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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
DANIELLE MACHADO CAVALCANTE
ENTRE O BRASIL E PORTUGAL: A TRAJETÓRIA DE LUIS PAULINO DE OLIVEIRA PINTO DA FRANÇA
(1771 – 1824)
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
SETEMBRO DE 2016
DANIELLE MACHADO CAVALCANTE
ENTRE O BRASIL E PORTUGAL: A TRAJETÓRIA DE LUIS PAULINO DE OLIVEIRA PINTO DA FRANÇA
(1771 – 1824)
Dissertação apresentada como requisito
final para obtenção do grau de Mestre
em História ao Programa de Mestrado
em História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas,
Campus V Santo Antônio de Jesus da
Universidade do Estado da Bahia, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Nancy Rita
Sento Sé de Assis.
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
SETEMBRO DE 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
DANIELLE MACHADO CAVALCANTE
Dissertação apresentada como requisito
final para obtenção do grau de Mestre
em História ao Programa de Mestrado
em História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas,
Cavalcante, Danielle Machado
Entre o Brasil e Portugal: a trajetória de Luis Paulino de Oliveira Pinto da França (1771-1824) / Danielle Machado
Cavalcante . – Santo Antônio de Jesus, 2016.
130f.
Orientador: Profª. Dr.ª Nancy Rita Sento Sé de Assis.
Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento
de Ciências Humanas. Campus V. 2016.
Contém referências.
História. 2. Luis Paulino - ascensão social. 3. Brasil – Portugal. I. Assis, Nancy Rita Sento Sé de.
II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 981
Campus V Santo Antônio de Jesus da
Universidade do Estado da Bahia, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Nancy Rita
Sento Sé de Assis.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo José Santos Borges (UNEB)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Armando Diniz Guerra Filho (UFRB)
_______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Nancy Rita Sento Sé de Assis - Orientadora (UNEB)
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
SETEMBRO DE 2016
Aos meus pais,
Dermeval e Margarida.
Ao meu amor,
Leonardo Leite.
AGRADECIMENTOS
Eu não conseguiria chegar até aqui sozinha e, ao longo desses anos, pude
perceber o quanto o apoio e o incentivo te levam a lugares que você jamais conseguiria
chegar. A pesquisa não foi fácil! Quantas vezes pensei que não iria conseguir concluir
esse estudo, por falta de algumas fontes, ou por que achava que a leitura ainda não
correspondia com a demanda do trabalho. A pesquisa não foi fácil! Mas conclui! E o
sentimento de gratidão precisa ser expressado em forma de agradecimento a pessoas que
fizeram parte desse projeto, seja direta ou indiretamente.
Não poderia deixar de primeiramente agradecer a Deus, autor da vida e dono de
toda sabedoria. Sem sua presença e seu amor que constantemente foram manifestados a
mim, essa pesquisa não teria sentido. Agradeço aos meus pais: Dermeval e Lia, que por
conta das situações difíceis da vida, não puderam concluir seus estudos, mas, com muito
sacrifício, nunca deixaram de medir esforços para apoiar e ver seus três filhos formados.
Dedico, sem sombra de dúvidas, todo o trabalho desenvolvido a vocês.
Agradecer ao meu historiador favorito, Leonardo Leite. Eu não teria conseguido
sem você, sem seu apoio, sua persistência, amor e amizade. Agradecer por estar ao meu
lado ao longo desses anos, por muitas vezes, acreditar em mim, de uma forma que nem
eu mesmo consigo. Obrigada por ter se privado de muitas coisas para poder me ajudar,
seja pesquisando nos Arquivos, na simples leitura de algum texto, ou corrigindo
“minhas vírgulas”. Conseguimos, mais uma vez, superar, vencer e fechar um ciclo.
Muito obrigada! Amo você!
Eu não poderia deixar de agradecer também a Sérgio Armando Diniz Guerra
Filho. Serginho, você tem uma importância significativa neste trabalho, não só por ter
me apresentando Luis Paulino e a família Pinto da França, ainda nos primeiros
semestres da graduação, mas por estar me acompanhando nesse ciclo também. Obrigada
por todas as colaborações e por todo apoio. O resultado dessa pesquisa é seu também!
Agradeço imensamente a minha orientadora Nancy Rita Sento Sé de Assis, por
ter aceitado esse desafio de me orientar. Agradeço por toda ajuda, por se permitir
mergulhar comigo nessa imensidão que foi pesquisar sobre Luis Paulino e sua família.
Por todas as colaborações e intervenções nessa pesquisa que, por muitas vezes, eu
mesma desconhecia os desafios e suas dimensões. Muito obrigada!
Agradeço também ao professor Eduardo José Santos Borges, por ter aceitado ao
convite de fazer parte da banca. Acrescentando de forma significativa a este projeto.
Sou grata por todas as contribuições na qualificação, pelas ideias de escrita. Sua leitura
cuidadosa e suas críticas construtivas foram fundamentais para a continuidade deste
trabalho. Muito obrigada!
Um obrigado especial ao Programa de Pós-Graduação em História Regional e
Local, da Universidade Estadual da Bahia, aos professores e a Ane Lobo.
Aos colegas de curso, em especial a Ary Albuquerque e a Gabriel Brandão, por
todas as experiências vividas dentro e fora da sala e por todo apoio.
Ao Arquivo Público do Estado da Bahia e aos seus funcionários.
Por fim e em especial agradecer ao LAPALEO/UFRB (Laboratório de
Paleontologia) na pessoa da professora Carolina Saldanha Scherer. Ao mesmo tempo
em que comecei a trabalhar no Laboratório, eu estava prestando a seleção do mestrado.
Não foi fácil conciliar a pesquisa, as aulas e o trabalho. Mas o apoio e incentivo da
professora Carolina me fez vencer qualquer tipo de dificuldade. Obrigada por tudo! Já
disse uma vez, mas agora registro aqui: quero ser uma profissional igual a você. Letícia,
Samara e Mariane agradeço a vocês também, por todo o convívio, por cada riso
compartilhado e por toda a experiência ao longo desse tempo, com certeza, a escrita da
dissertação ficou bem mais leve.
Para que todos vejam, saibam, considerem, e juntamente entendam que a mão do
Senhor fez isto. Isaías: 41:20.
“A única generalização cem por cento segura sobre a história é
aquela que diz que enquanto houver raça humana haverá
história”.
Eric Hobsbawm.
“Amo a História. Se não a amasse não seria historiador. Fazer a
vida em duas: consagrar uma à profissão, cumprida sem amor;
reservar a outra à satisfação das necessidades profundas - algo
de abominável quando a profissão que se escolheu é uma
profissão de inteligência. Amo a História - e é por isso que estou
feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo”.
Lucièn Febvre.
RESUMO
Análise da trajetória de Luis Paulino de Oliveira Pinto da França, que nasceu em 1771
em Cachoeira-Ba e faleceu a bordo do Brigue Glória, quando regressava do Brasil para
Portugal, em 1824. Oriundo de uma família luso-brasileira importante e com certa
influência tanto no Brasil – especificamente na Bahia e no Rio de Janeiro – quanto em
Portugal, Luis Paulino teve uma vida de destaque, caracterizada por uma busca
incessante por status social e prestígio. Aos 24 anos ingressou na carreira militar
alcançando vários cargos e patentes. Iniciando sua carreira como cadete, alcançou o
comando do Regimento de Cavalaria 1, com a tarefa de “guardar” o Rei D. João VI.
Além da carreira militar, Luis Paulino foi eleito pela província da Bahia como deputado
às Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa em 1822, tendo
como projeto político a união dos dois Reinos. Através de um conjunto de documentos
que reúnem cartas, testamentos, diários das Cortes, ofícios, periódicos, entre outras
fontes, buscaremos compreender a sua trajetória, desde os combates nas Campanhas
Napoleônicas, como major, até o contexto da Independência do Brasil, quando foi
deportado para Portugal.
PALAVRAS-CHAVE: Luís Paulino, Ascensão Social, Brasil, Portugal, Cortes
Constituintes.
ABSTRACT
In this text, we analyze the trajectory of Luis Paulino de Oliveira Pinto of France, who
was born in 1771 in Cachoeira (Bahia) and died on board the Brigue Glory while
returning from Brazil to Portugal in 1824. He was born into an important Portuguese-
Brazilian family that was as influential in Brazil - specifically in Bahia and Rio de
Janeiro - as it was in Portugal. Luis Paulino had an outstanding life, characterized by a
constant search for social status and prestige. At 24, he entered the military, reaching
various positions and patents. He started his career as a cadet and later took command of
the 1st Cavalry Regiment with the task of "guarding" King John VI. In addition to his
military career, Luis Paulino was elected by the province of Bahia as a deputy to the
General and Extraordinary Constituent Courts of Portugal in 1822, with the political
project of uniting the two kingdoms. Our research was carried out through a variety of
documents including letters, wills, Court diaries, official documents, periodicals, among
other sources. We seek to understand Paulino’s story, dating from his participation in
the Napoleonic campaigns, as a major, to the context of the Independence of Brazil,
when he was deported to Portugal.
KEY WORDS: Luis Paulino, Social Ascension, Brazil, Portugal, Constituent Cortes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
CAPÍTULO 1. OS PINTO DA FRANÇA E OS GARCEZ DE OLIVEIRA:
RELAÇÕES DE UMA FAMÍLIA LUSO-BRASILEIRA. ....................................... 18
1.1 CONTEXTUALIZANDO UM PERÍODO: HISTORIOGRAFIA SOBRE A
TRANSFERÊNCIA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL. ................................ 18
1.2 NOS ARQUIVOS DAS FAMÍLIAS PINTO DA FRANÇA E GARCEZ DE
OLIVEIRA: PRIMEIROS RELATOS E UNIÕES. ................................................... 34
1.3 “DEIXEMOS POR ALGUM TEMPO OS PESARES E VAMOS AO PRAZER”.
ALIANÇAS MATRIMONIAIS: O CASO DE BENTO DA FRANÇA E MARIA
SABINA DA FRANÇA. ............................................................................................. 41
CAPÍTULO 2. “A HONRA DE VIVER AOS PÉS D’EL REI É GRANDE”:
CARREIRA MILITAR, A VIDA NA CORTE, PEDIDOS E GRAÇAS
ALCANÇADAS. ........................................................................................................... 54
2.1 DE CADETE A COMANDANDE DO 1º REGIMENTO DE CAVALARIA
(1795 a 1812). ............................................................................................................. 54
2.1.1 A VIDA NA CORTE: ENTRE BAILES E JOGOS DE INTERESSES. .......... 65
2.2 “NUNCA ME NEGO NEM NEGAREI A DILIGENCIAR E A PEDIR PARA
FELICIDADE DOS MEUS PARENTES”: SOLICITAÇÕES DE CARGOS,
GRAÇAS E INTRIGAS FAMILIARES. ................................................................... 72
CAPÍTULO 3. A VIDA POLÍTICA DE LUÍS PAULINO: DE DEPUTADO ÀS
CORTES A EMISSÁRIO DE D. JOÃO VI. .............................................................. 86
3.1 A REVOLUÇÃO DO PORTO, A CONVOCAÇÃO DAS CORTES GERAIS E
AS ELEIÇÕES DE 1821: ALGUNS ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS. ............ 86
3.2. A ATUAÇÃO DO DEPUTADO LUÍS PAULINO NAS CORTES LISBOETAS:
ANÁLISE DE ALGUNS DISCURSOS. .................................................................... 97
3.3 A MISSÃO DESCONHECIDA DE LUÍS PAULINO: TRAIDOR, EX-BAIANO
E INFELIZ. ............................................................................................................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 119
FONTES .................................................................................................................... 1244
11
INTRODUÇÃO
Luís Paulino de Oliveira Pinto da França nasceu em 1771 em Cachoeira, no
Recôncavo da Bahia. Filho de um comerciante português com uma senhora de engenho
brasileira, quando criança embarcou para Portugal, juntamente com o seu pai, depois da
morte da sua mãe. Luis Paulino formou-se em Leis e Matemática na Universidade de
Coimbra. Ingressou na carreira militar e, ao longo dos anos, gradualmente galgou os
cargos e patentes naquela corporação, onde começou como cadete e participou de
importantes batalhas pelo exército português, como nos combates contra as tropas
napoleônicas.
A sua ascensão na carreira militar foi rápida: em 1808, estava atuando como
tenente, em 1809 como major, e coronel em 1813.1 Além das patentes militares, foi
condecorado com várias honrarias e títulos nobiliárquicos: Fidalgo-Cavaleiro da Casa
Real, Comendador e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Medalha de Ouro da Guerra
Peninsular, Comendador pela Ordem de Cristo na África e primeiro administrador do
vínculo de Fonte Nova.2
Em 1792, casou-se com a portuguesa Maria Bárbara Madureira Pinto Garcez,
com quem teve quatro filhos. Bento da França Pinto de Oliveira (1793 – 1852), que,
assim como o pai, seguiu a carreira das armas e foi agraciado, em 1824, com o alvará de
Fidalgo-cavaleiro da Casa Real, voltando para Portugal em 1826, onde seria nomeado
comandante de cavalaria 3, e brigadeiro graduado; Maria Sabina da França Pinto Garcez
(1798 – 1854), que se casou com Rodrigo Antônio Falcão Brandão (1789-1855), 1º
Barão de Belém e senhor do Engenho Novo no Recôncavo da Bahia; Luís Paulino da
França Pinto Garcez (1800-1881), que também seguiu carreira militar conquistando
altas patentes, tendo uma carreira longa e intensa, participando de vários conflitos na
Bahia e em outros estados. E, por fim, Maria Francisca da França Pinto Garcez (1817-
1859), que morreu solteira e sem filhos.
Em 3 de setembro de 1821, Luís Paulino foi escolhido como outros deputados
baianos para representar às Cortes Constituintes, recebendo 19 votos. No dia 1º de
1 FRANÇA, Antônio d’Oliveira Pinto da (Org.). Cartas Baianas, 1821-1824: Subsídios para o estudo dos
problemas da opção na Independência brasileira. São Paulo: Nacional, 1980, p.133-134. 2 Idem. p.134.
12
outubro, juntamente com os sete deputados baianos, Luis Paulino partiu para Portugal a
fim de iniciar suas atividades na Corte.
Nas Cortes, optou por defender um projeto político no qual entendia que a união
dos reinos – Brasil e Portugal – era a melhor situação, por isso, ficou estigmatizado
como um “traidor da causa brasileira”, seu posicionamento político também o levou a
sofrer uma agressão, pois em uma das reuniões das Cortes, depois de algumas
discussões calorosas, Cipriano Barata – deputado baiano, eleito juntamente com Luis
Paulino –, por não concordar com o seu discurso o chamou pra um duelo de espadas.
Ao chamá-lo para o pátio das Cortes, Cipriano Barata o empurrou das escadas. Esse
episódio rendeu inúmeras faltas a Luis Paulino, ficando meses sem participar das
reuniões nas Cortes Lisboetas. Encerradas as atividades das Cortes Constituintes, Luis
Paulino ainda permaneceu em Portugal. Entre os meses de dezembro de 1822 e maio de
1823 participou da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa até ser
convocado por D. João VI para fazer parte de uma missão cuja finalidade era de
promover o dialogo entre os deputados na Assembleia Constituinte de 1823 a fim de
cessar os conflitos existentes.
Na Bahia, ficaram sua esposa e seus filhos que se deslocaram, tempos depois,
para o Engenho da família no Recôncavo Baiano. Ali, Maria Bárbara exerceu as
funções de senhora de engenho, administrando e tomando as providências necessárias
para desempenhar o seu novo papel, com o marido ausente. Entre safras, vendas e o
trabalho para manter o engenho da família em funcionamento, Maria Bárbara ainda se
destacou por ser “testemunha ocular” dos acontecimentos ocorridos na Bahia. As cartas
enviadas ao marido faziam com que Luis Paulino soubesse dos principais assuntos e
fatos dos turbulentos anos de 1821 a 1822.
Analisar a trajetória de Luis Paulino de Oliveira Pinto da França é certamente
uma tarefa desafiadora. Estudando os pormenores da sua vida, percebemos sua
importância, principalmente no cenário político do início dos anos 20 do século XIX.
Apesar de ser uma figura de destaque na sociedade baiana e portuguesa desse período,
compreendemos que a historiografia carecia de estudos mais sistemáticos sobre a vida
de Luis Paulino e sua atuação na sociedade de seu tempo.
Os caminhos que nos levaram a conhecer mais de perto a vida desse ilustre luso-
brasileiro surgiu da inquietação de compreender alguns aspectos da independência da
Bahia através da analise de correspondências da família Pinto da França. É importante
13
ressaltar que essas missivas reunidas nas coletâneas intituladas: “Cartas Luso-
brasileiras 1807-1821: a invasão francesa; a corte no Brasil; a revolução liberal3”, e
“Cartas Baianas (1821-1824): subsídios para o estudo dos problemas da opção na
Independência da Brasileira” já foram trabalhadas por vários historiadores que se
debruçaram no estudo do período da independência da Bahia. Foi a partir desse material
que começamos a ter noção do papel de Luis Paulino nesse contexto tão conturbado da
história brasileira e de Portugal.
A análise dessa documentação foi essencial para o aprofundamento do trabalho.
Recolhido de arquivos familiares e publicado por Antônio de Oliveira Pinto da França e
Antônio Manuel Monteiro Cardoso um total de 126 cartas que se estenderam de 1807 a
1824, cobrindo cerca duas décadas. Essas correspondências traziam consigo alusões a
importantes fatos históricos, fatos esses que foram vivenciados pelas pessoas que as
escreviam, e muitas dessas cartas eram escritas às pressas e ao sabor dos
acontecimentos.
A primeira coletânea, intitulada “Cartas Luso-brasileiras 1807-1821l”, contém
cerca de 67 cartas que tratam de alguns temas, dentre os quais as invasões napoleônicas
em Portugal; o Brasil e a vida na Corte do Rio de Janeiro; as festas palacianas; os luxos;
as intrigas políticas e os jogos de influências; os primeiros sinais de mudança política e
o surgimento das ideias de independência. No contexto dessas últimas, destaca-se a
revolta de Pernambuco em 1817, onde Luis Paulino desempenhou um papel
considerável que lhe renderam promoções militares e honrarias. As cartas revelam como
grandes episódios, que aconteceram no início do século XIX, afetaram diretamente essa
família tanto no Brasil como em Portugal. Alude à reverência e fidelidade prestada ao
soberano rei e as estratégias de proteção, em caso de extravio de algum documento ou
correspondência.
O segundo volume reúne correspondências trocadas entre os turbulentos anos de
1821 e 1823, intitulado “Cartas Baianas (1821-1824”, reúne cerca de 59 cartas, que em
sua grande maioria foram enviadas para Luis Paulino quando este se encontrava em
Portugal como deputado às Cortes Constituintes. As correspondências enviadas ao
deputado foram marcadas principalmente pela narração dos conflitos que antecederam a
3 FRANÇA, Antônio d’Oliveira Pinto da; CARDOSO, Antônio Monteiro (orgs.). Cartas luso-brasileiras
1807-1821: a invasão francesa; a corte no Brasil; a revolução liberal. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2008.
14
adesão da Bahia à causa da independência, assim como das atuações de sua esposa,
Maria Bárbara, frente ao engenho de açúcar da família.
Alguns questionamentos podem ser levantados em relação à escolha da fonte.
Por que analisar essas cartas? Ou que tipo de atrativo elas têm? Qual a contribuição
desta análise para a Historiografia? De acordo com Ângela de Castro Gomes, é
perceptível o crescimento do apreço de leitores pelo gênero da “escrita de si”, sejam
diários, correspondências, biografia ou autobiografias. No entanto, a autora observa que
não são muito frequentes as pesquisas históricas que se concentram na exploração desse
tipo de fonte. O que para Gomes é compreensível, pois, embora tal documentação
sempre tenha sido usada como fonte, apenas mais recentemente foi considerada “fonte
privilegiada e, principalmente, tomada, ela mesma, como objeto da pesquisa histórica”.
Dessa forma, a autora compreende que essa gama de documentação referente às
“escritas de si” ilustram as mais variadas possibilidades de análises e de resultados.4
Sobre a valorização desse tipo de fontes, cabe ressaltar ainda que foram
produzidas, em sua maioria, em um âmbito privado, seja por “grandes” homens ou por
homens “comuns”, e que precisaram ser recolhidas, organizadas, catalogadas e
socializadas para a pesquisa histórica. Segundo a autora, foram necessários longos
debates e reflexões acerca da natureza dessas novas fontes, como seriam os
procedimentos junto à crítica documental bem como da sua potencialidade e limites.5
Gomes ainda observa algo de extrema importância sobre essas fontes, a
construção dos procedimentos quanto às críticas a esse tipo de documentação no que
concerne a questões relativas sobre o “erro” ou à “mentira” do texto que estará sendo
analisado. Nesses casos, segundo a autora, está “descartada”, num primeiro momento,
qualquer possibilidade de se saber o que “realmente aconteceu”, ou seja, a verdade
sobre os fatos, pois não é essa a “perspectiva” do registro feito. Para o historiador, o que
é importante é “exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor a expressa”,
ou seja, para a autora, “o documento não trata de dizer o que houve, mas de dizer o que
o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um
acontecimento”. Partindo desse princípio, a autora conclui que o trabalho da crítica a
essas fontes não é maior ou menor do que o necessário às demais, no entanto que
4 GOMES, Angela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: Escrita de si, escrita
da História. Ângela de Castro Gomes (Org.). Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 7. 5 Ibidem. p.7.
15
precisa ser levada em consideração suas “propriedades”, para que o exercício de análise
seja, de fato, produtivo.6
Dialogando com Gomes, Tereza Malatian ressalta que desde a década de 1980, a
publicação e coletânea de cartas vêm crescendo e se tornando um “fenômeno editorial”,
proporcionando assim uma nova perspectiva historiográfica, valorizando a narrativa e o
individuo. Diante disso, os escritos autobiográficos e, consequentemente, a palavra
constituem um meio privilegiado de acesso a atitudes e representações do sujeito,
abrindo um leque de possibilidades para o historiador.
De acordo com a autora, as cartas se afirmaram como um gênero que desde a
Antiguidade já era cultivado e que o hábito de se corresponder tornou-se mais difundido
ao longo dos anos, passando por diversas camadas sociais e constituindo-se uma prática
muito apreciada tanto na Europa como na América.7
Além das cartas, outras fontes fundamentais para o desenvolvimento desse
trabalho são o Extrato do livro de registro dos bens de raiz do pai de Luís Paulino, o
senhor Bento José de Oliveira (1791); o Registro do casamento de Maria Bárbara e Luís
Paulino (1792); além de mapas genealógicos, ofícios, certidões de óbito, testamento de
Luís Paulino (1821) e um Decreto Real (1823) autorizando o estabelecimento de uma
feira semanal nos arredores do engenho Aramaré.
Sobre Luis Paulino, também encontramos algumas referências em livros
clássicos e em estudos recentes que abordavam sua atuação, na maioria das vezes, de
forma sucinta e breve. No entanto, através das fontes e do cruzamento com a
bibliografia especializada, percebemos que a importância de Luis Paulino ia além da sua
atuação como deputado às cortes. Com a possibilidade de retroceder alguns anos da sua
vida pudemos compreender e analisar a sua trajetória como militar e “vassalo” fiel e
dedicado ao rei D. João VI.
Com isso, sentimos a necessidade de aprofundar a análise sobre a sua trajetória
tentando compreender as suas escolhas e posicionamentos frente a uma série de
importantes acontecimentos que afetariam diretamente o Brasil e Portugal, bem como, a
sua vida e dos seus familiares.
6 Ibidem. p.7.
7 MALATIAN, Teresa. Cartas. Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla B.; LUCA, Tania R. de
(Org.) O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, p. 195-221.
16
Outra documentação importante para o desenvolvendo deste trabalho foi o
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa 1821-
1822. Com essa fonte pudemos mapear alguns dos discursos que foram proferidos pelo
deputado, bem como o seu posicionamento, suas intervenções e as intrigas políticas do
período. Destacamos também o Diário da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa
do Império do Brasil. (1823) nas quais pudemos observar e analisar algumas sessões em
que o assunto girava em torno da missão da qual Luis Paulino estava participando.
Nessas sessões, os deputados discutiam se permitiam ou não o desembarque de Luis
Paulino e da comissão enviada por D. João VI. Também pesquisamos nos Annaes da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e no periódico Semanário Cívico que assim
como muitos jornais portugueses, tinha como um dos principais objetivos defender a
união entre Brasil e Portugal.
Nosso trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, apresentamos a
família Pinto da França e o contexto histórico em que estava inserida. No entanto, para
que isso pudesse ser feito, precisamos apresentar também os Garcez de Oliveira, que
nesse primeiro momento irão preencher lacunas que, ao longo da pesquisa se tornaram
imprescindíveis para a construção do trabalho. Tal apresentação se deve ao fato de que a
esposa do principal sujeito dessa pesquisa é oriunda dessa família e o primeiro volume
das correspondências trocadas entre as duas famílias – Pinto da França e Garcez de
Oliveira – foi muito intenso entre os anos de 1807 e 1821. Através dessas cartas,
pudemos refletir sobre as primeiras impressões desses familiares, bem como entender o
processo de estabelecimento das uniões matrimoniais que foram realizadas ao longo
desses anos.
No segundo capítulo, o nosso intuito foi demonstrar a trajetória de Luís Paulino
entre os regimentos de Cavalaria em Portugal, do cargo de cadete até o comando do 1º
Regimento de Cavalaria. Este último possibilitou a Luis Paulino o livre trânsito na
Corte do Rio de Janeiro, já que sua função naquele momento era “guardar” o soberano.
Entre bailes e jogos de interesse, o comandante escreveu inúmeras correspondências aos
familiares relatando como estava a sua vida na corte. Através dessas cartas, podemos
compreender sua devoção ao Rei D. João VI, bem como a utilização da sua influência e
fidelidade para angariar favores, cargos e títulos para si e para seus familiares.
No terceiro e último capítulo analisamos a trajetória política de Luis Paulino nas
Cortes de Lisboa entre os anos de 1821 e 1822. Apresentamos o contexto da Revolução
17
do Porto, a Convocação das Cortes Gerais, bem como o processo das eleições na
província da Bahia. Expusemos também a atuação de Luis Paulino como deputado,
analisando alguns discursos que consideramos importantes para a compreensão do
posicionamento de Luis Paulino em defesa de um projeto político de Reino Unido, bem
como das disputas políticas nas quais o deputado se envolveu ao longo dos dois anos.
Por fim, analisamos também a missão que D. João VI lhe confiou em fins de 1823.
Relatamos sobre a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de
1823 e analisamos alguns discursos que ali foram proferidos a favor ou contra ao
desembarque de Luis Paulino no Porto do Rio de Janeiro.
18
CAPÍTULO 1. OS PINTO DA FRANÇA E OS GARCEZ DE OLIVEIRA:
RELAÇÕES DE UMA FAMÍLIA LUSO-BRASILEIRA.
(...) temos duas famílias afastadas pelo Oceano e cada uma
escrevendo sobre seus dissabores, sabores e saudades. A vida
cotidiana no Brasil, a chegada e a estada de D. João na colônia-
elevada a Reino Unido em 1815-, a revolta de Pernambuco em 1817 e
finalmente a rebelião liberal do Porto em 1820, bem como o
consequente retorno de D. João VI e Carlota Joaquina a Portugal. Aí
estão temas que surgem salpicados em meio ao tempero dos assuntos
de cunho mais pessoal, e dos dramas do dia-a-dia.
SCHWARCZ, Lília Moritz, 2008.
1.1 CONTEXTUALIZANDO UM PERÍODO: HISTORIOGRAFIA SOBRE A
TRANSFERÊNCIA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL.
O ano de 1808 foi singular para Portugal, especialmente para a sua Monarquia e
para o Brasil, que até então era a sua colônia. Atracaram nos portos da Bahia e do Rio
de Janeiro as embarcações que traziam D. João VI, a Família Real e parte da sociedade
de Lisboa: “era a primeira vez que um monarca europeu pisava em terras americanas
após três séculos de domínio colonial.”
D. João VI desembarcou primeiro na Bahia, no dia 22 de janeiro de 1808,8 onde
permaneceu por quase um mês. Segundo Eduardo José Santos Borges, existem algumas
explicações para o fato da nau de D. João VI não ter acompanhado as demais que
desembarcam no Rio de Janeiro. Uma delas é de que “uma forte tempestade fez a
armada se dispersar” levando algumas naus a atracarem na Costa Fluminense e a que
transportava D. João a aportar na Bahia, em sua capital, a cidade de São Salvador da
Bahia de Todos os Santos9. Outra explicação é de que
a parada em Salvador também pode ter sido estratégia intencional do
príncipe. Baseado nos livros das embarcações inglesas que
acompanharam D. João, o historiador Kenneth Light levanta a
hipótese de que a decisão de desviar o percurso foi tomada durante a
viagem, devida talvez, à força simbólica que representava a Bahia no
mundo português.10
8 No que diz respeito ao dia exato da chegada da frota portuguesa na Bahia, existem algumas pequenas
divergências, alguns estudiosos entendem que a esquadra chegou no dia 21, outros, no dia 22. 9 BORGES, Eduardo José Santos – Em solo Baiano, in Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, ano 3, nº 28, janeiro de 2008. Disponível em:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/em-solo-baiano. 10
Ibidem.
19
Dom João e alguns de seus familiares ficaram hospedados no Palácio do
governador e de imediato mudou a rotina da região, as outras pessoas que o
acompanhavam ficaram acomodadas em outros lugares como, por exemplo, na Casa de
Relação (sede da Justiça). A passagem do rei e sua família pela Bahia foi bastante
movimentada e calorosa. Segundo Borges, foi uma grande novidade a presença de um
monarca na região e, em uma de suas passagens, D. João chegou a “distribuir dinheiro
para recompensar o carinho popular.” Ordenando a doação de uma “pataca de prata
(320 réis) a cada pessoa que se aproximasse.” Um dos fatos curiosos da sua passagem
foi também a “redução de penas a presos e o perdão a alguns criminosos.11
” Porém, a
estadia do monarca na Bahia foi curta e se encerrou no dia 26 de fevereiro, o que não
agradou muito aos baianos. Ainda de acordo com Borges,
desde o primeiro momento em que o monarca pisou seu solo, já se
articulava a permanência definitiva da Corte e a troca do Rio de
Janeiro por Salvador como capital do reino. Para os vereadores, a
localidade era merecedora “de ser elevada a Dignidade de Capital”,
por isso solicitavam ao príncipe que “estabeleça a sua residência nesta
cidade, como aquela construída para cabeça de um império”. Para
tanto, os comerciantes se ofereceram para construir um majestoso
palácio.12
Saindo da Bahia o destino seria o Rio de Janeiro. D. João e a sua comitiva
aportaram na Baía de Guanabara no dia 7 de março. Segundo Silvia Drumond Silva
Fontes, o Rio de Janeiro nesse contexto desfrutava do status de principal porto do
Brasil, onde existia uma ‘intensa atividade comercial, ligando a metrópole, o litoral
nordestino, o sul, e até mesmo a região da Prata.13
”
Ao contrário do que já foi muito difundido ao longo dos anos, em livros e
pesquisas, essa transferência não aconteceu de uma forma “impensada”. Estudos
apontam que, muito antes de 1808, a Corte Portuguesa já havia cogitado a possibilidade
de uma transferência para a sua colônia.
O historiador Manuel de Oliveira Lima afirmou que a ida para o Brasil já tinha
sido cogitada quando ocorreu a invasão do Duque d’Alba no ano de 1580 e “tinham D.
João IV, a rainha D. Luíza de Guzmon e o Padre Antônio Vieira acariciado semelhante
ideia diante da persistente guerra de reivindicação espanhola”. Com a crise jacobina e
11
Ibidem. 12
Ibidem. 13
FONTES, Silvia Drumond Silva. A Corte Portuguesa no Brasil. 2006, p. 6.
20
depois napoleônica, o plano de ir para o Brasil esteve “diariamente na tela da
discussão.14
”
Oliveira Lima observou ainda que a “ideia de transladação”, como é por ele
denominada a transferência da Corte Bragantina, não foi algo instintivo, conforme
sugere a bagagem trazida, sobre a qual basta dizer que, juntamente com o rei e seu
séquito
vieram para o Brasil todas as pratas preciosíssimas cinzeladas pelos
Germain; toda a formosa biblioteca organizada por Barbosa Machado,
milhares de volumes reunidos com inteligência e amor que
constituíram o núcleo da nossa primeira libraria pública; até o prelo e
tipos mandados vir de Londres para uma imprensa destinada ao
serviço do ministério de Estrangeiros e Guerra e que Antônio de
Araújo trouxe consigo na nau Medusa.15
Oliveira Lima ressaltou que havia muito tempo que essa ida para o Brasil estava
sendo pensada, “senão divulgada, planejada”, destacando ainda que: “se alguma
precipitação houve na realização do projeto, foi por que eram sempre fulminantes as
resoluções de Napoleão e, no caso de Portugal, tentou-se ludibriar a dinastia para
conseguir à sua ida para outro continente.16
”
Corroborando com as ideias de Oliveira Lima, a historiadora Ismênia de Lima
Martins, observou que
o grande destaque para Dom João na história luso-brasileira reside no
fato de ter sido o agente fundamental de uma audaciosa manobra
política, que enfrentou a hegemonia napoleônica e resguardou a coroa
portuguesa das humilhações sofridas por outras monarquias européias.
Também garantiu a integridade do território ultramarino português,
mantendo-se na plenitude de seus direitos, com a transmigração da
Corte.17
Sobre a transferência da Corte, Martins salientou que as primeiras propostas
sistematizadas vieram desde o século XVIII, contudo, já no século XVII, o padre
Antônio Vieira foi o primeiro a “vislumbrá-la, ainda que sem a fundamentação e a
justificativa política.18
” Em 1736, D. Luís da Cunha, um diplomata português que serviu
a D. João V, escreveu um “projeto estruturante” no qual o Brasil tinha uma posição de
14
LIMA, Oliveira. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro, Topbooks, 3ª Edição. 2006. p. 43. 15
Ibidem. p. 49 -50. 16
Ibidem. p.50. 17
MARTINS, Ismênia de Lima. “Dom João - Príncipe Regente e Rei - um soberano e muitas
controvérsias.” In Navigator, v. 6, n. 11. 2011, p. 25. 18
Ibidem. p. 25.
21
destaque em suas reflexões e argumentos. Das ideias elencadas por D. Luís da Cunha, a
autora destacou:
na América faltam muitas coisas que crescem na Europa, e é constante
que também na Europa faltam muitas e mais preciosas das que
crescem na América, com esta grande diferença, que as que não há no
Brasil, se podem vir a ter com a indústria e aplicação; porém não há
aplicação nem indústria bastante para produzir em Portugal o que há
no Brasil.19
Outro nome que se tornou notório nesse contexto foi o de D. Rodrigo de Souza
Coutinho, um dos principais formuladores do projeto da transferência da Corte para o
Brasil antes de 1808. Segundo a autora, em 1796, diante da difícil situação em que se
encontrava Portugal, o príncipe D. João reativou o Conselho de Estado e D. Rodrigo de
Souza foi chamado para ocupar o Ministério da Marinha e Domínios Ultramarinos. Não
obstante, teria sido no Conselho de Estado que D. Rodrigo de Souza teria chamado a
atenção de D. João para que ele organizasse, de fato, uma defesa para Portugal contra a
França. Desde 1797, D. João teria sido instigado por D. Rodrigo de Souza a estabelecer
o mais extenso Império no Brasil.20
Complementando as informações, Andréa Smelian e João Paulo G. Pimenta
ressaltam que durante a Guerra das Laranjas21
, ocorrida em 1801, a transferência da
Corte Bragantina foi cogitada mais uma vez, o que também não aconteceu. Dois anos
depois, em 1803, com a declaração de guerra entre França e Grã-Bretanha, novamente
circulava a ideia de transferência.22
Sobre essa questão, Martins ressaltou que entre projetos e ideias, somente em
1807 D. João considerou, de fato, que a situação de Portugal não era das melhores e se
pronunciou sobre a “necessidade de agilizar os preparativos da viagem.” Foi nessa
circunstância que D. João se encontrava, “entre uma grande pressão externa e a
eminência de uma invasão militar”, fatos que culminaram definitivamente para que
houvesse a transferência da Corte para o Brasil. Dentre tantas coisas, o monarca chegou
19
Ibidem. p. 25. 20
Ibidem. p. 26. 21
A Guerra das Laranjas foi desencadeada durante três semanas na sequência de um acordo entre
Napoleão e Carlos IV de Espanha para a partilha de Portugal, prenúncio das invasões francesas. 22
SLEMIAN, Andréa e PIMENTA, João Paulo G., A Corte e o Mundo: uma história do ano em que a
família real portuguesa chegou ao Brasil. São Paulo: Alameda, 2008. p. 30 -31.
