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da hermenêutica constitucional. Assim sendo, a análise integral de temas social, político e juridicamente complexos apresen-ta certas minúcias e aparentes óbices ao estudo científico,

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HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

temas atuais

Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da UEA/Mestrado Em Direito Ambiental – 2018

Eid Badr Organizador

AutoresCamila Jatahy Araújo

Deicy Yurley Parra FlórezEid Badr

Francisco Péricles R. M. de LimaGuilherme Wellington Pessoa de Farias

Higor Luís de Carvalho SilvaJaíse Marien Fraxe Tavares

Jamilly Izabela de Brito SilvaJosé Alexandre Serrão Rodrigues

Kaleen Sousa Leite Larissa Campos Rubim

Marcela Pacífico MichilesNilcinara Huerb de Azevedo

Rayanny Silva Siqueira MonteiroTimóteo Ágabo Pacheco de Almeida

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Copyrigth @ Eid Badr, 2018

Editor Isaac MacielCoordEnação Editoral Tenório Telles • Neiza TeixeiraProjEto GráfiCo Lícia GonçalvesCaPa Heitor CostarEvisão Núcleo de editoração Valernormalização Ycaro Verçosa (CrB-11/287)

ConsElho Editorial da Editora valEr Para árEa do dirEito: Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais Prof. Dr. Adriano Fernandes Ferreira Profª Drª Dinara de Arruda Oliveira

B132h BADR, Eid (org.).

Hermenêutica constitucional – temas atuais (Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da UEA: Mes-trado em Direito Ambiental / Organizado por Eid Badr. – Manaus: Editora Valer, 2018.

286 p.

ISBN 978-85-7512-881-7

1. Direito. 2. Hermenêutica jurídica; . I. Título

CDD 340.1 22. ed.

Obra de acesso gratuito e universal no Portal: http://www.pos.uea.edu.br/direitoambiental/

2018

Editora ValerAv. Rio Mar, 63, Conj. Vieiralves – Nossa Senhora das Graças69.053-180, Manaus – AMTelefone: (92) 3184–4568 | Whatsapp: (92) 99613–1113www.editoravaler.com.br

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AUTORES

Camila Jatahy Araújo, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduada em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera.

Deicy Yurley Parra Flórez, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), bolsista do Convênio Internacional OEA/UEA, advogada na Colômbia.

Eid Badr, mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, professor adjun-to da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integrante do quadro docente permanente e da coordenação do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Ambiental da mes-ma universidade, coordenador do grupo de pesquisa Direito Educacional Ambiental (DEA) cadastrado no CNPq, advogado.

Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Anhanguera-Uniderp, auditor fiscal do trabalho.

Guilherme Wellington Pessoa de Farias, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integrante do grupo de pesquisa Direito Educacional Ambien-tal (DEA) e do grupo de pesquisa Estudos em Direito das Águas (UEA), pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogado.

Higor Luís de Carvalho Silva, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), pós-graduado em Direito Público, Direito Penal e Processual Penal, delegado da Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

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Jaíse Marien Fraxe Tavares, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA, pós-gra-duada em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogada.

Jamilly Izabela de Brito Silva, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integrante do grupo de pesquisa Direitos Humanos na Amazônia, pós--graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Di-reito Público pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), assessora jurídica da Presidência do Tri-bunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM).

José Alexandre Serrão Rodrigues, mestrando em Direito Am-biental (UEA), pós-graduado em Direito Público (UFAM), professor e advogado.

Kaleen Sousa Leite, mestranda em Direito Ambiental pela Uni-versidade do Estado do Amazonas (UEA), servidora do Tribu-nal Regional do Trabalho da 11.ª Região.

Larissa Campos Rubim, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas, advogada (UEA), pós--graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário do Norte (Uninorte Laureate), pós-gra-duanda em Didática do Ensino Superior pela Universidade Nil-ton Lins, professora universitária, advogada.

Marcela Pacífico Michiles, mestranda em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus e em Direito Público pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), assessora jurídica na Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

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Nilcinara Huerb de Azevedo, mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogada.

Rayanny Silva Siqueira Monteiro, mestranda em Direito Am-biental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), con-sultora jurídica na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Sustentabilidade do Município de Manaus, advogada e bióloga.

Timóteo Ágabo Pacheco de Almeida, mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduado Ciências Penais pela Universidade Anhanguera--Uniderp, pós-graduando em Direito Constitucional, promo-tor de justiça do Estado do Amazonas.

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SUMÁRIO

Apresentação .................................................................. 13

CAPÍTULO I – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE O ADEQUADO ENFRENTAMENTO DE TEMAS HERMENÊUTICOS COMPLEXOSEid Badr e Timóteo Ágabo Pacheco de Almeida ............... 15

CAPÍTULO II – MUTAÇÃO CONSTITUCIONALCamila Jatahy Araújo ......................................................... 25

CAPÍTULO III – ATIVISMO JUDICIAL: QUAL O LIMITE PARA A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO?Deicy Yurley Parra Flórez ................................................... 41

CAPÍTULO IV – A POLITIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO É UMA REALIDADE?Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima ................ 59

CAPÍTULO V – OS OBEJTIVOS FUNDAMENTAIS DO ESTADO BRASILEIRO (ART. 3.° DA CF) COMO NORTE INTERPRETATIVO PARA A APLICAÇÃO DO DIREITOGuilherme Wellington Pessoa de Farias ............................. 75

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CAPÍTULO VI – ANTINOMIAS DE NORMAS JURÍDICAS: MÉTODOS DE SOLUÇÃOHigor Luís de Carvalho Silva .............................................. 89

CAPÍTULO VII – APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE PARTICULARESJaíse Marien Fraxe Tavares ............................................... 105

CAPÍTULO VIII – SEGURANÇA JURÍDICA E AS CONSTANTES MUDANÇAS DE PARÂMETROS ESTABELECIDOS PELO STF NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADEJamilly Izabela de Brito Silva ............................................ 129

CAPÍTULO IX – O CONTROLE JUDICIAL SOBRE A ATIVIDADE POLÍTICA: MEDIDAS PROVISÓRIASJosé Alexandre Serrão Rodrigues ..................................... 147

CAPÍTULO X – JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: GARANTIA CONSTITUCIONAL OU ATIVISMO JUDICIAL?Kaleen Sousa Leite ............................................................. 173

CAPÍTULO XI – DIREITO OU MORAL: QUAL DEVE SER O PARÂMETRO DO MAGISTRADO EM SUAS DECISÕES? Larissa Campos Rubim .................................................... 197

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CAPÍTULO XII – OS LIMITES JURÍDICOS À ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERALMarcela Pacífico Michiles ................................................. 213

CAPÍTULO XIII – CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS: MÉTODOS DE SOLUÇÃONilcinara Huerb de Azevedo ............................................. 235

CAPÍTULO XIV – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E AS ATENUAÇÕES À TEORIA DE NULIDADE DA NORMA INCONSTITUCIONALRayanny Silva Siqueira Monteiro ..................................... 257

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APRESENTAÇÃO

Esta obra surge no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPGDA-UEA), no Curso de Mestrado em Direito Ambiental, em 2018, como fruto de pesquisas realizadas na disciplina obri-gatória Hermenêutica Constitucional e no Grupo de Pesquisa Direito Educacional Ambiental (DEA), cadastrado no CNPq,1 portanto, servindo de base para as linhas de pesquisa de nosso Programa, cujo resultado demonstra uma reflexão crítica que enfrenta os problemas mais atuais e complexos da hermenêuti-ca, com base em ricas e bem sedimentadas construções históri-cas, conceituais e teóricas, contribuindo para o desenvolvimen-to científico da área do Direito.

As diretrizes do documento de área do Direito da Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES serviram de norte para o desenvolvimento e publicação deste trabalho.

Esta publicação teve a sua editoração patrocinada por nós autores e doada ao PPGDA/UEA, como retribuição pela rica experiência proporcionada de convívio, desenvolvimento de pesquisa e debates de temas hermenêuticos. Além disso, abri-mos, a exemplo da Editora Valer, dos direitos de venda sobre esta obra, de forma que a mesma pudesse ser publicada no Por-tal na Internet do nosso Mestrado, com acesso universal e gra-tuito a todos os interessados, uma maneira de, humildemente, contribuirmos para a Ciência do Direito e colaborarmos para que o nosso Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu e a Uni-versidade do Estado do Amazonas cumpram com o seu neces-sário papel social.

1 Endereço para acessar aos dados do Grupo de Pesquisa no CNPq este espe-lho: dgp.cnpq.br/dgp/espelhorh/7746861653198261

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Agradecemos aos alunos da disciplina Hermenêutica Cons-titucional, do Grupo de Pesquisa DEA, à Coordenação do PPG-DA/UEA e à editora Valer, que realizou uma primorosa edição.

Prof. Dr. Eid BadrOrganizador e Autor

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CAPÍTULO I

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE O ADEQUADO ENFRENTAMENTO DE TEMAS

HERMENÊUTICOS COMPLEXOSEid Badr2

Timóteo Ágabo Pacheco de Almeida3

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta obra, como resta evidente, enfrenta temas complexos da hermenêutica constitucional. Assim sendo, a análise integral de temas social, político e juridicamente complexos apresen-ta certas minúcias e aparentes óbices ao estudo científico, os quais, como dito, devem ser superados de forma prévia.

A primeira etapa, uma das mais importantes, diz respei-to ao chamado corte epistemológico, como um divisor entre a abordagem científico-jurídica e o viés político, do estudo pura-mente filosófico ou mesmo da opinião pública acerca do tema.

A etapa referida, de confundível simplicidade, mostra-se extremamente relevante, especialmente pelo fato de o jurista e de o intérprete carregarem consigo ideologias próprias, que permeiam o exame científico de subjetividade. Se isto já ocorre na rotina acadêmica sobre assuntos marcadamente jurídicos e

2 Professor Adjunto da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integran-te do quadro docente permanente e da Coordenação do Programa de Pós-Gra-duação stricto sensu em Direito Ambiental da mesma Universidade (PPGDA/UEA), mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católi-ca de São Paulo (PUC-SP), advogado, e-mail: [email protected].

3 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uni-derp, pós-graduando em Direito Constitucional, promotor de justiça do Estado do Amazonas.

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abstratos – tais como os referentes às regras do processo –, resta ainda mais acentuado em temas fortemente interligados com a realidade política vigente.

Maria de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2017, p. 69), ao diferenciarem os tipos de conhecimento aplicados na metodologia científica, expõem que:

[...] o ideal de objetividade, isto é, a construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser alcan-çado se não ultrapassar os estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência particular. É necessário abando-nar o ponto de vista antropocêntrico, para formular hipóteses sobre a existência de objetos e fenômenos além da própria percepção de nossos sentidos, submetê-los à verificação planejada e interpretada com o auxílio das teorias. Por esse motivo é que o senso comum, ou o bom senso, não pode con-seguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é limitada sua racionalidade, pois está estreitamente vinculado à percepção e à ação.

É por meio desta última conclusão que se deve evitar que se adentre em nuances políticas ou ideologias pessoais dos seus autores ou pesquisadores. O exame hermenêutico deve obede-cer ao corte epistemológico quantitativo e qualitativo.

Nesta obra, os temas abordados devem ser interligados pelo denominador comum, que é a análise hermenêutica do ponto de vista constitucional, portanto, temas estranhos foram evitados. No que tange ao segundo, restringe-se à análise des-critiva – por meio de metodologia sistêmica e fenomenológi-ca – dos temas descritos, segundo critérios científico-jurídicos, além de complementos filosóficos, sem descer a discussões do meio político ou do cerne do chamado conhecimento popular.

Por outro lado, é inegável a inter-relação constante entre su-jeito e objeto de análise – elemento rotineiro em assuntos políticos, nos quais o jurista procura sempre examinar sua própria realidade –, como fator que igualmente restringe o estudo aqui realizado.

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Sobre esse ponto, são claras as lições de Roberto da Matta (1981, p. 18), ao diferenciar o objeto de estudo das Ciências Na-turais daqueles abordados pelas Ciências Sociais, aduzindo que nestas últimas, ao contrário das primeiras, a matéria-prima de análise consiste em “eventos com determinações complicadas e que podem ocorrer em ambientes diferenciados”, tendo, por cau-sa disso, a possibilidade de mudar seu significado de acordo com o ator, as relações existentes em um dado momento ou, ainda, a posição desses elementos em uma cadeia de eventos anteriores ou posteriores aos mesmos. A tudo isso, soma-se a complexidade da interação entre investigador e sujeito investigado, comparti-lhando “de um mesmo universo de experiências humanas”.

De certa forma, os temas eleitos produzem acentuadas in-dagações como: Quais os limites de atuação dos agentes proces-suais, diante de um cenário de crise representativa? Institutos, direitos e prerrogativas devem ser alargados ou restringidos? E até quanto? Qual o limite exato entre o ativismo judicial e a jurisdicionalização da política, na realidade contemporânea? Quais os limites da interpretação jurídica?

É nessa seara que o debate hermenêutico ganha vida – em especial, o referente à hermenêutica constitucional, de modo a visualizar e permitir a aplicação de normas jurídicas, para tam-bém buscar respostas aos questionamentos fáticos expostos.

Assim o faz, por um lado, renovando a interpretação do corpo normativo para atender ao dinamismo da realidade so-cial, e, de outra banda, impedindo que excessos sejam cometi-dos em detrimento de garantias e direitos constitucionalmente assegurados.

Nesse ponto, consoante apresentado pela doutrina pátria, a interpretação da norma constitucional deve ser guiada por parâmetros hermenêuticos bem estabelecidos, obedecendo ao mesotes aristotélico, sob pena de se perder, seja na total incom-patibilidade com a realidade fática, seja no campo dos abusos e excessos.

Nessa esteira, Sarmento e Souza Neto lembram que a her-menêutica utilizada para interpretar a norma, de forma alheia

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às capacidades institucionais reais dos agentes aos quais se aplicam – que muitas vezes se confundem com os próprios in-térpretes da norma –, mostra-se miópica e ineficaz. A norma perderia, desse modo, qualquer eficácia social, ante a nítida dis-paridade com a realidade fática, tornando-se letra morta ou, na famosa colocação de Ferdinand Lasalle quanto a constituições feitas desta forma, uma “mera folha de papel”.

Os mesmos autores acentuam que:

[…] a hermenêutica constitucional não deve ser construída a partir de idealizações contrafáticas dos intérpretes. No debate jurídico brasileiro, é preciso superar a miopia em relação às capacidades institucionais reais dos agentes que interpretam e aplicam as normas, para construir teorias mais realistas, que possam produzir, na prática, resultados que de fato otimizem os valores constitucionais (2012, p. 386 e 387).

Esses elementos compõem apenas parte das implicações advindas ao estudo crítico do cenário atual em suas variadas confluências e as perspectivas futuras que ainda nos aguardam, produto de suas consequências diversas.

2. A INTERDISCIPLINARIDADE NECESSÁRIA

Pensar nos temas propostos neste livro como fenômenos meramente políticos ou jurídicos é, decerto, uma incorreta conclusão. Em todas as suas atuais fases – e nas por vir –, a pro-blemática deve caminhar por diversos campos metodológicos distintos, exigindo análises sistemáticas e dando azo a estudos o mais diversificados possível. De igual modo, mesmo dentro do campo acadêmico jurídico, exigiu o exame de temas indu-bitavelmente distintos, seja no seu viés material, seja no que se refere ao âmbito processual.

O que se propõe harmoniza-se perfeitamente à ideia de modernidade líquida de Zygmunt Bauman, que descreve tal

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conceito, relacionando-o à constante incerteza da era contem-porânea, distinta dos tempos clássicos em que estruturas, insti-tuições, conceitos e valores eram mais sólidos.

Para o autor, naquela era, “o mundo tinha mais certezas”. Assim, a passagem ocasionou inúmeros impactos sociais no seio popular, gerando uma sociedade repleta de sinais confu-sos, inclusive nos campos da moral e a ética. Sobre este último ponto, faz-se mister transcrever o raciocínio de Bauman:

São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos con-formar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nos-sos contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos pas-sando de uma era de ‘grupos de referência’ predeterminados a uma outra de ‘comparação universal’, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001).

Ou seja, destacam-se prioritariamente a fluidez nos concei-tos, o individualismo nos objetivos e a efemeridade nas relações.

Esse parâmetro também justifica fatores, como a crença em ideais outrora pontuados como errôneos e a relativização de valores sociais. Como consequência última, a ansiedade e a an-gústia ocasionadas pela liquidez da novel modernidade podem gerar uma apatia social, consoante narra o autor, repercutindo na total descrença política. O que seria isso, senão a mais sincera definição e explicação sobre a crise de representatividade do Po-der Legislativo, que hoje incide sobre a classe política nacional?

Em termos práticos, o ser humano resolve omitir-se e re-cusar responsabilidades básicas, por meio da negação de tais

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responsabilidades, da relativização de sua imprescindibilidade ou, apenas, do total descaso para com estas. Em suma, sofre-se de uma “impotência social”.

Por outro lado, a inconstância de valores bem definidos e da defesa de ideais éticos voltados à própria população gera o men-cionado déficit representativo, o qual, no Brasil e em vários locais do globo terrestre, somente se agravou com o passar dos anos.

Esse preocupante cenário finda por repercutir na forma-ção de perfis diversos no meio social fluido, em sua maioria igualmente nocivos, como: os cidadãos totalmente desacredi-tados no poder político e com clara apatia social ao debate e à superação da realidade política atual; aqueles que assumem ideologias extremistas opostas, muitas vezes defendendo até mesmo o retrocesso de direitos fundamentais estabelecidos – esempli gratia, a utilização da pena de morte –, como solução para a referida realidade; os que negam a existência do proble-ma ou que dele se beneficiam.

Nesse prisma, é possível rememorar os ensinamentos de Roque Laraia (2001, p. 67 e 68), ao afirmar que “homens de cul-turas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões de-sencontradas das coisas”. O autor ainda explana o problema da herança cultural distorcida, ao definir em sucintas palavras que:

A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discri-minamos o comportamento desviante. (...) O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os dife-rentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corpo-rais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura.

De fato, nossa herança cultural, desde os primórdios do que se denominou posteriormente de “descobrimento do Brasil”,

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explica de modo único como certas nocivas práticas são, muitas vezes, vistas como normais e rotineiras no seio social pátrio.

O fenômeno chega ao ponto de agentes políticos reconhe-cidamente condenados pelo Poder Judiciário retornarem ao cenário político, por meio do voto democrático, dado por um povo que culturalmente nunca imputou à corrupção a real cul-pa pelas mazelas que provoca.

Sarmento e Souza Neto (p. 190 e 191) abordam as ideias supracitadas, traçando um paralelo com a já citada crise de re-presentatividade. Os autores explanam que:

Sem dúvida, subsistem no país gravíssimos problemas, que impactam negativamente o nosso constitucionalismo. O pa-trimonialismo e a confusão entre o público e o privado con-tinuam vicejando, a despeito do discurso constitucional re-publicano. O acesso aos direitos está longe de ser universal e as violações perpetradas contra os direitos fundamentais das camadas subalternas da população são muito mais graves e rotineiras do que as que atingem os membros das elites. A desigualdade permanece uma chaga aberta e a exclusão que ela enseja perpetua a assimetria de poder político, econômi-co e social. Há sério déficit de representatividade do Poder Legislativo, que é visto com desconfiança pela população. E a Constituição é modificada com uma frequência maior do que seria desejável.

Na seara jurídico-filosófica, a relevância dos temas que podem ser tratados igualmente se destaca remetendo ao estudo da moral e da ética, do justo socrático, do equilíbrio aristotélico e dos próprios imperativos categóricos kantianos.

Contudo, é no meio jurídico que as implicações marcada-mente ganham vida. E assim o fazem em temas revestidos de detalhes polêmicos sobre suas definições, abrangência e conse-quências, como será a seguir exposto.

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3. NOVAS PERSPECTIVAS: O QUE ESPERAR DO FUTURO?

No cerne jurídico, as possibilidades de novos ventos e da atualização de elementos clássicos – mas em grande parte já ob-soletos às demandas sociais atuais – são evidentes e não podem ser omitidas. Todos os pontos aqui já declarados e os que serão infra destacados apenas reiteram essa conclusão lógica.

Porém, assim como a caneta precisa da folha de papel para realizar a escrita, a mundo jurídico coexiste com o cenário fá-tico-político e, neste, ganha vida e eficácia. É, contudo, nessa miscelânea e encontro de mundos que o perigo também reside.

Mesmo com a definição clara – e a duras custas – de prin-cípios morais, éticos e jurídicos bem delineados, no mundo real das coisas o preto no branco se torna muitas vezes um quadro cinzento, capaz de ‘dobrar’ conceitos morais, confundir o públi-co e o privado, estimular impunidades e gerar outros inúmeros malefícios.

Nesse talante, Sarmento e Souza Neto (p. 190 e 191) ade-quam a mesma crítica à realidade cultural e histórica brasileira, destacando que:

O republicanismo no Brasil tem sido associado a diversas causas importantes, como a defesa da moralidade na vida pública, o combate à confusão entre o público e o privado na atuação dos agentes estatais, a luta contra a impunidade dos poderosos e o incremento à participação dos cidadãos na tomada de decisões pelo Estado e no controle da atuação dos governantes. Infelizmente, nossas relações sociais e políticas ainda mantêm características profundamente antirrepublica-nas: o patrimonialismo, o clientelismo, o ‘jeitinho’ e a cultura de privilégios para governantes e elite. Não é incomum que governantes tratem a ‘coisa pública’ como bem particular, e que ponham os seus interesses, ou os do seu grupo ou partido político, à frente do interesse da coletividade. A desigualdade na submissão à lei persiste: é ainda raro que governantes e in-tegrantes da elite sejam responsabilizados no Poder Judiciário

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pelos seus atos ilícitos. O engajamento cívico da cidadania no combate a essas mazelas ainda não é a regra, mas a exceção. Nesse quadro, uma dose de republicanismo na teoria consti-tucional se faz necessária, como remédio para certas disfun-ções da vida pública do país.

Desse modo, novas perspectivas se apresentam, uma nova realidade social, jurídica e política começa a despontar, de modo a exigir os cautelosos e livres olhares do estudo cien-tífico, desprovido – ao máximo possível – de idiossincrasias e ideologias políticas, e cujo foco deve ser, acima de tudo, buscar entender o que já ocorreu, tentar compreender qual o cenário presente e procurar analisar o que nos aguarda.

O otimismo desse cenário por vir não se mostra, por si só, um erro, mas carece de objetividade e de veracidade se inicia um percurso independente do realismo factual e, especialmen-te, da análise crítica da hermenêutica jurídica.

4. CONCLUSÃO

Independentemente de qual seja o desfecho da quadra histórica atual, repleta de mudanças paradigmáticas na inter-pretação e aplicação do Direito, uma constatação já se impõe: muitas regras, princípios e atos normativos apresentam uma abordagem hermenêutica completamente distinta. Como con-sequência disto, um imprevisível panorama se sobressai, com repercussões indefinidas, mas fundamentos hoje já examiná-veis pelo intérprete, pelo jurista, pelo filósofo e pelo cientista jurídico.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jor-ge Zahar Ed., 2001.

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FISHER, Douglas. Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil. Salvador: JusPODIVM, 2010.

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica / Marina de Andrade Marconi, Eva Maria Lakatos. 8 edição. São Paulo: Atlas, 2017.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológi-co. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antro-pológica social. Petrópolis: Vozes, 1981.

SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Di-reito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

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CAPÍTULO II

MUTAÇÃO CONSTITUCIONALCamila Jatahy Araújo4

1. INTRODUÇÃO

O Brasil traz como lema em sua bandeira “Ordem e Pro-gresso”. O progresso implica em uma sociedade em desenvolvi-mento, ou seja, traz como consequência que o passar dos anos haja uma suposta evolução no pensamento da sociedade, im-plicando em novos comportamentos, o que faz com que surjam novos direitos e obrigações.

Assim, as leis, para que não caiam em um desuso, faz--se de extrema importância a sua manutenção. Igual como toda engrenagem para que o sistema continue funcionando, ela nem sempre necessita que suas peças sejam trocadas, mas apenas uma limpeza ou troca de óleo é o suficiente para que o sistema não pare ou, não haja necessidade de se adquirir uma nova engrenagem.

O mesmo ocorre com o sistema de leis. Para que não seja necessária a convocação de uma assembleia constituinte de tempos em tempos para a formulação de uma nova constitui-ção ou para que o próprio texto da Carta Magna não se encha de retalhos, ou, ainda, para que certos direitos não pereçam no tempo e quem deles puder desfrutar não deixe de ser assistidos em virtude da demora que existe para criar-se uma lei ou al-terar um texto constitucional, faz-se extremamente necessário

4 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduada em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera, bolsista do programa CAPES, e-mail: [email protected]

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que haja um sistema mais rápido, prático, eficaz – não deixando de ser seguro – para que se altere a intepretação de uma norma constitucional sem implicar na alteração do seu texto.

A Mutação Constitucional existe exatamente para isso – fazer com que a Constituição não pereça no tempo, não perca o seu sentido e deixe de atender a sociedade em virtude de es-tar sempre em constante evolução, mudando seus paradigmas, suas crenças, seus ideais.

Contudo, o tema traz alguns questionamentos como, por exemplo, se a Mutação Constitucional poderia ofender prin-cípios constitucionais ou extinguir direitos, ou então se o ins-tituto ofende a própria democracia ou interesse da sociedade. Questiona-se quais preceitos devem ser encarados para que a Mutação Constitucional tenha legitimidade e quais limites de-verá obedecer.

Nos próximos tópicos pretende-se explanar acerca de al-gumas formas e exemplos de Mutação Constitucional e tam-bém os limites que precisam ser obedecidos, com clareza e bus-cando expandir horizontes sobre o tema.

2. CONCEITO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal brasileira, atualmente vigente, pode sofrer alteração por meio formal ou informal. A alteração formal dá-se por meio de emendas constitucionais, estipuladas no Art. 60 da Magna Carta, abaixo destacada:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;II – do Presidente da República;III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das uni-dades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

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A alteração informal dá-se por meio de uma nova inter-pretação à determinada normal. Essa nova interpretação não ocasiona mudança material, ou seja, o texto constitucional con-tinua intacto.

A essa alteração informal dá-se o nome de Mutação Cons-titucional, a qual é entendida como uma forma de se alterar a interpretação dada a uma determinada norma, no entanto, sem que haja uma alteração em seu texto.

Como bem leciona Luís Roberto Barroso:5

Com efeito, a modificação da Constituição pode dar-se por via formal e por via informal. A via formal se manifesta por meio da reforma constitucional, procedimento previsto na própria Carta disciplinando o modo pelo qual se deve dar sua alteração. (...) Já a alteração por via informal se dá pela de-nominada mutação constitucional, mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance de normas da Cons-tituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação do seu texto. A mutação está associada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas constitucionais.

A fim de se evitar a demora existente em um procedimento de alteração formal da Constituição Federal, a Mutação Consti-tucional surge como uma excelente alternativa de se manter as leis pátrias de Estado em consonância com os anseios sociais.

Como afirma Canotilho,6 ao denominar de transição constitucional, explica que é à revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição sem alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto.

5 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2018, p. 160.

6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Cons-tituição, 2003, p. 1.228.

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Nesse mesmo sentido, complementa o professor Blanco de Morais,7 ao dizer:

Experimentam alterações formais por via de emendas parla-mentares ou referendárias mas, igualmente, alterações infor-mais e difusas que desvitalizam ou alteram seu sentido, sem que as disposições e enunciados normativos experimentem qualquer modificação. Estas alterações tácitas ou implícitas da Lei Fundamental em que o conteúdo das normas é modi-ficado sem prejuízo de o texto se manter intocado, são desig-nadas de mutações informais da constituição.

Não pode, entretanto, contrariar algumas exigências cons-titucionais, como cláusula pétrea, direitos fundamentais. A mutação constitucional deve ser utilizada de forma a atender a sociedade, mesmo que seja parte dela. Deve-se sempre estar respaldada pela vontade do povo, como bem explicou Luís Ro-berto Barroso, ao dizer que para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade, estando respal-dada, portanto, pela soberania popular.

Em situações nas quais a mutação não preencha requisi-tos de uma vontade coletiva ou viole preceitos fundamentais ou cláusulas pétreas, contrarie princípios fundamentais, o Supremo Federal – por ser o guardião da Constituição – deve posicionar--se a fim de abolir o novo entendimento a determinada norma.

Assim sendo, de forma elucidativa, Canotilho8 explica que:

A necessidade de uma permanente adequação dialética entre o programa normativo e a esfera normativa justificará a acei-tação de transições constitucionais que, embora traduzindo a

7 MORAIS, Carlos Blanco de. Constitucionalismo e democracia. 2013, p. 493-494.

8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Cons-tituição, 2003, p. 1.229.

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mudança de sentido de algumas normais provocado o impac-to da evolução da realidade constitucional, não contrariam os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da Constituição. O reconhecimento destas mutações silenciosas (stille Ver-fassungswandlungen) é ainda acto legítimo de interpretação constitucional.

Desta forma, percebe-se que a Mutação Constitucional além de anteder uma determinada demanda social para reves-tir-se de caráter democrático, precisa também respeitar prin-cípios constitucionais, não contrariar cláusulas pétreas e tam-pouco infringir direitos sociais e fundamentais resguardados na Carta Magna.

3. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL NO ÂMBITO INTERNACIONAL

A Mutação Constitucional é um instituto utilizado em vá-rios locais do mundo. E para os que pensam se tratar de algo inovador, não é. Exemplifica-se esse instituto de dois casos em-blemáticos,9 que ocorreram nos Estados Unidos, o primeiro em meados da década de 1930 e o outro em meados dos anos 1950.

Em meados dos anos 1950, mais precisamente em 1954, a Suprema Corte norte americana proferiu, no caso Brown v Board of Education, “a integração racial nas escolas públicas”. O pensamento até então era de segregação racial, havia uma ideia legitimada pela doutrina de que “iguais mas separados” no tra-tamento envolvendo brancos e negros. Com a mudança de pos-tura da Suprema Corte, o entendimento constitucional – o qual foi firmado a partir do julgamento Plessy x Ferguson – passou a ser outro, e não mais o de “iguais mas separados”.

9 Sobre os episódios narrados, ocorridos nos Estados Unidos v. Luís Roberto Barroso. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2018, p. 161.

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Outro caso foi o da jurisprudência adotada a partir do New Deal. Anteriormente, a constituição entendia que as legis-lações trabalhista e social afrontavam a liberdade de contrato assegurada constitucionalmente. No entanto, a partir do New Deal – proposta por Roosevelt e aprovada pelo Congresso – o novo entendimento era de que tais legislações eram considera-das constitucionalmente válidas.

Ambos os casos mudaram o sentido da Constituição ame-ricana, no entanto em nada se alterou o seu texto. Percebe-se a utilização de Mutação Constitucional para se dar um novo entendimento constitucional sem que haja alteração formal.

Como dito acima, o tema Mutação Constitucional não pode ser encarado como um procedimento novo. Há mais de um século vem sendo debatido em alguns locais do mundo. Como explanou o ministro Gilmar Mendes10 acerca do tema:

O tema da mutação constitucional remonta à doutrina do sé-culo XIX, notadamente à literatura alemã, na qual Paul Laband utilizou o termo, em 1895, pela primeira vez. Sua teoria mar-cou a noção, ainda inserida na lógica imperial, de uma Consti-tuição suscetível a mudanças de cunho informal, em razão da ação do executivo ou pela influência de usos e costumes con-trários ao texto. Nos anos seguintes Georg Jellinek recuperou o tema da mutação constitucional, diferenciando-a da reforma formal como mudança produzia de modo não intencional.

Por ser antigo não significa estar ultrapassado, pelo con-trário. A Mutação Constitucional cada vez mais é aperfeiçoada e utilizada em demais países. Para demonstrar a importância acerca do instituto de mutação e sua eficácia, o ministro Luís Roberto Barroso elucidou que as principais modificações cons-titucionais americanas não se deram por via de emenda formal.

10 MENDES, Gilmar Ferreira; MORAIS, Carlos Blanco de. Mutações Constitucio-nais. 2016, p. 178-179.

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Percebe-se, então, a importância dada ao instituto no âm-bito internacional e como a sua utilização é tida por democracias expressivas, como a dos Estados Unidos. Demonstra-se, assim, a necessidade de fazer com que os demais países busquem utili-zar cada vez mais a Mutação Constitucional afim de atender as demandas sociais sem as demoras de uma alteração via formal.

4. MECANISMOS DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

Essa nova interpretação dada a determinado dispositivo constitucional por via informal pode ser realizada em distintos campos, como por exemplo por meio de decisões judiciais ou administrativas.

Também pode dar-se pela atuação do próprio legislador, ao elaborar uma lei ordinária ou complementar, por exemplo, ou, ainda, por meio de costumes, os quais poderão, pelas prá-ticas dos próprios cidadãos e/ou agentes públicos, criar um pa-drão de conduta.

Abaixo, buscou-se distinguir esses campos de forma a tra-balhar de uma maneira mais conceitual e explicativa a consis-tência de cada um deles e poder elucidá-los com exemplos.

4.1. Mutação Constitucional por via da interpretação

A mutação constitucional por via da interpretação dá-se na medida em que o ordenamento jurídico brasileiro, por meio do Supremo Tribunal Federal, passa a entender de forma diversa da anterior determinada norma ou procedimento constitucional.

É importante esclarecer que não se pode confundir essa medida com a mera alteração de uma jurisprudência, visto que essa pode dar-se por mera alteração do ponto de vista do julgador

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ou por mudança na composição do tribunal.11 Um exemplo que pode ser dado dessa mutação por via judicial foi o que ocorreu com o foro por prerrogativa de função – o qual consiste em, de maneira sucinta, um critério de competência da jurisdição.

Anteriormente entendia-se que o popularmente chamado de foro privilegiado era direito do agente público mesmo quan-do se encontrava fora de suas funções ou cargo, tendo sido esse conhecimento consolidado na súmula 394 do próprio Supre-mo, a qual dispunha que cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.

No entanto, por meio da QO, no Inquérito 687/DF, o Su-premo passou a ter um novo entendimento sobre do tema. O que se vigora é que o critério de competência da jurisdição, o foro por prerrogativa de função, somente será utilizado en-quanto o agente estiver no cargo ou no exercício da função.

Com isso, a súmula 394 foi cancelada, contudo, a norma da qual trata o assunto – Art. 102, I, b, da Constituição – em nada sofreu alteração material, como abaixo se transcreve:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipua-mente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I – processar e julgar, originariamente:b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

A Mutação Constitucional pode dar-se, também, da via administrativa. Neste cenário a administração pública possui o denominado Poder Regulamentar, o qual dá a ela a opção de realizar a edição de atos gerais no intuito de complementar leis.

11 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2018, p. 167.

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O poder regulamentar pode se dar pela edição de instru-ções normativas, resoluções, portarias, decretos, entre outros. Um exemplo de Mutação Constitucional que ocorreu na via ad-ministrativa é pela Resolução n.º 7, disciplinada pelo Conselho Nacional de Justiça e publicada em 2005.

A Resolução trazia o entendimento de que a investidura de por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para o exercício de cargo de provimento em comissão ou função gratificada, estava vedada. O caput do referido artigo trazia em seu texto é vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.12

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal posicionou--se, declarando que a referida Resolução era constitucional, por meio do ADC-MC 12.

Sobre o tema de Mutação Constitucional pela interpreta-ção judicial e/ou administrativa, definiu Luís Roberto Barroso:13

A mutação constitucional por via de interpretação, por sua vez consiste na mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento preexistente. Como só existe norma inter-pretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitu-cional quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente, seja pela mudança da realidade social ou por uma nova percepção do Direito. O mesmo se passará em relação à interpretação administrativa, cuja altera-ção, inclusive, tem referência expressa na legislação positiva.

12 Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_07.pdf>

13 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2018, p. 167.

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Assim sendo, resta claro que, para que haja uma Mutação Constitucional por via da interpretação, necessário se faz que exista uma interpretação preexistente para que a nova dê lugar a antiga.

4.2. Mutação Constitucional por meio da atuação do legislador

O Poder Legislativo tem como função típica editar leis, as quais devem, como regra, atender as demandas sociais e que respeitem a Constituição Federal e seus princípios.

No entanto, não se pode confundir a mera elaboração de uma lei com Mutação Constitucional. Desta forma, Luís Ro-berto Barroso definiu que haverá mutação constitucional por via legislativa quando, por ato normativo primário, procurar-se modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional.

A Mutação Constitucional, por via administrativa, ocorre-rá nos casos em que, na existência de um entendimento acerca de um tema vier uma lei que dispositiva entendimento diverso.

Um exemplo de Mutação nesse sentido foi em relação ao caso já relatado anteriormente no item 3.1 sobre Foro Por Prerrogativa de Função. Após o entendimento que cancelou a súmula 394, o Poder Legislativo, por meio do Congresso Na-cional, elaborou a lei n.º 10.628 – a qual foi sancionada em 24 de dezembro de 2002 pelo então presidente à época, Fernando Henrique Cardoso.

A referida lei previa que a competência especial por prer-rogativa de função valeria mesmo quando o agente público não mais ocupasse o cargo ou função a qual garantia tal direito. Ou seja, a lei restabelecia o entendimento anterior ao cancelamento da súmula 394.

Contudo, por meio da ADIN n.º 2.797-2 a lei foi declarada inconstitucional, o que fez com que a Mutação Constitucional fosse desfeita. O que se demonstra que em relação à Mutação

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Constitucional a última palavra para saber de sua validade será sempre do Supremo Tribunal Federal.

4.3. Mutação Constitucional por meio dos costumes

O costume é visto como uma fonte de direito no orde-namento jurídico brasileiro, de acordo com o Art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao dispor que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Doutrinariamente há o entendimento de que os costumes poderão enquadrar-se em três modalidades: secundum legem ou interpretativo, praeter legem ou integrativo e contra legem ou derrogatório.

Dos três acima citados, apenas o derrogatório implica a violação da Constituição, posto que ele se trata de um costu-me contra a lei. Portanto, não pode ser aceito no ordenamen-to jurídico brasileiro, muito menos como forma de Mutação Constitucional.

Um exemplo de mutação por meio do costume que ocor-reu no cenário brasileiro, foi o caso das CPIs – Comissão Par-lamentar de Inquérito – na qual passou a admitir-se de forma pacífica a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscais.

5. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Mutação Constitucional no ordenamento jurídico brasi-leiro, para que ocorra de forma legítima, necessariamente preci-sa obedecer a regras expostas na própria Constituição Federal.

Como elucidou Manoel Filho,14

14 MENDES, Gilmar Ferreira; MORAIS, Carlos Blanco de. Mutações Constitucio-nais. 2016, p. 329.

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No tocante às mudanças informais, estas podem apenas de-senvolver, complementar, ou – use-se a palavra mágica – in-terpretar a Constituição. Assim, por não entrarem em choque com a Lei Magna, são aceitas, vendo-se sua validade como decorrência da validade da Constituição e da sua legitimidade.A situação é outra, se colidem com a Constituição. O que pode ocorrer quando estabelecidas em desobediência frontal ao procedimento prescrito, ou contrariando seus princípios e regras. Nesses casos, são inválidas e o controle de constitucio-nalidade deve anulá-las.

Como exposto em tópicos anteriores, o Supremo Tribu-nal Federal será sempre o último a dar a palavra quando de-terminada Mutação advir de outra esfera – seja administrativa, legislativa ou do próprio judiciário, no entanto de jurisdição diversa. Posto que a ele cabe a guarda da Constituição Federal, como bem preceitua o Art. 102, ao dizer que compete ao Supre-mo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição.

Atualmente, encontra-se em debate no próprio Supremo acerca do tema Filiação Partidária por meio do ARE 1054490, o qual tem como relator o ministro Luís Roberto Barroso. A importância dessa discussão dá-se pelo fato de se trazer como fundamento da candidatura avulsa – ou seja, sem vinculação partidária – a utilização do instituto da Mutação Constitucio-nal por via da interpretação do Art. 14, § 3.º da Constituição Federal, no qual consta o seguinte texto:

§ 3.º São condições de elegibilidade, na forma da lei:I – a nacionalidade brasileira;II – o pleno exercício dos direitos políticos;III – o alistamento eleitoral;IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;V – a filiação partidária;VI – a idade mínima de:

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A ideia que se defende é a de que em uma nova interpre-tação seja dado o entendimento para que a exigência de filiação partidária ocorra apenas nos casos em que o próprio cidadão que deseje concorrer por meio de partido político a ele possa se filiar. Assim, exclui-se a ideia de rejeitar-se a possibilidade de um cida-dão poder concorrer às eleições por candidatura independente.

Assim, percebe-se que por meio da utilização da Mutação Constitucional busca-se dar um novo entendimento a determi-nado texto constitucional sem que haja a necessidade de se fa-zer uma emenda para alteração do seu sentido, posto que a via formal consiste em procedimento demorado.

Ao dispor sobre os limites da Mutação Constitucional, para que a mesma tenha a devida legitimidade, Luís Barroso15 ilustrou:

Sua legitimidade deve ser buscada no ponto de equilíbrio en-tre dois conceitos essenciais à teoria constitucional, mas que guardam tensão entre si: a rigidez da Constituição e a plasti-cidade de suas normas. A rigidez procura preservar a estabili-dade da ordem constitucional e a segurança jurídica, ao passo que a plasticidade procura adaptá-la aos novos tempos e às novas demandas (...)

Diz ainda que a Mutação Constitucional deverá ser im-pedida por dois limites os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição.

Por assim dizer, dentro do ordenamento jurídico brasilei-ro, assim como há respaldo para a Mutação Constitucional, há também limites impostos os quais devem ser sempre observa-dos pelo Supremo Tribunal Federal, por ser de sua competência o feito – posto que é conhecido, pelo senso comum, como o guardião da Constituição Federal.

15 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2018, p. 164.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, percebe-se a importância dada para o ins-tituto da Mutação Constitucional, não apenas no plano nacio-nal, mas também internacional. Para que uma constituição seja respeitada e atenda às necessidades de uma sociedade, necessá-rio se faz que ela seja contemporânea.

Mas, afim de se evitar retalhos e demoras para que de-terminados anseios e direitos sociais sejam atendidos, busca-se soluções cada vez mais eficazes e que sejam também rápidas.

A Mutação Constitucional é vista assim. Por se tratar de um instituto que provoca uma alteração informal do texto constitu-cional – ou seja, não há mudança no texto – não se faz necessário o exaustivo rito de uma Emenda Constitucional, por exemplo.

No entanto, para que seja vista como legítima e democrá-tica, tal alteração informal apenas pode ocorrer se, primeira-mente decorrer de um anseio social – mesmo que não haja uma maioria. Em segundo lugar, precisa respeitar limites constitu-cionais, como não extinguir cláusula pétrea tampouco direitos fundamentais. Há também de se observar os princípios consti-tucionais existentes.

Uma Constituição jamais pode ser vista como um orde-namento a ser obedecido pelas futuras gerações sem que haja mudança, posto que a sociedade está sempre em transformação e como consequência disso novos questionamentos surgem.

Para isso, faz-se extremamente necessário que haja alterna-tivas que busquem manter a Carta Magna em constante atuali-zação, a fim de que atenda as demandas sociais, tornando assim o ordenamento jurídico cada vez mais próximo da sociedade.

Assim sendo, por meio do instituto da Mutação Constitu-cional percebe-se a importância do Supremo Tribunal Federal em cada vez mais se posicionar nos temas aos quais à ele são in-vocados, ao passo que a sua decisão implicará não só a atender determinada demanda social, como também buscar limitar-se aos princípios constitucionais, bem como os direitos sociais e fundamentais ali expostos.

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REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Con-temporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do. Brasília: Con-gresso Nacional, 1988.

BRASILEIRO. Lei de introdução às normas do Direito. Brasília: Congresso Nacional, 1942.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003.

FEDERAL, Supremo Tribunal. 974 – Possibilidade de candida-turas avulsas para pleitos majoritários. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAn-damentoProcesso.asp?incidente=5208032&numeroProces-so=1054490&classeProcesso=ARE&numeroTema=974>. Aces-so em 28 de out. 2018.

MENDES, Gilmar Ferreira; MORAIS, Carlos Blanco de. Muta-ções Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2016.

MORAIS, Carlos Blanco de. Constitucionalismo e democracia. Salvador: Juspodivm, 2013.

Resolução n.º 7, de 18 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_07.pdf> Acesso em 28 de out. 2018.

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CAPÍTULO III

ATIVISMO JUDICIAL: QUAL O LIMITE PARA A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO?

Deicy Yurley Parra Flórez16

1. INTRODUÇÃO

A crescente evolução da sociedade forçou ao sistema polí-tico a avançar e produzir novos conteúdos, especialmente para o sistema judicial. O papel dos juízes e tribunais começou a ser questionado por causa das mudanças geradas em suas funções, e pela maneira em como se interpretavam e emitiam as senten-ças, já que no modelo clássico ou Estado de Direito os juízes eram considerados como “boca da lei”, diferente do modelo atual em que os juízes constitucionais adquiriram um papel mais amplo, baseando suas decisões em interpretações cons-titucionais que materializaram o chamado “Ativismo Judicial”.

Este termo foi mencionado pela primeira vez em 1947 e até o momento continua gerando quantidades de discussões em razão da sua complexidade, inicialmente por sua definição, seguido de suas características, vantagens ou riscos e seus li-mites. Neste sentido, os juízes, como autores principais no de-senvolvimento deste fenômeno, têm a ampla tarefa de emitir decisões que vão impactar no campo social de forma negativa ou positiva.

Frente a esta situação surge a incógnita de quais são os limites que o Poder Judiciário deve cumprir no momento de adotar uma decisão, na medida em que se deve basear em cri-

16 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), bolsista do Convênio Internacional OEA/UEA, advogada na Colômbia.

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térios lógicos, razoáveis e legítimos que garantissem o cumpri-mento dos direitos fundamentais e ao tempo acatem os linea-mentos normativos e de ética.

Por causa disso, o curso desta investigação avançará pro-gressivamente, mencionando inicialmente a historia do ativis-mo judicial; continuando, abordaremos as teorias do ativismo judicial com alguns riscos e vantagens deste fenômeno, para finalmente concluir citando os limites do Poder Judiciário.

2. ATIVISMO JUDICIAL E SUAS ORIGENS

Com a estrutura do Estado de Direito várias questões sur-giram em torno da noção de justiça, dada à estrutura de poder e representação da lei como autoridade, em que o Judiciário era boca da lei definindo direitos, poderes e garantias do Estado.17 Por outro lado, com o surgimento do Estado Constitucional na Revolução Americana, foi abandonada qualquer concepção que impedisse que a lei fosse aplicada cegamente.

