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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 - … · e fragmentação, uma qualidade para poucos e a metamorfose do direito à 1 O conteúdo básico da análise feita na primeira parte deste

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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PLANO DOCENTE NUMA PERSPECTIVA INTEGRADORA

MARIA ONIDE BALLAN SARDINHA

LONDRINA - PR2009/2010

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDEUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – UEL

AUTORA:MARIA ONIDE BALLAN SARDINHA

PDE- PEDAGOGIANRE-APUCARANA

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª CLAÚDIA CHUEIRE DE OLIVEIRA

LONDRINA2009/2010

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“A função da escola é a construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhes permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política”. (Parecer do CNE 9/2001).

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APRESENTAÇÃO

É com satisfação que apresento este Caderno que visa discutir várias

questões envolvendo o currículo e o plano de ação, do Curso de Formação de

Docentes, dos formadores dos professores que atuarão na educação infantil e

anos iniciais do Ensino Fundamental. Objetiva a continuidade das ações

propostas para o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), parte das

políticas públicas para a educação, do governo do Estado do Paraná em que a

qualidade da escola é uma das grandes metas.

Dentre os diversos materiais pesquisados foi selecionado um conjunto

de textos que aborda questões destacadas para o estudo com o grupo de

professores, que faz parte da instituição de ensino na qual será desenvolvida a

intervenção pedagógica do Projeto de PDE. O “Plano de Trabalho Docente: uma

perspectiva crítica Integradora” será desenvolvido em grupo de estudo,

estratégia adotada visando o levantamento e discussão de questões, voltadas à

realização de um trabalho coletivo sobre a temática que desenvolvi durante as

várias etapas do Programa. A contribuição que pretendo deixar aos professores

objetiva uma melhor compreensão de como ocorre no processo educativo à

desintegração do trabalho docente. Inicio a discussão pelo próprio elemento

didático que deveria ser o elo integrador das disciplinas: o plano de ensino do

professor.

São apresentados textos que destacam a relação trabalho e formação

do trabalhador; o Projeto Político Pedagógico como elemento facilitador do

trabalho integrador das diferentes áreas do conhecimento e alguns dos desafios

educacionais contemporâneos, para o curso profissionalizante em nível médio.

É de conhecimento de todos que, atualmente na gestão escolar em

uma perspectiva mais democrática, o trabalho pedagógico deve ser realizado

coletivamente, incluindo o registro dos documentos legais. No entanto, esse é

um processo que está em construção no contexto escolar. Assim, discutir a

elaboração do plano de ação docente, numa proposta crítica e integradora, nos

cursos de formação de docentes em nível médio, trata-se de um desafio. Tais

cursos possuem um número expressivo de disciplinas divididas em três blocos

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específicos: da base nacional comum e parte diversificada,as da formação

especifica da base profissionalizante e as de prática de ensino, além de

características peculiares do aluno, constituído por adolescentes que buscam

uma formação, ou egressos do ensino médio que pretendem a

profissionalização.

Acreditando na possibilidade de pensar juntos algumas possibilidades

para se alterar a prática de elaboração e execução do planejamento, este

material busca possibilitar a problematização na relação entre integração

curricular e disciplinas escolares, destacando a integração como uma

necessidade que está sendo proposta e justificada pelas mudanças dos

processos de trabalho e de organização do conhecimento no mundo

globalizado.

O material visa dar subsídios teóricos que ampliem a bagagem de

conhecimento dos educadores, direcionando-os a uma discussão sobre o

assunto, buscando “pistas” à sua efetivação mais democrática. Ainda, o

material pretende apontar a necessidade de continuação de estudo sobre a

temática em formulações permanentes de ações que viabilizem o trabalho

pedagógico integrado e de boa qualidade.

Portanto, o Caderno foi elaborado para os professores do curso de

Formação de Docente da Rede Pública Estadual de Ensino, mas também para

aqueles que se interessar em atuar numa perspectiva mais integradora das

disciplinas e dos conteúdos do currículo do curso em questão, comprometidos

com as possibilidades de mudanças na educação diante do mundo e dos

problemas que se apresentam.

A AUTORA

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SUMÁRIO

Texto 1: Cidadania e Formação Técnico Profissional: desafios neste fim de século – Gaudêncio Frigotto..................................................................................7

Texto 2: Projeto Político Pedagógico: Novas trilhas para a escola - Ilma Passos Alencastro Veiga.................................................................................................23.

Texto 3: Planejamento do Trabalho Pedagógico: Algumas Indagações e Tentativas de Respostas - José Cerchi Fusari..................................................... 30

Texto 4: A Construção da Proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar - José Cerchi Fusari.................................................................. 38

Texto 5: O Currículo e o contexto educacional: origens e tendências - Adriana Regina de Jesus Santos...................................................................................... 46

Algumas Considerações ................................................................................60

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TEXTO 1

Cidadania e Formação Técnico Profissional: desafios neste fim de século

Fonte:Disponivel em http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcat.php?cid=0&letter=T&min=150&orderby=titleA&show=10, Acesso: 21 jul 2010.

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FRIGOTTO, Gaudêncio, Cidadania e Formação Técnico Profissional: desafios neste fim de século.Disponível em http://www.a-pagina-da-educacao.pt/arquivo/artigos/aef06.htm Acesso em: 11/06/2010

INTRODUÇÃO

A temática da educação básica e da reestruturação do ensino técnico-profissional está hoje, no Brasil, imersa num intenso embate no plano ético-político, epistemológico e teórico-prático. Nos anos 90 esta temática tem-se constituído num dos eixos predilectos das políticas do Banco Mundial na sua estratégia de adequar os processos educativos dentro de uma perspectiva produtivista, mormente da educação básica e da formação técnico-profissional, ao ideário da globalização e da reestruturação produtiva. As reformas curriculares da Espanha, Chile, Argentina e a que está em processo hoje no Brasil sobre Parâmetros Curriculares Nacionais traduzem, contraditoriamente e por vezes de forma dissimulada no invólucro de teorias psicológicas, sociológicas, etc., o receituário do Banco Mundial no campo educativo. Este, juntamente com os organismos internacionais, regionais e locais a ele vinculados constitui-se no intelectual colectivo (no sentido gramsciano) da nova pedagogia do capital globalizado e dos mecanismos de ajuste à nova ordem mundial. Disputar a direcção ético-político, epistemológica e teórico-prática da estruturação curricular e, mais amplamente dos processos educativos, é uma tarefa crucial para todos aqueles que vêm lutando pela construção de uma sociedade democrática e, consequentemente, de uma materialidade económica, social e cultural para uma cidadania efectiva. O tema que me foi proposto trabalhar é o da cidadania e a formação técnico-profissional. De imediato cabe ressaltar que a compreensão da materialidade efectiva da cidadania e da formação técnico-profissional, como dos processos educativos mais amplos, que se dão a nível da escola ou das relações e práticas sociais, somente pode dar-se adequadamente se referidos à trama das relações e aos embates que se travam no plano estrutural e conjuntural da nossa sociedade neste fim de século.Iniciamos a última década

Prezado professor,

Ao selecionar fragmentos de um texto de Gaudêncio Frigotto pretendi levá-los a refletir a respeito de:

1) Que relação existe entre educação básica e a formação técnico-profissional, sob o foco do ideário da globalização e da reestruturação produtiva? 2) Em que outros sentido se pode pensar a cidadania e a formação técnico-profissional? Quais os antagonismos existentes?

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do século XX marcados por uma espécie de síndrome do fim dentro da qual a ideologia neoliberal consegue, de forma eficaz, metamorfosear ou inverter o sentido histórico de inúmeros conceitos.[...] Como entender e explicar que nunca a humanidade teve em suas mãos tanta capacidade científica e técnica para satisfazer as necessidades humanas e diminuir o tempo de trabalho necessário 2à subsistência, ampliando assim o tempo livre, isto é, tempo de fruição, de gozo, de lazer, de lúdico e, perversamente, chegamos ao fim deste século com dois terços da humanidade excluídos e sem atenderem sequer as mínimas necessidades biológicas e a construção de um tempo torturado e de sofrimento do desemprego aberto e subemprego? Existem hoje no mundo aproximadamente 800 milhões de seres humanos desempregados ou subempregados e uma avassaladora tendência estrutural ao desemprego tecnológico. No Brasil o desemprego aberto oficial está perto de 6% da população economicamente activa e, em São Paulo, 13%. Mas, 40% desta população é subempregada, sem carteira assinada. Tanto os desempregados como os subempregados não têm nenhuma protecção social efectiva do Estado. Aproximadamente 3.500 crianças e jovens trabalham hoje no Brasil em condições de brutal violência e de exclusão à educação, cultura e lazer. Que tipo de práticas educativas de formação técnico-profissional são produzidas nas mais diferentes esferas da sociedade e, em especial, na escola para ajustar a educação aos processos de exclusão sem culpa? E, para aqueles que acreditam que as pessoas vêm em primeiro lugar e não podem ser sacrificadas (HOBSBAWN, 1992), que tipo de projecto de sociedade devemos buscar e construir e que tipo de valores e de conhecimentos devemos desenvolver para uma cidadania efectiva e quais as implicações para os processos de formação e profissionalização? Neste texto discutirei, inicialmente, a natureza da saída que o capital dá à sua crise deste final de século mediante a globalização excludente do mercado e a radicalização da cidadania subordinada e de processos educativos e de formação fragmentários e dualistas. Trata-se de uma cidadania e de processos formativos contidos ou monitorados dentro das estratégias de recomposição das taxas de lucro, não mais a nível nacional, mas a nível planetário1. Recomposição que implica: No plano sócio-económico o ajustamento de nossas sociedades à globalização excludente e, de uma cidadania para poucos. Estamos construindo sociedades onde um terço está incluído no emprego mais estável e no consumo e dois terços excluídos; No plano cultural, ideológico e ético-político a naturalização da exclusão ou a 'exclusão sem culpa ' e a ideia de que não ha outra alternativa possível que não seja a refuncionalização do capitalismo; No âmbito teórico a crise da razão e emergência do pós-modernismo que cristaliza um extremo individualismo narcísico, reifica o localismo, o particularismo, o subjectivismo num processo de mau infinito e de zombaria da história (JAMESON, 1994); e, finalmente, no plano pedagógico a reiteração do dualismo e fragmentação, uma qualidade para poucos e a metamorfose do direito à

1 O conteúdo básico da análise feita na primeira parte deste texto, em boa parte, originalmente foi produzido para uma exposição no simpósio sobre Formação e Profissionalização do Educador face aos Novos Desafios no VIII ENDIPE, em Florianópolis, SC. em 10.05.1996.

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educação e formação técnico-profissional em mercadoria ou serviço que se compra. O segundo ponto de análise é, justamente, o de se pensar quais são os desafios para processos educativos e de formação técnico-profissional, numa perspectiva de construção de relações sociais alternativas - democráticas, solidárias ou socialistas2 e, portanto, de uma cidadania efectiva. Neste item gostaria de sustentar que a formação, técnica e profissional, para uma sociedade que busque construir relações solidárias, democráticas e socialistas não apenas para o futuro, mas no presente, pressupõe o desenvolvimento omnilateral das capacidades humanas em contraposição ao desenvolvimento unilateral e fragmentário hoje reinante.[...]

1.1Da cidadania e formação reguladas pelos 'deuses' à regulação moderna do mercado

Há mais de um século e meio Karl Marx assinalava que a sociedade capitalista era a última forma de organização social classista e que, portanto, era a que demarcava o fim da pré-história humana porque na sociedade de classes o humano se dilacera, se esgarça e se perde. Sob esta pré-história, de forma diversa e por justificativas e mistificações ideológicas diversas, tanto a cidadania quanto a formação humana são reguladas por um poder e forças que incluem minorias e excluem as maiorias. Ha uma cidadania e processos formativos de segunda categoria. Assim é que a justificativa: na sociedade antiga e medieval, para a existência de cidadãos com direitos sociais, económicos, políticos e não-cidadãos - escravos e servos, era atribuída, em última instância, à vontade dos 'deuses', no mundo grego, e ao Deus único da hegemonia cristã da idade média. Sob esta concepção metafísica a cidadania, o cultivo do espírito, a formação intelectual acurada é direito apenas das classes dirigentes. Aos escravos e servos está reservado por predestinação dos deuses o tripalium e para isso devem ser 'educados. A revolução burguesa que é, ao mesmo tempo, um revolucionamento da base material, relações económicas, e a base supraestrutural, emergência da ciência moderna e da ideologia da igualdade, liberdade e fraternidade, efectiva uma ruptura profunda e, sem dúvida positiva em vários aspectos, com a justificativa metafísica teocêntrica da escravidão, do servilismo e formas pré-capitalistas de exclusão. Por não romper, todavia, com a forma classista de relações sociais a revolução burguesa reitera, sob novas formas, a manutenção de uma cidadania e formação para a classe ou classes dominantes detentoras dos meios e instrumentos de produção e de outra cidadania e formação, subordinadas, para a classe trabalhadora que depende da venda de sua força de trabalho. Se de um lado a ciência positivista moderna rompe com a metafísica teocêntrica para explicar a realidade, sob a hegemonia burguesa, a substitui pela metafísica da natureza sem histórica. Os filósofos naturalistas, (Hobbes , Hume , Locke , Adam

2 Um dos aspectos que vale a pena insistir, lembrado por P. Anderson (1995) é de que a esquerda tem que aprender da direita a não transigir no plano ético-político e no plano teórico. A perspectiva concreta da utopia socialista, penso, não obstante a crise do socialismo real, é um destes pontos que não podemos transigir [...]

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Smith, para mencionar os mais importantes) instauram o que Karel Kosik denomina de metafísica da natureza, para justificar as bases do Estado capitalista moderno e explicar as desigualdade, inevitáveis para estes pensadores e para seus actuais adeptos a nível internacional ( F. Hayek, M. Friedman, D. Bell, A. Toffler, etc.) e a nível do Brasil ( Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen, etc.) Trata-se de uma concepção de realidade fundada no pressuposto de uma natureza humana sem história, regulada por forças naturais (razão, vontade, desejo, tendência ao bom, ao útil e agradável), que todos os seres humanos herdariam individualmente e que, portanto, independente das relações sociais, depende de cada um livremente desenvolvê-las. Assim a desigualdade existente não seria explicada por relações sociais de classe, de violência e de exclusão inscritas no modo de produção capitalista, mas pela vontade e comportamento individual. O livre mercado - uma espécie de mão invisível - na expressão de Adam Smith, constitui-se no locus onde vontades livres e supostamente iguais por natureza, oferecem os seus serviços à sociedade e buscam com isto satisfazer as suas necessidades, os seus desejos. [...] Entender e analisar criticamente a natureza da crise da forma capital de relações sociais e o processo de globalização excludente, neste final de século [...]é uma tarefa da Universidade, dos educadores, dos que actuam nos movimentos sociais, sindicatos e dos partidos políticos de esquerda.[...]

1.2 A globalização sob o retrocesso da barbárie do 'livre mercado

[...] Precisamos compreender que o que estamos a presenciar é um retrocesso em relação às saídas que o capitalismo encontrou para a crise de 1929. O que está em crise hoje é justamente a forma de regulação social arquitectada pela teoria Keynesiana de intervenção do Estado na economia e, por tanto, de planificação num contexto em que até então esta era sinónimo de tirania do comunismo.Esta forma de regulação social, embora nem sempre em sentido equivalente, a literatura a denomina de: Estado de bem estar social, Estado previdenciário, regulação fordista ou social democracia,caracteriza-se pela emergência dos Estados-Nação e com eles um intervenção planejada da economia para evitar a fúria da desordem produzida pelo mercado. O Estado para poder efectivamente fazer política económica passou ter controle de áreas estratégicas - petróleo, energia, minérios, telecomunicações - tornando-se ele próprio um produtor e, de outro lado, mediante políticas de impostos progressivos, ampliou o fundo público que Ihe permitia efectivamente estimular determinados sectores com subsidio, garantir as condições gerais de funcionamento da produção capitalista e também dar respostas à crescente organização da classe trabalhadora que reivindicava direitos sociais num contexto de ampliação do bloco socialista. É dentro deste quadro que, após a Segunda Guerra Mundial o capitalismo na sua forma mais avançada, produziu o Estado de bem-estar social3 incorporando, como indica Hobsbawm (1992a), algumas teses do

3 Embora permaneça como Estado da classe dominante a emergência do Estado de bem-estar social explícita, ao mesmo tempo, as contradições do capital e das relações capitalistas e efectivos ganhos da pauto das lutas da classe trabalhadora.

