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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL- NOTURNO Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL Santa Maria, RS 2017

Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Page 1: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL- NOTURNO

Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL

Santa Maria, RS 2017

Page 2: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL

Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Especial - Noturno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Educação Especial.

Orientadora: Profª. Drª. Elisane Maria Rampelotto

Santa Maria, RS, 2017

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3

Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES

DE SER MÃE ESPECIAL

Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, apresentado ao Curso de Licenciatura em Educação Especial- Noturno da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Educação Especial.

Aprovado em 04 de Dezembro de 2017:

________________________________________

Elisane Maria Rampelotto, Dra. (UFSM) (Presidente/Orientadora)

________________________________________ Lorena Inês Peterini Marquezan, Dra. (UFSM)

________________________________________ Ariane Santellano de Freitas, Ms. (LAPPAP/UFRGS)

Santa Maria, RS 2017

Page 4: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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DEDICATÓRIA

À minha filha Manuela por iluminar minha vida!

Motivo e inspiração para seguir em frente...

A você todo meu amor!

Page 5: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela força e coragem emanada durante esse percurso.

Ao meu querido Inácio, por acreditar que eu seria capaz, por me ouvir em todos os

momentos, pelo incentivo, apoio e amor demonstrados, jamais esquecerei.

Aos meus pais, Sergio e Jussara, pela ajuda inestimável, pela presença marcante e

apoio na conclusão desta empreitada. Amo vocês!

À minha filha Manuela, luz do meu caminho, por sua força e coragem de viver. Amo

você infinitamente!

À minha irmã Franciele e meu sobrinho Gabriel, pelo carinho e atenção para com

minha filha.

À minha sogra Ullia e seu esposo Rogério, pela presença, cuidado e carinho com

minha família. Minha gratidão eterna!

À Professora Elisane, minha querida orientadora meu agradecimento especial, pela

orientação segura e competente, por sua paciência, dedicação e respeito para com

as minhas dificuldades, pelo incentivo de todas as horas, minha eterna gratidão e

carinho. Sem a senhora nada disso seria possível.

Ao professor Carlo, pelos valiosos ensinamentos!

As professoras Ana Cláudia, Guacira, Glaucimara, Josefa, Sabrina e Nara Joice,

pelos ensinamentos durante a realização das disciplinas.

À Fabiane, por ser um exemplo a ser seguido como Educadora Especial. Muito

obrigada pelos conhecimentos.

Page 6: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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À querida amiga Medianeira, por me apoiar e me ouvir em nossas conversas de

sábado à tarde. Obrigada pela sua paciência e palavras encorajadoras.

À Professora Lorena e à Psicóloga Ariane, por terem aceitado fazer a leitura e parte

da banca de qualificação e defesa desse Trabalho de Conclusão de Curso, bem

como pelas orientações e sugestões feitas que contribuíram para a sua qualificação.

As amizades que tive a oportunidade de construir durante a graduação, em especial,

as amigas Eliane e Francieli. Sinto-me muito agradecida por ter conhecido vocês.

Page 7: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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“Voltar ao passado é viver um encontro

com aquela que fui, aquela que sou e

aquela que serei. É poder neste encontro

aprender a valorizar essa trajetória”.

(Santos)

Page 8: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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RESUMO

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: EXPERIÊNCIAS & [RES] SIGNIFICAÇÕES DE SER MÃE ESPECIAL

AUTORA: DANIELE FRANCISCA CAMPOS DENARDIN DE BITTENCOURT ORIENTADORA: Prof.ªDr.ª ELISANE MARIA RAMPELOTTO

Santa Maria, 04 de Dezembro de 2017.

Na busca de reencontrar e [res] significar novos caminhos, pretende-se entrar nesta escrita para narrar uma história. No entanto, a problemática para narrar essa história utiliza-se como problema de pesquisa, questionar como se constitui a trajetória e a experiência de Ser mãe de uma criança especial? E como acontece as [res] significações da maternidade?Com eixo nestas perguntas, vou narrar minha história como mãe especial. Diante disso, o objetivo central desse estudo estabelece em buscar evidências nas formas de se narrar e de narrar as experiências e [res] significações da maternidade e a condição de Ser mãe especial. Apresenta-se como referencial teórico A instituição família através dos tempos: Do conceito à sua organização, discorro também sobre as considerações históricas da maternidade e o papel de ser mãe, dispondo de fatos históricos e o sentimento da maternidade, por fim, utiliza-se da seguinte questão: E quando o filho (a) nasce com deficiência? Onde se propõe uma breve reflexão nas vivências e relações que cercam este contexto. Será uma pesquisa de natureza qualitativa, ancorada pela abordagem biográfica, especificamente, uma autobiográfica. Participa da pesquisa a filha da autora. A autobiografia é apresentada sob forma de memorial. Os recortes da memória serão intercalados na escrita com fotos da filha com Síndrome de West, do sujeito e autora desta pesquisa. As narrativas autobiográficas são divididas em quatro capítulos. No primeiro capítulo intitulado: Um encontro, uma história, é apresentado sob forma de breves relatos os momentos da constituição da família da autora, no segundo capítulo, que recebe o título: A realização de um sonho: da gravidez ao nascimento, narram-se os principais momentos desde a descoberta da gravidez até o nascimento, já no capítulo três, intitulado Dúvidas, medos e incertezas: um diagnóstico encontra-se as narrativas envoltas ao processo do diagnóstico e aceitação da deficiência da filha. No quarto e último capítulo que recebe o título de (Re) Significações da maternidade: um encontro comigo mesma, apresentam-se as experiências e as ressignificações da maternidade especial. Espera-se com este estudo que, além de partilhar as experiências vividas e pensadas de uma mãe especial, que esta autobiografia possa auxiliar e contribuir, de alguma forma, na trajetória de outras mães especiais.

Palavras-Chave: Mãe Especial. Experiências. Ressignificações Materna.

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AUTOBIOGRAPHICAL NARRATIVES: EXPERIENCES & [RES] MEANINGS OF BEING A SPECIAL MOTHER

AUTHOR: DANIELE FRANCISCA CAMPOS DENARDIN DE BITTENCOURT ADVISOR: Prof.ªDr.ª ELISANE MARIA RAMPELOTTO

Santa Maria, December 04, 2017.

In the search to rediscovering and [res] finding new paths, it's intended to enter this writing to tell a story. However, the problem to tell this story is used as a research problem, to question how is the trajectory and the experience of being the mother of a special child? And how do the [res] significations of motherhood come about? Based on these questions, I will tell my story as a special mother. Thus, the central objective of this study is to seek evidence in the ways of narrating the experiences [res] of motherhood and the condition of being a special mother. It presents as theoretical reference the institution family through the times: From the concept to its organization, I also talk about the historical considerations of motherhood and the role of being a mother, having historical facts and the feeling of motherhood, lastly a big question is: And when the child is born with a disability? Where is proposed a brief reflection on the experiences and relationships that surround this context. It will be a qualitative research, anchored by the biographical approach, specifically autobiographical. The author's daughter participates in the research. The autobiography is presented as a memorial. The memory "cut-outs" will be interspersed in the writing with photos of the daughter that has West syndrome, the subject and the author of this research. The autobiographical narratives are divided into

four chapters. In the first chapter entitled: A meeting with myself, a story is presented in the form of

brief reports the moments of the author's family constitution, in the second chapter, which receives the

title: The realization of a dream: from pregnancy to birth, are narrated the main moments from the

discovery of pregnancy to birth, already in chapter three, entitled: Doubts, fears and uncertainties: a

diagnosis, the narratives involved in the process of the diagnosis and acceptance of the daughter's

disability. In the fourth and last chapter that receives the title of (Re) Meaning of motherhood: an

encounter with myself, the experiences and the resignifications of special motherhood are presented. It's hoped by this study that, in addition to sharing the lived and thoughtful experiences of a special mother, that this autobiography can help and contribute, in some way, in the trajectory of other special mothers. Keywords: Special Mother. Experiences. Maternal Ressignifications.

Page 10: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1- Daniele e Inácio....................................................................................... 46

Imagem 2- Daniele e Inácio na Fazenda Maloquinha ............................................... 47

Imagem 4 - Daniele e Inácio na praia ........................................................................ 48

Imagem 3 - Daniele e Inácio...................................................................................... 48

Imagem 5 - Daniele, Inácio e Milena ......................................................................... 49

Imagem 6 - Exame .................................................................................................... 52

Imagem 7- Daniele grávida ....................................................................................... 53

Imagem 9 - Daniele e colegas ................................................................................... 55

Imagem 8 - Daniele e alunos da EJA ........................................................................ 55

Imagem 10 - Daniele, seus pais, Inácio e Gabriel ..................................................... 56

Imagem 11- Daniele, Inácio, Ullia e Rogério ............................................................. 56

Imagem 12 - Daniele, Inácio e testemunhas de casamento ...................................... 57

Imagem 13 - Daniele e Inácio.................................................................................... 58

Imagem 14 - Daniele e Manuela ............................................................................... 59

Imagem 15 - Manuela e vovó Jussara ...................................................................... 59

Imagem 16 - Inácio e Manuela .................................................................................. 60

Imagem 17- Manuela e as bonecas .......................................................................... 61

Imagem 18 - Inácio e Manuela .................................................................................. 62

Imagem 19 - Daniele e Manuela no banho ............................................................... 63

Imagem 20 - Inácio e Manuela .................................................................................. 64

Imagem 21- Manuela ................................................................................................ 65

Imagem 22 - Manuela no hospital ............................................................................. 68

Imagem 23 - Manuela e suas bonecas ..................................................................... 73

Imagem 24 - Manuela e vovô Sergio ......................................................................... 74

Imagem 25 - Manuela e seu tapete ........................................................................... 74

Imagem 26 - Manuela no carro ................................................................................. 75

Imagem 27 - Inácio com Manuela no hospital ........................................................... 76

Imagem 28 - Manuela de óculos ............................................................................... 77

Imagem 29 - Inácio e Manuela .................................................................................. 78

Imagem 30 - Daniele e Manuela no Clube Dores ...................................................... 78

Imagem 31 - Manuela pronta para ir ao médico ........................................................ 79

Imagem 32- Manuela alimentando-se ....................................................................... 80

Imagem 33 - Manuela no hospital fazendo exames .................................................. 81

Imagem 34 - Manuela aguardando consulta médica ................................................. 81

Imagem 35 - Daniele e Manuela no Clube Dores ...................................................... 83

Imagem 36 - Daniele, Inácio, Manuela e amigos ...................................................... 84

Imagem 37- Daniele, Inácio, Manuela e família Lisboa ............................................. 85

Imagem 38 - Manuela em sua almofada ................................................................... 85

Imagem 39 - Manuela em sua almofada ................................................................... 87

Imagem 40 - Daniele e Manuela passeando no Clube Dores ................................... 87

Imagem 41- Manuela e tia Paola ............................................................................... 91

Page 11: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 42 - Manuela e vovó Ullia ............................................................................ 92

Imagem 43 - Daniele, Inácio e Manuela na praia ...................................................... 93

Imagem 44 - Daniele e Inácio na Lagoa da Conceição- SC ...................................... 94

Imagem 45 - Manuela em seu aniversário de 2 anos ................................................ 94

Imagem 46 - Daniele e Manuela ............................................................................... 96

Imagem 47 - Daniele e Manuela em Gramado.......................................................... 97

Imagem 48 - Daniele, Inácio e Manuela na Ilha do Guará- SC ................................. 98

Imagem 49 - Daniele e Inácio.................................................................................... 98

Imagem 50 - Reportagem Jornal A Razão ................................................................ 99

Imagem 51- Manuela em seu quarto ...................................................................... 100

Imagem 52 - Daniele em atividades do PIBID ......................................................... 101

Imagem 53 - Daniele e Elaine ................................................................................. 102

Imagem 54 - Daniele e Manuela na piscina ............................................................ 103

Imagem 55 - Daniele e Manuela fazendo exercícios ............................................... 105

Imagem 56 - Daniele, Francieli, Mara e Ana ........................................................... 106

Imagem 57 - Daniele, Francieli, Mara e Ana ........................................................... 107

Imagem 58 - Daniele, Inácio e Manuela .................................................................. 108

Imagem 59 - Manuela em casa após internação hospitalar .................................... 109

Imagem 60 - Daniele, Inácio e Manuela no shopping ............................................. 109

Imagem 61 - Daniele e Inácio na praia .................................................................... 110

Imagem 62 - Daniele, Inácio e Manuela .................................................................. 111

Imagem 63 - Manuela ............................................................................................. 112

Imagem 64 - Profª Lorena, Daniele, Profª Elisane e Psicóloga Ariane .................... 113

Imagem 65 - Daniele e Manuela na equoterapia ..................................................... 114

Imagem 66 - Daniele na JAI 2017 ........................................................................... 115

Page 12: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Influências e modificações do ciclo familiar ............................................... 38

Page 13: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Familiares e amigos ................................................................................. 26

Tabela 2 - Mudanças históricas ................................................................................. 32

Tabela 3 - Formas de organização familiar ............................................................... 34

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

EdEA Educação Especial e Autismo

EJA Educação de Jovens e Adultos

FIEX Fundo de Incentivo à Extensão

JAI Jornada Acadêmica Integrada

HGE Hospital Geral do Exército

TIC´S Tecnologias da Informação e Comunicação

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação

PUC Pontifícia Universidade Católica

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSM Universidade Federal de Santa Maria

URI Universidade Federal de Santa Maria

UTI Unidade de tratamento Intensivo

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SUMÁRIO

1 NOTAS PARA COMEÇAR .............................................................................. 19 ALGUMAS PALAVRAS, UMA CONVERSA... .................................................. 19 PARTE I ........................................................................................................... 23 2 CAMINHOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 24 2.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA .................................................................... 24

2.2 ABORDAGEM BIOGRÁFICA ........................................................................... 24 2.2.1 Autobiografia .................................................................................................. 25 2.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ....................................................................... 25 2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO ..................................................... 27 2.5 INSTRUMENTOS ............................................................................................. 27

2.6 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DE DADOS ......................... 29 2.7 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................ 30

3 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 31 3.1 A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DO CONCEITO À SUA

ORGANIZAÇÃO ............................................................................................... 31 3.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DA MATERNIDADE E O PAPEL DE SER

MÃE .................................................................................................................. 35 3.3 E QUANDO O FILHO (A) NASCE COM DEFICIÊNCIA? ................................. 37

3.3.1 Demandas maternas: Os cuidados do filho (a) com deficiência ................ 40 PARTE II ......................................................................................................... 43 CAPÍTULO I ..................................................................................................... 44

UM ENCONTRO, UMA HISTÓRIA .................................................................. 45 CAPÍTULO II .................................................................................................... 50

A REALIZAÇÃO DE UM SONHO: DA GRAVIDEZ AO NASCIMENTO............ 51 CAPÍTULO III ................................................................................................... 67

DÚVIDAS, MEDOS E INCERTEZAS: UM DIAGNÓSTICO .............................. 68 CAPÍTULO IV ................................................................................................... 89 (RE) SIGNIFICAÇÕES DA MATERNIDADE: UM ENCONTRO COMIGO

MESMA ..................................................................................................... 90

NOTAS PARA FINALIZAR... ......................................................................... 117 OUTRAS PALAVRAS... .................................................................................. 118 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 120 ANEXOS ........................................................................................................ 127 ANEXO A: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA ............................................ 128

Page 16: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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1 NOTAS PARA COMEÇAR

ALGUMAS PALAVRAS, UMA CONVERSA...

Com esse trabalho, tenho a intenção de abordar uma conversa com os

leitores, mas, principalmente, com as mães especiais. Quero conversar e contar um

pouco da minha trajetória, conversar, compartilhar e apresentar as minhas [re]

significações da maternidade e a condição de Ser mãe especial. Sendo assim, trago

o significado dessa conversa, que para Larrosa “não é algo que se faça, mas algo no

que se entra” e, nessa conversa, “pode-se ir aonde não havia sido previsto”. E, o

que é fascinante na conversa é exatamente isso: “que, nela, pode-se chegar a dizer

o que não queria dizer, o que não sabia dizer, o que não podia dizer”. Pois “o valor

de uma conversa não está no fato de que, ao final se chegue ou não a um acordo,

pelo contrário, uma conversa está cheia de diferença e a arte da conversa consiste

em sustentar a tensão entre as diferenças, mantendo-as e não as dissolvendo e

mantendo também as dúvidas, as perplexidades, as interrogações”. E, é por isso,

que através de uma conversa quero narrar minhas vivências e minha trajetória como

mãe especial, pois, essa conversa, me perdoem à pretensão, mas se “faz

interessante”, pois, “em uma conversa, nunca existe a última palavra... Ao tentar me

encontrar, essa conversa me leva a trilhar caminhos desconhecidos, duvidosos,

pois, uma conversa, “pode manter dúvidas até o final, porém, cada vez mais

precisas, mais elaboradas, mais inteligentes, por isso, uma conversa pode manter as

diferenças até o final, porém, cada vez mais afinadas, mais sensíveis, mais

conscientes de si mesmas, e uma conversa não termina, simplesmente se

interrompe”. (LARROSA, 2003, p. 212-213).

Ao propor esta escrita utilizo-me de palavras1 e deslocamentos que

constituem a minha trajetória, não só como mãe de uma criança especial, como

também de uma esposa, mulher e profissional que, de forma brusca e inesperada

teve de mudar o rumo de sua caminhada cotidiana. Na busca de reencontrar e [res]

significar novos caminhos quero entrar nesta escrita para contar a minha história.

1 E isto a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidades [...] As palavras determinam nossos pensamentos porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras [...] E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas sobretudo é dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. (LARROSA, 2002, p.20, 21)

Page 17: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Sendo assim, o que vou fazer é, “simplesmente, explorar algumas palavras e tratar

de compartilhá-las” (LARROSA, 2002, p.19)

O ponto de partida dessa escrita se faz no momento em que resolvi retornar à

universidade, desta vez na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Um

sonho que tinha desde os tempos de infância, mas que estava adormecido, pois,

com o passar dos anos a vida me levou a trilhar outros caminhos.

Minha formação acadêmica inicial acontece na Universidade Regional

Integrada - URI, Campus de Frederico Westphalen, no curso de Ciências Biológicas

Licenciatura, durante os anos de 1999 a 2003.

Depois de formada trabalhei pouco na área de Ciências Biológicas, mas

remeto a este tempo a importância na aquisição de conhecimentos e experiência,

além do carinho e apego à carreira do magistério. Acredito que este percurso

profissional foi importantíssimo, pois hoje posso unir essas experiências à carreira

apaixonante da Educação Especial.

Atrelada a esta trajetória, no dia 23 de fevereiro de 2012 recebi o melhor

presente da minha vida, nascia minha filha Manuela. Nunca tivera sentido tamanha

felicidade, estava realizada, porém, sem deixar de lado meus planos de retornar ao

trabalho assim que a licença maternidade terminasse. Enfim, tudo parecia perfeito,

foi aí que, com quatro meses de vida iniciaram as complicações de saúde de minha

filha. Durante muitos dias eu e meu esposo percorremos de forma quase que

desesperada por diversos médicos em busca de respostas. Algo estava errado!

Nossa filha não estava bem, foi então que veio o diagnóstico: Síndrome de West2.

Iniciamos então, uma busca tenaz para a sua “cura”.

Sendo assim, nos anos de 2012 e 2013 dediquei-me integralmente aos seus

cuidados. Durante muitas vezes neste período pensei que não seria capaz de

realizar outra atividade, a não ser a de mãe, protetora e cuidadora de um Ser tão

frágil e amado. Porém, com o passar do tempo percebi que precisava saber e

conhecer mais sobre a alteridade3 deficiente. Foi então, que a Educação Especial

cruzou o meu caminho.

