gerando, com isso, o fenômeno da supervalorização do saber cotidiano em detrimento da sua
relação com o saber escolar. Visando caracterizar as diversas relações de elementos pouco ou nada
imediatamente perceptíveis inerentes a esse fenômeno da supervalorização do saber cotidiano,
constatou-se que esse fenômeno se faz presente de forma muito mais enfática em algumas pesquisas
da denominada linha de pesquisa Etnomatemática.
A ação gera conhecimento, isto é, a capacidade de explicar, de lidar, de manejar, de entender
a realidade, gera o mátema. Essa capacidade se transmite e se acumula horizontalmente, no
convívio com outros, contemporâneos, através de comunicações, e verticalmente, de cada indivíduo
para si mesmo (memória) e de cada geração para as próximas gerações (memória histórica). O
processo de gerar conhecimento como ação é enriquecido pelo intercâmbio com outros imersos no
mesmo processo, através do que chamamos comunicação
O conhecimento gerado pela interação comum, resultante da comunicação social, será um
complexo de códigos e símbolos que são organizados, intelectual e socialmente, constituindo aquilo
que se chama de cultura. Cultura é o substrato dos conhecimentos, dos saberes/fazeres, e do
comportamento resultante, compartilhados por um grupo, comunidade ou povo. Cultura é o que vai
permitir a vida em sociedade.
Quando sociedades, e portanto, sistemas culturais, se encontram e se expõem mutuamente,
elas estão sujeitas a uma dinâmica de interação que produz um comportamento intercultural que se
manifesta em grupos de indivíduos, em comunidades, em tribos e nas sociedades como um todo. A
interculturalidade vem se intensificando ao longo da história da humanidade.
Metodologicamente, o programa etnomatemática reconhece que na sua aventura, enquanto
espécie planetária, o homem, bem como as demais espécies que a precederam, têm seu
comportamento alimentado pela aquisição de conhecimento, de fazer e de saber que lhes permitiram
sobreviver e transcender, através de maneiras, de modos, de técnicas, de artes ( ou tica) de explicar,
de conhecer, de entender, de lidar com, de conviver com (mátema) a realidade natural e
sociocultural (etno) na qual ele, homem, está inserido. Ao utilizar, num verdadeiro abuso
etimológico, as raízes “tica”, “matema” e “etno”, deu-se origem à conceituação de etnomatemática.
Em todas as culturas encontramos manifestações relacionadas e mesmo identificadas com o
que hoje se chama matemática (processos de organização, classificação, contagem, medição,
interferência), geralmente, mescladas ou dificilmente distinguíveis de outras formas, hoje
identificadas como arte, religião, música, técnicas, ciências. Em todos os tempos e em todas as
culturas, matemática, artes, religião, música, técnicas, ciências, foram desenvolvidas com a
finalidade de explicar, de conhecer, de aprender, de saber/fazer e de predizer (artes divinatórias) o
futuro. Todas aparecem num primeiro estágio da vida da humanidade e da vida de cada um de nós,
indistinguíveis como formas de conhecimento. Tem havido o reconhecimento da importância das
relações interculturais. Mas lamentavelmente ainda há relutância no reconhecimento das relações
intraculturais na educação. Ainda se insiste em colocar crianças em séries de acordo com a idade,
em oferecer o mesmo currículo numa mesma série, chegando ao absurdo de se proporem currículos
nacionais. E ainda o absurdo ainda maior de se avaliarem grupos de indivíduos com testes
padronizados. Trata-se, efetivamente, de uma tentativa de pasteurizar as novas gerações.
Devemos dizer não à homogeneização biológica e cultural da espécie, mas sim à
convivência harmoniosa dos diferentes, através de uma ética de respeito mútuo, de solidariedade e
de cooperação. Um modelo adequado para se facilitar esse novo estágio na evolução da nossa
espécie é a chamada Educação Multicultural, que vem se impondo nos sistemas educacionais de
todo o mundo.
Sabe-se que no momento há mais de duzentos estados e aproximadamente 6 mil nações
indígenas no mundo, com uma população totalizando entre 10% a 15% da população total do
mundo. Os aportes de especialistas na área têm sido importante para se entender como a educação
pode ser um instrumento de reforço aos mecanismos de exclusão social.
