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DE LA MORALE CHRÉTIENNE À LA RAISON D'ETAT: CRÍTICA
E CRISE DA ESCRAVIDÃO (1820 -1830)
Adriana Pereira Campos (UFES)
Resumo
O objetivo da comunicação é apresentar os resultados parciais do relatório de estágio
técnico realizado junto à Universidade Paris-Est, no ano de 2014, quando se realizou
levantamento das sociedades abolicionistas francesas do século XIX. O estudo se
circunscreveu-se ao estudo do Comitê pela abolição do tráfico de escravos da
Sociedade da Moral Cristã, fundada em 1821, a partir de seu órgão informativo. Nesta
apresentação discute-se a retórica abolicionista dos franceses por meio da denúncia
das condições das viagens nos navios negreiros principalmente.
Palavras-Chave: Abolicionismo; Sociedade da Moral Cristã da França; Tráfico de
Escravos.
Résumé:
Dans cette communication l'objectif est d'exposer les résultats partiels du rapport de
stage technique menée par l'Université Paris-Est, en 2014, quand il a conduit
recherche sur les sociétés abolitionnistes français du XIXe siècle. L'observation a été
limitée au Comité pour l'abolition du trait de la Société pour la Morale Chrétienne,
fondée en 1821, par son périodique. Cette exposition traite de la rhétorique
abolitionniste du français par la dénonciation des conditions de voyage des Africains,
en principalement des navires négriers.
Mots-clés: Abolitionnisme; Société de la Morale Chrétienne; Trait.
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Meu objetivo é discutir a retórica abolicionista dos franceses afiliados à
Société de la Morale Chrétienne veiculada principalmente no órgão de imprensa da
entidade (Journal de la Société de la Morale Chrétienne). Utilizo aqui a noção de
retórica como ars rhetorica que concorre para o discurso como elemento de
mobilização para a ação. Tal como elaborado por José Murilo de Carvalho (2000, p.
136) a retórica servirá nesta apresentação como chave de leitura do periódico
publicado pela société que popularizou a luta pelo fim do tráfico na França na década
de 1820.
O abolicionismo francês, embora inscrito no processo geral estudado por
David Brion Davis (2001) e Seymour Drescher (2011), possui certa singularidade em
relação tanto à Inglaterra, quanto aos Estados Unidos. Em primeiro lugar, a
irregularidade dos acontecimentos se verifica com a abolição da escravidão em 1794,
seu restabelecimento por Napoleão em 1802 e, finalmente, a eliminação da instituição
em 1848. Tal trajetória caracterizou também os vários movimentos abolicionistas da
França que contou com diferentes associações ao longo dos anos. A primeira foi a
sempre rememorada Les amis de Noirs; a segunda, o Comité pour l’abolition de la
trait e, a derradeira, a Société française pour l’abolition de l’esclavage.
Nesta explanação nos ateremos à campanha empreendida pelos membros do
Comité pour l’abolition de la trait, no período de 1820 a 1830. Preliminarmente,
esclareço que a Société de la Morale Chrétienne, criada em 1821 concentrou sua
campanha abolicionista em comitê específico a partir de 1822, intitulado Comité pour
l’abolition de la trait. Delimito para esta comunicação as matérias veiculadas pelo
Journal de la Société de la Morale Chrétienne entre os anos de 1822 e 1827.
Neste período, a França vivenciava a restauração da monarquia imposta pela
Santa Aliança (Rússia, Prússia e Áustria) e pela Inglaterra. O retorno dos Bourbons,
com a nomeação do Duque de Angoulême, em 12 de março de 1814, como o novo
Luís XVIII, afigurou-se a mais viável das soluções na luta contra Napoleão (FUREIX,
2014, p. 23). Ciente das circunstâncias de sua nomeação, o rei apresentou-se,
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inicialmente, como um conciliador e concordou pragmaticamente com as limitações
constitucionais e parlamentares da monarquia. O caráter censitário do regime restrito
a apenas cem mil eleitores dava enorme folga de manobra à casa real. Esse aparato,
no entanto, não foi suficiente para garantir a essa primeira Restauração a necessária
estabilidade. Sua fragilidade, primeiramente, colocava-se entre os próprios realistas,
partidários do Antigo Regime, que rechaçavam ferozmente a Carta constitucional.
