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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM DANIELE CRISTINA DA SILVA LA HORA VIOLETA DE MONTSERRAT ROIG: A INQUIETAÇÃO NO PROCESSO DA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA Cuiabá 2012

DANIELE CRISTINA DA SILVA - ufmt.br · RESUMO: Nessa dissertação estudamos o romance La hora violeta (1980) ... por organizar a história de duas mulheres da burguesia catalã que

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

DANIELE CRISTINA DA SILVA

LA HORA VIOLETA DE MONTSERRAT ROIG: A INQUIETAÇÃO NO

PROCESSO DA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA

Cuiabá

2012

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DANIELE CRISTINA DA SILVA

LA HORA VIOLETA DE MONTSERRAT ROIG: INQUIETAÇÃO NO

PROCESSO DA REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da

Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de

Linguagem.

Área de concentração: Estudos Literários

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rhina Landos Martínez André

Cuiabá

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

S586h Silva, Daniele Cristina da.

La hora violeta de Montserrat Roig: inquietação no processo da represen- tação literária /

Daniele Cristina da Silva. – 2012.

110 f. : il. color.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rhina Landos Martínez André.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-

Graduação em Estudos de Linguagem, Área de Concentração: Estudos Literários, 2012.

Bibliografia: f. 103-110.

1. Literatura catalã – História e crítica. 2. Análise literária. 3. Roig, Montserrat, 1946-1991. 4.

Romance catalão – Representação literária. I. Título.

CDU – 821.13-31.09

Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931

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Dissertação intitulada “La hora violeta” de Montserrat Roig: inquietação no

processo de representação literária da mestranda Daniele Cristina da Silva,

aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_____________________________________________

Prof. Dr. Antônio Roberto Esteves (Examinador Externo)

Universidade Estadual Paulista - Unesp / Assis

_____________________________________________

Prof.ª Dra. Célia Maria Domingues da Rocha Reis (Examinadora Interna)

Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT / Cuiabá

_____________________________________________

Prof.ª Dra. Rhina Landos Martínez André (Orientadora)

Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT / Cuiabá

Cuiabá- MT, 27 de Abril de 2012.

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DEDICATÓRIA

À minha mãe, minha “companheira inseparável” que compartilhou comigo dia-a-dia dessa

trajetória de estudo e pesquisa, dando-me forças nos momentos de angústias e de

preocupações. Unidas desde o ventre, agora fisicamente longe, mas sempre próximas pelo

nosso amor incondicional.

Ao meu pai, por sempre estar presente na formação das suas filhas, pelo companheirismo e

disposição em nos ajudar, seja no que for, e, é claro, por ser muito “fofinho”.

Ao meu esposo Marcelo, pela compreensão, apoio e presença constante durante esses dois

anos de estudo, quando permaneci mais tempo com os livros do que ao seu lado.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, Àquele que ocupa o primeiro lugar em meu coração, simplesmente por me

conceder a vida e por permitir que eu chegasse até aqui: Deus!

Especialmente à minha orientadora Prof.ª Dr. Rhina Landos Martínez André por indicar os

caminhos que deveria seguir, orientando-me no mundo da pesquisa científica, pela amizade e

por dar sua credibilidade à minha pessoa.

Ao professor Antônio Roberto Esteves que colaborou com a construção do trabalho, através

de suas considerações e sugestões que foram muito bem-vindas.

À Professora Célia Maria Domingues da Rocha Reis, coordenadora do MeEL/UFMT,

profissional competente que muito contribuiu para minha formação.

Aos professores do MeEL/UFMT com os quais muito aprendi através dos conhecimentos

repassados.

À Ana Paula de Souza, professora do curso de Letras da UFMT, quem admiro desde o

período da minha graduação na UNEMAT quando tive a oportunidade de ser sua aluna, pelas

oportunidades e por acreditar que eu era capaz de chegar até aqui.

Ao meu esposo, Hilton Marcelo, que apesar de não entender as minhas “viagens”, sempre

esteve ao meu lado, apoiando e incentivando-me para que esse objetivo se concretizasse.

Aos meus pais, por me oportunizaram os estudos e uma formação profissional, mas acima de

tudo, pelo exemplo e pela formação pessoal e ética que levarei aonde for.

À minha irmã Fabiana e meu sobrinho preferido, Murillo, por fazerem parte da minha vida.

Ao meu amigo e agora cunhado Julio César, que apesar de ser um profissional da área de

Administração, deixava-se levar pela imaginação quando, juntamente com Maria Cleunice,

viajávamos pelas mesmas estradas, com objetivos e metas diferentes.

Aos colegas mestrandos, por dividirmos momentos de concentração e reflexão e crescermos

juntos como pesquisadores.

Aos funcionários do MeEL e da Biblioteca por estarem sempre dispostos a nos atender.

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Hay que recordar, hay que evocar, no hay arte más

temporal que la literatura. Podemos enfermar con el

recuerdo, pero, al final del largo y lento proceso de la

escrita, descubriremos que hay algo, que hay alguien, al

otro lado, que todavía late, que todavía existe

Montserrat Roig

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SILVA, Daniele Cristina da. “La hora violeta” de Montserrat Roig: inquietação no processo

da representação literária. Universidade Federal de Mato Grosso, 2012.

RESUMO: Nessa dissertação estudamos o romance La hora violeta (1980) da escritora catalã

Montserrat Roig e nela analisamos as motivações dos diversos momentos de inquietação e

desassossego pelos quais passa Norma, personagem escritora criada pela autora e responsável

por organizar a história de duas mulheres da burguesia catalã que viveram o período

turbulento da Guerra Civil Espanhola e dos primeiros anos da ditadura franquista. A

reconstrução do passado reflete a preocupação da autora em lutar contra o esquecimento de

vivencias traumáticas coletivas e seu interesse em trabalhar a relação dialética entre memória

e história, priorizando os discursos minoritários silenciados em sua sociedade pela ditadura e

pelo sistema patriarcal. Para trabalharmos com a relação entre a representação da realidade e a

ficção nos pautamos em discussões de Seligmann-Silva, Valéria De Marco, Levi e Semprún.

Em relação aos estudos sobre história e memória, Nietzsche, Benjamin, Gagnebin, Halbwachs

e Olmi sustentam as discussões. O processo de retomada de um passado, aparentemente

distante da vida de Norma, adquire significados importantes, pois se apresenta como um

desafio para a representação dos seus próprios anseios e angústias. A configuração da obra,

pelos temas que se abordam, no se realiza de maneira fria e insensível, mas bem se tem que

experimentar o sofrimento, a dor e aflição, pois a personagem Norma precisa passar por uma

espécie de purgatório, para seguir o curso de sua própria vida. Nesse sentido, podemos

afirmar que o processo de escritura se transforma em uma maneira de tratamento psicológico.

Apesar de ser um procedimento penoso e angustiante e de enfrentamento de conflitos sociais

e pessoais, é através dele que Norma pode compreender a si mesma e libertar-se de seus

traumas.

PALAVRAS-CHAVES: Montserrat Roig, La hora violeta; memória; inquietação;

representação.

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RESUMEN:

En esta disertación estudiamos la novela La hora violeta (1980), de la escritora catalana

Montserrat Roig y en ella analizamos las motivaciones de los momentos de inquietud y

desosiego que sufre Norma, durante el proceso de la elaboración literaria. Norma es la

escritora personaje criada por la autora y responsable por organizar la historia de dos mujeres

de la burguesía catalana que vivieron el período turbulento de la Guerra Civil Española y de

los primeros años de la dictadura franquista. La reconstrucción del pasado refleja la

preocupación de la autora en luchar contra el olvido y trabajar en una relación dialéctica

memoria e historia priorizando los discursos minoritarios silenciados en la sociedad y que

fueron sofocados por la dictadura y por el sistema patriarcal. Para trabajar con la relación

entre representación de la realidad y la ficción nos apoyamos en discusiones de Seligmann-

Silva, Valéria De Marco, Levi, Semprún. En relación a los estudios sobre historia y memoria,

Nietzsche, Benjamin, Gagnebin, Halbwachs y Olmi sustentan las discusiones. El proceso de

retomada de un pasado, aparentemente distante de la vida de Norma, adquiere significados

importantes, pues se presenta como un desafío para la representación de sus propias

ansiedades y angustias. Esta labor no se realiza sencillamente, sin sufrimiento, dolor y

aflicción, pues el personaje precisa pasar por una especie de purgatorio para seguir el curso de

su propia vida. En ese sentido, podemos afirmar que el proceso de escritura se transforma en

una manera de tratamiento psicológico. A pesar de ser un procedimiento penoso y

angustiante, es a través de él y del enfrentamiento de conflictos sociales y personales que

Norma puede comprenderse a sí misma y liberar-se de sus traumas.

PALABRAS-CLAVES: historia, memoria; inquietud; representación; ficción.

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ABSTRACT: In this dissertation we have studied the novel La hora violeta by the Catalan

writer Montserrat Roig (1980) and it has analyzed the motivations of several moments of

unrest and anxiety which threaten the character Norma, a writer character created by the

author and responsible for organizing the story of two women from the Catalan bourgeoisie

who went through the turbulent period of the Spanish Civil War and the early years of

Franco’s dictatorship. The reconstruction of the past reflects the concern of the author to fight

against the forgetting of collective traumatic experiences and its interest in working with the

dialectical relationship between memory and history, prioritizing the minority discourses

silenced in their society by the dictatorship and the patriarchal system. To work with the

relationship between representation of reality and fiction we have based on discussions of

Seligmann-Silva, Valéria de Marco, Levi Semprún among others. Regarding the studies about

history and memory, Nietzsche, Benjamin, Gagnebin, Halbwachs and Olmi held the

discussions. This process of revival of a past, seemingly distant from the life of Norma, it

acquires important meanings, therefore, it presents as a challenge for the representation of

their own desires and sorrows. The settings of the work, according to the themes discussed, do

not happen in a cold and insensitive way, but she has to experience suffering, pain and

distress in which the character Norma must pass a sort of purgatory to follow the course of her

life. In this sense, we may approach the process of writing becomes a way of psychological

treatment. Despite of being a painful and distressing procedure, it is through it and facing her

personal and social conflicts that Norma can understand herself and achieve the liberation

from her traumas.

KEY WORDS: History; Memory; Unrest; Representation; Fictio.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 11

1. A HORA DA TEORIA: LITERATURA E TESTEMUNHO ENTRE AS BALIZAS DO REAL E DO

FICCIONAL ........................................................................................................................................................ 15

1.1. Entre a história e memória ............................................................................................................... 28

1.2. A arte de Narrar ................................................................................................................................ 34

2. A HORA DOS RESTOS E DOS CACOS: A GUERRA CIVIL ESPANHOLA........................................... 39

2.1. A hora das mulheres .......................................................................................................................... 43

2.2. Montserrat Roig: a projeção de uma vida ....................................................................................... 47

2.3. Adentrando o universo de La hora violeta: o título ....................................................................... 52

2.4. Temas e a organização da obra ........................................................................................................ 56

3. A HORA DA ANÁLISE ................................................................................................................................... 63

3.1 Os registros das memórias familiares ............................................................................................... 64

3.2. A inquietação da representação literária em La hora violeta ........................................................ 78

3.3. A inquietação da escrita metaforizada na organização estrutural do romance ........................... 88

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................ 100

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................................... 104

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INTRODUÇÃO

Abordar a obra de Montserrat Roig sobre a perspectiva da memória de um contexto

histórico, político e social da Espanha do século XX é tratá-la como uma forma de

testemunho literário que denuncia as atrocidades ocorridas nesse período com os espanhóis,

principalmente com aqueles que foram marginalizados ao longo das quase quatro décadas de

ditadura militar.

Roig sempre esteve envolvida com questões que permeavam sua sociedade. Formou

parte do universo de escritoras catalãs interessadas pelas histórias marginalizadas do passado

recente de seu país. Tornou-se uma testemunha de um período marcado por discussões sobre a

relação entre história e memória como meio para compreender a repressão e censura das

décadas recentes.

Há duas linhas de crítica sobre sua produção, uma desenvolvida em Barcelona e

Madrid que, apesar de considerar sua obra como profusa, realista e testemunhal, classifica-a

como uma produção de mediana qualidade literária. Outra corrente crítica, formada nos

Estados Unidos e na Inglaterra, analisa a produção roigueana a partir das temáticas femininas

que a autora desenvolve em suas obras e inclui Roig no grupo das maiores escritoras do pos-

franquismo.

Nos primeiros anos de ditadura franquista muitos intelectuais foram perseguidos,

exilados ou mortos e tiveram suas produções censuradas. Nesse momento, surgiram na

Espanha textos produzidos por escritores falangistas que propagavam o discurso dos

vitoriosos. Na década de 1940, começam a surgir obras literárias que vão dissolvendo, aos

poucos, a exclusividade do discurso dos vencedores.

Nesse contexto de repressão e perseguição política, várias escritoras se tornaram

exemplos de luta e de resistência às atrocidades cometidas contra os espanhóis durante o

governo ditatorial de Franco, enfrentando uma dupla dificuldade, pois, além de criticarem o

regime político estabelecido, por serem mulheres e viverem em uma Espanha patriarcal,

militar e católica, foram alvo de severas críticas. No entanto, extrapolaram os limites

domésticos e hoje suas obras são estudadas em diversas universidades, muito além das

fronteiras territoriais da Espanha. O que implica na relevância dessas produções literárias.

As mulheres sofreram, por séculos, e ainda sofrem, com as hierarquias patriarcais que

sempre demarcaram os espaços sociais permitidos aos sexos. Em relação à escrita, por

exemplo, seja histórica ou literária, elas permaneceram à margem do reconhecimento. Na

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opinião de Galdona Pérez (2001, p. 38), essa luta pelo direito de escreverem e expressarem

suas opiniões, trata-se de “una labor clandestina y silenciosa, que se ha mantenido, las más de

las veces, a la sombra de la grandilocuencia masculina”.

De maneira geral, as mulheres se uniram em prol de um mesmo ideal, o da luta pela

igualdade entre os gêneros. Contudo, enfrentaram diferenças advindas das peculiaridades

políticas, econômicas, culturais e sociais de cada país ou região. Durante os anos de repressão

da ditadura muitas conquistas foram proteladas e aquelas que aconteceram no primeiro terço

do século XX, com o governo Republicano, foram relegadas logo no início do Regime

ditatorial de Franco (1936-1975). Este regime implantou uma política de repressão e

submissão para a mulher, sendo a ideologia da Igreja Católica o principal instrumento de

propagação de seus ideais.

Montserrat Roig surge como escritora em uma época na qual as mulheres já haviam

conquistado o seu reconhecimento como tal e também superado muitas barreiras e censuras.

No entanto, sua literatura propõe uma retomada do passado representando aqueles que de

alguma forma ficaram marginalizados pela “Grande História”, ou seja, da história escrita

pelos homens. Por isso, as mulheres ganham mais espaço dentro de suas narrativas, são

personagens-chave no desenvolvimento dos relatos. Como uma escritora de Catalunha,

Comunidade Autônoma da Espanha que perde sua autonomia durante a ditadura franquista,

torna-se uma representante das diferentes formas de marginalização. Seu trabalho intelectual

gira em torno de dois temas, os horrores cometidos pelos nazistas e a defesa da história das

mulheres, sendo a sua maior preocupação manter viva a memória dos vencidos na Guerra

Civil Espanhola (1936-1939).

Ao adentrar no universo ficcional de uma obra muito peculiar, La hora violeta (1980),

o leitor depara-se com uma narrativa que em princípio causa-lhe certo incômodo em relação

ao próprio enredo. Isso decorre do fato de que a obra apresenta uma configuração singular que

rompe com a estética literária tradicional, provocando no leitor estranhamento em relação à

estrutura da narrativa. Entretanto, ao avançar na leitura ou, muitas vezes, em uma releitura, o

texto vai ganhando significado e o leitor vai sendo envolvido. Isso acontece na medida em

que ele percebe que o texto se configura como uma teia que avança em várias direções,

sofrendo rupturas e iniciando novos caminhos.

Outra peculiaridade é que a obra é permeada por certo sentimento de angústia.

Perguntamo-nos: essa angústia, esse sentimento de desassossego é devido à temática

desenvolvida? Esse incômodo ocorre pelos sofrimentos que as mulheres apresentam em suas

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trajetórias narrativas? Essas histórias femininas poderiam se identificar com a própria história

da autora? Responder essas perguntas é o desafio ao qual nos propomos, através de uma

leitura muito mais aprofundada do livro.

O processo de inquietação possivelmente dá-se pelo reconhecimento de Norma nas

memórias que lê e, portanto, passa a exercer uma auto-análise simultaneamente ao processo

de escrita do passado dessas mulheres. Como o marco de referência da personagem Norma

são lembranças recentes que permanecem pulsantes, vivas, inquietantes, efervescentes, a

memória coletiva é a fonte principal de sua literariedade.

Para tanto, o objetivo desse trabalho é mostrar a inquietação pela qual passa a

personagem Norma para representar esteticamente as histórias de duas mulheres da burguesia

catalã que viveram durante o período da Guerra Civil Espanhola e os primeiros anos da

ditadura franquista, deixando suas dolorosas impressões e experiências registradas em diários

e cartas.

É importante dizer que, ao longo da sua trajetória de escritora e também de jornalista,

Roig dedicou-se a investigar as experiências vivenciadas dos ex-deportados catalães dos

campos de concentração nazi, através de entrevistas e coleta de documentos que registraram

essas memórias periféricas. Informações que resultaram em matéria-prima para sua produção

literária.

Nessa direção, buscamos analisar, no primeiro capítulo desta dissertação, a relação

entre o processo da escrita e a experiência traumática, ou a (im)possibilidade de representação

literária de eventos catastróficos, pela violência dos eventos, de igual maneira, a forma como

se estabelecem as relações entre “real” e “fictício” (Seligmaan-Silva, 2003), uma vez que, no

enfoque dessas duas concepções, há diversidade de abordagens.

As discussões teóricas sobre a possibilidade de representação de eventos traumáticos

ramificam-se em duas correntes divergentes em relação às suas peculiaridades. A primeira

considera impossível uma representação literária do sofrimento advindo dos campos de

extermínio por acreditar que a linguagem é insuficiente para estetizar cenas traumáticas. A

segunda acredita ser a arte, especificamente a literária, a única capaz de configurar

esteticamente essas experiências, uma vez que ela extrapola os limites de referencialidade, os

quais se tornam insuficientes nesses casos particulares.

Para entender a obra de Roig na perspectiva do contexto histórico, político e social da

Espanha do século XX, preferencialmente o relativo à Guerra Civil e pós-guerra, como

gérmen da violência que gera esse período e dar-lhe forma literária, apoiamos nossas

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discussões em Seligmann-Silva (2000; 2003), Valéria de Marco (2004), André (2003),

Felman (2000), Hartman (2000), Adorno (1998), Levi (1988) e Semprún (1995). As

observações de Platão (1965) e de Aristóteles (2002) nos auxiliam muito para compreender as

especificidades do texto literário e a “representação” como “mimeses”. Outros teóricos como

Candido (2000), Bosi (1999), Fischer (1981), Vargas Llosa (2007) também fundamentam as

discussões sobre arte e representação.

Outra questão que norteia essa pesquisa são as reflexões sobre a memória como

principal instrumento para a retomada do passado. Nesta linha, as teorias de Nietzsche (2005)

Benjamin (1994), Gagnebin (2006), Halbwachs (2006) e Olmi (2006) contribuem para a

leitura da obra, visto que a memória é o fio condutor para o testemunho político e pessoal de

Montserrat Roig em La hora violeta.

No segundo capítulo deste trabalho apresentamos a vida e a produção literária de

Montserrat Roig e, na sequência, abordamos as peculiaridades da obra La hora violeta,

partindo do título e sua organização estrutural e temática.

No terceiro capítulo, fazemos uma análise da obra no âmbito da representação literária

de um passado traumático vivenciado pelas personagens Judit e Kati que torna a resignificar

na vida de Norma, a personagem escritora responsável por dar forma artística às histórias

dessas mulheres. Apontamos como se dá esse processo de auto-reconhecimento de Norma

através das memórias dessas personagens e como ela se debate emocionalmente com as

informações contidas nos documentos com os quais precisa lidar.

Ao final, registramos algumas considerações sobre o trabalho de reelaboração do

passado silenciado experimentado por Norma, para verificar a importância dessa tarefa na

libertação de suas angústias e traumas, assim como sua contribuição para com a vida de outras

personagens. Por meio de nosso trabalho propomos instigar outras estratégias de interpretação

dessa obra que envolve de maneira curiosa e instigante o leitor, despertado nele também uma

inquietação durante a leitura. Escolher como corpus uma obra de uma escritora pouco

conhecida no Brasil é, além de desafiador, importante para a divulgação da literatura

Espanhola e Catalã em nosso meio acadêmico e do país em geral, visto que através de sua

obra podemos ouvir muitos daqueles que não puderam falar por si próprios.

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1. A HORA DA TEORIA: LITERATURA E TESTEMUNHO ENTRE AS BALIZAS DO

REAL E DO FICCIONAL

A arte é uma mentira que revela a verdade.

Pablo Picasso

A produção profissional de Montserrat Roig abrange uma diversidade de gêneros

discursivos que engloba tanto textos literários, como contos e romances, quanto ensaios,

textos jornalísticos escritos e televisivos, sendo que o seu compromisso político e social se faz

presente em todos os gêneros.

Na Espanha pós-franquista, onde Roig viveu, havia extensas discussões sobre a

memória histórica e a literatura como meio de refletir sobre as consequências desse

período avassalador para os espanhóis. Szurmuk (2002, p. 156) observa que, nesse contexto,

surgiram vários debates sobre a função da literatura na preservação e resolução dos conflitos

gerados pela censura e repressão à qual a sociedade espanhola havia sido submetida.

De acordo com Dupláa (1996, p. 12), o período de transição do regime ditatorial para

o democrático, na década de 1970, estava vinculado ao passado, o qual precisava ser

compreendido, pois as consequências da Guerra Civil Espanhola e do Franquismo ainda

estavam estampadas na vida dos espanhóis. Já a década de 1980 foi o período do “pacto con

el olvido”, momento no qual muitos escritores deixaram de ser críticos em relação às

instituições, uma vez que estas mantinham a vida cultural do país, além de que, do âmbito

político, para que a Espanha adentrasse no rol dos países detentores de poder do mundo

ocidental, era necessário que o passado fosse esquecido. No entanto, Roig, criticando

severamente esse posicionamento a favor da amnésia, inclinou-se à recordação como a

melhor maneira para construir um país democrático, pois sem compreender o passado seria

impossível projetar um futuro menos injusto.

Dupláa1 considera as produções de Roig como autêntico testemunho da Espanha dos

anos 1970 e 1980, período no qual o que estava em jogo era a relação dialética entre

memória e esquecimento. Para produzir seus textos, tanto literários quanto jornalísticos ou

ensaísticos, a autora recorre às memórias em busca de informações para revelar aos seus

leitores aspectos do mundo que não podem ser ignorados, assim, os envolve nas histórias de

personagens que sofreram reflexos dos confrontos que marcaram o seu país ao longo do

século XX.

1 Idem.

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16

Há de se ter em conta que uma obra não é, necessariamente, a narrativa da vida de um

autor, pois este cria um mundo ficcional. No entanto, não há como negar que a sua trajetória

de vida seja transposta, de alguma forma, para os cenários de suas narrativas. Na literatura, o

autor seleciona, agrupa e organiza a escrita conforme os seus objetivos, formulando um

mundo imaginário constituído por personagens inseridos e submersos em tempos, espaços e

contextos específicos a partir dos quais ganham vida. Na obra em estudo percebemos

claramente esse processo, uma vez que todos os documentos de relatos pessoais que

permeiam o romance são ficcionais e comovem o leitor como se fossem reais.

Natalino Oliveira (2010, p. 50-1) observa, em sua Dissertação de Mestrado, sobre a

obra Ramona, adiós, outra obra da autora, que:

O romance foi construído a partir da memória presente na comunidade

Catalã, pois a autora não viveu na época da guerra, não presenciou os fatos

e nem mesmo se propõe a construir um testemunho; ela escreve um

romance, com tudo o que essa decisão implica no sentido de imaginário e

ficcional. O que percebemos na construção da trama é a necessidade de

expor os restos ainda presentes do confronto na vida de gerações

posteriores. Todos os relatos referentes à guerra são ficcionais, mas a

engenhosidade da obra é a provocação de sentimentos reais no leitor.

Nesse sentido, Roig não seria considerada uma testemunha real dos fatos

literarizados, no entanto, compartilhamos da assertiva de Dupláa (1996, p. 11) de que “su

propia voz es un testimonio de un lugar y de un tiempo muy concretos: la España de la

transición democrática”. Roig representa em sua produção literária a sociedade de sua época

e as memórias presentes nessa sociedade. Para compreendermos esse processo de

representação literária e a própria relação entre “literatura e sociedade” (CANDIDO, 2000),

tornam-se relevantes algumas reflexões sobre esses termos.

As discussões acerca das especificidades do texto literário remontam ao mundo grego

platônico e aristotélico chegando até nossos dias, principalmente os relativos aos artifícios

imitativos. Em A República, de Platão, especificamente nos livros II e III, a mímese é trazida

como um modo de expressão ou representação. Utilizando dois objetos, a cama e a mesa,

Sócrates verifica que existem três figuras que “presidem a fatura das três espécies de

cama”, o primeiro é Deus, o “criador natural”, o segundo, o marceneiro, o “artífice da

cama”, e, o último, o pintor que é o “imitador daquilo que os outros dois são os artífices”

(PLATÃO, 1965, p. 222). A mímese seria, portanto, algo produzido a “três graus de

natureza”. Sobre a representação da pintura, conclui-se que ela representa “tal como parece” e

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não “tal como é”, e por isso, “A imitação está, portanto, longe do verdadeiro” (PLATÃO,

1965, p. 223) porque é um reflexo ilusório da verdadeira realidade.

Aristóteles, grande filósofo que exerceu importante influencia no pensamento

ocidental, em Arte Poética faz uma reflexão profunda sobre a tragédia e defende que uma

das questões fundamentais para o alcance da arte é a sua caracterização como mímeses. Termo

que no seria o de ‘cópia’ ou ‘reprodução’ da realidade, senão o de ‘representação’ e

‘redescrição’, entendidas como criação artística de uma nova realidade, ou como recriação

metafórica da mesma. Para o filósofo, “Imitar é o que verossimilmente possa acontecer”

(ARISTÓTELES, 2002, p. 20). Nesse sentido, apesar de a literatura não ser uma

representação fiel do “real” e não ter compromisso com a fidedignidade dos fatos narrados é a

partir do mundo “real” que o artista subtrai os elementos para criar um mundo imaginário.

Nessa linha do diálogo sobre a representação literária, Reis e Lopes, no Dicionário de

Termos Literários, afirmam que:

Em qualquer caso, no entanto, a representação deve ser entendida em

termos dialéticos e não-dicotômicos; o que significa que entre representante

e representado existe uma relação de interdependência ativa, de tal modo

que o primeiro constitui uma entidade mediadora capaz de concretizar uma

solução discursiva que, no plano da expressão artística, se afirme como

substituto do segundo, que, entretanto, continua ausente2 (REIS; LOPES,

1988, p. 88).

Com base nessas interpretações teóricas, podemos considerar que a representação é

uma imagem chamada à consciência de um evento ocorrido ou de um objeto percebido

anteriormente. Muitas vezes, esse processo de rememoração ocorre de maneira inconsciente

ou involuntária porque o elemento “representado” sempre permanece ausente e o

“representante” é a própria concretização de uma “solução discursiva”. Assim, podemos

afirmar que a sociedade catalã é representada através da obra La hora violeta que, conforme a

definição supracitada, é uma “solução discursiva” para reelaborar o passado.

A literatura como forma de arte se potencializa quanto ao caráter de representação de

comportamentos, anseios, angústias, desejos do ser humano, de modo individual ou coletivo.

Ao representar literariamente uma sociedade marcada por conflitos pessoais, familiares e

sociais acarretados pelos traumas oriundos das guerras e da ditadura, a escritora Montserrat

Roig, não traz para sua obra fatos “reais” ou pertencentes à História Oficial, mas se utiliza de

conhecimentos e experiências desse mundo “real” para construir o mundo ficcional de seu

romance.

2 Grifos dos autores.

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Sobre a relação que se institui entre real e ficcional no texto literário, o ensaio La

verdad de las mentiras, de Mario Vargas Llosa (2007), auxilia-nos a compreender alguns

limites que se estabelecem entre esses conceitos:

[…] no es la anécdota lo que en esencia decide la verdad o la mentira de una

ficción. Sino que ella sea escrita, no vivida, que esté hecha de palabras y no

de experiencias concretas. Al traducirse en palabras, los hechos sufren una

profunda modificación (LLOSA, 2007, p. 18).

Essa tradução dos fatos em palavras projeta a realidade na obra literária provocando

uma reflexão sobre a própria realidade apresentada metaforicamente. Segundo Vargas Llosa

(2002, p. 22), o ser humano tem a necessidade de viver outras experiências, mas é impedido

pelo curto espaço de tempo que lhe concede a vida, portanto, a ficção surge como

possibilidade de ver fluir seus desejos e fantasias que não encontram espaço na vida real.

De acordo com Antonio Candido (2000, p. 4), no princípio, o valor e o significado de

uma obra dependiam dela exprimir ou não certos aspectos da realidade; depois a preocupação

dos estudos voltou-se para as operações formais da obra; e apenas em um terceiro momento é

que se alcança um equilíbrio através da fusão entre texto e contexto, e tanto os pontos de vista

que explicam os valores externos, quanto os que explicam os internos (a estrutura) da obra se

combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Desse modo, o “elemento

externo (no caso, o social) passa a ter importância “não como causa, nem como significado,

mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se,

portanto, interno”.

A obra literária leva em conta o elemento social, mas não como referência ou

enquadramento que permite identificar a expressão de uma sociedade ou situar a própria obra

em um momento histórico. O social deve, “como fator da própria construção artística ser

estudado no nível explicativo e não ilustrativo” (CANDIDO, 2000, p. 7). Assim, os elementos

externos (que configuram uma dada realidade social) se tornam internos (transferido para o

mundo ficcional, o social passa por uma recriação sendo configurado conforme critérios

estruturais). Ao levar para o mundo ficcional temas pertencentes a uma realidade o escritor

propõe aos seus leitores reflexões sobre assuntos que ainda não foram solucionados, seja no

âmbito social ou individual. No entanto, esses temas devem orientar a própria construção da

obra, eles precisam ser expressos através das estruturas formais da obra literária.

A arte expressa elementos coletivos, ainda que ela seja produzida por uma voz

individual. Fischer observa que, no passado, quando a sociedade era estruturada e organizada

por um sistema tribal e comunitário, a arte era uma manifestação coletiva, mas, quando a

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sociedade passou a ser dividida em classes com a presença do Estado, ela se tornou uma voz

individual. Contudo, para Fischer (1981, p. 56), a subjetividade que se faz presente nessa voz

individual não deixa de expressar os elementos sociais ou coletivos. Segundo esse autor,

A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas a de abrir portas

fechadas. Quando o artista descobre novas realidades, porém, ele não o

consegue apenas para si mesmo; ele realiza um trabalho que interessa a

todos os que querem conhecer o mundo em que vivem, que desejam saber

de onde vêm e para onde vão (FISCHER, 1981, p. 238).