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socialismo. A classe trabalhadora consegue, para além dos direitos políticos, os direitos sociais fundamentais mantidos pelo fundo público. Um dos aspectos centrais das políticas do Estado de bem-estar social que serve, ao mesmo tempo, como base das condições gerais da produção capitalista e como reivindicação dos trabalhadores é a reprodução da força de trabalho na esfera pública. Produz-se a desprivatização ou desmercantilização da reprodução da força de trabalho. Educação, saúde, condições de moradia, lazer, transporte e, mais tarde, seguro desemprego, deixam de dar-se na esfera do mercado e são decididos dominantemente na esfera pública4 A classe trabalhadora também, mediante sua organização, consegue ganhos crescentes de produtividade e um padrão de vida, sem dúvida, mais digno. [...] A crise, situada nesta compreensão, não é algo conjuntural, passageiro, fortuito como apregoam os profetas do fim da história ou os apologistas do fim das classes e da emergência da sociedade do conhecimento e outras profecias como aludimos acima5 mas um elemento constitutivo, estrutural do capitalismo.[...]A rigorosa análise histórica feita por Eric Hobsbawm em Era dos Extremos, o Breve Século XX, 1914-1991 (1995), dá-nos conta de forma extraordinariamente clara do carácter cíclico das crises e das formas de seu enfrentamento neste período. Chegamos ao fim deste século enfrentado o velho dilema do início do mesmo: socialismo ou barbárie. Desgraçadamente, porém, como há mais de um século e meio advertiu K. Marx, a história, quando se repete, primeiro se repete como farsa e depois como tragédia.[...]

1.3 O Ajustamento ao Consenso de Washington: Consequências Económicas, Ético-políticas e Educacionais

A ideia mais trabalhada no plano da ideologia neoliberal, fortemente difundida pelo monopólio do grande poder fascista deste final de século, (Pasolini, 1990) a mídia, particularmente a televisão, é de que não há nenhuma outra alternativa para o mundo a não ser a de ajustar-se à reestruturação produtiva promovida pela globalização excludente. Ajuste em português e concertación em espanhol, passaram a ser expressões do senso comum quotidiano. E qual é a receita ou credo recitados pelos nossos governantes para este ajuste: desregulamentação, descentralização/autonomia e privatização. A desregulamentação significa a supressão máxima possível de leis e restrições que ordenam as relações sociais e o campo dos direitos. Com isto busca-se, fundamentalmente, o fim dos direitos sociais garantidos no contexto do Estado de bem-estar social ou, no caso brasileiro hoje, da constituição de 1989. Isto implica o fim, também, das garantias dos trabalhadores, da estabilidade do emprego e dos ganhos de produtividade. Trata-se de deixar o

4

54 Para uma instigante análise da natureza dos Estado de bem-estar social, sua emergência e sua crise, ver Francisco de Oliveira (1988).

5 Resgatar as análise de Rosa de Luxemburgo é hoje uma tarefa importante. Ver, neste sentido, o livro: A acumulação do capital. Estudo sobre a interpretação económica do imperialismo Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1970.i

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mercado livre para ser o grande regulador das relações sociais. Como consequência postula-se o Estado mínimo, cujo significado concreto não é necessariamente de um Estado pequeno, mas um Estado articulador e financiador da reestruturação produtiva na lógica do ajustamento controlado pelo mercado. É nitidamente nesta lógica que se situa a reforma constitucional em curso hoje no Brasil. A descentralização e autonomia representam um processo complementar à desregulamentação.[...]Nesta reforma inclui-se, também, a delegação de responsabilidades, antes da União, aos Estados da federação e aos municípios. O resultado deste processo é que se acaba reprivatizando ou mercantilizando os direitos sociais garantidos pela esfera pública. Neste contexto, no campo educativo, situa-se a proposta das parcerias com o sector privado, das cooperativas e, no limite, como já acontece no Chile, a oferta das escolas públicas aos professores para trabalharem em regime de comodato. [...] A privatização completa o ciclo da desregulamentação e do ajuste ao mercado globalizado. Mesmo se não levarmos em conta que estas privatizações têm significado, na maioria dos casos, a pura transferência dos fundos públicos para a iniciativa privada, o que está em jogo ao abrir-se mão de sectores estratégicos como da energia eléctrica, do petróleo, telecomunicações e minérios, é a perda de capacidade do Estado de fazer politica económica e social.[...] No plano económico a globalização produz uma concentração de capital e de riqueza sem precedentes e ao mesmo tempo desertos económicos de partes de continentes e dentro das regiões e nações do mundo. O resultado concreto é a desventura para milhões de seres humanos que já não contam como força de trabalho e nem como consumidores.[...] No plano cultural e ético-político a letalidade da ideologia neoliberal apresenta-se de forma cruel. De um lado sedimenta-se a ideia de que não há outra forma de relações sociais possível e desejável que não seja as relações capitalistas. Na concepção do teórico mais importante do neoliberalismo, Fredieric Hayeli (1987), a igualdade leva à servidão e a liberdade do mercado à prosperidade. Face a esta doutrina e ao colapso do socialismo real, a alternativa socialista, argumenta-se, mostrou-se inviável. Insistir nisto é burrice ou puro romantismo. Com esta ideia esvai-se a esperança e a utopia de uma sociedade igualitária e solidária. A lei do mais forte fica reforçada por uma cultura individualista, narcísica, encoberta pela ideia de competência e de produtividade. O passo seguinte e de que o processo de ajustamento à globalização e à reestruturação produtiva por ela comandada é inevitável. Como repete didacticamente nosso actual governo - trata-se de um ajuste duro, mas inevitável se quisermos compartilhar da modernidade, da globalização e da reestruturação produtiva. Neste plano a questão mais séria da ideologia neoliberal é hoje o da naturalização da exclusão e da violência, algo que o liberalismo social combatia. Esta naturalização explicita-se hoje em documentos do Banco Mundial, nas práticas políticas dos governos e penetra no plano institucional no tecido social e cultural. 'O paraíso que o neoliberalismo triunfante oferece ao capitalismo ao mundo todo não é o da exclusão sem represália é o da exclusão sem culpa (Luiz F. Veríssimo, Jornal do Brasil, 02.04.1996). No campo da educação e da formação técnico-profissional, que nos interessa aqui sobremaneira, as consequências do ajuste à globalizacão excludente e sua superestrutura ideológica e da crise ético-política e teórica, dão-se de forma clara em diferentes dimensões. O Banco Mundial constitui-se

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no grande definidor da filosofia, dos valores e das políticas educacionais e das concepções de conhecimento, não só para o Brasil, mas para o conjunto de nações que se devem ajustar ao rolo compressor da globalização.[...]A consequência mais funesta no processo de ajuste é que a educação deixa de ser um direito para, paulatinamente, se transformar num serviço, uma mercadoria.[...]

II Cidadania e formação técnico-profissional: o embate de propostas antagónicas

No longo processo de reconstrução da democracia (relativa) no Brasil, particularmente nos anos 80, no contexto da constituinte e, posteriormente na formulação do projecto de Lei de Directrizes e Bases da Educação Nacional, um dos capítulos, no campo educativo, que se constituiu numa espécie de nó górdio com intensa disputa foi e continua a ser o relativo à formação técnico-profissional. Esta disputa dá-se claramente em dois níveis: o da concepção de formação técnico-profissional e do controlo político e organizativo da mesma. No plano das concepções a disputa dá-se no confronto das perspectivas que Singer (1995) denominada de produtivista em contraposição a uma perspectiva civil democrática.

2.1Concepção e organização do ensino técnico-profissional na perspectiva produtivista

A perspectiva produtivista explicita-se, fundamentalmente hoje pelo ideário da reestruturação produtiva do processo de globalização excludente, sintetizado no primeiro item e da superestrutura ideológica do neoliberalismo que a legitima.6 A educação e o conhecimento, particularmente na formação técnico-profissional, vem subordinadas à lógica unidimensional da produção e do mercado. Disto resultam concepções e práticas dualistas, fragmentárias, separando a formação geral da específica, o técnico do teórico e do político. A cidadania, nesta perspectiva, é uma cidadania regulada pelas leis do mercado e diferenciada pela ideologia do esforço próprio, da motivação individualista. Há o cidadão integrado no trabalho formal, ao consumo e o que se mostrou incompetente para a competitividade. O papel dos processos educativos, mormente a formação técnico-profissional, é de produzir cidadãos não mais para o conflito, a luta pelos seus direitos e pela desalienação do e no trabalho, mas cidadãos 'participativos', não mais trabalhadores, mas colaboradores e adeptos ao consenso passivo e, na expressão de Antunes (1996,p.10), a tornarem-se déspotas de si mesmo. Dentro desta perspectiva produtivista e unidimensional os conceitos de Formação, qualificação ou de competência vêm subordinados à lógica restrita da produção. Assim é que como mostra Desaulniers (1995), a formação refere-se, normalmente, ao processo de escolarização, necessário ao processo de trabalho; qualificação, está afecto a um conjunto de exigências ligadas ao emprego, resultante da formação e da experiência profissional concreta; e, por

6 Para um aprofundamento desta questão ver Gentili (1995); Da Silva, T. T. & Gentili, 1994 e Frigotto, (1995).

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fim, a competência explicita-se pela capacidade de mobilizar conhecimentos, saberes, atitudes, tendo como foco os resultados.[...] O actual anteprojecto de lei que dispõe sobre Educação Profissional e Ensino Técnico concretiza, no plano da legislação, de forma candente, a concepção produtivista de formação e de cidadania para a classe trabalhadora. Ao reiterar as dicotomias teórica e prática, geral e específico, técnico e político e prever, no caso da formação profissional básica, a possibilidade de níveis que não pressupõem o ensino fundamental e, no caso do ensino técnico, possa ser oferecido de forma independente do ensino médio, ignora, ao mesmo tempo, a ampla e densa discussão crítica de mais de duas décadas no horizonte de superação do tecnicismo e situa-se numa direcção inversa das efectivas necessidades da propalada competitividade no contexto das inovações tecnológicas e da reestruturação produtiva.[...] No caso da Rede de Escolas Técnicas Federais, velhos e surrados argumentos constituem-se em alibi fácil para seu desmonte e enquadramento no processo de ajustamento, flexibilização, descentralização, autonomia, cujo significado real (como vimos) é o de privatização. Os argumentos são de que a rede de Escolas Técnicas é cara e quem a frequenta é uma elite. De facto é um ensino caro e abriga, na sua maioria, alunos da combalida classe média. A solução, todavia, não é nem o seu desmonte e desqualificação e nem a sua privatização. No plano pedagógico a ideia matriz é de um cardápio literalmente do tipo fast food. O Projecto posiciona-se, aqui também, na direcção inversa do debate e das experiências que se vêm acumulando especialmente a partir dos anos 80 no sentido de um segundo grau unitário3 que implica a não separação da formação geral da específica, teórica e política da técnica e prática. A construção, mediante as categorias e conceitos básicos das ciências, desta dimensão unitária é imprescindível para preparar mais gerações que rompam com a nossa histórica subserviência científica e torná-las efectivamente aptas para o trabalho sob a nova base científico-técnica e ao exercício efectivo da cidadania. A maioria das Escolas Técnicas não só é coetânea deste debate como tem avançado nas suas mudanças. [...] No plano da gestão e organização, historicamente no Brasil, o ensino profissionalizante a partir dos anos 40 com a criação do SENAI e SENAC, esteve sob o controlo, praticamente único, das organizações patronais e, o ensino técnico industrial, mantido como uma espécie de enclave, com uma gestão autocrática e subordinada, pedagogicamente, ao mercado. Na perspectiva produtivista a indagação básica sempre tem sido: como ajustar o ensino técnico-industrial e agrotécnico e a formação profissional às demandas do ajustamento do mercado à economia quer seja no capitalismo monopolista e dependente quer seja, hoje, do mercado globalizado? A direcção assumida pelo anteprojecto acima aludido encaminha-se na direcção de um ajustamento subordinado o qual reserva para o Brasil o papel de fornecedor de mão-de-obra barata e consumidor das inovações científicas e técnicas. O horizonte a curto prazo, que é de natureza financeira (como gastar menos em formação e educação) e também imediatista. O anteprojecto de lei em pauta, na realidade, efectiva uma senaização das Escolas Técnicas Federais. E dentro desta lógica o SENAI, SENAC, etc., ficariam como estão hoje sob o controlo único

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dos empresários ou passariam a constituir-se empresas de serviços ou, simplesmente, uma unidade de negócios na venda de serviços de formação profissional. [...] A grande ênfase dada à formação técnica e profissional para a empregabilidade e as estratégias massivas de requalificação de desempregados tem uma dupla violência: uma técnico-científica e outra ideológica, sendo a segunda mais perversa. A violência no âmbito técnico-científico fica evidenciada na seguinte questão: Requalificar uma massa de trabalhadores sem escola básica de 1º e 2º graus, em cursos dados durante 60 dias, como assinala uma proposta do SENAI, requalifica para que tipo de emprego numa conjuntura endémica de desemprego estrutural? O mesmo valeria para a proposta. do ensino técnico modular. É sob esta face que opera a violência ideológica. Esta traduz-se no facto perverso que uma vez dado o ensino modular (de segunda categoria) ou feitos os 60 dias de requalificação o Estado (mínimo para os direitos sociais) e, mais amplamente as classes dirigentes cumpriram com seu dever.

2.2 Concepção e organização do ensino técnico-profissional na perspectiva civil democrática

A formação técnico-profissional numa perspectiva contra-hegemónica, à concepção produtivista definida unidimensionalmente pelas demandas do mercado centra-se sobre uma concepção omnilateral de dimensões humanas e técnicas a serem desenvolvidas que envolvem o plano do conhecimento histórico-científico e, igualmente, os planos bio-psíquico, cultural, ético-político, lúdico e estético. Desenvolvimento este que encontra a sua materialidade efectiva, em termos de possibilidades e limites, em instituições específicas e no conjunto de relações e práticas sociais historicamente dadas em sociedades concretas. O mundo do trabalho como tarefa imperativa da produção e reprodução do ser humano enquanto ser biológico, dentro de um determinado avanço (tecnológico) das forças produtivas, e um espaço crucial, mas não único, da materialidade das possibilidades e dos limites da formação humana. O trabalho, enquanto valor de uso, manifestação de vida, neste sentido, é um princípio educativo fundamental a ser socializado desde a infância. Todavia, o trabalho, como valor de troca, sob as relações capitalistas é, para a grande massa de trabalhadores, um tormento e um processo alienador . Por isto o processo de trabalho sob a perspectiva de valor de troca não pode constituir-se no parâmetro de uma educação e formação técnico-profissional democrática e para a cidadania. [...] A educação técnico-profissional para o ideário de uma sociedade de democrática efectiva e viabilizadora de condições de exercício real da cidadania no mundo do trabalho e no amplo plano do conjunto das relações sociais e do desenvolvimento das múltiplas dimensões da vida humana tem, neste fim de século, como pressuposto mínimo a universalização do ensino de segundo grau politécnico (ou tecnológico em sentido dado por Gramsci), unitário, universal e público. Isto significa que tanto do ponto de vista da produção quanto do desenvolvimento humano este patamar constitui-se na mais efectiva formação técnico-profissional. Trata-se de uma formação que, ao mesmo tempo, desenvolva o mais elevado domínio do avanço tecnológico; forneça as bases unitárias das ciências da natureza e das ciências humano-sociais que permitam a cada aluno, não

