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DAS PICADAS À CONSTRUÇÃO DAS ESTRADAS CARROÇÁVEIS E CARREIRAS EM MINAS GERAIS- O PRIMEIRO PLANO RODOVIÁRIO EM 1835 REZENDE, Ana Maria Nogueira. Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG Mestrado Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável/MACPS Rua Dr. Fernando Scarpelli,30/401 Castelo Belo Horizonte/MG Cep.: 30.840-370 [email protected] Resumo O presente artigo irá apresentar o processo de construção das estradas em Minas Gerais, iniciado com a abertura das picadas para interiorização do Brasil e se seguiu com a melhoria da infraestrutura viária com as estradas carroçáveis e carreiras. Será a analisado o material envolvido no processo de construção das estradas carroçáveis e carreiras, o uso dado para as vias, como também as pessoas envolvidas na construção e abertura, inicialmente das picadas, que levaram as estradas carroçáveis e carreiras, dando origem as Estradas Reais e que por vez culminou no Primeiro Plano de Rodoviário de Minas Gerais em 1835, com as diretrizes do uso da estrada, que seguia para o Rio de Janeiro. Palavras-chave: Estradas carroçáveis e carreiras; Estrada real; infraestrutura viária; Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais-1835.

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DAS PICADAS À CONSTRUÇÃO DAS ESTRADAS CARROÇÁVEIS E CARREIRAS EM MINAS GERAIS- O

PRIMEIRO PLANO RODOVIÁRIO EM 1835

REZENDE, Ana Maria Nogueira.

Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG Mestrado Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável/MACPS

Rua Dr. Fernando Scarpelli,30/401 Castelo Belo Horizonte/MG Cep.: 30.840-370

[email protected]

Resumo

O presente artigo irá apresentar o processo de construção das estradas em Minas Gerais, iniciado com a abertura das picadas para interiorização do Brasil e se seguiu com a melhoria da infraestrutura viária com as estradas carroçáveis e carreiras. Será a analisado o material envolvido no processo de construção das estradas carroçáveis e carreiras, o uso dado para as vias, como também as pessoas envolvidas na construção e abertura, inicialmente das picadas, que levaram as estradas carroçáveis e carreiras, dando origem as Estradas Reais e que por vez culminou no Primeiro Plano de Rodoviário de Minas Gerais em 1835, com as diretrizes do uso da estrada, que seguia para o Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Estradas carroçáveis e carreiras; Estrada real; infraestrutura viária; Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais-1835.

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Introdução

O atual artigo mostrará como o processo de construção de estradas no Brasil desde

as primeiras entradas do bandeirantes, responsáveis pela interiorização da colônia

portuguesa através de Minas Gerais.

No percurso de adentramento pelo Brasil, primeiramente, eram abertas picadas, trilhos

utilizados por índios; em seguida vieram os bandeirantes à procura do ouro e metais

preciosos no interior da colônia.

Os bandeirantes deixavam marcos ao longo de regiões inóspitas, que seguiam pela

geografia do terreno, margens de rios e serras, desta forma, foram constituídos

pousos, paradas que mais tarde seriam utilizados para os tropeiros e viajantes, que

queriam a busca do Brasil interiorano. Vendas, taperas e igrejas, e, a partir destes, a

formação de um arraial se consolidava, e onde se encontrar maior base de registros,

frutos para uma pesquisa embasada, porém a infraestrutura viária que foi importante

para que se alcançasse a interiorização do Brasil, através de Minas Gerais, sempre

ficou aquém na nas pesquisas, tendo maior número de estudos referentes ao

ferroviarismo, por isso a necessidade primordial de nos basear em fontes primárias e

relatos de historiadores sobre as estradas no contexto mineiro.

O documento referenciado e com maior amplitude será o Primeiro Plano Rodoviário

de Minas Gerais de 1835 que apresentou diretrizes do uso das estradas carroçáveis e

carreiras, que vinham da necessidade de construção desde a constituição da Estrada

Real , conhecidos como Caminho Novo e Velho, mais tarde a Picada de Goiás (1736),

que oficializava os caminhos para Goiás.