22
“a propor que se embalasse o Real Tesouro e também alguns dos arquivos de
organismos da administração pública.”23
Dentre os argumentos apresentados, e concordando com a autora, destaca-se o
entendimento de que a vinda da Corte para o Brasil como uma simples fuga é uma
questão ultrapassada e superada entre os historiadores, pois são várias as evidências que
revelam ter se tratado de uma saída estratégica e planejada. Para Martins,
a cogitação, anterior a 1808, do Brasil como sede da Monarquia, mas,
sobretudo, o projeto de Dom Rodrigo, os pronunciamentos de vários
membros do Conselho de Estado na mesma direção, as sugestões
objetivas encaminhadas e as evidências de gestões administrativas no
sentido de viabilizá-las, além da documentação diplomática,
constituem-se em dados inquestionáveis quanto ao planejamento da
viagem.24
Segundo Maria Aparecida Silva de Souza, as ameaças e pressões vindas do
Imperador Napoleão Bonaparte geraram um grande desconforto na Espanha e em
Portugal, visto que o processo de expansão das forças napoleônicas afetava a
“estabilidade política das monarquias ibéricas.” Na Espanha, “a transferência da Coroa
dos Bourbons” para José Bonaparte, irmão de Napoleão, “resultou no rompimento do
princípio de legitimidade dinástica ante o fortalecimento dos poderes regionais que
acirraram os conflitos internos nas colônias hispânicas.”25
Napoleão Bonaparte se destacou como líder político e militar durante a primeira
República Francesa. Em 1799, se estabeleceu como primeiro cônsul após liderar um
golpe de Estado. Em 1804, foi proclamado imperador e iniciou o avanço do seu exército
sobre grandes potências europeias nas chamadas guerras napoleônicas. Nesse contexto,
o Imperador exigiu de Portugal “uma tomada de posição” diante das circunstâncias em
que estavam inseridos depois de ter decretado, em novembro de 1806, o Bloqueio
Continental, proibindo assim qualquer ligação comercial com a Grã-Bretanha.26
De acordo com João Paulo Ferreira da Silva, Dom João, sob pressão da iminente
invasão francesa, deixou subentendido a Napoleão Bonaparte que iria cumprir as
disposições que por ele foram elencadas. Sendo assim, no dia 30 de outubro mandou
prender os ingleses que estavam residindo em Portugal. No entanto, como ironiza o
autor, tal atitude foi “uma manobra para, neste caso, francês ver”. Afinal, em
23
MARTINS. op. cit., p.26. 24
Ibidem. p. 26. 25
SOUSA, op. cit. p. 21 - 23. 26
SLEMIAN e PIMENTA. op. cit. p. 59.
23
Convenção secreta entre Portugal e a Grã-Bretanha, datada de 22 de novembro, se
estabeleceria o acordo para “pôr a salvo a Família Real e o governo português no
Brasil”. Em contrapartida, Portugal iria recompensar a Inglaterra com os tratados
comerciais que iriam estabelecer entre si.27
Com a decisão de se aliançar ao império britânico, Portugal transferiu a Corte
Bragantina para a sua colônia americana trazendo consigo não só um modo de vida
diferenciado dos colonos que ali se faziam presentes. Por intermédio da sua instalação,
pôde propiciar grandes transformações de ordem política, econômica, cultural e social,
bem como a “possibilidade da preservação física e moral da monarquia que, fugindo do
Imperador Napoleão Bonaparte, também tentava escapar de mudanças revolucionárias
que pudessem adentrar seus vastos domínios.”28
Segundo Slemian e Pimenta,
a transferência de membros da Família Real portuguesa para o Brasil
era muito mais promissora para a Grã-Bretanha do que para a França.
Afinal, enquanto a primeira estava de olho no fim dos monopólios
portugueses e na abertura de vias comerciais, dentre as quais o Brasil
representava uma perspectiva muito positiva, a segunda certamente
pensava na prisão da Família Real e na anexação de Portugal a alguns
dos estados por ele controlados. (...) os estadistas portugueses,
pensando e agindo em meio a um turbilhão de acontecimentos e sob
fortes pressões, mostravam-se capazes de fazer uma acertada leitura
de conjuntura. Aliás, era essa a sua função. Por isso, quando
conceberam e realizaram a mudança da Corte para a América, não
agiam como “visionários” ou “beneméritos”, apenas fizeram aquilo
que muito provavelmente outros governos na mesma situação
fariam.29
Nesse contexto de transferência, Luís Otávio Pagano Tasso analisou a situação
política e econômica de Portugal entre os anos de 1808 e 1812. Tasso ressalta que o
Príncipe Regente antes de partir tomou algumas decisões, entre elas, a nomeação de um
Conselho de Regência. Em 26 de novembro de 1807 Dom João nomeou um Conselho
de Regência que o substituiria e governaria Portugal em seu nome. Composto por
pessoas ilustres, como o Marquês de Abrantes, o tenente-general do Exército, entre
outros, esse Conselho agiria na organização de vassalos para o exercício de cargos
públicos e na preservação da paz.30
27
SILVA, João Paulo Ferreira da. Primeira Invasão Francesa 1807-1808: A invasão de Junot e a revolta
popular. Lisboa. Academia das Ciências de Lisboa, 2012, p.6. 28
SLEMIAN e PIMENTA. op. cit. p. 59. 29
Ibidem. p. 60. 30
TASSO, Luís Otávio Pagano. Considerações políticas e econômicas sobre Portugal 180-1812.
(Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p 8-9.
24
Maria Isabel João fez um breve estudo da historiografia do século XIX em
Portugal sobre o período em que a Monarquia Bragantina reinava. Vale aqui destacar
alguns de seus apontamentos e considerações. Segundo a autora, é interessante saber
que a história desse período é bastante conhecida e difundida por “pensamentos
associados ao desenvolvimento das identidades nacionais e aos movimentos de
afirmação das nacionalidades.”31
Tentando entender as inúmeras interpretações a respeito do monarca e do seu
reinado, Mª Isabel João, citando Acúrsio Neves (1766-1834), revelou que D. João era
visto como um “amado príncipe, onde suas intenções eram sempre benéficas”.
Entendendo que a saída da família real para a sua colônia tinha sido uma atitude “que
visava evitar maiores males”, Acúrsio Neves considerou que a vinda da Família Real
para o Brasil “tinha sido uma atitude sensata que visava evitar maiores males”. Ou seja,
essa transferência iria resguardar os monarcas, evitando que “ficassem aprisionados e
reféns de Napoleão, como aconteceu com a família real espanhola.”32
Citando Luz Soriano (1802-1891), a autora afirma que D. João VI foi condenado
veementemente pela
frouxidão e inactividade do governo português em se preparar para a
guerra (...), o que tornou inevitável a retirada pouco honrosa da
família real para o Brasil, no meio do grande alvoroço e da confusão
que marcou o embarque no cais de Belém. O Príncipe Regente foi
descrito como alguém profundamente penalizado pela desgraça, de
pernas a tremer e de lágrimas a escorrer-lhe pela face contraída de dor.
A rainha D. Maria, no trajecto para o cais, teria dito aos cocheiros:
“Não tão depressa, que pensarão que vamos fugidos!(...). Este
saboroso episódio colocava na boca da rainha louca o que, afinal,
todos pensavam na altura.33
Maria Isabel João ainda acrescentou que o Príncipe Regente salvava a sua
“preciosa” pessoa, mas “deixava um reino abandonado, com o tesouro falido, os
soldados sem soldos, os funcionários sem os ordenados e os credores do Estado com as
dívidas por pagar.” A autora acrescentou:
a sua figura pesada, as inegáveis hesitações da sua política, que alguns
viram como indecisão e natural inépcia para a governação, numa
época especialmente conturbada e dolorosa para o país contribuíram
para criar uma imagem grotesca do rei D. João VI. O retrato físico, o
psicológico e, sobretudo, a estatura como monarca aparecem
31
JOÃO, Maria Isabel. D. João VI e o seu Reinado na Historiografia Oitocentista Portuguesa. Anos 90,
Porto Alegre, v. 17, n. 32, 2010. p. 121-136. 32
Ibidem. p. 123. 33
Ibidem. p.126.
25
permeados por uma representação negativa que nem a sua reconhecida
bondade e tragédia pessoal conseguem desvanecer. Mas o ponto
culminante desse retrato desfavorável foi traçado por Oliveira Martins
que o viu como o representante dos Bragança e, aos abanões no seu
coche desengonçado, como a expressão da própria vida atribulada da
nação e da sua decadência.34
De acordo com Marieta Pinheiro de Carvalho, num primeiro momento, o que
aconteceu no fim do ano de 1807 foi uma fuga. “Uma fuga em massa de nobres que se
apinharam no porto em busca de lugares nas naus que rumariam para o Brasil. Vários
atropelos aconteceram: bagagens ficaram em terra, pertences de pessoas que não
viajariam foram parar nos navios, parentes foram separados durante a viagem.”35
No
entanto, essa impressão de “retirada covarde e atabalhoada” não se justifica mais.
Souza compreendeu a transferência da corte portuguesa para a sua até então
colônia como uma atitude importante, pensando, principalmente, nos aspectos políticos
e econômicos.36
É importante compreender também que, além “de salvar a família real
de seus inimigos” essa mudança, também, iria propiciar muitos benefícios. Dentre eles,
a possibilidade de Portugal, através da sua colônia, alterar a sua posição de “pequeno
Reino” para “um grande e poderoso Império.”37
Nesse sentido, a autora concluiu que a
transferência da família bragantina para a América Portuguesa, “inaugura, assim, um
período de grandes transformações”, como veremos a seguir.
Segundo Patrick Wilcken, é possível que nunca saibamos o número real dos que
conseguiram desembarcar no Brasil. No entanto, é possível encontrar dentro dessa
estimativa “um vasto séquito de cortesãos – cirurgiões reais, confessores, damas de
companhia, encarregados do guarda-roupa do rei, cozinheiros e pajens” e, juntando-se a
esses, alguns personagens da ilustre sociedade lisboeta como, por exemplo,
“conselheiros de Estado, assessores, militares, padres, juízes e advogados” todos esses
com suas respectivas famílias.38
Se por um lado a colônia estava eufórica com a presença de D. João VI e sua
comitiva, por outro, esses últimos precisaram urgentemente se adaptar à nova realidade
34
Ibidem. p. 135. 35
CARVALHO, Marieta Pinheiro de. Entre ser derrotado por Napoleão ou ver o Brasil invadido pela
Inglaterra, D. João VI escapou dos dois. Revista de História 2008. Disponível em:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-unica-saida. Acesso em 16 de setembro de 2015. 36
SOUZA. op. cit. p. 139. 37
Idem. Bahia. p. 191. 38
WILCKEN, Patrick. Império a deriva: a corte portuguesa no Rio de Janeiro, 2010. p. 52.
26
que sobrevinha. De acordo com Jurandir Malerba, com “a chegada da família real em
março de 1808, houve que se arranjar morada para um número vultoso de pessoas de
distintas classes, desde o rei até seu mais humilde súdito.”39
Por conta disso, muitas pessoas ofereceram suas casas e sobrados para os súditos
do rei e um grande número destes receberam mais que recompensas.
Os principais negociantes e proprietários haviam cedido as suas
respectivas casas para o alojamento da real comitiva; haviam (...)
interesses particulares por um desejo de honrarem os seus distintos
hóspedes; e, quanto permitiam os seus limitados meios, haviam
ofertado grandes somas de dinheiro. Em recompensa desta
liberalidade, eram condecorados com as diversas ordens da cavalaria.
Indivíduos que nunca usaram de esporas foram crismados cavaleiros,
enquanto outros que ignoravam as doutrinas mais triviais do
Evangelho foram transformados em Comendadores da Ordem de
Cristo.40
Souza observou que a instalação da Corte na colônia gerou uma situação
incomum para alguns habitantes, pois agora se exigia da parte deles uma “demonstração
de submissão”. Por outro lado, existia também a possibilidade de realizar algumas
“aspirações”. Nesse ínterim, foram feitas inúmeras petições a D. João VI sinalizando
que as classes proprietárias depositavam uma extrema confiança no monarca, no sentido
de que sua presença abrisse possibilidades de mudança tanto políticas, econômicas,
quanto sociais, culturais para a América Portuguesa.41
Slemian e Pimenta salientam que, a partir de 1808, a lógica de privilégios e
favorecimentos se desdobraria em verdadeiras disputas por ascensão e influência na
esfera da Corte. Sobre esse assunto, os autores trouxeram um exemplo significativo, o
de Elias Antônio Lopes, um dos maiores negociantes do Rio de Janeiro, que naquele
contexto de instalação da família Real ofertou a sua “quinta de São Cristóvão” (atual
Museu Nacional), que foi considerada a melhor da região para servir de “residência
régia.”42
De acordo com Nilza Lícia Xavier Silveira Braga, bem antes da família Real se
instalar no Brasil, o negociante Elias Antônio Lopes já era bastante influente no Rio de
Janeiro atuando em diversas frentes mercantis. Com a vinda e acomodação da família
Real no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1808, Elias Antônio Lopes só fez ganhar destaque
39
MALERBA. op. cit. p. 26. 40
Ibidem. p. 218. 41
SOUZA. op. cit., p. 30. 42
SLEMIAN e PIMENTA. op. cit. p.60.
27
e prestígio, principalmente, por intermédio das inúmeras mercês recebidas por D. João
depois que ele ofereceu sua chácara ao monarca.43
De acordo com Braga, os cabedais44
do negociante foram de extrema valia para
a sua inserção social e política. Sobre a doação feita, a autora destaca:
(...) um grande negociante, Elias Antônio Lopes, que como tantos
outros partira do reino para fazer fortuna no Brasil, resolveu oferecer a
d. João a sua Quinta da Boa Vista, situada na proximidade da cidade,
em São Cristóvão, onde acabara de construir uma grande casa de
campo que, embora não oferecesse a suntuosidade devida de uma
morada de um príncipe, era a maior dentre as que existiam nos
arredores do Rio de Janeiro. A oferta foi aceita com satisfação pelo
regente, que durante a primeira vez que visitou, se mostrou encantado
com a beleza da sua localização, de tal forma que estabelecia ali a sua
residência.45
A autora, baseada na obra de António Manuel Hespanha, ressaltou que a
mobilidade social no Antigo Regime não acontecia de forma instantânea. No entanto,
uma forma rápida de obter essa mobilidade era por meio da graça régia. Nesse contexto,
as mercês e condecorações representavam um caminho de gratidão e reconhecimento
dos monarcas em função de recompensar os serviços prestados pelos seus súditos.
Serviços e recompensas que iriam vigorar ainda no século XIX, como veremos adiante
ao destrincharmos sobre a família que aqui será analisada e discutida.
Hespanha também argumentou que a riqueza não era um fator decisivo para a
mudança social de um indivíduo. Para tal mudança era necessária a “existência de
elementos extraordinários” como, por exemplo, o “poder do rei, que, por decreto,
emancipa, legitima e enobrece.” Nesse sentindo, o autor nos faz entender que, no
Antigo Regime português, a riqueza e a abastança econômica, por si sós, não eram
suficientes para que o indivíduo ascendesse social e politicamente. Dessa forma,
explica-se, também, a dificuldade dos comerciantes em se nobilitarem, pois, diante dos
fatos expostos, era necessária a presença de outros fatores. É interessante salientarmos
também que somente em meados do século XVIII acontecem algumas mudanças que
43
BRAGA, Nilza Lícia Xavier Silveira. Entre negócios e vassalagem na corte Joanina: a trajetória do
homem de negócio, comendador da Ordem de Cristo e deputado da Real Junta de Comércio Elias
Antônio Lopes (c.1770-1815). 2013. 302 f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
História, Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013. p. 133. 44
Acumulação de coisas de valor; capital; bens; riqueza; dinheiro. 45
BRAGA. op. cit. p. 134.
28
irão propiciar aos negociantes “um estatuto diferenciado na sociedade, sendo agraciados
com várias mercês.”46
Braga apontou também que houve uma mudança na forma de enobrecimento
com o advento da instalação da família real no Rio de Janeiro. Naquele contexto, a
antiga capital da colônia fora elevada à condição de sede do Reino e, diante desse fato,
havia a necessidade de organização e estruturação urbana. Por conta disso, “àqueles
súditos que prestassem serviços à Coroa com seus cabedais, podiam ser recompensados,
principalmente os negociantes.”47
É interessante observamos que, por meio da riqueza, os negociantes daquele
período poderiam, sim, adquirir um estilo de vida mais nobre e diferenciado. No
entanto, para obter as mercês e graças, somente com a permissão do príncipe regente.
Nesse sentido, Elias Antônio Lopes torna-se um dos exemplos mais significativos e
conhecidos pela historiografia.
Em fins do século XVIII, Elias Antônio Lopes já tinha recebido inúmeras
distinções, no entanto, cabe observar que, de todas as mercês alcançadas as que deram
mais prestígio e destaque foram as concedidas por D. João. Nesse sentido, concordando
com a autora, a chegada da família Real e toda a sua comitiva foi um período favorável
para os “homens de negócio” tanto para obterem as melhores e mais distintas graças
honoríficas de Sua Majestade Real, quanto para se aproximarem pela primeira vez de
um monarca.
Depois da doação da Chácara para a Família Real, Elias Antônio Lopes estreitou
sua relação com o monarca, bem como cresceu suas relações e influências comerciais, a
autora destaca que Elias Antônio Lopes
acumulou em sete anos de vida ao pé do trono, ou ao seu lado direito,
inúmeros cargos e patentes. Foi deputado da real junta de comércio
(1808); recebeu a mercê da alcaidaria-mor e do senhorio da Vila de
São José d’El Rei, na comarca do Rio de Janeiro (1810); a da
propriedade do ofício de corretor da casa de seguros (1812), (...) carta
patente concedendo-lhe o hábito de noviços da Ordem de Cristo
(1810), alvará do foro de fidalgo cavaleiro da casa real, decreto do
título do conselho de Sua Majestade (1811).48
46
Ibidem. p. 135. 47
Ibidem. p. 135. 48
Ibidem. p. 147.
29
É perceptível que a doação do negociante Lopes e o rápido e contínuo retorno de
D. João significavam um exemplo de demonstração do que estava por vir com a
transferência da corte para o Rio de Janeiro. Além de uma contrapartida monetária e um
auxílio mensal para continuar a administrar a propriedade, Lopes recebeu a
“propriedade do ofício de tabelião da Câmara e Almotaçaria da Vila de Parati.”49
Segundo a autora, passados alguns anos que a Família Real estava instalada, e
como já foi descrito acima, Antônio Lopes recebeu o título de Fidalgo Cavaleiro da
Casa Real. Braga ressalta que o negociante não era filho legítimo de seus pais e que D.
João sabia desse fato. Mesmo assim, Lopes não só foi agraciado com esse título, como
também foi deputado, corretor e provedor da Casa de Seguros, Conselheiro Real e atuou
na Real Junta de Comércio e Agricultura. No ano de 1815, Lopes foi sepultado com o
distinto hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo.50
Segundo Smelian e Pimenta, em seu
inventário post-mortem constavam vários empréstimos feitos à Coroa, marcados com a
advertência “não cobrar” ao lado, em compensação, “favorecimentos pessoais aos seus
negócios, parentes e amigos.”51
Nilza Braga ressalta que, por conta dos grandes investimentos aplicados pela
coroa no Rio de Janeiro ‒ a nova capital do Império português com a chegada da família
real, em 1808 –, foram muitas as dificuldades econômicas fazendo com que a Corte
fosse “obrigada a apelar para o patrimônio particular dos cidadãos, no atendimento das
urgências do Estado”.52
Inúmeros são os exemplos de atuação dos setores privados suprindo com seus
cabedais as necessidades do Estado. Em troca, eram agraciados com mercês, honrarias e
títulos que não poderiam obter em outras circunstâncias. O vulto das mercês concedidas
pelo monarca estava na proporção direta do valor das contribuições financeiras e
prestígio pessoal dos agraciados. A Coroa usualmente concedia postos militares no
corpo de Milícias e hábitos das várias ordens religiosas, aos indivíduos que se ofereciam
para doar ou angariar fundos destinados a obras públicas ou beneficentes.53
Porém, nem
todos conseguiam alcançar essas honrarias. Smelian e Pimenta alertam que uma forma
de alcançá-las era se dirigir ao Rio de Janeiro, de preferência pessoalmente. Tais
49
Ibidem. p. 148. 50
Ibidem. p. 148. 51
SLEMIAN e PIMENTA. op. cit. p. 60. 52
BRAGA. op. cit., p. 136. 53
Ibidem. p. 140.
30
situações deslocavam a projeção de mudança e prosperidade para a América
Portuguesa.
De fato, para a colônia americana, tal estadia corroborou muito para que
houvesse profundas mudanças de ordem política, social e econômica. Nesse sentido,
torna-se interessante salientar que assim que D. João VI e sua comitiva se instalaram,
foi dado início a uma série de investimentos e criações no Brasil, especificamente no
Rio de Janeiro. Podemos destacar a criação da imprensa, a fundação da marinha, da
academia e do hospital militares. Foram erguidas também várias escolas de ensino
superior, dentre elas a Escola de Medicina da Bahia, a Biblioteca Real, o Jardim
Botânico, a Academia de Belas Artes e o Banco do Brasil.
No entanto, um dos seus principais atos foi a Abertura dos Portos em 1808.
Assim que desembarcou na Bahia, D. João VI assinou a carta régia de 28 de janeiro, em
que abria os portos da América Portuguesa às nações estrangeiras aliadas ou neutras, as
chamadas “nações amigas”. Nessa carta, estava decretado que “provisoriamente,
enquanto não concedido um sistema geral”, que fossem “admissíveis nas alfândegas do
Brasil todos e quaisquer gêneros e mercadorias transportadas em navios estrangeiros das
potências que se conservam em paz e harmonia com a Real Coroa”, ou em “navios
vassalos.”54
Pelo mesmo tratado, os artigos importados “pagariam 24% de imposto de
entrada, sendo 20% de direito e 4% de donativos, cobrados, porém, em dobro quando se
tratasse de vinhos, aguardentes e azeites doces, um evidente protecionismo aos
tradicionais produtos portugueses.”55
Tais atitudes se tornaram uma necessidade
urgente, como afirma Maria Isabel João, tanto para o comércio como para a
sobrevivência da colônia devido às circunstâncias político-econômica em que estavam
inseridas.56
Dessa forma, afirma a historiadora portuguesa que, sem conhecimentos e sem
experiências, o regente estava “destinado a ser um instrumento de seus ministros e das
suas maquinações.” Com os tratados comerciais de 1810, o Império português cada vez
mais perdia sua unidade e coesão, pois, com a antiga colônia exercendo funções de
54
Ibidem. p. 74. 55
Idem. p. 74. 56
JOÃO. op. cit. p. 123.
31
metrópole, consolidou-se a elevação do Brasil ao status de Reino Unido de Portugal e
Algarves em 1815.57
Segundo Souza, a Coroa, nesse sentido, deu seus primeiros passos para usufruir
de certa estabilidade no Império. A vinda da Família Real para a sua proeminente
colônia resultou em significativas mudanças não somente para o Rio de Janeiro, que
agora era sede administrativa do império português, mas também para toda a colônia,
principalmente para a Bahia, onde poderemos constatar uma significativa articulação
através da qual, de diversas maneiras, as elites locais tentaram buscar novas condições
políticas, econômicas e sociais para a capitania nesse período.58
As famílias Garcez e Pinto da França estão ligadas diretamente a esses
acontecimentos e suas consequências no Brasil. Unidas por laços matrimoniais desde os
finais do século XVIII, elas conservaram um vasto corpo de correspondências que
cobrem o período de 1807 a 1824. Durante esse tempo, os vários membros dessas
famílias trocavam cartas que percorriam os dois lados do Atlântico: América e Europa,
mais especificamente Brasil e Portugal. Outro fator que unia essas famílias era o
relacionamento constante de algumas gerações com a Bahia sem com isso negligenciar
suas origens no Reino de Portugal.
As 127 cartas que fazem parte das “Correspondências Luso-Brasileiras” são
reconhecidas por vários pesquisadores e estudiosos como um importante testemunho da
História de Portugal e do Brasil do início do século XIX. Dentre outros, destacamos os
historiadores Lilia Moritz Schwarcz, João José Reis, Consuelo Pondé de Sena, Clara
Maria Sarmento Laranjeira e Santos, Sérgio Armando Diniz Guerra Filho, Marcelo
Renato Siquara.59
Essas epístolas relatam importantes fatos que unem a história desses dois países
que, por mais de 300 anos, mantiveram uma relação de metrópole e colônia. Através
dessas correspondências poderemos conhecer detalhes sobre as famílias Pinto da França
e Garcez de Madureira, num contexto em que as relações entre Portugal e Brasil
ganharam contornos cada vez mais dramáticos. Entender a trajetória dessas famílias
nesse período nos ajuda a compreender também como se configurava a busca
sistemática desses indivíduos por ascensão social e econômica, busca tão incessante
durante o Antigo Regime que ainda perdurava no início e ao longo do século XIX.
57
Ibidem. p. 125. 58
SOUZA. op. cit. p. 45. 59
Livros, Teses de doutorado, Dissertações de mestrados e artigos.
32
Segundo Santos, através dessas correspondências é possível também
acompanhar o percurso “biográfico e geográfico” de Luís Paulino. As notícias e
comentários giravam em torno da situação de Portugal no contexto das invasões
francesas.
Santos acentua:
Os temas recorrentes nesse primeiro conjunto de missivas são a
resistência às invasões francesas, quando em território português, e,
depois da viagem para o Brasil em 1813, a vida na corte do Rio de
Janeiro, com suas faustosas festas palacianas, intrigas políticas e jogos
de influências, bem como os primeiros sinais de mudança e ventos de
independência, com a revolta de Pernambuco, em 1817, em cuja
repressão Luís Paulino desempenhou papel de relevo, o que lhe valeu
grandes honrarias e promoção na carreira militar.60
A partir de 1813 até 1819, com Luís Paulino residindo no Brasil, as cartas
começaram a ser endereçadas a partir da corte do Rio de Janeiro ao sogro e ao cunhado
José Garcez que estavam em Portugal, respectivamente, em Penafiel e no Porto. Nos
anos seguintes, as cartas são enviadas da Bahia, para onde Luís Paulino tinha se mudado
em 1819.
Vemos nessas correspondências como essas famílias estão ligadas, não somente
por laços de sangue, mas também por alianças políticas, econômicas e a contínua
aspiração à ascensão social. No entanto, é importante considerar que um membro da
família não seguiu o mesmo caminho dos demais: o filho de Luís Paulino – cujo nome é
o mesmo do pai –. Luis Paulino Garcez, como veremos adiante, direcionou sua carreira
em prol da defesa da Bahia, integrando o Exército pacificador, comandado pelo General
Labatut nas guerras pela independência da Bahia. Exceto nesse caso, é notável que
todos os Garcez e Pinto da França que aqui irão ser citados tenham conduzido por um
mesmo pensamento e comprometimento político e econômico. Nesse sentido, torna-se
importante também compreendermos algumas notas sobre a inserção de estudos sobre a
família na historiografia brasileira.
Estudada primeiramente por antropólogos e sociólogos, a família como objeto de
investigação foi incorporada definitivamente como tema historiográfico. A partir dos
anos 1980 ocorreu o boom de pesquisas sobre o tema, sobretudo com ênfase nas
60
SANTOS, Clara Maria Laranjeira Sarmento e. A Correspondência Luso-Brasileira: narrativa de um
trânsito intercultural. Revista Brasileira de História, São Paulo, V.32, nº 63, 2012. p. 249 – 279.
33
metodologias da demografia histórica.61
Contudo, não devemos esquecer as
contribuições das análises pioneiras de Gilberto Freyre (1900-1987) nas décadas de
1930 e 1940.62
O conceito de família patriarcal, formulado por Freyre, notadamente na
obra Casa Grande e Senzala (1933), foi retomado por Antônio Candido na década de
1950 no ensaio The Brazilian Family.63
Segundo Eni de Mesquita Samara, Antônio Cândido reconheceu a família como
objeto principal do seu estudo sociológico, utilizando memórias, textos literários e
provérbios populares como fontes de pesquisa. De acordo com o autor, as pesquisas
sobre a organização da família patriarcal eram fundamentais para a compreensão da
estrutura familiar moderna. No entanto, foi na década de 1970 que começaram a surgir
pesquisas empíricas sobre o tema, com o objetivo de trazer novas perspectivas e
questões sobre a sociedade brasileira do passado. Até então, a problemática se
concentrava, principalmente, na generalização do conceito de patriarcalismo, ampliado
para toda a sociedade brasileira do século XVI ao XIX.64
Com a História Social, os estudos sobre a família ganharam o impulso que
permitiu a ampliação das pesquisas que, ancoradas em revisões temáticas e
metodológicas, possibilitaram a emergência de novos sujeitos e relações de sujeitos
passíveis de serem estudados do ponto de vista da história da família. Assim, na década
de 1980, o estudo sobre a família já contava com uma riqueza de fontes inéditas,
associadas a um vasto leque de assuntos até então inexplorados ou negligenciados.
Nesse sentido, é notável perceber o crescimento e a importância que as pesquisas sobre
a História da Família vêm conquistando na historiografia nacional e internacional.
Outro importante trabalho sobre família foi realizado por Sheila de Castro
Farias, tese que se tornou o livro ‒ A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no
Cotidiano Colonial. Nele, a autora discute a constituição e o fortalecimento da família
enquanto núcleo social, econômico e político, uma espécie de célula básica da sociedade
colonial. Assim como em Mattoso, as fontes que subsidiam esse trabalho são as mais
variadas, tais como inventários, registros paroquiais, testamentos, mapeamentos
61
SCOTT, Ana Silvia Volpi. As teias que a família tece: uma reflexão sobre o percurso da História da
Família no Brasil. História: Questões & Debates, Curitiba, 51, nov. 2010. p.7. 62
SAMARA, Eni de Mesquita. A História da família no Brasil. Revista Brasileira de História, 1988 –
1989. 63
Ibidem. p. 3-4. 64
Idem. p. 5.
34
populacionais e agrários, centrando suas reflexões na presença e na importância da
família como fonte de estratégia econômica com uma marca expressiva de poder.65
Os indivíduos de que tratamos nesse capítulo, os membros das famílias luso-
brasileiras Pinto da França e Garcez, caracterizam-se por “acumularem ao longo de
algumas gerações, uma relação regular com a Bahia, sem por outro lado haverem
alienado as suas raízes no reino”.66
Outras características relevantes que essas famílias
tinham em comum, e que vale a pena destacar, são o ingresso e progressão em carreiras
militares, o compartilhamento das ideias liberais e, por último, mas não menos
importante a ascensão social, “uma marcada ambição [que] tê-los-[ia] empurrado, ao
longo de sucessivas gerações para o Brasil numa incansável busca de fortuna.”67
1.2 NOS ARQUIVOS DAS FAMÍLIAS PINTO DA FRANÇA E GARCEZ DE
OLIVEIRA: PRIMEIROS RELATOS E UNIÕES.
Originados de uma antiga linhagem da nobreza de Penafiel em Portugal, os
Garcez de Madureira ocuparam por quase quatro séculos os postos hereditários de
Tabelião da Vila e, com o tempo, se consolidaram nos cargos de Sargento-Mor e
Capitão–Mor de Penafiel.68
A primeira relação dos Garcez de Oliveira com o Brasil decorre da união do
português José Pereira Pinto Garcez com a “brasileira” Tereza Luísa Cardoso, em
meados do século XVIII.69
Anos mais tarde, novas relações dos Garcez com o Brasil
aconteceram quando o capitão José Cardoso Garcez Pinto de Madureira70
se casou com
Maria Libória Máxima Guilhermina da Silva Carneiro, filha de uma família que
enriqueceu no Brasil.
A partir disso, vamos perceber, nas gerações posteriores, “habituais arranjos
matrimoniais entre famílias aparentadas, ainda tão correntes no início do século XIX”.
Da união entre José Cardoso Garcez e Maria Libória, nasceram nove filhos, dentre os
65
FARIAS, Sheila de Castro. A Colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 66
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 16. 67
Idem. p. 16. 68
Sargento-mor era uma graduação ou uma função militar, existente nas forças armadas e Capitão-
mor era a designação para cada um dos oficiais militares, responsáveis pelo comando das tropas de
Ordenança em cada cidade, vila ou concelho de Portugal, entre os séculos XVI e XIX. 69
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 17. 70
Capitão-Mor de Penafiel e Cavaleiro da Ordem de Cristo.
35
quais se destacam Maria Bárbara Garcez Pinto de Madureira ‒ que se casou com Luís
Paulino D’Oliveira Pinto da França71
; Antônio Garcez Pinto de Madureira,
desembargador da Casa da Suplicação do Brasil, na Bahia e no Rio de Janeiro em
181472
, e Henrique Garcez Pinto de Madureira, que teve participação no exército
brasileiro, chegando ao posto de Brigadeiro e ainda serviu como Guarda-roupa do
Imperador D. Pedro II.
Temos ainda Antão Garcez Pinto de Madureira, que foi tenente-general e
recebeu os títulos de Cavaleiro da Ordem de Cristo e 1º Barão da Várzea do Douro,73
respectivamente, em 1820 e 1846, e José Garcez Pinto de Madureira que, assim como
os demais, se destacou na carreira militar, alcançando o posto de coronel e recebendo a
condecoração de Cavaleiro da Ordem de Cristo.
A partir dessas informações, percebemos uma família em processo contínuo de
ascensão social, principalmente através da carreira militar, tanto em Portugal, como no
Brasil. De acordo com Nuno Gonçalo Monteiro, e fazendo uma retrospectiva do
processo de ascensão através da carreira militar, entendemos que desde o século XV
isso já acontecia. Naquele período, a Coroa passou a se utilizar de diversos argumentos
que se revelavam fundamentais para a hierarquização interna do grupo até meados de
1832.74
Prestar serviços militares, por exemplo, era uma das formas de receber mercês.
De acordo com essa assertiva, Nuno Monteiro pontuou que a primeira e hereditária elite
social do regime bragantino foi composta basicamente por militares, compreendendo
dentro desse grupo os ofícios superiores no aparelho militar da monarquia.
É interessante salientar que os filhos de José Cardoso e Maria Libória
estabeleceram algumas alianças matrimoniais que também estavam entre algumas das
estratégias para se alcançar benefícios, status e a ascensão social. Nesse sentido,
destacaremos duas uniões que são registradas em nossas fontes. A primeira diz respeito
ao casamento de Henrique Garcez com a viúva D. Joaquina Inácia Perpétua Felicidade,
essa união não foi bem recebida por Luís Paulino, seu cunhado, pois, segundo ele, D.
Joaquina tinha muitos herdeiros, o que diminuía as expectativas em relação aos
71
Mais adiante iremos destrinchar sobre essa união que será fundamental para entendermos as relações
entre os Pinto da França e os Garcez de Oliveira. 72
Gazeta de Lisboa 20 de março nº 67, ano 1815. 73
Título criado a favor do 1º Barão da Várzea do Douro, Antão Garcez Pinto de Madureira, pelo Decreto
de 16 de julho de 1846 de D. Maria II. 74
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O ‘Ethos’ Nobiliárquico no final do Antigo regime: poder simbólico,
império e imaginário social. Artigo publicado no Almanack Braziliense n. 02. Nov. 2005.
36
benefícios que Henrique Garcez poderia receber. Já para Antônio Garcez, o casamento
foi visto com tranquilidade e expectativa, conjecturando com o pai o seguinte
pensamento: “nosso Henrique, seguram-me agora que em poucos anos pode, morrendo
a senhora, que não é menina, levar para o Reino cem mil cruzados. Que tal o
Rapazinho!.”75
O outro matrimônio que gerou controvérsias entre os familiares aconteceu entre
Antônio Garcez e Teresa Adelaide de Azevedo, uma jovem de 17 anos. Antônio Garcez
comentou:
Vamos agora a dar uma conta de mim. Eu vivo não com boa saúde, e
nem por isso muito derrotado, porque vejo que as forças ainda me
ajudam. E talvez que uma Therezinha de 15 anos, filha de pais desses
lugares, roube a minha pudicícia, e eu faça a asneira por me ver mais
acompanhado e não andar sempre arriscado. Ela é de boa família, não
fidalga, única e, por morte dos pais, terá 5 mil cruzados de renda. É
pouco, bem vejo, mas outra não quer um homem de 40 anos.