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apenas dominar o avanço técnico existente como consumidores daquilo que os centros hegemónicos produzem, mas de criar conhecimento novo; e, por fim, o desenvolvimento da capacidade crítica para que cada aluno-cidadão possa discernir o serviço de que e de quem está a tecnologia, a ciência e influenciar para sua democratização. Uma consciência crítica capaz de definir que tipo de tecnologia é humanamente desejável e como compartilhar colectivamente em termos de satisfação do conjunto das necessidades do ser humano a extraordinária potencialidade do avanço tecnológico. Colocada esta perspectiva como prioridade crucial e definidas políticas para garantir o fundo público necessário para que isto se desenvolva na esfera pública, sem o que peca em seu pré-requisito básico, ser uma formação democrática, ou seja, equalitária, pode-se pensar em programas específicos para minimizar a imensa dívida social e ética com várias gerações de trabalhadores, hoje adultos, que não tiveram acesso ao patamar acima indicado. De igual modo, como se pode pensar em programas de formação técnica e profissional específicos e, neste contexto, como democratizar a estrutura existente do SENAI, SENAC, SESI, etc. e criar centros públicos de formação técnico-profissional. Desde meados da década de oitenta, nas discussões da constituinte e, em seguida no longo e reiteradamente negociado projecto de LDB as instituições científicas, educacionais e sindicais que se pautam pela perspectiva democrática sistematicamente têm se feito as seguintes perguntas: O que fazer com o ensino técnico-profissional se o mesmo está, há mais de 50 anos, sob o controlo unilateral de empresários, na sua grande maioria, de mentalidade elitista, oligárquica e escravocrata? Como superar a perspectiva adaptativa e subordinada exclusivamente ao mercado? O que fazer com o sistema de ensino Técnico Industrial e Agrotécnico para avançar na ruptura das gestões autocráticas e tomá-lo menos elitista, romper com seu carácter, também, de subordinação e atrelamento unidimensional ao mercado? Como evitar a tendência de tomar este sistema de ensino um enclave, um sistema à parte e incorporável na perspectiva do sistema unitário de escola básica sem que o mesmo seja jogado na vala comum das precárias condições de trabalho da maioria das escolas públicas de 1º e 2º graus? [...] No plano estratégico da direcção política, no caso da formação profissional, o embate é não para acabar com as instituições como SENAI, SENAC, mas submetê-las a um sistemático controlo democrático. A perspectiva de gestão tripartida, defendida no processo constituinte e na LDB, ainda que complexa, está em pauta. Talvez, como assinalam alguns sindicatos europeus este controlo deva ser ampliado numa perspectiva quadripartida com a participação de instituições científicas e culturais. Neste sentido não é mais possível manter, do ponto de vista financeiro, (os dados acima indicados são eloquentes), pedagógico e ético-político o monopólio da gestão destas instituições na mão única dos empresários. [...] E o que fazer com as inúmeras escolas de formação profissional mantidas por sindicatos de trabalhadores ou escolas mantidas por ONGs, Cooperativas, Bancos ou empresas com ou sem subsídio do Estado? Em relação às escolas regulares de formação técnica-profissional mantidas por sindicatos, um número expressivo hoje no Brasil não podem , face à crise que enfrentam, nem serem abandonadas e nem continuarem a serem mantidas pelas mensalidades dos sindicatos e dos trabalhadores. A luta é para que possam integrar-se no sistema unitário de educação, mantidas financeiramente pelo fundo público e controladas democraticamente através de

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organizações específicas no âmbito da Estado e da sociedade civil. O sindicato é uma destas organizações inequivocamente. Quando se trata de cursos de formação profissional também devem participar dos fundos públicos, com parte dos recursos concedidos hoje à SENAI, SENAC, SESI, SESC, etc. Os cursos e programas de formação profissional mantidos por ONGs ou empresas de comunicação (Rede Globo, por exemplo) também, devem ter controlo por parte do Estado e sociedade civil, nos mesmos moldes das escolas dos sindicatos. Tanto os recursos investidos nestas modalidades de formação técnico-profissional, quanto a perspectiva político-pedagógica não pode ser exclusividade da óptica privatista. A educação e a formação são concessões do Estado e, mais amplamente, da sociedade. Há, por vezes, fabulosos subsídios directos e indirectos implicados . A natureza da formação profissional, como ocorrem em diferentes países europeus, deve ser pauta de negociação. É importante que os trabalhadores, através de suas organizações políticas, sindicais, culturais e científicas, tenham informações e controlo democrático sobre o tipo de formação que se desenvolve na Fundação Bradesco, nos programas da Rede Globo através da Fundação Roberto Marinho. Quem define a filosofia, os conteúdos metodologia destes programas? Qual o custo e de onde provêm os recursos. Quem presta conta a quem. Quantos e quem são atendidos? No sistema de Escolas Técnicas Federais, nas duas últimas décadas tem havido avanços significativos no processo interno de democratização e de gestão e a estruturação de projectos político-pedagógicos que buscam a perspectiva de uma educação unitária. Exactamente quando este processo assumia dimensões mais orgânicas a nível nacional surge o projecto do MEC que se direcciona diametralmente num sentido contrário: da modulação fragmentária, do dualismo e, sobretudo, de um anacrónico reducionismo da formação técnica. Transforma-se estas escolas técnicas num espaço da requalificação reiterando a ideologia de que por este caminho os desempregados terão chances de emprego ou de futura empregabilidade. As resistências ao anteprojecto que desestrutura o ensino técnico reúne interesses diversos misturando elementos de carácter corporativo, particularmente de alguns sectores administrativos e académicos, com os embates genuinamente democráticos na perspectiva da superação da fragmentação e dos dualismos e construcção de uma educação unitária. [...]

3. A título de considerações finais

A análise acima exposta assinala-nos que para situar a educação técnico-profissional numa perspectiva da cidadania, no contexto da globalização e da ideologia que a sustenta construído numa subjectividade colectiva de exclusão sem culpa, há imensos desafios a serem enfrentados concomitantemente no plano ético-político, epistemológico, teórico e da praxis. Estes desafios ampliam-se em sociedades como a brasileira cujos governantes e classes dirigentes têm como projecto político-social, como única alternativa possível, o ajuste neoconservador a globalização excludente. Um dos aspectos mais deprimentes no campo da esquerda, neste fim de século, é a capitulação de inúmeros intelectuais no plano ético político. Não transigir neste plano, como nos lembra P. Anderson (1995), é o primeiro e mais crucial desafio. Formar hoje para uma perspectiva omnilateral, e dentro de uma concepção de que as pessoas vêm em primeiro lugar, pressupõe tornar-se senso

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comum de que as relações capitalistas são incapazes, por natureza intrínseca, de prover minimamente o conjunto de direitos fundamentais a todos os seres humanos, a começar pelo direito à vida digna, à saúde, educação, habitação, emprego ou salário desemprego, lazer, etc. sem o que o humano se atrofie. A forma mediante a qual o capitalismo na sua fase mais avançada de desenvolvimento científico e tecnológico e, portanto de desenvolvimento das forças produtivas, recompõe as suas taxas de lucro, mediante a exclusão dos direitos mínimos de dois terço da humanidade, explicita uma prova empírico-histórica da sua natureza anti-social. Sob o capitalismo não há futuro para milhões de crianças, jovens, adultos e idosos. O recente genocídio de quase uma centena de idosos na Clínica Santa Genoveva, de idosos no Rio de Janeiro, prenuncia, de forma cruel, o agravamento desta realidade. É importante reafirmar que não se trata de negar o avanço científico e tecnológico nem processos de globalização democráticos. Trata-se de entender que o ser humano não se forma, não se produz, não se educa, a não ser limitadamente, dentro de um industrialismo excludente e inorgânico. Em termos gramscianos trata-se de construir um industrialismo de novo tipo, orgânico e cujo objectivo é responder às múltiplas necessidades humanas. Não se pode criar uma escola e processo de formação técnica e profissional de qualidade e democráticos numa sociedade profundamente excludente, desigual e, portanto antidemocrática. (l4) A tarefa precípua é, pois, de afirmar os valores de efectiva igualdade, qualidade para todos, solidariedade e da necessária ampliação da esfera pública democrática em contraposição à liberdade e qualidade para poucos reguladas pelo mercado e das perspectivas do individualismo e do privatismo. Para viabilizar a perspectiva civil democrática de formação técnica e profissional uma questão crucial situa-se no plano epistemológico e teórico. Em trabalho recente de dissertação de mestrado, Renato Saddi (1996), líder sindical do SEPEEN (SP), discute o sindicato como um espaço de formação do educador e, baseado nas lutas e práticas dos professores nas últimas décadas, define uma questão de investigação extremamente instigadora. Tenciona a idéia bastante em voga de que o educador se educa na prática e que, portanto, a formação teórica seria algo secundário ou algo reservado a uns poucos intelectuais que se dedicam à pesquisa. Sustenta, sem descartar a função formativa da prática, que sem uma sólida formação teórica reduz-se a possibilidade do educador de fazer análise histórica para entender a estrutura de relações sociais vigentes hoje e, mais difícil ainda de propor projectos alternativos e definir dentro deles o papel do educador e dos processos de formação humana.. A perspectiva estratégica fica atrofiada e a visão é do activismo político. No plano da construção do conhecimento, poderíamos acrescentar, a perda da perspectiva teórica e epistemológica tende a reduzir a formação e a prática do educador a uma dimensão puramente técnica ou didáctica. Em outros termos, é mediante uma capacitação teórica e epistemológica que o educador, no plano da formação, pode apreender os saberes que o aluno (sujeito que conhece) construiu a partir do senso comum e de suas práticas sociais, lúdicas e culturais amplas e, a partir desta realidade (que nunca é apenas individual, mas é social) organizar e programar técnica e didacticamente os diferentes conteúdos e práticas de ensino não dualistas, não fragmentários, mas unitários.

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Neste plano o grande risco de hoje é de cair-se na armadilha da proliferação das teorias do fragmentário do pós-modernismo 'uma espécie de má reflexividade que morde o próprio rabo sem conseguir enquadrar o círculo' (Jameson: 1994: 37). Como nos evidencia Jameson (1996), numa outra obra, o pós-modernismo acaba explicitando na superfície os mecanismos da lógica cultural do capitalismo excludente do mercado globalizado e acobertando e reificando os processo de alienação. Esta talvez seja mais uma das armadilhas na qual parte da esquerda brasileira, a exemplo também de grande parte da esquerda internacional, esteja incorrendo. O desafio, do ponto de vista teórico e epistemológico, não é novo. Para não irmos longe demais ele tem a idade da génesis e desenvolvimento da ciência moderna. O referencial ontológico, teórico e epistemológico, que compreende de forma mais adequada e radical o processo de conhecimento a partir da historização dos fenómenos , portanto através de um método histórico-dialético, inscreve-se na herança marxista. Esta tradição mostra-nos que no plano histórico-real, parte-todo, univesal-particular, sujeito-objecto objectividade-subjectividade, estrutura-conjuntura, etc., não são separáveis. O conhecimento? nesta perspectiva, será sempre um processo de apreensão 'inter-subjectiva', isto é, de sujeitos, das múltiplas determinações dos factos e fenómenos históricos, cuja maior aproximação do seu movimento concreto está condicionado à mediação crítica de categorias e conceitos teóricos conhecimento existente). Isto porque a compreensão dos factos não se dá por revelação, mas por um processo de trabalho intelectual, isto é, de teorização. Como insiste Jameson (1994 e 1996), a herança ontológica e teórica marxista é por excelência um instrumento mais adequado para entender o funcionamento do capital e desmistificar o seu movimento reiterado em novas formas de alienação e obscurecimento da consciência. Por fim, a organização e a concretização do processo de formação técnico-profissional de novo tipo tem desafios no plano da acção concreta. Há, entre o caminho da crítica às visões produtivistas de formação técnica-profissional e a construção hegemónica de alternativas há uma longa travessia. Os riscos aqui são muitos. De um lado a urgência de acção face a uma realidade embrutecedora do desemprego, de estruturas educacionais excludentes pode levar-nos a acções marcadamente cunhadas pelo ativismo e pragmatismo. Objectivamente poderíamos cair, face às próprias demandas do senso comum das classes populares, a fixarmo-nos nas propostas da requalificação quer nos moldes propostos a nível do ensino técnico de segundo grau, quer em cursos de curta duração. Também pode cair-se em alternativas idealistas e imobilizadoras. A superação destes riscos pode somente dar-se mediante a acção reflectida, ou seja, a praxis.A praxis é a actividade concreta pela qual os sujeitos se afirmam no mundo, modificando a realidade objectiva e, para poderem alterá-la transformando-se a si mesmos. E a acção que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa de reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à acção, que enfrenta o desafio de verificar os seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática . (Konder, 1992:11) [...] Creio que temos no Brasil um acumular de experiências e lutas concretas na nossa história recente no Brasil.[...] Nesse sentido cabe romper com a divisão disciplinar estanque e com as formas individualistas e competitivas de conhecimento e de ensino, que é sem dúvida,um elemento crucial. É também, no plano político-prático, uma forma eficaz de neutralizar as imposições tecnocráticas que reduzem e subordinam o educativo ao mercado e

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ao processo de produção globalizado e excludente. Do ponto de vista dos educadores para esta perspectiva de formação técnica-profissional pressupõe uma competência adquirida em instituições específicas e na própria experiência profissional. Isto, porém, é insuficiente. A qualificação para o educador implica a capacidade para ser dirigente. Esta capacidade é construída, sobretudo, através da participação em organismos colectivos como: sindicatos, movimentos sociais, associações científicas e culturais e partidos portadores de um projecto alternativo de sociedade.[...] Ou seja, um projecto de uma sociedade centrada na solidariedade e igualdade dos seres humanos. Solidariedade e igualdade que somente podem ser garantidas no espaço público. A luta pela ampliação da esfera pública e pelo controlo e manejo democráticos dos fundos públicos, assinalam a direcção do socialismo necessário e possível. “Socialismo significa vida garantida: o direito à educação livre e aos cuidados de saúde, o direito à comunidade e à associação; o direito ao trabalho (questão nada irrelevante perante as condições endêmicas do desemprego pós-moderno) e o direito ao lazer, à cultura e à aposentação” (Jameson, 1994,p.74) No Brasil no fim dos anos 90 e a entrada num novo milénio, sob a égide de um governo federal que optou desgraçadamente por um projecto neoconservador que postula Estado mínimo (o que é funcional ao mercado, ao capital, cuja consequência é a exclusão de maiorias de direitos sociais elementares, a experiência concreta de planeamento e acção participativa, dilatando e controlando democraticamente os fundos públicos, a esfera pública não só explicita concretamente a natureza do trabalho contra-hegemónico em todas as esferas da sociedade como afirma a sua efectiva possibilidade. É nesta afirmação que se dá a efectiva possibilidade de uma formação humana de novo tipo e processos de formação técnico-profissional que concorram para a construção da cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Fonte do texto : Do site português sobre educação: "a página da educação".

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TEXTO 2

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: NOVAS TRILHAS PARA A ESCOLA

Figura adaptada pela autora desse Caderno Temático

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PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: NOVAS TRILHAS PARA A ESCOLA

VEIGA, Ilma Passos Alencastro;FONSECA,Marília(Orgs)As dimensões do Projeto Político Pedagógico:novos desafios para a escola. Campinas: Papirus,2008.p 45 a 66.

INTRODUÇÃO

É oportuna a discussão deste tema por que a questão do projeto político-pedagógico representa um desafio em busca de novas trilhas para a escola. Considerando que o ato de trilhar significa percorrer, palmilhar, abrir novos caminhos ,andar em busca de novos rumos, e que a escola como instituição social compromissada com a educação de crianças ,jovens e adultos ,realiza uma ação intencionalizada , sistemática de acordo com princípios filosóficos ,epistemológicos e pedagógicos, reafirma-se a pertinência da reflexão que ora se propõe . Temos vivenciado ultimamente uma ampliação progressiva dos compromissos da escola, que tem que responder a novos desafios por influencias de fatores e pressões, tanto externos quanto internos. Os externos são fatores de ordem social, econômico-cultural, científica e tecnológica; os internos estão relacionados ao desenvolvimento do conhecimento sobre o processo educativo. Esses fatores em constante interação contribuem para a ampliação das funções da escola ao mesmo tempo em que provocam a busca de processos de intervenção que possibilitam a realização de experiências significativas de aprendizagem por parte do aluno. Nesse ato de trilhar em direção à qualidade do processo educativo, destacamos, de um lado, a importância de refletir sobre as relações mais amplas da escola com as políticas públicas alicerçadas na

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp Acesso em: 20/06/2010

Tendo o Projeto Político Pedagógico como orientador das práticas

educativas em âmbito escolar, esses fragmentos do texto de Veiga

levam-nos a refletir a respeito de:

Como a escola por meio desse elemento da gestão pode palmilhar, abrir

novos caminhos, andar em busca de novos rumos no seu compromisso

da educação, para todos?

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visão estratégica; de outro, buscamos compreender os pressupostos que devem embasar a construção do projeto-pedagógico da instituição educativa na visão emancipatória.

