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Debate no exílio: em busca de renovação (Publicado em: Rollemberg, Denise. “Debate no exílio: em busca de renovação”. Marcelo Ridenti; Daniel Aarão Reis Filho (Orgs.). História do marxismo no Brasil. Partidos e movimentos após os anos 1960. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, v. 6, p. 291-339). Denise Rollemberg A imprensa, assim como os grupos políticos e culturais, são lugares privilegiados para a reflexão da maneira como a esquerda que viveu a experiência do exílio do período 1964-1979 incorporou, diante das perspectivas que se abriam - e levando na bagagem a fragorosa derrota -, temáticas que até então desconsiderava ou secundarizava. Através dela, pode-se acompanhar o processo, em meio às tradições passadas, em um embate entre a permanência e a mudança 1 . Os periódicos foram variados e sofreram as influências das conjunturas internacionais e nacionais, traduzidas pelos exilados segundo seus interesses e referências. Neles, é fácil perceber as várias fases do exílio, como evoluíram, em quais valores se pautavam 2 . Através da imprensa, é possível acompanhar as discussões e os embates em pauta nestes anos, a permanência de antigos temas e o aparecimento de novas temáticas e abordagens. No exílio, alguns exilados abandonaram o interesse por política. A maioria, entretanto, o manteve, revendo sua concepção. A democracia foi aparecendo e se impondo como um valor a ser incorporado pela esquerda brasileira marcada, como toda a sociedade na época, por concepções e práticas autoritárias. Novas referências passavam a ser consideradas no projeto de transformação social. Outras se mantêm, se consolidam. A mudança não esteve imune às ambigüidades, num embate com as heranças do passado, que permaneciam, insistiam e, ao mesmo tempo, transformavam-se. 1 Para uma análise da imprensa brasileira, no exílio, 1964-1979, ver ROLLEMBERG, Denise. Exílio. Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Record, 1999, cap. 6 e ------ . “A imprensa no exílio”, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (org.). Minorias silenciadas. História da censura no Brasil. São Paulo, Editora da USP, 2002. 2 Para as fases do exílio brasileiro, 1964-1979, ver ROLLEMBERG, Denise. Exílio. Entre raízes e radares. Rio de Janeiro, Record, 1999.

Debate en El Exilio

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Denise Rollemberg

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Debate no exlio: em busca de renovao (Publicadoem:Rollemberg,Denise.Debatenoexlio:embuscaderenovao.Marcelo Ridenti;DanielAaroReisFilho(Orgs.).HistriadomarxismonoBrasil.Partidose movimentos aps os anos 1960. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, v. 6, p. 291-339). Denise Rollemberg Aimprensa, assim comoos grupos polticos e culturais,so lugaresprivilegiados para a reflexodamaneiracomoaesquerdaqueviveuaexperinciadoexliodoperodo1964-1979 incorporou, diante das perspectivas que se abriam - e levando na bagagem a fragorosa derrota -, temticasqueatentodesconsideravaousecundarizava.Atravsdela,pode-seacompanharo processo, em meio s tradies passadas, em um embate entre a permanncia e a mudana1.Osperidicosforamvariadosesofreramasinflunciasdasconjunturasinternacionaise nacionais, traduzidas pelos exilados segundo seus interesses e referncias. Neles, fcil perceber as vrias fases do exlio, como evoluram, em quais valores se pautavam2. Atravs da imprensa, possvel acompanhar as discusses e os embates em pauta nestes anos, a permanncia de antigos temas e o aparecimento de novas temticas e abordagens.No exlio, alguns exilados abandonaram o interesse por poltica. A maioria, entretanto, o manteve, revendo sua concepo. A democraciafoi aparecendo e se impondo como um valor a serincorporadopelaesquerdabrasileiramarcada,comotodaasociedadenapoca,por concepes e prticas autoritrias. Novas referncias passavam a ser consideradas no projeto de transformaosocial.Outrassemantm,seconsolidam.Amudananoesteveimunes ambigidades,numembatecomasheranasdopassado,quepermaneciam,insistiame,ao mesmo tempo, transformavam-se.

1 Para uma anlise da imprensa brasileira, no exlio, 1964-1979, ver ROLLEMBERG, Denise. Exlio. Entre razes e radares. Rio de Janeiro, Record, 1999, cap. 6 e ------ . A imprensa no exlio, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci(org.). Minorias silenciadas. Histria da censura no Brasil. So Paulo, Editora da USP, 2002. 2Para as fases do exliobrasileiro, 1964-1979, ver ROLLEMBERG,Denise.Exlio. Entrerazese radares. Rio de Janeiro, Record, 1999. 2 Houve desde publicaes que seguiamuma linha bem tradicional de rgos de partidos, dedicando-se publicao de documentos partidrios, at aquelas voltadas para a divulgao da produoartsticaeculturaldosexiladosedepresospolticosnoBrasil3.Comoexemplodos doisplos,podemsercitadas,deumlado,arevistaBrasilSocialista(Paris)e,deoutro,a Reflexo (Estocolmo)4. Amaiorpartedaimprensa,porm,combinoudocumentosdeorganizaes;artigos temticos;informaeseestudossobreasituaosocialeeconmicabrasileira;dennciasda ditadura,detorturaedeprisopoltica;notciasdoBrasil,emgeral.Cadarevistadedicava-se mais ou menos a este ou quele aspecto. Aimprensa,assim,ummeio,entreoutros,deacompanharasmudanase permanncianosexilados.Asconjunturas,osdebates,ostemaspresenteseausentes,asvrias posies e opinies, as atividades propostas e divulgadas e, mesmo, as diferentes concepes de imprensa, revelam os exilados atravs do tempo.

3 primeira vista, o que chama a ateno na imprensa do exlio a quantidade de ttulos. A lista reconstituda em arquivos e junto a pessoas entrevistadas quase chega a cinqenta ttulos, publicados em diversos pases e continentes e, certamente, no definitiva.Para a listagem ver ROLLEMBERG, Denise.Exlio. Entre razese radares. Rio de Janeiro,Record,1999.Osperidicosencontram-senaBibliothquedeDocumentationInternationale Contemporaine(BDIC),emNanterre,Frana,noArquivodeMemriaOperriadoRiodeJaneiro(AMORJ),da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, alguns ttulos no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).4ABrasilSocialistafoicriadaemjaneirode1975,portrsorganizaespolticasqueseautodenominavam esquerdaproletria,comoobjetivodeclaradodeorganizararesistnciadostrabalhadoreseconstruiropartido revolucionriodoproletariado4,pretendendoaindacombaterasconcepesequivocadasexistentesnoseioda esquerda e das foras anti-ditatoriais. Alm de um editorial, divulgava seus prprios documentos polticos e os de organizaes prximas, assim como artigos temticos, voltados para questes como construo partidria, programa, estratgia e ttica. A BrasilSocialista representativa deum certo tipodeimprensa no exlio,apegadaa posies estritas,formalmente,pesada,noqualasdiscussessefaziamnosestreitoslimitesdesuaorientaopoltica. Embora este tenha sido o seu perfil, a Brasil Socialista no pde se fechar a um dos temas mais em voga a partir de meados da dcada de 1970: o feminismo. Em maio de 1978, publicou o artigo Feminismo: uma questo poltica?, de Glria Ferreira, sob o pseudnimo de Luzia Maranho, exilada atuante no Crculo de Mulheres Brasileiras, grupo feministacriadoemParisem1975,enoGrupodeCulturadoComitBrasilpelaAnistia,deParis.Cf.Brasil Socialista. Ano IV, n 11, Paris, maio de 1978.AReflexofoicriadaporumgrupodebrasileirosemEstocolmo.OsorganizadoreseramAlbertoBerqu, Jaime Cardoso, Luiz Carlos Guimares e Reinaldo Guarany O primeiro nmero saiu em setembro de 1978, ou seja, jnoperodofinaldoexlio.Segundooeditorial,arevistaReflexonasceudanecessidadedeuminstrumentode divulgao do que est sendo criado, a nvel artstico-literrio, no exlio. Abria-se tambm ... contribuio que nos chegadointeriordopas,pretendendo,assim,oestreitamentodosvnculosculturais.Editoucontos,poesia, fotografia,artigossobretemasligadosarte,notciasdelivroslanadosporbrasileirosnoexlioeinformaes sobreacontecimentoseatividadesnocampoartstico.AReflexo,noentanto,steveoprimeironmero.To diferente das revistas da esquerda exilada, no escapou da tradio das organizaes marxistas-leninistas brasileiras: rachou, como se dizia, na poca. As divergncias internas do grupo levaram ciso que deu origem a outra revista comumsignificativonome:Fragmento.Cf.Fragmento.ns.1-2,Estocolmo,1979.Cf.entrevistacomReinaldo Guarany, concedida a DR, Rio, 31 de agosto de 1995. 3 Umarevista,particularmente,interessanteparaacompanharaevoluodeumaparte da esquerda no exlio, a Debate. A comear por sua durao. Apareceu, em Paris, em fevereiro de l970, e durou at julho de l982. Nasceu, portanto, no momento em que o pas vivia o processo de luta armada e sobreviveu ao perodo do exlio, chegando mesmo a ultrapass-lo5.ArevistafoicriadaporJooQuartimdeMoraes,ex-professordeFilosofiada UniversidadedeSoPaulo(USP),dirigentedaVanguardaPopularRevolucionria(VPR), expulsodaorganizaoemjaneirode1969,aodivergirdosrumosquealutarevolucionria vinhatomando6.ExiladoemParis,Quartimreuniuemtornodarevistapartedaesquerda emigrada crtica da experincia vivida nos ltimos anos. Pretendia fazer cumprir a idia leninista dorgodeimprensacomoveculounificador7.Atravsdarevista,seriadesenvolvidaintensa lutaideolgicacomapromoodedebates,discusseseadivulgaodedocumentosdas organizaespolticas,bemcomoadennciadaviolnciadaditadura.Desteprocesso,cuja autocrtica era essencial, nasceria uma sntese capaz de reorganizar o movimento revolucionrio unificando-o numa correta linha poltica8. ADebateacaboufuncionandocomoumcentrodeestudose,atmesmo,comoum movimentoculturalcompresenaentreosexiladosecomumelevadonveldediscusso terica.AlmdogrupoemParis,foiestabelecidooutroemSantiagodoChile,queeditavaa versoemespanholcomottuloTeoriayPractica,procurandoaproveitaralegalidadedo governodaUnidadePopularparadivulgarsuasposies.Conseguiu,ainda,sustentarumarara regularidade nas condies pouco favorveis do exlio: quarenta nmeros em doze anos.

