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“De beneficiário a cidadão”: breve análise comparativa entre o Programa Bolsa Família e os Fundos Solidários na Região Sul do Brasil

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RESUMOO Bolsa Família configura-se como um programa de transferência de renda que visa, entre outras coisas, subsidiar o consumo de grupos de baixa renda. Os Fundos Solidários (FS), por sua vez, se constituem enquanto uma ação promovida pelas mais diversas entidades (religiosas, sindicais, etc.) que objetiva financiar, não apenas projetos de Economia Solidária, mas principalmente, atividades produtivas prementes e em fase inicial. Neste sentido, os FS se constituem como uma fonte de crédito acessível de mobilização e promoção social de famílias e grupos, destinada a incentivar e financiar práticas produtivas solidárias sendo considerados ainda, como um instrumento fundamental no processo de superação da condição destes agentes de beneficiários passivos das políticas assistenciais. Sendo assim, este trabalho se propõe a refletir sobre a importância e os limites encontrados tanto por beneficiários quanto por gestores de ambas as ações que, em nossa opinião, destinam recursos monetários destinados a práticas distintas, mas complementares, a saber, consumo e produção. O ponto de partida desta reflexão são duas pesquisas ainda em andamento. A primeira de âmbito acadêmico, referente ao Bolsa Família, versa sobre as moralidades subjacentes aos usos do dinheiro do programa. A segunda, fruto de uma chamada pública do MTE/SENAES, sobre Fundos Solidários, intenciona, entre outras coisas, mapear os Fundos em todo o Brasil.

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“De beneficiário a cidadão”: breve análise comparativa entre o Programa

Bolsa Família e os Fundos Solidários na Região Sul do Brasil1

Talita Jabs Eger2

José Inácio Konzen3

Miéle Ribeiro4

O Bolsa Família configura-se como um programa de transferência de renda que visa, entre outras coisas, subsidiar o consumo de grupos de baixa renda. Os Fundos Solidários (FS), por sua vez, se constituem enquanto uma ação promovida pelas mais diversas entidades (religiosas, sindicais, etc.) que objetiva financiar, não apenas projetos de Economia Solidária, mas principalmente, atividades produtivas prementes e em fase inicial. Neste sentido, os FS se constituem como uma fonte de crédito acessível de mobilização e promoção social de famílias e grupos, destinada a incentivar e financiar práticas produtivas solidárias sendo considerados ainda, como um instrumento fundamental no processo de superação da condição destes agentes de beneficiários passivos das políticas assistenciais. Sendo assim, este trabalho se propõe a refletir sobre a importância e os limites encontrados tanto por beneficiários quanto por gestores de ambas as ações que, em nossa opinião, destinam recursos monetários destinados a práticas distintas, mas complementares, a saber, consumo e produção. O ponto de partida desta reflexão são duas pesquisas ainda em andamento. A primeira de âmbito acadêmico, referente ao Bolsa Família, versa sobre as moralidades subjacentes aos usos do dinheiro do programa. A segunda, fruto de uma chamada pública do MTE/SENAES, sobre Fundos Solidários, intenciona, entre outras coisas, mapear os Fundos em todo o Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Bolsa Família, Fundos Solidários, consumo, trabalho

1 Comunicação realizada no II ENPES - Encontro Nacional de Pesquisa sobre Economia Solidária: “A economia solidária sob diversos olhares”, em 22 de setembro de 2012, São Paulo/SP.

2 Graduada em Filosofia (PUCRS), Mestranda em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS), pesquisadora

vinculada ao NUPECS/UFRGS. Atua como Pesquisadora Econômica no projeto “Ação de Fomento às Finanças Solidárias dos Fundos Solidários na Região Sul”, CAMP/RS. [email protected] 3 Graduado em Filosofia (FAFIMC/RS), Especialista em Educação Popular (UNISINOS/RS) e Sociologia

Rural (UFRGS). Atua como Coordenador do projeto “Ação de Fomento às Finanças Solidárias dos Fundos Solidários na Região Sul”, CAMP/RS. [email protected] 4 Socióloga, Especialista em Projetos Sociais e Culturais (UFRGS). Atua como Técnica Especialista no

projeto “Ação de Fomento às Finanças Solidárias dos Fundos Solidários na Região Sul”, CAMP/RS. [email protected]

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Breve contextualização

Na presente comunicação nos propomos a refletir, ainda que breve e

inicialmente, sobre a importância atribuída por parte dos beneficiários e os limites

encontrados por gestores de, por um lado, um Programa de Transferência de Renda

implementado pelo Governo Federal – Bolsa Família - e, por outro, uma ação

desenvolvida por entidades não governamentais que visa financiar, de modo geral,

práticas produtivas solidárias, bem como possibilitar a formação e a mobilização entre

grupos de baixa renda – os Fundos Solidários. Neste sentido, cabe contextualizarmos

o cenário em que estes dois temas se encontram, as pesquisas a partir das quais

traremos os dados que aqui serão discutidos.

