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DANÇAS DE PORTUGAL O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis movimentos da esperança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte – Os beijos merecidos da Verdade” “Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens” "Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço, Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna" Fernando Pessoa

DANÇAS DE PORTUGAL

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DANÇAS DE PORTUGAL

“O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis movimentos da esperança e da vontade,Buscar na linha fria do horizonteA árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –Os beijos merecidos da Verdade”

“Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens”

"Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço, Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna"

Fernando Pessoa

MAPAS DE PORTUGAL

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CIDADES MAIS IMPORTANTES

Minho   

 Arcos de Valdevez    Barcelos Braga    Caminha    Guimarães Ponte da Barca    Ponte de Lima Viana do Castelo    Vila Nova de Cerveira  

Tras-os-Montes   

Bragança   Chaves    Mirandela Vila Flor    Vila Real  Douro Litoral   

Porto    Póvoa de Varzim    Santo Tirso    Vila do Conde    Vila Nova de Gaia

Beira Baixa    Castelo Branco    Covilhã    Fundão

Beira Litoral   

 Estremadura    Alcobaça    Caldas da Rainha  Leiria    Lisboa    Peniche    Pombal Sintra    Setubal  

Ribatejo    

Abrantes    Almeirim    Cartaxo Fátima    Santarém    Tomar  

Alto Alentejo    

Elvas    Estremoz    Évora    Ponte de Sor    Portalegre  

Baixo Alentejo    Alcácer do Sal    Beja    Moura Santiago do Cacém    Sines  

Algarve    

Faro    Lagos    Loulé    Portimão Silves    Tavira    Vila Real de Sto António  

Aveiro    Coimbra    Espinho Figueira da Foz    Ovar  

 

Madeira  Funchal   Santana    Vila Baleira  

Açores    Angra do Heroísmo   Horta    Ponta Delgada

Algarve: Corridinho, Ti Anica de Loulé

Trás dos Montes Alo Douro: Vira do Meu Pai

Douro Litoral: Pastorinha

Minho, Beira Litoral: Malhão, Malhão

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COLETÂNEA DE ESTUDOS E REGISTROS DO FOLCLORE CAPIXABA: 1944-1982 Guilherme Santos Neves

O VELHO TEMA DA ROLINHA PRESA  Cecília Meireles está de novo em Portugal. E de lá envia, para o Diário de Notícias (edição de 12.05.1957), suas impressões da terra e da gente lusitana. E porque ela não esquece o nosso folclore – principalmente o folclore infantil que ela conhece como poucos – encontra ou reencontra nas terras portuguesas aquele mesmo encanto das rondas infantis que ouvira criança, em terras do Brasil. É o que nos refere ela em seu artigo “Esperava-me em Elvas”, o qual assim se inicia: 

Esperava-me em Elvas, entre outras coisas, a infância brasileira, com muitas meninas poéticas, à sombra das árvores e à claridade da lua. Tudo isso porque aí chegaram, às minhas mãos, as coleções folclóricas de A. Tomás Pires e S. A. Pombinho Júnior. Detenho-me numa, que é das mais lindas cantigas de roda (para o meu gosto) que Portugal possui.