5 A coleo da revista Debate, 1970-1982, encontra-se no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), as colees Daniel Aaro Reis Filho e Jean Marc von derWeid. 6 A VPR, organizao de luta armada, surgiu em maro de 1968. Sobre ela, ver AARO REIS Filho, Daniel e S, Jair Ferreira de (orgs.). Imagens da revoluo. Documentos polticos das organizaes clandestinas de esquerda dos anos1961-1971.RiodeJaneiro,MarcoZero,1985;GORENDER,Jacob.Combatenastrevas.Aesquerda brasileira:das iluses perdidas luta armada. 2ed. So Paulo, tica, 1987; ARQUIDIOCESE DE SO PAULO. Brasil:NuncaMais.Perfildosatingidos.TomoIII.Petrpolis,Vozes,1988;MORAES,JooQuartimde.A mobilizaodemocrticaeodesencadeamentodalutaarmadanoBrasilem1968.Notashistoriogrficase observaescrticas.Temposocial.RevistadeSociologiadaUSP.SoPaulo,1(2):135-158,2sem.1989; RIDENTI,Marcelo.Ofantasmadarevoluobrasileira.SoPaulo,UNESP,1993;ROLLEMBERG,Denise.A VanguardaPopularRevolucionria:osmarginaisnarevoluobrasileira,inMENEZES,LenMedeirosde, ROLLEMBERG, Denise e MUNTEALFilho,Oswaldo (orgs).Olharessobre o Poltico. Rio de Janeiro,EdUERJ,2002. 7Cf. entrevista com Joo Quartim de Moraes concedida a D.R. So Paulo, l0 de abril 1992. 8Cf.entrevista com JQM. 4 Amaioriadoscolaboradoreseraformadaporintelectuaisdeclassemdia,alguns tinhamorigemproletriaetodoshaviamsidomilitantespolticosnosanosanteriores9. Basicamente, a revista foi constituda por intelectuais militantes. ComoresultadodainiciativaquedeuorigemaochamadoColetivoDebate,tem-se uma extensa produo de artigos e editoriais que, alm da crtica da experincia da luta armada, revelou umacapacidadede abertura para temticas atento ausentes naesquerda brasileira ou porelasecundarizadasequevo,aolongodosanos,sendoincorporadasaseuuniverso ideolgico.NaDebate,encontram-seartigossobreinternacionalismo,partido,democracia, feminismo, racismo, movimento sindical, luta armada e revoluo. medida que os temas eram tratados, surgiam anlises da realidade brasileira e perspectivas para a sua transformao. Enfim,arevistafoicapazdeanalisaraexperinciapassada,abrindo-separanovas maneiras de abordar antigas temticas. A reflexo e o debate seriam a chave para a reorganizao dosrevolucionriossobreoutrasbases,numatentativadesuperarosequvocospassadossem perder o potencial humano que os anos anteriores havia gestado. Em abril de l973, no n 12, a revista lanou o Projeto de Plataforma Poltica, que foi a suabandeiradeluta:auniodoscomunistasbrasileirosnopartidorevolucionrio.Asua identidade foi sendo construda em torno desta Plataforma Poltica. No entanto, devido mesmo propostadepromoverdiscusses,arevistanoseapresentacomoumblocomonoltico,apesar demanterumeixobemdefinido.Pelocontrrio,trata-sedeumconjuntodeposiesnem semprecoincidentes.Estepluralismofoiexcepcionalnaesquerdabrasileira,sobretudose lembrarmos que as possibilidades de discusso interna nas organizaes eram bastante limitadas.ComocompreenderaaberturadehorizontesdaDebate?Comoentenderasuperao de uma tradio to arraigada na esquerda brasileira marxista-leninista? Algunsfatorespodemiluminarestasquestes:aderrotadarevoluobrasileira impunhaarevisodereferncias;oexliocolocavaosrevolucionriosemcontatocom discussesqueampliavamavisodemundo,taiscomoademocracia,oeurocomunismo,o socialismo realmenteexistente,o feminismo, osdireitos humanos etc. Joo Quartim destacouo

9Cf. Projeto de Plataforma Poltica, n l2, abril de 1973, p.8. 5 nveldevidadoeuropeu,desfrutandodoEstadodebem-estarsocial,quemotivavaareflexo sobre as possibilidades do capitalismo10.Naverdade,oprpriocarterdoexliocriavacondiesparaaabertura:osexilados no viviam a condio de retaguarda de nenhum movimento consistente no pas, principalmente, aps a derrota da Unidade Popular, no Chile, em setembro de 1973. O fracasso, sobretudo depois de ento, foi to avassalador, que criou um fosso entre os que estavam no exterior e o pas. No havia um processo de luta em curso que pudesse fazer a ligao. As referncias estavam, de fato, profundamente abaladas.OutrofatoradestacaraprpriapersonalidadedeJooQuartimdeMoraesedas pessoasquecompunhamoColetivoDebate.Sensveisstransformaesdomundo,rompiam com vises limitadoras. Aampliaodostemaseopluralismodeposiescaracterizaramarevista, enriquecendo a esquerda. Neste sentido, foi inovadorae a que se destaca sua contribuio. A no-concretizao do objetivo no qual se estruturou e pelo qual lutou tantos anos, ou seja, gerar a organizao/partido , na verdade, um objeto de estudo do historiador.Excelentefonteparaoestudodaesquerdabrasileira,aDebatesuscitaumasriede questes:ataondechegavaareflexodeumaesquerdadestrudaeembuscadeoutras referncias? At onde as novas referncias foram capazes de reformular antigos paradigmas? At quepontoaampliao e a flexibilidade inviabilizaram o projetoda Unio dos Comunistas? Ou atquepontooprojetoda"UniodosComunistas"limitouumamaiorampliaodarevista? Coeso partidria e debates eram incompatveis?Pretendo,ento,atravsdesteestudo,percebercomoumapartedaesquerdaevoluiu noexlio.Selecioneialgumastemticasquemeparecerammaisrelevantes.Pormeiodelas, tentarei recuperar a trajetria de parte da esquerda exilada e crtica, procurando compreender as interpretaes do passado, as formulaes e os projetos para a participao poltica no pas, que s se tornou possvel ao fim da dcada, com a anistia.

10 Cf. entrevista com JQM. 6 A ao no fez a organizao: a autocrtica da luta armada Aautocrticadaexperinciadelutaarmadafoiumdospilaresdarevista.Comoj vimos,JooQuartimdeMoraes,naVPR,combateraasposiesqueaorganizaovinha tomando,sinalizandoosrumosquealutarevolucionriaseguiunaltimafase,marcadapelo isolamento crescente em relao sociedade e pelo confronto suicida com a represso11. Arevistaassumiu,aprincpio,oquechamoudeapoiocrticolutaarmadapara, somenteumpoucomaistarde,combat-laabertamente.Ouseja,defendeu-anosprimeiros nmeros, como o caminho para enfrentar o regime ditatorial e transformar a realidade brasileira: "nocasodoBrasil,alutarevolucionriatemdeserprincipalmenteviolentaeilegaldevidoao "carterautocrticoemilitardadominaodeclassedaburguesiamonopolista"12.Noentanto, eraprecisodiscutiraformacomoalutarevolucionriaestavaacontecendo,jqueenfrentava srios problemas que exigiam soluo urgente. A Debatepropunha-secompreender a "natureza poltica e militar destaetapadaguerrarevolucionria" e ser "um instrumento de elaborao, de crtica e de divulgao da poltica revolucionria no Brasil.13

