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Retrato da Ongoing: seis anos depois, o grande projecto de media morreu? Pág. 4 a 9

da Ongoing: seis anos projecto Pág. 4 a 9 - ClipQuick · pelo culto da imagem e do dinheiro ... Nuno tem uma rede familiar e de ami-zades essencial nos negócios. ... e aceita o

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Retrato da Ongoing: seis anos depois, ogrande projecto de media morreu? Pág. 4 a 9

Retrato da OngoingSeis anos depois,o grupo deVasconcellos e Moraentrou em declínio?0 projecto de Rafael Mora e Nuno Vasconcellos paracriar um grande grupo de telecomunicações, mediae tecnologias pode ter entrado em agonia. A crisemundial pôs em evidência as fragilidades da Ongoing. APT, que tem sido a sua bomba de oxigénio, já anunciouque será menos generosa com os accionistas. Mora,considerado o estratego, afastou-se dos holofotes.Vasconcellos continua a dar a cara pelo projectoCristina Ferreira

• Nuno Vasconcellos e Rafael Moratêm sido aves migratórias: ora estãoem Lisboa, ora estão em São Pauloou no Rio de Janeiro. A seguir rumama Madrid. E já foram a Pequim. Sãoo símbolo de uma época, marcadapelo culto da imagem e do dinheirofácil, pela busca de influência. Os bas-tidores da actividade da Ongoing (quedetém o Diário Económico) sempredespertaram curiosidade. Começoupor ser um veículo do BES na Portu-gal Telecom mas, com o tempo, foiescapando à sua órbita. Nos últimosmeses, surgiu envolvida em polémi-cas que juntam partidos, maçonariae ex-espiões. Bem ao estilo de MárioConde, que, nos anos 1980, "fasci-nou toda uma sociedade durante sete

anos", como se lê em O Banqueirode Rapina, crónica secreta de MárioConde, de Ernesto Ekaiser.

É verdade que as influências criamsolidariedades, mas não resolvem os

problemas. A ambição pode ser trai-

çoeira? Os amigos desvalorizam as crí-ticas. Outros sorriem quando o tema é

a Ongoing. Um financeiro considera:"A montanha pariu um rato."

O estilo de actuação de Mora eVasconcellos ou afasta ou aproxima.Quando estão em causa os seus inte-resses, fazem sair a artilharia pesada.Implacáveis.

Para este retrato da empresa, oPÚBLICO tentou várias vezes obteresclarecimentos de Nuno Vascon-cellos e Rafael Mora, presidente e

vice-presidente da Ongoing, que nãose mostraram disponíveis.

Ao longo de vários meses, paracompreender a sua ascendência me-teórica, o PÚBLICO interrogou ami-gos, colaboradores, personalidades

que, por diferentes razões, com elesse cruzaram. António Ramalho, JoséGalamba de Oliveira, Eduardo Catro-

ga, Alípio Dias, Cunha Vaz, CarlosBarbosa, Filipe Pinhal, Joe Berardo,Alfredo Casimiro, Raul Mascarenhas,Miguel Relvas foram alguns dos queaceitaram prestar declarações. Hou-ve quem declinasse. O padrinho decasamento de Mora, Luís Sá Couto,à frente da Andersen Consulting nosanos 1990, foi contactado, mas nãoatendeu o telefone. Outros não com-

pareceram a encontros.Antes de começar a desfiar as con-

tas deste rosário, há que recuar até aofinal da década de 1980. Só assim se

pode traçar o perfil dos dois gestores.Com a adesão de Portugal à CEE, aeconomia liberalizou-se e o negóciodas consultoras prosperou. A atmos-fera era de forte pressão competitiva.

Em 1989, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, pôs em marcha o programade privatizações, vendendo parte doTotta& Açores.

Em Espanha, o banqueiro MárioConde era o homem do momento.Aos 39 anos já liderava o Banesto, emconfronto com as famílias tradicio-nais. Os jovens idolatravam-no.

Foi nessa época que Vasconcellos,que hoje tem 47 anos, e Rafael Mora, al-

guns meses mais novo, se conheceramem Lisboa, na Andersen Consulting(AC), actual Accenture. Vasconcellos vi-

veu na Bélgica e nos EUA, dos 11 aos 18

anos. Mora é licenciado em Economia e

Gestão pela Universidade de Málaga, fi-

lho de um médico. Antes de aterrar emLisboa, há menção a uma breve passa-

gem pelos Açores, a prestar serviços na

empresa de electricidade, a EDA, onde,apurou o PÚBLICO, não deixou mar-ca. "Não era vulgar um espanhol pedirpara vir trabalhar para Lisboa quandoos negócios estavam em Madrid. Porisso nunca percebemos como chegoua Lisboa ou se a decisão partiu dele",contou um ex-colega da AC, que vive

no estrangeiro: "Mora destacava-se porser arguto e mostrar uma inteligênciafora do habitual. Como era espanhol,falava muito e muito alto. Era impossí-vel não se dar por ele." Já Vasconcellos

"passava despercebido".A chegada de Mora a Lisboa coin-

cidiu com a vontade de Madrid deincentivar os empresários locais a

avançar para Portugal. Entre 1990 e

1993, Mário Conde comprou acçõesdo Totta & Açores e, nos bastidores,disputou o controlo à revelia do Go-verno português. A meta era criar umgrande banco ibérico.

Em 1992, Mora e Vasconcellos fo-ram destacados para prestar serviçosno Totta. Alípio Dias era o presidente:

"Eram trabalhadores, tinham visão edavam sugestões. Eram baratinhos.Mas Mora era malandreco e picavao Nuno, que era até quem levantavamuitas questões, mas não sobressaía."O "Mora [chefe de Vasconcellos] erasagaz e tinha jogo de cintura, o que é

importante neste mundo, enquanto oNuno era mais puro". O ex-CEO lem-bra que "tinham ânsia de progredire iam sempre ao encontro do que ocliente lhes pedia. Se querem bónus,dão bónus". Quinze anos após a Revo-

lução, os dois distinguiam-se "por se

apresentarem muito penteadinhos",com o look molhado dos yuppies nova-

iorquinos, estrelas em Wall Street. A

Mora, nos corredores do Torta havia

quem lhe chamasse "El Gominas" ("OBrilhantina"), inspirado em Mário

Conde, que usava gel no cabelo.O célebre banqueiro espanhol, hoje

todos sabemos, navegava em águasturvas. Foi actor de uma novela queenvolveu mulheres e conspirações,maçons, políticos e secretas, que usa-va para espiar os rivais e recolher in-formações sobre os negócios em quese envolvia. Na sua ânsia pelo poder,Conde (autor das "supercontas" quetanto furor fizeram) não dispensou atomada de posições na comunicaçãosocial. Detido em 1994, por gestão da-

nosa, saiu em liberdade em 1999.