Napoleão, aproveitando-se das debilidades da primeira Restauração, cruzou,
entre 1o. a 20 de março de 1815, os alpes, evitando os territórios fiéis à monarquia, e
chegou em cortejo Paris avançando em direção ao Palácio das Tulherias. O evento
ficou conhecido na historiografia francesa como o “voo da águia”, mas este retorno se
deu num quadro de grandes limitações. A experiência foi abortada pela reação da
Santa Aliança que derrotou definitivamente Napoleão em Waterloo, em 18 de junho
de 1815.
Depois do “voo da águia”, o monarca Bourbon voltou a governar sem as
ambiguidades do período anterior, quer dizer, com menor compromisso com a
herança da Revolução. No entanto, ainda preferira evitar os ultrarrelistas e acabou
constituindo um governo com clara inclinação moderada e cujo objetivo seria a
“transação ‘entre tempos e princípios contrários’” (FUREIX, 2014, p. 34). Esse
“momento liberal” deu lugar a um novo tipo de filantropia baseada no amor como
uma afeição “natural”, mas que ultrapassava a tradicional assistência aos pobres
característica da filantropia medieval. Além dos desvalidos, a filantropia liberal
visava desde os escravos africanos até os prisioneiros. Este liberalismo permitiu unir o
velho e o novo em torno da razão e da moral, ensejando a criação de obras e
sociedades filantrópicas que ultrapassavam a assistência tradicional aos pobres e
privilegiavam a moralização dos comportamentos, assim como as lógicas da
previdência e da poupança.
As agremiações filantrópicas não eram exatamente únicas que adotavam a
forma das sociétés. No período, surgiram as sociedades científicas como a Société de
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géographie (dezembro de 1821) e a Société asiátique (abril de 1822), assim como a de
caráter religioso como a Société biblique française (1818) e a Propagation de la foi
(maio de 1822). Das beneficentes merece destaque a Société pour l’instruction
élementaire (1815) e a Société de la Morale chrétienne (1821). A ação beneficente
destas últimas associações visava não somente os pobres, mas também os excluídos
da sociedade, amparando desde os negros até os prisioneiros, para quem se discutiam
políticas de melhoramento das condições de existência. Os ‘amigos da humanidade’,
assim conhecidos os sócios da Société de la Morale Chrétienne, contavam com
membros ativos como Tocqueville, Lamartine, Thiers, Guizot e diversos protestantes
vinculados à alta burguesia francesa. A agremiação transformou-se, assim, numa das
mais importantes agremiações beneficentes da França.
Visando dar atenção especial a todas as questões relacionadas à abolição do
tráfico de escravos e da escravidão foram criados diferentes comitês. O primeiro deles
foi o Comité pour l’abolition de la traite, de 8 de abril de 1822, fundado por Auguste
de Staël e Victor de Broglie. O comité não tinha poder político para coibir o tráfico
ilegal, por isso passou a realizar diversas publicações com o objetivo de denunciar o
comércio. A opção pela mobilização da opinião pública se realizou por meio do
informativo oficial da agremiação o Journal de la Société.
Desde a fundação do comitê, o periódico passou a confrontar seus leitores com
sucessivos textos dos decretos reais (leis e declarações de ministros da Marinha) e
“fatos do tráfico” da costa da África ou do Caribe. Com o título “Nouvelles de la
traite”, o Journal relatava incessantemente os abusos cometidos, publicava longas
listas das prisões dos africanos e confisco de barcos pela croisière inglesa ou francesa,
além de enumerar as condenações dos armadores e capitães pelos tribunais da
metrópole ou da colônia. Além disso, publicava testemunhos individuais em primeira
mão: cartas dos oficiais da Royal Navire e da marinha francesa, cartas de negros
confiscados, correspondência da Société às Antilhas (AURENCHE, 2011).