Emcomeosde1972,diantedainegvelderrota"quecarregaconsigoumtristee longo cortejo de desiluses, de desnimo, de desesperana", a Debate conclua que a atualidade da revoluo significava sua "imperiosa necessidade", mas no sua iminncia14. A derrota podia ser sintetizada nas enormes perdas humanas, na atomizao e na luta interna dos grupos, no no-desenvolvimento daguerrilha rural como seesperava e no desligamento das massas em relao s organizaes.15

Acrticalutaarmadaaindaerabemtmidanosprimeirosnmeros.Emabrilde 1973, Debate procurou explicar o que chamou de "apoio crtico" luta armada:

11ParaaorientaodaVPR,nasualtimafase,verROLLEMBERG,Denise.AVanguardaPopular Revolucionria: os marginais na revoluo brasileira, in MENEZES, Len Medeiros de, ROLLEMBERG, Denise e MUNTEAL Filho, Oswaldo (orgs). Olhares sobre o Poltico. Rio de Janeiro, EdUERJ,2002. 12 Chile: da Unidade Popular resistncia anti-fascista", editorial, n14, janeiro de 1974, p.8. 13 Cf. "Apresentao", n1, fevereiro de 1970, p.2. 14 "Atualidade do leninismo", editorial, n 9, abril de 1972, p.3. 15Cf.Sobre"Umaautocrticanecessria"eadiscussoem"Debate",G.Zani,n10,agostode1972,p.12.Em geral, usavam-se pseudnimos para assinar os artigos. 7 "Estaposio-queencerravaumelementodeconciliaocomomilitarismo- explicava-sepelofatodeque,nummomentoemqueparteponderveldasforas mobilizadaspelaestratgiadaguerrilha"aindaseencontravaintacta,alutaideolgica tinha de se travar em boa medida no campo do extremismo militarista de classe mdia: ali estavamcomefeitomuitosmilitantessrioseconseqentes,eareorganizaodo movimentorevolucionriodependiatambmdeseuconcurso.Lutarparalivr-losda aventurada"guerrilhaurbana"eralutarpelapreservaodopatrimniohumanoda Revoluo"16. Apesar das significativas derrotas em 1970, primeiro ano da revista, o massacregeral dasorganizaeseofracassodalutaarmadaficarammaiscontundentesnoanoseguinte.A crtica experincia se fez, de maneira mais firme, nos nmeros seguintes. *** Aolongodosanos,aDebateprocurousemprechamaratenoparaoisolamentono qualaesquerdaarmadaviveu.Longedeseraexpressodarevoluodasclassespopulares, limitou-searepresentara"pequena-burguesiaurbanaradicalizada".17Eraprecisocompreender este limite que empurrava a esquerda para o fracasso. OartigointituladoBalanodalutarevolucionrianoBrasil,assinadoporJosu Costa,SaturninodaSilvaeAlicePaiva,lembravaqueaestruturaorgnicaeraaprpria materializaodeumaconcepopoltica.Aexplicaoparaosgolpessofridospelas organizaeseasdificuldadesparasevincularemsmassasdevia,pois,serbuscadanalinha poltica praticada. Embora os grupos de vanguarda tivessem o mrito de lutar contra o regime, as aesarmadasnoconseguiramelevaronveldeorganizaodasclassesrevolucionrias.A crena de que a luta armada mobilizaria as massas populares estava falida e cumpria abandonar a iluso espontaneista. 18 Enfim, a luta armada no garantia, por si s, a vitria da revoluo brasileira. A sada para o impasse, no qual se encontrava a resistncia armada urbana, estava mesmo na ampliao dasbasessociaisdaresistncia.Ono-enfrentamentodarealidadelevavadilapidaodo

16 "Projeto de Plataforma Poltica", n 12, abril de 1973, p.6. 17"Marxismo e extremismo de classe mdia: a experincia de luta armada de 1968 a 1972", Fernando de Andrade, n 9, abril de 1972, p.21. 18 Cf . n 2, abril de 1970, p.19. 8 patrimniohumanodarevoluo.19Omovimentodasociedadedeviaestarnocentrodas preocupaes dos revolucionrios, casocontrrio, estavam condenados estagnao e prpria derrota. A anlise terica e a experincia mostravam o grande equvoco de imaginar a criao de exrcitospopularesepartidosrevolucionriosapartirdeaesmilitarescontraoaparelho repressivo.Aaonofezaorganizao.Naverdade,arevoluo,enoaditadura,se enfraquecera no processo da guerrilha20. Invertiam-se, pois, as verdades dos militaristas. Debate para a unidade ou espera do partido O isolamento da lutaarmada suscitou intensodebate, apontando para outra questo a se discutir: a do partido revolucionrio. O jornal clandestino O Crculo publicou um artigo na Debate, no qual se posicionou a respeito. A superao do reformismo, ou seja, das posies do PCB, no se dera com a elevao donvelpolticodaclasseoperria.Aesquerdarevolucionria-leia-seno-pecebista-, constitudapelaclassemdiaradicalizada,ento,fracassavanatentativadesevinculars massas.21 Acrescentava-se, ento, outra explicao muito freqente: a origem pequeno-burguesa dosrevolucionrios.Abasesocialdasorganizaesestavanumaintelectualidade revolucionria, que dispunha de pouca adeso de militantes originrios da classe operria.22 Asoluoparaoproblema,ouseja,ateoriadofoco,almdesemostrarcegana avaliaodaforadoinimigo,demonstravaumaatitudepaternalistaemrelaoclasse operria. Da podia-se compreender o isolamento da luta armada, cuja dinmica superpunha-se prprialutadeclasses.OCrculoconcluiu,ento,queosoperriosestavamesperadeuma direopolticaconseqenteesuaagressividaderevolucionriaseriademonstradaquandodo surgimentodeseupartido,ouseja,opartidorevolucionrio.Mesmocriticandoasubestimao dasmassasnoprocessorevolucionrio,aexplicaoparaaderrotavinculava-seausnciado

19 "Unidade da esquerda", editorial, n 3, novembro de 1970, p.4. 20.Cf."Marxismoeextremismodeclassemdia:aexperinciadelutaarmadade1968a1972",Fernandode Andrade, n 11, janeiro de 1973, p.25. 21 Cf. "O caminho operrio na luta contra a ditadura", jornal O Crculo, n 7, setembro de 1971, pp.25 e 26. 22 Cf. "Ala Vermelha: Carta Poltica de julho de 1973", n14, janeiro de 1974, p.44. 9 partido;jamaispossibilidadedeasmassasseidentificaremcomoutroscaminhosdeacordo com outros interesses. Pelo contrrio, a classe operria esperava o surgimento do partido. O documento da Ala Vermelha, Carta Poltica de julho de 1973, tenta compreender a inexistnciadeummovimentoorganizadoecombativodaclasseoperria,atribuindo-a ineficciadotrabalhodasorganizaes.Estenoatingiaomundosubjetivodasmassase, portanto,noeracapaznemdesensibiliz-lasnemdemobiliz-las.Eraprecisoestaratentos necessidades e problemas das massas, que podiam ser resumidos na luta por melhores salrios e condiesdetrabalhoedevida.Acreditava-sequeodesenvolvimentodaslutaseconmicas levava, inevitavelmente, a classe operria a adquirir a conscincia e a fora polticas, desde que se contasse com o partido capaz de conduzi-la e educ-la poltica e ideologicamente dentro dos princpioscorretosdosocialismocientficoemarxista-leninista.23Emsuma,odocumento reafirma a imprescindibilidade do partido. * * * Fernando de Andrade, pseudnimo de Joo Quartim de Moraes, travou duro combate contraateoriadofoco,que,segundoele,dispensavaainiciativadasociedadeaoabsolutizara tcnica militarista. Tudo seria resolvido no campo militar. As massas estavam reduzidas fora de manobra passiva.24 A VPR e,mais precisamente JamilRodrigues, terico da organizao 25, foramosalvosprecisosdeQuartim,jqueproduziramaformamaisacabadadeexaltaodo militarismo.Jamilteriasidoodoutrinriodarevisodomarxismo-leninismo.Avanguarda defendida por ele, submetida a rgido centralismo militar, golpearia o aparelho repressivo militar. A estava, para Quartim, o profundo desprezo pelas massas: "AsmassasparaJamilnosabembrigar.Nempotencialmentelhesatribudoum papelmotriz.Elasssemanifestaroquandoa"vanguarda"tiverminado suficientemente,atravsdeumalutadesenvolvidasegundoosrequintesmaismodernos

23 Cf. n 14, janeiro de 1974, pp.47 e 48. 24 "Marxismo e extremismo de classe mdia: a experincia de luta armada de 1968 a 1972", n 11, janeiro de 1973, p.23. 25JamilRodrigues,pseudnimodeLadislasDowbor,tericodaVPR,nasualtimafase.Cf.ROLLEMBERG, Denise.AVanguardaPopularRevolucionria:osmarginaisnarevoluobrasileira,inMENEZES,Len Medeiros de, ROLLEMBERG, Denise e MUNTEAL. Olhares sobre o poltico. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2002. 10 detecnologia,oaparelhorepressivoburgus.A"vanguarda"oelementomotorque destri, as massas o pano de fundo que s ho de entrar na confuso na hora final. "AstesesdeJamilimplicam,portanto,numaconcepoquedesprezafrancamenteo papel das massas, ...".26