A pesquisa referente ao Bolsa Família (BF), intitulada provisoriamente de “As

moralidades subjacentes aos usos do dinheiro do Bolsa Família” 5 , vem sendo

desenvolvida em âmbito acadêmico visando a elaboração de uma dissertação de

mestrado. Trata-se de uma pesquisa etnográfica, baseada fundamentalmente em

observação participante, cujo objetivo primeiro é refletir sobre os usos sociais do

dinheiro 6 do Bolsa Família, procurando com isso, compreender quais são os

significados sociais e simbólicos deste dinheiro, quais são seus usos, localizações

bem como de que modo está relacionado às relações de poder, idade e gênero.

Questiona-se, sobretudo, sobre quais são os usos considerados adequados e quais as

restrições feitas a este dinheiro. Neste sentido, a preocupação é fundamentalmente de

ordem discursiva. O que significa dizer que, objetiva-se, neste trabalho, apreender as

categorias morais que subjazem e que orientam os usos deste dinheiro mais do que

avaliar os reais usos que dele são feitos. Sendo assim, beneficiários, não beneficiários

pertencentes a mesma rede dos primeiros, profissionais dos Centros de Referência de

Assistência Social (CRAS) e profissionais vinculados a entidades não governamentais

prestadoras de atendimento socioassistencial, são observados e entrevistados a fim

de compreender em que medida as relações estabelecidas entre estes agentes se

vinculam às categorias morais observadas em torno deste recurso monetário. O

trabalho vem sendo realizado em um município da Região Metropolitana de Porto

Alegre e em uma das Ilhas de Porto Alegre7.

5 Desenvolvida por Talita Jabs Eger, em nível de mestrado acadêmico e sob orientação do Prof. Dr. Arlei

Sander Damo, PPGAS/UFRGS. 6 Os usos sociais do dinheiro é um tema tradicional no âmbito da Antropologia Econômica, tendo como

principais referências autores como Simmel (1998), Zelizer (2003, 2005, 2009), Wilkis (2008), entre outros. 7 Optou-se por não mencionar o nome do município em questão, assim como o da Ilha, uma vez que

considera-se importante, por questões éticas, não revelar e não possibilitar a identificação dos profissionais e dos usuários dos serviços pesquisados.

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A pesquisa referente aos Fundos Solidários (FS), por sua vez, integra um

projeto que vem sendo realizado em âmbito nacional, fruto de uma seleção pública e

do Convênio SENAES/MTE8. Executado nas regiões sul, sudeste, centro-oeste, norte

e nordeste, tem como objetivos constituir e fortalecer uma rede e uma política pública

de FS. A partir dos mapeamentos regionais pretende-se organizar um Cadastro

Nacional de Fundos Solidários a partir do qual se intenciona constituir e fortalecer a

Rede Nacional de Fundos Solidários e, com isso, dialogar com os governos para

ampliação e fortalecimento da metodologia de FS com apoio de políticas públicas9.

No que tange a região sul10, o projeto visa mapear11 e debater a realidade dos

FS na região, sistematizar suas linhas de ação e metodologias de gestão, analisar

seus resultados com prioridade para geração de trabalho e renda e fortalecimento de

empreendimentos econômicos solidários e sustentáveis e estimular a organização de

novos Fundos na região. Objetiva ainda, capacitar lideranças sobre a gestão de

fundos rotativos solidários, debater e propor articulação das ações dos fundos

solidários em rede estadual, regional, nacional.

Neste momento, faz-se necessário apontar para as diferenças observadas

entre a região sul e outras regiões do país e a discussão, ainda em desenvolvimento,

sobre a tipologia dos Fundos.

De modo geral, considera-se Fundo Rotativo Solidário (FRS), também

conhecido como Fundo Comunitário, aquelas experiências solidárias de

autossustentação, caracterizadas principalmente, pelas práticas de mutirão e de ajuda

mútua. Os Fundos Rotativos Solidários podem reunir diferentes tipos de recursos

(financeiros, animais, sementes, terras, serviços, mão de obra, etc.) que são

fornecidos, administrados e recebidos pelos participantes, circulando entre todos eles.