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Em 1822, no ano em que se criou Comité pour l’abolition de la trait, a
monarquia impôs lei que permitia suspender qualquer jornal hostil ao governo. Os
liberais foram, então, perseguidos pelo novo regime, inclusive, por meio da suspensão
de cursos dados por François Guizot e Victor Cousin. A reação ao governo dos ultra
proporcionou a emergência de nova geração liberal, que se organizou no interior de
espaços intelectuais e aparentemente “apolíticos”. Os objetivos morais e cristãos da
sociedade colocavam seus membros a salvo das leis de censura, pois o governo
tolerava a reunião com fins filantrópicos. Mas era justamente essa situação que
permitia a fruição dos ideais políticos liberais.
A política, contudo, foi problematizada, senão rejeitada, no interior da Société.
De acordo com notícia postada no Jounal em que se relatava a sessão inaugural do
comité, o Barão de Staël advertiu os associados a envidar “todos os meios morais em
seu poder a fim de fazer cessar efetivamente o infame tráfico”, mas deveriam evitar
“cuidadosamente qualquer discussão política, e considerar apenas o tráfico reprovável
por todos sentimentos de humanidade, bem como dos preceitos cristãos” (sessão de 8
abril In Journal, n.2, p. 66, 1822). O Barão lançava assim as bases da atuação dos
abolicionistas. Recomendava a exclusão da política da retórica e adotava discurso de
condenação moral da escravidão, focado no apelo aos sentimentos humanitários dos
franceses.
O Barão de Turckeheim, na sessão seguinte do Comitê pela Abolição do
Tráfico, em 2 de maio, na qualidade de Vice-Presidente, deu a direção dos
argumentos abolicionistas. Segundo ele, os associados deveriam recolher “todas as
informações suscetíveis de criar, expandir e espalhar o horror ao indigno de tráfico
[...]” (Journal, 2:66-7, 1822). Nesta mesma ocasião, registrou-se o envio à sociedade
da tradução francesa do Cri des Africains de Thomas Clarckson (1822). O título
completo da obra pode ser traduzido por “O grito dos africanos contra os europeus
seus opressores ou golpe de vista sobre o comércio homicida chamado Tráfico de
Negros”. Observa-se, assim, que se construiu certa retórica de condenação da
escravidão forjada num discurso fortemente moralista, que rejeitava o discurso
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explicitamente político e baseado na ideia de direitos humanos que fora a tônica da
campanha que culminara na França na completa abolição em 1794. E fora exatamente
a força intimidadora da lógica revolucionária desses direitos deu oportunidade à
discussão sobre o lugar dos homens livres e escravos na sociedade francesa (Lynn
Hunt, 2009:160-168).
Na França, portanto, o movimento de crítica à escravidão se desenvolveu
ainda no Setecentos e se vinculou mais ao movimento sagital dos direitos humanos
radicados nas ideias iluministas do que à transformação da teologia puritana. Era, sem
dúvida assunto da pauta de política da sociedade francesa, pelo menos, nesta primeira
versão do abolicionismo. Filósofos e reformadores como Condorcet, Adam Smith,
Benjamim Franklin, e outros simplesmente não acreditavam que os governos
poderiam ser persuadidos a emancipar seus escravos sem guerra ou revolta geral,
mesmo em áreas onde a escravidão era de importância marginal. E porque pensavam
desta forma, eles temiam as consequências inevitáveis da não-emancipação (Marques,
2010:66). Parecia aos filósofos que por fim à escravidão deixara o terreno da moral e
descera ao da necessidade.