Oproletariadoeraimplicitamenteconsideradocomoumignorantemanipuladopelo "sistema". 27 Em setembro de 1971,aDebatecomeou a promover uma intensa polmica, a partir dapublicaodotextoUmaautocrticanecessria,daTL-ALN(TendnciaLeninistadaAo Libertadora Nacional), dissidncia da ALN, organizao fortemente marcada pelo militarismo. O documentoassumiaacrticadalutaarmada.Adiscussosedeu,basicamente,emtornoda questo do militarismo e se desenrolou ao longo dos anos seguintes. Odebateseguintepublicaodotextotevegrandecapacidademobilizadoraeas concluses convergiram para o que j foi destacado: os golpes sofridos pela ALN no podiam ser explicadosexclusivamentepelosistemarepressivodaditadura.Omilagreeconmicotambm noexplicavaoafastamentodasmassas.ParaaTL,ascausasdofracassodalutaarmada estavamnaconcepoerradadeestruturadeorganizao.Opontomaisfracodalutaarmada estavanaausnciadopartidorevolucionrio.Ocorretoencaminhamentodependiada organizaodopartidodenovotipo.Somenteestetrabalhomobilizariaasmassasenoaluta armada por simesma. Em resumo, aausncia do partido explicava o afastamento da sociedade, que, por sua vez, levava a esquerda armada ao fracasso28. Aexplicaofoi,decertaforma,ratificadapormilitantesdaAlaVermelha (dissidnciadoPCdoB) e da VPR.Levantar a palavrade ordemligar-se s massasera o sinal evidentedafalnciadalinhaadotadapelaesquerda.Tratava-sedeumfalsoproblematentar superar o isolamento entre vanguarda e massas, ou seja, se havia um abismo entre elas porque avanguardanoeraportadoradeidiascorretase,emltimainstncia,noeravanguarda.A ligao com as massas devia preceder organizao do partido e no o contrrio.29

26 "Marxismo e extremismo de classe mdia: a experincia de luta armada de 1968 a 1972, n 9, abril de 1972, p.28. 27 "Marxismo e ..., n 11, janeiro de 1973, p.25. 28 .Cf. n 7, setembro de 1971, pp.33 e 42. 29 Cf. "Um balano ideolgico da revoluo brasileira: primeiro passo para a construo da vanguarda", n13, agosto de 1973, pp.22 e 23. 11 Aconfirmaodaimprescindibilidadedopartidoleninistaera,naverdade,umponto em comum entre os marxistas-leninistas que buscavam analisar a revoluo brasileira30. ADebatepropunha-se,ento,assumirabandeiradopartidodaclasseoperria.Esta foi a sua principal preocupao, ao longo do exlio. Osqueaindasededicavamaotrabalhojuntosmassastinhammaiscondiesde formar o partido e no aqueles que continuam tentando "abrir caminho bala". 31

Sobreesteponto,militantesdaAlaVermelhaedaVPRtm,porm,umaposio interessante: mesmo as organizaes voltadas para o trabalho de massas, ainda no auge, ou seja, na passeata dos Cem Mil (junho de 1968), no conseguiram dirigi-lo e adireo do movimento acabou sempre nas mos de lideranas independentes e carismticas.32

Enfim,paraaDebate,eranecessriorecuperaroquehaviadeespecficono marxismo-leninismo, isto , a ligao com a massa para, ento, construir o partido de vanguarda, que a guiaria em direo ao comunismo. Dizer-se de acordo com Marx e Engels e com Lenin era dizer-seorganizadoaoladodesetoresimportantesdomovimentooperrio.ADebatemanteve, nestesentido,umaantigacaractersticadaesquerda:negararefernciamarxistaquelesque divergiamdesuaposio.Asorganizaesqueseautodefiniampartidosproletriose comunistas,semreferncianaclasseoperria,haviam,naverdade,abandonadoateoria marxista-leninistadopartido,perpetuandooquechamoudepolticadecrculoeimpedindoa formao do partido33.Comoobjetivodeconstruiropartidorevolucionrio,em1973,aDebatelanouo "ProjetodePlataformaPoltica"34,cujaessnciaestarianolivroeditadodoisanosmaistarde, comottuloPelauniodoscomunistasbrasileiros.35A,definiu-sea"tarefaprincipal"dos revolucionrios,queorientoutodaaevoluodarevistanoexlio:"...areunificaodos marxistas-leninistasdoBrasilnumnicoPARTIDOCOMUNISTA,concebidocomoo destacamentomaisavanadodomovimentooperrioerevolucionrionoBrasil".36Asoutras

30 Cf."Pelo aprofundamento da discussoe da autocrtica dos revolucionriosmarxistas doBrasil", editorial, n 8, dezembro de 1971, p.3. 31 "Atualidade do leninismo", editorial, n 9, abril 1972, p.7. 32 "Um balano ideolgico da Revoluo brasileira: primeiro passo para a construo da vanguarda", n 11, janeiro de 1973, p.43. 33 Cf. "Poltica de crculo e esprito de partido", editorial, n11, janeiro de 1973, p.6 34N 12, abril de 1973. 35 Pela unio dos comunistas brasileiros. Lisboa, Ed. Prelo, 1975. 36N 12, abril de 1973, p. 9, grifo no original. 12 duas tarefas convergiam para o objetivo principal: "1) ligar-se luta de massa; 2) desenvolver a luta ideolgica para pr fim ao obscurantismo e para se apropriar teoricamente do marxismo e do leninismo como instrumentos da transformao revolucionria da nossa sociedade"37.Era preciso recompor as foras revolucionrias e dar organicidade ao movimento, num esforoparasuperarafragmentaodaesquerda,marcadapeloespritodecrculoenode partido,queconstituaumobstculoaodesenvolvimentodalutadosmarxistas-leninistas.38 Unidosnopartido,oscomunistaselevariamonveldeconscinciaedeorganizaodaclasse operria,assumindoavanguardadalutacontraoregimemilitarecontraosmonoplios.39 Enquantonohouvesseauniodoscomunistas,nohaveriaauniodomovimentooperrio sobre bases revolucionrias40. A fragmentao e a disperso da esquerda revolucionriano podiam ser explicadas apenas pela existncia da ditadura militar, que impunha obstculos organizao do movimento. A fraqueza terica da esquerda tinha um peso fundamental na explicao. Ento, para superar a fragmentao e a disperso era preciso desenvolver a luta ideolgica, contribuindo, assim, para a unidade e a reorganizao dos marxistas-leninistas.41 ArevistaDebatechamaatenoparaoquehaviaemcomumentreosmarxistas-leninistas brasileiros: "derrubaroEstadoburgus,abolirasrelaescapitalistasdeproduo,estabelecera hegemoniadoproletariadosobreasociedadeatravsdeumnovotipodeEstadoque construir o socialismo, realizar a plena democracia e criar as premissas para a abolio das classes e do Estado e para a vitria internacional do comunismo".42

A busca do que havia em comum entre os comunistas bastante original na esquerda quesurgiunadcadade1960.Emgeral,assupostasdiferenasprevaleciam,provocando inmeras cises43.

37 Pela unio..., 1975, p.14. 38 Cf. "Poltica de crculo e esprito de partido", editorial, n11, janeiro de 1973, p.4. 39 Cf. "Projeto de Plataforma Poltica", n 12, abril 1973, p. 29. 40 Cf. "Pela renovao do movimento comunista brasileiro", editorial, n 18, abril 1975, p.7. 41 Cf. "A revoluo nacional-democrtica segundo o V e VI Congressos do PCB", Alice Paiva e Pedro Alves, n 15, maio 1974, p.41. 42 "Pela renovao do movimento comunista brasileiro", editorial, n 18, abril 1975, p.4. 43OProjetoBrasil:NuncaMaislistouquarentaequatroorganizaesvanguardassurgidasapartirde1961.Cf.ARQUIDIOCESE DE SO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Perfil dos atingidos. Tomo III. Petrpolis, Vozes, 1988. 13 Propunha-seacontribuirnatentativadeunirosmarxistas-leninistas, independentemente de suas posies conjunturais, orientando o debate, a pesquisa e a reflexo.44

Naverdade,aamplitudeeacapacidadedarevistadepromoverdebates,abrindo-se para o confronto de concepes, muitas vezes discordantes, tinham por objetivo chegar sntese, isto,aoconhecimento,verdade.EstaposiofoiclaramenteassumidaporJooQuartimde Moraes45. Em ltima instncia, chegar-se-ia ao prprio partido. Opartido,porm,deviavincular-sesmassas,especialmente,classeoperria.A organizaosurgiriadarelaocomasociedadee,aomesmotempo,orientariaasualuta,no sentido dos objetivos histricos.46 Comoseviu,aexperinciadoconfrontoarmadodepequenosgruposjtinha evidenciado que a luta poltica de massa no surgiria das aes.47 Mesmo valorizando os movimentos sociais na transformao da sociedade, somente o partidoseriacapazdedirigiralutarevolucionria,estabelecendoatomadadopodercomosua condio, ou seja, o partido era indispensvel.48 A organizaorevolucionria devia tambmter um carter clandestino. 49 No havia contradio entre o trabalho com as massas e o trabalho clandestino: "Aaodoscomunistas,namedidamesmoemqueelesestovinculadosao movimentodemassas,desenvolve-se,portanto,emgrandepartenoplanolegal.No entanto,enquantocomunistas,elesspodemdebaterasquestescentraisdeseu movimento na clandestinidade, ao menos enquanto durar a ditadura". 50 Umatentativadeunificaodoscomunistas,entreaUnioComunista51eoMR-8 (Movimento Revolucionrio 8 de Outubro), que se aproximaram no final dos anos 1970, acabou se frustrando. 52