O conceito de conhecimento e as práticas associadas a ele de uma cultura são determinantes
para a identidade nacional e, portanto, o encontro com outras culturas pode levar ao questionamento
da própria identidade de uma nação. Talvez o mais importante a se destacar seja a percepção de uma
dicotomia entre saber e fazer, que prevalece no mundo chamado “civilizado” e que é própria dos
paradigmas da ciência moderna, como criada por Descartes, Newton e outros.Definiu-se, a partir de
nações centrais, conceituações estruturadas e a dicotômicas do saber (conhecimento) e fazer
(habilidades).
É importante lembrar que praticamente todos os países adotaram a Declaração de Nova
Délhi (16 dezembro 1993), que é explícita ao reconhecer que a educação é o instrumento
preeminente da promoção dos valores humanos universais, da qualidade dos recursos humanos e do
respeito pela diversidade cultural, e que os conteúdos e métodos de educação precisam ser
desenvolvidos para servir às necessidades básicas de aprendizagem dos indivíduos e das sociedades,
proporcionando-lhes o poder de enfrentar seus problemas mais urgentes – combate à pobreza,
aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção ao meio ambiente – e
permitindo que assumam seu papel por direito na construção de sociedades democráticas e no
enriquecimento de sua herança cultural.
Nada poderia ser mais explícito nesta declaração que o apelo à subordinação dos conteúdos
programáticos à diversidade cultural. Igualmente, o reconhecimento de uma variedade de estilos de
aprendizagem está implícito no apelo ao desenvolvimento de novas metodologias. Essencialmente,
essas considerações determinam uma enorme flexibilidade tanto na seleção de conteúdos quanto na
metodologia.
A abordagem a distintas formas de conhecer é a essência do Programa de Etnomatemática.
Na verdade, diferentemente do que sugere o nome, Etnomatemática não é apenas o estudo de
“matemática das diversas etnias”. Criou-se essa palavra para significar que há várias maneiras,
técnicas,, habilidades (ticas) de explicar, de entender, de lidar e de conviver com (matema) distintos
contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etnos).
A disciplina denominada matemática é, na verdade, uma Etnomatemática que se originou e
se desenvolveu na Europa mediterrânea, tendo recebido algumas contribuições das civilizações
indiana e islâmica, e que chegou à forma atual nos séculos XVI e XVII, sendo, a partir de então,
levada e imposta a todo o mundo. Hoje, essa matemática adquire um caráter de universalidade,
sobretudo devido ao predomínio da ciência e tecnologia modernas, que foram desenvolvidas a partir
do século XVII na Europa.Essa universalização é um exemplo do processo de globalização que
estamos testemunhando em todas as atividades e áreas de conhecimento.
A matemática tem sido conceituada como a ciência dos números e das formas, das relações e
das medidas, das interferências, e as suas características apontam para precisão, rigor, exatidão. Os
grandes heróis da matemática, isto é, aqueles indivíduos históricamente apontados como
responsáveis pelo avanço e consolidação dessa ciência, são identificadas na Antiguidade grega e
posteriormente, na Idade Moderna, nos papéis centrais da Europa, sobretudo Inglaterra, França,
Itália, Alemanha. Os nomes mais lembrados são Tales, Pitágoras, Euclídes, Descartes, Galileu,
Newton, Leibniz, Hilbert, Einstein, Hawkings. São idéias e homens originários do Norte do
Mediterrâneo.
Portanto, falar dessa matemática em ambientes culturais diversificados, sobretudo em se
tratando de indígenas ou afro-americanos ou outros não-europeus, de trabalhadores oprimidos e de
classes marginalizadas, além de trazer a lembrança do conquistador, do escravista, enfim do
dominador, também se refere a uma forma de conhecimento que foi construído pelo dominador, e
da qual ele se serviu e se serve para exercer seu domínio.
Na verdade, ser racional é identificado com dominar a matemática. A matemática se
apresenta como a linguagem de um deus mais sábio, mais milagroso e mais poderoso que as
divindades das outras tradições culturais. Se isso pudesse ser identificado apenas como parte de um
processo perverso de aculturação, através do qual se elimina a criatividade essencial ao ser humano
(verbo), eu diria que essa escolarização é uma farsa. Mas é pior, pois na farsa, uma vez terminado o
espetáculo, tudo volta ao que era. Enquanto, na educação o real é substituído por uma situação que é
idealizada para satisfazer os objetivos do dominador. Nada volta ao real ao terminar a experiência
educacional. O aluno tem suas raízes culturais, parte de sua identidade, eliminadas no processo.