Alípio Dias, aliado de Conde na lutapelo domínio do Totta, considera obanqueiro espanhol "um estrategobrilhante" e dá como provável quetenha sido uma "inspiração" para osdois jovens quadros da AC. Hoje, vê

Nuno Vasconcellos (em cima)e Francisco Balsemão travamhoje uma guerra aberta pelocontrolo da Impresa, o grupoque inclui, entre outros, a SIC, oExpresso e a Visão. Nos tribunaiscorrem vários processosque ambos levantaram umcontra o outro. A Ongoing estátambém, por exemplo, a exigira Nicolau Santos, do semanáriode Balsemão, uma mega-indemnização por uma opiniãocontrária ao grupo emitida nasua coluna de opinião semanal,considerada ofensiva."ingredientes comuns" na estratégiaseguida pela Ongoing.

"Há um ano, cruzei-me com o Nunona Quinta Patino e disse-lhe: Tiro-voso chapéu. Vocês têm tido um percursofantástico'", conta. E lamenta "não ter

tido a argúcia de prever a influência

que iam ter. Foi falha minha".Nos meses que antecederam a saí-

da de Mora e de Vasconcellos da AC,"fomo-nos apercebendo de que elesestavam a preparar qualquer coisa,mas não sabíamos o quê. Apenas con-taram que havia um nicho de mercadomal explorado e que iam apostar ne-le" . O actual presidente da Accentureem Portugal, José Galamba de Oliveira,acrescenta: "Tivemos pena, pois eramexcelentes profissionais. Pessoalmen-

te, gostei imenso de trabalhar com o

Nuno, que se dedicava de corpo e al-ma ao trabalho. Com o Mora, trabalheimenos."

A Andersen Consulting era, na épo-ca, a principal consultora, através daqual a dupla conhece muita gente. Éaí que os futuros sócios começam arelacionar-se com os jovens quadrosda Universidade Católica, que na dé-cada seguinte tomam o poder.

Em 1995, Mora faz as malas e vaipara a Ray Bernelston, onde se man-tém o tempo necessário para lançar aHeidrick & Struggles (H&S), filial da ca-

çadora de cérebros norte-americana.Pouco depois, Vasconcellos junta-seao ex-chefe.

O presidente da empresa ServiçosPartilhados do Ministério da Saúde,Raul Mascarenhas, ex-Andersen Con-

sulting, evoca: "Fui chefe do Nuno eele tinha todas as capacidades. Estavanuma grande consultora a fazer currí-

culo, para depois ir gerir os negóciosda família. Já o Rafael tornou-se amigodo Nuno e acabou por ser o seu conse-lheiro." Não é por acaso que o Jornalde Negócios considerou, em 2011, Mo-ra o 17.° mais poderoso da economia

portuguesa, deixando de fora da listaVasconcellos.

Os dois sócios têm um pacto de san-

gue. Quem os conhece bem conta quese tratam por "irmãos" e cumprimen-tam-se com um beijo. Mora é o "Ra-fa" e o "Rafa" dirige-se, por vezes, aosócio por "Nuninho".

Raras vezes a conjugação de inte-

resses terá unido duas pessoas compropósitos tão claros: ganhar força enotoriedade. O português é determi-nado e tem a ambição de replicar a his-tória empreendedora do avô paterno,accionista da Sociedade Nacional deSabões (SNS), João Rocha dos Santos.O espanhol é um corredor de fundo,dois passos à frente do interlocutor.Nuno tem uma rede familiar e de ami-

zades essencial nos negócios. Um au-ditor que em 1993 se cruzou com elesnão tem dúvidas: "Mora é uma forçada natureza com duas palavras-chave:tudo é uma questão de acesso e deinfluência." Numa primeira fase, a me-ta era entrar no meio dos que fazem

negócios usando um instrumento po-deroso: a H&S. A partir daí, estariamcriadas as condições para aceder às

altas direcções das empresas.

Abril, 2002Caça-líderesAntónio Guterres passa a pasta a Du-rão Barroso. Na viragem do século, o

pequeno mundo da consultora come-

ça a estender-se à esfera partidária,onde há margem de recrutamentode políticos com pouca ocupação.Jorge Coelho, ex-ministro das ObrasPúblicas de Guterres, está disponível,e aceita o convite para trabalhar naH&S "até 2006, 2007, não sei bem".Coelho, que desempenhava um papelcentral no PS, salienta que "era muito

amigo do pai do Nuno [Luís Vascon-cellos, número dois da Impresa] e foiele que criou as condições para eu irtrabalhar com eles". "Pelo Nuno tenhoestima, pois conheço bem. O Morapior, mas tenho boa opinião". "Nosúltimos tempos não os tenho visto",salienta, evitando pronunciar-se so-bre as recentes polémicas. Em 2008,Coelho entrará na Mota Engil.

Em 2003, o ex-ministro de GuterresPina Moura era deputado em regimede não-exclusividade. Sem posto detrabalho fora de São Bento, foi con-vidado para ser consultor da H&S etransitou para a Ongoing quando foicriada. Daí a um ano assumia a pre-sidência da Iberdrola Portugal e umlugar na Media Capital, propriedadedo grupo espanhol Prisa.

O ex-ministro Eduardo Catrogae Mora foram apresentados há seis

anos. "Eu pertencia ao ConselhoGeral e de Supervisão (CGS) da EDPe ele estava na H&S e percebi que émuito inteligente e competente." Onovo chairman da EDP, que participouem reuniões de quadro da Ongoing,avançou que conheceu o "Nuno noExpresso e, mais tarde, através da Isa-bel Rocha dos Santos, minha vizinhana Comporta. Por ele, tenho apreço,nomeadamente pela tentativa de re-cuperar a veia empreendedora dos

antepassados". Sobre as últimas con-trovérsias, diz: "É cedo para tirar con-

clusões, mas desejo todo o sucesso, abem da economia portuguesa."

Fevereiro, 2004CompromissoPortugalA lO de Fevereiro de 2004, no Con-vento do Beato, em Lisboa, cerca demil quadros, entre gestores, empresá-rios, advogados, políticos, juntaram-separa assistir à primeira convenção do

Compromisso Portugal. Entre os que,naquela manhã, pisaram a passadeiravermelha, estiveram Mora e Vascon-cellos. Um dos oradores reconheceque "havia o desejo de cortar com as

gerações no poder e facilitar a subidados que estavam na casa dos 40".

Não é claro em que contexto a H&S

passou a liderar os contactos com os

promotores do Compromisso Portu-gal, mas o movimento permitia refor-

çar a ligação aos futuros dirigentes.O certo é que, dias depois da con-

ferência do Beato, a H&S entrou emcampo. De lá vão partir, nos meses se-

guintes, dezenas de ematis a dar contade novas iniciativas.

Junho, 2004Acesso às grandesempresasDurão Barroso estava de partida pa-ra Bruxelas, Santana Lopes assumia o

poder e convida António Mexia paraministro das Obras Públicas. Mora eVasconcellos sabem cultivar as relaçõesque interessam. Mexia, que à frente da

Galp, entre 2001 e 2004, usou os ser-

viços da H&S, manter-se-á fiel e abrir-lhes-á as portas de grandes empresastuteladas pelo Estado. Em 2009, umainiciativa do Diário Económico com a

H&S, elegeu-o como o "CEO em desta-

que" e, recentemente, na qualidade deconsultor da EDP, Mora veio defendero actual modelo de remuneração, queatribui a Mexia um salário anual quepode ir até 4,2 milhões de euros/ano.