44 Cf."Avanar com o marxismo na luta ideolgica", editorial, n 10, agosto de 1972, p.3. 45 Cf.entrevista com JQM. So Paulo, 10 abril de 19 92. 46 "Pela renovao do movimento comunista", editorial, n 18, abril 1975, p.8. 47 Cf. "A democracia revolucionria", Fernando de Andrade, n 24, dezembro 1976, p.8. 48 Cf ."Alcance do feminismo", Alice Paiva, n 35, agosto de 1980, p.30. 49 Cf."A democracia revolucionria", Fernando de Andrade, n 24, dezembro de 1976, p.8. 50 "Sobre a reunificao dos marxistas". Comit Regional Provisrio. Regio I, n 30, agosto de 1978, p.9, grifos no original. 51Apartirdon30,arevistadeixoudeseconsiderarrgodo"ColetivoDebate",paraseautodenominarrgo terico-poltico da "Unio Comunista". Cf. n 30, agosto de 1978, p.3. 52 Cf. "ComunicadoMR-8/ UC", assinado pelo MR-8 e pela Unio Comunista-Debate, n 31,novembro de 1978; Cf. "O MR-8 e a reunificao", n33, jan33, jun79. 14 UmoutroconceitodepartidoapareceunoartigodeRolandoFrati53.Semganhar maioresressonnciasnarevista,nosetornouhegemnico.Suasposies-poucoclaras,por sinal indicam menos as idias de um indivduo e mais a maneira como propostasdiscordantes ganharam espao. SegundoFrati,insistirnaformaodopartidonicoeraumamarcadopassado,da qualmuitoscomunistasaindanoconseguiamsedesprender.DepoisdaIIGuerraMundial, mudanas ocorreram e era necessrio analis-las criticamente: "Partidonicofoipossvelemdeterminadopaseemdeterminadafasee,porrazes particularssimas.Nosdemais,omodelofoiimpostoemantidodefora,pormeios coercitivos e repressivos. So fenmenos estranhos, incompatveis com o Socialismo, que por suavezgeraram toda umasrie de deformaes e distores, causadoras degrandes dificuldades na construo da Sociedade Socialista 54. Outras foras, que no os partidos comunistas, lutavam pelo socialismo e haviam sido gestadas comoconseqncia do desenvolvimento das foras produtivas, da defesa da liberdade, dademocracia.Almdisto,oBrasileasuaesquerdatinhamparticularidades,oquetornava intilesemsentidoalutapelaconstruodopartidonico.Insistirnisto,eraassumiruma concepo mecanicista da construo do partido. Somente a luta de massas criaria a necessidade dopartidorevolucionrio,quecresceriaapartirdoseugraudeinflunciaeautoridade,no processodeluta.Nestesentido,erafundamentalalinhapoltica,quecorresponderias aspiraes das massas, encarnando seus interesses. Aviaeleitoral,noentanto,nopoderiaseranicaalternativaparachegaraopoder, considerandoaausnciadeumatradiodemocrtica,nopas.Anossarealidade,aocontrrio, estava marcada pela dependncia, pelo subdesenvolvimento e pelos regimes repressivos. Os grupos da esquerda revolucionria, que se mantinham autnomos e independentes, isto,queestavamligadosaospasessocialistasapenasideologicamente,formulariamuma

53Rolando Frati, banido com o seqestro do embaixador americano, em setembro de 1969, foi dirigente sindical do PCB,umdosorganizadoresdaTendnciaLeninistadaALNepartidriodalutapelaconstruodoPartido, expressanodocumento"Umaautocrticanecessria".V-se,ento,nofinaldosanos1970,umaautocrticada autocrtica assinada, agora por Frati, ou seja, no se trata de uma posio da TL-ALN. 54 "Os revolucionrios e o Partido nico", n 29, maio de 1978, p.19. 15 linharevolucionria,pontocentraldarevoluo.Adiscussodopartido,queconcretizariaesta linha, viria em segundo lugar.55 *** Nofinaldadcadade1970,anunciava-seaformaodeumpartidodemassas-o PartidodosTrabalhadores-,surgido,basicamente,daslutassindicaisdosltimosanos,das participaesdesetoresdaIgrejacomprometidosnalutacontraaditaduracivil-militar,de intelectuais independentes, de ex-militantes de organizaes revolucionrias destrudas, alm de algumas organizaes remanescentes. A revista Debate manteve uma posio bastante crtica, quanto formao do PT. A concepo leninista de partido jamaisdesaparecera no interior da revista, ao longo doexlio.Aocontrrio,aperspectivadeuniroscomunistaseformaropartidorevolucionrio foraoeixoestruturadordesdeoincioemanteve-seatofim.Asdiscussessempre confirmaram a necessidade de constru-lo. Aconcepodepartidopresente,nasorigensdoPT,conflitavacomastradies leninistasdosintegrantesdaDebate.Ovisreligioso,otrotskismoeobasismoanti-intelectual de seus primeiros momentos eram inaceitveis para os intelectuais da revista. ADebateacabouem1980,quandopartedoColetivoaderiuaoPMDB,mantendoa idiadaintegraodoscomunistasaumafrente.OutrapartefoiparaoPCB.Eraimpossvel participar do partido de massas que surgia. SegundoJooQuartimdeMoraes,aformaodoPTestavamarcadaporuma tendnciadofinaldadcadade1970:asupervalorizaodaespontaneidadedasmassas.Com isto,incorria-seemgraveerro,umavezqueasmassas,enquantonofossemeducadasnos princpiosleninistas,noencerravamvalorpositivo,apenasporseremmassas.Estatendncia espontaneista continha em si uma tradio rousseauniana e religiosa.56 OeditorialNasruas,pelaliberdadechamavaatenoparaoengodoaserevitado pelos comunistas:

55 . Cf. "Os revolucionrios e o ...", pp.19, 20 e 22. 56 .Cf. entrevista com JQM. So Paulo, 10 abril de 1992. 16 "Atendnciaao"massismo"inerenteaocristianismosocial.Cabeaoscomunistas levar classe operria - e a todas as camadas sociais revolucionrias - a perspectiva do partido revolucionrio de nossa poca, organicamente ligado s massas, mas portador das idias as mais avanadas da humanidade, e por isso mesmo incompatvel com o culto das massas tal como elas hoje se configuram na sociedade capitalista". 57 Paraaperspectivamassistaeespontaneista,contriburaaesquerdacrist,ouseja,o setordaIgrejacatlica,eixodaorganizaodeummovimentodemassascentradona transformaosocialemdireoigualdadeentreoshomens,defendendoatesedalibertao como obra espontnea do povo. Em outras palavras, a conscincia libertadora estava inscrita na essnciadosoprimidos.Ateseconflitavacomateoriamarxista,queviaaumespontaneismo nocivocausarevolucionria.Amassaprecisavaserconscientizada,atravsdetrabalhoque viria,necessariamente,defora,ouseja,dopartido.Naverdade,aprpriaesquerdacristtinha umpapelativoedirigente,nosmovimentossociais,jqueintelectuaiscristoshaviam formuladoabaseterica,quesustentavaotrabalhojuntoaossetoresoprimidosdasociedade. Tratava-se, pois, de uma suposta espontaneidade.58 Ocarteramplo,representandoadiversidadedosmovimentossociaissurgidosna dcada de 1970, dava ao PT um perfil diferente daquele defendido pelos marxistas-leninistas. Ou seja,oPTiasendoconstrudosoboutroconceitodepartido.Istoficouevidenteemartigode P.Alves,questionadordoscaminhospretendidospeloPT.59Nosetratavadeumpartido representativo de uma corrente de idias do movimento operrio. Alis, o prprio nome - Partido dosTrabalhadores-nodefiniaumobjetivohistrico,masapenasabasesocialquepretendia representar: "O PT precisa definir claramente qual a sua idia, a sua "doutrina revolucionria", em que ele se distingue dos demais agrupamentos polticos existentes no Pas". 60 NoartigoOobreirismorevisitado,cujottulojantecipaavisocrticadotexto, FernandodeAndradepretendefazerumaavaliaodofenmenoLula.Oldersindical representava as posies majoritrias do movimento, mas no as mais avanadas, assim como a