A opção rodoviária no Brasil e as proporções geográficas de Minas Gerais mostram as

necessidades do conhecimento como se deu a infraestrutura viária de relevância para

o progresso que aconteceu graças as interligações através das estradas carroçáveis e

carreiras.

Minas Gerais no processo de construção das estradas- dos

trilhos às carreiras e carroçáveis

Motivados pela busca das riquezas relatadas pelos índios, a primeira entrada1 em

território mineiro notificada foi realizada no ano de 1553, por expedição autorizada por

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Thomé de Sousa, primeiro governador geral, sendo dirigida pelo espanhol Francisco

Bruza Espinosa e fazendo parte dela, padres da Companhia de Jesus, que objetivam

catequizar os índios. (SANTOS, 1926)

Foram várias as bandeiras que adentraram o Brasil, como a de Fernão Dias Paes

(1604-1681), entre os anos de 1674 e 1681 e a Lourenço Castanho Taques (1609-

1677), nos anos de 1670 e 1675, estas constituíram rotas que, mais tarde, seriam

consolidadas nas estradas reais e na Picada de Goiás, como ficaram conhecidos os

caminhos para a interiorização do Brasil. Segundo Santos (1926, p.25), os primeiros

sertanistas, nome dando também aos bandeirantes, os relatos eram sobre os roteiros

de viagens, não mencionavam as entradas pelos rios navegáveis e por terra. Sempre

levam índios que conheciam os caminhos, carregavam ferramentas para defesa e

trabalho. Nas trilhas, os bandeirantes faziam derrubadas, roçavam, plantavam e

tomavam providências diversas para sustento e caso precisassem retornar

apressadamente. Mathias Cardoso, em 1694, depois do falecimento de Fernão Dias

(1604-1681), retornou de São Paulo para Minas Gerais, com 1200 homens,

capturando e escravizando índios e foram abertas as primeiras estradas (SANTOS,

1926, p.33), ligadas a criação dos primeiros arraiais como Ibituruna2, Sant’Anna do

Paraopeba, Sumidouro, Baependy, Itacambira, Morrinhos (Mathias Cardoso), Olhos

d’Água, Montes Claros, Sabará, Conquista e Paracatu. A criação das estradas está

ligada à povoação.

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Mapa 1- As principais entradas e os caminhos que levaram ao povoamento mineiro

Segundo CALAES; FERREIRA (2009, p.33) foi necessário uma ligação de Minas

Gerais para o Rio de Janeiro, em 1698, objetivando a construção do Caminho Novo ou

Caminho do Couto por Garcia Rodrigues Paes, denominado também de estrada real,

entre fins do século XVII e o início do XVIII, segundo contrato com a Coroa, assinado

em 22 de outubro de 1698.

No ano de 1728, o governador Conde de Assumar (1717-1721), relatou problemas

com a conservação dos caminhos, estradas em Minas Gerais. Pediu providências

contra um padre que, atravessava paus no rio para dificultar a passagem de canoas,

obrigando os viajantes, obrigando os a ficarem mais tempo em sua casa. Constava

também que os moradores não consertavam as estradas, fazendo com eu os

viajantes permanecessem noturnamente em suas residências e assim tinham suas

bagagens assaltadas. (Cartas do Conde de Assumar, RAPM, v.3, pp. 251-252. As

transcrições deste e de outros documentos foram modernizadas para facilitar a

leitura.)

O mesmo Conde de Assumar, em 18 de novembro de 1718, remeteu a seguinte

ordem a militares e proprietários de terras, entre eles Garcia Rodrigues Paes:

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“Por terem chegado a minha notícia muitas e contínuas queixas de todas as pessoas que frequentam as estradas destas Minas pelo Caminho Novo que para elas vem do Rio de Janeiro, e ter também a de que os moradores e roceiros do dito caminho têm a culpa das ditas queixas por serem os que de propósito conservam as ditas estradas intratáveis e trabalhosas para os passageiros, para que se demorem nas suas roças não só podendo consertar os caminhos, mas ainda atalhando nos morros que a fazem dificultosa. Desejando dar remédio a tudo o referido, pelo prejuízo que causará ao bem público a falta dele, ordeno ao coronel D. Rodrigues da Fonseca que obrigue aos moradores do Caminho Novo que vivem desde sua roça até o Paraibuna a consertarem os caminhos e assim mesmo fazerem atalhos nos morros para facilitar a passagem dos mercadores e mais pessoas que vem para essas Minas, notificando os que faltando a fazer os conserto como lhes prestar ordem. Serão expulsos das terras que possuírem e serão presos e condenados com as mais penas que me parecer, e o dito Coronel me mande presos a esta vila [...] todos os que não puserem em execução a minha ordem para castigar como merecer a sua rebeldia, me hei por modo recomendada esta diligência e a brevidade dela […]” 78 APM, SC 11, fls. 76-76v.

A criação de novos caminhos está ligada inicialmente à história da formação da

capitania de Minas Gerais e São Paulo, por Carta Régia de 09 de novembro de 1709,

desmembrada do Rio de Janeiro. Mais tarde, em 02 de dezembro de 1720, Minas

Gerais foi separada de São Paulo, por alvará concedido por D. João V, fato que

demonstrou a importância de Minas Gerais para a Coroa Portuguesa. (VEIGA, 1998)

De acordo com o historiador Márcio Santos (2006), os caminhos abertos nas Minas

eram considerados estradas de “el-rey”, pois pertenciam a coroa portuguesa. Em 08

de maio de 1736, o governador de Minas Gerais, Gomes Freire de Andrade, autorizou

a abertura da Picada de Goiás, estrada real que ligava São João del-Rei a Goiás

Velho e à região do Porto de Paraty. A Picada de Goiás passou a ser uma Estrada

Real, denominação comum a todos os caminhos autorizados pelo Rei, cuja origem

primaz é ignorada, podendo estar no Brasil Colônia ou na metrópole portuguesa.

O conde de Valadares, governador da província de Minas Gerais, realizou uma

solicitação ao mestre de campo Inácio Correia Pamplona, em 1769, conforme

comprovam documentos do Arquivo Público Mineiro, que recebeu a incumbência de

melhorar as estradas rumo a Goiás, promover o povoamento da região que ficava no

entorno da Picada de Goiás e garantir a cobrança dos impostos, por meio da

concessão de sesmarias4. Tinha também o objetivo a eliminação dos entraves para a

criação de atalhos, pois esses dificultavam o escoamento da produção mineral, das

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plantações e do charque, proveniente da criação de gado às margens do rio São

Francisco.

O sertanista Urbano do Couto, foi contratado para abrir o caminho para o Sertão4

de Goiás, por conhecer a região e para isso, recebeu de Caetano Rodrigues Álvares

de Horta; Matias Barbosa da Silva; José Álvares de Mira, em Lisboa, Maximiliano de

Oliveira Leite; Francisco Rodrigues Gondim a gratificação de três mil cruzados,

ou seja um conto quatrocentos e quarenta mil réis. (FONSECA, 1961, p.61) Na história

de Goiás, Urbano do Couto é mais referenciado, sendo lembrado pelo caminho que

ajudo a traçar.

Conforme FONSECA, (1961, p. 39) para atender aos novos planos que propunha para

a Capitania, o Conde de Valadares mandou fazer estrada nova, construir pontes, ora

melhorando o caminho, ora fazendo outros para diminuir as caminhadas. Até então, as

pontes de grande porte eram inexistentes, para atravessar os rios utilizava-se o vau ou

baixio, e muitas vezes os desbravadores, viajando em linha reta, cruzavam diversas

vezes o mesmo rio, dando, assim, nome a alguns lugares, como Passa Quatro, Passa

Vinte, Passa Trinta.