Contudo, a região sul apresenta uma realidade um pouco diferente daquela

encontrada em outras regiões do país onde há uma proeminência de FRS. No sul, os

Fundos ficaram conhecidos como Fundo de Mini Projetos e Fundo de Apoio a

8 O projeto é executado por diferentes entidades em cada uma das cinco regiões do País. Na região Sul,

a entidade responsável pela execução do Convênio SENAES/MTE nº 7496630/2010 é o CAMP - Centro de Assessoria Multiprofissional, sediado em Porto Alegre/RS. Email para contato com a equipe: [email protected] 9 Para maiores informações ver, por exemplo, Cartilha dos Fundos Solidários: Contribuição sobre

histórico, constituição e gestão, formulada pela equipe executiva da região sul, em agosto de 2012. http://camp.org.br/?canal=fundossolidarios 10

O projeto regional Sul conta com a participação efetiva do Conselho Gestor, composto pelas seguintes entidades: Associação do Voluntariado e da Solidariedade (AVESOL), Cáritas Nacional, Cáritas Brasileira Regional RS, Cáritas Brasileira Regional SC, Cáritas Diocesana de Ponta Grossa/PR, Fundação Luterana de Diaconia (FLD), Fórum Estadual de Economia Solidária de Santa Catarina, Instituto Acordar, Fórum Estadual de Economia Solidária do Paraná e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). 11

Conforme carta de apresentação do projeto. Disponível na página do projeto: http://camp.org.br/?canal=fundossolidarios

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Pequenos Projetos Comunitários. A principal característica desta modalidade é que,

diferentemente dos FRS, ele é gerido por uma entidade (religiosa, ONG, sindical, etc.).

Esta entidade estabelece os critérios a fim de selecionar os projetos e grupos que

serão beneficiados pelos recursos do Fundo, divulgam seus critérios através de

editais, chamadas públicas, avisos (jornais, internet, rádios comunitárias, etc.),

aprovam e repassam os recursos para os projetos selecionados12. Além do apoio

financeiro, estas entidades proporcionam também, dentro de suas condições,

acompanhamento aos grupos e projetos beneficiados e formação (política, economia

solidária, etc.). Alguns destes fundos operam com a dinâmica de devolução por parte

dos grupos beneficiados, o que poderia permitir que os chamássemos também de

Fundos Rotativos, contudo, acreditamos que as diferenças encontradas entre

diferentes modalidades de fundo precisam ser melhor delimitadas a fim de que

possamos visualizar a riqueza das diversas experiências encontradas no país13. E,

por esta razão, salientamos a principal diferença entre o que aqui chamamos de FRS

e os FS, enquanto no primeiro o beneficiário é também gestor, no segundo, o

beneficiário não é gestor do Fundo.

Dito isso, cabe ainda, apontar para as diferentes metodologias utilizadas em

cada uma das pesquisas norteadoras desta reflexão. Como já foi dito anteriormente, a

pesquisa acerca do BF parte da observação participante e de entrevistas

semiestruturadas com beneficiários e não beneficiários do Programa (pertencentes a

uma mesma rede de relações) e prestadores de serviço socioassistencial (municipais

e de organizações não governamentais). O projeto FS Região Sul, por sua vez, tem

como objetivo mapear 10 FS na Região14 e, considerando a característica local, como

foi salientado acima, entrevistar 30 grupos e empreendimentos 15 beneficiados por

estes FS na medida em que se considera relevante compreender o impacto destas

ações para estes grupos e empreendimentos. O instrumental de mapeamento dos

fundos apresenta questões tanto quantitativas quanto qualitativas. O roteiro de

questões voltadas aos grupos e empreendimentos, no entanto, é fundamentalmente

qualitativo.

A questão sobre a qual nos debruçaremos, portanto, diz respeito à importância

atribuída a cada uma destas ações por parte dos beneficiários bem como os limites

12

Para maiores informações ver: KONZEN, EGER, RIBEIRO (2012). 13

É importante salientar que esta é uma discussão ainda em desenvolvimento pelos grupos envolvidos no mapeamento dos Fundos no Brasil e pelos Conselhos Gestores Regionais. A tipologia que apresentamos aqui é, portanto, temporária e visa, sobretudo, apontar uma das diferenças que encontramos entre duas modalidades de Fundos. 14

A equipe identificou, até o momento, 36 Fundos Solidários dos quais já foram mapeados 20. 15

Foram realizadas entrevistas com dez projetos e empreendimentos de economia solidária em cada um dos Estados da Região Sul – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

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encontrados, por parte dos gestores, no processo de implementação e execução

destas ações, que, em nossa opinião, dizem respeito a práticas distintas, mas

complementares, a saber, consumo e produção.