Essa eliminação produz o excluído.
Uma pergunta natural ocorre depois dessas observações: seria então melhor não ensinar
matemática aos nativos e aos marginalizados? Essa pergunta se aplica a todas as categorias de
saber/fazer próprios da cultura dôo dominador, com relação a todos os povos que mostram uma
identidade cultural. A contextualização é essencial para qualquer programa de educação de
populações nativas e marginais, mas não menos necessárias para as populações dos setores
dominantes se quiserem atingir uma sociedade com equidade e justiça social.
Continuamos a insistir com a falsa assunção que inteligência e racionalidade são sinônimos
de matemática. Acredita-se que esse constructo do pensamento mediterrâneo, levado à sua forma
mais pura, é a essência do ser racional. E, assim, justifica-se o fato que indivíduos, racionais porque
dominam a matemática, tenham tratado, e continuam tratando, a natureza como celeiro inesgotável
para seus desejos e ambições.
Faz sentido, portanto, falarmos de uma “matemática dominante”, que é um instrumento
desenvolvido nos países centrais e, muitas vezes, utilizado como instrumento de dominação. Essa
matemática e os que a dominam se apresentam com postura de superioridade, com o poder de
deslocar, e mesmo eliminar, a “matemática do dia-a-dia”. Naturalmente, embora seja viva e
praticada, a cultura popular é, muitas vezes, ignorada, menosprezada, rejeitada, reprimida e
certamente diminuída. Isto tem como efeito desencorajador, e mesmo eliminar, o povo como
produtor e consumidor de cultura e mesmo como entidade cultural.
Isso não é menos verdade com a matemática. Em particular, na geometria e na aritmética se
notam violentas contradições. Por exemplo, a geometria do povo, dos balões e dos papagaios, é
colorida. A geometria teórica, desde sua origem grega, eliminou a cor. A reaproximação da arte e da
geometria não pode ser alcançada sem o mediador cor. Na aritmética, o atributo do número na
quantificação é essencial. Duas laranjas e dois cavalos são “dois” distintos. Chegar ao “dois” sem
qualificativo, abstrato, assim como a geometria sem cores, talvez sejam o ponto crucial na
passagem para uma matemática teórica. O cuidado com essa passagem e com o trabalhar
adequadamente esse momento talvez sintetizem tudo que há de importante nos programas de
Matemática Elementar. O resto que constituí os programas é um conjunto de técnicas que, pouco a
pouco, vão se tornando desinteressantes e desnecessárias, praticadas mais eficientemente por
máquinas eletrônicas.
A etnomatemática do indígena serve, é eficiente e adequada para muitas coisas – de fato
muito importantes – e não há porque substituí-la. A etnomatemática do branco serve para outras
coisas, igualmente muito importantes, e não há como ignorá-la. Pretender que uma seja mais
eficiente, mais rigorosa, enfim, melhor que a outra é, se removida do contexto, uma questão falsa e
falsificadora.
O domínio de duas etnomatemática, e possivelmente de outras, obviamente oferece maiores
possibilidades de explicações, de entendimentos, de manejo de situações novas, de resolução de
problemas. Mas é exatamente assim que se faz pesquisa matemática – e na verdade pesquisa em
qualquer outro campo do conhecimento. O acesso a um maior número de instrumentos e de técnicas
intelectuais dão, quando devidamente contextualizados, muito maior capacidade de enfrentar
situações e de resolver problemas novos, de modelar adequadamente uma situação real para, com
esses instrumentos, chegar a uma possível solução ou curso de ação.
Para D’Ambrosio o Programa Etnomatemática não se esgota no entender o conhecimento
ou no saber-fazer matemático das culturas periféricas, mas também procura entender o ciclo da
geração, da organização intelectual, da organização social e da difusão desse conhecimento. Além
disso, é parte essencial desse programa uma proposta historiográfica que remete à dinâmica da
evolução desses fazeres e saberes que resultam da exposição mútua de culturas. Ou seja, o
Programa Etnomatemática tem como objetivo entender o ciclo do conhecimento em distintos
ambientes.