Veremos. Gosto mas não tenho paixão porque esse mal já acabou. (...)
ela quer e os seus querem e deste modo nada resta mais do que o meu
sim decisivo.76
Pesavam contra essa união os argumentos da diferença de idade entre os dois e a
origem social da família da noiva que não era fidalga. Analisando as correspondências,
percebemos que seu cunhado, Luís Paulino, e sua irmã, Maria Bárbara, não aprovavam
o casamento. O assunto do casamento de Antônio Garcez com Teresa de Adelaide iria
se prolongar por muitas correspondências, por conta dessa desaprovação de Luís
Paulino e Maria Bárbara, Antônio decidiu adiar o casamento, esperando a partida de
ambos do Rio de Janeiro para a Bahia.
Os Pinto da França, personagens centrais desse estudo, tinham antigas relações
de vivências em terras baianas, seja na cidade da Bahia, onde estabeleceram vários laços
familiares, ou no Recôncavo, onde se notabilizaram como senhores do Engenho
Aramaré. Percebemos “sucessivos casamentos de varões de decaída e empobrecida
nobreza entre Douro e Minho, atraídos ao Brasil na mira de fortuna, com filhas de
75
Carta nº 27. Carta de Antônio Garcez a seu pai José Garcez. Bahia: 15 de agosto de 1814. In:
FRANÇA, Antônio D’Oliveira Pinto da e CARDOSO, Antônio Monteiro (Orgs). Cartas luso-brasileiras
1807-1821: a invasão francesa; a corte no Brasil; a revolução liberal, 2008, p. 119. 76
Carta nº 29. Carta de Antônio Garcez a seu irmão José Garcez. Rio de Janeiro: 7 de dezembro de 1817.
In: Cartas luso-brasileiras: 1807-182. p.123.
37
senhores de engenho de famílias estabelecidas em terras baianas desde o princípio do
século XVII.”77
O patriarca dos Pinto da França, Bento José d’Oliveira, partiu para o Brasil ainda
na adolescência, onde “fez fortuna” e se casou com Maria Francisca Ferreira D’Eça,
com quem teve filhos. No nascimento do último filho sua esposa veio a falecer. Com
isso, regressou para Portugal e aplicou a sua fortuna em “quintas que viriam a servir de
base a instituição de um morgadio”.78
Primogênito, Luís Paulino d’Oliveira Pinto da
França, estudou Leis e Matemática na Universidade de Coimbra79
. Começou a sua
carreira militar no ano de 1795 como cadete no Regimento de Cavalaria nº6. Entre os
anos de 1797 a 1801, obteve os cargos de alferes, tenente e capitão e já se encontrava
participando de operações junto à Leal Legião Portuguesa.
Ao longo dos anos Luís Paulino conseguiu exercer vários cargos e patentes.
Mudanças de cargos e de Regimentos foi o que aconteceu ao longo de muitos anos na
vida militar de Luís Paulino. Por suas atuações, ganhou muito destaque, o que lhe
conferiu muitas distinções, promoções e honrarias. Major da brigada, Major graduado,
tenente-coronel, Brigadeiro, Comandante, Marechal-de-Campo graduado, Inspetor,
Instrutor da Arma de Cavalaria e Infantaria de Linha e de Milícias da Bahia, foram
algumas das patentes alcançadas por Luís Paulino. Passou pelos Regimentos de
Cavalaria 12, 9, 7, 6, e 1, este último como Comandante, lhe atribuindo a tarefa de
“guardar” o Rei. Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, Cavaleiro das Ordens de Cristo,
Nossa Senhora da Conceição e Torre e Espada, Comendador da Ordem de Cristo, foram
alguns títulos que Luís Paulino conseguiu ao longo dos anos. Exerceu o cargo de
Deputado às Cortes entre os anos de 1821 e 1822 e foi senhor do Engenho Aramaré,
localizado no Recôncavo baiano – Vila de Santo Amaro.
Luís Paulino se casou com a portuguesa Maria Bárbara Madureira Pinto Garcez,
união que aconteceu, de acordo com o seu registro de casamento, em 17 de dezembro de
1792, na cidade do Porto80
. Luís Paulino conheceu Maria Bárbara através do irmão dela,
José Garcez Pinto de Madureira, que foi seu colega na Universidade de Coimbra, no
curso de Leis, e com quem iniciou uma duradoura amizade.
77
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 18. 78
Morgadio era um tipo de regime em que os domínios senhoriais das famílias nobres eram
inalienáveis e indivisíveis. 79
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A cultura luso-brasileira: da reforma da Universidade à independência
do Brasil. Lisboa: Estampa, 1999. 80
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 221.
38
Maria Bárbara era natural de Penafiel. Proveniente de uma família da
aristocracia rural destacou-se por sua intelectualidade e, futuramente, quando Luís
Paulino partiu para Portugal, passou de uma “dama provinciana para uma senhora de
engenho no Recôncavo Baiano”,81
destacando-se não só como uma “senhora de
engenho”, mas agindo também como “informante” do marido, a quem mantinha
atualizado sobre os acontecimentos da Bahia, quando o mesmo estava ausente. Da sua
união com Luís Paulino, nasceram quatro filhos. Os dois homens, Bento da França
Pinto d’Oliveira e Luís Paulino da França Pinto Garcez, assim como o pai, seguiram
carreira militar e conquistaram altas patentes.
O primogênito, Bento da França, teve uma carreira muito semelhante à de Luis
Paulino. Aos 15 anos já acompanhava seu pai como porta estandarte nas companhias de
Infantaria. Em 1824 foi agraciado com o alvará de Fidalgo-cavaleiro da Casa Real e, em
1826, depois da Independência do Brasil, partiu para Portugal tornando-se brigadeiro
graduado.82
Entre os anos de 1826 a 1831 foi nomeado comandante do Regimento de
Cavalaria 3.83
Em 1832 embarcou para Mindelo com o comando do Batalhão de
oficiais. A partir de 1834, Bento da França acompanhou D. Pedro na convenção de
Évora e logo foi promovido para marechal de campo e a tenente-general, obtendo várias
mercês. Bento da França foi deputado às Cortes, par do Reino, comandante de todas as
forças leais ao regime, Governador de Armas de Elvas e, posteriormente, da Província
do Douro. Além de todas essas honrarias e mercês, ainda obteve o título de 1º Conde da
Fonte Nova. Título nobiliárquico concedido em 2 de junho de 1851 pela rainha D.
Maria II de Portugal à Bento da França. Ao mesmo nobre foram dados pela soberana os
títulos nobiliárquicos de Barão de Mondim (em 1 de outubro de 1835), Barão de Fonte
Nova (em 20 de novembro de 1835) e Visconde de Fonte Nova (em 10 de março de
1842).
Já seu outro filho, Luís Paulino da França Pinto Garcez, teve uma carreira longa
e intensa, participando de vários conflitos na Bahia e em outros estados. Em 1817, fez
parte da repressão ao movimento revolucionário de Pernambuco e durante a guerra de
Independência da Bahia, apresentou-se ao General Pierre Labatut. O referido general
81
SANTOS. op. cit. p. 250. 82
Essas informações podem ser obtidas através do Catálogo do Arquivo Histórico Militar. Arquivo
Particular Família Pinto da França, 1793 – 2001 Lisboa, 2002. Fundo 52. p.3. 83
Ver: http://www.exercito.pt/Paginas/default.aspx.
39
francês foi contratado e admitido para o serviço do Príncipe Regente D. Pedro no dia 3
de julho de 1822 com o posto de Brigadeiro por conta da carência de oficiais no exército
que estava se organizando, chamado de exército pacificador.
Nesse contexto, Luís Paulino Garcez também conquistou o posto de ajudante-de-
ordens, encarregado de dar instruções à cavalaria; em seguida, alcançou a graduação de
major. Anos mais tarde, em 1835, Luís Paulino Garcez foi comandante das armas na
Bahia, liderando a repressão contra a revolta que ficou conhecida como Sabinada. A
Sabinada, que ocorreu na Bahia entre os anos de 1837 e 1838, reivindicava contra
medidas políticas e administrativas impostas pelo governo regencial.
Sobre suas filhas, sabe-se que a primeira, Maria Sabina da França Pinto Garcez,
casou-se com Rodrigo Antônio Falcão Bulcão, 2º Barão de Belém e senhor do Engenho
Novo. Já a caçula, Maria Francisca da França Pinto Garcez, morreu solteira e sem
filhos. Ao falecer, deixou um sobrado na capital para o seu sobrinho Salvador, filho de
Bento.
Das filhas de Luís Paulino, Maria Sabina é a que mais aparece na documentação.
No entanto, seu destaque é devido ao seu marido, Rodrigo Antônio Falcão Brandão.
Nascido no município de Iguape, Rodrigo Brandão veio de uma família abastada, sendo
filho do mestre de campo Antônio Brandão Pereira Marinho Falcão e de D. Ana Rita
Francisca Duque Estrada de Meneses. Em 1811, foi nomeado capitão de Cavalaria da
Guarda Nacional e em 1822, durante a luta pela independência, liderou um batalhão
composto por brasileiros. Dentre as batalhas de que participou destaca-se a de Pirajá,
importante para a consolidação da independência.84
Ainda que em poucas linhas, é necessário abordar algumas questões sobre Maria
Bárbara, que é mencionada na historiografia como “mulher enérgica” cujo “estilo,
cultura e originalidade de expressão” surpreendeu a muitos do seu tempo e sociedade.
Segundo Santos, Maria Bárbara
compõe uma visão participante, lúcida e esclarecida dos dramáticos
acontecimentos que rodearam a independência do Brasil, muitas vezes
oposta às versões propagadas pelas facções em conflito, não se
coibindo de esclarecer e admoestar o marido e seus pares nas cortes
em Portugal sobre as realidades do território. Atenta aos assuntos
políticos, militares e administrativos, a família torna-se pouco a pouco
84
A batalha de Pirajá aconteceu em 8 de novembro de 1822 e envolveu cerca de quatro mil homens, com
centenas de mortos e feridos. Essa data é lembrada pelos baianos como um grande e decisivo ato na
sequência das lutas pela conquista da independência da Bahia e, consequentemente, do Brasil.
Representando a cidade de Cachoeira, o coronel Rodrigo Brandão participou da organização do exército.
40
uma nota residual, referida apenas quando afetada pelas circunstâncias
históricas. Maria Bárbara inicia o seu percurso entre culturas como
simples espectadora-leitora, tornando-se progressivamente numa
comentadora-atriz-protagonista-autora na sociedade, na política e na
história.85
De acordo com nossas leituras e pesquisas, Santos foi uma das primeiras e
poucas pesquisadoras que analisou a família Pinto da França. Tendo como perspectiva
explorar a experiência intercultural entre o Brasil e Portugal, a autora ressalta o percurso
intercultural de Maria Bárbara ao longo dos anos no Brasil, destacando a
representatividade que a correspondência desses familiares teve ao longo de quase duas
décadas, funcionando como uma “tradução por vezes consecutiva” e outras vezes
“simultânea”, dos eventos históricos de que foram testemunhas.86
A autora enfatiza as características marcantes de Maria Bárbara no decorrer dos
anos de 1821 e 1822, quando Luis Paulino se achava em Portugal como deputado e ela
se dispôs a tomar a frente dos negócios da família no Brasil. Enquanto o marido estava
ausente, Maria Bárbara não se opôs a gerenciar o engenho, mesmo que seus filhos já
pudessem exercer tal atividade. Na opinião de Santos,
as cartas trocadas tanto com o marido como com os filhos, Bento e
Luís Paulino Filho, constituem uma verdadeira ‘correspondência
comercial’, em que Maria Bárbara menciona quantias e valores
precisos sobre as safras, anuncia a aquisição de gado, decide as rendas
a retirar ou não da parte dos filhos e narra a severidade com que gere e
disciplina os serventes.87
A historiografia tem demonstrado que, naquele contexto, foi muito comum que
mulheres, quando viúvas, assumirem os negócios da família tomando para si a
autoridade e o controle dos bens. No entanto, Maria Bárbara assumiu tais atividades
quando marido ainda era vivo, atividades exercidas com muito sacrifício. Na grande
maioria das cartas familiares dessa época, são constantes as referências a “dívidas, a
pedidos de crédito, à falta de dinheiro e aos pagamentos de favores, com recurso
desesperado ao soldo do primogénito e à venda improvisada de caixas de açúcar.”88
Maria Bárbara escrevia praticamente sobre tudo para Luis Paulino. Podemos
conjecturar que dividia o seu tempo entre administrar o engenho e relatar sobre os mais
85 SANTOS. op. cit. p. 250. 86
Ibidem. p. 249. 87
Ibidem. p. 265. 88
Ibidem. p. 267.
41
variados assuntos. Podemos destacar as intrigas políticas, a dificuldade dela em “firmar
letras”, suas constantes doenças, as dificuldades em gerir o engenho, relatando sobre as
mortes dos animais e todos os contratempos que tinham aparecido de última hora. No
entanto, sempre previa boas safras e a ideia de que um dia poderia usufruir de uma
“fortuna num futuro indefinido”.
Por fim, a autora faz uma observação importante sobre os familiares
Atenta aos assuntos políticos, sociais, econômicos e militares, que
agora dominam quase todas as cartas, o quotidiano familiar tornou-se
uma nota residual na correspondência de Maria Bárbara, referida
apenas quando afetada pelas circunstâncias históricas. Os filhos, o
marido, ela própria tornaram-se atores sociais na plena acepção da
palavra, vivendo agora o seu quotidiano em pleno palco da história,
um quotidiano que se confunde com a construção da própria história.89
Conforme veremos, muitos fatos relacionados às alianças matrimoniais dos
filhos de Luís Paulino e Maria Bárbara povoaram várias páginas das correspondências
dessa família e, por isso, merecem uma atenção especial nesse estudo.
1.3 “DEIXEMOS POR ALGUM TEMPO OS PESARES E VAMOS AO
PRAZER”. ALIANÇAS MATRIMONIAIS: O CASO DE BENTO DA FRANÇA E
MARIA SABINA DA FRANÇA.
Como as notícias voam por toda a parte, já saberás que me tem
causado uma dor, a qual me arrastará mais cedo à sepultura, bem
como saberás também as que passo a dar-te com muita satisfação.
Carta de Luís Paulino a José Garcez. Bahia, agosto de 1820.
De acordo com Eni Mesquita de Samara, as relações matrimoniais no século
XIX estabeleciam uma estreita relação com outros dois aspectos: cor e grupo social.
Analisando a realidade de São Paulo, Mesquita aponta que os casamentos se
consolidavam em meios circunscritos onde a origem, o status social e,
consequentemente, a posição socioeconômica eram pontos cruciais para, de fato,
efetivar essas alianças:
os casamentos celebrados durante o século XIX eram uma opção
apenas para uma parcela da população e estiveram preferencialmente
circunscritos aos grupos de origem representando a união de interesses
especialmente entre a elite branca. Esta, tentando manter o prestígio e
89
Ibidem. p. 270.
42
a estabilidade social procurava limitar os casamentos mistos quanto a
cor, assim como em desigualdade de nascimento, honra e riquezas.90
Podemos perceber, através da importante contribuição de Samara, que essas
uniões estavam permeadas por interesses diversos como ascensão social, influência
política e vantagens econômicas para a família e seus membros. No caso das famílias
baianas, percebemos, também, práticas semelhantes às citadas por Mesquita no seu
estudo das experiências de arranjos familiares da São Paulo oitocentista.
Destacamos aqui, também, um dos trabalhos de maior relevância sobre o tema,
desenvolvido pela historiadora Kátia M. de Queiroz Mattoso, a obra Bahia, Século XIX:
Uma Província no Império (1992).91
Neste brilhante estudo sobre a Bahia do século
XIX, a autora analisa a tipologia da família baiana utilizando fontes diversas ‒ como
inventários post mortem, jornais, recenseamentos, registros judiciários, fontes
paroquiais, correspondências, entre outras ‒, através das quais discute como as famílias
eram formadas, suas relações sociais e econômicas. Esse importante estudo contribuiu
para compreender como as relações familiares são fundamentais no entendimento da
sociedade baiana no século XIX.92
Tomando o contexto estudado por Mattoso como referência, observamos que
Luís Paulino e seu primogênito, Bento da França, acabaram envolvidos numa contenda
que tinha como principal ponto de discordância questões relacionadas ao “matrimônio
ideal”. Em 24 de maio de 1820, aos 25 anos, Bento da França se casou, “às escondidas”
da sua família, com Maria José Tovar da Costa, filha de Salvador Pereira da Costa,
coronel do Exército Brasileiro, e de Rita Cândida de Souza – futura 1ª Condessa da
Fonte Nova.
Esse fato causou um grande desentendimento entre Bento e seu pai, porque Luís
Paulino almejava para o filho uma união mais rentável em vários aspectos,
principalmente, nos aspectos sociais e econômicos. Visando “objetivos matrimoniais
ambiciosos” para o seu primogênito, Luis Paulino revelou sua preferência pela filha de
José Egídio Álvares de Almeida, advogado e 1º Barão de Santo Amaro que,
posteriormente, ganhou os títulos de marquês e visconde, elegendo-se também
90
SAMARA, Eni de M. Estratégias matrimoniais no Brasil do século XIX. São Paulo, Revista Brasileira
de História, n.15, v. (8), 1987–1988. p. 93. 91
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1992. 92
Sobre Mattoso, é importante salientar também que já havia esboçado um relevante estudo sobre a
família na obra Família e Sociedade na Bahia do Século XIX. São Paulo: Corrupio/Brasília: CNPq. 1988.
43
deputado. Para Luís Paulino, seria uma união que, ascenderia a família para “os pícaros
da nobreza local.”93
Contrariado em seus propósitos, Luís Paulino relatou ao seu cunhado José
Garcez os desgostos que Bento tinha lhe causado:
O tal sujeito que foi meu filho e para cujo engrandecimento eram
todas as minhas fadigas e trabalhos, que era o rapaz mais desejado e o
melhor casamento que havia, em razão das circunstâncias em que se
achava, para o qual todos os dias me falavam casamentos e acabava de
me ver não assentir a um, cujo dote, fora o que depois havia de vir por
legítima herança, passava muito de meio milhão. Este bárbaro que
conhecia os meus nobres sentimentos e que sabia serem todas as
minhas vistas a casá-lo, reunindo algum interesse de fazenda a maior
esplendor de nobreza. Este indigno, que sabia que a minha escolha
para ele casar era com uma menina, filha do barão de Santo Amaro,
por quem ele mostrava a mais extremosa paixão. (...) filha dum titular,
com um único irmão, que, por força, há-de vir a ter uma grande
representação neste reino, muito galante, muito bem-educada e que,
além de tudo isto, tem de legítima, por sua mãe, mais de 50 mil
cruzados!94
Podemos perceber que a opção de Bento em casar-se com a filha de um coronel
com “estatuto social idêntico ao da sua família”, acabou desagradando tanto o seu pai
que o mesmo, por um longo período, rompeu relações afetivas com ele, dirigindo-lhe
várias expressões pejorativas, como “monstro de ingratidão” e “homem que foi meu
filho”.
Segundo Samara, uma das características mais marcantes das alianças
matrimoniais no século XIX era o consentimento do pai, considerado figura “legítima e
incontestável”. Cabia à figura paterna, em muitos casos, o direcionamento das
“escolhas” e até a imposição dos cônjuges aos seus filhos, resultando em várias
punições para aqueles que contrariavam a vontade soberana do patriarca como, por
exemplo, a retirada da “participação do patrimônio da família.”95
Para Luís Paulino, o casamento do filho com Maria José foi um grande erro.
Dois motivos fazem entender o posicionamento do ilustre Marechal de Campo. O
primeiro se deve ao fato de que ele tinha trabalhado para que Bento fosse “o rapaz mais
desejado” e que seu casamento viria ser o melhor possível. Havia propostas de
casamento para Bento, cujo dote iria passar de meio milhão. Propostas que davam a
93
SANTOS. op. cit. p. 262. 94
Carta nº 61. Carta de Luís Paulino a José Garcez. Bahia: agosto de 1820. In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 231. 95
SAMARA. op. cit. p. 94.
44
Luis Paulino a certeza de estar “esperando realizar um projeto de maior ventura”. No
entanto, não foi o que aconteceu, Paulino declarou que Bento tinha acabado com a sua
família, mas que iria fazer com que o seu “ingrato” filho sentisse “a sua desgraça.”96
Analisando as estratégias de arranjos familiares numa região da capitania de
Minas Gerais, Débora Cristina Alves destaca os esforços que aquelas famílias faziam
para “manter e ampliar o poder local, o prestígio e suas fortunas”, concluindo que
naquele contexto, a maioria das alianças realizadas tinham mais um “caráter
econômico, social e político do que romântico.”97
Segundo Alves, a historiografia ao
longo dos anos vem confirmando que as uniões matrimoniais no Brasil, como também
na Europa do Antigo Regime, foram consideradas como um “negócio”. Nesse sentido,
compreende-se que para os membros pertencentes a essas famílias, ‒ principalmente
para aqueles que iriam estabelecer uma aliança matrimonial – pesavam sobre si “uma
carga de responsabilidade” já que cada indivíduo “carregava consigo um patrimônio
econômico, político e social, herdado dos pais, e que não poderiam ser dispersados, mas
sim acrescidos a outro, pelo matrimônio.”98
Para Alves, o amor seria a última coisa a se pensar dentro de uma relação que
envolvia pretensões de casamento. O escopo dessas relações estava mais voltado para o
interesse familiar e o ganho econômico que viria a ter com a união das famílias do que
para o amor. Este “seria o último item a determinar uma relação.”99
Além das questões familiares e do fator econômico, havia também a questão da
nobreza que, segundo a autora, era também um “atrativo” no momento da escolha do
cônjuge. O “status de nobre, mesmo que fosse apenas “fidalgo” dava aos indivíduos
uma oportunidade de conseguir um bom casamento, mesmo que fossem possuidores de
poucos bens ou de nenhum.”100
Casar um filho e, principalmente, uma filha com indivíduos influentes
e de prestígio foi o principal método empregado pelas elites para
inserir no seio familiar reconhecimento social, econômico e político.
Em uma ótica de Antigo Regime, possuir mercês, ofícios da coroa e
96
Carta nº 61. Carta de Luís Paulino a José Garcez. Bahia: agosto de 1820. In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821, p. 231. 97
ALVES, Débora Cristina. Alianças Familiares: estratégias de uma elite de Antigo Regime
(Guarapiranga, 1715 a 1790). Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Juiz de Fora, 2013. p. 92. 98
Ibidem. p. 95. 99
Ibidem. p. 98. 100
Ibidem. p. 99.
45
ser camarista possibilitava aos seus titulares a possibilidade de
acumular riqueza à margem de suas atividades econômicas triviais.101
De fato, eram muitas as questões envolvidas na economia matrimonial daquele
período. Assim, além das frustrações de caráter econômico alegadas por Luís Paulino, o
segundo motivo para a desaprovação desse matrimônio por parte dele se devia ao fato
de que, para o mesmo, o pai de Maria José Tovar ‒ Salvador Pereira da Costa, um
coronel de infantaria e ajudante de ordens do governo ‒ era também um “infame
alcoviteiro” que para casar a filha tinha feito “os mais vergonhosos crimes”:
teu sobrinho Bento, que se o quiseres riscar desse título nos darás
muito gosto, se casou sem o meu consentimento, contra a minha
vontade e às escondidas com a filha de um coronel de infantaria,
ajudante de ordens deste governo o qual, deu cladestinamente os mais
vis e criminosos passos para este fim.
O dito coronel, já filho e neto de ministros, se queria honras e
enriquecer sua filha com este casamento. Não devia contudo ser um
traidor e para isso cometer tais vilezas. E por isso o tenho tratado de
infame e estou num projeto inabalável de injuriar de todas as formas
(...). Eu bem sei que o tal senhor que foi meu filho já era maior de 25
anos e que podia casar, mas assim, não! Em qualquer idade me devia
pedir licença, além da outra que devia também ter. Mas fica certo (...)
que um e outro hão de ver-se comigo. Em vão se tem revolvido tudo.
Eu serei inexorável!
(...) O dito teu sobrinho julgo que por esses doces dias estará em uma
tortura. Ele desprezou loucamente a grande ventura que eu lhe
preparava e para que tanto tenho trabalhado. Eu o levei ao um estado
de ser o rapaz mais desejado para o casamento, que por cá havia. Eu
era falado todos os dias para isto, com oferecimentos de grossos
cabedais e não me tinha decidido ainda, esperando realizar um projeto
de maior ventura e de que tinha tais esperanças que já podia chamar
certezas! Ele nos matou com esse dissabor, ele se desgraçou, mas eu
hei de o fazer sentir mais a sua desgraça.102
Além dos motivos elencados por Luís Paulino, alguns comentários foram feitos
por familiares a respeito das uniões feitas pelos filhos do capitão. Em cartas posteriores,
Antônio Garcez, cunhado de Luís Paulino e irmão de Maria Bárbara, escreveu ao seu
irmão José Garcez e, dentre alguns assuntos, comentou sobre o casamento de Bento da
França com Maria José:
Bento casou-se e se os males dos outros apagassem as minhas dores,
estava despicado. Ele tem feito espalhafato. O rapaz foi desobediente,
casou pobre mas esse mal é para ele. A menina agradou-lhe e agrada-
lhe tudo, pelo que vejo, porque em poucos dias se agarrou. É filha
101
Ibidem. p. 108. 102
Carta nº 59. (Carta de Luís Paulino a José Garcez. Bahia: 3 de junho de 1820). In: Cartas luso-
brasileiras 1807-1821. p. 222 - 223.
46
dum coronel, parentes ministros e ainda, por lado estrangeiro, do
general Lecor. A desobediência é que é notável, mas como tinha a
certeza de que o pai não lhe dava [a licença] fez e deu o passo. Estava
habilitado para grandes fortunas e as perdeu em parte. Enfim, basta de
Bento e queira Deus a Luís lhe não passe o mesmo.103
No entanto, em 1821, Luís Paulino acabou perdoando o seu filho, por ocasião da
chegada do seu primeiro neto que recebeu o mesmo nome do avô. Este neto, nascido em
9 de janeiro de 1822, morreu em 1868 com o título de 2º Conde da Fonte Nova.
“Deixemos por algum tempo os pesares e vamos ao prazer”.104
Assim, na mesma
carta em que lamentava a afronta do seu filho Bento, Luís Paulino iniciou o relato sobre
o casamento de Maria Sabina com Rodrigo Antônio Pereira Brandão Falcão, filho do
mestre-de-campo Antônio Brandão Pereira Marinho Falcão e Ana Rita Evarista Duque
Estrada Menezes. Para Luís Paulino, Rodrigo Falcão não poderia vir de linhagem
melhor:
A sua qualidade de nascimento é por todos os lados de uma
ilustríssima distinção, por parte do pai é descendente das primeiras
pessoas e fidalgos, que passaram a este Estado em grandes empregos.
(...) por parte de sua mãe é filho duma irmã da mulher do tio Antônio
e não é preciso dizer mais nada, porque essa é sem contradição a
primeira família do Brasil e com a qual se vieram enlaçar muitos que
hoje são grandes do reino.105
De acordo com Alves, as alianças matrimoniais que foram realizadas não foram
“acidentais”, essas alianças passavam por uma lista de exigências familiares, sociais e
econômicas. Tais exigências “perpassavam por uma lógica política na qual se visava
consolidar pactos com aspirações de atingir o círculo de poder colonial”. Essa lógica de
pensamento iria prosseguir por várias gerações, se consolidando ao longo dos anos,
entre filhos, netos e bisnetos.
Em sua pesquisa Alves também constatou que para fazer parte da nobreza
colonial daquele período, em muitas ocasiões, era necessário apenas ter alguma patente
militar, ou desempenhar alguma função que estivesse ligada diretamente à Corte. A
103
Carta nº 60. (Carta de António Garcez a José Garcez. Rio de Janeiro: 19 de julho de 1820). In: Cartas
luso-brasileiras 1807-1821. p. 227 – 228. 104
Carta nº 59. (Carta de Luís Paulino a seu cunhado José Garcez. Bahia: 3 de junho de 1820). In: Cartas
luso-brasileiras 1807-1821. p. 222-225. 105
Ibidem. p. 224.
47
patente militar fosse de “Senhor, Capitão, Tenente, Coronel, Guarda-mor, entre outras,
atribuía ao indivíduo influência, prestígio e status diante da sociedade”.106
A autora pontuou:
Como se sabe, a sociedade luso-brasileira dos séculos XVIII e XIX foi
marcada pela busca da distinção em todas as camadas sociais. No
nível local, a “nobreza mínima” era orgulhosamente exibida nos
documentos públicos e privados pela utilização dos títulos das Ordens
Militares, da vereança, das profissões prestigiosas, das Milícias e
Ordenanças e, mais tarde, da Guarda Nacional.107
O marido de Maria Sabina, Rodrigo Falcão, tornou-se Barão de Belém, inserido
em uma família de posses, bastante respeitada e reconhecida na Bahia, sobretudo na
Vila de Cachoeira. Aos vinte e dois anos, em 1811, Rodrigo Falcão foi nomeado
capitão de Cavalaria da Guarda Nacional, mas sua carreira foi reconhecida quando
participou das lutas em prol da Independência da Bahia, destacando-se na batalha de
Pirajá (1822) e no movimento conhecido como Sabinada (1837-38).
Para Luís Paulino, Maria Sabina não poderia ter se casado com homem mais
distinto, que com os bens que receberia em herança poderia vir “a ser um dos vassalos
mais ricos de todo o Reino Unido”. Reconheceu que Rodrigo Falcão era um tanto
“gastador” e “valentão”. No entanto, ameniza essas características do caráter do genro,
explicando ao cunhado que tais atitudes são “tributos de quem nasce com 300 escravos
para servirem e que ouve, a cada hora, dizer em casa que é filho do Sol e neto da Lua!”
Paulino afirma ao cunhado que Rodrigo agora estaria “concertadíssimo” e que jamais
teria visto pessoa melhor, de boa índole, tendo nele todas as suas expectativas
confirmadas.108
Parece que todas essas características de Rodrigo Falcão em nada abalaram Luís
Paulino que, ao escrever sobre o casamento da filha, diferente do de Bento, afirmava
que o mesmo só lhe trouxe alegrias. As qualificações são das melhores “contrato em
vantagem”, “minha escolha e contento”, concluía, satisfeito.
Ao contrário do casamento de Bento, que segundo Paulino “tinha se casado
como um negro às escondidas”, o casamento de Maria Sabina com Rodrigo Falcão
seguiu “todas as formalidades dos casamentos dos fidalgos e pessoas de qualidade”.
106
ALVES. op. cit. p. 116. 107
Ibidem. p. 116. 108
Luís Paulino não imaginaria que futuramente, seu genro, Rodrigo Falcão, seria um dos principais
líderes da Independência da Bahia na Vila de Cachoeira.
48
Grandes são os detalhes, descrições das formalidades e contentamento sobre o
casamento de Maria Sabina:
Tudo se fez com as formalidades e grande pompa. (...) os criados no
maior asseio e todos os parentes vieram em carruagens com a mesma
pompa. (...) fomos para a mesa, seis escudeiros próprios, a saber: três
mulatos e três homens livres, vestidos todos com os melhores
vestidos, feitos de propósito para o dia. (...) e não preciso referir-te da
magnificência e delicadeza do jantar durante o qual tocaram duas
soberbas bandas de músicas. Passado dois dias seguiu-se a
concorrência de visitas e no oitavo dia dei um baile de aparato.109
Se por um lado Luís Paulino se realizou com o casamento da filha, por outro,
Maria Bárbara não sentiu o mesmo. Em carta ao seu irmão, José Garcez ‒ no mesmo
mês em que Luís Paulino relatou sobre o casamento de Sabina ‒, não muito alegre,
Maria Bárbara faz algumas considerações. Percebe-se, em sua escrita, um sentimento de
tristeza e preocupação em relação ao casamento de Bento, diferente de Luís Paulino que
expressou um sentimento de raiva e vingança. Para Maria Bárbara, o casamento de
Maria Sabina não passou de uma “regra e aparato”. Parece que estava mais preocupada
em se expressar sobre o que iria acontecer depois desse casamento, pois não era segredo
entre seus irmãos a fama de Rodrigo Falcão, os quais sabiam que ele já tinha alguns
filhos ilegítimos e mestiços antes de se casar.110
Antônio Garcez, em carta para o seu irmão José Garcez, comentou sobre os
contratos matrimoniais dos sobrinhos, Bento e Sabina. Parece que a relação dele com o
cunhado Luís Paulino não era das melhores, e se isso não era explicitado aos demais
familiares, pelo menos para o irmão José Garcez um certo descontentamento não era
escondido. Em alguns trechos da carta em que fala sobre o casamento dos sobrinhos,
Antônio desabafa para José Garcez que Luís Paulino “alega serviços a nós todos e não
se lembra que o temos socorrido e que estamos pagos, em dia. Enfim, ele vive em suma
política comigo.”111
Sobre os sobrinhos, comentou que Luís Paulino só escreveu para
ele para lhes fazer saber sobre a fortuna que a filha iria herdar. Irônico, Antônio Garcez
concluía que Luís Paulino só se esqueceu de dizer que Rodrigo Falcão tinha “alguns
filhos bastardos”.
109
Carta de nº 61. Carta de Luís Paulino a seu cunhado José Garcez. Bahia: agosto de 1820. In: Cartas
luso-brasileiras 1807-1821, p. 230-236. 110
Carta nº 60. Carta de Antônio Garcez a seu irmão José Garcez. Rio de Janeiro: 19 de julho de 1820. In:
Cartas luso-brasileiras 1807-1821, p. 228. 111
Ibidem. p. 228.
49
Ainda sobre Maria Sabina e Rodrigo Falcão, João José Reis, em artigo intitulado
“Recôncavo Rebelde: revoltas escravas nos engenhos baianos”, faz um apanhado de
revoltas escravas que aconteceram no Recôncavo e, dentre tantas, cita uma revolta
ocorrida no engenho de Rodrigo Falcão. Segundo Reis:
Um grupo de escravos do engenho Novo, propriedade do poderoso
coronel Rodrigo Antônio Falcão, após incendiar todas as senzalas,
seguiram para a casa-grande, que foi arrombada e saqueada, seus
móveis e outros objetos destruídos. Contavam mais de quarenta e
procuravam a senhora, d. Maria Sabina da França, que pôde escapar a
tempo graças à ajuda de um escravo doméstico. Duas crianças foram
mortas nesse ataque.112
Sobre o fato acima citado, não temos informações nas cartas da família. Nesse
período, a concentração maior de missivas estava entre Luís Paulino e Maria Bárbara e
no corpo documental das fontes que foram analisadas só encontramos uma carta de
Maria Sabina ao pai e nenhuma carta de Rodrigo Falcão.
Pesquisando os documentos referentes à família Pinto da França no Arquivo
Público do Estado da Bahia encontramos o testamento de Maria Sabina. Esse
documento revela algumas curiosidades e informações pouco difundidas em outros
estudos por nós investigados. De acordo com as leituras e pesquisas realizadas em
artigos, livros, dissertações e teses, acreditamos que essa fonte não foi ainda explorada
pela historiografia.
Escrito a punho no dia 24 de outubro de 1854113
, o testamento possui quatro
páginas que estão em um bom estado de conservação, podendo o leitor realizar
pesquisas sem maiores complicações. Percebemos, no início da escrita do referido
documento que a testadora, temendo morrer a qualquer momento, devido ao seu estado
de saúde, decidiu pela elaboração do seu testamento. Maria Sabina não teve filhos em
seu matrimônio, logo, colocou a sua irmã como principal herdeira de seus bens.
Constituiu Maria Francisca como “única e irreversível herdeira” acreditando que a
mesma administraria suas posses da melhor maneira possível.
Deixou para sua irmã um bandó de brilhantes e um colar que tinha sido de Maria
Bárbara, sua mãe. Maria Sabina ainda ressaltou que caso sua irmã viesse a falecer, seus
112
REIS, João J. Recôncavo rebelde: revoltas escravas nos engenhos baianos. Salvador, Afro - Ásia, nº.
15, 1992. 113
De acordo com algumas fontes por nós estudadas a data de falecimento de Maria Sabina ocorreu no
ano de 1854, não especificando a data exata. No entanto, de acordo com o seu testamento, podemos
afirmar que a mesma faleceu depois de 24 de outubro de 1854.
50
sobrinhos Salvador da França e os filhos do Conde da Fonte Nova assumiriam a
incumbência de cuidar de seus bens.
A Baronesa de Belém fez registrar:
Declaro que sou casada com o Brigadeiro Rodrigo Falcão Brandão,
Barões de Belém, e que do nosso consórcio nunca houverão filhos por
isso posso livremente dispor dos meus bens. Para meus testamenteiros
nomeio em primeiro lugar a minha irmã, e amiga D. Maria Francisca
da França Pinto, em segundo ao Major Nicolao Carneiro da Rocha, e
em terceiro o meu primo José Francisco de Pinho.114
Como podemos perceber, além da sua irmã, Maria Sabina nomeou outros
testamenteiros: o Major Nicolao Carneiro da Rocha115
e seu primo José Francisco de
Pinho, do qual dispomos de poucas informações de suas relações com a Maria Sabina.
