Dando voz aos anúncios: os escravos nos registros de jornais capixabas (1849-1888)- Heloisa Souza Ferreira

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    Introduo

    Os jornais brasileiros do sculo XIX so fontespreciosas para se investigar a sociedadedaquele perodo, pois atravs de seus registros possvel perceber o cotidiano, as principais dis-cusses da poca (tanto no campo poltico comono social), as atividades comerciais, as noes decomportamento e moralidade. Naquele momento,o escravo presena constante nas pginas dos

    peridicos, seja na forma de contos, de crnicas, denoticirios e at mesmo de anncios. A exemplo da

    obra de Gilberto Freyre1, intitulada Os escravos nosanncios de jornais brasileiros do sculo XIX, na qualo autor se dedica a reconstruir o perfil do escravobrasileiro sob uma perspectiva antropolgica, uti-lizando-se apenas dos anncios de escravos conti-dos nos jornais, busca-se neste trabalho investigar ocotidiano do universo escravocrata capixaba oito-centista.

    O contato com a obra de Freyre despertou-noso interesse em realizar um estudo com o mesmo

    tipo de fonte utilizada por ele. Por isso, propomosum estudo acerca dos anncios de escravos nosperidicos capixabas, no qual utilizaremos quatrojornais: Correio da Victoria (1849-1872), Jornal daVitoria (1864-1869), O Constitucional (1885-1889) e

    o Esprito Santense (1870-1899). Nesses annciosencontramos um breve relato de senhores deescravos que buscavam noticiar fugas, aluguel,compra ou venda de seus cativos; ademais, cadaanncio possui sua particularidade, dos mais ricosem detalhes aos mais simplrios, todos guardamconsigo vestgios do cotidiano na provncia duranteo sculo XIX. O recorte cronolgico proposto(1849 -1888) indica um perodo de mudanas signi-ficativas na provncia do Esprito Santo, tendo em

    vista que na segunda metade do sculo XIXcomeou a se desenvolver nestas terras uma

    vigorosa economia cafeeira, fato que colaboroupara o aumento de braos cativos na provncia.

    Alm disso, importante salientar que nos idos de1850, quando a Provncia necessitou e utilizou ummaior nmero de cativos, foi promulgada a LeiEusbio de Queiroz que proibia o trfico interna-cional de escravos. Dessa forma, vender ou perderum cativo naquele momento de dificuldade deobteno da mo-de-obra escrava assume umnovo significado, talvez refletido nos anncios em

    questo.Ao todo, foram transcritos dos quatro jornaismencionados 541 anncios, dos quais 156 serepetem, restando 88 anncios de fuga no jornalCorreio da Victoria comunicando a fuga de 102

    1FREYRE, Gilberto. O escravo nos ann-cios de jornais brasileiros do sculo XIX.2. ed. So Paulo: Nacional, 1963.

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    Dando voz aos anncios: os escravos nos registros de jornaiscapixabas (1849-1888)

    Heloisa Souza Ferreira

    Mestranda em Histria /[email protected]

    Resumo: O objetivo deste artigo analisar os anncios de escravos, relativos venda, fuga e aluguel, contidos nos peridicoscapixabas do sculo XIX. Por meio desses anncios percebemos aspectos corriqueiros da vida social capixaba, por exemplo, a uti-lizao dos jornais como forma de intimidar infratores da lei. Esse recurso foi muito utilizado nos anncios de fuga, quando ossenhores desconfiavam que a fuga do seu cativo estava associada iniciativa de terceiros. Atravs dos anncios de fuga tambm

    visualizamos as diversas motivaes relacionadas a esse ato, e tambm podemos perceber como as relaes entre senhores eescravos foram pautadas por uma espcie de cdigo moral, de uma noo do que era justo dentro da rgida hierarquia social a queestiveram submetidos. Nesse sentido, ao comunicar uma fuga muitas vezes o senhor tinha uma noo do motivo da escapada. Osanncios de venda e aluguel, apesar do carter comercial, nos mostram que nem sempre as transaes de cativos foram medidasarbitrrias que levavam em conta apenas os desejos da elite senhorial.

    Palavras chave:Anncios de escravos; acoitamento; intimidao verbal.

    Abstract:The aim of this paper is to analyze the advertisements of slaves for sale, rental and flight contained in the journals capix-abas nineteenth century, through those ads we see everyday aspects of social life in Espirito Santo, for example, the use of newspa-pers as a way to deter offenders the law. This feature has been widely used in the ads run, when you suspected that the escape ofhis captive was associated with the initiative of others. Through ads leakage also visualize the different motivations related to that act,and we can also see how the relationships between masters and slaves were guided by a kind of moral code, a notion of what was"fair" within the rigid social hierarchy they were submitted. In this sense, to report a leak many times did you have an idea of why the"escape". Ads for sale and rent, despite the commercial character, shows us that not always the transactions captives were arbitrarymeasures that took into account only the wishes of the noble elite.

    Key Words:Annoucements slaves; outlet; verball bullying.

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    escravos; 122 anncios de fuga no O EspritoSantense comunicando a fuga de 142 escravos; 20anncios de fuga noJornal da Victoria comunicandoa fuga de 23 cativos e 6 anncios de fuga no jornalO Constitucional. Referente a aluguis, compras e

    vendas de escravos encontramos 23 anncios noJornal da Vitoria, 26 anncios no O EspritoSantense, 98 anncios no Correio da Victoria e doisanncios no O Constitucional.

    O que nos revelamos anncios de fuga?

    Pelo que percebemos no havia um padroestabelecido de linguagem para quem quisessecolocar um anncio no jornal, por isso cada senhornoticiava da forma que lhe conviesse. Podemosdizer que esses anncios apresentam duas faces:

    uma objetiva, sucinta, que apresenta o escravo e seassemelha aos recursos mercantis contemporneo;e outra implcita, que para compreend-la necessria uma anlise acompanhada de umaliteratura especializada sobre a escravido paracompreender nas entrelinhas desses fragmentos edar voz s concepes implcitas desses atoresdo escravismo brasileiro.

    Os anncios de fuga so muito importantescomo fonte primria, pois oferecerem umadescrio pormenorizada dos cativos (hbitos,

    vcios, caractersticas fsicas, doenas...), alm deapresentar uma aproximao da realidade da elite

    senhorial.2 Alm disso, tambm so importantespor uma questo quantitativa: eles aparecem emmaior quantidade em comparao com os annciosde aluguel e venda de escravos nos jornaispesquisados, ademais, como nos afirma Leila

    Algranti:

    Ao mesmo tempo que comunicavam um fato,esses anncios tambm nomeavam um problemade diferentes maneiras: reclamava-se pelo objetoque se evadiu, discutia-se com os abolicionistas,lamentava-se de forma passional pelo servialque abandonara o servio, discutia sobre o prob-lema da mo de obra, ou at mesmo temia-sepor uma possvel perda de status. 3

    A constante presena dos anncios de fuga nosjornais da poca nos permite supor que a fuga erauma prtica constante na Provncia. A priori osanncios de fuga foram recursos utilizados pelosdonos de escravos com o objetivo de encontrar umcativo fugido. Esses anncios possuam uma com-posio simples, na qual havia uma descrio fsicae muitas vezes comportamental do escravo, e

    geralmente ofereciam uma gratificao a quem

    encontrasse o fujo. No entanto, no decorrer daanlise desses anncios, percebemos que alm dasinformaes sobre o evadido, vrios annciosrevelavam um tom ameaador contra quem o

    tivesse acoitado, sendo que este poderia aparecer

    nos anncios como couteiro, sedutor ou acoberta-dor.