O Projeto político-pedagógico do ponto de vista estratégico-

empresarial

Enveredar pela compreensão do projeto pedagógico como instrumento de políticas públicas alicerçadas no discurso de planejamento estratégico-empresarial implica analisar os principais pressupostos que embasam sua concepção .assim, a construção do Projeto político-pedagógico anda a par com a “reconstituição do campo de poder dentro das escolas ,entendido este enquanto espaço de jogo no interior do qual novos atores lutam pelo poder sobre a nova especialização de funções e a interpretação regulada dos instrumentos de diagnóstico e avaliação “.(Gomes,1996,98).isso significa dizer que as políticas públicas,ao criarem indicadores de desempenho das escolas ,acabam por transformar tais indicadores em referenciais para o diagnóstico prévio e para a avaliação de seus resultados.Assim ,o projeto é concebido como um instrumento de controle,por estar atrelado a uma multiplicidade de mecanismos operacionais ,de técnicas ,de manobras e estratégias que emanam de vários centros de decisões e de diferentes atores. O movimento que busca a qualidade da escola,primeiro sob a égide da Qualidade Total (QT) e depois do Programa Fundoescola/MEC ,propiciou o deslocamento da reflexão ,que é política na sua gênese e na sua essência ,para uma discussão técnica e estéril na sua origem e dotada de pseudoneutralidade na sua essência.Dessa maneira a qualidade,que é uma questão de decisão política, passou a ser considerada como opção sem problemas.Isso por que ela se concretiza por meio de normas modelos e de práticas eficazes definidas em manuais pré –moldados , a fim de “aumentar o desempenho da escola por meio do planejamento eficaz”(Xavier e Sobrinho1999,s/n). É preciso ficar bem claro para a escola que a linguagem técnica e quantitativa tem contribuído para o distanciamento entre os sujeitos (professores, alunos, funcionários, pais) e o objeto do conhecimento. Essa alternativa de gestão do tipo empresarial, centrada no serviço do cliente, em que se funda a concepção do plano de desenvolvimento da escola, mais conhecido por PDE, opera com base em quatro grandes separações de trabalho: o pensamento separado da ação; o estratégico separado do operacional; os pensadores separados dos concretizadores; os estrategistas separados das estratégias. Gomes (1996,), ao anunciar esses pressupostos, afirma que:

[...] o controle remoto que o projeto educativo concede não é o resultado de uma manipulação ou de uma conjuntura da administração ,mas antes o reflexo de uma multiplicidade de mecanismos e de técnicas , de manobras e de tácticas que irradiam de vários centros e de atores distintos .(p.98)

[...] O projeto de escola sustentado por esses pressupostos neotecnicistas valoriza apenas o preenchimento quantitativo de quadros, fichas-resumos do funcionamento e da eficácia da escola, questionários de avaliação

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estratégica e formulários para a apresentação do plano de desenvolvimento da escola, resultando na elaboração do plano de suporte estratégico. Em nenhum momento essas atividades fragmentadas culminaram numa discussão sobre como tornar efetiva a finalidade da educação brasileira explicitada no artigo 2º. Da lei 9.394/96, tendo em vista o pleno desenvolvimento do educando, o preparo para o exercício e a qualificação para o trabalho. Trata-se de uma visão reducionista da escola, que valoriza apenas o burocrático, o cartorial, o bancário, sem nenhuma reflexão mais substantiva a respeito do ideal de sociedade e de homem que se pretende formar. Essa é uma concepção que não pensa globalmente a escola a partir de baixo,numa relação pedagógica ,profissional e social de horizontalidade .É ainda uma concepção que deixa de lodo os princípios norteadores de escola pública e gratuita que estruturam suas ações na intencionalidade sistematizada e organizada .Tais princípios estão explicitados na lei 9.394/96: igualdade de acesso e permanência na escola; qualidade para todas as escolas; gestão democrática; autonomia e liberdade; valorização do magistério; pluralismo de idéias . A orientação geral é bem clara: fortalecer a autonomia da escola de acordo com o artigo 15 da lei 9.394/96. Nesse sentido, o planejamento estratégico reduz as possibilidades de autonomia da escola ao ampliar e fortalecer os mecanismos de regulação, controle e avaliação dessa escola. A concepção de autonomia está fundada em propósitos homogeneizadores, definidos pelos diferentes líderes da tecnoestrutura. A construção da gestão democrática não passa pela garantia da participação de todos os segmentos nas decisões e nos encaminhamentos necessários à consecução das finalidades do projeto político-pedagógico, de acordo com o artigo 14, incisos I e II da LDB 9.394/96. Fica evidente que o planejamento estratégico fere a própria LDB quanto aos princípios definidores da gestão democrática do ensino público,ratificados pelo inciso VI do artigo 206 da Constituição Federal. Outro eixo norteador de suma importância que o planejamento estratégico não explicita é o conhecimento escolar. A LDB 9.394/96, em seu artigo 26, trata da questão do currículo dos ensinos fundamental e médio. É, portanto, necessário que o aluno domine os conhecimentos curriculares previstos no artigo citado. Nesse sentido, a proposta para aumentar o desempenho da escola deixa de lado o eixo da função epistemológica do projeto pedagógico da instituição educativa.[...] Nas entrelinhas da proposta é possível identifica que o currículo homogêneo é uma estratégia para a padronização da escola que acaba por fortalecer a consolidação da exclusão. O conhecimento é visto como produto pronto e acabado, sucateado e fragilizado, podendo ser transmitido e armazenado pela repetição e memorização. [...] [...] A organização do processo de trabalho preconizada pelo plano de desenvolvimento da escola é segmentada e fragmentada; os professores trabalham isoladamente, dicotomizando as relações teoria-prática, ensino-aprendizagem, ensino-avaliação, professor-aluno, conteúdo-forma. Isso dificulta e até mesmo impossibilita a compreensão do processo de trabalho, inibindo a capacidade de estabelecer relações, de analisar a própria prática, de elaborar sínteses, produzindo consequentemente, um conhecimento distante da realidade, preparando indivíduos com dificuldades para uma leitura contextualizada do mundo que os rodeia. [...] O projeto político-pedagógico não se resume ao plano de desenvolvimento da escola. Esse último cumpre apenas o lado formal e técnico

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do projeto. O que é político-pedagógico na sua origem e essência fica relegado a segundo plano, como se não existisse.

[...] O projeto político-pedagógico do ponto de vista emancipador

Superar a visão conservadora e extrapolar o centralismo burocrático pressupõe o envolvimento de diferentes instâncias que atuam no campo da educação, além do coletivo da escola, na construção do seu projeto político-pedagógico, exprimindo sua intencionalidade pedagógica, cultural, profissional e construindo um modelo de gestão que podemos entender como democrático. ”Aspirar a uma gestão democrática significa partir do princípio de que uma organização como a escola é feita de múltiplas relações entre a estrutura formal e os sujeitos que a produzem e vivenciam em seu cotidiano” (SEC/Bahia 1999, p.6). [...] Para que a escola possa exercer suas incumbências definidas pela legislação, ela deverá ser estatal quanto ao funcionamento, democrática quanto à gestão e pública quanto à destinação. O grande desafio da escola está em garantir um padrão de qualidade técnica e política para todos e que não apenas respeite a diversidade local, social e cultural, mas entenda que o aluno é o sujeito concreto, real, histórico, social e ético do processo educativo. Para a construção do projeto político-pedagógico, devemos ter claro o que se quer fazer e por que vamos fazê-lo. Assim, o projeto não se constitui na simples produção de um documento, mas na construção de um processo de ação-reflexão-ação que exige o esforço conjunto e a vontade política do coletivo escolar. Em termos teóricos, configuramos quatro pressupostos: unicidade da teoria e da prática; ação consciente e organizada da escola; participação efetiva; articulação da escola, da família e da comunidade. [...] O projeto político-pedagógico concebido como práxis não vê a prática num sentido puramente utilitário, esvaziada dos ingredientes teóricos. A prática é vista como ponto de partida para a produção de novos conhecimentos. Por outro lado, a teoria isoladamente não gera transformações, não produz realidades inovadoras, porque ela se concretiza por meio de práticas que a consubstancia. [...] Pensar o projeto político-pedagógico de uma escola é pensar a escola no conjunto e a sua função social. Se essa reflexão a respeito da escola for realizada de forma participativa por todas as pessoas nela envolvidas, certamente possibilitará a construção de um projeto de escola consistente e possível. [...] Sendo assim, o projeto da escola é ação consciente e organizada porque é planejada tendo em vista o futuro. Projetar é lançar-se para o futuro. É um instrumento que visa orientar os desafios do futuro. O futuro não está dado, não é algo pronto. É preciso entender que o projeto é caracterizado como uma ação consciente e organizada, ou, como aponta Vale (1999,p.71)”é preciso ter em mente que o projeto, ao questionar o presente, insatisfeito com a situação existente, torna-se referencial crítico , questionamento do contexto existente, avaliação do status quo”. Desse modo, o projeto deve orientar-se para a capacidade de olhar as práticas e suas 2conseqüências e pela redução dos mecanismos de regulação convergentes que sempre dominaram as escolas. Compreendemos que o envolvimento de todos na construção do projeto, ao desencadear uma reflexão coletiva, promove a adoção de uma prática educativa, na medida em que reflete individual e coletivamente sobre

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ela. A instituição educativa é, nessa perspectiva, um espaço de ensinar e aprender. Mas o que deve ensinar? O que o aluno deve aprender? Para responder a essas indagações é preciso considerar a seleção cultural feita pelo currículo escolar. Por que a escola ensina determinados conteúdos e não outros? Por que alguns conhecimentos são mais relevantes e outros são deixados de lado? As investigações e os estudos críticos do currículo têm indicado que a seleção cultural, aquilo que se delimita como legítimo e válido a ser ensinado nas escolas e aprendido pelos alunos, sofre influências políticas, econômicas, sociais e culturais. Por isso, a seleção do conhecimento escolar não é um ato neutro, desinteressado e descontextualizado. O currículo é resultado de conflitos e contradições, porque é culturalmente determinado, historicamente situado e não pode ser desvinculado da totalidade social. O currículo escolar proposto pelo artigo 26 da lei 9.394/96 está estruturado em disciplinas ou componentes curriculares, segundo uma lógica conservadora que induz a transmissão de um conteúdo fragmentado ao aluno. Entendemos que devemos romper com essa lógica conservadora, trabalhando o currículo de forma integrada e interdisciplinar, a fim de reduzir o isolamento e a fragmentação /nesse sentido, compete aos professores discutirem os fatores que condicionam a seleção e a organização dos conteúdos curriculares. A escola não apenas reproduz conhecimento, mas também deve ser vista como instância de produção de saberes. [...] [...] Toda e qualquer organização que pretenda implantar e desenvolver prática de natureza participativa deve ter por base o exercício do diálogo. Uma das dificuldades para o desenvolvimento de formas políticas de participação e diálogo é a existência da cultura autoritária no interior das organizações fragilizadas. Gutierrez e Catani (1998,p.74) afirmam que:

[...] o diálogo só pode ser verdadeiro e frutífero a partir de um esforço de aproximação onde todos tentem perceber e conhecer o outro em seu próprio contexto e a partir de sua historia constitutiva. Ou seja, ver o outro tal qual ele mesmo se vê, e não apenas como eu o vejo a partir de minha especificidade.

Isso significa reafirmar que é necessário praticar constantemente oi exercício da participação em todas as suas dimensões: administrativa, financeira e pedagógica, mantendo o diálogo com todos os envolvidos e não apenas com os que pensam e agem como nós. Nesse sentido é preciso: a) refletir sobre as funções da escola, por meio da problematização da relação complexa entre sociedade e escola; b) romper com a atual organização de trabalho no interior da escola; c) criar e consolidar novos mecanismos de democratização; d) problematizar as formas participativas; e) definir critérios e mecanismos de avaliação do projeto político-pedagógico, envolvendo a avaliação discente, docente e institucional, por meio de parâmetros de qualidade. A articulação escola–família–comunidade é o quarto pressuposto da proposta. Esse pressuposto representa um grande desafio, pois a tendência é que as escolas, no decorrer da construção do projeto político-pedagógico, excluam a participação dos pais e da comunidade e trabalhem apenas com os demais segmentos que a compõem. Essa articulação passa por uma mudança cultural, pois o envolvimento de todos os segmentos da escola, inclusive das famílias dos alunos, enriquecerá ainda mais o projeto. Na verdade, o inciso VI do artigo 13 da lei 9.394/96

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estimula o poder público a criar mecanismos para operacionalizar o artigo 205 da Constituição Federal, que define a educação como direito de todos e dever do Estado e da família.[...] [...] A conjugação destas três instâncias –escola, família e comunidade- poderá representar um avanço, um diálogo mais consistente entre as principais forças sociais comprometidas com a democratização da escola pública. Portanto o projeto pedagógico da escola, ao se identificar com a comunidade local, busca alternativas que imprimam dimensão política e social à ação pedagógica. Articular não só a comunidade escolar em torno do projeto político-pedagógico mas manter o elo com a comunidade ,articulando–se às propostas comunitárias ,fortalecendo a práxis. Construir o projeto político pedagógico na concepção emancipatória da educação significa trilhar novos caminhos com coragem, consciência crítica e muita esperança de uma escola melhor para todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAHIA, SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Construindo a Escola Terra Bahia: Proposta de educação básica. Salvador, 1999.BUCHALLA, Anna Paula. ”Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica. Veja ano 34.n. 27, julho de 2001, PP.66-70.CHERVEL, A. A história das disciplinas escolares: Reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação. n. 2. Porto Alegre, 1990.CNTE, Boletim Informativo, 25 de maio de 2001. [Disponível em CONTRERAS, J. ”Currículo democrático e autonomia do magistério”. In SILVA, L.H.(Org).Século XXI: Qual conhecimento ? Qual currículo? Petrópolis:Vozes.1999.GOMES, Rui. Teses para uma agenda de estudo da escola. In BARROSO, João (org). O estudo da escola. Porto: Editora Porto, 1996.GUTIERREZ, G.H e CATANI, A.M. Participação e gestão escolar: conceitos e potencialidades. In: FERREIRA, N.S.C. (Org.) Gestão democrática da educação: Atuais tendências, novos desafios. SP: Cortez, 1998.OLIVEIRA, M. AM. Escola ou empresa? Petrópolis: Vozes, 1998.

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TEXTO 3

Planejamento do Trabalho Pedagógico: Algumas Indagações e Tentativas de

Respostas

Fonte- produção da autora desse caderno temático

PLANEJAMENTO

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Planejamento do Trabalho Pedagógico: Algumas Indagações e Tentativas de Respostas

José Cerchi Fusari4 (1998)

"Tem de todas as coisas. Vivendo, se aprende; mais o que se aprende, mais é só a fazer outras maiores perguntas."(Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)

O contato direto com professores tem revelado um certo grau de insatisfação destes em relação ao trabalho de planejamento. O que se ouve, com certa freqüência, são falas do tipo: "Eu acho importante planejamento, mas não da forma como vem sendo realizado"; "Eu acho que dá para trabalhar sem planejamento"; "Do jeito que as coisas estão, impossível planejar o meu trabalho docente; vivo de constantes improvisações'; "Eu não acredito nos planejamentos tecnicistas que a Rede vem elaborando mecanicamente e que nada têm a ver com a sala de aula"; "Eu sempre transcrevo o planejamento do ano anterior, acrescento algo quando dá, entrego e pronto. Cumpri a minha obrigação". Diante desta realidade, uma questão necessita ser colocada: por que os professores percebem e apresentam estas atitudes diante do planejamento do trabalho pedagógico? Mais: isto não seria uma ponta do problema? Como superá-lo? Este texto, concebido sob a forma de indagações e tentativas de respostas, faz parte do esforço de buscar aclarar um pouco o nó da questão e estimular a recuperação do planejamento na prática social docente, como algo importante para a conquista da democratização do Ensino Público. As indagações selecionadas e as tentativas de respostas pretendem incitar os docentes a refletirem sobre a problemática da Educação Escolar Pública como um todo e, em especial, sobre os problemas e desafios do planejamento do ensino. As respostas apresentadas não esgotam as questões, devendo gerar outras tantas e, assim, de pergunta em pergunta, teceremos nossa competência técnico-política como superação para os problemas básicos que afetam as nossas escolas: a evasão, a retenção e a má qualidade do ensino.

4 Professor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo e da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

O texto de Fusari nos remete a pensar sobre a possibilidade de superar os entraves colocados pelo tradicional formulário de elaboração do planejamento de ensino, como uma tarefa burocrática e sem significação e encontrar outras formas de lidar com esse elemento do processo educacional repensando todo o ensino, buscando um significado transformador para os elementos curriculares básicos.

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Qual é o Sentido Atual Para o Conceito de Planejamento do Ensino?

Na medida em que se concebe o planejamento como um meio para facilitar e viabilizar a democratização do ensino, o seu conceito necessita ser revisto, reconsiderado e redirecionado. Na prática docente atual, o planejamento tem-se reduzido à atividade em que o professor preenche e entrega à secretaria da escola um formulário. Este é previamente padronizado e diagramado em colunas, onde o docente redige os seus "objetivos gerais", "objetivos específicos' "conteúdos", "estratégias" e "avaliação". Em muitos casos, os professores copiam ou fazem fotocópias do plano do ano anterior e o entregam à secretaria da escola, com a sensação de mais uma atividade burocrática cumprida. É preciso esclarecer que planejamento não é isto. Ele deve ser concebido, assumido e vivenciado no cotidiano da prática social docente, como um processo. Segundo Saviani (1987, p. 23), "a palavra reflexão vem do verbo latino 'reflectire' que significa 'voltar atrás'. É, pois um (re) pensar, ou seja, um pensamento em segundo grau. [...] Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. E é isto o filosofar”. Entretanto, não é qualquer tipo de reflexão que se pretende e sim algo articulado, crítico e rigoroso. Ainda segundo Saviani (1987, p. 24), para que a reflexão seja considerada filosófica, ela tem de preencher três requisitos básicos, ou seja, ser:• "radical" - o que significa buscar a raiz do problema;• "rigorosa" - na medida em que faz uso do método científico;• "de conjunto" - pois exige visão da totalidade na qual o fenômeno aparece. Pode-se, pois, afirmar que o planejamento do ensino é o processo de pensar, de forma "radical", "rigorosa" e "de conjunto", os problemas da educação escolar, no processo ensino-aprendizagem. Conseqüentemente é algo muito mais amplo e abrange a elaboração, execução e avaliação de planos de ensino. [...] é, acima de tudo, uma atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente.