Sabemos que não podemos conjecturar sobre a relação de Maria Sabina com o seu
marido, somente pela análise do seu testamento. Contudo, como relatamos no início
desse estudo, no corpo documental do qual dispomos temos poucas informações sobre
Maria Sabina e do seu casamento.
Nas missivas, encontramos apenas uma carta dela que foi endereçada ao pai. No
entanto, por intermédio de outras cartas, escritas principalmente pela sua mãe, podemos
visualizar alguns comentários negativos. Em alguns desses, é descrito o fato de Rodrigo
Falcão possuir filhos fora do matrimônio, o que não era bem visto por Maria Bárbara.
Com essa informação podemos deduzir que este “incômodo” familiar tenha contribuído
para que Maria Sabina deixasse para o seu marido apenas uma joia, um alfinete de
brilhantes.
Outros parentes beneficiados com os pertences de Maria Sabina foram seus
irmãos e sobrinhos que herdaram joias e dinheiro. Para seu irmão Luís da França deixou
um anel de brilhantes e para suas duas sobrinhas a quantia de duzentos mil réis para
cada uma. Para outros sobrinhos, filhos do seu irmão Bento da França, deixou a quantia
de um conto de réis; para Salvador Pereira da Costa e para Maria Rita a quantia de dois
114
Testamento de Maria Sabina da França Pinto. Arquivo Público do Estado da Bahia. Núcleo – Tribunal
de Justiça. Série – Inventários. Seção – Arquivo Judiciário. Período: 1887-1895. 115
Sabemos que ele nasceu na Freguesia de Nª Sª da Vitória em Salvador e que seu filho, Antônio
Carneiro da Rocha se tornou prefeito da capital baiana entre os anos de 1908 e 1912. O filho de Nicolau
Carneiro da Rocha e Ana Soares foi ministro da Marinha, em 1882, ministro dos Transportes, e da
Agricultura. Também foi senador e prefeito de Salvador, de janeiro de 1908 a fevereiro de 1912, além de
fundador do Instituto dos Advogados da Bahia, e seu primeiro presidente.
51
contos de réis e ainda brincos de brilhantes e fio de pérolas que pertenceram a Maria
Bárbara.
Maria Sabina deixou também alguns de seus bens e dinheiro para os seus
escravos, tanto livres como aqueles que ainda estavam em sua propriedade. Citando
nomes e apelidos, Maria Bárbara fez questão de deixar registrada alguma de suas
doações:
a quantia de duzentos e cincoenta mil reis que os entregará dusentos
mil reis a minha liberta Leonarda, e cincoenta mil reis a Joaquim
pardo filho de Ignes. Deixo a Francisca Maria das Chagas a quantia de
dusentos mil reis, à Maria Joana hum conto de reis, e outra igoal
quantia à Leonor quinhentos mil reis mais a Leonarda (...) O meu
escravo Augusto já é velho fica e gosará de uma liberdade desde (...)
meo falecimento (...) Deixo a quantia de quinhentos mil reis a cada
um dos meus mulatos Rodrigo, e, Thomé já livres (...) e enfeites se
repartirá com as minhas três mulatinhas Leonarda Maria, Joana e
Leonor.116
Como era de costume, o testamento de Maria Sabina também determinava os
valores que deveriam ser gastos com a missa: reservou certa quantia para as despesas
fúnebres, solicitou pagamento para a missa de corpo presente e mil reis para cada missa
que fosse realizada.
A leitura e a análise do testamento de Maria Sabina elucidaram várias questões
que contribuíram para o enriquecimento da escrita desse trabalho. Pudemos perceber
nuances importantes sobre o patrimônio da mesma, detalhes da sua vida privada, como
amizades, pessoas em que mais confiava, familiares mais próximos e sua relação com
alguns de seus escravos, concedendo-lhes liberdade, objetos pessoais e quantias em
dinheiro.
Esses relatos sobre o casamento de Mª Sabina e Rodrigo Falcão irão se estender
por mais anos, principalmente nas cartas de Maria Bárbara a Luís Paulino, quando este
se encontrava em Portugal entre os anos de 1821 e 1823, mas duas conclusões podemos
tirar dessas experiências vividas pelos Pinto da França.
A primeira é que se, por um lado, Bento da França decepcionou seu pai por
conta de suas escolhas matrimoniais, por outro ‒ que se refere a um aspecto político ‒,
Bento seguiu aquilo que seu pai viveu, guiando-se pelo mesmo tipo de pensamento e
116
Testamento de Maria Sabina da França Pinto. Arquivo Público do Estado da Bahia. Núcleo – Tribunal
de Justiça. Série – Inventários. Seção – Arquivo Judiciário. Período: 1887-1895.
52
tentando seguir a mesma carreira do pai. Não é à toa que, nas cartas datadas de 1821 a
1823, Bento insistentemente solicitava ao pai que o ajudasse a regressar para Portugal.
Nesse sentido, veremos que mais adiante Bento seguiu a carreira das Armas e, quando o
Brasil se tornou emancipado, se mudou para Portugal.
A segunda é sobre o marido de Maria Sabina, ao qual, num primeiro momento,
Luís Paulino concedeu tantas qualificações e felicitações. Nesse caso, percebemos que
futuramente, ao contrário de Luís Paulino, Rodrigo Falcão não somente aderiu à causa
brasileira, como encabeçou várias batalhas para a emancipação da Bahia e, em
consequência dessa opção, recebeu inúmeras honrarias e mercês, inclusive de D. Pedro
II. Ao longo da sua carreira, Rodrigo Falcão gozou de grande prestígio político e, como
recompensa dos seus serviços prestados, foi promovido a brigadeiro do Exército e
condecorado por D. Pedro II com o título de Barão de Belém. Além dessas honrarias,
Falcão foi dignitário da ordem do Cruzeiro e da Ordem de São Bento de Aviz,
conquistando ainda a medalha da campanha de Intendência.
No decorrer dos exemplos, que foram acima citados, pudemos observar como as
alianças matrimoniais e familiares eram determinantes para a manutenção e a ampliação
das riquezas sociais e do status social desses indivíduos, pois, dentro desse contexto,
essas alianças tornavam-se uma das principais vias de acesso a status, cargos
privilegiados e à nobreza. Através dessas relações, foi possível compreender a
importância e o peso que a opinião e pensamento dos familiares tinham sobre a vida de
outros familiares, principalmente, dos seus filhos.
Ao analisar algumas histórias relacionadas às relações matrimoniais dos Pinto da
França, bem como dos Garcez de Oliveira, foi possível compreender algumas das
estratégias utilizadas por esses familiares. Ao organizar os matrimônios dos filhos, o
que predominava era o fator econômico e a possibilidade de ascensão social. Torna-se
perceptível como os indivíduos detentores de reconhecido poder econômico tinham
livre acesso a essas famílias. Não importando muitas vezes o seu comportamento, sua
índole e idade, ou se tinham filhos (as) fora do casamento, pois o que importava era a
chance da união com aqueles cônjuges conferir algum benefício e status social às
famílias Pinto da França e Garcez de Oliveira. Assim, defeitos de caráter e de origem
eram facilmente esquecidos. Além disso, como pontuamos acima, o matrimônio era
definido como um “negócio” e que, primeiramente, tinha como finalidade, o interesse
53
econômico da família, pois, cada união era esboçada minuciosamente com a intenção de
agregar vantagens sociais, políticas e, principalmente, econômicas.
No capítulo seguinte, abordaremos como foram os anos em que Luís Paulino
Pinto da França assumiu o comando de alguns Regimentos até conquistar a patente de
Comandante do 1º Regimento de Cavalaria ‒ responsável pela guarda pessoal do rei. A
partir desse posto, poderemos observar mais de perto sua atuação na Corte do Rio de
Janeiro e as inúmeras intermediações por cargos a favor de seus parentes mais
próximos.
54
CAPÍTULO 2. “A HONRA DE VIVER AOS PÉS D’EL REI É GRANDE”:
CARREIRA MILITAR, A VIDA NA CORTE, PEDIDOS E GRAÇAS
ALCANÇADAS.
Não duvides de ver-me caminhar grandes empregos, mesmo de
alcançar um título. A minha esperança nasce na confiança certa em
que estou de que ninguém serve o nosso amabilíssimo soberano com
mais zelo e mais amor do que eu, e das provas decisivas que o mesmo
augusto senhor me dá, constantemente, da sua alta bondade e benigna
afeição.
Carta de Luís Paulino a José Garcez - 23 de junho de 1819.
2.1 DE CADETE A COMANDANDE DO 1º REGIMENTO DE CAVALARIA
(1795 a 1812).
Em 1795, Luís Paulino resolveu seguir a “carreira das armas” e “assentou praça”
como cadete no regimento de cavalaria nº6, em Bragança. Logo depois, como alferes e
tenente – nos anos de 1797 e 1801, respectivamente – já começou a participar de
operações.117
Os primeiros relatos sobre sua participação em combates são de 1801, quando
foi escalado para as operações em Trás-os-Montes, sob o comando de Gomes Freire de
Andrade. De acordo com Antônio Ventura, considerando-se o histórico de longas
guerras entre Portugal e Espanha, a guerra de 1801 foi um dos mais rápidos conflitos
em que os dois países da península ibérica estiveram envolvidos. A campanha se iniciou
em maio e terminou em junho do mesmo ano com a assinatura do Tratado de
Badajoz.118
Os espanhóis atacaram os portugueses com um número de 40 a 54 mil
homens contra 12 mil. Entre esses 12 mil portugueses, o Regimento de Bragança estava
representado por 4 esquadrões com aproximadamente 500 homens.119
Luís Paulino começou a ter visibilidade quando, por ocasião da redução do
exército português, foi chamado para se apresentar em Coimbra na presença do “coronel
responsável do Regimento, do brigadeiro Manuel Inácio Martins Pamplona e de um
117
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 264. 118
Foi reconhecido também como acordo de paz, esse tratado foi assinado em junho de 1801 entre
Portugal e a Espanha. Por este acordo, Portugal cedia às exigências impostas pelos franceses.
REFERENCIAR. 119
VENTURA, Antônio. A Guerra de 1801 em Trás-os-Montes. Disponível em:
http://www.terrasquentes.com.pt/Content%5CPublicacoes%5CCaderno1%5Ca_guerra_de_1801_em_tr%
C3%A1s-os-montes.pdf.
55
oficial francês”. Na ocasião, tinha sido perguntado “se queria continuar ao serviço e
alistar-se na Legião Portuguesa que acompanharia os exércitos napoleônicos”.
Respondendo o contrário do que os oficiais esperavam, Luís Paulino dava ali uma prova
de fidelidade e lealdade ao rei português. Começava, então, a se delinear o destino do
tenente caracterizado, especificamente, pela devoção à Corte Bragantina.120
Com aqueles que aceitaram o convite – lembremos de José Antônio Garcez,
cunhado de Luís Paulino – Junot organizou a Legião Portuguesa com cerca de 5
Regimentos de Infantaria, 2 Regimentos de Cavalaria e 1 Batalhão de Infantaria. Com
essa organização e o envio da Legião Portuguesa para nesse primeiro momento, a
França, Portugal ficaria definitivamente sem forças militares expressivas.
Segundo Tasso, uma das principais providências tomada por Junot foi o
engrossamento das tropas imperiais napoleônicas. É certo, porém, que a melhor parte
dessas forças aliciadas, isto é, os oficiais de alta patente, emprestaram grande fervor
revolucionário e sentido de solidariedade para com a causa napoleônica, estando entre
eles o Marquês de Alorna, o Brigadeiro Manuel Inácio Mastins Pamplona e o tenente-
coronel Gomes Freire de Andrade.121
Em meados do 1807, o exército português foi obrigado a reduzir-se e, por ordem
do general francês Junot, os Regimentos de Cavalaria 6 e 9 tiveram que se desarmar.
Luís Paulino estava no comando do Regimento de nº 6 e tomado de profunda tristeza
adentrou a Capela de Santa Cruz, em Covilhã, trazendo consigo seu filho Bento que já
era cadete, e sobre o túmulo de D. Afonso Henriques quebrou a sua espada, escreveu e
recitou um soneto que tinha feito ali mesmo.
A teus Pés, Fundador da Monarchia,
Vai sêr a Lusa gente desarmada;
Hoje rende á traição a forte espada,
Que jamais se rendeo á valentia.
Ó Rei, se minha dôr, minha agonia
Penetrar podem sepulcral morada,
Arromba a campa, e com a mão mirrada
Corre a vingar a afronta d’este dia.
Eu fiel, qual te foi Moniz, teu pagem,
Fiel sempre serei: grata esperança
120
FRANÇA e CARDOSO. op. Cit. p. 262. 121
TASSO, Luís Otávio Pagano. Considerações políticas e econômicas sobre Portugal 180-1812.
(Dissertação de Mestrado). - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p.19.
56
Me sopra o fogo de imortal coragem;
E as lagrima, que a dôr aos olhos lança,
Recebe, Grande Rei, por vassalagem,
Aceita-as em protesto da vingança.122
Em dezembro de 1807, segundo Tasso, um sentimento de indignação tomou
conta de considerável parte da população portuguesa. Tal se deveu ao fato das tropas de
Junot terem tirado a bandeira portuguesa que estava hasteada no Castelo de São Jorge,
substituindo por uma bandeira francesa. Populares encontravam-se em um estado de
“exaltação”. Foram distribuídos panfletos, aconteceram assaltos a sentinelas francesas e
mortes de soldados que estavam isolados.123
Segundo o autor, esses acontecimentos
seguiram-se até fevereiro de 1808:
quando o Conselho da Regência e a Casa Real de Bragança
foram dissolvidos, por Junot e três secretários de estado
franceses foram nomeados para o Governo de Portugal. Nesse
mesmo mês foi lançado um imposto (...) que levou a população
portuguesa a maiores sacrifícios. (...) O ouro e prata das igrejas
de Lisboa fora recolhido e os bem dos nobres que haviam se
ausentado, foram confiscados.124
Ainda em 1808, quando o governador francês, o general François-Jean-Baptiste
de Quesnel, foi preso no Porto, Luís Paulino estava entre os que mais insistiam para que
ali houvesse uma revolta. Dias depois da aclamação do príncipe regente no Porto, o
tenente ofereceu cavalos e se responsabilizou por conseguir soldados “para os montar,
assumindo o encargo de os sustentar”. Foi assim, por conta do seu ativismo e conduta,
que Luís Paulino integrou a comissão de guerra.
Tempos mais tarde, quando se soube no Porto que o general francês Louis Henri
Loison ia de encontro à cidade, a junta encarregou “Luís Paulino de ir ao seu encontro
com uma força composta de algumas companhias de infantaria, quatro peças de
artilharia, milícias e povo que se lhe juntasse”. Levando consigo o seu filho, Bento da
França de 15 anos, que serviu como porta-bandeira, saíram do Porto em direção a
Penafiel.125
122
Soneto I. Ver: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=220281 p. 196 e
197. 123
TASSO. op. cit. p.10. 124
Ibidem. p. 10. 125
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p.264.
57
Quando se constituiu a Leal Legião Lusitana, Luís Paulino foi incorporado a ela
no posto de capitão e encarregado de organizar a cavalaria daquele corpo. Em dezembro
de 1808, foi convocado para Sevilha, juntamente com o seu cunhado Antônio Garcez “a
fim de se entender com a Junta Suprema ali formada”. De Sevilha foi para a Cidade
Rodrigo, onde estava a Leal Legião Lusitana. Lá, o brigadeiro Roberto Wilson o
escolheu para lhe servir de major de brigada, confiando a ele a defesa da vila de Martin
del Rio.
Em 1809, Luís Paulino mudou de posição novamente, passando do cargo de
tenente para o de major da brigada na defesa da cidade de Martin del Rio, liderando as
tropas portuguesas no combate de Cidade Rodrigo, na Espanha. Destacando-se em
várias batalhas, foi promovido novamente a major graduado pela sua conduta “zelosa” e
“leal”.
Entre combates e serviços de reconhecimento, em abril de 1809 lhe foram dadas
as seguintes instruções: “fica o referido oficial encarregado de tratar da defesa de
Arouca e sua linha, de reconhecer e proteger todos os caminhos, devendo servir estes
para a retirada de Lamego para o Porto”.126
O brigadeiro Roberto Wilson dava contas da
atuação do seu subalterno:
Pôs às ordens de Luís Paulino, em Arouca, um batalhão de infantarias
e dois regimentos de milícias, com os quais foi mandado marchar por
Beresford, com o fim de se estabelecer em Amarante, devendo
impedir o inimigo atravessar o Tâmega. Quando, depois da batalha de
Talavera, o exército português se concentrou nas Beiras para viajar e
proteger a retirada de Wellington para Portugal, coube a Luís Paulino
comandar o Regimento de cavalaria 9.127
Finalizada a segunda invasão francesa, o general Beresford tratou de “compensar
os serviços prestados” durante a campanha e Luís Paulino foi um dos contemplados. O
ofício abaixo registra a sua promoção para major graduado, datada de 10 de julho de
1809:
O capitão de cavalaria da mesma legião, Luís Paulino, para major
agregado ao regimento de cavalaria 9, pela sua conduta leal, zelosa e
brava, que mostrou muitas vezes debaixo das ordens do brigadeiro R.
Wilson.128
126
Ibidem. p. 265. 127
Ibidem. p. 264 - 265. 128
Ibidem. p. 265.
58
Depois de ter conduzido o Regimento nº 9, Luís Paulino passou a integrar o
Regimento nº12, como major agregado, em 7 de junho de 1810, distinguindo-se nos
combates das cidades de Puebla e Valverde. Numa carta, Luís Paulino destacou a
situação do seu regimento diante dos avanços das tropas napoleônicas:
O meu regimento foi obrigado a espalhar-se todo por casas dos
soldados, para não morrer de fome. Esta é a razão por que nem nós
podemos fazer a guerra ofensiva ao perverso inimigo, nem ele,
também, ainda que tivesse forças, poderia vir sobre nós, pois só terra
acharia para comer. A Espanha está talada e pelas raias daquele reino
e do nosso só há víveres que são transportados dos portos de mar. (...)
tristes efeitos duma guerra bárbara! Maldito Bonaparte e desgraçados
países que sofrem os impulsos da sua perversidade.129
Entre os anos 1795 e 1821, Luís Paulino passou a sua vida entre combates e os
Regimentos de Cavalaria. Nos anos de 1795 a 1812 em Portugal, e de 1813 a 1821 no
Brasil, especificamente no Rio de Janeiro.
No decorrer de suas atuações, Luís Paulino foi condecorado com Medalha de
Ouro pela sua conduta e procedimento. No entanto, faltava nesse contexto, a presença
da sua família que, por conta das invasões napoleônicas, tinha sido enviada para o
Brasil, com destino a Salvador e logo depois, ao engenho de Aramaré, no Recôncavo
Baiano. Todavia, apesar dos recorrentes pedidos, requerimentos e solicitações, somente
no final do ano de 1812 Luís Paulino conseguiu autorização para visitar os seus
familiares.130
Visitar sua família e tratar dos seus interesses eram os planos de Luís de Paulino,
até ser chamado por D. João VI para se deslocar ao Rio de Janeiro a fim de ser nomeado
comandante do 1º Regimento de Cavalaria da Corte, responsável pela guarda real. Se
assumindo alguns comandos de Cavalarias já não encontrava tempo para visitar os seus
familiares, a situação complicou quando começou a comandar o Regimento que iria
proteger e guardar o seu Soberano. Nesse contexto, torna-se notório que os anos em que
Luís Paulino passou tanto em Portugal quanto no Brasil iriam dar origem a “um
relacionamento pessoal com o soberano que para sempre o honraria com a sua
confiança”.
Em 1811, Luís Paulino assumia o cargo de Comandante do Regimento de
Cavalaria 12. Lotado em Chaves, Portugal, dá início ao que se tornaria uma longa
129
Carta de nº 11. (Luís Paulino ao seu sogro José Garcez. Chaves, 24 de dezembro de 1811). In: Cartas
luso-brasileiras 1807-1821. p. 78. 130
Ibidem. p. 78.
59
prática de troca de correspondências com parentes. Em uma de suas primeiras cartas,
endereçada ao sogro José Cardoso Garcez, Luís Paulino relatou que seu Regimento já
contava com 486 cavalos e se gloriava pelo estado em que se encontrava: “na verdade,
não há coisa mais soberba que o meu regimento em Portugal”. Constantes eram os
convites para que, especialmente, o seu sogro pudesse visitá-lo. Todavia, se por um lado
a euforia transcorria em sua escrita, por outro, a queixa em querer dispensa era grande:
Então no meu quartel poderia falar sobre o meu negócio e dos outros.
Sendo o meu o de me deixarem ir para a minha terra, ainda que seja
dando-me a minha demissão. Porém, apesar de se me ter prometido
isto, vai-se-me demorando ou dificultando de dia em dia, de maneira
que não sei se me deixarão ir ou quando.
(...) só quero o meu chapéu redondo e ir para onde está a minha
mulher e meu príncipe. Entretanto estou no serviço, espero em Deus
há-de permitir que eu porte nele como é do meu dever.131
Nesse mesmo ano, Luís Paulino escreveu ao sogro sobre o despacho que tinha
recebido como tenente-coronel e que a Tesouraria do Porto já o havia parabenizado. No
entanto, como não tinha saído o número do decreto dessa promoção, Luís Paulino
solicitou ao sogro que nada fosse comentado “antes que esse despacho seja publicado”.
É interessante notar que ao longo das correspondências de Luís Paulino, aos familiares e
parentes, é constante a solicitação de segredo, do guardar as informações para a família,
temendo “aumentar o número de inimigos que, para o serem, não têm outra razão senão
a da inveja”.
Em outubro de 1811, José Cardoso Garcez pediu ao genro para que conseguisse
um cargo ao seu afilhado. O pedido se tratava da troca de posto do afilhado de José
Garcez. “Um senhor alferes de milícias” que desejava servir “como porta-estandarte” no
Regimento que Luís Paulino comandava. Porém, este último lamentava não atender ao
pedido do sogro, pois para o comandante essa troca não poderia ser feita visto o
aspirante a porta-estandarte, como o informava o próprio sogro, “não poder ser ou
passar [por] oficial”.
Luís Paulino respondeu ao sogro:
Sinto [ao] infinito não poder comprazer com V.S.ª mas bem vê que
tudo isso era um impossível. Sim, assentar praça poder-se-ia arranjar e
131
Cartas nº 2 e nº 3 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez – 2 de maio e 31 de agosto de 1811). In: Cartas
luso-brasileiras 1807-1821. p. 58 - 62.
60
neste regimento veio assentar praça um capitão de milícias o qual é
cadete, porque é um fidalgo; aliás seria um soldado raso. 132
Diante da resposta do comandante, parecia que não havia muito o que se fazer,
pois, para ser “porta-estandarte” era necessário passar pela “classe dos cadetes”. Poderia
conseguir a troca de um posto, poderia, salvo a “graça particular” do rei, mas o
comandante deixava claro que “por direito”, não.
Como se viu acima, no final do ano de 1811, Luís Paulino escreveu ao sogro
comentando que o seu Regimento “foi obrigado a espalhar-se todo por casas dos
soldados, para não morrer de fome”. Segundo o comandante, essa seria uma tática, tanto
para que os seus não entrassem em confronto como para que o “Perverso inimigo” não
os atacasse, por que fazendo isso só iriam achar “terra para comer.”133
Em 1812, Luís Paulino recebeu uma carta do secretário militar do exército
informando a permissão do seu regresso para o Brasil. “Nestes termos agora nenhuma
dúvida pode haver”, acrescentava o comandante, reforçando ao sogro que “espero em
Deus que hei de tirar os nossos do Brasil da apatia em que têm estado.”134
Para Luís
Paulino, dentro de 30 dias ele estaria no Brasil. Sobre o seu Regimento, relatou ao
sogro:
Nós temos estado muito ameaçados por aqui e é bem natural que
qualquer dia nos dêem, por aqui, alguma chicotada, por aqui não há
tropa alguma. É apenas o meu regimento que está todos a verdes...
Deus se lembre de nós.135
Torna-se importante pontuar algumas questões sobre como as invasões francesas
atingiram diretamente a vida de alguns indivíduos das famílias analisadas aqui nesse
trabalho, destacando-se, nesse sentindo, Luís Paulino e seu cunhado José Garcez.
Devemos ressaltar que esse evento teve efeitos diretos na vida de ambos. Se antes dos
franceses invadirem Portugal, Luís Paulino nutria certa admiração pela figura de
Napoleão Bonaparte, depois desse evento passou a caracterizá-lo como “maldito
Buonaparte”, “monstro” e “inimigo”.
132
Carta nº 8 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez – 15 de outubro de 1811). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 70. 133
Carta nº 4 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez – 2 de setembro de 1811). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 63 - 64. 134
Carta nº 13 (Luís Paulino a José Cardoso – 20 de maio de 1812). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 81 - 82. 135
Carta nº 13 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez – 20 de maio de 1812). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 81 - 82.
61
Como ressaltamos acima, Luís Paulino recusou-se a pertencer à Legião
Portuguesa, decisão contrária à tomada por seu cunhado, José Garcez. Ao recusar o
convite de se integrar à Legião Portuguesa, o tenente Pinto da França começou a
ascender na sua carreira militar, e, consequentemente, também do ponto de vista social e
econômico. Por outro lado, ao escolher servir à Napoleão Bonaparte, José Garcez
“veria sua carreira militar paralisada enquanto aguardava – desprezado e no ostracismo,
vivendo em Penafiel – ser reabilitado por nomeação para algum posto de prestígio.”
José Garcez se destacou na Legião Portuguesa acompanhando o Imperador
Napoleão nas suas campanhas, inclusive chegando a ir até à Rússia “distinguindo-se
heroicamente em diversas ocasiões”. As atitudes de José Garcez sugerem que ele não
imaginaria que a derrota de Napoleão Bonaparte fosse afetar de tal forma a sua carreira
militar. Nesse sentido, cabe destacar a insistência e constância com que José Garcez
reiterava solicitações e pedidos de intervenção ao cunhado, Luís Paulino, e aos irmãos
que, no contexto da chamada revolução liberal do Porto (1820), já se encontravam no
Brasil à serviço do Rei de Portugal e gozando de certa influência na Corte. 136
Em 1811, a licença de Luís Paulino e sua solicitação de regresso ao Brasil
tornar-se-iam uma novela, se arrastando por vários anos ao longo dos quais o tenente
insistia em suas solicitações – junto ao rei – de uma licença para ir ao Brasil. Ao mesmo
tempo em que tinha certeza de que poderia conseguir a licença, assumia cargos que lhes
eram confiados, impedindo assim, da sua licença sair.
Tendo regressado de Portugal em setembro de 1812, Luís Paulino chegou ao
Brasil e se dirigiu, mesmo que por pouco tempo, para a Bahia, ficando por mais ou
menos 6 meses com Maria Bárbara e seus filhos no Engenho de Aramaré. Em fevereiro
de 1813, foi convocado por D. João VI para assumir cargos importantes. Primeiro,
como comandante e, depois, como coronel do Regime de Cavalaria 1, Regimento
responsável pela proteção pessoal do rei e transformado, após a independência, no
conhecido Dragões da Independência, que até os dias atuais é o regimento responsável
pela segurança dos presidentes da República do Brasil.137
136
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p.20 137
Os Dragões da Independência têm como ofício: guarnecer as instalações da Presidência da República,
realizar o cerimonial militar representativo do Brasil; contribuir para a formação do cidadão brasileiro;
manter as tradições equestres da Cavalaria; e participar de missões de Garantia da Lei e da Ordem.
Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/presidencia/principais-tropas.
62
Os anos que o tenente-coronel passou na Corte deram origem a um
relacionamento pessoal com o soberano, que passou a honrá-lo por sua lealdade e
empenho nos serviços confiados e, por conta disso, lhe foram concedidas várias
benesses. Mesmo com todas as honrarias e da confiança que gozava, Luís Paulino
almejava o retorno a sua terra natal, desejo que só conseguiu realizar muitos anos mais
tarde. Em 1817, partiu na expedição que marchou do Rio para esmagar a Revolta de
Pernambuco e a sua participação lhe proporcionou mais uma promoção, a de brigadeiro
e comandante do Regimento de Cavalaria 1 de Pernambuco.
A partir desse momento, o Comandante escreveria do Rio de Janeiro,
especificamente do Real Paço de São Cristóvão.138
Entre as cartas catalogadas por
França e Cardoso, existe uma queda do envio de correspondências por Luis Paulino
entre os anos de 1814 a 1818, sendo registradas apenas 5 correspondências. Em 1818,
relatou sobre o seu Regimento, em carta ao cunhado Henrique Garcez:
Agora que aqui estou com metade do regimento junto do Real Paço de
São Cristóvão (...). Graças a Deus, meu Henrique, posso dizer que
cada vez gozamos mais estimação e mais valimento. Porém isto custa-
me muito em todo o sentido e já estou avelhantado e cansado, tomara
que me deixem descansar.139
Antão Garcez escreveu ao seu irmão mais velho, José Garcez, sobre a situação
em que cada um dos seus se encontrava no Brasil. No ano de 1814, juntamente com seu
sobrinho Bento da França, participaram das tropas da coligação que haviam perseguido
Napoleão Bonaparte até a sua queda. Talvez, por conta dessa atuação em Portugal,
Antão Garcez tenha sido convidado para o Brasil e ali reestruturar o quartel para o seu
Batalhão. Encontrava-se no Rio de Janeiro, no Paço de São Cristóvão, no mesmo lugar
onde estava instalado o Regimento do cunhado, Luís Paulino. “Aqui estamos nesta
aldeia, mar e montanhas, com algumas pequenas casas de campo. (...). Aqui estou vendo
da minha janela os preparos que se estão fazendo no palácio (...). Lá mesmo terei o meu
despacho, não havendo alguma volta”. Ressaltando que era responsável pela guarda do
recém construído quartel do Batalhão de caçadores, completou:
Sim, meu rico irmão, cavalguei para cima de 18 capitães em
caçadores. Agora, meu mais que amado irmão, tenho que esperar
[que] nos façam o que prometeram, de sermos rendidos em 2 para 3
138
Entre maio de 1813 e junho de 1814, não são registradas na documentação cartas de Luís Paulino.
Nesse período registra-se apenas a troca de correspondências entre Maria Bárbara, seu pai e seus irmãos. 139
Carta nº 30 (Luís Paulino a Henrique Garcez – 13 de janeiro de 1818). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p.128.
63
anos, quando não Sua Majestade há-de atender às minhas razões.
Depois do meu despacho, é que passo a requerer alguma coisa que aí
possa ajudar a vida. Temos um bom senhor, que me há de atender,
expondo-lhe as justas razões em que se acha o resto da minha
família.140
A correspondência de Antão Garcez nos remete aos estudos de Fernanda Olival
que discute sobre os mecanismos que existiam na “concessão de remuneração do reino”.
Ou seja, na prática, aquele que servia à monarquia em muitos momentos, esperava uma
recompensa, fosse ela pecuniária ou na forma de concessão de mercês. Muitos
indivíduos serviam ao rei não somente para demonstrar amor e respeito ao monarca,
mas sim esperando pela gratificação.141
Em 1819, Luis Paulino, continuou a receber promoções como Marechal-de-
Campo graduado, Inspetor e também Instrutor da Arma de Cavalaria e Infantaria de
Linha e de Milícias da Bahia. Em agosto, partiu do Rio de Janeiro para a Bahia ‒ com
toda a família e bens ‒ num brigue inglês fretado. Quando chegavam à entrada do porto
da Bahia, o brigue colidiu com rochas. Felizmente, para Luís Paulino e seus familiares,
a história acabou com um desfecho positivo, com todos salvos numa praia, apesar da
perda de todos os bens que estavam na embarcação. O Incidente inspirou Luís Paulino a
criar o poema “O Naufrágio”:
Do vento açoitado
O oceano geme;
Desarvora o mastro,
E nos rouba o leme.
Já rasgada a vela
Pelos ares voa,
Nas ondas mergulha
Soçobrada a proa.
Matéria inflamada
Do ar se despega,
Clarão cor de enxofre
A vista nos cega.
Raio combustível
Nosso barco arromba,
No bojo dos mares
O eco ribomba.
140
Carta nº 31 (Antão Garcez a José Garcez - janeiro de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821. p.
129-130. 141
OLIVAL, Fernanda. Mercado de hábitos e serviços em Portugal (séculos XVII-XVIII). Análise Social,
vol. XXXVIII (168), 2003, p. 743-769.
64
Três vezes netuno
Com ânsia imploramos:
Netuno está surdo,
Em vão o chamamos.
O terror e o susto
De nós se apodera,
O medo da morte
Só em nós impera.
Montões de infelizes
Nas ondas sorvidos,
Inventam salvar-se
Por entre os alaridos.
Uma disputa ao outro
A tábua partida,
E qual mais ligeiro
Vai perdendo a vida.
Acaba a contenda
A tábua fugiu,
Ao longo dos mares
Boiando se viu.
Feliz o que vive
Na sólida terra,
Que negra borrasca
Jamais lhe fez guerra!
Luis Paulino d’Oliveira Pinto da França.
Outubro de 1819.142
Luís Paulino tinha gosto pelas letras, especialmente pela poesia. Ele foi co-autor
do Caderno de Fábulas, dedicadas ou atribuídas a Excelentíssima senhora D. Catharina
de Souza Cezar e Lencastre: Transcritas no ano de 1806 [Obras diversas em verso e em
prosa] [manuscrito]. Algumas de suas publicações saíram nos periódicos da época, tais
como: Jornal de Coimbra, Parnaso Brasileiro e Miscelânea Poética, que circulavam no
Rio de Janeiro. No Parnaso Brasileiro ou “Seleção de poesia dos melhores poetas
brasileiros desde o descobrimento do Brasil”, v.1., foi escrito e organizado por J. M. P.
da Silva, em 1848. Nessa seleção, encontramos três publicações referentes a Luís
142
O Naufrágio. Ver em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=220281
p. 176 e 177.
65
Paulino: Soneto I, Soneto II e Naufrágio.143 Sua escrita mais conhecida foi um soneto
que criou horas antes de morrer, em pleno Oceano Atlântico quando estava retornando a
Portugal, ao se despedir de alguns familiares e amigos.
Percebemos deste modo que o serviço e a lealdade ao Estado Português foi parte
importante na vida de Luís Paulino. A sua trajetória de obediência e renúncia ao longo
desses anos em Portugal foi fundamental para que tivesse a oportunidade de, no Brasil,
continuar servindo à Corte Portuguesa.
2.1.1 A VIDA NA CORTE: ENTRE BAILES E JOGOS DE INTERESSES.
É uma terra caríssima e de um luxo extraordinário pela sua natural
grandeza e riqueza. Eu já lhe tenho dito coisa alguma a respeito dos
gastos e luxo deste país, que lhe parecerá extraordinário, mas
persuada-se que lhe não tenho figurado nem uma ligeira sombra do
que isto é. Hoje, não há no mundo uma Corte de mais carestia que
esta. Parece que se não faz caso de dinheiro.
Luís Paulino ao sogro José Cardoso Garcez, 1814.
Estar no Rio de Janeiro, comandar o 1º Regimento de Cavalaria, manter o Rei
em segurança, e estar lotado no mesmo espaço físico em que estava o monarca: permitiu
a Luís Paulino alguns contatos e regalias que antes não lhe eram possíveis. Porém,
entendemos que, antes de analisar algumas questões relativas ao convívio de Luís
Paulino na Corte, é importante contextualizarmos essa Corte, a casa real, esse espaço de
convivência e relações entre o soberano e seus súditos. Para isso iremos nos deter em
alguns conceitos e interpretações de autores que estudaram o tema.
De acordo com o sociólogo Norbert Elias, Corte Real e Sociedade de Corte são
figurações específicas constituídas por pessoas. No Antigo Regime, a Corte significava
a instância máxima da grande família real e a organização central da administração do
Estado como um todo.144
Sabemos que as investigações e pesquisas realizadas por Elias tratam de uma
sociedade e uma época bem determinada. No entanto, as investigações sociológicas das
estruturas sociais realizadas tornar-se-iam sem sentido se não tivéssemos em vista que,
143
Ver Soneto I e II em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=220281
p. 196 e 197. 144
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de
corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 27.
66
durante uma longa fase do desenvolvimento social, as sociedades de corte aparecem em
muitos Estados, e que a tarefa da investigação sociológica, ao tematizar uma sociedade
de corte particular, inclui o estudo da evolução de modelos que possibilitam a
comparação entre as diversas sociedades.