    O tom ameaador que aparece nos anncios defuga nos remete a um problema de possibilidadeinvestigativa: a quem foi destinado esses anncios?

    Somente s pessoas que se dedicavam capturadesses escravos? Ou havia outro objetivo pordetrs desses anncios? O tom intimidador nos faz

    vislumbrar a possibilidade dos mesmos tambmserem, de forma implcita ou no, uma forma decomunicao dos senhores com outros senhores e

    tambm com a sociedade que poderia acoit-los ouapadrinh-los, tendo em vista que era comum oescravo recorrer a um padrinho para lev-lo de

    volta para seu senhor, j que o padrinho era vistocomo um protetor do escravo. Podemos ver umexemplo de um anncio de fuga logo abaixo, onde

    o senhor intimida o provvel acobertador:No dia 7 de julho do ano corrente fugiu da casado senhor Manoel Jose de Arajo Machado, doCachoeiro de Itapemirim, um escravo de nomeFeliciano, de nao, com 40 anos pouco mais oumenos, alto e com falta de alguns dentes; cujoescravo propriedade do debaixo assinado, queo houve do senhor Coronel Joo NepomucenoGomes Bittencourt, em pagamento de dividacom outros mais escravos, que foram deixadosem poder daquele senhor Machado para dosmesmos dispor da conta e ordem do anunciante.O referido escravo foi da fazenda do arab em

    Pima, para onde costumava fugir, sendo ali cap-turado por diversas vezes em tempo que perten-cia ao Sr coronel Joo Gomes. E suspeitandoque algum o agasalhe para que no voltemais ao seu poder, protesta-se procedercom todo o rigor da lei contra qualquer pes-soa que por ventura o acoitar, por ser issoverdadeiro furto da propriedade alheia: e aquem o pegar ou der notcia certa para que eleseja apreendido, ser no primeiro caso gratifica-do com a quantia de 200 $ ris, e no segundoconforme a natureza da notcia, e as dificuldadespara a sua apreenso: podendo-se para esse fimdirigir em Itapemirim ao sobredito S. Joo da

    Barra ao Sr. Manoel Pinto Costa, e nesta cidadeao anunciante4 (grifos nossos).

    A meno a um possvelsedutor est na maioriados anncios pesquisados, o que sugere que namaioria das vezes o senhor no atribua o ato defugir como vontade do cativo, mas como conse-qncia da ao de couteiros. Isso nos faz concluirque, provavelmente, esta insistncia que surge nosanncios em atribuir a fuga a possveis acobertadoresestivesse relacionada com a experincia que essessenhores tinham em relao a fugas anteriores,

    alm do fato de que muitos evadidos podem tersido encontrados sob o poder de outros senhoresou de setores da populao de homens livres.

    Desse modo, entendemos que os annciossupostamente representavam uma expectativa que

    2Os anncios de negros fugidos podemser utilizados com confiana para umaanlise antropolgica e mdica, umavez que eles tm forte honestidade,pois quem perdia o seu escravo queriaencontr-lo e para isso precisava detraos e sinai s exatos. FREYRE ,Gilberto. Os escravos nos anncios dejornal do sculo XIX, p.84.

    3ALGRANTI, Leila Mezan. O feitorausente: estudo sobre a escravidourbana no Rio de Janeiro, 1808-1822.Rio de Janeiro, Vozes, 1988. p.147.

    4APEES Srie Jornais CORREIO DAVICTORIA vinte e dois de outubrode 1859.

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    esses senhores tinham em obter seu escravo devolta. O retorno do evadido no foi algo raro;muitas vezes as expectativas dos donos foramacompanhadas de xito, e isso dependia do motivoda fuga: Existiram escravos que tinham a fama de

    serem fujes, que desapareciam com freqncia,mas sempre retornavam apadrinhados ou apreen-

    didos.5 Nesse sentido, o tom ameaador destina-do a um possvel acobertador associado sexperincias e expectativas que cada senhor pos-sua sobre a evaso, nos faz pensar que realmenteesses anncios eram uma intercomunicao entresenhores de escravos e os couteiros, tendo em

    vista o hbito adquirido nessa provncia de utilizar o

    jornal como meio de intimidao.6 Neste caso, osdonos de escravos utilizavam o jornal como umaforma de coero, sempre lembrando os rigores e

    as punies da lei aos couteiros, ou seja , era cos-tume dos capixabas do oitocentos utilizarem outrasalternativas antes de recorrerem ao poder judi-cirio, pois como afirma Bastos:

    A publicao de cartas particulares nos jornaisvisava tambm a condenao pblica do compor-tamento de determinadas pessoas. No era inco-mum encontrarem-se anncios cuja matria rela-cionava-se ao modo como as autoridades polici-ais e judiciais executavam suas atribuies. Na

    vigncia do costume, a reprovao de um com-portamento contrrio ao estabelecido pelo cdi-

    go moral da sociedade ocorre a partir de meiosde coao individuais e no por um quadro depessoas especialmente encarregadas dessafuno, como a Polcia ou a justia.7

    Por exemplo, no anncio abaixo, o senhor nodemonstrou desconfiana do paradeiro da escravae afirmou que algum a utilizava para o seuproveito; ao que tudo indica, provavelmente elesabia ou ao menos desconfiava quem era a pessoa,pois ameaou que, caso no ocorresse devoluo,o acobertador seria acusado de crime previsto pelocdigo penal.

    Desapareceu da casa do abaixo assinado, na noitede sbado de Aleluia a crioula menor de nomeMaria, pela qual est responsvel no juz derfos onde a contratou.A pessoa que a temora em seu poder trate de restitui-la aoabaixo assinado quanto antes,e no o fazen-do, ser acusado pelo crime previsto no arti-

    go 227do cdigo penal.8 (grifos nossos).