Planejamento e Plano de Ensino Podem Ser Tomados Como Sinônimos?

Apesar de os educadores em geral utilizarem, no cotidiano do trabalho, os termos "planejamento" e "plano" como sinônimos, estes não o são. É preciso, portanto, explicitar as diferenças entre os dois conceitos, bem como a íntima relação entre eles. Enquanto o planejamento do ensino é o processo que envolve "a atuação concreta dos educadores no cotidiano do seu trabalho pedagógico, envolvendo todas as suas ações e situações, o tempo todo, envolvendo a permanente interação entre os educadores e entre os próprios educandos" (FUSARI, 1989, p. 10), o plano de ensino é um momento de documentação do processo educacional escolar como um todo. Plano de ensino é, pois, um documento elaborado pelo(s) docente(s), contendo a(s) sua(s) proposta(s) de trabalho, numa área e/ou disciplina específica. O plano de ensino deve ser percebido como um instrumento orientador do trabalho docente, tendo-se a certeza e a clareza de que a competência

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pedagógico-política do educador escolar deve ser mais abrangente do que aquilo que está registrado no seu plano. A ação consciente, competente e crítica do educador é que transforma a realidade, a partir das reflexões vivenciadas no planejamento e, conseqüentemente, do que foi proposto no plano de ensino. [...]

Como Formalizar o Plano de Ensino?

É preciso assumir que é possível e desejável superar os entraves colocados pelo tradicional formulário, previamente traçado, fotocopiado ou impresso, onde são delimitados centímetros quadrados para os "objetivos, conteúdos, estratégias e avaliação". A escola pode e deve encontrar outras formas de lidar com o planejamento do ensino e com seus desdobramentos [...]. É importante desencadear um processo de repensar todo o ensino, buscando um significado transformador para os elementos curriculares básicos:• objetivos da educação escolar (para que ensinar e aprender?);• conteúdos (o que ensinar e aprender?);• métodos (como e com o que ensinar e aprender?);• tempo e espaço da educação escolar (quando e onde ensinar e aprender?);• avaliação (corno e o que foi efetivamente ensinado e aprendido?). O fundamental não é decidir se o plano será redigido no formulário x ou y, mas assumir que a ação pedagógica necessita de um mínimo de preparo, mesmo tendo o livro didático como um dos instrumentos comunicacionais no trabalho escolar em sala de aula. [...] Sugiro que os docentes discutam a questão da "forma" e do "Conteúdo" no processo de planejamento e elaboração de planos de ensino, buscando alternativas para superar as dicotomias entre fazer e pensar, teoria e prática, tão presentes no cotidiano do trabalho dos nossos professores. Vale a pena enfrentar este desafio e pensar a respeito!

A Elaboração de Planos de Ensino, da Forma Como Está Sendo Praticada,Elimina o Trabalho de Preparo das Aulas?

Não. O preparo das aulas é uma das atividades mais importantes do trabalho do profissional de educação escolar. Nada substitui a tarefa de preparação da aula em si. Cada aula é um encontro curricular, no qual, nó a nó, vai-se tecendo a rede do currículo escolar proposto para determinada faixa etária, modalidade ou grau de ensino.[...] faz parte da competência teórica do professor, e dos seus compromissos com a democratização do ensino, a tarefa cotidiana de preparar suas aulas, o que implica ter claro, também, quem é seu aluno, o que pretende com o conteúdo, como inicia rotineiramente suas aulas, como as conduz e se existe a preocupação com uma síntese final do dia [...] ou minutos vivenciados durante a hora-aula [...] que é uma síntese curricular que concretiza, efetiva, constrói o processo de ensinar e aprender. O aluno precisa ir percebendo, sentindo e compreendendo cada aula como um processo vivido por ele para que, na especificidade da educação escolar, avance, como diz Saviani (1987), do "senso comum" à "consciência filosófica".

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A aula [...] o educador faz a mediação competente e critica entre os alunos e os conteúdos do ensino, sempre procurando direcionar a ação docente para: estimular os alunos via trabalho curricular, ao desenvolvimento da percepção crítica da realidade e de seus problemas; [...] ao desenvolvimento de atitudes de tomada de posição ante os problemas da sociedade; valorizar nos alunos atitudes que indicam tendência a ações que propiciam a superação dos problemas objetivos da sociedade brasileira.

Como o Livro Didático Pode Auxiliar no Preparo e Desenvolvimento do Trabalho em Sala de Aula?

Um ponto que necessita ficar bastante claro é que o livro didático é um dos meios de comunicação no processo de ensinar e aprender. Como tal, ele faz parte do método e da metodologia de trabalho do professor, os quais, por sua vez, estão ligados ao conteúdo que está sendo trabalhado, tendo em vista o atingimento de determinados objetivos educacionais. [...] O livro didático é apenas um dos instrumentos comunicacionais do professor no processo de educação escolar [...]

Quais aspectos necessitam ser considerados para uma compreensão mais ampla da influência do tecnicismo no planejamento do ensino?

Inicialmente, é preciso esclarecer o sentido do termo tecnicismo e a conotação negativa que vem sendo associada a ele. Uma das origens da influência tecnicista no planejamento de ensino pode ser localizada no início dos anos 70, em São Paulo, quando a Secretaria de Estado da Educação iniciou um processo de treinamento de professores, com o apoio da equipe técnica do então Grupo Escolar Ginásio Experimental "Dr. Edmundo de Carvalho", conhecido como "Experimental da Lapa.Neste processo de treinamento de professores, dentre outros temas, o planejamento do ensino foi selecionado e trabalhado junto aos docentes da Rede Estadual de Ensino como um todo. Naquele momento, o Golpe Militar de 1964 já implantava a repressão, impedindo rapidamente que um trabalho mais crítico e reflexivo, no qual as relações entre educação e sociedade pudessem ser problematizadas, fosse vivenciado pelos educadores, criando, assim, um "terreno" propício para o avanço daquela que foi denominada "tendência tecnicista" da educação escolar.Desta forma, o que era permitido, incentivado e não oferecia nenhum perigo ao "regime" referia-se às discussões dos problemas internos da escola, analisados pela ótica das técnicas e recursos de ensino e aprendizagem.[...] [...] A Divisão de Assistência Pedagógica - DAP, órgão então recém-criado na Coordenadoria do Ensino Básico e Normal, iniciou um programa de treinamento de professores em "planejamento de currículo". [...] tendo como fundamentação teórica básica o behaviorismo americano, os professores foram iniciados na técnica de elaborar planejamento, desenvolvendo habilidades especificas na "operacionalização de objetivos", "seleção dos conteúdos coerentes com os objetivos propostos", "seleção de estratégias de ensino coerentes com os objetivos e conteúdos propostos" e, finalmente, na organização da "avaliação dos objetivos educacionais propostos" [...] O trabalho de treinamento de professores na teoria do planejamento envolvia a "fase prática de resposta', na qual os docentes exercitavam a elaboração dos seus planos de ensino; para facilitar e padronizar os planos, foi

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apresentado um formulário, diagramado em colunas, onde, então, em cada uma delas, os professores deveriam apresentar os seus "objetivos gerais e instrucionais", "conteúdos", "estratégias" e "avaliação. [...]

Como Elaborar Planos de Ensino Que Superem a "Tendência Tecnicista" Que Tanto Afeta o Processo do Planejamento do Ensino?

Três aspectos necessitam ser considerados quando se fala em transformação da realidade do planejamento do ensino nas escolas:• Transformações nas condições objetivas de trabalho do professor na escola, garantindo espaços nos quais os docentes possam-se reunir e discutir o próprio trabalho, problematizando-o, como um meio para o seu próprio aperfeiçoamento. É praticamente impossível falar em processo de planejamento para docentes que permanecem 40 horas dentro da sala de aula. E isto é uma conquista que a categoria dos profissionais da Educação deve conseguir do Estado, garantindo, é claro, que as "horas-atividades" sejam cumpridas na escola, nas quais as reuniões, discussões e ações de capacitação deverão ocorrer, numa articulação interessante com a prática social pedagógica cotidiana dos docentes.• Transformações sérias nos cursos que formam educadores - Magistério, Pedagogia e Licenciaturas -, procurando garantir uma formação profissional competente e crítica, na qual conhecimentos sejam trabalhados de forma articulada e coerente, visando formar um educador comprometido com a democratização da escola e da sociedade brasileira.• A categoria dos profissionais da Educação deve conquistar e propor uma política para a formação dos educadores em serviço, de acordo com as necessidades da prática docente, como um processo efetivo de permanente aperfeiçoamento profissional. Concomitantemente ao processo de conquista de transformações nas condições de trabalho, formação do educador e capacitação do educador em serviço, alguns pontos podem ser sugeridos para o aperfeiçoamento do trabalho por meio de planos de ensino. Elaborar, executar e avaliar planos de ensino exige que o professor tenha clareza (crítica): da função da educação escolar na sociedade brasileira; da função político-pedagógica dos educadores escolares (diretor, professores, funcionários, conselho de escola.); dos objetivos gerais da educação escolar (em termos de país, estado, município, escola, áreas de estudo e disciplinas), efetivamente comprometida com a formação da cidadania do homem brasileiro; do valor dos conteúdos como meios para a formação do cidadão consciente, competente e crítico; das articulações entre conteúdos, métodos, técnicas e meios de comunicação; e da avaliação no ensino-aprendizagem. Em suma, a elaboração (coletiva/individual) dos planos de ensino depende da visão de mundo que temos e do mundo que queremos, da sociedade brasileira que temos e daquela que queremos, da escola que temos e daquela que queremos.

Como Vivenciar o Processo de Planejamento, Incluindo o Trabalho Com Planos de Ensino, de Acordo Com as Necessidades de Um Bom Trabalho Pedagógico?

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Em primeiro lugar, é preciso que o grupo de educadores da escola sinta e assuma a necessidade de transformar a realidade da escola-sociedade e conceba o planejamento como um dos meios a serem utilizados para efetivar esta transformação. [,,,] a tarefa de preparar (pensar e redigir), vivenciar, acompanhar e avaliar planos de ensino são ações e reflexões que devem ser vivenciadas pelo grupo de professores e não apenas por alguns deles. Um segundo aspecto refere-se à necessidade de o grupo de educadores ter uma clara percepção dos problemas básicos da sua escola, curso, disciplina e, principalmente, das suas aulas. Os problemas devem ser identificados, caracterizados, tendo em vista a sua superação. [...] A caracterização do problema é fundamental para a tomada de decisão sobre qual a melhor maneira de superá-lo. E a teoria é um recurso muito importante neste processo. Ela, nessa perspectiva, funciona como uma espécie de "lupa", através da qual a realidade é analisada e a própria teoria, questionada. Portanto, diante de manifestações de problemas escolares como evasão, retenção, indisciplina, desinteresse, faltas, atrasos e tantos outros, os educadores necessitam identificar suas causas, tendo em vista a sua superação. O conhecimento e a análise crítica do contexto no qual os problemas se manifestam são muito importantes para identificar suas causas, que poderão ser encontradas no interior da própria escola, na estrutura da sociedade e na interação entre a escola e o contexto social global. É bastante comum os educadores escolares apresentarem propostas para superar uma situação-problema, pautados apenas em sua manifestação, sem a devida clareza de quais são as suas origens. Este engano termina por frustrá-los, pois eles selecionaram e aplicaram o "remédio" sem o diagnóstico correto da doença, causando, assim, profundos e irreversíveis danos ao "doente" - no caso, o aluno. O processo de planejamento, bem como seus desdobramentos em elaborar, vivenciar, acompanhar e avaliar planos, é o próprio espaço da prática pedagógica do educador.

Conclusões

As respostas às indagações podem ainda servir de pretexto para maior aprofundamento, na medida em que o objetivo não foi o de esgotar as respostas - muito menos transformar cada uma delas num pequeno texto, apesar da vontade. A bibliografia apresentada no final do trabalho poderá auxiliar no levantamento de novas questões e servir para o aprofundamento de algumas respostas A prática social docente dos profissionais da Educação certamente questionará suas indagações e suas respostas provisórias, estimulando, assim, uma análise crítica do texto e da própria prática pedagógica dos educadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, F.W. Planejamento; sim e não. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.FUSARI, J.C. O papel do planejamento na formação do educador. São Paulo,SE/CENP, 1988.

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_______ O planejamento da educação escolar; subsídios para ação-reflexão-ação. São Paulo, SE/COGESP, 1989.GANDIN, D. Planejamento corno prática educativa. São Paulo, Loyola, 1983.SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Educação. Planejamento de ensino. São Paulo, Coordenadoria de Ensino Básico e Normal 1971.SAVIANI, D. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo,Cortez/Autores Associados, 1987.

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TEXTO 4

A Construção da Proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar

Disponível em: www.moodle.ufba.br/mod/book/print.php?id=18314 Acesso em: 20/06/2010

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A Construção da Proposta Educacional e do Trabalho Coletivo na Unidade Escolar

José Cerchi Fusari5

Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_16_p069-077_c.pdf

Este trabalho pretende:

• explicitar a ausência quase total nas escolas de um trabalho coletivo como meio para a elaboração de uma Proposta Educacional;• apontar alguns entraves que dificultam esta forma de atuação e oferecer aos educadores[...] um roteiro que facilita o desenvolvimento do trabalho coletivo na Escola.

Considerações Acerca do Trabalho Coletivo e da Proposta Educacional

[...] Por trabalho coletivo entende-se aquele realizado por um grupo de pessoas- diretores, coordenadores, professores, funcionários, alunos, membros do Conselho Escolar e demais representantes da comunidade- que têm um compromisso com a causa da democratização da Educação Escolar no País, no Estado, no Município, e que atuam com o objetivo de contribuir para assegurar o acesso do aluno à Escola, sua permanência nela e a melhoria da qualidade de ensino. Esse trabalho é caracterizado pela articulação da equipe escolar em torno da função social da Escola, sintetizada na tentativa de "democratizar os

5 Pedagogo, Mestre em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP -, Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - FEUSP - e Técnico Coordenador de Projetos Especiais de Capa de Pessoal no Centro Estadual de Educação Tecnológica "Paula Souza" - UNESP.

Olá Professor(a)!!

O texto de Fusari nos remete à uma questão central da nossa ação pedagógica, que é o planejamento. Assim, ao lê-lo procure identificar quais das questões que são levantadas, pelo autor, que são levadas em consideração por você e pelos elementos da equipe escolar, ao elaborar e desenvolver o planejamento. Nos momentos disponibilizados pela mantenedora para elaboração do planejamento (semanas pedagógicas de fevereiro e julho), isso acontece de forma coletiva? Como acontece?