A literatura, como uma forma de arte, é uma maneira de compreender a si mesmo e ao

outro. Ela possibilita ao leitor diversas possibilidades de leituras e de viver novas experiências.

Isso porque ela capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la,

mas, principalmente, a transformá-la tornando-a mais humana.

Especificamente, no âmbito da literatura, para Alfredo Bosi,

A força DA ARTE LITERÁRIA3 busca formas que tragam à luz da

significação os percursos do desejo e da pena, da angústia e da alegria;

formas que revelem sentidos latentes ou, quem sabe, resgatem o não-

sentido da existência quotidiana (BOSI, 1999, p. 57).

Nesse sentido, o poeta precisa sair da razão para conseguir produzir uma obra de arte,

precisa sair do seu lugar comum de sujeito racional e ultrapassar as barreias desse mundo

objetivo para trasladar-se para o mundo da criação. Quando o leitor se depara com uma obra

literária ele encontra mais do que a simples combinação de palavras sobre o papel, ele se

depara com um mundo que vai ganhando forma na proporção que avança na leitura e os

sentimentos, opiniões, comportamentos, posicionamentos dos personagens o envolvem cada

vez mais.

Conforme BOSI (1999, p. 57), o trabalho do escritor é complexo, pois sua matéria-

prima, a palavra, carrega sentidos diversos que lhe foram sendo atribuídos ao longo dos anos

e, por isso, a arte da palavra incide em “reviver e potenciar a expressão que o uso desgastou”.

Essa complexidade da escrita literária alcança seu auge com o advento de uma

literatura que busca representar as catástrofes do século XX que tiveram seu apogeu com os

campos de extermínio na Segunda Guerra Mundial. Referimo-nos à literatura de testemunho

que provoca na crítica moderna reflexões sobre as relações que se estabelecem entre o

“literário” e o “real” ou entre ficcionalidade e referencialidade. Esse “real” refere-se ao

3 Grifo do autor.

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trauma oriundo de sofrimentos que extrapolam a capacidade de significação do sujeito, como

aconteceu com os sobreviventes da Shoah.

No artigo “O testemunho: entre a ficção e o “real”, Márcio Seligmann-Silva (2003, p.

376-7) estabelece semelhanças entre a ironia, “uma potente máquina de desleitura”, e a

literatura, pois compartilham o espaço fronteiriço entre referência e auto-referência da

linguagem. Afirma que no século XX a literatura tomou um caminho oposto ao da auto-

referência do discurso, tornando-se uma literatura “antiirônica” do “real”, ou uma literatura de

testemunho.

Em latim “testemunho” pode ser representada por duas palavras: testis e superstes. A

primeira se refere ao “depoimento de um terceiro em um processo” e a segunda “a uma

pessoa que atravessou uma provação, o sobrevivente” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 379-

80). Considerando essas duas formas de ser de uma testemunha, a literatura de testemunho

tomaria, então, duas vertentes, poderia ser escrita por alguém que testemunha sobre algo que

viu ou que sabe, mas não viveu o fato que narra, ou poderia ser escrita por um verdadeiro

sobrevivente de uma experiência catastrófica.

Quando o assunto trata-se da representação sobre acontecimentos traumáticos, a

escrita alcança certo nível de complexidade. As discussões sobre a representação destes

eventos, assim como a própria (im)possibilidade dessa representação é intrincado, pela

complexidade que acarreta desenhar com palavras do cotidiano as barbáries do século XX.

Como os acontecimentos são muito recentes, a definição de um marco teórico

explicativo ainda está em construção. De acordo com Valéria De Marco (2004, p. 57),

existem duas tendências sobre as “correntes da crítica literária da Shoah”. A primeira trata-se

da produção dos próprios sobreviventes e recusa aproximações com a ficção, nega, portanto,

qualquer consideração estética, e é examinada a partir de critérios éticos. A segunda tendência

privilegia as “questões de natureza literária”, considera os aspectos estéticos e não se restringe

às produções dos sobreviventes. Enquanto a primeira corrente considera a Shoah como um

acidente da modernidade, a segunda a vê como resultado do desenvolvimento de técnicas

administrativas e das ciências, e o espaço permanente ocupado pelo Estado não se limita aos

campos nazis.

É preciso esclarecer que não é nossa intenção nos determos em eventos catastróficos

de maneira pontual e detalhada. O que queremos é observar como esses eventos foram

catalisados e processados na memória de sobreviventes e de suas gerações descendentes. Isso

nos ajudará a compreender o sentimento de compromisso da escritora Montserrat Roig ao

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lidar, em uma única obra, com personagens que participaram direta ou indiretamente da

Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra Mundial.

Pautada em alguns posicionamentos, como a célebre frase de Adorno de que “Depois

de Auschwitz, não é mais possível escrever poemas” (ADORNO, 1973, p. 362 apud

FELMAN, 2000, p. 46), a primeira corrente, à qual se refere De Marco, considera

problemática a representação literária de acontecimentos extremos como foram os campos de

concentração. Irving Howe (1999) é um exemplo dessa corrente: ele considera que a

intensidade do trauma de um sobrevivente da Shoah impossibilita uma narração racional,

principalmente no âmbito da representação literária.

Mais tarde, em outro ensaio, Adorno destaca sua intenção aporética e não

simplesmente negativa do seu pronunciamento ao afirmar que:

Não tenho nenhum desejo de amenizar o dito de que escrever poesia depois

de Auschwitz é um ato de barbárie (...). Mas a resposta de Enzensberger de

que a literatura tem de resistir a este veredito, também permanece verdade

(...) Agora é virtualmente apenas na arte que o sofrimento pode ainda achar

sua própria voz, consolação, sem ser imediatamente traído por ela

(ADORNO, 1982, p. 312-318 apud FELMAN, 2000, p. 47)4.

Adorno reconhece que a arte é a única que poderá igualar-se à sua própria

impossibilidade histórica e satisfazer tanto a tarefa do pensamento contemporâneo quanto as

exigências do sofrimento, da política e da consciência contemporânea, escapando à inevitável

traição cultural, tanto da história quanto das vítimas (FELMAN, 2000, p. 47).

Se, por um lado, a representação de um evento limite é considerada como complexa e

problemática, por outro, existem aqueles que, mesmo não sendo sobreviventes do Holocausto,

por algum motivo, sentiram a necessidade de registrarem suas impressões sobre o evento.

Esses escritores, apesar de criticados pela corrente que desconsidera essa produção por não

serem autênticos testemunhos, sensibilizados por outras narrativas e imbuídos de capacidade

estética, configuraram uma experiência literária. Dentre eles, Seligmann-Silva (2003, p. 382)

destaca Binjamin Wilkomirski, autor de um relato autobiográfico intitulado Fragmentos,

publicado em 1995, no qual se apresentara como um sobrevivente do Holocausto. O livro teve

uma recepção espetacular devido à encenação do trabalho de memória e às descrições de

imagens. Para Seligmann-Silva5, o poder desta obra está no fato de ser uma ficção, pois, os

verdadeiros sobreviventes são incapazes de narrar com precisão e detalhe determinadas

situações às quais foram submetidos.

4 Grifo do autor.

5 Idem.

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Infelizmente, o texto testemunhal de Wilkomirski considerado “de excelente

qualidade”, foi alvo de inúmeras críticas que o desqualificava ao ser constatado a falsa

identidade do autor como sobrevivente de um campo de concentração. A respeito desse fato,

De Marco (2004, p. 60) observa que a fraude de identidade do autor “pode ser julgada em

muitas instâncias sociais, mas ela não pode ser determinante para análise e interpretação do

texto”.

Em relação à possibilidade ou não de representação artística de eventos traumáticos, é

pertinente retornarmos às reflexões de Fischer acerca da sinceridade no momento da

representação, quando afirma que:

Todo esforço consequente para apresentar a realidade sem preconceitos,

isto é, com toda a sinceridade, ajuda-nos a avançar. Por si só, a sinceridade

pode representar de maneira apenas fragmentária a complexa realidade do

nosso tempo. Sem a sinceridade, contudo, não se pode fazer coisa alguma

(FISCHER, 1981, p. 232).

Portanto, mesmo considerando a potencialidade em relação ao sofrimento e à angústia

à qual o ser humano tenha sido submetido, pode-se falar de uma possibilidade de

representação estética da catástrofe. Após um século traumático como foi o último, a arte

acaba ligando-se a ele, pois não há como se omitir ou fugir das marcas nele deixadas.

Como afirma Hartman (2000, p. 208), “levar a sério as formas de representação

significa reconhecer o seu poder de mover, influenciar, oferecer e ferir”. Nesse sentido, não

consideramos que a representação consiga exaurir toda a complexidade da realidade, mas que

seja capaz de representar elementos do mundo real agregando-os a elementos fictícios.

Seligmann-Silva (2000, p. 94) observa que a intensidade que toma a experiência do

campo de concentração gera um efeito de “não-realidade” e por isso as representações

“hiper-realistas” reproduzem uma impressão de irrealidade, impedindo um “trabalho de

rememoração e reintegração da cena traumática”.

Jorge Semprún, sobrevivente do campo em Buchenwald, ao refletir sobre a

possibilidade de representação da catástrofe, afirma “Basta se entregar. A realidade está ali,

disponível. A palavra também” (1995, p. 22). No entanto, para essa entrega precisa-se,

primeiramente, atravessar as fronteiras entre o que é considerado “possível” e o que é

“inimaginável” ao ser humano, pois esses fatores dificultam a representação ou o ato de

narrar:

No entanto, vem-me uma dúvida sobre a possibilidade de narrar. Não que a

experiência vivida seja indizível. Ela foi invivível, o que é outra coisa,

como se compreenderá facilmente. Outra coisa que não se refere à forma de

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um relato possível, mas à sua substância. Não à sua articulação, mas à

sua densidade. Só alcançarão essa substância, essa densidade transparente os

que souberem fazer de seu testemunho um objeto artístico, um espaço de

criação. Ou de recriação (SEMPRÚN, 1994, p. 22).

Semprún escreve seus testemunhos sob forma de romances, misturando ficção e

realidade. No seu testemunho autobiográfico intitulado A escrita ou a vida, publicado apenas

em 1994, o autor insiste na necessidade da ficção literária para representar eventos limites

que extrapolam a verossimilhança. Reconhece, porém, que não se trata de um processo

fácil, pelo contrário, é extremamente complexo e, normalmente, excede aos limites

considerados intransponíveis, como se verifica em suas palavras:

Há obstáculos de todo tipo à escrita. Puramente literários, alguns. Pois não

pretendo fazer um simples depoimento. Já de início, quero evitar, evitar-me

a enumeração dos sofrimentos e dos horrores. Outros se aventurarão, de

toda maneira... Por outro lado, sou incapaz, hoje, de imaginar uma estrutura

romanesca na terceira pessoa. Não desejo sequer enveredar por esse

caminho. Portanto, preciso de um “eu” da narração, nutrido com a minha

experiência, mas ultrapassando-a, capaz de nela inserir o imaginário, a

ficção... Uma ficção que seria tão esclarecedora quanto a verdade, sem

dúvida. Que ajudaria a realidade a parecer real, a verdade a ser verossímil.

Esse obstáculo, hei de superá-lo, mais dia menos dia. De repente, num dos

meus rascunhos, vai explodir o tom exato, vai se estabelecer a distância

correta (SEMPRÚN, 1995, p. 163-4).

Como podemos observar na citação acima, Semprún não acredita na impossibilidade

de narrar, mas que o problema para narrar surge quando o assunto se refere a uma situação

que foi “invivível” e que, portanto, extrapola as barreiras da imaginação quando se trabalha

com um discurso referencial. Portanto, apenas através de uma recriação artística se pode

alcançar uma representação da experiência traumática:

Em síntese, sempre se pode dizer tudo. O inefável com o qual vão nos

martelar os ouvidos não passa de um álibi. Ou sinal de preguiça. Sempre se

pode dizer tudo, a linguagem contém tudo. Pode-se dizer o amor mais

louco, a mais terrível crueldade (SEMPRÚN, 1994, p. 23).

Seria, portanto, através da ficção que a realidade poderia parecer “real” e não através

de uma narrativa “hiper-realista” como observou Seligmann-Silva. Quando o assunto é

campo de concentração, paradoxalmente, só o fictício é capaz de aproximar-se da realidade e

não um discurso referencial, porque ela extrapola os limites do que poderíamos considerar

como possível.

Primo Levi, outro sobrevivente dos campos de concentração que sentiu obrigação e

necessidade de narrar sua experiência, deparou-se com algumas dificuldades ao tratar desse

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assunto. Ex-deportado de Auschwitz, ele acredita que as palavras tornam-se semanticamente

insuficientes para expressar o sofrimento pelo qual passaram os presos em campos de

concentração, como podemos perceber na citação que segue:

[...] Se os Campos de Extermínio tivessem durado mais tempo, teria nascido

um nova, áspera linguagem, e ela nos faz falta agora para explicar o que

significa labutar o dia inteiro no vento, abaixo de zero, vestindo apenas

camisa, cuecas e calças de brim e tendo dentro de si fraqueza, fome e a

consciência da morte que chega (LEVI, 1988, p. 125-6).

Levi nos fala da falta de uma linguagem que conseguisse explicar a dimensão do

sofrimento daqueles que estiveram nos campos de extermínios. De uma linguagem que

expressasse toda a dor física e que também pudesse romper, com um grito, o silêncio contido

na alma. Mas, nesta dor silenciosa existe uma necessidade em contar que extrapola qualquer

obstáculo, como afirma no prefácio do seu livro É isto um homem:

A necessidade de contar “aos outros”, de tornar “os outros” participantes,

alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso

imediato e violento, até o ponto de competir com outras necessidades

elementares (LEVI, 1988, p. 7-8).

Portanto, trata de testemunhar sobre a experiência traumática à qual foi submetido,

tanto é assim que seus livros são provas concretas disso. Mesmo que haja lacunas que jamais

poderão ser preenchidas, o mais importante é não permanecer mudo quando o assunto é o

holocausto cometido nos campos de extermínio.

Valéria De Marco (2004, p. 58) considera inegável que a matéria dos textos de Levi é

o “vivido” e que a palavra “experiência” é uma recorrente em seus textos. Tais fatores,

segundo a estudiosa, são “a base para que se atribua a Levi a concepção de que ninguém

pode falar pela testemunha”, no entanto, ela observa que o próprio Levi demonstra uma

preocupação com a linguagem, com os “arranjos”, “escolhas” e “artifícios” para alcançar a

representação que almeja. Para De Marco6, a impossibilidade de representar o horror

sustenta-se sobre uma confusão entre os termos “ vivência” e “ experiência”. O primeiro

trata-se de um evento individual, que pode ser recuperado pela memória, o segundo,

pauta-se no conceito hegeliano de que, além de envolver-se com a ação, deve haver a

reflexão sobre o vivido e sobre o conhecimento já construído acerca dele. Assim, a autora

conclui que “Se a vivência dos campos coube a alguns milhões de pessoas, a experiência do

aniquilamento do outro racionalmente administrado é herança para todos nós”7.

6 Idem.

7 Ibidem, p. 59.

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Do ponto de vista da segunda corrente sobre a crítica literária da Shoah, aquela que

defende a relação entre testemunho e ficção, e com base nos comentários acima, verifica-se

que os textos literários que abordam informações sobre a Shoah carregam uma carga de

“experiência” e não necessariamente de “vivência”, pois representam ficcionalmente uma

“realidade”.

Sobre tais discussões, André (2003, p. 17) afirma que “La crítica aborda esos

testimonios en el sentido de ser la estética de lo ‘irrepresentable’, o la representación estética

de la catástrofe, donde la convergencia de violencia y lenguaje es el punto central que genera

la discusión”. A autora é da opinião que:

Es el lenguaje que también desliza por la vivencia del silencio y la mudez,

por la oscuridad de la prisión, para testimoniar él mismo esta experiencia,

porque esta categoría no puede reducirse a criterios simplificadores por

niveles de representación o no representación, sino verlo como la materia

esencial para la representación de los momentos de silencio e impotencia, la

ausencia de vida y la suspensión del horror.8

Podemos acreditar que nesse processo de representação literária das catástrofes que

assolaram o século XX e que continuam no XXI, a linguagem as continuará testemunhando,

nem que para isso ela tenha que sofrer, igualmente, nutrindo-se de dor e horror para

testemunhar, como registra André9, mesmo que a tarefa cause desassossego para quem a

elabora, pois, feitor e feitura, no processo, contaminam-se da dor.

Analisando a produção roigueana desde esse prisma, fica evidente o compromisso da

escritora com os sobreviventes e com sua sociedade que carrega as marcas dos insultos

acometidos no século XX.

Na obra La hora violeta (1980) a proposta da escrita do romance pela escritora Norma

- estratégia roigueana - se dá com base nas histórias das personagens Judit e Kati. Desde o

inicio, através de flashback, são recorrentes os comentários sobre a elaboração do outro

trabalho da personagem escritora Norma - um livro sobre os deportados dos campos nazis -

principalmente no capítulo La hora dispersa (Ellos y Norma). Para executar a tarefa de

escrever sobre eles, se debruça na busca por informações de um mundo que jamais conhecera

a não ser por filmes ou leituras de alguns artigos:

Sabía muy poco de la deportación: películas francesas, de residentes con

gabardina estilo Jean Gabin, historias de judíos que avanzaban

resignadamente hacia la cámara de gas, de criaturas con los ojos llenos de

noche. De niños famélicos, escuálidos, con una tristeza inmadura. De esa

8 Idem.

9 Idem.

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clase de tristeza que pega al cuerpo como si fuese pringue (ROIG, 2000, p.

254-5).

Essa protagonista e ao mesmo tempo escritora, sente-se imbuída do compromisso de

trabalhar com as memórias dos ex-deportados, depois de conhecer um escritor fracassado que

havia passado cinco anos em um campo de extermínio. O homem tinha o sonho de ser

escritor, embora interrompido pela guerra, conseguiu escrever um romance onde conta suas

experiências nos campo nazis. Este personagem de Roig, na obra La hora violeta, assim como

os ex-deportados de campos de concentração que se dedicaram a narrar suas experiências,

como Semprún e Levi, citados acima, depara-se com alguns conflitos em relação ao processo

de escrita, principalmente no que concerne aos limites entre o “real” e o “ficcional”, como se

verifica no texto:

La guerra truncó su sueño y lo que vio en el mundo exterior fue tan terrible

que ya no pudo volver atrás y recuperar los límites literarios entre la realidad

y la imaginación (ROIG, 2000, p. 254).

A experiência com os relatos dos sobreviventes marcou profundamente a vida da

personagem Norma e, mesmo após a conclusão do referido livro sobre os catalães nos campos

nazis, as lembranças dos relatos que ouvira nunca a abandonaram, como revela a voz de uma

narradora10

onisciente:

[...] Hacía tres años que acabó la historia de los catalanes en los campos

nazis, le habría gustado que fuese una etapa más en su vida profesional,

pero, ahora que se había enamorado de Alfredo y que sólo quería vivir en los

límites de la locura, volvían a su memoria candentes fragmentos de una

tragedia que no había vivido. Como la historia del viejo deportado que se

parecía a Louis de Funes […] (ROIG, 2000, p. 254).

Durante as longas conversas com o velho deportado que se parecia a Louis de Funes,

outro personagem que contribuiu com seus depoimentos para o trabalho da escritora, Norma

lhe fala da intenção de escrever um livro sobre os campos: “_Verá usted, es que he pensado

escribir un libro sobre todo eso” e, ao invés de ser incentivada pelo ex-deportado, este lhe diz

por diversas vezes que “_ La verdad no la sabrá nunca” (ROIG, 2000, p. 262; p. 266; p. 269).

Uma expressão que como eco ressoa na cabeça de Norma para conflitá-la e desafiá-la ao

mesmo tempo.

O velho deportado, personagem que surge no quarto capítulo do romance, compartilha

da ideia de Primo Levi quando este afirma que “Repito, não nós, os sobreviventes, as

10

Visto que o romance La hora violeta trata-se de um trabalho no qual Roig se propõe a dar a palavra às

mulheres, é provável que as vozes que narraram em terceira pessoa sejam também de mulheres, ou talvez da

própria personagem Norma, ou ainda da própria Roig, por isso, preferimos a terminologia “narradora”.

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autênticas testemunhas” (LEVI, 1990, p. 47). Primo Levi sugere com essa afirmação que as

verdadeiras testemunhas são aqueles que saíram dos campos de concentração pelas chaminés

dos fornos crematórios ou foram enterrados em valas comuns e que nem mesmo ele que

esteve muito próximo desses acontecimentos é capaz de relatá-los com integridade.

Por outro lado, o velho deportado reconhece que Norma poderá, de alguma forma,

representar o sofrimento pelo qual ele passara no campo de Mauthausen, pois lhe entrega

vários documentos, cartas de outros deportados e uma lista com nomes de prisioneiros,

confiando a ela o compromisso de narrar e representar. Talvez isso decorra da incapacidade

que tem o próprio sobrevivente para narrar com precisão a sua experiência, como observa

Seligmann-Silva (2003, p. 382) em relação aos textos fictícios de Wilkomirski e de Kolitz. A

crítica a esses relatos tem a ver com a própria natureza do evento e ao fato de se afirmar que

somente o sobrevivente é capaz de escrever sobre esta “verdad que nadie la sabrá nunca”.

Fica evidente o compromisso que Norma, personagem escritora da obra La hora

violeta, assume em relação à escrita das experiências dos ex-deportados dos campos de

concentração. Esse compromisso é constatado como uma caixa de ressonância, pois, ao

elaborar um texto ficcional ela consegue trazer para dentro da obra os elementos sociais,

classificados por Candido (2000) como “externos”, que servem como ferramentas que

auxiliam na construção e configuração dos elementos estruturais da narrativa.

A matéria-prima da qual se ocupa a autora é de natureza psíquica e nada palpável, são

as sequelas deixadas por longos períodos de sofrimento: o interminável período da ditadura

franquista, após a Guerra Civil Espanhola, e da Segunda Grande Guerra e suas

consequências. São esses os elementos que Roig consegue levar para dentro de sua narrativa

dando-lhes um tratamento estético específico.

Segundo Dupláa (1996, p. 38), Montserrat Roig propõe a construção de um discurso

que lhe permita recuperar a memória histórica dos oprimidos, fracos e ignorados, o que

ela consegue através de uma discussão entre história e memória instigando a reflexão

sobre aquilo que a historiografia apresenta como “verdade” incontestável e, desta maneira,

dar voz aos que foram por ela marginalizados.

Para David Herzberger (1995, p. 9 apud Tsuchiya, 1998, p. 164), os romances de

Roig “tem tanto a história e a escrita da história como referência” (tradução nossa) 11. Em

La hora violeta, essas discussões teóricas tomam conta de várias páginas onde são transcritas

as opiniões das personagens Natàlia e Norma em relação à historiografia e à literatura, esta

11

“[…] have both history and the writing of history as referent” (HERZBERGER, 1995, p. 9 apud Tsuchiya,

1998, p. 164).

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última como possibilidade de rever o passado, tendo como fonte as memórias. Nesse sentido,

as questões teóricas que seguem, sobre história e memória, colaboram no processo de análise

da obra.

1.1. Entre a história e memória

As discussões apresentadas por Gagnebin (1997) em seu texto “O início da História

e as lágrimas de Tucídides” nos auxiliam na reflexão sobre os limites entre história e

memória. A autora retorna ao século V a . C. ao encontro dos dois primeiros historiadores,

Heródoto e Tucídides, que já estabeleciam divergências quanto aos aspectos metodológicos

de seus trabalhos, visto que,

Heródoto queria salvar o memorável, resgatar o passado do esquecimento, buscando nas palavras das testemunhas a lembrança das obras humanas. Tucídides ressalta a fragilidade da memória, tanto alheia como sua; as falhas constantes de memória motivam uma profunda mudança no “trabalho” do historiador, que não pode confiar nem na sua exatidão nem na sua objetividade (GAGNEBIN, 1997, p. 26).

Como se nota, as divergências entre narrações de caráter mais objetivo e mais

subjetivo remontam a um passado distante. Porém, no século XIX ganha espaço a

historiografia ocidental que propõe reelaborar o passado revogando qualquer relato subjetivo,

ou seja, ignorando qualquer forma de testemunho dentro da elaboração da História Oficial.

Pretendia-se uma narração objetiva dos fatos e, para isso, o papel do historiador deveria ser o

de representar o passado tal como ele foi.

Nessa perspectiva de História, por exemplo, o que seria importante em relação ao

Holocausto ocorrido com os judeus e não judeus na Segunda Guerra Mundial, não é a

experiência ou a morte individual, mas sim o extermínio de um povo por um Estado moderno

em pleno século XX.

Por outro lado, pode-se fazer a forma de retomada do passado sob uma perspectiva

subjetiva, a vinculada à memória. Esta, por sua vez, tem um papel importante desde a

sociedade oral, quando as comunidades preservavam a transmissão de seus conhecimentos e

de suas identidades, perdurando até os dias de hoje. Na idade da escrita, seu auge acontece no

final do século XX adentrando o nosso século, devido às grandes mudanças que nele

ocorreram em várias áreas, como política, social, artística, entre outras. Portanto, falar de

memória, ou seja, da retomada do passado, é, sem dúvida, uma forma de nos compreender

preservando quem fomos e quem somos.

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A iconografia do Renascimento representa a memória através da figura de uma

mulher de duas faces, uma voltada para o passado e outra para o presente. Em uma das

mãos a f i gu r a tem um livro e, na outra, uma pena, sugerindo que retira suas

informações do livro, remetendo-se ao passado, e que novos livros serão escritos, indicando

uma aspiração para o futuro. De maneira geral, pode-se concluir que a memória exige

fidelidade ao passado e compromisso com o futuro, por isso ela não pode eximir-se da

sua obrigação de escrever novos livros.

Muitos teóricos criticam o papel do historiador alegando que seu trabalho é uma

tentativa quase que inútil de representar aquilo que somente a memória seria capaz. Seguindo

essa corrente, destacamos os pensamentos de Nietzsche (2005) e Walter Benjamin (1994). O

primeiro percebe que a História, ao se preocupar extremamente com o progresso da

humanidade, deixava a desejar quanto ao estudo sobre a relação que se estabelece entre

passado e presente. Como todos os campos da ciência do século XIX, voltava-se para uma

consagração dos aspectos racionais, acreditando que esse era o melhor caminho para o

progresso da humanidade e ignorando qualquer forma de testemunho.

Nietzsche não defende a ideia de que o homem deve se prender ao passado, mas que

não se pode viver como o animal, de maneira a-histórica, inteiramente absorvido pelo

presente, pois, “[...] por mais longe que ele vá, por mais rápido que ele corra, os seus grilhões

vão sempre com ele” (NIETZSCHE, 2005, p. 70). O que filosofo alemão propõe é que haja

um equilíbrio entre o passado e o presente como forma de preparação para enfrentar o futuro.

No texto Considerações interpretativas sobre a utilidade e os inconvenientes da história

para a vida (2005) é facilmente perceptível a importância que Nietzsche atribui à lembrança

e ao esquecimento, cada um no seu momento oportuno:

A serenidade, a boa-consciência, a atividade alegre, a confiança no futuro, _ tudo isso depende, num indivíduo, assim como num povo, da existência de uma linha de demarcação entre o que é claro e bem visível e o que é obscuro e impenetrável, da faculdade tanto de esquecer quanto de lembrar no momento oportuno, da faculdade de sentir com um poderoso instinto quando é necessário ver as coisas sob um ângulo histórico, e quando não. Este é exatamente o princípio sobre o qual o leitor é

convidado a refletir: o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um indivíduo, de um povo, de uma cultura (NIETZSCHE, 2005, p. 74)

12.

Walter Benjamin retoma e atualiza essa crítica de Nietzsche. No ensaio Sobre o

conceito da história (1994) contrapõe o materialismo histórico ao historicismo. A crítica

12

Grifo do autor.

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levantada ao historicismo pauta-se na ousadia desse método em acreditar que seria possível a

elaboração de uma História Universal com base na linearidade temporal e espacialmente

dividida, o que, na opinião de Benjamin, acarretaria em um tempo “homogêneo e vazio”

(1994e, p. 231). Nietzsche e Benjamin criticam a noção de progresso da humanidade baseada

em si mesmo sem se preocupar com o bem estar e a felicidade dos indivíduos da sociedade.

O historicismo utiliza-se do método da empatia estabelecida com o vencedor.

Dessa forma, a História é contada a partir do olhar dos vencedores, como afirma Benjamin

(1994e, p. 225), “[...] Todos os que até hoje venceram participaram do cortejo triunfal, em

que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão”.

A perspectiva histórica defendida por Benjamin, que irá contrapor-se ao historicismo,

é o materialismo histórico. Nele, o tempo não é concebido como linear e tampouco é

dividido, e o método da empatia é considerado como não-crítico, visto que impede o

reconhecimento da diferença. Enquanto “[...] O historicista apresenta a imagem “eterna” do

passado, o materialista histórico faz desse passado uma experiência única” (BENJAMIN,

1994e, p. 230-1). Nessa direção,

[...] Os despojos são carregados nos cortejos, como de praxes. Esses

despojos são o que chamamos de bens culturais. O materialismo histórico os

contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm

uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua

existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como

à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento

da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim

como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de

transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialismo se

desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo

(BENJAMIN, 1994e, p. 225).

Assim, partindo da ideia de que a história não é construída apenas pelos “grandes

gênios”, mas também por aqueles que, apesar de não aparecerem, contribuem no seu

processo de elaboração, Benjamin propõe um trabalho de “rememoração” devido à

incapacidade de registrar os fatos de maneira abrangente.

Sobre a “rememoração”, Gagnebin (2009, p. 54-5) observa que há nos textos de

Benjamin uma “exigência de memória” que se esbarra em dificuldades, como a de narrar, de

transmitir ou de lembrar, mas, não podemos por isso correr o risco de passarmos em silêncio e

cairmos em uma atividade de “comemoração”, aquela “que desliza perigosamente para o

religioso ou, então, para as celebrações de Estado”. Em contrapartida, devemos nos voltar para

uma “rememoração”, aquilo que Benjamin denomina como Eingedenken:

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Tal rememoração implica uma certa acesse da atividade historiadora que, em

vez de repetir aquilo de que se lembra, abre-se aos brancos, aos buracos, ao

esquecido e ao recalcado [...] aquilo que ainda não teve direito nem à

lembrança nem às palavras. A rememoração também significa uma atenção

precisa ao presente, em particular a estas estranhas ressurgências do passado no

presente, pois não se trata somente de não se esquecer do passado, mas também

de agir sobre o presente (GAGNEBIN, 2009, p. 55).

Nesse sentido, a memória de um passado não pode se reduzir às conotações de

vulgares comemorações que os próprios governos promovem em relação às catástrofes que

eles mesmos cometeram, numa tentativa de apagar ou amenizar o horror. Uma retomada do

passado que se preze à rememoração vai além da simplistas homenagens aos mortos, visa

uma retomada de profundo análise do presente com projeções para o futuro.