    De acordo com os anncios o acoitamento foibastante freqente na Provncia, tanto que, emalguns anncios o contedo soa at desnecessrio, j

    que, o anunciante afirma o suposto paradeiro doescravo, inclusive indicando os possveis acoberta-dores que estariam se utilizando dos seus servios;logo, seria mais til ir busca do cativo. No entanto,como j foi mencionado, parece que os senhores de

    escravos optavam por meios alternativos de coao,como por exemplo, publicar o nome dos possveissedutores no jornal, como no anncio abaixo:

    Tendo fugido no dia 18 de abril ultimo o meu

    escravo de nome Jos, de 32 anos de idade maisou menos, que pertenceu ao Sr. AntonioAlvarenga, pelo presente anuncio declaro quegratifico com a quantia de 200U000 a pessoa queo capturar e trouxer minha presena. Esseescravo tem sido visto na fazenda do mesmo sen-hor Alvarenga em Santa Maria, e passeia at a de

    Jacuhy pertencente ao Sr. Pinna; os sinais so osseguintes: pardo, acaboclado, nariz afilado, cabe-los pretos e corridos, pouca barba, baixo, grossode corpo, falta de alguns dentes na frente e faladescansada. Victoria 17 de maio de 1884.

    Antonio Igncio Rodrigues.9

    Os escravos encontraram solues bem criati-vas para manterem-se fugidos, e isso foi possvelpor que encontraram pessoas que os auxiliaramnesse empreendimento, desde parentes, escravosalforriados at senhores que acobertaram essesfugitivos, utilizando-se de seus servios, etc. Paramanterem-se na ilegalidade ps fuga, uma rede desociabilidades era ativada. O anncio abaixodenncia essa prtica. O fato de eles utilizarem car-

    tas se intitulando forros indica que, pelo menos emalguns casos, algum os auxiliava nesse sentido.

    A D. Rita Francisca de Paula, viva do finadoBernadino de Sales Mouta Furtado, fugiu o seuescravo de nome Pedro, bem conhecido nestacidade. Protesta-se contra quem lhe der coito oupassagem para qualquer parte. Ningum deve sefiar dele, para lhe emprestar dinheiro ou lhe fazercartas em nome de sua senhora. Onde, pois, elechegar com uma carta ser esta falsa, pelo quedevem logo dar-lhe 25 chicotadas e o apreender.Consta que ele embarcou se na canoa de pas-sagem com uma carta, que algum , sem dvida,fizera seu pedido. Quem o trouxer a sua senho-ra ser gratificado.10

    Nos anncios o senhor noticia seu escravo daforma como ele o enxerga. No anncio abaixo,percebemos que Jos Martins da Silva Paixo v asua escrava fugida como uma pessoa esperta, quefoge e no consegue ser reconhecida pelo artifcioque ela usa afim de no ser encontrada, utiliza-sede uma roupa masculina. Alm disso, o senhorainda ressalta suas qualidades fsicas, como psbem feitos.

    Fugiu ao abaixo assinado no dia do corrente umaescrava de nome Julia de idade 21 anos, cujossinais so os seguintes: Cabra, esbelta de corpo,

    estatura regular, falta dos dentes superiores nafrente o beio correspondente um pouco retorci-do, ps bem feitos, levou no corpo saia de chitaem bom uso, e argolinha de ouro nas orelhas,alguma outra saia e palet de igual cor. Consta que

    5LARA, Silvia Hunold. Campos da vio-lncia: Escravos e Senhores naCapitania do Rio de Janeiro. 1750 -1808.Rio de Janeiro: Editora Paz e

    Terra, 1988, p. 238.6A idia de que os anncios assumemuma dimenso coercitiva, foi desen-volvida na monografia, na qual mebaseei na anlise de Enaile Carvalho eFabola Bastos que utilizaram o jornalcorreio da Victoria, como fonte deinvestigao sobre a sociabilidadecapixaba, e verificaram que as corre-spondncias particulares caracteri-zavam-se pelo anonimato, e por dire-cionar ameaas implcitas a autori-dades e particulares, sobretudo no quedizia respeito a dvidas contradas comcomerciantes da Provncia. De acordocom as autoras, o simples fato deameaar publicar o nome dos deve-dores no jornal, j surtia efeito tendoem vista que nas fontes pesquisadaspor elas no h ocorrncia da publi-cao do nome dos devedores, o quedemonstra que essa prtica poderiaser bastante eficaz. BASTOS, FabolaM. e CARVALHO, Enaile F. Negcios,Fortunas e Sociabilidades: inventriospost-mortem e imprensa capixaba nosanos 1800-1860. Revista Agora, Vitria,n. 05, 2007, p. 1-16.

    7BASTOS, Fabola Martins. Relaessociais, conflitos e espaos de sociabili-

    dade: formas de convvio no municpiode Vitria, 1850-1871. 2009.Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao emHistria Social das Relaes Polticas,UFES, Vitria, 2009, p.22.

    8APEES Srie Jornais CORREIO DAVICTORIA dezesseis de abril de1857.

    9APEES Srie Jornais O ESPIRITOSANTENSE dezoito de maio de1884.

    10APEES Srie Jornais JORNAL DAVICTORIA_ vinte e dois de janeiro de1868.

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    levou uma cala e camisa de homem (cala de ris-cado xadrez, e camisa de chita) j foi encontrada epor causa da roupa no foi conhecida. Pertenceuoutrora ao senhorio de Manoel Pereira de

    Alvarenga Rangel, no Riacho. Da-se generosa gra-tificao a quem a prender e levar ao Sr. JosMarcelino de Vasconcellos, na Serra ao Sr.Francisco Antonio Ribeiro, em Linhares ao capito

    Anselmo de Almeida Calmoa, em So Mateus aoSr Jos Affonso Martins, e na barra de So Mateusao Sr.Manoel Rodrigues dos Santos. Protesta-se

    com todo o rigor da lei contra quem a acoitar.11

    Ao contrrio de muitos anncios encontrados,o dono de Jlia no atribuiu fuga dela a um poss-

    vel sedutor, existe at uma fala de protesto contraum possvel couteiro. Alguns senhores menciona-

    vam o sedutor acreditando na inocncia do escra-

    vo, o fato de no aparecer um sedutor no caso deJlia, pode indicar que seu senhor no acreditava nasua inocncia na hora da fuga, um exemplo decomo cada senhor possua sua concepo sobre oscativos. O caso do anncio abaixo ainda maiscurioso.