O que se designa como “Corte” do Antigo Regime não passa de uma vasta
extensão da casa e dos assuntos domésticos do Rei francês e de seus dependentes,
incluindo todas as pessoas que faziam parte daquela casa, de modo mais ou menos
restrito. Para Elias, a Corte é um “órgão representativo” no campo social do Antigo
Regime. O traço marcante no modo de habitação desses indivíduos é o fato de que
todos, ou pelo menos uma parte significativa deles, possuíam ao mesmo tempo um
alojamento na casa do rei, no Palácio de Versalhes, e uma habitação, ou seja, uma casa
no campo, ou na cidade.145
Em meados do século XVII, a palavra “Corte” significava morada, “o local da
residência do rei e dos seus familiares mais próximos”. A autora Giovanna Milanez de
Castro ressalta que além da família real, inseriam-se nesse ambiente os “criados” e os
oficiais que prestavam algum serviço no espaço doméstico da casa. Sendo assim, Castro
afirma que Corte Portuguesa era uma “estrutura formada por uma série de criados que
cuidava, organizava e regulamentava a vida privada e doméstica do soberano, atuando
nos mais diversos âmbitos de sua vida cotidiana.”146
Nessa conjuntura, existia uma divisão dos cargos e dos postos que ali eram
exercidos. Os chamados cargos mores da Casa Real eram gerenciados e ocupados pela
alta nobreza do reino. Nesses cargos, estavam aqueles que eram detentores de títulos
nobiliárquicos, como marqueses, condes e viscondes. Esse esquema de ocupação,
segundo A autora, já existia há muito tempo, sendo algo tradicional na Casa Real.
Norbert Elias, em “O Processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização”,
nos leva a entender diferenças entre os conceitos de civilização e cultura. Ambos os
conceitos lidam com as realizações da sociedade, com sua estrutura econômica,
tecnológica e política. Analisando a época da aristocracia da corte, o autor salienta que a
145
Ibidem. p. 62. 146
CASTRO, Giovanna Milanez de. Serviço e celebração nos trópicos: a Casa Real Portuguesa no Rio de
Janeiro do período joanino. (1808-1821) Dissertação de Mestrado. Universidade de Campinas, Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. p. 32.
67
burguesia alemã detinha força política e não conseguia cargos relevantes na
administração do Estado e não conseguia inserção na sociedade de corte. 147
Essa sociedade era composta por aqueles que participavam das rotinas da corte,
bem como dos seus eventos e se submetiam às suas regras. Elias analisa os
comportamentos, a etiqueta e as relações vigentes nessa sociedade. O interessante no
estudo de Elias é que, tomando como objeto os variados tipos de comportamentos das
sociedades de corte, tomando como objeto de análise os livros e manuais de
comportamentos e de bons modos, ele percebe que, de uma perspectiva histórica, de um
ponto de vista a longo prazo, há um movimento de controle cada vez maior dos
instintos.
Iremos nos deter em um assunto abordado por Elias, que traz luz ao estudo aqui
apresentado. Na corte absolutista, formou-se pela primeira vez um tipo de sociedade e
de relacionamento humano denominado por Elias de “boa sociedade”. Mesmo que a
violência física tenha sido diminuída e os duelos tivessem sido proibidos, as pessoas,
sob uma grande variedade de maneiras, exerciam pressão e força umas sobre as outras.
Segundo o autor, “a vida nesse círculo não era de maneira alguma pacífica” e nesse
contexto “um número muito grande de pessoas dependiam continuamente de outras.”148
Para Elias, “todos os indivíduos pertenciam a uma coterie”, a um grupo social
que, quando necessário, o apoiava. Nesse sentido:
A corte é uma espécie de bolsa de valores e, como em toda “boa
sociedade” uma estimativa do “valor” de cada indivíduo está
continuamente sendo feita. Mas, neste caso, o valor tem seu
fundamento real não na riqueza ou mesmo nas realizações ou
capacidade do indivíduo, porém na estima que o rei tem por ele, na
influência de que goza junto aos poderosos, na sua importância no
jogo das coteries da corte.149
Um lugar essencial, pois era o local onde intensamente competia-se por prestígio
e pelos favores reais.
Castro analisou, nesse período, duas esferas de serviços ao rei. A primeira
correspondia à dos cargos do alto escalão, conquistados pela “qualidade de
nascimento”, ou seja, pelo “pertencimento a uma família de antiga nobreza, há muito
tempo presente na Corte Régia”. Nessa esfera, três elementos caracterizam o ambiente
147
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização. vol.2. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar ed., 1994. 148
Ibidem. p. 225. 149
Ibidem. p. 226.
68
da corte e a relação dos indivíduos e grupos: a manutenção de status, o reforço da
posição social e a obtenção de “proteção vindas da realeza e da própria honra da
família”. Essas características eram encontradas na chamada “cultura do serviço ao rei”,
era o ato de servir para ficar, de alguma forma, perto da realeza e do seu campo de
atuação.
Na segunda esfera de serviço que a autora analisou se encontravam os “oficias
que não eram mores”. Nesse ambiente era de se esperar os mais variados tipos de
condições sociais desde uma “posição mediana” aos mais “baixos da pirâmide social
portuguesa”. Caracterizadas as esferas de serviços, a autora verificou a existência de 27
“cargos mores”. Dentro desses grandes cargos, pôde-se verificar uma enorme presença
de membros da nobreza lusitana, que traziam consigo seus títulos de nobreza.
A Corte bragantina conservou ao seu lado um grande número de prestadores de
serviços que estavam ligados à casa imperial do Brasil tanto por laços de honra, familiar
e fidelidade quanto por contratos de trabalhos. Segundo Santiago Silva de Andrade, os
criados que ocupavam cargos no topo da “hierarquia doméstica” ‒ como, por exemplo,
vedor da casa, estribeiro-mor ou mordomo-mor ‒ eram recrutados no seio das casas
nobiliárquicas de maior prestígio.150
Uma forma de adentrar a Casa Real, e a “mais tradicional”, era a “transmissão
hereditária dos cargos”. No entanto, embora não fosse uma regra que o filho do criado
pudesse se tornar um criado, segundo Silva de Andrade, desde o começo do século
XVII, a maioria das famílias acabava servindo à Casa Real de forma “contínua e
ininterrupta”. Essa perspectiva de inserção na corte portuguesa também fez parte da
trajetória dos Pinto da França e dos Garcez.
No final de junho de 1814, instalado na corte de D. João VI, no Rio de Janeiro,
Luís Paulino começou a escrever uma série de relatos aos parentes, recheados de
imagens de muita pompa e riqueza, descrevendo como estava a vida na corte e as
intervenções que tinha feito a favor dos seus familiares: “eu bem tenho lutado para me
fazer (grande) e desejava assim ver todos os meus, e já não queria que me ajudassem,
bastava que não me estorvassem, mas não tem sido assim”.
Talvez, seja a carta mais detalhada de situações e histórias que Luís Paulino
escreveu ao sogro:
150
SILVA, Andrade Santiago. Morar na Casa do Rei, servir na Casa do Império: sociedade, cultura e
política no universo doméstico da Casa Real portuguesa e da Casa Imperial do Brasil (1808-1840).
Almanack Braziliense n°5. 2007.
69
É uma terra caríssima e de um luxo extraordinário pela sua natural
grandeza e riqueza. Eu já lhe tenho dito coisa alguma a respeito dos
gastos e luxo deste país, que lhe parecerá extraordinário, mas
persuada-se que lhe não tenho figurado nem uma ligeira sombra do
que isto é. Hoje, não há no mundo uma corte de mais carestia que esta.
Parece que se não faz caso de dinheiro.151
Ainda sobre sua estadia, Luís Paulino comentou sobre o desenrolar de um dos
bailes de que participou, no intuito de mostrar ao sogro o respeito e estima de que
gozava na corte:
Para que V.S.ª veja, basta dizer que ainda em um baile que se deu a
toda a corte, em obséquio do despacho do senhor Araújo, eu fui
escolhido para fazer a “partida” ao senhor marquês de Aguiar, e eram
os da mesa eu, o dito senhor, o marquês de Alegrete e o marquês de
Valada.152
Para Santos, ao contrário dos cunhados residentes no Brasil, Luís Paulino não se
poupava às despesas inerentes a quem “pretende representar” numa corte onde a vida,
como o mesmo relatava, era “caríssima e o luxo extraordinário”. Nesse sentido, a autora
fez uma observação interessante sobre o contraste entre as cartas de Luís Paulino e uma
das poucas cartas que Maria Bárbara escreveu nesse período.153
Na referida carta, Maria Bárbara contou sobre o aborto que tinha sofrido, bem
como as “eternas doenças e saudades”, alegrou-se com a queda de Napoleão Bonaparte,
mas aplicou um provérbio sobre a situação: “vara ruim não quebra”. Maria Bárbara
disse isso por que o Imperador Francês estaria vivendo na fortaleza de Elba, “muito
vizinha da Córsega e com 6 milhões de francos de rendas”.154
Luis Paulino escreveu
também, sobre a vida da família real na corte, referindo-se a algumas festas religiosas e
palacianas de que tinha participado: “coisa brilhante, na verdade. A capela real estava
belíssima e a música foi superior. Hoje é o festejo e Luís neste momento vai para o
beija-mão”.
No entanto, a autora observou o modo como Maria Bárbara escreveu sobre o
marido, lamentando-se da “pobreza” em que vivia e as “desventuras que sofria” por
conta da pouca ambição e da “excessiva probidade do marido”.
151
Carta nº 25 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez - 27 de junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 112. 152
Ibidem. p. 110 - 111. 153
SANTOS. op. cit. p. 255. 154
Carta nº 23(Maria Bárbara aos pais- maio/junho 1814). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821. p. 103 –
105.
70
Nesse sentido, curiosamente, a carta posterior de Luís Paulino é o contrário
daquilo que ele escrevia aos parentes, relatando ao sogro que era “vítima de altos
desejos e empresas e não deixo de ter jeito para aquilo a que me proponho”.
E acrescentou:
Não duvides de ver-me caminhar grandes empregos, mesmo de
alcançar um título. A minha esperança nasce na confiança certa em
que estou de que ninguém serve o nosso amabilíssimo soberano com
mais zelo e mais amor do que eu, e das provas decisivas que o mesmo
augusto senhor me dá, constantemente, da sua alta bondade e benigna
afeição.155
Nesses bailes, jantares, reuniões, era notória a presença da alta sociedade da
corte imperial, bem como da representação do luxo e a exibição pública do status. O
comandante fazia críticas aos gastos excessivos da corte bragantina, ao padrão de
consumo das senhoras das elites e à administração das finanças:
Não aparece traste rico que se não venda logo; as coisas de gosto mais
esquisito aqui vêm, porque, em outra parte, ninguém as pagaria. Há
poucos dias chegaram aqui louças e porcelanas da maior raridade.
Venderam-se xícaras e pires por 30 mil réis cada uma. Já é coisa
grande. Pois saiba, ainda houve senhoras que desdenharam e que
disseram que xícaras de 30 mil réis não podiam ser boas para um chá
de aparato. Maria Bárbara tem testemunhado isto com admiração e
zanga dum tal luxo. Sim, é verdade que algumas vezes se têm
retardado os pagamentos aos ministros, porém é pela má
administração da finança e não tenha V. S.ª pena deles. Olhe que os
que aqui estão fazem mais em uma hora do que os daí podem fazer em
um ano. Lá, dá-se por coisa grande um presente de valor de doze
moedas. Aqui, por um insignificativo favor se dá a um ministro 3 e 4
mil cruzados. A “chupancinha” aqui é da tarifa. (...) assim, bem vê V.
S.ª que esta terra é boa. Porém é para quem tem emprego lucrativo,
porque os que vivem dos seus bens têm grandes gastos e o que vale é
serem também aqui grandes os rendimentos dos proprietários.156
Contudo, Luís Paulino relatou que a vivência nessa corte também tinha seus
ônus. Em março de 1818 escreveu:
a minha vida nesta Corte é uma tormenta em que é preciso muito juízo
e alguma coisa mais, e poucas vezes me sobeja um instante para
descansar ou cuidar de mim: confesso-te que já estou cansado mas há-
de me ser necessário todo o modo e delicadeza para me deixarem
descansar e não sei se, assim mesmo, o obterei porque sou tão
155
Carta nº 46 (Luís Paulino a José Garcez - 23 de junho de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821.
p. 178. 156
Carta nº 25 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez - 27 de junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 112.
71
obrigado ao nosso amável soberano que minha completa satisfação há
de estar sempre em fazer unicamente o que de vontade do mesmo
augusto senhor.157
Podemos constatar com esse relato que, apesar de demonstrar, através da escrita,
que não estava satisfeito com a vida que estava levando, Luís Paulino orgulhava-se de si
mesmo ‒ pela posição que conquistou junto ao soberano a quem servia ‒, e esperava
que a família reconhecesse os sacrifícios que fazia em favor dela. Em 1818 escreveu ao
sogro:
Mas hão de confessar que os meus esforços e constante animosidade
nos trabalhos para os alçar na sociedade tem sido uma luta heróica,
incompatível com um corpo fraco e com uma alma medíocre. (...).
Servindo o nosso amabilíssimo soberano com amor e fidelidade, e
conservando sempre todo decoro e dignidade, vou andando meu
caminho direito sem necessidade de lisonjas nem abatimentos
impróprios da minha alma naturalmente tão altiva como justa, e desta
forma gozo o respeito dos grandes e a estima de todos.158
Em outra carta, também endereçada ao cunhado José Garcez, Luís Paulino
continuou relatando sobre a sua disponibilidade e alegria de servir ao rei e como isso lhe
trazia ganhos, principalmente no que se refere ao reconhecimento de pessoas
importantes:
Enfim, quem se não trata e não despende não mantém a dignidade da
sua representação, nem conserva as suas amizades e eu tenho muitas e
boas na Corte. Aqui, devo representar como a primeira pessoa, logo
depois do governador e capitão-geral, bem entendido, que sem
dependência nenhuma dele pois a minha correspondência é
diretamente com a Secretaria de Estado. Se eu me servisse da
dependência, grandes vantagens poderiam tirar, como quase todos
fazem. Porém isso repugna com o meu gênio. A minha retidão,
integridade e desinteresse têm sido os principais motivos da minha
grande reputação no serviço d’El-Rei Nosso Senhor.159
É importante problematizar essa pretensa falta de interesse de Luís Paulino em
ganhos, pois, devemos lembrar que sua aproximação com a Família Real não trouxe só
benefícios e graças para ele, mas para sua família e parentes também. Não devemos
157
Carta nº 34 (Luís Paulino a Henrique Garcez - 15 de março de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 140-141. 158
Carta nº 40 (Luís Paulino a José Garcez - junho/agosto de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 156-157. 159
Carta nº 53 (Luís Paulino a José Garcez - 23 de outubro de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 206.
72
deixar de considerar que as famílias Garcez de Oliveira e Pinto da França são frutos de
gerações em que homens se dispuseram a “ganhar a vida” no Brasil, tanto antes da
vinda da Família Real – caso dos Pinto da França ‒ como depois, caso dos Garcez.
Concluímos que, nas primeiras décadas do século XIX, o Brasil representou uma
grande oportunidade de “recuperação econômica” para muitos indivíduos,
principalmente para os Pinto da França e Garcez, como também possibilitou − através
da trajetória e influência de Luís Paulino junto à Corte e do seu acesso privilegiado ao
soberano −, a obtenção de sucessivas graças, não só para si, como para os demais
familiares.
2.2 “NUNCA ME NEGO NEM NEGAREI A DILIGENCIAR E A PEDIR PARA
FELICIDADE DOS MEUS PARENTES”: SOLICITAÇÕES DE CARGOS E
INTRIGAS FAMILIARES.
Os nossos do Brasil têm-se esquecido de fazer as suas e as nossas
fortunas, pois creia V.S.ª que só do Brasil elas podem vir e eu só nisso
me fio, seja como for.
Luís Paulino ao sogro José Cardoso Garcez - março de 1812
Francisco Consentino utilizou a sistematização feita por Nuno Gonçalo Monteiro
em “Trajetórias sociais e governo das conquistas”, para identificar três categorias de
nobres existentes no sistema nobiliárquico lusitano. Havia um grupo constituído pela
nobreza simples e os cavaleiros de hábito, isso significa dizer que os seus integrantes,
“viviam nobremente”. Faziam parte desse grupo os “licenciados, baracheis, os oficiais
do exército de primeira linha, milícias e ordenanças, os negociantes de grosso trato, os
juízes e vereadores de um número indeterminado de vilas e cidades.”160
É importante
destacar que os componentes dessa nobreza buscavam sempre por outras “distinções,
designadamente, dos hábitos de cavaleiro das ordens militares (para os quais se exigia
prova de nobreza, mas não de fidalguia).”161
O segundo grupo destacado e que está acima dos nobres citados, era constituído
por uma “categoria intermediária” tendo como integrantes alguns “milhares de
160
COSENTINO, Francisco Carlos Cardoso. Enobrecimento, trajetórias sociais e remuneração de
serviços no império português: a carreira de Gaspar de Sousa, governador geral do Estado do
Brasil. Tempo, 2009, vol.13, nº 26. 161
Ibidem. p. 233.
73
fidalgos”, que em sua maioria reunia os “fidalgos de cota de armas” e os fidalgos de
linhagem. Já a terceira e última camada era formada pela “primeira nobreza do reino”.
A maioria dos integrantes desse grupo residia na corte e era constituída por “cerca de
centenas e meia de senhores de terras, comendadores e detentores de cargos paladinos,
no cume da qual se encontrava a meia centena de casas dos Grandes do reino.”162
Com base nessas características, o autor concluiu que os que prestavam serviços
à monarquia e, consequentemente, ao rei, passaram a ter como objetivo os ofícios
vinculados ao serviço régio. Afinal, esse era o caminho mais consistente para a ascensão
social como “forma de construção e engrandecimento não só pessoal, mas da sua casa
aristocrática”. Nesse sentido, foi por isso que os rendimentos recebidos pelos ofícios
prestados foram entendidos como um “acessório da honra” e não somente como um
“pagamento do trabalho realizado.”163
Destacados e caracterizados esses grupos, Cosentino identificou uma série de
cargos e funções exercidos pela camada aristocrática e que, naquele contexto, eram
ambicionados por nobres de diferentes categorias. É importante salientar que todos
esses cargos eram de “natureza jurisdicional e política” e eram concedidos
exclusivamente através da mercê régia.
Segundo Nuno Gonçalo Monteiro, uma das principais marcas do século XV
foram a concessão de novos títulos, a Lei Mental e a criação das matrículas da Casa
Real. Nesse período, a Coroa passou a se utilizar de diversos argumentos para se firmar
até meados de 1832. Diante dessas concessões, a Coroa começou a dispor de recursos
para a distribuição e redistribuição de honrarias e proventos com a “definitiva
incorporação, em 1551, da administração das três ordens militares: Avis, Cristo e
Santiago”. As honrarias, as distinções e os mais variados graus de nobreza foram se
institucionalizando, se regulamentando e todas elas, cada vez mais, estavam sujeitas a
regras de “acesso e de prova.”164
Segundo Monteiro, a utilização das insígnias da cavalaria das ordens militares,
desde as elites portuguesas até a realeza, significava um forte exemplo da “matriz
cavalheiresca” que estaria presente também no início do século XIX. O número de
162
Ibidem. p. 234. 163
Ibidem. p. 239. 164
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O ‘Ethos’ Nobiliárquico no final do Antigo regime: poder simbólico,
império e imaginário social. In Almanack Braziliense n. 02. Nov. 2005. Disponível em:
http://almanack.usp.br/PDFS/2/02_forum_1.pdf p. 6.
74
insígnias dessas ordens chegava a ser “espantoso”, principalmente, as de Ordens de
Cristo, que era utilizada em quase todas as cerimônias e acontecimentos públicos.165
Em 1819, Antão Garcez escreveu ao seu irmão mais velho, José Garcez: “eu
ainda não fiz um requerimento, pois vejo que me pagariam com um hábito de Cristo,
que até os mulatos aqui têm.”166
Essa passagem diz respeito aos trabalhos que foram
executados por Antão Garcez para a monarquia e da vulgarização das mercês no reino.
Esse relato nos remete às considerações de Fernanda Olival, que pontuou que o desejo
pelos hábitos, assim como pelas honras de um modo geral, foi algo muito patente na
sociedade portuguesa, principalmente até o ano de 1773. Isso porque, entre os séculos
XVII e XVIII, segundo a autora, “forjaram-se na sociedade portuguesa estratagemas
para, de alguma forma, satisfazer este tipo de procura por parte de quem não conseguia
os seus intentos pelas vias consideradas normais.”167
Sendo assim, aquele indivíduo que não conseguia reunir “serviços para alcançar
a mercês de um hábito” não iria se sentir frustrado. A autora trabalha com o conceito de
“economia de mercê” que significa a soma determinada dos anos de serviço que
deveriam ser recompensados. Embora se fale da sua relativa vulgarização, o prestígio e
a busca pelos símbolos das ordens militares não desapareceram e sempre estiveram
presentes, nos mais importantes rituais da corte.168
Ainda sobre a “economia de mercê”, Eduardo Borges, em sua tese Viver sobre
as leis da Nobreza, discute a importância do conceito na sociedade colonial. Borges
destaca como a “economia de mercê“ era fundamentada na relação de trocas de favores
entre o rei e seus vassalos, onde a Coroa notabilizou-se “como centro redistribuidor de
distinções”. Nesse sentido, o rei simbolizava “a cabeça e tinha responsabilidade de
manter a harmonia entre todos os seus membros.”169
Na relação entre a nobreza e a Coroa a economia de mercês possuía um papel
fundamental de equilíbrio de interesses entre as partes. O ato de dar e ser agraciado com
distinções ou benefícios era parte integrante de uma cultura política onde a figura do
165
Ibidem. p. 9 166
Carta nº 51 (Antão Garcez a José Cardoso Garcez - 8 de outubro de 1819). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 197 -200. 167
OLIVAL, Fernanda. Mercado de hábitos e serviços em Portugal (séculos XVII-XVIII). Análise Social,
vol. XXXVIII (168), 2003, p. 748. 168
Ibidem. p. 748. 169
Borges, Eduardo José Santos. Viver sob as leis da nobreza: a casa dos Pires de Carvalho e
Albuquerque e as estratégias de ascensão social na Bahia do século XVIII. Tese de Doutorado. Salvador,
2015. p. 26.
75
monarca consolidava-se cada vez mais no poder central e a nobreza como uma
prestadora de serviços visando adquirir distinto status social.170
Segundo Monteiro, ainda nesse contexto de honrarias, destacamos os serviços
militares que, segundo o autor, foram uma via decisiva para o recebimento de mercês.
Essa afirmação se deve ao fato de que a primeira e hereditária elite social do regime
bragantino foi composta basicamente por militares. Outro grupo que podemos destacar
nesse período é o dos senhores proprietários de terras, aos quais era conferida uma
graduação nobiliárquica. Mas não existia apenas esse caminho para o indivíduo
ascender socialmente, como já falamos, o matrimônio entra nesse contexto como um
grande pilar de acumulação de capital econômico. Além desses meios, só o serviço ao
rei oferecia de forma “progressivamente mais apertada” uma ascensão. Nesse sentido, o
autor conclui que a monarquia se apresentava como o “regulador fundamental” no
acesso aos mais variados graus de nobreza.171
Para os Pinto da França e os Garcez de Madureira, assim como para tantos
outros indivíduos, a América Portuguesa representava uma oportunidade de alcançar
novos objetivos atrelados à ascensão social. Para Santos, era por essas razões que a
progressão de carreiras e a obtenção de cargos e mercês ocupavam parte considerável
dessa correspondência transatlântica, juntamente com os “pedidos de toda espécie que
choviam do Porto e de Penafiel, apresentados por parentes, vizinhos e amigos, desejosos
de uma palavra junto dos ministros reais, que lhes satisfizessem as pretensões”.172
Em 21 de fevereiro de 1813, Luís Paulino restabeleceu a comunicação com o seu
sogro, José Cardoso Garcez. As cartas, escritas no Rio de Janeiro, estão repletas de
histórias, notícias sobre a Corte Bragantina, e do seu empenho em angariar benefícios e
honrarias para si e sua família. Um dos primeiros assuntos sobre o qual Luís Paulino
escreveu ao sogro, e que no decorrer de varias correspondências serão abordados por
muitos familiares, diz respeito ao caso de Antônio Feliciano Gomes da Silva Carneiro,
considerado por Luís Paulino como tio, já que era irmão da sua sogra e, portanto, tio de
Maria Bárbara. Antônio Feliciano recebeu o convite para assumir o cargo de
Desembargador da Casa de Agravos na Corte, no Rio de Janeiro, no entanto, num
primeiro momento, ele recusou o convite, alegando que teria que se mudar de cidade, se
afastar dos familiares e de suas terras na Bahia.
170
Ibidem. p. 29. 171
MONTEIRO. op. cit. p. 10. 172
SANTOS. op. cit. p. 255.
76
Sobre o primeiro posicionamento de Antônio Feliciano, Luís Paulino escreveu
ao sogro:
O tio Antônio Feliciano fez, com a sua demora, a sua desgraça e de
todos os seus. Eu acabo agora de lhe escrever para que largue “boticas
e redes” e venha já, já. (...) entretanto, eu vou prometendo que ele vem
e faço por ele os ofícios que devo.173
As promessas de que Antônio Feliciano iria assumir o cargo de Desembargador,
rendeu a Luís Paulino algumas situações embaraçosas. Um ano depois, esse caso ainda
estava sendo discutido. Maria Bárbara, em meados de 1814, escreveu ao pai sobre a
situação do tio:
Ora vamos falar sobre uma coisa em que V. S.ª me [têm] tocado, Luís
não trouxe para aqui nenhuns papéis de V. S.ª para requerer com eles.
Estão sem dúvida na mão do mano Antônio ou do tio. Este último fez
a sua desgraça e a de todos os seus, como eu já tenho muitas vezes
dito a V. S.ª. Se tivesse vindo, não me increpem de exagerativa, pelo
menos teria já um título de barão, tinha arrumado a todos como muito
e muito eles quisessem – pois assim vai o Mundo (...). De mais a mais,
com a sua indolência infernal, até a Luís fez mal, pois como o dito
assegurou uma e muitas vezes de que vinha, o senhor marquês se
agoniou a ponto que Luís foge de falar-lhe, por lhe não querer ouvir os
gritos. Forte, forte tontura, pois nada gastava, tinha a minha casa, tinha
pousagem de graça comigo. Era só apresentar-se e mesmo supondo
que gastava, perdia dez para ganhar mil....174
No mesmo mês, Luís Paulino escreveu ao sogro sobre Antônio Feliciano não
mais chamando-o como “tio”, adicionou o “senhor” na frente do nome:
Além disto, devo dizer a V. S.ª que o senhor Antônio Feliciano não só
se quis perder mas empatou as vazas a todos os seus. Eu, para o
defender e salvar, fiquei comprometido com o primeiro-ministro, o
qual me estimava muito e me fazia sempre as maiores distinções.
Hoje, porém eu até fujo de encontrar-me com ele, porque o enganei
muitas e muitas vezes, segurando-lhe que o senhor Antônio Feliciano
vinha. E era ele tão seu amigo e tinha pelo dito senhor tal cegueira
que, se ele vem, decerto estaria onde quisesse (...). Todos os mais
estariam arranjados, com admiração geral, mas que quer V.S.ª? Podia
eu pegar nele às costas?.175
173
Carta nº 18 (Luís Paulino a José Garcez – 21 de fevereiro de 1813). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 91 – 92. 174
Carta nº 23 (Maria Bárbara a seus pais – maio-junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821.
p. 104 – 105. 175
Carta nº 25 (Luís Paulino a José Cardoso Garcez – 27 de junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p.110.
77
Nessas cartas, podemos perceber o jogo de influências que fazia parte da
vivência na corte. O convite que Antônio Feliciano recusou não iria beneficiá-lo
sozinho. Pela ótica da sua família, todos os demais iriam “ganhar” com essa nomeação,
haja vista o desespero expresso nas cartas dos seus sobrinhos, Maria Bárbara, Antônio
Garcez, Feliciano Garcez e, também, ou principalmente, Luiz Paulino. Afinal, seus
familiares viam nesse cargo a possibilidade de mais uma fonte de benefícios que lhes
garantiriam uma maior influência e status naquele período.
Essa recusa do tio de Maria Bárbara influenciou também nos trâmites que Luís
Paulino estava fazendo na corte para beneficiar os demais parentes. Por conta do
aparente desinteresse de Antônio Feliciano pelo cargo de Desembargador, Luís Paulino
encontrava-se impedido de conversar com D. João VI a respeito do cunhado Antônio
Garcez. Sobre o ocorrido, Luís Paulino escreveu ao cunhado, Feliciano Garcez:
Eu ando esperando uma ocasião boa para poder também falar bem ao
príncipe a respeito dele e não hei de deixar de ter essa ocasião, que hei
de saber aproveitar, pois como eu para mim nada peço (...) posso falar
francamente a favor dos outros. E muito teria feito, mas o teu tio me
calou a boca e porque se quis perder para sempre, deu um golpe fatal
no adiantamento do Antônio e na fortuna de todos os seus.176
Outro assunto, bastante comentado nas correspondências trocadas entre os
familiares, diz respeito à situação do primogênito da família Garcez, José Garcez, amigo
íntimo e cunhado de Luís Paulino. Como já citado, José Garcez integrou à Legião
Portuguesa e, com a derrota de Napoleão, teve que regressar a Portugal no final do ano
de 1814, onde foi visto por muitos de seus “companheiros” como “traidor” e
“afrancesado.”177
Por conta da sua participação no exército francês, tornou-se inviável o
reconhecimento da Hierarquia Militar Portuguesa em conceder-lhe os postos de coronel
e chefe de esquadrão, continuando, portanto, a exercer o posto de alferes. Dos irmãos da
família Garcez, José Garcez foi o único que não veio para o Brasil. É interessante
observamos também que a adesão deste em nada alterou o seu relacionamento com o
seu cunhado, seu sobrinho, Bento da França, e seus irmãos. Ao contrário, veremos uma
série de tentativas que visavam a reintegração de José Garcez ao exército português. A
carta a seguir de Antônio Garcez ao seu irmão, sugere a insistência dessas tentativas:
176
Carta nº 24 (Luís Paulino a Feliciano Garcez – 12 de junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 107. 177
FRANÇA e CARDOSO. op. cit. p. 25-30.
78
De maneira que nada posso dizer sobre a sua sorte, senão que tenha
resignação, que se enfade e que espere pois que Sua Majestade um dia
o empregará. Continue, meu irmão, a ser honrado e a amar, como ama
ao mesmo senhor a quem tanto devemos, que ele o despachará
segundo o seu merecimento que todos reconhecem.178
Luís Paulino também estava empenhado em intermediar a situação de José
Garcez perante o rei. Inúmeras cartas comprovam a sua preocupação, mas também a sua
cautela por saber que se tratava de assunto delicado, sobre o qual não poderia falar a
qualquer momento, mas sim na hora propícia. Em maio de 1818, escreveu ao cunhado:
Sobre arranjar emprego para ti, meu José, acredita-me, ainda não
chegou o tempo e a ocasião de se dever falar a tal respeito, ocasião
que eu saberia aproveitar, mas o tempo, e às vezes novas
circunstâncias, são a cura de longos males. Deixa, pois, que a ocasião
se proporcione e entretanto vive guiado pela reta razão, tranquilizado
pela intima convicção de que foste sempre um homem de bem e
espera o prêmio do teu honrado caráter.179
Em junho de 1819, Luís Paulino escreveu ao cunhado José Garcez, mais uma
vez, falando sobre a dificuldade que ainda tinha de conseguir um posto maior para ele.
O comandante ressaltou a inoportuna participação do cunhado na Legião Portuguesa de
Napoleão Bonaparte:
Sobre a tua pretensão a coronel agregado de milícias, eu tenho dito
quanto baste para conheceres a sua dificuldade que toca quase a
impossibilidade. (...) agora falarei também em relação às tuas
circunstâncias. Repetidamente tenho falado ao marquês de Loulé, teu
amigo certamente, a respeito das tuas pretensões e sobre as tuas atuais
circunstâncias, o qual o marquês, estando no coração da Corte e tão
perto d’El-Rei, pode justamente fazer juízo dos sentimentos do mesmo
augusto senhor e do estado e opinião daquela. (...) é preciso dizer o
que foste e o que és. Aí, vem a necessidade de falar na história da ida
para a França, que ainda se não pode olhar bem, ao menos nunca
como meritória. Esta mesma ponderação, tão sabiamente feita por que
conhece as coisas, me suspendeu até de falar ou requerer-te um hábito
de Cristo cujas mercês, neste ministério, têm ido quase à devida
dificuldade, sendo necessário para a graça fazer alguma alegação.180
178
Carta nº 29. (Antônio Garcez a José Garcez. 7 de dezembro de 1817). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p.124. 179
Carta nº 35. (Luís Paulino a José Garcez. 16 de maio de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821.
p. 142 – 145. 180
Carta nº 46. (Luís Paulino a José Garcez. 23 de junho de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 179.
79
A situação de José Garcez se arrastava por muito tempo. Assim como ele,
muitos participaram da Legião portuguesa que acompanhou Napoleão Bonaparte e, por
conta disso, para o Rei de Portugal todos esses ficaram em suspensão e era–lhes
recusada a integração no exército português. Antônio Garcez escreveu a José Garcez em
outubro de 1819:
Quanto ao seu emprego, estamos todos os dias esperando que chegue
a sua patente, para se tratar de coisa mais interessante. O Marquês é
desta opinião. Como não pode demorar-se a remessa, à vista da carta
que tive da Maria Urbana, da qual lhe enviei cópia.181
Essa patente a que Antônio Garcez se referia, dizia respeito a uma solicitação
que o mesmo fizera a D. Maria Urbana de Lima Barreto, viúva do barão de Beaumont.
Tratava-se de um certificado das autoridades francesas que atestava que Luís XVIII
convidou José Garcez, após a queda de Napoleão, a permanecer no Exército Real.182
Houve também uma intervenção de Luís Paulino em favor do cunhado
Feliciano. Alegre e satisfeito, o comandante escreveu uma longa carta relatando ao
sogro como foram os trâmites para conseguir um importante cargo:
Agora cumpre-me dizer que estou cheio de satisfação por ter podido
segurar a felicidade do nosso Feliciano. Para vencer isto é que eu aqui
me pus verdadeiramente em campo, pois os contrários revolveram a
corte toda, ofereciam-se aos trinta e quarenta mil cruzados. Enfim, até
empenharam com o senhor infante e com o senhor príncipe da beira, o
qual mandou chamar o arcebispo para lhe dizer quem queria que ele
nomeasse. Apenas o arcebispo lhe disse que faria o que Sua Alteza
mandasse, mas que já tinha dado sua palavra e nomeado um cunhado
de Luís Paulino, no mesmo instante aquele adorável príncipe lhe
respondeu: “Está bom, está bom, já não tenho empenho por outro.” Eu
fui beijar a mão a Sua Alteza Real, admirável senhor. É uma joia que
há-de fazer as delícias dos seus vassalos.183
Os esforços descritos por Luís Paulino visavam a nomeação do seu cunhado
Feliciano Garcez para o cargo de Secretário do arcebispo da Bahia, cargo que veio a
desempenhar durante vários anos. Segundo Luís Paulino, entre 6 a 8 anos, seu cunhado
181
Carta nº 52. (Antônio Garcez a José Garcez. 9 de outubro de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 201-202. 182
Ibidem. p. 201. 183
Carta nº 25. (Luís Paulino a José Cardoso Garcez. 27 de junho de 1814). In: Cartas luso-brasileiras
1807-1821. p. 111.
80
já poderia ter juntado o valor de “mil cruzados”, pois o cargo que estava se oferecendo
era pela “porta direita.”184
Por fim, queremos destacar mais um fato presente nas correspondências que é
pertinente analisar. Trata-se das intrigas envolvendo os familiares. Para Clemente e
Santos, enquanto Luís Paulino narrava orgulhosamente sobre as graças e mercês que
tinha recebido ao longo da sua trajetória na Corte, seus cunhados, irmãos de Maria
Bárbara ‒ se não todos, pelo menos a maioria ‒, olhavam-no como um “megalómano,
vaidoso e dissipador”, prestes a arruinar-se levando consigo a família.
Em mais uma correspondência, Antão Garcez descreve a pessoa de Luís Paulino,
comentando sobre seu comportamento e suas atitudes. “Eu sou seu amigo, porém tenho
o mesmo gênio que daí trouxe e não mudo para brasileiro”, era explícito que Antão
Garcez nunca deu “mostras de gostar do Brasil”, encontrava-se ali para “fazer a sua
fortuna” e ir para os seus. Segundo Antão, “parece que todos, quando chegam a este
país, logo se fazem da mesma raça. Isto, sinceramente, nada é, nada vale e os céus me
levem quando nos prometeram, aliás, irei de algum modo”.