Comecemos, portanto, pontuando as dinâmicas e os modos como cada uma

destas ações é implementada. A fim de não traçar paralelos entre realidades e

dimensões distintas privilegiaremos, a título de recorte analítico, os dados referentes a

projetos e empreendimentos de economia solidária urbanos bem como nos deteremos

aos Fundos Solidários monetários, ou seja, aqueles que fazem repasse de dinheiro

aos grupos e projetos apoiados. Deixando de lado, portanto, os projetos pesquisados

situados na área rural, as Casas de Sementes, etc.

A discussão a que nos propomos aqui procura aproximar dois temas, ainda que

a partir de pesquisas, métodos e universos empíricos distintos, se tocam e, em alguma

medida, se complementam. O objetivo principal é, antes de mais nada, dar início a

uma reflexão que, conforme acreditamos, se faz necessária e promissora na medida

em que o país avança na garantia de direitos sociais básicos e que procura por portas

de saída para os beneficiários de Programas de Transferência de Renda do Governo

Federal.

Se, em um primeiro momento, faz-se necessário apontar para o modo como

estas ações são implementadas, por outro, é de extrema importância refletir sobre o

impacto que causam na vida dos beneficiários bem como os limites encontrados pelos

gestores durante a execução.

Bolsa Família: a realidade de sua implementação em um município da Região

Metropolitana de Porto Alegre

O Programa Bolsa Família foi instituído por Medida Provisória em 200316, com

o objetivo de unificar outros programas de transferência de renda do Governo Federal

(PETI, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação, além do Vale Gás).

Integrando esses programas, aumentando o valor dos benefícios monetários,

esforçando-se para ampliar a proteção e corrigir os desvios (relação entre famílias

elegíveis e beneficiárias [indicador de inclusão] e famílias não elegíveis e beneficiárias

[indicador de exclusão])17, consolidou-se como um dos maiores e mais ambiciosos

instrumentos de política social brasileira (SANT‟ANA, 2007; SOARES e SÁTYRO,

2009), beneficiando mais de 13 milhões de famílias e tendo um orçamento, em 2011,

de 13,4 bilhões de Reais. Superado em número de beneficiários pelo SUS, que

16

Medida Provisória nº 132, de 20 de Outubro de 2003. 17

Ver em Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. http://www.mds.gov.br/

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atende, a princípio, toda a população brasileira; pela educação pública, que atende

cerca de 52 milhões de alunos; e pela Previdência Social, que concede 21 milhões de

benefícios (SOARES e SÁTYRO, idem), o Bolsa Família, que completou 8 anos no dia

20 de outubro de 2011, já investiu 76 bilhões de reais.18

O Programa opera a partir de duas linhas de pobreza – extrema pobreza e

pobreza. Considera-se elegíveis aquelas famílias que apresentam uma renda familiar

per capita mensal abaixo de R$ 70,00, consideradas segundo o Programa,

extremamente pobres e, aquelas famílias que apresentam uma renda familiar per

capita mensal entre R$ 70,01 e 140,00, consideradas pobres.

É importante ressaltar ainda que, se, por um lado, o Bolsa Família visa

beneficiar as famílias, não apenas através da transferência de renda, mas também

reforçando o acesso a direitos sociais básicos, por outro, há um evidente enfoque nas

mulheres, considerando que estas somam cerca de 93% dos titulares do benefício, e

também nas crianças, que em última instância, se beneficiam dos resultados

alcançados através das condicionalidades. O que, na prática, pelo menos no município

estudado, vem se apresentando como um problema no que diz respeito a condição

dos homens no interior das famílias beneficiárias que, tanto para as mulheres

beneficiadas quanto para as assistentes sociais entrevistadas são considerados

responsáveis pela situação financeira desfavorável na qual suas famílias se encontram

(EGER, 2012). Dado relevante na medida em que a configuração do Programa

descredibiliza os homens cujas famílias solicitam o benefício (refiro-me as muitas

vezes em que quando uma mulher procurava as assistentes nos CRAS e ao solicitar o

benefício mencionava ser casada com um homem desempregado, o comentário que

se seguia entre as profissionais era sempre algo que girava em torno de “mais uma

sendo explorada pelo marido” ou, ainda, “outro homem que vive à custa da mulher,

coitada”). Não obstante, ainda que as condicionalidades previstas pelo Programa

sejam acompanhadas é importante salientar que estas dizem respeito apenas as

crianças (vacinação, frequência escolar) e as mulheres/mães (pré-natal, pesagem,

etc.). Além da já referida falta de atenção aos homens, o Programa, ao privilegiar o

atendimento às mulheres enquanto mães (privilegiando aspectos reprodutivos) reforça

a divisão sexual do trabalho tradicional – homem/pai como provedor e mulher/mãe

como cuidadora -, o que, obviamente, sobrecarrega e desestabiliza as relações

familiares. Este é um dado importante também no que diz respeito aos cursos e ações

complementares propostos no âmbito do Programa para estas mulheres – artesanato,

18

http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo/bolsa-familia-completa-8-anos-nesta-quinta-feira-com-investimentos-de-r-76-bi, consultado em 16 de janeiro de 2012.