2 A síndrome de West é uma encefalopatia epiléptica relacionada especificamente a crianças com

menos de um ano de idade, resultante de múltiplas causas. Ela é caracterizada por um tipo específico de crise epiléptica, denominada "espasmos epilépticos", e anormalidades grosseiras ao eletroencefalograma (o chamado padrão hipsarrítmico ou hipsarritmia). O desenvolvimento psicomotor é invariavelmente prejudicado. Cerca de 60% das crianças desenvolvem outros tipos de crises, evoluindo para síndrome de Lennox-Gastaut (BRASIL, 2010). 3 A condição daquilo que é diferente de mim; a condição de ser outro (SILVA, 2000, p. 16).

Page 18: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

21

Iniciei os estudos na UFSM no ano de 2014, no Curso de Educação Especial

Noturno, dois anos após o nascimento de Manuela. Contudo, em muitos momentos

a tomada de decisões, as renúncias e a dor me fizeram questionar: Será que é este

o caminho que devo seguir? Será que vou encontrar a resposta ou as respostas

para os questionamentos que tenho? Hoje, tenho certeza que a caminhada

percorrida até agora valeu a pena.

Nessa caminhada, além do conhecimento tão almejado, o Curso me

possibilitou compreender, para então, com discernimento, iniciar a aplicação dos

ensinamentos na vivência cotidiana com minha filha. Fez-me parar, sentir e refletir a

condição do outro, da alteridade deficiente e a triste confirmação de que a sociedade

tende em depositar no outro todo o mal (DUSCHATZKY E SKLIAR, 2011). Sob o

mesmo viés, Larrosa nos coloca que:

a alteridade do outro permanece como reabsorvida em nossa identidade e reforça ainda mais, torna-a, se possível, mais arrogante, mais segura e mais satisfeita. A partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão; a criança, nossa maturidade; o selvagem; nossa civilização; o marginalizado, nossa integração; o estrangeiro, nosso país; o deficiente, nossa normalidade. (LARROSA, 1988, p.8).

Sendo assim, o conhecimento tão almejado veio ancorado por reflexões que

me habilitam a questionar e ir além, não só pensando na condição inicial - a

condição de melhorar a qualidade de vida da Manuela - e sim, na condição de

questionar e problematizar aquilo que era e, ainda é desconhecido para mim. Além

disso, levarei em meu coração, bons e queridos amigos que a Educação Especial

me presenteou.

Para seguir, para dizer qual é o meu olhar, quais são meus sentimentos e

minhas verdades, apresento como tema: Narrativas Autobiográficas: Experiências &

[Res] Significações de Ser mãe especial.

Como problemática para narrar essa história utilizo-me de tal indagação:

Como se constitui a trajetória e a experiência de Ser mãe de uma criança especial?

E como acontece as [res] significações da maternidade?Com eixo nestas perguntas,

vou narrar minha história como mãe especial, como fui sendo constituída e narro o

momento em que encontro meus caminhos e acontecimentos com o passado, que

vão me deslocando a [res] significar essas experiências vivenciadas.

Page 19: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

22

Diante disso, o objetivo central desse estudo constitui em buscar evidências

nas formas de se narrar e de narrar as experiências e [res] significações da

maternidade e a condição de Ser mãe especial.

Dessa forma, foram traçados os seguintes objetivos específicos:

- Revisitar a constituição da família e o papel de ser mãe de uma criança

especial;

- Elaborar um memorial autobiográfico narrando a experiência e a condição

da maternidade especial, como fui sendo constituída como mãe, esposa e mulher;

- Buscar através da memória os acontecimentos do passado, que vão me

deslocando para significar e ressignificar4 a condição de Ser mãe especial.

O trabalho será dividido em duas partes:

A primeira parte conta com os Caminhos Investigativos da pesquisa e relata

como a pesquisa foi constituída. Na continuidade abordo o Referencial Teórico,

subdividido em três partes: A instituição família através dos tempos: Do conceito a

sua organização, discorro também sobre as Considerações históricas da

maternidade e o papel de ser mãe, dispondo de fatos históricos e o sentimento da

maternidade, por fim, utilizo-me da seguinte questão: E quando o filho (a) nasce com

deficiência? Onde proponho uma breve reflexão nas vivências e relações que

cercam este contexto.

Na segunda parte, apresento ao leitor minha autobiografia, sendo essa parte

dividia em quatro capítulos:

• Capítulo I: Um encontro, uma história;

• Capitulo II: A realização de um sonho: da gravidez ao nascimento;

• Capítulo III: Dúvidas, medos e incertezas: Um diagnóstico;

• Capítulo IV: (Re) Significações da maternidade: Um encontro comigo mesma.

Por fim, apresento as Notas para Finalizar, onde proponho algumas reflexões

a respeito das experiências e [res] significações da maternidade. Nesse sentido,

acredito que o caminho que trilhamos é uma escolha pessoal e única, tais decisões

só competem a nós mesmos. Fiz a minha escolha, e para que ela acontecesse é

importante considerar, além de minha trajetória como mãe, minhas vivências e [res]

significações pessoais, o que justifica a preferência pela educação especial, não só

como profissão, mas sim, uma opção de vida.

4 O verbo ressignificar refere-se ao ato de dar novo ou outro significado a. (Dicionário Aurélio on-line, acesso em 17 de abril de 2017)

Page 20: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

23

PARTE I

Page 21: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

24

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

2.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, pois, preocupa-se com

aspectos da realidade que não podem ser quantificados, respeitando a

compreensão e dinâmica das relações sociais. Para Minayo (2000), a pesquisa

qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,

valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos

processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de

variáveis.

Além disso, a pesquisa irá ancorar-se qualitativamente nas trajetórias e

processos de [res] significações da maternidade especial, onde haverá a construção

de diálogos, de experiências e momentos vivenciados pela pesquisadora.

2.2 ABORDAGEM BIOGRÁFICA

A presente pesquisa será ancorada pela abordagem biográfica, à qual é

produzida por meio de um compromisso com a história e o processo de relembrar,

ondea vida vai sendo revisitada pelo sujeito (SOUZA, 2007).

Para, Queiroz (1998), Josso (2002) e Pineau (1999), biografia tanto é método,

como também é técnica, pois atingiu em seu processo histórico uma vasta

fundamentação teórica, além de desfrutar de conflitos, consensos e fundamentações

teórico-metodológicas sobre sua utilização.

Além disso, a abordagem biográfica é formada, metodologicamente, pela:

história de vida, história oral, biografia e autobiografia. Possuindo cada um deles,

métodos, gêneros e recursos metodológicos particulares. Contudo, conforme Souza

(p. 28, 2007) “[...] a imprecisão metodológica encaminha o pesquisador a equívocos

que vão desde a nomenclatura até recursos técnicos e de procedimentos.”

No método biográfico, segundo Souza (2007), as mais variadas

discriminações propiciam possibilidades de recuperar a singularidade de histórias,

ao mesmo tempo em que constroem histórias individuais ou coletivas.

Para tanto:

Através da abordagem biográfica o sujeito produz seu conhecimento sobre si, sobre os outros e o cotidiano, revelando-se através da subjetividade, da

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25

singularidade, das experiências e dos saberes. A centralidade do sujeito no processo de pesquisa e formação sublima a importância da abordagem compreensiva e das apropriações da experiência vivida, das relações entre subjetividade e narrativa como princípios, que concede ao sujeito o papel de ator e autor de sua própria história. (SOUZA, 2007, p.69).

2.2.1 Autobiografia

A Autobiografia, como frisa Queiroz (1988), consiste em narrativas da própria

existência, nela, o próprio narrador é quem se dispõe a narrar e contar sua vida,

dando a ela o encaminhamento que melhor lhe pareceu e detendo o controle sobre

os meios de registro.

A pesquisa autobiográfica permite ao sujeito revelar para si e também para os

demais, suas trajetórias de vida, narrando seus inúmeros significados. As escritas

autobiográficas são produzidas por meio de entrevistas, narrativas, diários, entre

outros.

De acordo com Abrahão:

As autobiografias são construídas por narrativas em que se desvelam trajetórias de vida. Esse processo de construção tem na narrativa a qualidade de possibilitar a autocompreensão, o conhecimento de si, aquele que narra sua trajetória. Ao trabalhar com metodologia e fontes dessa natureza o pesquisador conscientemente adota sua tradição em pesquisa que reconhece se a realidade social multifacetária, complexa, socialmente construída por seres humanos que vivenciam a experiência de modo holístico e inter-relacionado, em que as pessoas estão em constante processo de autoconhecimento (ABRAHÃO, 2004, p.203).

Sendo assim, na pesquisa autobiográfica o sujeito desvela para si, ao mesmo

tempo em que se revela para os demais as suas trajetórias, produzindo assim,

entendimentos com diversos significados (MARQUEZAN, 2015).

Podemos elucidar o fato de que a autobiográfica é o oposto da biográfica,

pois o sujeito desloca-se numa análise entre o papel vivido de ator e autor de suas

próprias experiências (SOUZA, 2006). Sendo assim, as experiências são vividas,

narradas e apresentadas pelo próprio autor. Segundo Josso (1991, p.343) a

“autobiografia expressa o escrito pela própria vida”.

2.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO

Por se tratar de um estudo autobiográfico, utilizo-me de minhas narrativas, ou

seja, irei narrar minhas vivências e experiências maternas. Farei isso como

Page 23: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

26

pesquisadora e, ao mesmo tempo, sujeito participante de minha própria história

neste estudo. Utilizarei o meu próprio nome – Daniele, e citarei alguns familiares que

trago descrito abaixo.

São nove familiares de primeiro grau, sendo três menores de idade (sete

residentes em Santa Maria-RS e dois em Florianópolis-SC, três familiares de

segundo grau (residentes em Santa Maria-RS), sendo um deles menor de idade e

um casal de amigos próximos da família e sua filha (residentes em Dourados- MS).

Segue quadro com a apresentação dos familiares/amigos a serem citados nas

narrativas autobiográficas.

Tabela 1 - Familiares e amigos

Fonte: Tabela elaborada pela pesquisadora.

Familiares que serão citados na

Pesquisa

Grau de Parentesco

Inácio Esposo

Manuela Filha

Sergio Pai

Jussara Mãe

Franciele Irmã

Gabriel Sobrinho

Ullia Sogra

Rogério Sogro

Paola Cunhada

Pablo Cunhado

Michele Cunhada

Milena Sobrinha

Alauri Primo

Denise Prima

Lucas Primo

Marcio Amigo

Elaine Amiga

Rafaela Amiga

Page 24: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

27

2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO

Antes de decidir a temática final para este Projeto de Pesquisa Profissional, a

intenção era narrar histórias de outras mães que tivessem filhos com deficiência.

Porém, a opção pela autobiografia se deu pela possibilidade de expor a minha

própria história e o caminho até aqui trilhado, revelando minhas experiências vividas

e pensadas, sentimentos que vão desde o luto até a luta. Além disso, a possibilidade

em ampliar o conhecimento sobre a temática se fez interessante, pois acredito que,

ao descrever minhas narrativas e apresentar minhas verdades, a busca por leituras

se fará presente e necessária, enriquecendo e fazendo-me refletir ainda mais sobre

o tema proposto.

Ao utilizar-me do método autobiográfico, utilizo como critério de exclusão a

utilização de narrativas de outrasmães especiais. Como critério de inclusão, irei

narrar acontecimentos, bem como relacioná-los com familiares de primeiro grau e

alguns amigos próximos.

2.5 INSTRUMENTOS

A autobiografia será apresentada sob forma de memorial e narrativas envoltas

por fotos, a qual apresentará as formas de se narrar e de narrar as experiências

vivenciadas e [res]significadas por mim na maternidade especial.

Ao considerar a importância do ato de narrar as experiências vividas, Abrahão

(2004), designa como sendo a produção de significados que articulam o presente,

passado e futuro, instigados pelas memórias e [res] significações, reconstruindo a

memória seletiva, de forma intencional ou não, consciente ou inconsciente.

Bastos (2008), afirma que as narrativas giram em torno de situações e

experiências, que demonstram como o narrador lidou com a situação, como

também, atualiza sua ação na história. Ao tecer uma narrativa, também se reconstrói

uma trajetória, algo vivido, produzindo assim, eventos abertos à interpretação.

Na autobiografia, as narrativas elucidam as experiências vividas, dando

sentido e significados. Para Queiroz (1981, p.19), o significado de narração

apresenta-se como, “o relato do narrador sobre a sua existência através do tempo,

tentando reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que

adquiriu”.

Page 25: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

28

Já para Queiroz (1981, p.19), “narrar é enunciar uma experiência particular

refletida sobre a qual construímos um sentido e damos um significado. Garimpamos

em nossa memória, consciente ou inconscientemente aquilo que deve ser dito e o

que deve ser calado”.

Contudo, para que aconteça o ato de narrar, a memória deverá ser

reconstruída, ser tomada por recordações, que darão suporte construtivo para

nossas narrativas (JOSSO, 2002). Ao buscar significados para o termo “Memória”,

encontramos no dicionário como sendo: 1- Faculdade de reter ideias, sensações,

impressões, adquiridas anteriormente. 2- Efeito da faculdade de lembrar; a própria

lembrança (HOUAISS Online).

Como discorre Oliveira (2009, p.2): “A memória, tomada por nós como

trabalho, é acionada no sentido de reconstruir imagens, acontecimentos e

experiências, produtoras de sentido à pessoa que se dispõe ao exercício da “escrita

de si”.

A memória como instrumento metodológico irá se fundir nas narrativas,

compondo assim, a escrita. Neste sentido, serão tecidas as narrativas

autobiográficas apresentadas por Silva (2012, p.11) como sendo: “as narrativas de

cunho autobiográfico podem ser encontradas em memoriais, que têm configurado

como campo fértil de análise, pois revelam essas situações cruciais e estruturantes

na determinação de escolhas e projetos de vida.”

O texto em formato de memorial é aberto, o acabamento do leitor é uma

possibilidade de interpretação. No formato de memorial, o texto configura-se como

instrumentos que recriam as vidas em relação aos indivíduos ou à sociedade

(SILVA, 2012). Por definição, o memorial pode representar um mapa de expressão

de vida de cada sujeito que possui a sua história com memórias, é um mapa

representativo que compreende a realidade social, histórica e cultural, juntamente

com o percurso vivido, que se restaura através da memória (TAVIRA, 2010).

Como referido anteriormente, ao trabalhar o processo de [res] significações

das trajetórias vividas, atrelamos a memória para a construção das narrativas,

revitalizando o percurso vivido no passado vinculando-os ao presente e ao futuro.

Neste sentido, trabalhos que requerem a memória, o pesquisador deve atentar-se

para ser:

[...] consciente de que o ato narrativo se estriba na memória do narrador e que a significação que o narrador deu ao fato do momento de seu

Page 26: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

29

acontecimento é ressignificado no momento da enunciação desse fato, em virtude de que a memória é reconstrutiva, além de ser seletiva, merece não só do tempo transcorrido e das diferentes ressignificações que o sujeito da narração imprime aos fatos ao longo do tempo [...] (ABRAHÃO, 2006, p.151)

Para Marquezam (2015, p.86), “as narrativas vão sendo ressignificadas como

lentes que ampliam a cena, propiciando inúmeras [res] significações, muitas vezes,

remexendo o baú da memória [...]”. E, desta forma, reproduzindo e produzindo as

trajetórias e experiências vividas.

Sendo assim, percebemos que a pesquisa (auto) biográfica, tanto no formato

de autobiografias, biografia, história oral ou história de vida, fomentam-se “como

fenômeno no ato de narrar-se, como método de investigação e, como processo de

autoconhecimento e construção de identidade (ABRAHÃO, 2006).

2.6 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DE DADOS

Ao trabalhar o método biográfico, no formato de autobiografia, por meio da

reconstrução da memória, representada e apresentada através de narrativas,

evidenciamos a importância na utilização de recursos de compreensão cênica e

fontes imagéticas (visuais, fotográficas), para a reconstituição e reconstrução do

passado, demonstrando tanto as trajetórias vividas como também as [res]

significações produzidas. E, desta forma, possibilitar a partir de narrativas

autobiográficas o entendimento de sentimentos e representações dos atores,

autores de suas histórias.

Sendo assim, busca-se com esta pesquisa a interpretação das narrativas

autobiográficas, trazendo como recurso as fontes imagéticas (filmes, material

videografado e a fotografia) (ABRAHÃO, 2014). Nesta pesquisa a fonte a ser

utilizada será a fotografia.

Para Marquezan (2015, p.116): “Na fotografia mobiliza-se à subjetividade e a

verdade de construtos que, em ciências sociais e em pesquisa (auto) biográfica são

como duas faces de uma mesma moeda, a ocorrência de uma implica na outra.

Tanto o fotógrafo como o fotografado “contaminam” a fotografia”.

Abrahão (2015) entende que a narratividade da imagem está implícita nela

própria, tensionada pelas diferentes cenas que se deixam perceber, utilizando-se da

observação como forma de entendimento.

Page 27: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

30

Sendo uma pesquisa de natureza qualitativa, apresentada através do método

biográfico, mas, especificamente, uma autobiografia, o sujeito autor será ator de sua

própria história, utilizando-se de narrativas produzidas e retiradas de sua memória e

fontes imagéticas, facilitando compreensão e entendimento dos leitores.

Desta forma, a coleta de dados se fará através de fatos retirados da memória

da pesquisadora, bem como, com o uso de fotografias e vídeos de arquivo pessoal,

o qual será analisado por meio de narrativas, no formato de memorial autobiográfico.

Os recortes da memória serão intercalados na escrita com fotos, a fim de ilustrar o

texto.

2.7 ASPECTOS ÉTICOS

Cabe ressaltar que a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número de registro CAAE

72272617.4.0000.5346, que encontra-se no Anexo A.

Aos familiares que serão citados no estudo, foi explicado o objetivo da

realização da pesquisa, bem como que, as narrativas se utilizarão dos próprios

nomes dos participantes, conforme descrito nos termos necessários e assinados

para a realização do estudo.

Desta forma, foi solicitada a assinatura no Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido, bem como assinatura para os menores de idade no termo de

Assentimento.

Quanto aos riscos da referida pesquisa, acredito que os procedimentos

adotados para a realização deste estudo trazem riscos mínimosàqueles/as que

serão citados/as. No caso de haver a percepção de desconforto a qualquer

participante, o relato será suspenso.

Acredito que os benefícios que a referida pesquisa pretende oferecer, será a

partilha de informações e conhecimento que serão divididos com os leitores, mas,

principalmente, com mães que como eu, vivem a condição de Ser mãe especial.

Page 28: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

31

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ATRAVÉS DOS TEMPOS: DO CONCEITO À SUA ORGANIZAÇÃO

No desenrolar da história, o processo de organização familiar não aconteceu

de forma linear. Cada cultura prevalente em um determinado momento evolutivo da

humanidade nos apresentou sua concepção singular de constituição (OSÓRIO,

1996).

A família é a instituição mais antiga da humanidade que, gradativamente,

modifica-se através dos tempos. Com a evolução da humanidade vem sofrendo

ajustamentos, não permanecendo a mesma. Sua incessante evolução acompanha

as características e alterações sociais. (MUNHOZ, 2003).

Desta forma, ressalta-se que, através dos tempos as definições de papéis

estão sofrendo inúmeras modificações. Nem sempre a constituição de pai, mãe e

filho é vista como unidade familiar, segundo Ackerman, (1986, p.30) “vínculos

familiares são compostos por uma fusão de fatores: biológicos, psicológicos, sociais

e econômicos”. Porém, sua constituição se faz fundamental.

Diante da temática a ser apresentada, torna-se imprescindível esclarecer

alguns conceitos referentes à família. Pois, como descreve Munhoz (2003, p.33) “A

vida humana é uma sucessão de eventos compartilhados e compartilháveis, que

tornam as experiências vividas uma sequência de momentos de construção

individual e social”. Nesta construção, a família é a unidade mais próxima à qual nos

encontramos em nossas relações iniciais. Sendo assim, “a família é a unidade

básica de crescimento, experiência, desempenho ou falha. É também a unidade

básica de doença e saúde”. (ACKERMAN, 1986, p.29).