Antônio Garcez era outro que não via o cunhado com bons olhos. Luís Paulino e
Maria Bárbara quando viajavam para a Bahia juntamente com sua filha, ainda pequena,
Maria Sabina, o brigue em que estavam havia sofrido um naufrágio, segundo a
documentação, por pouco não perderam suas vidas naquele acidente. De maneira
irônica, Antônio Garcez relatou ao irmão mais velho sobre o ocorrido:
E veja mais a bela notícia que também neste mês recebi! Saiu daqui a
19 de agosto, para a Bahia, com toda a família, em ocasião de boa
monção, em que se pode chegar com 5 ou 6 dias de viagem. Porém
não quis assim a sorte. Meteu-se num brigue inglês, a fim de evitar
algum insulto dos corsários. Fretou-o por sua conta e, à moda do seu
gênio, saiu com a mana bem doente. Foi tal a infelicidade que, ao fim
de 17 dias, na barra falsa da Bahia, deu à costa ás 5 da manhã, ainda
com pouca luz.
(...) porém, forme idéia de duas pobres senhoras, com a morte à vista,
no estado que estariam, até mesmo quando foram postas no meio da
areia, ao pé duma ilha quase de gente, como ou pior que corsários.
Enfim, não se pode imaginar tal aflição até ao momento em que lhes
acudiram. (...) O que puderam salvar estava destruído, quase tudo.
Vejo a nossa pobre irmã e família o que sofreram! E para quê, meu
irmão!
Todos os dias lhe vejo menos “arranjo” ao nosso cunhado. Tudo é
fartura, tudo são honras e, enfim, nada me importaria, mas é casado
com uma irmã a quem amo. Ele está cada vez mais insuportável. (...)
também lhe asseguro que não posso ser seu inimigo, apesar de termos
184
Ibidem. p. 111.
81
tido pequenos contras. (...) conheço-me e conheço-o. Agora é feito
outro e sei que é filho da Bahia...185
As correspondências estão repletas de situações que demonstram laços
familiares estreitos. Nesse contexto, podemos perceber o esforço dos parentes mais bem
posicionados junto ao Rei para viabilizar cargos e melhores oportunidades. Contudo,
esses intentos não podem silenciar algumas pequenas intrigas envolvendo os Pinto da
França e os Garcez, que ficam explicitados em algumas cartas, principalmente entre
Luís Paulino e seus cunhados.
Graças alcançadas também são encontrados no corpo das missivas dos Garcez e
Pinto da França. Nos deteremos em alguns privilégios recebidos pelos familiares que
julgamos importante destacar. Além de mercês e títulos, o mesmo foi agraciado por
Dom João VI com a autorização para criar uma feira nos arredores do Engenho
Aramaré. Em 1819, Luís Paulino fez um requerimento ao rei, pedindo autorização para
a instalação de uma feira no quarto dia da semana em sua propriedade, solicitação que
lhe foi atendida.
Desta pequena feira, nasceu o núcleo de uma nova vila, hoje município de Terra
Nova, localizado a 82 quilômetros de Salvador. Apesar de não termos informações
precisas sobre o tamanho e a proporção que essa feira alcançou na região, sabemos que
pela sua localização ‒ próxima à vila de Santo Amaro da Purificação (14 léguas) e
situada no centro de duas estradas ‒, “com grandes terras, mui extensos e
abundantíssimos pastos e águas saudáveis, além das do rio Pojuca”, essa feira serviu
para a troca de pequenas mercadorias e também de gados provenientes do sertão. Isso
significou possivelmente um bom avanço para a região, já que as feiras mais próximas
localizavam-se a uma distância considerável.186
Vejamos trechos do decreto:
(...) ao que tendo consideração e as grandes vantagens que devem
resultar de semelhante estabelecimento ao aumento e prosperidade do
comércio externo daquela capitania e ao novo impulso que com o seu
aumento deve consequentemente receber a agricultura, que muito
desejo promover, como o primeiro manancial de riquezas: Hei por
bem que no sobredito engenho Aramaré possa o suplicante estabelecer
uma feira no quarto dia de cada semana, segundo plano, que com este
baixa assinado por Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, do meu
185
Carta nº 51. (Luís Paulino a José Garcez. 8 de outubro de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 198-199. 186
FRANÇA e MONTEIRO. op. cit. p.162.
82
conselheiro ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino,
que fará parte deste decreto, como condições, a que se obriga o
suplicante, para poder haver os benefícios pessoais que lhe podem
provir, e nele se acham declarados. A mesa do Desembargo do Paço o
tem assim entendido e faça executar com os despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro, 9 de agosto de 1819.
Com a rubrica de El Rei nosso senhor.187
Analisando este decreto, podemos perceber que a instalação da referida feira nas
proximidades do engenho de Aramaré, que acontecia nas quartas-feiras, configurava-se
como um empreendimento de bastante relevância para economia da região, visto que as
feiras mais próximas, como a de Capuame, localizavam-se um pouco distante,
atendendo melhor à região dos “sertões de beira-mar”; e a de Sant’Ana dos Olhos
d’Água era considerada “irregular”, “impraticável nas estações invernosas e também
nas secas” e contrariava os “interesses fiscais”, já que havia estradas alternativas, a
principal chamada de estrada das Boiadas. Além disso, a falta de pastos adequados
contribuía para “infecção dos gados conduzidos de 200 e mais léguas, e a
impossibilidade em que se acham os proprietários e lavradores de darem extração aos
seus gêneros.”188
Todos esses contratempos corroboraram, sem dúvida, para que o pedido de Luís
Paulino fosse atendido. Em outras palavras, a graça alcançada acabava agradando tanto
às autoridades régias quanto a Luís Paulino e seus familiares. Contudo, é importante
destacar que os serviços prestados e a lealdade à monarquia foram essenciais para
influenciar a decisão do Palácio Real em favor do Tenente-comandante.
Sobre o estabelecimento e o decreto do rei, Luís Paulino escreveu entusiasmado
aos cunhados Feliciano Garcez e José Garcez em 1818:
Dou-te parte que tenho a honra de pedir a permissão para um
estabelecimento em Aramaré de maior vantagem para a minha casa, e
sobre o muito que tratei com o Henrique, El-Rei nosso senhor, sem
mandar proceder a ouvidoria ou informações algumas, decididamente
determinou fazer quanto o eu pedia e se passou logo o real decreto
para se expedirem todas as ordens. Ora esta graça é grande em si e que
outras semelhantes têm sido vãmente pedidas.189
(...)
Vamos sempre suspirando ao sublime. Esta graça foi para mim um
novo testemunho da nunca assaz confessada magnanimidade e
187
Ibidem. p.163. 188
Ibidem. p. 162. 189
Carta nº 38. (Luís Paulino a Henrique Garcez. 2 de julho de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821., p. 152.
83
paternal bondade com que o mesmo augusto senhor me trata em
honra, pois, além de ser a primeira graça desta natureza que fez no
Brasil, apenas eu tive a honra de lhe falar nisto mo concedeu
regiamente e com toda a amplitude, sem mandar ouvir o governador e
as câmaras da Bahia e da vila de Santo Amaro da Purificação, como
eu mesmo esperava.190
Outro ponto que merece ser ressaltado diz respeito ao processo burocrático, que
não seguiu os trâmites habituais de passar pelo crivo do governador e das câmaras da
Bahia. É notório, através desse relato, como Luís Paulino encontrava-se ligado ao rei e
que, por conta disso, se tornava difícil solicitar sua saída da corte, mesmo que por pouco
tempo:
Não posso ter esperanças por ora de ver-me em sossego em alguma de
minhas casas. El-Rei Nosso Senhor cada dia me dá mais provas de sua
magnânima e paternal bondade e parece querer-me aqui. Como hei de
eu, pois, fazer a Sua Majestade o mais pequeno requerimento para ir
para fora?191
Luís Paulino não poderia imaginar que, juntamente com o decreto permitindo a
criação de uma feira semanal, ele finalmente recebia a autorização para visitar sua
família na Bahia e era, simultaneamente, nomeado pelo rei para Inspetor-geral da
cavalaria daquela província.
Remeto-te as cópias dos dois decretos do meu despacho (nomeação).
Nada me podia ser mais vantajoso. Sim, com as circunstâncias que já
te disse: bem vês como dentro em pouco tempo posso ter a minha
casa, não só arranjada e desembaraçada de tudo, mas também muito
aumentada. De quantos despachos eu poderia desejar, nenhum igual a
este. Vou para uma das grandes e boas cidades do mundo. Vou fazer
ali a primeira figura, depois do governador de que nenhuma
dependência tem o meu emprego, que responde diretamente à
Secretaria de Estado. Vou tratar da minha casa, susceptível dos
maiores engrandecimentos. Nestes termos, fazendo segura a felicidade
dos meus filhos, dando honra e lustre à minha família e aos meus, por
estes quatro anos – este é todo o meu projeto – ou voltarei para a corte
ou me verás nessa terra.192
190
Carta nº 40. (Luís Paulino a José Garcez. julho ou agosto de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 158. 191
Carta nº 38. (Luís Paulino a Feliciano Garcez. 2 de julho de 1818). In: Cartas luso-brasileiras 1807-
1821. p. 152. 192
Carta nº 46. (Luís Paulino a José Garcez. 23 de junho de 1819). In: Cartas luso-brasileiras 1807-1821.
p. 177 - 178.
84
Mesmo tendo a incumbência de num primeiro momento providenciar as
instalações necessárias para a organização da feira semanal, Luís Paulino acreditava que
esse empreendimento foi uma grande graça alcançada. De acordo com a documentação,
juntamente com a montagem da feira e sua transferência para a Bahia ‒ agora como
Inspetor-geral da cavalaria ‒, Luís Paulino já imaginava as vantagens que viria obter
como, por exemplo, responder diretamente à Secretaria de Estado, e ser uma das figuras
mais influentes da vila de Santo Amaro e arredores. Nessa posição, Luís Paulino
vislumbrava engrandecer o nome da sua família, cuidando dos seus bens e intercedendo
pelos seus.
Devemos enfatizar que se por um lado a família Pinto da França, liderada por
Luís Paulino, conseguia ascender em status, com recebimento de mercês e honrarias,
por outro, os parentes da sua esposa, os Garcez, relatavam as dificuldades econômicas
enfrentadas em Portugal:
Vamos agora, meu caro irmão, à nossa vida de casa (...) logo que
cheguei à Bahia, com ambos expus o estado de tudo. Mostrei as cartas
que da nossa mãe havia recebido e o estado em que se achava a casa.
Enfim, que decidissem de sim ou não, para se tratar da vida. Feliciano
diz que a sua vontade era ajudar, o que eu creio, porém que não está
em estado de poder despender. Henrique é verdade que tem uma boa
casa. Ele passa grandemente e é liberalíssimo e bom irmão, mas viu
no conhecimento que em Portugal, ao presente, não querem o que já
se lhe propôs. Mano Antônio padece fama de quem tem, porém nada
se abre comigo nesse ponto. Só me diz ou dá entenderes de que não
tem e que lhe devem um ano de soldo. (...) Luís Paulino, como conto à
mãe, a ele deve o ter que comer pois gasta muito e o seu soldo nada é
para o que gasta.193
Na troca de correspondências, era discutida a possibilidade de Luis Paulino
vender suas terras. Uma das quintas da família em Penafiel foi cogitada, mas o acordo
acabou não sendo concretizado pela falta de unanimidade sobre o assunto. Anos mais
tarde, a família, em nome de Antão Garcez, iria receber o título de Barão da Várzea do
Douro.
Os Garcez não se encontravam numa situação financeira favorável. Após a
morte do pai, José Cardoso Garcez, quem se tornou o “provedor” da família e
administrador da casa foi o seu primogênito, José Garcez. Se a situação não estava boa
no Brasil, lugar em que se encontrava metade da família dos Garcez, em Portugal, onde
193
Carta nº 31. (Antão Garcez a José Garcez. São Cristóvão - 13 de janeiro de 1818). In: Cartas luso-
brasileiras 1807-1821. p. 130 - 131.
85
estavam à matriarca, as duas filhas solteiras e o próprio José Garcez, não era diferente,
sobretudo, depois da sua infeliz participação no exército de Napoleão Bonaparte.
Como na corte do rei Luís XVI na França, analisada pelo sociólogo Norbert
Elias, também entre os nobres e aspirantes a nobres portugueses, predominava a busca
por prestígio e honrarias, com a finalidade de manter o status social. Essa era a meta de
muitos indivíduos, ainda mais e se estes estivessem inseridos na corte, pois, como
afirma Elias:
alguém que não pode mostrar-se de acordo com o seu nível perde o
respeito da sociedade. Permanece atrás de seus concorrentes numa
disputa incessante por status e prestígio, correndo o risco de ficar
arruinado e ter de abandonar a esfera de convivência do grupo de
pessoas de seu nível e status.194
Pudemos, ao longo dessas análises, compreender como foi a trajetória de Luís
Paulino, a sua ascensão social a cada nova função que assumia e como, por conta da sua
trajetória e devoção ao rei de Portugal, seus familiares foram beneficiados com cargos e
títulos. Conseguimos observar, também, um pouco do seu percurso pela Corte do Rio de
Janeiro e compreender detalhes da vida da nobreza e dos súditos reais.
No terceiro capítulo, iremos nos deter na análise da trajetória política de Luís
Paulino nas Cortes de Lisboa entre os anos de 1821 e 1822. Compreender seu
posicionamento e embates políticos, seus discursos nas atas da Câmara e analisar a
atuação de Maria Bárbara no engenho da família no Recôncavo da Bahia serão alguns
dos assuntos abordados.
194
MERLO. Patrícia M. S. VIANA JÚNIOR, Fernando Santa Clara: História, sensibilidades e lugares de
poder na corte francesa dos séculos XVII-XVIII. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá, vol. 1, n. 2, jul-dez,
2014. p. 217.
86
CAPÍTULO 3. A VIDA POLÍTICA DE LUÍS PAULINO: DE DEPUTADO ÀS
CORTES A EMISSÁRIO DE D. JOÃO VI.
As províncias do Brasil, não querem representar como confederação;
o que querem é, formar um Reino Unido. O poderoso Reino do Brasil
unido com Portugal quer sempre compor o nosso Reino, cuja
legislação há de ser feita neste Soberano Congresso, cujo poder
executivo há de estar nas mãos do Sr. D. João VI., e cujo poder
judicial em última instância ha de estar n'um tribunal superior: em
fim o que quer o Brasil é o que quer Portugal; se houver alguma
disparidade seria na expressão, mas não no sentimento.195
Luis Paulino 31 de janeiro de 1822.
3.1 A REVOLUÇÃO DO PORTO, A CONVOCAÇÃO DAS CORTES GERAIS E
AS ELEIÇÕES DE 1821: ALGUNS ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS.
Como já mencionamos no primeiro capítulo, o início do século XIX foi marcado
pela política expansionista de Napoleão Bonaparte que, através do Bloqueio
Continental, restringiu o acesso de navios ingleses aos principais portos europeus.
Portugal - que de início manteve-se neutro na disputa econômica e militar entre as duas
grandes potências europeias, França e a Inglaterra - tendo os seus negócios
prejudicados, decidiu-se pela transferência da Corte Portuguesa para a América, com o
intuito de manter-se independente e continuar suas relações comerciais com a Inglaterra.
Portugal se encontrava decadente e desfigurado pelas guerras durante a invasão
francesa. A transferência da família real e as transformações que culminaram com o
crescimento do Brasil e a sua elevação à categoria de Reino Unido ‒ consequências da
abertura dos portos em 1808 ‒ provocaram insatisfações políticas de ambos os lados do
Atlântico.De acordo com Slemian, a “violência e a radicalidade” de episódios como a
Revolução Pernambucana e o levante militar arquitetado por Gomes Freire de Andrade,
em Portugal, ocorridos no ano de 1817, comprovam o grau de instabilidade interna que
existia no Império português.196
Insatisfeitos com o governo lusitano, revoltosos como
Gomes Freire de Andrade e Domingos José Martins lideraram levantes que buscavam
contestar as contradições da ideologia do governo monárquico. Em ambos os casos, a
195
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 31 de janeiro
de 1822. Disponível em: Acesso em: 01 de maio de 2016. p. 0063. 196
SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil
(1822-1834). Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.
87
ação rápida e violenta do governo português para reprimir esses movimentos obteve
êxito.
Nesse contexto, Costa destaca a eclosão da Revolução Liberal na Espanha, em
janeiro de 1820, quando os conselheiros de D. João VI alertaram-no para que se
apressasse em decretar medidas que viessem a reforçar as que já tinham sido decretadas,
bem como beneficiar o comércio português, com o intuito de evitar que a revolução se
difundisse em Portugal.197
No entanto, tais medidas não foram suficientes para deter o
movimento revolucionário. Sendo assim, em 24 de agosto de 1820, a Revolução Liberal
irrompia na cidade do Porto. As Cortes Constituintes foram formadas, exigindo que
fosse promulgada a Constituição nos mesmos moldes da Constituição espanhola, e os
portugueses solicitavam a volta imediata de D. João a Portugal.198
Em pouco tempo a Revolução do Porto chegou ao Brasil, onde “portugueses e
brasileiros, comerciantes e fazendeiros, funcionários da Coroa e militares” foram
aderindo ao movimento e cada um, pelos mais variados motivos. Segundo Costa, os
motivos que foram elencados por esses grupos não mostravam suas aparentes
contradições, mas comerciante e militares portugueses apoiavam a revolução na
esperança de que o pacto colonial fosse restabelecido.
Por outro lado, fazendeiros, comerciantes e funcionários da Coroa radicados no
Brasil, nativos e portugueses, compartilhavam interesses que os induziam a se
identificar com a causa brasileira. Esse grupo queria encontrar na revolução uma
“conquista liberal que poria por terra o absolutismo, os monopólios e os privilégios que
ainda sobreviviam”. Acreditavam ainda que com a implantação de um governo
constitucional haveria oportunidade de representarem nas Cortes os interesses da
colônia, bem como consolidar as regalias que outrora tinham sido conquistadas em 1808
e melhoradas em 1815, com a elevação do Brasil a Reino Unido199
. Analisando as
intenções dos grupos que acabamos de citar, Costa afirma que as contradições entre os
seus interesses permaneceriam implícitas, mas que em pouco tempo poderiam se
manifestar.
De acordo com Siquara, a Revolução Liberal e Constitucional do Porto
configurou-se como um meio viável na tentativa de superar alguns problemas
197
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Brasiliense,
1994. p. 42. 198
Ibidem. p. 42. 199
Ibidem. p. 42.
88
enfrentados pela sociedade lusitana visando restabelecer o vasto império colonial
português. Esse movimento foi bem recebido pelos portugueses instalados no Brasil e
foi visto como o início de um período marcado por uma nova configuração política
baseada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade entre Portugal e Brasil.200
Em várias capitanias do reino foram iniciadas discussões sobre como se portar
diante dos novos acontecimentos do outro lado do Atlântico. Siquara ressalta que logo
no início o governo do Rio de Janeiro não deu muito crédito ao movimento
revolucionário do Porto, entendendo que após a euforia inicial os líderes desse levante
admitiriam o erro e voltariam “a implorar perdão” ao monarca.201
Em 15 de setembro de
1820 formou-se na cidade do Porto uma Junta Provisória de Governo Liberal. Segundo
Siquara, a Bahia mostrou ser um dos locais mais propícios para a discussão e
desenvolvimento dos pensamentos liberais que estavam sendo debatidos em Portugal.202
Ubiratan Castro de Araújo revelou que em 30 de novembro de 1820 as notícias
sobre a Revolução em Portugal chegaram à Bahia e se espalharam com muita rapidez.
Vários grupos, como negociantes, magistrados e militares, estavam dispostos a
implementar reformas e seguir os ideais dos revoltosos de Portugal.203
Nesse contexto,
ao longo dos meses, foram constituídas várias Juntas Governativas Provisórias no
Brasil. Em 20 de fevereiro de 1821, diante da ambiguidade de D. João VI e da sua
“relutância” em atender aos pedidos das Cortes Lisboetas, houve um pronunciamento
militar acompanhado de manifestações de rua no Rio de Janeiro, que culminou em um
compromisso assumido por D. João VI de “aceitar e fazer cumprir” a Constituição que
as Cortes votariam.204
Pressionado para jurar uma Constituição ainda inexistente, D. João VI às
“pressas” procurou baixar um decreto pelo qual as Câmaras de todo o país fossem
obrigadas a proceder a igual juramento. Nessa mesma ocasião, deram-se as instruções
para a eleição dos deputados brasileiros que deveriam representar suas províncias nas
Cortes Constituintes de Lisboa.205
200
SILVA, Marcelo Renato Siquara. Independência ou morte em Salvador: O cotidiano da capital da
Bahia no contexto do processo de independência brasileiro (1821 – 1823). Dissertação (Mestrado em
História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal da Bahia, 2012. p. 14. 201
Ibidem. p. 15. 202
Ibidem. p. 15. 203
ARAÚJO, Ubiratan Castro de. A guerra da Bahia. Salvador: CEAO, 2001, p. 11. 204
COSTA. op. cit, p. 43. 205
Ibidem. 43.
89
O resultado desses acontecimentos, a muito “contragosto” de D. João, foi seu
regresso para Portugal, partindo assim, no dia 25 de abril de 1821 e deixando em seu
lugar o filho Pedro como regente. É interessante ressaltarmos que, antes mesmo que os
deputados que foram eleitos chegassem a Portugal, as Cortes já tinham decidido sobre a
transferência do “Desembargo do Paço, a Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho da
Fazenda, a Junta de Comércio, a Casa de Suplicação e outras repartições instaladas no
país por D. João VI”. Segundo Costa, essas decisões que foram tomadas pelas Cortes
Lisboetas repercutiram de forma negativa, como uma “declaração de guerra”. Para a
autora ficava evidente que os deputados brasileiros ─ um total de 75, dos quais somente
50 compareceram ─ nada poderiam fazer em defesa dos interesses do Brasil.206
Slemian ressalta que em Portugal, mantinha-se a expectativa em relação à
aceitação do movimento na América, por entender que seria um campo fértil. Desse
modo, de forma bem simplória, fazemos um apanhado das províncias que aderiam ao
movimento constitucional. A primeira província que aderiu ao movimento
constitucional foi a do Pará em 1º de janeiro de 1821, com a formação de uma “Junta
Provisória em Belém aos moldes daquelas eleitas na Península e a adoção provisória da
Constituição espanhola”. Em 10 de fevereiro a Bahia também tinha aderido ao
movimento, uma atitude, que de acordo com a autora, teria impulsionado todo o norte e
nordeste a também.207
Segundo a autora
o governo de D. João VI recebia um duro golpe, e viu-se constrangido
a ceder diante da resposta que esses acontecimentos suscitaram no Rio
de Janeiro. Lá, na madrugada do dia 26 de fevereiro, uma grande
agitação das tropas, comerciantes e pequenos proprietários no Largo
do Rocio exigiu a submissão do monarca às Cortes, a eleição dos
representantes fluminenses para as mesmas, a nomeação de um novo
ministério e a partida imediata da Família Real para Lisboa. Cedendo
às pressões, o monarca jurou colocar o texto de Cádiz enquanto uma
Constituição portuguesa não estivesse pronta.208
As províncias de Pernambuco, Maranhão e Alagoas aderiram em março, abril e
junho respectivamente. Em agosto foi a província de Goiás quem aderiu, seguido do
Espirito Santo em setembro. Piauí em outubro e Santa Catarina e Ceará em novembro.
206
Ibidem. p. 45. 207
SMELIAN. op. cit. p. 65. 208
Ibidem. p. 65.
90
Por fim, a província de São José do Rio Nero que só aderiu ao movimento em janeiro de
1822.
Slemian destaca que como as adesões na América foram se ampliando, Juntas de
Governo foram eleitas nas várias capitais das Províncias entre os anos de 1821 e 1822,
que, “mesmo sem a prévia existência de uma regulamentação para seu governo,
colocaram-se submissas à nova Casa legislativa instalada em Lisboa.”209
Nesse sentido, duas “autoridades irreconciliáveis do ponto de vista das Cortes”
estavam instaladas no Brasil.
de um lado as Juntas, que passaram a representar um novo canal
de representação política dos interesses da Província; de outro, a
Corte bragantina que, com a volta do rei a Lisboa em abril,
ficara sob a Regência de D. Pedro sem nenhum regimento que
controlasse suas ações. Daí, surgiria um foco de tensão no
equacionamento dos poderes que o pacto constitucional em
construção teria de resolver.210
Em 10 de fevereiro de 1821, a Bahia foi palco da eclosão da Revolução
constitucional, após dois meses de conspiração quando, de acordo com Araújo,
“consolidou-se uma aliança entre radicais e brasileiros, sobreviventes da Revolução dos
Alfaiates de 1798, e radicais portugueses contra o governo do Conde da Palma, contra o
governo do Reino Unido do Brasil sediado no Rio de Janeiro e a favor da Revolução
constitucional do Porto.”211
A decisão por esse posicionamento transformou a cidade da
Bahia num espaço de confrontos opondo forças favoráveis a permanência da monarquia
de um lado e do outro, correligionários das ideias constitucionalistas que acabaram
vencendo a disputa. É importante ressaltar que, “apesar da participação da tropa
portuguesa no movimento, o único combate de rua foi travado entre tropas brasileiras” e
teve como mediador o marechal baiano, Luis Paulino d’Oliveira Pinto da França.
Com isso, instaurou-se um conselho que defendia os seguintes pontos:
1º Jurar obediência ao muito alto e poderoso rei o Sr. D. João VI e
adesão à sua Real Dinastia; conservar a Santa Religião;
2° Jurar a Constituição que fizerem as Cortes em Portugal e
interinamente a da Espanha, da mesma maneira que foi adotada em
Lisboa;
3° Que a Câmara proponha à aprovação da Tropa e do Povo das
pessoas que devem formar uma Junta Provisional, que haja de
209
Ibidem. p. 66. 210
Ibidem. p. 66. 211
ARAÚJO. op. cit, p. 12 e 13.
91
governar esta Província até que Sua Majestade tenha solenemente
jurado a mesma Constituição;
4° Que o Governo Provisional, logo depois de sua instalação, forme
um ato por si, em nome desta Província, de adesão ao Governo de
Portugal e à nova ordem ali estabelecida, o qual será remetido ao
mesmo Governo e a El Rei Nosso Senhor;
5° Que o Governo Provisional mandará logo proceder a nomeação de
Deputados da Província para se reunirem às Cortes de Portugal;
6° Que todos os Atos de Administração Pública continuarão como
dantes, em nome do Sr. rei D. João VI;
7° Que o dia de hoje seja de reconciliação geral entre os habitantes
desta Província, que por qualquer diferença de opinião política
estejam discordes até agora.212
Como aponta Siquara, à adoção do liberalismo constitucional na Bahia veio
acompanhada da reunião de elementos característicos do Antigo Regime como, por
exemplo, a fidelidade ao monarca D. João VI e seu reconhecimento como uma figura
fundamental da “unidade na nação portuguesa.”213
Para estabelecer o novo governo, eram necessários nomes que representassem
alguns setores da sociedade como: “clero, milícia, comércio, agricultura e cidade”.
Dessa forma, foram escolhidos o reverendo José Fernandes da Silva Freire, os tenentes-
coronéis Francisco de Paulo e Oliveira, Francisco José Pereira e Paulo José de Mello, os
desembargadores Luis Manoel de Moura Cabral e José Caetano de Paiva e o bacharel
Lino Coutinho.214
Enquanto na Bahia a formação da Junta Provisória de Governo se consolidava,
do outro lado do Atlântico, especificamente, em Lisboa e no Porto, líderes do
movimento vintista discutiam sobre as eleições para eleger os deputados que
participariam das Cortes Constituintes e, consequentemente, definiriam uma nova
constituição para o Reino Unido. As Cortes Constituintes, que tiveram origem ainda no
século XIII, discutiam assuntos relacionados a “leis, acordos, regimentos, decisões
tributárias, tratados, declarações de guerra e de paz, reformas gerais, protestos políticos
e questões de soberania nacional”.
212
Resolução adotada pelo Conselho Militar. Bahia: 10 de fevereiro de 1821. Apud. SILVA. p. 18 e 19. 213
SILVA. op. cit. 19. 214
Ibidem. p. 20.
92
Segundo Enok Edson Teixeira do Prado Filho, entre os anos de 1254 e 1495, as
Cortes haviam se reunido “mais de sessenta e seis vezes”.215
Observadas as atribuições
que lhes eram inerentes, as Cortes significavam assembleias representativas da nação.
Ainda de acordo com Prado Filho, as Cortes portuguesas nesse contexto exerciam o
papel de aconselhamento de monarcas além de “vigiar, o comportamento dos agentes
políticos e administrativos, propor leis, propor reformas e conceder impostos
especiais.”216
Voltando para o contexto dessas mudanças no Brasil, é importante destacar o
papel dos periódicos na circulação dessas ideias. Para compreendermos melhor o
cenário político da época em análise, utilizaremos o Semanário Cívico, jornal que
circulou na imprensa baiana entre os anos de 1821 a 1823. Esta fonte nos revela o
caloroso debate político que marcou o processo de Independência na Bahia. Vale
ressaltar que por muito tempo essa fonte foi considerada como um “periódico áulico”
por pesquisadores que utilizaram esse material, a partir de informações contidas em
jornais do Rio de Janeiro, sem um maior aprofundamento.
No entanto, Maria Beatriz Nizza da Silva, ao organizar e analisar os números
desse jornal, concluiu que a alcunha de “periódico áulico” não se aplicava ao referido
documento. Considerado o porta-voz dos liberais da Bahia, o Semanário Cívico, possuía
um discurso marcado por sentimentos constitucionais e o desejo pela liberdade de
imprensa, bem como pelo fim do absolutismo. Nesse sentido, Silva revela como em
alguns aspectos as aspirações dos liberais baianos se assemelhavam àquelas dos liberais
do centro-sul, divulgadas principalmente na imprensa do Rio de janeiro. Contudo, é
importante ressaltar os desejos divergentes entre esses dois grupos, principalmente em
relação ao entendimento do papel do governo de D. Pedro, das Cortes em Lisboa e do
futuro político no Brasil: “enquanto que para o grupo do Rio de Janeiro este Rei e
Parlamento deveriam ficar no Brasil e no Rio, (...) para os de Salvador, parecia ser mais
vantajoso que o Rei e o Parlamento se conservassem em Lisboa.”217
Torna-se importante salientar também algumas referências sobre o redator do
periódico. Joaquim José da Silva Maia era natural do Porto e se instalou na Bahia em
215
Prado Filho, Enock Edson Teixeira do. A trajetória política de Cipriano Barata na formação do
Estado Nacional brasileiro (1821-1835). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas - Universidade Federal da Bahia. 2015.p. 19. 216
Ibidem. p. 19. 217
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Semanário Cívico: Bahia, 1821-1823. Salvador: EDUFBA, 2008.
93
1796, especificamente em Cachoeira, “vila muito populosa e considerável”. Depois, em
1802 se instalou na cidade e em 1811 “se matriculou” na Real Junta do Comércio do
Rio de Janeiro.218
Ao longo das suas publicações, Maia deixou bem claro seu
posicionamento político. Sempre esclarecendo que defendia a união com Portugal,
salientou no período que “o Brasil, no seu estado atual, não pode subsistir sem aquela
união, do contrário precipitar-se-á na mais horrorosa anarquia”.219
Outra importante nuance do Semanário Cívico, destacada pela autora, refere-se
aos argumentos do seu redator e proprietário, Joaquim José da Silva Maia. Podemos
visualizar que esse periódico representava os interesses políticos e econômicos do grupo
conhecido como “comerciantes da Praia” que, após a Abertura dos Portos em 1808 e os
tratados comerciais com os ingleses em 1810, haviam sido bastante prejudicados. Razão
pela qual esse grupo reivindicava a volta das antigas relações comerciais com Lisboa e,
por isso, não causa estranhamento a tentativa de desqualificar o movimento da
Independência, estratégia também utilizada pelos jornais portugueses partidários a Corte
de Lisboa.
Iremos nos deter em analisar um aspecto desse periódico – o político. No
entanto, é pertinente salientar que existem informações que são bastantes importantes
para a compreensão do período em questão como, por exemplo, a situação econômica,
cultural e social da Bahia antes do movimento constitucional que, segundo Silva,
dificilmente encontraremos em outras documentações.
Para Silva, uma das finalidades do Semanário Cívico era a exposição dos novos
“princípios políticos” na tentativa de que os leitores pudessem entender qual o contexto
em que a sociedade estava para se inserir. O redator do periódico começou a tratar do
tema e em seu segundo número publicava o que ele caracterizou de “catecismo
político”, conceituando o que eram Cortes e classificando os três poderes que existiam
em um governo constitucional.
Sobre as Cortes publicou um esquema de perguntas e respostas:
P. - Que são Cortes?
R. - Um Congresso Nacional convocado por El-rei para promover o
bem e a felicidade da nação.
P. Por que se chamam Cortes?
R. Porque no seu princípio se compunham das pessoas principais que
formavam a Corte do rei.
P. – Quem entrou mais depois a compor as Cortes?
218
Ibidem. p.18. 219
Ibidem. p.19.
94
R. – As cidades e vilas privilegiadas a quem o rei concedia a graça, e
em seu nome os procuradores que as ditas cidades e vilas enviavam às
Cortes. E com o andar dos tempos estes procuradores foram os que
verdadeiramente constituíam as Cortes.
P. – As Cortes assim constituídas era uma verdadeira representação
nacional?
R. – Não, porque nem todos tinham parte nelas, e nem seus deputados
eram nomeados por todo o povo.220
Quais as pessoas que estariam “gabaritadas” para assumir esse cargo? Quem
teria esse prestígio? Eram as perguntas que circulavam nesse momento. Sobre essas
discussões poderemos nos deter no periódico baiano que se dedicou a tratar do tema.
Em fins de maio e início de junho de 1821, o redator do período se dedicou a
“preparar seus leitores” para o período do processo eleitoral. Silva constatou que
existiram algumas fases a serem realizadas até, de fato, a eleição dos deputados
acontecerem. A primeira fase está relacionada à escolha dos compromissários pelos
eleitores de paróquia:
As qualidades que devemos procurar nos compromissários são juízo
reto, conhecimento das pessoas da respectiva freguesia, e decidido
amor à causa da Constituição. Estas qualidades podem encontrar-se no
preto, no branco, no rico, no pobre, no nobre e no mecânico (...)
Fazemos esta advertência porque pode ser que pessoas mal
intencionadas procurem, com pérfidas sugestões, encaminhar os votos
para indivíduos que não tenham sentimentos constitucionais. (...) A
nossa felicidade futura depende desta primeira eleição, que deve
eleger senão outro de iguais costumes e sentimentos.221
Segundo o redator, essas advertências foram feitas a fim de alertar a sociedade
sobre as principais características que o indivíduo poderia ter para que fosse eleito e
para que “pessoas mal-intencionadas” não encaminhassem pessoas que não tivessem
“sentimentos constitucionais”. Na segunda fase, os eleitores paroquiais iriam eleger em
suas comarcas os eleitores. Na terceira e última fase, aconteceria, de fato, a eleição para
deputado. Sobre a terceira e última fase, Maia transcreveu um texto do periódico
chamado Português Constitucional e adaptou a escrita para a Bahia:
Como o Brasil é país novo e puramente agrícola e comercial,
necessitamos de deputados que tenham conhecimentos daquelas duas
ciências e de suas diferentes ramificações. Necessitamos de um
sistema novo de impostos. São precisos conhecimentos de Economia
Política e de suas diversas aplicações, da estatística da província, da
sua população, indústria dos seus habitantes, dos sistemas de
220
Ibidem. p. 65 e 66. 221
Ibidem. p. 71.