 E é esta a cantiga citada por Cecília Meireles: Pombinha branca,Ai Don Solidon,Caiu no laço,Ai Don Solidon,Dá-me um beijinho,Ai Don Solidon,Dar-te-ei um abraço,Ai Don Solidon. Pombinha brancaCaiu no laçoDá-me um beijinho,Isso é que eu não faço. E prossegue ela: “Detenho-me nesta, porque o seu eco é também uma das minhas mais amadas cantigas de roda do Brasil.” E cita: Olha o passarinho,Dominé,Que caiu no laço,Dominé,Dá-me um beijinho,Dominé,Dá-me um abraço,Dominé. A transcrição continua, mas paramos aqui, para um reparo apenas, que será o motivo destes rabiscos.  Há tempos, ouvimos em São Mateus, no jardinzinho frente à igreja de São Benedito, cantada por menininhas de lá, esta roda infantil que também poderia associar-se à “Pombinha branca” de Elvas: Rolinha andou, andou,caiu no laço, embaraçou.Dai-me um abraçoque eu desembaraço,olhe a rolinhaque caiu no laço... Sei, através de registros nossos, que se cantam variantes desta ronda em Domingos Martins, Ibiraçu, Acióli, Itaguaçu, Vila Velha e, certamente, em quase todo o Espírito Santo. Ali em Vila Velha, por exemplo, os quatro últimos versos dizem assim: Dai-me um abraçoque eu desembaraçoesta rolinhaque caiu no laço... Igualmente em Domingos Martins, versão muito próxima da de São Mateus: Rolinha andou, andou,caiu no laço se embaraçou.Ó me dá um abraçoque eu desembaraçoa minha rolinhaque caiu no laço... 

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Esta ronda é das em que se tiram trovinhas, dentro da toada, naturalmente repetindo alguns versos para melhor adaptação. Assim: Menina, minha menina,Quem te fez tão bonitinha?Foi o sol e foi a lua,Foi a estrela miudinha,Foi o sol e foi a lua,Foi a estrela miudinha. Depois, repetem todas o “Rolinha andou, andou” feito estribilho na roda. Da cidade da Serra tenho esta versão mais simples, creio que variante do “Dominé”, aí substituído pelo “Psiu, psiu”: Olha a rolinha,Psiu, psiu!Caiu no laço,Psiu, psiu!Dai-me um beijinho,Psiu, psiu!dai-me um abraço,Psiu, psiu! Meu prezado amigo Veríssimo de Melo, em seu valioso registro de “Rondas infantis brasileiras” (Revista do Arquivo Municipal, nº CLV, São Paulo, 1953, p. 279), focaliza a roda do “Olhe a rolinha”, ouvida em Natal, Rio Grande do Norte, com música bem diversa da que aqui se entoa: “Olhe a rolinha, / Doce, doce, / Ela voou, / Doce, doce, / Caiu no laço, / Doce, doce, / Embaraçou-se, / Doce, doce.” A roda tem um complemento que é cantado pela menina do centro da roda, e que não nos interessa por ora. Acrescenta Veríssimo de Melo outras fontes de referência, como Terra de sol, de Gustavo Barroso, onde encontramos dois versinhos da mesma roda – “A rolinha doce, doce, / Caiu no laço, embaraçou-se” – e uma versão cearense, semelhante (inclusive no Dominé) à que cita Cecília Meireles. Outra fonte informativa é o clássico livro de Pereira da Costa, Folclore pernambucano (1908, p. 509), onde se encaixa uma versão muito parecida com a de Natal, e com a que, em 1909, ouviu Afonso Arinos em Diamantina (Lendas e tradições brasileiras, 1937, p. 142). Como se vê das variantes aqui citadas, o fio temático em todas elas é o laço em que cai a pombinha branca, o passarinho, a rolinha. Todas caem no laço armado para apanhá-las. Na ronda infantil do “Dominé” (ou “Dominó”, como se canta por aqui), e na da “Pombinha branca”, fala-se em beijinho e em abraço, mas sem se explicar claramente a razão do seu encaixe nos versos. Só nas versões capixabas é que se diz a condição para desembaraçar a presa gentil: “Ó me dá um abraço / que eu desembaraço...” Logo – podemos concluir – o beijinho e o abraço de todas essas rodas da infância são a paga ao esperto que desenlaça ou desembaraça o passarinho cativo – naturalmente uma mulher. Esta simbolização é mais suave e menos áspera do que a que empresta, a certas aves (pombinhas etc.), Joaquim Ribeiro, em seu estudo “Folclore e psicanálise”, incluído na Introdução ao estudo do folclore brasileiro (1ª. ed., p. 150-61). Antes de pôr fecho a estas nótulas, lembra-me uma velha cantiga entoada – se não me engano – em carnaval do passado e registrada nos antiquados discos de... gramofone. A melodia era diversa da que se canta nas rondas da “Rolinha andou, andou”, mas o sentido se mescla ao velho e simbólico tema da rolinha presa: “Olha a rolinha, / Sinhô, Sinhô, / Caiu no laço, / Sinhô, Sinhô, / Dai-me um beijinho, Sinhô, Sinhô, / E um abraço, / Sinhô, Sinhô...” (Fonte: A Gazeta, 30.05.1957)