A construção das novas estradas deviam ser largas, de até dois metros de largura,

revestidas de pedras, seixos rolados, com pedras de minério de canga, com drenos

feitos de braúna e outras engenharias da época, e passaram a ser conhecidas como

Estrada Real. (FONSECA, 1961)

A realidade das estradas mineiras pode ser observada no texto de Caio Prado Júnior,

se referindo ao Brasil Colônia, mas se enquadra perfeitamente nos moldes das

estradas colônias da província mineira:

As estradas coloniais são, de fato, quase sem exceção, abaixo de toda crítica; apenas transitáveis mesmo só para pedestres e animais; e isso tem tempo seco porque nas chuvas transformam-se em atoleiros em que frequentemente se desvanece qualquer esperança de passagem. [...] Estradas calçadas de pedra são na colônia verdadeiros prodígios de tão raras; podemos contar os trechos calçados nos dedos de uma só mão, e medi-los a palmo. Neste assunto de calçamento, o mais que se fazia, nos trajetos muito trafegados e sujeitos a chuvas grossas, era revesti-los nos pontos excessivamente alagadiços de paus atravessados no caminho; o que, se consolida um pouco o leito, torna a marcha sobremaneira penosa, em particular para os animais. O melhor combate à lama, e o mais empregado, era ainda contar com o Sol, e para facilitar-lhe a tarefa,

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davam-se os construtores e conservadores de estradas às vezes ao luxo de desbastar um pouco a vegetação marginal. Mas nem isto era muito frequente. (PRADO JÚNIOR, 2000, p.262).

Emília Viotti da Costa (1999) também falou sobre a precariedade das estradas no

Brasil, que também se aplicava a Minas Gerais. Citou o uso das pontes de madeira e

as estradas carroçáveis e carreiras, utilizadas pelos carros de boi, que arruinavam a

estrada, deixando-as intransitáveis:

A má conservação dos caminhos, a precariedade dos meios de transporte foram sempre um entrave ao desenvolvimento econômico do país. No período das chuvas, o trânsito ficava interrompido pelos desmoronamentos. Grossas enxurradas escavavam buracos profundos. As pontes, em geral de madeira, eram carregadas pelas enchentes. Em muitos trechos os tropeiros viam-se obrigados a vadear os rios por falta de pontes. Mesmo estradas vitais para a economia, como a que ligava São Paulo a Santos, estavam em situação precária. Até meados do século eram excepcionais as vias carroçáveis. Os carros de boi, então em uso, cavavam sulcos profundos nos caminhos, transformados pelo contínuo pisotear das tropas em lamaçais intransponíveis. (COSTA, 1999, p.313)

Segundo PIMENTA (1971, p.27), em 1821, o viajante Barão Von Eschewge, publicou

o mapa de Minas Gerais, com os caminhos e estradas carreiras que servias as suas

longínquas regiões. A estrada, recém construída e através de seu trajeto, transitavam

aventureiros e gente empreendedora eu buscava a mudança de vida, afim de

colonizar a terra e principalmente explorá-la. Mesmo assim as travessias eram

difíceis, como desfiladeiros nas gargantas e serras, era obrigatório a passagem pelos

Registros, onde pagava-se impostos, tinham suas bagagens revistadas. Embora todo

tipo de dificuldade, era grande o tráfego de pessoas e cargas pelas estradas carreiras.

Logo que proclamada a Independência do Brasil, em 1822, segundo PIMENTA (1971),

foi comunicado ao Presidente da Província, Antônio Limpo de Abreu, pela Assembleia

Legislativa que se instalou em 01 de fevereiro de 1835, sobre as obras públicas

ligadas aos canais e estradas carroçáveis, que estavam em estado deplorável,

causando prejuízo ao tesouro público e não permitindo as devidas cobranças de

impostos.