No Oitocentos, contudo, a experiência do fim da escravidão na colônia de
Saint Domingues (Haiti) alterara entre os franceses a retórica do discurso político pela
abolição. Consoante Sérge Daget (1997:286ss), o abolicionismo não mobilizava mais
as massas nos anos de 1820. Era assunto pouco debatido. O grupo que restou do
antigo abolicionismo – Grégoire, Lafayette, Benjamin Constant, Auguste de Staël e o
Duque de Broglie – não tinham sustentação popular nem recursos financeiros. Não
tinham outra alternativa a não ser buscar aliança com os britânicos para obter
documentos e apoio econômico. Os ingleses visitavam frequentemente a França para
tentar reanimar a luta abolicionista, principalmente, contra o tráfico de escravos. Era,
portanto, feliz esse encontro entre os abolicionistas ingleses e liberais burgueses
encastelados numa sociedade filantrópica.
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O problema é que o abolicionismo se confundia com objeção política, o que
levantava suspeitas de oposição ao governo dos Bourbon. De fato, os ultrarrealistas
tinha certeza desse fato. O combate à escravidão se realizava tanto no plano da moral
cristã, como advogado por Auguste de Satël e seu cunhado, o Conde de Broglie,
quanto no plano liberal, como o defendido por Benjamim Constant e outros.
Além disso, a Reação Absolutista, mesmo vinculada aos interesses coloniais e
dos armadores navais, se encontrava sob pressão para dar segmento aos acordos
internacionais fechados com Napoleão no governo dos 100 dias. A situação favoreceu
o grupo de oposição à escravidão. Mas a orientação que veio de Londres encarecia
que a discussão adotasse apenas o viés humanitário e declarasse, sobretudo, que não
se tratava de debate político.
Os “amigos da humanidade” trocavam correspondências – obras da literatura
anglo-saxã e periódicos com organizações abolicionistas na América do Norte e na
Inglaterra. Os jornais enviados por essas sociedades filantrópicas à França
compunham a biblioteca do Comité. Por isso, não é errado pensar que, talvez, essas
sociedades não se constituíssem mera influência, mas sim um modelo, como afirma
Marie-Laure Aurenche (2010:303): “nós podemos nos perguntar se o journal não era,
nos seus inícios, uma simples releitura na França das sociedades inglesas”. Grande
parte das informações acerca dos abusos cometidos pelos navios negreiros franceses,
as batalhas em alto mar contra as embarcações, os testemunhos dos marinheiros
presos provinham de jornais de fora, como o Gazette royale de Sierra Leone – jornal
oficial da colônia inglesa.
Desenvolvia-se, porém, na França certa desconfiança em relação às atitudes
dos membros do comitê. Era opinião que os ingleses, envoltos num ar de filantropia,
só ajudavam os franceses, buscavam, em verdade, arruinar o comércio da França e
com isso se tornariam hegemônicos no mar.
Procurando sensibilizar a opinião pública, o comitê, baseado no exemplo
inglês, aderiu às práticas das petições. Seguindo os fatos relados no Journal sobre o
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tráfico de escravos, em 1825, a primeira petição pedia uma lei mais severa para
reprimir os abusos cometidos alegando a insuficiência da lei existente. A petição foi
assinada por respeitáveis negociantes de Paris e contou com a cooperação moral e
financeira do Comité (Aurenche, 2010:3-4). A partir de então, outras petições
formalizaram-se, porém, nenhuma se originava das regiões de Bordeaux ou de
Nantes, áreas dos principais portos comerciais negreiros da França. Ao contrário das
petições inglesas, as francesas não eram muito populares, alcançando um público
muito limitado. Essa era a prova de que a campanha não conseguira ainda sensibilizar
os franceses.
Em desvantagem, os abolicionistas iniciaram campanhas de mobilização com
conteúdos de impacto sobre as sensibilidades e de grande apelo humanista. Em
janeiro de 1825, o Barão de Staël resolveu ir a Nantes para visitar os navios negreiros.