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CANTIGA TRADICIONALCOMO VALOR CULTURAL E POÉTICO(texto extraído do livro “Grande cancioneiro do Alto Douto” de Altino Moreira Cardoso)

Tratando-de de uma forma cultural de grande importância diacrónica, é preciso, basicamente,respeitar a camtiga tradicional. Mais ainda: quanto mais rica e antiga for a herança cultural, maispreparação e cuidado de aproximação requer. Um monumento com cinquenta anos facilitará maiso acesso cultural do que um outro com séculos de existência.Estando o folclore associado a uma época e cultura recuadas no tempo, para o entender énecessário apreender as principais coordenadas que o caracterizam. No nosso caso, o cancioneirodo Alto Douro, de modo pelo menos latente, herdou formas e conteúdos poético-musicais com dezséculos de existência. Para entender e, depois, apreciar esta riquíssima herança, é necessário aprendera lê-la nos poemas, a ouvi-la na música e a enquadrá-la no devir da História. Não se aprecia (nemdeprecia...) o que não se entende.O actual 'espectáculo de folclore' tem um pouco de culpa da depreciação em que muitos o catalogam. Hoje dança-se qualquer modinha em passo e compasso acelerado, como se fosse dança--jazz, com as mesmas inflexões e rituais, e ninguém toma dois minutos de introspecção para exploraralgo de literário, musical ou relativo à indumentária, aos instrumentos, ao ambiente que a cantigapossa transmitir...A leviandade de um procedimento receptivo sem cultura cada vez mais varrerá a nossa músicae poesia ancestral da memória colectiva. Tanto quanto preservar o verdadeiramente essencial, épreciso renovar o figurino e apresentar as nossas cantigas de modo adequado a cada uma delas,valorizando a sua mensagem e embelezando-as através de uma arte renovada, conduzida por gentede cultura. Uma cantiga é uma obra vivenciável, ou recriável, através dos tempos, mantidas quesejam as características essenciais a qualquer obra de arte.Explicar a mensagem de uma cantiga não é tarefa fácil, antes exige bons conhecimentos dehistória local e muita sensibilidade poética e musical.No caso do nosso cancioneiro do Alto Douro, associáveis à forma e ao conteúdo das cantigasde amigo medievais, muitas cantigas apresentam outros dados importantes herdados desse tempo de grande profundidade espiritual: os Símbolos.Numa recolha e apresentação de cantigas tradicionais não pode faltar a observação das sugestões simbólicas, que tornam transcendente a música, poesia e dança e as transfiguram em rituais demágica tentativa de aproximação e fruição com o inconsciente colectivo ancestral e inacessível a não iniciados culturalmente.Passa-se com as cantigas o mesmo que com a observação de um painel, uma rosácea, um altorelevo medieval: é preciso um esforço, por vezes grande e não acessível a todos, para interpretar o figurativo alegórico que muitas maravilhas oferecem.As minhas observações apensas às cantigas explicam alguns símbolos em concreto; mas oleitor poderá aprofundar este aspecto da ciência etnográfica, pois algumas interessantes surpresas existem nas cantigas das levianamente denominadas gentes 