Na transição para um Direito moderno, que se caracteri-zava essencialmente pela primazia da lei, o principio de lega-lidade e a omnipotência do legislador (ou seja, a primazia da política), o Estado de Direito foi suplantado pela imposição do Estado Constitucional de Direito, em que prevalece a Consti-tuição sobre a lei. Esta última sometida aos princípios consti-tucionais, deslocando o papel omnipotente do legislador para outorgar a os tribunais constitucionais e os juízes ordinários o poder-dever de ativar o controle de constitucionalidade.18

17 SANTAMARÍA, Ramiro. Del Estado legal de derecho al Estado Constitucional de derechos y justicia. Anuario de Derecho Constitucional Latino-americano año XV, Montevideo, p. 775-793, 2009. Disponível em: <https://es.scribd.com/docu-ment/247033519/Diferencias-Entre-Estado-de-Derecho-y-Estado-Constitucio-nal>. Acesso em 1 de dez. 2018.

18 FERRAJOLI, Luigi. Jueces y política. Derechos y libertades: Revista del Insti-tuto Bartolomé de las Casas, vol. 4, nº 7, 1999.

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Com o novo paradigma desenvolvido se possibilitou, se-gundo o manifestado por Luigi Ferrajoli, a sujeição da lei e a Constituição tornando ao:

[...] juiz responsável pela garantia dos direitos fundamentais mesmo antes do legislador [...]. Seu papel não é mais, como no antigo paradigma paleo-positivista, aquele da sujeição à letra da lei, qualquer que seja seu significado, mas o da sujei-ção à lei apenas na medida em que é válida, isto é coerente, com a Constituição.19

Neste modelo, o juiz tem a capacidade de interpretação para tomar decisões conforme os princípios estabelecidos na Norma Suprema, com o objetivo de garantir os direitos funda-mentais e a proteção do Estado nela reconhecidos, ampliando sua margem de atuação, e também na configuração de seus li-mites. Expansão que simultaneamente levou o Poder Judiciário a um posicionamento politico e institucional respeitável, a pon-to de suscitar disputa com os outros poderes.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso a constitucionali-zação do Direito, mais que um sistema em si de unidade ou ordem, é um modo de interpretar todas as ramas do Direito por sua determina da ligação ao:

Efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, fins públicos e os com-portamentos contemplados nos princípios e regras da Cons-tituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas de direito infraconstitucional.20

19 FERRAJOLI, Luigi. Jueces y política. Derechos y libertades: Revista del Insti-tuto Bartolomé de las Casas, vol. 4, nº 7, 1999, p. 68, 69.

20 BARROSO, Luís R. A Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 93.

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É assim, como na conformação dos Estados Constitucio-nais democráticos, a divisão do Direito e da Política persiste, na medida em que no primeiro vigora a Supremacia da lei e respeito aos direitos fundamentais, representando o domínio da razão pública, enquanto na Política subsiste a soberania po-pular e o principio majoritário. O domínio da vontade.21

Não obstante, apresentam-se dois momentos que fazem uma clara distinção a esta divisão: num primeiro momento, a criação do Direito, produto de um processo constituinte e do processo legislativo (vontades das maiorias), e um segundo momento, o Direito de aplicação, pretendendo-se neste último a separação com a politica a fim de evitar a influência do poder político sobre o judiciário.22

Medidas que se concretizaram como proteção para o Po-der Judiciário ante as vinculações e imposições da politica na tomada de decisões, mas que pela multiplicidade de conflitos e a dificuldade de produzir respostas antecipadas e concretas, o Judiciário interfere no domínio da política para resolver ques-tões em disputa.

Nesta ordem, Lênio Streck agrega que as decisões das Cortes estão julgando por politicas em grandes causas e não por princípios, ou seja, que a interferência do Direito nas Cortes está criando a formulação de política públicas, procurando adquirir sua legitimação no Supremo, ao trabalhar temas controvertidos como a “descriminalização do aborto”, “o uso de células-tronco embrionárias”, “a união homoafectiva”, e enfim, muitas outras causas sociais que precisam de soluções rápidas.

Barroso menciona por outro lado que as decisões estão influenciadas em três grandes grupos ou modelos que facili-tam a compressão na tomada de decisões pelo Poder Judiciário. O modelo legalista, influenciado pela Constituição, as leis, os

21 BARROSO, Luís R. A Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 146.

22 BARROSO, Luís R. A Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 147.

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precedentes, as doutrinas aplicáveis, os próprios princípios e os conceitos fundamentais naturalmente. O segundo, e o modelo ideológico, influenciado pelas ideias ou visão do mundo pes-soal, seu ponto de observação da vida e do que considera ser bom e justo. E por último o modelo institucional, guiado pelo Direito e à própria subjetividade do juiz, influenciados pela so-ciedade, viabilidade no cumprimento da decisão e a relação en-tre julgadores nos órgãos colegiados.23

Além disso, como se mencionou, com a ampliação do papel político no Judiciário e o relacionamento entre Direito e Política, o agir dos juízes e tribunais mudou de forma tal que permitiu propagar o ativismo judicial. Transformações que provocaram uma fragmentação na compreensão da locução, gerando diversidade de posturas e perspectivas.

3. ORIGEM DA EXPRESSÃO ATIVISMO JUDICIAL

Descrito o anterior, deve-se agregar que a ideia de ati-vismo judicial existiu muito antes que o termino aparecesse, pois para o século XX alguns estudiosos do Direito já falavam e apresentavam diversas posturas frente à nação de “legislação judicial” (descrito como: o crescimento da lei nas mãos dos juí-zes),24 por um lado, considerado por Blackstone como a mais forte caraterística da lei comum, enquanto Bentham a considera como uma usurpação, uma farsa ou sofisma miserável.25

23 BARROSO, Luís R. A Judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 152.

24 KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judicial Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1444. Disponivel em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em: 10 out. 2018.

25 SCHLESINGER. Arthur M., Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947, at 202, 208, apud KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judicial Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1445. Disponivel em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em: 10 out, 2018.

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Sem embargo, o termo apareceu pela primeira vez na revista de alcance geral chamada Fortune, escrito por Arthur Schlesinger Jr. em inícios do ano de 1947, mostrando uma aná-lise dos juízes da Suprema Corte e as diversas alianças e divi-sões. Por um lado, os juízes Black, Douglas, Murphy y Rutlege como os Ativistas Judiciais, e os juízes Frankfurter, Jackson y Burton como os Campeões do Ser, e o juiz Reed e o Presidente do Tribunal Supremo Vinson, que formaram um meio.26 Por causa desta divisão feita por Schlesinger na época é ainda digna de ser analisada na atualidade, já que:

Esse conflito pode ser descrito de diferentes maneiras. O gru-po de Black e de Douglas acredita que a Suprema Corte pode desempenhar um papel afirmativo na promoção do bem--estar social; o grupo de Frankfurter e Jackson defende uma postura de autocontenção judicial. Um grupo está mais preo-cupado com a utilização do poder judicial em favor de sua própria concepção do bem social; o outro, com a expansão da esfera de atuação do Legislativo, mesmo que isso signifique a defesa de pontos de vista que eles pessoalmente condenam. Um grupo vê a Corte como instrumento para permitir que os outros Poderes realizem a vontade popular, seja ela melhor ou pior. Em suma, Black-Douglas e seus seguidores parecem estar mais voltados para a solução de casos particulares de acordo com suas próprias concepções sociais; Frankfurter--Jackson e seus seguidores, com a preservação do Judiciário na sua posição relevante, mas limitada, dentro do sistema americano.27

26 SCHLESINGER Arthur M, Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947, at 202, 208, apud: KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judi-cial Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1446. Disponivel em: <http://scholar-ship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em 10 out. 2018.

27 SCHLESINGER Arthur M, Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947, at 202, 208, apud KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judicial Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1446, 1447.. Disponivel em: <http://scholar-ship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em 10 out. 2018.

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Desde então, a locução de ativismo foi reconhecida uti-lizando-se tempo depois, nos anos cinquenta, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, direcionada pelo Juiz Earl Warren (1953-1969), pois com anterioridade vinham-se produzindo fa-lhas de natureza conservadora: segregação racional (Dred Sctt x Sanford, 1857), a não validação dos direitos sociais (Lochner, 1905-1937),28 apresentando-se, pelo contrário, casos especiais de direitos fundamentais como o caso de Browm v, Board of Edu-cation de 1954, que ilegitimou a segregação racial nas escolas, o caso de Miranda v, Arizona, em 1966, que narrou o direito de não auto-incriminação, Baker v. Carr, em 1962, sobre liberdade de direitos políticos, entre outros exemplos representativos que no seu momento adquiriram uma conotação negativa, deprecia-tiva, equiparada ao exercício improprio do poder judicial.29

4. MODELOS TEÓRICOS DO ATIVISMO JUDICIAL

Em razão da complexidade do termino, diversos autores dedicaram-se a construir distintos modelos do ativismo judi-cial e a enumerar algumas de suas críticas ou vantagens.

No modelo construído pelo jurista Lênio Streck30 se equi-para com a noção de que o ativismo judicial é uma questão com-portamental, ele depende da opinião como juiz, como ministro, [...] substitui os juízos morais, políticos, econômicos do legislador por os seus, em outras palavras, estabelece critérios por meio de sua subjetividade, ação que também denominou como “deci-sões solipsistas”.

28 BARROSO. Luis R. Ano do STF: Judicializaçao, ativismo e legitimidade de-mocrática. Retrospectiva 2008. Rio de Janeiro: mimeo, 2009. p. 6.

29 BARROSO, Luis R. a Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 44.

30 Justiça Viva #37 - Lenio Streck. Produção de STJ, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 03/abr/2018. Video Youtube (29 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2HIUMYGMS6Y> Acesso em 22 out. 2018.

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Nessa ordem de ideias, Dam Shubhankar destaca que o ati-vismo judicial é consequência da globalização, pelo qual destaca:

Embora o ativismo judicial não seja per se uma usurpação das funções do legislativo e do executivo, ele também não deve ser celebrado de forma acrítica, função judicial necessita de cuidadosa consideração e cautelosa execução. O ativismo ju-dicial irrestrito pode ser um golpe mortal para a democracia.31

Se bem que o autor se centra nas condições socioeconô-micas atuais e na separação dos poderes, apresenta a noção de forma pejorativa, no entendimento que observa aos juízes como indivíduos capazes de criar autonomia.

O modelo de Keenan Kmiec sobre ativismo judicial carac-teriza-se por:

[...] decisões que derrubam as ações constitucionais em ou-tros campos; decisões que ignoram precedentes; decisões em que os Tribunais atuam como poder legislativo; decisões que afastam a metodologia de interpretação; e decisões que envol-vem resultado orientado de julgamento.32

Mas que de forma alguma não integra todos os elementos essenciais do ativismo judicial e suas consequências, limitando--se a descrever determinadas dimensões.

Aludidas só umas noções assentadas no ativismo judicial de forma negativa, se abarcarão, por outro lado, também de for-ma geral as locuções que consideram o ativismo judicial como virtude ou instrumento que consagra importantes elementos para a manutenção ou construção de questões que precisam ser concretizadas no aspecto social.

31 DAM, Shubhankar. Judicial Actiivism. In CLARK, David S. Encyclopedia of Law & Society. American and Global perspectives. London: Sage Publications, 2007.

32 ANDERSON, Gary l.; HERR, Kathsyn G. Encycolpedia of Activismo &social justice. London: Sage Publications, .v. 2, 2007, p. 787.

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Segundo o modelo de Luís Alberto Barroso,33 convergente com os anteriores, ele expõe o ativismo judicial como: a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, que procura extrair o máxi-mo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo in-vadir o campo da criação livre do Direito34. Em outras palavras, quer isto dizer que a participação do Judiciário tem maior inter-venção no espaço de atuação que os outros dois órgãos.

De igual modo, Canotilho abarca o ativismo judicial sob três visões: 1) com relação a comparação jurídica; 2) em perspec-tiva com o nacionalismo e a globalização; 3) relacionado ao di-reito dos pobres.35 Posicionamento que de fato integra formas de observação frente à centralidade ético-jurídica e de democracia. Sem diferenciar do esquema proposto por Mauro Cappelleti e a integração de um judiciário razoavelmente que independente dos caprichos [...], dar uma grande contribuição a democracia; [...] um judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo.36

Enfim, muitos são os conceitos, classificações e divergên-cias relacionadas ao ativismo judicial sem critério algum, en-tretanto o grupo de pesquisa Novas Perspectivas da Jurisdição Constitucional de Brasília o define como processo politico-ins-titucional pelo qual se assume um modelo de jurisdição constitu-

33 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de-mocrática. Anuário iberoamericano de justícia constitucional, 2009, nº 13, p. 6, 7.

34 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuário iberoamericano de justícia constitucional, 2009, nº 13, p. 7. Disponível em: <https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf.>. Acesso em: 1 dez. 2018. Asseverou que o ati-vismo é totalmente diferente da auto-contenção, pois é denominada como a posição que restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das ins-tâncias tipicamente políticas.

35 CANOTILHO, José J. O ativismo judiciário: entre o nacionalismo, globaliza-ção e a pobreza. Tema inaugural. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, mimeo, 7 nov. 2008.

36 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 107.

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cional com forte apelo de supremacia,37 ou seja, a designação de acionar o judiciário com maior participação e maior interferên-cia no espaço de atuação dos outros dois Poderes.

Essas interpretações que procuram compreender a estru-tura organizacional do Estado, com o objetivo de determinar os limites do Poder Judiciário e os demais poderes como reflexão da constante mudança social que está obrigando aparelhos do Estado a agir de forma diferente.

Neste sentido, deve se finalizar, mencionando que o ativis-mo se pode observar de duas formas, um como um papel amplo do juiz, que conta com a discricionariedade e capacidade de es-colha para interpretar a Constituição na tomada de decisões, em que o juiz se torna um participante da criação do Direito, isto é, uma concepção não positivista. Enquanto se é observado como com uma concepção positivista, o juiz não tem opção de esco-lher, portanto não vai ter a discricionariedade senão respostas meramente políticas já estabelecidas à disposição do juiz.

Antes de continuar, é preciso fazer a distinção entre ativis-mo judicial e Judicialização em razão de que não representam a mesma situação. Contrário ao ativismo judicial, o Judicializa-ção (igualmente debatida, mas que para melhor distinção) se apresenta, segundo Clarisa Tassinati como: uma “questão so-cial”, que está acontecendo na sociedade por:

[...] conta de maior consagração de direitos e regulações cons-titucionais, que acabam por possibilitar um maior número de demandas, que [...] desaguarão no Judiciário, do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa). [...] ligada a uma análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referência à necessidade de criar (ou defender) um modelo de jurisdição fortalecido.

37 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 107.

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Em outras palavras, a Judicialização é a relação entre os Poderes, em que o judiciário decide questões de repercussão politica, social e moral articuladas sobre uma base de discurso legal que gera transformações sociais de caráter final.

Nessa ordem, resulta importante mencionar que só para alguns autores o ativismo traz certas vantagens, que podem fa-vorecer em longo prazo problemas sociais, assim como favore-cem a democracia, a proteção de minorias, mas que, por outro lado, ainda estão em questão as vantagens.

Dan Shubhankar vê a expansão do ativismo como fenô-meno da globalização que permite a adaptação legal às mudan-ças sociais, envolvendo princípios desenhados do texto constitu-cional e precedentes.38

Além disso, consagrar princípios implícitos, ou seja, reco-nhecer a existência de direitos ou princípios não estabelecidos na Constituição; “defensa das minorias” que foram afetadas pelo processo democrático majoritário;39 medidas judiciais corretivas e direito internacional que convoca ao direito comparado para referenciar e adequar decisões.40

5. (DES)VANTAGENS DO ATIVISMO NO PODER JUDICIÁRIO

Outras das vantagens que Ferrajoli considera relevantes é a exterioridade de não ser eleito, o que favorece a legitimidade como juiz e facilita seu agir em contra poder das maiorias. Tema que se encontra inclusa dentro de sua teoria do garantismo.41

38 BARROSO. Luís R. Ano do STF: Judicializaçao, ativismo e legitimidade de-mocrática. Retrospectiva 2008. Rio de Janeiro: Mimeo, 2009. p. 7

39 CAMPILONGO, Celso Fernandez. Direito e democracia. Max Limonad, 1997, Sao Paulo.

40 ANDERSON, Gary l.; HERR, Kathsyn G. Encycolpedia of Activismo & social justice. London: Sage Publications, .v. 2, 2007, p. 786

41 FERRAJOLI, Luigi. Jueces y política. Revista del Instituto Bartolomé de las Casas, a 4, nº 7, p. 63-79. 1999, p. 92, 93.

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Ao contrário do que foi mencionado, os riscos constituem uma contrapartida ao ativismo judicial, pois eles dão a conhe-cer os pontos fracos que alguns autores, como Barroso assevera, tornaram-se desiguais com o apresentado nos parágrafos ante-riores, em que :

1) riscos para a legitimidade democrática (quando se aplica a constituição; 2) riscos de politização da justiça (escolhas li-vres, tendenciosas ou partidárias); 3) os limites da capacidade institucional do judiciário.42

Do mesmo modo, Bradley Canno faz menção a seis as-petos negativos do ativismo judicial que afetam ao tempo que “agride majoritarianismo; agride o processo democrático subs-tantivo; viola a especificidade da política; impossibilita a cria-ção de políticas alternativas; viola a estabilidade interpretativa e agasta a fidelidade interpretativa”.43

Distinguidos alguns riscos do ativismo que colocam em dúvida a estrutura do Estado, segundo alguns críticos, a infe-rência nos assuntos administrativos e eminentemente políticos, efeitos sistêmicos imprevisíveis e decisões desfavoráveis, o que gera uma ação ilegítima e ativista que não deve ser aceita, já que estaria prejudicando os pilares da democracia.

6. LIMITANTES NO ACIONAR DO PODER JUDICIÁRIO

Enfim, depois de mencionar as ideias centrais sobre o ati-vismo, é indispensável concluir mencionando seus limites, com o objetivo de compreender seu alcance e efeitos. Sendo a Cons-

42 BARROSO. Luis R. Ano do STF: Judicializaçao, ativismo e legitimidade de-mocrática. Retrospectiva 2008. Rio de Janeiro: mimeo, 2009, p. 4.

43 ANDERSON, Gary l.; HERR, Kathsyn G. Encycolpedia of Activismo & social justice. London: Sage Publications,. v. 2, 2007, p. 786

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tituição, portanto chamada a estabelecer os limites do poder como foi concretizado num Estado Constitucional de Direito.

Clarisa Tassinati agrega, conforme o dito que, a sujeição do juiz à lei passa a ser sujeição à lei que seja válida, ou seja, que seja materialmente coerente com a Constituição, que dizer que as decisões que o funcionário elabore devem ter como base os textos constitucionais.

Conforme aponta Cappelletti, se o juiz for inevitavelmen-te um criador de Direito, ele também deve atender a uns limites processuais e substanciais, pois não é um sujeito livre de víncu-los. Quanto aos primeiros, são os relacionados à natureza mes-mo do processo; Quanto aos segundos, os limites substanciais, será o contexto, tempo e espaço que determine o campo de ação. Detalhando que, mesmo assim, existindo as normas, leis ou precedentes, o juiz irá acudir a um grau de criatividade e res-ponsabilidade, assim que o juiz, vinculado a precedentes ou à lei (ou a ambos) tem como dever mínimo apoiar sua própria argu-mentação em tal direito judiciário ou legislativo, e não (apenas) na “equidade” ou em análogos e vagos critérios de valoração.44

O juiz atua em dois momentos, quando existem bases precisas ou estabelecidas, e quando não tem respostas e deve gerá-las. Para Streck,45 no primeiro momento não há problema algum, só num segundo momento é que surge o inconvenien-te, pois o juiz deve escolher e emitir uma resposta pertinente, orgânica e com fundamentação jurídica, mas que o juiz não conta com essa discricionariedade para fazê-lo, pois fazendo-o geraria desequilíbrio.

44 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 107.

45 Justiça Viva #37 – Lenio Streck. Produção de STJ, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3/abr/2018. Video Youtube (29 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2HIUMYGMS6Y>. Acesso em: 22 out. 2018.

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Contrário ao definido por Cappelletti,46 que acentua que discricionariedade de escolher não necessariamente significa arbitrariedade:

Valoração e “balanceamento”; significa ter presentes os resul-tados práticos e as implicações morais d própria escolha; sig-nifica que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguís-tica puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia, da politica e da ética, da sociologia e da psicologia.

Discricionariedade judicial que Barroso também traduz:

[...] o juiz não é apenas a boca da lei, um mero exegeta que realiza operações formais. Existe uma dimensão subjetiva na sua atuação. Não a subjetividade da vontade politica própria, mas que inequivocamente decorre da compreensão dos insti-tutos jurídicos, da captação do sentimento social e do espirito de sua época.47

Surge aqui uma questão: como proceder com discriciona-riedade com o objetivo de obter respostas constitucionalmente adequadas no Direito. Lênio Streck agrega que, para avançar nesta discricionariedade, só e possível mediante uma via judicial que este sujeita a pressupostos democráticos criando a teoria da decisão judicial, teoria que integra elementos de responsabilidade judicial, método interpretativo e exigências de fundamentação.48

46 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álva-ro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 33.

47 BARROSO, Luis R. A Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 102.

48 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial – limites da atuação do judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 21. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/16194498/jurisdicao-e-ativismo-judi-cial-limites-da-atuacao-do-judiciario---clarissa-tassi>. Acesso em 1 dez. 2018.

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Ronald Dworkin, por outro lado, apresentou a tese da exis-tência de uma única resposta correta. Portanto a questão deixa de ser acerca da efetiva existência de uma verdade ou de uma única resposta correta, e passa a ser a de quem tem autoridade para pro-clamá-la. E mais que isso, o juiz não deve ignorar os deveres de integridade e coerência,49 já que decisões sem fundamentação são consideradas nulas, desenvolvendo garantias com objetivi-dade e imparcialidade com integração de valores éticos justos.

Expressando na mesma linha, Luigi Ferrajoli50 afirma:

[...] seus limites e os vínculos tendem a reduzir ao máximo o arbítrio dos juízes na tutela dos direitos dos cidadãos. Para ele, o garantismo é a resposta a crise nas relações entre justiça e Politica é necessário uma redefinição clara e precisa dos li-mite e as funções da cada poder.

Além disso, o que Ronald Dworkin recomenda é que os juízes tomem como referência o texto Constitucional, sendo a formula dworkiniana a seguinte: interprete a Constituição de modo a dedicar a todos os membros da comunidade, enquanto seres humanos, a mesma consideração e o mesmo respeito.51

Portanto, a Constituição passa a ser o limite máximo ao juiz, na medida em que representa a norma superior que prote-ge os direitos de indivíduos ou coletivos sobre os interesses de terceiros, ou seja, destina-se a limitar a arbitrariedade do poder estatal. Asseverando Pablo Manili que:

[...] enquanto o ativismo do juiz não afetar a “garantia”, não há disputa entre um e outro, em outras palavras, enquanto o

49 BARROSO, Luis R. A Judicializaçao da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Forum, 2018, p. 10, 107.

50 FERRAJOLI, Luigi. Jueces y política. Derechos y libertades: Revista del Insti-tuto Bartolomé de las Casas, 1999, vol. 4, nº 7, p. 72, 75.

51 DWORKIN, Ronald. Direito da liberdade: leitura moral da Constituicao nor-te-americana (freedom´s law the moral Reading of the. American Constitution). São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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ativismo não atuou em detrimento dos direitos fundamentais e para o benefício do poder estatal, não excede os limites de suas funções.52

Em sínteses, as decisões dos juízes deverão respeitar sem-pre as fronteiras procedimentais e substantivas do Direito como são a racionalidade, a motivação, a correção e a justiça como guardiães da Constituição.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o seu surgimento, o ativismo judicial apresentou diversas de posturas e comentários que até o dia de hoje persis-tem, em razão de duas atitudes, por um lado considerado como negativo por gerar insegurança jurídica, riscos na legitimidade democrática, politização da justiça, entre muitos outros, visto incluso para alguns como inexistente em certos casos; e consi-derado, por outro lado, como um papel proativo do judiciário, que favorece a criação de técnicas para a integração de lacunas, resolução de conflitos e reconhecimento de minorias.

Conforme o anterior, não seria possível definir de maneira precisa o que significa o ativismo judicial devido a que muitas são suas interpretações. Não obstante, deve se entender que o ativismo judicial implica o agir do Poder Judiciário de maneira diferenciada, que integre problemas sociais, econômicos e cul-turais e proporcione uma solução que o poder legislativo não determinou dentro da normatividade.

Muitas são as vantagens, muitos são os riscos, mas os limi-tes sobre os quais o Poder Judiciário deve atuar são os mesmos. Nesta ordem, a Constituição representa o principal elemento na orientação para a tomada de decisões. Se os juízes contam

52 MANILI, Pablo. El activismo (bueno y malo) en la jurisprudencia de la Cor-te Suprema. Em: la Ley 2006. Disponivel em: <http://www.pablomanili.com.ar/?s=bueno++y+malo>. Acesso em 11 jun. 2018.

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com o poder de discricionariedade ou não, a decisão deve fun-damentar-se em princípios constitucionais, limites processuais e substanciais (de acordo com o processo, contexto e tempo) e ele-mentos com critérios que proporcionem a decisão mais correta.

Em conclusão, porquanto não se possam estabelecer os limites de ação de maneira tácita nos diferentes processos e si-tuações, os juízes terão como atribuições relativas à guarda da Constituição e do regímen democrático, com a finalidade de conceder direitos legalmente constituídos nela.

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CAPÍTULO IV

A POLITIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO É UMA REALIDADE?

Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima53

1. INTRODUÇÃO

Recentes acontecimentos no cenário político brasilei-ro ensejaram questionamentos acerca dos deveres do Poder Judiciário, assim como de seus limites de atuação. Nesse con-texto, muito se tem falado de uma suposta politização de seus membros, manifestada pelas atuações processuais dirigidas por ideologias e partidarismos. No entanto, pouco se tem explora-do a questão em termos científicos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), em seu artigo 2.º, adotou o princípio da separa-ção de poderes. Assim, em termos ideais, espera-se de cada um dos poderes, isto é, das manifestações do poder político, uma atuação voltada para funções específicas estruturantes do poder político do Estado. Funções estas que, caso concentradas em um só indivíduo ou em uma só instituição estatal, poderiam gerar governos autocráticos.

Ao Judiciário, relegou-se a função primordial de julgar as causas que lhe sejam submetidas, promovendo a resolução de conflitos de interesses, garantindo a seus membros prerrogati-vas e estabelecendo vedações com o fito de assegurar a inde-pendência de sua atuação.

53 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Anhanguera-Uni-derp, auditor fiscal do trabalho. E-mail: [email protected].

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Nesse contexto, a politização, ao lado de outras formas de atuação heterodoxa do Poder Judiciário, representaria um desvirtuamento dessa estruturação do poder político e uma ofensa aos ditames constitucionais, uma vez que tem como consequência a influência das decisões judiciais sobre temas da alçada de outros poderes.

A politização do Poder Judiciário pode ser analisada sob um enfoque histórico e sociológico, ensejando questionamen-tos a respeito de uma permeabilidade desse poder em relação às forças sociais que restaria por minar a estabilidade da sepa-ração tal como preconizada pelo constituinte.

Todavia, tal análise pecaria pela falta de critérios para de-finição do que sejam os julgamentos e as atuações ditas politi-zadas, mesmo porque quase todos os julgados emanados das cortes superiores podem ter reflexos políticos consideráveis, os quais, todavia, não devem necessariamente ser confundidos com o fenômeno que se propõe a analisar este estudo.

Afigura-se, portanto, primordial uma análise da politiza-ção do Poder Judiciário a partir de um ponto de vista jurídi-co-constitucional. Com efeito, embora muito se fale a respeito do tema nos periódicos jornalísticos, pouco se tem elaborado a respeito em termos técnico-jurídicos.

Sendo assim, faz-se necessária a construção de uma de-finição desse fenômeno, como pressuposto para sua correta identificação e, consequentemente, desenvolvimento de estu-dos mais acurados a respeito da matéria.

É fundamental observar que o debate acerca da politiza-ção do Poder Judiciário não é uma exclusividade do cenário institucional brasileiro, sendo bastante frequente em outros Es-tados também considerados Democráticos de Direito. Exem-plificativamente, nos Estados Unidos da América, muito se fala em partidarismo dos julgadores da Supreme Court.

Este artigo destina-se a explorar a questão da politização do Poder Judiciário com foco não só no desvirtuamento da se-paração de poderes, mas sobretudo no caráter violador de prer-

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rogativas e garantias constitucionais que tal sorte de atuação por parte de magistrados pode representar.

Nesse sentido, buscar-se-á estabelecer um corte episte-mológico em função da distinção entre a politização e outros fenômenos também decorrentes de uma atuação heterodoxa do Poder Judiciário, quais sejam, a judicialização da política e o ativismo judicial. Isso porque, embora sejam todos corolários do fortalecimento do Judiciário, não são fenômenos idênticos, merecendo cada qual um estudo específico.

Para a boa qualidade deste estudo, proceder-se-á também a uma análise, ainda que breve, de determinadas atuações de magistrados reputadas politizadas. Furtar-se de tal verificação seria excesso de cautela, bem como poderia levar o interlocutor a um exercício de abstração desnecessário e pouco didático.

Assim, as bases teóricas aqui estabelecidas serão confron-tadas com breves estudos de caso, sempre com o fito de contri-buir com o engrandecimento desta obra.

2. SEPARAÇÃO DE PODERES

Formulação inicialmente sistematizada por John Locke e posteriormente desenvolvida pelo Barão de Montesquieu, a doutrina da separação de poderes estabelece uma conjugação entre Executivo, Legislativo e Judiciário atuando de maneira in-dependente e harmônica entre si como contraponto ao Estado Absolutista, firmando assim uma das principais características do Estado Liberal. Nesse sentido, são clássicos os ensinamentos de Montesquieu:54

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magis-tratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo

54 MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 168.

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monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para execu-tá-las tiranicamente.Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for sepa-rado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se esti-vesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.

Faz-se necessário o alerta de que, em verdade, não é técni-ca a expressão clássica “separação de poderes”, uma vez que, em sendo uno o poder do Estado, mais apropriado seria falar-se em separação das formas de atuação desse ente em funções típicas, quais sejam, a executiva, a legislativa e a jurisdicional.55 É nesse sentido que José Afonso da Silva aponta as características do poder político como “unidade, indivisibilidade e indelegabili-dade”.56 Todavia, considerando que a expressão, “separação de poderes” é consagrada pelo uso, não convém abominá-la, desde que acompanhada deste alerta.

Ainda recorrendo às lições de José Afonso da Silva, obser-va-se que, quando o constituinte, no artigo 2.º da CRFB/1988, estabelece que “são Poderes da União, independentes e har-mônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, as nomenclaturas utilizadas “exprimem, a um tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional, e indicam os respectivos

55 É preciso citar também as chamadas funções atípicas de cada um dos po-deres, que são aquelas não atreladas ao seu mister fundamental. Assim é que o Poder Judiciário, exemplificativamente, além de sua função típica de dizer o direito, exerce funções administrativas em relação a sua estrutura interna, além de produzir internamente regulamentos de tribunais.

56 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 107.

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órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização dos poderes”.57

Sendo assim, em termos didáticos, o Estado divide sua atuação em três funções principais: a legislativa, consistente na elaboração das regras gerais e abstratas; a executiva, consistente na atuação administrativa em si, compreendida como a prática de atos gerais e abstratos; e a judiciária, a qual consiste na apli-cação do direito aos casos concretos, com o fito de promover a paz social.

Ressalta-se que o artigo 2.º estabelece que os poderes se-jam independentes entre si. Tal determinação demanda, no di-zer de Luís Roberto Barroso, o atendimento a três requisitos:

(i) uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo; (ii) um Poder não pode destituir os integrantes de outro por força de decisão exclusivamente política; e (iii) a cada Poder são atribuídas, além de suas fun-ções típicas ou privativas, outras funções (chamadas normal-mente de atípicas), como reforço de sua independência frente aos demais Poderes.

É preciso, dessa forma, que os poderes coexistam sem qualquer ingerência perniciosa de um sobre o outro.

Ainda a partir da ideia de separação de poderes, mor-mente na busca pela harmonização entre eles preconizada pelo artigo 2.º da CRFB/1988, exsurge a doutrina do chamado siste-ma de freios e contrapesos (checks and balances system), o qual consiste na elaborada ideia de que cada poder dispõe, além de funções distintas, de meios para conter os abusos uns dos ou-tros, de modo a manter o desejável equilíbrio. José Afonso da

57 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 106.

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Silva exemplifica o funcionamento do sistema de freios e con-trapesos, em nosso sistema constitucional, da seguinte forma:58

Se ao Legislativo cabe a edição de normas gerais e impessoais, estabelece-se um processo para sua formação em que o Exe-cutivo tem participação importante, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e pelo veto. Mas a iniciativa legislati-va do Executivo é contrabalançada pela possibilidade que o Congresso tem de modificar-lhe o projeto por via de emendas e até de rejeitá-lo. Por outro lado, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode exercer em relação a projetos de iniciativa dos congressistas como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em compensação, o Congresso, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá rejeitar o veto, e, pelo Presidente do Senado, promul-gar a lei, se o Presidente da República não o fizer no prazo previsto (Art. 66). (…)Se os tribunais não podem influir no Legislativo, são autori-zados a declarar a inconstitucionalidade das leis, não as apli-cando neste caso.O Presidente da República não interfere na função jurisdicio-nal, em compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, sob controle do Senado Federal, a que cabe aprovar o nome escolhido (Art. 52, III, a).

É, portanto, sabido que a separação de poderes não se efe-tiva por meio de um sistema estanque de funções atribuídas ao Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo que somente a prática constitucional estabelece os limites existentes entre os poderes.

58  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 110.

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3. O PODER JUDICIÁRIO E OS MAGISTRADOS

O Poder Judiciário é organizado segundo a previsão dos artigos 92 a 126 da Constituição da República de 1988. Sua função típica, como já ventilado, é a de compor conflitos de interesses e dizer o direito no caso concreto (jurisdição), o que faz exclusivamente por meio dos magistrados. Por sua vez, suas funções atípicas, consistem em atividades administrativas e le-gislativas atinentes ao bom desempenho dos órgãos e entes que o compõem.

É de se ressaltar que os magistrados, como membros do Poder Judiciário incumbidos de sua função típica, são cercados de garantias que visam a lhes conceder independência inerente ao exercício de tais funções, quais sejam: vitaliciedade, inamo-vibilidade e irredutibilidade de subsídios (Art. 95, CRFB/1988). Com o mesmo fito de preservar a independência dos magistra-dos, o parágrafo único do artigo 95 estabelece como vedações:

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou fun-ção, salvo uma de magistério;II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou partici-pação em processo;III – dedicar-se à atividade político-partidária.IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou con-tribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afas-tou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Em análise das garantias do Poder Judiciário, Gilmar Fer-reira Mendes,59 na sua obra, aduz que:

59 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5 ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1066.

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As garantias do Poder Judiciário, em geral, e a do magistra-do, em particular, destinam-se a emprestar a conformação de independência que a ordem constitucional pretende outorgar à atividade judicial. Ao Poder Judiciário incumbe exercer o último controle da atividade estatal, manifeste-se ela por ato da Administração ou do próprio Poder Legislativo (contro-le de constitucionalidade). Daí a necessidade de que, na sua organização, materialize-se a clara relação de independência do Poder Judiciário e do próprio juiz em relação aos demais Poderes ou influências externas.

Dessa forma, deseja-se que os magistrados tenham total isenção em sua atuação, sendo esse um dos corolários do princí-pio da imparcialidade, razão por que se lhe asseguram garantias e se lhe impõem vedações específicas. É digno de nota que tal princípio encontra-se previsto em nossa Constituição não ex-pressamente, mas sim de maneira implícita, aferido sobretudo das disposições constantes no artigo 95 e seu parágrafo único.

4. ATUAÇÃO HETERODOXA DO PODER JUDICIÁRIO

Falar-se didaticamente em atuação heterodoxa do Poder Judiciário pressupõe o entendimento de que, inicialmente, quando concebida a tripartição de poderes pelo Estado Libe-ral, não se cogitou da jurisdição com a monta atual, capaz de produzir fenômenos como a judicialização da política, o ati-vismo judicial e a politização do Poder Judiciário. Embora tais práticas mereçam um estudo específico por parte deste artigo, convém defini-las como forma de se estabelecer um corte epis-temológico entre elas, já que são tão frequentemente tratadas como sendo um mesmo fenômeno pelos folhetins políticos e até mesmo por alguns estudos de matiz jurídica.

Com relação à judicialização da política, esta foi observa-da sobretudo a partir do advento do Welfare State e suas carti-lhas de direitos sociais. No Brasil, a Constituição da República

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de 1988 caracteriza-se por ser analítica, dispondo expressa-mente sobre uma gama de direitos fundamentais. Tal arquite-tura constitucional acaba por ensejar aos cidadãos, diante da não efetivação desses direitos pelo Legislativo e pelo Executivo, o encaminhamento da demanda ao Judiciário, que acaba por ocupar o espaço reservado aos outros poderes para implemen-tar as medidas necessárias à efetivação de direitos.

Cabe notar que tal fenômeno é parte da agenda de atua-ção do Poder Judiciário no ordenamento tal como concebido, não devendo, portanto, ser visto com nenhum estranhamento. A respeito, dispõe Luís Roberto Barroso:60

A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma cir-cunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu por-que era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria.

Uma vez definido o fenômeno da judicialização, com es-teio na doutrina de Lenio Streck,61 pode-se definir o ativismo judicial como

a vulgata da judicialização. Enquanto a judicialização é um problema de (in)competência para prática de determinado ato (políticas públicas, por exemplo), o ativismo é um proble-ma de comportamento, em que o juiz substitui os juízos polí-

60 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo e legitimidade democráti-ca. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ati-vismo_legitimidade_democratica>. Acesso em 22 ago. 2018.

61 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, o ativismo judicial, em números?. Disponí-vel em: <https://www.conjur.com.br/2013-out-26/observatorio-constitucional-is-to-ativismo-judicial-numeros>. Acesso em 27 out. 2018.

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ticos e morais pelos seus, a partir de sua subjetividade (chamo a isso de decisões solipsistas).

O ativismo judicial, assim, pode ser dividido, conforme suas formas de manifestação em: a) decisões voltadas para as paixões pessoais do magistrado; b) decisões voltadas para os va-lores supostamente albergados pela “opinião pública”; c) deci-sões teleologicamente informadas, isto é, voltadas para o atingi-mento de algum fim específico relacionado ao bem-estar social (consequencialismo).

O consequencialismo é definido por Lenio Streck62 como uma doutrina em que

o Judiciário não leva os direitos a sério no sentido de seriously right como fala Dworkin; ao contrário, por vezes nega direi-tos a pretexto de que a sua efetiva concretização traria maior prejuízo econômico ou não contribuiria para o bem-estar ge-ral etc. Num sentido mais prosaico, seriam também políticas as decisões tomadas com base em uma pseudo vontade da maioria, clamor popular ou até mesmo — e no limite — in-teresse partidário.

Feita essa distinção, convém ainda definir o que se enten-de por politização do Poder Judiciário, tema ao qual, em sendo objeto principal deste estudo, reservou-se o tópico específico a seguir.

62 STRECK, Lenio Luiz. O Supremo, o contramajoritarismo e o “Pomo de ouro”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-jul-12/senso-incomum-stf-con-tramajoritarismo-pomo-ouro?imprimir=1>. Acesso em 26 out. 2018.

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5. POLITIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E ANÁLISE DE CASO

A politização do Poder Judiciário no Brasil, como dito inicialmente, é um fenômeno pouco estudado pela doutrina brasileira e, muitas vezes, inapropriadamente confundido com a judicialização da política ou com o ativismo judicial. Estabe-lecidas as definições e feita a distinção no tópico anterior, se-gue-se para a terceira forma do que se convenciona chamar de atuação heterodoxa desse poder.

A politização consiste na ocorrência de atuações proces-suais dos magistrados dirigidas por ideologias e partidarismos. Difere da judicialização da política e do ativismo judicial na medida em que implica a busca nítida do atingimento de finali-dades de cunho preponderantemente político. É dizer, enquan-to que o ativismo e a judicialização – aqui tratados em conjunto exclusivamente para serem distinguidos da terceira categoria, visto que não se confundem – têm como escopo a efetivação de direitos previstos constitucionalmente, mas não implementado pelos demais poderes, a politização é uma atuação informada pela intenção política do magistrado. Para melhor entendimen-to, são os vazamentos de provas sigilosas em períodos cruciais, os julgados emitidos em explícita contrariedade com as provas com o intuito de afastar determinados sujeitos políticos da vida pública, as decisões, em processos eleitorais, claramente emiti-das em benefício de partidos políticos específicos, entre outros exemplos possíveis em nosso profícuo cenário.

Não convém confundir a politização do Poder Judiciário com as manifestações político-partidárias que, por vezes, são observadas por parte de magistrados e membros do Ministé-rio Público em shows, comícios e redes sociais. Entende-se que, embora seja desejável certa sobriedade de tais indivíduos, a toga não deve ser confundida com uma mordaça, não se lhes poden-do retirar por completo possibilidade de exercício da cidadania participativa. O que se entende por politização é a transgressão

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praticada em sede processual, dirigida por intenções políticas do magistrado.

Notoriamente, a atuação politizada de magistrados deve ser objeto de controle, uma vez que, além de adentrar a esfera políti-ca de maneira totalmente ilegítima, já que não são eleitos, e sim investidos no cargo, ofendem princípios constitucionais como o da imparcialidade do juiz, o da legalidade (Art. 5.º, inciso II) e o da fundamentação das decisões judiciais (Art. 93, inciso IX).

Este estudo pecaria por excesso de cautela se deixasse de analisar um caso concreto em que restasse manifesta a ocorrên-cia de politização do Poder Judiciário. Como caso paradigmá-tico, elege-se uma das várias situações envolvendo os processos em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado do crime de corrupção passiva, no contexto da “Operação Lava-Ja-to”, qual seja, o episódio do habeas corpus impetrado no plantão do TRF-4. Assim foi noticiado o acontecimento:63

Como é do conhecimento de todos, no domingo dia 7/7/18 os deputados federais Paulo Pimenta (PT-SP), Waldih Damous (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP) impetraram uma ordem de habeas corpus perante o plantão do Tribunal Regional Fede-ral da 4ª Região (segunda instância da Justiça Federal para os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), alegando que a manutenção da detenção do ex-presidente prejudicaria o direito dele exercer seus direitos políticos. De acordo com os deputados, Lula estaria impedido de comuni-cação com a mídia e violação do seu direito à manifestação de pensamento, à liberdade de atividade intelectual e ao acesso direto à informação, violando assim direitos constitucionais do “paciente”. E, como se tratava de dia sem expediente foren-se, quem apreciou o referido pedido foi o magistrado planto-nista no Tribunal, no caso o desembargador Federal Rogério

63 NAZARETH JUNIOR, Luiz Antonio Ferreira. Sobre a concessão do HC no plantão do TRF-4. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,-MI283606,81042-Sobre+a+concessao+do+HC+no+plantao+do+TRF4>. Acesso em 29 out. 2018.

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Favreto que, por sua vez, acolheu o pedido dos impetrantes concedendo a ordem e, por conseguinte, determinando a imediata soltura do ex-presidente Lula.Após a concessão da ordem no referido HC, a qual continha ordem para o magistrado de primeira instância (o juiz Sérgio Moro) determinar a elaboração do alvará de soltura, este se negou ao cumprimento da ordem do desembargador Favreto sob o fundamento de que ele era incompetente para proferir decisão no pedido a ele formulado, após, o desembargador Favreto solicitou que fosse aberta investigação da conduta do juiz Sérgio Moro pela suposta desobediência ao cumprimen-to da ordem. Após, o relator da “Lava Jato” na segunda instân-cia, o desembargador também do TRF-4, João Pedro Gebran Neto proferiu nova decisão revogando a liberdade concedida pelo desembargador plantonista (Favreto); inconformado, Favreto reiterou a ordem de soltura impondo agora prazo para seu cumprimento, bem como que as autoridades res-ponsáveis se abstivessem de qualquer formalidade tais como a realização de exame de corpo de delito, após, ainda no mes-mo dia, para finalizar o imbróglio, foi necessária a intercessão do presidente do TRF-4, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que manteve a prisão do ex-presiden-te Lula, bem como que os autos do processo (HC impetrado no plantão) fosse remetido ao relator Gebran Neto.

Ora, no caso em tela, pôde-se verificar a ocorrência de mais de uma atuação dos magistrados com conteúdo nitidamente político. A própria emissão da decisão de soltura pelo desem-bargador plantonista afigurou-se indevida por dois motivos: a) considerando-se que foi amplamente divulgada sua vinculação ao mesmo partido ao qual pertence o ex-presidente, dever-se-ia ter considerado suspeito; b) em segundo lugar, não poderia ter apreciado o pedido em sede de plantão judiciário, haja vista a fase processual avançada em que se encontrava o processo.

Por outro lado, identifica-se também uma atuação polí-tica do magistrado de primeiro grau ao promover o descum-

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primento de ordem emanada de outro de hierarquia superior, mormente em se considerando todas as pechas atribuídas a sua atuação no processo, dando conta de vazamentos indevidos de gravações em contextos comprometedores, realização de con-duções coercitivas de maneira abusiva64 e condenação sem pro-vas concretas de delito.

Certo é que a atuação do Poder Judiciário, violou expli-citamente o princípio da imparcialidade do juiz. Com efeito, tanto ao desembargador quanto ao juiz federal referidos no re-lato são atribuídas inclinações políticas com clara influência no processo.

Questiona-se, assim, acerca das possibilidades de controle da politização do Poder Judiciário.

Ora, não é dificultoso conceber a resposta: em se tratando de atuações claramente ofensivas ao ordenamento jurídico, seu controle deve ser exercido da maneira convencional, isto é, em caso de decisão de instâncias inferiores, por meio do provimento dos tribunais que a sucedem nos ritos recursais e, em se tratando de decisões emanadas da Corte Suprema, pelo do controle dos outros poderes. Em última instância, portanto, pode-se cogitar do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.

6. CONCLUSÃO

A Constituição da República de 1988 estabeleceu o siste-ma de tripartição de poderes, conferindo ao Judiciário a função típica de compor conflitos de interesses e dizer o direito no caso concreto. Para isso, conferiu a seus membros, magistrados, ga-rantias e estabeleceu vedações no sentido preservar a indepen-dência de sua atuação.

64 RODAS, Sérgio. Sergio Moro age de forma perigosamente política e ativa, diz Geraldo Prado. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-jun-20/mo-ro-age-forma-perigosamente-politica-ativa-geraldo-prado>. Acesso em 29 out. 2018.

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Nesse diapasão, a politização do Poder Judiciário denigre a separação de poderes e a própria função jurisdicional.

É sabido que a doutrina não tem logrado apresentar defi-nições satisfatórias do que seja esse fenômeno, por vezes con-fundindo-o com a judicialização da política ou com o ativismo judicial. Define-se, todavia, como a atuação processual de ma-gistrados dirigida por ideologias ou partidarismos e com fina-lidades políticas.