Para melhor explicitar as mudanças ocorridas no núcleo familiar em seus

diversos momentos da história, utilizarei uma divisão expressa por Osório (2002,

p.45) que apresenta os modelos de família.

Page 29: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

32

Tabela 2 - Mudanças históricas

. Fonte: Adaptado de Osório L.C. Casais e Família: Uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2002, p.45

Organização de Estrutura

Familiar

Família Aristocrática

Família Camponesa

Família Burguesa

Família Operária

Família “Aldeia Global”

Função do Lar Proteção contra inimigos

Local de produção de bens essenciais e proteção contra inimigos.

Lugar de lazer, refúgio e intimidade.

Lugar de satisfação De alimentos e agasalho.

Proporcionar segurança física e psicológica

Objetivos Educacionais

Respeito à hierarquia social

Renúncia à individualidade.

Renúncia ao corpo/mente.

Renúncia à posse das fontes de produção em favor da obtenção dos bens de consumo.

Desenvolver aptidões específicas para a vida competitiva.

Relações Intrafamiliares e Autoridade

sobre os Filhos

Sub-rogados paternos (preceptores) como padrão de identificação. Punição pelo castigo físico. Crianças tratadas pelos pais como animais domésticos.

Modelo de autoridade matriarcal – mãe-terra nutrícia como padrão referencial. Castigo físico como punição. Deus e o pároco.

Pais como modelo de identificação. Autoridade parental. Punição pela retirada do amor ou incremento de culpa.

Modelo de autoridade patriarcal. O patrão como ponto de referência. Castigos físicos e abandono, como punição

Filhos como depositários das expectativas parentais. Autoridade paterna e materna compartidas.

Papéis Sexuais

Homem: promover alianças latifundiárias. Mulher: servir às alianças latifundiárias.

Homem: função nutrícia. Mulher: função de agasalho e proteção.

Homem: manutenção da casa. Mulher: criação dos filhos.

Homem: manutenção da casa. Mulher: manutenção da casa.

Equivalentes, ressalvadas as diferenças quanto ao papel reprodutor da espécie.

Casamento Acordos interclãs com vistas à manutenção da herança heráldica.

Seleção natural com matizes endogâmicos

Pressão dos pais, objetivando a preservação ou acumulação de bens.

Escolha individual aleatória

Substituição do contrato (civil ou (religioso) por livre união consensual.

Relação com o Crescimento Demográfico

Baixa natalidade. Alta mortalidade.

Alta natalidade. Alta mortalidade.

Baixa natalidade. Baixa mortalidade.

Alta natalidade. Alta mortalidade

Baixa natalidade. Baixa mortalidade.

Page 30: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

33

Segundo o dicionário Aurélio on-line (2017), família pode ser definida como:

“conjunto de todos os parentes de uma pessoa e, principalmente, os que moram

com ela, conjunto formado pelos pais e pelos filhos, conjunto de pessoas ligadas

pelo casamento e pelos seus eventuais descendentes [...].”

Firmando também o conceito de que a família é um grupo social dinâmico em

que os seus elementos se desenvolvem em conjunto, sendo sensível,

inevitavelmente, às mudanças da sociedade, (VIEIRA, 2007). Para Munhoz (2003) a

família é como um sistema organizado, não apresenta um desenvolvimento

uniforme.

Além disso, segundo Minuchin, Nichols e Lee (2009) a família pode ser

considerada um sistema, no qual, seus membros têm contato direto, laços

emocionais e comportamentais e compartilham de histórias. Dessa forma, os

comportamentos dos membros influenciam-se e dependem-se mutuamente um do

outro. Para Osório (2011, p.19), a família:

é uma unidade grupal, a qual se desenvolvem três tipos de relações pessoais- aliança (casal), filiação (pais/filho) e consanguinidade (irmãos)- que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhes condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais (OSÓRIO 2011, p.19).

Já para Duarte (2010), a família pode ser configurada por uma pluralidade de

representações, é entendida como um porto seguro, um abrigo afetuoso, privado,

autêntico e solidário, mas, também um lugar para a opressão, o egoísmo, a

obrigação e a violência. Observa-se assim, que o conceito de família é apresentado

de forma ampla.

Para Alarcão (2002), cada família é um todo, quando observada como um

sistema, integrando outros sistemas (comunidade, sociedade), com os quais se

desenvolve. Nesta evolução, a família é um sistema aberto e adquire influências e,

simultaneamente, também influencia. Desta forma, sua organização e configuração

apresentam diversas estruturas. Seguem algumas formas de organização familiar e

suas denominações:

Page 31: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

34

Tabela 3 - Formas de organização familiar

Fonte: Organização Familiar. Adaptado de MOREIRA, Maria I. C. (2013).

FAMÍLIA NUCLEAR SIMPLES

Composta por uma figura masculina e uma feminina (pai e mãe), onde todos os filhos são do relacionamento de ambos.

MONOPARENTAL SIMPLES FEMININA

Composta somente pela figura feminina (mãe) vive com seus filhos (ou com outras crianças) não há maiores de idade residindo junto.

MONOPARENTAL MASCULINA

SIMPLES

Composta pela figura masculina (pai), mesma configuração que a família citada acima

MONOPARENTAL

FEMININA EXTENSA

Composta pela figura materna (mãe) vive com seus filhos (ou adolescentes sob sua responsabilidade) juntamente com outro adulto sem filhos menores de idade.

MONOPARENTAL MASCULINA

EXTENSA

Composta pela figura masculina (pai), com a mesma configuração da família citada acima.

NUCLEAR EXTENSA

Família em que o pai e mãe estão presentes no domicílio, vivendo com seus filhos e outras crianças/adolescentes sob sua responsabilidade, além de outros adultos (parentes ou não).

FAMÍLIA CONVIVENTE

Várias famílias que residem no mesmo domicílio (parentes ou não).

FAMÍLIA NUCLEAR

RECONSTITUÍDA

Famílias que os pais vivem outro relacionamento (união). Família

FAMÍLIA DE GENITORES AUSENTES

O pai e a mãe não se fazem presentes, assim outro adulto (avós, tios, etc.) são os responsáveis.

FAMÍLIA NUCLEAR COM

CRIANÇAS AGREGADAS

Composta pela figura masculina e feminina (pai e mãe) juntamente com outras crianças e adolescentes sob sua responsabilidade.

Page 32: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

35

A evolução do conceito de família traz a discussão o casamento entre

homossexuais, algo ainda muito questionável e não aceitável em alguns países, que

traz à tona a discriminação e o não respeito pela liberdade e igualdade de direitos.

Surge então, um novo conceito de família, a família compreendida pela união

homoafetiva, que possui os mesmos princípios das famílias constituídas por

heterossexuais, considerando que a Constituição Federal de 1988, garante a todos

os mesmos direitos, de liberdade, igualdade e dignidade humana (MARQUES,

2016).

Observa-se que, embora cada família seja diferente em suas características,

todas possuem uma maneira organizada e previsível de funcionamento. Contudo, o

período de mudanças é inevitável, ocasionando modificações nos padrões

estabelecidos (TEPERINO, 2016).

Neste sentido, Buscaglia (2006) refere-se a este período de mudança ao

considerar uma súbita partida ou súbito acréscimo à unidade, que poderá

transformar toda a família. Tornando-se evidente nos casos de divórcio, nascimentos

ou mortes. No sentido de esclarecer esta escrita, faz-se necessário abordar mais

especificamente as relações maternas e as mudanças na estrutura familiar com o

nascimento de uma criança com deficiência.

3.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DA MATERNIDADE E O PAPEL DE SER MÃE

Podemos nos referir à maternidade como algo complexo, alvo de

investigações, tema que, ao longo do tempo vem sofrendo transformações,

mudanças e inovações que, muitas vezes, resumem-se ao papel único de ser mãe.

Desta forma, Scavone (2001) descreve que, a escolha da maternidade foi

consolidada apenas no século XX, mais precisamente na Revolução Industrial e

urbanização, época onde a mulher pôde optar em ser ou não mãe. Porém, a

evolução das últimas décadas atenta-se às novas tecnologias reprodutivas

(contraceptivas e conceptivas), concedendo à mulher a possibilidade da escolha

com maior discernimento.

Em épocas passadas, em comunidades rurais, contudo, visíveis em algumas

sociedades atuais, a maternidade estava incorporada à fecundidade da terra, as

crianças estavam estritamente relacionadas à estabilidade futura dos pais, em uma

Page 33: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

36

velhice segura, mesmo que no presente causando-lhes problemas, conforme

(KNIBIELHER, 1977).

De acordo com Giddens (1993), a “invenção da maternidade”, propiciou a

criação de fatores que afetaram, principalmente, a partir do século XVIII, a ideia do

amor romântico, criação do lar, modificação da relação entre pais e filhos e, após o

final do século XIX, ocorreu o “declínio do poder patriarcal”. Aliando a maternidade

com a feminilidade, restringindo a função social feminina apenas à maternidade.

Neste processo evolutivo, observamos a mudança de um modelo tradicional

da maternidade, com proles numerosas, para o modelo moderno, com proles

planejadas, este consolidado na sociedade industrial. Além disso, com a entrada da

mulher no mercado de trabalho, instaurou-se a mãe com uma dupla jornada, que

além de muitas vezes ser a mantenedora financeira da família, sua identidade

materna é responsável pelos afazeres do lar e cuidados para com os filhos, porém,

mesmo diante dos vários atributos observamos que até os dias atuais encontra-se

rodeada de injustiças e indiferenças.

Sendo assim, concebemos o papel de mãe em diversos âmbitos, cada qual

na sua individualidade de mulher, vista com olhares e sentimentos diversos, algo

histórico, que se modifica, mas, ao mesmo tempo, apresenta suas peculiaridades,

advindas da experiência materna, determinadas e associadas à evolução e

mudanças na dinâmica das sociedades.

Com base nessas relações podemos refletir que:

Ter um filho é considerado em cada civilização de um modo diferente; ser mãe pode ser visto como uma experiência perigosa, dolorosa, interessante, satisfatória ou importante, numa determinada mulher, numa determinada civilização. A forma de vivenciar associa-se quer as suas características individuais quer à atmosfera cultural que a circunda (CORREIA, 1998, p.365).

Baditner (1980, p.17), engendra a ideia de que, “[...] o amor materno existe

desde a origem dos tempos, mas não penso que exista, necessariamente, em todas

as mulheres, nem mesmo que a espécie só sobreviva graças a ele.” Sendo assim, a

autora considera que amor maternal não se encontra registrado na natureza

feminina, mas sim, acontece quando o contato, a evolução e dedicação às atitudes

maternas se manifestam. De acordo com esta reflexão podemos pensar em uma

Page 34: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

37

concepção do amor maternal, como algo produzido e interligado aos mais variados

sentimentos.

Durante a evolução das civilizações, a maternidade foi e, certamente, será

vista com olhares diferentes, contudo, traz consigo traços advindos de experiências

e vivências determinadas e associadas às mudanças e dinâmicas das sociedades.

Baditner (1980) se refere ao amor de mãe como algo complexo e imperfeito,

condicionado por sua vez, por inúmeros fatores, alternando-se de mulher para

mulher.

Para Bittencourt et al. (2016), através da evolução da humanidade, foi

possível perceber que o ato de exercer a maternidade tornou-se uma opção, assim

como outras escolhas na vida da mulher. Uma sucessão dinâmica de conhecimento,

que envolve além de cuidados, inúmeras mudanças psicológicas. Firmando assim,

uma nova fase na vida da mulher, com dúvidas, incertezas, medos, mas, acima de

tudo, algo completo, que envolve muito amor, dedicação e entrega.

3.3 E QUANDO O FILHO (A) NASCE COM DEFICIÊNCIA?

O grupo familiar apresenta-se dentro de um contexto evolutivo, o qual a

função da família se fará responsável pela continuidade das espécies,

desenvolvendo e formando sujeitos, esse processo recebe o nome de ciclo de vida

familiar (CASARIM, 2006). A ideia de ciclo vital está incorporada nos marcos mais

antigos das civilizações, que abrange a religião, mitologia e lenda. Dentro deste

contexto, Pincus e Dare (1981, p.09) afirmam que: “os marcos mais importantes no

ciclo vital da família são os mistérios universais do nascimento, sexo e morte”.

Considera-se nesta escrita, especificamente, as influências e modificações do

ciclo familiar nas reações de descoberta da deficiência, que causam aos pais e às

pessoas que participam do convívio do núcleo familiar. Nesta descoberta

sentimentos como choque, seguido de rejeição, tristeza, culpa, mágoa, trilhando um

caminho que vai até a adaptação e aceitação da realidade (BUSCAGLIA, 2006).

Pode-se elucidar a sequência destes fatos no quadro a seguir:

Page 35: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

38

Figura 1 - Influências e modificações do ciclo familiar

As dimensões do impacto deste nascimento são indeterminadas, executadas

internamente, em cada família, e para cada um na sua individualidade, conforme

Faber (1995, p.41), “não existe uma maneira correta de sentir a situação, e muitos

sentimentos se modificam e se deslocam”. Já de acordo com Buscaglia (2006.

p.105), “independente de qual seja a força de uma pessoa, dificilmente ela se

encontra preparada para se defrontar com o desespero real”, pois ao deparar-se

com as limitações do filho ocorre um embate ao desconhecido, realidade que

aparece, acontecendo de forma inesperada, causando medo, dor, sofrimentos e

frustrações. Para McGoldrick (1995) é um evento imprevisível, capaz de

desestruturar o ciclo de vida familiar.

No momento em que nasce uma criança com deficiência, nasce também uma

nova família, um pai, uma mãe especial. Segundo Messa e Fiamenghi Jr. (2010),

toda a expectativa da família precisa ser analisada, pois irá exigir novas adaptações.

O nascimento desta criança remete, inevitavelmente, a uma nova realidade, pois até

o nascimento anseiam pela criança perfeita e saudável, encontrando no filho

possibilidades de concretizar sonhos e ideais.

Neste momento, segundo Teperino, Carvalho e Soares (2016), há uma

alteração da rotina diária, juntamente com a quebra de sonhos e projetos dos

membros da família que, neste momento, desestrutura, sendo necessário um longo

processo para retomar o equilíbrio.

3.Organização Emocional

Adaptação Aceitação

2.Desorganização Emocional

Culpa; frustação, raiva. Tristeza/ mágoa

1. Choque; Rejeição; Negação

Procura pela curaSentimentos de desinteresse, perda,

pavor, surpresa, confusão

Fonte: Adaptado de CORREIA, Luís de Miranda. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. (Portugal: Porto Editora, p.199, p.150)

Page 36: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

39

Sendo assim, ao deparar-se com esta realidade, a família segue à procura de

maneiras de adequar-se à nova e discutível verdade, fazendo com que, tanto a

maternidade como a paternidade tornem-se uma experiência inquietante e

complexa, pois será sobre eles, entre outras preocupações, que as

responsabilidades recaem.

Para Duarte:

A chegada da notícia de que um dos filhos é deficiente e, por isso, uma criança limitada, conduz a família (pais e irmãos), obrigatoriamente, a questionar os seus planos de vida, os seus sonhos e desejos que, muitas vezes, são alterados frente ao contexto da limitação (DUARTE 2010, p.32).

Atrelado à formação e discussão da família, acredito ser fundamental abordar

a relação maternal, em especial, ao que tange a figura da pessoa que cuida do filho

(a) com deficiência.

Em momentos como estes, encontramos nas vivências destas famílias,

sentimentos como o de negação, que conforme Buscaglia (2006, p.109), “[...]

podemos negar a existência e excluí-los da consciência. Se fazemos a última opção,

reprimimos esses sentimentos e, inconscientemente, criamos padrões psicológicos

de defesa para mantê-los sob controle.” Podemos dizer que a negação é um

mecanismo de proteção amplamente discutido na literatura. Para Miller (1995), esse

sentimento, geralmente, apresenta-se de duas formas: a escolhida, ou seja,

ignorando-a e a negação inconsciente, quando os fatos não são percebidos, e não

se observa como verdadeiro. Isso influenciará diretamente na relação do vínculo

com o filho.

Contudo, Peten e Murata (2010) consideram fundamental o entendimento e

percepção dos pais sobre as causas e consequências da patologia, pois as

expectativas quanto ao desenvolvimento do filho e a tomada de decisões podem ser

influenciadas através da compreensão desses dados.

Porém, mesmo antes do entendimento da situação, algumas atitudes devem

ser tomadas, incluindo a busca por tratamentos e terapias. Ressalta-se que, na

maioria dos casos, a esperança e o desejo da cura é uma constante, independente

do diagnóstico ou explicação, mesmo que os pais estejam cientes da gravidade da

doença e a remota possibilidade de recuperação, este sentimento é permanente

(CREPALDI, 1995; PETEAM, 1995).

Page 37: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

40

Neste momento, a participação de profissionais especializados para

auxiliarem no processo de apresentação da “nova realidade” é fundamental, pois o

impacto do diagnóstico é tão grande que compromete o estabelecimento de vínculo,

a aceitação da criança e a compreensão de informações. (PETEAN, MURATA,

2000).

Imbricadas a estas necessidades, a presença e atuação destes profissionais

auxiliarão no processo de [re] significação e enfrentamento emocional, fundamentais

para o entendimento e transcurso sentimental, pois contornos frágeis e cobertos de

dúvidas são produzidos. Considera-se também uma gama de sentimentos, emoções

e expectativas até então desconhecidas. Além disso, neste processo, explicações se

fazem necessárias, são fundamentais, porém, devem ser conferidas de forma

adequada, clara e objetiva, de acordo com cada situação apresentada, trabalhando

a realidade específica de cada família, de cada mãe, contribuindo assim para sua

reestruturação.

3.3.1 Demandas maternas: Os cuidados do filho (a) com deficiência

Para Brazelton e Cramer (1992) a maior dificuldade causada pelo nascimento

de um bebê com deficiência consiste justamente no perecimento da autoestima da

mãe, pois o filho acaba refletindo o fracasso maternal, o que conduz ao perigo o

processo de vinculação. Tais assertivas completam-se ao pensamento de Kunst

(2010, p.116) de que “o medo e a angústia diante da necessidade especial precisam

ser pensados, sentidos e verbalizados pela mãe, só assim, ela poderá ser capaz de

trabalhar o seu problema e levar uma relação proveitosa e satisfatória com o filho”.

O nascimento de uma criança especial pode causar medo e angústia diante

da necessidade que ela possui. No momento da notícia do diagnóstico, Petean e

Murata (2000) afirmam que o impacto é tão grande que poderá comprometer o

estabelecimento do vínculo, da aceitação e do entendimento das informações.

Tais mudanças ocorrem, principalmente, na vida da mãe que, na maioria das

vezes é “chamada para assumir tais responsabilidades e compromissos (OLIVEIRA,

2013). O contexto familiar está socialmente demarcado o papel da mulher como

provedora dos cuidados às crianças, idosos e doentes (NEVES, 2008). Que

segundo Barbosa et al., a mãe:

Page 38: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

41

[...] Vê-se diante da necessidade de deixar o trabalho para atender às demandas de cuidado do filho (com deficiência), e também devido à dificuldade inicial em lidar com sentimentos e conflitos vividos. Sente-se incapaz de levar uma vida como tivera antes da chegada do filho e, assim, lança-se às exigências impostas pela situação vivenciada na família e no cuidado dele (BARBOSA et al , 2007, p.51).

Badinter (1985) nos diz que a sociedade ainda atribui à mulher as

responsabilidades pelos filhos, como se fosse a única com preparo para realizar tal

tarefa. Ademais, a mulher já possui sobre si a responsabilidade imposta pelos

afazeres domésticos e relacionada ao marido. Os legados tradicionais, que são

transmitidos, culturalmente, para as meninas da família, contribuem para que a

função de cuidadora principal seja internalizada (NEVES, 2007). Nestas

circunstâncias, a mulher acaba deixando de viver a sua vida, realizar seus sonhos e

satisfazer seus desejos (SILVA, 2014).