    Fugiu no dia quatro de outubro de 1857, dachcara a, S. da rua do M...ruhy, em So Cristovono Rio de Janeiro um escravo do senador Alencar,de nome Luiz Telles, pardo escuro; tem de quaren-

    ta anos para cima mal encarado e falta dentes nafrente tem uma enruga na testa, andar apressado epassadas curtas, finge-se s vezes doido, tem fala

    trmula com risos de estuporadas, muito ladino eastucioso, anda com cartas dizendo que vai comelas apadrinhado apresentar-se ao seuSr,..........quem o apreender e fizer dele entregaaonde possa ser acolhido a cadeia para ser entre-

    gue a seu SP, receber 40. $ de gratificao, almdas despesas: ser pago a quem nesta tipografia o

    apresentar com o competente documento.12

    O senhor descreve o escravo com a qualidadede astucioso por ser to esperto ao ponto de enga-nar as pessoas se fazendo de doido e mostrandocartas falsas de apadrinhamento, talvez essas cartas

    no sejam falsas, mas sim roubadas, tendo em vistaque o anunciante pede que quem o encontrar tam-bm leve o documento, pode ser tambm que LuizTelles tenha realmente adquirido essa carta prome-

    tendo ao padrinho que retornaria para o seu dono,mas preferiu permanecer evadido, uma outracuriosidade desse anncio o fato do escravo terum sobrenome. De acordo com Ana Josefina:

    Existe um sujeito religioso, evidenciado pelonome, e um sujeito jurdico estabelecido pelosobrenome. O escravo, no perodo estudado, erabatizado na igreja e recebia um nome, simplesmen-

    te um nome de pia: Jos, Honrio, Benedita. Nesseato, ele era constitudo como sujeito religioso e nocomo sujeito jurdico com sobrenome. A constitui-o do escravo como sujeito jurdico acontece saps a alforria ou aps a libertao dos escravos em

    1898 (sic).13

    Diante disso surge um questionamento, JosTelles era um escravo alforriado? Mas se Jos Tellesera alforriado o que seu nome estava fazendo numanncio de escravo fugido? Uma resposta que no

    temos como responder, no entanto podemos con-jecturar e faremos isso atravs dos estudos deMartha Rebelatto, que verifica na provncia deSanta Catarina muitos indcios de alforrias condicio-nais. Segundo a autora as condies impostaspelas cartas de alforria geralmente eram referentes manuteno do trabalho escravo por mais algunsanos junto ao senhor, sua famlia ou algum por ele

    designado.14 Alm disso, por meio dos estudosde Sidney Chalhoub verificamos que havia a possi-

    bilidade dos senhores revogar as alforrias.15 Podeser que o senhor de Luiz Telles tenha revogado asua alforria, fazendo com que ele retornasse a con-dio de cativo, e o escravo no aceitando o rom-pimento do acordo teria optado pela fuga, seme-lhantemente ao que encontramos na documenta-o e que ser abordado mais abaixo. Por ltimo,apresentamos o anncio abaixo, o qual acreditamosse tratar de uma intimidao.

    Fugiu no dia 19 do corrente a Manoel do CoutoTeixeira, um escravo crioulo de nome Gregrio,oficial de pedreiro cor preta, idade 17 anos estatu-ra baixa reforada, rosto redondo, olhos grandes:levou vestido cala, camisa, e jaqueta branca, e

    chapu de palha ordinria da Bahia; roga-se a qual-quer pessoa que o encontrar agarr-lo e lev-lo aseu senhor na Rua do Porto dos Padres, que serbem gratificado; protesta-se contra quem tiveracoitado. Na mesma casa existe uma carta vinda doRio de Janeiro, para o senhor Manoel Jos Pereira

    dos Santos.16

    bem possvel que o contedo dessa cartaesteja relacionado com algo que comprometesse aum dos senhores e, por isso, no se explicita o con-

    tedo da carta. Podemos supor tambm que eraalgo relacionado fuga do escravo. O que de fato

    ele quis dizer nunca poderemos saber, por oraficamos com a citao de Lilia Schwarcz:O senhor buscava afirmar atravs dos anncios,

    supremacia, propriedade e a dependncia doescravo, mesmo quando a situao de fuga o des-mentia (...). A eficcia desses anncios atingemnova dimenso que dada no pela criao de pos-sibilidades de captura, mas antes pela difuso derepresentaes, sensibilidades sociais e pelo esta-belecimento e por uma rede de relaes intersub-

    jetivas.17

    Percebemos na documentao referente s

    fugas vrios indcios de que os escravos fugidoseram conhecidos. Havia anncios que noticiavamapenas o nome do escravo, ou ento que ofereci-am dados como: conhecida por todos daquelelugar, muito conversado e conhecido na cidade

    11APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA quatorze de fevereirode 1857.

    12APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA dezessete de abril de1858.

    13FERRARI, Josefina Ana. A Voz doDono: Uma anlise das descriesfeitas nos anncios de jornal dosescravos fugidos. 1 ed. So Paulo:Editora Pontes Editores, 2006. p.43.

    14RABELATTO, Martha. O desmantela-mento da escravido, as alforrias e asfugas de escravos na Ilha de SantaCatarina, dcada de 1880. Disponvele m :http://www.labhstc.ufsc.br/pdf2007/50.pdf. p.1-13. Acesso em:23/10/2008.

    15CHALHOUB, Sidney. Vises da liber-dade: uma histria das ltimas dcadasda escravido na corte. So Paulo:Companhia das Letras, 1990.p.137.

    16APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA_ vinte e um defevereiro de 1849.

    17SCHWARCZ, Moritz Lilia. Retrato emBranco e Negro: jornais, escravos ecidados em So Paulo: Companhiadas Letras,1987. p.149.

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    de Vitria bem conhecido em razo de seu of-cio muito conhecido principalmente emCariacica. Bem parecido com o seu pai parasaber que ele era parecido com o pai, as pessoasdeveriam conhecer o pai dele; pode ser que tenha

    mudado de nomeessa afirmao nos da margempara acreditar que o escravo era conhecido peloseu nome; o dito escravo bem conhecido nestacidade e diversos lugares de seu municpio, muito conhecido tanto nesta cidade como pelossenhores da roa.

    Porque fugir? A pergunta sugestiva e com-plexa. No podemos falar em uma nica causa pre-ponderante que fosse responsvel pela evaso deescravos. Cada fuga representava uma motivaoparticular, podia ser individual ou coletiva, cadafugitivo possua um quadro de expectativas que olevava a fuga.

    Eduardo Silva e Joo J. Reis em seus estudoschegaram concluso que a escravido foi pautadapor uma relao de negociao e conflito. Sendoassim, Quando a negociao falhava, ou nemchegava a realizar por intransigncia senhorialescrava, abriam-se os caminhos da ruptura. A fugaera um deles. No Brasil assim como em outraspartes, os escravos negociaram mais do quelutaram abertamente contra o sistema. O combate autonomia e a indisciplina escrava, no trabalho efora dele, se fez atravs de uma combinao da vio-lncia com a negociao, do chicote com a recom-

    pensa. Os escravos rompiam a dominaocotidiana por meio de pequenos atos de desobe-dincia, manipulao pessoal e autonomia

    cultural.18

    O anncio abaixo bastante elucidativo sobreessa negociao estabelecida entre senhores eescravos. O escravo Luiz desejoso de obter suaalforria, recebe a permisso do seu senhor para

    tentar arrumar a quantia necessria para sua liber-dade, com um tempo pr estabelecido. Como oprazo acabou e Luiz no retornou, seu senhor oconsiderou fugido e optou por anunciar a fuga nojornal. Luiz pode ter aproveitado a brecha permi-

    tida pelo seu senhor, para que ele se ausentasse dosseus servios para conseguir peclio ou ter pedidopara ser acoutado por outro senhor, talvez um exsenhor. Assim, ele no estava questionando a suacondio de escravo, mas rejeitando seu dono. bem plausvel que isso tenha acontecido, j que oanunciante no possui dvida em relao ao seuparadeiro, ao contrrio, ele afirma onde o escravoest e ainda cita nomes. Percebemos tambm, queao reclamar o escravo evadido, ele tambm comu-nica o problema do acoitamento e indiretamentecita o acobertador. Pode ser tambm que ele

    estivesse tentando, antes de recorrer justia,chamar a ateno dos acobertadores, atravs deum meio informal.