57 Cf. n 26, julho de 1977, pp.6-7, grifos no original. 58 Cf. "Cristos e marxistas", P.Alves, n 36, novembro de 1980, pp.21-25. 59Note-sequeesteartigofoipublicadonomesmonmerodoeditorial"AmissodoPMDB"quedefendeu amplamente a adeso ao PMDB. 60 "Para onde vai o PT?", n34, abril de 1980, p.16; citaes anteriores, p.15.17 sadamoderadaentreospelegoseasoposiessindicais.AsposiesdeLularevelavam,na verdade, uma concepo social-democrata do papel da classe operria.61 AcitaoabaixosintetizaaavaliaodaDebatesobreomomentopolticodofinal dos anos 1970 e a definio da luta a travar: "Cada conjuntura comporta suas prprias iluses: na hora em que muitos vislumbram nochefecarismticoenasvelhasmarcasregistradasoatalhomgicoparaarevoluo social (supondo-se, apenas por hiptese, que se trate realmente de revoluo), na hora em queocultodaespontaneidadedasmassasembriagaosquesecansaramdotrabalho revolucionrioreal,queconsisteemestaradianteenoareboquedomovimentode massas,e,sobretudo,nahoraemqueaforadomovimentooperrioedemocrticofaz recuaraditadura,alutaporumcomunismodenossapoca,enraizadoemnossas realidadeseportadordaconcepointernacionaldapassagemaumanovasociedade, liberada da explorao do Capital e da opresso de classe, constitui, para os que mantm os olhos abertos, a mais exaltante das tarefas".62

ADebatepublicouumartigodeM.FaustinoSantosque,aoanalisarasituaodo movimento popular, na conjuntura de 1979, defendeu a formao de um partido poltico popular e nacional, que contribusse para o movimento popular sair do cerco no qual se encontrava.63 Era precisoassumirarealidade,quemuitossenegavamaver:aditaduramilitarnoestavaacuada pelomovimentopopular,apesardeseuavanonosltimosanos.Impunha-seatarefade construirumpartidopolticonacionalepopular,queassegurasse"...melhorescondies intervenopolticadopovo,fatoressencialsuavitrianalutacontraaburguesiaeo capitalismo noBrasil"64. Para tal, devia-se formular um programa poltico amplo e flexvel para unificar as diversas correntes da luta popular, num esforo para superar o esprito de grupo e de seita.Estepartidopermitiriaalivreassociaointerna,segundoumaorganizaodetipo "frente poltica". 65. Faustino defendia a construo do partido de massas. SegundoQuartim,otextodeFaustinoestavaimpregnadodasidiasmassistase espontaneistas66. Sua proposta poltica dilua "a tarefa da construo do partido de vanguarda em

61 Cf."O obreirismo revisitado", n 33, junho de 1979, pp.18-19. 62 "Apresentao", n 33, junho de 1979, p.3. 63Ointeresse,nesteartigo,noestnofatodeexpressarasidiasdeumindivduo,massimporserumaposio diferente daquela hegemnica na revista. 64 "Movimento popular e partido" - II, n 33, junho de 1979, p.24; Cf.tambm "Movimento popular e partido" - I, n 32, fevereiro de 1979. 65 "Movimento popular ..." - II, p.26. 66 Cf. entrevista com JQM. So Paulo, 10 abril 92. 18 prol de um partido nacional e popular sem definio ideolgica que mais parece uma frente dos sem-partido". 67 A defesa do partido de massas no ganhou fora, na revista, e as posies de Faustino ficaram isoladas. A Debate, como se viu, no aderiu formao do PT.

Democracia: direitos jurdicos, valor universal, ditadura do proletariado A reflexo sobre a experincia da esquerda brasileira, nos anos 1960 e incio dos 1970, trouxe para a discusso a questo da democracia. No exlio, outros conceitos de democracia eramdefendidos,noselimitandomaisqueledasorganizaesleninistasdosanos1960,ouseja,a democracia proletria ou ditadura do proletariado. Trs conceitos de democracia apareceram na Debate e indicam os caminhos diferentes que a esquerda brasileira vinha tomando. AperspectivapredominantefoiadefendidanoProjetodePlataformaPoltica, identificandodemocraciacomdireitosjurdicos.Assim,alutademocrticaquederrubariao regimemilitarseriaalutapelorestabelecimentodosdireitoscivisanuladospeladitadurae,no casoespecficodomovimentooperrio,alutapelaorganizaoindependentedossindicatos, desvinculando-os do Estado. Neste sentido, a bandeira da democracia aglutinaria diversos setores dasociedade,noselimitandoaosrevolucionrios.Estadeveriaseralutacentraldos comunistas,levando-seemcontaaexistnciadeumregimedeexceo.Sobadireodos comunistas, o movimento popular, aps a derrubada dos militares, ganharia a direo socialista.68 interessantenotaroimpactoqueadefesadademocracia,comoeixodalutapelo socialismo, teve quando da publicao da Plataforma Poltica, em 1973. Esta idia "...secontrapunhaaduastendnciaserradasqueentodominavamomovimento comunistabrasileiro:odesprezopelademocraciaporpartedetodasasorganizaes vanguardistas e a viso esquemtica e mecnica da luta pelas liberdades democrticas por parte do PCB".69

67 "Apresentao", n 33, junho de 1979, p.3. 68Trato melhor desta posio no item "Conjuntura e ttica". 69 "Os dilemas do PCB", A.Silva e D.Albuquerque, n 34, abril de 1980, p.27. 19

Um outro conceito de democracia apareceu em alguns artigos da Debate. EmAesquerdaeademocracia,MrciaBrandoeTiagoLimaverificavamquea grande maioria dos revolucionrios assumiu a luta pelas liberdades democrticas. No entanto, a democraciaeraapenasummeioparasechegaraosocialismoe"...nocompreendema necessidadedarealizaoefetivadademocraciacomocondioparaosocialismo"70.A construo do socialismo no se faria margem da democracia.71 Seguindoestespassos,P.Alvesconsiderouqueadiscussosobredemocracia envolvia, necessariamente, a relao entre socialismo e liberdade. Era inquestionvel o limite ao exerccio das liberdades polticas imposto pelos pases socialistas, nos quais no se concretizara a essnciadaditaduradoproletariado,ouseja,amaisamplaparticipaodasmassasnavida polticadopas.Serialegtimo,ento,buscarumoutrocaminhoparaosocialismo.Aresposta estava em Antonio Gramsci. O cerceamento das liberdades verificado nas revolues socialistas jrealizadasseexplicavapelotipodesociedadeemqueocorreram:sociedadespouco estruturadas,comumavidapolticamenosconsistente.Estaviadetransiodeviaser consideradacomoumaparticularidade,referidaacondiesconcretaseespecficas.Nopodia serformuladacomouniversal.Poroutrolado,haviapases,cujastradiesdemocrticaseram resultadodelutaspopulares,nosquaisasociedadecivilerabemestruturadaeostrabalhadores norenunciavamliberdadeconquistada,assumindoademocraciacomoumvaloruniversal, conforme a perspectiva de Carlos Nelson Coutinho: "produtodaslutasdostrabalhadores,ela[ademocracia]converteu-senumaaspirao permanente,pelaqualsedevelutar,nosnocapitalismo,mastambmnosocialismo. Elanosetraduznumdesejodecolaboraoentreasclasses,mas,aocontrrio,a expressomaiselevadadaprprialutadaclasseoperriacontraosmonopliose,sem dvida, o seu instrumento mais eficaz.72 Nestespases,aviademocrticaparaosocialismoeramaisrevolucionriadoquea defesa do assalto ao poder, acompanhado da supresso inevitvel das liberdades pblicas73.

70 N29, maio de 1978, p.13, grifo no original. 71 Cf.p.18. 72 "Ditadura do proletariado?", n 37, fevereiro de 1981, p.30; Cf. tambm pp.27, 28 e 29. 73 Cf. "Ditadura...", p.30. 20 Porfim, P. Alves defendia a luta pelofortalecimento da sociedadecivil como a luta pelademocracia,noBrasil,emboraestaaindafossepoucoestruturada.Oesforocriariaas condies para a viabilizao do caminho democrtico para o socialismo. Deacordocomestaposio,R.BatistadestacouaimportnciadotextodeCarlos NelsonCoutinho,Ademocraciacomovaloruniversal,nadefesadatesedequeasliberdades democrticas em pases capitalistas noforam uma concesso da burguesia, mas uma conquista dos trabalhadores. Era enganosa a expresso democracia burguesa. A democracia foi arrancada a ferro e fogo da burguesia74.R.BatistaidentificouavisodeCarlosNelsonCoutinhodedemocraciacomade Fernando de Andrade, em A democracia revolucionria75.Com isto afirmou: "... um progresso o reconhecimento de que a luta pelas formas democrticas possibilita ao proletariado ampliar seu espaodelutapeloscontedosreaisdedemocracia,comoobjetivohistricodosocialismo"76. Embora Fernando de Andrade tenha defendido aampliao, atravs de um regime democrtico, trata-se de concepes diferentes de democracia, que no podem ser confundidas. Para Alice Paiva, tambm, era fundamental que os marxistas analisassem criticamente a experincia dos pases socialistas para superar seus limites e criar uma verdadeira democracia socialista,naqualtodasasrelaesbaseadasnaopressofossemeliminadas.Istodependiado grau de democracia que o socialismo conseguisse atingir, garantindo a liberdade de organizao de todos os setores oprimidos, ato desaparecimentototal detodo e qualquer tipo de opresso. Isto asseguraria um carter democrtico ao socialismo77. J.Sotam Onen tambm buscou em Gramsci a base terica para sua posio, quanto ao papel da democracia nas lutas pela liberdade poltica: "se no surge uma democracia no seio das massas, se a massa no a exige na sua ao e nassuasvariadasformassociaisdeorganizao,entoelanoexigirademocraciano seiodeumeventualpartidoquevenhaasercriadoemseunome.Entoademocracia como forma de governo (sic), num pas com uma larga tradio autoritria como o nosso, ser tanto mais formal e tanto menos efetiva, quanto menos conscincia e ao de massa exista sobre este problema. E, o que talvez seja mais grave ainda, permitir a reproduo doautoritarismopolticodeesquerda,comaconseqentemanipulaodasmassaspela