Diante desses itens, somando-se ao fato da perda do filho idealizado e o

nascimento de uma criança com deficiência, Silva (2014, p.6) discorre que: ”isso

pode desencadear o cuidado exacerbado, a renúncia de sua vida para o cuidado do

filho, a ausência de tempo para si, problemas com outros filhos (se houver),

problemas conjugais e mudança de sonhos e planos futuros”. Neves (2008, p.558)

aponta uma realidade vivenciada por muitas mulheres nessa situação: “A cuidadora

é valorizada pela sua condição materna e não feminina[...]”

Envolto a essa realidade enraizada na sociedade, que vê a mãe como

principal responsável pelos cuidados dos/as filhos/as e da casa, a maioria delas

acaba também interrompendo sua trajetória no mercado de trabalho.

Outro fator determinante na realidade vivida por algumas dessas mães é o

abandono, tanto direto como indireto do pai, ao saberem da deficiência do (a) filho

(a). Conforme descreve Silva:

De acordo com análises, os principais motivos para o abandono estão ligados à aceitação da deficiência, à falta de preparo que o homem tem para o cuidado com o filho (o que fortalece a ideia de que a mulher é quem foi preparada para o cuidado do filho), o fato do homem ter que trabalhar e a questão relacionada à virilidade abalada por ter tido um filho deficiente (SILVA, 2014, p.9).

O abandono direto, geralmente acontece porque muitos homens não aceitam

a realidade do filho com deficiência, por terem idealizado uma criança saudável

fazendo planos que, em muitos casos, não poderão ser realizados. Em decorrência,

Page 39: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

42

acabam distanciando-se e, por fim, abandonando a esposa e o filho, evitando assim,

viver com a realidade apresentada (SILVA, 2014).

Já o abandono de forma indireta, o descaso e a indiferença ocorrem quando

muitos pais, por não saberem como proceder com o filho com deficiência, acabam

esquivando-se de seus cuidados, dispondo para a mãe todas as responsabilidades.

Além disso, observa-se que, a mãe, ao assumir as responsabilidades da casa

e cuidados do filho com deficiência, acaba, muitas vezes, abdicando de seus sonhos

e planos. Silva (2014, p.12) diz que: “além da perda desses sonhos, a mulher perde

parte de sua vida e do tempo “para si”, o que gera ainda mais cansaço, estresse e

frustração.”

Considerando as demandas assumidas pela maioria de mães de crianças

com deficiência, observa-se a carência de políticas públicas que deem subsídios a

ações em prol dessas mães e seus filhos (as) e a ausência de profissionais e

instituições especializados que orientam que encaminham e fortaleçam essas mães

permitindo seu empoderamento5. Pois, de acordo com Neves (2008) ao estarem

empoderadas, poderão exigir seus direitos, exercer de forma plena sua cidadania,

garantir o cuidado com qualidade do filho, tomar decisões compartilhadas com os

profissionais que atendam seus filhos. Contudo, destaca-se a importância dessas

mulheres serem vistas de maneira individual, dotadas de sentimentos e valores, que

devem ser escutadas e respeitadas em seus papéis de mulheres, mães, cuidadoras

e esposas.

5 O conceito de empoderamento é concebido como ideia de poder. Empoderamento está intimamente

relacionado com a mudança de poder (ganhar, gastar, diminuir, perder). Ele é concebido como um processo social que ajuda as pessoas a ganhar controle sobre suas próprias vidas (HUR, 2006).

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PARTE II

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CAPÍTULO I

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UM ENCONTRO, UMA HISTÓRIA

Sentada na frente do computador, tento começar a descrever os motivos que

me levaram a esta biografia. A tarefa de descrever vivências, experiências e

sentimentos que mobilizam minhas emoções, remetendo-me a um passado não tão

longínquo. Começo narrando fatos que se fazem importantes na minha constituição

enquanto mãe de uma criança especial. Vou fazer isso em uma ordem cronológica6.

Era um sábado, 27 de Janeiro de 2007, seria apenas mais um sábado

qualquer se não fosse um convite de minha irmã. Ela me convidou para irmos a uma

casa noturna, não pensei muito, aceitei o convite. Mais um sábado, uma balada e

nada mais.

Mas, mal sabia eu, essa noite mudaria o rumo da minha vida. Foi na

madrugada de 27 para 28 de janeiro que nos conhecemos. Na época eu com 27

anos e ele com 21 anos. Pensei que nosso encontro fosse apenas algo casual, não

passaria de algumas palavras trocadas meio ao tumulto de uma casa noturna.

Mas, no outro dia ele me ligou, no outro também, e uma semana depois já

estávamos namorando. E namorando sério! Meu pai não concordou no início, “isso

não vai dar certo”, disse ele. Pois bem...

Já nos primeiros meses ficávamos juntos de segunda a segunda, apenas

quando ele estava de serviço7 nos separávamos. Sob esse viés, Gikovate (1984)

discorre que, no início de uma relação amorosa, surge primeiramente o interesse em

estar próximo do outro, depois encaminha-se para o que se pode chamar de

compromisso. Em seguida, os planos para o futuro, estabelecendo a ideia de que

uma pessoa passa a ser a coisa mais importante na vida da outra pessoa.

Na imagem 1 estávamos em um passeio de domingo, pela estrada do Perau.

Era Março de 2009. Costumávamos sair, praticamente, todas as tardes de domingo

para tomar chimarrão em algum local da cidade.

6 Uso letra em itálico para destacar e dar mais visibilidade as minhas narrativas. 7 Utilizo a palavra “serviço”, pois Inácio, meu namorado na época e hoje meu marido é Militar do Exército Brasileiro, na época, ocupava o posto de 3º Sargento, atualmente é 2º Sargento.

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46

Imagem 1 - Daniele e Inácio

Fonte - Arquivo pessoal da autora.

Cerca de um ano e meio depois, resolvemos ir morar juntos, ou melhor,

oficializar a situação. Carregamos conosco alguns detalhes enviesados no início de

nosso relacionamento: primeiro compramos nosso primeiro carro, depois fomos

morar juntos, oficializamos o relacionamento por meio de uma união estável,

compramos as alianças, e só depois de muitos anos, casamos perante a lei, em 28

de janeiro de 2012, exatamente 5 anos após nos conhecermos. Coincidência? Que

nada... Tudo planejado! Pouco mais de um mês depois do casamento, Manuela

nasceu... Acredito que, mais importante que seguir protocolos, como: namorar, casar

e ter filhos, o mais importante é a cumplicidade e o respeito, pois cada um traz

consigo a sua história, o seu passado e o desejo em construir um futuro. Dessa

forma, Diniz relata que:

Todo homem e toda mulher trazem para relação hábitos, valores, costumes e uma herança afetivo-emocional de suas famílias de origem. A construção da conjugalidade envolve negociações para o estabelecimento de um contrato que vai servir de base para o funcionamento conjugal. Esse contrato inclui várias dimensões: a sexualidade, as formas de demonstração de afeto aceitáveis em público e no contexto privado, a comunicação, as estratégias de negociação de diferenças e de resolução de conflito, a administração do tempo, a organização da vida a dois, a divisão de tarefas entre o par conjugal, o lugar do trabalho e do lazer na vida conjugal, objetivos e expectativas do casal, o grau de individualidade e liberdade de cada um, ter ou não ter filhos, a criação dos filhos, a relação com as famílias de origem, entre outros (DINIZ, 2011, p. 16).

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Em novembro de 2009 Inácio foi transferido para uma cidade no interior do

Pará. Claro que não pensei duas vezes! Malas prontas, e um novo ciclo se iniciou.

Nesse período, vivemos bons momentos, experiências diferentes, fizemos muitos

amigos. Confesso que no início estranhei muito, principalmente o calor Amazônico.

Nossa, lá é muito quente! Nas primeiras semanas, minha vontade era só de ficar em

locais que tinham ar condicionado. Mas, aos poucos fui me adaptando.

Logo que nos mudamos comecei a trabalhar, lecionei por dois anos em uma

escola municipal. No início foi complicado, principalmente ao que referia-se a

cultura, mas aos poucos fomos nos adaptando, eu com eles e eles comigo. Sinto

saudades daquela época.

Morávamos na Vila Militar, lá fizemos bons amigos, fazíamos muitos

passeios, tudo era motivo de comemoração. E ainda hoje quando lembramos

aquela época dizemos a seguinte frase: “O que a selva uniu a vida não separa”.

Foram dois anos de muitas histórias, conquistas e alegrias. Apesar da

distância da família, nunca me senti só. Pois amorosidade, paciência e carinho, são

qualidades que nunca faltaram em nossa relação. Desde que nos conhecemos,

trago comigo uma certeza, sou uma pessoa feliz.

Na imagem 2 estávamos em um passeio, na fazenda Maloquinha, localizada

no interior de Itaituba-PA, em meados de 2010. Já na imagem 3 um passeio de

barco pelo Rio Tapajós.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Imagem 2 - Daniele e Inácio na Fazenda Maloquinha

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Fonte: Arquivo pessoal da autora

Em dezembro de 2010, após mais de um ano longe da família, viajamos em

férias para o sul do pais. A saudade era grande. Como poderíamos ficar 40 dias

fora, dividimos esse tempo. Foram 20 dias em Santa Maria-RS com a minha família,

e 20 dias em Florianópolis com a família do meu marido.

Na imagem 4, eu e Inácio,na viagem de férias a Florianópolis, em Janeiro de

2010.

Imagem 4 - Daniele e Inácio na praia

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Imagem 3 - Daniele e Inácio

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Aproveitamos muito essas férias, mas um sentimento forte e especial me

fazia sentir que, as próximas férias seriam muito mais especiais. E foi!

Em meados de 2011, sendo mais precisa junho de 2011, nos completamos

ainda mais com a notícia da minha gestação: engravidei da Manuela. Felicidade que

não cabia dentro do peito. Nossa família estava aumentando. Nosso “Presente de

Deus” estava a caminho.

Na imagem 5, Inácio, eu grávida de sete meses e nossa afilhada Milena, na

festa de despedida do quartel em Itaituba-PA.

Fonte: Arquivo pessoal da autora

O tempo passou, estamos há mais de 10 anos juntos, construímos e estamos

a construir muitas histórias, e se depender de mim, tantas quantas a vida nos

permitir. Consagro nossa união ao amor, cumplicidade e, principalmente, ao

respeito. Palavras que imperam em nosso relacionamento.

Com esse breve relato finalizo as narrativas iniciais.

A partir de agora não será mais eu e ele, mas sim, nós... Eu, Inácio e

Manuela!

Imagem 5 - Daniele, Inácio e Milena

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CAPÍTULO II

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A REALIZAÇÃO DE UM SONHO: DA GRAVIDEZ AO NASCIMENTO

A gravidez é um período marcado por diversas mudanças e reestruturações,

que significa para a mulher uma experiência singular, repleta de variados e intensos

sentimentos (BRAZELTON e CRAMER, 1992; KLAUS e KENNEL, 1992). Além

disso, Maldonado (1997), afirma que, a gravidez se caracteriza por uma época de

transição, que envolve significativas mudanças na reestruturação da identidade e

papéis praticados pela mulher, bem como retoma as experiências anteriores.

Para Rubin (1975) gestar mais do que possibilitar o crescimento e

desenvolvimento fetal, compreende uma adaptação biológica, corporal e também

psíquica. Caracteriza-se por ser um período de reorganização do espaço psicológico

da mulher. Sob esse viés de mudanças e adaptações inicio este capítulo, narrando

alguns episódios deste período tão marcante e especial de nossas vidas

Maldonado (2002, p.15) diz que: “antes de engravidar “de verdade”, a pessoa

passa por um processo de se imaginar tendo um filho: como seria ele, se gostaria de

tê-lo já ou só mais tarde, o que espera de si própria como mãe ou como pai, o que

um filho representaria para sua vida.”

Em nosso caso, desde agosto de 2010 vínhamos conversando e planejando a

gravidez, mas a partir de maio de 2011 sentia-me mais sensível aos sentimentos

advindos da maternidade, me sentia cada vez mais próxima de realizar este sonho.

Nesse sentido, Maldonado (2002) reforça que, o relacionamento entre os pais e

bebê começa muito antes do nascimento.

Era Junho de 2011, sendo mais exata, dia 05, num sábado. Foi nesse dia

que engravidei. A sensação foi estranha, mas ao mesmo tempo sentia que algo

estava me completando, eu sabia que tinha engravidado, faltava apenas a

confirmação, que veio semanas depois.

Duas semanas após, fiz um teste de farmácia que deu negativo, mas sabia

que estava errado, então uma semana depois, repeti... Lembro-me como se fosse

hoje. Deu positivo! A emoção foi tamanha, meu coração batia tão forte, fiquei muito

feliz, mas, ao mesmo tempo, sensações de medo e insegurança tomaram conta de

mim, e uma dúvida inquietante me bateu: Como vou cuidar dessa criança? No dia

seguinte marquei uma consulta e fiz o exame de sangue. Essa mescla de

sentimentos é descrita por Maldonado (2002), como um acontecimento frequente e

presente no momento da confirmação da gravidez. “O impacto da notícia pode

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52

traduzir-se como euforia profunda, como sensação de grande poder e importância:

ser capaz de acolher dentro de si a vida sob a forma de um novo ser, que está se

formando e tornando-se uma pessoa (MALDONADO, 2002, p.50).

Na imagem 6 o exame que confirmou a gravidez.

Imagem 6 - Exame

Fonte: Arquivo pessoal da autora

A partir desde momento vivenciamos muitas alegrias e emoções. Nosso

sonho estava sendo realizado, nosso bebê estava a caminho. Estávamos ansiosos

pela ultrassonografia que confirmaria o sexo. Talvez, de acordo com Klaus e Kennel

(1992), pela possibilidade ter a chance de conhecê-lo, nomeá-lo e torná-lo menos

desconhecido. Lembro-me que ao escolhermos os nomes, eu escolhi o nome de

menina e Inácio o de menino. Sendo, Mariana ou Matheus. Porém, ao confirmamos

que nosso bebê seria uma menina, resolvi mudar. Mariana passava a se chamar

Manuela! Para Brazelton, (1992), a escolha do nome é compreendida como um

parâmetro de antecipação e existência do bebê. Além disso, Raphael-Leff (1997)

considera também que a escolha de um nome contribui para que as “conversas” da

mãe com o bebê tornem-se mais pessoais. A imagem 7 apresenta a primeira

Page 50: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

53

fotografia tirada depois da confirmação da gravidez, lembro-me perfeitamente desse

dia, era feriado na cidade de Itaituba, festejos de Santana, padroeira local.

Imagem 7 - Daniele grávida

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O tempo foi passando, a gravidez transcorrendo muito bem, em cada

ultrassonografia uma nova emoção, um sentimento maravilhoso em ouvir o

coraçãozinho de nosso bebê. A cada movimento do bebê meu coração disparava,

sentia-me muito emocionada e feliz. Nesse sentido, autores como Maldonado (1997)

e Raphale-Leff (1997) discorrem sobre a importância da percepção materna aos

movimentos fetais, momentos que as expectativas se fazem presentes, além de

possibilitar a gestante atribuir e interagir com o filho. Meu sonho em ser mãe

tornava-se realidade, e o sentimento era maravilhoso, inexplicável. De acordo com

Maldonado (2002, p.21): “A gravidez é uma época fecunda em vários sentidos: não

só um novo ser está se formando, mas também na mulher e no homem, está se

consolidando uma nova parte de si próprios- a capacidade de cuidar de uma

criança.”

A cada dia sentimentos tanto físicos como emocionais se mostravam

presentes na minha vida... Sentia muito sono, na época trabalhava apenas no turno

da tarde e noite e, sentia alguns poucos episódios de enjoos. Minha barriga logo

começou a aparecer, o peso também, esse não me poupou, no final das 38

Page 51: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

54

semanas, estava 23 kg mais pesada. Sentia-me enorme, mas muito feliz e realizada.

Sob esse viés, Maldonado descreve:

Na gestação, ocorrem modificações muito importantes: no corpo da mulher, que passa por uma série de modificações e adaptações que lhe possibilitam acolher o bebê; na vida emocional da mulher e do homem, que adquire um colorido bastante diferente do de outras épocas; na dinâmica do relacionamento do casal, que recebe impactos com repercussões bastante

profundas (MALDONADO, 2002, p. 21).

Nossas prioridades foram redefinidas, estávamos envolvidos no processo da

maternidade, eu estava grávida, mas Inácio também, viveu plenamente cada

momento desse período. Desde o início da gravidez tivemos de mudar alguns

comportamentos e hábitos, mas todos eles muito bem-vindos, afinal, era para o

bem-estar de nosso bebê. Maldonado (2002) descreve que estas mudanças

ocorrem, pois não se trata apenas de um homem e uma mulher, mas de um pai e

uma mãe, criando um vínculo com um terceiro; o filho. O homem e a mulher deixam

de ser apenas filhos e tornando-se também pais.

Ficamos morando no Estado do Pará até a entrada para o sétimo mês de

gestação até o dia 03 de dezembro de 2011. E, durante todo esse período de

gestação, sempre me senti muito bem. Lecionava em uma escola municipal e outra

particular. Trabalhei até o dia anterior a viagem de volta ao Rio Grande do Sul.

Lembro que neste dia fui pega de surpresa, meus colegas de escola fizeram uma

festa de despedida para mim. Foi muito emocionante. Tenho muita saudade desse

tempo e das pessoas que fizeram parte da minha vida, nesse que foi um dos

períodos mais incríveis que experienciei até hoje.

A seguir, a imagem 8, com alunos do EJA e a imagem 9 com colegas

professores e funcionários da escola, na confraternização de despedida.

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Fonte: Arquivo pessoal da autora

Imagem 9 - Daniele e colegas

Fonte: Arquivo pessoal da autora

De volta, e dessa vez de forma definitiva ao Rio Grande do Sul, tínhamos que

organizar nossa nova morada para a chegada da Manuela. Com tudo praticamente

encaminhado, resolvemos passar a virada de ano em Florianópolis, na casa da

minha sogra. Na viagem levamos conosco, meus pais e meu sobrinho Gabriel.

Lembro-me muito bem da viagem, eu estava enorme e de hora em hora tínhamos de

parar em um posto de gasolina para eu poder ir ao banheiro. Foi um passeio em

família muito divertido. Na imagem 10 eu, Inácio, meus pais e Gabriel, já na

imagem11, eu, Inácio, minha sogra e seu esposo Rogério.

Imagem 8 - Daniele e alunos da EJA

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Imagem 10 - Daniele, seus pais, Inácio e Gabriel

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Imagem 11 - Daniele, Inácio, Ullia e Rogério

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Retornando das férias, estávamos com nosso casamento marcado, isso

mesmo, cinco anos após nos conhecermos resolvemos casar, exatamente no dia 28

de janeiro de 2012, oficializamos nossa união perante a lei. Eu já estava muito

inchada, eu diria enorme! Em pouco menos de um mês Manuela iria nascer.

Na imagem 12 nós e as testemunhas de casamento. Da esquerda para

direita: Os amigos, Inajara, Jesum e o filho Bernardo, eu, Inácio, Michele (esposa do

irmão do Inácio), Pablo (irmão do Inácio) e Milena, filha do casal e nossa afiliada.

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Imagem 12 - Daniele, Inácio e testemunhas de casamento

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Aproveito esses momentos, para descrever a importância da presença do

Inácio durante toda a gestação, seu carinho, apoio, atenção e, principalmente, ao

seu amor. Nesse viés Desse e Braz (2000) destacam a importância do pai da

criança durante a gestação e os primeiros meses do bebê. Além disso, a literatura

tem revelado que os homens tendem a participar mais ativamente do processo

gestacional, tanto nas questões emocionais como também nas atividades práticas

(GOMES, 200). De acordo com Krob et. al (2009), os homens vivenciam a gestação

com sentimentos intensos, de alegria, ansiedade, conflito, preocupações com a mãe

e o bebê incluindo as expectativas acerca do papel paterno.

A imagem 13, depois de oficializarmos a nossa união.