    Gratifica-se Raphael Pereira de Carvalho,

    declara que, tendo o escravo Luiz, de cor preta,altura regular, cabelo carapinhado, rosto compri-do, bons dentes, magro de 34 anos de idade,muito pernstico, excedido o prazo que lhe foraconcedido para apresentar- se ou dar a quantiamarcada para sua liberdade, como pedira, con-siderava-o fugido, e assim protesta com todo origor da lei contra quem o tenha acoutado, pre-

    venindo ainda que esse escravo, segundo consta,intitula-se forro, acha-se no municpio de Viannano lugar da residncia de alguns filhos do seuprimitivo Senhor o finado Manoel Martins deSouza. Gratifica-se a quem o trouxer ao anun-ciante nesta Villa ou recolhe-lo cadeia de

    Vianna. Linhares, nove de agosto de 1887.

    Raphael Pereira de Carvalho.19

    De acordo com os estudos de SidneyChalhoub Os negros tinham sua prpria con-

    cepo do que seria o cativeiro justo, ou pelomenos tolervel.20. Consoante Geraldo Soares:

    a fuga mais do que a rejeio pura e simples daescravido nos parece mais uma estratgia denegociaes sobre as condies da prpriaescravido. A fuga sempre estava associada uma avaliao por parte do escravo de suascondies enquanto escravo e de suas expectati-

    vas em relao liberdade. Mas no era apenasisso, uma vez que, tendo fugido, o escravo tam-bm avaliava a prpria liberdade e as condies aela associadas. Alm do mais, escravido e liber-

    dade no eram tidos pelos escravos como val-ores absolutos e a fuga no se constitua na linhadivisria entre um mundo de desespero e o

    mundo dos sonhos. 21

    Houve escravos que aproveitaram a morte dosenhor para fugir, outros fugiam para evitar castigose intolerncias, outros que fugiam para se esconderde algum crime ou at mesmo para procuraremum padrinho que os ajudasse numa disputa com oseu senhor, vendas ou transferncias inaceitveis,outros porque no resistiam ao carter sedutor dafuga, como afirma Suely Robles As fugas eram um

    meio atraente de escapar da escravido: geral-mente individuais, no exigiam nenhum plano coor-denado e ofereciam uma perspectiva sedutora, o

    da liberdade imediata.22 De acordo com SilviaLara, existiram escravos que tinham a fama deserem fujes, que desapareciam com freqncia,mas sempre retornavam apadrinhados ou apreen-

    didos.23 Como afirma Goulart Em certosescravos a tentao da fuga era irresistvel, pormelhor tratamento que lhes proporcionassem ,sempre que tinham uma oportunidade metiam o

    p no mundo.24

    Tambm foi muito comum s fugas com intuitode reencontrar pessoas da famlia, separadas pelo

    trfico, sobretudo ps 1850 quando intensifica-se otrfico interprovincial devido a Lei Eusbio de

    18REIS, Joo Jos; SILVA, Eduardo.Negociao e Conflito: a resistncianegra no Brasil escravista. So Paulo:Companhia das Letras, 1989.

    19APEES Srie Jornais O EspritoSantense_ vinte e sete de agosto de1887.

    20CHALHOUB, Sidney. Vises da liber-dade: uma histria das ltimas dcadasda escravido na corte. So Paulo:Companhia das Letras, 1990, p.27.

    21SOARES, Geraldo Antonio. Quandoos escravos fugiam: Provncias doEsprito Santo, ltima dcadas daescravido. Estudos Ibero-Americanos.PUCRS.v.XXIX, n.1, p .70. 2003.

    22QUEIROZ, Suely R. Reis de.Escravido negra no Brasil. So Paulo :tica, 1987.

    23LARA, Silvia Hunold. Campos da vio-lncia: Escravos e Senhores naCapitania do Rio de Janeiro 1750 1808. Rio de Janeiro. Editora: Paz eTerra, 1988. p.238.

    24GOULART, Jos Alpio. Da fuga aosuicdio : Aspectos da rebeldia dosescravos no Brasil. Rio de Janeiro :Conquista, 1972.p.28

    25De acordo com Emilia Viotti daCosta, a partir da Lei Eusbio deQueiroz foi considerada pirataria aimportao de escravos, e como tal,deveria ser punida. As embarcaesenvolvidas no comrcio ilcito seriamvendidas com toda carga encontrada abordo, sendo seu produto entregueaos apresadores deduzindo um quartopara o denunciante.

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    Queiroz.25 Situao verificada por Joo Jos Reis eEduardo Silva: Muitas fugas tinham por objetivorefazer laos afetivos rompidos pela venda de pais,filhos e esposas. Sujeitos a sorte de transaocomercial, a mudana de senhor era, comopodemos imaginar um dos momentos mais dramti-cos na vida de um escravo, quando tudo precisavaser renegociado, s vezes, sob condies muito dif-

    ceis.26

    Nos anncios pesquisados, nos deparamos comalguns senhores que tinham uma noo doparadeiro do fugitivo, era comum os escravosfugirem por sentirem o desejo de ficar prximo aosseus familiares, a exemplo dos anncios abaixo:

    Fugiu no dia 2 do corrente ms, a Manoel da SilvaSimes um seu escravo de nome Bernadino,

    cabra com 40 anos de idade, pintando o cabelode branco, levou vestido cala de casimira usada,camisa de chita riscada e chapu de pelo branco:desconfia-se que seguiu-se em direo para onorte, por ter convidado a outro para fugiremdizendo ter em aldeia velha do norte par-entes, aonde podiam ser acoitados: o negro

    tem bom expediente, fino talvez se queira intitu-lar liberto, quem o apreender, ou dele der noti-cia certa, ao anunciante ser gratificado, assimcomo se protesta contra qualquer pessoa que o

    tenha acoitado. 27(Grifos nossos)Fugiu no dia 18 do corrente, a Jos FranciscoPinto Ribeiro, a sua escrava de nome Isidora, de

    40 anos de idade estatura baixa, cor fula, olhosvesgos, ps pequenos. Desconfia-se que este-ja nas imediaes da fazenda-Jucuruabaonde tem filhos. Quem por tanto dela tivernotcia e participar, ou apreende-la ser gratifica-do. E, com todo o rigor da lei, protesta-se contraquem a acoitar. Victria 24 de janeiro de 1871,