74 Cf."O PCB e a democracia", n 36, novembro de 1980, p.34. 75 N 24, dezembro de 1976. 76 "O PCB e a ...",p.35. 77 Cf."Alcance do feminismo", n 35, agosto de 1980, p.29. 21 organizaodesua"vanguarda".Emumapalavra,permitirapreservaodasua opresso, da sua sujeio poltica"78. Porfim,oterceiroconceitodedemocraciaestavanoartigodeP.Rozemiro,O transformismodemocrtico79.NamesmalgicadoargumentodeP.Alves,segundoaquala supressodasliberdadesdemocrticasnospasessocialistaseraresultadodecondies especficas e no uma necessidade universal, para Rozemiro, a realizao do socialismo pela via democrticaburguesa-,nopodiasertomadacomouniversal.Foi,aocontrrio,aresposta encontradapeloseuropeus,emcondiesespecficas,nauniodetodasasforasdemocrticas contraofascismo.Assim,CarlosNelsonCoutinho,emAdemocraciacomovaloruniversal, equivocava-seaoprocurar,naexperincia,ummodelo.Alutaporliberdadesdemocrticas contraoregimemilitarapenascolocava,namelhordashipteses,omovimentooperrioa reboque da burguesia democrtica. O sentido universal da democracia estava na ditadura do proletariado -ou democraciaproletria-,reafirmadacomoaexpressomaisbemacabadadademocracia,asuarealizao plena, abrindo caminho para o fim das democracias de classe. Rozemiro conclua: "proporumaprofunda"renovaodemocrtica"dasociedadebrasileirasemirato socialismo,semromperdefinitivamentecomodomniodeclasseecomahegemonia burguesa decididamente desviar a ateno das massas daquilo que liberta - o socialismo - para aquilo que escraviza - a "democracia" "80. Feminismo: explorao da mulher, explorao de classe, politizar o cotidiano ADebatededicouumespaoconsidervelreflexodatemticadegnero.Em quatorze nmeros, apareceram artigos procurando ampliar a perspectiva que a esquerda tinha do papeldamulhernasociedade.Chegoumesmoaafirmarque,omovimentofeministaeo

78 "Equvocos do politicismo de esquerda", n 32, fevereiro de 1979, p. 27. 79Nn36, novembro de 1980, pp.30-34. 80 "O transformismo...", p.34. 22 movimento negro eram os mais significativos dos movimentos sociais que emergiram, ao lado do sindicalismo, contra a opresso da sociedade capitalista81. Oprimeiroartigopublicado,Contribuioaumaanlisemarxistadaquesto feminina,deuabaseparaasdiscusseseposiesqueseseguiramnosdemaisnmeros.Nele, JoanaAlmeida,MartaAlveseMariaRibeirofizeramacrticadoslimitesdatese tradicionalmentedefendidapelomovimentocomunista,segundoaqualatransformao econmicadasociedadebastariaparaporfimopressosofridapelasmulheres.Areferncia tericadestaconcepoestavaemEngels,Aorigemdafamlia,dapropriedadeprivadaedo Estado. Com o socialismo, a sujeio da mulher ao homem terminaria, porque no mais existiria amonogamiacompulsria,devidoextinodaherana.Mulherehomemparticipariamda produo social, desaparecendo a base material da famlia82.Arealidade,noentanto,negavaatese.Associedadessocialistasmostravama permanncia da explorao da mulher, consolidando-se sociedades permeadas pela desigualdade entre os sexos. Ento, a determinao econmica, por si s, no podia explicar o fenmeno especfico vivido pelas mulheres. Era preciso volta-se para "osnveisdarealidadeemqueaopressoseconcretizaereproduz.Taisnveisdizem respeitosuperestruturapoltica,jurdicaeideolgica.Asoluocompletaparao problemadaopressoespecficadamulherobriga,pois,quesetransformem revolucionariamenteemconjunto,asdiferentesesferasdavidasocialeeconmica.Isto porqueaopresso,tendosuaorigemnaesferadaproduo,sereproduzcontinuamente pelaatuaodosdiversosaparelhosideolgicos(Igreja,Escolaetc)ejurdicosda sociedade, de forma tal que s se extinguir quando houver uma soluo de conjunto para todas estas esferas em que a opresso se exerce83. Em agosto de 1978, Joana Almeida chamava ateno para o fato de que seu artigo de janeirode1975foiaprimeiratentativa,naesquerdabrasileira,depensaraquestodamulher semadiarasoluoparaomomentoposteriorrevoluosocialista.Aesquerdacolocava-se bastanteatrasadanaconcepodohomemnovoemuitasvezesnoassumiaafrentedelutas

81 ."Apresentao", n35, agosto de 1980, p.3. 82 Cf.n 17, Janeiro de 1975, pp.15-25. 83 ".Contribuio a uma ...", p.17. 23 progressistas, como a defesa do meio ambiente, a luta anti-racista, a defesa do direito ao lazer. A esquerdadeviadesempenharestepapel,colocando-senavanguardadestaslutas.AHistria provava,segundoela,quesomenteosdefensoresdofimdaexploraodeclassespodiamser conseqentes na luta pela melhoria de vida, ultrapassando os limites das melhorias econmicas e materiais84. Em outras palavras, a esquerda devia assumir seu papel de vanguarda. Joana Almeida defendeu uma transformao mais ampla da sociedade: "Amulher,mesmodesfrutandodedireitosiguaisaohomem,comotrabalhadorae comocidad,continuaroprimidaenquantoasociedadenoforrenovadaporuma revoluocultural.precisoumanovamoralsexual,baseadanaigualdadeentreos sexos,(...).Masestarevoluoculturalnosupe,apenas,alutaideolgica;asituao socialdeterminanteimportantedaconscinciadecadahomem.Enquantohouver misrianaexistnciadohomem,havertambmaviolncia,incluindoaviolncia sexual.Logo,agarantiadenossaliberdadetambmagarantiadofatoquenenhum homemserexploradoporoutro;dequeterminouoreinodamisria.poristoqueo feminismo,objetivamenteinteressadoemumasriedereformassociais,luta,ademais, por uma transformao revolucionria de nossa sociedade"85. Nota-se aqui uma mudana substantiva. Mesmo mantendo a perspectiva de sociedade dividida em nveis, defendeu-se a necessidade de transformar moral e culturalmente a sociedade. O aspecto econmico, porm, continuava como o eixo decisivo, na medida em que era da que a opressoseexpandiaparaosdemaisnveis.Aopressoeragerada,portanto,naesferada produo. EstaampliaocondicionadadificultavaaaceitaodasposiesdeAlicePaiva defendidasemOAlcancedofeminismo86.Opensamentoeconomicistalimitouosocialismos mudanaspuramenteeconmicas.Gramscijenfatizaraaimportnciadareformaintelectuale moralparaatransformaodasociedade.Almdisto,eraograudedemocraciaexistenteno socialismo que definia a possibilidade de superao de todas as relaes opressoras87.Umacorrentefeministasurgidaaps1975colocava"...emdiscussoumanova concepodemundo,derelaeshumanas,depapissociais,demoral,costumeetc,como sendo tambm elementos fundamentais de qualquer transformao social". A partir de ento, os

84 Cf."A unidade das mulheres: objetivos e limites", Joana Almeida, n 30, agosto de 1978, pp.15, 16 e 17. 85 "A unidade ...", p.18. 86 N35, agosto de 1980. 87 Cf. "Alcance ..., pp.29 e 30. 24 problemasprivadosepessoaisganhavamumadimensopolticae,nestesentido,cabias mulheres "criar uma nova prtica da poltica, verdadeiramente democrtica"88.A posio de Alice Paiva foi duramente criticada por Marta Alves e Paula Santos89. A palavradeordempolitizarocotidiano,surgidanomovimentodeMaiode1968,naFrana,e defendidaporAlicePaiva,identificavalutadasmulhereselutapoltica,umequvoco.A mediaodoscomunistaseraimprescindvel,nestaidentificao,atravsdeumtrabalhode propagandaeconscientizao.AnovidadedoMaiofrancs-aqualificaopolticadas manifestaesderebeldia-eraumaconcepoestranhaaomarxismoecolocavaestas manifestaes margem das grandes lutas sociais. Em outras palavras, "...aidentificaodofeminismocomuma"novaconcepodomundo"acaba distanciando-odosproblemasreaisenfrentadospelamulheresemseusdiferentes aspectos,dificultandoatarefadeidentificaodessesproblemasparaaelaboraode uma plataforma de lutas em torno da qual se organize um movimento"90. *** Assimcomoestavamequivocadososmarxistasqueisolavamoaspectoeconmico, tambmnoacertavamasfeministassexistas,poisdavamumarespostaparaoproblemada opressodamulherabstraindoacondiodeclasseeapresentandoumprogramadelutageral para todas as mulheres. Eraprecisotratardosdoisaspectos:arepressoespecficasofridapelasmulheres, inserindo-a na realidade da explorao de classe. Esta era a frmula que se manteve como ponto devistadaDebate91.Superandoaslacunasdomarxismo,aopensaraquestodamulher, integravaomovimentofemininoaoprocessodalutadeclasses92.ADebateseprope,ento, assumir um papel de vanguarda na luta das mulheres93.