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Imagem 13 - Daniele e Inácio

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

No final da gestação, as consultas médicas tornaram-se semanais, mas até

então tudo corria muito bem. O quarto da Manuela estava lindo, suas roupinhas

limpas, e nossas malas para a maternidade prontas. Então, o tão esperado dia

chegou, cesariana agendada, lá fomos nós, era dia 22 de fevereiro. Lembro-me

como se fosse hoje, deixei a casa impecável, tudo limpinho e no lugar. Estava com

38 semanas e 3 dias de gestação, apesar de muito inchada, sentia-me muito bem.

Porém, muito ansiosa, pois o tão distante parto estava próximo. Maldonado

descreve sentimentos que antecedem esse acontecimento:

O parto marca um momento de transição extremamente importante: é a passagem do bebê que estava dentro da barriga para o mundo. A mulher e o homem, no decorrer da gravidez, têm campo livre para imaginar como será o bebê. É comum que idealizem em termos bem irreais: o neném que nasce com pele rosada e bem lisinha, todo bem-feitinho, lindo demais, parecido com o papai ou com a mamãe, que dorme muito, quase não chora e não reclama (MALDONADO, 2002, p. 88)

A noite de 22 de fevereiro dormimos no hospital, tínhamos agendado a

cesárea para às 7h e 30 min. do dia seguinte. Na manhã do dia 23 tivemos um

imprevisto, nosso horário passou para às 9h. Na hora marcada fui para a sala

realizar o procedimento cirúrgico. Estava muito nervosa...

No momento do nascimento, Manuela não chorou... Senti algo muito forte

dentro de mim, sabia que alguma coisa não estava certa, mas, em seguida, foi

Page 56: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

59

entregue ao pediatra e logo após chorou, confesso que o choro foi fraquinho, mas

chorou...

Parecia bem, logo em seguida a trouxeram até mim para conhecê-la,

Aproveitamos para registrar o momento, representado pela imagem 14. O que senti?

Uma felicidade que não cabia no peito!

Já na imagem 15 e 16 a primeira foto com a vovó materna Jussara e com o

papai Inácio.

Imagem 14 - Daniele e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Imagem 15 - Manuela e vovó Jussara

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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Imagem 16 - Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Manuela nasceu dia 23/02/2012 às 09h e 40 minutos, era uma quinta-feira

quente e ensolarada. Recebemos alta do hospital no sábado dia 25/02/2017. Nesses

primeiros dias após o parto uma gama de sentimentos são vividos e experiênciados,

como a euforia, o alívio, desconforto físico, medo e ansiedade de não conseguir

amamentar, entre outros (MALDONADO, 2002). Já nos primeiros dias percebi a

dificuldade em amamentar. Tentamos quase um mês. Após oferecer o seio, ela não

sugava, então oferecíamos o leite no copinho, na colherinha, mas víamos que nossa

Pequena não ficava satisfeita, foi então que em uma das várias madrugadas que

ficamos tentando amamentá-la acabamos cedendo as facilidades da mamadeira. Ela

sugou desesperadamente... Foi emocionante!

[...] é importante não confundir o conceito de “boa mãe” com a “mãe que amamenta”. Ser boa mãe é a mãe que pode ser, de acordo com sua vida e sua história pessoal, com limitações e possibilidades. [...] a relação de amor também pode acontecer quando o bebê é alimentado com mamadeira (MALDONADO, 2002, p, 131).

Essa é uma das lembranças que ao relembrar me emociona muito, pois a

partir de seus 10 meses Manuela começou a se alimentar por sonda gástrica.

Na imagem 17, Manuela e as bonecas que tínhamos comprado para decorar

seu quarto. Nesta foto ela estava com quatro dias de vida.

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Imagem 17 - Manuela e as bonecas

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Durante os quatro primeiros meses tudo parecia aparentemente normal. Eu e

Inácio tínhamos iniciando um novo ciclo de vida, havíamos nos tornado mãe e pai,

um momento desafiante do ciclo de vida familiar (BRADT, 2001).

Com a maternidade, minha rotina mudou completamente, mas estava muito

feliz. Nossos dias se resumiam em ficar em casa esperando o papai chegar, e fazer

alguns passeios na casa da vovó (materna) e dos dindos (Pablo e Michele), bem

como, receber muitas visitas, principalmente, no primeiro mês. Nossa menina desde

sempre é muito amada...

Como citei anteriormente, para a realização dessa escrita utilizaria as fontes

imagéticas (fotos e vídeos), pois bem, algumas fotos estão sendo dispostas no

decorrer das narrativas, porém, os vídeos estou assistindo e me emocionando muito,

são momentos muito bonitos, me fazem lembrar detalhes adormecidos, ocasiões

que me fazem pensar e refletir em tudo que vivenciamos.Confesso que as lágrimas

se fazem presentes em momentos como esses.

Um dos registros fotográficos destes primeiros meses que sou apaixonada,

refere-se a imagem 18. Estávamos indo para a consulta do primeiro mês da

Manuela. O amor e a cumplicidade retratados na imagem se fazem presentes todos

os dias. Nesse sentido, Dessen e Braz (2000) apontaram a importância do pai para

o funcionamento da família, pois a adaptação ao nascimento de um filho depende da

complementaridade dos genitores. Já Kane e Garber, (2004) descrevem a

Page 59: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

62

importância das interações pai-criança, pois refletem no comportamento e emoções,

proporcionando a criança maiores competências sociais e cognitivas.

Imagem 18- Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Fazendo uma busca atenta e detalhada nas fotos percebi que a maioria delas,

ou Manuela está sozinha ou está com seu pai. São poucos registros destes

primeiros meses que me faço presente nas imagens. Afinal, a mamãe aqui engordou

23 kg, e não se sentia “apta” para as fotografias!

Na imagem 19, um de nossos momentos na hora do banho. Manuela já

estava com mais de um mês de vida e eu ainda usava as roupas de gestante.

Page 60: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 19 - Daniele e Manuela no banho

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Os dias foram se passando... Lembro que, nas consultas de rotina com o

pediatra, de três e quatro meses, Inácio não pode ir, estava de serviço, então minha

mãe nos acompanhou. E nesses dois momentos ela questionou o médico sobre a

evolução da Manuela. Ele, por sua vez, disse que a menina era uma criança calma,

que cada um evolui de uma maneira diferente. E para se fazer mais claro, pegou a

carteira de vacinação dela e nos apontou um gráfico do desenvolvimento dos

bebês... Manuela estava “dentro” dos parâmetros de desenvolvimento para sua faixa

etária. Agora irei explicar o porquê de minha mãe questionar...

Nossa menina quase nunca chorava além de dormir muito... Talvez a questão

do sono intenso do bebê nos primeiros meses até se faça presente, mas em nosso

caso, já eram indícios do que estava prestes a acontecer...

Mas, ainda relembrando momentos em que tudo parecia “normal”. Na imagem

20 mais momentos de puro amor, entre esses dois colorados.

Page 61: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 20 - Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Com o passar dos dias, pensava cada vez mais em retomar minha carreira,

voltar a trabalhar e estudar. Nunca fui uma pessoa de ficar em casa. Como sempre

digo: Não nasci para ser “do lar”! Perdoem-me as mulheres que optam por essa

escolha.

Minha licença maternidade estava terminando, logo estaria voltando ao

trabalho, claro que pretendia diminuir o ritmo, minha intenção na época era trabalhar

apenas 20 horas semanais, e durante esse período deixaria Manuela aos cuidados

da minha mãe.

Porém, a vida nos prega algumas peças... Nossos sonhos, nossos planos,

diria até nossos ideais de vida, de um dia para o outro mudam completamente. Hoje,

tento acreditar que, Deus sabe o que é melhor para cada um... Mas, por vezes,

agora menos é claro, questiono esse Deus... Por que comigo? Por que dessa

forma? E se fosse diferente, como seria? Confesso que evito pensar nisso, mas

existem situações que são desafiadoras e não consigo me desvencilhar de

pensamentos como esses.

Na imagem 21, momentos que antecederam nossa luta em busca de

respostas.

Page 62: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 21 - Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Pois bem, era início do mês de julho-dia 02/07/2012, uma segunda-feira, ela

não parecia estar bem... E, realmente não estava!

Neste momento iniciou nossa peregrinação em busca de repostas. Sabíamos

que algo estava errado, mas não sabíamos o que era. Não queria acreditar ou talvez

aceitar, mas não tínhamos saída, algo deveria ser feito. A partir desse dia, até o dia

07/07/2012, foram incansáveis idas e vindas a vários médicos.

Foi então que dia 07/12/2012 um sábado, início da tarde, a pediatra que

atendeu ela, desconfiou que pudesse ser convulsões. Foi então, que se deu a

primeira e mais difícil internação de nossa Menina. Entrar com minha filha nos

braços, deixando-a no leito de uma UTI- Unidade de Tratamento Intensivo-, foi até

então, o momento mais difícil e doloroso que passei. Além da dor, a sensação era

muito estranha, parecia que não estava caminhando, mas sim, flutuando... Foi nesse

momento que os questionamentos começaram a se fazer presentes.

Tinha certeza que a saúde dela não estava bem, mas a esperança que ela

poderia melhorar de um dia para outro não me abandonava. Chorei muito esse final

de semana. Um choro silencioso, com o rosto encostado em um berço de UTI, um

choro sem entender muito bem o que estava acontecendo... Olhava para aquele

Page 63: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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bebê lindo e indefeso e me desesperava. Tinha que fazer alguma coisa, mas não

tinha forças... Sob esse viés, Buscaglia explica que:

As pessoas que trazem ao mundo uma criança deficiente recebem um novo papel tornam-se por extensão pais especiais, que com frequência são forçados a olhar de modo mais profundo e avaliador as interações desse novo papel. Devem tentar compreender sentimentos e atitudes ocasionados por uma nova situação para qual há poucas orientações e definições. [...] novas questões que talvez nunca se tenha dado a conhecer, são levantadas-questões perturbadoras como: “Por que isso foi acontecer comigo?” “Poderei ser um bom pai (mãe) apesar das deficiências de meu filho?” “Serei capaz de atender suas necessidades especiais?” Conseguirei suportar as pressões sociais” “Poderei custear as despesas financeiras?” “Serei emocionalmente forte para enfrentar a situação?”. Muitos dos pais de crianças deficientes nunca passarão do estágio de questionamentos, pois a maioria das perguntas que fazem a si mesmos não tem resposta específicas (BUSCAGLIA, 2006, p. 93-94).

Considerando o caminho até aqui trilhado, finalizo esse capítulo II com as

vivências8 e experiências9 que nos aconteceram até o dia 07/07/2012. Darei início

ao capítulo III a partir do dia 09/07/2012 – o dia em que recebemos o temeroso

diagnóstico.

8Viver determinado momento de modo que o mesmo tenha um significado profundo. (DICIONÁRIO

HOUAISS ON-LINE. Acesso em 10 de setembro de 2017). 9 A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, para olhar, para escutar, pensar mais devagar, para sentir, sentir mais devagar, demora-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspendera vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção, a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSSA, 2002, p.24)

Page 64: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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CAPÍTULO III

Page 65: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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DÚVIDAS, MEDOS E INCERTEZAS: UM DIAGNÓSTICO

Era uma segunda-feira, fria, porém ensolarada, um dia bonito, se não fossem

as circunstâncias. Lembro-me que naquela manhã Manuela foi encaminhada para

realizar um eletroencefalograma10, o resultado ficaria pronto à tarde do mesmo dia,

turno em que o neuropediatra faria a reavaliação.

Naquela manhã tivemos a primeira consulta com o neuropediatra. Relatamos

para ele o que estava acontecendo, em seguida, ele iniciou o exame clinico. O

tempo em que o médico ficou examinando nossa menina, alguns minutos que

pareciam intermináveis. Meu coração estava aflito... Em seguida nos deu um

parecer prévio, disse que poderia ser um tipo de epilepsia11, mas que só poderia

confirmar após a análise do exame, que ficaria pronto à tarde. Na imagem 22,

Manuela em sua primeira internação na UTI-Pediátrica.

Imagem 22 - Manuela no hospital

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

10 O Eletroencefalograma (EEG) é um exame que analisa a atividade elétrica cerebral espontânea, captada através da utilização de eletrodos colocados sobre o couro cabeludo. Como a atividade elétrica espontânea está presente desde o nascimento, o EEG pode ser útil em todas as idades, desde recém-nascidos até pacientes idosos. O objetivo desse exame é obter registro da atividade elétrica cerebral para o diagnóstico de eventuais anormalidades dessa atividade.

https://www.einstein.br/especialidades/neurologia/exames-tratamentos/eletroencefalograma. 11 “Define-se epilepsia como um estado de crises convulsivas recorrentes, sendo uma doença crônica que atinge todas as faixas etárias”. (SANTOS, p.2, 2014).

Page 66: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Com a ideia de uma provável epilepsia, logo pensei... Conheço algumas

pessoas com essa doença, e elas levam uma vida normal... Com Manuela também

será assim!

Porém, no final daquela tarde veio a confirmação... Manuela tem epilepsia,

mas um tipo de epilepsia raro, grave e de difícil controle. O médico nos disse: Tem

tratamento, mas não vai ser fácil. E realmente, não é fácil... Apesar de ter

consciência que nossa Manuela estava doente, no fundo do meu coração tinha uma

esperança que tudo aquilo poderia ser um enganado, que ela não teria nada e logo

voltaríamos para casa. Com o diagnóstico de Síndrome de West nosso mundo

desabou... Faço uso de nosso, considerando eu e Inácio. E agora?

Nesse momento, conforme descreve Miller (1995) e Cunha (2010) inicia-se

uma nova fase para os pais, pois tenciona-se a partir dessa confirmação a

necessidade de adaptar-se à nova realidade. E sentimentos de choque, tristeza,

depressão, luto, medo e negação são comuns diante a descoberta da deficiência.

Além dessa reconstrução de sentimentos, as reações de dor são inevitáveis

frente à comunicação do diagnóstico. (SUNELAITIS, 2007; CAVALCANTE,

2001;SILVA, 2008).

Sendo assim, para facilitar o entendimento sobre a Síndrome de West,

apresentarei um breve conceito, o histórico, etiologia e prevalência:

O que é?

A Síndrome de West é classificada como um tipo grave de epilepsia. Como se

trata de uma patologia que acomete crianças é um tipo de epilepsia por ocorrer um

conjunto de sintomas de crises epiléticas, caracterizada por contrações musculares

bruscas, generalizadas ou localizadas, na maior parte das vezes em flexão, tendo

como denominação “espasmos em flexão” (FLUENTES, 2008). Corroborando com

Fluentes (2008), trago De Andrade Souza (2008, p.35), que apresenta a seguinte

definição: “Síndrome de West é uma síndrome idade-relacionada, caracterizada por

espasmos em flexão, padrão eletrográfico com hipsarritmia e atraso no

desenvolvimento neuropsicomotor, podendo ser sintomática ou criptogênica”.

Histórico

No ano de 1841 o médico, West, escreveu uma carta ao editor da revista

“Lancet”, intitulada: "Uma forma peculiar de convulsões infantis." Com esta carta, o

Page 67: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

70

médico tinha a intenção de chamar a atenção de seus colegas para "uma espécie

muito rara e singular de convulsões, peculiar de crianças." Ele descreveu as

particularidades dos sintomas de seu filho, uma carta em que demonstrava tanto o

posicionamento do médico, quanto à decepção de um pai de uma criança

gravemente doente. (ELING, 2002). Sendo assim, a síndrome em questão recebeu

esse nome em homenagem ao médico William James West (1793-1848), o primeiro

a descrevê-la. (TORRES, 2011).

Etiologia

Segundo Sanvitto (1977, p.411), a Síndrome de West pode ser dividida em

três grupos:

Grupo Criptogênio: Quando a causa é desconhecida;

Grupo Sintomático: De causa conhecida, como por exemplo, prévio

desenvolvimento neuropsicomotor anormal, alterações e lesões cerebrais;

Grupo Idiopático: Casos que não se define uma doença de base, podendo

estar o desenvolvimento psicomotor algumas vezes normal.

Prevalência

A síndrome de West constitui 2% de todas as epilepsias de infância (ELING,

2002). E de acordo com Sanvito (1997, p. 411),manifesta-se sempre no primeiro ano

de vida, principalmente, entre os quatro e sete meses de vida. O sexo masculino é o

mais afetado – dois para um.

Espero que, com essa breve explicação, seja possível entender o que é a

Síndrome West. Pois bem, quando o médico retornou para verificar o exame e nos

dar o diagnóstico, eu não estava na UTI, Inácio estava sozinho. Não sabíamos o

horário da visita médica, e, como na UTI pediátrica é possível ficar apenas um

acompanhante com a criança, nesse momento eu estava na sala de espera.

Quando fiquei sabendo através do Inácio que se tratava de uma síndrome

chamada West, fui para casa pesquisar... Precisava saber o que estava

acontecendo com a minha menina. Ao pesquisar no tão famoso “Dr Google”, fiquei

em estado de choque, chorei desesperadamente. Isso não poderia estar

acontecendo com ela...

Sob esse viés, a utilização da internet, permite aos indivíduos a obtenção de

diversos tipos de informação, além disso, as informações podem ser obtidas a

Page 68: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

71

qualquer momento. As informações colhidas na internet auxiliam na promoção do

conhecimento sobre a patologia, como também nos tipos de tratamento. (GARBIN,

2010). Porém, a qualidade da informação demanda atenção, conforme Levy (1993)

existe um “Dilúvio de informações”, muitas delas contraditórias, incompletas e

incorretas.

Como pesquisei de forma rápida e considerando meu estado de pânico, não

prestei muita atenção nas informações, vi apenas algumas imagens, não prestando

atenção na confiabilidade dos sites. Foi um momento muito difícil. Passado algum

tempo, o médico da Manuela me orientou de como e onde deveria realizar minhas

pesquisas.

Passei aquela noite no hospital com ela, uma noite muito difícil, assim como

as outras que estavam por vir. O que senti durante aqueles dias até hoje não

consigo explicar, um misto de tristeza, medo, desesperança, pânico, solidão e

revolta. Conforme Buscaglia (2006), eu estava passando por um processo de

lamentação, detonado pela primeira tomada de consciência da deficiência, que é

basicamente formado por lágrimas, decepção e descrença. Além disso, o medo é

outra emoção partilhada por pais de crianças com deficiência. De acordo com

Buscaglia (2007, p.108) “temos um medo natural daquilo que não compreendemos,”

Jamais irei esquecer aquela noite, e a fala de uma das técnicas de enfermagem ao

me ver chorar naquela madrugada: “Mãezinha, você vai ter que acostumar, a partir

de agora será assim.”

Como acostumar? Aquela fala me deixou ainda mais desesperada e

fragilizada. Neves (2008) afirma não ser incomum no dia a dia dos serviços de

saúde, o profissional infantilizar o seu discurso ao relacionar-se com as mulheres

que são mães, tratando-as como “mãezinhas”. Nesse sentido, Para Regen (1993) e

Pasqualin (1998), afirma que a maioria dos profissionais de saúde estão

despreparados para lidar com essas demandas.

Na tarde do dia seguinte, terça-feira, 10 de julho de 2012, uma psicóloga veio

conversar comigo. Comecei a conversar com ela e chorar desesperadamente, ela

me deu um pacote de lenços de papéis (tenho até hoje a embalagem e alguns deles,

mais adiante irei explicar o significado que tem para mim). Em nossas conversas,

nesse e em outros dias que seguiram, comentei com ela que deixaria tudo de lado

para cuidar da Manuela, uma dedicação exclusiva. Na época acreditava que isso

bastaria para sua cura.

Page 69: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

72

Nesse contexto, compete ao profissional exercer um papel fundamental, pois

esse é o momento em que os pais precisarão encontrar forças para enfrentar os

próprios sentimentos, e partir em busca de recursos e tratamentos para com seu

filho. (BATISTA, 2007).