Na perspectiva da relação entre história e memória, as reflexões do sociólogo francês

Maurice Halbwachs (2006) são fundamentais. Na visão do pensador, a história apresenta-se

de duas formas: uma história escrita e uma história viva, sendo que esta obtém informações

omitidas pela primeira. Em suas palavras:

A história não é todo o passado e também não é tudo o que resta do

passado. Ou, por assim dizer, ao lado de uma história escrita há uma história

viva, que se perpetua ou se renova através do tempo, na qual se pode

encontrar um grande número dessas correntes antigas que desapareceram

apenas em aparência (HALBWACHS, 2006, p. 86).

Apesar de tentativas para apagar o passado, principalmente por parte dos governos que

provocam atrocidades contra a população, isso não é possível. Ele pode permanecer latente,

mas, graças à memória, a qualquer momento pode vir à tona e aquilo que parecia encerrado é

bombardeado por novas informações. Em La hora violeta, a personagem responsável pela

reelaboração do passado sabe que trabalhar com as memórias possibilita conhecer e encontrar-

se com as várias “correntes antigas” que aparentemente estavam desaparecidas. Por isso, tenta

se omitir da responsabilidade apresentando várias justificativas para não relembrar o passado

porque deve voltar a dor dos dilaceramentos que esse passado lhe deixara.

A memória individual só existe a partir de uma memória coletiva, pois as memórias se

constituem no âmbito das relações humanas. Portanto, nunca são memórias de um único

sujeito, mas estão sempre influenciadas pela convivência em grupo porque nele se constitui,

segundo Duvignaud , citado por Halbwachs:

É claro, a memória individual existe, mas está enraizada em diferentes

contextos que a simultaneidade ou a contingência aproxima por um

instante. A rememoração pessoal está situada na encruzilhada das redes de

solidariedade múltiplas em que estamos envolvidos. Nada escapa à trama

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sincrônica da existência social atual, é da combinação desses diversos

elementos que pode emergir aquela forma que chamamos lembrança porque

traduzimos em uma linguagem (DUVIGNAUD, 2006, p. 12. In:

HALBWACHS, 2006, p. 12).

Portanto, como observa Halbwachs (2006, p. 30), corroborando da opinião de

Duvignaud, toda lembrança, mesmo que individual é também coletiva, pois independente da

condição material de existência, o sujeito leva consigo e em si “certa quantidade de pessoas

que não se confunde” (HALBWACHS, 2006, p. 30).

A partir dessas ponderações sobre a memória torna-se compreensível o

posicionamento da personagem Norma, que se sente incomodada ao receber a incumbência

da reelaboração do passado de duas mulheres burguesas que viveram no contexto da Guerra

Civil e da Segunda Grande Guerra, porque esse trabalho, apesar de pressupor uma

abordagem da memória coletiva, possibilita uma reflexão sobre ela mesma. Além de que,

nessa perspectiva, reelaborar o passado não se trata simplesmente de retomá-lo, mas de

refletir sobre ele.

Essa possibilidade de reviver o passado é afirmada pela personagem Natàlia ao

justificar para Norma o porquê deveria ler os diários de sua mãe e as cartas familiares.

Assegura convicta da importância que teve para sua vida a leitura daquelas memórias: “[...]

No te vas a creer, pero este montón de papelotes me ha obligado a pensar en mí misma. A

mirarme por dentro” (ROIG, 2000, p. 46). Isso acontece porque “Escrever é um modo de ser

e de estar na vida. Nossa vida sempre existe dentro de uma narrativa que dirigimos a nós

mesmos ou a outros” (OLMI, 2006, p. 23-4). Quando o sujeito tem recordações de momentos

vivenciados no passado ele se baseia tanto na sua própria lembrança como na lembrança dos

outros, e isso lhe confere maior confiança em relação às recordações.

Portanto, o trabalho de Norma vai além de conhecer e retomar o passado de Judit e

Kati, ela se encontra com o seu próprio passado, com suas próprias angústias e sofrimentos. A

citação que segue, de Olmi, permite ponderarmos que a resistência por parte de Norma para

escrever sobre o passado dessas mulheres deve-se mais ao fato de que ela não queira refletir

sobre si mesma, visto que, nessa tarefa

O que está em jogo, portanto, não é somente a compreensão do passado,

mas, sobretudo, a interpretação do presente e da memória pela qual nossa

vivência pessoal se insere na história da coletividade à qual pertencemos

(OLMI, 2006, p. 36).

A filosofia de Walter Benjamin (1994), sobre a rememoração, restauração e

reprodução, considera o passado como incompleto e inacabado [não fechado], assim a

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restauração é o reconhecimento da perda e a origem não é um projeto restaurativo ingênuo,

mas uma retomada do passado com abertura sobre o futuro. Nesse sentido, o passado

jamais pode ser retomado a partir de um único ponto de vista e disso as personagens de La

hora violeta são conscientes. Em conversas imaginadas ou recordadas por Natàlia, Norma lhe

afirma: “Pero creo que, tanto tú como yo, tenemos la obligación de no tratar la realidad desde

un sólo punto de vista. Tenemos que buscar todas las piezas” (ROIG, 2000, p. 134). Essa

é, justamente, a proposta de Montserrat Roig ao escrever esse romance, tratar a realidade a

partir de diferentes opiniões, diferentes ângulos, de ouvir distintas vozes.

As catástrofes ocorridas durante a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra

Mundial estiveram próximas de todos, pois se trata de um evento com uma repercussão tão

abrangente no que tange a quantidade de violência que não há como fazer de conta que tais

fatos não se relacionam com todos os seres humanos. Violências como essas, provocadas

por líderes de governo, podem acontecer a qualquer momento e em qualquer parte do mundo.

Por isso, é necessário ouvirmos e estarmos atentos aos fatos que nos cercam, pois, como

afirma Benjamin (1994c, p. 146), “compreender o mal não significa justificá-lo, mas antes

obter os recursos para impedir-lhe o retorno”.

Essa perspectiva de reelaboração do passado através do materialismo histórico é uma

forma de lutar contra o esquecimento, o qual permite que as lembranças das atrocidades se

abram para que a dor e a morte possam se sentir novamente, já que a falta de memória pode

levar o sujeito a acreditar em propostas aparentemente boas por parte de políticas ou líderes

governamentais que poderiam acarretar em outras tragédias. Todorov (2002, p. 218), por

exemplo, ao analisar a produção testemunhal de Primo Levi, atenta para o fato de que “O

crime seguinte se revestirá de uma forma levemente diferente para não se deixar reconhecer,

e o embuste estará pronto”.

O trabalho de Roig em elaborar uma obra literária que aborda a retomada do passado

de duas mulheres que viveram no período das guerras, como vimos acima, reflete o

compromisso com o social, típico de uma escritora engajada. Filha da ditadura franquista,

essa escritora compromete-se com a sua comunidade catalã e, consequentemente, com toda a

humanidade, levando através da arte possibilidades de reflexão sobre desastres provocados

por interesses políticos de poder e domínio que acarretam a destruição da própria

humanidade.

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No processo de reelaboração do passado Roig se encaminha na linha de interpretação

do materialismo histórico proposto por Benjamim, rompendo com os discursos oficiais que

se impuseram em seu país por quase todo o século XX. De acordo com Tsuchiya,

Roig desafia não apenas as narrativas produzidas pela historiografia

franquista, mas, mais importante ainda, a concepção de historiografia que

torna possível a produção e reificação de tais narrativas em primeiro lugar

(TSUCHIYA, 1998, p. 164 - tradução nossa)13

.

Todo regime totalitário visa controlar os veículos que transmitem informação,

jornalismo, história, arte, literatura, a fim de legetimizar seu domínio. Segundo Fernández

(2006, p. 63), a partir dos anos 1960 surge na Espanha um discurso que vai aos poucos

substituindo o discurso oficial. Essas versões da história vão sendo acolhidas positivamente

porque coincidem com as recordações de parte da população ou com o que lhes foi

transmitido através de outros meios de informação não sujeitos ao controle estatal, como a

literatura clandestina, os discursos familiares e de algumas escolas e universidades. Por isso,

coexistiram na Espanha, mas não exclusivamente lá, duas fontes de socialização de cultura, as

“oficiales”, o discurso transmitido pelo poder político, e as fontes “privadas”, discursos que

permeiam o ambiente familiar, os grupos de amigos e de professores, como observa

Fernández (2006, p. 66).

Esse diálogo entre posturas teóricas e históricas ainda em discussão nos ajudam a

compreender o espaço que as memórias e os discursos subalternos ganham na produção

literária de Roig, principalmente na obra La hora violeta, corpus de análise desta dissertação.

A obra aborda temas polêmicos e traumatizantes para a humanidade, mas não do ponto de

vista da “Grande História”, pelo contrário, através das memórias de personagens comuns,

que não tiveram seus nomes reconhecidos por ela. Roig reconhece a existência da memória

oficial, aquela preservada pelo Estado e a existência de uma memória subterrânea que

apesar de o governo tentar ocultá-la muitos se dedicam a evidenciá-la.

1.2. A arte de Narrar

Pensar sobre o ato de narrar após as considerações de Walter Benjamin em seu ensaio

“O Narrador” (1994) torna-se um tanto quanto complexo. Nesse ensaio, Benjamin fala sobre o

13

“Roig challenges not merely the false historical narratives generated by Francoist historiography, but more

importantly the very conception of historiography that makes possible the production and reification of

such narratives in the first plac e” (TSUCHIYA, 1998, p. 164).

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declínio da arte de narrar que surge com o advento da modernidade. O narrador, que até

então, fora representado pela figura do camponês ou do viajante - normalmente comerciante

ou navegante - perde a credibilidade no mundo moderno porque não há mais pessoas

disponíveis para ouvirem suas narrativas. O camponês é o homem sedentário conhecedor de

histórias e tradições e o viajante sempre tem muitas experiências para contar. Independente a

qual grupo pertença, o narrador é, segundo Benjamin,

[...] um homem que sabe dar conselhos. Mas, se “dar conselhos” parece

hoje algo de antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser

comunicáveis. Em conseqüência, não podemos dar conselhos nem a

nós mesmos nem aos outros (BENJAMIN, 1994d, p. 200).

No ensaio “Experiência e pobreza” (1994b), Benjamin apresenta a noção de Erfahrung

(Experiência), aquela transmitida a várias gerações e que se inscreve em uma temporalidade

comum, mas que “estão em baixa” (1994b, p. 114). Isso é facilmente perceptível após a

Primeira Guerra Mundial, quando os combatentes viveram incontáveis experiências, mas

voltaram dos campos de batalha “[...] mais pobres em experiências comunicáveis” (1994b, p.

115). Agora, o que se há de fazer é “confessar nossa pobreza”, a qual pertence a toda

humanidade.

Na narrativa tradicional o narrador não apenas narra ou conta uma história, mas esta

história é seguida pelo ouvinte. Em contrapartida, no mundo moderno, as pessoas não querem

ouvir essas histórias e menos ainda repassar essas experiências.

Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora

comunicada aos jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em

provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas

vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a

pais e netos. Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que

saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos

dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um

anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um provérbio

oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua

experiência? (BENJAMIN, 1994b, p. 114).

A arte de narrar, dar conselhos, está em baixa porque cada vez mais, no mundo

capitalista moderno, as condições de realizações das experiências diminuem. Isso decorre do

fato de que a própria sabedoria está definhando, não há o que narrar se “[...] a sabedoria – o

lado épico da verdade – está em extinção” (BENJAMIN, 1994d, p. 201).

O cume da morte da narrativa, segundo Benjamin, deu-se com a consolidação da

burguesia, no início do período moderno, o que propiciou o surgimento do romance, o qual

atinge seu alvo com a invenção da imprensa. Contudo, não podemos esquecer que o advento

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da tecnologia da informação ganha cada vez mais espaço no mundo moderno, ameaçando o

próprio romance, pois, as transmissões dos acontecimentos vão ficando ao seu cargo.

Benjamin estabelece a seguinte diferença entre o romance e outras formas de

narrativa: “O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa - contos de fadas,

lendas, e mesmo novelas - é que ele nem procede da tradição oral nem a alimenta”

(BENJAMIN, 1994d, p. 201), além de que o romance vincula-se ao livro e tem sua origem

no indivíduo isolado. O romance ganha espaço no cenário, pois a capacidade de trocar

experiências (Erfahrung) é substituída pelas vivências individuais (Erlebnis), ou

“experiências vividas”. As narrativas vindas de longe, seja espacial ou temporal, perdem sua

autoridade e a memória coletiva perde lugar para a memória individual.

Acreditando na criação do romance conforme sugerido por Lukács, Benjamin defende

que é através da “reminiscência criadora” que o romance alcança seu principal objetivo: a

luta constante contra o poder do tempo e observa que:

Georg Lukács viu com grande lucidez esse fenômeno. Para ele, o romance é

“a forma do desenraizamento transcendental”. Ao mesmo “tempo”, o

romance, segundo Lukács, é a única forma que inclui o tempo entre os seus

princípios constitutivos. “O tempo”, diz a Teoria do romance, “só pode ser

constitutivo quando cessa a ligação com a prática transcendental... Somente

o romance... separa o sentido e a vida, e, portanto, o essencial e o temporal;

podemos quase dizer que toda ação interna do romance é senão a luta contra

o poder do tempo... Desse combate... emergem as experiências temporais

autenticamente épicas: a esperança e a reminiscência... Somente no

romance... ocorre uma reminiscência criadora, que atinge seu objetivo e

transforma... [...] (BENJAMIN, 1994d, p. 212).

Instigado por Proust (2004), Benjamin vê uma nova possibilidade de resgate da

memória. Apesar de a memória individual ser limitada, ela pode ter a capacidade de

trazer à lembrança situações que foram esquecidas, possibilitando que essas reminiscências

apresentem significados para o presente. Para Proust, com o passar do tempo as vivências

significantes são esquecidas e somente a memória involuntária acionada ao acaso é capaz de

trazê-las de volta, o que não é possível acontecer pela memória voluntária (acionada pela

consciência). Nesse sentido, Benjamin propõe um trabalho de esquecimento da construção

oferecida pela memória voluntária.

Nessa, perspectiva o passado não é resgatado como realmente ocorreu, mas como foi

experimentado. Ele deve lançar luzes para o presente, o qual poderá responder àquilo que, por

ventura, ficara perdido.

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Para alcançar essa “reminiscência criadora” e “lutar contra o tempo”, Benjamin

recorre ao procedimento estilístico da montagem. No ensaio “A crise do romance” afirma

que:

O princípio estilístico do livro é a montagem. Material impresso de toda

ordem, de origem pequeno burguesa, histórias de toda ordem [...]. A

montagem faz explodir o “romance”, estrutural e estilisticamente, e abre

novas possibilidades, de caráter épico. Principalmente na forma. O material

da montagem está longe de ser arbitrário [....] (BENJAMIN, 1994a, p. 56).

Nesse sentido, a construção do romance volta-se para uma construção fragmentada,

feita em diferentes circunstâncias e contextos históricos diferentes, sem se preocupar com um

início e um fim estabelecidos, como ocorre com a própria obra de Benjamin, Passagens, que

se utiliza dessa técnica.

Com base na teoria benjaminiana, principalmente a que se refere ao “fim da narrativa

tradicional”, Gagnebin propõe uma discussão sobre as “narrativas, simultaneamente

impossíveis, mas necessárias, nas quais a memória traumática, apesar de tudo tenta se dizer”

(2006, p. 49). Sobre este tipo de gênero Seligmann-Silva (2000, p. 84) fala de serem relatos

de uma “ferida na memória” referindo-se à teoria freudiana do trauma para a qual o trauma

trata de uma incapacidade de recepção de um evento que transborda “os limites de nossa

percepção” e que acarreta em uma compulsão à repetição.

Não é nossa intenção adentrarmos no campo da psicanálise freudiana, mas, numa

tentativa de compreender sucintamente a recordação da cena traumática seguindo a luz dessa

teoria, aproveitamos algumas informações dadas no artigo O trauma psíquico e o paradoxo

das narrativas impossíveis, mas necessárias (2009, p. 45-57) de Maldonado e Cardoso, onde

explicam que o recordado não é o acontecimento em si, pois ele sofre “múltiplas

retranscrições, no qual a experiência passada é ressignificada no contexto das experiências

atuais” (2009, p. 50). O trauma surge depois do acontecimento que sofre rearranjo e adquire

significação pelo processo de reconstrução. Portanto, quando um sobrevivente fala sobre seu

trauma, a única verdade que existe é a “verdade da narrativa” que, apesar de estar “enlaçada

à experiência do sujeito”, está deformada pelos rearranjos e fantasias.

Seligmann-Silva (2000, p. 89) considera que “a passagem do “literal” para o

“figurativo” é terapêutica”, nesse sentido, o testemunho adquire, em suas palavras:

[...] uma forma de esquecimento, uma “fuga para frente”, em direção à

palavra e um mergulhar na linguagem, como também, por outro lado, busca-

se igualmente através do testemunho, a libertação da cena traumática

(SELIGMANN-SILVA, 2000, p. 90).

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O passado deve ser lembrado não com a finalidade de comemoração, mas porque,

como observa Gagnebin (2006, p. 47), “lutar contra o esquecimento e a denegação é também

lutar contra a repetição do horror”.

Atualmente, existe um movimento em prol da preservação da memória, ou seja, que

se preocupa em deixar registros para o futuro. Esse movimento é representado, por exemplo,

pela grande quantidade de publicações de autobiografias, inauguração de museus, dentre

outras formas de resguardar o passado. No entanto, corre-se o risco de cair no que Todorov

chama de “consagração da memória”, o que seria um mau uso feito dela. A recuperação do

passado é necessária, mas, o mais importante, é o uso que se fará dessa recuperação: “La

recuperación del pasado es indispensable; lo cual no significa que el pasado deba regir el

presente, sino que, al contrario, éste hará del pasado el uso que prefiera” (TODOROV, 2000,

p. 25). Segundo este teórico, o acontecimento recuperado pode ser lido de maneira “literal”

ou “exemplar”, e cada uma dessas formas implica no uso que se faz desse material

recuperado:

El uso literal, que convierte en insuperable el viejo acontecimiento,

desemboca a fin de cuentas en el sometimiento, del presente al pasado. El

uso ejemplar, por el contrario, permite utilizar el pasado con vistas al

presente, aprovechar las lecciones de las injusticias sufridas para luchar

contra las que se producen hoy día, y separarse del yo para ir hacia el otro

(TODOROV, 2000, p. 32).

O primeiro caso, o uso literal, não vai além de si mesmo, já a maneira exemplar de

retomar o passado extrai uma lição, o que faz do passado um princípio de ação para o

presente. Nesta linha de interpretação é que Montserrat busca a recuperação das vozes que

foram silenciadas para não serem esquecidas, como observa Dupláa (1996, p. 55):

Roig quiere recuperar la voz de los obligados a vivir en silencio porque si no

ella no puede participar en un proyecto liberador para su cultura. Sabe que el

testimonio de estos hombres y mujeres no es el testimonio de una derrota,

sino de una injusticia que, tras ser denunciada, se presenta como proyecto

libertador.

Através do seu projeto literário ou de “sua voz testemunhal” (Dupláa, 1996) faz

ouvirem-se àqueles que foram impedidos de falar: suas vozes deixam o silêncio para que a

sociedade espanhola se liberte da prisão dos discursos oficiais do governo ditatorial. Roig

busca uma reconstituição do passado com vistas para o futuro, uma “rememoração”, uma

libertação do que o século XX deixou como trauma para os espanhóis.

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2. A HORA DOS RESTOS E DOS CACOS: A GUERRA CIVIL ESPANHOLA

As máscaras de bronze da guerra civil têm dois perfis,

um que olha para o passado, outro que olha para o futuro,

mas ambos igualmente trágicos.

Victor Hugo

Montserrat Roig, tanto em seu trabalho literário quanto jornalístico, propõe uma luta

contra a amnésia, visando uma retomada do passado em prol de um futuro que não permita a

recorrência de eventos catastróficos que marcaram a humanidade, como já fora exposto em

linhas anteriores. Por esta razão, torna-se relevante uma contextualização dos temas

abordados pela autora na obra La hora violeta, no que tange ao período da Guerra Civil

Espanhola e do pós-guerra, pois toda multiplicidade discursiva que encontra espaço na

literatura está inserida em um contexto social e histórico, conforme observado por Pérez

(2001, p. 36):

Parece claro, entonces, que la literatura es una forma de representar el

mundo desde los ojos y la capacidad fabuladora de cada narrador. Y de esa

manera, difícilmente podemos hablar del hacer literario como de una labor

neutra o ahistórica, puesto que implica la inserción en un contexto socio-

cultural concreto que funciona como referencia ineludible a partir de la que

afirmar, rebatir o inventar en el texto.

Em La hora violeta Norma organiza sua produção literária inspirando-se em

documentos que trabalham com a memória de ex-deportados dos campos de concentração e

de outros personagens. De maneira geral, as mulheres do romance discutem sobre as

situações sociais e políticas nas quais estão inseridas.

Abordaremos a seguir alguns aspectos da Guerra Civil Espanhola, um dos eventos

mais fortes da história recente, para contextualizar e situar o leitor no conflito da narrativa.

O golpe militar em julho de 1936 foi uma conseqüência de problemas políticos,

sociais e econômicos que vinham se arrastando há algum tempo na Espanha. No início do

século XX o país estava atrasado em relação ao processo de modernização que acontecia

nos demais países da Europa. A economia do país era essencialmente agrícola, voltada para

uma produção de subsistência. Havia uma concentração de riquezas nas mãos do exército,

da Igreja Católica e dos latifundiários que exploravam a classe trabalhadora que vivia em

condições de pobreza e miséria.

Nas eleições municipais de 12 de abril de 1931, os monarquistas saem derrotados pela

coalizão republicanos-socialistas e é implantada na Espanha a Segunda República (1931-

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1936). O novo governo enfrentava rigorosas restrições financeiras, como a impossibilidade

de empréstimo exterior e ter uma dívida herdada dos anos da ditadura de Primo de Rivera,

além do constante aumento de desemprego. A República encontrou resistência tanto por

parte das classes financeiramente abastadas quanto dos grupos discriminados. Os primeiros

temiam às ameaças por sua hegemonia econômica e social com a implantação do novo

regime, os segundos não percebiam melhorias para sua classe.

No entanto, algumas conquistas sociais ocorreram no período da Segunda República,

como a introdução na nova Constituição, aprovada em 09 de dezembro de 1931, o voto

universal e secreto e, pela primeira vez, a participação das mulheres como eleitoras. Em

1932, foi aprovada a lei do divórcio.

Puente (2004, p. 51), acerca desse contexto político e social e sobre as conquistas das

mulheres afirma que:

La cultura y la vida política parecía que se sometían a un imparable ritmo

de universalización y dejaban de ser patrimonio de una élite. Las mujeres,

naturalmente, se beneficiaron de esta situación y pusieron fin a una época

de encierro domestico. Dejaron de ser las reinas del hogar para pasar a ser

individuos conscientes de sus derechos y dispuestas a luchar por un

espacio proprio en la estructura social.

É importante ressaltar que, apesar do envolvimento de muitas mulheres na luta por seus

direitos, grande parte delas, orientadas pelos esposos, se posicionava contra essas

conquistas, como observou Clara Campoamor que, ao se envolver diretamente na luta pelos

direitos femininos, pode constatar que “De las mismas mujeres he recibido los más severos

e incomprensibles ataques en la cuestión del voto [...] de las que de su ignorancia no querían

desprenderse” (CAMPOAMOR, 1981, p. 316 apud PUENTE, 2004, p. 53).

Também existiram impasses em relação à lei do divórcio, pois devido à tradição

religiosa e sua influência sobre a vida dos espanhóis, as mulheres raramente recorriam a

essa lei. Ainda há de se reconhecer outras medidas favoráveis não só para as mulheres, mas

também para à população em geral, bem como outras impopulares que levaram a

interpretações equivocadas todo o processo de mudanças e a tomarem-se posições políticas

extremas até acabar por derrubar com o regime republicano.

Nas eleições parlamentares de 1936 os partidos de esquerda se unem com o objetivo de

retomar o poder e suas políticas. Com a aliança de republicanos, socialistas e comunistas

formaram a Frente Popular que, com uma pequena diferença de votos, consegue sair

vitoriosa. Dá-se início ao governo libertando prisioneiros militantes, se restaura o regime

autônomo de Catalunha, que havia sido desconstituído no período em que a direita era

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maioria no Parlamento, volta-se a trabalhar na reforma agrária e se tomam medidas contra a

Igreja, como o fechamento dos colégios religiosos, entre outras ações. Insatisfeita com os

resultados, a direita organiza o golpe militar que se concretiza em 18 de julho e 1936.

As ruas das principais cidades da Espanha se tornaram cenários para ataques e

bombardeios realizados pelos militares ou conflitos armados entre os grupos. O país estava

dividido em dois grandes grupos: os Nacionalistas, fascistas, apoiados pela Igreja Católica,

pelo exército e pelos latifundiários; e os Republicanos (unidos em uma Frente Popular

constituída por republicanos, socialistas e comunistas, partidos de esquerda, sindicatos e

grupos que apoiavam a democracia).

De acordo com Salvadó (2008, p. 94), os conspiradores militares acreditavam que a

tomada do poder seria rápida, nunca imaginaram que duraria três anos de intermináveis

combates. A República espanhola, diferentemente dos outros países que tiveram seus

regimes constitucionais facilmente derrubados resistiu até o último momento contra os

militares e o avanço do fascismo que já havia dominado a Itália, em 1922, a Alemanha, em

1933, e a Áustria, em 1934.

Os Nacionalistas receberam apoio da Alemanha, Portugal e Itália e os Republicanos

obtiveram ajuda da URSS de Stalin e de milhares de voluntários estrangeiros oriundos de 53

nações que se alistavam para fazerem parte das Brigadas Internacionais. Um grande número

de intelectuais, escritores e artistas também foram solidários à causa republicana. Apesar da

política do Acordo de Não-Intervenção14

, os países europeus acabaram tomando partido e

apoiando uma das facções da Guerra Civil.

Em 26 de janeiro de 1939, após constantes ataques à Barcelona, a capital catalã caiu sem

resistência. Madrid cai em 26 de março, Valência e Alicante em 30 de março e, no dia

seguinte, Murcia também é derrotada. Com essas últimas conquistas os nacionalistas

vencem a Guerra e é implantada na Espanha a ditadura franquista que durará quase 40 anos.

O período de pós-guerra Civil não foi menos problemático do que durante a guerra. A

pobreza, a fome, a escassez de alimentos, as cidades aniquiladas, famílias destruídas,

pessoas desaparecidas ou exiladas, presos políticos, além dos mais 400.000 mortos. O

sistema político implantado em 01 de abril de 1939 baseava-se na divisão entre vencedores

e vencidos e na imposição dos princípios ideológicos dos primeiros, enquanto os segundos

sofriam repressão e perseguição política. Assim teve início na Espanha um longo período de

14

NIA (Non-Itervention Agreement) Acordo de Não-Intervenção foi um pacto entre 27 nações européias, em

setembro de 1936, visando garantir o isolamento da Espanha e o bloqueio de armas durante a Guerra Civil

Espanhola. Com o objetivo de supervisionar a NIA foi criado o NIC (Non-Intervention Commitee) Comitê de

Não-Intervenção, composto por embaixadores dos países signatários (SALVADÓ, 2008, p. 16).

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censura de imprensa, proibiu-se a diversidade cultural e lingüística e qualquer forma de

pensamento que estivesse em discrepância com os ideais militares, seja político, religioso

ou ideológico.

Salvadó (2008, p. 140) observa que a guerra foi um conflito que colocou “todos contra

todos” e com significados diferentes para cada grupo:

[...] uma guerra de republicanos contra monarquistas, centralistas contra

separatistas ou regionalistas, católicos contra anticlericais, modernizadores

contra proletários, camponeses contra proprietários de terra, fazendeiros

contra trabalhadores, cidades contra aldeias. Essa terrível disputa despertou

não só os instintos mais elementares, mas serviu como prévia dos avanços

tecnológicos do conflito armado moderno: batalhas de grande escala com

tanques e aviões, e cidades sob terríveis bombardeios (SALVADÓ, 2008,

p. 140-1).

Fernández (2006, p. 67) afirma que, apesar da existência de um discurso conciliador entre

os republicanos e os nacionalistas, isso não aconteceu de fato.

Após o fim do conflito iniciou-se um período de implantação do novo regime e, para que

isso se concretizasse rapidamente e sem grandes entraves, como observa Gaite (2007, p.13),

tornou-se

Prohibido mirar hacia atrás. La guerra había terminado. Se censuraba

cualquier comentario que pusiera de manifiesto su huella, de por sí bien

evidente, en tantas familias mutiladas, tantos suburbios miserables, pueblos

arrasados, prisioneros abarrotando las cárceles, exilio, represalias y

economía maltrecha.

O que Franco pretendia era “enterrar el pasado reciente”, afirma Gaite (2007, p. 23).

Entretanto, passados os primeiros anos do regime, as sequelas deixadas pela Guerra Civil na

memória dos seus sobreviventes e na memória coletiva dos espanhóis, ou seja, os discursos

subalternos vão aos poucos aparecendo e muitas outras coisas que permaneceram por anos

ocultas começam a vir à superfície. Nesse contexto, a arte literária também se comprometerá

com esse trabalho de recuperação da memória traumática da Espanha.

Após a morte de Franco, nos anos de transição e consolidação da Monarquia

Parlamentarista, reafirmou-se o “pacto con el olvido”, com a intenção de proteger o novo

regime de uma memória incômoda e afanosa. Conforme Vieira, (1998/99, p. 37-8):

Por outro lado, nos últimos dez ou quinze anos, comemora-se na Espanha

um verdadeiro “Boom de la memória”, que se manifesta pela proliferação

de testemunhos da guerra civil e do franquismo, de matérias jornalísticas,

obras de ficção que se referem direta ou indiretamente a esses períodos

além de uma importante produção cinematográfica que se detém na

reconstrução de determinada memória histórica.

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Como um iceberg a memória de um período traumático tem muitos fatos escondidos e que

precisam ser revelados e é exatamente a essa tarefa que Montserrat Roig se dedica, quer dizer,

busca evidenciar ou trazer ao cenário atual, desde a literatura, os resquícios e sequelas de uma

guerra que deixou marcas inapagáveis devido aos mortos, desaparecidos, inválidos, além da

fome, a pobreza e da dor que pairou por muitos anos no meio dessa sociedade e que ainda

hoje tem suas marcas.

2.1. A hora das mulheres

Uma das preocupações de Roig como escritora é o registro e representação literária das

diferentes formas de marginalização social e cultural, como já exposto, por isso volta-se às

questões de sua comunidade Catalunha e dos discursos minoritários como os das mulheres.

Observa que a sociedade é constituída ideologicamente a partir de papéis designados a

homens e a mulheres, por exemplo, e que se entranham no inconsciente coletivo. Da mesma

maneira, os espaços sociais também são demarcados segundo o gênero e organizados de

acordo com a hierarquia do patriarcalismo. Aos homens foi permitido o espaço público e

privado, às mulheres apenas o segundo. Essa questão é enfocada y confirmada por Simone

de Beauvoir retomando a historia e seu papel:

Elas são mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe

que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua

independência não é conseqüência de um evento ou de uma evolução, ela não

aconteceu. (BEAUVOIR, 1970, p, 12-3).