Dessa inspeção, publicou relatório sob o título Faits relatifs à la traite des noirs. Esse
relatório é emblemático da estratégia discursiva dos abolicionistas franceses. O Barão
de Staël concentrou-se em fixar nos leitores imagens que pudessem provocar o horror
e a repulsa à crueldade e às atrocidades da escravidão. Embora não fosse original a
iniciativa, porque na Inglaterra a reprodução de navios negreiros já se constituíra
como estratégia de mobilização popular, o Barão foi pessoalmente até o Porto de
Nantes, lugar dos armadores responsáveis pelas embarcações do tráfico para as
colônias. Uma vez no local, Staël tomou notas, ouviu testemunhas, copiou parte dos
inquéritos contra os contrabandistas e trouxe um navio desenhado com detalhes sobre
a acomodação dos escravos. O livro tornou-se uma peça de denúncia, cujo o conteúdo
abrangeu 60 páginas de descrições de crueldade e sadismo com os africanos trazidos
paras colônias francesas.
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Em seguimento a essa denúncia, no número do journal de 9 de janeiro de
1826, publicou-se que:
M. le baron de Staël dépose sur le bureau la nouvelle collection de fers destinés à la Traite des Nègres, qui viennent de lui être envoyés de Nantes, où ils se fabriquent par milliers. Ces fers, d’une effrayante grosseur, se composent : 1° de la barre dite de justice, longue de six pieds, contenant huit gros anneaux destinés à entraver les jambes de quatre malheureux ; 2° de deux paires de menottes ; 3° de deux paires de poucettes, qui, au moyen d’une vis, peuvent se serrer à volonté avec une clef, et devenir ainsi un instrument de torture ; 4° d’un collier s’ouvrant avec la même clef que les poucettes, garni de deux trous de chaque côté pour attacher les Noirs entre eux. [Os ferros foram depositados na secretaria da Société, na rua Taranne, n. 12].
[Tradução] Barão de Stael apresentou a nova coleção de ferros para o tráfico de escravos, enviados por ele de Nantes, onde se fabricavam
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aos milhares. Esses ferros, de uma assustadora violência, consistem em: 1o. da barra chamada justiça, dois metros de comprimento, contendo oito anéis grandes destinados a prender as coxas de quatro infelizes; 2o de dois pares de algemas; 3o pares de dois parafusos, que por meio deles, pode-se apertar à vontade com uma chave, tornando-se instrumento de tortura; 4o um colar que se abre com a mesma chave como o parafuso, decorado com dois furos em cada lado para anexá-los aos negros. [Ferros depositados ferro foram na Secretaria da Companhia, na Rua Taranne, n. 12].
Aurenche (2010:305) destaca que esse efeito midiático era incomum no
contexto da época, mas diante da desmobilização geral, o Comité considerou
fundamental seguir esse caminho. Aliás, dado o clima geral de censura por parte do
governo de Carlos X, a saída moralista se afigurava a única possível. Os
ultrarrealistas, partido mais à direita deste período, permanecia em alerta em relação
aos princípios liberais que pudessem ser vinculados à causa.
As poucas conquistas eram comemoradas entre os membros do Comitê. Em
abril de 1827 aprovou-se com o voto de 220 deputados lei de repressão mais severa ao
tráfico. Esse fora o grande triunfo da década de 1820, que, apesar da indiferença
popular, elevara o combate ao tráfico a causa humanitária. O número 46 (1828) do
Jounal reproduziu a lei relativa à repressão, conferindo destaque ao assunto. No
número seguinte (n. 47 – 1828), curiosamente, o periódico reproduziu uma notícia do
jornal inglês, The Globe and traveller, a respeito da discussão do relatório da
Comissão que elaborou um acordo com a Inglaterra para a abolição dos escravos no
Brasil. Descreveu-se detalhadamente o clima da votação, e destacou-se a defesa que o
Arcebispo da Bahia fez da lei antitráfico.