95
imposições das nações cultas da Europa que nos possam ser
adaptadas. São necessários conhecimentos teóricos e práticos do nosso
comércio para conhecerem as causas do seu atraso, quanto ele poderá
ser suscetível de aumento e quais serão as vantagens que poderemos
tirar das nossas, matas, da pesca dos nossos rios, enseadas e dos
tratados com nossos vizinhos ou aliados.222
Prado Filho argumenta que é possível visualizar o posicionamento de Silva Maia
dentre as advertências que por ele foram salientadas. O autor analisa que era clara a
opção do redator por homens que estivessem comprometidos com mudanças de teor
econômico e com a redução de impostos. Assim como em Portugal, as eleições no
Brasil ocorrerão em três graus. O primeiro e o segundo, respectivamente, para a escolha
dos compromissários e dos eleitores de paróquia, e o terceiro, para a eleição daqueles
que iriam, de fato, ocupar o cargo de deputado.223
Tomando como exemplo o contexto da Bahia, o processo eletivo se iniciou no
dia 22 de maio. O debate na imprensa sobre as eleições se tornou intenso. As eleições
para a escolha dos deputados se estendeu até o mês de setembro em virtude de atrasos
relacionados à escolha de eleitores do interior para votarem na última instância das
eleições na cidade da Bahia. Com o início dos trabalhos nas Cortes de Lisboa, impunha-
se a urgência em enviar os deputados que representariam as várias províncias do
ultramar. De acordo com o Semanário Cívico, no dia 13 de setembro de 1821 ocorreram
as eleições para deputado:
Na segunda-feira foram os eleitores em procissão à Igreja do Colégio
de Jesus, que atualmente serve de catedral. E depois de assistirem à
missa solene do Espírito Santo, que se celebrou com toda a pompa
(...), voltaram às Casas do Conselho e principiaram as eleições. A casa
estava decorada com toda a decência possível, (...) onde havia
concorrido imenso povo, para presenciar aquele solene ato ainda não
visto nesta cidade.224
A partir do dia 2 de setembro, quando os 24 eleitores de comarca apresentaram
seus diplomas, iniciou-se a última fase da eleição. No dia 13 de setembro, o periódico
divulgou os resultados da eleição para deputados. Sobre os resultados publicou:
José Lino Coutinho, secretário da Junta do Governo 21 votos. Padre
Francisco Agostinho Gomes, proprietário de engenho 20 votos.
Marechal Luís Paulino de Oliveira Pinto da França, proprietário de
engenho 19 votos. Doutor Domingos Borges de Barros, proprietário
222
Ibidem. p. 72 – 73. 223
Prado Filho. op. cit, p. 33. 224
SILVA. op. cit, p. 76.
96
de engenhos 19 votos. Vigário da Vitória Marcos Antônio de Sousa 18
votos. Alexandre Gomes Ferrão Castelo Branco, proprietário de
engenhos 18 votos. Bacharel Cipriano José Barata de Almeida 16
votos. Comendador Pedro Rodrigues Bandeira, negociante e
proprietário 15 votos.225
As eleições ocorreram numa segunda-feira. Na terça-feira aconteceu uma
procissão com os deputados eleitos para presenciarem “na sé a um Te Deum de ação de
graças”. Segundo o redator, todos os deputados que foram eleitos eram naturais da
província da Bahia e tinham conhecimento da “urgente necessidade das reformas que
ela precisa em todos os ramos da administração pública.”226
É interessante acentuar que
na Bahia dos 15 candidatos escolhidos para eleitores de comarca, senhores de engenho e
os grandes proprietários de terras eram predominantes, seguidos de comerciantes.
Maria Aparecida Silva de Souza complementa as informações quando observou
que os representantes das províncias do Brasil além de apresentarem profundas
divergências, “certamente não constituíam um grupo com posições políticas
homogêneas”. No caso da Bahia, uma delegação comportada por “indivíduos com
trajetórias e proposições tão distintas”. Segundo Silva, o redator do periódico ainda
reclamou quando percebeu que, entre os deputados eleitos, muitos não tinham formação
em direito o que, para o redator, era de extrema importância para “discutir a reforma da
legislação monárquica”. Além do mais, considerou inadmissível que um dos eleitos
tenha sido o cirurgião Cipriano José Barata que era reconhecido como “turbulento e
amotinador.”227
Antes do embarque dos deputados eleitos para Portugal, Silva Maia fez algumas
recomendações. Um folheto sem data, que apontava alguns dos principais temas em que
os deputados eleitos deveriam se ocupar quando chegassem no Soberano Congresso:
“Instrução pública, principalmente as primeiras letras”; a agricultura; e por último, o
comércio.228
225
Ibidem. p. 76. 226
Ibidem. p. 76. 227
SOUZA, op. cit. p. 228. 228
SILVA. op. cit, p. 80 a 84.
97
3.2. A ATUAÇÃO DO DEPUTADO LUÍS PAULINO NAS CORTES
LISBOETAS: ANÁLISE DE ALGUNS DISCURSOS.
A bancada baiana partiu para Portugal no dia 1º de outubro de 1821 e após
setenta dias de viagem desembarcou em Portugal em 15 de dezembro do mesmo ano.
De acordo com Márcia Regina Berbel, os deputados baianos tomaram assento no
Congresso no final da sessão do dia 15 de dezembro de 1821 e como já é sabido, a
maioria das decisões relacionadas à organização do Estado, no que diz respeito ao
território brasileiro já tinham sido tomadas. Nesse sentido, a autora destaca que já
tinham sido esclarecidas as resoluções das Cortes para a organização dos governos
provinciais e que já estava decidido sobre o retorno de D. Pedro a Portugal, ficando em
aberto a discussão sobre a extinção dos tribunais do Rio de Janeiro.
Para Berbel, a chegada da deputação baiana alterava de forma significativa o
andamento das sessões que estavam sendo realizadas nas Cortes. Isso porque a Bahia,
naquele contexto, era uma província de fundamental importância para a economia e a
política do Reino. Além de ter sido a
antiga sede do Vice-Reino do Brasil, tradicional como zona
exportadora, foco de insatisfação previsível após a transferência da
Corte para o Rio de Janeiro, tinha sido umas das primeiras províncias
a reconhecer a autoridade das Cortes, elegendo um governo provisório
e os deputados.229
Segundo Prado Filho, os deputados mais atuantes e que mais se manifestavam
durante as sessões eram Cipriano Barata, José Lino Coutinho, Borges de Barros e Luis
Paulino.230
Como já foi citado, a bancada baiana foi marcada pela variedade de opiniões
e posicionamentos políticos e ideológicos – o deputado Luís Paulino foi um exemplo
significativo nesse contexto.
Como deputado, Luis Paulino integrou algumas Comissões nas Cortes
Constituintes, a exemplo da comissão militar, de constituição, de guerra e a comissão
especial para fixar as relações comerciais entre Portugal e o Brasil. É interessante
ressaltar também que, por votação entre os deputados, tornou-se vice-presidente da
assembleia entre 26 de março e 26 de abril de 1822.
229
BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato: deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas – 1821-
1822. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 1999. p.111. 230
PRADO FILHO. op. cit. p. 36.
98
As primeiras aparições do deputado ainda aconteceram no final de dezembro,
especificamente no dia 15 de dezembro quando este já se encontrava entre os
integrantes da comissão de constituição. Essa comissão era responsável pela leitura e
exame das cartas escritas pelo príncipe real e o rei D. João VI que tinham sido remetidas
às Cortes.
Até o fim do ano de 1821 os assuntos tratados no interior das Cortes giravam
em torno, dentre outros temas, da atuação da força militar a serviço do Rei na terra e no
mar. Em uma de suas falas Luis Paulino se manifestou contrário ao recrutamento
aleatório de cidadãos para a força militar sem o devido preparo, pois, na opinião do
deputado, para manter “um exército é preciso que haja recrutamento, e para a ordem que
nisto deve haver, como em tudo, é necessário que se façam ordenanças.” Na mesma
fala questionou:
todos os cidadãos estão obrigados a pegar em armas quando a pátria o
precisar; por isso mesmo responderei eu, é que no presente caso são
necessárias as Ordenanças para o recrutamento, pois não deve citar
toda a Nação em armas, nem aquelas pessoas isentáveis pela sua
utilidade, ou necessidade em outros empregos. (...) isto é para o
mesmo que eu já disse, quem quer os fins quer os meios: exército sem
instrução, não é exército.231
Em 1822, logo no início do mês de janeiro, os deputados tinham aprovado um
parecer que, segundo Berbel, “visava imprimir maior rapidez à elaboração dos vínculos
econômicos e administrativos a serem estabelecidos entre os dois reinos.” Para os
deputados, essa era a melhor maneira de acabar os conflitos e dar maior celeridade à
união entre as partes da nação.
Uma comissão foi criada para tais discussões e o único brasileiro que estava
representando o Brasil foi o deputado Luis Paulino. Em 15 de março a comissão
apresentou um decreto para “fixar as relações comerciais entre Portugal e Brasil”, que
passaria a ser discutido a partir de abril.232
Nas sessões em que Luís Paulino proferiu discursos podemos ver claramente o
seu posicionamento político. Destacamos duas delas: a sessão de 31 de janeiro de 1822
e a sessão de 13 de fevereiro do mesmo ano. De acordo com Carvalho, o Supremo
231
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 24 de
dezembro de 1821. Disponível em: http://debates.parlamento.pt/index. aspx?cid=mc.c1821. Acesso em:
13 de maio de 2016, p. 3510. 232
É interessante ressaltar que o que deu embasamento para a elaboração desse decreto foi uma proposta
realizada por comerciantes de Lisboa em agosto de 1821. De acordo com Berbel, os debates aconteceram
e várias propostas foram contempladas, mas também foram evidenciadas inúmeras divergências.
99
Tribunal do Rio de Janeiro havia sido suprimido e, por conta disso, “as revistas das
causas pleiteadas no novo reino se deveriam decidir em Lisboa, consoante a
organização judiciária da época.” Sobre o tema em questão, Luis Paulino proferiu uma
fala favorável à criação de um tribunal superior no Brasil, declarando:
Eis-aqui o que me satisfaz. As províncias do Brasil, não querem
representar como confederação; o que querem é, formar um Reino
Unido. O poderoso Reino do Brasil unido com Portugal quer sempre
compor o nosso Reino, cuja legislação há de ser feita neste Soberano
Congresso, cujo poder executivo há de estar nas mãos do Sr. D. João
VI, e cujo poder judicial em última instancia há de estar n'um tribunal
superior: em fim o que quer o Brasil é o que quer Portugal; se houver
alguma disparidade seria na expressão, mas não no sentimento. (...) ha
grandes distancias, mas também não ha a multiplicidade de pleitos que
ha em Portugal; e torna-se assim menor o incomodo, e se tornará
ainda menor, pelo mesmo que diz o artigo, estabelecendo as relações
que a lei designar. (...) a que me não parece de uma verdadeira
incompatibilidade, o pôr-se igualmente no Brasil o poder de efetivar a
responsabilidade; e que será sempre da maior justiça, que para o Brasil
se busque toda a possível igualdade com este Reino.233
A centralidade da ideia de união dos reinos de Brasil e Portugal é perceptível na
fala do deputado e, notadamente, esta seria a tônica dos seus discursos nas Cortes.
Contudo, podemos perceber que Luis Paulino defendia uma união pautada na igualdade
entre os reinos. É interessante acentuar que, ao longo das suas intervenções, Luis
Paulino assumiu uma postura conciliatória diante da bancada das Cortes Constituintes.
O teor discursivo das suas falas será caracterizado por tentar manter ambos os lados
“satisfeitos”, pois, por um lado, pesava sobre ele o seu papel de representante do Brasil,
por outro, sua fidelidade ao rei e, consequentemente, a Portugal, que tinha lhe
proporcionado a ascensão profissional e todas as experiências vividas no serviço ao rei e
à corte portuguesa.
Entre outros assuntos que estavam sendo discutidos na sessão de 13 de
fevereiro de 1822, Silva destacou como fundamentais: “a residência definitiva da Corte
em Lisboa; a abolição de um governo executivo no Reino do Brasil, ao qual ficassem
subordinados os governos provinciais; a desigualdade entre o número de deputados
233
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 31 de
janeiro de 1822. Disponível em: http://debates.parlamento.pt/index. aspx?cid=mc.c1821. Acesso em: 13
de maio de 2016. p.0063.
100
portugueses e brasileiros a serem eleitos para as Cortes ordinárias; e a alguns entraves
colocados à liberdade e igualdade de comércio entre os dois reinos.”234
Berbel ressalta que as propostas dos baianos defendiam que as províncias
deveriam ter um Executivo eleito; que as leis deveriam ser feitas a partir de uma
representação provincial e que a sua aplicação seria de inteira responsabilidade das
províncias. Para a autora, tais propostas se configurariam como uma “confederação
nacional,” em oposição às propostas de uma “nação integrada.”235
Em meio aos debates, num discurso um tanto quanto defensivo, Luis Paulino
ressaltou que os outros deputados diziam que ele estava “dominado a favor do Brasil”, e
declarou “queremos que ela (a província) goze de tudo que goza Portugal; nós temos
este direito.” Para Carvalho, “nunca os sentimentos do novo reino se haviam
manifestado nas Cortes com tanta nudez e simplicidade.” Na mesma sessão, o deputado
concluiu o seu discurso dizendo:
Deem-me uma autoridade no Brasil, que por sua superioridade e
independência possa aproximar-se ás circunstancias em que está o
Rei, e eu instarei muito para que o Rei delegue este poder, pois desejo
não só isto, mas tudo e tudo o que possa ser a bem da minha cara
Pátria. Em fim quanto for possível a Constituição deve providenciar;
eu porem não posso proferir opinião; mas digam uns se acham peso
nas minhas razões, e digam os outros se elas o tem.236
Em fevereiro de 1822, Luis Paulino ‒ mencionado nos Diários da Corte como o
deputado Pinto da França ‒ apresentou um requerimento do tenente coronel de artilharia
Guilherme Christiano Feldner. Feldner era um mineiro e foi apresentado na sessão
como um “artista” que tinha achado o “segredo de conservar o ferro livre de ferrugem,
valendo-se para isso do grafite, mineral que até agora se achava só na Alemanha e
Inglaterra”. Luis Paulino queria propor a construção de uma fábrica de ferrarias em
Ipanema que teria a honra de confeccionar o monumento à Constituição da Nação
Portuguesa. Pinto da França foi apoiado pelos colegas deputados e no mesmo instante
redigiu a indicação
Animado do maior amor nacional, e tendo nos corações de todos os
brasileiros os mesmos sentimentos de fraternidade nacional, e os da
234
SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Org.). História de São Paulo colonial. São Paulo: Ed. UNESP, 2009.
p. 296. 235
BERBEL, Márcia Regina. Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas de 1821-22. Novos Estudos.
Nº 51. 1998. p. 198. 236
Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 13 de
fevereiro de 1822. Disponível em: http://debates.parlamento.pt/index. aspx?cid=mc.c1821. Acesso em: 13
de maio de 2016. p. 1081.
101
devida ambição da glória: proponho, que agradaria para o monumento
que no rocio se está levantando em memória da época da nossa
Constituição, seja feita na fábrica de ferrarias estabelecida em
Ipanema na província de S. Paulo, nosso Reino do Brasil, para o que
se deveram mandar quanto antes com as respectivas ordens os
competentes modelos, e que às províncias do mesmo Reino se lhes
permita a satisfação de caber a elas só toda a despesa desta obra, e
seus acessórios, inclusive a do transporte.
Sala das Cortes 4 de fevereiro de 1822. Luiz Paulino de Oliveira
Pinto da França.237
Ainda em fevereiro houve mais uma indicação do deputado Luis Paulino às
Cortes, desta vez em decorrência do aniversário da “distintíssima e nunca assas louvada
ação” do rei D. João VI. Essa indicação se referia ao juramento feito à Constituição,
que, segundo Luis Paulino, “reuniu um mesmo sentimento às províncias do Reino do
Brasil, o daquele Reino com o deste de Portugal, e finalmente o de todas as partes do
nosso Reino Unido.” Nesse ínterim, ele propunha que no dito dia D. João VI fosse
felicitado por uma deputação daquele augusto congresso. Aprovada a indicação, o
presidente da sessão nomeou Luis Paulino e mais dez deputados para formar essa
comissão.238
Dentre os deputados baianos que foram eleitos em 1821, Luis Paulino
apresentava-se como a única voz mais enfática a respeito do Reino Unido e colaborando
com essa afirmação, Araújo ressaltou que Luis Paulino “foi o único deputado baiano às
Cortes que opôs-se à Independência do Brasil”.239
Devido a esse posicionamento Luis
Paulino ficaria estigmatizado como traidor, sendo inclusive alvo de agressão física por
outro deputado baiano, Cipriano Barata. Na sessão do dia 30 de abril do mesmo ano, os
debates giravam em torno da nomeação do General Madeira de Melo como Comandante
das Armas na Bahia. De acordo com Carvalho, a discussão foi longa e teve o seu
término pela madrugada.240
É importante relembrar que o decreto real que nomeou Madeira de Melo ao
posto de comandante das armas da Bahia foi recebido pelo partido brasileiro como um
afrontamento tornando-se dessa forma inevitável um conflito. Dessa forma, em 19 de
fevereiro de 1822 o conflito explodiu, do qual as tropas portuguesas saíram vencedoras.
237
Ibidem. Sessão de 4 de fevereiro de 1822. p. 0083. 238
Ibidem. Sessão de 23 de fevereiro de 1822. p. 281. 239
ARAÚJO. op. cit. p. 16. 240
CARVALHO, Manoel Emílio G. de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília
Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 220.
102
Em carta datada de 2 de março, a esposa de Luis Paulino, senhora Maria Bárbara Pinto
da França, relatou os acontecimentos denominados por ela de “as desgraças de 19, 20 e
21 de fevereiro.” Esses fatos referiram-se ao desencadeamento da nomeação do General
Madeira de Melo ao cargo de Governador das Armas da província da Bahia.
Sobre esses conflitos, Maria Bárbara escreveu ao deputado:
E sabe que o fogo era, no Forte de São Pedro e ele andava por
Água de Meninos e depois Nazaré. Podia-se poupar algum
sangue, podia, mas houve votos que não devia ficar pedra sobre
pedra, que deviam correr rios de sangue antes do que desistir.
Eu, como sou mulher, parece-me isto bárbaro. Ah! Meu Deus,
cada descarga, cada tiro de peça que eu ouvia, era como quem
me arrancava a alma. Fugi, estive a bordo duma embarcação
holandesa.241
Bento da França, também relatou de forma detalhada sobre os acontecimentos de
fevereiro, “essa notícia pôs toda esta cidade em desassossego, porque toda a gente não
gosta de Madeira.” A revolta da população de Salvador era tamanha que Bento
comentou que teriam se reunido a fim de recolher “uma assinatura de quatrocentas
pessoas, pedindo que não se desse posse o Madeira.”242
Bento da França informou ao pai que em Salvador tudo era “desgosto e
fatalidade.” A rivalidade que existia entre os membros da nação portuguesa não havia
findado. Boatos e intrigas ainda permeavam na dinâmica da Capital. O próprio Bento
alegou ter medo de permanecer na Bahia diante de “tantas intrigas.” O seu medo era de
que, “mesmo sem culpa”, pudesse ser comprometido com algum tipo de conspiração.
Não era sem querer que solicitava várias vezes ao seu pai que tentasse conseguir em
Lisboa a sua transferência para o exército lusitano sediado em Portugal.
Ainda sobre os episódios dos dias 18, 19 e 20 de fevereiro, é importante destacar
que no dia 19, em meio aos ataques das tropas portuguesas, além do Forte de São Pedro
como Maria Bárbara relatou, os quartéis da Palma e da Mouraria também foram alvos
de ataques. Todavia, um lugar específico chama a nossa atenção, trata-se do Convento
da Lapa, vizinho aos quartéis. Com o desdobramento dos ataques, soldados e
marinheiros tentaram invadir aquele recolhimento de religiosas, cujo espaço era de
exclusiva presença feminina. Forçando cada vez mais a entrada do convento, feriram
241
Carta nº 8. Carta de Maria Bárbara a Luís Paulino. Cartas Baianas. Bahia: 2 de março de 1822, p. 85. 242
Carta nº 9. Carta de Bento da França a Luís Paulino. Cartas Baianas. Bahia: 6 de março de 1822, p.
88.
103
fatalmente a abadessa sóror Joana Angélica (1761-1822) que estava na porta lhes
impedindo a entrada.243
Com esse clima de tensão e de instabilidade instaurado na cidade de Salvador,
os “homens bons” começaram a migrar em grande número para as vilas e engenhos do
Recôncavo buscando refúgio, levando, O deputado Luís Paulino a se pronunciar sobre o
assunto. Depois do posicionamento de alguns deputados, ele ponderou sobre a situação.
De início acentuou que o assunto do qual a assembleia estava tratando, para ele, era
talvez um dos mais importantes que até então tinha aparecido no congresso. Luis
Paulino não conseguiu chegar à sessão para ouvir a leitura do ofício do Governador das
Armas, no entanto, relatou que iria dar o seu parecer de acordo com o que tinha ouvido
sobre o assunto. O deputado afirmava que tais acontecimentos iriam “desgraçar” a sua
pátria e que, juntamente com os seus colegas baianos, ficou “resentioso” quando soube
da nomeação do Brigadeiro Madeira de Melo para “governar as armas da Bahia.”244
No entanto, esclareceu que no seu discurso não queria que entendessem que se
deveria nomear Manoel Pedro. Mas que deveria dar a honra a Manoel Pedro pois se
houve algum louvor sobre a “revolução da Bahia, deveria se louvar a Manoel Pedro,
tributem-se-lhe pois todos os louvores que merece.” Lembrou que enquanto Manoel
Pedro tinha sido nomeado Brigadeiro, Madeira de Melo, naquele momento, era apenas
coronel e que não era natural que uma patente superior passasse a obedecê-lo de bom
grado. Pelas razões que expunha, acreditava que seria melhor nomear outro Governador
das Armas.245
Para Luis Paulino, Manoel Pedro tinha “popularidade, e estima de certa parte do
povo, mas não tinha a opinião, segura, e geral, nem a confiança de totalidade da
província.” Ainda de acordo com o deputado, “a confiança deve ser a base das
nomeações para um homem.” Luis Paulino “desejava também que se emendasse logo a
nomeação feita do Madeira (de Melo), em quem, além das razões já ponderadas de
memória de graduação, concorria a pouca afeição do povo, e tropas.” Mas, ponderava o
deputado, nada disso foi feito e “apareceu a explosão.”
243
TAVARES. op. cit., p. 233-234. 244
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 30 de abril
de 1822. p. 1015. 245
Ibidem. p. 1015.
104
Na opinião do deputado, a questão deveria ser “da Nação, e não unicamente do
Governo”, pois os deputados que ali estavam presentes não tinham muito conhecimento
do assunto. Finalizou sua fala acentuando que:
enquanto aos dois: e unicamente o que me parece como
princípio seguro, o que me tem lembrado até agora, o que
lembra em geral é mandar um Governador para aquela
província, mas seja um Governador do Brasil, seja um
Governador prudente, seja um Governador prudente, seja um
Governador, que tenha o coração na província, e raízes na
nação.246
Para Carvalho, Luis Paulino concordava rigorosamente com os colegas quanto
ao desacerto da nomeação, e até o declarou aos ministros da Marinha e de Estrangeiros
em uma das reuniões da comissão dos negócios do Brasil. Porém, divergia dos amigos
no tocante a Manuel Pedro. Sem contestar os seus serviços valiosos prestados à causa
liberal, não o julgava idôneo para o cargo nas circunstâncias atuais, por lhe regatearem
confiança as classes conservadoras.
Depois das falas dos deputados e o desfecho da sessão se aproximando, ficou
decidido que o General Madeira de Melo iria presidir uma comissão da qual Manoel
Pedro e mais cinco oficias fariam parte.
De acordo com Carvalho, logo após a sessão, Cipriano Barata saiu do recinto e
em um dos corredores da Corte encontrou um grupo que ainda falava sobre o assunto
que a pouco tempo tinha sido discutido. Nesse grupo estava Luis Paulino, falando sobre
a recusa de Manuel Pedro em entregar o cargo para ser comandado por Madeira de
Melo. Nesse momento, começou uma discussão entre Luis Paulino e Cipriano Barata, e
entre troca de injúrias e desafetos, ambos resolveram “desafrontar-se por meio das
armas.”247
Encontraremos maiores detalhes sobre o episódio no número 68 do Semanário
Cívico, de 20 de junho de 1822. O redator escreveu sobre o “fracasso que aconteceu ao
Sr. Barata e Pinto da França”. Relatou aos seus leitores que o Deputado Pinto da França
teria sido maltratado por Barata, qualificando o ocorrido como “escandaloso
procedimento.” Vejamos algumas partes do relato:
Na manhã do dia 30, estava o Deputado da França conversando,
em uma sala próxima ao salão das cortes, com o arcebispo da
246
Ibidem. p. 1015. 247
CARVALHO. op. cit. p. 222.
105
Bahia e outro deputado. Acerca dos acontecimentos daquela
cidade. (...) o deputado Pinto da França fazia aos dois
governadores da Bahia a justiça que eles merecem e as palavras
com quem se expressou a respeito do Brigadeiro Manoel Pedro,
foram executadas pelo Deputado Barata que a este tempo
assomava a porta da mesma casa furioso por ouvir censurar a
conduta do seu amigo. O deputado Barata se travou de razões e
daqui nasceu um desafio, que o brioso deputado Pinto da França
não poderia deixar de aceitar. Saíram da casa e se dirigiram a
escada interior que leva a porta principal e Barata deixando no
último lenço, ficar atrás do Marechal, lhe deu um empurrão com
o qual precipitou no fundo da escada ficando sem sentidos e
muito maltratado. Vendo-o em tal estado o deputado Barata teve
ainda a fraqueza e a indignidade de o querer calcar os pés e foi
nestes momentos que os criados dos negociantes Caetano
Martins acudirão, querendo maltratar o deputado Barata ao que
obstou o marechal, já tornado a si, bradando que respeitassem
Barata como um deputado da nação. Neste estado; coberto de
sangue que lhe corria das feridas o conduzirão ao corredor e no
quarto do deputado João Vicente recobrou algum alento com os
socorros que se lhe ministraram, depois do que entrou no salão a
tomar o seu lugar, falou sobre os negócios do seu país quando a
palavra lhe foi dada.248
Diante do relato, o redator do periódico classificou o fato como um dos mais
“infames” já acontecidos e que tal incidente aconteceu por conta da diferença de
opiniões políticas, mas que de todo modo tais deputados procederam como “homens de
bem” e que a honra teria “presidido ao duelo”. No entanto, acreditava que essa
ocorrência iria “escandalizar o mundo inteiro.”249
Passada a sessão do dia 30 de abril, a Comissão de Polícia e Governo deu o seu
parecer sobre os últimos acontecimentos. O Sr. Ferrão leu a seguinte comunicação:
A Comissão da polícia e Governo interior do edifício das Cortes,
encarregada pelo título 11 do regimento de manter á quietação,
decoro, e respeito que todos os cidadãos devem ter na presença
deste soberano Congresso, e mesmo em todas e qualquer parte
do recinto deste Paço, lisonjeava-se de ter desempenhado os
seus deveres desde a instalação das Cortes no fauto dia 26 de
Janeiro de 1821 até o dia 30 de Abril do presente ano, sem que
em tão longo tempo houvesse pessoa alguma, que ousasse
cometer aqui dentro a mais pequena desordem: soube porém
com bastante magoa sua, que naquele dia fora esquecido o
248
Semanário Cívico. Nº 68. 20 de Junho de 1822. 249
Idem.
106
acatamento devido até ás paredes desta Sede da soberania
nacional, por duas pessoas, que deviam religiosamente observar,
e até inculéar aos outros com o seu exemplo. - Os ilustres
Deputados o Sr. Cipriano José Barata e Almeida, e o Sr. Luiz
Paulino de Oliveira Pinto da França, travando-se de razões em
um dos aposentos deste Paço antes de sessão do referido dia
saíram pelo corredor, e dirigindo-se pela grande escada, que do
convento desce para a portaria mor; consta que o Sr. Barata
empurrara o Sr. Pinto da França no patamal da escada, donde
resultara cair o Sr. Pinto da França pelos degraus, que descem
para a rua, e ficar ferido no rosto, e pisado em parte do corpo,
que caiu sobre as pedras á vista de muitas pessoas, que ali se
achavam. E como este desgraçado e inesperado acontecimento
teve principio dentro do Paço das Cortes, julga a Comissão do
seu dever dar parte a este soberano Congresso para que o tome
em consideração, se assim o julgar conveniente, e decida com a
sua costumada prudência, e sabedoria o que for de justiça.
Paço das Cortes em 2 de maio de 1822. - António Camelo Fortes
de Pina: João Baptista Felgueiras; Francisco de Magalhães de
Araújo Pimentel; José Ferrão de Mendonça e Sousa. Mandou-se
remeter à Comissão de regulamento interior das Cortes.250
Após o incidente, Luís Paulino faltou a algumas sessões, respectivamente nos
meses de maio, junho, julho, agosto, setembro até meados de outubro. Durante esse
período, enviou algumas cartas, justificando que por conta da sua moléstia, estava
impossibilitado de comparecer à Assembleia. Na sessão solene de 23 de setembro,
momento em que ocorreu para o ato de juramento dos deputados à Constituição da
Monarquia Portuguesa, estavam presentes 106 deputados e 20 faltosos, dentre estes
últimos Luis Paulino. No dia 28 de setembro as Cortes receberam uma carta do
deputado informando que desde o dia 22 tinha sido convocado e que estava ciente de
que deveria estar presente no dia 23, dia da assinatura da Constituição, no entanto, por
ser “fisicamente impossível” não pôde se apresentar na data determinada.251
Na sessão
de 29 de outubro, a penúltima em que o nome de Luís Paulino é citado, o deputado
retornou às suas atividades, onde prestou o seu juramento à Constituição e pôs sua
assinatura.
250
Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Sessão de 02 de maio
de 1822. p. 39. 251
Ibidem. Sessão de 28 de setembro de 1822. p. 0606.
107
De acordo com Carvalho, mesmo tendo prestado o juramento da Constituição, as
Cortes tinham mantido o seu funcionamento. Eram poucos os brasileiros que
participavam das sessões. Luis Paulino retornou às Cortes com menos de um mês para
terminar os trabalhos da Constituinte Sendo assim, na data de 4 de novembro
encerraram-se as atividades das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa
dos anos de 1821 e 1822.
Por fim, cabe salientar que, com o fim das Cortes Lisboetas, Luís Paulino não
retornou para o Brasil. Consta no catálogo dos Debates Parlamentares que, entre
dezembro de 1822 a maio de 1823, o deputado ainda participou da Câmara dos
Senhores Deputados da Nação Portuguesa.252
3.3 A MISSÃO DESCONHECIDA DE LUÍS PAULINO: TRAIDOR, EX-
BAIANO E INFELIZ.
Luís Paulino de Oliveira Pinto da França, marechal-de-campo do meu
real exército, eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Havendo reassumido
o exército dos inauferíveis direitos que pertencem à Majestade do
Trono, o principal objetivo das minhas paternais solicitudes é remover
e sanar os males de toda a espécie que a facção que se tinha levantado
em Portugal violenta e atrozmente suscitara, e porque um dos mais
funestos são as hostilidades e mútua agressão cruel e devastadora, o
que tão repugnante sempre foi às minhas reais intenções; confiando
muito que em tudo me servireis sempre bem e fielmente, como é de
esperar da vossa pessoa: hei por bem encarregar-vos a importante
comissão de passardes à cidade da Bahia, para que, de acordo e
Inteligência como o chefe de divisão João Felix Pereira de Campos
comandante da esquadra estacionada naqueles mares, e com o
brigadeiro Inácio Luiz Madeira, governador militar e comandante da
força de terra, se proceda à suspensão de armas que, pelas ordens que
agora expeço àqueles oficiais generais do mar e terra, se devem
imediatamente propor aos almirantes, generais e oficiais comandantes
que tiverem à sua frente; cessando assim as hostilidades e toda a
efusão de sangue, e mais efeitos de guerra, enquanto as diferenças que
as ocorrências passadas desgraçadamente haviam produzido, se não
ajustam definitivamente, e enquanto pelas pessoas da minha confiança
que ora envio ao Rio de Janeiro, e a que vós, depois de concluída esta
vossa comissão à Bahia, passareis logo a unir-vos, se não formam as
condições da total evacuação da cidade da Bahia pelas forças de mar e
terra que ali se acham, as quais em todo o caso se conservarão no mais
rigoroso pé de disciplina, a fim de evitar as rixas e as desordens a que
252
Ver: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/listIssuesByYear?ano=1822.
108
ainda pode dar lugar a irritação em que naturalmente se conservam os
ânimos. Espero pois que empregareis nesta comissão o maior zelo e
prudência, a fim de ter o melhor desempenho, o que muito vos
recomendo.
Palácio de Bemposta, em Lisboa, aos 7 de julho de 1823.253
Esse documento diz respeito à Carta Régia de D. João VI a seu fiel vassalo, Luís
Paulino, sendo provavelmente um dos momentos mais instigantes da sua trajetória.
Aqui iremos nos deter na análise de algumas sessões realizadas na Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de 1823. Entre falas e ofícios, os
deputados da referida assembleia decidiram sobre a permissão da entrada de Luís
Paulino no porto do Rio de Janeiro, a fim de cumprir a missão que por ele foi aceita.
Antes de adentrarmos especificamente nesse assunto e na análise dessas atas, é
necessário refletirmos um pouco sobre esse contexto e a Assembleia Geral Constituinte
e Legislativa do Império do Brasil de 1823.
A primeira Assembleia Constituinte e Legislativa do Brasil foi convocada pelo
Regente Pedro de Alcântara no dia 3 de junho de 1822, instalada em 3 de maio de 1823
e dissolvida por um decreto imperial, no dia 12 de novembro do mesmo ano.254
Um dos
objetivos principais dessa Assembleia era a elaboração de uma constituição para o novo
Estado soberano. A convocação aconteceu por conta dos impasses entre os portugueses
e brasileiros ‒ que estavam reunidos nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação
Portuguesa ‒ surgidos no processo de elaboração de uma Constituição para o império
luso-brasileiro.
Os deputados teriam sido eleitos conforme instruções elaboradas pelo ministro
do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva. Nesse ínterim, foram eleitos 90
deputados, resultando numa assembleia formada pelas “pessoas das classes sociais mais
elevadas da sociedade da época: bacharéis, padres, magistrados, grandes proprietários
de terras, funcionários públicos, militares, médicos, etc.”255
Slemian aponta que as
sessões começaram com um pouco mais da metade do número de deputados que se
esperava, pois, muitos deputados, só chegaram meses depois, enquanto outros não
conseguiram tomar seus acentos.
253
FRANCA e CARDOSO. op. cit. p.223-224. 254
SLEMIAN, op. cit. p.71. 255
DEIRÓ, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de estudos da História da Assembleia Constituinte do
Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006. p.11.
109
Embora tenha sido rápida a passagem dessa assembleia, é importante ressaltar
que os trabalhos legislativos realizados por ela não podem ser ignorados. De acordo
com Slemian, 38 projetos de lei foram apresentados, alguns deles chegando a ser
aprovados,256
além de centenas de propostas, indicações e pareceres das comissões que
foram instaladas.257
Sobre esse contexto, encontramos os registros feitos por Pedro Eunápio da Silva
Deiró,258 um baiano nascido em 1829, em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano.
Pesquisando sobre a independência, Deiró utilizou várias fontes, como os diários e as
atas legislativas das Cortes Constituintes de 1821 e 1822 e periódicos da época
(Sentinela da Liberdade à Beira-mar da Praia Grande e Tamoio ambos de 1823),
buscando, como ele próprio afirmou, entender “os sentimentos da alma nacional”, bem
como “medir a baixeza, ou critério do espírito público e poder calcular também a ação,
que o Poder Público exercia na opinião nacional.”259
Segundo Deiró, a sessão de número 15 teria sido interrompida por conta da
chegada do Bergantim Treze de Maio. Essa embarcação trazia o marechal Luís Paulino
que tinha sido enviado por D. João VI, razão pela qual se tornara o centro dos debates
durante todo o dia 10 de setembro de 1823. Primeiramente, Luís Paulino tinha
desembarcado na Bahia em 18 de agosto de 1823, com ordens para que o general
Madeira de Melo suspendesse a luta armada, seguindo para o Rio de Janeiro em 7 de
setembro. D. João VI também enviou uma comissão especial, composta pelo Conde de
Rio Maior e ao ex-ministro de Estado Francisco José Vieira, ao Rio de Janeiro com o
objetivo de reestabelecer a união entre Portugal e o Brasil.260
256
Foram aprovados os seguintes projetos: “sobre a vigência da legislação que regia o Brasil até abril de
1821; outro sobre a revogação do decreto de 16 de fevereiro de 1822 que criara o Conselho de
Procuradores; o seguinte para estabelecimento da forma como deveria ser observada a promulgação dos
decretos da Assembleia; outro acerca da proibição aos deputados de exercerem qualquer outro emprego
durante sua deputação (ou aceitassem qualquer graça); outro para revogação do alvará de 30 de março de
1818 que proibia o funcionamento das Sociedades Secretas; e um último para criação de uma nova forma
para o governo das Províncias”. Ver SLEMIAN, Andrea. Sob o império das leis. p.73. 257
Ibidem, p.73. 258
Em Salvador, foi deputado à Assembleia Provincial em várias legislaturas. Além de ser representante
baiano na Câmara dos Deputados Gerais da antiga Corte na 15ª Legislatura. Era monarquista, amigo de
José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco; quando veio a República, empobreceu; de assíduo
frequentador da vida noturna de então, passou a morar de favor no Convento de Santo Antônio, vindo a
falecer em 11 de abril de 1909, no Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro. Além disso, foi filósofo,
literato, jornalista, biógrafo, deixando alguns livros, mas sua preferência era escrever em periódicos,
tendo deixado vários trabalhos esparsos de natureza literária e política na Bahia e no Rio de Janeiro. 259
DEIRÓ. op. cit. p.14. 260
Anotações de A.M.V. de Drummond á sua biografia. In: Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia de G. Leuzinger & Filhos, 1890.