A consciência acerca da situação de inferioridade na qual as mulheres sempre

estiveram em relação aos homens alude a um tempo remoto da história da humanidade. No

entanto, a partir do momento no qual as mulheres começam a tomar consciência dos direitos

que lhes foram negados ao longo da história, organizam-se como categoria para lutarem por

eles. Alguns movimentos surgem no final do século XIX, mas foi no século seguinte que as

mulheres iniciaram uma luta árdua, com críticas e protestos para ocuparem diferentes esferas,

como a participação ativa na vida social, política e econômica, assim como o direito sobre o

próprio corpo.

A História oficial, organizada por homens, por muito tempo negou à mulher o direito

de participar da sua elaboração. A mulher deveria gastar o seu tempo com o lar e com os

filhos, com a maternidade, por isso sua imagem sempre esteve atrelada a esse fator biológico.

Como já constatado por várias pesquisadoras, como Schmidt (1997), Scott (1992), a mulher

também sempre observou e analisou o mundo à sua volta, o que pode ser comprovado através

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da descoberta de textos literários de autoria feminina escritos em tempos remotos. Ao longo

da história, verifica-se a existência de diversas produções literárias, as quais, na maioria das

vezes, permaneceram esquecidas ou arquivadas em gavetas ou caixas e se dificultou o seu

(re)conhecimento.

Cartas, diários, poemas, relatos, entre outros gêneros, elaborados por mulheres que

registraram as pressões do matrimônio e da sociedade ou mesmo acontecimentos no âmbito

político, foram ignorados pelo cânone historiográfico ortodoxo, alegando que essas

produções tinham pequeno ou nenhum valor literário. Esses documentos, literários ou não,

refletem a maneira como essas mulheres retratam o mundo à sua volta e como compreendem

sua existência.

As situações sociais vivenciadas pelas mulheres foram semelhantes em diversos

países, com algumas diferenças advindas das peculiaridades culturais e sociais. De maneira

geral, uniram-se em prol de um mesmo ideal, o do respeito aos direitos para ambos os sexos.

Porém, contextos sociais e políticos específicos influenciaram, de maneira diferenciada, nesse

processo de emancipação do sexo feminino. Na Espanha, a história da mulher tem os mesmos

registros de iniquidade de outros lugares: ela ocupou sempre o espaço escondido do lar, de

dedicação ao esposo e aos filhos. Somente a partir do primeiro terço do século XX, com o

governo Republicano, aprovaram-se algumas leis possibilitando a participação das mulheres

na vida social, reconhecendo suas capacidades de produção, de tomar decisões e participar de

mudanças sociais. Mas, já nos primeiros anos do Regime ditatorial de Franco, (1936-1975), as

conquistas foram relegadas e a produção literária feminina, que tinha começado a mostrar-se

inquietante, sensível e denunciatória, voltou-se para o escapismo, principalmente nos anos de

1940. Com a perseguição aos contrários do governo franquista, grande parte dos intelectuais

da Espanha encontrava-se exilada ou desaparecida. Muitas obras foram censuradas, sendo

algumas de autoria dos escritores que procuraram asilo fora do país e outras de escritores que

já eram reconhecidos internacionalmente. Surgiu uma produção literária elaborada pelos

vitoriosos: escritores falangistas invadiram o mercado, inclusive o ditador Franco publicou,

com o pseudônimo de Jaime de Andrade, no ano de 1940, o romance Raza.

De acordo com Aguinaga et al. (1979, p . 84), as primeiras obras que vão romper

com esse tipo de literatura e iniciar uma denúncia dos acontecimentos políticos e sociais da

Espanha são La familia de Pascual Duarte, de Camilo José Cela (1942), Hijos de la ira,

de Dámaso Alonso (1944) e Historia de una escalera, de Antonio Buero Vallejo (1949). As

regras gerais da narrativa literária, de imediato pós-guerra até o início da década de 1950 são,

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45

como aponta Aguinaga15

, a esterilidade e a repetição medíocre, sendo que as formas

narrativas de vida vazia, provincianismo e anacronismo são as características da época.

Apesar da censura, acontecia uma recuperação econômica do país e um

desenvolvimento das empresas editoriais que favoreciam o mercado literário. Aparecem

distintos tipos de publicações que, junto com os prêmios literários, aumenta o crescimento

da produção. Não vamos nos aprofundar neste fenômeno, somente observar que foi nesse

momento que a mulher desponta impondo-se no cenário literário com uma presença nunca

antes mostrada. Em 1945, foi publicado o primeiro romance de autoria feminina de pós-

guerra, a obra Nada, de Carmen Laforet (1921-2004). No mesmo ano de publicação, a obra

rendeu à escritora o Prêmio Nadal, criado no ano de 1945, com o objetivo de incentivar a

produção artística e cultural do país, que naquele momento estava em decadência.

Ana María Matute (1925) escreve Los Abel (1947), aos vinte e um anos. Seu estilo,

segundo Aguinaga16

, apresenta uma tendência ao realismo subvertida sistematicamente pelo

abuso de imagens plásticas distorcidas, “uma visão de mundo arraigada em uma vida

solitária”. Várias outras escritoras dão voz às mulheres em suas narrativas ficcionais, ou se

apresentam como narradoras, para testemunhar o contexto do pós-guerra. Assim, constata-

se um extenso corpus de obras de autoria feminina que mostra a qualidade dessa literatura e

sua capacidade de retratar aspectos da realidade.

O contexto no qual será produzida essa literatura impulsiona os escritores, de maneira

geral, a um tipo de realismo social que vai culminar em uma produção literária testemunhal e

denunciatória. Apesar de as escritoras do período do pós-guerra não constituírem um grupo

unido e com atitudes literárias comuns, une-as o fato de participarem de uma mesma situação

cultural e social, em um ambiente claramente patriarcal e em um período histórico

específico.

Na década de 1970 muitos estudos acadêmicos voltaram-se para a

problemática do esquecimento da mulher na literatura. Contudo, nesse primeiro momento,

restringiram-se à figura da mulher como personagem de uma literatura escrita por homens.

La mujer durante siglos ha sido hablada […] El no haber tenido acceso a

los mecanismos de un dominio hegemónico, de un pensamiento universal

que se definía como masculino, ha supuesto, evidentemente, silenciar e

incluso negar la posible existencia de una visión del mundo femenina ajena

al orden del discurso, al margen de ese paradigma universal (LÓPEZ;

PASTOR, 1989, p. 13-14 apud PÉREZ, 2001, p. 33).

15

Idem (p. 93). 16

Idem (p. 205).

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Com os avanços dos estudos feministas, principalmente na década de 1990,

constata-se que, até então, a literatura é a arte à qual as mulheres mais se dedicaram. Dupláa

(2000, p. 20) observa que a “invisibilidad en la historia se debe a la marginalización canónica

y no a una auténtica ausencia femenina”.

Mesmo nesse ambiente, várias escritoras tiveram seus nomes reconhecidos pelo

cânone literário espanhol, inclusive, escritoras que representavam em suas literaturas

peculiaridades de seus estados ou províncias. Alguns nomes marcaram, por exemplo, a

literatura feminina de Catalunha. Dentre eles destaca-se Mercè Rodoreda (1908-1983) que,

em 1980, foi a primeira mulher a receber o Premi d’Honor de les Lletres Catalanes. De

acordo com Dupláa17

, o que singulariza a literatura de Rodoreda é o emprego de uma

linguagem mais próxima à oralidade do que à escrita. Suas obras abarcam diversos gêneros

literários como romances, novelas, contos, peças de teatro e poesias.

Outra escritora de destaque dentro da genealogia da literatura de Catalunha é Maria

Aurèlia Capmany (1918-1991). Apesar da intolerância política e da proibição de idiomas

regionais pela ditadura franquista, Capmany produz sua literatura em catalão, embora a

publique em castelhano (idioma oficial da Espanha de Franco), como faz a maioria dos

escritores desse período. Nos anos de crise oriunda do pós-guerra, Capmany “se atrevió a

publicar novelas de resistencia y crítica social disfrazadas de novelas históricas o de

ficciones especulativas” (DALE MAY, 2000, p. 93). Defensora dos ideais feministas e da

cultura catalã, juntamente com Montserrat Roig, dedica-se à cidade natal, Barcelona, aos

papéis sociais das mulheres e ao emprego da língua materna na produção literária.

Teresa Pàmies (1919) é outra intelectual que desde muito jovem envolveu-se com as

questões militantes das Juventuts Socialistes Unificades de Catalunya. Esteve exilada em

diversos países, totalizando 32 anos de exílio. Foi defensora do socialismo, do nacionalismo

catalão e do feminismo. O comprometimento dessa escritora com as questões de seu tempo

(transição democrática depois da morte do General Franco) encontra-se bem sintetizado

nas palavras de Greene:

Se podría decir que Teresa Pàmies se ha pasado la vida luchando contra ese

olvido que hoy en día nos es tan cómodo asumir. Su sentimiento de

compromiso histórico con nuestro pasado reciente se ha traducido en una

obra literaria y periodística de enorme valor testimonial (GREENE, 2000,

p. 100).

17

Idem, (p. 23).

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A memória é o fio condutor para o seu testemunho político e pessoal. Por isso,

predomina em seus textos a autobiografia de testemunho.

Outra mulher que obteve destaque no campo literário é Carme Riera (1948),

considerada uma das principais escritoras da literatura espanhola e catalã e também uma

crítica literária renomada. É ganhadora de vários prêmios, dentre eles, do Premio Nacional de

Narrativa, em 1995. Aborda em sua literatura a temática referente à mulher, mas não aceita

que sua produção seja taxada como literatura feminina, pois acredita que esse tipo de literatura

esteja associado com a panfletagem, com reivindicações políticas e com a falta de valor

literário. O que importa para Riera é escrever bem e não ser relegada ao grupo de

literatura para mulheres. Segundo Glenn (2000, p. 133-4), dentre as principais questões

abordadas pela escritora destacam-se “la expresión del deseo femenino y un interés por

la representación de la mujer y la alteridad […] la seducción, la transgresión y la

marginalidad”.

Dentre as autoras citadas como representantes da literatura de Catalunha encontramos

Montserrat Roig. Profissional que defendeu, ao longo da sua carreira de escritora e jornalista,

sua cidade natal (Barcelona), sua língua materna (catalão) e seu compromisso com a

sociedade. Montserrat Roig permaneceu fora do poder e da hegemonia de sua sociedade, pois,

além de catalã, era comunista e feminista, o que marcou, sem dúvida, sua marginalização em

um país dominado pela ditadura franquista.

A seguir, faremos uma breve apresentação da biografia de Montserrat Roig e uma

discussão acerca dos eixos que sustentam a sua produção literária. Como aponta Candido

(2002, p. 13), não se pode correr o risco de uma simplificação casual ao aferir a obra com a

realidade exterior, entretanto, os fatores sociais e psíquicos, se considerados no seu papel de

formadores da estrutura, são decisivos para a análise literária.

2.2. Montserrat Roig: a projeção de uma vida

Montserrat Roig I Fransitorra nasceu em 13 de junho de 1946, em Barcelona. No ano

de 1951, inicia sua vida escolar no Colégio Madre del Divino Pastor. Já em 1960 ingressa no

Instituto Montserrat de Barcelona. Forma-se em Filosofia Hispânica pela Universidade de

Barcelona no ano de 1968. Realizou dois cursos de doutorado na Universidade Autônoma de

Barcelona. Durante sua vida universitária envolveu-se com atividades políticas de oposição ao

regime ditatorial de Franco e no ano de 1968 ingressou no Partido Socialista Unificado de

Catalunha (PSUC).

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O ano de 1966 foi marcado por dois importantes acontecimentos na vida da escritora, o

seu casamento e o seu reconhecimento como escritora, através do Premio de prosa de

iniciación literaria en los juegos florales de la Lengua Catalana, em Caracas, Venezuela,

pelo seu trabalho La Hoz (La Falç).

Vítima de um câncer de mama, a escritora falece, precocemente, em 10 de novembro de

1991, aos 45 anos. Contudo, nesse curto espaço de tempo, ela conseguiu uma produção

intelectual que esparziu em diversos gêneros, como narrativa, ensaio, biografia, crônica,

teatro, jornalismo (escrito e audiovisual).

Há um tripé de sustentação para a produção roigueana que, de alguma forma, sempre se

faz presente em seus textos jornalísticos ou literários. Trata-se da sua cidade natal, da figura

feminina e da sua língua materna. Estes, porém, nem sempre seguem esta ordem de relevância

dentro de suas produções.

Barcelona é o espaço preferido para os enredos de suas narrativas, sendo o bairro de

Ensanche (em catalão L'Eixample) um dos espaços privilegiados, provavelmente, por ser o

local onde a escritora nasceu, mais precisamente na rua Bailén. Esse bairro ocupa a parte

central de Barcelona e é onde se localizam as avenidas e praças mais conhecidas e

movimentadas, além dos principais hotéis, cinemas, restaurantes, bares, dentre diversos

pontos de lazer e diversão.

Roig escreve o ensaio De finestres, balcons i galeries (Ventanas, balcones y galerias) que

foi publicado na obra BarcelDones (1989), coordenada por Isabel Segura. Essa obra reúne

textos escritos por intelectuais que viveram no Ensanche. O ensaio de Roig também aparece

em 1991 em Digues que m’estimes encara que sigui mentida (Dime que me amas aunque sea

mentira). Neste livro, Roig elabora uma história de Barcelona que vai da Idade Média à

década de 1980, a partir do avanço das mulheres em relação ao espaço público. Segundo a

autora, a dificuldade enfrentada para a elaboração do texto está relacionada à escassez de

registros, confirmando a sua tese sobre a falta de memória genealógica das mulheres.

Uma das ponderações desse documento é construída com base na comparação entre o

espaço da mulher no mundo clássico e no período medieval. Enquanto no primeiro não há

espaços estabelecidos para os diferentes sexos, no segundo há um retrocesso, visto que a sua

presença restringe-se aos espaços privados. Na concepção de Roig, segundo observações de

Dupláa (1996, p. 145), “la ventana es, en estos siglos, el medio que permite a las mujeres

mirar el mundo exterior”.

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Devido à Revolução Industrial, as mulheres da classe trabalhadora são as que

permeiam o espaço privado e público, este, restringindo-se à fábrica onde trabalhavam mais

de 15 horas por dia. O que não é diferente para as xinxes (Chinches), mulheres

barcelonesas que trabalhavam em indústrias têxteis. As mulheres da classe proletária são as

que iniciam lutas por melhores salários e por direitos como o de amamentar e o de cuidar dos

filhos. As mulheres burguesas de Barcelona são apreciadas apenas pela função de procriação,

não lhes é permitido demonstrar seus sentimentos ou expressar suas opiniões, e seu mundo

exterior restringe-se ao pátio. Apesar das diferenças, essas mulheres se identificam em

algumas questões, como observa Roig:

Dama, señora, menestral o chinches: el campo de visión variaba un poco

pero, sin ellas saberlo, la actitud de mirar las unía. Era una mirada que aún

no había encontrado las palabras, las suyas, para expresar lo que veía. Y es

eso lo que le falta a la Historia de Barcelona. Y en su literatura (ROIG,

Digues que m’estimes, 1971, p. 155 apud DUPLÁA, 1996, p. 149).

As questões sobre o feminismo se fazem presentes nos mais diversos gêneros. Seu

projeto é contribuir para a construção de um mundo no qual as mulheres pudessem elaborá-

lo.

O terceiro eixo de sustentação de sua produção é o catalão, sua língua materna, eleito

para escrever suas obras literárias, reportagens e crônicas jornalísticas. A proposta de resgatar

a história esquecida e marginalizada através de uma literatura escrita em catalão, língua

negada durante os anos de ditadura, e que aprendera com a ajuda de seus familiares, é uma

das marcas do compromisso de Roig. O espanhol era a língua oficial da Espanha franquista

imposta para os espaços públicos, consequentemente, aprendida na escola e utilizada na vida

profissional em situações nas quais não era possível o uso do catalão.

Nas décadas de 1970 e 1980, Roig dedicou-se ao jornalismo de opinião, gênero

praticamente inexistente em Barcelona nesse período. O jornalismo foi para ela um meio de

manter-se financeiramente e poder dedicar-se à literatura. Enfrentou dupla dificuldade ao

optar pelo uso de sua língua materna para produzir seus textos, sejam eles jornalísticos ou

ficcionais, pois, além de tratar-se de uma língua não oficial para a Espanha franquista e por

permanecer por muito tempo abandonada, sofreu certo empobrecimento, faltando-lhe vida e

espontaneidade. Como afirma Roig no prólogo da obra Molta roba i poc sabó ... i tan neta

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que la volen, “Escrevo numa linguagem que nasceu e vive no meio do caos e da solidão”18

(ROIG, 1971, p. 7, apud DUPLÁA, 1996, p. 105 - tradução nossa).

A imposição da língua espanhola como oficial em toda a Espanha franquista, acarretou

na diminuição de textos escritos em outras línguas, como o Catalão, o Galego e o Basco, o

que indica que uma guerra pode acarretar vários prejuízos, sejam eles econômicos, sociais,

políticos, culturais, dentre outros. Uma das consequências da Guerra Civil Espanhola foram

os danos para com a literatura catalã, através de proibições e perseguições por parte do

governo franquista em relação à circulação desses textos. Era comum o exílio de escritores e a

proibição de suas publicações. O comprometimento de escritores que se dedicaram à

elaboração de trabalhos literários escritos nessa língua foi o que contribuiu para a sua

valorização. Roig, como defensora dessa língua, produzia suas obras em catalão e,

posteriormente, publicava-as em espanhol.

Sobre a desvalorização das línguas minoritárias, Dupláa afirma que:

Tanto en el caso de insistir en el tema de forma exagerada como en el caso

de ignorarlo subyace la anormalidad que sufren en el espacio público las

lenguas minoritarias sin protección de un Estado propio (DUPLÁA, 1996, p.

106).

Essa tentativa por parte do regime político de Franco de eliminar a língua e a cultura

catalã foi observada por Riera como uma tentativa sem êxito, pois, com o fim da ditadura

houve o que ela denomina de “incentivo” para o ressurgimento da língua:

Em Catalunha, a supressão da linguagem foi rigorosa durante a era de

Franco, mas a nova regra da casa de 1979 tem incentivado uma espécie de

renascimento da letra19

(RIERA, 1989, p. 1 apud FAGES, 2007, p. 6 -

tradução nossa).

Realmente, com o fim da ditadura, houve na Espanha um incentivo em prol da língua

e da cultura catalã, assim como de outras línguas e culturas minoritárias. Porém, esse projeto

não deixa de ser uma forma de amenizar as consequências oriundas da Ditadura. Não haveria

comparação em relação ao reconhecimento e à autoridade dada à língua catalã se ela não

tivesse sido uma das prejudicadas desse período, pois inúmeros livros não foram sequer

escritos e os escritores que tentaram transpor essas barreiras foram vítimas de perseguições

políticas ou mesmo mortos. É comum o leitor encontrar nas obras de Roig passagens nas

18

“Escric en una llengua a mig néixer i visc entre el caos i la solitut” (ROIG, 1971, p. 7, apud DUPLÁA, 1996,

p. 105). 19

“In Catalonia, suppression of the language was harsh during the Franco era, but the new home rule laws

of 1979 have encouraged a kind of renaissance of letter (RIERA, 1989, p. 1 apud FAGES, 2007, p. 6).

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quais a autora justifica a sua escolha pela língua catalã. Na obra Digues que m’estimes, por

exemplo, ela afirma que escreve em catalão porque “Primeiro, é a minha língua; segundo,

porque é uma linguagem literária; e terceiro, eu escrevo em catalão, porque eu quero”20

(ROIG, 1991, p. 28, apud Dupláa, 2000, p. 149 – tradução nossa). Segundo Dupláa,

[…] para Montserrat Roig la lengua fue la esencia fundamental de la

identidad y de la memoria genealógica femenina (recordemos el concepto

“lengua materna”), pero no olvidó manifestar que cualquiera lengua es un

instrumento, un medio que nos da la voz y la palabra, pero no es un fin en sí

misma (DUPLÁA, 2000, p. 150).

Na sua concepção, a língua é um instrumento valioso que possibilita ao ser humano

falar e se fazer ouvir. A língua interliga passado, presente e futuro, possibilitando uma

retomada do passado em prol de um porvir.

Como observa Dupláa (1996), estudiosa da produção da autora catalã e de sua

trajetória (1998, p. 40, apud FAGES, 2007, p. 7), o espaço urbano barcelonês ganha, na

produção de Roig, o status de “personaje-testimonio”, principalmente o bairro de

L’Eixample, cenário privilegiado da escritora descrito em sua própria língua.

Esse espaço é eleito como referência social, histórica e política para os personagens

ficcionais de Roig, mas podemos observar que eles extrapolam os limites fronteiriços de

Barcelona e da própria Espanha. Isso ocorre porque as pequenas histórias narradas

identificam-se com as de pessoas inseridas em outro espaço ou tempo. Consegue, portanto,

representar diferentes mulheres em diferentes contextos, cumprindo com uma das exigências

literárias, que é a apresentação de caráter atemporal e ahistórico.

Na década de 1970, Roig teve maior destaque em sua carreira literária, exatamente

quando publica em língua catalã o livro de contos: Molta roba i poc sabó... i tan neta que la

volen (1971). Em 1972, lança o seu primeiro romance, intitulado Ramona, adéu, o qual irá

compor a trilogia romanesca com El temps de les cireres (1977) e L’hora violeta (1980).

Dedicando-se à história marginalizada, escreve uma obra biográfica sobre o fundador do

Partido Comunista Catalão, Rafael Vidiella, intitulada I’aventura de la revolución (1974).

Outra obra reconhecida pelo seu valor testemunhal foi Els catalans als camps nazis (1977).

Obras como ¿Tiempo de mujer? (1980), Aprendizaje sentimental (1981), L’opera

quotidiana (1982), L’agulla dourada (1985), entre outras, marcaram sua carreira na década de

20

“Primer, perquè és la meva llengua; segon, perquè és una llengua literaria; i tercer, escric en cataà perquè

em dóna la gana” (ROIG, 1991, p. 28, apud DUPLÁA, 2000, p. 149).

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1980. Em 1991 foi publicado o livro Digues que m’e estimes que encara que sigui mentida.

Outras produções foram publicadas após sua morte, como os artigos La ciutat de Barcelona:

una mirada femenina (1992), Madre, no entiendo a los salmones (1995), entre outras.

A última publicação ficcional foi a reunião de oito contos no volume El cant de la

joventut, em 1989, que, segundo Dupláa (1996, p. 129), retratam um amadurecimento em

relação à sua produção anterior. Aborda nesses contos temas como a juventude perdida, o sexo,

a vida, a morte, a memória e o esquecimento.

A obra em estudo, La hora violeta, compõe uma trilogia narrativa juntamente com

Ramona, Adiós (1972) e Tiempo de cerezas (1977). O primeiro romance narra a história de

três mulheres de uma mesma família, pertencentes a três gerações diferentes: a avó, a mãe

e a filha. As três chamavam-se Romana, viveram em uma Barcelona no turbilhão de

mudanças sociais. Dependentes dos seus maridos e presas ao sistema patriarcal buscam pela

liberdade.

As personagens dessa primeira narrativa encontram-se no enredo do segundo romance,

Tiempo de cerezas (1987). Agora as três mulheres dessa família (Ramona Jover, Ramona

Ventura e Ramona Claret) terão suas histórias entrelaçadas com as da família Miralpeix

através do casamento de Silvia Claret, irmã de Ramona Claret (chamada de Mundeta-hija),

com Lluís Miralpeix (filho de Judit Miralpeix, personagem de La hora violeta). Esse

segundo romance foi ganhador do Prêmio Sant Jordi, em 1976.

A obra La hora violeta (1980), a última da trilogia, retoma vários personagens de

Ramana, Adiós e Tiempo de cerezas, sejam eles retratados ainda em vida ou trazidos em cena

através das memórias. No início desse terceiro romance o leitor depara-se com uma árvore

genealógica que permite uma maior compreensão acerca dos envolvimentos entre as

famílias Miralpeix e Ventura-Claret. Por hora nos deteremos às questões da obra La hora

violeta, corpus de análise dessa dissertação.

2.3. Adentrando o universo de La hora violeta: o título

Quando nos deparamos com uma obra literária, ou com qualquer outro gênero textual,

a primeira informação à qual nos voltamos é para o título. Isso ocorre porque a função do

título é sintetizar o conteúdo do texto e instigar a curiosidade do leitor para adentrar naquele

universo discursivo. É comum em títulos de obras literárias a presença do nome do

personagem protagonista ou informações sobre ele. Outras vezes, o título alude ao espaço ou

ao tempo da narrativa. De acordo com Reis e Lopes (1988, p. 98),

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A relação do título com a narrativa estabelece-se muitas vezes em função da

possibilidade que ele possui de realçar, pela denominação atribuída ao relato,

uma certa categoria narrativa, assim desde logo colocada em destaque.

Essa categoria narrativa se faz presente no título La hora violeta, a qual remete ao

próprio ato de narrar. O título da obra é formado por apenas três palavras: “La”, “hora” e

“violeta”. Todas do gênero feminino que implicitamente poderiam anunciar a história das

mulheres

A palavra “hora” refere-se a um tempo cronologicamente marcado. No entanto, a “hora”

da qual fala Roig, através desse título, é a hora da escrita, a hora de expressar aquilo que

permaneceu por muito tempo armazenado, oculto. Refere-se a um tempo histórico. Chega,

então, a “hora” de dar a voz às mulheres para narrarem histórias não oficiais, de retratarem

aquilo que a História deixou de lado.

Na Bíblia, no livro de Eclesiastes, escrito aproximadamente no ano de 935 a.C., Salomão

apresenta algumas instruções sobre o tempo, defendendo a existência de um momento

oportuno para cada acontecimento:

Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo

do céu;

há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar

o que se plantou;

tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar;

[...]

Tempo de buscar e tempo de perder, tempo de guardar e tempo de deitar

fora;

tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar;21

(SALOMÃO, 1999, p. 594-595).

Em La hora violeta chegou o “tempo de falar” e não mais permanecer em silêncio. Uma

tarefa difícil quando o conteúdo dessa fala remete a um tempo nunca esquecido, ao tempo da

guerra e do pós-guerra ou, melhor dizendo, ao tempo das atrocidades cometidas durante a

Guerra Civil Espanhola e a ditadura franquista. Ao transpor esse tempo em palavras surge a

dificuldade de representá-lo, pois é nessa intermediação que se alcançará o “tempo de cura”.

Por essas dificuldades é que a protagonista Norma tenta, em princípio, fugir dessa tarefa,

como alega desde o primeiro capítulo:

Yo me había terminado un largo libro sobre los catalanes en los campos

nazis, y la verdad es que no me habían quedado ganas de remover el pasado.

21

Grifo nosso.

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La historia de la deportación me dejó medio enferma y escéptica (ROIG,

2000, p. 43).

Isso ocorre porque ao escrever sobre o passado violento o autor revive a dor e o

sofrimento.

A segunda palavra do título nos remete a outras obras literárias que também trazem em

seus títulos a palavra “hora”, citamos, por exemplo, A hora da estrela (1977) de Clarice

Lispector. Para Macabéa, uma imigrante nordestina vítima dos problemas sociais que vai

tentar a vida na cidade do Rio de Janeiro, não haveria outra possibilidade de brilhar e receber

a atenção dos outros que não fosse o momento da morte, como afirma o próprio narrador:

“Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de

cada um [...]” (LISPECTOR, 1981, p. 36).

Outra narrativa que tem em seu título a palavra “hora” é o conto de João Guimarães

Rosa, intitulado A hora e a vez de Augusto Matraga (1946), o protagonista do conto, um

pistoleiro temido que, por consequência do destino, passa por várias provações. Numa

tentativa de se redimir, busca incansavelmente ser um homem bondoso e sem vícios, na

esperança de alcançar a vida eterna e afirma constantemente que “Para o céu eu vou, nem que

seja a porrete”. As palavras do padre dirigidas a Matraga: “Cada um tem sua hora e sua vez:

você há de ter a sua”, se concretizam no final da narrativa, quando o protagonista encontra

Joaozinho-Bem-Bem em um vilarejo pronto para matar uma família e se vingar da morte de

um de seus capangas. Matraga se opõe à vingança e, em luta com Joãozinho-Bem-Bem,

ambos morrem, chegando assim a sua “hora”.

Nesses dois exemplos, A hora da estrela e A hora e a vez de Augusto Matraga, a

palavra “hora” está precedida por uma preposição, indicando que a “hora” da qual se fala é a

hora desses personagens. Já em La hora violeta não há o emprego de preposição, mas sim de

um adjetivo, qualificando o substantivo “hora”. No entanto, a palavra “hora” qualificada

como “violeta”, implicitamente refere-se a um determinado momento.

A personagem-narradora Norma é encarregada de falar sobre algo não agradável,

sobre aquilo que causou o trauma em várias outras personagens, sobre os horrores que

levaram os sujeitos à destruição, quando não física, emocional e psicológica. Nesse sentido,

fica mais fácil compreendermos porque Montserrat Roig atribui à palavra “hora” o adjetivo

“violeta”, cor que remete a inúmeros significados.

No campo religioso, a cor violeta é a cor que predomina nos altares das igrejas

católicas no período da Quaresma. Segundo o padre João Panazzolo, da diocese de Caxias do

Sul, em matéria publicada pelo Jornal Contexto, em junho de 2001, "Ela é usada nos

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paramentos dos padres, nas toalhas do altar, enfim, em tudo."22

. A cor é utilizada nesse

período para representar a dor de Cristo, o martírio, o sofrimento.

Frida Kahlo, pintora mexicana, aos 18 anos de idade, foi vítima de um acidente que

envolveu um ônibus e um trem urbano. Uma barra de ferro perfurou suas costas atravessando

sua pélvis e saindo pela vagina, o que provocou uma intensa hemorragia. Os médicos não

tinham expectativa de vida para Kahlo. Após várias cirurgias, mas ainda com dores terríveis,

vai para casa, onde nos momentos de angústia e dor dedica-se à escrita de cartas,

principalmente destinadas para Alex (Alejandro Gómez Arias), seu namorado que também

estava no trem no dia do acidente.

No ano de 1944, quando submetida a mais uma cirurgia que a impossibilitou deslocar-

se, Kahlo pintou três quadros que, de acordo com Brognoli (2009, p. 92), ilustram muito bem

a dor pela qual a artista vinha passando. Tratam-se das seguintes telas:

Sem aprofundarmos nas questões formais da estética de Kahlo, podemos perceber que

a tonalidade violeta se faz presente nas três telas, representando a dor, o que aparece de forma

mais intensa na terceira tela, onde um veado personificado aparece com várias flechas

perfurando seu corpo. A cor vermelha marca o local do ferimento e a cor violeta o corpo do

animal machucado.