Lamentavelmente, o cenário político brasileiro sempre foi profícuo em apresentar exemplos desse fenômeno, cabendo aos pesquisadores não só observar as ocorrências, mas também abominar tais práticas. Para isso, todavia, cabe frisar, é necessá-ria a correta definição do que se deva entender por politização do Poder Judiciário.

Tais exemplos representam clara violação do princípio constitucional implícito da imparcialidade do juiz, assim como de outros, conforme o caso concreto, merecendo, por isso se-rem controlados pelas instâncias competentes para tal, quais sejam, os tribunais superiores e, em caso de politização do Su-premo Tribunal Federal, os demais poderes.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo e legitimi-dade democrática. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_demo-cratica>. Acesso em 22/ago/2018.

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MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fon-tes, 2000.

NAZARETH JUNIOR, Luiz Antonio Ferreira. Sobre a con-cessão do HC no plantão do TRF-4. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI283606,81042-Sobre+a+-concessao+do+HC+no+plantao+do+TRF4>. Acesso em 29/out/2018.

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CAPÍTULO V

OS OBEJTIVOS FUNDAMENTAIS DO ESTADO BRA-SILEIRO (ART. 3.° DA CF) COMO NORTE INTERPRE-

TATIVO PARA A APLICAÇÃO DO DIREITOGuilherme Wellington Pessoa de Farias65

1. INTRODUÇÃO

A hermenêutica jurídica reside na tarefa de interpretação dos textos normativos, tendo por finalidade revelar as soluções para os mais diversos problemas sociais, sempre que se fizer ne-cessário a aplicação do Direito. Para que seja possível executar essa atividade, o intérprete da norma, conhecido como herme-neuta, deve contar impreterivelmente com o auxílio de técnicas e métodos, e ainda dos princípios para que a condução de seu trabalho interpretativo obedeça uma ordem legítima e racional, a fim de que se possa alcançar ao máximo o valor expresso pela norma jurídica.

Hodiernamente temos que considerar que o Direito não pode ser considerado como uma ciência estática, onde é perfei-tamente razoável aplicar os preceitos da teoria pura do Direito. É possível observar na Constituição Federal de 1988 o verda-deiro divisor de águas acerca da interpretação dos textos nor-mativos, uma vez que a redação constitucional possibilitou o surgimento de um novo Estado brasileiro, e quando se fala em novo é no sentido de construção não em parte mas sim de um

65 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integrante do Grupo de Pesquisa Direito Educacional Ambiental (DEA) e do Grupo de Pesquisa Estudos em Direito das Águas, pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogado, e-mail: [email protected].

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todo ordenamento jurídico baseado em valores humanos e so-ciais que passaram a ser tidos como de Direitos fundamentais, servindo de pilares para toda a organização política, econômica e social do Estado democrático brasileiro.

No entanto se deve destacar que o texto constitucional de 1988 tem em seu corpo normativo enunciados de caráter de cláusulas gerais, que possibilitam, por exemplo, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros valores, não tendo por finalidade apresentar soluções para situações espe-cíficas, no entanto se apresentam como vetores interpretativos para a aplicação do Direito, utilizando para isso os objetivos fundamentais do Estado brasileiro.

A interpretação jurídica tem por finalidade relevar o sen-tido do que está contido no texto normativo, no entanto, pela construção interpretativa, esse sentido se dá por meio de uma conjuntura que muitas vezes supera os limites estritos do texto positivado. Isso ocorre por causa do amplo alcance da norma que supera as reflexões superficiais, uma vez que a constitui-ção disciplina uma grande diversidade de relações socais, en-tre as quais podemos destacar as relações políticas que devem ser orientadas em conformidade com os objetivos previstos na Constituição.

A Constituição Federal tem o surgimento do seu texto normativo por meio do poder originário, este legítimo, uma vez que foi resultado da soberania popular, com a sua promul-gação o texto constitucional passa a contar com a supremacia constitucional, servindo como limitador do governo da maio-ria, garantindo ainda a proteção dos direitos fundamentais de cada cidadão.

As normas constitucionais têm características específicas que as diferenciam das demais, como, por exemplo, o seu status jurídico em que por causa do princípio da supremacia consti-tucional acabam por possuir superioridade jurídica, ficando a Constituição responsável pelo controle de todas as demais nor-mas pertencentes ao ordenamento jurídico; segundo é possível observa a natureza da linguagem do texto normativo constitu-

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cional em que pese ter um sentido amplo de conceitos que vi-sam abarcar diversas situações em tempos diferentes; ainda por terceiro, e não menos importante, o texto constitucional tem por objetivos indicar os direitos fundamentais e organizar os poderes de forma harmônica, em que todos os poderes devam atuar em prol de garantir a proteção dos objetivos constitucionais.

O Estado tem por função social o dever de prover os di-reitos fundamentais de sua população, e para isso é organizado dentro do regime jurídico em poderes independentes entre si, com papéis bem definidos, dividido em Legislativo, Executivo e Judiciário, que têm por finalidade as respectivas funções de legislar, executar e julgar. É importante mencionar que os po-deres são e devem permanecer independentes entre si para que se possa manter a base de sustentação do Estado Democrático Brasileiro de Direito, mas mesmo sendo independentes estão intimamente ligados entre si, com o objetivo do Estado em prover sua função social fim: a de garantir que os direitos fun-damentais previsto dentro do ordenamento jurídico brasileiro sejam efetivados.

Todas essas características demostradas anteriormente fazem com que a tarefa interpretativa constitucional seja tida como complexa, devendo ser exercida pelo hermeneuta com o auxílio da doutrina e jurisprudência; dos elementos de in-terpretação e ainda dos princípios específicos de interpretação constitucional, devendo sempre estabelecer a conexão entre to-das essas categorias para uma melhor interpretação da norma constitucional.

A ideia inicial de que o intérprete, em via de regra, somen-te recorre ao auxílio de regras e princípios doutrinários tem ex-ceção no Direito brasileiro, uma vez que se dá muito valor ao que está escrito. Com esse intuito foi promulgado o decreto lei n.° 4.657, de 4 de setembro de 1942.

A Lei de Introdução às normas de Direito brasileiro (LIN-DB) apresenta os vetores que auxiliam os hermeneutas na tarefa de interpretação das normas. É importante destacar que a LINDB tem caráter instrumental e não tem por finalidade dar respostas

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diretas para os casos concretos levados a apreciação do Poder Judiciário, mas apenas apresentar um caminho interpretativo.

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LIN-DB), trata objetivamente sobre a obrigatoriedade de lei (Art. 3.°); sobre as lacunas (Art. 4.°); ainda sobre a função social da lei (Art. 5.°):66

Art. 3.° ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.Art. 4.° quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.Art. 5.° na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

A carga valorativa da norma não é expressa simplesmente pela redação positivada do texto normativo, mas resulta da rela-ção entre interprete, a norma e o contexto social do caso concreto em que está sendo objeto de análise por parte do hermeneuta jurídico.

2. ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Os elementos de interpretação jurídica são parte integran-te de um todo, em outras palavras, constituem ferramentas de auxílio ao intérprete do sistema jurídico. Ainda se faz impor-tante considerar que os elementos não devem ser vistos de for-ma isolada, mas na verdade, como ferramentas instrumentais que sempre devem ser trabalhadas de forma combinada.

O hermeneuta, em seu trabalho interpretativo, deve sem-pre que possível analisar a norma por todos os prismas possíveis, quanto a figura de linguagem vernacular (elemento gramatical);

66 BRASIL, Lei n. 12.376, de 30 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a Introdu-ção às normas do Direito Brasileiro.

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a ligação com a legislação (elemento sistêmico); sua função so-cial (elemento teleológico); e ainda o processo histórico em que se deu a edição do texto normativo (elemento histórico).

A interpretação jurídica se dá pelo elemento gramatical sempre que utilizar do significado livre e literal das palavras inseridas na letra da norma, por meio desse método o herme-neuta não encontra muitas dificuldades para expressar a totali-dade do significado normativo, ainda se faz oportuno relatar o posicionamento da jurisprudência que considera insuficiente a utilização desse elemento de interpretação do Direito, ponde-rando que o intérprete deverá sempre realizar a conexão com outros elementos. Como exemplos do elemento gramatical, te-mos a indicação quantitativa de onze ministros para a compo-sição da corte do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme redação do Art. 101 da Constituição Federal/88, e ainda a idade mínima de 35 anos para o exercício do cargo de Presidente da República contida no Art. 153, I da CF/88.

O elemento de interpretação histórico é tido de maneira equivocada como de menor importância, já que não temos a mesma cultura de precedentes que os países do common law, não se pode deixar de lado sua importância para vários jul-gados da corte suprema brasileira, por meio desse elemento é possível entender os motivos que culminaram na edição nor-mativa por parte do legislador ou até mesmo a compreensão de algum julgado, por meio do conhecimento histórico vivido na época da edição de determinada lei é possível ter uma maior aproximação com a vontade do legislador. Podemos ter como claro exemplo a ADPF 130/DF, em que por maioria dos votos não foi recepcionada a Lei de Impressa (lei n.° 5.260/1967). Embora alguns dos seus dispositivos sejam compatíveis com a Constituição Federal/88, os ministros do Supremo Tribunal entenderam que a legislação carrega em seu cerne as marcas do regime militar e que a impressão não as deve conter, mesmo que seja de normas isoladas do período da censura e da políti-ca velada da ditadura.

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O elemento de interpretação sistemática considera a inter-pretação do ponto de vista de um sistema composto de harmo-nia e unidade, remetendo o hermeneuta para a ideia de um or-denamento jurídico, em que a constituição está no controle do sistema normativo, devendo dar unidade para todo o sistema, o interprete deve buscar os objetivos e os fins sociais que o texto constitucional busca atingir, somente por meio desse método será possível alcançar harmonia perante todo o ordenamento, seja nos subsistemas da economia ou da política.

A interpretação sistêmica é considerada como umas das principais formas interpretativas na aplicação do Direito, em que podemos destacar os ensinamentos do professor Eros Roberto Grau:67

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpre-tação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sem-pre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do siste-ma jurídico, não expressa significado algum.

Durante a execução da tarefa interpretativa, para que seja possível manter a harmonia entre os subsistemas e os objetivos do Estado de Direito, é importante destacar que não deva existir antinomias, havendo conflito entre as normas sempre deve pre-valecer a supremacia constitucional justamente por o texto cons-titucional conter os valores que justificam a existência do Estado.

Por fim, e não menos importante, devemos tratar do ele-mento de interpretação teleológica, em que considera o direi-to sempre o instrumento de concretização dos fins sociais, a norma não justifica sua existência em si mesmo, a Constituição Federal/88 trouxe no seu texto normativo um artigo que trata exclusivamente de quais são os objetivos da República Federa-

67 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 34.

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tiva do Brasil, devendo sempre o intérprete obedecer os vetores elencados no artigo 3.° da CF/88:68

Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Fe-derativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-gualdades sociais e regionais;IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A interpretação teleológica deve sempre estar voltada para a proteção dos direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional, devendo com isso proteger os valores contidos na Magna Carta que ajudam a manter a harmonia na construção do Estado democrático brasileiro. É oportuno des-tacar que o elemento teleológico é invocado com bastante fre-quência nos julgamentos dos tribunais superiores.

3. PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAIS

Diante das contínuas e complexas relações humanas, o ho-mem busca por da ciência jurídica respostas para os questiona-mentos da vida moderna. Para atender esse dinamismo social, o Direito, em especial o Constitucional, busca fundamentar seu ordenamento em princípios, como também sua aplicabilidade de modo instrumental na interpretação constitucional.

Os princípios são objeto de estudo que baseiam todos os ramos da ciência jurídica, utilizados desde o momento da elabo-ração do ordenamento até no cumprimento da efetivação social

68 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, Diário Oficial da União. Brasília, 1988.

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das regras jurídicas. Desempenham pelo do seu valor amplo e genérico o norte interpretativo capaz de dar coesão a todas as normas pertencentes ao ordenamento jurídico do Estado brasi-leiro, na seara constitucional ainda tem por finalidade justificar a existência do próprio Estado Democrático de Direito.

Sampaio, Wold e Nardy considera que:69

Princípios são enunciados deônticos que sedimentam e cris-talizam valores e políticas no ordenamento jurídico (prin-cípios formais e materiais). Denominam-se também princí-pios as normas técnico-operacionais do sistema jurídico que orientam mais diretamente as operações estruturais sistêmi-cas (princípios funcionais ou operacionais). Uns e outros po-dem vir expressos ou implícitos. Em sistemas jurídicos que valorizam exageradamente a fonte legislativa de direito quase nada sobra escondido por trás das palavras. Outras vezes, por conveniência e flexibilidade, deixam de ser explicitados, em-bora componham a rotina e práxis jurídicas... mesmo que a sanha legiferante seja intensa, é da natureza dos princípios o mundo não escrito.

Nessa perspectiva, os princípios, além de vetores nortea-dores, responsáveis pela coesão do ordenamento jurídico, ainda possibilitam auxílio ao intérprete sempre que exista uma lacuna legislativa, podendo esta ser completada em consonância com os princípios.

Uma vez tendo uma definição preliminar acerca de princí-pios jurídicos, se faz oportuno mencionar que princípios não se confundem com as regras, uma vez que ultrapassam a própria regra; no entanto essa diferenciação é polêmica, já que princí-pios e regras são normas, ao passo que ambos indicam a apli-cação do Direito, coadunando a realidade ao Direito, o ser ao um dever ser.

69 SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris e NARDY, Afrânio José Fonseca. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

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Alexy, ao diferenciar princípios e regras, aponta:70

[...] “à determinabilidade dos casos de aplicação”, a forma de seu surgimento – por meio de diferenciação entre normas “criadas” e normas “desenvolvidas” –, o caráter explícito de seu conteúdo axiológico, a referência à ideia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídi-ca. Princípios e regras são diferenciados também com base no fato de serem razões para regras ou serem eles mesmo regras, ou, ainda, no fato de serem normas de argumentação ou nor-mas de comportamento.

Podemos observar essa diferenciação no cumprimento, enquanto existe a obrigatoriedade de ser feito o que exatamente está escrito na regra, por outro lado existe a prescrição de um dever por parte dos princípios que são muitas vezes atendidos de forma diversa, dependendo do caso concreto.

Com a finalidade de esclarecer qualquer conflito que reste ainda acerca da natureza conceitual de princípios e com o intui-to de engradecer esse trabalho cientifico, podemos contar com a definição de Dworkin:71

[...] Somente as regras ditam resultados. Quando se obtém um resultado contrário, a regra é abandonada ou mudada. Os princípios não funcionam dessa maneira; eles inclinam a de-cisão em uma direção, embora de maneira não conclusiva. E sobrevivem intactos quando não prevalecem.

Portanto, a compreensão acerca dos princípios jurídicos é ponto de partida inicial para todos os ramos do Direito. Aqui pomos em destaque o Direito Constitucional, visto que se trata

70 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 88-89.

71 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Mar-tins Fontes, São Paulo: LTr, 2009, p. 57.

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de uma matéria que gera direitos, e ao mesmo tempo, deveres ao Estado e a toda a coletividade com a finalidade de justificar a própria existência do Estado Democrático de Direito.

A tarefa interpretativa da norma jurídica é construída com a combinação dos elementos interpretativos que foram demostrado acima, se mostrando ainda como sendo uma ati-vidade que exige muita técnica, uma vez que não deve ser feito de forma isolada, mas sempre considerando a norma dentro do ordenamento.

Diante das características que diferenciam o texto consti-tucional das demais normas, como a supremacia: a carga valo-rativa ampla do seu conteúdo, dedicada a disciplinar desde a fa-mília até as questões políticas, deve necessariamente contar com uma rica base de princípios que visem sobretudo manter sempre o norte interpretativo na busca da concretização dos objetivos fundamentais do Estado, contidos no texto constitucional.

Devemos passar agora a expor sem maiores aprofunda-mentos os princípios de interpretação constitucional, iniciando pelo princípio da supremacia, em que por meio da Constitui-ção, a soberania popular se transforma em supremacia, desta feita acaba por colocar a Constituição no topo da cadeia hierár-quica das normas jurídicas, prevalecendo, assim, em posição de destaque perante as outras normas que compõem o orde-namento jurídico. Com essa colocação didática acima fica fácil compreender que o sistema não suporta que exista nenhuma outra norma jurídica dentro do ordenamento jurídico, que não esteja em harmonia com o regramento constitucional, devida-mente fundamentado no princípio da supremacia constitucio-nal, derivando ainda desse princípio o mecanismo de proteção da Carta Magna, que são conhecidos como controle de consti-tucionalidade, controle esse desempenhado pelo Poder Judiciá-rio, seja pela via incidental ou pela via principal.

O Princípio da Unidade da Constituição é responsável por orientar o hermeneuta na tarefa de levar harmonia na busca pelo significado da norma, já sabemos que o texto constitu-cional é o responsável pela unidade do ordenamento jurídico.

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Quando se fala em unidade é em sentido de evitar conflitos en-tre a carga valorativa dos preceitos constitucionais, mas ocorre muitas vezes choque entre algumas normas do ordenamento e outras vezes conflitos dentro do próprio texto constitucional, isso tudo em decorrência da amplitude da Constituição, que contempla numerosas situações que envolvem interesses opos-tos. A grande dificuldade em resolver os conflitos constitucio-nais está na ausência de hierarquia entre normas pertencentes à Constituição e, ainda diferentemente das demais normas do ordenamento jurídico, as normas constitucionais não podem ser taxadas como inconstitucionais em face de outra.

Como forma de solução para casos de difícil interpreta-ção, como os apresentados onde existe conflito entre normas constitucional, o intérprete deve-se valer do princípio da uni-dade constitucional, no sentido de sempre que possível manter ao máximo o núcleo dos objetivos fundamentais da Constitui-ção se valendo da teoria dos limites imanentes, explicitada nas palavras de Jane Pereira:72

A doutrina da imanência busca justificar dogmaticamente o reconhecimento de limites não expressamente previstos no texto da Constituição, tendo sido elaborada com base em duas premissas genericamente aceitas no pensamento jurídico: i) a ideia de que os direitos fundamentais não são absolutos nem podem ser invocados em todas as situações; ii) a noção de que os direitos das pessoas devem ser harmonizados entre si.

Visto em papel de destaque, temos o Princípio da Razoa-bilidade ou da Proporcionalidade, o qual permite que o Poder Judiciário, especialmente, na tutela dos direitos fundamentais, possa garantir da melhor forma possível por meio da interpre-tação normativa a execução dos fins constitucionais do Estado.

72 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fun-damentais. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2006, p. 168.

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Por fim, e não menos importante, temos o Princípio da Máxima Efetividade da Norma Constitucional, pelo qual o her-meneuta busca identificar a vontade da Constituição, de modo que possa sempre que possível fazer opção por aquele caminho interpretativo que esteja mais próximo dos objetivos expostos no artigo 3.° da Constituição Federal, mesmo para os casos em que o legislador se omitiu.

4. CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho foi demostrado que a tarefa de interpretação do Direito é complexa e deve ser exercida de for-ma a combinar todas as ferramentas que estejam ao alcance do hermeneuta, sempre destacando a importância dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro albergados no artigo 3.° da Constituição Federal, os quais devem servir de verdadeira fonte de todo o Direito nacional, constituindo-se em vetores na ma-terialização do direito.

O intérprete deve sempre buscar ao máximo a efetivação dos objetivos colecionados no artigo 3.° CF/88 mantendo, inde-pendente do caminho instrumental escolhido para executar a tarefa interpretativa, como norte os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Afinal, o Estado não pode justificar sua existência em si mesmo, mas sim nos objetivos para ele traçados pela Constitui-ção Federal, tendo como base o Princípio do Estado Democráti-co de Direito, garantidor dos direitos e garantias fundamentais.

Os objetivos fundamentais devem ser levados sempre em conta no complexo sistema formado por seus subsistemas, cujo funcionamento eficiente exige unidade e harmonia a tornar possível a concretização dos valores estatais claramente elenca-dos na Magna Carta.

A concretização desses objetivos exige políticas públicas voltadas para uma sociedade livre, justa e solidária, em que seja possível garantir, por exemplo, o desenvolvimento nacional com

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a erradicação da pobreza. Em ambiente, no qual sejam veda-das práticas que representem discriminações de raça, sexo, cor, ideologia ou mesmo de qualquer outra forma de segregação.

Em suma, concluímos que o intérprete tem um papel de grande importância para o Direito, visto que seu papel deve ir além dos elementos tradicionais na tarefa de interpretação da norma, buscando sempre o confronto da norma com a realida-de social em que está inserida, devendo diante desse constante conflito prevalecer sempre os objetivos primários do Estado brasileiro, como verdadeiros vetores interpretativos de todo o ordenamento jurídico.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5 ed. Tradu-ção Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

BRASIL, Lei n.º 12.376, de 30 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a Introdução às normas do Direito Brasileiro.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Diá-rio Oficial da União. Brasília, 1988.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Con-temporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2006.

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SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e Interpreta-ção Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, José Afonso. Teoria do Conhecimento Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014.

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CAPÍTULO VI

ANTINOMIAS DE NORMAS JURÍDICAS: MÉTODOS DE SOLUÇÃO

Higor Luís de Carvalho Silva73

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico consiste em um sistema de nor-mas, que se relacionam umas com as outras, observando uma hierarquização, com conteúdo coerente e que esgote todas as possibilidades de previsão normativa, tornando um sistema completo, sem antinomias e lacunas. Baseia-se nos princípios da harmonia normativa, coerência interna e completude jurídica.

Harmonia normativa porque as normas que compõem o sistema obedecem a uma ordem hierárquica, trazendo métodos de solução de conflitos de antinomias e mecanismos de exclu-são de normas que afrontem a unidade do sistema. Ser uno é ser harmônico: A harmonia decorre da ausência de contradições insuperáveis no seu interior.74

A coerência, pelo fato das normas manterem um sentido lógico, trazendo racionalidade e operabilidade para o sistema normativo. Trata-se da questão da consistência do ordenamen-to jurídico, que na sua concepção objetiva significa um sistema sem interpretações duvidosas, que não coloquem o operador do

73 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), pós-graduado em Direito Público, Direito Penal e Processual Penal. dele-gado de Polícia Judiciária – Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

74 CARVALHO, Rafael Tawaraya Gualberto. Normas Jurídicas: princípios, regras e postulados. Conteúdo Jurídico. 2017. Disponível em: <www.conteudojuridico.com.br/artigo,normas-juridicas-principios-regras-e-postulados,590132.html.>. Acesso em 30/nov/2018.

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direito numa situação de insegurança. A coerência do ordena-mento jurídico não é condição de validade, mas de efetividade.75

Por fim, a completude do ordenamento jurídico diz res-peito pela ausência de vazios jurídicos (lacunas normativas), em que o Direito prevê todas as possibilidades da vida em so-ciedade. Conclui-se que o Direito é um sistema hierárquico, coerente e completo de normas jurídicas.

Quem primeiro idealizou esses comandos no estudo do ordenamento jurídico foi o jurista Hans Kelsen, em seu livro Teoria pura do Direito. Ele buscou transformar o Direito numa ciência jurídica, defendendo uma absoluta neutralidade em face do conteúdo político, ético, sociológico ou religioso no plano de criação das normas.

A teoria Kelseniana aspirava à neutralidade, a autonomia e objetividade da ciência do direito, excluindo do conceito de seu objeto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho axiológico ou sociológico, que seriam objeto de estudo de outras disciplinas, tais como a So-ciologia, Filosofia, Religião, Ciências da Natureza e etc.

A norma jurídica vinha despida de quaisquer valores, não importando o conteúdo do direito, mas sim a sua natureza como ciência jurídica (cientificidade do Direito).

No mesmo sentido, Carlos Francisco Büttenbender, em sua obra Da Norma ao Ordenamento: uma visita a Kelsen e Bobbio, comenta:

75 Não existe no ordenamento nenhuma regra de coerência e, portanto, duas normas incompatíveis do mesmo nível e contemporâneas são ambas válidas. Essas normas, entretanto, não podem ser ao mesmo tempo eficazes, no sentido que a aplicação de uma no caso concreto exclui a aplicação da outra, mas são ambas válidas no sentido de que, apesar de seu conflito, ambas continuam a existir no sistema e não há remédio para sua eliminação. Assim, a coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamen-to. GASPERIN, Antônio Angusto Tams. Síntese comentada à Teoria do Ordena-mento Jurídico de Noberto Bobbio. 2005. Disponível em: <HTTPS://jus.com.br/artigos/6953/sintese-comentada-a-teoria-do-ordenamento-juridico-de-nober-to-bobbio/2.. Acesso em 30 nov. 2018.

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Ao estudar a questão da validade da norma jurídica, Kelsen procurou afastar as alternativas postas pelo jusnaturalismo, rechaçando as fundamentações metafísicas que colocavam o fundamento de validade do direito na Religião (Deus) ou na Natureza. Igualmente procurou afastar-se da fundamentação fática, porque procurou fazer nítida distinção entre o mundo do ser (fatos) e o do dever-ser (direito).76

Outro jurista de grande destaque no estudo da norma ju-rídica foi Noberto Bobbio, com sua Teoria do Ordenamento Ju-rídico. Acolheu a tese de Kelsen, considerando a norma como imperativo e afastando da incidência de qualquer tipo de valo-ração de outras ciências. Destarte, defende a mudança da visão da norma em si, não vista isoladamente, mas ligada umas as outras, compondo um sistema de normas, sendo de relevância a utilização da coerência para reger todo ordenamento jurídico.

Diante da necessidade de observar a coerência do sistema normativo vigente, para que o operador do Direito encontre a norma devida para a previsão das inúmeras situações da vida em sociedade, preservando a segurança jurídica, necessária se faz eliminar qualquer tipo de contradição (incoerência), as cha-madas Antinomias Jurídicas.

Passaremos, a seguir, à análise dessas antinomias.

2. ANTINOMIAS JURÍDICAS

Pelo conceito etimológico da palavra, anti significa con-flito, nomia (ou “nomos”) significa norma. É o conflito entre normas. Mas para que haja Antinomia Jurídica é necessária a observância de três condições básicas: as normas têm que ser contraditórias, ser válidas e estarem vigentes no momento do conflito.

76 BUTTENBENDER, Carlos Francisco. Da norma ao ordenamento: uma visita a Kelsen e Bobbio. Ano X, 2002, p. 103.

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A título de exemplo, normas seriam contraditórias quan-do uma delas permite um comportamento e a outra norma conflitante proíbe esse mesmo comportamento, estando elas válidas e vigentes no mesmo ordenamento jurídico. Tal fenô-meno é chamado pela doutrina de Antinomia Jurídica, que afeta diretamente a segurança jurídica, devendo ser evitado no ordenamento: o Direito não tolera antinomias.77

Segundo Bobbio, definimos a antinomia como aquela si-tuação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e a outra proíbe (contrariedade), ou uma obriga e a outra permite (contraditoriedade), ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento (contraditoriedade).78

Os verbos seriam proibir, obrigar e permitir, cada um coexis-tindo com uma norma conflitante, gerando assim as antinomias.

Além das situações acima descritas, para que haja anti-nomia, ainda é necessário que as duas normas coexistam no mesmo espaço; devem ter o mesmo âmbito de validade; seus comandos ser incompatíveis e persistir a insustentabilidade da posição do destinatário da norma, ou seja, o sujeito deve ficar numa posição insustentável, sem nenhuma regra jurídica que aponte uma solução positivamente válida para a solução do conflito.

77 Como afirma Adriana Estigara, citando Nobberto Bobbio: “A situação de normas incompatíveis entre si é uma das dificuldades frente as quais se encon-tram os juristas de todos os tempos, tendo esta situação uma denominação própria: antinomia. Assim, em considerando o ordenamento jurídico uma uni-dade sistêmica, o Direito não tolera antinomias”. Fonte: https://jus.com.br/arti-gos/7207/das-antinomias-juridicas.

78 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6 ed. Brasília: UnB. 1995, p. 85.

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2.1. Espécies de antinomias jurídicas.

2.1.1. Antinomia Real

As Antinomias Reais, também chamadas de lacunas de conflitos, são aquelas em que as colisões entre duas normas fa-zem com que se excluam reciprocamente, por ser impossível remover a contradição com os critérios existentes no ordena-mento jurídico. É aquela que não pode ser resolvida.

E como seria essa antinomia? Como exemplo podemos ci-tar um conflito de normas de mesma hierarquia, publicadas no mesmo dia e tratarem do mesmo grau de generalidade de um fato. Parece improvável? Não, pois a Constituição Federal de 1988 possui inúmeras antinomias reais.

E qual seria a solução? Como dito acima, não existe solu-ção, o intérprete da norma terá que fazer uma ponderação de princípios e regras, aplicando a norma mais razoável e propor-cional ao caso, observando todo o sistema normativo constitu-cional vigente. As antinomias persistirão, mas o caso concreto terá que ser resolvido mesmo com as normas em choque.

Essa Antinomia Real consagra também os princípios constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional e da vedação ao non liquet. Nenhuma situação posta ao Poder Ju-diciário poderá deixar de ser decidida sob a alegação de não ha-ver norma compatível no sistema jurídico. O aplicador do Di-reito terá que encontrar a melhor solução, podendo assim fazer uso da analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.79

Tércio Sampaio Ferraz Júnior dispõe no mesmo sentido:

O reconhecimento desta lacuna não exclui a possibilidade de uma solução efetiva, quer por meios ab-rogatórios (edita-se nova norma que opta por uma das normas antinômicas), quer por meio de interpretação equitativa, recurso ao costume, à

79 Art. 4º do Decreto Lei nº 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LNDB).

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doutrina, a princípios gerais do direito, entre outros. O fato, porém, de que estas antinomias ditas reais sejam solúveis desta forma não exclui a antinomia, mesmo porque qualquer das soluções, ao nível da decisão judiciária, pode suprimi-la no caso concreto, mas não suprime a sua possibilidade no todo do ordenamento, inclusive no caso de edição de nova norma, que pode por pressuposição, eliminar uma antinomia e, ao mesmo tempo dar origem a outras. O reconhecimento de que há antinomias reais indica, por fim, que o direito não tem o caráter de sistema lógico-matemático, pois sistema pressupõe consistência, o que a presença da antinomia real exclui.80

2.2. Antinomia Aparente

Diferentemente das Antinomias Reais, que não possuem critérios de solução, as Antinomias Aparentes pressupõem a existência de critérios que permitam sua solução. É a que pode ser resolvida, eis que não demonstram verdadeiramente incon-sistência do ordenamento jurídico.

A doutrina aponta quatro critérios para a solução das An-tinomias Aparentes, quando as divergências aparecem durante o processo de interpretação das normas em conflito: critério hierárquico, critério cronológico, critério da especialidade e o critério da norma mais benéfica ao destinatário. Vejamos cada um deles:

2.2.1. Critério Hierárquico:

É o principal critério de solução das antinomias jurídicas no processo de interpretação. Desenvolvido sobre os ensina-mentos de Hans Kelsen, com base na teoria da Construção Es-calonada das Normas Jurídicas, este critério tem como norma

80 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 211.

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mais importante a Constituição, servindo de fundamento de validade para as demais normas jurídicas.

Este autor, para dar sentido a sua teoria, criou uma pirâ-mide abstrata hierarquizada de normas, onde no topo estaria a Constituição, cujo fundamento de validade é retirado de uma Norma Hipotética,81 pressuposta ao próprio jurista. A Norma Hipotética Fundamental é a norma última superior, a mais ele-vada, não posta no ordenamento jurídico, mas sim pressuposta, servindo para fundamentar todo o resto.

Em outras palavras, o Direito se conceituaria em um sis-tema escalonado e gradativo de normas jurídicas, de todas as espécies normativas, em que cada qual retira sua validade da camada que lhe é imediatamente superior, e assim sucessiva-mente, até alcançar a norma hipotética fundamental que lhes dá o fundamento de validade.

Portanto, uma norma hierarquicamente superior preva-lece sobre norma hierarquicamente inferior, da mesma forma que uma norma hierarquicamente inferior nunca poderá se so-brepor a uma norma hierarquicamente superior, uma vez que extrai seu fundamento de validade dessa norma. A estrutura lógica da ordem jurídica é piramidal, estabelecendo uma hie-rarquia, uma relação de subordinação.

Como exemplo prático pode citar uma antinomia de uma norma constitucional versus uma norma infraconstitucional (leis complementares, ordinárias, resoluções etc). Pelo critério hierárquico, fica claro que a norma constitucional prevalece so-bre qualquer outra norma que esteja abaixo da Constituição. A norma infraconstitucional retira seu fundamento de validade da norma superior.

81 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6 ed. Martins Fontes. São Paulo:1999, p. 141.

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2.2.2. Critério Cronológico

Também chamado de Critério Temporal, este critério se baseia na origem das normas, no seu tempo de criação. Tudo que vem depois estaria mais atualizado do que vem antes. Na linguagem jurídica: norma posterior prevalece sobre norma an-terior naquilo que for contraditória.

Toda lei recém-promulgada pode revogar ou não outra lei já existente no ordenamento jurídico, podendo vir de forma ex-pressa ou tácita. Revogação expressa seria nos casos do próprio texto normativo vir anunciando: Esta Lei regova a Lei X.

Já a revogação tácita seriam os casos de normas que re-gulam inteiramente os enunciados da norma anterior existen-te sem precisar descriminar sua revogação no texto da norma recém-criada. Revoga-se a norma anterior também quando a norma atual (recente) for com ela totalmente incompatível. Nesse sentido, Alexandre Rosa, citando Noberto Bobbio ad-verte: Se num ordenamento vêm a existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas.82

Esse critério possui fundamento no artigo 2.°, §1.°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.83

Para ilustrar, com exemplo, uma antinomia de normas so-lucionada pelo critério cronológico: uma lei de 2018 vai preva-lecer, se ela for contraditória, sobre uma lei de 1990.

82 ROSA, Alexandre Morais. Não se faça de Bobbio: a importância do ordena-mento jurídico. 2016. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2016-nov-26/diario-classe-nao-faca-bobbio-importancia-ordenamento-juridico#_edn12.>. Acesso em 30/nov./2018.

83 Art. 2.°, §1° do Decreto Lei n.° 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB.

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2.2.3. Critério da Especialidade

Também denominado lex specialis, em função da expres-são latina lex specialis derogat legi generali, é o critério que con-siste em determinar a aplicação da norma mais específica para o caso concreto, não acarretando em revogação da outra norma preterida, de caráter geral, quando em conflito.

Possui fundamento nas Normas de Introdução ao Direito Brasileiro, art. 2.°, §2.°: A lei nova, que estabeleça disposições ge-rais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.84

Sobre o tema Maria Helena Diniz comenta:

Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de nature-za objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A nor-ma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim do bis in idem, pois o comportamento só se enquadra na norma especial, embora também seja previsto na geral.85

Neste critério, a norma especial prevalece sobre norma ge-ral, não acarretando em revogação, apenas não aplicabilidade da norma geral naquilo que a norma especial trata com mais detalhes, com esmiunceis, evitando o bis in idem e solucionan-do uma possível antinomia jurídica.

Como exemplo, pode-se citar uma norma do Código Civil de 2002, em conflito com uma norma do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, quando um assunto correlato tratar de pessoas físicas. Pois bem, ambos são diplomas legais que dis-ciplinam situações da vida privada de pessoas naturais, sendo

84 Art. 2º, § 2º do Decreto Lei nº 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB

85 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40.

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que o primeiro diploma trata de pessoas de forma geral e o se-gundo de uma situação mais específica, pessoas que são crian-ças e adolescentes.

Num eventual conflito entre essas normas, o conflito será solucionado pelo critério da especialidade, prevalecendo o di-ploma normativo do Estatuto da Criança e do Adolescente em detrimento do Código Civil. Bom salientar que o ECA jamais iria revogar o Código Civilista, mas sim torná-lo inaplicável na-quilo que disciplinou com mais especificidade. Estende-se esse exemplo também a outros diplomas normativos, tais como o Es-tatuto do Idoso, dos Índios, dos Portadores de Deficiência etc.

2.2.5. Critério da Norma mais Benéfica

A Norma mais Benéfica ao réu deve ser aplicada em de-trimento da norma mais prejudicial. Parte-se do pressuposto de que nenhuma interpretação, em um eventual conflito de normas – antinomias, que prejudicasse o destinatário pudesse vigorar, mas sim a que fosse mais benéfica.

A título de exemplificação, mencionamos a aplicação da lei penal, em que em um conflito de normas penais em desfavor do réu, aplicar-se-ia a mais favorável dentre elas. Poucos auto-res põem esse critério como solução das antinomias.

2.3. Antinomia entre os Critérios de Solução

As antinomias jurídicas não só aparecem entre normas em si mesmas, mas também entre os próprios critérios de solu-ção. São as chamadas Antinomias de Segundo Grau. Vejamos cada um deles:

2.3.1. Critério Hierárquico x Critério Cronológico

Pode haver antinomia entre os critérios de solução Hie-rárquico e o Cronológico na seguinte forma: uma norma “A”,

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sancionada no ano de 1988 e de ordem constitucional entra em conflito com uma norma “B”, sancionada em 2018 e de ordem infraconstitucional (de lei complementar), ambas tratando da mesma matéria. Qual dessas normas, “A” ou “B”, seria aplicada no caso concreto?

Se fosse aplicado apenas um critério de solução para o caso, por exemplo, o critério temporal ou cronológico, a norma “B” teria revogado a norma “A”, uma vez que a norma mais recente revoga a norma mais antiga quando ambas tratarem da mesma matéria. Todavia, essa não foi apenas a problemática do caso, uma vez que questão de hierarquia também veio à tona. Apesar da norma “B” ser mais recente, jamais poderia se sobrepor a norma “A”, já que esta é de ordem constitucional, em detrimento daquela de ordem infraconstitucional (lei complementar).

Nesse contexto, quando existir um conflito de antinomias sobre os critérios de solução, entre o critério hierárquico versus o critério temporal ou cronológico, prevalecerá o critério hie-rárquico, para todos os efeitos. Norma superior prevalece sobre norma inferior (pirâmide de Kelsen).

2.3.2. Critério Hierárquico x Critério Cronológico

Da mesma forma, podemos também nos deparar com uma antinomia entre os critérios de solução Hierárquico e o da Especialidade. Vejamos a mesma situação posta acima como exemplo, acrescido apenas de generalidade e especialidade en-tre as normas.

Uma norma “A”, sancionada no ano de 1988, de caráter geral e de ordem constitucional entra em conflito com uma norma “B”, sancionada em 2018, de caráter especial e de ordem infraconstitucional (de lei complementar), ambas tratando da mesma matéria. Qual dessas normas seria aplicada no caso em discussão?

Permaneceria a aplicação da norma “A”, prevalecendo o Critério da Hierarquia, uma vez que norma superior prevalece sobre qualquer outra norma inferior, não importando o grau

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de especialidade que a norma “B” estaria disciplinando no caso concreto. A norma “B” só teria prevalência sobre a norma “A” se fosse uma norma de mesma hierarquia normativa, ou seja, estivesse no mesmo patamar hierárquico. Isto posto, quando existir um conflito de antinomias sobre os Critérios de Solução, entre o Critério Hierárquico versus o Critério da Especialidade, prevalecerá o Critério Hierárquico.

2.3.3. Critério Cronológico x Critério da Especialidade

Chegamos agora na situação mais complicada para o in-térprete e aplicador do Direito quando, ele se depara com uma antinomia entre os Critérios de Solução: Critério Cronológico versus Critério da Especialidade.

Observe a seguinte situação: uma norma “A”, sancionada no ano de 2016 e de caráter especial, entra em conflito com uma norma “B”, sancionada em 2018 e de caráter geral, ambas tratando da mesma matéria. Qual dessas normas seria a mais apropriada para aplicá-la ao caso?

Na hipótese existe um conflito entre o Critério Cronológico e o Critério da Especialidade. Não existe solução exata para este tipo de conflito, na medida em que entre esses critérios não há prevalência de um sobre o outro, mas sim uma análise do caso concreto em si mesmo, obedecendo sempre uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico vigente (coerência interna), ou seja, buscando o critério que torne a norma mais eficaz para a resolução do caso, respeitando os ditames constitucionais.

E quem decidiria esse conflito? O juiz natural, amparando os princípios da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional e da Vedação ao Non Liquet, sempre incumbido da motivação das suas decisões (persuasão racional) e da completa imparcialida-de para apreciação do caso colocado para sua apreciação.

Portanto, quando houver um conflito entre o Critério Cronológico ou Temporal e o Critério da Especialidade, o juiz analisará o conflito no caso concreto e decidirá qual deles irá vi-gorar em relação ao outro, solucionando a antinomia jurídica.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito não é apenas uma norma em si, mas de integra-ção coordenada das mais variadas normas que as compõem. Não se pode entender o Direito com a análise isolada de uma norma, mas sim a partir do estudo das normas interligadas que integram e formam um sistema normativo. As normas jurídicas existem dentro de um sistema e se relacionam umas com as outras.

Quando da análise dessas normas, algumas inconsistên-cias podem surgir, o que acaba repercutindo na eficácia desse sistema normativo. Essas imperfeições do ordenamento trazem à tona o fenômeno das Antinomias Jurídicas, que nada mais são que normas em constantes conflitos de interpretação quando da aplicação a um caso concreto.

Constatada uma antinomia, grande é a insegurança que passa a imperar na sociedade, uma vez que o destinatário da norma fica em uma situação insustentável, sem nenhuma regra jurídica que aponte uma solução satisfatoriamente válida para a solução do conflito. Desta feita, uma vez instado o conflito o próprio ordenamento foi capaz de encontrar mecanismos de solução para as antinomias encontradas, resolvendo os impas-ses das antinomias aparentes.

Bom frisar que as Antinomias Reais por mais que se en-contre uma solução para o caso concreto, ponderação de regras e princípios ou aplicação da analogia, costumes ou princípios gerais do Direito, a antinomia permanece, fazendo-se necessá-ria uma intervenção legislativa eficaz para a retirada da norma contraditória.

Com essas considerações, conclui-se que não é o orde-namento jurídico que é incoerente, mas sim as normas que o compõem. Todos os dias o legislador inaugura algum diploma legal que integra o ordenamento jurídico, sendo inevitável que em algum momento, não raro, encontrem alguma norma con-traditória com uma já existente. Para esses conflitos, o ordena-mento jurídico torna-se consistente, de forma que as soluções

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para todos os impasses, especialmente entre normas, nele se encontram presentes.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6 ed. Bra-sília: UnB, 1995.

BUTTENBENDER, Carlos Francisco. Da norma ao ordena-mento: uma visita a Kelsen e Bobbio. Ano X, 2002, p. 103.

CARVALHO, Rafael Tawaraya Gualberto. Normas jurídicas: princípios, regras e postulados. Conteúdo Jurídico. 2017.

DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9 ed. São Paulo: Sa-raiva, 2009.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Di-reito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994.

GASPERIN, Antônio Angusto Tams. Síntese comentada à Teo-ria do Ordenamento Jurídico de Noberto Bobbio. 2005.

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ROSA, Alexandre Morais. Não se faça de Bobbio: a importância do ordenamento jurídico. 2016.

Sites, disponíveis em:www.conteudojuridico.com.br/artigo,normas-juridicas-princi-pios-regras-e- postulados,590132.html. Acesso em 25 de outu-bro de 2018.

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https://jus.com.br/artigos/6953/sintese-comentada-a-teoria--do-ordenamento-juridico-de- noberto-bobbio/2. Acesso em 25 de outubro de 2018.

https://erosmarella.jusbrasil.com.br/artigos/322773143/a--completude-do-ordenamento- juridico. Acesso em 25 de ou-tubro de 2018.

https://www.conjur.com.br/2016-nov-26/diario-classe-nao-fa-ca-bobbio-importancia- ordenamento-juridico. Acesso em 26 de outubro de 2018.

https://www.meuadvogado.com.br/entenda/hans-kelsen-x--noberto-bobbio.html. Acesso em 26 de outubro de 2018.

https://jus.com.br/artigos/7207/das-antinomias-juridicas. Acesso em 26 de outubro de 2018.

https://www.conjur.com.br/2016-nov-26/diario-classe-nao-fa-ca-bobbio-importancia- ordenamento-juridico#_edn12. Aces-so em 26 de outubro de 2018.

Legislação:Decreto Lei n.° 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB. Acesso em 25 de outubro de 2018.

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CAPÍTULO VII

APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA SOLUÇÃO DE

CONFLITOS ENTRE PARTICULARESJaíse Marien Fraxe Tavares 86

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibi-lidade de aplicação direta dos direitos fundamentais nas rela-ções privadas, ou seja, sem que haja necessidade de regulamen-tação legislativa.

As teorias acerca dos direitos fundamentais passaram por um processo evolutivo, do Estado Liberal ao Estado Democrá-tico de Direito, de um constitucionalismo liberal a um consti-tucionalismo social, sendo uma das consequências desta evolu-ção o denominado efeito horizontal dos direitos fundamentais (em alemão, Drittwirkung der grundrechte), que projeta a eficá-cia desses direitos em todas as esferas do ordenamento jurídico, de modo a concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3.º e incisos da Constituição Federal).

Os direitos fundamentais e os direitos humanos estão di-retamente ligados, uma vez que aqueles são, de fato, direitos humanos que adquirem caráter fundamental por estarem posi-tivados na ordem jurídica interna de um Estado mediante sua inclusão na respectiva Constituição.

86 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduada em Direito Público pela Universidade do Estado do Ama-zonas (UEA), advogada.

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A Constituição Federal de 1998 representou um novo pa-radigma na proteção de direitos fundamentais entre o indivíduo e o Estado, entretanto, no atual contexto social, grande parte de violações às prerrogativas essenciais do cidadão comum não partem apenas do poder público, mas também de particulares.

Desta forma, o questionamento trazido neste trabalho é: Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta na so-lução de conflitos entre particulares no ordenamento jurídico brasileiro? Como compatibilizar os direitos fundamentais de cunho negativo em relação ao Estado com a autonomia privada nas relações entre particulares?

Esta pesquisa se realizou por meio do método dedutivo, tendo em vista que esse método possibilita levar o investigador do conhecido para o desconhecido com uma margem pequena de erro.

Do ponto de vista dos procedimentos técnicos adotados a pesquisa foi bibliográfica e jurisprudencial, baseando-se em dados extraídos de livros, artigos, pesquisas realizadas sobre o tema, sites e textos, além da análise de decisões do Supremo Tribunal Federal, que mostrem, comprovem e forneçam infor-mações válidas nos alcances dos objetivos do trabalho.

A forma de abordagem do problema foi realizada por meio da pesquisa qualitativa, uma vez que não se vão medir dados, mas sim identificar suas naturezas.