O Programa etnomatemática teve sua origem na busca de entender o saber-fazer matemático
de culturas marginalizadas, tendo portanto, óbvias implicações pedagógicas. Nesse sentido,
preocupações como o fracasso escolar e os processos de exclusão produzidos pela escola, via ensino
de Matemática, estão na raiz de sua teorização.
Para a Etnomatemática a Educação Matemática pode ser mais efetiva se forem tirados
exemplos de contextos culturalmente específicos, explorando a relação entre os processos de
pensamento de algum grupo cultural e a Educação Matemática. Nesse sentido, a proposta da
Etnomatemática não significa a rejeição da Matemática formal, mas apenas a coloca como
instrumento de uma compreensão crítica de questões sociais mais amplas. Até porque, para
D’Ambrosio, a disciplina denominada matemática, imposta a todo o mundo, “é, na verdade, uma
Etnomatemática que se originou e se desenvolveu na Europa, tendo recebido importantes
contribuições das civilizações do Oriente e da África. Dessa forma, a Etnomatemática
questiona a visão do ensino de uma Matemática universal, neutra e, portanto, isenta de valores.
Todas essas questões levantadas por uma visão etnomatemática, referentes especialmente à relação
de poder na Educação Matemática e à universalidade desse conhecimento, têm possibilitado, apesar
de ainda modesto, um movimento educacional que busca no trabalho pedagógico a quebra desse
poder e o questionamento dessa universalidade.
Nessa perspectiva citam-se como exemplo os trabalhos de Knijnik nos assentamentos do
MST, em que os processos pedagógicos têm como centro a atividade produtiva e principal da
comunidade, que não é utilizada apenas como fonte de inspiração ou exemplificação, mas, ao
contrário, é considerada como o objetivo central do estudo. E os conhecimentos escolares, em
particular os relativos à Matemática, têm como objetivo principal fornecer elementos para uma
melhor compreensão do processo produtivo. Para a pesquisadora, compreender tal processo de
produção possibilita que de modo mais intenso a escola se enraíze na vida do assentamento, na luta
do movimento social ao qual está vinculado, colaborando, a partir da Educação Matemática, para a
construção da proposta de Educação Popular do Movimento.
Para Knijnik essa proposta pedagógica, para a qual adota o termo Etnomatemática, tem
contribuído significativamente para o desenvolvimento da educação dos grupos socialmente
subordinados do País. Além disso, reconhecer e respeitar os conhecimentos matemáticos de um
povo é a estratégia mais promissora para a Educação Matemática em sociedades subordinadas; no
entanto, tal proposta não significa privar tais indivíduos do conhecimento de Matemática escolar,
eleita pelos currículos.
. Etnomatemática não ignora nem rejeita as diversas formas de conhecimentos, e, além disso,
em um processo educacional procura equiparar esses conhecimentos, não privilegiando um em
detrimento do outro.
Nesse sentido, a perspectiva pedagógica da “etnomatemática é fazer da matemática algo
vivo, lidando com situações reais no tempo e no espaço” e, por meio de uma crítica política
sociocultural, “questionar o aqui e agora”. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e
praticamos dinâmica cultural.
A etnomatemática transformou, de um modo particularmente crítico e valioso, as
expectativas e aspirações em relação à sala de aula de matemática. Diante do papel da
etnomatemática no ambiente escolar, Domite (2003) tem se preocupado em alertar os educadores
quanto à complexidade e a falta de clareza ao tomarmos os princípios da etnomatemática nas
relações de ensino e aprendizagem em sala de aula. Segundo a autora, o professor que orienta seu
trabalho nessa direção deve considerar os conhecimentos primeiros dos educadores, que “se
desenvolvem de modo contextualizados e significativo, para desencadear ou resolver as situações-
problema, de um modo próprio dos alunos, que nascem tanto da discussão em sala de aula como
fora dela”. Assim o professor avança no sentido de identificar o estágio de desenvolvimento de
noções e procedimentos matemáticos e, se possível, de construir uma sistematização. No entanto,
apesar de refletir sobre os possíveis passos que podem desencadear e desenvolver os processos
escolares pela via da etnomatemática, ela destaca as fragilidades e o “faz-de-conta” que podem
ocorrer nesses movimentos. Podemos perceber que o movimento na direção de a etnomatemática
pautar uma prática pedagógica parece ainda estar engatinhando.