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conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade e construir o novo conhecimento". A realização do trabalho coletivo não supõe apenas a existência de profissionais que atuem lado a lado numa mesma Escola, mas exige educadores que tenham pontos de partida (princípios) e pontos de chegada (objetivos) comuns. É necessário, assim, que os educadores de uma Escola discutam e reflitam sobre alguns elementos curriculares básicos: educador, professor, aluno, Escola, sociedade, objetivos, conteúdos, métodos de ensino e avaliação. É preciso também haver um certo consenso entre os docentes, pois estes elementos podem estar sendo percebidos por óticas teórico-práticas vinculadas a diferentes correntes, tais como o tradicionalismo, o escolanovismo, o tecnicismo e as tendências progressistas, que também apresentam divergências entre si. A prática atual dos educadores escolares brasileiros é marcada por um certo "ecletismo pedagógico", no qual estão presentes, de maneira contraditória, elementos das diferentes tendências da Educação Escolar. Por exemplo: é possívelIdentificar num professor cujo discurso é marcadamente progressista comportamentos bastante conservadores no trato com os conteúdos do ensino e na própria interação com os alunos. Não há, assim, uma correspondência necessária entre discurso e prática pedagógica. Desta forma, construir um trabalho coletivo coerente, articulado e posicionado na Escola é tarefa desafiante, que exige empenho, persistência, paciência e crença naquilo que se quer. Esta construção é permeada por valores que extrapolam os muros da Escola e envolvem a realidade social como um todo; e o que está em jogo, nesta concepção de trabalho coletivo, é o próprio fortalecimento da sociedade civil em torno de alguns ideais democráticos, pela ótica dos interesses e necessidades das camadas majoritárias da população. [...] [...] O trabalho coletivo na Escola deve estar voltado para a construção de um perfil de cidadão, na ótica da Educação Escolar, que difere, mas interage com o processo educativo que ocorre na sociedade como um todo. [...] É bastante comum a constatação da falta de clareza da equipe escolar em relação aos problemas básicos da própria Unidade na qual atua. Em alguns casos existe uma visão superficial e desarticulada da problemática enfrentada, que não chega a distinguir o que é problema estrutural da sociedade e penetra na escola do que é conjuntural específico do infra-escolar e dos problemas que têm suas causas na interação do estrutural, do conjuntural e do escolar. Nesta perspectiva, é preciso que os educadores escolares estejam permanentemente identificando, caracterizando e elaborando propostas para a superação dos problemas que enfrentam. É preciso mencionar, ainda, que o trabalho coletivo é fruto de um processo de planejamento e um meio para a elaboração da Proposta Educacional da Escola. [...] que precisa estar incorporada à ação de cada educador e, ao mesmo tempo, deve estar concretizada num documento, fruto de um processo de planejamento coletivo. Cabe lembrar, enfim, que a Escola necessita desenvolver a capacidade de pensar o seu trabalho. [...]

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[...] Entraves Que Dificultam o Trabalho Coletivo na Escola

A construção do trabalho coletivo nas escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio exige que os educadores tenham clareza dos fatores que inviabilizam, atualmente, esta forma de trabalho:• A nossa sociedade valoriza e reforça o individualismo nas pessoas, como elemento básico para a manutenção e expansão do sistema capitalista vigente. A questão do individualismo, portanto- presente também nas escolas, mas não só -, é uma característica da estrutura da sociedade brasileira.• Os cursos de formação de professores (Habilitação para o Magistério, Pedagogia e Licenciaturas) não vivenciam uma proposta pedagógica fruto de um trabalho coletivo dos docentes que atuam nestes cursos. Ironicamente, os futuros educadores escolares aprendem nos próprios cursos de formação como trabalhar de maneira desarticulada e fragmentada, sem uma percepção e um compromisso com a visão de totalidade do currículo escolar. Em outras palavras, a ausência de um trabalho pedagógico interdisciplinar nos próprios cursos de formação contribui para a desarticulação do trabalho na Unidade Escolar.• Não existe um trabalho coletivo articulado e coerente nos próprios órgãos que compõem a estrutura da Secretaria de Estado da Educação. É freqüente a perplexidade da Unidade Escolar diante de solicitações contraditórias e/ou superpostas vindas dos Núcleos Regionais de Ensino - NREs, Delegacias de Ensino - DEs, e demais órgãos centrais.• Faltam professores nas escolas, havendo casos em que os alunos percorrem o semestre ou até o ano letivo sem docentes fixos em várias disciplinas. Isto é um sintoma, um alarme de que algo de grave ocorre no magistério público.• Além da falta de professores nas unidades escolares, da improvisação, das situações de emergência para tapar a lacuna da ausência de professores, a rotatividade do corpo docente, da direção e dos funcionários é uma realidade que dificulta a organização pedagógico-administrativa da Escola.• O calendário escolar geralmente não prevê momentos para a articulação dos educadores de Escola. Os professores têm poucos espaços para refletir, discutir e debater a própria prática, com o objetivo de aperfeiçoá-la.• Não existe, portanto, uma tradição de trabalho coletivo nas escolas estaduais em geral.• Faltam lideranças que coordenem um trabalho coletivo, centrado em torno da formação de um tipo de cidadão.• Falta aos professores a vivência de uma proposta de trabalho curricular interdisciplinar, na qual a interdisciplinaridade deixe de ser um conceito abstrato, transformando-se numa proposta pedagógica coletiva, concreta e progressista. [...] Existem muitos outros relacionados diretamente com as condições de vida e de trabalho às quais estão submetidos os educadores brasileiros. Dentre esses entraves, a questão salarial merece um destaque especial, na medida em que as condições salariais atuais do magistério ferem a dignidade daqueles que tentam fazer da Educação um exercício de cidadania e profissionalismo.

Roteiro Para Facilitar o Trabalho Coletivo e a Proposta Educacional

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Este roteiro tem como principal objetivo subsidiar diretores, coordenadores, professores e supervisores no planejamento educacional da Escola, buscando facilitar a construção de um trabalho pedagógico coletivo que enfrente os problemas da evasão escolar, da retenção, da forma de obter o máximo possível de qualidade do ensino e da aprendizagem nas escolas públicas. Trata-se de um roteiro organizado com o auxílio de questões, com o intuito de instrumentalizar os educadores na organização do trabalho escolar, envolvendo o planejamento educacional da Escola, as semanas de planejamento e a elaboração de planos de ensino. Enfim, este material pode também contribuir para a construção da Proposta Educacional das unidades escolares.A - É preciso o mínimo de avaliação do ano anterior1. Quais foram- os problemas básicos enfrentados no ano (ou semestre) letivo anterior e que impediram de realizar um trabalho pedagógico de melhor qualidade?1.1. Quais foram os índices de evasão e retenção na nossa escola?1.2. Existem dados acerca da qualidade do ensino e da aprendizagem na nossa Unidade?1.3. Quais são as dificuldades básicas que os docentes enfrentam nas salas de aula?1.3.1. Quais são as queixas dos professores da Pré-escola e das quatro primeiras séries do Fundamental [...] dos que lecionam nas quatro últimas e do Ensino Médio?[...]1.3.4. Quais são as dificuldades identificadas nos diferentes períodos (matutino, vespertino e noturno)?B - É preciso pensar o planejamento do próximo ano (ou semestre) como um todo*2. Quais são os problemas da realidade brasileira atual?2.1. Como os problemas nacionais se manifestam no nosso Estado, Região, Município, Bairro e Escola?3. Qual é a função social da Escola brasileira?3.1. Qual é o papel da Educação Escolar na transformação da realidade brasileira?3.1.1. Como superar o "idealismo ingênuo" ("escola redentora da humanidade") e o "pessimismo crítico" (escola reprodutora das desigualdades sociais)?3.1.2. Como assumir uma atitude de "realismo crítico" ("autonomia relativa" e "especificidade da Educação Escolar")?4. Quem são e como vivem os alunos que freqüentam a nossa escola?4.1. Quais são as necessidades e expectativas que os alunos têm a respeito desta escola?4.1.1. Quais seriam os valores que mobilizam os nossos alunos, quando se matriculam nesta escola?5. Qual é a caracterização básica do grupo de professores da nossa escola?5.1. Quem somos, quantos somos, quais motivações dirigiram os docentes para o magistério?6. Quais são as características físicas e organizacionais da nossa escola?6.1. O prédio da escola tem condições mínimas para a realização de um bom trabalho pedagógico?

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6.2. Que tipo de gestão está sendo praticada na escola? Democrática, autocrática ou laissez-feire?7. De que maneira temos pensado e vivenciado a Proposta Educacional da Escola?7.1. Existe uma clareza (coletiva) mínima acerca do tipo de cidadão que a escola pretende ajudar a formar?7.1.1. A formação da cidadania do educando tem sido o "fio condutor" do trabalho político-pedagógico da escola?7.2. Quais são os objetivos educacionais da nossa escola?7.2.1. Quais são os objetivos dos cursos, das áreas de estudo e das disciplinas?7.2.2. Como, quando e por quem foram definidos?* A Escola necessita desenvolver a capacidade de pensar o seu trabalho e curto, a médio e a longo prazo.7.2.3. Eles estão apoiados numa tendência pedagógica específica? Qual?7.2.4. Quais valores estão presentes nos objetivos educacionais da nossa escola?7.3. Quais conteúdos estamos trabalhando no processo de ensino-aprendizagem?7.3.1Como, quando e por quem foram selecionados?7.3.2. Qual é o papel do livro didático e dos outros meios de comunicação no trato com os conteúdos?7.3.3. Existe uma preocupação com a democratização e também com a construção do conhecimento?7.3.4. As áreas de estudo têm propostas próprias, articulando o conteúdo trabalhado ao contexto social mais amplo?7.3.5. Os alunos aprendem criticamente os conteúdos trabalhados?7.4. Que métodos ("caminhos para se atingirem os objetivos educacionais") eprocedimentos (etapas, passos, técnicas, uso de materiais/meios de comunicação) os conteúdos estão exigindo para se processarem os trabalhos de ensinar e aprender?7.4.1. As áreas de estudo discutem a questão da relação conteúdo-método?7.4.2. Foi problematizada a questão das "estratégias de ensino"? Como? Quando?7.4.3. A Escola tentou discutir o método básico necessário ao atingimento dos objetivos educacionais?7.4.3.1. As áreas de estudo apresentam métodos básicos de trabalho?7.5. Qual é o padrão de interação professor-aluno mais praticado na nossa escola?7.5.1. Existe uma relação entre os objetivos educacionais, a construção da cidadania e a interação professor-aluno nas salas de aula?7.5.2. Os educadores têm clareza de que a boa interação (relação comunicacional) com os alunos facilita a aprendizagem?7.6. Qual (is) tendência (s) de avaliação está (ão) sendo praticadas) na nossa escola?7.6.1. Quais são os principais problemas percebidos pelos docentes no processo de avaliação dos alunos?7.6.2. Existe uma clareza de articulação profunda entre objetivos, conteúdos, métodos e avaliação?7.7. Quais princípios de ensino-aprendizagem estão subsidiando o trabalho pedagógico na nossa escola?7.7.1 Como as áreas de estudo definem a aprendizagem e o ensino?

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7.8. O que queremos e precisamos mudar na nossa escola e nas nossas aulas?7.8.1. Quais mudanças são necessárias no coletivo dos professores e no plano individual de cada um?7.9. Quais condições mínimas necessitamos para realizar um bom trabalho pedagógico na nossa escola?7.9.1. Como nos podemos mobilizar para conseguir condições mínimas de trabalho pedagógico?7.10. Existe alguma iniciativa da escola no sentido de avaliar o seu trabalho como um todo?7.10.1. Os diferentes cursos e as áreas de estudo e disciplina se auto-avaliamsistematicamente?7.10.2. Os alunos avaliam a escola como um todo e em especial o processo deensino-aprendizagem?C - É preciso pensar na elaboração da Proposta Educacional da Escola e seusdesdobramentos em Planos de Ensino e Planos de Aula8. Qual tem sido a sistemática de planejamento vivenciada na nossa escola?8.1. Quais problemas podem ser identificados nela?8.1.1. O que precisamos transformar nesta prática?8.2. Como as aulas têm sido planejadas?8.2.1. Quais instrumentos são utilizados no preparo das aulas?8.2.2. Qual tem sido a sistemática básica que orienta o seu trabalho na sala de aula?8.2.3. As áreas de estudo conseguem elaborar alguma proposta para a avaliação das aulas dadas? Este roteiro pode e deve ser modificado pela Escola. Sua forma de utilização, parcial ou total, também deve ser decidida pelo grupo de educadores da Unidade Escolar. O aspecto mais importante a ser ressaltado é que ele pode estimular e orientar um processo de reflexão (planejamento) no interior da Escola, em diferentes momentos e situações do ano letivo, remetendo os educadores à problematização do projeto político-pedagógico da escola como um todo: diferentes cursos, áreas de estudo, disciplinas e aulas dos professores [...] e elaborar o seu instrumento para orientação do processo de planejamento escolar. [...] As perguntas apresentadas geram respostas e novas indagações, e assim o processo de planejamento de ensino na Escola vai-se concretizando e interferindo no trabalho pedagógico que ocorre nas salas de aula, no sentido da melhoria da qualidade do ensino como um dos meios para a construção da cidadania dos nossos alunos.

BIBLIOGRAFIA2

Os livros e artigos aqui apresentados têm como principal objetivo subsidiar o trabalho com o Roteiro, facilitando o trabalho coletivo e a elaboração da Proposta Educacional das Unidades Escolares.• Relação Educação-SociedadeCASALI, A. M. A relação escola, sociedade e estado. São Paulo: CENAFOR, 1984 (mimeo.).

2 Essa Bibliografia está colocada exatamente como foi organizada pelo autor.

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LIBÂNEO, J. C. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1984. (Educar)SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1986. (Polêmicas do Nosso Tempo), 75.• Objetivos EducacionaisCASTANHO, M. E. de L. e M. Os objetivos da educação. In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (Org.). Repensando a didática. Campinas, 1988. p. 53.HERNANDEZ, I. R. C. Objetivos: revisão e posicionamentos. In: Ensino:revisão crítica. Porto Alegre: Sagra, 1988.LIBÂNEO, J. C. Os objetivos e conteúdos do ensino. In: Didática. São Paulo:Cortez, 1991. cap. 6.SAVIANI, D. Valores e objetivos da educação. In: Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1980. (Educação Contemporânea).• Conteúdos do EnsinoENRICONE, D. Seleção de conteúdos: um desafio atual. In: Ensino: revisão crítica. Porto Alegre: Sagra, 1988.LUCKESI, C. C. Conteúdos do ensino e material didático. In: Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1991. cap. 8. (Magistério 2° Grau).MARTINS, P. L. O. Conteúdos escolares: a quem compete a seleção e organização? In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (Org.). Repensando a didática. Campinas, 1988, p. 65.• Métodos de EnsinoLUCKESI, C. C. Procedimentos de ensino. In: . Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1991. cap. 9. (Magistério 211 Grau). RAYS, O. A. A questão da metodologia do ensino na didática escolar. In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (Org.). Repensando a didática. Campinas, 1988. p. 83.• AvaliaçãoKENSKI, V. M. Avaliação da aprendizagem. In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (org.). Repensando a didática. Campinas, 1988. p. 131.LUCKESI, C. C. Avaliação educacional escolar: para além do autoritarismo. ANDE, Sãu Paulo: Cortez, v. 5, n. 10, p. 47-51, 1986. . ANDE, São Paulo: Cortez, v. 5, n. 11, p. 47-49, 1986. 76. • Interação Professor-AlunoCUNHA, M. I. A relação professor-aluno. In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (org.). Repensando a didática. Campinas, 1988. p. 145.GRILLO, M. Interação professor-aluno: o social e o individual. In: Ensino: revisão crítica. Porto Alegre: Sagra, 1988.• Planejamento do EnsinoFUSARI, J. C. O planejamento escolar meio é um ritual burocrático. Sala de aula. São Paulo: Fundação Victor Civita, v. 2, n. 10, p. 34, 1989.HERNANDEZ, I. R. C. Planejamento: compromisso com a ação. In: Ensino: revisão crítica. Porto Alegre: Sagra, 1988.LOPES, A. O. Planejamento do ensino numa perspectiva crítica da educação. In: VEIGA, lima Passos Alencastro da (Org.). Repensando a didática. Campinas, 1988. p. 41.• Organização do Trabalho na Escola

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PIMENTA, S. G. A organização do trabalho na escola. ANDE, São Paulo: Cortez, v. 5, n. 11, p. 29-36, 1988.SEVERINO, A. J. A escola de 1° grau: organização e funcionamento. In: A construção do projeto de ensino e a avaliação. São Paulo: FDE, 1990. (Série Idéias, 8).77.

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TEXTO 5

O CURRÍCULO E O CONTEXTO EDUCACIONAL: ORIGENS E TENDÊNCIAS

Disponível em: www.diaadia.pr.gov.br/det/modules/conteudo/co... Acesso em: 20/06/2010

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SANTOS,Adriana de Jesus O Currículo e o contexto educacional: origens e tendências , In PLATTE,Adreana (org).Currículo e formação humana :princípios, saberes e gestão .Curitiba ,Paraná ,Ed.CRV,2009

Adriana Regina de Jesus Santos1

Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas saídodo ser, sempre há de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é

circuito, tudo é rodeio, retorno, discurso, tudo é rosário depermanências, tudo é refrão de estrofes sem fim

(BACHELARD, 1989).

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem como objetivo fazer uma análise crítica em relação à origem e o contexto do currículo, tendo como parâmetro, o pensamento pedagógico brasileiro, podendo dessa maneira, perceber as ideologias, valores e relações de poder presentes no contexto educacional, bem como, suas implicações no cotidiano escolar. Pretende-se também, neste estudo fazer uma reflexão sobre os novos desafios presentes na formação do professor, pois em face dessas mudanças, o mesmo necessita de uma nova leitura do mundo e da condição humana, para 1 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, na área de Educação: Currículo. Docente da Universidade Estadual de Londrina.