Em nossas conversas, ela(a psicóloga) me dizia que não era assim, que eu e

meu marido precisamos viver, seguir em frente, que essas atitudes iriam refletir

positivamente na qualidade de vida da Manuela.Para Buscaglia (2006 p.36), os pais

devem “ser informados de sua responsabilidade e dos efeitos profundos e

duradouros que aquilo que fizerem, ou não fizerem, poderá ter no crescimento e

desenvolvimento de seus filhos[...]”.

Confesso que tudo que ela me falou, naquele momento, parecia não estar

sendo internalizado, nada me fazia mudar o pensamento. Acreditava que era minha

obrigação dedicar-me integralmente a minha filha. Hoje, consigo entender o que a

psicóloga tentava me fazer compreender. Buscaglia explica que:

Não há pais perfeitos, mas nenhuma criança exige a perfeição. Nos primeiros estágios do aprendizado de seu papel especial, os pais passarão por momentos de irritações, ansiedade e medos. Estarão imersos em seus próprios problemas e preocupações e, momentaneamente, se encontrarão incapazes de responder às necessidades do bebê. [...] Em primeiro lugar, devemos lembrar que em matéria de aprender a viver e amar, um bebê é um bebê, independente de suas limitações [...] (BUSCAGLIA, 2006, p. 41).

Os dias foram passando, Manuela reagia bem ao tratamento, as crises

convulsivas foram diminuindo, como também sua sucção, não conseguia mais sugar

a mamadeira, foi necessário colocar uma sonda nasogástrica12 para alimentá-la.

Mais uma situação difícil, e mal sabíamos que os desafios estavam apenas

começando.

Com o início do tratamento medicamentoso, as terapias também iniciaram

(fisioterapia e fonoterapia). Sob esse contexto, acredito que as informações

fornecidas pelos profissionais envoltos ao processo foram fundamentais para nossa

mobilização e organização do tratamento. Na época, acreditava que com todos

esses estímulos a “cura” viria em breve. A internação da Manuela durou 10 dias,

12 A sonda nasogástrica é um procedimento médico evasivo, onde um tubo de polivinil é introduzido

desde as narinas até o estômago do paciente para a alimentação, quando o indivíduo não consegue se alimentar por conta própria, geralmente isso acontece com pacientes em coma, com problemas na deglutição, ou outras doenças degenerativas. https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/medicina/sonda-nasogastrica/55518

Page 70: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

73

retornamos para casa no dia 16 de julho de 2012. Na imagem 23, em uma tentativa

de descontração, Manuela e sua boca, ambas de sonda.

Imagem 23 - Manuela e sua boneca

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Quando retornamos para casa iniciamos também as terapias e a estimulação,

bem como o acompanhamento periódico com o neuropediatra. Com a resposta

positiva da medicação e os estímulos realizados pela fonoaudióloga, bem como

nossos estímulos em casa, em poucos dias Manuela retirou a sonda nasogástrica.

Nesse contexto, Silva (2009), nos diz que a adaptação da criança com a família

após a comunicação do diagnóstico, está diretamente relacionada com o suporte, o

apoio, a confiança e os esclarecimentos reais, sobre a realidade apresentada.

Foram dias muito difíceis, levávamos muito tempo para alimentá-la oralmente,

ela cansava muito, mas, na época conseguimos vencer essa etapa. Na imagem 24,

Manuela e seu avô materno Sergio em um passeio pela Basílica de Nossa Senhora

Medianeira. Já na imagem 25, Manuela estava na casa dos avôs maternos

divertindo-se em seu tapete sensorial. Essa imagem foi registrada no dia em que

retirou a sonda nasogástrica pela primeira vez.

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Imagem 24 - Manuela e vovô Sergio

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Imagem 25 - Manuela e seu tapete

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Os dias foram passando e o efeito do medicamento parecia não ser mais o

mesmo, as crises convulsivas tornaram-se mais frequentes, mesmo quando a

medicação era aumentada. Já não estávamos obtendo resultados positivos. Então,

em uma conversa com o médico ele decidiu prescrever uma nova medicação para

Manuela. Porém, o medicamento indicado tinha muitas contra indicações e efeitos

negativos, além de ser importado e muito caro. Foi a partir desse momento que

comecei a participar de grupos de mães no Facebook, atitude que me auxiliou muito

e, ainda hoje continua contribuindo para minhas vivências e experiências como mãe

especial.

Page 72: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

75

Pois bem, sem nos informar, minha sogra marcou uma consulta com uma

médica, neuropediatra na cidade de Porto Alegre, nos avisando alguns dias antes da

consulta. Essa consulta foi marcada para o dia 31/08/2012. No dia marcado fomos a

Porto Alegre, eu, Inácio e Manuela, minha sogra se deslocou de Florianópolis e nos

encontrou lá. A imagem 26 registra o momento que em Manuela descansava no

carro durante a viagem a Porto Alegre.

Imagem 26 - Manuela no carro

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

A consulta foi demorada, achamos melhor não falar sobre o diagnóstico do

neuropediatra que atendeu Manuela na UTI. Ao finalizar os exames clínicos e os

questionamentos, a médica nos apresentou o possível diagnóstico: Síndrome de

West. Porém, além de alterar o tratamento medicamentoso, solicitou uma gama de

exames e consultas com diversos especialistas. A imagem 27 registra o momento

em que Inácio alimenta nossa Menina durante um dos exames.

Page 73: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 27 - Inácio com Manuela no hospital

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Dessa forma, a viagem prevista para durar um dia, se estendeu por quinze

dias. Apenas Inácio e Rogério (seu padrasto), retornaram a Santa Maria para buscar

algumas roupas e objetos de higiene. Ficamos hospedados na casa de uma prima

do Inácio. Foram dias muito difíceis...

Conseguimos marcar e realizar todas as consultas e os exames durante

esses quinze dias, porém, praticamente todos foram particulares. Tínhamos algumas

economias, mas que em poucos dias acabaram. Mas, para nossa surpresa, amigos

e familiares organizaram arrecadações e rifas que custearam todos os exames e as

consultas. Para Bastos (2008) tanto o apoio emocional como o suporte financeiro

são obtidos por rede de amigos e familiares, formando assim uma rede de ajuda

mútua. Então, com o apoio de amigos e familiares conseguimos realizar todas as

consultas, exames e procedimentos solicitas para nossa Menina.

Uma dessas consultas foi com um oftalmologista pediátrico, que diagnosticou

na Manuela um grau elevado de hipermetropia, e prescreveu o uso de óculos. Nessa

época, Manuela estava com seis meses. Na imagem 28, Manuela em sua primeira

fotografia usando óculos (ela fez uso de óculos até seus 3 anos- a hipermetropia

retrocedeu, hoje ela possui apenas 1grau de miopia apenas).

Page 74: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 28 - Manuela de óculos

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O novo tratamento prescrito pela neuropediatra estava dando resultado. No

fim desses quinze dias retornamos para Santa Maria, mas durante as próximas cinco

semanas teríamos que retornar a Porto Alegre para realizar eletroencefalogramas

semanais, no hospital da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica).

Na semana do dia 20 de setembro de 2012, ao realizar o exame recebemos

uma ótima notícia, os resultados eram muito promissores, e durante esses dias

Manuela já começava a ter mais firmeza no tronco e se alimentava mais

confortavelmente por via oral. As imagens 29 e 30 registram um passeio na sede

Campestre do Clube Dores (Santa Maria-RS)

Page 75: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 29 - Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Imagem 30 - Daniele e Manuela no Clube Dores

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Tudo estava indo bem, quando no dia 29 de setembro de 2012 ela começou a

ter dificuldade em respirar e se alimentar, não estávamos conseguindo nem medicá-

la. Então, neste mesmo dia aconteceu uma nova internação a mais grave de todas.

Manuela entrou em coma, foram três dias de angústia e sofrimento. Durante esses

Page 76: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

79

três dias que ela esteve em coma, senti muito medo de perdê-la, um sentimento que

nunca tinha sentido, lembro-me que pedi muito a Deus que me deixasse ficar com

ela, não me importava como fosse, queria minha filha comigo, faria tudo para

ampará-la e protegê-la, já não me importava mais com o que poderia acontecer,

apenas queria ela junto a mim. Um dos momentos mais difíceis foi quando li o

boletim médico que ficava exposto na porta da UTI. Nele dizia: "Grave". Desabei,

confesso que esse foi um dos momentos mais difíceis que enfrentei. O estado de

Manuela era grave.

Mas, nossa menina é uma guerreira, aos poucos foi acordando, o rostinho

todo inchado e com a cabecinha raspada por necessidade de colocar o cateter para

a aplicação de medicação e soro. Mais exames foram realizados, mas o coma não

teve um esclarecimento convincente, o que os médicos nos disseram é que “talvez”

fosse pelo uso excessivo de medicação. Devido a isso, o tratamento para a

síndrome foi modificado novamente.

Manuela perdeu praticamente tudo que tinha adquirido, sua evolução motora

regrediu muito, voltando a se alimentar por sonda nasogástrica. Retornamos ao

ponto inicial... Mais um desafio... O que fazer? Seguir em frente... De onde retirar

forças? Acredito que em momentos como esse somente Deus...

A imagem 31 registra Manuela pronta para ir a mais uma consulta médica.

Imagem 31 - Manuela pronta para ir ao médico

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Page 77: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

80

Porém, apesar de todas as dificuldades sabíamos que não estávamos

sozinhos. Recebemos muito apoio da família, de amigos e até de pessoas que não

conhecíamos. Pessoas que nos traziam uma palavra de conforto, uma companhia,

uma ajuda financeira. Enfim, nos deram suporte para seguirmos em frente.

As sessões de fisioterapia e fonoterapia da Manuela eram frequentes...

praticamente diárias. Na época, lembro que não me sentia satisfeita com a

quantidade de sessões de terapias, queria sempre mais, acreditava que, quanto

mais atividades a ela fossem oferecidas, mais rápida seria sua recuperação. Minha

esperança era em recuperar os meses de atraso em seu desenvolvimento. Meses

que com o passar do tempo, transformaram-se em anos...

A imagem 32 retrata um período em que Manuela em que ainda

conseguíamos alimentá-la por via oral.

Imagem 32 - Manuela alimentando-se

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Logo após Manuela receber alta da segunda internação, dia 23 de outubro de

2012, retornamos para mais uma consulta de alguns exames em Porto Alegre.

Fizemos uma ressonância magnética e um videoeletroencefalograma de 24 horas.

Page 78: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

81

Na imagem 33, Manuela estava realizando o videoeletroencefalograma, no

Hospital São Lucas da PUC-RS, em Porto Alegre. Já a imagem 34 registra um

momento do dia seguinte após o exame, pronta para irmos para a consulta médica.

Imagem 33 - Manuela no hospital fazendo exames

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Imagem 34 - Manuela aguardando consulta médica

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Page 79: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

82

Com os resultados em mãos, levamos para a médica avaliar e para nosso

desespero, as notícias não eram nada boas. O eletroencefalograma estava normal,

mas a ressonância mostrou uma lesão muito grave no cérebro, uma lesão

gravíssima.

Nunca irei esquecer as palavras da neuropediatra, ela nos disse que

provavelmente Manuela nunca iria caminhar e nem falar... Que o exame estava

muito ruim. Também nos disse que, Inácio teria que voltar a trabalhar (ele estava de

licença saúde), mas eu deveria ficar em casa cuidando dela, que seu caso era muito

grave.

Momento de total desespero. Saí daquele consultório transtornada, não

conseguia nem falar, mais uma vez não sabia o que fazer, estava sem chão. Foi

então que perguntei para o Inácio:

- O que eu faço? Não sei por onde começar... Não tenho forças...

Então ele me respondeu:

-Olha para ela (Manuela) que você vai saber.

Pois bem, mais um momento que tive que respirar fundo e seguir em frente.

Na época, a frase que ouvimos da médica foi muito difícil de ouvir, senti raiva e me

perguntei: Porque ela foi tão cruel em sua forma de falar? Porém, hoje entendo que

tudo isso serviu de aprendizado. Tínhamos o pior diagnóstico, mas não nos

deixamos abater, seguimos em frente e estamos conseguindo vencer diariamente

cada uma das batalhas que a vida nos apresenta. Os dias foram passando, Manuela

conseguiu novamente retirar a sonda nasogástrica, estava se recuperando

lentamente. Um registro na imagem 35 de um de nossos passeios na Sede

Campestre do Clube Dores.

Page 80: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

83

Imagem 35 - Daniele e Manuela no Clube Dores

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Foi então que o final do ano chegou... Passamos o Natal em casa, com meus

pais e um casal de amigos muito queridos (Márcio, Elaine e a filha Rafaela)

companheiros de nossa caminhada, que participaram de cada momento de tristeza,

mas também de recomeços e das conquistas. Já o Ano Novo passamos na casa de

meus pais. Ano Novo, vida nova, como diz o ditado!

No primeiro mês do ano de 2013, mais algumas intercorrências. Manuela

apresentava uma tosse incessante e já estava apresentando muita dificuldade em se

alimentar, lembro-me como se fosse hoje, era sábado, dia 26 de janeiro de 2013.

Não dormimos essa noite, sendo que na manhã seguinte Inácio estaria de serviço e

eu ficaria sozinha com ela.

Mas, para tornar tudo mais difícil e a dor maior ainda, na manhã do domingo,

dia 27 de janeiro de 2013 recebi uma ligação de minha mãe que me perguntava se

eu estava sabendo da tragédia que tinha acontecido aqui em Santa Maria – A

Tragédia da Boate Kiss- Não estava sabendo, pois estava envolta dos cuidados da

Manuela, não tinha ligado a televisão e nem o computador. Fiquei em estado de

choque. Organizei as coisas da Manuela e fui para a casa de meus pais, não tinha

condições de ficar em casa.

Page 81: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

84

Foi um dia muito difícil, muita dor e sofrimento em cada notícia que a televisão

e amigos nos comunicavam. E para piorar, minha menina não estava nada bem,

muita tosse e dificuldade para se alimentar. Naquele dia, o único alimento que

consegui que ela ingerisse foi iogurte. Não tínhamos nem como levá-la ao médico, a

cidade estava em desespero e intransitável, impossível ir até uma emergência

hospitalar, tudo estava lotado.

O que fazer? Tentei manter a calma. Manuela teria consulta com o pediatra

no dia seguinte, à tarde. Mas, na segunda de manhã nos ligaram cancelando a

consulta. Conseguimos ir levando a situação até a quarta-feira após a tragédia.

Nesse dia, levamos nossa filha a um pronto atendimento médico, e logo após ser

atendida, foi mais uma vez encaminhada a UTI pediátrica. Dessa vez com

pneumonia e coqueluche. Ficamos doze dias com ela internada, novamente a sonda

e muitos antibióticos.

Sua festa de aniversário, que estava planejada para o dia 23 de fevereiro com

todo o amor, teve de ser cancelada, fizemos apenas uma pequena comemoração

com a família e poucos amigos. As imagens 36 e 37 registram alguns momentos da

comemoração.

Imagem 36 - Daniele, Inácio, Manuela e amigos

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Page 82: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

85

Imagem 37 - Daniele, Inácio, Manuela e família Lisboa

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Estávamos muito fragilizados com toda a situação, além disso, percebíamos

que as dificuldades de deglutição de Manuela estavam aumentando, não estávamos

oferecendo nada mais por via oral. Na imagem 38 Manuela na almofada, presente

da tia Paola.

Imagem 38 - Manuela em sua almofada

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Page 83: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

86

Envoltos a essas circunstâncias, não tivemos outra saída a não ser optar pela

gastrostomia. Mais um momento difícil, sentia-me derrotada, parecia que não estava

sendo uma boa mãe, não estava conseguindo fazer com que minha filha se

recuperasse.

Após várias consultas e exames o procedimento foi agendado para o mês de

abril de 2013. Porém, uma infecção respiratória estava nos assombrando e nos

assustando. Sendo assim, o procedimento da gastrostomia foi cancelando. No mês

seguinte, em maio de 2013, conseguimos realizar o procedimento, por endoscopia,

mas que por recomendação médica nossa menina deveria ficar três dias em

observação na UTI.

Pois bem, o procedimento ocorreu de forma tranquila, mas durante esses dias

em observação Manuela foi contaminada por uma bactéria hospitalar. Os três dias

de internação resultaram em dezessete dias de muitos exames, medicamentos

fortíssimos, além de muita dor e sofrimento em vê-la mais uma vez naquele leito de

UTI. Passei o Dia das Mães com ela internada, foi muito difícil e, mais uma vez me

perguntei:

- Por que comigo? Por que tem que ser assim?Por que temos que passar por

tudo isso? Não achava justo. Minha menina não merecia passar por tudo isso... Era

apenas uma criança com pouco mais de um ano, indefesa e com a saúde

vulnerável. Mas como sempre, nossa guerreira foi se recuperando aos poucos,

porém,quando recebeu alta,ainda estava muito debilitada e inchada, devido às altas

doses que recebeu de corticóides. Confesso que a aceitação para realizar o

procedimento doeu muito, além de muito difícil sua aceitação, mas, não tínhamos

escolha. Era o melhor a ser feito naquele momento.

Os dias foram passando, Manuela se recuperava bem, claro que, com todas

suas limitações intelectuais e motoras. Mantínhamos a frequência nas sessões de

fisioterapia e fonoterapia, bem como acrescentamos em sua rotina a hidroterapia.

Na imagem 39, mais um registro de nossa Menina descansando em sua almofada.

Page 84: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

87

Imagem 39 - Manuela em sua almofada

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Em meio a essa rotina, percebi que as “coisas” estavam se organizando,

retomando o seu rumo, claro que, um novo rumo, não aquele que eu havia

planejado para nós. Afinal, existem escolhas que não nos competem o poder de

decisão... Devemos respeitá-las, mas ir em busca do melhor caminho, lutar sempre

e não se deixar levar pelas intempéries que cruzarem nossos caminhos.Na imagem

40, eu e Manuela em um passeio na Sede Campestre do Clube Dores.

Imagem 40 - Daniele e Manuela passeando no Clube Dores

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Page 85: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

88

Sendo assim, no mês de julho de 2013, um ano após o diagnóstico da

Manuela, tomei uma decisão muito importante, decidi que deveria retomar a minha

vida, aproveitar a oportunidade e o privilégio de ser mãe de um Ser tão especial e ir

em busca de conhecimento.Pois, conforme Buscaglia:

É muito difícil alguém se furtar à dor durante toda a vida, pois assim como o yin e yang, a alegria e a dor andam juntas. Na maioria das vezes a dor que vivemos é temporária, vai tão rápido quanto vem. Nada mais é que do que outro evento consciente que se aprendeu a esperar no processo normal da vida. Como tal, é vivido e depois esquecido. (BUSCAGLIA, 2006, p.104).

Foi então que decide fazer o Curso de Educação Especial. Estava em busca

de algo mais, algo que me guiasse para um caminho da compressão da deficiência,

bem como produzisse em mim o entendimento da educação da pessoa com

deficiência. Começava então, a entender e visualizar o “outro” com outro olhar. Pois,

segundo Larrosa e Perez, trata-se da

imagem dos loucos feita pelas pessoas com uso da razão que, afinal, são as que definem o sentido da razão e da sem-razão; as imagens das crianças feitas pelas pessoas adultas que são as que determinam o que é maturidade e imaturidade; a imagem dos selvagens feita pelas pessoas civilizadas que são as que definem o que é civilização e barbárie; a imagem do estrangeiro feita pelas pessoas nativas que são as que definem o que é ser ou não ser membro de uma comunidade; a imagem dos delinquentes feita pelas pessoas de bem que são as que determinam o que é ser ou não ser uma pessoa dentro da lei; a imagem dos marginalizados feita pelas pessoas integradas que são as que definem o que é ser ou não ser uma pessoa corretamente socializada; a imagem dos deficientes feita pelas pessoas normais que são as que definem o que é a normalidade e a anormalidade (LARROSA E PÉREZ DE LARA, 1998, p.7).

A partir dessa decisão, fui atrás de maneira que tornasse o que era apenas

uma ideia momentânea e algo real, que produzisse em mim outros sentidos.