Antes do final do ano, Jorge Sam-paio convoca os eleitores. Era urgen-te lançar o novo primeiro-ministro.É nesse momento que Mora se tornamais interventivo a promover as ac-

ções do Compromisso Portugal e, a 27

de Outubro de 2004, através do seuemail pessoal, aborda mesmo, com os

promotores, detalhes logísticos rela-cionados com um almoço-debate pro-gramado para o Restaurante Girassol,

no Hotel Altis, em Lisboa.Em 2005, Mora enfrenta um acon-

tecimento trágico: de viagem para o

Algarve, ao volante, tem um acidentecom uma vítima mortal e, desde aí,quase não conduz. Sentado ao lado iao empresário Alfredo Casimira, pro-prietário do Grupo Urbanos, conside-rado pela H&S, em 2010, a melhor em-

presa para trabalhar em Portugal: "Éverdade que anda de motorista, mas

para quem tem uma vida agitada, sig-nifica ganhar 20% do tempo."

Março, 2005Polémica com CTTJosé Sócrates ganhou as eleições. A on-da era, agora, favorável aos socialistas.

Os dois sócios lançam os braços ao PS,

onde, aliás, já têm pontes: Pina Mourae Jorge Coelho. Nos anos seguintes,privam com o círculo de Sócrates etêm ligações especiais a Mário Lino,ministro das Obras Públicas, que con-firmará e ampliará contratos assinados

por Mexia. Em meados da década, aH&S estava presente na TAP, ANA, PT,EDP, Águas de Portugal, CTT, Carris,Estradas de Portugal.

Quanto mais negócios ganham,maior é o escrutínio. Vasconcellos eMora vão ser acusados de actuarem,por vezes, em conflito de interesses:escolhem os quadros para as empre-sas, que depois os contratam paratrabalhar como consultores, entre-gando-lhes a definição da política devencimentos.

Mas a vitória do PS abriu tambémas portas à mudança de cadeiras. Nos

CTT, Carlos Horta e Costa é substituído

por Luís Nazaré. Pouco depois, RaulMascarenhas, da equipa de Nazaré,tropeça num contrato "faraónico" as-sinado com a H&S, e que previa umaavença mensal superior a 150 mil euros.

Isto, além das remunerações extras. Afactura total ascendia a 3,2 milhões deeuros. "Considerámos que os serviçosnão eram necessários e rescindimos",contou Mascarenhas, que conhecia os

dois sócios da H&S. Uma auditoria da

Inspecção-Geral da Obras Públicas(IGOP) aos CTT não deixou dúvidas:"Existem fortes indícios" de facturação

paga à H&S, entre 2002 e 2005, portrabalhos nunca prestados.

A meio da década, Ricardo Salgado,presidente do BES, está por todo o la-do. O banqueiro construíra à sua voltauma aura de gravidade que ajudavaa completar a imagem de poderoso,

herdeiro de uma família de banquei-ros na quarta geração.

6 de Fevereiro de 2006OPA da PT, a grandeoportunidadeO ano vai começar com um mau pres-ságio para o BES. A Sonae avança so-bre a PT e põe em causa interessesinstalados. Na operadora, a convi-vência com os Governos revelava-seestruturante. O que se passou nashoras seguintes é premonitório: naadministração da PT partem-se ca-deiras - literalmente. O empresárioPatrick Monteiro de Barros exige aoBES a execução do contrato de putoption de 2% da PT (venda das acçõesao preço pré-fixado). Para substituirMonteiro de Barros, Salgado chamaVasconcellos que, pouco depois, apa-rece com 2% da ESFH (20 milhões) e2% da PT (200 milhões).

A escolha da família Espírito Santoera natural. Vasconcellos é cunhadodo secretário-geral do BES, BernardoEspírito Santo, e o padrasto, militarde carreira, James Risso-Gill, traba-lhou na área imobiliária do GES. Foiele quem sugeriu a Vasconcellos quefrequentasse, nos EUA, um colégiomilitar, de dois marines.

Data, portanto, do início de 2006o discurso: "Sou o herdeiro de umafamília muito rica ligada à SociedadeNacional de Sabões."

Um gestor que trabalhou com o avôRocha dos Santos confessa como ficou

surpreendido: "Começámos a estra-nhar, pois a família não era maiori-tária na SNS e quem mandava eramos Beirão da Veiga, o que não querdizer que não tivessem dinheiro, masnão chegava para investir na PT." Maistarde, soube-se que a Societé des Ban-

ques Suisse (SBS), no início, o BES e

o BCP financiaram as várias tomadasde posição na PT.

Na baixa lisboeta, a poucos qui-lómetros da sede da PT, havia outraguerra por travar. Desde o Outonode 2005 que Mora colaborava com o

presidente do BCP, Teixeira Pinto, narefundação do grupo. Um mês depoisdo "ataque" da Sonae à PT, era, agora,a vez do BCP se atirar ao BPI.BPI na mira do BCPNo banco de Fernando Ulrich, Morae Vasconcellos não eram desconheci-dos, pois, em 2000, a H&S reorganiza-ra serviços do BPI. Mora é casado com

Alexandra Barbosa, actual directorado banco, a quem os colegas não pou-pam elogios: "Ela esteve a lutar contraa OPA do BCP com o mesmo empe-nho que nós", diz um alto quadro. Porseu turno, Vasconcellos é marido da

"Xandinha", Alexandra MascarenhasVasconcellos, que passou também pe-lo BPI.

No Tagus Park, Teixeira Pinto eMora apostavam num novo modelode governação dualista (que agoravai ser anulado), que se revelou o ga-tilho que mostrou divisões entre ac-cionistas e dentro da administração.Estavam criadas as condições paraa OPA ao BPI falhar (Maio de 2007).Entretanto, a OPA à PT ainda rolavae os episódios multiplicavam-se. Umdeles com vários protagonistas. An-tónio Cunha Vaz, na altura assessorda Sonae, conta: "Estava a almoçar e

ouvi, noutra mesa, o Luís Ribeiro Vazcontar que uma parte do dia estavano gabinete de Mário Lino, de quem

era chefe de gabinete, e a outra com a

Ongoing a montar a estratégia contraa OPA. Como sou fiel ao meu cliente,contei-lhe que o adjunto do ministro,com quem Paulo Azevedo discutia os

detalhes da OPA, era o mesmo que ti-nha encontros diários com a Ongoingpara se opor à Sonae."

Cunha Vaz garante que só conhe-ceu Mário Lino a meio da OPA da PT.A cena podia ser tirada de um filme:"Um dia, ao sair do duche, no ginásio,cruzei-me com o ministro que estavavestido apenas de boxers a despa-char com o assessor. Dirigi-me a elee disse-lhe que era melhor não tratardaqueles assuntos ali, pois eu tinhaligações à comunicação social e esta-va a ouvir."