E-mail: [email protected]

A leitura desse texto de Santos nos remete a pensar no desenvolvimento histórico do currículo e as correntes de pensamento que orientaram a configuração do ensino e precisamente do currículo.Assim, cabe-nos questionar sobre: Que perspectiva o currículo deve assumir na atualidade diante das atuais políticas educacionais?

O currículo se refere a uma realidade histórica, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos, administrativos que condicionam sua prática e teorização.Nessa perspectiva ,como desenvolver o currículo disciplinar numa dimensão integradora?

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poder compreender a dinâmica sócio-político-cultural e econômica da sociedade contemporânea. Partimos do entendimento de que para analisar o contexto educacional e curricular, faz-se necessário compreendermos a evolução do pensamento pedagógico brasileiro e a influência deste na ação docente. Para tanto, é imprescindível recorrermos à pesquisa bibliográfica, tendo como parâmetro, a história e a origem do currículo em frente às suas questões atuais. Sendo assim, o currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais (SILVA, 1996).

Contextualizando o Currículo

O currículo é um campo permeado de ideologia, cultura e relações de poder. Por ideologia, segundo Moreira e Silva (1997, p.23) pode-se afirmar que esta “é a veiculação de idéias que transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social”. Ou seja, é um dos modos pelo qual a linguagem produz o mundo social, e, por isso o aspecto ideológico deve ser considerado nas discussões sobre currículo. No ensaio de Althusser (1983), o conceito de Ideologia e de Aparelhos Ideológicos do Estado, marca um momento de forte percepção da questão da ideologia em educação. Embora objeto de crítica, seus pressupostos foram importantes pelo pioneirismo. Currículo também é inseparável da cultura. Tanto a teoria educacional tradicional quanto a teoria crítica vêem no currículo uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade. Sem esquecer que, neste caso, há um envolvimento político, pois o currículo, como a educação, está ligado à política cultural.[...] [...] Conforme Moreira e Silva (1997, p.28), “o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. [...] O currículo se refere a uma realidade histórica, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos, administrativos que condicionam sua prática e teorização. Enfim, a elaboração de um currículo é um processo social, no qual convivem lado a lado os fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais como poder, interesses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero.

Sendo uma prática tão complexa, há enfoques diversos e distintos

graus de aprofundamento. No entanto, todas as concepções revelam juízos de

valor.[...] É viável destacar que o currículo constitui o elemento central

do projeto pedagógico, uma vez que oportuniza o processo de ensino

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aprendizagem. Contribuindo com esta análise Sacristán (1999, p. 61) afirma

que:

O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (idéias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições.

Alguns estudos realizados sobre currículo a partir das décadas 1960 a 1970 destacam a existência de vários níveis de Currículo: Formal, Real e Oculto. Esses níveis servem para fazer a distinção de quanto o aluno aprendeu ou deixou de aprender. O Currículo Formal refere-se ao currículo estabelecido pelos sistemas de ensino, é expresso em diretrizes curriculares, objetivos e conteúdos das áreas ou disciplina de estudo. Este é o que traz prescrita institucionalmente os conjuntos de diretrizes como os Parâmetros Curriculares Nacionais; O Currículo Real é o currículo que acontece dentro da sala de aula com professores e alunos a cada dia em decorrência de um projeto pedagógico e dos planos de ensino. O Currículo Oculto [..] representa tudo o que os alunos aprendem diariamente em meio às várias práticas, atitudes, comportamentos, gestos, percepções, que vigoram no meio social e escolar [...]ele não aparece no planejamento do professor (MOREIRA; SILVA, 1997). [...] [...] Para compreendermos melhor o currículo no processo educacional, faz-se necessário contextualizá-lo, tendo como parâmetro o pensamento pedagógico brasileiro.

O Currículo e o Pensamento Pedagógico através dos Tempos

As influências das correntes de pensamento que orientaram a configuração do ensino e precisamente do currículo teve origem no começo dos tempos modernos, na Europa. Ou seja, a escola elementar surgiu para atender, sobretudo, as necessidades da nascente burguesia urbana que se constituía neste momento.Sendo assim, o currículo surge de maneira sistematizada tendo como objetivo atender a demanda de um determinado grupo que começa a emergir neste início do século XVIII.[...] [...] Esse período teve três fatos marcantes em sua consolidação, sendo eles: a descoberta da imprensa, que facilitou a disseminação de livros; a reforma protestante deu um fundamento religioso-cultural ao aprendizado da língua, na medida em que se considerava como direito e dever de cada um ler a Bíblia;e o desenvolvimento do liberalismo econômico onde cada homem por interesse da prática política, tendia a reforçar a consciência coletiva de que cada um devia adquirir domínio intelectual suficiente para compreender os problemas políticos, sociais e econômicos de seu tempo As condições sociais, econômicas e culturais do iluminismo racionalista, cujos movimentos político-filosóficos foram forjados nas tendências individualistas, idealistas e naturalistas do renascimento, exaltados pela reforma luterana, pelo racionalismo cartesiano e pelo empirismo de Bacon, originaram a escola primária comum e lhe conformam o currículo. Determinou-se, então, que era fundamental à formação comum a aquisição das técnicas básicas de ler e escrever, associadas à necessidade do

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cálculo elementar. A ampliação desse currículo original ocorreu em função da necessidade ideológica do liberalismo, em fazer com que todos conseguissem, de modo geral, situar-se em relação ao conjunto dos fatores naturais e sócio-políticos. Os séculos XIX e o XX assistiram às lutas pela universalização da escola para todos, isto é, para as populações urbanas e rurais. Esse processo, marcado por momentos de maior ou menor ampliação quantitativa da escolaridade básica, assim como pelo acionar de mecanismos de distribuição desigual das ferramentas conceituais implementadas na escola, se caracterizou pelo questionamento da escola única para todos e pela escolha de diferentes quadros curriculares e formas de organização do trabalho na escola para diferentes populações (MOREIRA; SILVA, 1997). Nesse processo, o fator econômico teve papel relevante nas mudanças que ocorreram no currículo e na estrutura e organização das escolas. Não foi, porém, o único. Explicar as mudanças ou o desenvolvimento da educação somente em termos econômicos seria uma simplificação, isto é, houve mudança real de atitude, de conhecimento, ideologias, que estão associadas às pressões econômicas e tecnológicas, mas que, por sua vez, conceitualmente, são diferentes delas. [...] A origem do pensamento pedagógico e do currículo no Brasil

Segundo Moreira e Silva (1997), iniciou-se a partir dos anos 20 e 30 do século XX, tendo como parâmetro diferentes teorias, principalmente a dos Estados Unidos, sob influência das idéias de John Dewey e Kilpatrick, que criticavam o currículo tradicional, elitista e defendiam idéias progressivistas. Faz-se necessário ressaltar que os conteúdos escolares no Brasil até então, tinham uma forte ligação com a concepção jesuítica do período colonial em relaçãoà educação, ou seja, reinava absolutamente o currículo tradicional na primeira metade do século XX. As idéias sociológicas de Comte e Durkheim colaboraram para acentuar o caráter enciclopédico do currículo brasileiro, uma vez que este se tornou mais extenso na área de Geometria, Matemática e Português nas primeiras séries e enfatizava, ainda mais, a Educação Moral e Cívica, aliada indispensável para o caminho do progresso com ordem, próprio do positivismo da época. A partir da Primeira Guerra Mundial e das grandes crises econômicas do começo do século XX que abalaram significativamente a sociedade ocidental moderna à educação passa a ser proposta como o mais poderoso instrumento de reconstrução social, política e moral responsável pela melhoria social e bem estar coletivo.[...] [...] Os estudos e avanços das Ciências Humanas, principalmente em relação ao desenvolvimento psicobiológico descrevem a criança como um ser em constante interação social. A escola então é enfatizada como parte fundamental da comunidade e é a comunidade em si, assim como a sociedade, que deve ser o ambiente privilegiado e o campo de trabalho da escola. Em educação, tanto a corrente renovadora européia como a norte americana propunham que a escola primária não tivesse como objetivo primordial as matérias de ensino, mas os processos de desenvolvimento das crianças, que deveriam ser estimuladas da melhor maneira possível.[...] No

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entanto, os europeus foram mais formalistas e menos radicais: para eles, a escola permaneceu um local separado da comunidade.[...]

O Currículo e o Pragmatismo Norte-Americano

O questionamento em torno do papel da educação será alimentado, primordialmente, pela filosofia pragmática, que terá em John Dewey seu grande sistematizador. Essa teoria da vida e da experiência humana vê o homem basicamente como um organismo, situado num ambiente que se modifica e se refaz continuamente.[...] [...] Dessa forma, promover a cultura do grupo é a grande tarefa da educação.[...] Numa situação de mudança acelerada, é preciso preparar os jovens para enfrentar o futuro, ou seja, condições ainda desconhecidas. [...] Para Dewey (1959, p. 54),

o conhecimento é primordialmente um instrumento de conduta,não de pura especulação conceitual [...] O raciocínio não se origina em premissas universalmente estabelecidas, mas, em obstáculos concretos com as quais o homem se depara. Ele não caminha nunca para uma verdade transcendental, mas para uma hipótese, que se tornará verdadeira mediante a avaliação prática da experiência [...] A função do pensamento, portanto, é a de controlar e modificar o mundo de acordo com as possibilidades e necessidades humanas.

[...] Dewey, apoiado nos resultados promissores da psicobiologia do final do século XIX e reagindo também ao verbalismo pedagógico, propunha que a escola deveria desenvolver as aptidões e as habilidades das crianças por meio das experiências vividas. Era o famoso “aprender fazendo”. [...] De acordo com esta pedagogia, a organização de centros de interesse, de projetos e a elaboração de materiais didáticos específicos, como os de Montessori era algo estereotipado, vazio de sentido, arbitrário, pois escolhido independente da participação da criança. Nela, o professor não deveria ser nada mais que um conselheiro, um cooperador, que organizaria os materiais escolares da criança (tesouras, pincéis, cadernos, etc...) em torno de seus interesses imediatos, assim como os da comunidade que a cerca. As primeiras idéias de Dewey chegaram ao Brasil no início do século XX, por intermédio de Anísio Teixeira. Só na década de 30 a educação e o currículo passaram a merecer a atenção dos intelectuais que ousaram questionar o chamado “princípio cristão” da educação católica.[...] A contribuição dos Pioneiros para a Emergência do Campo do Currículo no Brasil

O Manifesto dos Pioneiros de 1932 representa um marco essencial na História da Educação, pois através deste abriu-se a possibilidade de se discutir a educação a partir do ideal da Escola Pública, Gratuita e de Boa Qualidade, bem como, a promoção de reformas educacionais.[...] A reforma de Teixeira, na Bahia representou algumas das inovações que iriam mais tarde caracterizar a abordagem escolanovista do currículo e do ensino. [...] Como Dewey, Teixeira define currículo como um conjunto das atividades em que as crianças se engajarão ao longo de sua vida escolar. [...] A reforma de Minas Gerais, organizada por Francisco Campos e Maria Casassanta, redefiniu o papel da escola elementar, ela enfatizou que as

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crianças não eram adultos em miniatura, ou seja, tinham seus próprios interesses e precisavam ser respeitadas e estimuladas. Partindo destes pressupostos o currículo na perspectiva do Manifesto dos Pioneiros tem como finalidade desenvolver na criança as habilidades de observar, pensar, julgar, criar, decidir e agir.[...]

O Modelo Burocrático do Currículo

Embora as reformas educacionais feitas nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, sejam associadas somente a John Dewey e ao movimento de educação progressivista, Kliebard (1971, p. 11) lembra que:

Nos Estados Unidos, aquele foi um período de grande efervescência na área educacional, em busca de uma resposta à decadência da teoria da disciplina mental. Os reformadores educacionais do período divergiam consideravelmente, e as idéias educacionais de um Franklin Bobbit eram frontalmente opostas às de um John Dewey.

É preciso, pois considerar o movimento educacional presente nos Estados Unidos, no início do século XX, e sua semelhança com o que ocorreria nos anos 50 e que teria influência marcante entre nós na década de 70, ou seja, a ênfase à tecnologia educacional e a priorização de objetivos comportamentais em educação. Esses movimentos têm sua raiz no desenvolvimento industrial americano, que transformou a eficiência organizacional da produção em idéia predominantemente na educação americana do século XX. O aumento de custo de vida no início deste século e a crise dos anos 20 levariam não só os empresários, mas também a classe média americana, a se interessarem por uma maior eficiência e custos mais baixos. A administração científica que tinha como principal mentor Frederick Taylor, conquista a imaginação norte-americana na passagem do século. O taylorismo difere das concepções clássicas de burocracia porque enfatiza a simples eficiência prática e não a análise de linhas de poder e de influência dentro das organizações. Na concepção da administração científica, a produtividade é central e o indivíduo passa a ser cuidadosamente investigado como um elemento capaz de obter uma produção cada vez maior. Desta forma, o currículo tornou-se algo a ser programado a partir da análise científica das atividades humanas. Dessa forma, não se admitiam concepções vagas dos objetivos educacionais, ou seja, nesta perspectiva o currículo não seria mais constituído a partir do acervo cultural da humanidade, mas deveria abarcar um número ilimitado de atividades humanas, hábitos, capacidades, etc.[...] na década de 60 e 70, as idéias escolanovistas foram sufocadas por outra corrente, a tecnicista. E o currículo passou a ser tomado como algo programável, técnico e burocrático.

O Currículo na Visão Crítica

Nos anos 70, os educadores brasileiros foram influenciados por vários tipos de abordagens teóricas, às vezes até contraditórias. De um lado, chegaram até nós tanto as correntes psicológicas, de cunho behaviorista, discutidas anteriormente, como a teoria do capital humano2, de cunho

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funcionalista, proposta pelo economista T. W. Schultz, de Chicago que vinha ao encontro da preocupação, nos países desenvolvidos, com o gigantismo dos sistemas educacionais no pós-guerra, que oneravam cada dia mais os cofres públicos (Moreira e Silva, 1997). De outro lado, aparece na mesma época estudos crítico norte americano e europeu, sobre o problema da desigualdade de oportunidades entre os indivíduos provenientes de diferentes classes sociais, ou seja, com a distribuição desigual do conhecimento e com o controle social da transmissão cultural. Esta abordagem mais crítica pode ser identificada nas obras de Paulo Freire. Para Paulo Freire, citado por Moreira (1990), a educação deveria conscientizar os oprimidos acerca da realidade social, capacitando-os a refletirsobre a sua vida, suas responsabilidades e o papel que desempenham frente às injustiças sociais. Para que isto ocorra, propunha superar o currículo tradicional, abstrato, teórico e dissociado do cotidiano. A partir da década de 80, abordagens etnográficas, sociointeracionistas, interpretativas, que professam grande desconfiança, e até certo desprezo, pelas análises macrossociológicas, fazem-se cada vez mais presentes, estimulando o aparecimento entre nós de vários estudos sobre o conteúdo escolar e o funcionamento interno das escolas, proporcionando assim, uma leitura crítica e transformadora do currículo. Como podemos perceber o discurso e a construção curricular no Brasil não se deu sob uma única ideologia, mas com influência de tendências, objetivos e interesses diferentes.[...]

As Abordagens Curriculares no contexto das tendências pedagógicas do Currículo Acadêmico

Dentre as várias orientações curriculares, é a Acadêmica que possui maior tradição histórica. Para os adeptos da tendência tradicional, o núcleo da educação é o currículo, cujo elemento irredutível é o conhecimento. Nas disciplinas acadêmicas de cunho racionalista – como língua e literatura, matemática, ciências naturais, história, ciências sociais e belas artes –, se encontra o núcleo do conhecimento, o conteúdo principal ou a matéria de ensino. Sua abordagem baseia-se, principalmente, na estrutura do conhecimento, como um patrimônio cultural, transmitido às novas gerações.[...] Segundo McNeil (2001c) a finalidade da educação, segundo o currículo acadêmico, é a transmissão dos conhecimentos vistos pela humanidade como algo inquestionável, como uma verdade absoluta. À escola, cabe desenvolver o raciocínio dos alunos para o uso das idéias e processos mais proveitosos ao seu progresso.

Currículo Humanístico

O currículo Humanista tem como base teórica a tendência denominada Escola Nova e esta defende que o currículo necessita levar em consideração a realidade dos alunos. Na ênfase humanista, segundo McNeil (2001b) a atenção do conteúdo disciplinar se desloca para o aprendente. O aluno é visto como um ser individual, dotado de uma identidade pessoal que precisa ser descoberta, construída e ensinada; o currículo tem a função de propiciar experiências

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gratificantes, de modo a desenvolver sua consciência para a libertação e auto-realização.[...] que constitui o cerne do currículo humanístico. Para consegui-la, o educando deverá vivenciar situações que lhe possibilitem descobrir e realizar sua própria individualidade, agindo, experimentando, errando, avaliando, reordenando e expressando. Tais situações ajudam os educandos a integrar emoções, pensamentos e ações.