1. Dimensões de direitos fundamentais e evolução do consti-tucionalismo liberal ao constitucionalismo social

Inicialmente, faz-se essencial descrever o panorama dos direitos fundamentais na ordem jurídica, pois para se determi-nar em que circunstâncias eles incidem nas relações privadas, deve-se, antes, compreender de que se tratam tais direitos e o que eles buscam proteger.

Para os fins a que se destina o presente estudo, a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais aqui adotada é

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aquela defendida por Ingo Sarlet, qual seja, a de que os direitos fundamentais são os direitos inerentes à própria condição da dignidade da pessoa humana (direitos humanos) positivados em um Estado Constitucional:

Os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e dignidade humana) acabam sendo transformados em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporan-do-os ao sistema de Direito Positivo como elementos essen-ciais, visto que apenas mediante um processo de “fundamen-talização” (precisamente pela incorporação às constituições) os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito e um Estado Constitucional.87

Os direitos fundamentais encontram-se relacionados com a evolução da história política, de onde destaco que o seu surgi-mento se deu de forma lenta e gradual, em diferentes contextos sociais e históricos, com o fim de alcançar uma vida digna a todos os indivíduos.

Nesse entoar, Norberto Bobbio afirma que:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.88

Daniel Sarmento e Fábio Gomes ensinam que os direitos fundamentais são resultado de uma evolução histórica, buscam garantir a dignidade do homem e surgiram como uma forma

87 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. e ampl. 3. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 32.

88 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12ª tir., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.

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de resguardar o indivíduo dos abusos de poder praticados pelo Estado:

Os direitos fundamentais surgiram como resultado de uma evolução histórica ocorrida por meio de batalhas, revolu-ções e rupturas sociais que miravam a exaltação da dignidade do homem e a construção de garantias desses direitos, visando resguardá-los dos abusos de poder praticados pelo Estado.89

Nesta esteira, os direitos humanos de primeira dimensão objetivam uma prestação negativa por parte do Estado, garan-tindo, deste modo, liberdade aos indivíduos. Dizem respeito às liberdades políticas e aos direitos civis e políticos, que traduzem o valor de liberdade e representam um grande marco para o constitucionalismo liberal.

Foram os primeiros a serem conquistados pela humanida-de e relacionam-se à luta pela liberdade, segurança e proteção do indivíduo perante o Estado. Como ensina Daniel Sarmen-to, os direitos fundamentais “no ideário liberal, não eram nada mais do que deveres de abstenção do Estado, que deveria man-ter-se inerte para não violá-los. O essencial era salvaguardar as liberdades privadas do exercício do poder político”.90

Com isso, temos que sob o esteio do liberalismo, veio à tona a “primeira dimensão” dos direitos fundamentais, de ín-dole defensivista, cujo objetivo era garantir uma esfera de li-berdade individual para cada ser humano. A sociedade, livre da opressão estatal, passaria a se autorreger na esfera privada, ponto essencial para a análise da problemática envolvida no presente trabalho.

Já os direitos fundamentais de segunda dimensão têm como marca os direitos sociais, culturais e econômicos, cor-respondendo aos direitos de igualdade e a um Estado Social,

89 SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos funda-mentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Rev. TST, Brasília, vol. 77, nº 4, out/dez 2011, p. 4

90 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 8.

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representando uma prestação positiva por parte do Estado no sentido de concretizar os direitos sociais.

Com a evolução dos direitos fundamentais de primeira dimensão para a segunda dimensão, a busca pela dignidade da pessoa humana anunciou a chegada de um novo paradigma ju-rídico, um novo constitucionalismo, que vai além da proteção do indivíduo perante o Estado.

Com isso, temos que os direitos fundamentais foram con-cebidos para defender a dignidade da pessoa humana contra quaisquer manifestações de poder, inclusive as não-estatais.

À clássica “função protetiva” dos direitos fundamentais são acrescidas as obrigações devidas por um Estado de índole “promocional”, fazendo com que houvesse a incorporação dos direitos sociais aos textos constitucionais de diversos países, marca do constitucionalismo social. Na lição oportuna de Cris-tina Queiroz:

A configuração da forma de Estado como ‘democrático’ (so-cial) de direito vem a culminar toda uma evolução na qual a consecução e a própria definição do interesse público deixa de ser absorvida pelo Estado para passar a determinar-se em função do poder e da força dos grupos sociais, num jogo e composição de interesses [...] decorrente do desmoronamen-to da base do ‘espaço público’ liberal. Por isso importa aportar na sua qualificação jurídica, na determinação jurídico-pro-cessual e/ou material das regras do jogo, na regulamentação desse ‘espaço público’ que se afirma ao mesmo tempo como de ‘socialização do estado’ (Vergesellschaftung des Staates) e de ‘estatização’ progressiva da sociedade (Verstaatlichung der Gesellschaft). Essa regulamentação jurídica afirma-se, cada vez mais, como uma necessidade constitucional.91

91 QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais (teoria geral). Coimbra: Coim-bra, 2002. p. 158-159.

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Neste sentido, ensina Thiago Sombra que a passagem para o constitucionalismo social não corresponde à minimização da liberdade, muito pelo contrário, trata-se de uma ressignificação do princípio da igualdade:

O Estado Social de Direito surge, destarte, com o objetivo patente de promover, acima de qualquer outro valor, a consa-gração e multiplicação dos instrumentos de proteção dos di-reitos fundamentais, sobretudo a partir da concretização dos direitos dos trabalhadores, dos direitos de ampla participação política e da renovada roupagem dos princípios da igualda-de e da dignidade da pessoa humana. Convém destacar, por apreço à escorreita apreensão do processo dialético de tran-sição, que a derrocada do Estado Liberal não correspondeu à minimização da liberdade, enquanto cerne do pensamento liberal, contudo, proporcionou-lhe uma nova leitura, a qual demonstra ser mais condizente e harmoniosa com o princí-pio da igualdade.92

Sobre a terceira dimensão de direitos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina, em síntese, que “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade e a terceira complementaria a máxima da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade”.93

Acerca do tema, Celso de Mello ensina que:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e po-líticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e cultu-rais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais

92 SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas re-lações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto de encontro dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 57-58.

93 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 57

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ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações so-ciais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracte-rizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.94

Em um estudo do contexto da evolução dos direitos fun-damentais, essencial para a análise de sua aplicação em face do particular, Paulo Bonavides sustenta que:

De sua inauguração até os tempos correntes, o Estado cons-titucional ostenta três distintas modalidades essenciais: a primeira é o Estado constitucional da separação de Poderes (Estado Liberal), a segunda, o Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social), a terceira, o Estado constitucional da Democracia participativa (Estado Demo-crático-Participativo).95

Com a evolução do constitucionalismo liberal para o cons-titucionalismo social, explica Ingo Sarlet que a liberdade indi-vidual não mais necessita de proteção apenas em face do Poder Público, mas também contra os maiores detentores do poder social e econômico na sociedade, quais sejam, os particulares:

Ponto de partida para o reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas é a constatação de que, ao contrário do Estado clássico e liberal de Direito, no qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o indivíduo de

94 STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39

95 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41.

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ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pes-soal e no qual, em virtude de uma preconizada separação en-tre Estado e sociedade, entre o público e o privado, os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado Social de Direito não ape-nas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade participa cada vez mais ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os deten-tores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçadas.96

A partir do julgamento Lüth proferido pelo Tribunal Cons-titucional Alemão em 1958, que será aprofundado no próximo tópico, o movimento do constitucionalismo alemão do pós--guerra levantou a teoria de que os direitos fundamentais com-põem uma “ordem de valores” válida para todos os ramos do ordenamento jurídico, suscitando, ainda, na Alemanha, o deba-te sobre a Drittwirkung der Grundrechte, traduzida à língua por-tuguesa como “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais.

Neste sentido, busca-se estudar este julgamento, as prin-cipais teorias sobre a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares como forma de alcançar o bem-estar social e a dignidade humana, bem como o entendimento do guardião da Constituição Federal, Supremo Tribunal Federal, acerca da temática.

96 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. e ampl. 3. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 346.

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2. Teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares (eficácia horizontal) é tema relevante tanto no pla-no interno de cada nação, como também no plano internacio-nal pois, conforme destaca Gomes Canotilho, a problemática também é apresentada nos âmbitos das convenções interna-cionais: “a chamada Drittwirkung da Convenção Europeia dos Direitos Humanos aponta precisamente para a necessidade de protecção dos direitos do homem perante violação dos mesmos por entidades particulares”.97

Ressalta-se, inicialmente, que a positivação constitucional da eficácia entre particulares ainda é bastante restrita, dentre as quais destaco as Constituições de Portugal (ano 1976) e Suíça (ano 2000).98

Quanto à posição doutrinária, várias são as teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais.

Há teorias sobre a eficácia exclusivamente vertical (aque-la referente somente à relação entre Estado e particular) e ou-tras sobre a possibilidade de conferir eficácia direta ou indireta igualmente às relações entre particulares, isto é, de que os direi-tos fundamentais também vinculam as ações dos particulares nas relações com outros indivíduos, sem que haja participação direta do Estado no litígio.

A eficácia vertical dos direitos fundamentais é aquela diri-gida como uma proteção do indivíduo perante exclusivamente

97 CANOTILHO, José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1272.

98 A Constituição de Portugal (1976) determina, no Art. 18, 1, que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Já a Constituição da Suí-ça (2000) estabelece, no Art. 35,5, que “as autoridades públicas devem cuidar para que os direitos fundamentais, na medida em que sejam aptos para tanto, tenham eficácia também nas relações entre privados”.

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o Estado, que ao exercer a atividade administrativa ou legisla-tiva, deve observar o cumprimento dos direitos fundamentais.Sobre o tema, George Marmelstein assevera:

Como se sabe, os direitos fundamentais foram concebidos, originariamente, como instrumentos de proteção dos indiví-duos contra a opressão estatal. O particular era, portanto, o titular dos direitos e nunca o sujeito passivo. É o que se pode chamar de eficácia vertical dos direitos fundamentais, simbo-lizando uma relação (assimétrica) de poder em que o Estado se coloca em posição superior em relação ao indivíduo.99

Nesta esteira, a eficácia vertical dos direitos fundamentais caracteriza-se na possibilidade de o indivíduo invocar a apli-cação dos direitos fundamentais somente na hipótese de uma ação ou omissão estatal, seja para cessar a ameaça ou violação, seja para demandar uma prestação.

Defende a teoria da não eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas o jurista Alexei Julio Estrada, trazendo, em síntese, como principais fundamentos o fato de que a sua eficá-cia anularia a autonomia privada, iria contra a tradição histórica e contra o conceito dos direitos fundamentais (de não interfe-rência do Estado nas relações privadas). Nas palavras do autor:

1. O Drittwirkung vai contra a tradição histórica e o conceito de direitos fundamentais.2. A admissão de efetividade aos indivíduos deve estar sujeita ao seu reconhecimento expresso pelo texto constitucional.3. O Drittwirkung anula a autonomia privada, e acabaria destruindo o direito privado, ao fazê-lo completamente des-necessário, porque os juízes poderiam basear suas decisões diretamente no texto constitucional, independentemente das prescrições legais existentes.

99 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 337.

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4. Finalmente, esta doutrina é acusada de remover importan-tes áreas de configuração social das mãos do legislador de-mocrático, cuja liberdade de configuração é restrita devido à extensa interpretação da Constituição, transferindo-os para os tribunais, onde Eles removeriam tanto o debate liberal quanto a correção democrática. Desta forma, acabaria em um Estado Judicial.100

Sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a primeira teoria que destacamos é a teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Essa teoria é oriunda da Alemanha e foi desenvolvida por Günther Dürig, na década de 1950. A decisão coube ao Tribunal Cons-titucional Federal alemão, que em 1958 julgou aquele que é considerado, unanimemente, como o grande “divisor de águas” sobre o tema: o Caso Lüth.

Conforme o autor Adriano Pessoa da Costa, trata-se de um caso emblemático que envolve o direito fundamental à li-berdade de expressão envolvendo dois particulares, em que o cidadão alemão Erich Lüth conclamou ao público o boicote contra o filme Unsterbliche Geliebte do diretor Veit Harlan. O Tribunal Federal Constitucional alemão proferiu decisão con-firmando a eficácia dos direitos fundamentais nas relações pri-vadas, entendendo que Erich Lüth estava acobertado pelo seu direito fundamental à liberdade de expressão:

O cidadão alemão Erich Lüth, crítico de cinema, decidiu con-clamar o público e as distribuidoras de cinema daquele país, no final dos anos 50, ao boicote contra o filme Unsterbliche Geliebte, lançado pelo diretor Veit Harlan, seguramente igno-rava que protagonizaria um dos mais relevantes saltos evolu-tivos para história dos direitos fundamentais.

100 ESTRADA, Alexei Julio. La eficácia de los derechos fundamentales entre particulares. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000. p. 98-99. (tra-dução livre)

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Acontece que, sentindo-se prejudicado pelo boicote, o diretor anti-semita promoveu, supedaneado no Art. 826 do Código Civil Alemão (BGB), ação cominatória, na qual exigia a ces-sação do boicote e o pagamento de indenização. O Tribunal Estadual de Hamburgo decidiu pela procedência do pedido, o que motivou Lüth a impetrar recursos peran-te o Tribunal Superior de Hamburgo e, concomitantemente, perante o Tribunal Constitucional Federal Alemão. Seu ar-gumento era que o julgado violara seu direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento, garantido pelo Art. 5 I 1 da Lei Fundamental. O Bundesverfassungsgericht, debruçando-se especificamente sobre o problema dos efeitos das normas jusfundamentais no direito civil, proveu o recurso de Lüth. Mais do que isso, es-tabeleceu postulados que mesmo hoje – quase 60 (sessenta) anos depois – seguem na vanguarda do direito constitucional. Daí porque a doutrina é unânime em reconhecer na decisão o verdadeiro leading case no tema da eficácia inter privados dos direitos fundamentais. De fato, raras são as obras a respeito do tema, no Brasil e no exterior, que não reproduzem trechos do decisum.101

Com isso, para a teoria de eficácia mediata, os direitos fun-damentais apenas incidem nas relações privadas como normas objetivas de princípios. Wilson Steinmetz assim se pronuncia:

Para a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais não incidem nas relações entre particulares como direitos subjetivos constitucionais, mas como normas objetivas de princípio (princípios objetivos) ou, para usar uma terminolo-gia a teoria axiológica dos direitos fundamentais, como siste-ma de valores (Wert system) ou uma ordem objetiva de valo-

101 COSTA, Adriano Pessoa da. Direitos particulares na ordem fundamental bra-sileira (dissertação). Universidade Federal do Ceará. Mestrado em Ordem Jurídi-ca Constitucional. Fortaleza-Ceará. 2007, p. 77/78.

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res. Isso apareceu expressamente na construção do Tribunal Constitucional alemão na decisão do Caso Lüth.102

A aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações in-tersubjetivas, para a teoria da eficácia mediata ou indireta, se realiza por meio da mediação legislativa ou judicial do Estado.

Para os adeptos desta teoria, portanto, o instrumento nor-mativo principal para regular as relações privadas é a lei, estan-do a Constituição em patamar subsidiário, conforme a doutrina de George Marmelstein: “Essa ideia vigora, por exemplo, na Ale-manha, que entende que a lei é o principal instrumento norma-tivo para a regulação das relações entre os particulares, devendo a Constituição ser utilizada de modo meramente subsidiário”.103

O Estado, por meio da sua função legislativa, possui com-petência para a criação das leis que regem as relações privadas e, pela sua função judicante, deve aplicar tais normas de forma a modular a eficácia dos direitos fundamentais nas relações en-tre particulares.

Além desta, a doutrina sustenta a teoria da eficácia ime-diata ou direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, preconizada por Hans Karl Nipperdey e empregada pelo Tribu-nal Federal do Trabalho alemão, igualmente na década de 1950.

Uma vez que os direitos fundamentais detêm a condição de norma constitucional positiva, possuem eficácia perante toda a ordem jurídica interna, e não dependem, portanto, das atividades legislativa ou judicial do Estado, mas regem igual-mente as relações entre os particulares, sem a necessidade de mediação da lei ou do juiz.

Wilson Steinmetz assim descreve a teoria da eficácia dire-ta ou imediata:

102 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 138.

103 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 342.

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Postula-se por uma eficácia não condicionada à mediação concretizadora dos poderes públicos, isto é, o conteúdo, a forma e o alcance da eficácia jurídica não dependem de re-gulações legislativas específicas nem de interpretação e de aplicações judiciais, conforme aos direitos fundamentais, de textos e normas imperativas de direito privado, de modo es-pecial, daqueles portadores de cláusulas gerais104.

Para Wilson Steinmetz, a aplicação direta dos direitos fun-damentais nas relações privadas decorre da própria supremacia constitucional, ou seja, as normas de direitos fundamentais são aptas a produzir efeitos nas relações privadas independente-mente de intermediação legislativa ordinária:

Em razão da consagração do princípio da constitucionalidade no segundo pós-guerra, a Constituição torna-se a fonte dire-ta e imediata dos direitos fundamentais, o que aponta como uma das dimensões do princípio da supremacia da Constitui-ção. As normas constitucionais e, sobretudo as normas de di-reitos fundamentais, em razão de sua supremacia normativa, são aptas a incidir sobre relações jurídicas interprivadas, in-dependentemente de intermediação legislativa ordinária”.105

Corroborando com este entendimento, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto acrescentam: “para que a Cons-tituição, além de estabelecer catálogo de direitos, cumpra sua função de limitar o exercício do poder e organizar o Estado, é necessário que normas constitucionais possuam posição hie-rarquicamente superior às demais”.106

104 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 167.

105 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares aos direitos fundamen-tais. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 103-104.

106 SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucio-nal: teoria, história e métodos de trabalho. 2 ed, Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 24

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Nesta esteira, Paulo Lôbo ensina que os direitos funda-mentais devem ser aplicados diretamente às relações privadas. No caso de ausência de norma infraconstitucional, o Estado--juiz deverá extrair da norma constitucional todo o conteúdo necessário para solucionar o conflito. Quando houver norma infraconstitucional, a interpretação deverá ser feita em confor-midade com as normas constitucionais. Nas palavras do autor:

O significado mais importante é da aplicação direta das nor-mas constitucionais, máxime os princípios, quaisquer que se-jam as relações privadas de duas formas: a) quando inexistir norma infraconstitucional, o juiz extrairá da norma constitu-cional todo o conteúdo necessário para a resolução do con-flito; b) quando a matéria for objeto de norma infraconstitu-cional, esta deverá ser interpretada em conformidade com as normas constitucionais aplicáveis.107

De acordo com o juiz federal e doutrinador George Mar-melstein, a eficácia horizontal implica que “os direitos funda-mentais devem ser aplicados de forma direta às relações entre particulares, da mesma forma como são aplicados na relação en-tre o Estado e os indivíduos, ainda que com temperamentos.”108

No Brasil, segundo o mencionado autor, “essa possibilida-de vem ganhando cada vez mais força na doutrina e na juris-prudência e parece ser a mais adequada ao espírito da Consti-tuição Federal de 1988.”109

Jane Ferreira Gonçaves expôs, detalhadamente, as razões pelas quais acolhe a teoria da eficácia direta e imediata dos di-reitos fundamentais nas relações privadas, explicando porque a

107 LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil brasileiro. In: TEPE-DINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo – Novos problemas à luz da legalidade constitucional. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 21

108 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 342.

109 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 342.

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aplicação desta teoria não implica violação à proteção constitu-cional da autonomia privada:

Ora, a proteção constitucional da autonomia privada não é, de modo algum, incompatível com a eficácia direta dos direi-tos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. Se a tutela da autonomia for posta como um obstáculo intrans-ponível à incidência direta dos outros direitos fundamentais nas relações privadas, o que se tem, em verdade, é uma regra abstrata de preferência em favor daquela. Nessa perspectiva, a crítica de que a eficácia direta compromete o valor consti-tucional da autonomia escamoteia o verdadeiro ponto de di-vergência: a questão não se encontra em saber se a autonomia privada deve ou não ser protegida, mas sim se esta deve pre-valecer em face dos demais direitos fundamentais quando tra-tar-se de relações jurídicas entre particulares. Ao admitir-se a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações inter privatos, a autonomia não é amesquinhada, e sim colocada no mesmo plano dos direitos fundamentais.110

Com isso, concluímos que a doutrina brasileira se inclina, quase que à unanimidade,111 pela possibilidade de aplicação da teoria da eficácia direta ou imediata no Brasil, em harmonia com a Constituição de 1988.

Os autores que aderem à teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais defendem a desnecessidade da mediação estatal (legislativa e judicial) para a eficácia dos direitos funda-mentais nas relações intersubjetivas, sob o fundamento de que, com a força normativa constitucional, há a possibilidade de se

110 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fun-damentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 488.

111 Adeptos à teoria da aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, destacamos os autores Daniel Sarmento, George Marmels-tein, Wilson Steinmetz, Luís Roberto Barroso, Virgílio Afonso da Silva, Ingo Sarlet e Jane Reis Pereira Gonçalves.

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invocar, direta e imediatamente, a aplicação destes direitos nas relações privadas.

Com isso, passa-se à análise do entendimento do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, a respeito da temática.

3. Análise jurídica do posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Caso emblemático envolvendo a problemática da eficácia horizontal de direitos fundamentais no Brasil foi o julgamento, em 11 de outubro de 2005, do Recurso Extraordinário 201.819/RJ pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, cuja ementa transcrevo a seguir:

SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRA-DITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RE-LAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pes-soas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam dire-tamente não apenas os poderes públicos, estando direciona-dos também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberda-des e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada

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garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A au-tonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com des-respeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GA-RANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em rela-ções de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portan-to, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido pro-cesso constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais rela-tivos à execução de suas obras. A vedação das garantias cons-titucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus

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sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos di-reitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LIV e LV, CF/88). IV. Recurso extraordinário desprovido (STF – RE 201819 / RJ – 2.ª Turma – Rel.ª Min.ª Ellen Gracie – DJ 27/10/2006).

O caso concreto diz respeito à exclusão de sócio dos qua-dros da União Brasileira de Compositores (UBC), sociedade civil sem fins lucrativos, dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem que lhe tivesse sido oportunizada apresen-tação de defesa, por meio da “simples” criação de comissão de inquérito, nos termos do artigo 16 de seu Estatuto:

Art. 16: A diretoria nomeará comissão de inquérito composta de três Sócios, a fim de apurar indícios, atos ou fatos que tor-nem necessária aplicação de penalidades aos sócios que con-trariem os deveres previstos no Capítulo IV deste Estatuto.

O ato de exclusão do sócio sem a oportunidade de se de-fender foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão que ensejou a interposição de recurso extraordiná-rio pela União Brasileira de Compositores e foi distribuído para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

A relatora do processo, ministra Ellen Gracie, posicio-nou-se favorável ao provimento do recurso, argumentando que obedecido o Estatuto, instrumento normativo que rege os particulares no referido litígio, não há que se falar em violação ao princípio constitucional da ampla defesa. Nas palavras da ministra:

As associações privadas têm liberdade para se organizar e es-tabelecer normas de funcionamento e de relacionamento en-tre os sócios, desde que respeitem a legislação em vigor. Cada indivíduo, ao ingressar numa sociedade, conhece suas regras e seus objetivos, aderindo a eles. A controvérsia envolvendo a exclusão de um sócio de entidade privada resolve-se a partir

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das regras do estatuto social e da legislação civil em vigor. Não tem, portanto, o aporte constitucional atribuído pela instância de origem, sendo totalmente descabida a invocação do disposto no Art. 5.º, LV da Constituição para agasalhar a pretensão do recorrido de reingressar nos quadros da UBC. Obedecido o procedimento fixado no estatuto da recorrente para a exclusão do recorrido, não há ofensa ao princípio da ampla defesa, cuja aplicação à hipótese dos autos revelou-se equivocada, o que justifica o provimento do recurso”.

Em sentido semelhante votou o Ministro Carlos Velloso. Conforme o ministro, “considerando-se que o devido processo legal deve ser exercido nos termos da lei, a controvérsia dos autos diria respeito à aplicação do próprio Estatuto, sequer ha-vendo violação direta à Constituição”.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, após pedir vista dos autos, proferiu aquele que seria o voto vencedor, emitindo li-ções valiosas acerca do tema da eficácia dos direitos fundamen-tais nas relações privadas:

O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios consti-tucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra cla-ras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede consti-tucional, pois a autonomia da vontade não confere aos parti-culares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações priva-das, em tema de liberdades fundamentais.

Ainda no voto do Ministro Gilmar Mendes, destaco o tre-cho em que o Ministro ressalta que “o Supremo Tribunal Federal

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já possui histórico identificável de uma jurisdição constitucional voltada para a aplicação desses direitos às relações privadas”.

O Ministro Joaquim Barbosa acompanhou a divergência do Ministro Gilmar Mendes e reconheceu o fenômeno da cons-titucionalização do Direito Privado no Direito brasileiro de for-ma que “as relações privadas não mais se acham inteiramente fora do alcance das limitações impostas pelos direitos funda-mentais”.

No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello ensinou que “a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domí-nio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ig-norar as restrições postas e definidas pela própria Constituição”.

Com isso, conclui-se, nos termos do voto do Ministro Gil-mar Ferreira Mendes, que não mais se discute que o Supremo Tribunal Federal é firme ao admitir a teoria da eficácia horizon-tal dos direitos fundamentais.

4. CONCLUSÃO

Os direitos fundamentais encontram-se relacionados com a evolução histórica da sociedade, com o fim de alcançar uma vida digna a todos os indivíduos, ora protegendo-os frente ao poder opressor do Estado, ora surgindo como uma obrigação do Estado em promover os direitos sociais e econômicos.

Os direitos fundamentais, em sua primeira dimensão, fo-ram pensados, originalmente, como um mecanismo de limi-tação do poder estatal em defesa das liberdades individuais. Entretanto, para alcançar o seu fim primordial, que é a digni-dade humana, os direitos fundamentais devem concebidos para defender o indivíduo contra quaisquer manifestações de poder, inclusive as não-estatais.

Para que a Constituição, além de apenas estabelecer ca-tálogo de direitos, cumpra sua função primordial de limitar o exercício do poder e organizar o Estado, faz-se necessário que normas constitucionais possuam posição hierarquicamente

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superior às demais, aplicando-se os direitos fundamentais às relações privadas sem a necessidade da atuação do Estado em sua função judicante e legislativa para a efetivação de direitos, conforme o posicionamento da doutrina majoritária.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, constatou o min. Gilmar Ferreira Mendes, em jul-gado de 2005, que o Supremo Tribunal Federal já possui históri-co identificável de uma jurisdição constitucional voltada para a aplicação dos direitos fundamentais às relações intersubjetivas.

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CAPÍTULO VIII

SEGURANÇA JURÍDICA E AS CONSTANTES MUDANÇAS DE PARÂMETROS ESTABELECIDOS

PELO STF NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Jamilly Izabela de Brito Silva112

1. INTRODUÇÃO

Como anota José Joaquim Gomes Canotilho,113 o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar au-tónoma e responsavelmente a sua vida e, por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.

Nesse panorama, o presente capítulo busca verificar os impactos trazidos à segurança jurídica pelas constantes mu-danças dos parâmetros utilizados pelo Supremo Tribunal Fede-ral (STF), primordialmente nos casos em que realiza controle de constitucionalidade, seja concentrado, seja abstrato.

Para tanto, serão esmiuçados os dois alicerces indispen-sáveis para a atuação da Corte Constitucional neste tema: seus papéis contramajoritário e representativo, bem como será en-frentado o conceito de segurança jurídica, especialmente quando se trata do tema controle de constitucionalidade.

112 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), integrante do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos na Amazônia, pós-gra-duada em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Público pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), assessora jurídica da presi-dência do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM).

113 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitui-ção. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 257.

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No mais, será analisado o que significa, para os fins propostos, a expressão mudanças de parâmetros a partir do estudo de três ca-sos concretos, a saber, o leading case sobre o status dos tratados de direitos humanos (RE 466.343/STF), o entendimento sobre a (im)possibilidade de execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado do processo condenatório (ADCs 43 e 44 MC, ARE 964.246/SP e HC 152.752/PR) e, ainda, o recente entendimen-to do Supremo Tribunal Federal acerca do que dita o Art. 52, X, da Constituição Federal, ocasião em que foi verificada, para além dos limites objetivos da demanda (ADIs 3406 e 3470).

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E OS PA-PÉIS CONTRAMAJORITÁRIO E REPRESENTATIVO DE-SEMPENHADOS PELA CORTE SUPREMA BRASILEIRA

Como sabido, o controle de constitucionalidade brasileiro114 é caracterizado por ser eclético ou híbrido, uma vez que combi-na aspectos constantes nos sistemas americano e europeu. Se, de um lado, é possível a realização do controle incidental e concreto por todos os juízes e tribunais e cujos efeitos serão limitados às partes litigantes (sistema americano), doutro modo, é viável, ain-da, o ajuizamento de ações diretas perante a Corte Suprema, no âmbito das quais a norma é passível de controle em tese e/ou em abstrato, produzindo efeitos erga omnes (sistema europeu).

Tais características, por via de consequência, trazem repercus-sões para a jurisdição constitucional, a qual é entendida como “o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Consti-tuição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis

114 No presente estudo não serão elencadas todas as características relacionadas ao controle de constitucionalidade brasileiro, mas tão somente aquelas tidas como desagregadoras, para utilizar expressão de Luís Roberto Barroso. Sobre as caracte-rísticas gerais do controle de constitucionalidade brasileiro cfr. BARROSO, Luís Ro-berto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.

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e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordena-mento infraconstitucional conforme a Constituição”.115

Dito isto, segundo Luís Roberto Barroso,116 o Supremo Tri-bunal Federal, na qualidade de Corte Constitucional e diante da crescente judicialização da vida,117 desempenha dois papéis fun-damentais, aparentemente contraditórios.

O primeiro é o papel contramajoritário, quando, para de-fender as regras do jogo democrático e os direitos fundamen-tais, invalida e/ou anula atos praticados pelos outros poderes constituídos (Legislativo e Executivo). O segundo, por sua vez, é o papel representativo, o qual, em determinadas circunstân-cias, permite que o tribunal atenda demandas sociais que, por diversos motivos, não tiveram andamento nos demais poderes constituídos (Legislativo e Executivo).

Em outras palavras, agentes públicos não eleitos – daí o ca-ráter contramajoritário – substituem as decisões adotadas por aqueles que detêm legitimidade democrática porquanto eleitos pelo povo ou, de outro modo, proativamente asseguram – daí o caráter representativo – que demandas que não passaram pelo crivo do Congresso Nacional?

Tais papéis, por óbvio, devem ser exercidos com parcimô-nia e responsabilidade, sendo certo, ainda, que “quem tem o poder sobre o maior ou menor grau de judicialização é o Con-gresso: quando ele atua, ela diminui; e vice-versa”.118

115 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasilei-ro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 383.

116 Cfr. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 482-486.

117 Cfr. BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit., p. 482.

118 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasilei-ro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 7 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 486.

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3. O CONCEITO DE SEGURANÇA JURÍDICA: QUAL O ENTENDIMENTO APLICÁVEL PARA FINS DE CONTRO-LE DE CONSTITUCIONALIDADE?

A segurança jurídica, “como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça ma-terial”, nos dizeres de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gonet.119

Já para Dirley da Cunha Júnior,120 a garantia de segurança jurídica, ao visar tornar segura a vida das pessoas e institui-ções, “impõe aos poderes públicos o respeito à estabilidade das relações jurídicas já constituídas e a obrigação de antecipar os efeitos das decisões que interferirão nos direitos e liberdades individuais e coletivas”.

No mesmo sentido, Humberto Ávila121 assevera que o Direito deve, no atual ambiente plural e diversificado, onde muitas pos-sibilidades, em princípio, parecem válidas, selecionar e positivar as expectativas que poderão determinar vinculativamente o com-portamento dos membros da sociedade. Dito de outro modo: o Direito realiza a noção de segurança jurídica, já que propicia um mínimo de certeza, previsibilidade e eficácia da norma jurídica.

Por sua vez, a Constituição Federal, em seu Art. 5.º, inciso XXXVI, estipula que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, sendo certo que os três institutos jurídicos citados pela Carta Maior estão indiscutivel-mente ligados à segurança jurídica, ainda que por mera obriga-ção negativa (obrigação de não violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada).

119 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10 ed., rev. e atual. Saraiva, 2015, p. 395.

120 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 567.

121 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 140-141.

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Igualmente, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004, a Constituição passou a exigir o requisito da repercussão geral para admissibilidade do Recurso Extraordinário (Art. 102, §3.º) e criou o instituto da súmula vinculante (Art. 103-A), o que denota, mais uma vez, a preocupação com a segurança jurídica, agora a título de obrigação positiva (demonstrar a existência de repercus-são geral e realizar o devido distinguishing para que um caso seja admitido, a despeito da existência de uma súmula vinculante).

No mesmo diapasão, o CPC além de prever que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (Art. 926, caput), alinha-se à sistemática de precedentes originária do sistema common law ao determinar que uma série de decisões já proferidas, seja por seu caráter erga omnes, seja por re-presentar o entendimento dominante do tribunal, possuam cará-ter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário. Vejamos:

Juízes e tribunais observarão (Art. 927, I a V)

Incumbe ao relator negar provimento a recurso que

for contrário a (Art. 932, IV)

Incumbe ao relator, depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provi-

mento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a (Art.

932, V)

[1] as decisões do Supremo Tribunal Fe-deral em controle concentrado de consti-tucionalidade;

[2] os enunciados de súmula vinculante;

[3] os acórdãos em incidente de assun-ção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial re-petitivos;

[4] os enunciados das súmulas do Supre-mo Tribunal Federal em matéria consti-tucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

[5] a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

[1] súmula do Supremo Tri-bunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

[2] acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

[3] entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

[1] súmula do Supremo Tribu-nal Federal, do Superior Tri-bunal de Justiça ou do próprio tribunal;

[2] acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de re-cursos repetitivos;

[3] entendimento firmado em incidente de resolução de de-mandas repetitivas ou de assun-ção de competência;

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Logo, a partir da doutrina e da legislação constitucional e infraconstitucional, tem-se que o conceito de segurança jurídica envolve diversas situações jurídicas e possui um caráter nitida-mente multifacetado.

Mas, afinal, o que é segurança jurídica para os fins pro-postos no presente estudo (especificamente quando se trata de controle de constitucionalidade e mudanças de parâmetros)? Em suma, é garantir que haja critérios (parâmetros) objetivos que norteiem a atuação do Supremo Tribunal Federal (e demais tribunais, quando aplicável) nos casos de controle de constitu-cionalidade, seja pela via difusa, seja pela via concentrada.

3. MUDANÇAS DE PARÂMETROS EM SEDE DE CON-TROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS

Fincados os papéis que devem estar indiscutivelmen-te ligados à atuação da Corte Constitucional brasileira e, ato contínuo, explicitadas as nuances que envolvem o conceito de segurança jurídica, nesta seção serão examinados três casos concretos que, ao final, comprovarão que as constantes mudan-ças de parâmetros do STF em sede de controle de constitucio-nalidade representam grave risco à segurança jurídica.

3.1. Leading case sobre o status dos tratados internacionais sobre direitos humanos (RE 466.343/STF)

O debate em torno da (im)possibilidade de prisão civil do depositário infiel foi reacendido, no STF, por ocasião do julga-mento do RE 466.343/SP, iniciado em 2006.122 Em síntese, no referido feito, entre outros argumentos, confrontava-se “a nor-

122 O RE 466.343/SP foi julgado em conjunto com o RE 349.703/RS e o HC 87.585/TO.

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mativa constitucional brasileira, que permite a prisão civil do depositário infiel (Art. 5.º, LXXVII), e o Art. 7.7 da Convenção Americana que permite tão somente a prisão civil do alimen-tante inadimplente por razões inescusáveis”.123

Por ocasião do referido julgamento, realizado no dia 3 de dezembro de 2008, o STF, além de ter superado o entendimento então vigente,124 de um lado, reconheceu a insubsistência da pre-visão constitucional e das normas infraconstitucionais que pos-sibilitavam a prisão civil do depositário infiel à luz do que dita a Convenção Americana de Direitos Humanos e, doutro modo, entendeu que o referido tratado internacional possui status me-ramente supralegal no ordenamento jurídico brasileiro.

Ora, o raciocínio desenvolvido pela Corte Suprema – além de violar diretamente o que dita o § 2.º do Art. 5.º da Constitu-cional Federal125 (norma constitucional originária) para exaltar o que dispõe o § 3.º do mesmo Art. 5.º126 (norma constitucional

123 LOUREIRO, Silvia Maria da Silveira; SILVA, Jamilly Izabela de Brito. O mode-lo janicéfalo de incorporação dos tratados internacionais sobre direitos humanos na Constituição: as perplexidades da validade e aplicabilidade do novo parágrafo 3º. do Art. 5º. In: Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, [S.l.], n. 9, pág. 196, jul. 2016. ISSN 1677-1419. Disponível em: <http://revista.ibdh.org.br/in-dex.php/ibdh/article/view/147>. Acesso em 26 de outubro de 2018.

124 O debate é antigo e remonta ao RE 80.004/SE, de 1º de junho de 1977. Desta feita, a definição do valor dos tratados internacionais vem sendo recorrentemente discutida no STF, tendo sido firmada a jurisprudência no sentido de paridade nor-mativa entre os tratados internacionais, ainda que versem sobre direitos humanos, e as leis ordinárias, embasada na suposta identidade entre os quóruns de votação por maioria simples durante os processos legislativos para a aprovação destas duas espécies normativas totalmente distintas até o voto do Ministro Gilmar Mendes nos RE 466.343/SP e 349.703/RS, que firmou o entendimento de que os tratados inter-nacionais de direitos humanos possuem valor supralegal, sendo esta a primeira si-nalização de que o STF iniciaria um processo de gradativa mutação constitucional.

125 Constituição Federal: Art. 5º., § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Cons-tituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

126 Constituição Federal: Art. 5º., § 3º.: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Na-cional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

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derivada inserida pela EC n.º 45/2004), privilegiando aspectos formais em detrimento do conteúdo material da norma – parece padecer de uma contradição intrínseca.

Isso porque, da forma como foi afastada a possibilidade da prisão civil do depositário infiel, pode-se defender que foi utilizada a técnica de decisão típica de controle de constitucionalidade – seja a interpretação conforme, seja a declaração de inconstitucionali-dade parcial sem redução de texto – para tratado internacional que somente possui caráter supralegal (e não constitucional).

No mesmo sentido, é a opinião de Ingo Sarlet ao se mani-festar sobre o referido julgamento:

Uma reflexão possível é a de que o STF acabou, de certo modo, caindo em contradição. Com efeito, ao refutar a tese da paridade entre a CF e os tratados, hipótese na qual pode-ria, mediante um juízo de ponderação e na esteira da lógica do in favor persona (já comentada na coluna de 10.04.15), ter afastado, pelo menos como regra, a prisão civil do depositá-rio, o STF afirmou a hierarquia supralegal (mas infraconstitu-cional) dos tratados. Com isso, em que pese o artifício argu-mentativo de que a CF não teria sido revogada, o que houve foi sim uma derrogação informal do permissivo constitucio-nal expresso. Ora, se os tratados situam-se abaixo da CF e o STF afirmou a competência para declarar sua inconstitu-cionalidade, não parece que a tese da supralegalidade possa, aplicada coerentemente, afastar por completo e mesmo para toda e qualquer hipótese futura, possibilidade expressamente afirmada pela CF que lhe seque superior.

A título de última nota, impende mencionar que, no caso em apreço (RE 466.343/SP), nada obstava que o Supremo Tri-bunal Federal, ao invés de aplicar uma espécie de engenharia jurídica que, por um lado, afasta a tese do caráter constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos e, doutro modo, reconhece a “ilegalidade” da prisão civil, a despeito de

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previsão constitucional expressa nesse sentido, fundamentasse sua ratio decidendi no controle de convencionalidade.127

A contradição aqui é intrínseca ao julgado e ofende a se-gurança jurídica, na medida que não oferece razões coerentes para preservação, de um lado, da autorização constitucional da prisão civil do depositário infiel e, de outro, sua neutralização pela Convenção Americana.

3.2. Entendimento sobre a (im)possibilidade de execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado do pro-cesso condenatório (ADCs 43 e 44 MC, ARE 964.246/SP e HC 152.752/PR)

Por sua vez, a discussão acerca da (im)possibilidade de exe-cução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado do processo condenatório128 foi surpreendentemente retomada

127 Ainda no ano de 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Almonacid Arellano vs. Chile explicitou que “o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta não apenas o trado, mas também a sua interpretação feita pela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Ame-ricana”. (par. 124). Sobre o tema, ver ainda o voto razonado do juiz ad hoc Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot no Caso Cabrera García e Montiel Flores vs. México, tam-bém julgado pela Corte Interamericana.

128 Importa registrar que o debate sobre o tema é antigo e já trouxe sequenciais mudanças de entendimento. Sobre o assunto, pertinentes as palavras de Renato Brasileiro: “[...] prevaleceu, durante anos, o entendimento jurisprudencial segundo o qual era cabível a execução provisória da sentença penal condenatória recorrí-vel, independentemente da demonstração de qualquer hipótese que autorizasse a prisão preventiva do acusado. [...] Ocorre que, no julgamento do Habeas Corpus n. 84.078 no ano de 2009, o Plenário do Supremo, por maioria de votos (7 a 4), alterou sua orientação jurisprudencial até então dominante para concluir que a execução da pena só poderia ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. [...] Todavia, em julgamento histórico realizado no dia 17 de fevereiro de 2016 (HC 126.292), e novamente por maioria de votos (7 a 4), o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu que é possível a execução provisória de acórdão penal condena-tório proferido por Tribunal de segunda instância no julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário [...]”. Cfr. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6ª ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspo-divm, 2018, p. 46-47.

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por ocasião do julgamento do HC 152.752/PR129, realizado em 5 de abril de 2018. O referido habeas corpus buscava debater se o ex-presidente Lula poderia (ou não) ter iniciado o cumprimento da pena em razão do acórdão condenatória prolatado pelo Tri-bunal Regional Federal da 4.ª Região, o qual, como sabido, até então, não havia transitado em julgado.

Diz-se surpreendente a retomada do debate jurídico porque, no ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal, tanto em sede de medida cautelar em controle concentrado de constitucionalidade (ADCs 43 e 44 MC) quanto no âmbito de repercussão geral (ARE 964.246/SP) já havia fixado a tese no sentido de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau re-cursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocên-cia afirmado pelo artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal”.

Afastado qualquer juízo de valor quanto ao acerto ou desa-certo da tese fixada pelo STF, certo é que, por força da segurança jurídica e da estabilidade das relações resguardadas pelo orde-namento jurídico, não poderia ocorrer sua rediscussão sem que novel circunstância – de fato ou de direito – fosse apresentada.

3.3. Amianto, controle difuso e interpretação do STF (ADIs 3406 e 3470).

O último caso concreto trazido à baila refere-se ao jul-gamento conjunto das ADIs 3406 e 3470, ocorrido em 29 de

129 Em verdade, antes mesmo do julgamento do HC em questão, alguns ministros do STF, de forma monocrática, decidiram em desacordo com o entendimento firma-do pelo Plenário em sede de medida cautelar em controle concentrado de constitu-cionalidade e no âmbito de repercussão geral. Cfr., nesse sentido: HC 146815 MC/MG, Rel. Min. GILMAR MENDES, Decisão de 22/8/2017, Data DJe: 24/8/2017; HC 146818 MC/ES, Rel. Min. GILMAR MENDES, Decisão de 18/9/2017, Data DJe: 20/9/2017; Cfr. HC 144.712 MC/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Decisão de 08/8/2017, Data DJe: 14/8/2017; RHC 129.663 AgR-Ed-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Decisão de 25/8/2017, Data DJe: 4/9/2017 e; HC 137.063/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWS-KI, Decisão de 12/9/2017, Data DJe: 14/9/2017.

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novembro de 2011.130 Em suma, a norma questionada (Lei esta-dual n.º 3.579/2001, oriunda do Rio de Janeiro) proíbe a extra-ção do asbesto/amianto em todo território do Rio de Janeiro e prevê a substituição progressiva da produção e da comercializa-ção de produtos que o contenham.

As ações foram julgadas improcedentes, no entanto, de forma incidental, o STF declarou a inconstitucionalidade do Art. 2.º da Lei Federal 9.055/95,131 o qual, inclusive, não era ob-jeto das ações. Mais que isso, o STF concedeu efeito vinculante a esta declaração de inconstitucionalidade incidental, o que, a princípio, fere o Art. 52, X, da Constituição Federal.132

A título exemplificativo, segundo o voto de Gilmar Mendes, é necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equa-

130 Registre-se que no âmbito da ADI 3937, julgada em 24 de agosto de 2017, o STF já havia se manifestado pela inconstitucionalidade do Art. 2º, da Lei nº 9.055/95, também de forma incidental. Naquela oportunidade, a eficácia da decisão, conforme o entendimento tradicional, ficou restrita às partes do processo. No mesmo dia 24 de agosto de 2017, no julgamento da ADI 4066, a maioria dos ministros do STF votan-tes naquele feito reconheceu a inconstitucionalidade do Art. 2º da Lei nº 9.055/95. Todavia, não foi alcançada a maioria absoluta exigida para a declaração de incons-titucionalidade. Vejamos trecho da ementa: “14. Quórum de julgamento constituído por nove Ministros, considerados os impedimentos. Cinco votos pela procedência da ação direta, a fim de declarar a inconstitucionalidade, por proteção deficiente, da tolerância ao uso do amianto crisotila, da forma como encartada no Art. 2º da Lei nº 9.055/1995, em face dos Arts. 7º, XXII, 196 e 225 da Constituição da República. Qua-tro votos pela improcedência. Não atingido o quórum de seis votos (Art. 23 da Lei nº 9.868/1999), maioria absoluta (Art. 97 da Constituição da República), para procla-mação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, a destituir de eficácia vinculante o julgado. 15. Ação direta de inconstitucionalidade co-nhecida e, no mérito, não atingido o quórum exigido pelo Art. 97 da Constituição da República para a pronúncia da inconstitucionalidade do Art. 2º da Lei nº 9.055/1995”.

131 Tal dispositivo disciplinava a extração, a industrialização, a utilização, a co-mercialização e o transporte do asbesto/amianto no âmbito federal. Confira-se: Art. 2º O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer ori-gem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, consideram-se fibras naturais e artificiais as comprova-damente nocivas à saúde humana.

132 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

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lizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental”. Por sua vez, para Celso de Mello, há verdadeira mutação constitucional do art. 52, X, da CF, a qual expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional.

Já para Carmem Lúcia, a Corte está caminhando para uma inovação da jurisprudência no sentido de não ser mais declara-do inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém. Por fim, no entendimento de Edson Fachin, declarar inconstitucional, ainda que [de forma] incidental, opera uma preclusão consumativa da matéria.