Hoje, Cunha Vaz, que passou a tra-balhar com a Ongoing em 2008, jánão poupa elogios aos actuais clien-tes: "Estão a ser alvo de ignorância e

má-fé, quando deviam ser de orgulho.À boa maneira portuguesa são motivo

de crítica e inveja."Na Maia, sede da Sonae, a equipa

de Paulo Azevedo faz saber que a On-

going é o cavalo de Tróia do BES paranão deixar fugir o controlo da PT. Jorge

Neto, deputado do PSD, surge a lideraruma associação de pequenos investi-dores e pede a António Lobo Xavier, da

Sonae, que clarifique a proposta. LoboXavier responde: "Sim, mas antes a

Sonae terá de entrar para a associa-

ção, pois é um pequeno investidor daPT." O deputado declina. O segredoera de polichinelo. Já depois de a OPA

falhar, o líder da CMVM, Carlos Tava-

res, acusa Jorge Neto de "representarvergonhosamente apenas um grandeaccionista da PT - a Ongoing". O depu-tado considerou Tavares "imparcial"e, anos depois, no quadro do inquéri-to parlamentar ao caso PT/TVI, entu-siasmou-se: "O Nuno vai ser a grandereferência empresarial do século XXI,um dos maiores empresários dos pró-ximos 30 anos."

AntónioMexia, ohomem forteda EDP, temsido umdos grandesapoiantes deVasconcellose Mora, cujosserviços deconsultoriaprocuradesde queesteve naGalp nosanos 90

2 de Março de 2007O estrelato

Era expectável. Com a ajuda do Es-

tado, a OPA sobre a PT não chegouao mercado. Há fotografias dos doissócios a saírem da assembleia-geral daPT triunfantes. Como recompensa, oBES apoia a ida de Vasconcellos para a

administração da PT, para onde viriatambém a entrar Mora.

Não é fácil definir com exactidãoem que momento das suas vidas Vas-concellos e Mora começaram a deli-near um projecto com a intenção de

ganhar força e notoriedade. Mas podedizer-se que até à OPA da PT - que os

catapultou para o estrelato -, o per-curso profissional foi feito à margemdos holofotes. A partir deste momen-to, Vasconcellos passou a falar em no-me da empresa: punha o dinheiro,conduzia a locomotiva. Mora definiaa táctica. É uma época em que o es-

panhol frequentava regularmente aEmbaixada de Espanha.

A história da Ongoing é, assim, ade dois amigos unidos pela vontadede singrar. Nos três anos seguintesganhou vida própria e escapou, emparte, à órbita do BES. Um amigo fezesta avaliação: "O Nuno faz o papeldo Salgado que é defender os interes-ses do clã, do qual ele se considera ochefe." E, salienta, "começaram a co-piar o estilo do Salgado numa versãomodernizada." Menos discreta, commais carros e espiões. E sem o Bancode Portugal a vigiar as suas acções.

2006Loja MozartEm Portugal há cerca de 5000 ma-çons, entre eles Vasconcellos e Mo-ra, este último ligado à maçonariaespanhola. Em 2006 os dois amigosdecidiram ajudar a dinamizar a lojaMozart n.°49, da Grande Loja Regularde Portugal (GLRP). Jorge Silva Car-

valho assumiu as funções de "vene-rável mestre" até 2008, quando foisubstituído por Nuno Vasconcellos.Nessa época, Luís Montenegro, hojepresidente da bancada do PSD, filiou-se na Mozart.Vasconcellos é sincero. À revista Sá-

bado disse: "Não vale a pena dizer"que a maçonaria "não tem poder",mas "há clubes de futebol com maisinfluência". Fora de questão é confir-mar a pertença à Mozart. "Só quemtem funções oficiais o deve fazer."

Os acontecimentos recentes, coma publicação já este ano, pelo PÚ-BLICO, de um email a convocar osirmãos para um debate com o mun-do profano, expuseram a simbiosede interesses articulados através daMozart, onde estão empresários, es-

piões, polícias, políticos, jornalistas.Numa linguagem maçónica, os "ir-mãos", onde se incluíam sete quadrosda Ongoing, são convocados para umdebate com o "mundo profano". AOngoing reagiu logo: "A Ongoing nãoé a maçonaria."

As relações entre filiados vão maislonge. As estratégias de poder nãodispensam ligações a fóruns infor-mais. Vasconcellos, por exemplo,está no Instituto Luso-Àrabe e na As-

sociação Portugal Marrocos. E, a 9 e

10 de Junho de 2008, Neto da Silva,Vasconcellos, Nuno Manalvo, Vasco

Rato, Álvaro Covões, todos da Mo-zart, viajaram até Washington paraparticiparem nas celebrações do Diade Portugal, em nome da Associaçãode Amizade Portugal/EUA. No site da

organização, a EDP aparece como ex-

clusive sponsor.

2007Hora de ponta2007 foi um período dourado paraMora, pois havia a ideia de que se

preparava para controlar o maiorbanco português. E isto, não era ir-relevante. Às vezes, a sede da H&S,

no Edifício Tivoli, em Lisboa, pareciaa hora de ponta. Para falar do BCP,apareciam Filipe Botton, a família La-cerda, Manuel Fino. Ricardo Salgadosaía do seu gabinete e atravessava a

pé a Avenida da Liberdade para sereunir com eles. Zeinal Bava ia tra-tar da PT.

Nas grandes empresas, como noBCP de Teixeira Pinto, Mora tinha li-vre-trânsito. Mas também era olhadode lado. Um dia um ex-gestor do BCPcruzou-se com Mora e lembrou-se deuma conversa contada, no final dosanos 80, por dois experientes ban-

queiros do Banco Popular Espanhol,que desconfiavam do protagonismode Mário Conde. "Ao verem passarConde com o seu habitual gel no ca-

belo, Rafael Termes e Luis Valls Ta-berner comentaram um para o outro:'Está visto que isto de banca não é

para cabeças brilhantes, mas parapessoas normais como tu e eu."

A presença da H&S no BCP come-çava a suscitar dúvidas. Em Julho de2007, António Rodrigues, ex-CFO dobanco, inquiriu a H&S nos EUA: "Quissaber se era admissível que a filial emPortugal se metesse na política de in-teresses do BCP, pois prestava con-sultoria e ao mesmo tempo os sócios

apareciam nas listas para a gestão."Além disso, o BCP tornara-se o seumaior credor da Ongoing.

Para o ex-gestor do BCP, FilipePinhal, "os relacionamentos agoraconhecidos [maçonaria e secretas]abrem uma nova perspectiva sobreo que aconteceu no BCP". Pinhal in-

tegrou a equipa de Jardim Gonçalves,associado à Opus Dei, e opunha-se àde Teixeira Pinto. Pinhal, Rodrigues eDias são arguidos no processo BCP.

Joe Berardo esteve ao lado da On-going, na PT, na luta contra a Sonae,e no BCP, batalhou pelo afastamentode Jardim Gonçalves. Dos dois amigossó tem bem a dizer. "São bons profis-sionais. Sou amigo do Mora e o Nunotem experiência, herdou um grandenome, tem ligações aqui e no Brasil,é afilhado do Balsemão e tem laçosfamiliares ao Espírito Santo. Têm tu-do para correr bem."