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manicure, pedicure19 . Algumas mulheres, contudo, conseguem reverter o valor do

benefício recebido em possibilidades de trabalho como, por exemplo, Edna20 que,

sendo mãe solteira de duas meninas em idade escolar (frequentando turnos

diferentes) e não tendo a possibilidade de pagar creche para elas (o município não

dispõe de escolas infantis municipais nem turno integral para os alunos de ensino

fundamental), encontrava grandes dificuldades para exercer atividades remuneradas

regulares. Com a certeza do recebimento mensal do Bolsa Família Edna conseguiu

negociar uma vaga para cada uma de suas filhas com uma mãe-crecheira local o que

possibilitou que ela aumentasse o número de faxinas realizadas semanalmente.

O mesmo acontece com outras mulheres que tendo feito um curso de

cabelereira, de manicure, pedicure, etc., e se identificando com a atividade,

conseguem adquirir os produtos necessários para trabalhar.

No entanto, ainda que algumas dessas mulheres consigam exercer atividades

remuneradas a partir do recebimento do Bolsa Família, muitas delas só o fazem

porque, conforme afirmam, têm a possibilidade de exercer suas atividades fora do

local onde moram e/ou vender seus produtos em outros espaços. É comum o relato de

beneficiárias que tentando exercer atividades ou vender produtos no local onde moram

(muitas vezes por terem pouca ou nenhuma possibilidade de locomoção) afirmam não

terem levado seus intentos adiante por que não contavam com o apoio e compreensão

de parentes e vizinhos, conforme relata Mariana, “é complicado vender aqui [em sua

vizinhança] porque as pessoas não entendem o valor do material [que é produzido por

ela] e ficam chorando para pagar”.

Encontra-se, portanto, dificuldade tanto no processo de formação e

aperfeiçoamento quanto no processo de produção e de comercialização de bens e

serviços.

19 A maior parte dos cursos oferecidos às mulheres visa, sobretudo, ocupar seu tempo, distraí-las,

aumentar sua autoestima. Na prática, no entanto, as mulheres são levadas a produzir materiais que não serão vendidos – ou por falta de organização de eventos, ou por falta de vontade de fazê-lo ou por que, considerando-se a qualidade (e mesmo a estética) dos produtos estes não terão saída. As mulheres sabem disso e revelam procurar os cursos porque sentem vontade de fazer alguma coisa, mas sabem que não terão oportunidade de renda efetiva. Aos homens oferece-se, normalmente, cursos profissionalizantes de auxiliar de obra (pedreiro) e azulejista. Contudo há falta de profissionais capacitados para administrarem as atividades e o número de vagas não corresponde a demanda local. 20

Todos os nomes foram modificados a fim de não expor a identidade dos interlocutores.

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A prática de Fundos Solidários na Região Sul do Brasil

Segundo mapeamento realizado entre outubro de 2011 e maio de 2012, foram

identificados 36 Fundos Solidários na Região Sul, dos quais, até o momento, foram

mapeados 20 (a meta para o projeto era o mapeamento de 10 Fundos). O perfil destes

Fundos, no entanto, conforme já foi salientado em outros momentos, é institucional, ou

seja, são fundos vinculados a instituições21 da sociedade civil, tais como, Cáritas e

Dioceses (Igreja Católica), Fundação Luterana de Diaconia (Igreja Luterana), Centro

de apoio ao pequeno agricultor (CAPA), Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre,

Casas de Sementes (vinculadas a Comissão Pastoral da Terra [CPT] e ao CETAP) e

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Entre estas entidades, 35 são

gestoras de Fundos, 3 são também fomentadoras e há 2 Casas de Sementes.

Neste sentido, ao se considerar a especificidade da Região Sul em relação aos

perfis de Fundos, tornou-se necessário voltar nossas atenções aos projetos e

empreendimentos de economia solidária apoiados por Fundos Solidários.

Entrevistamos 28 responsáveis por projetos e empreendimentos de economia solidária

nos três Estados do Sul a procura da importância do apoio recebido – tanto financeiro

quanto de formação - durante o processo de organização dos projetos, bem como ao

longo de suas atividades.