'simples'.Como as catedrais, as cantigas estão cheias de elementos iconográficos carregados desimbologia. Se a presença da videira não se estranha, já que estamos no Douro Vinhateiro, já é mais difícil explicar certos mitos subjacentes no inconsciente colectivo. Como explicar a tão abundante presença do loureiro, laranja, oliveira, rosa, cravo, limão, amendoeira, cidreira, lírio..., ou do castanheiro, morangueiro, amora, rouxinol, trança, vento, viagem, violeta, lua, fonte, maçã, meia-noite, navio, pão, pinheiro, pomba, ouro, avental, bode, borboleta, cabelos, cuco, hera, laço...Por outras palavras: por que motivo não há lugar nas cantigas para outros elementos tão oumais abundantes no terreno alto-duriense do que os citados? Por exemplo: pereiras, marmeleiros, pessegueiros, etc.?A simbologia, pouco explícita por definição, deve ser tida em conta na interpretação damensagem de muitas cantigas. Uma cantiga contém um poema que, não raro, pode separar-se damúsica e constituir por si próprio uma obra de arte. Alguns poemas são, até, comuns a váriasmúsicas (como, aliás, a mesma música também o pode ser a vários poemas).Sem o estudo dos símbolos, não se pode ter acesso a muitas mensagens dos poemas, em queestes podem estar presentes de forma quase cifrada, pois os sentimentos humanos, sobretudo noamor, têm muitos mistérios e claro-escuros, por vezes bem freudianos ou, até, kafkianos.Quem conseguisse descobrir a origem de certas mensagens inscritas como símboloshieroglíficos nas músicas populares, penetraria no mais fundo da alma humana!Deixo aqui uma listagem de muito resumidas interpretações de alguns símbolos presentes(em maior ou menor grau) nas nossas cantigas do Alto Douro:– O Loureiro é talvez o símbolo mais abundante: aparece mesmo junto à janela do quarto dasraparigas (e por ele apetece subir...). Deduz-se facilmente que muitas casas tinham um loureiroperto ou, mesmo, encostado às paredes. É que se julgava antigamente que nas trovoadas (e as doDouro são terríveis...) o loureiro protegia das faíscas. Para além disso, o loureiro é a árvore deApolo: do sucesso, da glória, da imortalidade. Conceitos importantes na vida e no acesso ao amor.– A Laranja é outro símbolo, muito abundante nas cantigas. Como os frutos com caroços, ésímbolo da fecundidade. Nalgumas culturas davam-se laranjas aos jovens casais. A oferta de laranjas às raparigas significava um pedido de casamento. É curioso como nas nossas cantigas também existe este gesto, que, como tudo o que é simbólico, pode funcionar, ou não, conscientemente. A cor de laranja, entre o amarelo e o vermelho, simboliza o ponto de equilíbrio entre o espírito e a libido. Será neste sentido que, ainda hoje, os monges e lamas do Tibete usam esta cor nas suas vestes.– A Flor da laranjeira é outro dos grandes símbolos da Região do Alto Douro. O ramotradicional das noivas é feito da branquinha flor de laranjeira. Além do cheirinho mimoso, simboliza a pureza e a virgindade. Nenhuma viúva – ou rapariga não virgem – se atreveria a levá-lo, por uma coerência assumida que dignificava e santificava a dádiva do corpo perante o altar. – A Flor, em geral, é