A cor violeta remete também ao entardecer, como observa a própria protagonista de

La hora violeta: “Era el atardecer, esa hora en que el cielo se vuelve de color violeta” (ROIG,

2000, p. 242). Segundo Norma, esse momento se compara à sublimação do ocaso da vida e ao

sentimento que traz a memória na recordação dos tempos incertos, quando a imaginação

transborda para escrever sobre os passados dias violetas. Judit também gostava dessa hora do

dia, “_Me encanta esta hora – dijo Judit -. Es una hora en que parece que todo el mundo

recupera la armonía perdida. Como si las cosas y los hombres se serenasen”. Já sua amiga

22

Entrevista disponível em: http://www.jornalcontexto.com.br/quaresma.htm. João Panazzolo é Padre diocesano

de Caxias do Sul, formado em Filosofia e Teologia e mestre em Missiologia pela Faculdade de Missiologia

Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

“O veado ferido” (1946)

“Árvore da esperança:

mantém-te firme” (1946) “Coluna partida” (1944)

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Kati, não tinha a mesma opinião que Judit e lhe responde: “_A mi no me gusta. Es una hora

triste una hora de muerte”. Mas Judit avistava além da tristeza que o momento proporcionava,

visualizava a possibilidade de recriação das coisas: “_ Creo que las cosas tienen que morir

para volver a nacer” (ROIG, 2000, p. 187-8).

No entardecer, atenua-se a vida, diminui o barulho e o ritmo das atividades diárias,

podendo-se, assim, observar e analisar com maior objetividade os elementos que compõem a

vida e sua história, sejam eles internos, como os sentimentos e as sensações, ou externos,

como as atividades corriqueiras e os objetos que nos rodeiam. Isso pode ser observado na

passagem que segue, quando uma narradora retrata o entardecer vivenciado por Judit e Kati:

Las dos amigas se levantaron. Era esa hora en que la luz del día comienza a ser

vencida por la noche. No habían encendido los faroles y las calles estaban vacías, la

ciudad parecía sumergida en un silencio expectante (ROIG, 2000, p. 190).

Natàlia não gosta desse momento do dia: “No soporto ese momento del día, cuando las

horas caen” (ROIG, 2000, p. 85), talvez por não estar disposta a encontrar-se consigo mesma,

a refletir sobre o dia vivido.

A hora violeta também é tratada na obra, apesar de que com menor recorrência, como

o momento do amanhecer, como, por exemplo, quando a personagem Agnès se desperta,

depois de uma noite de amor com Francesc, e o narrador relata que ela “Se despertó al

despuntar el Alba, cuando la luz es de color violeta [...]” (ROIG, 2000, p. 139).

Nesse sentido, o título La hora violeta marca que é chegado o momento no qual se

deve narrar sobre personagens com histórias nem sempre agradáveis, mas que necessitam ser

contadas, pois, através dessas narrativas que remetem ao passado os personagens do presente

podem entendê-lo e avançar em direção a um futuro melhor. A hora violeta é, portanto, a hora

de contar, de reelaborar o passado, de criar um mundo ficcional e de aproveitar o momento

violeta do dia utilizando os elementos que se destacam nesse momento para construir a ficção.

2.4. Temas e a organização da obra

Os temas abordados no romance estão relacionados às questões que permeiam a

sociedade barcelonesa da década de 1970. Para Szurmuk (2002, p. 158), um aspecto que faz

com que a obra de Roig seja particularmente interessante é a multiplicidade de discursos

inseridos na estrutura: o marxismo, o feminismo e o catalanismo.

Em relação aos principais temas abordados no romance, podemos destacar a

preocupação com a reescrita da história e o mundo feminino. A partir de cada um desses

temas surgem ramificações como, por exemplo, discussões sobre a escrita da história a partir

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do ponto de vista dos homens, a historiografia franquista que determinava o espaço que as

mulheres deveriam ocupar na sociedade, os discursos das minorias e dos marginalizados que

nunca se fizeram ouvir, a memória como possibilidade de resgatar um passado silenciado, a

arte como forma de representação e recriação de novos modelos sociais, em especial o que

concerne às mulheres. Em relação às mulheres abre-se outro leque, fala-se sobre o amor, a

infidelidade, o sexo, o prazer, o homossexualismo como meio para experimentar outras

possibilidades de amor, o papel da maternidade, da esposa, da mulher que busca um espaço na

sociedade, entre outros.

Questões políticas e sociais também permeiam a obra, como a Guerra Civil, o Partido

Comunista, as lutas dos Republicanos, a Segunda Guerra Mundial, os campos de

concentração nazista, a ditadura franquista, os bombardeios e conflitos de rua em Barcelona.

Ciplijauskaité (1986, p. 405), observa que:

Lo colectivo, el partido, ocupan demasiado lugar sin ser integrados

completamente. Su intención corresponde tal vez al deseo de traspasar lo

amoroso y presentar a la mujer como partícipe igual en la vida pública. Sin

embargo, la obsesión por la compañía del hombre, presentes en todos los

fragmentos, anula esta intención.

A presença dessas temáticas ronda a memória das personagens, pois o enredo não se

desenvolve nos momentos de conflitos, por exemplo, mas estes são retomados através da

recordação. A imagem do ditador Franco figura nos sonhos de Natàlia:

He tenido un sueño [...] a mí lado, una muchacha de larga cabellera y de piel

de melocotón me besaba el cuerpo. [...] Franco emergió de las aguas, [...] El

dictador nos prohibía que hiciésemos el amor (ROIG, 2000, p. 143-4).

Neste sonho misturam-se os problemas políticos do país de Natàlia e os conflitos

pessoais em relação ao seu comportamento sexual. Em todo o romance um assunto leva a

outro, como um entrelaçamento de argolas que formam uma corrente.

O que há em comum entre as mulheres na obra La hora violeta é que, independente

dos papéis sociais que desempenham, suas histórias apresentam a seguinte estrutura cíclica: a

busca pelo amor e as decepções.

O discurso sobre as questões de gênero permeia toda a narrativa. As personagens

participam de várias palestras e debates sobre as duas vertentes do feminismo, o da diferença

e o radical. No entanto, Roig buscava a construção de um feminismo que solucionasse os

problemas de sua sociedade barcelonesa, não se preocupando em seguir uma ou outra vertente

teórica, mas, como observa Szurmuk (2002, p. 165), “Roig parece querer transcender ambos

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discursos y crear un texto donde se rescaten actitudes y personajes que ayuden a una

concienciación y a una nueva evaluación del tema más allá de modelos importados”.

Para Dupláa (1996, p. 123), as mulheres dos romances roigueanos são unidas pelo

desejo de viverem suas vidas com sentido, e isso só é possível através do diálogo, da

comunicação com as outras mulheres, o que se efetiva apenas no último romance da trilogia,

quando “llega la hora violeta, la hora de las mujeres”.

Os temas sobre a reconstrução da história desde um ponto de vista feminino e com o

resgate da memória, e não do ponto de vista dos discursos oficiais estabelecidos pela

historiografia franquista, desenvolve-se no primeiro capítulo do romance. Os discursos

minoritários estão presentes no terceiro capítulo, através dos quais se pode imaginar o

cotidiano de mulheres burguesas da sociedade catalã da metade do século XX. Por fim, o

último capítulo encerra o livro com um título muito sugestivo: La hora abierta, deixando as

histórias das personagens em “aberto”, plausíveis de transformações, visto que as histórias são

narradas tendo como fundamento a memória.

A narrativa vai mesclando dados “verdadeiros” com imaginários. As relações de

verdade às quais nos referimos são aquelas estabelecidas dentro do próprio romance que, para

Vargas Llosa (2007, p. 21), depende “de su propia capacidad de persuasión, de la fuerza

comunicativa de su fantasía, de la habilidad de su magia”. Assim, dentro do mundo ficcional

de La hora violeta, a escritora Norma constrói uma história fictícia a partir de dados reais, os

quais somente são “reais” dentro da ficção aceita pelo leitor, no ato da leitura, como tais.

Através do uso das memórias o romance se constrói e cumpre uma das suas funções

sociais, pois as histórias das mulheres são histórias minoritárias, não pertencem ao apartado

teórico da História Oficial como já observara Vargas Llosa (2002, p. 25):

La recomposición del pasado que opera la literatura es casi siempre falaz

juzgada en términos de objetividad histórica. La verdad literaria es una y otra

la verdad histórica. Pero, aunque esté repleta de mentiras - o, más bien, por

ello mismo – la literatura cuenta la historia que la historia que escriben los

historiadores no sabe ni puede contar.

No romance, verifica-se que as histórias pessoais se mesclam com as histórias

nacionais, apesar de que ter seu cotidiano negado por esta, como expõe Ciplijauskaité (1986,

p. 404):

Montserrat Roig intenta ir más allá de la simple confesión o rememoración

en Ramana, adiós (1980) y en La hora violeta (1981). A la complejidad

estructural de ambas novelas une la complejidad de preocupaciones. No es la

autora de un solo «deseo», aunque las dos narraciones _ y ya tiempo de

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cerezas _ desarrollen el mismo mundo. Lo femenino en estas novelas está

inextricablemente mezclado con lo político.

A escritora constrói seus personagens a partir do contexto da Guerra e do pós-guerra,

representando muitos dos problemas que a sociedade espanhola sofreu e ainda sofre, mas, se

propõe reescrever a história desde a perspectiva das mulheres.

La hora violeta apresenta-se em uma estrutura que rompe com as formas da

narrativa tradicional. O Romance é organizado em cinco capítulos, sendo eles:

“Primavera de 1979”, “La hora perdida (Natàlia y Agnès)”, “La novela de la hora violeta”,

“La hora dispersa (Ellos y Norma)” e “La hora abierta”. Sobre essa organização, Guiomar

Fages (2007, p. 13) observa que o primeiro capítulo é uma espécie de prólogo, os três

subsequentes se referem ao corpus narrativo e o último se constitui em uma forma de epílogo.

Essa esquematização observada por Fages se confirma. Entretanto, é interessante observarmos

que a apresentação no capítulo “Primavera de 1979” leva o leitor a imaginar que, na

sequência, serão colocadas as histórias das personagens Kati e Judi e, no entanto, os próximos

capítulos são um emaranhado de histórias de outras personagens que, por vários motivos,

entrelaçam-se com as histórias dessas personagens. Portanto, podemos afirmar que o

programa da narrativa iniciado no primeiro capítulo não é a preocupação central da escritora,

visto que essas histórias serão retomadas ou narradas, mas não são elas exclusividade dos

próximos capítulos.

Outro detalhe interessante se dá em relação aos títulos dos capítulos da obra, os quais

são marcados pela palavra “hora”, com exceção do primeiro capítulo, que apresenta outro

marcador temporal, fazendo referência ao ano de 1979 e à estação da primavera. Não fugindo,

porém, de uma estrutura aparentemente fixa que se preocupa com a demarcação do tempo.

No primeiro capítulo, é estabelecida a proposta da escrita de um romance. A

personagem-narradora Norma, explica como teve acesso a vários documentos (cartas, diários,

anotações) da família Miralpeix. Assim, o leitor passa a conhecer Norma, a escritora que

trabalha com aspectos da realidade, coletando depoimentos e construindo mundos ficcionais

com base numa realidade chocante e conflituosa que é a de Barcelona no século XX.

Natàlia Miralpeix, amiga de Norma, envia-lhe os referidos documentos juntamente

com uma carta pedindo-lhe para reelaborar o mundo de duas mulheres da burguesia catalã,

Judit, a mãe de Natàlia, e Kati, a amiga de Judit. Apesar de se debater com esses

documentos, Norma acaba não tendo outra saída a não ser mergulhar no universo ficcional

dessas duas mulheres, embora, num primeiro instante, tenha rejeitado a ideia de escrever

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sobre elas pelas intermediações que existem de sua vida privada e a história recente da

Espanha franquista.

Nesse capítulo são levantadas várias questões sobre teoria literária e são

apresentados alguns personagens que terão suas histórias retomadas posteriormente. Dentre

eles, os irmãos de Natàlia, Pere, que era mongólico e Lluis que era um “hijo directo del

fascismo” (ROIG, 2000, p. 52). Também são apresentados Jordi, o amante de Natàlia, um

participante ativo do PSUC e é claro, a própria Natàlia, uma fotógrafa que registra os

acontecimentos através de suas fotografias.

Alguns dos conflitos que conduzem a narrativa são expostos aqui, como o

feminismo, as frustrações amorosas, o mundo das mulheres versus o mundo dos homens, as

questões políticas que envolvem o PSUC e o problema da representação que se estabelece

através da discussão teórica sobre história e literatura.

No segundo capítulo, encontram-se reunidas as memórias de Natàlia que trazem a tona

o triângulo amoroso entre ela, Jordi e Agnès. Esses três personagens são tratados à luz da

Odisséia, de Homero, através de analogias.

O título da segunda seção do romance “La hora perdida” sugere, como observado por

Tsuchiya (1998 p. 167), “[...] a ideia de perda em vez da recuperação da história e da

identidade.”23

(tradução nossa). O subtítulo “Natàlia lee la Odisea en una isla del

Mediterráneo” é também o subtítulo do último capítulo, onde encontramos essa personagem

ainda presa ao mito homérico. Os assuntos aqui tratados, apesar de diversos, giram em torno

do comportamento dos personagens que compõem o triângulo amoroso e de Norma, que é,

constantemente, trazida para as reflexões de Natàlia.

No terceiro capítulo nos deparamos com um dos principais recursos usados por Roig

na estruturação do romance, são anotações em forma de diário e cartas. O diário é um gênero

pertencente ao grupo de narrativas em primeira pessoa e, como o próprio nome remete,

refere-se a uma narrativa do dia-a-dia. Possui relatos dos fatos vivenciados pelo autor,

normalmente personagem principal, que seleciona os acontecimentos que julga serem

merecedores de recordações e os registra a partir do seu ponto de vista.

Entendemos o terceiro capítulo como o eixo da narrativa, pois nele se encontram as

anotações familiares a que Natàlia teve acesso, e às que o leitor toma conhecimento desde o

primeiro capítulo. Norma se refere com certo desprezo a esses documentos e justifica a falta

de interesse em reelaborar as histórias dessas mulheres pelo cansaço, pois acabara de

23

“[…] thus calling attention to the Idea of loss rather than the recovery of history and identity” (TSUCHIYA,

1998, p. 167).

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concluir um livro sobre os catalães nos campos nazistas. Porém, outro fator que a faz tentar

afastar-se dessas histórias é a identificação de sua vida com as daquelas mulheres, o que a

levaria a uma reflexão sobre sua própria vida, pois, reescrever sobre o passado dessas

mulheres era também uma forma de pensar em si, de se ver através dessas histórias.

No quarto capítulo do romance, “La hora dispersa (Ellos y Norma)”, é apresentado o

relacionamento de Norma com seu esposo Ferran. Ambos ganham espaço para narrarem, do

seu ponto de vista, os conflitos que os envolvem. É narrada também a história de Germinal,

um antigo amigo de Ferran com quem compartilhou momentos de lutas estudantis.

Participaram das “[...] peleas con los anarquistas, con los trotskistas” (ROIG, 2000, p. 2009).

Germinal, que participara de um grupo armado e se envolvera em assaltos de bancos, acabou

condenado por quarenta anos de prisão. Ganhou liberdade graças à anistia ocorrida com a

morte de Franco. Após a prisão, Germinal passou a viver num mundo de fantasias,

acreditando ser Flash Gordon24

, conduzindo um seiscentos atravessava as avenidas em alta

velocidade, dirigia somente com uma mão e fazia manobras arriscadas. Ao tentar alcançar

Zino25

, na verdade um caminhoneiro que conduzia à sua frente, acaba provocando um grave

acidente.

Nesse capítulo a personagem escritora se debate com inúmeras questões a respeito da

escrita literária. Vivencia um turbilhão de conflitos acerca dos limites entre o mundo real e

fictício, numa tentativa de organizar os acontecimentos e sentimentos extraídos da realidade

dando-lhes uma configuração artístico-literária. Como, por exemplo, a elaboração da obra

sobre Judit e Kati a partir das anotações dessas duas mulheres e a obra que teve como

inspiração os relatos dos ex-deportados dos campos nazis.

O quinto e último capítulo ganha o título “La hora abierta” e retoma o subtítulo do

terceiro capítulo “Natàlia lee la Odisea en una isla del Mediterráneo”. Natàlia conclui a leitura

da Odisséia, os dias que passara com Jordi na ilha chegam ao fim e eles precisam retornar às

suas casas.

Norma havia concluído o manuscrito sobre Judit e Kati e percebe que de alguma

forma as peças foram se encaixando, mas apenas com o auxílio da palavra, ou seja, da

literatura: “Las piezas se habían dispersado era cierto, pero con la palabra las volvería a unir”

(ROIG, 2000, p. 320).

24

Personagem de história em quadrinho Flash Gordon da Espanha. O primeiro personagem espacial. Escrita por

Alex Raymond, 1934. 25

Personagem da história em quadrinho Flash Gordon.

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O capítulo que fecha o romance, “La hora abierta”, sugere através do próprio adjetivo

“aberta” a continuidade da narrativa, pois não há uma conclusão e um ponto final, mas

indicações do que poderia suceder com esses personagens. Permanece no leitor uma

expectativa, uma curiosidade em relação ao desenrolar da narrativa. Assim como a própria

vida do leitor seguirá um caminho, aqueles personagens não deixarão de viver novas

experiências. Eles não se acabam com o fim da leitura do livro, mas permanecem na memória

inquieta do leitor, o qual se identifica com os fragmentos que se unem e conseguem certa

harmonia para prosseguir a própria vida.

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3. A HORA DA ANÁLISE

O escritor escreve do que tem dentro,

do que vai cozinhando no seu interior e que vomita

porque já não pode mais

Isabel Allende

A obra La hora violeta, de Montserrat Roig, é uma construção metaficcional. O enredo

se desenvolve a partir da proposta de construção de uma narrativa pela personagem Norma, o

que, a princípio, provoca um estranhamento no leitor que se depara com a construção de um

universo ficcional dentro de outro, o do próprio romance de Roig. Chalhub (1986, p. 15-16)

faz uma interessante observação sobre o reconhecimento e o estranhamento de uma

mensagem por parte do receptor:

[...] Se uma mensagem organiza-se de modo a provocar reconhecimento de

conceitos e formas já adquiridos pelo receptor porque fazem parte do senso

comum da cultura, o público se amplia, na medida em que este conhecido

repele o novo e traz à tona o velho. Se, inversamente, na organização da

mensagem, os sinais forem manipulados inusitadamente, a forma nova

provocará um estranhamento no receptor. O público será afunilado. Porque,

sob o ponto de vista do repertório, o que é claro é a dificuldade em

reconhecer o belo no signo novo.

Em La hora violeta, o estranhamento é facilmente perceptível e compreendê-lo é um

desafio. A metaficção presente na obra desvenda ao leitor que as personagens Judit e Kati se

tornam personagens do romance escrito por Norma, a responsável pela confecção de um texto

sobre duas mulheres que viveram um período atormentado pela guerra e são repletas de

traumas e conflitos pessoais. Devido a essa construção Roig parece não ser a autora do

romance, mas sua personagem Norma.

Chalhub (1986, p. 27) observa que “a função metalingüística pode ser percebida

quando, numa mensagem é o fator código que se faz referente, que é apontado”. Na obra em

estudo é o fator ficção que toma conta do cenário, o que está em jogo é a própria construção

literária, portanto, o fio condutor da narrativa é o próprio processo de narrar.

No entanto, esse processo de narrar não se desenvolve sem passar por algumas

dificuldades. Na verdade, as barreiras são postas para a personagem escritora, pois ela é quem

organiza a narrativa e supera os obstáculos. A complexidade surge quando fatores externos e

internos à vida da escritora se miscigenam a tal ponto que não há mais como estabelecer

limites entre eles, o que provoca na personagem um incômodo ou um desassossego ao

reelaborar o passado. A inquietação enfrentada pela personagem Norma em relação à

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reelaboração do passado se estabelece desde o início da obra permanecendo até o final da

narrativa.

David Herzberger (1995, p. 9), citado por Tsuchiya (1998, p. 164 – tradução nossa)26

,

observa que os romances de Roig “tem tanto a história e a escrita da história como

referência”. No primeiro capítulo de La hora violeta, “Primavera de 1979”, é apresentada à

Norma a proposta de elaboração de uma obra sobre Kati e Judit, duas mulheres da burguesia

catalã que vivenciaram os acontecimentos da Guerra Civil Espanhola, dos primeiros anos da

ditadura de Franco e da Segunda Guerra Mundial, como já exposto. A princípio, Norma tenta

resistir de várias maneiras a essa tarefa, mas, acaba se envolvendo com os documentos

familiares de sua amiga Natàlia e, ao final do romance, o leitor confirma que, apesar de todas

as dificuldades, Norma consegue superá-las e o romance é elaborado.

Roig cria e organiza o universo ficcional minuciosamente, desde a escolha do nome da

personagem que será a responsável por organizar as histórias de pessoas comuns. O nome

próprio “Norma” origina-se do substantivo “norma”, palavra que, segundo o Dicionário de

Língua Portuguesa Aurélio (2010, p.534), remete a algo que está corretamente posto,

conforme as regras estabelecidas, de acordo com princípios que regem os valores morais e

estéticos. Ela é quem irá “normalizar”, dar forma aos cacos dispersos que a amiga lhe

proporciona para construir o romance, pois, isso significa, nas palavras de Benjamin, (1994d,

p. 201) “levar o incomensurável a seus últimos limites”, dessa maneira “se imprime na

narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” para entender as

histórias de um passado que não pode ficar no esquecimento e que, elaboradas, traspassem os

limites temporais.

3.1 Os registros das memórias familiares

O próprio título do terceiro capítulo: “La novela de la hora violeta” nos conduz a tratá-

lo como o pilar da obra, pois, ali encontram-se as fontes de inspiração para Norma dar forma á

obra. Esses documentos familiares revelam muitas informações íntimas que marcaram a vida

de Judit e Kati e, consequentemente, de Norma e Natàlia por serem assuntos que lhes são

comuns, daí sua inquietação pela escritura.

A narrativa de La hora violeta inicia com a fala da narradora Norma explicando as

origens dos papéis que se encontravam com ela:

26

“[…] have both history and the writing of history as referent” (HERZBERGER, 1995, p. 9, apud TSUCHIYA,

1998, p. 164).

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65

Un día, Natàlia me dio algunas notas que había escrito sobre su tía, Patricia

Miralpeix, y también algunas cartas de Kati y el Diario de Judit Fléchier, su

madre. No es que Judit hubiera escrito un diario; más bien se trataba de unos

papeles dispersos en los que ella ponía una fecha. Al morir el padre de

Natàlia, Joan Miralpeix, su tía Patricia los encontró y se los dio a su

sobrina. No eran gran cosa. Mi amiga Natàlia me envió todos esos

papelotes y, al cabo de unos días, me telefoneó (ROIG, 2000, p. 43).

Norma demonstra certo desprezo em relação aos documentos que recebera da

amiga, provavelmente por estar exausta de remexer o passado, pois, como escritora

comprometida trabalhava com “cacos”, com as “migalhas”, era um “catador de sucata”, nas

terminologias benjaminianas.

As informações contidas nesses documentos são reveladas apenas no terceiro capítulo

da obra, intitulado “La novela de la hora violeta”. Tsuchiya (1998, p. 167) presume que esse

terceiro capítulo seja o romance que Norma escreve sobre Judit e Kati. No entanto, tratamo-lo

como as transcrições dos próprios apontamentos familiares de Natàlia, pois desde nosso olhar

crítico não encontramos vestígios de que ele seja o texto produzido por Norma, apenas uma

informação que nos poderia induzir a pensar que entre o capítulo da obra de Roig e o livro de

Norma há uma referencialidade: no apontamento intitulado “1 de noviembre de 1950”, o qual

encerra o terceiro capítulo, Judit escreve “Basta, se acabó. Ya no escribo más. Continuaré”

(ROIG, 2000, p. 202) é paralelo ao momento quando Norma diz ter concluído o livro sobre as

histórias de Kati e Judit. Ela coloca fim à narrativa quando Judit não quer mais escrever:

“Puso el punto final al manuscrito sobre Judit y Kati en el momento en que Judit decide no

seguir escribiendo el dietario, cuando decide continuar sólo en el recuerdo” (ROIG, 2000, p.

297). Considerando essa leitura feita por Tsuchiya, podemos afirmar que as datas presentes ao

longo desse terceiro capítulo seriam subterfúgios inventados por Norma para dar forma à sua

obra e remeter às conexões com a memória.

Os dados contidos nos fragmentos textuais encabeçados pelo ano “1958” são relatados

por uma narradora onisciente que aborda vários assuntos que dizem respeito à vida de Judit, de

seus familiares e de sua amiga Kati. Já a data de “1964”, a voz de um narrador em terceira

pessoa transfere à Patrícia Miralpeix a oportunidade de ser ouvida. Através da frase: “Habla tía

Patricia:” vários fragmentos entre aspas aparecem como se fossem uma transcrição direta dos

pensamentos de Patricia. Essas recordações coincidem com o dia da morte de Judit, o que

instigou suas lembranças. Provavelmente essas seriam as “notas” que Natàlia havia escrito

sobre sua tia. No entanto, podem também ser considerados como parte do romance de Norma e,

assim, Natàlia assumiria o papel de uma personagem da obra de Norma que fala apenas para

introduzir a voz de outra personagem, no caso, da Tía Patricia.

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O mesmo poderíamos dizer a respeito dos fragmentos narrados em terceira pessoa que

são encabeçados pelo ano de “1958”, ou seja, Norma teria criado um narrador onisciente para

narrar sobre a história de Judit ou, se realmente se referissem aos apontamentos familiares,

poderiam ter sido escritos por Judit, mas, é outra forma de registrar as memórias,

provavelmente, por estar temporalmente afastada dos acontecimentos evocados e, portanto, a

forma de diário não seria a mais adequada para registrá-los.

Ao lerem os documentos escritos por Judit e Kati, tanto Natàlia quanto Norma

podem se compreender melhor através das semelhanças e diferenças que vão sendo

apontadas; os conflitos pessoais são, aos poucos, solucionados como se um emaranhado de

linha fosse se desenrolando.

Devido ao contexto no qual estão inseridos os personagens do primeiro núcleo

narrativo, aqueles trazidos à cena pela rememoração, a presença do trauma é facilmente

perceptível em suas vidas. Sendo que esse trauma gira em torno da vida de todos daquele

momento histórico. A s personagens não vivem sozinhas essas experiências traumáticas,

suas inseguranças e medos são cúmplices de outras que vivem sob as mesmas condições.

Olmi (2006, p. 39), a esse respeito, afirma que:

A partir do processo de desenvolvimento e cultivo da memória, torna-se

relevante refletir sobre a dimensão da escrita autobiográfica como forma de

trauma ou testemunho, tanto pessoal quanto social e cultural, buscando

acionar uma análise que permita captar, na narrativa auto-referencial, o

resgate e a redefinição de histórias que assinalam momentos que precisam

ser narrados para que não se perca a memória de eventos marcantes

que deixaram rastros indeléveis nos narradores e que envolvem toda uma

sociedade na qual esses eventos tiveram lugar e, em alguns casos, envolvem

a própria humanidade como um todo.

As mudanças de conduta dos personagens são nitidamente percebidas após as

experiências traumáticas, como verificamos na passagem abaixo, quando Natàlia observa a

diferença entre sua mãe antes da guerra e sua mãe depois da guerra.

Estos papeles me han hecho comprender que mi madre de la posguerra no

tenía nada que ver con Judit de los años anteriores. Creo que mi madre

después de la guerra no vivía de una manera paralela al tiempo y al espacio

que biológicamente le correspondían. Todo esto me ha hecho pensar que

vamos haciendo a los demás la relación que con ellos mantenemos (ROIG,

2006, p. 49-50)

Somente através da retomada desse passado é que Natàlia pode chegar a essa

conclusão, confirmando o que temos discutido sobre a importância da rememoração para o

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processo de compreensão do passado e do presente. É através dela que o passado pode ser

retomado e revivido pelas personagens, com o intuito de auxiliar a cada uma no processo de

auto-compreensão e de compreensão dos outros.

Podemos verificar que utilizam os recursos artísticos da profissão que conhecem para

representar experiências ou impressões acerca de acontecimentos passados ou para evadir o

presente. Natália faz do seu trabalho de fotógrafa um meio através do qual reflete sobre o

mundo exterior, Judit escrevia seus diários e tocava piano, Kati escrevia as cartas para

Patrick, Àgnes começava a escrever dezenas de cartas para Jordi, apesar de nunca concluía-

las, e Norma, no processo de escrita de textos literários, compromete-se com as memórias de

um passado que não pode ser esquecido.

Em relação aos apontamentos de Judit, alguns apresentam características próprias do

diário, como a presença de uma data e um narrador em primeira pessoa sobre acontecimentos

do dia-a-dia. Maciel aponta alguns elementos fundamentais para a estrutura do gênero diário,

segundo ela:

Um diário é uma crônica cotidiana de uma experiência pessoal e quem

escreve (e se inscreve) interessa-se por anotar pequenas coisas do dia-a-dia

ao lado das grandes dúvidas e indagações humanas. [...]. Três elementos são

fundamentais nesta composição: o narrador escreve em primeira pessoa,

sobre si e sobre a realidade diária, não tendo acesso ao futuro e mantendo

uma periodicidade, ainda que variável (MACIEL, 2002, p. 58).

As anotações de Judit em primeira pessoa seguem certa periodicidade, como se

verifica em relação à disposição das datas. O primeiro registro consta de “20 de septiembre de

1942” e o último de “1 de noviembre de 1950”. No entanto, apresentam-se com um intervalo

consideravelmente distante um do outro. A respeito do tempo, Blanchot (1996, p. 46) afirma

que o diário “debe respetar el calendario. Este es el pacto que sella”. Apesar de ser

desconhecida a existência de outras anotações de Judit, não se pode descartar a possibilidade

de que tenham existido e que se perderam ao longo do tempo, já que, eram feitas em papéis

dispersos e não em um livro ou caderno próprio para esse fim, como se verifica na fala de

Norma ao se referir a eles como “papeles dispersos”, o que remete à pouca importância dada a

essas fontes de memórias e de história recente. Esse é outro recurso utilizado por Roig para

construir sua narrativa, deixando mais uma possibilidade de leitura e de imaginação para o

leitor. Contudo, essas anotações apresentam algumas das características de um diário como a

introspecção, a escrita solitária e sem finalidade de publicação e o tratamento dispensado a

este por parte de Judit como seu amigo confidente.

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Segundo Olmi (2006, p. 14), o autor de narrativas em primeira pessoa escreve dessa

maneira:

Para aumentar a própria auto-estima, mas acima de tudo, para cuidar de si,

para construir e acompanhar o desenvolvimento e as mudanças da própria

identidade, utiliza-se a página escrita (de um diário, de um memorial, de

uma carta, etc), e isso leva o ser humano a conhecer-se melhor. Além do

mais, já se sabe cientificamente que escrever a própria história, exercitando-

se diariamente, fazer um balanço de certas passagens e de certas fases de

existência, educa ao desenvolvimento do mundo interior: estimula a

recordar, a concentrar-se, a raciocinar, a partir de si mesmo, a apreciar a

solidão e a meditação.