Ainda na sessão de julgamento, foi requerida, da tribuna, a modulação dos efeitos dessa declaração de inconstituciona-lidade, tendo a Corte Suprema indeferido o exame da questão sob o frágil entendimento de que a matéria deveria ser veicula-da mediante a oposição de embargos de declaração.

A par das justificativas apresentadas pelos ministros, fato é que, no âmbito da via direta ou concentrada do controle de constitucionalidade, ao tempo em que a ação foi julgada im-procedente, reputando-se constitucional o dispositivo questio-nado, houve a declaração de inconstitucionalidade incidental com efeito erga omnes de outro dispositivo, contido em outra lei e que não era objeto dos autos.

Assim sendo, a um só tempo, o STF analisou dispositivo legal não questionado nos autos das ações diretas de incons-titucionalidade, ampliando os já elásticos limites objetivos da demanda, bem como rechaçou o entendimento até então do-minante para conceder – motu proprio e à revelia do Senado Federal – efeito vinculante para uma declaração de inconstitu-cionalidade incidental.

Nesses termos, a Corte Suprema trouxe à lume considerá-vel risco à segurança jurídica, até em virtude das repercussões fáticas da decisão. Tanto é assim que, ao analisar, no bojo das ADIs já citadas, petição que pugnou pela suspensão da eficácia da declaração de inconstitucionalidade até o julgamento dos

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embargos de declaração,133 a Ministra Relatora Rosa Weber, em 19 de dezembro de 2017, assim se manifestou:

Defiro, forte no poder geral de cautela e nos moldes dos arts. 297, 932, II, 995, parágrafo único, e 1.026, § 1.º, do CPC/2015, o pedido de tutela de urgência ora veiculado para suspender, em parte, os efeitos da decisão, apenas no ponto em que se atribuiu eficácia erga omnes à declaração de inconstituciona-lidade do art. 2º da Lei nº 9.055/1995, até a publicação do acórdão respetivo e fluência do prazo para oposição dos aven-tados embargos de declaração.

Ainda que seja louvável a proibição do uso de amianto pelo STF, mesmo que possa defender a ocorrência de incons-titucionalidade superveniente do Art. 2º. da Lei n.º 9.055/95, como assevera Bernardo Gonçalves Fernandes,134 há que se falar na necessidade de se respeitar processualmente os requi-sitos da ação direta de inconstitucionalidade, seja para que a declaração de inconstitucionalidade esteja adstrita aos limites objetivos da demanda, seja para que o procedimento da decla-ração incidental de inconstitucionalidade possua parâmetros objetivos prévios de aplicação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por ocasião do julgamento do HC 126.292/SP, o ministro do STF Edson Fachin, asseverou que “não há dúvida de que se houvesse uma super Suprema Corte, uma porção substancial dos nossos julgados também seria reformada. Nós não temos a

133 Até o momento, não houve publicação do acórdão proferido nas ADIs 3406 e 3470, o que, por si só, inviabiliza a oposição de Aclaratórios.

134 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. Salvador: Juspodivm, 2018, pág. 1.618-1.619.

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última palavra por sermos infalíveis; somos infalíveis por ter-mos a última palavra”.

O entendimento externado, se não demonstra por si só as constantes mudanças de parâmetros e/ou a ausência de critérios objetivos para análise dos casos submetidos à Corte Maior bra-sileira, indica como seus titulares enfrentam, com certa tranqui-lidade, a ausência de jurisprudência estável, íntegra e coerente.

Tal postura deve ser criticamente questionada, especial-mente quando se trata de julgamentos realizados em sede de controle de constitucionalidade. Dito de outro modo: ao STF, até em razão de seus papéis contramajoritário e representativo, incumbe primar pela segurança jurídica, evitando, tanto quan-to possível, as “viragens jurisprudenciais”, especialmente quan-do desprovidas de qualquer justificativa superveniente fática ou jurídica.

É certo, todavia, que, diante dos casos concretos ora ana-lisados, é indubitável que a Suprema Corte tem dificultado a fixação de parâmetros objetivos que norteiem sua atuação (e a atuação dos demais tribunais, quando aplicável) inclusive, de forma preocupante, nos casos de controle de constitucionalida-de, seja pela via difusa, seja pela via concentrada.

Exemplo mais recente desta constatação é o entendimento firmado nas ADIs 3406 e 3470. Do ponto de vista processual e a bem da segurança jurídica, no bojo de ações diretas de in-constitucionalidade que questionam leis estaduais, não pode a Corte Maior dar efeito vinculante e erga omnes para a declaração incidental de inconstitucionalidade de dispositivo de lei federal.

Registre-se, por oportuno, que a proibição de comercia-lização de amianto, do ponto de vista do direito material, deve ser comemorada, mormente à luz do consenso médico atual so-bre o tema, conforme explicitou o próprio STF no julgamento da ADI 4066 (já citada alhures).

Ainda assim, a segurança jurídica, enquanto um dos princí-pios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, deve permear a teoria e a aplicação do direito, sobretudo quando se tratar de controle de constitucionalidade, considerando a complexidade

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atual da sociedade e o fato de que “inúmeras questões de grande repercussão moral, econômica e social passaram a ter sua ins-tância final decisória no Poder Judiciário e, com frequência, no Supremo Tribunal Federal”.135

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135 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 482.

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__________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Cor-pus 152.752/PR, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Edson Fachin. Data do Julgamento: 5/4/2018. Data de Publicação: 27/6/2018.

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abril de 2015, 8h2. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-abr-24/direitos-fundamentais-prisao-civil-deposita-rio-infiel -controle-convencionalidade>. Acesso em 26 de ou-tubro de 2018.

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CAPÍTULO IX

O CONTROLE JUDICIAL SOBRE A ATIVIDADE POLÍTICA: MEDIDAS PROVISÓRIAS

José Alexandre Serrão Rodrigues136

1. INTRODUÇÃO

Muito se discute entre os pesquisadores o fato de haver uma indevida intromissão do Poder Judiciário em atividades de competência exclusiva do Executivo e Legislativo – atuação que alguns autores definem como ativismo judicial, apto a fragilizar a estrutura do Estado Democrático de Direito, uma vez violar o princípio da separação de poderes e concentrar as decisões na esfera de um único Poder.

Ainda que seja possível tecer suposições acerca da postura ideológica do Judiciário no tocante ao ativismo, não se pode negar a existência de situações em que os demais poderes, no exercício de suas funções típicas ou atípicas, de forma patente, violam a Constituição, cuja interpretação, em última instância, cabe ao Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de um contexto no qual o controle judicial se mostra importante a fim de que as normas infraconstitucionais não se desviem das diretrizes do texto constitucional. Mas, para haver esse controle, é preciso lhe traçar limites de atuação na esfera do outro Poder, justamente, para não ocorrer a indevida intromissão.

136 Mestrando em Direito Ambiental (UEA), pós-graduado em Direito Público pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), professor e advogado.

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Para analisar a questão apresentada, elaborou-se este estu-do chamado O controle judicial sobre a atividade política: medi-das provisórias, que está dividido da seguinte forma.

Em seu ponto de partida, traz o princípio constitucional da separação de poderes, em que as funções estatais distintas são distribuídas a cada Poder legalmente constituído (Executi-vo, Legislativo e Judiciário), caracterizando-se o referido prin-cípio por não ser de caráter absoluto. A seguir, o estudo analisa a possibilidade legal de o Judiciário controlar a atividade polí-tica do Executivo e do Legislativo. E, por fim, foca a edição de medidas provisórias como atividade legal e atípica do Executi-vo e o entendimento do STF sobre essa atuação, que a sujeita ao controle judicial quando se desvia das diretrizes traçadas pela Constituição da República de 1988.

2. A tripartição dos poderes estatais

Uma característica relevante do ordenamento jurídico bra-sileiro é a independências de poderes, cuja previsão legal vem traçada na Constituição da República de 1988, em seu Art. 2.º, com a seguinte redação: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.137

O artigo traz o princípio conhecido por separação de po-deres, apesar de a expressão tripartição de funções ser a mais adequada para designar a existência de três Poderes independen-tes e harmônicos entre si, haja vista que o Poder soberano do Es-tado – que pertence ao povo – é uno e indivisível.138 Ainda assim, consagrou-se no ordenamento o termo separação, em que as funções estatais são divididas e atribuídas a diferentes poderes.

137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 27.

138 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: Método, 2017, p. 97.

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A tripartição de poderes já fora vislumbrada por Aristóte-les, em sua obra Política, na qual o autor considera a existência de três funções estatais distintas entre si (legislativa, executiva e judiciária) exercidas pelo Poder soberano.139 Nesse mesmo cami-nho, destaca-se John Locke, pois, no seu livro Segundo tratado do governo civil, também concebeu o Estado com três funções distintas, dentre elas, a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito [...]140

A teoria foi aperfeiçoada por Montesquieu, na obra O Espí-rito das leis. Nesta, o autor afirma que as funções legislativa, exe-cutiva e judiciária deveriam ser exercidas por três órgãos estatais distintos e independentes entre si. Surge, assim, a tripartição dos Poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.141

Outro ponto de relevância em relação a tal princípio é o fato de a Constituição da República, em seu Art. 60, parágrafo 4.º, inciso III, determinar não ser objeto de emenda propostas que visem a abolir a separação dos poderes,142 inserindo o princípio nas chamadas cláusulas pétreas, que formam o núcleo intangível da Constituição Federal.143 A cláusula pétrea citada será violada se a modificação sugerida pela emenda provocar a concentração de funções em um único Poder ou esvaziar determinados pode-res de sua independência e competências típicas.144

139 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: Método, 2017, p. 97

140 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 424.

141 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: Método, 2017, p. 97.

142 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 720.

143 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 690-691.

144 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 184.

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Dessa maneira, atribui-se cada uma das funções estatais, quais sejam, legislativa, executiva e jurisdicional, a órgãos di-ferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário).145 E, para que possam exercer essas funções de forma adequada, a Constituição lhes prevê uma sé-rie de prerrogativas e imunidades, que devem ser evocadas para a manutenção do Estado Democrático de Direito.146

Essa tripartição do Poder apresenta dois fundamentos. O primeiro deles diz respeito à especialização funcional, em que cada órgão se torna especializado no exercício de sua função, e a independência orgânica, segundo a qual cada órgão é inde-pendente dos demais ou não subordinado um ao outro.147

A separação de poderes, como se disse, evita a concentra-ção de poderes nas mãos de uma única autoridade.148 Por isso a separação de Poderes é um dos conceitos seminais do constitu-cionalismo moderno, estando na origem da liberdade individual e dos demais direitos fundamentais,149 afinal, busca evitar a dita-dura de um Poder.

Ao trazer a disposição do Art. 2.º, a Constituição da Repú-blica também delineia os critérios de como o chefe do Executi-vo e os membros do Legislativo e do Judiciário são escolhidos para o exercício do Poder.

O seu Art. 44 diz que o Poder Legislativo é exercido por meio do Congresso Nacional, composto por Câmara dos Depu-

145 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 108.

146 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 424.

147 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 109.

148 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucio-nal. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 248.

149 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 183.

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tados e Senado Federal. Já o Art. 45 determina que A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.150 Enquanto o Art. 46 traz a seguinte redação: O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário,151 sendo que tais representantes também são eleitos pelo povo.

O Art. 76 da Constituição da República diz respeito ao Po-der Executivo, que é exercido pelo Presidente da República, au-xiliado por Ministros. O Art. 77, por sua vez, traz informações sobre a eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República que será realizada, ao mesmo tempo, “no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.”, considerado eleito, nos termos do parágrafo 2.º do mesmo artigo, “o candidato que, registra-do por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

Nota-se, portanto, que a legitimação para o exercício de tais poderes se dá por meio da escolha popular (eleição). De for-ma mais técnica, diz-se que, de acordo com o Art. 14 da Consti-tuição, A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos [...],152 daí ser possível dizer que os candidatos, uma vez eleitos ao cargo, tornam-se representantes do povo.

Já em relação ao Judiciário, a escolha de seus membros se dá de forma diferente, na qual há uma atuação conjunta entre Executivo e Legislativo, conforme se nota quando a Constitui-ção da República, em seu Art. 52, traz as competências privati-

150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 671.

151 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 673.

152 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 407.

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vas do Senado Federal, dentre as quais se destaca a do inciso III, alínea a. Nestes dispositivos, o Senado aprova, pelo voto e após arguição pública, a escolha de Magistrados.153 Da mesma for-ma, há atuação conjunta no Art. 84, que delineia competências privativas do Presidente da República, como a traçada no inciso XIV: “nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores [...]154

Tais colocações quanto à forma de legitimação de sujeitos que exercitam as funções estatais conduzem à reflexão sobre as expressões independentes e harmônicos do Art. 2.º

A independência de poderes significa:

(a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da von-tade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais [...]155

Quanto à harmonia entre os poderes, esta é observada pela cortesia, respeito às prerrogativas e faculdades de que cada Poder é titular.156 Mas tal harmonia também se nota na medida em que a independência dos poderes não é absoluta, afinal, se fosse apli-cada de forma literal, tornar-se-ia imprópria a um Estado cuja

153 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 685.

154 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 790.

155 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 110.

156 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 110.

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missão é fornecer o bem-estar a seu povo,157 o que seria difícil de ser alcançado diante da incomunicabilidade entre poderes.

A interdependência entre poderes pode ser notada, por exemplo, quando a Constituição estabelece:

a) a possibilidade do Presidente da República vetar projetos de leis elaborados pelo Poder Legislativo (Art. 84, V);b) a competência do Presidente da República para nomear certos magistrados (Art. 84, XVI);c) a possibilidade do Poder Judiciário declarar uma lei in-constitucional (Arts. 97 e 102, I, a);d) o controle externo exercido pelo Congresso Nacional em face de atos praticados pelo Presidente da República (Art. 49, I, II, III, IV, XIV);e) o Poder Legislativo aprovando ou não os magistrados indi-cados pelo Presidente da República (Art. 52, III, a);f) o Poder Legislativo fiscalizando a atividade normativa do Presidente da República (Art. 49, V);g) a possibilidade do Poder Legislativo rejeitar o veto do Pre-sidente da República (Art. 66, § 4.º).158

Assim, evitando a incomunicabilidade entre os poderes, o que levaria ao arbítrio imponderável e desequilíbrio do sistema, a Constituição da República traz uma série de dispositivos que garantem a interferência ou controle legal de um Poder sobre o outro por meio dos chamados mecanismos de ‘freios e contrape-sos’ (checks and balances), que permitissem controles recíprocos entre os poderes, de forma a evitar que qualquer um deles pudesse atuar abusivamente no campo das respectivas atribuições.159

157 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 428.

158 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3 ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: Método, 2017, p. 98.

159 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucio-nal. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 248.

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Ainda nessa perspectiva, não se pode relegar, no campo dos direitos e garantias fundamentais, o inciso XXXV, do Art. 5.º da Constituição da República, que traz a determinação a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito,160 o que já permite vislumbrar a possibilidade legal de o Executivo e o Legislativo serem levados a juízo quando vio-lem direitos, constitucionalmente, protegidos.

Destaca-se, no entanto, que tal controle do Judiciário so-bre tais poderes deve ser sempre uma exceção, sob o risco de intervir, de modo indevido, no campo de atuação que não lhe é próprio, como, por exemplo, a atividade política.

3. A atividade política e o controle judicial

A atividade política é exercida por órgãos ou poderes insti-tuídos pela Constituição e tem por objetivo preservar a sociedade política, promover o bem comum, determinando o que é interesse público e quais os meios adequados para sua implementação.161

Pode-se entender também que as questões políticas são aquelas referentes à liderança na condução da política interna e exterior, decidida pelo Governo e pelo Congresso Nacional162 e exercidas, respectivamente, pelo Executivo e Legislativo. Nesse campo, encontra-se, por exemplo, o poder de gastar (ou como aplicar a receita pública), a elaboração de seu próprio regime interno (no caso do Legislativo), as ações praticadas sob a pro-teção de prerrogativas e imunidades garantidas constitucional-

160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 125.

161 PAIXÃO, Leonardo André. A função política do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/.../PAIXAO_Fun-cao_Politica_do_STF.pdf> Acesso em: 21/out/2018, p. 51.

162 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha; ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Interpretação Constitucional: o controle judicial da atividade política. In: Herme-nêutica Constitucional – Homenagem aos 22 anos do Grupo de Estudos Maria Garcia (org.): Eduardo Ribeiro Moreira, Jerson Carneiro Gonçalves Junior, Lucia Helena Polleti Bettini. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 66.

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mente e a determinação de pressupostos de relevância e urgên-cia na edição de medidas provisórias pelo chefe do Executivo163 – sendo esta última atividade foco deste estudo.

O Executivo e o Legislativo exercem, portanto, atribui-ções políticas, com base nos limites traçados na Constituição da República. Se não transpuserem os limites, o Judiciário não exerce qualquer competência sobre as atividades de tais pode-res.164 Por isso as questões políticas ficam fora da competência dos tribunais, exclusão esta que cessa com a violação dos limites normativos de atuação do poder público. A violação da Consti-tuição sempre abriria as portas da tutela jurisdicional a qualquer questão, por mais política que fosse.165

O controle do Judiciário sobre as atividades políticas (se em desacordo com a Constituição), nos moldes como hoje é conhecido, surge com o julgamento pela Suprema Corte dos Estados Unidos do caso Marbury vs. Madison, cuja decisão do chief of justice Marshall mostra-se importante para a caracteri-zação das atribuições do Poder Judiciário e para o reconhecimen-to de sua vital importância no arranjo das funções do Estado de direito.166 Além disso, o caso é considerado o início do controle de constitucionalidade, em que são identificados os fundamen-tos lógicos e conceituais para uma atuação judicial destinada a

163 LESSA, Pedro. Do poder judiciário. Brasília: Senado Federal, Ed. fac-similar, 2003, p. 66-67.

164 LESSA, Pedro. Do poder judiciário. Brasília: Senado Federal, Ed. fac-similar, 2003, p. 65-66.

165 HORBACH, Carlos Bastide. Controle judicial da atividade política. As ques-tões políticas e os atos de governo. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 46 n. 182 abr./jun. 2009, p. 13.

166 BATISTA, Fernando Natal. A constituição como fonte de poder: breves apontamentos sobre o controle judicial da atividade política pela jurisdição cons-titucional. Revista Direito Mackenzie. 2017, v. 11, nº 2, p. 215.

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garantir a integridade da Constituição, protegendo-a de ações indevidas dos outros poderes estatais.167

Marshall, em sua doutrina, parte do pressuposto de que a Constituição confere ao:

[...] titular do Poder Executivo certas atribuições políticas do-tadas de discricionariedade, por conseguinte os atos que ele pratica no exercício dessas atribuições não estão sujeitos ao exame judicial, porque dizem respeito a assuntos de interesse da nação.168

Os tribunais, assim, não podem:

[...] examinar como o Executivo ou os funcionários execu-tivos desempenham seus deveres em tudo a que se aplica a faculdade discricionária. Questões por sua natureza política, ou submetidas ao nuto do Executivo pela Constituição e pelas leis, nunca poderão ser ventiladas neste Tribunal.169

Reforça-se que essa doutrina de autocontenção judicial estabelece, com base no princípio da separação dos poderes, a possibilidade de excluir determinadas matérias de natureza polí-tica, inerentes à condução da governança estatal, do julgo dos tri-bunais, desde que não viole direitos individuais fundamentais.170

167 SANTIAGO, Marcus Firmino. Marbury vs. Madison: uma revisão da decisão chave para o controle jurisdicional de constitucionalidade. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica Rio de Janeiro: vol. 7, nº .2, maio-agosto, 2015, p. 278.

168 BATISTA, Fernando Natal. A constituição como fonte de poder: breves apontamentos sobre o controle judicial da atividade política pela jurisdição cons-titucional. Revista Direito Mackenzie. 2017, v. 11, nº 2, p. 215.

169 MARSHALL, J. Decisões constitucionais de Marshall. Tradução Américo Lobo. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18.

170 BATISTA, A constituição como fonte de poder: breves apontamentos sobre o controle judicial da atividade política pela jurisdição constitucional. Revista Di-reito Mackenzie. 2017, v. 11, nº 2, p. 216.

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Assim, o fato de os membros do Executivo e Legislativo serem representantes do povo ou concretizarem a soberania popular, sua atividade não possui caráter absoluto, o que é de-preendido da própria Constituição da República. Tais ativida-des estão sujeitas ao efeito expansivo das normas constitucio-nais, que embasam com a sua força normativa todo o sistema jurídico; dessa forma, valores, fins públicos e comportamentos delineados como princípios e regras constitucionais condi-cionam a validade das normas infraconstitucionais, gerando a constitucionalização do Direito,171 em um contexto de neo-constitucionalismo.

O neoconstitucionalismo, em seu aspecto metodológico, destaca, dentre outros pontos, o entendimento de a Constitui-ção ser uma norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do Estado [...]172 Outra aspecto relevante do neoconsti-tucionalismo é o fato de trazer maior protagonismo dos julga-dores na atividade interpretativa da Constituição.173

Assim, a constitucionalização do Direito, em relação ao Poder Legislativo,

(i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata

171 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em: <www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/neoconstitucionalis-mo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> Acesso em: 19/out/2018, p. 16-17.

172 VALE, André Rufino do. Aspectos do neoconstitucionalismo. Revista Brasi-leira de Direito Constitucional – RBDC nº 9 – jan./jun/2007, p. 67-68.

173 VALE, André Rufino do. Aspectos do neoconstitucionalismo. Revista Brasi-leira de Direito Constitucional – RBDC nº 9 – jan./jun/2007, p. 67-68.

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da Constituição, independentemente da interposição do le-gislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele de-sempenhado [...] (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema.174

Reforça-se, dessa forma, que os poderes encontram seus limites na Constituição, tendo esta, como seu mais forte in-térprete, o Judiciário, que tem a tarefa de controlar a atividade política do Executivo e Legislativo se em dissonância com o re-ferido texto.

Destaca-se também que falar em controle do Judiciário por meio da Constituição não significa a mera aplicação da norma constitucional, postura que remeteria a um puro posi-tivismo jurídico, no qual a norma é a fonte máxima do Direito e o julgador encontra a resposta para todos os problemas da sociedade na lei, como se a interpretação da lei estivesse, unica-mente, vinculada à vontade do legislador.175

O julgador precisa considerar que a hermenêutica jurídica parte da lei, mas não se fecha na interpretação da lei em si, uma vez esta ser apenas um ponto de partida para a produção de algo maior, possuindo a hermenêutica caráter produtivo, não, reprodutivo,176 e, nessa atividade interpretativa junto às nor-mas, com base no princípio da força normativa da Constitui-ção, busca-se a máxima eficácia do texto constitucional e inter-

174 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em: <www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/neoconstitucionalis-mo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf> Acesso em 19/out/2018, p. 17.

175 LIXA, Ivone Fernandes Morcilo. Hermenêutica Jurídica e Tradição Moderna: Limites, impossibilidades e crítica latino-americana. Disponível em: <www.publi-cadireito.com.br/artigos/?cod=aa0f9de3c3f38177> Acesso em 25/out/2018, p. 6.

176 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 73.

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pretações atuais de seus comandos, que condicionam a atuação do legislador infraconstitucional.177

Haveria, porém, uma fetichização do discurso jurídico: a lei passa a ser vista como sendo uma-lei-em-si, abstraída das condições (de produção) que a engendraram, como se a sua con-dição-de-lei fosse uma propriedade ‘natural’.178 Essa fetichização não considera o fato de a lei ter por base a Constituição e se referir a um contexto social em que o ator de maior destaque é o sujeito (ou coletividade) ao qual a lei se dirige – não a lei em si ou um pequeno grupo de privilegiados. Por isso certas decisões não promovem modificações relevantes na realidade exterior à lei, indiferentes à ideia de que o Direito deve ser utilizado não como instrumento de redução de complexidades ou reprodução de uma certa realidade, e sim, como um mecanismo de transfor-mação da sociedade.179

Nessa perspectiva, o controle judicial sobre a atividade política precisa se valer de uma interpretação que, além de se legitimar na Constituição, volte-se à resolução de problemas evocados por casos concretos, não veja o ordenamento jurídico como um sistema fechado à realidade que o cerca e, principal-mente, não se prenda a posturas ideológicas de seus intérpretes. Nesse último ponto, haveria a possibilidade de o Judiciário in-terpretar visando à satisfação de grupos minoritários do Poder e não ao interesse da coletividade. E, como escolha do magis-trado, tal controle e interpretação poderiam, inclusive, miti-gar ou deixar de aplicar normas legalmente constituídas sob a justificativa de uma postura neoconstitucional em oposição ao positivismo.

177 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2ª ed. Belo Hori-zonte: Fórum, 2014, p. 31.

178 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 73.

179 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 41.

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O controle da atividade política pelo Judiciário é legítimo e, para não se reverter em arbitrariedade ou ideologia (revelan-do-se abusivo), deve se manifestar, somente, quando o Executi-vo e Legislativo violam o texto constitucional.

Nessa ótica, há de ser considerado, inclusive, o controle de constitucionalidade sobre tais poderes, que poderá ser maior ou menor, mas sempre existirá, devendo ser afastada, de plano, a solução simplista de que o Poder Judiciário não pode controlar outro Poder por causa do princípio da separação dos Poderes.180

Assim, Compete ao Judiciário, no conflito de interesses, fa-zer valer a vontade concreta da lei [...] Para isso, há de inter-pretar a lei ou a Constituição, sem que isso implique ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes.181

E, dentre as diretrizes constitucionais, destaca-se, por exemplo, a trazida pelo Art. 62 da Constituição da República, que determina a possibilidade de o chefe do Executivo editar medidas provisórias com força de lei.

3. O controle judicial sobre a edição de medidas provisórias

Em um primeiro momento, pode-se dizer que a função de legislar cabe ao Poder Legislativo e a atuação de outro Poder nessa atividade poderia quebrar o princípio de separação dos poderes, pois haveria uma indevida intromissão no campo de atuação do legislador, cujas competências são garantidas cons-titucionalmente. Mas, como já se disse antes, tal princípio não é absoluto.

Exemplo dessa afirmação é o Art. 62 da Constituição da República, cuja redação diz que Em caso de relevância e urgên-

180 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos prin-cípios jurídicos. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 177.

181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. No Agravo de Instrumento N° 410.096/SP. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Brasília-DF, 14 abr. 2015. Dis-ponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&do-cID=8363462> Acesso em: 21 out. 2018, p. 4.

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cia, o Presidente da República poderá adotar medidas provisó-rias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Con-gresso Nacional.182

Com a medida provisória, abre-se espaço para uma bre-ve exposição a respeito de como o Executivo, de modo legal e atípico, pode invadir o campo de atuação do Legislativo (ou colocar este Poder em segundo plano em uma atividade que lhe é típica). Também será exposta a atuação do Judiciário, da mesma forma atípica, que já firmou um entendimento sobre a atividade legiferante do Executivo no tocante à matéria em destaque.

A medida provisória possui força de lei e apresenta um procedimento especial para sua conversão ou não em lei deli-neado ao longo dos 12 parágrafos do Art. 62. Trata-se de um ato normativo, discricionário e de natureza política próprio do Presidente da República. Este apresenta e justifica os pressupos-tos formais de relevância e urgência das medidas provisórias,183 determinando a importância e premência da edição desse tipo de ato normativo, razão porque, em princípio, não compete ao juiz a análise da matéria.184

A participação do Poder Legislativo, de âmbito também político, ocorre em um segundo momento, e, ao analisar a me-dida provisória, o Congresso Nacional pode não a converter em lei se não identificar os requisitos formais (e materiais), alegan-do ausência de pressupostos constitucionais.185

182 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constituição e o Supremo. 5 ed. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 734.

183 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 532.

184 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha; ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Interpretação Constitucional: o controle judicial da atividade política. In: Herme-nêutica Constitucional – Homenagem aos 22 anos do Grupo de Estudos Maria Garcia (org.): Eduardo Ribeiro Moreira, Jerson Carneiro Gonçalves Junior, Lucia Helena Polleti Bettini. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 72.

185 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 707.

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Destaca-se que o STF só admite o exame judicial dos pres-supostos de relevância e urgência em situações excepcionais, como no caso de não ocorrência ou fragilidade argumentativa relacionada a tais elementos, ainda que pertençam à esfera dis-cricionária do Presidente da República e sejam conceitos inde-terminados e fluidos.186

Esse entendimento se reflete no sistema jurídico nacio-nal, observando-o, por exemplo, no Agravo de Instrumento n.º 1402875-89.2016.8.12.0000, que teve por relator o Desembar-gador Alexandre Bastos, do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

O Agravo, em uma de suas alegações, questiona a constitu-cionalidade da Medida Provisória n.º 2.172-32/2001, do referi-do Estado, quanto aos pressupostos de relevância e urgência.187 Mas, de acordo com o relator, essa alegação não se mostrou coerente, pois a análise da relevância e urgência da medida pro-visória esbarra na discricionariedade administrativa, não com-petindo ao Poder Judiciário apreciar esse conteúdo afeto ao chefe do Poder Executivo, salvo se ocorrer abuso, o que não é o caso.188

O relator, dentre os julgados de sua argumentação, traz a ADI 1.397-MC/DF, cujo relator foi o ministro Carlos Velloso, para quem os requisitos de urgência e relevância têm caráter político e, em princípio, a sua análise cabe aos Poderes Execu-

186 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.213-0/DF. Relator: ministro Celso de Mello. Brasília-DF, 4 abr. 2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=AC&docID=347486> Acesso em 21/out./2018, p. 296.

187 MATO GRASSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado de MS. Agravo de Ins-trumento nº 1402875-89.2016.8.12.0000. Relator: Desembargador Alexandre Bas-tos. Dourados-MS, 19 abr. 2017. Disponível em: <https://tj-ms.jusbrasil.com.br/juris-prudencia/517355239/14028758920168120000-ms-1402875-8920168120000/inteiro-teor-517355249?ref=serp> Acesso em 20/out./2018, p. 4.

188 MATO GRASSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado de MS. Agravo de Ins-trumento nº 1402875-89.2016.8.12.0000. Relator: Desembargador Alexandre Bas-tos. Dourados-MS, 19 abr. 2017. Disponível em: <https://tj-ms.jusbrasil.com.br/juris-prudencia/517355239/14028758920168120000-ms-1402875-8920168120000/inteiro-teor-517355249?ref=serp> Acesso em 20/out./2018, p. 6.

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tivo e Legislativo, salvo se a relevância e a urgência evidencia-rem-se improcedentes.189

Destaca-se que os pressupostos formais devem ser sempre analisados em conjunto,190 não sendo possível julgar válida uma medida provisória quando se fizer presente apenas um daque-les elementos.

Nessa perspectiva, adequa-se o Recurso Extraordinário n.º 592.377, de relatoria do ministro Marco Aurélio, com relator para acórdão o ministro Teori Zavascki, em 2015, que analisou a constitucionalidade, material e formal, do Art. 5.º da medida provisória n.º 2.170-36/2001, que previu em seu texto a capita-lização de juros com periodicidade inferior a um ano. De acor-do com a decisão,

Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5.º da MP 2.170/2001 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estrutura-ção do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica exis-tente à época, ou seja, há quinze anos passados.191

A decisão do RE identifica e justifica, de modo coerente, a importância dos dois pressupostos formais, julgando constitu-cional a MP 2.170-36/2001.

189 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.397DF. Relator: ministro Carlos Velloso. Brasília-DF, 2 dez. 1998. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=AC&docID=266709> Acesso em: 21/out./2018, p. 93.

190 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 533.

191 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 592.377. Re-lator: ministro Marco Aurélio, com rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki. Brasília-DF, 4 fev. 2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=TP&docID=8051145> Acesso em 20/out./2018, p. 1.

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Tal posicionamento reforça a ideia de que o próprio Art. 62, quando insere a conjunção aditiva e entre os dois termos, já sugere a incoerência legal de haver medida provisória que identifique e justifique a relevância sem trazer a urgência em seu bojo e vice-versa, pois não se trata de um comando que considera a exclusão de um ou outro pressuposto formal.

Também merece destaque o fato de que a conversão da medida provisória em lei não afasta a possibilidade de controle judicial sobre os requisitos formais necessários à sua edição.192

A lei de conversão não convalida os vícios formais porven-tura existentes na medida provisória, que poderão ser objeto de análise do Tribunal, no âmbito de controle de constitucio-nalidade [...] Vencida a tese de que a promulgação da lei de conversão prejudica a análise dos eventuais vícios formais da medida provisória.193

Tal conclusão se mostra coerente, pois se os pressupostos formais não eram relevantes e urgentes à época de sua edição, a medida provisória não estava legitimada a gerar obediência, direitos e obrigações194 a serem consolidados quando da sua conversão em lei. Além disso, convalidar uma lei, resultado de conversão de uma medida provisória viciada, representaria a inserção no ordenamento jurídico de regras baseadas em uma discricionariedade absoluta do Executivo.

E é com base nesses argumentos que o STF vem analisan-do a ADI n.º 5.599/DF, que tem por objeto a medida provisória

192 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 708.

193 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade nº 3.090-6/DF. Relator: ministro Gilmar Mendes. Brasília-DF, 11 out. 2006. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14730945/medida-cautelar-na-acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-3090-df?ref=ju-ris-tabs>. Acesso em 21/out./2018, p. 49.

194 MAIA, Cleusa Aparecida da Costa. Medida Provisória: controle jurisdicional dos pressupostos que a legitimam – relevância e urgência. Revista Imes — Direito — ano VII — nº 12 — jan./dez./2006, p. 168.

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n.º 746/2016, posteriormente convertida na lei n.º 13.415/2017, cuja matéria reformula a estrutura do Ensino Médio.

Em seu parecer, o PGR informa que a medida se propõe a fazer reformas profundas no complexo sistema de educação, proposta cuja abrangência da matéria obrigaria, para sua apro-vação, a realização de longos e detalhados debates com a socie-dade, o que por si já afasta o pressuposto de urgência, uma vez tais debates abarcarem um tempo não coerente ao rito abrevia-do das medidas provisórias.195

A seguir, em 20 de abril de 2017, o relator ministro Edson Fachin julgou extinta a ADI por perda de seu objeto, alegando que houvera alterações significativas na matéria durante a ela-boração do Projeto de Lei de Conversão n.º 34/2016, transfor-mado na Lei nº 13.415/2017, deixando de refletir o texto origi-nal da medida provisória.196 Mas é o próprio Fachin, em 1.º de agosto de 2017, a trazer de volta a análise da ADI, pois a perda de objeto não se estende à inconstitucionalidade formal alega-da, decorrente do não atendimento do requisito de urgência da medida provisória impugnada, de modo que cumpre ao Plenário desta Corte a análise do mérito da ADI quanto a este ponto.197 – análise em trâmite, sendo a última movimentação processual em 5 de setembro de 2018.198

195 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.599/DF. Relator: ministro Edson Fachin. Parecer: Procurador-Geral da Repúbli-ca Rodrigo Janot Monteiro de Barros. Brasília-DF, 19 dez. 2016. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5599-reforma-ensino-medio.pdf>. Acesso em 24/out./2018, p. 16.

196 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.599/DF. Relator: ministro Edson Fachin. Brasília-DF, 20 abr. 2017. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=311659139&ext=.pdf>. Acesso em 24/out./2018, p. 7.

197 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ag. Reg. na Ação Direta de Inconsti-tucionalidade nº 5.599/DF. Relator: ministro Edson Fachin. Brasília-DF, 1º ago. 2017. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?i-d=312323786&ext=.pdf>. Acesso em: 24/out./2018, p. 14

198 Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?inciden-te=5061012>. Acesso em 24/out./2018.

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Reforça-se que o Poder Judiciário não interfere nos atos de natureza discricionária e política dos demais poderes. Mas não é um juízo político e discricionário absoluto, pois, uma vez identificado o desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Po-der Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo-se a supremacia constitucional.199

O controle judicial sobre os requisitos urgência e a relevân-cia explica-se porque são requisitos legitimadores e juridicamen-te condicionantes do exercício, pelo chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraor-dinariamente, pela Constituição da República [...].200

Esse controle busca impedir que a edição de medidas pro-visórias seja maculada pelo excesso de poder por parte do pre-sidente,201 sendo que este, ao utilizá-las de modo reiterado, não excepcional e sem critérios justificáveis, apropria-se da função legislativa.

Cabe ao Judiciário controlar o exercício compulsivo da competência extraordinária de edição de medidas provisórias, caso contrário, há possibilidade de distorções no modelo polí-tico, gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de poderes.202

199 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 707.

200 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.213-0/DF. Relator: ministro Celso de Mello. Brasília-DF, 4 abr. 2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=AC&docID=347486>. Acesso em 20/out./2018, p. 297.

201 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.213-0/DF. Relator: ministro Celso de Mello. Brasília-DF, 4 abr. 2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=AC&docID=347486>. Acesso em 20/out./2018, p. 297, p. 297.

202 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.213-0/DF. Relator: ministro Celso de Mello. Brasília-DF, 4 abr. 2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?-docTP=AC&docID=347486> Acesso em 20/out./2018, p. 297, p. 297-298.

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4. CONCLUSÃO

A separação de poderes é de muita importância na con-dução dos fins estatais, uma vez que a cada Poder cabe uma função distinta e necessária para se alcançar o bem comum da sociedade. E o fato de não ser um princípio de caráter absoluto garante a interferência ou controle recíproco entre estes pode-res por meio do mecanismo de freios e contrapesos.

Esse contexto trouxe a questão acerca do controle judicial sobre a atividade política do Executivo e Legislativo, mais preci-samente, no caso de análise das medidas provisórias.

A medida provisória se mostra como uma atividade atí-pica do chefe do Executivo, que deve ser editada seguindo os pressupostos constitucionais traçados no Art. 62, como os for-mais, representados pela relevância e urgência, justificados de modo coerente e dentro da razoabilidade, uma vez se inserirem na atividade discricionária e política do Executivo.

Da mesma forma, mostra-se atípico o controle judicial sobre a atividade política dos demais poderes, mas se faz neces-sário sempre que o Executivo e o Legislativo ignoram os dire-cionamentos delineados pela Constituição da República, como no caso de relegarem os pressupostos de validade e o procedi-mento para a conversão da medida provisória em lei. O STF, na análise da constitucionalidade das medidas, dá ênfase à identi-ficação e interpretação dos pressupostos formais de relevância e urgência, cuja não existência ou incoerência argumentativa implica inconstitucionalidade da medida provisória.

Observa-se que não se trata de uma indevida intromis-são do Judiciário sobre a atividade do Executivo e Legislativo, o que poderia vir carregada de uma ideologia apta a valorizar interesses dos membros do órgão julgador. Também não se tra-ta de uma quebra do princípio da separação de poderes, visto a própria Constituição trazer dispositivos em que o campo de atuação dos poderes se intercruza e haver pacificado entendi-mento do STF quanto às situações em que o controle se mostra legítimo.

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O controle judicial sobre a atividade política – no caso, os pressupostos formais das medidas provisórias – faz-se ne-cessário para manter a integridade do texto constitucional, na perspectiva em que suas determinações embasam todo o or-denamento jurídico brasileiro e devem ser observadas pelo le-gislador infraconstitucional, justamente, para não se perder o equilíbrio do sistema jurídico e as conquistas do Estado Demo-crático de Direito, como a determinação de que certas ativida-des primordiais à manutenção do Estado não sejam exercidas de forma isolada ou arbitrária por um único Poder, evitando-se a concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa.

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CAPÍTULO X

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: GARANTIA CONSTI-TUCIONAL OU ATIVISMO JUDICIAL?

Kaleen Sousa Leite203

1. Introdução

O direito à saúde é hoje amplamente normatizado, seja na constituição, seja na legislação infraconstitucional, contudo, isso não garantiu que na prática a saúde fosse prestada de forma integral, universal e gratuita, conforme prevê a Constituição. Ao contrário, a saúde brasileira é ineficiente e inoperante até nos cuidados básicos sanitários, quiçá com procedimentos mé-dicos mais complexos.

O ordenamento jurídico brasileiro, por outro lado, esta-belece mecanismos e garantias de jurisdição para o controle e efetivação dos direitos sociais. Entretanto, isso também não ga-rante que a resposta dada pelo Poder Judiciário sempre atende-rá aos preceitos constitucionais, uma vez que o direito à saúde se constrói em um complexo feixe de normas e princípios cons-titucionais que exigem do julgador uma hermenêutica lógica, porém, flexível.

Diante desse cenário, a pesquisa visa a apresentar o direi-to à saúde no ordenamento jurídico brasileiro, destacando a evolução histórica e a acepção como direito fundamental, bem como a sua aplicabilidade sob o enfoque do princípio da máxi-ma efetividade da constituição.

203 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Ama-zonas (UEA), integrante do Grupo de Pesquisa Direito Educacional Ambiental (DEA), servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, e-mail: [email protected]

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Por outro lado, também se busca discutir outras normas igualmente fundamentais que estão relacionadas à implemen-tação do direito à saúde – os princípios da separação de poderes e da reserva do possível – cuja observância também deve ser observada na construção da decisão judicial.

Assim, busca-se analisar os desafios que tem o Poder Judiciário em analisar as demandas de ineficiência da saúde, discutindo os fenômenos jurídicos da judicialização da saúde e do ativismo judicial, tendo por escopo a construção de uma decisão jurídica que seja compatível com as exigências demo-cráticas e constitucionais.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo e quali-tativo, o qual consiste em pesquisas documentais e bibliográ-ficas por meio de revisão bibliográfica, pesquisas legislativas e jurisprudenciais, teses, revistas científicas, sites e dissertações.

2. Direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro

Os primeiros atos para institucionalização da saúde no Brasil começam com a vinda da família real portuguesa no fi-nal do século XIX. Durante esse período havia pequenas ações preventivas contra peste e lepra e um insipiente controle sani-tário. O país passa adotar efetivamente um planejamento de saúde público no período de 1870 a 1930, iniciado pelo modelo “campanhista” influenciado por interesses agroexportadores no início do século XX.

Os autores Gustavo Matta e Márcia Morosini204 destacam que:

Esse modelo baseou-se em campanhas sanitárias para com-bater as epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola, mediante programas de vacinação obrigatória, desinfecção

204 MATTA, Gustavo Corrêa; MOROSINI, Márcia Valéria Guimarães. Atenção à saúde. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/ate-sau.html. Acesso em 22/out./2018.

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dos espaços públicos e domiciliares e outras ações de medica-lização do espaço urbano, que atingiram, em sua maioria, as camadas menos favorecidas da população.

Após a década de 1930 até o fim do regime militar a estru-turação do sistema de saúde brasileiro detinha o modelo previ-denciário-privatista, cujo contexto econômico da medicina libe-ral tinha por objetivo ofertar serviços de caráter apenas curativo, desprezando a saúde coletiva e preventiva, além de limitar o acesso à assistência médico hospitalar a algumas corporações de trabalhadores que contribuíam para o sistema. Destaca-se nesse período a criação dos IAPs e do INPS, Institutos de Previdência que organizavam o sistema de saúde.205

Com o fim do regime militar e a crise no sistema de sani-tário que marginalizava a maioria da população ao acesso a saú-de, durante o processo de redemocratização brasileiro ocorreu a Reforma Sanitária por meio da nova Constituição de 1988, que remodelou a concepção de saúde no país. Foi criado o SUS – Sis-tema Único de Saúde (Art. 198 da CF/88), regulamentado pelas Leis n.º 8.080/90 e 8.142/90, chamadas Leis Orgânicas do SUS.

Nesse momento, o direito à saúde passa a ser um dever do Estado e direito de todos, independentemente da existência de vínculo de emprego. Nesse sentido, a Carta Magna estabeleceu no Art. 196 que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O SUS passe abranger todos os cidadãos brasileiros, inclu-sive estrangeiros que estiverem no país, sendo, pois, um dos seus

205 MATTA, Gustavo Corrêa; MOROSINI, Márcia Valéria Guimarães. Atenção à saúde. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/ate-sau.html. Acesso em 22/out./2018.

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princípios a universalidade. Destacam-se ainda os princípios da integralidade e equidade. Cipriano Vasconcelos e Dário Pasche apontam que a integralidade “orientou a expansão e qualifica-ção das ações e serviços do SUS que ofertam desde imunização até os serviços de reabilitação física e mental, além das ações de promoção da saúde de caráter nacional intersetorial”.206

A equidade trata-se de princípio complementar ao da igual-dade que significa que os serviços de saúde oferecidos devem ob-servar as diferenças sociais existentes de modo a ajustar as ações às necessidades de cada parcela da população a ser coberta.

Antes da Constituição de 1988, o direito à saúde só fora constitucionalmente previsto na Carta de 1934 que inaugura-va o constitucionalismo social no Brasil. Desde dessa época, o constituinte já se preocupou em repartir as competências legis-lativas e administrativas entre os Entes Federados.

No modelo atual, a Constituição institui obrigações para todos os entes. No âmbito da legislação atribuiu competência concorrente a todos para legislar sobre a proteção e defesa da saúde (Art. 24, XII, e 30, II, da CF/88), cabendo à União dispor sobre as normas gerais (Art. 24, § 1.º); aos Estados suplementar as normas federais (Art. 24, § 2.º); e aos Municípios legislar so-bre aspectos locais, suplementando, no que couber, as normas federais e estaduais (Art. 30, I e II).207

Administrativamente atribuiu competência comum aos entes para formular e implementar políticas de saúde (Art. 23, II), dispondo que entre eles haja cooperação em prol do equilíbrio e do bem-estar em âmbito nacional (Art. 23, Parágrafo Único).

206 VASCONCELOS, C. M.; PASCHE, D. F. O Sistema Único de Saúde. In: CAM-POS, G. W. S. et al (org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p. 531-562.

207 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf. Acesso em 29/set./2008.

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Diante de tais repartições, as leis orgânicas do SUS propõem uma estrutura descentralizada cabendo a cada ente direcionar a saúde nos limites definidos em lei e em seus orçamentos.

A Lei n.º 8.080/90 dispõe a descentralização dos serviços de saúde para as Unidades Federadas e para os municípios (Art. 16, XV). Contudo, disciplina que aos Estados cabem prestar apoio financeiro e técnico e executar supletivamente os serviços de saúde (Art. 17), ficando para os municípios, prioritariamen-te, a responsabilidade de planejar, organizar, controlar, gerir e executar os serviços públicos de saúde (Art. 18).

Quanto aos limites orçamentários, a Constituição fixa percentuais mínimos que devem ser despendidos em saúde. No caso da União não pode ser inferior a 15% da receita cor-rente líquida do respectivo exercício financeiro (Art. 198, § 2.º, I). Os Estados devem aplicar, no mínimo, 12% e os muni-cípios 15% da arrecadação dos impostos, conforme Arts. 6.º e 7.º da LC 141/2012.