    Jos Francisco Pinto Ribeiro. 28 (Grifos nossos)

    A relao de dominao estabelecida entresenhor escravo era to clara para alguns escravos,que quando havia troca ou venda de cativos, muitosno reconheciam os novos senhores, e recorriam

    as fugas para voltarem para aqueles que reconheci-am como tal. Geraldo Soares, pesquisando fugas decativos na Provncia do Esprito Santo se deparacom essa situao, um escravo que provavelmenteno reconhecia seu novo senhor. O escravo era umpraa de policia chamado Quintiliano que teve queser interrogado, tendo em vista que Manoel Jos deCalvas Barcellos apresentou queixa reclamando-ocomo seu escravo. Questionado sobre essa queixao suspeito respondeu j no inicio de seu depoimen-

    to que o senhor que teve foi o finado capito LuizManoel de tal. E que era o nico senhor que elereconhecia como seu senhor, o legtimo com o qualfora criado. Quintiliano disse que fugiu porque eramaltratado. Mas a razo maior de sua fuga, que

    transparece em seu depoimento, que ele no

    reconhecia seus novos senhores como tais. 29 O

    depoimento de Quintiliano tambm poderia seruma estratgia para justificar a sua fuga perante ajustia.

    Assim como Quintiliano muitos outros tiveramessa mesma postura, em muitos anncios pesquisa-

    dos encontramos senhores que colocavam o nomedo antigo dono, ao que tudo indica no deveria serincomum um escravo evadir em busca do ex dono,e o motivo talvez seja o mesmo do escravoQuintiliano, o no reconhecimento do novosenhor.

    Fugiram da vila de Itapemirim e passaro para onorte do rio do mesmo nome, tomando adireo desta cidade, dois escravos, perten-centes ao Exm. Sr, Baro de Itapemirim, a saber:Inocncio, estatura regular, rosto comprido, corfula, nariz afilado, indica ter estado doente, tem

    p esquerdo algum tanto inchado de erisipelaque teve h pouco tempo, foi escravo deDesidrio Pinto Rangel do Mamoeiro Estulano pardo, alto, reforado, rosto redondo,olho espantado, tem falta de dentes na frente.Da-se 100 $ rs de gratificao a quem os apreen-der, podendo ser apresentados nesta cidade a

    Jos Marcellino Pereira Vasconcellos ou em

    Guarapari ao alferes Pedro Joo de Souza.30

    (Grifos nossos)

    120$000 ris de gratificaoFugiu no dia 11 de outubro de 1854, a

    Monteiro Jos Furtado de Mendona, moradordo lugar denominado Caju, municpio da vila deMaric, um escravo de nome Theodoro, crioulo,idade de 36 anos pouco mais ou menos, estaturabaixa, cor fula, barba cerrada, fala com muitodesembarao, e muito prosa. Foi esse escra-vo comprado em Saquarema a D.MatildesAlves Fontes, e por essa razo cr se que eleanda por esse municpio, onde tem muitosconhecidos, ou pelo de Macah onde trabal-hou em algum tempo em casa de senhorMisael, ainda quando escravo da dita _ D.Mathildes: Dar-se h pois a gratificao nesteprometida, a quem o apreender e levar ao seudono no lugar acima indicado; ou a Joaquim LuizSayo no Porto do Caxias. E protestando-sehaver de quem o acoitar todos os dias de servioque se tem perdido, contando-se daquele em

    que saio de casa, at o da sua apario.31 (Grifosnossos).

    Pode ser que a fuga nem estava relacionada procura do ex dono, mas sim de antigos laos deamizade desfeitos pela venda do escravo. Assim, odono de Theodoro suspeitava que ele estivesseescondido em seu antigo municpio aonde possuamuitos amigos, ou ainda em Macah, lugar onde

    trabalhou para o senhor Misael, ainda quandoescravo de D. Mathildes.Outro exemplo que desacredita os esquemas

    rgidos de anlise da escravido pode ser vislumbra-do atravs dos estudos de Joo Jos Reis sobre o

    26REIS, Joo Jos; SILVA, Eduardo.Negociao e Conflito: A resistncianegra no Brasil escravista. So Paulo :Companhia das Letras, 1989. p.66

    27APEES Srie Jornais - CORREIODA VICTORIA dezoito de maro de1857.

    28APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA vinte e cinco dejaneiro de 1871.

    29SOARES, Geraldo Antonio. Quandoos escravos fugiam: Provncias doEsprito Santo, ltima dcadas daescravido. Estudos Ibero-America-nos.PUCRS.v.XXIX, n.1, p .59. 2003.

    30APEES Srie Jornais - CORREIODA VICTORIA dois de abril de 1859.

    31APEES Srie Jornais - CORREIODA VICTORIA vinte e cinco demaro de 1854.

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    Quilombo do Oitizeiro. Neste Quilombo a reivin-dicao no era pelo fim da escravido, mas simpela troca de senhor. O Oitizeiro ficou reconheci-do como um acoitamento generalizado, isso porque os coiteros utilizavam de seus contatos nas

    senzalas da regio para seduzir, como se dizia napoca, outros escravos fuga. L eles tinhamdireito a comida, proteo e provavelmente umpedao de terra em troca de seu trabalho. Ou seja,os escravos que se refugiaram no Oitizeiro noestavam fugindo da escravido. Eles tinham sua

    viso tanto da escravido como da liberdade. Nestecaso, a liberdade de escolher a escravido. Asituao de fugitivo no lhes parecia ideal e, nessesentido, a passagem pelo Oitizeiro representavaapenas parte da aventura, um ponto de espera, aesperana de fazer contatos que viessem a resolver

    seu problema de senhor.32

    Os prprios senhores tinham uma concepodos motivos que levavam fuga, nos annciosabaixo o senhor relata no saber a razo pela fugado seu escravo. Ou seja, de acordo com umpadro moral estabelecidos entre senhores eescravos era compreensvel certos atos. Por exem-plo, ir ao encontro de um familiar, ser seduzido,negar se ao trabalho etc.