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símbolo da aurora, da Primavera, da juventude, da virtude, da delicadeza feminina, etc. Mas é possível uma simbologia mais profunda: a flor é o símbolo do princípio feminino da passividade e da perfeição espiritual. A floração é o regresso ao centro, à unidade, ao estado primordial, a que está ligada a infância e o estado edénico. A floração é, ainda, a consecução de uma alquimia interior, da união da essência e do sopro, da água e do fogo. Por outro lado, pode simbolizar o ciclo vital e o seu carácter efémero.– A Rosa é o símbolo da Mulher por excelência: na sua delicadeza de pétala, na sua forma decálice receptor em campânula de oferta, no seu perfume de convívio agradável. Uma rosa vermelha é oferecida universalmente como símbolo de uma amor ardente, mas discreto e delicado... – O Cravo é o símbolo masculino, nas cantigas muitas vezes apontado à rosa.–A Amendoeira, além de símbolo da fragilidade por as suas flores não resistirem facilmenteàs últimas geadas, é o antiquíssimo símbolo de Átis, nascido de uma virgem que o concebeufecundada por uma amêndoa. Daqui se explica a relação entre a amendoeira e a Virgem Maria. No judaísmo é através da base de uma amendoeira que se penetra na cidade misteriosa da Luz, que é uma morada de imortalidade.O seu fruto é um símbolo fálico e pode fecundar directamente uma virgem, sem qualquerintervenção sexual. Há ainda uma crença, a nível europeu, de que a jovem que adormecer debaixo de uma amendoaira e sonhar com o seu namorado pode acordar grávida.– O Amor é fonte ontológica de progresso, na medida em que não significa apropriação, masunião. A libido ilumina-se na consciência, onde se pode transformar numa força espiritual deprogresso moral e místico. Pelo amor ambos crescem, ao mesmo tempo que se tornam cada vezmais iguais a eles próprios. Quando pervertido, destrói o valor do outro e, do centro unificadorprocurado, transforma-se em princípio de divisão e de morte. Eros significa o desejo de prazer;psique é a alma, tentada a conhecer este amor. Os pais representam a Razão, que providencia ospreparativos necessários. O palácio (ver isto aflorado numa das cantigas deste livro Ó ANA, ÓRICA ANA), condensa as imagens de luxo e luxúria, todas as produções dos sonhos.– A Maçã apresenta riquíssima simbologia, por vezes aparentemente contraditória. É o pomoda discórdia de Páris; o pomo de ouro das Hespérides, que são frutos da imortalidade; é o frutoproibido a Adão e Eva no Éden; é a maçã do Cântico dos Cânticos que representa (segundo Orígenes) a fecundidade do Verbo Divino. É árvore da Vida, do Bem e do Mal, do Conhecimento unificadorque confere Imortalidade, e, também, do Conhecimento separador, que conduz à Queda. No seio da maçã, as sementes formam uma estrela de cinco pontas. Comer a maçã é correr o risco de abusar da inteligência para conhecer o Mal, da sensibilidade para o desejar, da liberdade para o fazer. \ A Noite é o abandono cego ao desconhecido. Representa o inconsciente e a aventura. Para osgregos é a filha do caos e a mãe do céu e da terra. Também gerou o sono e a morte, os sonhos e as angústias... E a