Era necessário a abertura de estradas no Império do Brasil, que também se aplicaria

a Minas Gerais, carente de melhorias na infraestrutura viária e que permitiriam melhor

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comércio e exportação do que se produzia, como carnes, queijos e grãos, trabalho que

já era desempenhado pelos tropeiros. A Lei nº 0 de 29/08/1828 / IB - Império do

Brasil:

ESTABELECE REGRAS PARA A CONSTRUÇÃO DAS OBRAS PUBLICAS, QUE TIVEREM POR OBJETIVO A NAVEGAÇÃO DE RIOS, ABERTURAS DE CANAIS, EDIFICAÇÃO DE ESTRADAS DE PONTES, CALÇADAS OU AQUEDUTOS. LEI 000000 de 29/08/1828 EMENTA: ESTABELECE REGRAS PARA A CONSTRUÇÃO DAS OBRAS PUBLICAS, QUE TIVEREM POR OBJETIVO A NAVEGAÇÃO DE RIOS, ABERTURAS DE CANAIS, EDIFICAÇÃO DE ESTRADAS DE, PONTES, CALÇADAS OU AQUEDUTOS. (LEI 00000, 29/08/1828)

Saint- Hilaire esteve no Brasil entre os anos de 1816 e 1822, a trabalho pela Academia

de Ciências de Paris. Seus relatos são fontes de conhecimento sobre as vivências nas

terras brasileiras que tanto despertavam interesse nos europeus e que nos servem de

fonte de pesquisa. Ele visitou Minas Gerais por três vezes. No livro (SAINT-HILAIRE,

2002, p.19), Segunda Viagem a São Paulo e quadro histórico da província (1822),

demonstra que a construção de estradas era difícil, que políticos e construtores,

sabiam arquitetar planos, mas lançavam-se aos devaneios, gastava mais tempo que o

necessário, sem a preocupação devida com os obstáculos.

Esta estrada chama-se Caminho do Comércio ou mais vulgarmente Caminho Novo ou Estrada Nova. Comecei a percorrê-la hoje. A parte da serra que tal via atravessa tomou-lhe o nome e chama-se da Estrada. Já tive a ocasião de observar que a cordilheira muda a cada passo de nome; isto é ver da de e sobretudo nos arredores do Rio de Janeiro. [...] Para se alcançar o ponto mais elevado da Serra da Estrada Nova não se leva menos de duas horas quando se sobe com as mulas carregadas. O caminho foi aberto, em zigue-zague, com bastante arte; construíram-se pequenas pontes para a passagem dos regatos e, nos lugares onde os desabamentos são de temer, foram as terras escoradas. SAINT-HILAIRE (2002, p.19)

Saint-Hilaire citou os diversos nomes que estrada recebeu, mas também como eram

construídas, as técnicas utilizadas e devido a estrutura geográfica do terreno,

constatando os motivos das obras de infraestrutura viária em Minas Gerais, serem

onerosas e demandarem mais tempo que o previsto.

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Figura 2- Tropeiros imagem presente no livro Segunda Viagem a São Paulo e quadro histórico da província (1822)- SAINT-HILAIRE (2002, p.109)

De acordo com BURTON (2001), que esteve no Brasil durante cinco meses,

em 1867, viajando pelo Brasil, quando era cônsul britânico em São Paulo. O

Brasil interiorano está no seu livro Viagens: do Rio de Janeiro ao Morro Velho

(1868), mostrando a realidade vivenciada pelo que se arriscavam a viajar, rumo

a interiorização do Brasil,

Nesta província, as estradas imperiais são raras; foram aprovadas verbas para a construção de uma estrada real em Goiás, mas as câmaras municipais não se combinaram, e a estrada não saiu do papel. (Burton, 2001, p.171)

A insatisfação com as dificuldades encontradas pelos caminhos, a

comunicação inexistente, os aspectos geográficos e cotidianos que se

apresentavam inoperantes, como também os desajustes políticos se fazem

presente na citação de Burton (1867), no final do século XIX, mas já era queixa

também de Saint- Hilaire (1822), fato que demonstrou, ao longo 45 anos não se

evoluiu muito no quesito estradas e a performance no contexto brasileiro.