Com efeito, toda essa fragmentação de competência e financiamento tem contribuído para a má gestão do Sistema Único de Saúde que, nas palavras de Têmis Limberger, desta-ca que, embora nenhum dos entes esteja isento de atribuições, “isto apresenta dupla crítica no sentido de que a todos incum-bem tarefas, mas por outro lado, quando a responsabilidade é tão partilhada entre todos, fica mais difícil cobrar a atribuição de cada um”.208

Essa organização tríplice de forma autônoma das esferas de governo, torna complexa a construção do SUS, pois entre os Entes Federados não há hierarquia entre si.209 Além disso, a subsidiariedade do sistema impondo a responsabilidade aos

208 LIEMBERGER, Têmis. Políticas públicas e o direito à saúde: a busca da decisão adequada constitucionalmente. In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis (orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 53-70. v. 5.

209 ALMEIDA-FILHO, N. A problemática teórica da determinação social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como objeto de conhecimen-to). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, nº 83, p. 349-370, 2009.

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munícipios dificulta a oferta, resolutiva e em tempo oportuno, de ações e de serviços de saúde, pois é o que menos detém ca-pacidade financeira.

Em que pese tal complexidade, resta induvidoso pela Constituição que cabe ao Estado o dever de fornecer todos os produtos e serviços incorporados nas políticas públicas, embo-ra não se mostre tão claro como isso será realizado na prática pelos Entes Federados.

3. O constitucionalismo social e a doutrina da efetividade do direito fundamental à saúde

O constitucionalismo social foi inaugurado em 1917 com a promulgação da Constituição Mexicana, a primeira a incluir um catálogo de direitos sociais que dispunham sobre condições de trabalho, educação, saúde etc. Posteriormente, a Alemanha, em 1919, promulgou a Constituição de Weimar, consolidando a importância dos direitos sociais no âmbito constitucional.

Esse novo modelo constitucional buscava uma nova pos-tura do Estado que não aquela do sistema liberal de total afas-tamento do poder estatal. Diante das enormes contradições so-ciais fomentadas pelo excesso do capitalismo durante o Estado Liberal, emergiu a necessidade de o Estado agir positivamente a fim de promover igualdade material entre as camadas sociais.

Paulo Bonavides, dissertando sobre a necessidade de alteração do modelo constitucional implantado pelo Estado Liberal, lembra:

O velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade política como liber-dade restrita era inoperante. Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, desapossados de quase todos os bens. Comu-nicá-la, pois, a todos, conforme veio a suceder, significava já

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um passo em falso na firmeza da teoria liberal. E isto foi uma das primeiras transformações por que passou o liberalismo. Mostrava-se, aí, com raro poder de evidência, a face dialética em que se movia historicamente a sociedade humana.210

Nesse contexto, instaura-se nas constituições superve-nientes um novo ideal político, uma social-democracia que procure conciliar princípios liberais com princípios socialistas de modo a integrar a totalidade do povo.

No Brasil, esse modelo foi inaugurado na Constituição de 1934, sendo amplamente consagrado na Constituinte de 1988, cujo preâmbulo ajuda a identificar este objetivo social quando dispõe que o Estado Democrático destina-se a assegurar o exer-cício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valo-res supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem precon-ceitos, fundada na harmonia social [...].211

A constitucionalização dos direitos sociais ampliou a concepção dos direitos fundamentais, antes limitados aos ideais de liberdade e igualdade, para a prestação do mínimo existencial ao cidadão, correspondente a condições básicas de saúde, educação e renda, cujo papel de fomentar esses recur-sos caberia ao Estado.

Com a mudança do cenário constitucional passa ser im-portante questionar como exigir do Estado as condutas positi-vas para efetivar esses novos direitos fundamentais, cujas nor-mas são em regra de natureza programática sem delimitação de direitos subjetivos imediatamente exigíveis?

Surge então uma nova hermenêutica constitucional im-pondo às normas constitucionais atributo de imperatividade. Luís Barroso destaca que no Brasil se desenvolveu um movi-

210 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. São Paulo: Editora Catavento, 2007, p. 188.

211 BRASIL (1988), Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti-tuicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 24/out./2018.

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mento jurídico-acadêmico conhecido como doutrina brasileira da efetividade, a qual busca tornar “as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa”.212

O mesmo autor destaca que o movimento da efetividade pro-moveu três mudanças de paradigma. A primeira, no plano jurí-dico, atribuindo à Constituição plena normatividade passando a ser reconhecida como fonte de direitos e obrigações. A segunda, do ponto vista dogmático e político, reconhecendo a autonomia do direito constitucional e afastando-o do patamar de instrumento meramente político e sociológico. Por último, no âmbito institu-cional, elevando a importância do poder do judiciário no Brasil como garantidor dos valores e direitos constitucionais.213

Tal interpretação fundamenta-se no Art. 5.º, §1.º da CF/88 que diz que as normas de definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Assim, segundo Wálber Carneiro, “a norma programática passou a ser vista não ape-nas como uma norma que direciona a produção legislativa ou a administração estatal, mas como uma norma que interfere nas relações jurídicas individualizadas”.214

No que tange ao direito à saúde, aponta-se como marco para mudança da interpretação constitucional no Direito brasi-leiro o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraor-dinário n.º 271.286 (2000) pelo Supremo Tribunal Federal, que tratou de demanda individual formulada contra o munícipio de Porto Alegre (RS) na qual se postulava a prestação de medica-mento imediato e gratuito para o combate HIV/AIDS.

212 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/estudobarroso.pdf. Acesso em 29/set./2008

213 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos no Direito Constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Re-vista do Ministério Público, Porto Alegre, nº 46, jan/mar, 2002, p.59.

214 CARNEIRO, Wálber Araújo. Escassez, eficácia e direitos sociais: em busca de novos paradigmas. Salvador, 2004, p. 7

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O relator do caso, Ministro Celso de Melo, destacou que:

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federati-va do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletivi-dade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infideli-dade governamental ao que determina a própria Lei Funda-mental do Estado (BRASIL, 2000).

Observa-se no julgado que por mutação constitucional o STF atribuiu nova interpretação a regra inscrita no Art. 196, deixando de reconhecer como norma eminentemente progra-mática para tornar a norma autoaplicável.

Germano Schwartz leciona que “a consequência de se classificar a saúde como direito fundamental é a sua auto-apli-cabilidade, entendida como a exigibilidade judicial sem subter-fúgio normativo inferior”.215

Segundo este mesmo doutrinador, a importância de re-conhecer a eficácia imediata das normas referentes à saúde é possibilitar “ao cidadão todos os meios e remédios jurídicos existentes para a proteção desse direito.”216

Com efeito, o detalhamento normativo da Constituição Federal de 1988 não deixa dúvidas de que a saúde é um direito humano fundamental, além disso, o Art. 2.º da lei n.º 8.080/90, dispõe expressamente que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indis-pensáveis ao seu pleno exercício”.

215 SCHWARTZ, Germano. O tratamento jurídico do risco no direito à saúde. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004, p. 129.

216 SCHWARTZ, Germano. O tratamento jurídico do risco no direito à saúde. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004, p. 135.

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Em que pese o Art. 197 da Constituição Federal tenha de-legado a regulação da saúde para a lei, não se mostra coerente com o sistema normativo limitar a eficácia da norma, sob o ris-co de fraudar as expectativas introduzidas no texto constitu-cional, como bem acentuou o julgado do STF, sob o prisma da efetividade da Constituição.

Reconhecida a plena eficácia e o efeito concreto do di-reito à saúde, sob o comando de acesso universal e gratuito e com atendimento integral (Art. 196, CF), a deficiência estatal na prestação do serviço de saúde torna-se agora uma violação constitucional que exige reparação.

Luís Barroso leciona que “o Judiciário representa um fator importante para pressionar a realização das políticas públicas, visando a assegurar a dignidade da pessoa humana, composto pelo mínimo existencial”.217

A Carta Magna de 1988 apresenta meios de tutelar o Di-reito por meio da ação (Art. 5.º, XXXIV) e jurisdição (Art. 5.º, LXXIV). O titular do Direito detém legitimidade ativa para postular em juízo a reparação, ora por mecanismos individuais, ora coletivos. Cita-se, por exemplo, o mandado de segurança (lei n.º12.016/2009) em nível individual e a ação civil pública (lei n.º 7.347/1985) em sede coletiva.

4. As teses limitadoras à efetividade do direito à saúde

Uma vez debatido a rede complexa de comandos norma-tivos que estruturam o sistema de saúde brasileiro e a natureza fundamental que o direito à saúde adquiriu após a inauguração do constitucionalismo social que, por sua vez, ganhou força im-perativa pela nova doutrina da efetividade constitucional, cum-

217 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do no direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Re-vista do Ministério Público, Porto Alegre, nº 46, jan/mar, 2002, p. 59

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pre apresentar os contrapontos jurídicos-políticos-econômicos à efetividade do direito à saúde.

A doutrina apresenta com maior destaque as teses da se-paração de poderes e a reserva do possível quando o direito à saúde é discutido em sede jurisdicional.

Tais teorias decorrem do texto constitucional que dispõe que o direito à saúde é assegurado a partir de políticas públi-cas sociais e econômicas realizadas pelos poderes Legislativo e Executivo, mediante o planejamento orçamentário e a gestão administrativa, conforme disciplina o Art. 197 da CF:

São de relevância pública as ações e serviços de saúde, caben-do ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua re-gulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Dessa forma, embora o direito a saúde detenha caráter sub-jetivo autoaplicável, a sua materialização não se desenvolve de for-ma irrestrita. O Ministro Gilmar Mendes destacou que “não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independen-temente da existência de uma política pública que o concretize”.218

Infere-se, pois, que o ordenamento jurídico brasileiro pre-coniza o direito subjetivo a políticas públicas que realizem o direito à saúde.

Nesse contexto, a doutrina debate se a intervenção judicial em impor obrigações aos Poderes Legislativos e Executivo re-ferente à ineficiência das políticas públicas na saúde não estaria invadindo competências constitucionais, malferindo o princí-pio da separação dos poderes, basilar no Estado Democrático de Direito, conforme Art. 2.º, da CF/88.

Além disso, considerando que tais obrigações demandam geralmente custos de grande vulto que não foram previamen-

218 STA 175 AgR, 2010, p. 10.

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te incluídos no orçamento público, não haveria comprometi-mento da gestão pública, malogrando o princípio da reserva do possível?

Alexandre de Moraes destaca a relevância do princípio da separação de poderes, quando leciona que:

[...] a Constituição Federal visou evitar o arbítrio e o desrespei-to aos direitos fundamentais do homem, e com isso previu a existência dos Poderes do Estado, repartindo entre eles as fun-ções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para quem pudessem exercê-las, criando controles recíprocos, como ga-rantia de perpetuidade do Estado democrático de Direito.219

Vê-se, então, que a separação de poderes constitui pres-suposto para manutenção do Estado Democrático de Direito e respeito aos direitos fundamentais do homem, recebendo status de valor fundamental dentro do ordenamento jurídico. Essa separação, por sua vez, é estabelecida de forma expressa pela Constituição, mediante atribuições indelegáveis aos Pode-res Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo possível apenas a delegação quando a constituição assim permitir.

Barão de Montesquieu já advertia que todo aquele que tem poder tende a dele abusar e o seu uso vai sempre até onde encontra limites. O perigo, pois, não parte apenas do Legislati-vo, ou apenas do Executivo ou mesmo do Judiciário. Qualquer órgão ou pessoa que tenha poder, aí incluído o Judiciário, ainda que movido pelas melhores intenções, necessariamente, busca-rá acumular e tenderá abusar desse poder acumulado.220

No cenário da saúde, a Constituição estabeleceu ao Poder Legislativo a atribuição de legislar sobre as políticas públicas e definir os limites orçamentários e ao Poder Executivo a com-

219 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. ed. 29 São Paulo: Atlas, 2013. p. 417

220 GUEDES, Néviton. Tomemos a sério o princípio da separação de Poderes. Conjur, 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-jan-21/constituicao--poder-tomemos-serio-principio-separacao-poderes>. Acesso em 25/out./2018.

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petência de gerir esses recursos mediante ações públicas que implemente as diretrizes já traçadas na legislação infracons-titucional. Essas diretrizes estão em sua maioria dispostas na Constituição (Arts. 23 e 24; 196 a 200) e nas leis orgânicas do SUS (leis n.º 8.080/90 e 8.142/90), conforme explanado no item 2 deste artigo.

Em caso de descumprimento do quanto pactuado no or-çamento e/ou no desatendimento dos direitos fundamentais, caberia ao Poder Judiciário intervir para concretizar os direitos fundamentais consagrados na Constituição, cuja atuação não pode dela se esquivar, conforme o mandamento da inafastabili-dade da jurisdição, Art. 5.º, XXXV, da CF/88.

Estabelecido que o direito à saúde se concretiza mediante políticas públicas, destaca-se a definição de Ana Paula Bucci, citando Têmis Limberger:

Programas de ação destinados a realizar, sejam os direitos a prestações, diretamente, sejam a organizações, normas e pro-cedimentos necessários para tanto. As políticas públicas não são, portanto, categoria definida e instituída pelo direto, mas arranjos complexos, típicos da atividade político-administra-tiva, que a ciência do direito deve estar apta a descrever, com-preender e analisar, de modo a integrar à atividade política os valores e métodos próprios do universo jurídico. 221

Conforme a autora, as políticas públicas são, pois, matérias de competência política-administrativa cuja construção demanda complexidades administrativas e orçamentárias justificadas pela emaranhada divisão de competência definida pela Constituição, ou seja, a elaboração de uma política pública envolve muitos fa-tores como legislação, planejamento, orçamento até a efetiva im-plementação, de modo que o Poder Judiciário quando suscitado

221 LIEMBERGER, Têmis. Políticas públicas e o direito à saúde: a busca da de-cisão adequada constitucionalmente. In: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MO-RAIS, José Luis (orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 53-70. v. 5.

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tem o dever constitucional de ponderar as decisões legislativas e administrativas já traçadas pelos Poderes Legislativos e Executivo, em observância ao princípio da separação dos poderes.

O Ministro do STF, Gilmar Mendes na STA 175 AgR (2010) esclarece que um dos principais problemas relacionados à eficá-cia social do direito à saúde está associado à implementação e à manutenção das políticas públicas de saúde já existentes, ou seja, o problema não é de inexistência das aludidas políticas públicas.

Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário, como ponto de partida, avaliar se existe ou não políticas públicas prevista no SUS, que abranja a prestação de serviço requerida no caso sub judice, sob pena de, decidindo contra às ações públicas já traça-das, assumir papel de administrador público, competência que não lhe é conferida pela Constituição, em sede de saúde pública.

Além do estabelecimento das diretrizes administrativas e legislativa, a prestação dos serviços da saúde está condicionada à significativa alocação de recursos materiais e humanos, assim denominada “reserva do possível”, cuja disponibilidade não é de ordem exclusiva ao direito da saúde, mas aplicada a todos os direitos fundamentais que demandem custos.

De origem alemã, a construção teórica da “reserva do pos-sível” pauta-se na noção de que a efetividade dos direitos so-ciais está condicionada a reservas das capacidades financeiras do Estado, diante da multiplicidade das necessidades humanas e sociais, coletivas e/ou individuais.

É cediço que o Estado não dispõe de plena capacidade para dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais, de tal sorte que a limitação dos recursos constitui, segundo Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo, em limite fático à efetivação desses direitos.222

A própria Constituição traz como pressuposto essencial à compreensão do Estado de Direito a realização de um Estado

222 SARLET, Ingo Wolfgan; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possí-vel, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista Direitos Fundamentais & Justiça nº1, out./dez. 2007

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Orçamentário. Ela normatiza o equilíbrio entre receitas e despe-sas. Nesse sentido, mostra-se interessante e importante a lição de Ricardo Torres, ao citar Anderson Vaz, transcrita abaixo:

O Estado Orçamentário, que pelo orçamento fixa a receita fis-cal e a patrimonial, autoriza a entrega de prestações de edu-cação, saúde, seguridade e transportes e orienta a promoção do desenvolvimento econômico, o equilíbrio da economia e da redistribuição de renda, é um Estado de Planejamento. 223

Vê-se, portanto, que a teoria da reserva do possível tam-bém recebeu da Constituição relevância fundamental para o equilíbrio do Estado Democrático de Direito. O alcance dos direitos sociais é indissociável do planejamento orçamentário, cuja contingência não pode ser ignorada, sob pena de fragilizar a estrutura organizacional do Estado e minar as condições de implementação das políticas públicas.

Sob o enfoque da teoria da reserva do possível, a ministra Ellen Greice (2007), na SS 3073/RN, destacou que a “gestão pú-blica nacional de saúde, busca uma maior racionalização entre custo e o benefício dos tratamentos que devem ser oferecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de be-neficiário”. Apontou ainda que a responsabilidade do Estado “em fornecer recursos necessários à reabilitação da saúde de seus ci-dadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde”.

Com efeito, as decisões políticas-administrativas de im-plementação da saúde sofrem a limitação dos recursos finan-ceiros, cabendo ao Estado decidir a melhor distribuição a fim de prestar o mínimo existencial ao maior contingente possível.

Cumpre destacar, porém, que as teorias da separação dos po-deres ou da reserva do possível não podem ser observadas de modo

223 TORRES, Ricardo Lobo. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Re-novar, 1995, p. 51, apud VAZ, Anderson Rosa. A cláusula da reserva do financeira-mente possível como instrumento de efetivação planejada dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, nº 66, p. 9–37, jan–mar. 2009.

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absoluto a bloquear qualquer intervenção no plano das políticas pública de saúde. Afinal, tanto o direito à saúde quanto as referi-das teorias detêm proteção constitucional e merecem igual apreço quando a saúde é judicializada, face a relação indissociável entre si.

Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo esclarecem quem de fato “governa” no Estado Democrática de Direito é a Constituição, de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-se o dever de fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com seus elementos essenciais, que sempre serão limites da liberdade de conformação do legislador e da discricionariedade (sempre vinculada) do administrador e dos órgãos jurisdicionais.224

Assim sendo, o papel do Judiciário assume caráter emer-gencial no sentido de zelar pela efetivação dos direitos funda-mentais sociais quanto para o equilíbrio e manutenção da orga-nização do Estado Democrático de Direito, aplicando máxima cautela e responsabilidade, seja ao conceder (seja quando negar) um direito subjetivo a determinada prestação social, ou mesmo quando declarar a inconstitucionalidade de alguma medida es-tatal com base na alegação de uma violação de direitos sociais, sem que tal postura, venha a implicar violação do Princípio De-mocrático e do Princípio da Separação dos Poderes.225

5. Atuação do poder judiciário: judicialização da saúde e a decisão constitucionalmente válida

Lênio Streck226 argumenta que o Direito assume papel central na “organização da engenharia institucional” de uma

224 SARLET, Ingo Wolfgan; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possí-vel, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista Direitos Fundamentais & Justiça nº 1 – out./dez. 2007.

225 SARLET, Ingo Wolfgan; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possí-vel, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista Direitos Fundamentais & Justiça nº1 – out./dez. 2007

226 STRECT, Lênio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206>. Acesso em: 24 out. 2018.

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democracia estável, pois estabelece condições mínimas para o funcionamento do sistema político. Por outro lado, diante do reconhecimento de novos direitos pelo Constitucionalismo So-cial, o Poder Judiciário é cada vez mais acionado, situação que pode fomentar, muitas vezes, decisões sem critério de raciona-lidade, baseadas mas na discricionariedade do Juízo de que nos limites impostos pelo ordenamento jurídico.

Quando se trata da inoperância do sistema de saúde, a doutrina brasileira tem conceituado a intervenção do Judiciário como judicialização da saúde que, nas palavras de Lênio Streck, decorre “de (in)competência – por motivo de inconstituciona-lidades – de poderes ou instituições”.227 Segue o autor esclare-cendo que quanto maior for a abertura constitucional para se discutir a adequação ou não da atuação do Poder Público maior será o grau de judicialização.

Como já visto, a Constituição Brasileira está “recheada” de dispositivos, autorizando o cidadão discutir em juízo a inope-rância do Poder Público, bem como impõe ao Poder Judiciário a inafastabilidade jurisdicional. Tal prerrogativa não é de graça, tem por escopo garantir que os ditames constitucionais sejam respeitados pelos demais Poderes em defesa da maior efetivi-dade da constituição, especialmente, no que tange aos direitos fundamentais os quais estão diretamente vinculados com o pri-mado da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, entende-se que o fenômeno da judiciali-zação da saúde detém amparo constitucional, sendo medida necessária quando malferido o acesso à saúde. O perigo à orga-nização constitucional não está na judicialização dos serviços inoperantes da saúde, pelo contrário, é instrumento de valori-zação da jurisdição constitucional. O “cisma normativo” está no conteúdo da decisão que o Judiciário oferece à judicialização.

227 STRECT, Lênio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmen-te adequada. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206>. Acesso em: 24 out. 2018.

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Em regra, a análise do direito à saúde está diretamente ligado ao direito à vida, havendo muitas situações em que o cidadão está entre a vida e a morte, o que, muitas vezes, leva o jurista a avaliar o caso apenas pelo viés imediatista. Ocorre que, embora se reconheça que “esse espaço de atuação é difícil, tormentoso e complexo (...), os juízes devem atuar nesse campo com redobrado cuidado e maior equilíbrio, inclusive para que suas decisões não caiam no vazio”.228

Afinal, o resultado do caso não pode ficar restrito à “cons-ciência do juiz”, sob pena de ferimento do Princípio Democrá-tico do Direito. A resposta jurisdicional até pode ser construída pelo livre convencimento do juiz, porém, dentro dos limites já traçados pela comunidade política, demonstrando coerência e integralidade com direito, mas jamais pelos critérios particulares do magistrado.

Entrando na seara das convicções pessoais, o magistrado estaria manifestando o ativismo judicial, entendido por Lênio Streck como um fenômeno “sempre ruim para a democracia, porque decorre de comportamentos e visões pessoais de juízes e tribunais, como se fosse possível uma linguagem privada”.229

Então, como construir uma decisão fundamentalmente válida? No âmbito do direito à saúde, observou-se ao longo des-te trabalho que o direito subjetivo constitui o direito a políticas públicas que realizem o direito à saúde (Art. 196, CF/88), que detém natureza fundamental e é autoaplicável (Art. 5, §1.º da CF/88). Contudo, a sua materialização decorre de ações políti-cas-administrativas que foram repartidas entre os Poderes Le-gislativo e Executivo cuja reserva financeira é limitada.

Como defensor da ordem democrática, cabe ao Poder Judiciário, ao emitir a decisão, enfrentar todos esses aspectos,

228 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.

229 STRECT, Lênio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito fundamental a uma decisão judicial constitucionalmen-te adequada. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v17i3.12206>. Acesso em 24/out./2018.

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porquanto são normas que detém o mesmo nível hierárquico dentro da Constituição.

É evidente que o conteúdo das normas constitucionais, es-pecialmente as de direitos fundamentais é mais valor do que um comando objetivo, o que dificulta a aplicação ao caso concreto pela simples regra da subsunção. Konrad Hesse esclarece que:

A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optiraler Verwir-klichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e conceitual. Se o direito, e, sobretudo, a Constituição tem sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábua rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacio-nando-as com as proposições normativas da Constituição.230

Nesse condão, vê-se, pois, que o jurista não se pode valer apenas dos fatos de forma isolada, ou tampouco apenas das nor-mas. A comunhão dos dois elementos, fatos e normas devem obri-gatoriamente serem embasamento para construção da decisão.

No que tange ao conteúdo da norma, composta de regras e princípios, Lênio Streck ressalta que a interpretação do direito à saúde não pode se voltar para um principiologismo em que os princípios figuram como “um plus axiológico interpretativo que veio para transformar o juiz (ou qualquer intérprete) em superjuiz que vai descobrir os ‘valores ocultos’ no texto, agora ‘auxiliado/liberado’ pelos princípios”.231

Quanto às regras, que são de comando objetivos cuja téc-nica impõe a subjunção, há de se ponderar que elas não conse-guem captar muito bem os valores oriundos da racionalidade

230 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. In: Hesse, Konrad. Te-mas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 136

231 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011a, p. 241

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moral-prática, por outro lado, elas contribuem muito para as possíveis soluções concretas para o problema com os princípios, pois possuem o condão de evitar a arbitrariedade judicial232

No caso da saúde, há muitos princípios constitucionais re-lacionados (dignidade da pessoa humana, direito à vida, direito à saúde, separação de poderes, limites orçamentários, reserva do possível, entre outros) que apontam em sentido diverso quando a saúde é judicializada. Há, também, uma vasta legisla-ção infraconstitucional disciplinando os serviços de relevância pública, assim como a regulamentação, fiscalização e controle, que podem ser executados diretamente ou através de terceiros.

Assim, para haja uma decisão constitucionalmente vá-lida, o Poder Judiciário detém a responsabilidade política de apresentar uma estruturação no plano argumentativo dos fatos e das normas, sopesando tanto os princípios quanto as regras aplicáveis a saúde de modo a evitar que o direito a saúde se torne mera casuística,233 impossível de ser antecipada pelos ór-gãos da administração responsáveis pela política de saúde, o que torna inequivocamente arbitrária a decisão, dada a falta de regras prévias.234

Exige-se, pois, do jurista uma hermenêutica lógica, porém flexível, balanceando os valores envolvidos na situação concre-ta, mediante um juízo de razoabilidade no sentido de extrair o conteúdo dos direitos fundamentais conflitantes para harmo-nizá-los, sem que haja o sacrifício total de um em relação ao outro, sob pena de fragilizar a unidade constitucional.

232 CARNEIRO, Wálber Araújo. Hermenêutica Jurídica Heterorreflexiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011a. p. 257

233 MULLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e me-tódica estruturantes. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2009, p. 46

234 ANDRADE, José Maria Arruda de. Interpretação da norma tributária. São Paulo: MP, 2006, p. 185

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6. Conclusão

Diante do exposto, demonstrou-se que os direitos sociais ganharam destaque após a instauração do Constitucionalismo Social iniciado em 1917 no México, cujas influências chegaram ao Brasil na Carta Magna de 1934, sendo, porém, consagrado na Constituição de 1988 quando previu, pela primeira vez, o acesso à saúde de modo universal, igualitário e gratuito por meio do Sistema Único de Saúde.

Também se discutiu a complexa estruturação do SUS que, embora não isente qualquer Ente Federal de atribuições, mos-tra-se confusa e inoperante às necessidades da sociedade. A des-peito disso, avaliou-se que o Brasil como Estado Democrático de Direito garante o direito à saúde a todos, atribuindo ao Estado o dever de implementar políticas públicas que garantam a concre-tização desse direito tão importante ao primado da dignidade da pessoa humana, apesar da complexa materialização desse direito.

Diante disso, a doutrina e jurisprudência reconheceram o conteúdo do Art. 196 da CLT como sendo um direito sub-jetivo a políticas públicas que realizem o direito à saúde, atri-buindo-lhe caráter autoaplicável (Art. 5.º, §1.º da CF), cabendo ao Poder Judiciário o papel de proteger o cumprimento desse mandamento (Art. 5.º, XXXV, da CF).

Contudo, a discussão judicial das demandas judiciais rela-cionadas a inoperância da saúde, exige uma hermenêutica que não aquela imediatista vinculada ao direito à vida, mas obriga a concatenação do direito subjetivo com outras normas consti-tucionais referentes à repartição de competências e limites or-çamentários, sob pena de ferir os princípios da separação dos poderes e da reserva do possível, basilares para estrutura orga-nizacional do Estado Democrático de Direito.

Diante disso, concluiu-se que o fenômeno da judicializa-ção da saúde constitui instrumento válido previsto na constitui-ção para garantir a efetivação dos direitos fundamentais, sendo o ativismo judicial, considerado nessa pesquisa, como sendo a resposta que o magistrado dar a essa judicialização, cujo con-

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teúdo não enfrenta todos os aspectos constitucionais envolvi-dos de modo a respeitar a unidade constitucional, ou quando imprime posturas subjetivistas e discricionárias, desprezando a imperatividade das normas constitucionais.

Por fim, apurou-se que cabe ao jurista uma hermenêutica lógica, porém, flexível, balanceando os valores envolvidos na si-tuação concreta, mediante um juízo de razoabilidade no senti-do de extrair o conteúdo dos direitos fundamentais conflitantes para harmonizá-los, sem que haja o sacrifício total de um em re-lação ao outro, sob pena de fragilizar a jurisdição constitucional.

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CAPÍTULO XI

DIREITO OU MORAL: QUAL DEVE SER O PARÂME-TRO DO MAGISTRADO EM SUAS DECISÕES?

Larissa Campos Rubim235

1. INTRODUÇÃO

O Art. 5.º, XXXV da Constituição de 1988, garante o di-reito a provocar o Poder Judiciário para solucionar conflito de interesses, e, ao final, ter proferida uma sentença de mérito jus-ta e efetiva. No entanto, essa inafastabilidade do controle ju-risdicional caminha lado a lado com garantia a uma decisão fundamentada, princípio basilar do Estado Democrático de Direito, o qual permeará nosso diálogo. A problemática da fun-damentação da decisão traz consigo algumas questões quanto aos critérios adotados pelo magistrado quando do processo de decisão.

A presente pesquisa tem o condão de discutir qual deve ser o parâmetro adotado pelo magistrado quando da tomada de decisões: O Direito ou a Moral? Embora seja cediço que os aspectos da moral possam ter influência no convencimento do julgador, esta não pode sobrepor o direito, considerando a fun-ção estatal exercida pelo magistrado.

235 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Ama-zonas, advogada, professora Universitária – Universidade Nilton Lins, graduada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), pós-graduada em Direito Ma-terial e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário do Norte (Uninorte Lau-reate), pós graduanda em Didática do Ensino Superior pela Universidade Nilton Lins. E-mail: [email protected].

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2. A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA DA DECISÃO

Não se sabe se será a melhor solução para uma determi-nada situação posta à análise, mas sabe-se que haverá várias formas de decidir, seja no campo filosófico-moral, seja no cam-po jurídico. O julgamento parte de uma individualidade do su-jeito, um discurso do que este entende por certo e errado, sua subjetividade.

Inicialmente, faz-se necessário retratar que o processo de-cisório é enfrentado todos os dias, nas diversas situações coti-dianas, desde uma escolha simples, por exemplo, de uma roupa, de um sapato, de uma comida, até o processo de tomada de decisão mais complexo, como, por exemplo, ao se sentenciar um processo judicial.

Do latim decidere, decidir está relacionado ao ato de cortar fora (de = fora + caedere = cortar), ou seja, renúncia ou perda, ou ainda, optar por uma dentre duas ou mais possibilidades.236

Conforme preleciona Tercio Ferraz, a decisão faz parte de um processo deliberativo, considerando possíveis variáveis:

Na mais antiga tradição, o termo decisão está ligado aos pro-cessos deliberativos. Assumindo-se que estes, do ângulo do indivíduo, constituem estados psicológicos de suspensão do juízo diante de opções possíveis, a decisão aparece como um ato final, em que uma possibilidade é escolhida, abandonan-do-se as demais. Modernamente, o conceito de decisão tem sido visto como um processo mais complexo que, em sentido amplo, pode ser chamado de aprendizagem.237

No entanto, Bianor Arruda expõe que a decisão ou delibe-ração, no sentido que aqui se está considerando, é aquela tomada

236 NETO, Bianor Arruda Bezerra. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo. Noeses, 2018, p. 18-19;

237 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técni-ca, decisão, dominação. – 10 ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2018. p. 338;

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a partir de processos racionais, os quais, formalmente, são go-vernados pela lógica e, materialmente, pelos diversos métodos de racionalização [...]238.

Para que se adote uma determinada decisão, há a necessi-dade da verificação da existência de um elemento que permita a comparação entre os referidos juízos, o qual se denomina de critério, cujo objetivo é a vinculação do objeto decisão a um referencial cultural ou a um sistema de referência.239

A diferenciação entre os referidos conceitos é que o re-ferencial cultural, nada mais é que a experiência do indivíduo em sociedade, sua carga valorativa. Já o sistema de referência é aquele que permite o processo de tomada de decisão, nas de-mais áreas do conhecimento, levando-se em consideração os estudos daquela área.

No campo do Direito, o processo de escolha deve se pau-tar no critério jurídico, no entanto, adotando-se teorias pró-prias, com base no sistema de referência a que se escolhe como, por exemplo, positivista ou não positivista.

Há de se afirmar que o indivíduo deve se policiar para não embasar-se, neste processo de tomada de decisão, apenas no senso comum, ou no seu referencial cultural, sem adoção de um critério ou sistema de referência capaz de atingir a finalida-de da decisão, que é a sua efetividade e estabilidade.

Para o Direito, a decisão adotada seria suscetível à insta-bilidade, que, por sua vez, geraria a insegurança jurídica a todo um ordenamento, como se verá mais a frente. Visto isso, passa-remos a estudar no próximo tópico quais são os critérios adota-dos no novo modelo constitucional do processo civil brasileiro para a tomada de uma decisão judicial.

238 NETO, Bianor Arruda Bezerra. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo. Noeses, 2018, p. 17;

239 NETO, Bianor Arruda Bezerra. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo. Noeses, 2018, p. 17;

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3. MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL: A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Importa destacar que com a aprovação do Novo Código de Processo Civil, pela lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015, houve uma reformulação do modelo processual civil brasileiro, o qual, atualmente, tem por objetivo garantir maior segurança jurídica e estabilidade ao sistema jurídico, em consonância com os princípios e regras constitucionais.

O Poder Judiciário, através dos órgãos que o compõem, desempenha no Estado, a função jurisdicional, que do latim ju-risdictio (juris = direito + dictio = dizer), significa em tradução literal “dizer o direito”. No entanto, não é no sentido do juiz “boca da lei”, num positivismo exacerbado, mas sim, daquele que busca na lei o sentido de suas decisões, a motivação, utili-zando-se de um exercício hermenêutico.

Em uma visão contemporânea de processo civil, não se tende mais a adotar a visão de que a jurisdição é o monopólio do Estado, visto que as partes podem buscar outras formas de solução aos seus conflitos de interesse, conforme dispõe o pró-prio diploma processual de 2015, nos parágrafos do Art. 3º, ao valorizar os meios adequados de solução de conflitos: conci-liação, mediação e arbitragem, devendo, inclusive, sempre que possível, sua promoção pelo Estado e estimulada pelos opera-dores do Direito.

Art. 3.º: Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.§ 1.º: É permitida a arbitragem, na forma da lei.§ 2.º: O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.§ 3.º: A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Pú-blico, inclusive no curso do processo judicial.

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Além do mais, nem sempre a atividade judicante estatal irá substituir a vontade das partes, ante a previsão de procedi-mentos de jurisdição voluntária, disposto nos Arts. 719 ao 770, todos do novo digesto processual.

Dessa forma, a doutrina tem caminhado no sentido de in-terpretar a jurisdição sob três óticas, as quais, conforme ensina Daniel Assumpção, são poder, função e atividade:

[...] Entendida como poder, a jurisdição representa o poder estatal de interferir na esfera jurídica dos jurisdicionados, apli-cando o direito objetivo ao caso concreto e resolvendo a crise jurídica que os envolve. Há tempos se compreende que o po-der jurisdicional não se limita a dizer o direito (juris-dicção), mas também de impor o direito (juris-satisfação). Realmente de nada adiantaria a jurisdição dizer o direito, mas não reunir condições para fazer valer esse direito concretamente. Note-se que a jurisdição como poder é algo que depende essencialmen-te de um Estado organizado e forte o suficiente para interferir concretamente na esfera jurídica de seus cidadãos. [...] Como função, a jurisdição é o encargo atribuído pela Constituição Federal, em regra, ao Poder Judiciário – função típica – e, ex-cepcionalmente, a outros Poderes – função atípica – de exercer concretamente o poder jurisdicional. [...] Como atividade, a jurisdição é o complexo de atos praticados pelo agente estatal investido de jurisdição no processo. A função jurisdicional se concretiza por meio do processo, forma que a lei criou para que tal exercício se fizesse possível. Na condução do processo, o Estado, ser inanimado que é, investe determinados sujeitos do poder jurisdicional para que possa, por meio da prática de atos processuais, exercerem concretamente tal poder. [...]240

Nesta senda, considerando os três aspectos acima aborda-dos, o conceito que melhor se adequaria a esta pesquisa seria o

240 Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2018, p. 59.

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de Alexandre Câmara, o qual retrata a jurisdição como a função estatal de solucionar as causas que são submetidas ao Estado, através do processo, aplicando a solução juridicamente correta.241

A Constituição da República de 1988 trouxe em seu bojo o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional expres-so no Art. 5.º, inciso XXXV, o qual dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Ocorre, todavia, que o Estado-juiz não pode exercer esta função sem que haja uma provocação inicial da parte ou dos interessados na tutela, considerando o Princípio da Inércia da Jurisdição, também conhecido como Princípio da Demanda ou, ainda, Princípio do Impulso Oficial, cujo sentido se traz no brocardo ne procedat iudex ex officio, ou seja, não se procede a justiça de ofício.242

O referido princípio está disposto precisamente no Art. 2.º do atual Código de Processo Civil, que assim preleciona: O pro-cesso começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Desta forma, o processo deve ser entendido conforme afirma Alexandre Câmara como um mecanismo de exercício do poder democrático estatal, e é através do qual são construídos os atos jurisdicionais.243

Assim, protocolada a petição inicial e impulsionado o fei-to, o processo segue seu curso natural, devendo a parte deman-dada ser citada para exercitar o contraditório e a ampla defesa, garantias previstas no Art. 5.º, LV da Constituição da República de 1988, bem como nos Arts. 9.º, caput e 10 do CPC/15.

Se tanto no curso do processo, ou, ao final, após a instrução por meio de todos meios de provas existentes no ordenamento jurídico pátrio, o juízo tiver a necessidade de prolatar uma deci-

241 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. ver. e atual. São Paulo: Atlas, 2018, p. 33;

242 Tradução livre do autor.

243 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. ver. e atual. São Paulo: Atlas, 2018, p. 25;

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são, deverá embasar seu convencimento, sob pena de violar a ga-rantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais.

Antes de adentrar nesta temática, é importante destacar que tanto a sentença quanto a decisão interlocutória fazem par-te do gênero decisão judicial, que nada mais são do que pro-nunciamentos judiciais, por meio do qual o juiz realizará uma atividade cognitiva.

Desta forma, o Art. 203 do CPC/2015 estabelece que:

Art. 203, CPC/15. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.§ 1.º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimen-tos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.§ 2.º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1.º.§ 3.º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.[...]Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.

Os pronunciamentos que possuem conteúdo decisório devem ser fundamentados, sob pena de nulidade, nos termos do Art. 93, IX da CR/88 e Art. 11 do CPC/15, verbis:

Art. 93, IX da Constituição de 1988 – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamen-tadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004) (grifado).

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Art. 11 do CPC/15. Todos os julgamentos dos órgãos do Po-der Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as deci-sões, sob pena de nulidade (grifado).

Chiovenda ressalta que antes de decidir a demanda, realiza o juiz uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada e, pois, para declarar existente ou não existente a vontade concreta de lei, de que se cogita.244 A decisão judicial nada mais é do que o resultado, o produto, desta atividade intelectual realizada pelo magistrado, a qual se denomina, cognição.

Neste mesmo sentido, acerca da cognição Kazuo Watana-be ensina que:

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consis-tente em considerar, analisar e valorar as alegações e provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as questões de direito que são deduzidas no processo e cujo re-sultado é o alicerce, o fundamento da judicium, do julgamen-to do objeto litigioso do processo.245

Ocorre que mesmo havendo um grande cuidado por parte do legislador para garantir a uma cognição fundamentada, a fim de garantir maior segurança jurídica às decisões judiciais, bem como prevenir a discricionariedade, o subjetivismo e a ar-bitrariedade no momento da prolação de uma decisão judicial, ainda assim, há a prolação de decisões em desacordo com o ordenamento jurídico.

Visando maior segurança às decisões judiciais, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe, como inovação, um disposi-

244 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução brasileira. São Paulo: Saraiva: 1942, v. 1, p. 253-254;

245 WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. 4 ed revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 67.

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tivo que visa direcionar o que se considera para o ordenamento jurídico pátrio uma decisão não fundamentada:

Art. 489, § 1.º Não se considera fundamentada qualquer deci-são judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem expli-car o motivo concreto de sua incidência no caso;III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no pro-cesso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmu-la, sem identificar seus fundamentos determinantes nem de-monstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles funda-mentos;VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a exis-tência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.§ 2.º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enuncian-do as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.§ 3.º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da con-jugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Desta forma, estando a decisão judicial em desacordo com o traçado pela legislação processual civil, haverá a nulidade do pronunciamento. Entretanto, questiona-se: Qual seria o parâ-metro a ser seguido pelo magistrado na fundamentação das suas decisões? Pode o julgador adotar a solução mais adequada

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sob seu ponto, sem a adoção de critérios jurídicos, embasando tão somente na moral?

4. QUAL DEVE SER O PARÂMETRO DO MAGISTRADO EM SUAS DECISÕES: DIREITO OU MORAL?

Há de se destacar que quando o indivíduo exerce seu di-reito de ação, materializando-o por meio do processo, a fim de levar a sua pretensão à apreciação do Estado-juiz, seu anseio é a solução do seu conflito e que a decisão ali prolatada o convença de que, realmente, houve a justiça. Diante disto:

O cidadão que submete os seus interesses à tutela jurisdi-cional pode e deve exigir uma conduta impessoal do órgão judicial, livre de qualquer interesse mesquinho, capricho de ordem pessoal ou de características estranhas à finalidade maior do Estado atual, qual seja, a justiça, entendida no seu mais amplo significado.246

[...]O juiz, portanto, ao justificar a sua decisão, exerce uma função de persuasão em relação às partes no processo, visando conven-cê-las de que ao julgar aplicou ao caso concreto a solução mais adequada que poderia ser encontrada no ordenamento legal, consequentemente, seria essa alternativa a de se esperar.247

No entanto, o problema central da pesquisa não está no ato de decidir, mas sim nos critérios adotados pelo julgador no ato de decidir, na sua fundamentação: a moral ou o direito.

246 BADR, Eid. Princípio da motivação das decisões judiciais como garantia constitucional. Disponível em BADR, Eid; BRAGA, Mauro Augusto Ponce de Leão. Hermenêutica Constitucional, decisões judiciais: programa de Pós-Gra-duação em Direito Ambiental da UEA: Mestrado em Direito Ambiental. Manaus: Editora Valer, 2016, p. 108.

247 Idem ibidem, p. 113.

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Neste diapasão, Miguel Reale preleciona que a moral re-presenta o mundo da conduta espontânea, do comportamento que encontra em si mesmo a razão de existir. O ato moral implica na adesão do espírito ao conteúdo da regra.248 Por sua vez, Bia-nor Bezerra Neto afirma que o Direito se apresenta como ciên-cia, ou seja, como um conjunto sistematizado e axiomatizado de conhecimento construído em torno do ordenamento jurídico.249

Assim, é possível entender que o Direito e a Moral, embo-ra atuem sob óticas diversas, não estão totalmente dissociados. No entanto, não se pode afirmar que tudo que se passa pelo mundo jurídico deva ser ditado por motivos de ordem moral.

Ocorre que não deveria o magistrado, portanto, tratar de-cisões em situações concretas, em que envolvem uma respon-sabilidade político-jurídica dentro de um Estado Democrático de Direito, como se fossem dilemas morais. Afirma-se que não pode o magistrado embasar-se tão somente em seu referencial de certo ou errado, ou em subjetivismos.

Para embasar este entendimento, Lenio Streck dispõe que:

No âmbito judicial o juiz não é um agente moral que age guia-do por suas convicções pessoais; diante da responsabilidade política que possui, a resposta jurídica decorre de uma deci-são fundamentada no direito. Por isso, venho insistindo que, no direito, temos decisões e não escolhas.250

Nesta senda, afirma-se, respondendo aos questionamen-tos outrora realizados, que as decisões judiciais devem ser em-basadas no critério jurídico, o qual está consubstanciado na

248 REALE, Miguel. Lições preliminares do Direito. São Paulo, Saraiva: 2004, p. 44.

249 NETO, Bianor Arruda Bezerra. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo. Noeses, 2018, p. 70.

250 STRECK, Lenio Luiz. Senso Incomum. Matar o gordinho ou não? O que as escolhas morais têm a ver com o Direito? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-ago-28/senso-incomum-matar-gordinho-ou-nao-escolha-moral--ver-direito > Acesso em 26/10/2018.

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norma jurídica válida, em sentido amplo, sendo esta a sua prin-cipal característica.251

Urge informar que no ordenamento jurídico pátrio não é possível a existência de lacunas, no entanto, no caso de lacu-nas na lei, o magistrado deve utilizar dos meios de integração, quais sejam, aqueles previstos no Art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: Art. 4.º, LINDB. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Ainda há a possibilidade da utilização da equidade, por parte do julgador, ou seja, dos seus “ideais de justiça” a serem aplicados ao caso concreto. Ocorre que a equidade não pode ser vista como uma autorização para que o juiz decida como quer.

Assim, sobre a equidade, Maria Helena Diniz expõe que:

A equidade dá ao juiz poder discricionário, mas não arbi-trariedade. É uma autorização de apreciar, equitativamente, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não deter-minados a priori pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto ou singular. A equidade não é uma licença para o arbítrio puro, mas uma atividade condi-cionada às valorações positivas do ordenamento jurídico, ou melhor, relacionada aos subsistemas normativos, fáticos ou valorativos, que compõem o sistema jurídico.252

No entanto, o que ainda se verifica, conforme transmite Lenio Streck, é que cada um decide como quer. Cada um busca o seu justo. Inventam-se “princípios” como o da conexão para po-der encontrar o Santo Graal da Justiça [...].253

251 NETO, Bianor Arruda Bezerra. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo. Noeses, 2018, p. 25.

252 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1: Teoria do Direito Civil. 35 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 99;

253 STRECK, Lenio Luiz. Juiz não é deus: juge n’ est pas dieu. Curitiba: Juruá, 2016, p. 123.

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Destarte, o que se busca alertar na obediência de todo or-denamento jurídico, o qual tem na lei e na Constituição, a segu-rança e o limite da atuação do magistrado no exercício da sua atividade cognitiva. Assim, conclui-se que o Estado Democrá-tico de Direito não combina com subjetivismos, arbitrariedades ou caprichos de seus julgadores, devendo as decisões estarem pautadas no Direito.

5. CONCLUSÃO

Este trabalho abordou a problemática da fundamentação das decisões judiciais, ou seja, qual o parâmetro que deve ser adotado pelo magistrado ao prolatar a decisão judicial: Direito ou Moral.

Diante disto, abordou-se a questão do processo de tomada de decisão, o qual deve ser embasado em critérios. No que con-cerne à decisão judicial, restou claro que o critério a ser adotado pelo julgado é o critério jurídico, o qual se embasa na norma jurídica válida.

O julgador deve motivar suas decisões sob pena de nuli-dade, não podendo utilizar-se de critérios de interesses pessoais ou tão somente de ordem moral, dissociados dos que estão pre-vistos no ordenamento jurídico, visto que é dotado de respon-sabilidade política. O Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, deve atuar à luz dos princípios constitucionais e legais, a fim de se alcançar a pacificação social.