ternura... E o engano. A noite percorre o céu, envolta num vém sombrio, acompanhada das suas filhas, as Fúrias (dos crimes) e as Parcas (da morte). É o tempo das conspirações, das gestações, das germinações. Também apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o futuro e o da preparação do dia seguinte, donde brotará a luz da vida. Álvaro de Campos invoca-a:Vem, Noite, antiquíssima e idêntica,Noite Rainha nascida destronada,Noite igual por dentro ao silêncio, (...)No teu vestido franjado de Infinito.Nossa Senhora dos sonhos impossíveis que procuramos em vão (...)E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...– A Lua simboliza a dependência e o princípio feminino, bem como a periodicidade e arenovação. O eterno retorno e a alternância cíclica fazem dela o astro dos ritmos da vida: controlatodos os planos cósmicos regidos pela lei do devir: águas, chuva, vegetação, fertilidade... É yinrelativamente ao Sol, que é yang na nomenclatura oriental; na China, a festa da Lua realiza-se no equinócio do Outono – correspondente à nossa época das vindimas. Comporta ainda muita dasimbologia da Noite.– A Amoreira, para muitos poetas e místicos (são quase o mesmo) é a árvore onde se ergue oSol nascente e os seus ramos são a marcha ascendente do Sol. Conta Ovídio que as flores erambrancas de início, mas tornaram-se vermelhas na sequência do suicídio de dois amantes, à sombrade uma amoreira, junto a uma fonte.– O Nó, ou Laço, simboliza as diferentes decisões que se tomam ao longa da vida, que se vaidesatando até à morte. O laço das nossas cantigas (do avental, da 'belusinha'...) está associado aaitudes importantes no amor: assumir um compromisso, perder a virgindade, respeitar a palavra oua jura dada...– O Sirgo é como uma fita, mas ornamentada com nós ou com sementes, pérolas... e aparecenas cantigas em que a menina está pensativa, preocupada (terá leves ou graves motivos para isso)com o cumprimento do compromisso por parte do 'amigo' ou namorado.– A Oliveira é muito rica de simbologia: paz, purificação, fecundidade, força, vitória,recompensa... na Idade Média simboliza, também, o ouro e o amor.Atribui-se à sua madeira o poder de neutralizar venenos. A Cruz de Cristo era feita de oliveirae cedro. Para o Islão é a árvore central.– A Videira está ligada ao vinho, que é a alegria, como o pão à sobrevivência, à vida. Antigastradições colocam no paraíso a videira como árvore da vida. Uma boa esposa é, para o seu marido,como uma videira fecunda (Salmos). Jesus proclama que é a verdadeira cepa e só nEle os homenspoderão não secar e ser deitados no fogo para arder. O sangue do Messias é o vinho da NovaAliança. O vinho é a imagem do conhecimento, da verdade ('in vino veritas') e da imortalidade. A videira também transporta a sugestão de mulher nua, com inerentes valorizações sexuais e maternaisdo leite. Leite (natural) e vinho (laborado) confundem-se no prazer juvenil dos místicos. A videira também simboliza a imortalidade e é essa a razão pela qual o francês diz do álcool eau-de-vie, o gaélico whiskey (=chave da vida), o persa maie-i-shebab (=bebida de juventude) e o sumério geshtin (=árvore da vida), etc.