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1835- Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais-

apontamentos para as primeiras diretrizes do tráfego e

construção de nossas estradas

Os trabalhos foram iniciados em 06 de fevereiro de 1835, pelo deputado

Bernardo Pereira de Vasconcelos, com a apresentação de projeto que deu

origem a a Lei nº 18, publicado no órgão de imprensa oficial de 1º a 8 de abril

de 1835 e foi sancionada pelo então, presidente da província de Minas Gerais,

Antônio Paulino Limpo de Abreu:

Essas estradas, destinadas ao trânsito de carros e carruagens de quatro rodas, teriam as suas construções com as seguintes características: alinhamentos retos, de preferência, leito encascalhado e abaulado, com a largura de 35 palmos, incluída a do acostamento; faixas laterais com a largura de 60 palmos, cada uma; pontes de pedras ou de madeira de lei, com largura suficiente para o trânsito de dois carros, um ao lado do outro, e passagem especial para o trânsito de peões e viajantes a pé; em pontos apropriados, chafarizes para viajantes e bebedouros para os animais; sinalização com postes nos cruzamentos, contendo cartazes mostrando as direções e com lápides indicando as distâncias. PIMENTA (1971, p.39)

Em 1835, a lei já previa barreiras para a cobrança de taxas itinerárias ou

pedágio. Havendo também inspetoria da polícia para a segurança de tráfego,

criando o órgão de “Inspeção e Conservação das Obras e do Leito.”

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Mapa 3- Organizado por Dermeval Pimenta para o livro Caminhos de Minas (1971, p.109)

Ficava determinado, conforme PIMENTA (1971, p.39), o Primeiro Plano Rodoviário da

Província em seus artigos de 1º ao 4º que:

a) Seriam construídas quatro estradas principais ou linhas-tronco, partindo da Capital da Província e se dirigindo as cidades e vilas mais remotas situadas ao norte, sul, leste e oeste da Província; b) dessas estradas principais partiriam laterais ou ramais que fossem necessários para que as cidades e vilas por elas servidas se comunicassem com a Capital; c) seriam, também, construídas quatro estradas ao sul da Capital da Província e que se dirigiam aos limites com a Província do Rio de Janeiro, a fim de que as regiões por elas servidas se pusessem em comunicação com a Capital do Império. (PIMENTA, 1971, p.39)

No artigo 49 da lei, segundo PIMENTA (1971, p. 40) as fazendas que eram

cortadas pelas estradas tinham que destinar pastos fechados para descanso

dos animais já que muitos carros, carruagens e diligências eram de tração

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animal. No entanto esses fazendeiros podiam cobrar 20 réis por cada animal que do

pasto utilizasse, por cada dia e noite. Em 1837, de acordo com a lei nº78, a cobrança

se tornou inviável, desobrigando os fazendeiros deste ônus, mas o governo teria que

plantar gramas nas faixas das estradas terrestres e podendo arrendá-las para

particulares.

Considerações finais

Conforme analisado a estrada está intrinsecamente ligada a história e ao crescimento

das povoações. Para Minas Gerais não foi diferente, os caminhos levavam às minas

extrativas de metais preciosos e depois serviram de passagem para o adentramento

do Brasil, buscando a interiorização do país.

Os viajantes europeus que aqui estiveram foram fundamentais para o conhecimento

de como era a vida no Brasil e em Minas Gerais, pois existem lacunas históricas que

são sanadas por seus relatos de viagem que aconteceram no início e fim do século

XIX, principalmente, mas mostra como era antes.

E neste contexto que se inseri a estrada, o caminho, as descrições geográficas e

como eram construídas, as dificuldades encontradas e a falta de entrosamento

político. Saint – Hilaire em 1822, além de mostrar como eram construídas as estradas

do Caminho Novo, que recebia diversos nomes como Estrada do Comércio ou apenas

Estrada, mostrava as contenções que eram feitas para conter desabamentos, mas

também criticava a morosidade das obras de infraestrutura viária, sendo os executores

bons em planejamento e deixando a desejar na execução.

A frase do viajante Richard Burton sobre a “estrada real em Goiás”, escrita em 1867,

quando esteve em viagem pelo Brasil, comprovava a pouca atenção dada pelos

governos para a construção de estradas.