REFERÊNCIAS

BADR, Eid. Princípio da motivação das decisões judiciais como garantia constitucional. Disponível em BADR, Eid; BRAGA, Mauro Augusto Ponce de Leão. Hermenêutica Constitucional, decisões judiciais: Programa de Pós-Graduação em Direito

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BEZERRA JÚNIOR, Bianor Arruda. O que define um julga-mento e quais são os limites do juiz. Valores, hermenêutica e argumentação: elementos para a construção de uma teoria da decisão judicial. São Paulo: 2018.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2017.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Ci-vil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1942.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1: Teoria do Direito Civil. 35 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 10 ed revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2018.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Pro-cessual Civil. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2018.REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. São Paulo: Sa-raiva, 2004.

STRECK, Lenio Luiz. Juiz não é deus: juge n’ est pas dieu. Curi-tiba: Juruá, 2016.

STRECK, Lenio Luiz. Matar o gordinho ou não? O que as esco-lhas morais têm a ver com o Direito? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-ago-28/senso-incomum-matar-gordinho--ou-nao-escolha-moral-ver-direito. Acesso em 29/8/2018;

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WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4 ed revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasí-lia: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Pro-cesso Civil). Brasília: Senado Federal, 2015.

BRASIL. Decreto-lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Brasília: Senado Federal, 1942.

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CAPÍTULO XII

OS LIMITES JURÍDICOS À ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Marcela Pacífico Michiles 254

1. INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário. Este tribunal foi instituído no período colonial, sen-do o órgão judicial brasileiro mais antigo.

A partir da Constituição de 1988, que possui viés neo-constitucionalista, permeada pela ideia de força normativa da Constituição, bem como expansão da jurisdição constitucio-nal e elaboração de diferentes categorias de nova interpretação constitucional, o Supremo Tribunal Federal, corte constitucio-nal brasileira, viu sua competência alargada, e ganhou grande força nas suas decisões, tornando-se protagonista no contexto político.

Partindo do contexto de protagonismo do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, e suas decisões inova-doras, que demonstram um papel representativo e iluminista, buscar-se-á identificar quais os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal brasileiro.

Objetiva-se, com este estudo, analisar os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal, a partir de premissas da doutrina constitucional. Trata-se de pesquisa qualitativa e

254 Mestranda em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazo-nas (UEA), pós-graduada em Direito Constitucional aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus e em Direito Público pela Universidade Federal do Amazo-nas (Ufam), assessora jurídica na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, email: [email protected]

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investigativa, que tomou por base fundamentos constitucio-nais, bem como textos jurídicos sobre a atuação hodierna do Supremo Tribunal Federal.

As premissas aventadas neste estudo são: breve histórico do Supremo Tribunal Federal e Conceitos transversais aos limi-tes jurídicos do Supremo Tribunal Federal – limites jurídicos, separação de poderes, o Neoconstitucionalismo e o protagonis-mo do Supremo Tribunal Federal, para, enfim, chegar-se à ideia geral de quais são os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal.

Para a produção deste estudo utilizou-se do método de abordagem indutivo, que conforme dispõe Lamy,255 é o que se utiliza de raciocínio ascendente, que se propõe à observação de fenômenos particulares e conclui com uma proposição de uma conclusão, qual seja, os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal.

2. BREVE HISTÓRICO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDE-RAL: DO IMPÉRIO À CONSTITUIÇÃO DE 1988

O Supremo Tribunal Federal, o órgão máximo do Poder Judiciário, foi instituído em 1808, sob a nomenclatura de Casa da Suplicação do Brasil. A Corte máxima brasileira nem sem-pre foi denominada Supremo Tribunal Federal, tendo recebido esta nomenclatura apenas no Governo Provisório da Repúbli-ca. Nathalia Masson256 explica a trajetória de nomenclaturas do STF até os dias de hoje:

O órgão de cúpula do Poder Judiciário pátrio foi instituído em 1808, no período colonial, com a denominação “Casa de

255 LAMY, Marcelo. Metodologia da Pesquisa Jurídca: Técnicas de Investigação, Argumentação e Redação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

256 MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador: Juspodium, 2013, p.830.

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Suplicação do Brasil”, o mais elevado Tribunal do Império, criado pelo Príncipe Regente D. João e com sede no Rio de Janeiro. Em 1828, passou a ser denominado “Supremo Tribu-nal de Justiça”, só recebendo a intitulação de “Supremo Tri-bunal Federal” durante o Governo Provisório da República, sendo que esta nomenclatura foi substituída na Constituição de 1934 por “Corte Suprema” e foi restaurada na Constituição de 1937. Além de ser o órgão judicial brasileiro mais antigo, o Supremo Tribunal Federal encontra-se no topo da organi-zação judiciária, caracterizando-se como órgão superior (de cúpula) do poder257 (grifo do autor).

Percebe-se, portanto, que desde o Período Colonial já ha-via um modelo judiciário no qual se reconhecia o hoje Supre-mo Tribunal Federal como o mais elevado Tribunal do Impé-rio. É interessante, ainda, destacar que o STF é o órgão judicial brasileiro mais antigo, além de ser o órgão de cúpula do poder judiciário.

A Constituição Federal de 1988 trata do Supremo Tribu-nal Federal, especificamente, nos Arts. 101 a 103-A (incluído pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004).

Segundo Nathalia Masson:258 “Por representar o ápice da estrutura judiciária nacional, a Corte articula-se simultanea-mente com a Justiça Comum e com as Justiças Especiais”, ou seja, em se tratando de matérias constitucionais, o Supremo Tribunal Federal será a última instância de apreciação das deci-sões, quer elas sejam oriundas da Justiça Comum ou Especial.

O Supremo Tribunal Federal é composto por 11 minis-tros, e os requisitos para tornar-se um ministro do STF estão delineados nos Arts. 101 e 12, § 3.º, IV da CF/88): possuir na-cionalidade originária brasileira, ser brasileiro nato; ter idade

257 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 980.

258 MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador: Juspodium, 2013, p. 831.

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mínima superior a trinta e cinco anos e idade máxima inferior a 65 anos, podendo permanecer no STF até 75 anos; notável saber jurídico e reputação ilibada.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Em função desta forma de ingresso na mais alta corte judiciária do país, este cargo é con-siderado por alguns como político.

Nathalia Masson259 discorre acerca da função básica do Supremo Tribunal Federal, que conforme o texto constitucional é a guarda da Constituição. Dentre as funções específicas do STF aponta-se a apreciação de recursos como última instância do judiciário:

A função básica do Supremo Tribunal Federal é a de tutelar a Constituição da República, assim como assegurar o respeito à mesma em todo o país – conforme caput do art. 102, CF/88, a função precípua do STF é a guarda da Constituição, – o que a Corte realiza através de uma série de mecanismos. Um deles é o controle concentrado de constitucionalidade, reservado com exclusividade ao STF, num papel que tradicionalmente é confiado às Cortes Constitucionais (grifo do autor).

O Supremo, por ser uma corte constitucional, também julga originariamente ações de constitucionalidade, bem como julga infrações penais dos altos cargos de Executivo e das For-ças Armadas, entre outras que constam no Art. 102 da Consti-tuição Federal de 1988.

Observa-se, portanto, um extenso rol de competência ori-ginária do Supremo Tribunal Federal.

259 MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador: Juspodium, 2013, p. 832

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3. CONCEITOS TRANSVERSAIS AOS LIMITES JURÍDICOS DA ATUAÇÃO DO STF

No intuito de chegarmos ao ponto nevrálgico deste tra-balho, faz-se mister conhecer-se alguns conceitos transversais aos limites jurídicos de atuação do Supremo Tribunal Federal, alguns deles são: os limites jurídicos, separação de poderes e o protagonismo do Supremo Tribunal Federal.

3.1. Limites jurídicos

Ab initio faz-se premente a conceituação de limites jurí-dicos, a fim de delimitar o objeto do estudo e traçar um corte epistemológico preciso do que se está a investigar os limites ju-rídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal.

A palavra limite traz em seu significado a ideia de restri-ção ou delimitação, ou seja, ponto a partir do qual não se pode passar, no sentido de fronteira, ou que marca o fim de um de-terminado território.

A palavra jurídico significa: relacionado com o Direito, com as normas sociais que buscam expressar ou alcançar um ideal justo, mantendo e regulando a vida em sociedade.260

Conceituar limite jurídico não é tarefa fácil, tendo em vis-ta que esta expressão comporta diversos entendimentos. Con-tudo, para o estudo em tela “os limites jurídicos” à atuação do Supremo Tribunal Federal devem ser compreendidos como as restrições de direito à atuação do Supremo Tribunal Federal.

Lênio Streck no artigo denominado “O Supremo, o con-tramajoritarismo e o ‘Pomo de ouro’”261 conceitua o Direito como um conceito interpretativo, vejamos:

260 Disponível em: https://www.dicio.com.br/juridico/. Acesso em 27 de outu-bro de 2018.

261 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-jul-12/senso-incomum-stf--contramajoritarismo-pomo-ouro. Acesso em 24 de outubro de 2018.

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Direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas ins-tituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas en-contram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Ou seja, ele possui, sim, elementos (fortes) de-correntes de análises sociológicas, morais etc. Só que estas, depois que o direito está posto — nesta nova perspectiva (pa-radigma do EDD)262 – não podem vir a corrigi-lo.

Em vista disso, observa-se que para o autor o Direito não se confunde com outras Ciências Humanas, o Direito é um conceito autônomo, interpretativo e emanado das instituições jurídicas. Suas respostas encontram-se nas fontes jurídicas pri-márias, e não nas vontades individuais. Ele conversa com aná-lises sociológicas e morais, porém estas não podem corrigi-lo, uma vez que este direito já esteja posto.

3.2. Tripartição de poderes

Compreender que o Supremo Tribunal Federal possui li-mites jurídicos à sua atuação pressupõe reconhecer que este é um dos três poderes, ou uma das três funções essenciais do Po-der, e compreender, ainda o conceito de separação de poderes.

Assim, vejamos o que a doutrina de Alexandre de Mo-raes263 apresenta acerca da separação de poderes, seu viés his-tórico e filosófico:

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais,

262 EDD – Estado Democrático de Direito.

263 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33 ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 312.

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quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exer-cerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, con-sistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter rela-ções com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O espírito das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política li-beral e transformando-a em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,264 e é prevista no art. 2.º da Nossa Constituição Federal.265

A separação de poderes existe e foi concebida para evitar um super poder, e surgiu em oposição ao absolutismo.

A função precípua do Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário é, portanto, a de julgar. Devendo-se ter em mente que esta independência de poderes deve guardar harmonia entre si, resguardando, inclusive, a pos-sibilidade e necessidade de manter-se um diálogo institucional. Neste sentido, surge a teoria do sistema de freios e contrapesos.

Dimitri Dimoulis266 explica que a separação de poderes persegue o objetivo da divisão do poder e a liberdade indivi-dual de duas maneiras, impondo a colaboração e o consenso

264 Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão – “Art. 16: Toda sociedade, na qual a garantia de direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”.

265 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Le-gislativo, o Executivo e o Judiciário.

266 DIMOULIS, Dimitri. Significado e atualidade da separação de poderes. In: AGRA, Walber de Moura; CASTRO, Celso Luiz Braga de; TAVARES, André Ra-mos. Constitucionalismo. Os desafios no terceiro milênio. Belo Horizonte: Forum, 2008, p 145-146.

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de autoridades estatais na tomada de decisões, e estabelecendo mecanismos de fiscalização e responsabilização recíproca dos poderes estatais:

[...] na base da separação de poderes encontra-se a tese da existência de nexo causal entre a divisão do poder e a liberda-de individual. A separação dos poderes persegue esse objetivo de duas maneiras. Primeiro, impondo a colaboração e o con-senso de várias autoridades estatais na tomada de decisões. Segundo, estabelecendo mecanismos de fiscalização e respon-sabilização recíproca dos poderes estatais, conforme o dese-nho institucional dos freios e contrapesos (grifo do autor).

Disto denota-se que o desenho institucional do sistema de freios e contrapesos existe para estabelecer mecanismos de fis-calização e responsabilização entre os poderes.

O sistema de separação de poderes pode ser percebido em diversas constituições contemporâneas, dentre elas, a Portu-guesa. Canotilho,267 a respeito do sistema de freios e contrape-sos, explicita o porquê de sua existência:

a) O princípio como directiva fundamental Independentemente da discussão em torno da fundamen-tação «empírica» e «categorial» (apriorística) da «divisão de poderes» parece poder dizer-se que o texto constitucional português fixou como directiva fundamental da organização do poder político: (1) a separação das funções estaduais e a atribuição das mesmas a diferentes titulares (separação fun-cional, institucional e pessoal); (2) a interdependência de fun-ções através de interdependências e dependências recíprocas (de natureza funcional, orgânica ou pessoal); (3) o balanço ou controlo das funções, a fim de impedir um «super-poder», com a consequente possibilidade de abusos e desvios. Pode afirmar-se

267 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 687-688

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que também entre nós este «príncipe d’art politique» tem sub-jacente a ideia de «constituição mista», a máxima política do «divide e impera» e a exigência de freios e contrapesos («cheks and balances», «le pouvoir arrêt le pouvoir») (grifo nosso).

Destarte, o princípio da separação de poderes visa justa-mente impedir a existência de um super poder, mitigando a possibilidade de abusos e desvios, devendo, para tanto, se utili-zar do sistema de freios e contrapesos.

3.3. O Neoconstitucionalismo e o protagonismo do Supremo Tribunal Federal

O Neoconstitucionalismo é uma nova perspectiva consti-tucional, ideia surgida no início do século XXI, e que importa a máxima efetividade da Constituição. Luis Roberto Barroso, no artigo “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil”268 elenca os marcos histórico, filosófico e teórico do neoconstitucionalismo:

O neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito consti-tucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de di-reito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse

268 Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e--constitucionalizacao-do-direito/1>. Acesso em 28/out./2018

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conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e pro-fundo de constitucionalização do Direito.

Pois bem, para este estudo é interessante destacar o marco teórico do Neoconstitucionalismo: a força normativa da Cons-tituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvi-mento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, isto porque, com base neste marco teórico neoconstituciona-lista, se dá atualmente a atuação do Supremo Tribunal Federal.

É importante também destacar que, no Brasil, o Neocons-titucionalismo se implementeou com a promulgação da Cons-tituição de 1988, em meio à reconstitucionalização do país. Daí decorre, para alguns doutrinadores latino-americanos, que a Constituição Brasileira de 1988 não seria neoconstitucionalis-ta, mas, ainda, seria um marco para o Novo Constitucionalismo Latino Americano, mas isto é discussão para outro trabalho:

No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vi-cissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedi-da, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democráti-co de direito269 (grifo nosso).

A Constituição de 1988 foi um marco histórico para o re-gime democrático, e com ela inaugurou-se um novo momento para a ordem jurídica brasileira. Agora, a Constituição não é mais só um norte pouco efetivo da produção de leis do país, ela

269 Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e--constitucionalizacao-do-direito/3>. Acesso em 28/out./2018.

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representa a ordem máxima brasileira, e disto decorre, ainda, a ideia de supremacia da Constituição.

Por conseguinte, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, passou a exercer seu papel de Tribunal Constitu-cional de forma mais robusta, isso se dá em decorrência da am-pliação das ações constitucionais com a Constituição de 1988 e do acesso mais fácil ao Judiciário.

Para Barroso,270 o neoconstitucionalismo floresceu no ambiente filosófico de pós-positivismo, e no plano teórico as mudanças paradigmáticas do reconhecimento da força norma-tiva da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional potencializou-se a importância do debate na teoria constitucional acerca do equilíbrio que deve haver entre supremacia constitucional, interpretação judicial da Constitui-ção e processo político majoritário:

O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo de-senvolveu-se na Europa, ao longo da segunda metade do sé-culo XX, e, no Brasil, após a Constituição de 1988. O ambien-te filosófico em que floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expan-são da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional.Tal fato potencializa a importância do debate, na teoria cons-titucional, acerca do equilíbrio que deve haver entre supre-macia constitucional, interpretação judicial da Constituição e processo político majoritário. As circunstâncias brasileiras, na quadra atual, reforçam o papel do Supremo Tribunal Federal, inclusive em razão da crise de legitimidade por que passam o Legislativo e o Executivo, não apenas como um fenômeno

270 Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e--constitucionalizacao-do-direito/3>. Acesso em 28/out./2018.

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conjuntural, mas como uma crônica disfunção institucional (grifo nosso).

Barroso comenta, nesse texto, que as circunstâncias bra-sileiras reforçam o papel do Supremo Tribunal Federal, dada a crise de legitimidade pela qual passam o Legislativo e o Exe-cutivo. É válido ressaltar que este texto foi escrito há mais de uma década, e nesta época, o autor ainda não era ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos anos, vimos o STF decidir sobre questões re-lativas ao aborto de anencéfalos, união homoafetiva e a mais recente e polêmica dessas questões, que foi a prisão em segunda instância. Tais decisões são citadas apenas para demonstrar que sob a ideia do neoconstitucionalismo e ainda, da força normati-va da Constituição, a atuação do Supremo é cada vez mais forte, abrangente e de certa forma ilimitada.

Verifica-se, pois, uma atuação do STF deveras protagoni-zada. Lênio Streck, no artigo “O ativismo judicial existe ou é imaginação de alguns?”,271 chama a atenção para o Poder Judi-ciário, em geral, como tendo um protagonismo acentuado, cha-mando isto de fenômeno de juristocracia ou judiciariocracia:

Vamos discutir isso, então. Ativismo e judicialização são te-mas que frequentam as grandes discussões da teoria jurídica brasileira. O acentuado protagonismo do Poder Judiciário vem despertando, não só no Brasil, um conjunto de pesquisas que buscam a explicação desse fenômeno. Nesse sentido, a forma-ção de uma “juristocracia” (ou judiciariocracia) — chamemos assim a esse fenômeno — não pode ser analisada como uma consequência exclusiva da vontade de poder (no sentido da Wille zur Macht, de Nietzsche) manifestada pelos juízes, mas, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração a intrincada relação interinstitucional entre os três poderes. Em síntese, to-

271 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-jun-13/senso-incomum-a-tivismo-existe-ou-imaginacao-alguns>. Acesso em 24/out./2018.

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das essas questões apontam para um acentuado protagonismo do Poder Judiciário no contexto político atual (grifo nosso).

Lênio Streck, aponta para os riscos do ativismo judicial da forma como vem sendo realizado, como uma verdadeira amea-ça à democracia:

Claro, em tempos de ativismo judicial desenfreado (...), ins-taura-se uma espécie de império da vontade, no sentido da Wille zur Macht. O ativismo deita suas raízes no utilitarismo supostamente moral e na vontade de poder de quem o prati-ca, algo muito perigoso ao regime democrático.

A violação à Constituição é sempre uma ameaça à democra-cia. O senso comum — sempre pragmati(ci)sta — costuma pensar a Democracia como sendo um processo cujo fim é a sua conquista, ou como algo do qual a coletividade se apro-pria. Não é visto tal qual é: uma relação, sempre instável e su-jeita a altos e baixos, a avanços e retrocessos, a continuidades ou rupturas. Nossa história mostra isso. A democracia precisa ser vista numa perspectiva histórica e de lutas políticas.

Verifica-se, portanto, que na visão de Streck, o protago-nismo do judiciário, consubstanciado pelo ativismo judicial de-senfreado é uma ameaça à democracia por não ser pautado no Direito, mas em argumentos metajurídicos, sendo considerado por ele como uma tentativa de moralização do Direito:

Ao que me parece, o que há nos “argumentos metajurídicos” é, na verdade, uma tentativa de “moralização do Direito”. Aposta-se no protagonismo judicial, considerado como ine-vitável (conforme Kelsen já dizia). Mas o fato do intérprete atribuir o sentido não quer dizer que ele possa, sempre, dar o sentido que lhe bem convier (como se houvesse uma separa-

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ção integral entre texto e norma e como se estes tivessem exis-tências autônomas) e deixar de lado o texto constitucional.272

De fato, a utilização de argumentos metajurídicos confun-de a utilização de critérios jurídicos e envereda-se pela mora-lização do Direito. O autor destaca que atribuir sentido (à sua decisão) não significa atribuir o sentido que melhor lhe convier, deixando de lado o texto constitucional.

Por outro lado, Barroso, em uma conferência na New York University para discutir o papel das cortes constitucionais no mundo contemporâneo, na qual participou em 2015,273 susten-tou que o Supremo Tribunal Federal desempenha três papéis distintos: contramajoritário, representativo e iluminista.

Destacam-se entre os papéis, que na concepção de Barro-so, deve desempenhar o STF, o representativo e o iluminista são os que merecem maior destaque.

Observa-se o que explana o ministro acerca do papel re-presentativo: “Isso ocorre quando atuam para atender deman-das sociais que não foram satisfeitas a tempo e a hora pelo Po-der Legislativo, bem como para integrar (completar) a ordem jurídica em situações de omissão inconstitucional do legisla-dor”. O papel iluminista segundo Barroso se funda na ideia de que as cortes constitucionais:

Devem promover, em nome de valores racionais, certos avan-ços civilizatórios e empurrar a história. São decisões que não são propriamente contramajoritárias, por não envolverem a invalidação de uma lei específica; nem tampouco são repre-sentativas, por não expressarem necessariamente o sentimen-to da maioria da população.

272 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-set-05/senso-incomum--supremo-nao-guardiao-moral-nacao>. Acesso em 24/out./2018.

273 Disponível em: <Judicialização não se confunde com ativismo judicial, afir-ma Barroso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-07/judicializa-cao-nao-confunde-ativismo-judicial-barroso>. Acesso em 26/out./2018.

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Da breve análise destas duas proposições, do papel repre-sentativo e iluminista que devem desempenhar as cortes cons-titucionais, identifica-se que o liame entre as decisões pautadas unicamente no Direito e análises que se confundem com deci-sões metajurídicas é muito frágil.

Não se pode olvidar que o STF é o órgão máximo, de cú-pula do Judiciário, e deve manter suas decisões pautadas na Constituição, por ser seu guardião, em consonância com o tex-to Constitucional.

Assim, o protagonismo judicial que se instituiu na atua-lidade confunde-se com uma atuação além das funções do Ju-diciário. Trata-se de uma atuação pautada em critérios morais, filosóficos e de clamor social, ou seja, não são decisões pauta-das em critérios estritamente de Direito. Daí surge o questio-namento principal deste trabalho: Quais os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Federal?

4. QUAIS OS LIMITES JURÍDICOS À ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

Consoante a ideia de Lênio Streck, a Constituição deve constituir-a-ação, ou seja, dela se deve pautar a ideia de justiça e direito. Observemos o que o autor fala sobre isso: “Escrevi há quase 30 anos a seguinte frase: a Constituição deve constituir--a-ação. Fora dela, é o caos. E o conceito de caos é: “Depois do primeiro tiro, ninguém mais sabe quem está atirando”.274

Pois bem, o problema no qual se insere o questionamento relativo aos limites jurídicos da atuação da Suprema Corte Bra-sileira se dá em virtude de sua atuação hodierna. Identificam--se verdadeiras “manobras jurídicas” para justificar algumas decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal, as quais não demonstram pleno respeito à Constituição, mas sim um aten-

274 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-25/senso-incomum--estado-policial-comecou-chover-serra>. Acesso em 24/out./2018.

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dimento ao clamor social, ou como coloca o ministro Barroso, demonstra um papel representativo e iluminista do STF.

Ora, em críticas tecidas ao STF, Lênio Streck traz a lume diversos questionamentos acerca da legitimidade das decisões prolatadas, apontando, inclusive, que o Supremo não seria o guardião da Constituição, como tão comumente difundido. Afinal, a interpretação que tem se dado a algumas questões constitucionais, perpassam as questões de Direito para encon-trar fundamentações unicamente em critérios morais.

Ademais, acentua-se que o Supremo Tribunal Federal, ao suplantar a atuação dos demais poderes, incorre em usurpação de poderes, pois ao decidir em seu papel representativo e ilu-minista, atendendo à clamores sociais, não se atendo à letra da Constituição e utilizando-se de argumentos metajurídicos, ou unicamente sociais ou morais, acaba muitas vezes por decidir ao contrário do texto Constitucional.

Deste modo, o Supremo Tribunal Federal deve decidir com base em argumentos unicamente jurídicos, ou seja, os li-mites jurídicos ou as restrições de direito à atuação do Supremo Tribunal Federal devem ser a Constituição, e, ainda, outras fon-tes jurídicas de direito posto.

Assim sendo, deve-se retomar a ideia de Streck do Direito como sendo um conceito interpretativo “emanado pelas insti-tuições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encon-tram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios cons-titucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador”.

Portanto, não se pode conceber que o Supremo Tribunal Federal decida com base em argumentos metajurídicos, de-vendo ater-se a decisões fulcradas em argumentos jurídicos. Streck275 defende as razões pelas quais o Judiciário (e desta feita principalmente o STF) deve decidir somente com base em ar-gumentos jurídicos:

275 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-set-05/senso-incomum--supremo-nao-guardiao-moral-nacao>. Acesso em 24/out./2018.

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Mas por que decidir somente com base em argumentos ju-rídicos? Porque a sociedade tem uma garantia: o respeito à Constituição. Ninguém está acima dela. Ela é o norte do regi-me democrático porque condiciona todos a um regramento único. Assim, sem o respeito a argumentos jurídicos na deci-são judicial, o aplauso de hoje pode se tornar o seu grito de horror do amanhã.

Decidir com base em argumentos jurídicos, não imbuí-dos, apenas, em critérios morais ou de clamor social, confere à sociedade a garantia do respeito à Constituição e ao regime democrático.

Não se pode, nesta ótica, se afastar do Direito, e permitir que decisões jurídicas sejam substituídas por juízos morais ou polí-ticos, pois isto coloca em risco a própria democracia brasileira:

Ilegalidade é ilegalidade. Não tem cor, sexo, sabor, ideologia. Se aceitarmos que o Direito seja substituído por juízos morais ou políticos, não mais teremos Direito. Um turbilhão de ilega-lidades e inconstitucionalidades está colocando em risco a de-mocracia brasileira. Estamos à beira de um Estado policial (se já não estamos). Há uma tempestade perfeita para uma dita-dura judicioministerial (que pode redundar em outro tipo).276

Os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribunal Fede-ral encontram guarida no próprio texto constitucional, nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos prece-dentes que tenham DNA constitucional.

276 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mai-25/senso-incomum--estado-policial-comecou-chover-serra>. Acesso em 24/out./2018.

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5. CONCLUSÃO

O STF é órgão de cúpula do Poder Judiciário, e é também o guardião da Constitução. As contendas envolvendo direitos constitucionais podem ser apreciadas em última instância pela Corte Suprema brasileira, e ainda, em algumas hipóteses, pos-sui competência originária para julgar e processar as ações de inconstitucionalidade e constitucionalidade, além das demais elencadas no Art. 102, I da CF/88.

O Supremo, por ser órgão do Poder Judiciário, e de acordo com o princípio da separação de poderes, alicerçado no insti-tuto do sistema de freios e contrapesos, possui como função principal julgar.

Deve-se destacar que a partir do movimento do Neo-constitucionalismo, que trouxe como marco teórico o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimen-to de uma nova dogmática da interpretação constitucional, o Supremo Tribunal Federal ganhou força e passou a atuar mais veementemente, tornando sua atuação mais protagonizada no contexto político atual.

A partir da atuação mais proativa no Poder Judiciário, em especial nas decisões polêmicas recentes, que envolvem ques-tões como o aborto de anencéfalos, a união homoafetiva, entre outras, o STF tomou uma postura que reverberou na atuação dos outros poderes.

Entretanto, a ideia de protagonismo judicial, na qual se as-sumem papéis representativo e iluminista, indicam decisões ati-vistas do STF, que tomam por base argumentos metajurídicos ao revés de argumentos jurídicos, com base unicamente no Direito.

Destaca-se, pois, que decisões tomadas com base em argu-mentos morais ou de clamor social demonstram uma ameaça à democracia, tendo em vista que não consideram a garantia do respeito ao texto constitucional, pois deixados ao sabor do julga-dor, sendo o Direito substituído por juízos morais ou políticos.

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Portanto, os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribu-nal Federal devem ser decisões pautadas em critérios exclusivos de Direito, ou seja, no próprio texto constitucional, nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO XIII

CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS: MÉTODOS DE SOLUÇÃO

Nilcinara Huerb de Azevedo277

1. INTRODUÇÃO

O Neoconsitucionalismo marcou uma importante etapa para a história da democracia brasileira, ao conferir primazia à Constituição Federal de 1988, cujos valores material e axiológi-co reverberam por todo o ordenamento jurídico.

As normas constitucionais, sejam elas regras ou princípios, devem estar compatibilizadas e integradas, de modo a garantir a sistematização e unidade constitucional. No entanto, em que pese a existência de uma sociedade pluralista como a que esta-mos inseridos, cujos valores por vezes caminham em sentido contrapostos, não torna impossível a colisão entre determina-dos direitos fundamentais. Do mesmo modo, que não obsta a conflituosidade aparente entre regras, quer sejam derivadas no âmbito do poder constituinte originário ou reformador. Assim, ao se deparar com tais hipóteses de conflitos, caberá ao intér-prete, utilizando-se de determinados mecanismos, direcionar a sua atividade no sentido de harmonizar o corpo normativo; e, por conseguinte garantir a resultado mais justo para o processo.

A problemática que envolve essa pesquisa reside em ve-rificar: De que maneira o juiz pode conferir a melhor solução no caso concreto, de modo a albergar a máxima efetividade do texto constitucional?

277 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazo-nas (UEA), advogada.

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2. NEOCONSTITUCIONALISMO E A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO

O papel atribuído à Constituição foi manifestamente modificado no decorrer do tempo. Pautado inicialmente num constitucionalismo liberal, cuja característica orientava-se pri-mordialmente “nos aspectos de organização do Estado e na proteção de um elenco ilimitado de direitos da liberdade”,278 a partir da estruturação do cenário implementado após a Primei-ra Guerra Mundial e que teve continuidade até o fim da Segun-da Guerra, houve a necessidade do fortalecimento de políticas sociais, uma vez que a permanência de um Estado inerte de aspectos totalitários motivou cada vez mais o aumento das de-sigualdades sociais.279

Assim, mais do que limitar o poder político e de “reco-nhecer e garantir os direitos e liberdades do indivíduo”,280 fez-se essencial a intercessão estatal por meio de condutas positivas, com o fim de assegurar a igualdade material entre os indiví-duos. Tal circunstância erigiu, portanto, como o motivo enseja-dor do denominado constitucionalismo social.

A partir dessa conjuntura, que foi marcada essencialmente pelo declínio dos regimes totalitários e a salvaguarda dos cida-dãos contra condutas arbitrárias outrora perpetradas pelo ente político ou demais detentores do poder, passaram a ser delinea-

278 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 111.

279 SILVA, Tatiana Mareto. O constitucionalismo Pós-Segunda Guerra Mundial e o crescente ativismo judicial no Brasil: uma análise da evolução do papel do Poder Judiciário para a efetivação das constituições substancialistas. Revista de Teorias do Direito e Realismo Jurídico. v. 2 , nº 1, p. 270-288, jan/jun, 2016.

280 CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 48.

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das as bases do neoconstitucionalimo, que, segundo Padilha,281 apresenta como principais atributos:

a) o reconhecimento da força normativa dos princípios jurí-dicos e a valorização da sua importância no processo de apli-cação do direito, sendo este principialismo o lócus da junção;b) atenção maior à ponderação do que à simples subsunção;c) omissis;d) omissis;e) estatalismo garantista, fazendo com que a democracia se dê no direito e a partir do direito;f) a onipresença da Constituição, ou seja, a irradiação das normas e valores constitucionais para todos os ramos do di-reito (constitucionalização do direito).

A força normativa da Constituição, nesse panorama, re-monta a um período relativamente recente da história brasileira com a derrocada do regime militar e o processo de redemocra-tização por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988.282 Em linhas gerais, corresponde à ideia de que a ordem constitucional, “além de instituir e organizar os poderes do Es-tado, reflete uma autolimitação da vontade popular que deverá manifestar-se com estrita observância dos balizamentos nela traçados”.283 É, com isso dizer, que as normas constitucionais assumiram a posição central de todo o ordenamento jurídico, não somente no que diz respeito ao seu aspecto formal, como também no que tange à questão material, axiológica, de ma-neira que toda a legislação infraconstitucional necessariamente deve passar pelo processo de “filtragem constitucional”.

281 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 45-46.

282 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 112.

283 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo, Saraiva: 2015, p. 73.

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Logo, pautada num viés democrático, os dispositivos ju-rídicos encontram-se alicerçados aos valores emanados pelo Estado frente às forças sociais que sobre ele atuam, por meio de um sistema aberto de princípios e regras.

3. ANTINOMIAS: ANÁLISE DA PROBLEMÁTICA NA ORDEM CONSTITUCIONAL

Vocábulo de origem grega, formado pela junção das pala-vras anti (contraposto) e nomos (normas), as antinomias repre-sentam, de acordo com as lições de Diniz,284 “a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada no caso singular” ou tal como identifica Bobbio,285 ocorre quando dois ou mais dispositivos, diante das idênticas circunstâncias de fato acabam por suscitar consequências con-traditórias entre si, dificultando, pois, sua compatibilidade no sistema jurídico.

Com efeito, tais conflitos decorrem de deficiências no pla-no lógico sistemático, uma vez que o pressuposto ideal consiste justamente na ideia de coesão e unidade material dos dispositi-vos normativos. Nesse sentido, aponta Garcia:286

A exemplo da redundância normativa, das lacunas e da inoperância de certas normas, podem ser consideradas de-feitos lógicos dos sistemas jurídicos, apontando para a inob-servância de certos referenciais de racionalidade que devem estar presentes nesses sistemas, como é o caso da coerência, da economicidade e da operatividade.

284 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 19.

285 BOBBIO, Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Trad: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: Universidade de Brasília, 1995, p. 82.

286 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo, Saraiva: 2015, p. 285.

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Limitando o cerne desta pesquisa à questão dos conflitos entre normas constitucionais, tem-se que a Constituição Fede-ral por assumir o mais alto degrau de todo o arcabouço jurídi-co, porquanto dotada de supremacia formal e material, garante unidade e coerência a todo o sistema.287 Assim, ao passo que sob a ótica interna a Carta Magna preserva a harmonia dos preceitos que a integram, no que concerne ao prisma externo, ela visa assegurar o processo de criação e validade das demais espécies normativas.288

A unidade constitucional, à vista disso, compreendida como um dos princípios instrumentais de interpretação cons-titucional, funciona como um importante vetor de combate às antinomias, posto que possibilita “a integridade do sistema e contribui para a solução das contradições nele existentes”,289 obstando, dessa forma, possíveis incongruências.

Conquanto despontem na doutrina teorias negando a existência de conflitos entre normas constitucionais,290 estas constituem posições minoritárias. uma vez que ajustado a um modelo de sociedade pluralista, como a que vigora atualmen-te, donde vigoram valores e ideologias de mesma relevância e que por vezes se contrapõe quando da resolução de um caso concreto, aludidas divergências mostram-se inevitáveis, motivo por qual, não se faz consistente negá-las.

Quanto aos motivos ensejadores dos conflitos, Garcia elenca três principais causas,291 a saber:

287 BERCOVICI, Gilberto. O princípio da unidade da Constituição. Revista de informação legislativa (Brasília), a. 37, nº 145, jan/mar 2000, p. 95-99.

288 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 110.

289 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 110.

290 GUEDES, Néviton. A ponderação e as colisões de normas constitucionais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-dez-10/constituicao-poder--ponderacao-colisoes-normas-constitucionais>. Acesso em 28/out./2018.

291 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 296.

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a) edição de constituições compromissárias, nas quais ideo-logias distintas se mantêm abrigadas sob uma única e mesma unidade sistêmica;b) má técnica legislativa, manifestando-se especificamente no exercício do poder reformador; c) necessidade de coexistência de normas potencialmente conflitantes, como ocorre com aquelas que consagram os di-reitos fundamentais.

Conforme se denota, os anseios e valores sociais que emergem dentro de um cenário democrático contribuem, mor-mente para a manifestação dos supracitados antagonismos nor-mativos, de modo que não há que se falar na supressão desses, mas tão somente na sua resolução, que ocorrerá com o auxílio de técnicas de interpretação hermenêutica, ponderação de bens e valores e, consequentemente, na obediência a uma gama de princípios, tais como: o princípios da dignidade da pessoa hu-mana, segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade.

Ademais, o conflito entre normas constitucionais pode ser verificado em dois planos: 1) no interior de um mesmo sistema constitucional ou denominado plano intrasistêmico, cujas anti-nomias são erigidas com a própria edição da Constituição por ato do poder constituinte originário ou ainda por ato do poder constituinte reformador, por meio do qual garante a possibili-dade de modificação do texto constitucional, seja por meio de alterações formais ou não formais; bem como 2) no plano in-tersistêmico donde as hipóteses de divergências são verificadas entre sistemas constitucionais distintos, estando, nesse caso, condicionado ao Direito Internacional Privado.

Considerando o caráter fundante e unitário da Carta Magna, por meio do qual assevera que os dispositivos jurídicos devem ser integrados e harmonizados, as possíveis antinomias suscitadas serão do tipo “aparentes” ou solúveis, conceituadas em simples análise como aquelas cujos “critérios para solucio-

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ná-las forem normas integrantes de ordenamento jurídico”,292 não sendo, pois, necessário recorrer à edição de uma nova nor-ma ou mesmo aos métodos de integração normativa, como aqueles conferidos no Art. 4.º da LICC.

Não havendo a pretensão de esgotar o tema, haja vista a vastidão de detalhes que da problemática exsurgem, o cerne da pesquisa restará centrado na análise do conflito de antinomias entre normas constitucionais no plano intrasistêmico, bem como na apreciação de casos que envolvam o conflito entre princípios e entre regras constitucionais, para o fim de identifi-car-se, consequentemente, os métodos de solução empregados nas lides postas à apreciação judicial.

4. CONCORDÂNCIA ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS: ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS DE INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA E MÉTODOS DE SOLUÇÃO

Partindo do pressuposto da unidade constitucional, por meio da qual sustenta que os dispositivos normativos devem ser harmonizados e integrados, de modo a evitar possíveis con-flitos e, assim garantir um sistema coeso, cumprirá ao intér-prete, com observância dos limites que lhes forem impostos, valer-se dos mecanismos de interpretação constitucional para solucionar aquelas hipóteses de antinomias quando da resolu-ção do caso concreto.

Cumpre salientar que as normas constitucionais também são espécies de normas jurídicas, dotadas, no entanto, de cer-tas particularidades que lhes caracterizam, tais como as indi-cadas por Luís Roberto Barroso:293 “a) a superioridade jurídica;

292 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 25.

293 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 339.

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b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico, d) o caráter político”, bem como pela abertura, uma vez que se valem com frequência de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indetermi-nados. Dessa forma, para que seja conferida efetividade aos preceitos constitucionais, a norma de decisão do jurista deve pautar-se em valores tais como a igualdade, moralidade e se-gurança, a fim de que possa conferir o melhor deslinde à de-manda. Nesses termos, acentua o mesmo autor, evidenciam-se como importantes princípios instrumentais de interpretação constitucional: o Princípio da Supremacia Constitucional, o Princípio da Unidade da Constituição, o Princípio da Interpre-tação conforme à Constituição, o Princípio da Harmonização (ou Concordância Prática); o Princípio da Máxima Efetividade e, por fim, o Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade.

De acordo com o princípio da supremacia constitucio-nal, do qual se dispõe que nenhum ato jurídico deve remanes-cer validamente conquanto não esteja em consonância com a Constituição, são viabilizados dois mecanismos de controle ju-dicial dos atos normativos, quer pela via incidental, “pela qual a inconstitucionalidade de uma norma pode ser suscitada em qualquer processo judicial, perante qualquer juízo ou tribunal, cabendo ao órgão judicial deixar de aplicar as norma indigitada ao caso concreto, se considerar fundada a arguição”294 ou pela via principal, por meio da qual os legitimados ativos do Art. 103 da CRFB/88 podem dar ensejo a uma ação no STF, da qual findará pela declaração de constitucionalidade ou inconstitu-cionalidade da lei ou ato em questão.

O Princípio da Unidade Constitucional, concebido como pressuposto crucial ao processo de criação normativa e à pró-pria atividade interpretativa, mostra-se vinculado diretamente ao Princípio da Harmonização. Para tanto, nutre a ideia de que as normas constitucionais, isto é, os princípios e as regras, “não

294 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.340.

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podem, nunca, ser tomadas como elementos isolados, mas sim, como preceitos integrados que formam um sistema interno unitário”.295

Pelo Princípio da Interpretação conforme à Constitui-ção,296 por sua vez, tem-se que, ao se defrontar o intérprete com atos normativos primários que possibilitem mais de uma forma de interpretação, o mesmo deve empregar aquela que melhor se coadune com os preceitos constitucionais.

No que tange ao Princípio da Harmonização,297 também denominado de Concordância Prática, considerando a inexis-tência de hierarquia entre os bens jurídicos tutelados, busca-se harmonizá-los, de forma que não haja a supressão de um di-reito em prol do outro. A aludida concordância é auferida por meio do critério da ponderação.

Por outro lado, pelo Princípio da Máxima Efetividade,298 também reconhecido como Princípio da Eficiência, determina--se que a interpretação conferida à norma constitucional deve ser aquela dotada de maior eficácia. Muito embora sua acepção inicial esteja relacionada à ideia de norma programática, a mo-dalidade em questão assume grande destaque frente a toda es-pécie de norma constitucional, tendo em vista o valor prestado aos direitos fundamentais. Nesse diapasão, é de competência do intérprete assegurar, dentre as diversas formas de interpreta-ções, a que se mostre mais condizente com “a atuação da vonta-de constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que

295 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador: JusPODVM, 2017, p. 179.

296 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 88-89.

297 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 134.

298 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 134.

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se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador”.299

Por fim, no que se refere ao Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade, concebidos nessa acepção como sinô-nimos, devem ser assegurados os mecanismos necessários, de maneira a se obter os fins estabelecidos na Constituição. Assim, valendo-se do entendimento que o princípio ora analisado é de crucial importância para a resolução de lides que envolvam a colisão de direitos fundamentais,300 o Judiciário pode invalidar atos administrativos ou legislativos, quando verificadas as se-guintes hipótese: quando não houver compatibilidade entre o fim desejado e o meio empregado para tanto; quando a medida empregada não for adequada ao fim ou quando sopesados as vantagens e desvantagens de uma determinada situação, as pri-meiras não forem capazes de superar as segundas.

Nessa perspectiva, devendo o intérprete constitucional, quando da condução de sua atividade, pautar-se rigorosamente pela concretização dos aspectos axiológicos assegurados pelo Estado Democrático de Direito, em se deparando com even-tuais conflitos normativos, seja referente à natureza de princí-pios ou de regras, conduzirá a questão da seguinte forma: na hipótese de antagonismos da primeira espécie, isto é, entre princípios, por estar vinculado ao plano de aplicação, o método a ser empregado será o da ponderação, por meio do qual, ali-nhavados às especificidades do caso, será empregue uma deci-são de preferência entre os bens envolvidos.301

Por outro lado, sendo verificadas antinomias entre regras, pelas quais estão inseridas dentro do plano de validade, são

299 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 346.

300 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 2016.

301 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 108.

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aventadas duas possíveis soluções,302 conforme enfatizado por Garcia. Na primeira, “deve ser identificada a regra que será con-siderada válida, operação que exige a aferição da inter-relação entre as regras contraditórias, sendo direcionada pelos clássi-cos critérios cronológico, hierárquico e de especialidade” e na segunda compreenderá a “técnica da interpretação ab-rogante, derrogante ou corretiva”.

5. REGRAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Produto da ascensão neoconstitucionalista, a Constitui-ção Brasileira de 1988 assumiu um papel protagonista no sis-tema jurídico, diferentemente do que já havia sido conferido aos diplomas que lhes antecederam. Mais do que impor limites à atuação do legislador, ela passou a constituir “um programa positivo de valores que devem ser concretizados”.303

Dessa forma, o ideal positivista clássico, por meio do qual concebia o sistema jurídico uma estrutura fechada e autossu-ficiente, pautado num “sistema de regras” com fulcro na segu-rança jurídica, foi suplantado pela percepção de que a ordem jurídica está fundada num sistema aberto, “sensível aos influxos axiológicos do meio social que é diretamente influenciada pela realidade”304; e, assim, com a proeminência do denominado “Es-tado Constitucional de Direito”305 a carga material/valorativa no contexto democrático passou a ganhar maior importância:

302 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2 ed. São Paulo, Saraiva: 2015, p. 111.

303 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentia, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2011, p. 88.

304 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo, Saraiva: 2015, p. 215.

305 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 94.

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Nessa senda, os princípios abandonam sua função meramen-te subsidiária na aplicação do Direito – quando serviriam tão somente de meio de integração da ordem jurídica (na hipóte-se de eventual lacuna) e vetor interpretativo – e passam a ser dotados de elevada e reconhecida normatividade.306

Nessa esteira, sendo reconhecida a força normativa dos princípios, estes, assim como as regras, passam a ser concebi-dos como espécies do gênero normas. Ambos, regras e princí-pios, possuem elevado grau de imperatividade, isto é, os seus ditames devem necessariamente ser observados, caso contrário estar-se-á incorrendo em atos injurídicos, passíveis, para tanto, da devida sanção.

No que tange aos aspectos que os diferenciam, estes ga-nharam maior corpo a partir dos estudos de Robert Alexy e Ronald Dworkin.

Numa breve análise, tem-se que conquanto as regras cor-respondam a dispositivos que expressam comandos objetivos, que se esgotam em si mesmas, seja por meio de uma permis-são ou uma proibição, tais como, os elencados no Art. 49, que elenca as atos de competência exclusiva do Congresso Nacional ou o Art. 84, do qual dispõe acerca das atribuições do presiden-te da República; os princípios, por sua vez, não determinam expressamente o que fazer, mas exprimem decisões políticas fundamentais, tais como, o Estado Democrático de Direito e a Federação; valores, traduzidos numa concepção ética, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade; bem como fins públicos a serem concretizados, como é o caso daquele que manifesta a erradicação da pobreza.307 Como se

306 DUTRA, Luciano. Direito Constitucional Essencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 95.

307 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 243.