Page 86: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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CAPÍTULO IV

Page 87: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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(RE) SIGNIFICAÇÕES DA MATERNIDADE: UM ENCONTRO COMIGO MESMA

Um ano após o diagnóstico da Manuela, sentia-me preparada para voltar a

viver a minha vida, claro que, a prioridade é, e sempre será a vida da Manuela. Em

um primeiro momento pensei em voltar a lecionar, mas recuei frente a esta escolha.

Devido à saúde frágil dela, não poderia assumir tamanho compromisso. Pensei nas

diversas consultas médicas, terapias, viagens e prováveis intercorrências que

poderiam vir a acontecer.

Então, ao conversar com uma amiga sobre esse assunto, ela me sugeriu que

eu voltasse a estudar, comentou também, das possibilidades das vagas

remanescentes. Não pensei muito, decidi que seria isso. Pesquisei os cursos e as

possibilidades de cursar outra licenciatura. Conversei com o Inácio, e como sempre,

meu companheiro me deu apoio total. Abraçamos essa causa juntos. Junto com a

escolha do curso, veio também a decisão por cursar Educação Especial noturno.

Com essa escolha, poderia acompanhar a Manuela em todas as terapias e

consultas, e à noite, Inácio ficaria com ela.

Na segunda quinzena do mês de novembro de 2013, organizei os

documentos e enviei para a UFSM. O resultado veio em seguida, fui aceita como

aluna do curso. Agora era só aguardar o ano letivo iniciar. Buscaglia (2006) nos diz

que diante de situações difíceis, de dor, medo e insegurança, temos duas

alternativas, se rebelar, resistir, ficar apático e derrotado, ou aceitar o desafio e

descobrir as vitórias presentes em algumas atitudes, edificando e apreciando os

detalhes positivos, aproveitando assim as oportunidades de crescimento. A partir

desse momento comecei a enxergar cada pequena, porém gloriosa vitória que a

vida nos presenteava.

Em dezembro viajamos de férias, estávamos ansiosos pela viagem, pois seria

a primeira viagem da Manuela a passeio, nossas primeiras férias em família.

Viajamos para Florianópolis, levamos junto minha mãe, que ainda estava muito

fragilizada com tudo que acontecera com nós. De acordo com Katz e Kessel (2002)

e Matsukura e Yamashiro (2012), a literatura tem apontando que as avós são

consideradas importante papel de apoio às mães e aos demais membros da família,

ao conferirem suporte prático, financeiro, emocional e afetivo. Corroborando com

essa informação, Yamashiro e Matskura (2014), enfatizam os resultados de sua

Page 88: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

91

pesquisa, afirmando que o suporte provém, principalmente, da presença e ajuda da

avó materna.

Mas, acredito ser importante enfatizar que, além da ajuda e apoio da avó

materna, muito tenho a agradecer a avó paterna da Manuela, pois esteve e ainda

está sempre presente em todos os momentos, auxiliando tanto emocionalmente

como financeiramente nossa caminhada.

Os estudos de Woodbridge et al. (2011) corroboram com nossas vivências,

pois, destacam que, após passarem pelo choque e descrença do diagnóstico do

neto, as avós veem em seu papel principal estarem presentes, de forma positiva,

auxiliando o filho e o neto da maneira como podem.

Curtimos as férias de 2013 na presença das avós, minha mãe e minha sogra

auxiliaram, cuidaram e, principalmente, acompanharam nossa menina em diversos

passeios. Minha sogra e minha cunhada Paola fizeram até uma festa para

apresentar Manuela para algumas pessoas13 de Florianópolis que auxiliaram no

custeio do tratamento. Nas imagens 41 e 42, respectivamente, Manuela com minha

cunhada Paola e com minha sogra.

Imagem 41 - Manuela e tia Paola

Fonte: Arquivo pessoal da autora

13 Faço referência às clientes da minha sogra, que na época era proprietária de um salão de beleza.

Page 89: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

92

Imagem 42 - Manuela e vovó Ullia

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Fizemos uma viagem muito boa, passeamos, aproveitamos e nos divertimos.

Nessa época, estava iniciando as ressignificações da maternidade. Os

questionamentos sobre o que o futuro me reservará, cada vez menos se faziam

presentes no meu dia a dia. Hoje, penso que, em momentos como esses estava

aprendendo a viver um dia de cada vez, “a comunicar o maior amor possível através

do toque, da proteção”, já não estava mais tentando projetar os próximos anos.

(BUSCAGLIA, 2006). Estava aprendendo a viver cada momento... Na imagem 43

momentos em família na praia

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Imagem 43 - Daniele, Inácio e Manuela na praia

Fonte: Arquivo pessoal da autora

De acordo com esses relatos, trago Buscaglia:

Você também tem horizontes a explorar, suas próprias vitórias com que se regozijar e das quais partilhar. Viva você também cada dia de uma vez. Assim, todos formarão um processo conjunto, composto de indivíduos avançando, cada um em seu próprio ritmo, mas todos avançando (BUSCAGLIA, 2006, p.171).

Depois de muita dor, sofrimento e tristeza, estava iniciando uma nova

caminhada. Estava me permitindo ser feliz novamente, ressignificando os presentes

que a vida me deu. Pois, depois de tanta dor, negação e sofrimento, um fenômeno

de fortalecimento acontece, a resiliência14, através da qual é possível retomar a

consciência e o fortalecimento da autoestima. Para Guerra (2015, p. 463) é “no

enfrentamento das dificuldades que as pessoas produzem um saber construtivo,

formulando mecanismos de superação”. Sendo assim, na imagem 44, eu e Inácio

nas dunas da Lagoa da Conceição - Florianópolis-SC.

14 É a capacidade do ser humano de renascer da adversidade fortalecida, com mais recursos, e transformar situações de risco e de vulnerabilidade em potencialidades. (GUERRA, 2015).

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94

Imagem 44 - Daniele e Inácio na Lagoa da Conceição - SC

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O ano de 2014 iniciou com muitas bênçãos. Um verão sem intercorrências. E

a festa tão sonhada de aniversário, a festa que tínhamos programado para o

aniversário de um aninho, foi realizada no aniversário de dois anos. Na imagem 45,

um registro de seu aniversário de 2 anos.

Imagem 45 - Manuela em seu aniversário de 2 anos

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O ano letivo iniciou... E junto com ele as expectativas se fizeram presentes. E

agora, como será? Será que darei conta? Conseguirei conciliar a maternidade

especial com os estudos? Será que esse é o caminho a seguir? Sim, hoje tenho

Page 92: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

95

certeza que as escolhas que foram feitas promoveram um caminho onde muitos

sonhos tornaram-se realidade. E tenho certeza, que tantos outros estão por vir.

Basta acreditar e ir à luta! Buscaglia nos faz refletir:

Como mãe, você também tem de crescer e penetrar muitos locais desconhecidos. Na maior parte do tempo, você está trocando fraldas, cuidando de problemas físicos, indo e vindo de consultórios médicos e de terapeutas, com uma certa equanimidade. Algumas vezes, porém, essa rotina a deprime. E logo você percebe que quando fica deprimida, fica de fato deprimida. Você tem de lutar contra sentimentos de fadiga, frustração, letargia ou, de outra forma, poderá perder sua capacidade de luta. Você descobre que aquilo de que precisa de fato é encontrar formas de promover o seu crescimento pessoal, para que continue sendo um indivíduo, e não o apêndice de seu filho deficiente (BUSCAGLIA, 2006, p.171).

Com o passar dos dias, o ambiente acadêmico foi me fazendo muito bem.

Conheci muitas pessoas, muitas teorias e muitas realidades. Aos poucos percebia

que as experiências que havia adquirido com a Manuela estava me auxiliando no

entendimento de questões teóricas discutidas com professores e colegas em sala de

aula. Sob esse viés, Guerra (2015, p. 465) nos diz que “o resiliente que gera a

superação, advém do sofrimento e da vontade de mudar a realidade [...]”

Essa vontade em mudar a realidade se fazia cada vez mais presente em meu

dia a dia, pois, ser recebida em casa todas as noites por ela me fortalecia e produzia

em mim uma vontade imensa de ir em busca de algo além do que aprendia nas

aulas.

A imagem 46 foi registrada em um dos momentos em que eu chegava em

casa após a aula.

Page 93: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

96

Imagem 46 - Daniele e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Além disso, no ano de 2014, uma esperança para melhorar a qualidade de

vida da Manuela surge. Em uma reportagem apresentada no Fantástico, tomamos

conhecimento do uso do Canabidiol15 para o tratamento das crises epiléticas.

Travamos muitas batalhas, a primeira delas foi conseguir convencer o neuropediatra

da prescrição do medicamento, após essa fase, a batalha foi diante da Anvisa16,

para conseguir autorização do uso, em seguida, enfrentamos a justiça, a fim de

garantir que o estado custeasse esse tratamento, que é muito caro e sua compra é

realizada no exterior.

Para iniciarmos o tratamento, compramos o medicamento com o auxílio

financeiro de alguns amigos. Os resultados foram fantásticos, Manuela, começou a

responder aos estímulos, chorar e rir. Estávamos radiantes de alegria. Sob esse

viés, Benjamin (2012, p.127), nos diz que: “Ao cansaço segue-se o sonho, e não é

raro que o sonho compense a tristeza e o desânimo do dia, realizando a existência

inteiramente simples e absolutamente grandiosa que não pode ser realizada durante

15 O canabidiol é um composto químico encontrado na planta Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha, que, de acordo com estudos científicos, pode ser utilizado no tratamento de doenças como câncer, crises epilépticas e convulsivas, esclerose múltipla e dores associadas a doenças que acometem o sistema nervoso central. (https://medicoresponde.com.br/o-que-e-canabidiol-e-para-que-serve/). Acesso em 13/10/2017. 16 Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Page 94: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

97

o dia, por falta de forças”. Com um sentimento de paz e felicidade, a certeza de que

não podemos desistir.

Diante de tantos acontecimentos, acredito que a partir desse ano de 2014,

minha trajetória começou a mudar, eu estava aprendendo a viver novamente a

minha vida, atitudes que, de alguma forma começaram a refletir positivamente na

minha família.

Para comemorarmos as vitórias e conquistas desse ano de 2014, em

dezembro, fizemos um passeio para Gramado e Canela. Estávamos brindando a

vida! Na imagem 47, eu e Manuela no centro de Gramado.

Imagem 47 - Daniele e Manuela em Gramado

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Mal sabíamos que o melhor estava ainda por vir, no dia seguinte à foto 42,

Manuela volta a chorar, fazia mais de três anos que nossa menina não chorava, e na

viagem, acredito eu que ela estava cansada e incomodada na cadeira do carro,

chorou incessantemente. A minha reação? Não sabia se ria, chorava ou atendia ela.

Uma felicidade imensa, dia 18/12/2014, Manuela começava a renascer! Benefícios

do Canabidiol.

Em seguida, estendemos nosso passeio a Florianópolis. Nas imagens 48 e

49, fotos de um passeio na Ilha do Guará, em Florianópolis (dezembro de 2014).

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Imagem 48 - Daniele, Inácio e Manuela na Ilha do Guará – SC

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Imagem 49 - Daniele e Inácio

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Diante dos fatos, a opção em viver um dia de cada vez, aproveitá-lo de forma

plena, reconhecendo as fragilidades da saúde da Manuela, e ressignificando a dor e

o medo que algumas vezes insistem em tomar conta de meus pensamentos, foi o

melhor caminho a ser escolhido.Conforme Selli, 2008:

Page 96: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

99

A compreensão da doença e a ação da pessoa diante dela são fundamentais na construção de um sentido, na interpretação da situação vivida em decorrência da doença e no entendimento como oportunidade (ressignificação) ou desventura (não ressignificação) (SELLI, 2008, p.86).

Ao relembrar os acontecimentos do ano de 2015, mais lembranças boas se

fazem presentes. A principal delas é melhora significativa na saúde da Manuela.

Iniciamos esse ano com muitas vitórias, a primeira delas foi à concessão judicial do

medicamente Canabidiol, um alívio, pois através de seu uso, ela apresentou

melhoras significativas. Inclusive, até reportagens de televisão, jornais e rádios essa

concessão judicial resultou, o que nos auxiliou muito no meio judicial. Na imagem

50, reportagem divulgada no Jornal A Razão.

Imagem 50 - Reportagem Jornal A Razão

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Nesse ano, eu e Inácio decidimos que Manuela deveria dormir em seu quarto,

até então, seu berço estava em nosso quarto, seu sono era vigiado por nosso olhar

atento. Confesso que foi difícil conter a emoção da primeira noite em que nossa

Menina dormiu em seu quarto sozinha, foi muito lindo. Com essa atitude percebi que

muitas de nossas vivências, tinham se tornado experiências, estávamos pondo em

prática uma atitude que há muito tempo almejávamos. Com sinceridade, desde que

engravidei já pensávamos no dia em que Manuela dormiria sozinha em seu quarto.

Para nossa alegria, esse dia, ou melhor, essa noite chegou.

Page 97: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

100

Com o auxílio financeiro da minha sogra, conseguimos comprar uma cama

hospitalar, que foi adaptada carinhosamente para nossa Menina, e uma babá

eletrônica. Nesse sentido, Yamashiro (2014), em suas pesquisas nos afirma que nas

famílias de crianças com deficiência, o suporte social e financeiro provém dos

próprios familiares, como também do auxílio prestado pelas avós. Então, com esse

auxílio, conseguimos adquirir a cama e a babá eletrônica. Afinal, precisamos

continuar protegendo e vigiando seu sono, só que a partir desse dia, cada um em

seu quarto. Nossa Menina não era mais aquele bebezinho, ela estava crescendo, e

com seu crescimento físico percebíamos seu desenvolvimento, sua evolução

cognitiva, sentimentos e emoções visivelmente demonstrados em seu semblante e

comportamento do dia a dia.

Na imagem 51, Manuela em seu quarto, após a primeira noite dormindo

sozinha, lembro-me que fiquei tão nervosa que me esqueci de registrar o momento

em que a acomodei em sua cama para dormir.

Imagem 51 - Manuela em seu quarto

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Tudo conspirava a nosso favor. Pensamentos bons estavam atraindo coisas

boas. Além disso, o interesse pelo Curso de Educação Especial aumentava

progressivamente com os semestres cursados. Resolvi dar início a um novo desafio.

Participei de uma seleção para bolsista do programa Pibid17, fui aprovada e, dessa

17 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.

Page 98: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

101

forma, as demandas diárias aumentaram, somando-se aos cuidados com a

Manuela, as tarefas da casa, e as aulas noturnas, as atividades do Pibid. Na

imagem 52, eu em uma das atividades do Pibid.

Imagem 52 - Daniele em atividades do PIBID

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Atividades que exigiam de mim duas tardes semanais na escola, e algumas

horas em casa para organização de materiais e planejamentos. Foi uma experiência

maravilhosa, que produziu em mim, uma certeza ainda maior em relação à escolha

pela Educação Especial. Ao utilizar a palavra experiência, trago Larrossa:

Experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p.19) ,

Hoje, percebo o quão rica essa experiência foi permitindo-me adentrar as

práticas do Curso de Educação Especial, me fazendo ter mais certeza do caminho

Page 99: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

102

escolhido. Durante as práticas do Pibid, uma escolha muito importante se fez

presente em minha trajetória enquanto futura profissional da Educação Especial,

optei em estudar a área do Autismo. Talvez influenciada tanto pela prática nas

escolas como também pela teoria, apresentada e discutida em sala de aula.

Nesse ano de 2015, cada vez mais sentia-me influenciada e apaixonada pelo

Curso. Além disso, Manuela cada vez melhor, evoluindo de acordo com as suas

possibilidades e de maneira contínua. Comecei a perceber que a tempestade

iniciada em 2012 estava acalmando-se, começava a entender que a busca pelo

conhecimento almejada inicialmente, estava me proporcionando não apenas os

conhecimentos ofertados pela academia (Universidade), mas também acalmando

meu coração e me possibilitando enxergar a vida com novo olhar. Neste novo olhar

ressignificando através das experiências, momentos de tristeza, fomentando assim

uma maior harmonia em meu lar, com minha filha, meu marido e com minha família.

Finalizo minhas narrativas do ano de 2015 com a imagem 53, eu e minha

amiga Elaine, em um almoço na Estância do Minuano, momento em que

comemoramos a saúde, a amizade e, acima de tudo, a vida e tudo de maravilhoso

que ela nos proporciona.

Imagem 53 - Daniele e Elaine

Fonte: Arquivo pessoal da autora

O ano de 2016 iniciou, e neste ano, optamos em não viajar, ficamos em casa

nas férias. Aproveitamos o verão como nos foi permito, foram momentos muito

Page 100: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

103

abençoados, Manuela estava com a saúde estável e em processo de evolução no

seu desenvolvimento em geral. Foi bem divertido, nossa menina pôde desfrutar de

vários banhos de piscina, para nós isso significou um grande progresso.

Na imagem 54, eu e Manuela, em um domingo quente de fevereiro. Esse dia

foi pura diversão.

Imagem 54 - Daniele e Manuela na piscina

Fonte: Arquivo pessoal da autora

O ano letivo está por começar e com ele novos desafios e oportunidades,

uma das escolhas que fiz ao iniciar o primeiro semestre acadêmico foi me afastar

das atividades do Pibid. Resolvi me dedicar ao estudo da pesquisa em Autismo, e

com isso passei de bolsista Pibid, para bolsista Fiex18, pertencendo ao grupo de

Estudos EdEA – Educação Especial e Autismo, coordenado pelo Professor Dr. Carlo

Schmidt do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da UFSM. Cada

vez mais sentia-me contagiada pelos mistérios e desafios em estudar e pesquisar

essa temática.

As atividades do curso e do grupo de pesquisa estavam desenvolvendo-se

muito bem, porém, no mês de abril Manuela começou a ter episódios diários e muito

18 Fundo de Incentivo à Extensão.

Page 101: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

104

demorados de convulsões - o pesadelo tinha recomeçado. Apesar da angústia e da

sensação de impotência, algo me fazia sentir que seria diferente, que passaria logo.

Muitas noites sem dormir, nossa menina não estava bem, mas eu não poderia

me entregar, tinha que lutar e vencer mais uma fase difícil. Minha intuição dizia que

isso seria temporário, afinal, passamos juntas por tantos momentos difíceis, esse

seria apenas mais um. Lembro-me que muitas madrugadas tivemos que levá-la às

pressas para a emergência médica. Inclusive, o dia dos namorados do ano de2016

passamos na emergência do HGeSM (Hospital de Geral do Exército de Santa

Maria). Comemoramos essa data da maneira que nos foi permitida, eu Inácio e o

fruto de nosso amor, nossa Manuela. Juntos, sempre juntos...

No mês de junho, além das crises convulsivas Manuela apresentou um

quadro de pneumonia e sinusite. Com isso, depois de mais de três anos, uma nova

internação, mas dessa vez não foi necessário UTI, ficamos no HGeSM. Eu, ela e

Inácio, juntos, para mais uma vez vencermos esse desafio. Lembro-me que meu

sentimento nesse momento foi de preocupação, mas tinha uma certeza dentro de

mim, que logo, logo tudo estaria bem novamente. Foram dez dias no hospital,

durante esse período me afastei de lá apenas para realizar uma prova da faculdade.

Não queria parar minhas atividades acadêmicas, tinha uma certeza que tudo voltaria

a normalidade. E foi o que aconteceu. Manuela recebeu alta, e aos poucos foi se

recuperando. Na imagem 55, Manuela realizando exercícios de fisioterapia em casa.

Page 102: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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Imagem 55 - Daniele e Manuela fazendo exercícios

Fonte: Arquivo pessoal da autora

No mês de setembro Inácio foi para a cidade de Cruz Alta-RS, realizar um

curso de especialização, ficaria por lá até início do mês de dezembro. Neste período,

eu e Manuela ficamos sozinhas, algumas noites deixava ela na casa da minha mãe

para poder ir às aulas, outras noites minha mãe tomava conta da neta na minha

casa. Mas Inácio vinha todos os finais de semana para nosso lar. Foi um período

bem conturbado, Manuela teve um episódio bem grave e prolongado de tosse, hoje

posso afirmar que passei por mais alguns desafios nesse período, mas também

posso afirmar que foram desafios que me fizeram aprender e crescer ainda mais.