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Ligado aos vinhos está, ainda, o poder viril.– O Rouxinol é símbolo da perfeição do seu canto. A sua magia embala a noite e faz esqueceros problemas da vida. Para John Keats, a perfeição que ele evoca tão intensamente parece tão frágil que provoca desilusões ainda mais dolorosas quando chega o dia.– A Violeta simboliza o segredo. A cor violeta estimula as glândulas sexuais da mulher, enquanto o vermelho activa as do homem.Parece fácil entender o simbolismo subjacente na cantiga VIOLETAS AO COMPRIDOMuitos escritos cristãos da Idade Média foram lavrados em letras douradas sobre pergaminhovioleta: o amarelo é a Revelação e o violeta é a Paixão de Cristo encarnado. Passou facilmente a ser símbolo do luto e também o da obediência e submissão. Numa versão da MACHADINHA, o ramo de violetas liga-se a isto. Existe também o costume de colocar num fio ao pescoço uma pedrinha violeta, para proteger a criança das doenças e também torná-las obedientes.– A Pomba começa por ser o símbolo da Paz na Arca de Noé e já inclui o conceito de pureza,simplicidade, harmonia e esperança. Representa também a sublimação do instinto, nomeadamente do eros. Noutro patamar, a pomba simboliza a alma. No Novo Testamento é a imagem do EspíritoSanto. Na origem destes símbolos estão predicados como a acessibilidade social, a brancura esuavidade das penas, a graciosidade do porte e o arrulhar meigo e doce.– A Tecelagem simboliza a estrutura e movimento do universo. É um trabalho de criação eparto. Quando o tecido está terminado, a tecedeira corta o fio 'umbilical' e pronuncia a fórmula da bênção da parteira ao cortar o cordão umbilicar e receber o bébé. O símbolo de tecer é a aranha, que tira de si própria a teia. Muitos ícones tradicionais têm nas mãos fusos e rocas e presidem aos nascimentos e ao desenrolar dos dias e ao encadeamento dos actos. As fiandeiras abrem e fecham ciclos da sua vida e da dos outros. Este misticismo aplica-se ao amor, dando as fiandeiras provas de grande personalidade e maturidade, assumindo ou rejeitando a relação amorosa por inteiro.– O Avental simboliza não só as relações artesanais e do trabalho, mas a cobertura da nudezcomo a parra de Eva. Cobre o invólucro corporal que encerra a perfeição. Colocado na parte inferior do corpo deixa livre a parte superior para pensar, pois não só de pão e trabalho vive o homem.– A Trança é um símbolo fechado, pessimista, sem espaço de fuga, ao contrário da espiral,que lhe vem associada em antítese. Está ligada à mulher comprometida, com o seu futuroirremediavelmente definido.– A Cidreira servia para fazer chá, que alivia(va) muitas espécies de maleitas. Cultiva(va)-seperto de casa, com a salsa e a hortelã. Também era usada em mezinhas medievais de magia. Na cantiga CIDREIRA ver que a planta está ligada ao animismo, pois a moça desabafa com ela oqueixume de o namorado preferir a liberdade da rua a assumir um compromisso de amor.– Os Perfumes têm várias simbologias: o da rosa é o dos Namorados, o do jasmim é o dosReis; o incenso é o de Deus; os utilizados para embalsamar simbolizam a Memória. O do cipreste simboliza as Virtudes. A aromaterapia está a iniciar uma prática baseada nos perfumes e na sua capacidade de tirar o véu a imagens do subconsciente. Já se pensa que a heliotropina suscita imagens de flores e jardins e desperta a sensualidade e a vanilina provoca imagens alimentares...– A Perdiz é tida como símbolo de uma mulher bonita pela beleza dos olhos. Como a pombatem a graça e a beleza, mas com o apelo sensual que a pomba não tem. Comer a sua carne é adquirirpoder de sedução. A tradição cristã faz dela símbolo da tentação e da perdição, mas também foiconsiderada protectora contra os venenos.– O Cuco é o símbolo do ciúme, de que ele é o aguilhão e, mais ainda, do parasitismo, por pôros ovos em ninho alheio. Demonstra preguiça e incapacidade de construir, estabelecer e governar aprópria vida e gerir o seu futuro.Segundo uma lenda popular, o primeiro canto do cuco na Primavera pode ser uma promessade riqueza, se quem o ouvir tiver nesse momento consigo uma moeda.No Alto Douro, perguntavam as raparigas (e nós imitávamos...), ao ouvir de perto o primeiroscantos do cuco:– Cuco de à beira, cuco de à beira, quantos anos m' dás solteira?