Teixeira Pinto, entretanto, acabará

por deixar o BCP, em 2008, e assu-mir funções de consultor da Ongoing.Em 2010, fundou a editora Babel, quevendeu, no ano seguinte, à Ongoing.Teixeira Pinto não respondeu ao con-tacto do PÚBLICO.

Final de 2007Apetite pelos mediaNa revista Exame, a família Rocha dosSantos estreava-se na lista dos maisricos de Portugal, na 21a posição, comum património de 312 milhões. Mas as

dívidas da Ongoing atingiam os 800milhões de euros e os lucros 40 mi-lhões. Hoje, a holding aparece no rolda troika dos 50 maiores devedoresda banca portuguesa.

O Brasil tem sido um destino elei-to dos dois sócios. As viagens a São

Paulo, no final da década passada,eram de estrondo. Por vezes, faziam-se acompanhar de uma comitiva deexecutivos e convidados a quem ofe-reciam uns dias de luxo. Um delescontou ao PÚBLICO que "à espera,no aeroporto, estavam limusinascom vidros escuros antibala" e os

hospedavam nos hotéis mais carosde São Paulo, no Fasano ou no Uni-

que. Os serões "incluíam charutadas"e quem desejava tinha extras, o quepodia tornar-se desconfortável. "Eraum filme!"

Do outro lado do Atlântico, os doissócios entraram no círculo do ex-chefe da Casa Civil de Lula da Silva,José Dirceu, colunista dos jornais da

Ongoing no Brasil, um homem consi-derado poderoso por causa dos seusconhecimentos e o principal arguidodo caso Mensalão. A sua agenda te-lefónica vale milhões. Vasconcellos,Mora ou, por exemplo, Miguel Relvasestão entre os amigos. E as socieda-des de Dirceu (Oliveira e Silva/LilianRibeiro e JD Consultores) e o gabinetenacional LSF & Associados, parceirodo brasileiro, prestaram serviços à

Ongoing.

Final de 2008Grandes projectosA crise financeira rolava com forçanos mercados. Mora e Vasconcellossão figuras públicas e não escondemsinais de riqueza. Ao volante de umBentley de duas portas, que fez che-

gar da Grã-Bretanha, num contentorespecial, Mora faz-se notar. "A mu-lher evitava andar nele pois era os-

tensivo", lembra um vizinho no BelasClube de Campo, para onde o casalse mudou quando deixou o aparta-mento de Cascais. A casa de Belas,adquirida a Eusébio Simões, dono daSumolis, foi posta à venda por dois

milhões de euros. No ginásio do Ritz,o cacifo de Mora destacava-se por serdos poucos a ostentar o seu nome.

Já Vasconcellos, que vive na QuintaPatino, comprou a prestações o seu

primeiro carro, um Porsche. Mas jáconduziu um Aston Martin, a marcapreferida do agente secreto 007 e,agora, tem um Ferrari.

30dejunhode2008Entrada na ImpresaQuase em simultâneo, Vasconcellosanunciou que tinha 6,07% da Impresae que comprara o Diário Económicoe o Semanário Económico, por 27,5milhões, cerca de 100% mais do queo oferecido pela Sonae.

Os investimentos generosos chama-ram a atenção do advogado de IsabelRocha dos Santos, accionista da On-

going e mãe de Vasconcellos. Nesse

Outono, Manuel Castelo Branco acon-selhou a cliente a fazer uma auditoria

independente às contas da holdinge alertou-a para o que chamou de"estratégia demasiado agressiva deRafael Mora". Mãe é mãe. "Ela é deuma extrema cordialidade e muitoactiva e foi, naturalmente, falar como Nuno", contou um amigo. E o filhonão gostou.

Nesse fim de tarde, nos escritóriosde advocacia de Lisboa, foi o diz quedisse. Vasconcellos e Mora aparece-ram de rompante no gabinete de Cas-telo Branco. Houve gritos e ameaças.Castelo Branco, que perdeu a cliente,recusou "falar no assunto".

Ultimo dia de 2008Balsemão inquietoA Ongoing apresentou-se como o

segundo maior accionista da Impre-sa (18,2%). Balsemão surpreende-secom a dimensão da posição, mas nãocom a decisão de reforçar. Quando,antes, Vasconcellos lhe deu conta daintenção, respondera-lhe: "Antes tu,que outros. Com mais de 10% deviasnomear um administrador e gostavaque fosses tu."

A presença da Ongoing na Impresaera natural. Havia uma ligação his-tórica, mas também uma parceriaentre a H&S e a Impresa, que ajudoua promover os dois sócios. Fonte da

Impresa conta: "Não tínhamos de-

partamento de recursos humanos,delegamos na H&S funções na áreados recursos humanos, como o re-crutamento de quadros."

Alguns jornalistas do grupo nãodispensaram, portanto, o crivo daconsultora. As chefias eram, mesmo,avaliadas por uma psicóloga especia-lizada em stress. "Às vezes, no finaldas sessões, o Mora e o Nuno apare-ciam." E tanto podiam abordar temassérios, como manter conversa maissolta. A situação criou desconfortoentre os analisados.

2009A conquista do BrasilO ataque à Impresa ia partir de ondemenos se esperava. Logo após ter lan-

çado o Económico Brasil, com direi-to a fotografia com o presidente Lulada Silva, Vasconcellos apareceu com22% da Impresa e, do ponto de vistade Balsemão, abriu as hostilidades.Um amigo da família Rocha dos San-tos tem esta interpretação: "Quandoo pai morreu [18/1/2009] o Nuno nãogostou de ouvir o Balsemão, duranteas homenagens, dar a entender queera ele, que tinha a última palavra nagestão. O Luís não só era co-fundadordo Expresso, como geria o jornal." Pa-ra alguns, foi o "móbil" da viragem na

relação entre afilhado e padrinho.O folhetim TVI, envolvendo a PT,

a Média Capital (TVI) e a Ongoing co-locou na praça pública as relações de

proximidade da Ongoing com o gover-no socialista. O objectivo era controlarum canal de televisão generalista. Nãosendo possível fazê-lo através da PT, a

Ongoing acordou com os espanhóis a

compra de 33% da Média Capital por100 milhões de euros, alavancadosno BCP. E avançou com um trunfo: a

contratação de José Eduardo Monizpara vice-presidente da Ongoing. A

CMVM impediu a Ongoing de ficar,em simultâneo, na Impresa (22%), e

na Media Capital (35%), o que travouo negócio.

O confronto era esperado. A On-

going reclamava agora de Balsemãoo controlo da gestão e prometia aofundador a presidência não executi-va da Impresa. "Sou amigo do Nunoe do Mora e sei que estão a viver um

momento de troca geracional que às

vezes não corre bem, pois quem es-tá acima não aceita", notou AlfredoCasimiro, que diz ter "respeito" porBalsemão. "Mas há ali um conflito queele não está a ser capaz de gerir."