Escrever sobre si é encontrar-se consigo mesmo, é permitir uma auto-reflexão sobre o

mundo no qual se está inserido, no caso dos personagens de Roig, ele só poderiam refletir

sobre o mundo das sequelas deixadas pela guerra narrando em primeira pessoa.

Há que lembrar que o instinto narrativo sempre acompanhou o homem, apesar de se

falar do fim da narrativa oral, conforme discutido por Walter Benjamin (1994d), outras

formas de narrar permanecem ou são criadas para suprir essa necessidade do ser humano,

pois, através delas é que se atribui significados à vida e aos acontecimentos quotidianos.

Portanto, “escrever nossa história é uma maneira de conhecer-se melhor, definir melhor os

problemas, ver nossa vida numa nova luz” (OLMI, 2006, p. 24).

Conforme Blanchot (1996, p. 48), uma das exigências do diário é a sinceridade:

Nadie debe ser más sincero que el autor de diario, y la sinceridad es esa

transparencia que le permite no echar sombra sobre la limitada existencia

de cada día a la cual se reduce su afán de escribir. Hay que ser superficial

para no faltar a la sinceridad, gran virtud que también exige valor.

De certa maneira, anotar alguns fatos vivenciados era uma forma de Judit registrar

informações, experiências, sonhos, desejos que somente ela conhecia. Nas suas anotações

encontram-se as questões mais íntimas de sua vida, mas como não há um método de falar de

si que não seja também falar do outro e do mundo que o rodeia, uma vez que “a rememoração

pessoal está situada na encruzilhada das redes de solidariedade múltiplas em que estamos

envolvidos” (DUVIGNAUD, 2006, p. 12. In: HALBWACHS, 2006, p. 12), encontraremos

alusões a outros. Seus apontamentos carregam informações sobre os conflitos familiares,

pessoais, psicológicos e políticos que tomavam conta da vida dos espanhóis desde o início da

década de 1930, passando pelos anos de guerra e se estendendo para o período do pós-guerra,

como os bombardeios na cidade de Barcelona, a situação dos campos de concentração, entre

outros problemas. Estes documentos servem à Norma como fontes de informação de um

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passado que lhe interessava, pois, trabalhava com memórias, tanto na sua produção artística

quanto jornalística, e a ajudavam a denunciar os problemas sociais.

A turbação que ronda a vida da personagem Norma e que a deixa em dessossego por

ter que trabalhar com as memórias de Judit e Kati deve-se a que essas lembranças das

anotações lhe ferem diretamente provocando-lhe aflição.

Em relação à multiplicidade de temas abordados nos “documentos familiares”,

destacaremos alguns. Nas anotações de “20 de septiembre de 1942”, Judit escreve sobre a

expectativa de ver seu esposo libertado do campo de concentração:

Me lo han dicho, por fin, mañana liberarán a Joan. Casi cuatro años en el

campo, tres años y diez meses. Me encuentro fatigada, y no sé si nuestro

cuerpo se habrá convertido en un enemigo (ROIG, 2000, p. 148).

Essa informação possibilita constatar que sua prisão aconteceu em dezembro de

1939. Exatamente neste ano o povoado de Betanzos, na província de La Coruña, havia se

montado um campo de concentração para presos republicanos, local onde Joan ficara

preso, conforme informado nos apontamentos de “5 de Julio de 1943”: “Contra Joan, que

vino hecho uma piltrafa del campo de Betanzos [...]” (ROIG, 2000, p. 149). O atributivo

“piltrafa” retrata a condição desumana na qual Joan havia retornado do campo de

concentração. O primeiro fragmento textual, que data o ano de “1958”, narrado em terceira

pessoa, também comenta sobre as condições de Joan ao retornar para casa, conforme o

narrador:

Cuando Joan regresó del campo de concentración, ahora haría dieciséis

años, hecho un guiñapo y con miedo muy hondo en los ojos, Judit le

abrazó y él se dejó querer. Joan lloró un largo rato (ROIG, 2000, p. 148).

Após tanto sofrimento, Joan desejava vingar-se a todo custo como registra Judit em

“5 de julio de 1943”: “[...] y que sólo me decía: tú no sabes cómo era aquello… Pero me

vengaré, decía: vaya si me vengaré […]” (ROIG, 2000, p. 149). Joan não sabia o paradeiro

de seus amigos e companheiros republicanos, pois fora submetido a vários vexámenes

enquanto estivera preso, por isso, não conseguia mais amar o seu próprio país, e Judit era

uma judia que não se sentia em casa: “Este país no es mío y a Joan no le quedan fuerzas

para amarlo. Sólo eso de la venganza. Todos sus amigos han desaparecido. Y yo, sin Kati.

Me siento vacía” (ROIG, 2000, p. 150). Assim como Joan perdera os amigos, Judit havia

perdido sua única amiga, Kati. O “vazio” está metaforizando a morte que pairava sobre

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aquela Espanha, representando a ausência, o lugar deixado por alguém que nunca mais

regressaria.

Sobre as metáforas, Aristóteles as define como “a transferência dum nome alheio do

gênero para a espécie, da espécie para o gênero, duma espécie para outra, ou por via de

analogia” (2002, p. 45). Dentre essas definições é conveniente nos determos em dois termos

“nome alheio” e “transferência”, pois, o que ocorre, comumente, em uma metáfora é a

transferência das conotações de uma palavra em seu contexto normal para outro contexto. Em

La hora violeta Roig cria algumas metáforas que representam a densidade e a extensão do

sofrimento de um período marcado pela destruição dos espanhóis.

O romance também é rico em metonímias o que leva Szurmuk (2002, p. 168) a afirmar

que as relações de dominação existente no romance remetem à dor coletiva e devem ser lidas

como tais. O próprio ponto de vista do qual o romance é narrado é uma metonímia, já que

conta as histórias a partir do lugar das mulheres, sendo esta uma dentre outras possibilidades

de escrever sobre a sociedade barcelonesa, como as próprias personagens observam, quando

se referem à “Grande História” ou à “história dos homens”.

Vejamos , por exemplo, que após o regresso de Joan do campo de concentração,

Judit gera uma criança mongólica. Seu nascimento foi registrado três dias depois, na data

de “9 de Julio de 1943”. Podemos entender que Pere é uma aberração da guerra, outra

metonímia da pulsão dolorosa da coletividade. Segundo D’Onofrio (2007, p. 221), a

metonímia é uma “‘transnominação’: um objeto é designado por outro objeto que tem com

o primeiro uma relação de causa e efeito ou de continente e conteúdo ou de produtor e

produto”. Ao denominarmos Pere como metonímia da guerra, estamos tratando-o como o

resultado da aberração da violência e o efeito de deformação gerado por ela, ou também

como uma parte que representa o todo, no caso, a exacerbação do conflito.

A dor do parto já diferenciava essa criança dos outros filhos de Judit: “Los dolores

fueron más fuertes que nunca, como si los tuviera en el cerebro, como si dentro de mí se

hubiera producido una explosión […]” (ROIG, 2000, P. 150). Quando a criança nasceu

alguém disse: “El niño duerme”, pois a criança havia nascido sem forças para viver. O

menino passou a ser o motivo de espanto e de comentários entre todos da família, o que

incomodava profundamente a Judit que expressava sua revolta em suas anotações: “Creen

que soy estúpida porque no hablo” (ROIG, 2000, p. 151). Os comentários reforçam a

dúvida da normalidade do menino recém nascido e reafirmam tratar-se de uma

consequência infernal da guerra.

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Nos apontamentos que datam “30 de Julio” e “10 de agosto” Judit conta sobre as

consultas aos médicos e a descoberta de que Pere era mongólico. Um dos médicos lhe disse

que essas crianças gostavam de doce e de música e que Pere seria “el payasito de sus

hermanos”. Isto foi o que mais a desagradou, mais ainda do que saber que ele morreria aos

sete ou oito anos de idade: “Pero lo que más me ha dolido es eso del payasito de la família”

(ROIG, 2000, p. 152).

Pere, como um filho direto da guerra, foi gerado após o retorno de Joan do campo de

concentração e seu estado físico e mental é o retrato da situação caótica de seu país. Essa

criança representa toda a fragmentação e a miséria pela qual passavam os espanhóis durante

os anos de guerra e do pós-guerra, além da repressão e perseguição política a qual foram todos

submetidos. Judit relata em “8 de febrero de 1945”: “Es un hijo de la guerra, mi pequeño

Pere” (ROIG, 2000, p. 152). A criança ganha diversos adjetivos no ambiente familiar, como

por exemplo: “perrito” (p. 153) e “desgracia de criatura” (p. 167).

Quando Pere nasceu Judit já não tinha mais ao seu lado a amiga Kati que havia

cometido suicídio ao descobrir que Patrick, o irlandês casado por quem se apaixonara pela

primeira vez em sua vida, havia morrido na batalha do Ebro. De acordo com Salvadó (2008,

p. 219), “a batalha de Ebro foi a mais longa e sangrenta de toda a guerra – quatro meses de

constante massacre no qual posições eram tomadas e retomadas muitas vezes”. Em uma das

visitas que Patrick fizera à Kati lhe conta que: “- Allá, los combates son terribles -. Los

fascistas avanzan, avanzan. Hemos perdido muchas posiciones” (ROIG, 2000, p. 199).

Judit tocava piano para Pere enquanto recordava da sua amizade com Kati. Em “10 de

agosto de 1946”, ao escrever sobre os acontecimentos de seu dia transporta-se ao passado e

suas narrativas são invadidas pela memória de um tempo remoto, atemporal:

Interpreto para él las sonatas de Chopin. Mueve el cuerpo hacia delante y

hacia atrás, su cuerpo se mece con la música. Toco para él. Hoy he pensado

en Kati más que nunca, cuando me decía que tenía que crear alguna cosa

nueva. Recuerdo aquel atardecer en que veníamos de las Colinas, muertas de

cansancio. Barcelona olía a piel de naranja. Nos sentamos un rato en el

jardín de tía Patrícia, debajo del limonero. Yo tenía el corazón encogido

porque en las Colinas había visto un niño que no tenía sexo. Kati me

comentó: entre tanta guerra y tanta suciedad, aún es posible pensar en la

belleza (ROIG, 2000, p. 146).

A criança sem sexo que Judit recorda é outro resultado metonímico da guerra e

poderia aludir ao sofrimento que extrapola os limites imaginados pelo homem, conforme

relata Kati na carta que escrevera para Patrick em “27 de octubre de 1938”:

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[...] Sí Patrick, aquel niño no tenía sexo. Era hijo de la miseria de las cuencas

mineras y nadie, hasta ahora, se había preocupado de él. Ya ves: incluso

entre los niños de la guerra los hay que son más desgraciados que los

demás… (ROIG, 2000, p. 198).

Judit e Kati ficaram abaladas pela situação dessa criança e perceberam que no meio de

tanto turbilhão existiam níveis de sofrimento e que algumas pessoas sofriam mais que outras.

Em 1938, em pleno auge da Guerra Civil, Kati escreve na referida carta sobre os

bombardeios:

Patríck: te escribo a la luz de una lámpara de benzol, nos han cortado la

corriente eléctrica. Están bombardeando de nuevo. Es medianoche. Los

niños duermen, cuesta mucho hacerles olvidar todos los horrores que han

visto. Lo llevan en los ojos[…] (ROIG, 2000, p. 197).

A angústia e aflição desses personagens são visíveis e são expressas pelo olhar que

falava aquilo que a boca não podia pronunciar devido à censura. Na data de “5 de febrero de

1945” Judit revela seu amor incondicional de mãe, assim como o sofrimento que lhe

acompanhava: “[...] Yo no lloro, a mi no verán llorar.[...]. Todas piensan que es mucho mejor

que se muera. Tiene que vivir, quiero que viva. […]” (ROIG, 2000, p. 152). Em “15 de

febrero de 1947”, Judit confessa que: “ Sí, Pere me ayuda a vivir. Y estas notas. Cuando

escribo me siento tan libre como cuando me pongo delante del piano” (ROIG, 2000, p. 154).

De acordo com Blanchot (1996, p. 50), “Cada día nos dice algo. Cada día anotado es

un día preservado. Doble operación ventajosa. Así se vive dos veces”. Através das

anotações, Judit consegue fixar os instantes de relacionamento com seu filho Pere. Apesar de

saber que ele logo se ausentaria, essa era uma forma de intensificar e de apreender os

momentos que se esvaiam ao seu lado. Por isso, o autor de um diário, escreve com a

“ambición de eternizar los momentos sublimes e incluso de hacer con la vida entera un

bloque sólido que pueda guardarse junto a sí, […]” (BLANCHOT, 1996, p. 51). Aquelas

anotações eram para Judit uma forma de eternizar os momentos que passava ao lado do filho.

Natàlia, no entanto, comportava-se como se aquele mundo não lhe pertencesse. Ela

não queria ser como sua mãe, não queria dedicar-se à maternidade e, por isso, quando se

tornou independente optou por esterilizar-se e Jordi, seu amante, apoiou-lhe. Após a cirurgia

para se esterilizar, confessa seu estado de felicidade: “[...] tenía el cuerpo médio paralizado,

pero no me importaba, por fin era como un hombre, como un hombre, como un hombre”

(ROIG, 2000, p. 131). Podemos entender que esse sentimento de felicidade nos traslada ao

lado oposto da felicidade, pois Natalia não quer gerar um filho como seu irmão Pere. Negar-se

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à maternidade era negar a multiplicação da espécie de crianças mongólicas, resultado

humilhante do desamor que a guerra provoca.

Na opinião de Tía Patricia, Natàlia se parecia à Kati, apesar de não terem nenhum

parentesco, como relatado em suas recordações (ROIG, 2000, p. 169). Natàlia nasceu em

março de 1938, dia que Patricia recorda muito bem “pues era el mes de las bombas fuertes, las

bombas que hicieron tanto daño a la ciudad” (ROIG, 2000, p. 173). As explosões deixaram

resquícios na vida adulta de Natàlia, que vive perturbada por seus sentimentos e conflitos, em

relação ao seu papel de mulher, de profissional e de amante. Apesar de tentar demonstrar que

conseguia enfrentar todos esses problemas, na verdade vive em um mar de incertezas,

arrependimentos e dúvidas.

Os filhos de Judit eram todos marcados pela guerra, Lluís “era hijo directo del

fascismo” (ROIG, 2000, p. 52), Natàlia nasce durante a Guerra Civil e Pere, nasce em 1943,

quando a Segunda Guerra Mundial caminha para o fim. Portanto, de alguma forma, todos

levam consigo sequelas, quando não físicas, psicológicas.

Ainda nos documentos familiares, o leitor passa a conhecer um pouco da história de

Lluís. Ele se casou com Silvia Claret, uma moça criada conforme os costumes patriarcais,

para ser feliz, que abandonara o sonho de ser bailarina para se casar com o filho de Judit, a

qual se sentia incomodada pela atitude da nora, pois ela “abandonaba lo que Judit más queria:

el arte. Lo había dejado por un hombre, el hijo que Judit detestaba en su interior” (ROIG,

2000, p. 159). Judit também teve que abandonar a carreira de música, como recorda Tía

Patricia. Uma doença que tivera na juventude a deixou paralisada e seus familiares diziam que

ela deveria escolher entre o casamento e o piano, pois não suportaria as duas coisas. Nesses

comentários familiares está implícito o discurso patriarcal de que mulher deve dedicar-se ao

matrimônio e à maternidade.

Segundo Patrícia, Judit tinha uma beleza rara, era “la más bonita de todas” (ROIG,

2000, p. 163). Para Esteves, marido de Patricia, Judit “no estaba hecha para vivir en

Barcelona, si acaso en Hamburgo, en Viena, en Milán… hecha para llevar corona” (ROIG,

2000, p. 163). Apesar da beleza, Judit tinha uma tristeza profunda impressa no seu rosto,

somente quando estava perto de Kati expressava outro semblante:

Judit tenía la mirada triste, muy triste, pocas veces se reía. Sólo cuando se

sentaba ella y Kati en el jardín de casa, a la sombra del limonero, entonces sí

que se reían las dos, y eso que había guerra y todo el mundo estaba muerto

de miedo (ROIG, 2000, p. 164).

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Ao lado de Kati, Judit encontrava alguns momentos de felicidade, mesmo sabendo que

a guerra continuava e ser uma estratégia de luta contra a vida, esta tenta resistir, por isso é que

é possível pensar em “beleza”, como diz Kati, no amor ou na alegria, pois ainda que sejam

sentimentos passageiros, são formas de preservação da vida.

Por mais sofrido que tenham sido os anos da guerra, Judit sente falta deles, porque foi

durante esse período que foram construídos os laços de amizade entre ela e Kati. Agora se

contenta em recordá-la escrevendo sobre ela: “Añoro los dias de la guerra pasados juntos a

Kati. No sé por qué pienso que fui tan feliz durante la guerra” (ROIG, 2000, p. 156).

As amigas são cúmplices, uma dos sentimentos e anseios da outra, se compreendiam

ainda que a palavra estivesse ausente, como observara Judit: “Ella entendía lo que yo quería

decir cuando hablaba de lo que pretendia describir sin tener que interpretar” (ROIG, 2000, p.

160). Embora não esteja explícito, há no romance algumas indicações como esta que conduz o

leitor a pensar que houve entre elas uma relação amorosa. Inclusive, a presença de Kati na

vida de Judit dura exatamente o período em que Joan esteve preso no campo de concentração,

como se Kati substituísse a presença do seu esposo. Era para a amiga e para o filho Pere que

gostava de tocar piano; após a morte de Pere escreve: “Nunca más volveré a tocar el piano,

nunca más” (ROIG, 2000, p. 159). Ao confessar que “... se acabó, se acabó todo. Pere ha

muerto, Kati también” (ROIG, 2000, p. 160), podemos perceber que a vida de Judit se

resumia na convivência com essas duas pessoas, como se os demais membros familiares

fossem apenas coadjuvantes na história de sua vida.

Tía Patricia lembra que, depois da guerra, Judit estava presente somente com o corpo

físico, “Tenía en los ojos una melancolía [...]” (ROIG, 2000, p. 167) porque refletiam a dor e

a angústia de sua alma vazia, devido a todos os problemas que havia presenciado.

Não foram somente os olhos de Judit que mudaram após a guerra, como lembra

Patricia: “... después de la guerra había adelgazado mucho. Se le acentuó el color ciruela de

las mejillas, y la piel le encogió como un pergamino, y los huecos le chuparon la cara”

(ROIG, 2000, p. 168).

Barcelona também sentiu as transformações provindas da guerra. No dia “30 de marzo

de 1947”, Judit escreve que, ao ter de voltar da missa porque estava sem meias, resultado das

exigências da ditadura franquista para as mulheres, ela observa a cidade e percebe que “Esta

ciudad está muerta, no hay más que quietud. Las mujeres se han vuelto lloronas. Los hombres

vulgares” (ROIG, 2000, p. 156). E ainda Patricia, em suas recordações, em “1964”, observa

que: “[...] antes de la guerra la vida era otra cosa. Después, todo el mundo parecía

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desquiciado, no estar en sus cabales” (ROIG, 2000, p. 172) e “Era como si los hombres

estuviesen todavía más chalados que antes […]” (ROIG, 2000, p. 173).

A leitura desses apontamentos permite perceber novamente as referências aos

momentos marcantes nas vidas dessas personagens, não somente para elas, mas para toda a

sociedade espanhola e, portanto, barcelonesa, incluindo Norma, nossa escritora. Há

informações, por exemplo, sobre os conflitos políticos existentes na Espanha daquela época,

como podemos perceber no fragmento abaixo:

Era una tarde del mes de septiembre de1936, [...]. Al principio, hubo

algunas batallas en la ciudad, entre obreros y militares sublevados, pero

hacía días que reinaba la calma. La radio decía que, por el momento, la

insurrección de los generales traidores habían sido sofocada [...] (ROIG,

2000, p. 183).

Nas conversas com Judit, Kati fala sobre o apoio dos italianos e alemães às tropas

franquistas: “Pues que va a durar, vaya si va a durar. Los discursos de los generales dan

escalofríos, quieren salvar a España, dicen, y los italianos y alemanes les ayudarán. Todo está

patas arriba” (ROIG, 2000, p. 184). Acontecimentos que remetem a recordações de Tía

Patricia também, ao evocar os encontros com Kati em Núria, lembra que eles aconteciam

quando “se acercaba la República” (ROIG, 2000, p. 175).

Judit e Kati se tornaram tão amigas que, devido às diferenças entre elas, as outras

mulheres não o podiam compreender. Mas, foi a guerra que as aproximou, como recorda

Patricia:

Me parece que fue la guerra, cuando Kati donó todos sus chalets para las

colinas infantiles y dejó a la pandilla de amigos que tenía antes, algunos se

escondieron y otros se fueron a Burgos. Judit iba todo el día con Kati, arriba

y abajo, como si las dos se hubiesen vuelto locas. Me decía: si no fuera por

el embarazo, me habría ido al frente (ROIG, 2000, p. 177).

Elas conversavam sobre os movimentos da guerra e sobre o desejo de Joan em se

alistar para lutar, como muitos de seus amigos que se alistavam voluntariamente para

combaterem nos conflitos da Guerra Civil Espanhola. Angustiada, Judit compartilha com a

amiga a preocupação em relação ao alistamento de Joan:

Pero Joan irá al frente. _ Judit cerró los ojos _. Mi padre no olvidó nunca la

guerra del catorce. Sus mejores amigos murieron en ella y él quedo

marcado para siempre por culpa del gas (ROIG, 2000, p. 185).

Era como se as gerações estivessem marcadas para sofrer com a guerra, assim fora

com o pai de Judit na Primeira Guerra Mundial, em 1914, agora, em 1936, com o marido

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na Guerra Civil Espanhola. A guerra não lhe era coisa alheia, mais bem a acompanhava há

tempo. Kati acreditava que, com a vitória dos Republicanos e Comunistas, as coisas

poderiam mudar para as mulheres:

Kati hacía lo que quería, y también lo hizo durante la guerra, la más

optimista de todas, segura de que, si ganaban los rojos, las mujeres

vivirían de otro modo. La guerra es de todos, nos repetía, no solamente es

cosa de los hombres (ROIG, 2000, p. 176).

Também falava do seu desejo pela transformação da sociedade na carta que escreve

para Patrick:

No, tenemos que ganar, Patrick, tenemos que ganar para que las cosas no

sean como han sido hasta ahora. Cuando todo se acabe, tendremos mucho

trabajo, pero será diferente, porque reconstruiremos la vida tal como

queremos que sea (ROIG, 2000, p. 198).

A ânsia de Kati por uma sociedade diferente, principalmente no que dizia respeito às

mulheres, representa a mesma luta na qual Natàlia e Norma estavam envolvidas ao

participarem das reuniões feministas e ao discutirem e lutarem pela igualdade de direitos entre

os sexos.

Kati sabia que as mulheres não poderiam participar da guerra como os homens e dizia

a Judit: “Me gustaría hacer algo, pero no sé qué” (ROIG, 2000, p. 185). Judit e Kati

representavam duas formas distintas de ver o mundo das mulheres, Judit era casada, amava a

Joan, cuidava de sua casa, tinha filhos; Kati era uma mulher livre, já havia dormido com

vários homens e não havia amado a nenhum, até conhecer o irlandês Patrick. Nota-se, na

passagem que segue, essa busca pela liberdade, tão almejada por Kati, “_ Pues a mí no _ dijo

Kati _. Me entusiasma todo lo que es nuevo. Las máquinas, los coches, la velocidad. ¿sabes lo

que más me gustaria en este mundo?. _ ¿Qué? _ Pues ¡pilotar un avión!” (ROIG, 2000, p.

186).

A amizade entre Norma e Natàlia é semelhante, pois elas também são duas mulheres

que encaram o mundo de maneiras diferentes. Natàlia, assim como Kati, nega qualquer

dependência do sexo masculino, quer ser livre e acredita em uma liberdade a partir do ponto

de vista masculino, pois, aos homens era permitido vivê-la. Norma permeia ambos os

espaços, aquele exclusivamente feminino, como o da maternidade, e o socialmente designado

ao homem, como o espaço público. Através de seu trabalho como jornalista viaja e extrapola

os limites domésticos. Esse comportamento de Norma gera inveja em Natàlia, pois esta havia

renunciado a várias coisas, como a maternidade, em prol de sua aparente sonhada liberdade. O

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reconhecimento por parte de Natàlia pode ser observado, por exemplo, no fragmento que

segue:

Sí tengo envidia de Norma. Como la gran sacerdotisa de la ópera de Bellini,

Norma no quiere renunciar a nada. Ni al mundo de los hombres ni a ser

plenamente mujer […] Quiere vivir el amor de amante y de madre de una

manera absoluta, quiere ser un artista (ROIG, 2000, p. 72).

No entanto, nenhuma mulher é completamente livre. Existem várias amarras que as

detém ou várias barreiras que ainda precisam ultrapassar para alcançarem essa tão almejada

liberdade pois, ao negarem a dependência em relação aos homens, elas, assim como as outras

mulheres do romance estão presas a relacionamentos amorosos que lhes causam frustrações.

Ao se deparar com tantas informações, Norma se sente confusa, não por desconhecer

os assuntos, mas exatamente pelo contrário, por se identificar com eles, como havia percebido

Natàlia:

La vida, simplemente, se repite en nosotros mismos y en los demás. Y

siempre creemos que somos los primeros en experimentarla. Por eso le he

pedido a Norma que escriba algo sobre Judit y Kati. Sin embargo, no le diré

nada de mi vida. Eso no. Siempre pienso que los “temas” son las otras vidas,

no la propia (ROIG, 2000, p. 64).

Sem perceber, Natàlia acaba se contradizendo, pois mesmo que não revele sua vida à

Norma, de alguma forma ela está posta através da narrativa de Kati e de Judit, e foi

exatamente essa identificação que lhe provocou o interesse por essas histórias.

Esses apontamentos familiares possibilitam à Norma uma reelaboração do passado. No

entanto, faltam algumas informações, pois muita coisa ficara no esquecimento. O que Norma

vai fazer é escrever uma nova história, dará uma nova roupagem às memórias daquelas

mulheres. Natàlia estava consciente de que a amiga precisaria usar a imaginação para escrever:

Ésta es la obsesión de Norma, organizar los recuerdos, las opiniones, los

hechos, dentro de la estructura de la palabra. He desafiado a Norma al

enviarle los papeles de mi madre y de Kati. A o mejor está ahora en algún sitio

intentando escribir la historia de dos mujeres tan diferentes como mamá y

Kati. Y la de un amor tan sólido y efímero como el de Kati y Patrick. Pero me

parece que Norma no tiene todas las piezas del rompecabezas. Me siento

incómoda, creo que la he engañado. Le he dado algunos datos, pero quizá no

se lo he dicho todo. Y es que quiero que haga de cronista, no de escritora.

Quiero la imaginación para mí sola, que muera en mí. El orden de la

imaginación se sale de todos los datos, de todos los hechos. Ésta es la

venganza de la literatura contra la Historia (ROIG, 2000, p. 140-1).

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Com as “peças” que recebera de Natàlia e com a imaginação, Norma escreve o romance

sobre Judit e Kati. Seu trabalho é semelhante ao de montar um quebra-cabeça que além de faltar

peças, algumas se encaixam em diversos lugares, pois as vivências de alguns personagens são

experiências para os demais.

3.2. A inquietação da representação literária em La hora violeta

Na obra La hora violeta, a personagem Norma desempenha o papel de testemunha de

sua sociedade, pois é através de sua voz que as histórias dos silêncios conseguem ser

construídas e, logo, escutadas. Nesse sentido, tratamos por testemunha não o sobrevivente de

um evento catastrófico que narra sua experiência, mas também aquele que está disposto a ouvir

e a repassar as experiências, como afirma Gagnebin (2006, p. 57):

Testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a

narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante,

como num revezamento, a história do outro.

A voz testemunhal de Norma se faz ouvir através de uma recriação do passado, pois

este não pode ser retomado exatamente como ocorreu. De acordo com Todorov (2002, p.

144), sobre a “construção de sentido”, uma das etapas necessárias para reviver o passado no

presente é ter claro que as verdades não se referem exatamente ao que ocorreu, “verdade de

adequação”, mas se trata de uma “verdade de elucidação” que apreende o sentido de um

acontecimento.

Dupláa (1996) atribui às produções de Roig o caráter de testemunho, sem relacioná-las

ao conceito de “verdade”. Essa estudiosa da produção roigueana atribui esse estilo às suas

obras exatamente pelo fato de a autora não ser uma verdadeira testemunha da Guerra Civil, o

que lhe concede a capacidade de narrar sobre o assunto. Em relação a este aspecto, Dupláa

(1996, p. 31) tem a seguinte opinião:

En este ‘arte’ se halla el grado de fantasía del autor o autora del texto; es

decir, el factor novelable del discurso testimonial no está en manos del

testimonio, pues éste es el referente histórico, sino en la capacidad literaria

de quien escribe el discurso.

Esse fator “novelable” é o mesmo que Seligmann-Silva (2000, p. 94) observa em

relação às produções daqueles que não são verdadeiros sobreviventes de catástrofes, mas que

conseguem representar, às vezes, melhor do que o verdadeiro sobrevivente que se depara com

inúmeros conflitos.

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Norma é consciente de que os pensamentos não representam a “realidade” tal como é,

como observa uma narradora: “[...] se daba cuenta de que las cosas no son como las tejemos

en el pensamiento” (ROIG, 2000, p. 234). Por isso, o “manuscrito” sobre a história de Kati e

Judit jamais seria a “realidade”, mas uma representação acrescentada da imaginação e desejos

da própria escritora. O que significa dizer que as fronteiras entre história, memória e ficção

são tênues, formando uma mistura homogênea ao ponto de não poderem mais se separar. Por

isso que para escrever as histórias dessas mulheres, “Había que imaginar; la imaginación es

una buena aliada del recuerdo” (ROIG, 2000, p. 293).

Apesar de não demonstrar interesse pelas histórias dessas mulheres, Norma acaba

tomando a atitude de escrever sobre elas; sem saber, exatamente, o motivo, as verdadeiras

razões, algo lhe impulsiona para a escrita mesmo que inconscientemente pulsassem as

verdadeiras razões:

No sé si fue por la carta de Natàlia, o por los papeles de Judit y Kati, o tal

vez por el vacío que me dejó la separación de Ferran, pero lo cierto es que

decidí escribir alguna cosa – no sabia qué – sobre Judit y Kati (ROIG, 2000,

p. 44-5).

Igualmente Primo Levi, quando estava no campo de Auschwitz, sentia uma obrigação

moral e um desejo por narrar e testemunhar sua experiência que o impulsionava a lutar para

manter a vida “[...] até num lugar como este, pode-se sobreviver, para relatar a verdade, para

dar nosso depoimento” (LEVI, 1988, p. 39). Norma não é uma sobrevivente direta do campo

de concentração, mas uma sobrevivente direta dos conflitos políticos e, por isso, algo a impele

para o mundo dessas duas mulheres que sofreram direta e indiretamente, e todos os conflitos

posteriores que lhe despertam outros sentimentos. Ela se submete a uma espécie de auto-

análise, pois, para compreender o outro, ela precisa compreender a si mesma.