No que diz respeito aos valores repassados para estes grupos – referindo-nos,

evidentemente, aos Fundos que fazem repasses financeiros -, a média é de 3 mil

Reais. Estes Fundos têm privilegiado apoiar projetos coletivos (compostos por no

mínimo 3 famílias) e, quando os grupos ainda não têm suas ações orientadas pelos

preceitos da Economia Solidária, procura-se oferecer formação e acompanhamento

direcionando e adequando suas práticas. Os apoios são destinados tanto às práticas

econômicas iniciais e prementes (normalmente voltadas à subsistência), como às

práticas econômico-produtivas, mobilização e formação.

O valor disponibilizado pelos Fundos, ainda que pequeno, se comparado às

demandas, contempla as necessidades de capacitação, compra de equipamentos

(alguns operam com comodatos) e, em alguns casos, capital de giro. Apoiando

também, quando se julga necessário, atividades de subsistência. O que explica a

proeminência de grupos informais22 (seguidos por associações e cooperativas) entre

os projetos apoiados. Entre os projetos e empreendimentos entrevistados, a maioria,

21

Optou-se, neste caso, por manter os nomes das entidades e dos entrevistados. Esta escolha justifica-se na medida em que estes agente se constituem enquanto figuras públicas e demandam visibilidade às atividades que exercem. 22

Aqui, entende-se os grupos informais como aqueles que não possuem nenhum tipo de registro.

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pelo menos entre aqueles ativos há pelo menos 5 anos, é bastante comum terem

recebido apoio de vários fundos.

Os Fundos Solidários operam com os mais diversos tipos de devolução. Muitos

não cobram juros ou cobram uma taxa menor, oferecem carência de 6 a 12 meses,

parcelam a devolução e outros, ainda, não operam com devolução dos recursos

repassados (isto depende, normalmente, do tipo de fomento que estes Fundos

recebem).

Só no ano de 2010 os FS da Região Sul apoiaram cerca de 5.827 famílias 23

cujo rendimento médio está abaixo de R$ 760,00 por mês. E, segundo informações

dos gestores de FS, há uma significativa parcela dos participantes dos grupos

apoiados vinculados a políticas públicas, entre as quais se destacam: Programa de

Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),

Bolsa Família (BF), Educação de Jovens de Adultos, Segurança Alimentar em

Assentamento, Assentamento de Reforma Agrária.

Os gestores são unânimes em afirmar que, apesar das dificuldades

encontradas para levar as ações adiante, os Fundos Solidários, orientados que são

pelos preceitos da Economia Solidária, configuram-se como uma importante

ferramenta no processo de mudança do modo de viver e de produzir de inúmeros

trabalhadores que experimentam diariamente a realidade do desemprego estrutural,

entre os quais estão beneficiários do BF. Ademais, é visível, entre os grupos mais

antigos e estruturados, o aumento da participação em Fóruns, Conselhos e espaços

de discussão e formulação de políticas. A participação política destes grupos converte-

se em projetos e ações voltadas para suas comunidades, como por exemplo, o Centro

Social voltado ao atendimento de crianças, adolescentes e a família, constituído por

um grupo de costureiras vinculadas a Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos

(UNIVENS), sediada em Porto Alegre/RS e o Projeto Jovem Aprendiz, implementado

pela Cooperativa Mista de Trabalho e Produção Bom Samaritano (COOPERBOM),

sediada em Viamão/RS.

Limites impostos aos gestores: ações distintas, obstáculos semelhantes

Como já mencionado anteriormente, a pesquisa referente ao BF foi realizada

em um município da Região Metropolitana de Porto Alegre. Faz-se necessário

ressaltar, brevemente, as características estruturais da cidade uma vez que,

considerando que o Programa é implementado pelos municípios, estas são

23

Aqui, somou-se os dados referentes a todas as modalidades de FS presentes na Região.

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características importantes. A cidade em questão conta com 7.185 famílias

beneficiárias, atendidas por 5 CRAS, cuja abrangência chega a cerca de 20 bairros

cada um. Isso se torna relevante na medida em que considerando os eixos a partir dos

quais as ações do Programa são implementadas, a assistência social se configura

enquanto uma dimensão de extrema importância. Além disso, consideramos que há

uma dimensão politico-pedagógica presente na prática destas profissionais. Sendo

assim, considerando o baixo número de equipes de referência no município24, as

atividades referentes ao socioeducativo25 são promovidas por entidades prestadoras

de serviço socioassistencial da sociedade civil, sendo estas, na cidade em questão,

majoritariamente religiosas26. A maior parte das profissionais que mantém contato

direto e frequente com os beneficiários é vinculada a alguma destas entidades.

Assim, uma das maiores dificuldades encontradas no processo de implantação

e execução das atividades propostas pelo PBF diz respeito à escassez de recursos

humanos especializados, tais como, assistentes sociais concursadas e em número

adequado para compor as equipes de referência, oficineiros e professores para os

cursos técnicos. Estes profissionais não participam apenas do processo de formação,

mas no caso das assistentes sociais, por exemplo, espera-se que elas acompanhem

com maior frequência aquelas famílias que apresentam dificuldades em cumprir as

condicionalidades, sendo estas consideradas, na maioria das vezes, em situação de

maior vulnerabilidade econômica e social.