Primeiro semestre,2009CGD questionaOngoingA presença de Vasconcellos e Morana PT, como accionistas, gestores econsultores, ficou marcada por polé-micas. Soube-se, por exemplo, queentre 2007 e 2008 a PT pagara à H&Smais de 5,5 milhões de euros por ser-

viços prestados - um cliente da H&S

gerara uma facturação média de 350mil euros por colaborador. Um valorbem acima do habitual neste tipo de

consultoras, que facturam, em regra,150 mil euros por trabalhador.

E, em Julho de 2009, numa reuniãode administração da PT, o represen-tante da CGD, Jorge Tomé, denunciouhaver quem actuasse em surdina. Por

que razão o Fundo de Pensões da PTaplicara, por ordem do gestor SoaresCarneiro, 75 milhões de euros, emfundos de alto risco da Ongoing, semouvir o Comité de Investimentos?

A acção da CGD agitou os bastidoresda PT e a controvérsia só terminoucom a saída de Soares Carneiro para aOngoing em São Paulo. Tomé abando-nou o Comité de Investimentos da PT.Meses depois, em Fevereiro de 2010,em declarações à Visão, falando deste

episódio, o presidente da PT HenriqueGranadeiro fez uma observação extra-ordinária: "Fui encornado!" Soube-se,ainda, que o BES, com 180 milhões, eo Montepio Geral, com 30, seguiramas pisadas da PT e deram ânimo à On-

going, para se expandir sem dívida.

Vésperas das eleições legislativas.As baterias estavam voltadas para Só-

crates, acusado de alegadas irregula-ridades no caso Freeport. Antes das

eleições, Mora fala com a gestão da

SIC, a quem aconselha a "evitar en-trar na guerra com Sócrates", parasalvaguardar as parcerias com a PTe a Zon (onde o Estado e a Ongoingeram parceiros).

Dias mais tarde, o espanhol regressaà SIC, mas agora acompanhado de Vas-

concellos. Um alto quadro do canal detelevisão contou: "Sustentarem a tesede que havia uma campanha montadacontra Sócrates e garantiram que ti-nham provas, envolvendo a jornalistaque, no Sol, escrevia sobre a matéria".Fonte da SIC esclareceu: "Não falamossobre temas privados."O que é a Ongoing?Nesse mês de Outubro, depois deanunciar o lançamento do Brasil Eco-nómico, a Ongoing comunicou quetinha entrado, como grande inves-tidor, no fundo Benfica Stars Fund,que gere os passes de 12 jogadores,avaliado em 40 milhões. Na Impresa,o braço-de-ferro entre accionistas con-tinuava. Seis meses depois de entrarpara a administração, Vasconcellosdemitia-se. Os processos já rolavamnos tribunais.

Primavera, 2010Novos investimentosno BrasilUma vez no Brasil, a Ongoing prepara-va novos investimentos. No primeirodia do mês, as notícias dão conta da

contratação de Carmelo Furei, vice-presidente da Telecom Itália (que jásaiu do grupo) para liderar os projec-tos na América Latina. Um mês de-pois, adquiria o grupo editorial Dia:o Dia, a Meia Hora e os desportivosMarca e Campeão. "Somos o terceiromaior grupo de imprensa brasileiro,com uma audiência de 3,5 milhõesde pessoas e uma tiragem de 400 milexemplares", explicava, então, Vas-concellos.

"Os petistas estimularam a Ongoinga implantar no Brasil uma rede de co-municação alinhada com o governo

"Percebi

que Moraé muitointeligente e

competente.(...)JápeloNuno tenhoapreço" pelatentativa derecuperaro grupofamiliar, dizEduardoCatroga

de Lula da Silva para diminuir o po-der dos grandes grupos privados demedia", escreveu a Folha de São Paulosobre os investimentos do grupo nosmedia.

Entretanto, o caso Face Oculta con-tinua a ser notícia, com a divulgaçãode conversas entre Rafael Mora e Ar-mando Vara, então vice-presidentedo BCP. O Correio da Manhã mencio-na, ainda, um contacto com respon-sáveis do banco para "renegociar" e

"reestruturar" a dívida da Ongoing,ao BCP para "aumentar a posição" naImpresa.

Joe Berardo continua sem percebero que é a Ongoing: "Tudo aquilo é umbocado estranho. O que eu sei é queo segredo dos negócios é sempre a

informação." Ter acesso a uma tele-visão pode ser irresistível e as escutasda Face Oculta mostraram a vontadeda Ongoing em tomar posição nestesector, o que acabou por nunca acon-tecer. Na sequência, os dois sócios vão

prestar contas a São Bento.

Outubro, 2010A pergunta deBranquinho daFonseca"O que é a Ongoing? É um grupo demedia? É uma das questões que mais

tem atravessado a discussão sobre as

questões da liberdade de expressão",perguntava com ar de espanto o de-

putado do PSD Agostinho Branqui-nho a Vasconcellos no Parlamento.Oito meses mais tarde, o deputadoabandonava São Bento para ingressarna Ongoing Brasil.

"É uma pessoa que tem total dis-

ponibilidade para ir para o Brasil e

que percebe muito de media e de te-levisão", justificou Mora. À Sábado,em Dezembro de 2011, Vasconcellos

elogia-o: "Foi uma surpresa, é um ex-celente gestor. A alcunha dele é Ca-

pitão Nascimento da Tropa de Elite:missão dada, missão cumprida."

17 Novembro de 2010Silva Carvalhoprepara ida paraOngoingDois dias antes da cimeira da NATOem Lisboa, Jorge Silva Carvalho, aos44 anos, pede a demissão de directordo Serviço de Informações Estratégi-cas de Defesa (SIED). A l 9de Novem-bro, o Sol associou a demissão de SilvaCarvalho a contestações internas por"manter relações privilegiadas a al-

guns grupos económicos, nomeada-mente, à Ongoing".

18 Novembro de 2010Tensão no aeroportoAeroporto de São Paulo. O voo daTAP para Lisboa estava atrasado. En-tre os que, naquele dia, viajaram emexecutiva estavam banqueiros, ges-tores, empresários, advogados... Ma-nuel Castelo Branco e Nuno Vascon-

cellos estão entre eles. Conta quemassistiu: "As pessoas amontoavam-seà entrada do avião que estava com-pletamente cheio, e o Castelo Brancodirigiu-se ao Nuno e estendeu-lhe amão, mas ele reagiu de forma vio-lenta. O Nuno disse-lhe que ele e oBalsemão andavam a denegrir a ima-

gem da Ongoing em Moçambique e

que sabiam tratar dos inimigos." Doismeses depois, Castelo Branco deixouo escritório absorvido pelo espanholCuatrecasas.

Descrito como destemido, Vas-concellos "bate-se por aquilo emque acredita". Um amigo evocou apropósito: "Nos anos 90, numa dis-

coteca, reparou num tipo que olhava

para a 'Xandinha'. Avançou e deu-lheuma cabeçada." Já este mês, o Correioda Manhã reproduziu uma conversacom Vasconcellos: "Três vezes por se-

mana faço ginástica. Também praticoboxe, kickboxing e vale tudo, com omeu mestre."