Todorov (2002, p. 219) observa que, para preservar a vida, “nós escolhemos o objeto

de nossa compaixão ao sabor das circunstâncias deplorando uns, esquecendo outros”. Na

perspectiva desse pensamento, Norma não se envolve com essas histórias por acaso, mas

porque elas se atraem como duas partes de um imã.

Para Seligmann-Silva (2000, p. 89-90) “a passagem do “literal” para o “figurativo” é

terapêutica”, nesse sentido, o testemunho adquire “uma forma de esquecimento, uma “fuga

para frente”, em direção à palavra e um mergulhar na linguagem”, ou seja, uma “libertação da

cena traumática”. Ele fala acerca de uma “ferida na memória” referindo-se à teoria freudiana

do trauma que o define como uma incapacidade de recepção de um evento que transborda “os

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limites de nossa percepção” e que acarreta em uma “compulsão à repetição” (SELIGMANN-

SILVA, 2000, p. 84).

No texto “Recordar, repetir e elaborar”, Freud (1914) apresenta uma importante

reflexão sobre o processo de cura através do papel do analista ao descobrir, para o paciente,

suas resistências que lhe são desconhecidas. Mediante um processo psicanalítico, este

consegue relatar as situações e os nexos esquecidos. Esse fenômeno ocorre porque

[...] o analisando não recorda absolutamente o que foi esquecido e reprimido,

mas sim o atua. Ele não o reproduz como lembrança, mas como ato, ele o

repete, naturalmente, sem saber que o faz (FREUD, 2010, p. 199-200).

Portanto, a “compulsão de repetir”, demonstrada pelo analisando, substitui o impulso à

recordação. Segundo o psicanalista, “a participação da resistência não é difícil de

reconhecer. Quanto maior a resistência tanto mais o recordar será substituído pelo atuar

(repetir)”. Dessa forma, põe a repetição ao lado da resistência, pois o “recordar ideal do que

foi esquecido corresponde, na hipnose, a um estado em que a resistência foi totalmente

afastada” (FREUD, 2010, p. 201). Nesse sentido, ao negar a tarefa de reescrever as histórias,

Norma está criando uma resistência à repetição dos eventos traumáticos que a aprisionam.

Para Freud (2010, p. 202) o analisando, ao vivenciar sua doença “não como assunto

histórico, mas como um poder atual” possibilita o trabalho terapêutico, que “em boa parte

consiste na recondução ao passado”. No entanto, surge o problema, inevitável, no qual o

paciente passa a “piorar durante a terapia”.

Ele tem de conquistar a coragem de dirigir sua atenção para os fenômenos de

sua doença. A própria doença não deve mais ser algo desprezível para ele,

mas sim tornar-se um digno adversário, uma parcela do seu ser

fundamentada em bons motivos, de que cabe extrair algo valioso para sua

vida futura. A reconciliação com o reprimido que se manifesta nos sintomas

é assim preparada desde o início, mas também se admite uma certa

tolerância para o estado enfermo (FREUD, 2010, p. 203).

O avanço do tratamento se dá quando o paciente substitui a “neurose ordinária” por

uma “neurose de transferência” da qual pode ser curado através do trabalho terapêutico. O

paciente supera as resistências quando o médico as desvela e ele tem tempo para se inteirar

nela, para elaborá-la, superá-la e prosseguir no trabalho.

Retomando as considerações de Maldonado e Cardoso (2009, p. 47-57) de que o

recordado não é o acontecimento em si, podemos então, considerar que mesmo se tratando de

“autênticos testemunhos”, ou seja, das narrativas daqueles que vivenciaram as catástrofes, ao

serem representados serão sempre uma “verdade narrativa”. Por isso, é que Norma, mesmo

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não tendo vivenciado alguns dos acontecimentos que se propõe narrar em sua obra, consegue

atribuir uma “verdade narrativa”, não a partir de sua vivencia, mas de sua experiência, como

observado por De Marco (2004, p. 57).

Além disso, como a vida e as memórias de Norma estão entrelaçadas com as vidas e as

memórias de outros, como vimos, segundo Halbwachs (2006), ao ser testemunha de sua

própria vida, se torna também testemunha das outras pessoas, da mesma forma que escrever

sobre os outros é escrever sobre si mesma, como relata:

“[...] Y Norma se daba cuenta de que podía escribir la historia con inocencia,

desde fuera. Se mezclaban en ella algunos aspectos de su propia vida que no

podía rehuir. Si caso, se la podía inventar. Inventar de nuevo totalmente el

personaje-Kati y el personaje- Judit (ROIG, 2000, p. 270).

Natàlia toma consciência de que ela e a amiga Norma passavam por situações

similares, telefona para ela e, supondo uma resistência por parte da amiga, pede que ela

simplesmente leia os documentos: “_ Lo que tienes que hacer es leerlos. [...] A mí me

sirvieron de mucho” (ROIG, 2000, p. 44). As histórias contidas nesses documentos já tinham

instigado Natàlia porque falavam dela.

Norma é apresentada ao leitor por Montserrat Roig como a escritora de um romance

que abordava a história de Joan e Judit, os pais de Natàlia. Mas, agora deve fazer outra

abordagem, escrevendo sobre a amizade entre duas mulheres que representavam a amizade

entre Norma e Natàlia. As memórias de Kati e Judit funcionam para Natàlia e Norma como

ponte que interliga às suas próprias memórias:

A pesar de todo, ahora no son mis padres los que me preocupan. Me

interesan más las relaciones que hubo entre mamá y Kati, y entre ésta y

Patrick. Ellos me hacen pensar en nosotras, en ti y en mí (ROIG, 2000, p.

51).

Norma também traz consigo uma memória social, que não é inteiramente sua, como

explica Halbwachs (2006, p. 72): “Trago comigo uma bagagem de lembranças históricas, que

posso aumentar por meio de conversas ou de leituras – mas esta é uma memória tomada de

empréstimo que não é minha”. O teórico descobre que

Por uma parte da minha personalidade, estou envolvido no grupo, de modo

que nada do que aí acontece enquanto faço parte dele, nada mesmo do que o

preocupou e transformou antes que eu entrasse nele, me é completamente

estranho (HALBWACHS, 2006, p. 73).

É nesse ponto, por exemplo, que os testemunhos dos velhos deportados, com os quais

Norma tem contato, conforme narrado na obra, acabam envolvendo-a nas histórias dos

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campos de concentração e com outros fatos e histórias. Mesmo não tendo vivido essa

experiência, consegue narrar sobre ela, pois compartilhava dos sentimentos daqueles que as

viveram: “Mauthausen, Ravensbrück, la guerra civil, los bombardeos, todo ese pasado que no

había vivido pero que le habían hecho sentir como próprio” (ROIG, 2000, p. 253-4).

Enquanto um velho deportado narrava sua experiência do campo, “Norma bebía estas

palabras como un cuervo” (ROIG, 2000, p. 258), e não havia mais como se separar daquela

realidade e, consequentemente, daquela dor.

A personagem de La hora violeta se torna uma escritora um pouco semelhante a

Benjamin Wilkomirski que escrevia testemunhos autobiográficos se passando por um ex-

prisioneiro do campo de concentração. No entanto, Norma não tenta se passar por uma

sobrevivente, mas estetiza a vida dos prisioneiros dos campos de extermínio nazista, os

problemas sociais e políticos de sua época ou do passado, através do trabalho com as

memórias.

Lembremos que Norma tenta fugir da escritura, alegando que não lhe despertava

nenhuma curiosidade remexer no passado de “dos mujeres de la burguesía que no tuvieron

conciencia de su condición” (ROIG, 2000, p. 44). Essa tentativa de se eximir de tal tarefa, não

decorre do fato de ter dificuldades para manipular as palavras, pois apesar de trabalhar com a

escrita de textos, o seu trabalho diferenciava-se do desempenhado por outros profissionais

como o jornalista ou o historiador, o que fica evidente na passagem que segue:

De ese modo convivía con las penas de los deportados. “No podemos ser

cuervos con problemas de conciencia”, pensaba Norma. Y enviaba a otros

colegas, otros periodistas, que describían la realidad lo mismo que el médico

forense manipula el cuerpo de un muerto. Desde fuera, sin comprometerse

con el cadáver más allá de lo estrictamente necesario para la ciencia y, en

este caso, para la Historia (ROIG, 2000, p. 269).

O método de trabalho de um jornalista e de um historiador é comparado ao de um

médico legista que manipula o cadáver sem se envolver com ele. Tanto o trabalho jornalístico

quanto o historiográfico encontram-se em extremos opostos em relação ao trabalho literário.

O primeiro, no ramo das ciências, trabalha com um discurso científico legitimado como

verdade; o segundo trabalha com um discurso figurado, fictício e subjetivo. Trabalhar com

testemunhos significava para Norma entrar por uma via de mão dupla; ela se deslocava em

direção às experiências alheias, mas precisava retornar para suas próprias experiências a fim

de compreender a dos outros. Pensando em uma representação figurativa de seu trabalho,

poderíamos dizer que ela percorre uma estrada em ziguezague.

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Na quarta seção da obra, “La hora dispersa (Ellos y Norma)”, a voz de uma narradora

onisciente revela alguns problemas enfrentados por Norma para escrever suas obras. Fatores

internos e externos incomodam à escritora corroborando para a sensação de desassossego ao

escrever e manipular as memórias. Através de um flashback o leitor fica sabendo que quando

Norma escrevia a história sobre o amor de Joan e Judit e, simultaneamente, terminava o livro

sobre os catalães nos campos nazistas, alguns acontecimentos ao seu entorno a importunavam.

Como, por exemplo, a velha do asilo, que ficava próximo à casa da baixada onde vivia com

Ferran e seus dois filhos, que gritava: “¡esto es un cárcel, sáqueme de aquí!” (ROIG, 2000, p.

239), porque lembra os traumas que ocasionaram os odiosos espaços comprimidos dos

campos aos prisioneiros. Norma não sabia se prosseguia no seu trabalho ou se escrevia uma

reportagem sobre a velha. Desse modo, detém-se à escrita literária, pois sabe que esta

possibilitaria a ela e aos supostos leitores uma melhor compreensão daqueles acontecimentos.

As visitas de Maruja, uma vizinha que tinha 34 anos, mas que aparentava 50, e se tornara

louca quando nasceu o quinto filho, também a desviava do foco de sua escrita, como outra

reticência das conseqüências do passado recente.

Maruja e a velha do asilo são alegorias da guerra, a loucura dessas personagens surge

como uma válvula de escape da dura realidade repleta de dor e sofrimento. Refugiam-se em

um mundo de fantasia para suportar a realidade. De forma semelhante, Norma se refugia na

literatura e Judit nas anotações de seu diário.

Para continuar a escritura da história solicitada por sua amiga, Norma volta à casa da

baixada. O asilo que fica próximo de sua casa agora estava fechado sob ordens das

autoridades e Maruja fora acompanhar o marido que estava com um câncer no estômago e

resolvera morrer no seu povoado de onde havia fugido da fome. Esse é o entorno de Norma

no momento da escrita: as recordações físicas e psicológicas da guerra gritam de todas as

formas e por todos os cantos. Isso tudo unido aos seus próprios conflitos. Conforme avançava

na leitura do diário de Judit e das cartas de Kati, assim conhecendo melhor suas histórias,

sentia-se mais incomodada pelas lembranças que lhe iam sendo evocadas, porque tanto a vida

de Norma quanto a das mulheres sobre quem ela escreve estão marcadas por conflitos

amorosos, culturais, sociais, políticos e históricos que lhes são comuns. A confusão entre o

amor que sentia pelo ex-marido Ferran e pelo amante Alfred se misturava às histórias que lia

sobre as duas mulheres. Incomodada por essas perturbações, sente a vontade de ser como

Ferran, que conseguia separar os sentimentos:

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Envidiaba a Ferran, que era capaz de clasificar todos los afectos en cajones y

no mezclarlos nunca. Que era capaz de volcarse en el trabajo intelectual y

ordenar sus pasiones. Norma también habría querido separar todas las

pasiones, pero éstas se mezclaban dentro de su cerebro y no había modo de

convertirlas en un todo, sino que aparecían dispersas y confusas (ROIG,

2000, p. 248).

A escritora não consegue separar a vida pessoal da profissional como fazia o esposo,

elas se mesclam e se transformam em algo novo, em literatura, já que suas obras não são

compostas somente de elementos históricos, mas também de imaginação e ficção.

Natàlia acusava Norma de se refugiar na literatura e, por vezes, ela acabava

concordando: “Natàlia tiene razón, hago literatura porque no sé vivir” (ROIG, 2000, p. 249).

Na verdade, a literatura era o que lhe possibilitava viver, sem a qual talvez não suportasse a

dor da “realidade”, a solidão e o desespero que rondavam sua vida. Conforme Vargas Llosa

(2007, p. 17-20), a ficção ocupa o espaço entre nossa vida real e nossos desejos e fantasias,

suas ordens artificiais proporcionam refúgio e segurança nos libertando dos temores da vida

real. Kati, por exemplo, não suportou as pressões da sua realidade e toma uma garrafa de

ácido clorídrico quando seu amante morre em uma das batalhas do Ebro. Patrick era um

médico irlandês, casado que havia se alistado para ir à guerra na Espanha, porque dizia

acreditar na “liberdade”.

Nesse turbilhão de lembranças que desnorteiam sua capacidade de escrever, ao

recordar, por exemplo, que havia sido abandonada por Alfred, seu amante, que também era

casado, sente-se como Kati e se contesta: “¿es que esto no tiene más final que el de la

destrucción?” (ROIG, 2000, p. 249). No entanto, o final não é a destruição como fora para

Kati, mas sim a libertação, por meio da literatura, de todos os fantasmas que a rodeavam.

Ao escrever sobre essas mulheres, Norma olha para seu interior, como havia sugerido

Natàlia: “- No. Sólo cuando te hayas sabido mirar a ti misma aprenderás a mirar lo que te

rodea. Tal vez entonces sabrás amar a la humanidad y a las personas al mismo tiempo”

(ROIG, 2000, p. 296). Apesar das barreiras e dificuldades, Norma consegue olhar para seu

interior e encontrar-se com uma Norma que ainda não conhecia, diferente daquela que se

apresentava nas conferências feministas: forte e independente perante as outras mulheres. Era

uma Norma pequena, frágil, com conflitos mais interiores que exteriores que consegue

conhecer somente através do trabalho de evocação de um passado que lhe é comum:

Por eso, hasta entonces, Norma no había podido soportar la desnudez de sus

propios ojos. Hasta que no fue a la casa de la hondonada y, sin reclamarlo,

fue surgiendo su separación de Ferran, la muerte de Germinal, el suicidio de

Kati, la muerte en vida de Judit, su desinterés por el deportado. Y el miedo

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de perder a Alfred. Una Norma pequeña y frágil, incapaz de unificar los

contrarios, había surgido para desbancar a la Norma de las conferencias

feministas, de las charlas sobre la autonomía de la mujer. Había que

enfrentarse con ello (ROIG, 2000, p. 296).

São lembranças que remetem a pessoas que, pela proximidade lhe são muito caras,

pois todas elas foram vítimas do sadismo da violência da guerra. Era preciso voltar ao lugar

da baixada para exorcizar seus medos, lembranças fragmentárias e pensar também no amor.

Consegue, por fim, se libertar dos conflitos e refletir sobre a utilidade do amor: “El

enamoramiento no es político y tampoco es rentable. El enamoramiento no es una historia, es

una retahíla de emociones descontroladas [...]” (ROIG, 2000, p. 250), mas, de alguma forma,

o amor lhe ajudava a viver, como ajudou aos ex-deportados que “sobrevivieron gracias a que

habían llevado consigo, como recuerdo, su tiempo de amor” (ROIG, 2000, p. 250-1).

Os ex-prisioneiros dos campos testemunhavam à Norma que eram as lembranças das

coisas que estavam do outro lado da cerca de arame farpado que lhes permitia suportarem o

sofrimento ao qual eram submetidos. Nas cartas que Joan encaminha à Judit do campo de

concentração dizia-le que “Sólo el recuerdo de mis deseos me ayuda a vivir” (ROIG, 2000, p.

148). Assim, as informações contidas nos apontamentos de Kati e Judit iam se encaixando

com as informações que Norma tinha sobre a guerra, os campos de concentração e o

sofrimento vexatório dos prisioneiros.

Ela carrega consigo o desejo de narrar. Encontrara em seu amante, Alfred, a atenção

para ouvir suas histórias, ao contrário de Ferran que, sempre atarefado com as reuniões do

Partido Comunista, não dispensava tempo para ouvi-la. Alfred lhe perguntava, por exemplo,

como era um dia no campo de extermínio e ela narrava o cotidiano dos presos. É assim como

a saudade da sensibilidade de Alfred e sua cumplicidade do gozo estético na literatura para

configurar o trauma que a absorve nas lembranças. Agora, como antes, Norma se vê

envolvida com as narrações de muitas outras pessoas, comprometendo-se com problemas de

outros e com ela própria. A partir da observação de Bruner (apud OLMI, 2006, p. 31), de que

“a própria vida é narrativa enquanto história”, Olmi conclui que:

Se partirmos do pressuposto de que a própria vida é a narrativa enquanto

história, não podemos deixar de reconhecer que nossas vidas estão

incessantemente entrelaçadas com outras narrativas, com as histórias que

narramos ou que nos são narradas das mais diversas formas, com as histórias

que sonhamos ou imaginamos, ou que gostaríamos de poder narrar (OLMI,

2006, p. 32).

Norma teve contato com vários ex-deportados quando buscava informações para

escrever sobre os catalães nos campos nazistas, foi quando conheceu um escritor fracassado

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que havia passado cinco anos de sua vida no campo de concentração, o que lhe acarretou no

fim de sua sonhada carreira, pois “[...] lo que vio en el mundo exterior fue tan terrible que ya

no pudo volver atrás y recuperar los límites entre la realidad y la imaginación”. Após a

liberação escreveu um romance no qual “Intentó describir con palabras lo que significaba

encontrarse perdido en un mundo de pesadilla” (ROIG, 2000, p. 255).

Esse personagem passa por uma experiência semelhante à de Primo Levi que tenta,

através das palavras, representar aquilo que, muitas vezes, extrapola os limites das

significações ou mesmo da imaginação, como afirma o sobrevivente de Auschwitz:

“Condição humana mais miserável não existe, não dá para imaginar” (LEVI, 1988, p. 25).

Além das barreiras para representar, “[...] nos damos conta de que nossa língua não tem

palavras para expressar esta ofensa, a aniquilação de um homem” (LEVI, 1988, p. 24), no

entanto, sobrevive uma ânsia por narrar, ainda que não seja compreendido pelos outros, que

acaba por transpor essas dificuldades.

Esse contato com os testemunhos de sobreviventes mudou a vida da personagem

Norma, como observa o narrador: “La lectura de la novela del deportado supuso para Norma

la primera evidencia de la impenitente crueldad humana. Y, sobre todo, la que el dolor es

irreversible” (ROIG, 2000, p. 255).

Quando escrevia a história de Judit e Kati, sua inquietação aumentava porque também

vinha à mente o velho amigo escritor e porque inevitavelmente tinha que lembrar de Joan,

esposo de Judit, que estivera no campo de concentração e, de alguma forma, as histórias se

entrelaçavam. O desassossego de Norma em relação ao ato da escrita deve-se também ao

questionamento sobre até que ponto poderia representar a catástrofe provocada

voluntariamente pelo homem, como também se questionaram Levi, Semprún e outros

sobreviventes de situações limites. Norma chegou a compartilhar a idéia de negar a

possibilidade de representação através da arte: “Cuando pensaba en su viejo amigo deportado,

sobre todo ahora, al escribir la novela de Judit y Kati, Norma se negaba a hacer literatura”

(ROIG, 2000, p. 256). Apesar de não encontrar nos testemunhos que lia algo que lhe pudesse

ser agradável, a escritora supera esses empecilhos ao perceber que somente a literatura

conseguiria expressar experiências como aquelas.

Enquanto estava na casa da baixada escrevendo seu novo romance, Norma recorda de

suas duas viagens a Paris, quando fora se encontrar com outro deportado do campo nazista

que lhe testemunhou sua experiência, colaborando para a elaboração de seu trabalho sobre os

deportados e cedendo inúmeros dados, informações, cartas, relatórios sobre o campo. Esse

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deportado demonstra imensa preocupação com os dados, tinha algumas listas com os nomes

dos mortos, “No faltaba nadie: el nombre, la fecha de entrada en el campo, la fecha de

translado al campo anexo, el número de matrícula, la fecha de la muerte” (ROIG, 2000, p.

261). No entanto, Norma não se preocupava com a fidelidade dessas informações, o que mais

lhe chamava a atenção eram os sentimentos e comportamentos daquele homem. A

preocupação por parte da escritora em reelaborar o passado pode ser vista como um projeto

que visa retomá-lo a partir da concepção benjaminiana de rememoração (Eingedenken) e não

historicista como imagina o velho deportado que se encontra preso em um passado sem

expectativas para seu futuro.

Norma se tornou para esse homem uma espécie de confidente, a ela confiava toda sua

dor e sofrimento: “[...] aquí tienes mi dolor, haz con el lo que quieras” (ROIG, 2000, p. 257).

A falta de vida está expressa no sorriso, por exemplo, do velho deportado que “tenía una

sonrisa de cadáver, desgranaba sus recuerdos como si tuviese una enfermedad incurable”

(ROIG, 2000, p. 257). No campo de concentração esteve tão próximo da morte que era

preciso: “Aconstumbrarte a la muerte, quererla, amarla” (ROIG, 2000, p. 257). Os

testemunhos que ouviu sobre os ex-deportados dos campos nazistas ficavam inscritos em sua

memória, incomodando-lhe e tirando o sono, como recorda Natàlia:

Norma pasó muchas noches de insomnio, no podía soportar los relatos sobre

las obsesiones de los deportados, visiones de cámara de gas, de crematorios,

de alambradas eléctricas, de cuerpos que bailaban en la horca... (ROIG,

2000, p. 112).

Apesar de sentir-se incomodada com essa obrigação, não há outra coisa a fazer que

não seja escrever sobre suas memórias. Agora, ao escrever sobre aquelas mulheres, esses

acontecimentos e experiências que lhe incomodaram no passado voltam a lhe perturbar, como

se revivesse tudo novamente.

Respeito as mulheres do romance de Roig são mulheres problemáticas que não

compreendem muito o seu papel na sociedade. Poderíamos dividi-las em dois grupos, aquelas

que tentam cumprir os papéis estabelecidos aceitando a condição de subordinação ao homem,

imposta pelas normas sociais, e aquelas que tentam reverter essa situação. Natàlia, sem

dúvida, pertence ao segundo grupo. A personagem recebe influência das ideias feministas

através de suas leituras e confessa, por exemplo, ter sido transformada pelas ideias de

Beauvoir:

Yo... Cuando leí, a los veintitrés años las memorias de Simone de Beauvoir,

sentí una especie de desazón por vivir del mismo modo que la dama francesa

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y creo que me obstiné en buscar un Jean-Paul Sastre. Quería el mundo a mi

medida (ROIG, 2002, p. 59).

Natália era uma mulher que fugia dos parâmetros pré-estabelecidos pelo sistema social

de sua época que envolvia a mulher, no período do pós-guerra, com discursos de submissão

ao lar e à maternidade, sendo o espaço privado o único permitido para sua atuação. Judit, ao

contrário, aceitou viver sob tais imposições e isso gerou em Natàlia uma revolta em relação ao

comportamento da mãe. Agnès, esposa de Jordi, assim como fizera Judit, sofre os labores da

maternidade praticamente sozinha, enquanto o esposo estava envolvido com questões

militantes e reuniões do partido. Natàlia demonstra uma revolta em relação às mulheres

submissas, como relata a Norma, “Durante mucho tiempo vi a mi padre como a un cobarde. Y

mi madre no era más que una sombra. […]. No soporto a las mujeres-víctimas. Parte de la

opresión que sufre la mujer es por culpa de las mujeres” (ROIG, 2000, p. 134).

Todas as mulheres do romance La hora violeta são mulheres solitárias. Norma,

Natàlia, Agnès, assim como Kati e Judit, terminam sozinhas, apesar de seus conflitos girarem

em torno de um homem.

Norma é testemunha direta dos problemas que acontecem em seu país, “[...] un país

enfermo, neurótico, que nunca acaba de construirse” (ROIG, 2000, p. 53). Portanto, escrever

sobre essas histórias é uma forma de falar da desordem que presenciava no seu país, pois ela

está inserida em uma Barcelona que carrega consigo todo o peso de um passado de guerra,

morte, fome e repressão.

Toda essa fragmentação das personagens Roig consegue representá-la na organização da

obra, confirmando que a obra La hora violeta mantém o conteúdo e a forma intrinsecamente

relacionados e se completando, conforme registra Candido (2002) acerca dos elementos

internos e externos do romance.

3.3. A inquietação da escrita metaforizada na organização estrutural do romance

Em La hora violeta, Roig se preocupa mais com a organização do romance do que

com a compreensão que o leitor terá do conteúdo que está sendo narrado. Com essa assertiva

não pretendemos negar a importância dos vários temas abordados no romance, mas, observar

que por serem temas complexos e difíceis de lidar, a forma como o romance se apresenta

corrobora para representá-los.

Norma é a narradora que conta como recebera os documentos de Natàlia e, na

sequência, opta por transcrever a carta que esta havia lhe enviado. O leitor fica a par da

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existência de diários, cartas e anotações familiares de Natàlia, mas somente no terceiro

capítulo esses documentos são apresentados.

No segundo capítulo, Natàlia vai arquitetando suas reflexões com base nos

personagens da Odisséia, construindo a narrativa com perguntas sem respostas e reflexões

através de um fluxo da consciência. Este é definido por Carvalho (1981, p. 51) como “[...] a

apresentação idealmente exata, não analisada, do que se passa na consciência de um ou mais

personagens”. Esses questionamentos de Natália giram em torno da sua vida amorosa com

Jordi e os personagens da Odisséia sustentam suas reflexões através de comparações que se

estabelecem entre as pessoas do círculo familiar ou social de Natàlia e as personagens de

Homero. Natàlia tenta negar essas recordações através de perguntas como: “¿Sabes que casi

no lo recuerdo?” direcionadas a Jordi, seu interlocutor imaginário.

Natàlia narra os assuntos conforme lhe vem à mente, fala de seu relacionamento com

Jordi, recordando cenas do início da relação, da sua cunhada Silvia, de Norma, faz

questionamentos, emite comentários e imagina-se dialogando com Norma. A narrativa é

marcada por diversos pontos de interrogação e reticências, sugerindo a falta de compreensão

de seus questionamentos, que nunca são respondidos.

Segundo Auerbach (1989, p. 4), o que fundamenta o estilo homérico é “representar os

fenômenos acabadamente, palpáveis e visíveis em todas as suas partes, claramente definidos

em suas relações espaciais e temporais”. Quando surge algo novo na narração homérica ele

ganha espaço e tempo para ser explicado, como no caso da cicatriz quando reconhecida pela

ama Euricléia. A narrativa principal é suspensa para explicar como Ulisses obteve a cicatriz.

Nesse momento, o leitor conhecerá a história de Ulisses, ainda criança, quando fora ferido por

um javali. Essa estruturação é mantida ao longo na narrativa homérica. O mesmo não

acontece com as narradoras de La hora violeta que, em seus fluxos de consciência, ao

narrarem determinado fato esbarram em outros questionamentos conduzindo-os a outras

reflexões, antes mesmo de concluir a primeira.

As narrativas que surgem e vão se encaixando à primeira, também prendem o leitor

porque sempre há algo por dizer ou que precisa ser retomado para completar alguma lacuna

que ficou. Portanto, ao narrar suas histórias, a protagonista Natàlia mantém a mesma estrutura

homérica em relação às retomadas, diferenciando-se por não concluí-las. Na Odisséia, os

elementos que surgem no decorrer da ação ganham espaço para serem apresentados quanto à

sua espécie e origem, já em La hora violeta é como se a personagem-narradora caminhasse

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por um labirinto e que, da mesma forma que escolhe o caminho que seguirá, pode retornar e

escolher outras possibilidades ignorando o antigo percurso.

O nível narrativo metadiegético é uma característica constante na obra. Segundo

Genette (1972, p. 227), esse nível trata-se de “uma narrativa no segundo grau”. Rimmon-

Kenan (2001, p. 188), relendo esse teórico, afirma que a metadiegese é “una narración dentro

de una narración, un segundo grado de ficción”. O que ocorre em La hora violeta são

narrativas dentro de narrativas que vão sendo encaixadas umas às outras.

Os fragmentos que compõem o romance são separados, normalmente, por um sinal

gráfico (***) ou por uma citação de algum verso de um escritor espanhol. A cada fragmento,

pode-se mudar ou não a voz narrativa sem que haja padrões ou regras que estabeleçam essa

mudança. Também não há regras na obra que determinem quando ou como será introduzido

um novo assunto. Existem vários saltos entre uma narradora e a voz de Natàlia que narra seus

devaneios.

No terceiro fragmento do segundo capítulo, que se inicia na página 65, o leitor depara-

se com a primeira ruptura brusca entre as reflexões de Natàlia e uma narrativa em terceira

pessoa, na voz de uma narradora onisciente que dará a conhecer a personagem Agnès. O

emprego do pretérito imperfeito ganha destaque nesse momento, e o leitor passa a conhecer

com maior propriedade o período em que Agnès esteve casada com Jordi, assim como seu

cotidiano e os fantasmas que a atormentavam. Através de várias analepses, o cotidiano dessa

personagem é revelado, como em: “Agnès se despertaba todos los días con la boca pastosa y

escupía pelos imaginários, como cuando estaba preñada” (ROIG, 2000, p. 75). Normalmente,

essas retrospecções aludem a um tempo anterior ao do início da narrativa.

Através de diversas vozes narrativas, as histórias são contadas de diferentes pontos de

vistas, por exemplo, a personagem Agnès tem a história de sua vida, narrada a partir das

perspectivas de Natàlia, da sua própria e de uma narradora onisciente.

As reflexões de Natàlia ocorrem durante o tempo que estivera na ilha com Jordi,

portanto, suas narrativas apresentam um discurso mais prolongado do que o da história

narrada devido às constantes digressões. O que se comprova no capítulo que encerra o

romance: La hora abierta, onde fica claro que o período de reflexões de Natàlia foi

proporcional ao momento de leitura da obra Odisséia, o que não foi realizada com muitas

demoras: “Natàlia cerró la Odisea. La había leído de un tirón” (ROIG, 2000, p. 302). O último

capítulo, se tentássemos uma leitura linear da obra, apresenta-se como continuação do

segundo, quando Natàlia inicia a leitura da Odisséia.

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Segundo Antonio Candido (2009, p. 55), a personagem de ficção pode ser considerada

o elemento mais atuante dentro de um romance, mas só atinge pleno significado no contexto,

por isso, “[...] a construção estrutural é o maior responsável pela força e eficácia de um

romance”. O romance sempre apresenta os personagens de forma fragmentária, eles são

construídos através de seleções e combinações de elementos que os caracterizam. Portanto, a

construção do personagem é “mais um problema de organização interna que de equivalência à

realidade exterior” (CANDIDO, 2009, p. 75). Nesse sentido, a verossimilhança acaba

dependente da organização estética do romance e não dos princípios de comparação entre

mundo real e fictício. Nas palavras desse teórico:

Cada traço adquire sentido em função de outro, de tal modo que a

verossimilhança, o sentido da realidade, depende, sob este aspecto, da

unificação do fragmentário pela organização do contexto. Essa organização é

o elemento decisivo da verdade dos seres fictícios, o princípio que lhes

infunde vida, calor e os faz parecer mais coesos, mais apreensíveis e atuantes

do que os próprios seres vivos (CANDIDO, 2009, p. 80).