Outro problema manifestado é a eficácia e eficiência da rede de assistência. As

profissionais não contam com uma rede sólida e estruturada o que, na prática, torna

inviável ações relativamente simples, como por exemplo, o encaminhamento dos

beneficiários a outros serviços bem como ações mais complexas, tais como, projetos e

atividades conjuntas. Os cursos profissionalizantes, além do baixo número de vagas

oferecidas, da pouca variedade de cursos e da falta de profissionais habilitados para

24

O município em questão localiza-se cerca de 1 hora de Porto Alegre, conta com uma área de 70,811 Km² e uma população de 195 718 habitantes, segundo dados do IBGE/2010. Segundo o site do Ministério do Desenvolvimento Social, a composição da equipe mínima de referência para o CRAS deve estar de acordo com o porte do município, sendo assim: 1) Municípios de Pequeno Porte I – Até 2.500 famílias referenciadas: 2 técnicos de nível superior, sendo 1 assistente social e outro, preferencialmente, psicólogo; 2 técnicos de nível médio; 2) Municípios de Pequeno Porte II – Até 3.500 famílias referenciadas: 3 técnicos de nível superior, sendo 2 assistentes sociais e, preferencialmente, 1 psicólogo; 3 técnicos de nível médio. Municípios de Médio, Grande, Metrópole e Distrito Federal - a cada 5.000 famílias referenciadas: 4 técnicos de nível superior, sendo 2 assistentes sociais, 1 psicólogo e 1 profissional que compõe o SUAS; 4 técnicos de nível médio. 25

Para maiores informações: http://mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/peti-programa-de-erradicacao-do-trabalho-infantil/gestor/peti-2013-servico-socioeducativo 26

Segundo o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), o município conta atualmente com 24 entidades religiosas cadastradas no Conselho.

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conduzi-los encontra barreiras nos próprios beneficiários que nem sempre tem

interesse pelos temas, assuntos e atividades oferecidas, seja porque não condizem

com suas expectativas ou experiências profissionais, seja porque não enxergam

possibilidades reais de execução e/ou comercialização27.

Os Fundos Solidários, por sua vez, ao contrário das ações complementares

realizadas no âmbito do BF, privilegiam a autonomia e o respeito pela identidade,

conhecimentos, saberes e fazeres dos grupos apoiados. No entanto, assim como o

BF, encontra na escassez de recursos financeiros e humanos uma barreira para a

execução de suas ações. O acompanhamento se configura como uma necessidade,

tanto do ponto de vista dos gestores quanto dos grupos apoiados, que demandam não

apenas o acompanhamento de suas atividades, mas também uma avaliação prévia

sobre as possibilidades de sustentabilidade de seus projetos, como nos afirma

Terezinha, costureira da UNIVENS, “nada é mais triste do que começar a plantar

sonhos e ter de acordar com pesadelos”.

Os gestores de Fundos mencionam também a dificuldade em “quebrar

paradigmas”, no sentido de que, como muitos dos grupos apoiados encontram-se no

momento inicial de suas trajetórias enquanto um coletivo produtivo e autogestionário

enfrentam maiores dificuldades para se firmarem enquanto grupo bem como no que

tange as suas próprias expectativas em relação a como deveria funcionar ou render

um empreendimento. Este grupos, muitas vezes fragilizados econômica e socialmente,

não conseguem se manter por muito tempo sem apoios financeiros contínuos. Quando

conseguem adquirir os equipamentos e materiais necessários para executar suas

atividades deparam-se com a necessidade de ter capital de giro para dar continuidade

ao trabalho. Como afirmam os gestores, muitas destas famílias encontram-se em

extrema pobreza, para elas, os valores disponibilizados pelos FS tornam-se, por

vezes, irrisórios. Principalmente porque não são suficientes para atender suas

necessidades mais básicas. Neste sentido torna-se relevante aprofundar a discussão

sobre a possibilidade de unir as medidas assistenciais emergenciais, como o Bolsa

Família, por exemplo, à ações formativas, produtivas e emancipatórias, como os

Fundos Solidários.

27

Ainda que não seja o foco neste momento, vale, a título de exemplo, mencionar um curso que teve grande repercussão na cidade. O curso foi oferecido pela Diaconia da Diocese local e previa a formação de empregadas domésticas. Às mulheres eram ensinadas atividades como arrumar a cama, utilização de aparelhos como máquinas de lavar roupa e produtos químicos, preparação de alimentos, etc. Além da repercussão local, segundo o Diácono, apenas 1 das 25 mulheres que finalizaram o curso não estava empregada no momento da pesquisa.