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Amendoeiras em Flôr

Paisagem algarvia vestida de brancoPrenunciando a chegada da Primavera, as amendoeiras em flor cobrem o Algarve de branco, num espetáculo deslumbrante, inesquecível para quem o presencia, só possível numa região como esta, com excepcionais condições naturais e climáticas. Um cenário único que se estende pelas encostas férteis do Barrocal, em que as amendoeiras são cobertas por nuvens de flores cujas pétalas se espalham pelos campos, simulando um tapete de neve a brilhar ao sol.

Um manto de tons rosados e brancos que ganha um significado especial nas aldeias do interior algarvio, entre os conselhos de Lagos e Loulé, cujo nome tem origem árabe. Aí, o especial colorido conferido à paisagem pelas exuberantes amendoeiras, que hoje regalam o olhar dos que por ali passam, lembra as mesmas flores que em tempos encantaram uma princesa nórdica, fazendo renascer nesta região do Barrocal a lenda das amendoeiras em flor, uma história de encantar que se mantém no imaginário algarvio como forma de explicar este final de Inverno florido.

Segundo a lenda, no tempo em que o Al-Gharb pertencia aos árabes, reinava em Silves o jovem Ibn-Almundim, que viria a apaixonar-se por Gilda, e com ela casar, filha de um grande senhor dos povos do Norte, derrotado em combate pelo rei mouro. O casamento foi uma grande festa, mas a bela princesa, sempre triste, não partilhava da alegria do príncipe. Vieram físicos de todo o mundo, mas ninguém conseguia encontrar cura para aquela dor. Até que um velho nórdico disse ao rei que Gilda tinha saudades da brancura dos campos cobertos de neve, existentes no seu país. Ibn-Almundim mandou então plantar milhares de amendoeiras pela província, que, quando florissem, cobririam as terras do sul com pétalas brancas, iludindo a saudade da princesa e devolvendo-lhe a alegria. Assim se fez e, desde essa longínqua Primavera, todos os anos o Algarve vive a magia das amendoeiras em flor.

Um postal de boas-vindas que se repete do Barlavento ao Sotavento, com os brancos pomares de amendoeiras a rivalizar com as laranjeiras, as figueiras, as oliveiras e as alfarrobeiras, árvores que conferem outro colorido à paisagem.

     

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7. FADO RIBATEJANO

Nesta terra há um rio antigo de saudadeQue nos dá vida e sonho e encantamentoE a paz que o campo tem e a verdadeDe quem vive outro sítio outro momento

Ter o Tejo aqui assim ao pé da portaÉ um berço de força e de saberTraz-se ao peito o gosto da paixãoEnquanto o Sol nos fala ao entardecer

Viver assim é outro modo outra maneiraOutra vida outro sonho a comandarPassa o tempo escorregando à minha beiraCantam-se Fados à noite para lembrar

E o Sol e a gente e o campo e a cidadeE a cheia esse chão de água a cobrir tudoE a alma imensa de um povo sem idadeNão mudes tu meu povo que eu não mudo

Nesta pátria Ribatejo se ama e cantaSe dança se trabalha e se resisteE onde o peito alcance haverá chamaNinguém é mais alegre nem mais triste

E doce e forte e sereno ao mesmo tempoComo os cavalos ao longe ao por do solExiste aqui um tempo que é eternoNa lenda e no feitiço do Almouro

Fado: Moda cantada por mulher, acompanhada por viola e violão, que é também uma dança de roda. As notícias sobre o fado dançado vêm-nos já do século passado: «Dançava o fado à noite nas tabernas», diz o poema «Marialva», de Alexandre da Conceição, incluído no Cancioneiro Alegre, de Camilo Castelo Branco; Fialho de Almeida, À Esquina refere que os romeiros da Senhora da Atalaia, no Montijo, tocavam e bailavam o fado ao som das guitarras e violas; e João Paulo Freire, após enumerar as danças que os saloios preferiam nos finais do século XIX, informa que «às vezes também batiam o fado».Sobre a ligação da guitarra ao fado, salientamos o fundo enraizamento da guitarra nas camadas populares, mesmo antes de o fado ter surgido ou ter tomado esse nome, como adiante

desenvolveremos. Ou seja, a guitarra andava ligada ao fado tanto como a outros gêneros musicais, nomeadamente coreográficos. Não espanta, pois, que passasse a acompanhar o fado, quer cantado, quer dançado, tal como acompanhava outras cantigas bailadas.

Assim se explica, de resto, que a guitarra se tenha mantido até aos nossos dias como um dos principais instrumentos musicais utilizado nos bailes rústicos um pouco por todo o país e sobretudo na Estremadura. É esta também a opinião de Rodney Gallop, que afirma que o fado, na sua forma inicial, era dançado, bem como cantado, com acompanhamento de guitarra.

www.attambur.com/Recolhas/Estremadura/Dancas/fado.htm

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