    50U000- Com esta quantia gratifica-se pessoaque capturar o escravo Luiz, de propriedade doabaixo assinado, e que houve por compra feita a

    Sebastio Vieira dos Passos. Os sinais so osseguintes: cor fula, 20 anos de idade, pouco maisou menos, imberbe quase, pois tem pouca barbaem baixo do queixo, um pouco dentuo, rostocomprido, ps grandes e quase sem unhas nosdedos, delgado de corpo, altura regular e cabeloscarapinhos. J veio casa apadrinhado e nomesmo dia sem razo alguma, fugiu novamente.Desconfia-se que anda para os lados do Porto dasPedras e Tambatahy. Quem o capturar e levar aoseu senhor ser gratificado com a quantia acima,protestando- se contra quem o acoitar. Jos

    Rodrigues de Freitas.33

    No dia 11 do corrente evadiu-se sem motivoalgum o escravo Firmino de propriedade de D.Maria Leopoldina Ribeiro. Gratifica-se a quem o

    trouxer, servindo-lhe mesmo de padrinho eentreg-lo nesta cidade ao Sr Jos da Silva Cabralna rua do Comrcio, n23.Victoria 28 de novem-

    bro de 1883.34

    Nossos anncios revelam que as mulheres comfilhos ou casadas tinham uma propenso menor afuga, tendo em vista que havia laos afetivos que as,prendiam ao local, talvez esse seja um dos motivospelos quais os senhores capixabas no ofereceram

    resistncia a formao da famlia escrava35, lem-brando que criar laos afetivos era positivo e nega-

    tivo para o senhor. Uma escrava com filhos geral-mente era mais cautelosa na hora da fuga, por outro

    lado, separar escravos que possuam laos afetivosou de parentesco tambm poderia ocasionar emprejuzo, j que muitos fugiam em busca dos laosdesfeitos. No encontramos nos anncios infor-maes de escravas com filhos que fugiram sozin-

    has. Mas, encontramos um caso de fuga de umescravo casado, que pareceu ser algo incomum,

    tendo em vista que o anunciante fez questo deenfatizar sua relao marital. bem possvel, que ondice de fugas de cativos com laos de parentescosestabelecidos fossem menor, a no ser que esseslaos fossem cortados por ocasio de vendas ouqualquer outro motivo. Havia tambm senhoresque quando desejavam vender escravas que tinhamfilhos geralmente ofereciam a cria junto.

    Protesta-se com todo rigor das leis contra quemtiver dado, e der couto a escrava do abaixo assi-

    nado fugido de seu poder na freguesia doQueimado, desde sete de fevereiro do correnteano: e gratifica-se conforme trabalho de capturaa quem a prender, e levar ao dito seu senhor ali,ou met-la nas cadeias da capital. Essa escravachama-se Roza, parda, magra, baixa, anda sem-pre de vestido porque foi criada no mimo, temcabelo de pico, um tanto estirado hoje a fora depentes, cose de grosso, e boa rendeira, levouuma filha de sua cor, que ter pouco mais de

    um ano de idade. 36 ( Grifos nossos)Fugiu ao abaixo assinado no dia dois do corrente,um escravo de nome Manoel, mulato, casado,idade de mais ou menos trinta anos, ps inchadosde erisipela, quem o prender ser gratificadocom a quantia de 50 $ 000 livre de despesas;assim como protesta quem o tiver acoitado, com

    todo o rigor da lei. (Grifos nossos)

    O que nos dizem os anncios comer-ciais?

    Ao ter contato com os anncios que envolviamo comrcio de cativos (compra, venda, aluguel) oleitor contemporneo no teria muitas dificuldadesde se familiarizar com o tipo de linguagem presentenessas fontes, grosso modo esses anncios nos

    oferecem informaes semelhantes aos nossosanncios contemporneos nos jornais, onde bus-camos atravs dos jornais manifestar nossos dese-jos comerciais de compra, venda e troca.

    A alteridade poderia surgir quando identifi-camos o tipo de comrcio encontrado nestasfontes: comrcio de pessoas, seres humanos.Nesse sentido, pensar em comrcio de pessoas, ,sim, uma estranheza para ns homens do sculo

    XXI. Dessa forma, muitos podem supor pelasemelhana da linguagem com nossos annciosatuais que os escravos eram vistos como mercado-rias. E se o escravo era tratado apenas com fins

    mercantis, um leitor contemporneo, ao ter conta-to com esse tipo de fonte, poderia concluir que osnossos anncios descrevem um escravo-coisa. Sodois os motivos que nos levariam a pensar dessa

    32REIS, Joo Jos; Escravos e coiteirosno quilombo do Oitizeiro Bahia,1806. In: Reis, Joo Jos ; GOMES,

    Flvio S. (orgs). Liberdade por um fio:Histria dos Quilombos no Brasil.SoPaulo: Brasiliense, 1996, p.358

    33APEES Srie Jornais O ESPIRITOSANTENSE_ vinte e trs deDezembro de 1884.

    34APEES Srie Jornais O ESPIRITOSANTENSE_ seis de Dezembro de1883.

    35De acordo com os estudos de osestudos de Patrcia M. da Silva Merlo,sobre a famlia escrava em Vitria, ape-sar de ainda no estar situado dentroda lgica agroexportadora da econo-mia brasileira do sculo XIX, identifi-cou-se a existncia de famliasescravas, no apenas nas plantations,mas tambm nas pequenas escravariase diversos grupos de escravos espe-cializados. E mais, que a famlia escravaera at desejada pelos senhores.Patrcia Merlo, em contato com suadocumentao verifica que na Vitriado dezenove existiu arranjos familiaresslidos, reconhecidos legalmente eexpressivos numericamente. Sendointeressante destacar a baixa presenade africanos na composio de suasescravarias, fato que permite a autoraconcluir que os cativos de Vitria emsua maioria so nascidos no Brasil eque houve uma paulatina renovao demo de obra via natalidade. Dessaforma podemos supor que o EspritoSanto no tenha oferecido resistncia afamlia escrava. MERLO, Patrcia M.Silva da. Estudo sobre a famlia escravaem Vitria/ ES, 1800-1830. Disponvelem: http://www.anpuh.uepg.br/xxii-i s i m p o s i o / ana i s / t e x to s / PA T R I -CIA%20MARIA%20DA%20SILVA%20MERLO.pdf. Acesso em: 15 desetembro de 2008.

    36APEES Srie Jornais - CORREIODA VICTORIA dez de junho de1857.

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    forma: primeiro se tratssemos os anncios apenascomo uma descrio objetiva por parte dos anun-ciantes e no buscssemos empreender nas entre-linhas as pistas deixadas por essas fontes; e segun-do se tentssemos entender o sistema escravista

    atravs de nossos olhares contemporneos.No entanto, concordamos com as assertivas de

    Geraldo Soares, quando diz: A realidade daescravido era mais complexa do que ela nos apre-senta a primeira vista, e a ltima coisa que devemosfazer nos enveredarmos por qualquer espcie dejulgamento moral sobre as situaes vividas pelos

    nossos personagens histricos.37Alm disso:Os senhores de escravos, como os prprios

    escravos, eram dotados de traos de personalidadecomplexos, como o so os nossos, e que nopodem ser reduzidos simplesmente a uma bon-

    dade ou maldade inerentes. Alm disso, nunca demais lembrar que a escravido no era moral-mente condenada nas dcadas de 1870 e 1880 da

    mesma forma que o por ns, hoje.38

    Muitos anncios de venda nos indicam que almdo conflito a negociao entre senhores e escravosera sempre presente, mesmo quando se tratava deuma atividade comercial. Inicialmente tnhamos emmente que era levado em conta numa transaocomercial de escravos apenas os desejos dos seusrespectivos donos; diante desse quadro, o contatocom os anncios de venda nos permitiu ver que emmuitos casos a venda, o aluguel ou a troca ocorria

    por desejos dos cativos.A priori, pode parecer umaafirmao estranha se pensarmos que nessasociedade altamente hierarquizada, aqueles queestavam na posio inferior da hierarquia tivessemoportunidade de escolher sobre seu futuro.