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denota, estes não apresentam um suporte fático, mas são deter-minados quando da hipótese do caso concreto.308

Ademais, enquanto as regras309 correspondem a manda-mentos, das quais são predeterminados os efeitos almejados, sem haver, portanto, ingerência significativa do intérprete quando no processo de concessão de seu sentido ou em caso de sua aplicação; os princípios,310 por outro lado, estabelecem comandos de otimização ou estados ideais, vez que não dispõe exatamente a forma como pretendem ser praticados, há, no en-tanto, uma quantidade ímpar de condutas que podem a vir con-cretizá-los, nesse sentido, “princípios são normas predominan-temente finalísticas, e regras são normas predominantemente descritivas”.311

Por derradeiro, outra característica que os distingue está pautado no modo de aplicação. Por serem as regras dotadas de pretensão de exclusividade, caso seja verificada sua hipótese de incidência, deverá ser aplicada em detrimento da outra, não ha-vendo, assim que se falar em harmonização de duas regras contra-ditórias. Nesse diapasão, uma regra só pode deixar de ser aplicado em determinado caso seja invalidada ou outra lhe excepcione. Nessa conjuntura, deverão ser aplicados os critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas: hierárquico (lei superior der-roga a inferior); cronológico (lei posterior derroga a anterior) e o de especialidade (lei especial prevalece sobre a geral).

308 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentia, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2011, p. 91.

309 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 244.

310 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fun-damentia, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 94.

311 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Sa-raiva Educação, 2018, p. 244-245.

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Em caso de colisões principiológicas312, de outra forma, dependerá da análise do caso concreto, uma vez que diferen-temente das regras, estes não estão remetidos ao plano de vali-dade. Nesse sentido, por apontarem em sentidos opostos, mas de mesmo valor jurídico, deverão ser sopesados, por meio do Critério da Ponderação.

Em suma, as diferenças entre as aludidas espécies norma-tivas são pormenorizadas em três principais aspectos313, quais sejam: quanto ao conteúdo, à estrutura normativa e ao modo de aplicação:

a) Quanto ao conteúdo: regras são relatos objetivos descri-tivos de condutas a serem seguidas; princípios expressam va-lores ou fins a serem alcançados;b) Quanto à estrutura normativa: regras se estruturam, normalmente no modelo tradicional das normas de conduta: previsão de um fato – atribuição de um efeito jurídico; princí-pios indicam estados ideais e comportam realização por meio de variadas condutas;c) Quanto ao modo de aplicação: regras operam por via de enquadramento do fato no relato normativo, com enuncia-ção da consequência jurídica daí resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção; princípios podem entrar em rota de co-lisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados median-te ponderação

Portanto, com vistas a garantir a máxima efetividade do texto constitucional, e, principalmente a dignidade da pessoa hu-mana, posto ser esta a pedra angular de todo o ordenamento jurí-

312 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fun-damentia, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 96.

313 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 243

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dico, caberá ao intérprete dotado de sua função criativa, valer-se dos mecanismos que garantam justiça no deslinde da causa.

6. ANÁLISE DE CASOS

6.1 Conflito entre princípios (direitos fundamentais)

Tal como exposto oportunamente, o processo neocons-titucional instaurado no Brasil, conferiu as bases para a pro-mulgação da nova Constituição Federal, alinhavada a valores sociais, outrora preteridos. Nesse sentido, em que pese uma ordem jurídica plural, pautada numa gama de bens e valores, por vezes contrapostos entre si, decerto implicará em casos que merecerão a análise apurada do magistrado.

Conquanto não existam direitos fundamentais absolutos, havendo o conflito entre as aludidas normas consittucionais, a solução pautar-se-á mediante o critério da ponderação ou so-pesamento, por meio do qual pressupõe “como antecedente ló-gico à sua realização, sejam devidamente delineados, à luz da ordem jurídica, os bens e valores que ocupam posições disso-nantes entre si”.314

Exemplo dessa modalidade é suscitada no aparente confli-to entre o direito à proteção ambiental e o direito à manifestação cultural. Disposto no Art. 225, caput da Constituição, “todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, ademais assevera que “práticas que coloquem em risco sua fun-ção ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (Art. 225, § 1.°, VII, CRFB/88) devem ser vedadas. Para obstar condutas abusivas e de maus-tratos aos

314 GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. 2. ed. São Paulo, Saraiva: 2015, p. 414.

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animais, a lei n.° 9.605/98, em seu Art. 32, previu sanções penais e administrativas que devem incidir a quem cometer tais crimes.

Por meio da interpretação deste último dispositivo, veri-fica-se que as atividades que incorram em desrespeito ao bem--estar e dignidade animal devem ser reprimidas, sob pena de afronta ao comando constitucional.

Por outro lado, o meio ambiente cultural (direito à mani-festação cultural) também foi tutelado pelo constituinte origi-nário nos Arts. 215 e 216 da CRFB/88, por meio do qual assegu-ra que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e in-centivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

A prática da vaquejada, atividade recreativa, “praticada por dois vaqueiros, montados em seus cavalos, os quais perseguem o boi desde a saída da sangra até o julgamento”, de modo que “de-vem tombar o boi até o chão, arrastando-o brutalmente , até que mostre as quatro patas”315 constitui modalidade de prática cul-tural (Art. 225, §7.°, CRFB/88)316, em vários Estados da Região Nordeste, dentre os quais, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Dada a proteção constitucional de ambos os direitos, ca-berá ao intérprete, consideradas as peculiaridades do caso e verificada a importância de cada uma delas, determinar o que deve prevalecer.

Pautado numa visão protecionista, a qual entende que os animais não devem servir como meros instrumentos de satis-fação humana, tendo em vista que determinadas práticas cau-sam-lhe sofrimento físico e mental, alguns tribunais já vêm en-tendendo que no sopesamento entre ambos os princípios, deve

315 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11 ed. São Paulo: Sa-raiva, 2013, p. 2780-2781.

316 Art. 225, §7º, CRFB/88. Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem ani-mais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do Art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”

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prevalecer aquele que garante a proteção animal. Nessa perspec-tiva já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado e São Paulo, por meio do qual assentou entendimento “pela proibição da rea-lização de provas de laço e de vaquejadas no município de Barre-tos, onde é realizada a maior festa de Peão da América Latina”317 e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por meio do qual de-cidiu pela proibição daquela prática em todo a Capital Federal.

6.2 Conflito entre regras

No que tange ao conflito entre regras constitucionais, ve-rifica-se a análise318 das disposições previstas nos Art. 51, IV e Art. 144, § 1°, IV da CRFB/88.

O Art. 51, IV, CRFB/8 assevera ser de competência priva-tiva da Câmara dos Deputados, dentre outras atribuições, “IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva re-muneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por sua vez, assevera em seu Art. 269 que, “quando, nos edifícios da Câmara, for cometido algum delito, instaurar-se-á inquérito a ser presidido pelo diretor de serviços de segurança ou, se o in-diciado ou o preso for membro da Casa, pelo Corregedor ou Corregedor substituto”, manifestando, dessa maneira, que na hipótese de cometimento de crime no interior da CD, o inqué-

317 LEITE, José Rubens Morato; MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de; AL-BUQUERQUE, Letícia. Vaquejadas: uma ofensa à Constituição Federal? Animais e Cultura entre avanços e retrocessos. In: Direito Ambiental e Proteção dos Ani-mais. São Paulo: Letras Jurídicas, 2017, p. 336.

318 ROCHA, Carlos Odon Lopes da. Conflito aparente de normas constitucio-nais originárias e o princípio da unidade constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, nº 1734, 31 mar. 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11104>. Acesso em 26/out./2018

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rito a ser instaurado será realizado pelo Diretor da Polícia Le-gislativa (Art. 6.º, XI, Resolução 18/03).

Denota-se pela leitura dos aludidos dispositivos, que o Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputa-dos acabou assumindo uma incumbência reservada à Polícia Federal, posto que conforme a redação do Art. 144, § 1.°, IV da CRFB/88, cabe àquela “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.

Considerando que os dispositivos em questão correspon-dem a normas constitucionais originárias, portanto, de mesma esfera espaço-temporal, e que o sistema jurídico não admite hi-pótese de normas constitucionais inconstitucionais, a solução do caso em questão se mostraria mais satisfatória caso adotasse o método de interpretação corretiva, entendida como aquela que “conserva ambas as normas incompatíveis por meio de in-terpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a in-compatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial modificação no texto da lei”.319

Isto é, ao interpretar o disposto no Art. 51, IV da CRFB/88, do qual elenca como uma das atividades da CD “dispor sobre sua polícia”, poder-se-ia interpretar no sentido de polícia pre-ventiva ou ostensiva, de forma que assim, não comprometesse o pressuposto da unidade constitucional, por meio do qual evi-dencia que os dispositivos normativos devem se manter har-mônicos e compatíveis entre si.

7. CONCLUSÃO

A concordância prática e harmônica é o pressuposto pelo do qual as normas constitucionais, regras e princípios, devem estar submetidos, tendo em vista a ideia de unidade constitu-

319 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Processo: HC 68793 RJ. Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 10/3/92. Disponível em: <https://stf.jusbra-sil.com.br/jurisprudencia/14709312/habeas-corpus-hc-68793-rj>. Acesso em 25/out./2018

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cional. No entanto, quando isto não restar verificado, seja por decorrência do exercício do poder reformador ou pela própria existência de direitos fundamentais potencialmente conflitantes, advindos de valores que marcam a nossa sociedade pluralista, estar-se-á diante do denominado conflito aparente de normas constitucionais, haja vista que o próprio ordenamento jurídico é capaz de oferecer alternativas e métodos que o solucionem.

Seja no caso de colisão entre princípios, entre regras ou ainda entre regras e princípios constitucionais, caberá ao intér-prete solucionar a questão com vistas a atingir o resultado mais satisfatório à lide, orientando-se sempre pelo ideal de dignida-de da pessoa humana, moralidade e segurança.

Para tanto, a atividade hermenêutica do jurista evidencia-da por meio do emprego dos princípios instrumentais de inter-pretação constitucional é erigida como um importante fator de resolução, porquanto possui como prerrogativa geral conferir a máxima efetividade ao texto constitucional.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO XIV

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E AS ATENUAÇÕES À TEORIA DE NULIDADE DA

NORMA INCONSTITUCIONALRayanny Silva Siqueira Monteiro 320

1. INTRODUÇÃO

As normas jurídicas, dotadas de normatividade, com-põem harmonicamente o sistema jurídico, devendo obediên-cia à Constituição Federal, em razão da supremacia desta em face das demais normas, sob a perspectiva do escalonamento de normas de Kelsen.

O controle de constitucionalidade funciona, neste contex-to, como um instrumento essencial na garantia dessa harmo-nia ao verificar a compatibilidade entre as normas jurídicas e a Constituição.

Da inauguração do judicial review com John Marshall, em 1803 nos EUA, até os estudos de Rui Barbosa e demais expoen-tes, o controle de constitucionalidade vem recebendo impor-tantes contribuições e inovações, restando consagrado o con-trole misto no Brasil, exercido pelo método difuso/concreto/incidental e pelo método concentrado/abstrato/principal.

No tocante aos efeitos da declaração de inconstituciona-lidade da norma jurídica, prevalece no Brasil a teoria da nu-lidade da norma inconstitucional, pela qual uma lei declarada inconstitucional é tida como nula desde sua origem, isto é, a efi-

320 Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Ama-zonas (UEA), consultora jurídica na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Sustentabilidade do Município de Manaus, advogada e bióloga.

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cácia da declaração de inconstitucionalidade é ex tunc, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante.

Contudo, em algumas situações o Princípio da Nulida-de Absoluta da Norma pode trazer consequências indesejadas pelo próprio texto constitucional, colidindo com outros prin-cípios de igual força normativa, tais como a segurança jurídica e a boa-fé, sendo necessário construir, de forma equilibrada, exceções a esta teoria.

É neste contexto que se pretende abordar as atenuantes à teoria da nulidade da norma inconstitucional adotadas no sis-tema jurídico brasileiro, abordando, para tanto, a supremacia da constituição e o controle das normas constitucionais, o sis-tema brasileiro de controle de constitucionalidade e o estado de inconstitucionalidade da norma e os efeitos das decisões no controle de constitucionalidade: tese da nulidade absoluta.

2. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O CONTROLE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A norma jurídica, diferentemente das normas de cunho moral, religioso e dos costumes, tem caráter obrigatório, isto é, são providas de juridicidade, traduzindo uma obrigatoriedade de um comportamento.

Normas constitucionais são normas jurídicas. Por isso, compartilham de todas as características destas últimas. Quan-do se trata de normas constitucionais das Constituições rígi-das, sejam estas normas estruturadas em forma de regras ou de princípios e mesmo aquelas permissivas, temos que ter em mente que todas são dotadas da mesma imperatividade e coer-cibilidade, por determinarem uma conduta positiva ou uma

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omissão, de cuja realização são abrigadas todas as pessoas e ór-gãos às quais se dirigem.321

A atribuição do status de norma jurídica à norma consti-tucional é um avanço relativamente recente, ocorrida ao longo do século XX com a superação do modelo que vigorava na Eu-ropa até então, no qual a Constituição era vista com um docu-mento essencialmente político, com natureza recomendatória, meros “convites” para a atuação do Estado.

A Constituição Jurídica era aquela “escrita na folha de pa-pel”, na qual deveriam estar previstos os fatores reais do po-der (Constituição Real), conforme defendido por Ferdinand Lassalle, na obra A essência da Constituição.322 Posteriormente, Konrad Hesse, na obra A força normativa da Constituição323, defendeu a força normativa da Constituição Jurídica, conferin-do-lhe força necessária para existir fora do alcance da Consti-tuição Real, em contraponto à concepção defendida por Las-salle, pela qual as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas políticas.

Reconhecendo a natureza normativa das normas de uma Constituição Jurídica, temos que toda ela tem eficácia, isto é, todas as normas constitucionais, independente de sua catego-ria, material ou formal, princípio ou regra, tem idêntica hierar-quia normativa, não se tratando, portanto, de meros programas ou planos diretores para o Poder Público.

É certo, também, que as normas constitucionais gozam de mais um atributo próprio, o da supremacia. A ideia de su-premacia da Constituição tem origem na teoria do escalona-mento normativo de Hans Kelsen, que na sua obra Teoria Pura do Direito concluiu que a ordem jurídica não é um sistema de

321 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p.. 21.

322 LASSALLE, Ferdinand. A esssência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

323 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991.

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normas jurídicas dispostas no mesmo plano. O fundamento de validade de uma norma se dá por outra norma, que representa o fundamento de validade daquela, sendo uma norma supe-rior à primeira. Assim, normas inferiores devem se submeter às normas superiores. Como ápice deste escalonamento, Kelsen estabelece a norma hipotética fundamental como aquela última e mais elevada, fundamento de validade para todas as outras.324

Por meio da teoria de Kelsen sobre a construção lógico-sis-temática escalonada da ordem normativa, é possível compreen-der a posição hierárquica mais elevada da Constituição no or-denamento jurídico de um Estado, bem como a sua supremacia frente às demais normas jurídicas, configurando-se como um alicerce fundamental para Estado Democrático de Direito.

Para Dirley Cunha, a noção de supremacia é inerente à no-ção de Constituição, desde que essa superioridade normativa im-plique a ideia de uma norma fundamental, de uma Fundamental Law, cujo incontrastável valor jurídico atua como um pressupos-to de validade de toda a ordem positiva estabelecida no Estado.325

Em obediência à supremacia da Constituição, as demais normas devem guardar compatibilidade vertical com ela para serem válidas, devendo as possíveis incompatibilidades serem solucionadas em favor da Constituição Federal, a mais alta ex-pressão jurídica da soberania popular e nacional.

Sendo assim, todas as normas jurídicas devem se adequar aos parâmetros constitucionais. Visto como um sistema, o or-denamento jurídico, apesar de composto por uma pluralidade de normas jurídicas, pressupõe ordem e unicidade entre seus elementos para que possa funcionar de maneira harmônica e eficiente. Mas, como todo sistema, não está isento de distorções pela entrada de inputs326 que desequilibram esta harmonia. O

324 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: Wmf Martins Fon-tes, 2011.

325 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 26.

326 A entrada de elementos ou insumos para o sistema operar.

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controle de constitucionalidade figura, neste contexto, como um dos mecanismos mais importantes para a restauração desta unicidade ameaçada, conferindo caráter sistemático ao ordena-mento jurídico por meio da verificação de compatibilidade en-tre a lei ou ato normativo infraconstitucional e a Constituição Federal pelo órgão constitucionalmente designado.

Esta verificação da compatibilidade vertical das leis e de-mais atos normativos infraconstitucionais e a Constituição visa impedir a validade das normas antagonistas ao texto consti-tucional, denominadas normas inconstitucionais. Isto é, para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucio-nalidades, a própria constituição estabelece técnica especial, que a teoria do Direito Constitucional denomina de controle de constitucionalidade das leis, que, na verdade, hoje, é apenas um aspecto relevante da Jurisdição Constitucional.327

O controle de constitucionalidade, ao proteger a supre-macia da Constituição, também possui um papel de destaque na guarda do Estado Democrático de Direito atual, conforme destacado por José Joaquim Gomes Canotilho:

O Estado Constitucional democrático ficaria incompleto e enfraquecido se não assegurasse um mínimo de garantias e de sanções: garantias de observância, estabilidade e preserva-ção das normas constitucionais, sanções contra atos dos ór-gãos de soberania e de outros não conformes com a constitui-ção. A ideia de proteção, defesa, tutela ou garantia da ordem constitucional tem como antecedente a ideia de defesa do Es-tado, que, num sentido amplo e global, se pode definir como o complexo de institutos, garantias e medidas destinadas a defender e proteger, interna e externamente, a existência jurí-dica e fática do Estado. Desta forma, o objeto de defesa não é

327 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 49.

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pura e simplesmente a defesa do Estado e sim da forma de Es-tado tal como ela é constitucionalmente formada328 (grifado).

Dois pressupostos são identificados como necessários à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia da Constituição e a existência de uma Constituição rígida. Os dois pressupostos não exigem muito esforço para se justificarem. O primeiro pressuposto já foi abordado nas linhas acima e repre-senta a soberania constitucional em face das demais normas jurídicas, as quais não poderão subsistir validamente se esti-verem em desconformidade com a Constituição. O pressupos-to da rigidez é igualmente imprescindível pois para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais.329

O controle de constitucionalidade, como espécie do gêne-ro jurisdição constitucional330, teve como supedâneo de exis-tência no constitucionalismo moderno o leading case Marbury vs. Madison.

O julgamento tratava da seguinte situação fático-jurídica: O Presidente John Adams, antes de ser derrotado por Thomas Jefferson, nomeou William Marbury juiz de paz do condado

328 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1992, p. 969.

329 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 18.

330 Para Barroso (In: O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 19), as locuções jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade não são sinônimas, embora sejam frequentemente uti-lizadas de maneira intercambiável. Trata-se, na verdade, de uma relação entre gênero e espécie. Jurisdição constitucional designa a aplicação da Constituição por juízes e tribunais. Essa aplicação poderá ser direta, quando a norma constitu-cional discipline, ela própria, determinada situação da vida. Ou indireta, quando a Constituição sirva de referência para atribuição de sentido a uma norma infra-constitucional ou de parâmetro para sua validade. Neste último caso estar-se-á diante do controle de constitucionalidade, que é, portanto, uma das formas de exercício da jurisdição constitucional.

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de Washington no Distrito de Columbia e diversos juízes fede-rais. James Madison, secretário de Jefferson agora eleito Presi-dente, nega-se a empossar Marbury. Marbury, nomeado e não empossado, propôs ação judicial (writ of mandamus) com base em uma Lei de 1789 que havia atribuído à Suprema Corte a competência originaria para processar e julgar ações daquela natureza.

Em sua decisão, Marshall entendeu que Marbury tinha direito de investidura e se tinha esse direito, necessariamente haveria um remédio jurídico para assegurá-lo. O Writ of man-damus era a via própria de se emitir uma ordem para a prática de determinado ato a uma gente do poder Executivo, uma vez que somente em duas hipóteses os atos do executivo não seriam passíveis de revisão judicial: atos de natureza politica e aqueles que a Constituição ou a Lei houvessem atribuído a sua exclusi-va discricionariedade.

Contudo, o § 13.º da Lei Judiciária de 1789, ao criar uma hipótese de competência originária da Suprema Corte fora das que estavam previstas no Art. 3.° da Constituição, incorria em uma inconstitucionalidade. Diante disso, a questão central do julgamento, que o tornou mundialmente famoso, se concentrou em responder se poderia a Suprema Corte deixar de aplicar, por ser inválida, uma lei inconstitucional.

Ao enfrentar esta questão, Marshall entendeu que sim, a Suprema Corte poderia deixar de aplicar, por ser inválida, uma lei inconstitucional, firmando o entendimento de que na exis-tência de confronto, num caso concreto, entre uma lei infra-constitucional e a Constituição, deve prevalecer a norma cons-titucional. Firmou suas razões em três grandes fundamentos que justificam o controle de constitucionalidade pelo Judiciá-rio: a Supremacia da Constituição, a nulidade da Lei que con-trarie a Constituição e o Poder Judiciário como intérprete final da Constituição.

A decisão de Marshall representou a consagração não só da supremacia da Constituição em face de todas as demais normas

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jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar a aplicação de leis contrárias à Constituição.331

Por outro lado, recebeu severas críticas como, por exem-plo, o fato de que o Juiz Marshall deveria ter se declarado im-pedido para julgar o caso e que o reconhecimento da incompe-tência da Corte deveria integrar a parte inicial da Decisão, além disso, acusaram a Suprema Corte de usurpadora de poder, sob o argumento de que não havia nenhum dispositivo da Constitui-ção conferindo expressamente ao Poder Judiciário a faculdade de controlar a constitucionalidade dos atos dos outros Poderes, para declará-los nulos em face da Constituição.

No entanto, na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstâncias específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão, passan-do a ser celebrada universalmente como o precedente que as-sentou a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas.332

Este sistema americano de judicial review, também deno-minado sistema difuso de controle de constitucionalidade, ex-pandiu-se por quase todo o mundo, encontrando-se incorpo-rado atualmente em países como Canadá, Austrália, Argentina e Brasil. Contudo, ao longo do século XX cedeu espaço a outro modelo de jurisdição constitucional: o sistema de controle con-centrado de constitucionalidade, “onde o controle de constitu-cionalidade estava confiado, exclusivamente, a um órgão juris-dicional especial (o chamado Tribunal Constitucional).333 Esse sistema é também conhecido como “sistema austríaco”, devido ao fato de sua origem estar vinculada à Constituição austríaca, promulgada em 1.º de outubro de 1920 e elaborada a partir de

331 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 62.

332 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 22.

333 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 73.

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projeto apresentado por HANS KELSEN, a pedido do governo da Áustria.334

3. O SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Ausente do regime da Constituição imperial de 1824, o controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil com a República, tendo recebido previsão expressa na Constituição de 1891 (Arts. 59335 e 60)336, sendo adotado o modelo de controle americano, incidental e difuso.

Com pequenas alterações as Constituições subsequentes permaneceram substancialmente com este modelo de controle difuso, merecendo ressalva, contudo, as alterações trazidas pela Constituição de 1934, que previu que os Tribunais somente po-deriam declarar a inconstitucionalidade pelo voto da maioria dos seu membros (Art. 179) cabendo ao Senado, quando co-municado pelo Procurador Geral da República, a competência para suspender, em caráter geral, a execução em todo em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder judiciário (Art. 91, IV e Art. 96).

Outra grande novidade no controle de constitucionalida-de no Brasil foi a previsão da Emenda Constitucional n.° 16, de 26 de novembro de 1965, na vigência da Constituição de 1946, a qual instituiu a Ação Genérica de Inconstitucionalidade, pre-

334 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 73.

335 Constituição Federal de 1891. “Art. 59, § 1º. Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade ou a interpretação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.”

336 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 45.

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vista no Art. 101, I, k, da sobredita Constituição. Tem-se, aí, o marco do controle de constitucionalidade misto exercido no Brasil: o difuso (norte-americano) e o concentrado (austríaco).Nas lições de Luís Roberto Barroso, com a Emenda Constitu-cional n.° 16/1965:

Passava o Supremo Tribunal Federal a ter competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato federal, me-diante representação que lhe fosse encaminhada pelo Pro-curador-Geral da República. Introduzia-se, assim, no direito brasileiro mecanismo análogo ao das cortes constitucionais europeias: um controle por via principal, mediante ação dire-ta, em fiscalização abstrata e concentrada no Supremo Tribu-nal Federal. O controle incidental e difuso, por sua vez, não foi afetado pela inovação, passando ambos a conviver entre si.337

A Constituição Federal de 1988 aperfeiçoou o sistema ju-dicial de controle de constitucionalidade, mantendo o sistema eclético (ou híbrido), combinando o controle por via inciden-tal e difuso com o controle por via principal e concentrado, além de prever uma série de novos instrumentos para conferir maior amplitude e tentáculos ao sistema de controle vigente. Para Gilmar Mendes:

Embora o novo texto constitucional tenha preservado o mode-lo tradicional de controle de constitucionalidade “incidental” ou “difuso”, é certo que a adoção de outros instrumentos, como o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de segurança coletivo e, sobretudo, a ação direta de inconstitucionalidade, conferiu um novo perfil ao nosso sistema de controle de constitucionalidade.338

337 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 45.

338 MENDES, Gilmar Ferreira. O controle da constitucionalidade no Brasil, p. 3. Disponível em: [http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/1381_Texto_-_Gil-mar_Mendes.pdf.] Acesso em 28 de outubro de 2018.

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Sobre estes conjunto de inovações, Luiz Roberto Barroso elenca algumas consequências práticas:

a) a ampliação da legitimação ativa para propositura de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103); b) a introdução de mecanismos de controle da inconstitucionalidade por omis-são, como a ação direta com esse objeto (art. 103, § 2.º) e o mandado de injunção (art. 5.º, LXXI);c) a recriação da ação direta de inconstitucionalidade em âm-bito estadual, referida como representação de inconstitucio-nalidade (art. 125, § 2.º);d) a previsão de um mecanismo de arguição de descumpri-mento de preceito fundamental (art. 102, § 1.º);e) a limitação do recurso extraordinário às questões constitu-cionais (art. 102, III).339

Por meio da Emenda Constitucional n.° 03, de 1993, foi introduzida no texto constitucional a Ação Declaratória de Constitucionalidade, com a alteração da redação do artigo 102, inciso I, alínea a, e acréscimo do § 2.º ao referido artigo, bem como o § 4.º ao artigo 103, todos da Constituição Federal, tendo o sua disciplina processual sido regulamentada pela lei 9.868/1999.

O fim do monopólio exercido pelo Procurador-Geral da República em relação à propositura da ação direta de inconsti-tucionalidade, sem dúvida foi um dos pontos altos dessa nova fase do controle de constitucionalidade no Brasil. Com a nova Constituição, o controle de constitucionalidade por via prin-cipal passou a poder ser deflagrado por um extenso elenco de legitimados, tal qual previsto no Art. 103: o Presidente da Re-pública, as Mesas do Senado, da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas, o Governador do Estado, o Procura-

339 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46.

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dor-Geral da República, o Conselho Federal da OAB e confede-ração sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Com efeito, o controle incidental difuso continuou a ser previsto de forma expressa da Constituição de 1988, porém de forma oblíqua, na disciplina do Art. 102, III, do qual decorre a possibilidade dos juízes e Tribunais julgarem, mediante re-curso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tra-tado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (alínea incluída pela EC n.º 45/2004). Por sua vez, o controle concentrado (por ação direta) pode ser exercido perante o Supremo Tribunal Federal quan-do se tratar de ação direta de inconstitucionalidade (ou ação direta de constitucionalidade) de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição Federal (Art. 102, I, a); e perante o Tribunal de Justiça do Estado, quando se tratar de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos norma-tivos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual (Art. 125, § 2.º).

No Brasil existem diferentes modalidades de controle de constitucionalidade, que podem, dentre outras classificações, variar quanto à natureza e ao momento de exercício do con-trole, podendo ser político (preventivo) ou judicial (repressi-vo). Embora no Brasil o controle de constitucionalidade seja eminentemente de natureza judicial, competindo ao Poder Judiciário a decisão final acerca da inconstitucionalidade de uma norma jurídica, existem, no entanto, diversas instâncias de controle político da constitucionalidade, tanto no âmbito do Poder Executivo, como, por exemplo, o veto de uma lei por in-constitucionalidade, como no do Poder Legislativo quando da rejeição de um projeto de lei pela Comissão de Constituição e Justiça da casa legislativa, por inconstitucionalidade.

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Luís Roberto Barroso salienta que existe, ainda, uma hipó-tese de controle prévio de constitucionalidade, em sede judicial, que tem sido admitida no Direito brasileiro:

O Supremo Tribunal Federal tem conhecido de mandados de segurança, requeridos por parlamentares, contra o simples processamento de propostas de emenda à Constituição cujo conteúdo viole alguma das cláusulas pétreas do art. 60, § 4.º. Em mais de um precedente, a Corte reconheceu a possibili-dade de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade de propostas de emenda à Constituição que veicularem matéria vedada ao poder reformador do Congresso Nacional.340

No tocante à classificação quanto ao órgão judicial que exerce o controle, a partir da Constituição de 1988 o controle de constitucionalidade no Brasil é misto, sendo exercido pelo mé-todo difuso/concreto/incidental e pelo método concentrado/abstrato/principal, cuja diferenciação foi abordada de maneira clara e sintética por Dirley Cunha:

Pelo método difuso-concreto-incidental, todo e qualquer juiz ou tribunal pode exercer, por ocasião de uma demanda judi-cial concreta, o controle da constitucionalidade dos atos e das omissões do poder público, sobretudo em face da surpreen-dente criação, entre nós, de ação especial de controle das omis-sões inconstitucionais do poder público, isto é, do mandado de injunção, circunstância que não nega, porém, o controle des-tas omissões, segundo defendemos, através de qualquer ação judicial comum dirigida a qualquer juiz ou tribunal.Pelo método concentrado-abstrato-principal, por sua vez, só o Supremo Tribunal Federal pode exercer, em sede de ação di-reta, e em abstrato, o controle da constitucionalidade dos atos normativos federais ou estaduais em face da Constituição

340 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 39.

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Federal e somente os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal podem exercer, também diante de uma ação direta, o controle da constitucionalidade dos atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.341

4. O ESTADO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA E OS EFEITOS DAS DECISÕES NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: TESE DA NULIDADE ABSOLUTA

Como visto até o momento, a questão da inconstitucio-nalidade ou constitucionalidade das normas jurídicas deve-se, sobretudo, a ideia da supremacia da Constituição Federal, com-preendida como norma hipotética fundamental do mundo ju-rídico, fundamento de validade para todas as outras, dentro da construção lógico-sistemática escalonada da ordem normativa de Kelsen.

A lei ou ato normativo editado conforme o processo ra-cional de formação previsto no sistema jurídico, em função da estrutura procedimental do Estado que legitima a sua produ-ção, deve gozar da presunção de conformidade com a ordem jurídica vigente, haja vista que foi produzida, pelo menos a priori, por meio de processo legislativo legitimado pela vontade política (exercida pelo voto) e, por isso, deve ser obedecida por todos.342

Diante dessa presunção relativa de constitucionalidade das leis, necessário um procedimento específico previsto cons-titucionalmente para que o Poder Judiciário possa invalidar a norma, atrelado a dois importantes ideiais hermenêuticos para análise da constitucionalidade da norma jurídica. Primeiro, a

341 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 97.

342 CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Revisando os fundamentos do controle de constitucionalidade: uma crítica à prática judicial brasileira. Porto Alegre: Ser-gio Antonio Fabris, 2008. p. 150.

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inconstitucionalidade de uma norma deve ser evidente, devendo o julgador decretá-la com base em “uma clara e forte convicção – ‘a clear and strong conviction’ – da incompatibilidade” entre a norma e a Constituição343. De igual modo, na existência de duas interpretações possíveis, deve-se adotar aquela compatível com a Constituição, pois há presunção de que o legislador elaborou a nor-ma jurídica no sentido compatível com a norma fundamental.344

Corriqueiro questionamento se faz sobre em qual a fase da produção normativa a inconstitucionalidade faz morada den-tro desses três planos distintos: o de sua existência, o de sua validade e o de sua eficácia.

Um ato é existente quando se constitui por todos os ele-mentos definidos pela lei: objeto, forma e agente, bem como os requisitos específicos a determinada categoria de atos. A ausên-cia desses elementos impede seu ingresso no universo jurídico, sendo, portanto, inexistente. Existindo o ato, passa-se a veri-ficação do segundo plano, o da validade. Acerca do plano de validade, Luís Roberto Barroso esclarece, em termos práticos:

Aqui, cuida-se de constatar se os elementos do ato preenchem os atributos, os requisitos que a lei lhes acostou para que se-jam recebidos como atos dotados de perfeição. Não basta, por exemplo, para a prática de um ato administrativo, que exista o elemento agente público. De tal agente exige-se algo mais, um atributo: que seja competente. Por igual, exteriorizado o ato, estará presente a forma. Mas esta há de subsumir-se à prescrição legal: verbal ou escrita, pública ou privada, con-forme o caso. E, ainda, não é suficiente que o ato tenha um determinado objeto, pois este tem de ser lícito e possível.345

343 NUNES, José de Castro. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janei-ro: Forense, 1943. p. 590.

344 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Sarai-va, 1988. p. 146.

345 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.

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Por fim, no plano da eficácia dos atos jurídicos esta com-preendida a sua aptidão para a produção de efeitos. Eficácia diz respeito, assim, à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma.346

O controle sobre as normas inconstitucionais se dá no plano da sua validade. Dentro da ordem de ideias aqui expos-tas, uma lei que contrarie a Constituição, por vício formal ou material, não é inexistente. Ela ingressou no mundo jurídico e, em muitos casos, terá tido aplicação efetiva, gerando situações que terão de ser recompostas. Norma inconstitucional é norma inválida, por desconformidade com o regramento superior, por desatender os requisitos impostos pela norma maior.347

Com influência da doutrina Marshall, prevalece no siste-ma brasileiro, a teoria da nulidade da norma inconstitucional, pela qual uma lei declarada inconstitucional é tida como nula ipso jure. A eficácia da declaração de inconstitucionalidade é ex tunc, retroagindo para eliminar a lei do ordenamento jurídico. A doutrina se posicionou em equiparar inconstitucionalidade e nulidade, sob o fundamento de que o reconhecimento de qual-quer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.348

Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurí-dicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante.349 Sobre a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade e a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade, Ronaldo Poletti descreve:

346 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 66.

347 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.

348 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 318.

349 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 25.

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A doutrina afirma que a lei inconstitucional não tem nenhu-ma eficácia, nem jamais teve, nem terá. A doutrina da incons-titucionalidade repousa na oposição entre a lei e a Consti-tuição, antinomia meramente aparente, pois a supremacia da Constituição a resolve. Não se poderá, por isso, atribuir à “lei inconstitucional” uma eficácia transitória, enquanto não ful-minada pela presença judicial. Isso seria como negar, durante o tempo que não houve a declaração de inconstitucionalida-de, a autoridade da Constituição.Em consequência, não se poderia falar em decisão constituti-va, senão em declaratória, com efeito ex tunc. Vale a assertiva de que “lei inconstitucional” resume um expressão contradi-tória em termos: ou é lei, portanto compatível como a Cons-tituição, ou, se contrária à Lei Maior, não pode ser lei. Neste caso, ela não se torna inválida, porque o Judiciário assim a declarou, mas assim é declarada porque radicalmente nula. Cumpre-se fazer com que os feitos eventualmente produzi-dos sejam apagados. É preciso apagar o passado e disso não deixar vestígios, restaurando o sem máculas.350

Uma tese da anulabilidade da norma constitucional foi

construída por Kelsen. Segundo Luiz Roberto Barroso leciona, para Kelsen o controle de constitucionalidade não seria pro-priamente uma atividade judicial, mas uma função constitu-cional, que melhor se caracterizaria como atividade legislativa negativa, por isso, considerava que a lei inconstitucional era válida até que uma decisão da corte viesse a pronunciar sua in-constitucionalidade. Antes disso, juízes e tribunais não poderiam deixar de aplicá-la. Após a decisão da corte constitucional, a lei seria retirada do mundo jurídico.351

Complementa:

350 POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 120.

351 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26.

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Por essa linha de entendimento, a lei inconstitucional não seria nula, mas meramente anulável. Vale dizer: a inconsti-tucionalidade não geraria uma nulidade, mas tão somente a anulabilidade do ato. Como consequência, a decisão que a re-conhecesse teria natureza constitutiva negativa e produziria apenas efeitos ex nunc, sem retroagir ao momento de nasci-mento da lei.352

A tese da anulabilidade da norma constitucional não teve adesão expressiva no Brasil, prevalecendo o entendimento de que a lei inconstitucional é nula de pleno direito e que a decisão de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa, restando-se in-válidos todos os atos praticados sob a chancela da lei impugnada.

Contudo, a adoção do “Princípio” da Nulidade da norma inconstitucional, por si só, não impediu e fazer concessões e abrir exceções. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes assinala:

Não se está a negar o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão; exclusão de benefício incom-patível com o princípio da igualdade), bem como nas hipó-teses em que sua aplicabilidade pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segu-rança jurídica).Assim, configurado eventual conflito entre o princípio da nulidade e o princípio da segurança jurídica, que, entre nós, tem status constitucional, a solução da questão há de ser, igualmente, levada a efeito em um processo de complexa ponderação. Em muitos casos, há de se preferir a declaração de inconstitucionalidade com efeitos restritos à insegurança

352 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26.

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jurídica de uma declaração de nulidade, como demonstram múltiplos exemplos do direito comparado e do nosso direito.Em outras palavras, a aceitação do princípio da nulidade da lei inconstitucional não impede que se reconheça a possibi-lidade de adoção, entre nós, de uma declaração de inconsti-tucionalidade alternativa. Ao revés, a adoção de uma decisão alternativa é inerente ao modelo de controle de constitucio-nalidade amplo, que exige, ao lado da tradicional decisão de perfil cassatório com eficácia retroativa, também decisões de conteúdo outro, que não importem, necessariamente, na eli-minação direta ou imediata da lei no ordenamento jurídico.

Assim, na prática, algumas situações se tornam irreversíveis e exigem um tratamento peculiar, com caráter excepcional, con-forme melhor analisado no tópico a seguir.

5 ATENUAÇÕES À TEORIA DE NULIDADE ABSOLUTA DA NORMA INCONSTITUCIONAL

A declaração de inconstitucionalidade proferida no con-trole concentrado-principal, à semelhança do que ocorre em sede de controle difuso-incidental, implica na pronuncia da nulidade ab initio da lei ou do ato normativo atacado. A deci-são, segundo a doutrina corrente, é de natureza declaratória, pois apenas reconhece um estado preexistente. Daí sustentar--se, perfeitamente, que essa decisão produz efeitos ex tunc.353 Ainda em razão desse efeito retroativo é que se reconhece que a decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos repristinatórios.

Contudo, esse efeito consistente na nulidade retroativa já vinha sofrendo temperamentos pela Suprema Corte Brasileira. Foi inevitável, assim, que em algumas hipóteses excepcionais

353 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de Constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 247.

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se admitisse o temperamento da regra geral, suprimindo ou ate-nuando o caráter retroativo do pronunciamento de inconstitucio-nalidade, em nome de valores como boa-fé, justiça e segurança jurídica.354

Um clássico exemplo do confronto entre os Princípios da Nulidade da Lei Inconstitucional e o da Segurança Jurídica enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça, é retratado pelo Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto no RE 364.304-AgR, quando sustenta que razões de segurança jurídica podem revelar-se aptas a não aplicação do Princípio da Nulidade da Lei Inconstitucional, lançando a seguinte indagação: Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstituciona-lidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente liga-dos. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nu-lidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas as consequências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado?

Embora o Supremo já viesse tratando da questão de cons-trutiva, acompanhando esta flexibilização da tese da nulida-de absoluta de leis inconstitucionais, as leis n.º 9868/99 e n.º 9882/99, artigos 27 e 11,355 respectivamente, positivaram a téc-nica de modulação dos efeitos da decisão, a qual permite ao STF, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, forjar os efeitos da declaração de inconstitucio-nalidade, nos seguintes termos:

354 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito bra-sileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 27.

355 Lei nº 9882/99. Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato nor-mativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seus trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”

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Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato nor-mativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Fe-deral, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi-cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momen-to que venha a ser fixado.

Pela técnica da modulação temporal, o STF tem a possi-bilidade de atribuição de efeitos ex nunc ou pro futuro a uma decisão em sede de controle de constitucionalidade que origi-nariamente teria efeito retroativo, desde que presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social e o quorum de dois terços de seus membros. A modulação é medi-da excepcional, devendo ser realizada apenas em hipóteses ex-tremas, nas quais o risco à segurança jurídica seja efetivamente elevado, em observância à supremacia da Constituição.

Eduardo Talamini ressalta que:

A possibilidade de excepcionalmente restringir os efeitos re-troativos ou mesmo atribuir apenas efeitos prospectivos à de-claração de inconstitucionalidade – ao contrário do que possa parecer – confere maior operacionalidade ao sistema de con-trole abstrato. A regra da retroatividade absoluta e sem exce-ções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naque-las situações de conflito entre os valores acima mencionados, muitas vezes simplesmente deixe de declarar a inconstitucio-nalidade da norma, para assim evitar gravíssimas consequên-cias que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração.356

Em diversas oportunidades, o Supremo já se utilizou da técnica de modulação temporal, inclusive em controle difuso incidental, merecendo destaque o RE 197.917/SP (Caso Mira

356 TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2009. p. 439.

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Estrela), em que se discutiu o pedido de inconstitucionalidade da lei editada pelo município de Mira Estrela, que fixou o nú-mero de vereadores além do limite determinado pela Constitui-ção Federal vigente, declarou a Suprema Corte a inconstitucio-nalidade da referida norma, porém, aplicando-se os efeitos pro futuro, tendo em vista prevalência do interesse público. Outra manifestação importante do STF acerca do tema foi exarado no HC 82.959-7/SP, em que afastou a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos, reconhecendo a inconstitu-cionalidade do parágrafo 1.º, do artigo 2.º da lei 8.072/90, que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, mas decidiu que a declaração de inconstitu-cionalidade não geraria consequências jurídicas com relação a penas já extintas.

Outras técnicas que visam atenuar a teoria da inconstitu-cionalidade como nulidade, também vêm sendo adotadas no Direito brasileiro, tais como a interpretação conforme a Cons-tituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que se compatibilizam com o controle abstrato de constitucionalidade.

Por meio da interpretação conforme à Constituição, é pos-sível mais de uma interpretação do ato impugnado (por tratar--se de norma polissêmica ou plurissignificativa), deve-se adotar aquela que possibilita ajustá-lo à Constituição.357 Noutras pala-vras, exclui-se um ou mais sentidos inconstitucionais da nor-ma, para lhe emprestar aquela interpretação que a compatibili-ze com o texto constitucional.

Essa técnica foi empregada, por exemplo, no julgamento da ADI 4.277, na qual o STF reconheceu as uniões homoafe-tivas como entidades familiares, quando atribuiu ao Art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento

357 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 251.

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da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mes-mo sexo como entidade familiar.

Por sua vez, a técnica de declaração de inconstitucionali-dade sem redução do texto tem sido utilizada para considerar inconstitucional determinada hipóteses de aplicação da lei, sem proceder a qualquer alteração no seu texto normativo.358 Sub-trai-se da norma determinada situação, à qual ela em tese se aplicaria, com o objetivo de afastar determinadas “hipóteses de aplicação ou incidência” da norma, que aparentemente seriam factíveis, mas que a levaria a uma inconstitucionalidade, porém sem proceder a qualquer alteração do seu texto normativo.

A Suprema Core empregou esta técnica na ADI 1.946, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade parcial sem redu-ção de texto do Art. 14 da EC 20/98 (que instituiu o teto para os benefícios previdenciários do RGPS), para excluir sua aplica-ção ao benefício do salário maternidade (licença gestante), que deve ser pago sem sujeição a teto e sem prejuízo do emprego e do salário, conforme o Art. 7.º, XVIII, da CF. Embora bastante semelhantes, estas duas ultimam técnicas não se confundem, conforme esclarecido por Gilmar Mendes:

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto, na interpretação conforme à Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é consti-tucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal”.359

358 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 251.

359 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato no Brasil e na Alemanha. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 286.

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O Supremo Tribunal também se utiliza da técnica da de-claração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, a qual ganhou espaço na medida em que a Constituição de 1988 atribuiu particular significado ao controle de constitucionalida-de da chamada “omissão do legislador”, adotando esta técnica de decidir quando a situação que ensejou a propositura da ação direta se mostra absolutamente inalterada em razão do estado de fato consolidado ou possibilitar um agravamento seu estado de inconstitucionalidade caso pronunciado os seus efeitos.360

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como aduzido no decorrer do texto, a Constituição goza de um atributo particular: o da sua supremacia em face das de-mais normas do ordenamento jurídico, a quais se obrigam a guardar compatibilidade vertical com ela para serem válidas, devendo as possíveis incompatibilidades serem solucionadas em favor da Constituição Federal, por meio do controle de constitucionalidade.

O Brasil, sob a influência do modelo norte americano de controle, adotou a teoria da nulidade da norma constitucional, o que significa dizer que a declaração de inconstitucionalida-de proferida no controle concentrado-principal, à semelhança do que ocorre em sede de controle difuso-incidental, implica na pronuncia da nulidade ab initio da lei ou do ato normativo atacado.

Tendo em vista que a adoção do “princípio” da nulidade da norma inconstitucional, por si só, não a impediu de abrir exceções diante dos casos em que a decretação dos efeitos re-troativos entraria em conflito com valores como a segurança jurídica e boa-fé, o Supremo Tribunal Federal há algum tempo vem se utilizando de técnicas de atenuação à teoria da nulida-

360 CUNHA Junior, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 9 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 254.

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de das normas inconstitucionais, conferindo uma flexibilização maior dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalida-de da norma.

As leis n.º 9868/99 e n.º 9882/99, artigos 27 e 11, respecti-vamente, positivaram a técnica de modulação dos efeitos da de-cisão, permitindo ao STF, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, forjar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, desde que presentes ra-zões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social e o quorum de dois terços de seus membros.

Outras técnicas que visam atenuar à teoria da inconsti-tucionalidade como nulidade, também vêm comumente sen-do utilizadas no Brasil, tais como a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem re-dução de texto.

Não se busca com isso enfraquecimento da supremacia da Constituição pela convalidação de leis inconstitucionais. O Princípio da Nulidade não se opõe às normas insertas nos Arts. 27 e 11 das leis n.º 9.868/99 e 9.882/99, pois o efeito retroativo, anulando ab initio o ato inconstitucional, continua sendo a me-dida a ser aplicada.

As atenuantes aqui tratadas, de caráter excepcional, ape-nas possibilitam a dosagem desse efeito diante de situações jurí-dicas irreversíveis ou de difícil reversibilidade, em que a adoção irrestrita do efeito ex tunc importaria em colisão com outros ideais do Direito, causando danos mais lesivos do que a manu-tenção provisória do status quo.

REFERÊNCIAS

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Este livro foi impresso em Manaus, em 2019.O projeto gráfico – miolo e capa – foi feito

pela Editora Valer.

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