O ano de 1827 significou, para alguns, a desaceleração da Société, atribuída
por Lawrence Jennings (1994) à morte de Staël. Deposita o historiador excessiva
responsabilidade sobre os ombros do grande líder da Société, o que em pode ser
apenas um dos fatores. Os últimos anos da Restauração devem ser mais importantes
no contexto da explicação. O autor tem razão que essa era a visão de Edward Thayer
que, no ano de 1829, teve um relato seu publicado no Journal, quando depositou na
morte do antigo líder a falta de vigor da Sociedade. Considero, porém, que se deve
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buscar também explicação na expressiva relação da Restauração com os armadores
dos portos de Nantes e com os negociantes das colônias. De fato, a Société não
chegara a empolgar as massas, pois era órgão rigidamente controlado e cuja atuação
ocorria nos estritos limites da legalidade.
O modelo inglês é outro fato a ser considerado. A pregação humanitária na
França não contava com os líderes populares da Inglaterra, sobretudo, os pastores. A
crítica elaborada por homens de altos estratos que se protegiam de qualquer vínculo
com a política, mesmo que fossem eles excluídos dos círculos ultrarrealistas, não se
ampliava muito.
É razoavelmente fácil concluir pelo ocaso do Comité. De fato, se
considerarmos o destino pretendido pelos ingleses ao orientarem a ação da Société
seremos forçados a concordar com essa avaliação. Contudo, pode-se observar esse
processo de modo diverso. Em primeiro lugar, é preciso considerar que novo fôlego
veio do próprio processo político francês. Com a instauração da monarquia liberal de
Julho, antigos membros do Comité ascenderam politicamente e puderam, de seus
postos de comando, enfrentar os poderosos interesses coloniais. Desde que a
Inglaterra decretara o fim da escravidão em suas colônias, a continuidade do tráfico
exigiria do governo forte oposição aos interesses ingleses. Ao contrário disso, o
governo francês passou a adotar posição moderada para não criar maiores inimigos,
nem externos nem internos.
Em segundo lugar, houve saldo positivo do Comité pouco evidenciado pelos
historiadores. Dos tempos do journal quando se divulgava amplamente as
preocupações de colonos com a sorte dos escravos, o gradualismo fora eleito o
processo mais acertado para as possessões francesas. Os novos líderes recolhiam
desse vasto arsenal de ideias estocadas nos duros anos da Restauração e
aconselhavam oficialmente as colônias a adotar políticas de libertação gradual da
escravidão. Essa situação trouxe a emancipação da marginalidade para o centro do
poder, de onde emanavam novas orientações sobre o fim do cativeiro.
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Discordo, portanto, dos vários historiadores franceses que viram os últimos
anos do Comité como improdutivos. A crítica humanista, é verdade, não produziu a
mobilização alcançada pelos ingleses, mas não se pode negar que o abolicionismo
acabou criando certo consenso entre os membros da elite liberal, quando a política
estava proscrita de sua agenda social. O Humanitarismo preparou a elite liberal para
enfrentar o próximo decênio com cautela no desbaratamento da escravidão. A causa,
que tinha sido propalada como humanitária, transformara-se na década de 1830 em
questão política a ser resolvida pelo Estado e não mais por meio do apelo popular.
Transformara-se num projeto de poder e de política, destino bastante distinto do da
Inglaterra, cujo governo manobrou a favor do fim da escravidão sob pressão da
campanha abolicionista que se transformara numa força irresistível. A revolução de
1848 romperia com o gradualismo, mas isso é outra história.
Na França, a elite formada no Comité repleta de princípios morais de
condenação da escravidão não empolgara o povo e nem conseguira pressionar a
Monarquia Restaurada, que fora apeada do poder sem ceder na defesa dos interesses
escravistas. Por outro lado conseguira consolidar seu alinhamento com a Inglaterra e,
ao mesmo tempo, evitara fraturar o equilíbrio interno com as forças coloniais. O
projeto gradualista dos membros do Comité guiava a elite liberal e somente a força de
uma revolução abalaria esse plano e deixaria livre os escravos das colônias francesas.
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