Currículo Tecnológico

Sob a perspectiva tecnológica, ainda segundo McNeil (2001d) a educação consiste na transmissão de conhecimentos, comportamentos éticos, práticas sociais e habilidades que propiciem o controle social. Sendo assim, o currículo tecnológico tem sua base sólida na tendência tecnicista. [...] O currículo tecnológico, concebido fundamentalmente no método, tem como função a identificação de meios eficientes, programas e materiais com a finalidade de alcançar resultados pré-determinados. É expresso de variadas formas: levantamento de necessidades, plano escolar sob o enfoque sistêmico, instrução programada, seqüências instrucionais, ensino prescritivo individualmente e avaliação por desempenho.

Currículo Reconstrucionista Social

[...] Tem como concepção teórica e metodológica a tendência histórico crítica e tem como objetivo principal a transformação social e a formação crítica do sujeito. De acordo com McNeil (2001a) o reconstrucionismo social concebe homem e mundo de forma interativa. A sociedade injusta e alienada pode ser transformada à medida que o homem inserido em um contexto, social, econômico, cultural, político e histórico adquire, por meio da reflexão, consciência crítica para assumir-se sujeito de seu próprio destino. Nesse prisma, a educação é um agente social que promove a mudança.A visão social da educação e currículo consiste em provocar no indivíduo atitudes de reflexão sobre si e sobre o contexto social em que está inserido. Na perspectiva de reconstrução social agrupam-se as posições que consideram o ensino uma atividade crítica, cujo processo de ensino aprendizagem deva se constituir em uma prática social com posturas e opções de caráter ético que levem à emancipação do cidadão e à transformação da realidade. Sob o norte de emancipação do indivíduo, o currículo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situações-problema vividos pela comunidade. Por conseguinte, não prioriza somente os objetivos e conteúdos universais, sua preocupação não reside na informação e sim na formação de sujeitos históricos, cujo conhecimento é produzido pela articulação da reflexão e prática no processo de apreensão da realidade.[...] [...] Os idealizadores do currículo reconstrucionista acreditam na capacidade do homem conduzir seu próprio destino na direção desejada, e na formação de uma sociedade mais justa e equânime. Esse compromisso com ideais de libertação e transformação social lhe imputa certas dificuldades em uma sociedade hegemônica e dominadora. Segundo Moreira e Silva (1997) a partir da década de 80 no campo do currículo no Brasil, é possível perceber um

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hibridismo de discursos críticos e pós-críticos, especialmente em virtude do foco político na teorização crítica e do foco no pós-modernismo. [...] Sendo assim, a referência à teoria crítica e ou reconstrucionista ainda está presente nas análises que buscam não desconsiderar, ou visam a salientar, questões políticas, bem como uma agenda para a mudança social.[...] [...] Faz-se necessário destacar que a modernidade veio no bojo de uma cultura na qual se quebram os vínculos metafísicos que explicavam o homem e o mundo, tornando-se a razão a fonte da produção dos saberes, da ciência, ancorada em critérios de objetividade, distanciando-se dos objetos ou dos poderes transcendentais, religiosos ou metafísicos. [...] O realce da subjetividade traz a liberação para que o homem se sirva de seu próprio entendimento - a sua razão - para, conscientemente, criar normas de pensar e agir livres de fundamentos em argumentos transcendentes. Com isto, a modernidade abre-se para o futuro e gera a condição de se pensar e produzir "progresso". Essas características da modernidade não se põem apenas nos ambientes científicos ou filosóficos, elas perpassam toda a sociedade. (Habermas, 1990). Críticas abrem-se contra essa razão que se põe como absoluta e objetivada, razão. [...] A noção habermasiana de racionalidade comunicativa, segundo Wellmer (1991, p. 92), refletiria a condição cognitiva e moral dos humanos num mundo "desencantado". É por isso, ainda segundo esse autor, que Habermas pode pensar a ação comunicativa como portadora potencial de uma racionalidade diferenciada que só pode se manifestar depois que se tenha destruído o dogmatismo implícito das concepções de mundo tradicionais, e na qual os requisitos de validade possam ser construídos pela argumentação, pelo confronto de diferentes posições, na procura de consensos aceitáveis. [...] Como se põe, então, a discussão do pós-moderno? Assim como os que postulam a continuidade da modernidade nos tempos atuais, a posição dos que postulam o contrário - seu fim - emerge da crise nos estatutos da própria modernidade.O termo pós-modernidade tem se mostrado polissêmico, e desta forma vem sendo utilizado no mais das vezes de modo genérico. De qualquer forma, denota o que vem depois da modernidade, sendo problemático seu sentido, justamente por tentar traduzir um movimento da cultura em sociedades em rápida mutação, movimento que ainda está se produzindo, não se distinguindo consolidações que ajudem a qualificá-lo melhor. Pós-moderno designaria uma ruptura com as características do período moderno, o que, como já colocamos, para muitos analistas ainda não aconteceu de modo claro. Pode-se adotar a posição de que estamos vivendo a transição para a pós modernidade e que os sinais, as tendências verificáveis, traduzem caminhos mais do que posições consolidadas.[...] [...]Contribuindo com esta análise, Giroux (1993, p. 15) afirma que:

O pós modernismo, assinala uma mudança em direção a um conjunto de condições sociais que estão reconstituindo o mapa social, cultural e geográfico do mundo e produzindo, ao mesmo tempo, novas formas de crítica cultural.

Ressaltam-se, na educação e na formação docente, o papel dos discursos e práticas curriculares na preparação de professores e de futuras gerações nos valores de apreciação da diversidade cultural e de desafio a preconceitos ligados a determiantes de gênero, raça, religião, padrões culturais e outros.

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[...] Portanto, a formação do professor e a construção do currículo reconstrucionista, fora da ótica da alteridade e do multiculturalismo, isolados dos avanços filosóficos científicos e culturais, e descomprometidos com o tecnocentrismo, tornam - sem, anacrônicos. E este anacronismo não se esgota na palavra, mas antes, na ausência da compreensão de que o mundo simbólico e tecnologicamente mudou e trouxe para o centro social, o conhecimento, como fator fundamental das relações sociais entre as sociedades. Trata-se de um conhecimento novo, amplo, complexo e livre das discriminações da modernidade, comprometido com a verdadeira emancipação.

“Politicidade”: um desafio na formação dos professores sintonizados com o tempo presente O conhecimento da complexidade que permeia a dinâmica social na contemporaneidade torna-se assim um pré-requisito para que o professor compreenda a natureza de seu papel na educação e na sociedade, e a função social que a educação pode e/ou tem assumido na atualidade. E, no caso, a inspiração no pensamento crítico tem apontado na direção de assumirmos a educação enquanto “ação cultural para a liberdade”, “formação e emancipação humana”. Educação para quê? Para quem? Mais do que uma retórica repetida muitas vezes sem muita expressividade no meio educacional, estas questões retomam sua força significante ao influenciar no horizonte dos processos formativos dos profissionais da educação, que buscam a existência de profissionais comprometidos com o tempo presente, cientes dos conflitos e das contradições que movem à sociedade global e local, e posicionados diante da existência da opressão, da discriminação e da hierarquia que fortalece as desigualdades presentes na sociedade contemporânea. [...] Ao buscarmos inspiração na teoria critica de que os homens e as mulheres são seres inacabados, que buscam contínua e incessantemente sua humanização, pretendemos dar visibilidade à função social que a educação assume na formação das pessoas ao torná-las plenamente humanas, portanto, felizes; isso quando ela é entendida enquanto instrumento não neutro de socialização/ construção de conhecimentos produzidos coletivamente na sociedade.[...] Entra em cena nessa perspectiva o conjunto de reflexões realizadas por alguns teóricos curriculistas, entre eles: Apple (1988), Freire (2000), McLaren (2000), entre outros, sobre o currículo e a construção do conhecimento, as quais nos ajudam a identificar todos os seres humanos como portadores de cultura e de conhecimentos. [...] As contribuições da teoria crítica nos ajudam no sentido de propiciar às instituições de ensino a compreensão sobre a existência desses processos, estimulando-os a tomar posição nas disputas em que se define “quais conhecimentos?”, “os conhecimentos de quem?”, “quem é autorizado a participar da definição?” e que implicações essas definições impõem aos grupos pertencentes a uma cultura silenciada, por exemplo: a cultura feminina? Ajudam também a compreender, de forma mais ampliada, a educação e o currículo enquanto espaços de disseminação de políticas e práticas culturais que interferem em grande medida na produção das identidades culturais e na produção/reprodução da sociedade. Nesses espaços, os conflitos culturais se manifestam com muita intensidade e, na maioria dos casos, são muito acirradas as investidas que os

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grupos com maior poder têm efetivado em processos de negação das culturas dos grupos minoritários. Por outro lado, os processos de resistência e contestação se fazem existir e precisam ser fortalecidos, com a construção de propostas educativas e curriculares que afirmem os padrões identitários e culturais dos grupos discriminados e excluídos da sociedade, ao serem permeadas pelo reconhecimento e valorização das diferenças e da alteridade.

Diálogo: elemento constituidor de sujeitos no cotidiano curricular.

Todos os seres humanos são sujeitos de direito e, portanto, têm o direito de participar ativamente das decisões fundamentais que versam sobre sua vida e sobre a humanidade, numa perspectiva mais ampla. Na visão da tendência histórico critica a participação é vista como caminho de realização democrática. Não é concessão; é conquista de espaço para voz, para voto, para intervenção. O conceito de participação está também ligado ao princípio de que todos têm conhecimento e que o conhecimento não se constrói com uns sobre ou para os outros e sim na relação com os outros. Neste sentido, o diálogo é relacionado à possibilidade do exercício democrático dos professores em sua prática pedagógica. Neste sentido, Freire (1995) relaciona o diálogo à possibilidade do exercício democrático dos educadores em sua prática pedagógica. Assumir uma postura dialógica pressupõe a humildade como elemento fundamental para nos permitir ouvir os outros e a expressar nossa própria voz; ajuda a compreender que todos têm o que dizer com relação ao processo educacional. Para Freire (2000) “[...]o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos” (p.123).[...]

Práxis: reflexão e ação como elementos curriculares na formação de Professores

[...] Analisar a práxis, tendo como parâmetro o processo teórico-metodológico,significa nos compreendermos como sujeitos históricos, políticos, ideológicos, culturais, sociais, estéticos, enfim, sujeitos em sua dimensão de inteireza e de totalidade, possibilitando assim, uma análise em relação à concepção de mundo, de conhecimento, de sociedade, de sujeitos. [...] Freire (1979) se refere à “teoria” como um "contemplar", certamente sendo fiel à etimologia da palavra que vem do grego, e significa VER. Daí o sentido de teoria como observar, contemplar, ver [...].Com efeito, ao enfatizar o caráter contemplativo da teoria, Paulo Freire garante a inserção do homem na realidade e deixa claro que teoria é sempre a reflexão que se faz do contexto concreto,[...] no sentido de apropriar-se de um caráter crítico sobre ela. Para ele, a teoria não será identificada se não houver um caráter transformador, pois só assim estará cumprindo sua função de reflexão sobre a realidade concreta;[...] Na afirmação acima está à base para entender teoria e prática na ação pedagógica, pois a relação entre teoria e prática se dá primeiro e antes de tudo na relação homem-mundo [...] que busca coerência entre pensamento e ação

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que é a práxis. Do contrário, a ação sem pensamento é ativismo, e o pensamento sem ação é verbalismo. Diante dessas afirmações, é indispensável para o professor considerar que nesta perspectiva se conseguirá superar a tendência tão freqüente de trabalhar a teoria e a prática dissociadas entre si. Para tanto, é necessário compreender que teoria e prática não se separam, ou seja, o vínculo teoria e prática forma um todo onde o saber tem um caráter libertador no contexto curricular.

Considerações finais

Ao analisar o contexto histórico do currículo e do pensamento pedagógico brasileiro pode-se evidenciar que ambos estão permeados de ideologias, valores e concepções diferenciadas em relação ao processo educacional. Isto posto, é imprescindível que as Instituições de Ensino, como um todo, percebam as nuances presentes nas concepções do currículo e do pensamento pedagógico, podendo desta maneira, ter claro na sua práxis pedagógica qual a tendência e qual o currículo que almeja no processo de ensino e aprendizagem. [...] Em diferentes textos Giroux (1993, 1999, 2002), defende as construções históricas da razão, da autoridade, da verdade, da ética e da identidade, de forma a questionar perspectivas modernas centradas na compreensão de bases universais para o pensamento. Sustenta, ainda, que a política cultural é uma política da diferença, na qual a diferença não é um signo fixo como propõe o estruturalismo – ou alguns estruturalismos –, mas envolve significados que são produtos de relações de diferença mutáveis e modificadas no jogo referencial da linguagem. Ainda assim, suas análises permanecem tributárias a Paulo Freire e à Escola de Frankfurt, especialmente no que concerne à permanência do foco na emancipação e à perspectiva de tornar possível uma ação política coletiva. [...]Como podemos perceber o discurso e a construção curricular no Mundo e no Brasil não se deu sob uma única ideologia, mas com influência de tendências, objetivos e interesses diferentes. Com esse resumo histórico pode se perceber a importância de não se desvincular o currículo da constituição histórica e social. Um currículo não surge do nada, mas de uma necessidade social e principalmente econômica e cultural. Focar os processos formativos de professores é uma questão fundamental no âmbito do pensamento curricular, dada à importância que os profissionais da educação assumem no processo educativo dialógico, que toma os seres humanos e, portanto, os próprios docentes, como seres inconclusos, que tem a perspectiva de “ser mais”, em todos os momentos de sua existência. Esperamos que as reflexões aqui apresentadas possam instigar e inspirar outras experiências formativas de educadores que se identificam pela aposta nesses mesmos princípios em outras localidades e em outros contextos sociais e culturais.

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TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

ALUNO

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DO

CEN

TE

INFR

A-E

STR

UTU

RA

Relação teoriae prática

cidadania Profissionalização

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ENSINO

DISCIPLINAS

daBase N.Comun;Funda-

mentos de Educação;gestão;

Metodologias;Práti-ca de Formaçao

INTEGRAINTEGRAÇÇÃOÃO

INTEGRAINTEGRAÇÇÃOÃO

FormaFormaçção ão continuadacontinuada

Escolacurrículo

sociedade

Prática socialConhecimento

Fonte: elaboração da autora desse Caderno Temático

Com essa imagem, que apresento acima, quis fazer uma síntese sobre

os conteúdos apresentados nos textos desse Caderno Temático acreditando que

a leitura e as discussões realizadas a partir deles possam fornecer subsídios

para a reflexão sobre a importância de se desenvolver o currículo escolar, numa

perspectiva mais integradora.

Os professores participantes do grupo de estudo, nesse segundo

semestre letivo- período de aplicação do projeto de intervenção PDE/2009, na

escola, poderão, a partir da temática em questão, contribuir para algumas

mudanças possíveis em nível de planejamento a partir da análise sobre a

relação sociedade, educação, currículo e escola, discutindo a interferência dos

determinantes sociais, políticos, culturais na ação educativa. Estes influenciam

a forma de conceber e organizar as disciplinas, os conteúdos e os resultados

que essa organização tem trazido em relação à formação e a cidadania.

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A concepção de currículo na escola pública, por sua vez, deve expressar

a intenção desta trajetória, que não é espontânea, mas intencional e deve

revelar as necessidades históricas daqueles que dependem da escola pública

como via de acesso ao conhecimento. Currículo, portanto, situado nas disputas

de poder que ocorrem entre aqueles que vêem na educação o espaço para seus

projetos e expectativas, bem como disputas de poder no interior das próprias

políticas públicas.

Cabe destacar que o sentido de integração, num currículo assim

concebido, foi pensado numa compreensão mais abrangente da organização e

utilização do conhecimento. Deste modo, chegamos à compreensão e utilização

do conhecimento não propriamente em termos de compartimentos

diferenciados, mas “integrado” no contexto de questões e problemas, em geral.

Assim, devem ser retirados de compartimentos específicos para serem situados

em contextos que farão mais sentido para os educandos,.

Acredita-se que a integração curricular está ligada ao conceito mais

amplo de educação democrática e, sendo assim, o planejamento

coletivo/participativo é um dos determinantes para a integração curricular, uma

vez que ela possibilita que sejam contempladas na ação educativa, no processo

de formação, as experiências significativas dos envolvidos.

Maria Onide