3 de Dezembro de 2010Ministério Públicobrasileiro abreprocessoO Ministério Público brasileiro sus-

peita da Ongoing e avança com umainvestigação onde acusa o empresárioportuguês de usar "um artifício paraburlar a Constituição" brasileira, que

proíbe o controlo por estrangeiros de

jornais, revistas, emissores de rádio etelevisão. Em causa está a Ejesa, comsede no Rio de Janeiro, detida em 70%

por Alexandra Vasconcellos. NunoVasconcellos, que tem os restantes30%, alega que está casado com se-

paração de bens, o que prova que as

acções são da luso-brasileira. O pro-cesso acabou arquivado.

17 e 18 de Dezembrode 2010Reunião de quadrosNesse fim-de-semana, o grupo reúneos quadros na Fundação Oriente. Olíder da Ongoing comunica que desa-fiou Silva Carvalho, presente na sala,

para trabalhar com ele, e que este iaponderar.

Na plateia está um grupo de ilus-tres colaboradores: Agostinho Bran-quinho, Pina Moura, Soares Carneiro,José António Pinto Ribeiro. TeixeiraPinto discursou e, tal com outros, ves-

tia uma camisola da Ongoing. A sur-

presa surgiu quando Miguel Relvas,José Luís Arnault e Eduardo Catrogaelogiaram, por vídeo-conferência, ossócios. "Sim é verdade que participei,por convite, e fi-lo com gosto, masnunca trabalhei com eles", explicouMiguel Relvas, para quem "é semprebom ter um grupo português com ca-

pacidade de se internacionalizar".Sentada no anfiteatro da Funda-

ção Oriente, nessa manhã, esteve adirectora de marketing do Brasil Eco-nómico, Evanise Santos, namoradade José Dirceu, a quem Vasconcellosnão poupa elogios. "Trata-se de al-

guém de grande valor não só por co-

nhecer as pessoas que contam, mastambém por saber organizar confe-rências." Nesse fim-de-semana, Dir-ceu foi visto em Lisboa em trânsito

para a Suíça.Para muitos dos colaboradores,

a reunião ficou marcada por doismomentos. Um protagonizado pelodono da Vida é Bela, António Quina,colunista do Diário Económico. Emtom de brincadeira, quando tomavaa palavra, Quina fez menção ao olhardesalinhado de Mora, que distrai osinterlocutores.

Para motivar a assistência, forampassados excertos do filme "300",baseado em banda desenhada, e quevisa enaltecer a "união e a garra". Umjornalista evocou: "O guião envolviauma luta entre dois exércitos: um de300 homens e outro de milhares. Acerta altura, a mãe de um guerreirodo grupo mais pequeno volta-se parao filho, de partida para a guerra, edeixa a mensagem: Livra-te de volta-res vivo sem ganhares a batalha."

A poucos dias do final de 2010,Marcelo Rebelo de Sousa adivinhava:"A Ongoing está a preparar-se paraestar mais próxima do poder políti-co que está de chegada" - o PSD. Econcluiu: "A Ongoing é uma empresamuito política." Com efeito, dias de-pois do encontro na Fundação Orien-te, Silva Carvalho anunciou que eraassessor de Vasconcellos.

Em 2010, os lucros do grupo to-talizaram 235,5 milhões de euros,mais 424% do que o registado em2009, com o contributo do encaixeda venda da Vivo pela PT. Extraindoos ganhos com associadas, teriamficado no vermelho tanto em 2009(menos 4 milhões), como em 2010(157 milhões).

2011Crise asfixia gruposnacionaisAté aqui, Mora e Vasconcellos nãotinham sido comedidos nem na es-

tratégia, nem no discurso. A 30 de Ja-

neiro, inquirido no programa "Gente

que conta", Rafael Mora admite que aOngoing "vai ser uma placa giratóriada comunicação social na América doSul, África, Portugal." Mora era rápidoa pensar. Foi em frente: "E mais! E naÁsia, em Timor, em Macau. E porquenão as comunidades lusófonas do Ca-

nadá, dos EUA, França ou Suíça?"Ao Expresso, [26/2/2011], Ricardo Sal-

gado elogiava Vasconcellos: "Sei queestá a seguir um percurso bastante po-sitivo no Brasil. Mas não presta contasaos BES."

O modo de actuação da Ongoingsuscitava perguntas. No primeiro se-

mestre de 2011, além de Silva Carva-lho, a Ongoing já contava com maistrês ex-espiões: Paulo Alfaro, ex-SIED,Paulo Félix (que já saiu), ex-SIS, Paulo

Santos, um operacional que do círculo

próximo do Presidente José Eduardodos Santos. Em Outubro, Vasconcellos

justificou-se: "Quando os contratei nãosabia, e continuo sem saber, se perten-cem às secretas." E exemplifica com a

petrolífera BP que usa ex-espiões nosmercados onde opera.

Abril, 2011

Portugal pede ajudaPortugal andava zombie, os dois só-cios continuavam zen. Nesse mês,em que José Sócrates pediu ajudaexterna, comunicaram que tinham

23,86% da Impresa e que planea-vam investir 350 milhões de eurosaté 2014, estando atentos à privati-zação da RTP.

A crise traduzia-se numa frase: au-mento do custo do dinheiro. O modelode crescimento da Ongoing, sustenta-do em financiamento bancário, já nãoera viável. Os créditos que tinham per-mitido aos dois sócios afirmarem-sena PT, estavam garantidos em acçõesno pressuposto de que não desciamabaixo da cotação próxima de 6,5 eu-ros. Os bancos exigiam agora que asdívidas fossem 100% colaterizadas aovalor de mercado. A perda progressivado título, de 40%, era uma ameaçade ruptura.

Mora e Vasconcellos estão agora

conscientes do efeito mata-borrão quea PT pode ter na Ongoing. É tempo demudar de ciclo. No Brasil, o PIB está acrescer 4,5% e o país é a prioridade.A meio de 2011, Mora e Vasconcellosinstalaram-se em São Paulo, onde jápassam metade do ano.

A época, por cá, adivinhava-se con-turbada. Na H&S há sinais de preocu-pação. Para acautelar os interesses ea independência da consultora, PedroRocha de Matos e Pedro Rocha da Silva

propõe-se, em vão, liderar um MBO(tomada de controlo por um grupode quadros). Uma coisa é certa, emmatéria de contratações de figuraspúblicas a Ongoing é campeã. Depoisde Jorge Coelho, Pina Moura, de RitaMarques Guedes, ex-chefe de gabinetede Morais Sarmento, coordenadorada carta programática de Passos Co-elho, a empresa foi buscar Guilherme

Drey, chefe do gabinete de Sócrates,que acompanhou a venda da Vivo, e oex-secretário de Estado das Finanças,Costa Pina.