Nesta província, as estradas imperiais são raras; foram aprovadas verbas para a construção de uma estrada real em Goiás, mas as câmaras municipais não se combinaram, e a estrada não saiu do papel. (Burton, 2001, p.171)

Em 1835, foi criado o Primeiro Plano Rodoviário de Minas Gerais, que delimitou as

diretrizes para a construção de estradas, sua expansão e seu uso. Dermeval Pimenta

discute o assunto no livro Caminhos de Minas (1971), criando um mapa que mostra as

diretrizes levantadas na lei. Porém em 1837 o governo da Província desonera do ônus

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dos fazendeiros darem pouso para animais e tropeiros, mesmo podendo cobrar a

quantia de vinte réis pelos animais, sendo que precisava plantar gramas na faixas no

entorno da estrada e podendo arrendar terrenos.

Consequentemente o estudo de estradas, abertura de caminhos pioneiros atraíam e

ainda atraem pouca atenção de pesquisadores, que preferiram voltar sua atenção para

os centros urbanos, daí a necessidade que se mostra cada vez maior, pois o Brasil

optou pelo rodoviarismo (1960) e o ferroviarismo recebe número maior de estudos. A

infraestrutura viária terrestre merece maior atenção e Minas Gerais neste contexto

possui a maior malha rodoviária5 do Brasil, com aproximadamente 24.000 quilômetros

de estradas.

Notas

1 As entradas e bandeiras foram expedições de desbravamento territorial, que ocorreram no

Brasil Colônia entre os séculos XVII e XVIII. as entradas eram expedições oficiais (organizadas pelo governo) que saiam do litoral em direção ao interior do Brasil. Tinham como objetivo principal fazer o mapeamento do território brasileiro, principalmente da região interior. Estas informações eram enviadas a Portugal, com objetivo de aumentar o conhecimento e viabilizar a colonização do interior do Brasil. Atuavam no combate aos grupos indígenas que ofereciam resistência aos colonizadores. As entradas eram compostas, em sua maioria, por soldados portugueses e brasileiros (a serviços das províncias). 2

Ibituruna, cidade emancipada em 1963, recebeu o primeiro marco de sesmaria de Minas Gerais em 1674, por Fernão Dias Paes. 3 Sertão, no dicionário de Raphael Bluteau, sertão significa “região apartada do mar e por todas

as partes metidas entre terras”. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ( ... )Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 –1728, v. 7, p. 613. O Sertanista era uma pessoa que se embrenhava nos sertões à caça de riquezas; bandeirante, tida como grande conhecedora do sertão e dos hábitos sertanejos e especialista em assuntos do sertão. 4As sesmarias eram cartas de concessão de terras a quem já as habitasse em geral pessoas

de posses que pudessem fazer melhorias com o objetivo de povoar, adentrar, interiorizar. A Comarca do Rio das Mortes foi a que mais distribuiu cartas, em total de 1072 sesmarias . 5

Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do Brasil, equivalente a 16% de toda a malha

viária existente no país. No estado, são 269.546 km de rodovias. Deste total, 7.689 km são de rodovias federais, 23.663 km de rodovias estaduais, e 238.191 km, de rodovias municipais. Quanto às características das estradas, a malha federal é toda pavimentada. A estadual se divide em 13.995 km pavimentados e 9.724 km não pavimentados. A maioria das rodovias municipais não é pavimentada.Belo Horizonte situa-se no entroncamento de grandes rodovias, o que permite a integração de Minas Gerais com os maiores centros urbanos do País e com os principais mercados. As distâncias entre Belo Horizonte e algumas capitais são as seguintes: Brasília (716 km) São Paulo (586 km), Rio de Janeiro (434 km), Vitória (524 km), Salvador (1.372 km), Fortaleza (2.528 km) e Porto Alegre (1.712 km). Fonte:https://www.mg.gov.br/governomg/portal/m/governomg/conheca-minas/5662-rodovias/5146/5044

Referências

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4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

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Ana Maria Nogueira Rezende Mestranda em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais; bolsista da CAPES; atuante nas áreas de pesquisa: patrimônio, história, memória, transportes e estradas.

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Livros publicados: Centro-Oeste Mineiro História e Cultura (2008) / Transportador Mineiro: História Pioneira (2012)