110
No dia de 7 de setembro de 1823, Luís Paulinho encaminhou um ofício
solicitando a permissão para o seu desembarque no Rio de Janeiro, a fim de tratar da
missão que lhe foi confiada pelo próprio El-Rei D. João VI:
Ill. e Ex. Sr. Havendo eu partido de Lisboa a 10 de julho próximo,
abordo deste Bergantim, em obediência a uma Carta Regia de Sua
Majestade Fidelíssima, pela qual me fez o mesmo Augusto Senhor a
alta honra de mandar-me em comissão á Bahia, devendo d’ali vir
imediatamente reunir-me nesta Corte a pessoa de Sua Régia
Confiança, que naquela mesma ocasião para aqui mandava, acabo de
fundear nesta barra com bandeira parlamentaria, conforme as gerais
Instruções recebidas a fim de evitar-se todo e qualquer embaraço.
Cumpre-me o assim participar a V. Ex para o levar ao conhecimento
de Sua Majestade Imperial, que Determinará o que for do Seu
Imperial Agrado para meu desembarque. Deus Guarde a V. Ex.
Na Barra do Rio de Janeiro a bordo do Bergantim Português Treze de
Maio aos 7 de Setembro de 1823. _ Ill. e Ex. Sr. José Joaquim
Carneiro de Campos - Luiz Paulino de Oliveira Pinto da França.261
Em resposta ao pedido do marechal de campo, o ministro dos negócios
estrangeiros José Joaquim Carneiro de Campos escreveu:
(...) o abaixo assinado tem, portanto, de significar ao Sr. Marechal em
resposta, que na situação hostil em que se tem achado as duas Nações
Brasileira e Portuguesa, e absoluta separação de ambas, não pode Sua
Majestade Imperial Determinar sobre o desembarque de Sua Sª sem
que previamente seja informado se Sua Sª vem munido de poderes
para reconhecer em Nome de Sua Majestade Fidelíssima a
Independência do Império do Brasil: pois o mesmo Augusto Sr,
manda prevenir Vª S.ª de que, fiel aos empenhos que eram. (ilegível)
do com a livre e briosa Nação Brasileira, (ilegível) e Guarda da
Dignidade Nacional, e decoro da Sua Imperial Coroa, não está
resolvido a ouvir pra posições algumas da parte do Governo
Português, nem a entrar em ajustes ou negociações quaisquer sem que
lhes sirva de base e condição (ilegível) o reconhecimento da
Independência política deste Império, e da sua Imperante Dinastia. - O
abaixo-assinado declarando ao Sr. Marechal Luís Paulino d' Oliveira
Pinto da França os sentimentos positivos do Governo Brasileiro, e
esperando que Sua S.ª se sirva dar a eles uma resposta categórica,
aproveita esta ocasião para dirigir-lhe as expressões da particular
atenção com que o venera.
Palácio do Rio de Janeiro 8 de Setembro de 1823. – José Joaquim
Carneiro de Campos - Ao Srº Luís Paulino d' Oliveira Pinto da
França.262
261
Diário da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa do Império do Brasil 1823, Sessão de 10 de
Setembro. p.55. Disponível em: http\\
arquivohistorico.camara.leg.br\atomAC1823\sobre\annaes\ANNAES-TOMO5.pdf#. Acesso em: 12 julho
de 2016. 262
Ibidem. p. 55-56.
111
Através dessa resposta percebemos que Luís Paulino foi impedido pela
Assembleia Constituinte, bem como pelo Imperador D. Pedro I, de desembarcar no Rio
de Janeiro. Pelo documento, entendemos que o seu embarque estava atrelado ao
reconhecimento da independência política do Brasil por parte do rei de Portugal.
Segundo Deiró, aceitar o diálogo com emissários de Portugal não seria de bom grado e
“levantaria suspeitas odiosas”. Sendo assim, D. Pedro se recusou a receber Luís
Paulino, não permitindo seu desembarque, sem uma declaração que reconhecesse a
Independência do Brasil pelo governo português.263
Na tentativa de restabelecer a comunicação com o ministro das relações
exteriores, Luís Paulino enviou outro ofício detalhando sua missão ao Brasil:
Ill.e Ex. Sr. São quatro horas da tarde de hoje quando tenho a honra de
receber a Nota de V. Ex. em resposta ao meu Ofício de ontem. Para
responder ao que V. Ex. exige só tenho a dizer a V. Ex. que eu no meu
citado Ofício usei da necessária, devida, e exata expressão a respeito
do meu objeto de vinda a esta Corte, e por consequência não podendo
nada acrescentar, cumpre-me unicamente, para tirar este viso de
enigma, dizer a V. Ex., que eu não sei quais são as cabais instruções
que por Sua Majestade Fidelíssima haviam de ser dadas ás pessoas de
Sua confiança.,. às quais me mandou aqui unir depois da minha
Comissão na Bahia: E porque esta, por ser de uma proposição aos
Comandantes de Sua Majestade Imperial para a suspensão de
hostilidades, e para a efetuação da evacuação das tropas do Mesmo
Augusto Sr. Naquela Província dava ao meu coração o desejo que a
minha viagem se fizesse, seja-me permitida a expressão, com a
velocidade do raio; cogitei de partir apenas pude ser desembaraçado;
assegurando-se-me que dentro em seis dias, ao mais tardar, partiria a
Corveta Voadora para esta Corte conduzindo as referidas pessoas.
Nestes termos os poderes a mim conferidos foram unicamente
relativos á sobredita proposição, e nenhumas outras instruções recebi
se não a este respeito tendentes; e que porei ao Conhecimento de Sua
Majestade Imperial quando assim se Digne Querer. Assim é evidente,
sem dependência da prevenção que V. Ex. da parte de Sua Majestade
Imperial me faz, e cujas altas Virtudes ao infinito respeito, que eu
nada tenho a dizer nem a fazer, em quanto as mencionadas pessoas
não chegarem, se não ter a alta honra de beijar todos os dias a Mão de
Sua Majestade Imperial, a que sou chamado pelos mais ponderosos
motivos, se o mesmo Augusto Senhor se dignar permitir o meu
desembarque Rogo a V. Ex queira desculpar-me de não fazer este por
meu próprio punho, porque o meu estado de enfermidade é tal, que
amiudamente me aprece que toco o meu ultimo instante; e acredite-me
V. Ex que se não passa um só da minha vida, em que eu lhe não
tribute a maior amizade e veneração. Deus Guarde a V. Ex. A bordo
do Bergantim Português Parlamentário Trezes de Maio em 8 de
263
DEIRÓ, Pedro Eunápio da Silva. Fragmentos de estudos da História da Assembleia Constituinte do
Brasil. p.230.
112
setembro de 1823. – Ill. E Ex. José Joaquim Carneiro de Campos –
Luiz Paulino ‘Oliveira Pinto da França.264
É interessante observar que, de acordo com o documento, Luís Paulino não tinha
real ciência da sua missão no Brasil, e esperava instruções de “pessoas de confiança” do
rei, para saber como proceder. Através das Anotações de A. M. V. de Drummond à sua
biografia, que estão reunidas nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
Volume XIII, podemos perceber alguns detalhes mais específicos da referida missão.
De acordo com o relato, entendemos que foram designadas para a incumbência
supracitada três pessoas da inteira confiança do rei português, entre as quais Luís
Paulino estava incluído. Contudo, as instruções que a comitiva deveria seguir estavam
dividas em três partes: Instruções Gerais, Secretas e Secretas Subsidiarias.265
As
Instruções Secretas e Secretas subsidiárias estavam guardadas em segredo pelo Conde
de Rio Maior e Francisco José Vieira. A Luís Paulino foi dado conhecimento apenas das
Instruções Gerais.266
Luís Paulino se encontrava bastante enfermo, inclusive já receando serem
aqueles seus últimos instantes. Vale ressaltar que o Marechal de Campo, desde os
debates nas Cortes entre 1821 e 1822, já mostrava sinais de debilidade relacionados à
sua saúde. Em ofício datado do dia 8 de setembro, o ministro dos Negócios da Marinha
escreveu, solicitando água e comida:
Ill e Ex. Sr. – De Ordem de S. M. o Imperador comunico a V. Ex. que
ontem 7 do corrente pela tarde fundeou fora da barra desta Capital o
Bergantim Português Treze de Maio vindo de Lisboa á Bahia com
Bandeira Parlamentar, trazendo a bordo o Marechal de Campo Luiz
Paulino de Oliveira Pinto da França; e em data de hoje pelas 9 horas
da noite me participa o Comandante do mesmo Bergantim ter entrado
o Porto e fundeado entre as Fortalezas por causa do tempo, pedindo
agua e mantimentos para 40 dias. O que V. Ex. levará ao
conhecimento da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do
Império. Deus Guarde a V. Ex. Palácio do Rio de Janeiro 8 de
setembro de 1823 – Luiz da Cunha Moreira – Sr. João Severiano
Maciel da Costa.267
264
Diário da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa do Império do Brasil 1823. Sessão de 10 de
Setembro. p. 56. 265
Anotações de A.M.V de Drummond á sua biografia. op. cit. p.67. 266
Antônio de Menezes Drummond informa que esses documentos se perderam no incêndio de agosto de
1860, ocorrido no Rio de Janeiro. 267
Diário da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa do Império do Brasil 1823. Sessão de 10 de
Setembro, p.47.
113
Nas sessões parlamentares do Império, a situação vivida por Luís Paulino a
bordo do Bergantim Treze de Maio foi motivo de debates e discussões. Nestes, podemos
perceber como a figura do Marechal de campo encontrava-se estigmatizada, devido a
sua atuação nas Cortes lisboetas. Por esse motivo, Luís Paulino recebeu as alcunhas de
“traidor”, “brasileiro degenerado”, “infame”, “brasileiro renegado”, “indigno”,
“impuro”, “mau”, entre outros adjetivos vindos, principalmente, do deputado Antônio
Carlos de Andrada Machado.
Em sessão do dia 9 de setembro, Antônio Carlos de Andrada Machado, que
futuramente romperia com o governo de D. Pedro I, comentou sobre a situação:
O Sr. Andrada Machado: - Eu requeiro desde já que nada se trate por
via desse traidor, desse Brasileiro degenerado, desse infame, que não
mercê ser recebido entre nós. (Apoiado, Apoiado.) Exijo que se diga
ao Governo mui claramente que nos comunique quais são as suas
mensagens, para nós o autorizarmos sobre a resposta que deve dar;
isto pertence-nos; (apoiado.) Há de ouvir a vontade da Nação e
executa-la. Isto é o que devia ter feito o Ministro dos Negócios
Estrangeiros e não sei porque não o fez.268
Na sua fala fica evidenciado que além do fato de Luís Paulino não ser bem visto
por esse deputado, este exigia saber os reais interesses da “missão” portuguesa para
responder de forma adequada. Com seu discurso marcado pelo nacionalismo e
combatividade pela autonomia política brasileira, Andrada Machado sugeriu aos colegas
que se recusassem a ouvir uma figura tão “indigna” como Luís Paulino. Até mesmo sua
presença no Rio de Janeiro foi considerada pelo político como impura. Usando uma
linguagem em sentido figurado, bastante sugestivo se considerado o fato de tratar-se de
uma sociedade escravista, Deiró chegou a comentar que nesses debates “a pessoa do
marechal Luís Paulino foi atada ao pelourinho surrada bárbara e impiedosamente.”269
O deputado baiano Clemente Ferreira França ponderou sobre a situação,
mostrando-se incomodado com o tratamento dispensado a Luís Paulino: “Eu peço a
ordem; não me parece justo tratar aqui ninguém de monstro; contra este homem não há
mais que presunções, e não sei como por elas se está injuriando neste lugar um cidadão
brasileiro.”270
Andrada Machado voltou novamente a se pronunciar, respondendo:
268
Ibidem. p.47-48. 269
DEIRÓ. op. cit. p.234. 270
Diário da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa do Império do Brasil 1823. Sessão de 9 de
Setembro. p.49.
114
Não é presunção; é verdade notória; é um Brasileiro que se incumbe
de propostas de um Rei Estrangeiro que nos pretende dominar. É
indigno do nome de Brasileiro”. (...) o Sr. Andrada e Silva: - (...)
apesar de eu gostar de usar de misericórdia com os homens, não posso
faze-lo com um traidor, reconhecido por tal há muito pelo seu
procedimento nas Cortes inimigas.271
Era explícita a antipatia do parlamentar com relação à pessoa de Luís Paulino
por tudo que ele representava, ou seja, a velha estrutura política que queria manter o
Brasil submisso a sua antiga metrópole. Nesse sentido, o passado de Luís Paulino como
deputado às Cortes que foi favorável à união dos reinos, e a sua condição naquele
momento de porta-voz de um “rei estrangeiro”, contribuíam para a sua desaprovação
naquele espaço.
Em seu livro, Deiró tenta justificar o posicionamento de Luís Paulino de adoção
aos ideais de união entre Portugal e Brasil, criticando alguns deputados por não
procederem a uma avaliação justa e baseada na razão:
O marechal era brasileiro, mas, desde a infância foi para Portugal,
onde se educou, serviu e fez carreira no exército. Seus ascendentes
todos portugueses; sua educação, (que reveste o homem como que de
uma segunda natureza) inteiramente portuguesa; os sentimentos,
ideias e crenças, que nutriram o seu espírito, eram as correntes sob o
regime da velha monarquia. Aquele soldado, sob o influxo dos
MEIOS cosmológico e social, pela lei sociológica da hereditariedade,
tinha aferro à monarquia no tempo em que o Brasil e Portugal se
identificavam e formavam uma só nação. Quando soou a hora da
Independência, ele, ausente do Brasil, não sentiu o mesmo fogo de
patriotismo abrasar-lhe o sangue, como queimou o de Antônio Carlos
e dos outros brasileiros, que permaneceram no torrão natal. Não era
dado a Luís Paulino romper os liames de hereditariedade e das outras
condições em que se achava em Portugal. Naquele tempo, ele era
português, como eram todos os nascidos na colônia. Era cidadão da
mesma pátria. Que importa que um sofista, como Antônio Carlos,
queira desvirtuar a natureza humana? Luís Paulino, se não era
português por nascimento, foi por outras razões poderosíssimas que a
vontade humana nem sempre pode vencer.272
Podemos perceber que Deiró explica que acusar Luís Paulino de “traidor” não
tinha muito fundamento, já que o mesmo, apesar de ter nascido no Brasil, tinha laços de
consanguinidade muito fortes ligadas à nobreza portuguesa, além do fato de ter se
criado e feito toda a sua carreira em Portugal, servindo a El-rei.
271
Idem. p.49. 272
DEIRÓ. op. cit. p.235.
115
Deste modo, Luís Paulino teria o sentimento de patriotismo ligado à nação
portuguesa e não à Bahia e, consequentemente, ao Brasil, onde sempre foi de alguma
maneira um estrangeiro. Deiró ainda descreveu sobre as origens de Luís Paulino e como
a sua família tinha vários casos curiosos no tocante às escolhas políticas e “patrióticas.”
Dá-se com esta família uma singularidade: os filhos nascidos em
Lisboa, vindo ao Brasil, adotaram a causa da Independência e alguns
serviram no exército brasileiro, como o marechal Luís da França, que
gozou de extrema popularidade na Bahia; como o brigadeiro Garcês
Pinto, que foi benemérito da Independência. Ao contrário, os filhos
nascidos no Brasil, tomaram o partido de Portugal, onde serviram,
onde ficaram, como o marechal Luís Paulino, objeto do presente
debate parlamentar.273
Voltando à situação de Luís e Paulino e do Bergantim Treze de Maio, após muita
discussão e debate, em sessão do dia 10 de setembro de 1823, o ofício lido para a
câmara reafirmava a posição do Imperador de não aceitar qualquer conversa ou
negociação sem que o Brasil fosse reconhecido como estado independente, sendo,
consequentemente, impedido o desembarque do marechal Luís Paulino. Depois do
presidente consultar a câmara, a comissão de Constituição expôs o parecer que definia
alguns termos para a querela:
1º) que chegando a este porto esses emissários de S. M. Fidelíssima, o
Governo lhes permitia o desembarque se apresentarem títulos que os
caracterizem verdadeiros parlamentários; 2º) que sejam, porém,
guardados por uma guarda que os honre e defenda a arbítrio do
Governo, que tomará todas as medidas para evitar qualquer
comunicação; 3º) que o Governo não admita algumas ulteriores
negociações, que não tenham por base o autêntico e expresso
reconhecimento da independência e integridade do Império brasileiro,
e por estas ocasiões as comissões possuídas de gratidão, que deve
animar toda esta Assembleia, louvam e agradecem a S. M. o
Imperador a resolução já tomada e por sua ordem comunicada ao
marechal Luís Paulino; 4º) que este marechal, se apresentar as
instruções, a que se refere o ofício de 7 do corrente, para legitimar a
sua missão parlamentária, seja conservado no porto a bordo da
embarcação em que se acha até que cheguem os outros comissários
para com eles desembarcarem, como lhes tem sido permitido; 5º) que
no caso de estar o mesmo marechal realmente doente, o Governo lhe
possa permitir o seu desembarque para onde melhor convier,
facilitando-lhe o tratamento com devida hospitalidade e necessária
cautela; 6º) que, quando aconteça que o dito marechal não se legitime
com o caráter parlamentário, não tendo ou não querendo apresentar as
instruções, o Governo faça apresar a embarcação com todos os seus
273
Ibidem.p.236-237.
116
pertences, e igualmente o marechal Luís Paulino oficiais e tripulação,
que serão considerados prisioneiros de guerra para passarem pelo
mesmo destino que tiverem os prisioneiros; 7º) que o mesmo
procedimento se terá com os outros comissários, em iguais
circunstâncias e com as embarcações em que vieram.274
Notamos que, de acordo com o parecer, assim que chegassem os representantes
do rei, o governo iria permitir o desembarque mediante o reconhecimento da
independência e legitimidade do Império do Brasil. É perceptível ainda a manutenção
da situação de Luís Paulino a bordo da embarcação que só seria liberada quando o
restante da comitiva chegasse. O documento recomendava que as autoridades
verificassem o real estado de saúde de Luís Paulino e, caso fosse confirmada a
gravidade, se desse a permissão para o desembarque em local escolhido da sua vontade
para ser tratado. Contudo, alertando da possibilidade de prisão para o mesmo e toda a
sua tripulação, caso se recusasse a transmitir as instruções que lhe foram confiadas.
De fato, Luís Paulino obteve a liberação para desembarcar no Rio de Janeiro,
tendo ficado na residência do seu cunhado, o desembargador Antônio Garcez Pinto
Madureira, onde permaneceu vigiado por soldados. Sobre essa estadia, obtemos
detalhes relevantes fornecidos por Alexandre José de Melo Morais. Este foi um
historiador e médico brasileiro que acompanhou de perto os eventos que levaram à
Independência do Brasil, publicando em 1877 o livro a “Independência e Império do
Brasil”.275
Nessa obra, o autor reproduziu a resposta de uma carta que ele próprio
enviou ao Brigadeiro Zeferino Pimentel Moreira Freire:
O governo de então, ou porque lhe conviesse dar crédito a esses
boatos, ou porque alguns dados haviam a este respeito, mandou
imediatamente prender o Marechal-de-Campo Luís Paulino,
conduzindo-o para terra; e como se achava doente, a rogos do
Desembargador Garcez, ainda perante o general, conseguiu que não
fosse para alguma fortaleza, ficando na casa do dito desembargador,
na Rua da Glória, onde morava, com a condição, para maior
segurança, que dois capitães da guarnição o haviam de vigiar, sendo
inseparáveis de cama do general, durante as 24 horas de serviço, até
que fossem substituídos por outros. Os primeiros capitães nomeados
para este serviço foram Zeferino Pimentel Moreira Freire e José
Joaquim Januário Lapa, ambos do corpo de artilharia montada. Estes
dois oficiais apresentaram-se em casa do Desembargador Garcez, e
274
Diário da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa do Império do Brasil 1823. Sessão de 10 de
Setembro. p. 64. 275
Morais, A. J. de M. A independência e o Império do Brasil ou a independência comprada por dous
milhões de libras esterlinas e o império do Brasil com dous imperadores no seu reconhecimento, e cessão;
seguido da história da constituição política do patriarcado, e da corrupção governamental, provado com
documentos autênticos. Brasília: Senado Federal. Vol. 18. 2004.
117
cumpriam as ordens do governo: acharam Luís Paulino em estado
deplorável de magreza, e tão doente, que não podia falar. Pouco tempo
depois teve ordem de retirar-se para Portugal, morrendo logo ao sair
da barra do Rio de Janeiro.276
Este é um dos poucos documentos que relatam os últimos instantes de vida de
Luís Paulino que, de acordo com esse relato, faleceu pouco depois de deixar o porto do
Rio de Janeiro, tentando retornar a Portugal. No entanto, analisando dois documentos
referentes à morte do marechal de campo, encontramos outras informações.
A certidão de óbito elaborada pelo cirurgião do navio Glória, Joaquim de Barros
Cardozo, revela que o mesmo regressou para Portugal em dezembro, estando acometido
por uma tísica pulmonar que foi tratada até o dia do seu falecimento em 8 de janeiro de
1824. Já o Assento de óbito feito por Sebastião José Baptista (1º Tenente e comandante
do Brigue Glória) complementa as informações, explicando as coordenadas e a hora
exata da sua morte “latitude de 4 norte e 37 minutos de longitude de Greenwich pelas
onze e meia da manhã.”277
Após todo o protocolo cerimonial para prestarem as devidas
homenagens a um funcionário do governo português, seu corpo foi lançado ao mar por
volta da uma hora da tarde do dia 8 de janeiro.
Nas cartas baianas encontramos uma correspondência do Conde de Vila-Flor
destinada ao filho primogênito de Luís Paulino, Bento da França. Neste relato, o conde
lamenta a morte do marechal de campo e se dizia bastante triste com tal
acontecimento.278
Em seu testamento, Luis Paulino ponderou sobre alguns pedidos que gostaria
que fossem cumpridos. Feito em Salvador no dia 30 de setembro de 1821, dias antes de
partir para Portugal, como deputado, ordenou sobre seus herdeiros:
Instituo por meus universais herdeiros, nas 2 terças partes dos meus
bens e herança livre, a meus filhos legítimos Bento, primogênito, ao
qual pertencem os direitos dos bens vinculados, Luis Paulino, Maria
Sabina e Maria Francisca.279
Sobre o seu patrimônio e as respectivas repartições, deixou as seguintes instruções:
276
Ibidem. p. 98-99. 277
FRANÇA. op. cit. p. 236-237. 278
FRANCA e CARDOSO., op. cit. Carta anexo VIII. Carta de Conde de Vila-Flor a Bento da França.
Paço de Bemposta: 11 de fevereiro de 1824. p. 117. 279
FRANCA e CARDOSO., op. cit. Testamento de Luis Paulino. p. 222.
118
Quero que se paguem as minhas dívidas bem legalizadas, porque os
muitos transtornos que tem havido em minha casa – perda de papéis
em razão de campanhas, viagens, naufrágios e outros transtornos –
podem ter dado meios disso se aproveitarem os malvados e usurários.
Quero que a minha terça fique a minha muito amada mulher Dona
Maria Bárbara Garcez Pinto de Madureira, para dela ser usufrutuária e
por sua morte passe a ditos os ditos meus filhos na forma seguinte:
uma terça parte da dita minha terça parte para ser dividida pelo dois
meus filhos varões e cada uma das terças partes para cada uma das
ditas minhas filhas. Quero que minha mulher seja minha
testamenteira, na falta desta, meu filho Bento e, na falta deste, meu
filho Luís.
Por fim, sobre as questões fúnebres solicitou:
Não quero que se façam honras fúnebres pomposas nem ofícios, nem
armações de casa e igreja e determino que o meu cadáver seja envolto
num lençol ou pano pobre que testemunhe bem a humildade que
devemos ter diante de Deus e o nada que somos. Quero que os pobres
conduzam o meu cadáver à sepultura que será na freguesia onde eu
falecer, a cujo o pároco deixo uma esmola de 4$000 para dizer uma
missa por mim e por meus descendentes.
Não temos como comprovar, por conta das limitações das fontes que nos são
impostas, mas podemos conjecturar que possivelmente sobre a repartição dos seus bens,
tais solicitações possam ter sido plenamente atendidas. No entanto, quanto às
solicitações fúnebres, entendemos que por conta da morte de Luis Paulino ter
acontecido em meio ao mar quando regressava para Portugal, no Brigue Glória, seus
pedidos não puderam ser atendidos.
Luís Paulino faleceu com apenas 53 anos, sendo conhecido por uma parte dos
relatos históricos como traidor da causa brasileira no contexto da independência. Por
outro lado, percebemos como a sua devoção e lealdade à coroa portuguesa ficam
evidenciados numa análise mais pormenorizada da sua trajetória. Em vários momentos
de sua curta existência, Luís Paulino optou por se ausentar da própria família e da terra
natal para servir ao rei, inclusive vindo a falecer cumprindo ou pelo menos tentando
cumprir mais uma missão a serviço de Portugal, mesmo sem conhecê-la por completo.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Salvo raras exceções, livros, dissertações, teses ou qualquer outro estudo que
falam sobre ou fazem menção a Luís Paulino de Oliveira Pinto da França são unânimes
em caracterizá-lo como uma figura avessa às ideias da Independência do Brasil, ou –
para utilizar os termos da época, um “inimigo” da causa brasileira. Desta forma, sua
imagem ficou associada à figura de um “traidor”, principalmente pelo fato de ter sido o
único deputado baiano às Cortes de 1821-1822 a se posicionar a favor da união dos
Reinos.
Ao longo dos anos, essa imagem foi se impondo às fontes da época e
influenciando os primeiros estudos que analisaram a Independência brasileira, a
exemplo dos realizados por Carvalho e Deiró. Sem maior aprofundamento, foi também
reproduzida por uma historiografia mais recente, que não se propõe a questionar com
afinco sobre os motivos e causas que levaram Luis Paulino a adotar determinadas
posturas e a assumir determinados posicionamentos ao longo da sua vida pública.
A partir da leitura desses estudos e de reflexões em torno de alguns documentos,
essa dissertação teve por objetivo preencher uma lacuna que, no nosso entendimento,
continuava aberta na historiografia, sobretudo, na historiografia baiana, na qual são
poucas as análises ou informações referentes à trajetória de Luis Paulino, suas relações
familiares e com o rei de Portugal. Nas escassas citações existentes, a maioria se
concentrou nos estudos sobre o processo de Independência na Bahia recorrendo, por
exemplo, aos relatos de sua esposa, Maria Bárbara, que foram utilizados por
historiadores de reconhecida envergadura, como Ubiratan Castro de Araújo, no seu livro
A Guerra da Bahia. Outras rápidas referências podem ser encontradas em estudos sobre
senhores de engenho, como podemos perceber em artigos de João José Reis, Consuelo
Pondé de Sena e Maria Beatriz Nizza, ou sobre os deputados baianos que foram eleitos
para as Cortes de 1821 e 1822.
Estudar a trajetória de Luis Paulino, destacando a sua carreira militar e política,
nos permitiu compreender o porquê de uma vida voltada inteiramente para servir à
monarquia de Portugal e, principalmente, ao rei D. João VI. Ao longo do estudo
pudemos perceber o crescimento da sua carreira militar, desde quando começou como
um simples cadete, até alcançar o comando do 1º Regimento de Cavalaria de Portugal.
Acompanhar e analisar as mudanças de patentes, graças e honras alcançadas por Luis
120
Paulino foi muito construtivo para o aprofundamento da pesquisa, pois pudemos
constatar sua busca incansável de servir ao Rei, mas também perceber o significado e as
expectativas que a carreira militar tinha para aquele vassalo que, sem dúvida, sempre a
tivera na conta de uma das principais vias de ascensão social de que poderia dispor
naquela época.
No período da Convocação para as Cortes Constituintes, Luis Paulino foi eleito
com um número significativo de votos (19), atrás somente de José Lino Coutinho, com
21 votos e Antônio Gomes, com 20. Nas Cortes, ele se destacou pelo seu discurso em
prol do Reino Unido. Suas intervenções sempre foram pautadas pela tentativa de
igualdade dos reinos. Ao longo da sua carreira política, por ter um posicionamento
diferente da maioria dos deputados, Luis Paulino sofreu algumas represálias, acusações
e até mesmo agressões, lembremo-nos do caso com Cipriano Barata, que o desafiou a
um duelo de espadas e chegou a agredi-lo nas assembleias das Cortes lisboetas.
Dissolvida as Cortes, foi interessante acompanhar também os passos seguintes
de Luis Paulino. Primeiro, porque ele não voltou para o Brasil, como muitos dos
deputados fizeram. Ficou por alguns meses ainda em Portugal, fazendo parte da Câmara
dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, até ser convocado por D. João VI para
fazer parte de uma missão. Regressando ao Brasil, especificamente para a Bahia, Luis
Paulino tratou de seguir as ordens que lhe tinham sido outorgadas e, logo depois, partiu
para o Rio de Janeiro, para se juntar ao Conde de Rio Maior e Francisco José Vieira
para continuar a missão frente aos deputados da Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa do Império do Brasil, de 1823.
Acreditamos que Luis Paulino não imaginava que a sua trajetória estava
chegando ao fim. Inúmeros são os relatos sobre a sua saúde, que visualizamos em várias
cartas que traem registros sobre as suas infinitas moléstias. Não podemos precisar sobre
o seu estado de saúde em meados de 1823, mas os contínuos relatos e alguns ofícios que
foram enviados à Assembleia Legislativa, solicitando o seu desembarque por conta da
sua saúde, nos fazem compreender que ele não se encontrava em bom estado. Mas,
ainda assim não negligenciava do cumprimento das ordens que recebera, embora se
tratasse de uma missão cujos propósitos ele, de fato, desconhecia. Afirmamos o seu
desconhecimento com base em um fato que nos chamou a atenção, a existência de três
121
instruções distintas referentes àquela missão: Instruções Gerais, Instruções Secretas e
Instruções Secretas Subsidiarias.280
As Instruções Secretas e Secretas Subsidiárias estavam guardadas – em segredo
– pelo Conde de Rio Maior e por Francisco José Vieira. A Luis Paulino coube – ou foi
permitido – apenas saber da existência de um daqueles documentos, as Instruções
Gerais. Não sabemos o porquê ele não teve acesso às outras duas Instruções referentes à
missão da qual participava, mas podemos conjecturar duas situações. Primeiro,
podemos pensar que, para o Rei, a fidelidade de Luis Paulino talvez não bastasse para
sua majestade lhe confiar as Instruções de caráter secreto. Por outro lado, podemos
cogitar a omissão dos referidos documentos como estratégia de “preservação” ou de
“cuidado” do rei para com o seu fiel vassalo, pois, foi com esse adjetivo que, em carta
régia de 1823, o rei se dirigiu a Luis Paulino. Pensada da perspectiva de uma estratégia,
é possível inferir que a omissão das Instruções Secretas também preservaria o
cumprimento e, talvez, o sucesso da própria missão. Afinal, na misteriosa missão,
coubera a Luis Paulino a tarefa de fazer o primeiro contato com o recém estabelecido
governo independente do Brasil.
Tentamos reunir o maior número de fontes que de alguma maneira pudesse nos
dar subsídio para fazer esse trabalho. Cada membro dessa família em particular trouxe
uma contribuição para esse estudo. Contudo, por conta da limitação de documentação,
decidimos, dentro das possibilidades, focar nossas atenções em Luis Paulino.
Infelizmente até hoje não sabemos, o que, de fato, aconteceu com as correspondências
de Luis Paulino entre os anos de 1821 a 1823. Desse período só temos cartas de sua
esposa, seus filhos e de alguns dos seus irmãos.
Depois da morte de Luis Paulino, Maria Bárbara continuou no Brasil, no
engenho da família, no Recôncavo da Bahia. Há um relato interessante feito por Bertand
Filipe Alberto Patroni que, viajando pelo Brasil escreveu sobre a presença de Maria
Bárbara, a “ilustre e mui bela viúva do Marechal Luis Paulino Pinto da frança” que,
juntamente com outros sujeitos da sociedade baiana estavam reunidos no engenho Brito
do Iguape, cuja dona era a irmã de Rodrigo Falcão, seu genro. Segundo relato de
Patroni:
(..) a companhia era escolhida; todos os ricos lavradores de Iguape ali
apareceram; reinava a profusão e a alegria por toda a parte; e a deusa a
quem se dedicavam tantas oferendas fazia a alma daquele congresso
280
Anotações de A.M.V de Drummond á sua biografia. p.67.
122
respeitável. Eu lhe ouvi cantar uma breve ária, a doçura da sua voz
encantou meus sentidos e fez em mim a mesma impressão que Vénus
fizera ao pai dos deuses, quando as lácteas tetas lhe tremiam no
concílio celeste, congregado para decidir da sorte dos lusitanos nos
mares da Índia.281
Esse relato, um tanto quanto exótico, foi um dos únicos encontrados sobre Maria
Bárbara depois da morte de Luis Paulino. Sobre sua família, sabemos que Maria
Francisca morreu sem ter sido casada e sem ter filhos, e que todos os seus bens foram
deixados para o seu sobrinho Salvador, filho do seu irmão Bento da França. Este último,
depois da Independência da Bahia teria partido para Portugal juntamente com sua
esposa e filhos onde, como seu pai, fez sua carreira militar recebendo em 1851 o título
nobiliárquico de 1º Conde da Fonte Nova, concedido pela rainha D. Maria II.
Luis Paulino ‒ o filho –, dentre outros combates no período da Independência
da Bahia, tornou-se comandante das armas na Bahia, sendo um dos líderes da Sabinada.
Ainda sobre o filho de Luis Paulino há um curioso relato feito pela Condessa de Barral
ao Imperador Pedro II, enquanto este se preparava para uma viagem pela Bahia em
1859. Na ocasião, a condessa foi solicitada a dar informações sobre as possíveis
personalidades com as quais o Imperador deveria se encontrar. Sobre Luis Paulino
Garcez, informou:
Sua Majestade o Imperador tem Guarda-Roupa efetivo, o Brigadeiro
Luís da França Pinto Garcez, homem sem educação, um verdadeiro
soldado, porém filho dum distinto Pai, Luís Paulino Pinto da França,
Deputado às Cortes em Lisboa e homem muito de bem.282
As fontes analisadas nos possibilitaram esquadrinhar de modo interessante a
figura de Luís Paulino ao longo de 53 anos de vida. Contudo, é importante ressaltar que
um estudo em nível de mestrado tem limitações inerentes a sua natureza e, com isso,
alguns aspectos da sua trajetória, principalmente os relacionados à sua atuação como
deputado às Cortes, necessitam de um maior aprofundamento.
Acreditamos que esse estudo contribui de forma modesta para entendermos com
mais detalhes a trajetória desse singular representante das elites baianas oitocentista.
Pois, como afirmamos ao longo da dissertação, além de ser um deputado às Cortes, Luis
281
PATRONI, Bertand Filipe Alberto. A viagem de Patroni pelas Províncias Brasileiras de Ceará, Rio de
São Francisco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro nos anos de 1829 e 1830. Lisboa: 1851. Apud.
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Cartas a Suas Majestades, 1859-1890, Condessa de Barral, editado pelo Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro em 1977. Apud. FRANÇA, A. D’O. P. da e CARDOSO, A. M.p. 16.
123
Paulino teve participação destacada em momentos cruciais da história luso-brasileira do
século XIX, como as guerras napoleônicas e o processo de independência do Brasil.
Como fidalgo do rei de Portugal, Luis Paulino atuou em momentos turbulentos,
participando, por exemplo, da comitiva que tentava uma negociação com D. Pedro I, e
se destacando por sua convicção de que a melhor solução para Brasil e Portugal seria a
união dos dois reinos. Sua trajetória, convicções e atuação não nos permite creditar o
seu posicionamento, intransigentemente favorável àquela união, apenas a uma
demonstração de sua eterna lealdade a D. João VI. Afinal, se por um lado esse aspecto
não pode ser negligenciado, por outro, acreditamos que essas ideias eram plenamente
coerentes com a vida de um indivíduo que, apesar de ter feito toda uma carreira
servindo à Coroa portuguesa, havia nascido na Bahia e nessas terras tinha estabelecido
relações sociais e familiares.
124
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