UMA PROPOSTA PARA A SALA DE AULA
Partindo do princípio de que o conhecimento matemático adquirido no meio cultural de
cada um, deveria servir de ponte facilitadora para a introdução do conhecimento em sala de aula ,
porém, devido à supervalorização atribuída ao pensamento formal, pelo atual sistema de ensino,
esse conhecimento acaba por não ser trabalhado em sala de aula.Observa-se que são amputados
dessa forma, os valores socioculturais do aluno, criando assim uma relação de desconforto com a
matemática.
Para D' Ambrósio, as aulas de matemática devem ter por base os conhecimentos
matemáticos transportados de fora para dentro da escola. Este conhecimento deve ser desenvolvido
a partir da própria experiência de vida do aluno.
Precisamos respeitar, entender e aceitar a cultura dos alunos, interpretar as realidades
externas em termos matemáticos e associá-las às experiências trazidas pelos educandos para
entendermos o cotidiano de cada indivíduo, buscando investigar sua realidade social para assim,
buscar intervir no processo do ensino aprendizagem
Acreditamos ser fundamental através de diálogos, diagnosticar quais os possíveis fatores
sócio-econômicos que interferem no processo do ensino-aprendizagem e até que ponto há o
comprometimento deste aprendizado.
Através de questões objetivas e individuais, os alunos poderão relatar, com total liberdade de
expressão, o que consideram de relevância para a melhoria da aprendizagem desta disciplina. Tais
questões serão elaboradas enfocando principalmente os problemas sociais de maior relevância, que
encontramos em nossa realidade, já observados por profissionais da área de assistência social,
psicólogos, e pedagogos, bem como: disparidade em relação a distribuição de renda, nível baixo de
escolaridade dos pais ou do próprio aluno, problemas relacionados a fatores psicológicos e de
saúde, problemas relacionados ao transporte escolar, problemas de convivência e desestrutura
familiar, falta de alimentação.
Após ser diagnosticado através de questionário as possíveis interferências sociais que
resultam na dificuldade do ensino-aprendizagem desta disciplina, serão repassados aos docentes e
equipe pedagógica os resultados desta abordagem e, com o estudo de um caderno temático
proporemos redirecionar o trabalho dos docentes com foco nos problemas sociais, buscando
alternativas em conjunto com profissionais de diversas áreas,é claro, com apoio da comunidade,
visando a melhoria do processo, que acreditamos não servir à apenas beneficiar os resultados na
disciplina de matemática, conforme a proposta inicial, mas de todos as áreas do conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos por postura pedagógica etnomatemática, as atitudes e os modos de atuação do
professor de matemática para promover a construção da cidadania juntamente com seus alunos.
Tendo a convicção de que essa jornada possa se concretizar por um lado, pelo respeito e
valorização da cultura dos conhecimentos manifestados em sala de aula pelos educandos, por outro
lado, através de reflexão crítica sobre conteúdos matemáticos, especialmente os veiculados nos
materiais didáticos, visando superar posições ingênuas e, explicar, tanto quanto possível, usos e
influências desse corpo científico e, dessa forma, auxiliar na elaboração e realização de projetos de
vida. Contudo, avançar em ambas as direções não parece ser tarefa simples, que dependa
exclusivamente de esforços isolados por parte do educador. Na realidade trata-se de um processo
coletivo que envolve a comunidade escolar no seu sentido mais amplo.
Desta forma entendemos que os fatores externos são os maiores responsáveis por gerar as
condições necessárias para o aluno aprender e, o professor é quem constrói e reconstrói este
conhecimento a partir desta interação social.
Assim, objetivando investigar quais os principais aspectos e fatores externos que
influenciam no processo do ensino aprendizagem do aluno, na disciplina de matemática,
proporemos mecanismos para uma possível intervenção junto à escola e à comunidade, levando em
consideração que tais fatores ao serem analisados nos servirão de subsídios para o desenvolvimento
dos aspectos que resultarão em proposta para mudanças na aprendizagem, uma vez que teremos
condições de conhecer as dificuldades dos alunos e, desta forma analisar até que ponto as
mesmas podem influenciar o ensino da disciplina de matemática, para então buscar uma possível
intervenção.
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