Era um momento de empoderamento. Nesse sentido, Hur (2006) nos diz que o

processo de empoderamento se inicia com o surgimento de um conflito social, com o

objetivo de obter senso de liberdade, fortalecimento e pertencimento para mudanças

sociais. Percebia o desenvolvimento desse processo, através das experiências

positivas, como também das experiências difíceis e, muitas vezes, solitárias que

passei e continuo a passar diariamente. Para Guerra (2015, p. 465) o

“empoderamento nasce na medida em que tomamos consciência da nossa força de

superação, que é a resiliência”. O mês de novembro estava se aproximando e com ele a tão planejada

viagem de estudos para São Carlos-SP, para o VII Congresso Brasileiro de

Educação Especial. Um misto de sentimentos se fazia presente, a euforia e a alegria

Page 103: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

106

em fazer uma viagem de estudos e apresentar os trabalhos que realizei durante a

graduação, pesquisas que participei ao longo desta trajetória acadêmica. Mas,

também passei por momentos de medo e insegurança só em pensar de ter que ficar

tantos dias longe da minha Menina. Precisava ir, e fui... Mais uma vez retomo o

significado da palavra experiência para descrever e justificar a decisão de embarcar

nessa viagem. Como Inácio ainda estava em Cruz Alta, e minha, mãe trabalha

durante o turno da manhã, quem assumiu o comando foi minha sogra. Mais uma

vez retomo o significado da palavra experiência para descrever e justificar a decisão

de embarcar nessa viagem. Ela vem de Florianópolis para tomar conta da Manuela

no período em que eu e Inácio estávamos ausentes fisicamente. A viagem foi

maravilhosa, além de todo o conhecimento que adquiri durante o Congresso

também incorporava na minha vida pessoal uma grande conquista – de sair de cena

por alguns dias e manter-me afastada da rotina materna. Foram momentos de foco

nos estudos e também de aprendizado pessoal sobre as minhas inseguranças,

como afastar-me da Manuela, por exemplo.

Nas imagens 56 e 57, alguns momentos durante a viagem, de momentos

acadêmicos e futura profissional da Educação Especial. Esses dias me fizeram

ressignificar ainda mais minhas vivências e experiências com colegas muito

queridas, Francieli, Mara, Ana e eu. Uma experiência que para Larrosa (2002) é

adquirida quando nos permitimos apropriar-se de nossas próprias vidas.

Imagem 56 - Daniele, Francieli, Mara e Ana

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Page 104: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

107

Imagem 57 - Daniele, Francieli, Mara e Ana

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Foram seis dias de muito aprendizado, conhecimento e reconhecimento pelos

trabalhos apresentados em evento nacional. Mas foram também dias de muita

saudade, porém, estava tranquila, pois tinha certeza que minha filha estava bem.

Hoje, depois de um ano, percebo ainda mais o quão rica foi essa experiência - a de

me afastar do cotidiano familiar. Nesse sentido, Balaban (1988), aponta que a

experiência da separação acontece em todas as fases da vida dos seres humanos e

os afeta.

Dezembro finalmente chegou e com ele a formatura do Curso de

Especialização que Inácio estava realizando em Cruz Alta. Após a formatura ele

retorna para casa e, como de costume, nossa família voltava a conviver

normalmente. Na imagem 58 um registro da formatura do Inácio.

Page 105: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

108

Imagem 58 - Daniele, Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Passados alguns dias da formatura do Inácio, Manuela apresentou uma nova

intercorrência clínica - queda da saturação de oxigênio19. Ficamos cinco dias na UTI

pediátrica, a medicação foi reavaliada e foi retirado um dos medicamentos, com isso,

Manuela começou a se recuperar. Ela ficou internada durante o período de 12 a 16

de dezembro.

Na imagem 59, o dia que retornamos para casa.

19 Hemácias contêm hemoglobina. Cada molécula de hemoglobina pode carregar até quatro

moléculas de oxigênio, situação na qual é descrita como “saturada” de oxigênio. Se todos os sítios de

ligação na molécula de hemoglobina estão carregando oxigênio, a saturação é 100%. A maior parte

da hemoglobina se liga ao oxigênio à medida em que passa pelos pulmões. Um indivíduo saudável,

com pulmões saudáveis, respirando ar ambiente, terá uma saturação arterial de oxigênio de 95 a

100%.

Page 106: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

109

Imagem 59 - Manuela em casa após internação hospitalar

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O ano de 2017 iniciou e trouxe com ele muitas bênçãos. Em janeiro fizemos

nossa viagem de férias para Florianópolis. Além dos diversos passeios, Manuela

recebeu muito carinho dos avós e das tias Paola e Cainá. Na fotografia 56, Manuela

na casa da vovó paterna, Ullia.

Imagem 60 - Daniele, Inácio e Manuela no shopping

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

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Foram vinte dias de muitos passeios, mas também aproveitamos para

descansar, deixando um pouco de lado nossa rotina corrida. Na imagem 61, eu e

Inácio em um dos passeios que fizemos a sós.

Imagem 61 - Daniele e Inácio na praia

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Depois de curtirmos nossas merecidas férias, retornamos para casa, e

também às atividades. Sessões de fisioterapia, equoterapia, fonoaudiologia e

consultas médicas – retornamos à rotina.

Em fevereiro comemoramos o aniversário de cinco anos de nossa filha. No

final de semana das comemorações Manuela foi acometida de uma infecção

intestinal, estava bem abatida no dia de sua festa, mas poucos dias depois já havia

se recuperado. Na imagem 62, eu Inácio e Manuela, comemorando seu aniversário

de cinco anos, cinco anos de muitas alegrias e aprendizado.

Page 108: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

111

Imagem 62 - Daniele, Inácio e Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Chega março e as atividades letivas iniciam com muitos desafios que

estavam por vir. Entre eles, a escrita desse Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),

além disso, minhas atividades como bolsista de um projeto de doutoramento20,

exigiam cada vez mais, atividades de pesquisa que me encantavam mais a cada dia.

A partir do primeiro semestre de 2017 meu interesse era/é cada vez maior

pela área e pesquisa sobre o autismo. Hoje, tenho a certeza que estou no caminho

certo. É nesta área que quero continuar meus estudos na pós-graduação. Quem

sabe realizando o mestrado? E quem sabe, talvez, o doutorado?

Na imagem 63, minha companheira de estudos.

20 Projeto desenvolvido pela doutoranda Fabiane dos Santos Ramos, orientado pelo Prof º Dr. Carlo

Schmidt que investiga a Intervenção Instrucional Mediada por Pares (IIMP) com crianças com autismo

no contexto da inclusão. Esta intervenção consiste em desenvolver competências sociais e de

aprendizagem ao aluno com autismo através do apoio e interação com seus colegas de classe. A

minha participação como bolsista na pesquisa se constitui como uma oportunidade ímpar para o

desenvolvimento de competências e habilidades que fomentam o aprendizado na validação de

instrumentos, assim como na implementação de etapas metodológicas que envolvem desde leitura

de textos, validação de instrumentos, coleta de dados e processos de tradução e retrotradução.

Page 109: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

112

Imagem 63 - Manuela

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Manuela com saúde estável me motivava cada vez mais para realizar meus

estudos e cumprir meus compromissos na universidade e no lar.

Em maio deste ano, mais uma viagem de estudos, dessa vez Porto Alegre-

RS, para o Seminário Luso-Brasileiro de Educação Inclusiva. O seminário foi

realizado na PUC-RS, universidade na qual há exatamente cinco anos atrás

iniciavam a nossa busca por respostas e por tratamento para a Manuela. Confesso

que me senti estranha ao relembrar esses momentos, estava praticamente no

mesmo local cinco anos antes, com meus planos e sonhos desfeitos, minha filha

sendo diagnosticada com uma doença grave. Enfim, estava desesperada e

desestruturada, não tinha nem ideia sobre o que o futuro reservava para nossas

vidas (minha e de Inácio). Mas, como não sabemos o que a vida nos reserva, lá

estava eu novamente, dessa vez me sentia forte e vencedora. Estava fazendo uso

das minhas experiências dos últimos cinco anos de vivências que foram sendo

ressignificadas a cada etapa percorrida na trajetória da maternidade. Foram três dias

de muitos estudos, discussões e conhecimentos. Junho chegou, e com ele a tão

esperada qualificação do projeto de pesquisa. Mais um desafio superado... Na

imagem 64, professora Lorena, eu, minha orientadora professora Elisane e a

psicóloga Ariane.

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113

Imagem 64 - Profª Lorena, Daniele, Profª Elisane e Psicóloga Ariane (esquerda para direita)

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Após a qualificação do projeto de pesquisa profissional, parei para refletir

sobre o caminho até então trilhado, os desafios que surgiram e as vitórias

conquistadas. E mais uma vez tenho a certeza de minhas escolhas. Esse foi o

melhor caminho a seguir, percebo que minhas experiências estão, a cada dia que

passa, me fortalecendo e me fazendo crescer ainda mais.

Após a defesa de qualificação desta pesquisa, resolvi participar de um

processo seletivo para um Curso de especialização a distância em Tecnologia da

Informação e Comunicação aplicadas à Educação (TIC’s). Enviei a documentação

exigida pelo Edital e não contei a ninguém da minha família sobre a intenção de

realizar um novo curso. Aguardei o resultado ansiosa e, para minha surpresa, fui

aprovada. Com aprovação divulgada dei a notícia a todos e, principalmente, pedir

mais uma vez o apoio para dar continuidade aos estudos e a mais um desafio. E, é

claro que a melhor família do mundo aceitou entrar comigo nessa nova caminhada.

No segundo semestre letivo deste ano de 2017, dei continuidade a escrita do

TCC tentando vencer esse desafio, narrando minhas vivências e experiências, sabia

que não seria fácil, mas com o passar dos dias percebi que a dificuldade aumentava

cada vez mais, confesso que o desânimo por várias vezes me abateu e muitas

vezes sentei em frente ao computador e escrevi duas ou três linhas, os

pensamentos e as memórias não estavam correspondendo ao meu desejo de

Page 111: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

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registrar tudo que queria ...tudo que pensava...tudo que desejava escrever. Muitas

vezes, mas muitas vezes mesmo, ao relembrar alguns momentos me senti tocada e

a dor se fazia presente. E, algumas vezes o questionamento: Porque comigo? Por

que com minha filha? Por que com minha família? Como já citei anteriormente,

acredito que nunca encontrarei as respostas para essas perguntas, a única certeza

que tenho é que fui abençoada por essa maternidade especial. Pois, como é

descrito por Guerra (2015, p. 464) que, “a partir da aceitação, a mãe e a família

começam a incluir essa criança na sociedade, quebrando paradigmas e

preconceitos que são impostos a esses seres tão indefesos que, desde cedo

adquirem uma força e garra para lutar e vencer [...].”

Na imagem 65, um registro das atividades da Manuela na equoterapia.

Imagem 65 - Daniele e Manuela na equoterapia

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Durante essa escrita, muitas vezes tive que interrompê-la, pois Manuela

precisava de meu apoio, em muitas dessas ocasiões foram as crises convulsivas

que me faziam largar tudo e correr ao seu lado, em momentos como estes, não se

tem muito o que fazer, apenas estar junto, dar muito carinho e esperar passar. Ah!

Se pudesse, pularia esta página! São os piores momentos que preciso enfrentar.

Mas, hoje em dia, estou conseguindo lidar melhor com momentos assim, acredito

que a experiência produzida diariamente vai colaborando para o enfretamento e as

Page 112: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

115

ressignificações de momentos difíceis e de entristecimento. Os meses que se

seguiram foram de muito trabalho, atividades do curso, escrita deste trabalho,

atividades da especialização em TICs, atividades da bolsa de iniciação científica e,

mais as questões que envolvem ser mãe e esposa.

No mês de outubro de 2017 estava com muitas tarefas para realizar, provas

da faculdade e da especialização, viagem para a UFRGS (Universidade Federal do

Rio Grande do Sul) em Porto Alegre, para apresentar um trabalho de pesquisa, e as

atividades da JAI - Jornada Acadêmica Integrada- UFSM. Na imagem 66,

apresentação de pôster na JAI.

Fonte: Arquivo pessoal da autora

É quase final de semestre na UFSM e para conseguir dar conta de tantas

atividades, recorri aos cuidados e a atenção que minha irmã e dinda da Manuela,

Franciele e da minha mãe Jussara estão tendo com ela. Sem esse apoio não

conseguiria dar continuidade aos meus planos e projetos acadêmicos.

Corroborando com essa escrita, trago Yamashiro (2014) a qual apresenta em

sua pesquisa dados que demonstram a importância da ajuda das avós no processo

de atenuar o estresse materno e que, muitas vezes, deixam de lado interesses

próprios para auxiliar a família de seus filhos e netos, como prioridades em relação

Imagem 66 - Daniele na JAI 2017

Page 113: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

116

aos próprios afazeres, oferecendo também auxílio financeiro, principalmente, em

situações inesperadas.

Às vezes penso que aprendi a lidar com determinadas situações, mas em

outros momentos percebo que ainda não. As situações as quais me refiro, na

maioria das vezes são os olhares de piedade das pessoas na rua, no shopping, na

praça. mas confesso que apesar de viver e experienciar essa realidade há mais de

cinco anos, existem momentos que ainda são difíceis. Sob esse viés, Possa (2009),

no diz que é preciso preparar a sociedade e investir na formação da consciência.

Pois, a sociedade ao se reportar ao outro21 e suas diferenças, demonstram, muitas

vezes, ações e atitudes preconceituosas, pois os sentimentos em relação às

pessoas com deficiência ainda estão carregados de ‘compaixão’ subjugando assim

suas capacidades.

Além disso, o abatimento e cansaço muitas vezes tomavam conta do meu

corpo, e com ele algumas interrogações: Por que preciso ser forte o tempo todo?

Por que preciso estar sempre bem? Por que preciso sorrir a todo o instante? São

momentos como estes que me desafiam a continuar, mas, por muitas vezes preciso

chorar... E choro, para então recuperar as forças e a vontade de seguir em frente.

Seguir em frente desejando intensamente momentos de alegria, superação e

pequenas vitórias, que são características marcantes da pessoa mais importante da

minha vida... a Manuela!

Nesse sentido, Buscaglia (2006, p.173), nos diz que: “o que se tem a fazer é

identificar com honestidade os sentimentos, chorar se sentir vontade e ter

consciência que essa é uma reação natural, normal, e que ninguém está se

inferiorizando ao agir assim”. E, muitas vezes, com esse sentimento que percebo a

ressignificação de minhas vivências e experiências.

Para perceber e sentir de modo diferente o que me passa, foi preciso

reconstruir os planos e sonhos que tive no passado... O berço foi substituído por

uma cama hospitalar, a fralda ao invés de ser retirada, aumentou de tamanho, o

carrinho de bebê foi substituído por uma cadeira de rodas, atividades como natação

e balé, tiveram que ser substituídas pelas sessões incansáveis de fisioterapia e

hidroterapia (balé e natação eram desejos que sempre tive para minha filha).

21 O “Outro diferente como depositário de todos os males, como o portador das falhas sociais”

(DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001, 124)

Page 114: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

117

Enfim, narrei até aqui minhas vivências e experiências, e as maneiras com as

quais ressignifiquei e continuo ressignificando as perdas, frustrações e desafios que

a vida me impôs como mãe de uma criança com Síndrome de West. Mas também

desfrutei dessas escritas para narrar e comemorar os incontáveis momentos de

vitórias e conquistas da Manuela. Detalhes que muitas vezes passam despercebidos

para a maioria de mães e pais, mas que para nós, que vivemos a condição de ter

um filho especial, faz toda a diferença. Momentos esses que produzem em mim um

sentimento de completude, de alegria e felicidade.

O que aprendi com tudo isso? Aprendi a olhar para o outro, a admirar o outro,

a entender o outro, a conviver com o outro, enfim... Aprendi a valorizar tudo de mais

belo que me foi concedido e agradecer infinitamente pela força e energia que tenho

para continuar.

Confesso que, os últimos meses, o tempo que estamos passando juntas está

mais corrido, pois como citei anteriormente, as demandas aumentaram, agora, por

exemplo, Manuela está acordando, então, interrompo por aqui esta escrita. Espero

que em breve possamos dar continuidade a essa conversa.

Page 115: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

118

NOTAS PARA FINALIZAR...

OUTRAS PALAVRAS...

Essa conversa irá ser interrompida, porém, de alguma maneira a vida lhe dará

uma continuidade. Essa continuidade, com certeza, trará diversos questionamentos

e [re] significações, no que talvez eu pudesse ter feito diferente, ou ainda, o que

talvez eu possa fazer diferente. Jorge Larrosa, através do pensamento de Jacques

Derrida, diz que “o talvez leva a pensar a vinda do porvir, do que não se sabe e não

se espera, do que não se pode projetar, nem antecipar,nem prever,nem prescrever,

nem predizer, nem planificar”; o talvez, em outros termos, nos leva a refletir naquilo

que “não depende do nosso saber, nem do nosso poder, nem da nossa vontade”.“O

talvez leva a pensar na interrupção,na descontinuidade, na possibilidade, talvez, do

acontecimento, enquanto essa possibilidade se abre no interior do impossível”

(LARROSA, 2001,p.288).

Nesse sentido, busquei através dessas narrativas revelar momentos de

minhas vivências e experiências como mãe de uma criança com Síndrome de West.

Iniciei narrando brevemente o período anterior à minha gestação por considerar um

momento fundamental na constituição e consolidação de minha família.

Na sequência, trouxe momentos especialmente relevantes em minha

trajetória da gestação, tentei narrar e apresentar também através de imagens os

sentimentos considerados por mim, mais importantes para a minha constituição

como mãe - mãe da Manuela.

Além dos sentimentos maternos, busquei apresentar, de acordo com a minha

visão, os sentimentos e emoções vividas pelo pai da Manuela e as considerações

tecidas por autores da área sempre buscando traçar um parâmetro entre as minhas

narrativas e a literatura.

Por considerar de suma importância, trouxe durante minhas narrativas,

acontecimentos e pessoas que considero fundamentais e indispensáveis em minha

trajetória materna. São pessoas que me ampararam e continuam me acolhendo,

tornando-se coadjuvantes para a constituição de minhas [res] significações e

experiências.

Durante as narrativas, acredito que o momento mais marcante e difícil para

escrever, refere-se ao momento do diagnóstico. No capítulo em que narro esse

momento, tentei exteriorizar alguns dos acontecimentos que mais marcaram meu

Page 116: Daniele Francisca Campos Denardin de Bittencourt

119

percurso e minhas experiências. Confesso que, muitas vezes, a dificuldade em

transmitir os fatos e acontecimentos se fizerem presentes, e trouxeram à tona muitos

questionamentos que estavam adormecidos.

Contudo, ao finalizá-lo, percebi que muitos dos momentos de dor, ansiedade,

agonia, sofrimento, preocupação e de dificuldades foram ou estão sendo [res]

significados, impulsionando em mim o sentimento de empoderamento e autoestima,

conforme descrevo no último capítulo, onde narro os acontecimentos que

corroboraram com as [re] significações de minhas experiências como mãe de uma

criança que vive "a condição daquilo que é diferente de mim; a condição de ser

outro" (SILVA, 2000, p.16).

Sendo assim, para concluir essa conversa, quero, não apenas trazer e

partilhar minhas experiências22 individuais, mas também venho com a intenção de

auxiliar e contribuir, de alguma forma, na trajetória de mães que como eu, se [re]

significam todos os dias, vivenciando um talvez em cada conquista ou a

in(certeza)daquilo que nos passa.

22 Experiências no sentido de algo "que nos passa, o que nos acontece o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. Pois, a cada dia, “se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (LARROSA, 2002, p.21)

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ANEXOS

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ANEXO A: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA

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