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Algumas considerações finais

A tão mencionada e criticada passividade dos beneficiários do Programa Bolsa

Família constitui-se não apenas na medida em que não se pode reivindicar pelo

benefício, uma vez que não se configura como um direito, mas principalmente porque

a maior parte das pessoas o entende como sendo fruto de uma ajuda governamental e

não como parte integrante de uma política de assistência mais ampla. Dado que revela

o modo como o Programa vem sendo implementado em alguns municípios brasileiros,

a fragilidade do quadro profissional vinculado a Assistência Social e a pouca

articulação entre diferentes ações e programas governamentais. Programa de caráter

imediatista e emergencial – e, não poderia ser diferente, uma vez que a fome não

espera e precisa ser sanada -, o BF se revela como uma importante (e, às vezes,

única) fonte de renda para muitas famílias no País. Contudo, é preciso ir além. Se

ações como os FS encontram na pobreza extrema um campo pouco frutífero, porque

extremamente frágil e vulnerabilizante, ações como o BF exigem que portas de saída

sejam oferecidas aos beneficiários. A maior parte dos gestores de FS entende a

necessidade e a importância do Bolsa Família para a população atendida e

beneficiada por ele, mas entende também a necessidade de ações mais pontuais que

se configurem enquanto porta de saída do programa e mais do que isso, porta de

entrada para a condição de cidadania efetiva, participativa.

A título de exemplo, ainda, trazemos uma das medidas implementadas na

região que buscou unir as demandas e necessidades dos beneficiários do BF à

metodologia dos Fundos. Ações como a implementada pela Pastoral da Saúde

atuante em uma cidade gaúcha que, ao estabelecer e manter relações de cuidados e

acompanhamento no que diz respeito às questões de saúde de populações mais

pobres e vulneráveis (há, neste caso, uma proeminência de beneficiários do PBF),

identificam/constatam que a maior parte das debilidades de saúde estão relacionadas

às condições nutricionais. Estes casos são discutidos em momentos de reuniões com

grupos de beneficiários do BF nos quais se propõem e estimulam ações coletivas,

associativas que objetivam melhorar as condições nutricionais e de saúde de um

modo geral. Assim, conforme o entendimento dos envolvidos sobre a situação e as

condições de atuação dos agentes da pastoral, se propõe a organização e

capacitação para que em grupo estas pessoas desenvolvam alguma atividade

produtiva que além de melhorar a autoestima (dado mencionado tanto por gestores e

agentes desta pastoral quanto por grupos beneficiados pelas ações) também

melhoram as condições alimentares que, na sua ampliação e qualificação, também

podem propiciar alguma renda. Tendo em mente estes objetivos são organizadas

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padarias comunitárias. Como os agentes da Pastoral da Saúde estabelecem e

mantém relações de parcerias com os FS, em vários eles participam inclusive da

gestão de Fundos, passam a buscar o apoio destes Fundos para a constituição das

padarias e para a capacitação dos beneficiários tanto para a produção quanto para a

gestão destas.

Os FS ao viabilizar o acesso a recursos financeiros e serviços de formação e

capacitação, de forma ágil e com diferentes possibilidades de retorno, sem as

tradicionais exigências de garantias e de retorno das linhas de crédito bancário,

inclusive do microcrédito, permitem propor uma maior articulação entre os gestores do

BF e gestores de FS. Esta aproximação e articulação se constituem como um dos

principais objetivos das ações de política pública do MTE/SENAES voltadas para a

promoção das Finanças Solidárias com base nos Fundos Solidários.

Neste sentido, compreendemos a importância do BF enquanto um programa

que visa atender as necessidades básicas e urgentes de uma camada empobrecida e

vulnerabilizada de nossa sociedade, mas também compreendemos a necessidade de

oferecermos caminhos e alternativas que permitam não só o aumento da renda e a

inclusão produtiva – elementos fundamentais para a constituição efetiva da cidadania-,

mas também a elaboração e construção de outro modo de viver e produzir. Portanto,

conforme constatamos ao longo desta comunicação, tanto BF quanto os FS

necessitam não apenas de um aporte de recursos mais substanciais28, mas também

de uma maior disponibilidade e qualificação dos recursos humanos para trabalhar, em

conjunto, estas alternativas e possibilidades com as populações carentes e

socioeconomicamente vulneráveis.

28

A discussão por trás desta afirmação refere-se não ao valor total direcionado ao Programa, mas aos valores repassados para as famílias beneficiárias.

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