Verão, 2011Rebenta escândalodas secretasCá fora fala-se. As secretas eram um"regador". Silva Carvalho tinha ap-tidões indiscutíveis e talvez se tenhainebriado com a capacidade de fazercoisas. Depois do episódio BernardoBairrão (o ex-gestor da TVI convida-do e desconvidado para o Governo),o Expresso noticiou que Silva Carva-lho acedeu às chamadas telefónica deum jornalista, para saber quem nassecretas falava com ele, e, por ou-tro lado, de passar dados à Ongoing.A Visão noticiou que as buscas aoscomputadores, continham milharesde ficheiros.

Vão longe os tempos em que Mora,ao DN, considerava Silva Carvalho"um profissional excepcional comcapacidades de organização de en-trosamento e de conhecimento daeconomia."

"O Nuno quando convidou o SilvaCarvalho deu-lhe a entender que iaser o seu número dois e o Mora nãogostou", observou um ex-colabora-dor da Ongoing. Por isso, até admiteque a saída de Carvalho possa ter si-do "o culminar de um diferendo, tra-vado entre homens semelhantes".

Para os amadores das teorias das

conspirações há perguntas que só o

tempo vai esclarecer. Um elemento

da esfera das secretas interroga-se:"Jorge Silva Carvalho saiu da On-going mas deixou os dossiers? Emque altura Silva Carvalho se tornoudispensável?" E garante que, antesdo Verão, Silva Carvalho prometeu"a uma pessoa dos serviços que, ca-so ela saísse, lhe arranjaria um lugarna Ongoing. Ela saiu no Outono e elenão a empregou".

15 de Setembro de 2011

Viagens à ChinaDa costa leste da China, onde as-sinou um "protocolo de coopera-ção tecnológica", por concretizar,Vasconcellos atirou-se a Balsemão:"Estou concentrado na salvação daImpresa", que "está numa situaçãocalamitosa". Continua interessado naRTP? "Não participarei na privatiza-ção enquanto for accionista daquelegrupo". Hoje esta é uma opção queparece adiada.

Três dias depois, o gestor já se

cruzava, no Rio de Janeiro, com Mi-guel Relvas, que participava numencontro da Câmara Portuguesa doComércio.

E a 28 de Setembro, quando jáconstava que o casal "divergira", Ale-xandra Vasconcellos apresentou-se,pela primeira vez, como líder do gru-po no Brasil. Ao Ministério Públicorespondeu: "Muito me admira queno Brasil ainda se questione a compe-tência e o poder de gestão das mulhe-res. Sou dona da Ejesa e presidente,e tenho muito claro para onde querolevar os jornais que publicamos."

É um "chavão" dizer que os doissócios se completam. O ainda vice-presidente do BCP, António Rama-Iho, figura no lote dos amigos: "Elescriaram uma relação pessoal muito

Joe Berardoé amigo dosdois sóciose diz sobrea Ongoing:"Tudo aquilo

é um bocadoestranho.O que eusei é que osegredo dosnegócios é

sempre ainformação."

boa e vejo com naturalidade o sur-gimento de empreendedores comhistória familiar e que se ajustamaos novos tempos com novos acto-res profissionais." Alfredo Casimi-ro concorda: "Completam-se mui-to bem. São grandes empresários,com interesses para além dos media,grandes amigos e evoluíram muitonos últimos anos."

Carlos Barbosa, do AutomóvelClube de Portugal, distancia-se. "ONuno é de bom trato" e por ele "te-nho grande simpatia". Já Mora faz edesfaz, queixa-se. Em 2007 perten-ciam ambos à direcção do ACP. Umdia, Mora recusou-se a validar umadecisão já depois de a ter viabilizado.Barbosa ter-lhe-á dito: "Só tens umasolução: sair." Mora deixou o ACP emAbril de 2010 "por discordância", in-formou Barbosa.

Os estilos de gestão ou aproximamou afastam. Nove meses depois deentrar na Ongoing, como executivo,o ex-presidente da PT, Carlos Vas-concellos Cruz, bateu com a portapara manter os amigos e evitar con-frontos. Ao PÚBLICO só disse: "Sãoduas pessoas por quem tenho amiza-de pessoal e que conheço há muitos

anos."A guerra com Balsemão continua.

Em Novembro de 2011, o ex-directordo Expresso observava: "Há falsosempresários de comunicação so-

cial que meteram o jornalismo nagaveta." A isto, o líder da Ongoingobjectou: "Tenho uma televisão [oEconómico TV] por cabo, um jornal,o Diário Económico, que é super in-

dependente." E, ao PÚBLICO, dissea frase que incomodou o padrinho:"Não quero mal a Balsemão... Masnão sou manipulável. Pode ter sidoo melhor amigo do meu pai, podeter sido um pai, mas faço aquilo quetenho de fazer contra tudo e contratodos."

Carlos Barbosa considera que a

Ongoing "tem dado muitos tiros nopé, e não muito certeiros, o que pa-ra o Nuno não deve ser confortável,financeiramente falando. E vai per-der." Cunha Vaz retribuiu: "É a pres-são das velhas guardas quando chegaalguém de novo e com valor, umaempresa sem pés de barro."

Antes do ano terminar a OngoingMedia quer mostrar fôlego e aumentao capital em 20,5 milhões de euros,mas através da incorporação de acti-vos. Por seu turno, Isabel Rocha dosSantos acompanha uma operaçãoidêntica na ESFH.

sdejaneirode2ol2BES desvalorizarelação com OngoingNo BES, o tom hoje é de desvalori-

zação da ligação à Ongoing. Fonte do

grupo sustentou: "Nunca foi tantocomo se dizia. Não existe um senti-mento umbilical, embora seja certo

que a Ongoing nasceu no contexto daOPA, o que fortaleceu as relações."No meio das últimas polémicas, Sal-

gado enviou uma mensagem à On-going: "Haja contenção."

Incapaz de levar por diante o gran-de projecto multimedia, com tele-visões generalistas, em Portugal e

Brasil, e extensões a Angola, ondenunca entrou, a Ongoing pode es-tar em vias de perder José EduardoMoniz, que é rei sem coroa, e o ex-director do Diário Económico, MiguelCoutinho, abandonou a holding parair para a EDP, onde terá a relaçãocom Pequim.

Terá a locomotiva começado a des-carrilar? A Ongoing adiou, por uns

dias, o pagamento dos salários aostrabalhadores do DE, à espera de re-ceber o dividendo intercalar da PTde 19,4 milhões. A operadora já anun-ciou que, no futuro, será menos bon-dosa com os accionistas. Até aqui,os dividendos da PT e da Zon têmpermitido à Ongoing renegociar asdívidas à banca e ficar com cash para

fazer aquisições. O fim do acesso aocrédito fácil põe em causa o modelode crescimento seguido.

Os amigos de Vasconcellos e deMora acreditam que vão dar a volta

por cima: "São óptimos profissio-nais." Os detractores notam que as

ligações à política, maçonaria e se-cretas forjam alianças, mas destruí-

ram a credibilidade. Outros chamama atenção para os elevados créditos à

banca que podem acabar por revelar-se um porto seguro. O que parececerto é que o mega-projecto Ongoing(TMT), tal como foi idealizado, en-trou em declínio.