Aparentemente a obra La hora violeta se apresenta, como dizíamos, um labirinto, mas

não significa que seja desprovida de organização. O que acontece é um estranhamento por

parte do leitor, muitas vezes, acostumando com uma narrativa linear. Mas, é importante

termos claro que essa composição e organização que aparentemente é estranha, na verdade,

trata-se de uma forma minuciosamente escolhida pela autora. Como observado por Todorov

(2004, p. 177), a organização da narrativa se situa no nível das ideias, não dos

acontecimentos.

Várias vozes são ouvidas ao longo do romance. Natàlia se faz ouvir na carta que

encaminha à Norma, na sua narração em primeira pessoa que se desenvolve através do fluxo

de consciência, principalmente, no segundo e no último capítulo. Norma é a narradora

onisciente do primeiro capítulo “Primavera de 1979” e de alguns fragmentos do capítulo “La

hora dispersa (Ellos y Norma)”, onde narra os conflitos amorosos e as dificuldades para

escrever a história de Judit e Kati. No capítulo “La novela de la hora violeta”, as vozes

narrativas são as das personagens Judit, Kati e Tía Patricia, através de apontamentos sobre a

vida dessas mulheres. Além das personagens, há a presença de uma narradora onisciente que

aparece em diversos fragmentos ao longo da obra.

Essa confusão entre as vozes narrativas faz com que o leitor retome a leitura numa

tentativa de completar supostas lacunas porque sempre permanece a sensação de que lhe falta

alguma coisa para compreender a narração. Na verdade essa é mais uma técnica utilizada por

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Roig, pois o leitor nunca conseguirá preencher por completo essas lacunas, como observa a

própria autora em Dime que me quieres, aunque sea mentira:

Hay que recordar y olvidar al mismo tiempo. La memoria también es

olvido. Alguien dijo que todos tenemos dos memorias: la pequeña memoria,

que sirve para recordar lo pequeño, y la memoria grande, que sirve para

olvidar lo grande. A medida que avanzan, los narradores/narradoras dejan

pistas de los olvidos más que de los recuerdos (ROIG, 1992, p. 32 apud

OLIVEIRA, 2010, p. 26).

Os narradores em La hora violeta não demonstram preocupações em relação ao

conteúdo daquilo que é narrado. As marcações como os asteriscos (***), as reticências (...) e

as interrogações são recursos gráficos que representam o vazio daquilo que não pode ser

recordado ou que não quer ser dito, por isso, uma narradora se cala e passa a vez para outra, o

que se verifica em passagens como a que segue, retirada da página 65 do romance:

Y me gustaría ser capaz de no separar estas dos cosas.

***

Se puso el vestido rosa, aquel que a Jordi le gustaba tanto. Pasó un

largo rato en la bañera, donde se sumergió suavemente […].

Os pontos de reticências deixam em suspenso aquilo que seria narrado, mas que não é

lembrado ou talvez seja melhor que permaneça no esquecimento:

A todas las mujeres, por muy honestas que sean, se les trastorna el cerebro

con eso del amor… Pobres, dice el poeta […] (ROIG, 2000, p. 61).

As interrogações sem respostas também aparecem por toda a narrativa. Apesar de não

serem direcionadas ao leitor, mas aos personagens que participam dos monólogos, são

levados a construir hipóteses sobre os diversos assuntos abordados.

Essas interrupções bruscas da linearidade da narrativa provocam no leitor uma

insegurança em relação à compreensão das histórias narradas. Todorov (2004, p. 123) chama

de “encaixe” o surgimento de uma personagem que provoca a interrupção da história para que

seja contada a da personagem que adentra o cenário, ou seja, “uma história segunda é

englobada na primeira”. Em La hora violeta há diversos “encaixes” ao longo da narrativa,

mas, nem sempre são as personagens que provocam a ruptura do fluxo narrativo, às vezes

alguma narradora é responsável por interrompê-lo.

Os tempos presentes no romance são descontínuos, não se prendem à linearidade dos

acontecimentos. Nunes (2002, p. 25) observa que “o tempo da ficção liga entre si momentos

que o tempo real separa”. Na obra La hora violeta esse é um acontecimento comum,

entretanto, algumas anacronias aparecem com maior destaque em relação a outras, como

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ocorre no penúltimo capítulo da obra, quando, na página 239, é narrado o processo de

elaboração da obra sobre os catalães nos campos nazistas e a primeira obra que Norma

escrevera sobre Judit e Joan, obras que, na primeira página do romance aparecem como

concluídas:

Yo había terminado un largo libro sobre los catalanes en los campos nazis,

[...] Natàlia quería que me metiese dentro del universo de dos mujeres a las

que no había conocido, aunque escribí algo sobre ellas en las novelas

anteriores (ROIG, 2000, p. 43).

Na página 245 é confirmado, através da voz de uma narradora onisciente, que Norma

havia concluído esses livros e, no momento, voltava-se para a elaboração da história de Judit e

Kati, confirmando as informações do início da obra:

Pasaron tres años. Norma había terminado el libro sobre los catalanes en los

campos nazis y la novela que Juan Miralpeix, el padre de Natàlia, se

enamora de Judit mientras ésta toca piano […] También se había separado

de Ferran, después de dejar la húmeda casa de la hondonada. […] Y ahora

regresaba a la casa de paredes mohosas para escribir la historia de Kati y

Judit. Ahora eran distintos los fantasmas que rodeaban a Norma (ROIG,

2000: 245).

Através das variações do tempo narrativo, como as anacronias citadas acima, o

romance vai se construindo, sem qualquer preocupação com a ordem dos acontecimentos. O

tempo da narrativa é o psicológico, assim, o presente se torna compreensível a partir de

retomadas do passado ou de projeções futuras. Portanto, o leitor deve adentrar esse universo

ficcional desprendendo-se de qualquer princípio de causalidade, pois os fatos não se prendem

a conexões de causa e efeito.

O uso da linguagem segue certa linearidade, já a história narrada pode retornar ao

passado, assim como projetar o futuro. Não há, portanto, como construir um discurso que

comporte uma simultaneidade temporal dos fatos narrados, como observou Todorov:

O tempo discursivo é, num certo sentido, um tempo linear, enquanto que o

tempo da história é pluridimensional. Na história muitos eventos podem

desenrolar-se ao mesmo tempo. Mas o discurso deve obrigatoriamente

colocá-los um em seguida do outro; uma figura complexa se encontra

projetada sobre uma linha reta (TODOROV, 1966, p. 139 apud NUNES,

2002, p. 27).

Nas histórias narradas em La hora violeta pode-se perceber esses acontecimentos que

se desenrolam ao mesmo tempo, por exemplo, quando Norma estava na casa da baixada

escrevendo as histórias de Judit e Kati enquanto Natàlia estava em uma ilha do mediterrâneo

com Jordi, lendo a obra Odisséia e pensado: “[...] A lo mejor está ahora en algún sitio

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intentando escribir la historia de dos mujeres tan diferentes como mamá y Kati […]” (ROIG,

2000, p. 141).

A personagem Natàlia se refugia em um tempo mítico, o da Odisséia, permanece presa

nesse tempo do início do romance, quando inicia a leitura da trama homérica em uma ilha do

mediterrâneo, ao final, quando conclui a leitura, mas não se sente segura para sair do tempo

mítico, pois continua esperando o retorno de um “Ulisses”. Conforme Tsuchiya, “Natàlia

permanece presa ao mito, como ela espera, em seus sonhos, o cavaleiro – o “charmoso

príncipe” dos contos de fada patriarcais” – sair do oceano para levá-la embora” (1998, p. 167 –

tradução nossa)27

. Para essa autora, já citada, estudiosa da obra roigueana, esse aprisionamento

de Natàlia em um tempo mítico é uma alegoria da historiografia franquista e do mito da

essência nacional que, semelhante aos mitos românticos, apontam para um amor heterossexual

que a mulher encontra em seu destino. Assim, Natàlia permanece presa ao mito e, como

Penélope em seu castelo a espera de Ulisses, volta para a casa de Tía Patricia e “Ahora tendría

que esperar, y no sabía qué. Esperar, destino pasivo de las mujeres [...]” (ROIG, 2000, p. 302).

Natàlia não sabe exatamente quem vem, em sua imaginação, para buscar-la. “si, vendrá

un barco branco de velas temblorosas, una nave que romperá las ondas y, en ella, estará él. ¿O

ella? ¿Quién, Dios mío? [...]” (ROIG, 2000, p. 299). Essa possibilidade de uma mulher vir

buscar Natàlia na ilha, reflete os conflitos em relação ao seu comportamento sexual. Isso

acontece com outras personagens, como podemos perceber, ainda que implicitamente, uma

relação amorosa entre Judit e Kati. Além de Norma que, em uma noite de solidão quando

Ferran viajara para reuniões do partido comunista, encontra na estrada um casal de hippies,

convida-os para jantar e, depois de beberem e fumarem, acabam mantendo relação sexual.

Pensava Norma que aquilo seria “una nueva experiencia” quería sentir “lo que sentían los

hombres” (ROIG, 2000, p. 279). Depois, viveu certos momentos de arrependimento e de

dúvidas sobre o porquê resolvera ter relação com aquele casal.

Em conversa com uma poetisa, uma editora e uma francesa que acreditavam que o único

amor verdadeiro somente existiria em uma relação lesbiana, afirmando que “Entre dos mujeres

no se establecen relaciones de poder”, Norma havia se posicionado contra essa ideia, e

defendera que “había encontrado ternura en más de un hombre”, como recorda Natàlia,

“Norma, que no pudo callar nunca, se empeñó en defender una posible reconciliación sexual.

Todas gritábamos” (ROIG, 2000, p. 108).

27 “Natàlia remains trapped in myth, as she awaits, in her dreams, the horseman – the “charming prince” of the

patriarchal fairy tale – to rise out of ocean to take her away” (TSUCHIYA, 1998: 167).

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Esses conflitos quanto aos comportamentos sexuais são mais alguns dos reflexos da

condição de fragmentação na qual essas mulheres viviam. Condição esta, representada pela

dúvida com relação ao objeto de desejo.

As subjetividades das personagens, também fragmentadas, são representadas em suas

atitudes. Norma, por exemplo, quando retorna à sua casa, depois de ter permanecido alguns

dias na casa da baixada para escrever a história de Kati e Judit, vai deixando seus objetos

espalhados pela casa:

Fue dejando los objetos por el pasillo, nadie le reprocharía el desorden,

mañana cada pieza continuaría en su sitio. El nécessaire, la ropa sucia, las

medias, los zapatos… Piezas de sí misma […] (ROIG, 2000: 308).

Metaforicamente, essas peças dispersas representam as próprias recordações de Norma e

das outras personagens, que são as peças-chave do romance, o qual resulta de vários

fragmentos, “peças”, textos, histórias e recordações. Natàlia, também se encontrava nessa

condição fragmentada, confessa através de sua introspecção esse estado: “me he dispersado en

centenas de partículas, de fragmentos, de piezas desprendidas de mí misma; me he dispersado

para no encontrarme” (ROIG, 2000, p. 50).

A intertextualidade se faz amplamente presente na obra. Vários fragmentos de textos de

escritores catalães são citados ou comentados porque aludem às temáticas que se desenvolvem

na obra. Dentre os escritores citados, podemos destacar: Homero, Marx, Simone Beauvoir,

além de intertextos e citações diretas de alguns versos dos poemas do escritor espanhol

Vicente Aleixandre, da Geração de 27, do barcelonês Joan Maragall (1860 -1911),

fragmentos da novela La muerte en Venecia, de Thomas Mann, comentários do pintor inglês

William Hogarth (1697 - 1764), de Madame de Stäel, de Doris Lessing, de Harmonía

Carreres, entre outros. Como podemos perceber, a construção do romance se dá como uma

colcha de retalhos. Através da junção de vários discursos vai sendo construída a narrativa de

forma muito peculiar.

Há ainda os intertextos da própria escritora Montserrat Roig, como o livro que conta a

história do amor que existiu entre os pais de Natàlia que, coincidentemente, a obra Tiempos de

cerezas (1987) escrita por Roig trata desse assunto. O que Norma escreve sobre os catalães nos

campos nazistas é exatamente o título de uma obra de Roig Los catalanes en los campos nazis

(1978). Esta obra, para Tsuchiya (1998, p. 163 – tradução nossa) é “um intertexto

autobiográfico chave em L’hora violeta”28

. Nessa linha de raciocínio, Tsuchiya29

afirma que

28 “Which is to become a key autobiographical intertext in L’hora violeta” (TSUCHIYA, 1998, p. 163).

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Norma “pode ser considerada uma imagem ficcional da própria autora”30

. Nesse ponto,

concordamos com esta estudiosa porque a densidade narrativa é uma projeção do eu narrador.

No romance de Roig podemos perceber que surgem na mente da personagem Norma, ao

escrever seu romance, um emaranhado entre palavras, sentimentos e sensações que funcionam

como fios condutores para a recordação de outras palavras, outras lembranças e outros

sentimentos. Considerando que “o contexto designa portanto, a configuração de ativação de

uma grande rede semântica em um dado momento” (LÉVY, 2008, p. 24), percebemos que em

La hora violeta Norma está inserida em uma sociedade que ainda carrega os resultados ou

conseqüências de muitos traumas.

A complexidade da estrutura da obra se dá pela complexidade do trabalho, é o

sofrimento materializado em uma estrutura. Os fragmentos dos textos que compõem a obra

representam a negação da possibilidade de uma reconstrução do passado de maneira linear e

cronológica.

Considerando que a narrativa trata de pessoas que se encontram nesse estado de

fragmentação, esteticamente falando, não teria uma forma mais adequada que se relacionasse

com o conteúdo do que uma narrativa em fragmentos.

Como a memória é falha, a reelaboração das histórias à qual Norma se propõe são

repletas de lacunas, as quais devem ser completadas, quando possível, pela imaginação. Roig

constrói uma obra com uma organização estrutural que representa a própria complexidade de

reelaboração do passado através das memórias. A estratégia da autora ao inserir documentos

de cunho testemunhal, como cartas, apontamentos, diários, atribuem ao romance um caráter

de “realidade”. O leitor se depara com vários fragmentos de textos que, a princípio, parecem

desconexos, mas que depois ganham diversas possibilidades de leitura. Uma história

sobrepõe-se a outra, um tempo ao outro e assim o romance ganha uma representação gráfica

do que seria a própria memória, sem regras e sem pontos delimitando-a.

Todo esse trabalho formal elaborado por Roig em La hora violeta, assim como o de

Norma ao confeccionar o romance sobre Judit e Kati, representa a preocupação da autora e da

sua personagem em retomar as memórias de um passado marcante para a sua sociedade. No

entanto, essa retomada não se dá por mero interesse de registrar fatos ocorridos, mas sim por

se preocupar com o momento presente, com aqueles que carregam sequelas de uma época que

29

Idem (p. 164).

30 “Who may be considered a fictionalized image of the author herself” (TSUCHIYA, 1998, p. 164).

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não foi ainda compreendida, pois muitos não puderam narrar suas histórias no passado, o

qual, por não poder ser compreendido acarreta em problemas para a atual sociedade.

O uso da memória deve ter um aproveitamento, através do seu reconhecimento, como

fonte para interpretação e utilização do passado. Como observa Todorov (2000, p. 151): “É

por ter em vista uma ação no presente que o indivíduo busca, no passado, exemplos

suscetíveis de legitimá-lo”. Ao evocar o passado, Norma conhece seu interior e, assim, vai

compreendendo ao outro e a si mesma, fazendo um “bom uso da memória” (TODOROV)31

,

com uma justa causa e não simplesmente uma reprodução do passado sem função pedagógica

ou humanitária, sem cair na sua sacralização e nem na banalização.

Quando Norma termina de escrever a história de Judit e Kati, ela recebe um telefona

do velho deportado pedindo-lhe que fosse visitá-lo, alegando que morreria devido a um

câncer. A escritora não sente vontade de vê-lo, pensava que era o exagero de um deportado

chamando a atenção. Ao ter a confirmação de sua hipótese por um parente do velho, sente-se

mais tranquila para se preocupar com a sua própria vida, pois não queria mais viver do

passado:

Norma se tranquilizó. Pronto olvidaría la historia de los deportados, de los

fantasmas que exigían, desde el pasado, sobrevivir en su memoria. La

historia había quedado archivada en su libro, éste era su homenaje, ¿qué más

querían? Y se entregó a la espera de Alfred. Ahora quería ser feliz, se repetía

(ROIG, 2000: 298).

Nesse momento Norma também conclui as histórias de Kati e Judit: “Puso el punto

final al manuscrito sobre Judit y Kati” (ROIG, 2000, p. 297) e, com a tarefa concluída, opta

por continuar vivendo, pensava no presente e não permaneceria mais presa ao passado.

Precisava esquecer o velho deportado e também as histórias das amigas, não porque

deixara de ter consideração pelo que ele fizera por ela, colaborando com informações para seu

livro, ou porque não se preocupasse mais com a humanidade para com a qual demonstrava

tanto respeito, mas precisava esquecer para continuar vivendo. Todorov (2002, p. 219),

lembra que Primo Levi acreditava que “Se devêssemos e pudéssemos sofrer os sofrimentos de

todos, não conseguiríamos viver”.

A memória é falha e, portanto, seleciona alguns acontecimentos em detrimento de

outros, e ainda não se sabe o critério dessa seleção e como esses acontecimentos retidos na

memória serão utilizados no futuro. Segundo Todorov,

31

Idem (p. 204).

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Como la memoria es una selección, ha sido preciso escoger entre todas las

informaciones recibidas, en nombre de ciertos criterios; y esos criterios,

hayan sido o no conscientes, servirán también, con toda probabilidad, para

orientar la utilización que haremos del pasado ( TODOROV, 2000, p. 17).

Portanto, independentemente de a seleção ser consciente ou não, os acontecimentos

preservados sempre têm, no futuro, alguma utilidade. Aquelas memórias que Judit e Kati

registraram serviram, por exemplo, para que Natàlia fosse estimulada a refletir sobre si

mesma, como relata à Norma: “[...] No te lo vas a creer, pero ese montón de papelotes me ha

obligado a pensar en mí misma. A mirarme por dentro [...]”. (ROIG, 2000, p. 46).

Segundo Todorov (2000, p. 30), “el acontecimiento recuperado puede ser leído de

manera literal o de manera ejemplar”32

. O primeiro permanece intransitivo e não vai além

de si mesmo, já o segundo constrói um exemplo e extrai uma lição, o que faz do passado um

princípio de ação para o presente.

El uso literal, que convierte en insuperable el viejo acontecimiento,

desemboca a fin de cuentas en el sometimiento, del presente al pasado. El

uso ejemplar, por el contrario, permite utilizar el pasado con vistas al

presente, aprovechar las lecciones de las injusticias sufridas para luchar

contra las que se producen hoy día, y separarse del yo para ir hacia el otro

(TODOROV, 2000, p. 32).

Tanto Natàlia quanto Norma, a partir daquelas memórias, estabelecem comparações

entre o passado e o presente, o que lhes conferirá melhores possibilidades para viver o futuro.

Como se verifica em passagens como:

El amor de Kati y mamá fue intenso porque ellas lo creyeron eterno.

Supusieron que no se acabaría nunca, a pesar de que aquella cochina guerra,

como dicen los que la vivieron. Jordi me pidió muy poco: sólo la

continuidad de lo que ya existía. Nuestra época es demasiado mediocre para

poder vivir sentimientos intensos. Pero no deja de ser triste que necesitemos

una guerra para saber amar. Como lo hicieron ellas dos, como lo hicieron

Kati y Patrick…” (ROIG, 2000, p. 51).

Nessa perspectiva, Benjamin, consciente de que o homem moderno vive isolado e,

portanto, não possui experiências comunicativas, acredita que a possibilidade de atribuir

significados para o presente está na reconstrução das experiências significativas do passado.

Assim, o passado é visto como inacabado e o narrador do presente pode continuar a história.

Esse narrador é chamado por Benjamin de “sucateiro”, pois deverá recolher os detritos e os

cacos, e não os grandes feitos da História. Esse narrador, nas palavras de Gagnebin,

32

Grifo do autor.

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Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo que

não tem significação, algo que parece não ter nem importância nem sentido,

algo com que a história oficial não sabe o que fazer (GAGNEBIN, 2009, p.

54).

Os elementos de “sobra”, os papéis avulsos, do discurso histórico são o sofrimento

indizível que a Segunda Guerra levaria ao auge com os campos de concentração que o

próprio governo tentou, por diversos meios, apagá-los da memória e da história, assim como

aconteceu em relação com a Guerra Civil Espanhola, período em que os governantes

tentaram passar a imagem de que queriam salvar o país das mãos dos republicanos. Através

dos testemunhos de experiências limites é que se pode refletir acerca dos motivos que

levaram a humanidade a passar por atrocidades como as que marcaram o século XX.

Conforme Gagnebin33

, a retomada do passado visando uma fidelidade transformadora

do presente é de cunho ético e político e não epistemológico ou científico. É superando a

dificuldade de dizer o sofrimento, de “desfazer os nós da dor na multiplicidade das palavras”

e alcançando o “fluxo de uma narração redimida” que se pode chegar “até o mar do feliz

esquecimento”. Neste ponto, o esquecimento não seria mais negligência ou injustiça em

relação ao passado, mas a intensidade do presente.

33

Idem, (p. 110).

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4. A HORA DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse estudo alguns questionamentos direcionaram nossas leituras e

reflexões. Partindo da principal indagação que sustentou essa pesquisa, sobre quais seriam e o

porquê das dificuldades enfrentadas pela personagem Norma para reconstruir literariamente o

passado de duas mulheres da burguesia catalã que presenciaram os conflitos da Guerra Civil

Espanhola e dos primeiros anos da ditadura franquista, dedicamos-nos, primeiramente, a

compreender as questões sobre a (im)possibilidade da representação estética de catástrofes ou

eventos traumáticos para o ser humano. Alguns teóricos como Adorno, De Marco, André,

Felman, Levi, Semprún e Seligmman-Silva nos auxiliaram na compreensão de que, apesar da

existência de uma corrente teórica que não acredita na possibilidade da representação por

parte de sobreviventes de catástrofes há outra que acredita que, somente a arte é capaz de

representá-las.

Percebemos através do diálogo com as teorias que por mais complexa que seja a arte

literária, ela consegue representar esses eventos que extrapolam nossa concepção de

“realidade”, justamente porque uma produção que se volte à representação realista é

insuficiente e somente a “realidade” acrescida de imaginação e recriação consegue produzir

sentidos a esses eventos. Mas, é através da linguagem que a personagem Norma consegue, por

fim, dar uma configuração estética às memórias dos outros personagens do romance, até

porque a linguagem se reincorpora desses eventos muito mais enriquecida. Como observa

André, a linguagem surge, ainda que mutilada e sofrida, para registrar e mimetizar os

horrores, porque é preciso que haja testemunhos que denunciem a dor que deteriora a

humanidade. Portanto, as narrações “Nacen de entre los escombros para testimoniar que lo

que no se extingue es el lenguaje” (ANDRÉ, 2005, p. 18).

Objetivando a reconstrução do passado, tendo como fonte de informação as vozes

marginalizadas de sua sociedade, a memória é o recurso primordial do trabalho roigueano.

O projeto literário de Roig é amplo e desafiador. Escolher sua língua materna para

escrever suas obras literárias e Barcelona como o espaço para desenrolar os enredos, foi um

tanto quando complexo para o seu reconhecimento como escritora, já que a ditadura

franquista havia abolido o uso de outras línguas tornando obrigatório o uso do idioma

espanhol. Além disso, Roig escolhe os discursos minoritários, pela riqueza em relação aos

referenciais diretos e suas diversas significações no âmbito de sua realidade, para serem

reelaborados esteticamente através da literatura. Ao dedicar-se aos discursos não oficiais, opta

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por dar voz às mulheres e aos oprimidos, criticando o patriarcado que dominara sua sociedade

durante longos anos, bem como a ditadura e o fascismo que destruíra sonhos e ideais.

Em La hora violeta, Roig dá voz às mulheres, são elas que falam, registram os

acontecimentos e organizam as histórias, pois é consciente de que a “História Oficial”,

organizada por homens negou-lhe o direito de participar da sua elaboração, alegando que

deveriam gastar o seu tempo com o esposo e com a maternidade.

A obra, apesar de não ser escrita por um sobrevivente direto dos conflitos da Guerra

Civil Espanhola, dos campos de concentração para presos republicanos ou dos campos

nazistas, se constrói através de relatos ficcionais que representam uma sociedade marcada

pelo trauma.

Criando Norma, Roig lhe atribui a função de organizar o passado a partir de uma

roupagem literária. Norma precisa, portanto, escrever sobre o passado de duas mulheres da

burguesia catalã, Judit e Kati, mas não é capaz de fazer isso sem que acrescente nessas

histórias a sua própria imaginação, pois muitas informações permaneciam ocultas. Como

observa sua amiga Natàlia afirmando que: “Como puedes ver, todas las soluciones confluyen

en una: que no sabemos nada de ellos o que sabemos poca cosa” (ROIG, 2000, p. 51).

Todas as mulheres do romance se mantêm interligadas por algum tipo de

relacionamento, seja por parentescos ou por amizades. Por isso, ao reescrever sobre o passado

daquelas mulheres, Norma experimenta as mesmas aflições, dúvidas e conflitos de suas

personagens. Sabe que precisa encontrar uma forma para representá-lo, razão pela quall

permanece rodeada por questionamentos como: “¿Cómo retener la fugacidad?”, “¿Cómo

expresar el instante que se va?” (ROIG, 2000, p. 243). Questionamentos que só podem ser

elucidados através da literatura, pois, “El orden de la imaginación se sale de todos los datos,

de todos los hechos. Ésta es la venganza de la literatura contra la Historia” (ROIG, 2000, p.

141).

Entretanto, não era fácil para configurar, representar ou estetizar histórias cheias de

sofrimentos e de feridas que remetiam às suas próprias dores e aflições, de forma que

simultaneamente ao processo de escrita, padecia das mesmas turbações que suas personagens.

O reconhecimento de suas próprias angústias está ligado ao compromisso, às vivências

indiretas com familiares e amigas que presenciaram muita dor e desespero. Judit e Kati, por

exemplo, testemunharam as tragédias da Guerra Civil, presenciaram de muito perto os

combates bélicos, os bombardeios à cidade de Barcelona, a morte, o abandono, a solidão.

Como pertenciam a uma burguesia, ainda que não sofressem diretamente a fome, assistiram-

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na de muito perto. Viveram sob a repressão e censura franquista. Já as personagens como

Norma, Natàlia e Agnès viveram em um período de pós-guerra que ainda arrastava todas as

sequelas da guerra. Não se pode eludir, então, de que os assuntos tratados no romance não

mexam emocional, psíquica e politicamente em seu papel de escritora. A presença da

perturbação e do desassossego para escrever sobre esse passado está ligada ao ato da criação.

Em relação à estrutura e organização dos múltiplos discursos que permeiam o

romance, percebemos que a autora rompe com qualquer ordem de linearidade temporal e

espacial. Não há uma sequência linear da narrativa, as vozes dos personagens e os momentos

narrados são sobrepostos. A disposição dos textos e dos discursos dentro de uma lógica

aparente são estratégias textuais utilizadas por Roig para representar o próprio estado de

deterioro de seus personagens e de seu país.

Montserrat Roig propõe a reconstrução do passado a partir das vozes testemunhais de

seus personagens. Portanto, os textos que aparecem no romance como fontes documentais,

tratados como mananciais de recordações e de memórias, são artefatos através dos quais cria

um caráter de “verdade” que contribui para a configuração do romance como fonte de

memórias, que instigam a recordação e, consequentemente, a arte literária, como observa

Natàlia: “A veces me parece que me refugio en el recuerdo porque ya no soy capaz de vivir.

Como si hubiese echado el cerrojo. Sin embargo, el recuerdo es literatura, recreación” (ROIG,

2000, p. 65).

Percebemos que Roig se preocupou com essa organização, pois através dela os

conteúdos são unidos à forma ganhando uma configuração estética em que o conteúdo externo

(contexto) se interliga com o interno (forma), como observado por Candido (2002), até

resultar um produto ficcional. À maneira de um labirinto, a narrativa vai sendo construída e

diversas vozes falam, como um coro que grita, pois não aguenta mais permanecer no silêncio.

Querem falar de si ou sobre si mesmas para se encontrarem no maremoto da sociedade incerta

e sem rumo e se solidarizarem. Querem, assim como Norma, libertarem-se de um passado

tumultuado e viver o presente com alguma harmonia. Tanto as mulheres quanto os homens de

La hora violeta querem e precisam encontrar respostas para seus questionamentos e suas

angústias, pois a sociedade no período do pós-guerra se fragmentou para todos e todos

estavam em estilhaços devido aos traumas e as sequelas.

Norma consegue escrever, testemunhar, mostrar que a arte é capaz de dar forma ao

silêncio, à mudez que o mesmo trauma impõe. A memória se liberta num processo dialético

de lembranças e esquecimentos, mas, essa libertação permanecerá até o seu próximo

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compromisso de representação. Pois, assim como concluía o livro sobre os catalães nos

campos nazi, o romance sobre o amor entre Judit e Joan e, agora, a história de Judit e Kati,

outras histórias ou memórias cairão em suas mãos para ganharem uma roupagem literária.

As vozes das personagens de Roig representam uma coletividade que se faz ouvir, mas

também a sua própria voz pode ser ouvida através delas, pois transmitem os anseios e projetos

de libertação política, social e cultural da própria autora. Da mesma forma como sua

personagem podia escrever e testemunhar, Roig também podia e foi isso que fez. Ela divulga,

por meio de toda sua produção, o seu projeto libertador através das vozes de suas

personagens, principalmente de Norma que, de alguma forma, é uma projeção de Roig. As

histórias narradas em La hora violeta giram em torno de uma sociedade enferma e distorcida,

cheia de traumas e conflitos. Através da elaboração literária de Roig as mulheres podem falar

por si mesmas, pois é chegada a hora de serem ouvidas. Assim como é chegada a hora de

compreender o passado para poder compreender o presente e projetar um futuro mais

humano, solidário e libertário para o seu país.

Ao chegarmos nesse ponto do trabalho, percebemos que concluir essa trajetória acaba

sendo algo paradoxal, já que analisamos a obra La hora violeta como uma obra literária que

aborda a reconstrução do passado através das memórias, o que significa dizer que as histórias

narradas nunca se fecham ou são concluídas, senão que sofrem constantes reajustes e novas

possibilidades de serem narradas e também de serem lidas. Assim, a leitura da obra não se

esgota com o término desse trabalho, a obra continuará pulsando em nossas memórias e em

nossas releituras que provavelmente acarretará em novas possibilidades de interpretação.

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