    Vejamos os casos abaixo, em que o motivo davenda se d porque a escrava no quer mais con-tinuar onde est:

    Vende se uma escrava de idade de 27 a 28 anos,boa lavadeira, engomadeira, cozinheira do trivialde uma casa, quem a mesma pretender se dirija-se ao abaixo assinado; vende-se por no querer

    estar na roa. Francisco Euterpe Alfavaca39Vende se uma escrava crioula de 18 anos deidade, o motivo da venda ela no querer servirna casa que est; para mais informaes nesta

    tipografia.40

    No se nega aqui o fato de que existiram algunsanncios que foram estritamente comerciais, dei-

    xando-nos uma imagem de negro-mercadoria,como o caso do anncio abaixo em que o senhoraproveita para oferecer todas as mercadorias deuma vez:

    Vende-se uma escrava de nao, 30 anos deidade, mais ou menos, sem vcios, sadia prpriapara a roa; quem a pretender dirija-se casa de

    Joo Pinto Gomes Rezendo, Rua Formosa; na

    mesma casa vende-se livros em branco, folhetos,lagrimas e sorrisos, manual manico, colchespara camas, e marquesas, bas de folha enverni-zados, de todo o tamanho, terno de pesos dechumbo, balanas, vidros para vidraas e tudoquanto obra de funileiro e latociro; e encader-nam-se livros;boto de vidros, e pinta-se caixi-nhas; tudo por cmodo preo.41

    Mas, na maioria dos anncios encontramos umadescrio elogiosa, ou que apontam virtudes, porparte dos senhores aos seus escravos, e isso no serestringe aos anncios comerciais; at mesmo osanncios de fuga so carregados de elogios, como:muito fiel, bom lavrador, perfeita cozinheira,bonita figura, forte, bem feito de corpo,muito habilidoso, fisionomia ellegante e bemmoralizada, vistoso, bem conversado,

    muito finada de corpo muito poeta figuraagradvel, boa ndole, carinhosa, humilde,esperto, pernstico. evidente que tambmsurjam muitos adjetivos negativos como: arro-

    gante, idiotismo, mau encarado, potroso.Alm das qualificaes os anncios prescrevemcaractersticas como: nome, idade, cor, sexo,profisso, estatura e caractersticas fsicas, o quenos permite traar um perfil dos escravos quefugiam e dos que eram comercializados. Nos ann-cios de precisa-se alugar ou comprar um cati-

    vo, percebemos o perfil que se esperava de umcativo, assim como nos anncios de venda

    percebemos a motivao da venda e tambm doescravo que era vendido.As publicaes de venda possuem descries

    mais sucintas do que os anncios de fuga. Oscativos superaram em nmero os anncios deescravas. Geralmente, quando havia a idade nessesanncios, era superior a trinta anos. Contudo, eramais comum ocultar a idade. O preo pretendidopelo vendedor nunca era exposto no jornal, e haviaainda uma preocupao em deixar claro que acompra do cativo no desagradaria ao comprador.

    Alm disso, alguns senhores buscavam alertar emseus anncios de que a venda no era por motivo

    de defeitos, a exemplo do anncio abaixo que avisade antemo que o motivo da venda por necessi-dades financeiras.

    VENDE-SE um escravo angola, 18 anos de idade,trabalha de roa sem defeito e nem molstia, omotivo por precisar do dinheiro. Quem pre-

    tender dirija-se ao Porto dos padres a Bernardo

    Luiz Ribeiro Bastos.42

    Os indcios apontam que a venda ocorria orapor questes financeiras, por necessidade dereduo de gastos, ora por questes de inabilidadedo cativo para o servio, ora pela idade avanada,fsico esgotado ou doenas. Ou at mesmo porqueos mesmos j no atendiam s necessidades de seudono, s vezes at de forma proposital. Os ann-

    37SOARES, Geraldo Antonio. Esperan-as e desventuras de escravos e liber-tos em Vitria e seus arredores ao finaldo sculo XIX. Revista Brasileira deHistria. So Paulo, vol. 26, n. 52,2006, p.116.

    38SOARES, Geraldo Antonio. Esperan-as e desventuras de escravos e liber-tos em Vitria e seus arredores ao finaldo sculo XIX, p.122.

    39APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA primeiro de dezem-bro de 1849.

    40APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA vinte e oito de abrilde 1858.

    41APEES Srie Jornais CORREIODA VICTORIA sete de fevereiro de1849.

    42APEES Srie Jornais - CORREIODA VICTORIA- trs de outubro de1849.

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    cios de venda procuravam ressaltar as qualidadesdo escravo, ou seja, procurava-se enfatizar asqualidades do escravo para que este se tornasseatraente ao comprador. Por isso eles eram noticia-dos como sadios, com bons costumes, sem vcios,

    alegres dentre outros adjetivos. Os anncios deprecisa-se aparecem com pouca freqncia. Em

    geral, especificavam o sexo, as habilidades queesperavam encontrar, a idade e o local onde asinformaes sobre o escravo deveriam ser obtidas.Havia uma preferncia por escravos jovens, pos-sivelmente mais geis para o servio. A procura eramaior por mulheres para trabalharem no serviodomstico e como amas de leite. Por isso, percebe-mos que havia uma preferncia por cativas paraocupar os servios domsticos, procurou-se tam-bm por pajens com a exigncia de que esses fos-sem bonitas figuras.

    ConclusoTanto os escravos como os senhores tinham sua

    concepo em relao ao regime escravista. Osanncios demonstram um senhor prejudicado pelafuga, cujo culpado poderia ser tanto o escravocomo um sedutor. Era a esse sedutor que os ann-cios tambm se dirigiam e no apenas as pessoasligadas com a captura. Nesse sentido, os annciosde alguma maneira estavam associados a uma idiaconstante veiculada nos jornais o direito da pro-priedade, muitas vezes violado por esses acoberta-

    dores.As descries minuciosas dos anncios de fugaforam muito importantes para esse trabalho. Pormeio deles, percebemos que mesmo se sentindolesado pela fuga o senhor no omitia ou buscavadesqualificar o cativo, anunciava suas qualidades eseus defeitos. Inclusive buscavam enfatizar nosanncios de fuga, a esperteza desses escravos, jque se tratando de um escravo astuto serianecessrio ateno na captura, uma vez que elepoderia se utilizar de artimanhas para permanecerfugido. Os anncios de venda de escravos tambmforam importantes nesse trabalho, j que ao relatar

    as caractersticas que esperavam encontrar noscativos, nos possibilitou perceber o que elesesperavam de um escravo, ou seja, as caractersti-cas que desejavam encontrar.

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