88 "Alcance..., respectivamente, p.28 e p.31, de acordo com Christine Buci-Gluksmann. 89 Cf. "Feminismo ou utopia?", n 39, setembro de 1981. 90 "Feminismo ou ...", p.16. 91Cf."Contribuioaumaanlisemarxistadaquestofeminina",JoanaAlmeida,MartaAlveseMariaRibeiro, n17, janeiro de 1975. 92 Cf."Contribuio a uma anlise ...", p.15. 93 Cf."Apresentao", n 20, novembro de 1975, p.3 25 sdiscussestericasdeviamseguirestudosespecficosdasituaodamulher brasileira.Aanlise histricaeconcreta superava asgeneralizaesecontribua paraorientara prtica94. Alutadasmulheresdasclassesexploradas,noBrasil,erapartetantodalutade classes, como da luta pelo fim da ditadura. No movimento sindical, por exemplo, integrava-se ao movimentofeminista.Asreuniesnoslocaisdetrabalhoparadiscutirosproblemasdas trabalhadoraseramamelhormaneiradepressionarossindicatoseasoposiesparao encaminhamento de reivindicaes, incorporando-se, assim, luta geral da classe operria95. Oplanejamentofamiliar,tocaroaomovimentofeminista,tambmencontrava obstculosnaditaduramilitar,queapoiavacampanhasdecontroledanatalidadealheiasaos direitos mais elementares do indivduo96. Emsuma,maisumavez,procurava-sepriorizaralutademocrtica,nocontextoda ditadura.Oobjetivodomovimentofeministaeraorganizarasmulheresnestadireo.No processodederrubadadoregimemilitar,omovimentodeviaassumiropapelrevolucionrio, contra a explorao de classe e a explorao da mulher97. Aproposta,ento,eraaunidadedasmulheres,emumprogramaqueconsiderassea existncia,nestaluta,demulheresquenoassumiamumaperspectivaanti-capitalistae mulheres,evidentementemaisavanadas,comprometidascomaconstruodasociedade socialista. Estas deveriam lutar pela hegemonia no movimento98. Autonomia Sindical: entre a realidade e as tarefas histricas AquestosindicaleraumadaspreocupaesessenciaisdaDebate.Areorganizao domovimentocomunistaemnovasbasesimplicavaadeterminaodeumatticasindical marxista-leninista que unisse a teoria marxista e os operrios99.

94 Cf."Mulheres: condies de luta", Marlene Antunes, n 27, novembro77, p.17. 95 Cf."As mulheres no sindicato", Natlia Prado, n 32, fevereiro de 1979, p.19. 96 Cf."Natalidade planejada", M. Ribeiro, n 36, novembro de 1980, p.20. 97 .Cf."Mulheres: condies de luta", Marlene Antunes, n 27, novembro de 1977, pp.17 e 18; Cf. "O feminismo no Brasil, hoje", Helena Oliveira e Alice Paiva, n 29, maio de 1978, p.29. 98 Cf."A unidade das mulheres : objetivos e limites" - II, Joana Almeida, n 31, novembro de 1978, p.28. 99 Cf."Apresentao", n 20, novembro de 1975, p.3. 26 OProjetodePlataformaPolticapartiadaconstataodequeaclasseoperria brasileira no vinha desempenhando o papel que lhe era destinado. O fato no se explicava pela traiodosdirigentessindicais.OPCBtinharesponsabilidadenaderrotade1964eas influncias do trabalhismo contribuam para a fraqueza do movimento operrio. Esta, porm, no seexprimia,apenas,naoposioreformaxrevoluo.Aclasseoperrianoassumiasuas tarefas histricas devido ausncia de uma organizao sindical independente do Estado100. FernandodeAndradedefendeuquearepressodoEstadoNovo,isoladamente,no explicavaasubordinaoideolgicadoproletariadoburguesia.Existiamcondiesque favoreciam a eficcia da represso para acabar com a independncia sindical: "Ficaextremamentedifcilquandosefazabstraodascondiesreaisemqueo proletariadodesenvolveu,emcadasituaoconcreta,asualutadeclassecontrao capital,escaparaosimplismoidealistaquereduzahistriadaslutassindicaisemnosso pasaumaidadedeouromaisoumenospr-histrica(quenosestudosdeF.Weffort correspondeaoperodoanteriora1930)rompidabruscamentepelopecadooriginaldo populismoquereduzostrabalhadoresnoexatamentenecessidadedeganharavida comosuordoprpriorosto-porqueistojofaziam-masaaceitarpassivamentea hegemonia burguesa101. A tarefa fundamental dos comunistas, no movimento sindical era, concluiu, lutar pela independncia da classe operria102. Noentanto,seaprioridadedoscomunistaseraalutademocrticaquederrubariaa ditaduramilitar,omovimentosindical,necessariamente,teriaumaparticularidadeneste processo,jqueoretornoordemvigenteantesdogolpesignificariaorestabelecimentoda Constituio que submetia o sindicalismo ao Estado, ou seja, reafirmaria a causa da fraqueza da classe operria brasileira. Ento, os comunistas deveriam garantir a organizao independente do proletariado,mesmoqueaburguesiaassumisseadireodaluta103.Naverdade,nofoia ditaduraquecriaraosindicalismodeEstado,emboraimpedissealutapelaorganizao independente e revolucionria do movimento operrio104.

100 Cf."Projeto de Plataforma Poltica", n 12, abril de 1973. 101 "O movimento operrio e os sindicatos", n 19, agosto de 1975, respectivamente, pp.6 e 8. 102 Cf."Projeto de Plataforma Poltica", n 12, abril de 1973, p.29.103 Cf. "Sucesso: dez anos de ditadura e a luta pela democracia", editorial, n15, maiode 1974, pp.11 e 13. 104 Cf. "Sobre as concepes da Ala Vermelha", Tereza Guimares e Raul de Freitas, n19, agosto de 1975, p.31. 27 O caminho para a conquista da independncia sindical era levar a luta de massas para ossindicatosoficiais,consolidando-aapartirdencleosdeoperriosnosprprioslocaisde trabalho105. A luta sindical no podia se limitar situao consentida pelo Estado106. Emsuma,atravsdaoposiosindical,baseadanascomissesdefbricas,aclasse operria se organizaria de maneira independente e poderia assumir o seu papel de vanguarda na luta pela democracia. Enquantoostrabalhadoresnoconquistassemaindependnciasindical,ficariam submetidoslgicadocapital.Nesteprocesso,erafundamentalasseguraradefesadeseus interesses econmicos imediatos, ou seja, travar a luta econmica contra o patro e o Estado. A independnciasindical,porm,seriaparcial,enquantoexistissemoEstadocapitalistaea burguesia: "OsaparelhosdeEstado,tantoosdecoero(ForasArmadas,Polcia,Tribunais) quantoosdehegemonia(Universidade,MeiosdeComunicaoSocial,Escolaetc) continuarofuncionandonosentidodeassegurarareproduodaordemburguesa.As idiasdominantesseroasidiasdaclassedominante.EamquinadoEstadoestara seu servio"107. Alutasindicalnoderiaserconcebidaseparadamentedalutapoltica.Onvelde conscincia das massas, por exemplo, era decisivo para que o movimento comunista conseguisse aadesodostrabalhadores.Nossindicados,ointeressepelaaopolticaeraconseqnciada constataodequealutaorganizadalevavaamelhoriasdascondiesmateriais.Aestavao papelqueoscomunistasdeveriamdesempenhar:intervirnaslutassindicais,paraquenose limitassem s conquistas econmicas. Para Fernando de Andrade, a emancipao do proletariado novinhadeumpunhadodeiluminadosguardiesdaquintessnciadaRevoluoparaquem tudoseresolvercomatomadadopoder.Eenquantoopodernotomado,oimportante insistir na necessidade de tom-lo108. Era preciso fazer um trabalho com as bases.

Cf. "Sobre as concepes da Ala Vermelha", Tereza Guimares e Raul de Freitas, n 19, agosto de 1975, p.31. 105Cf."Odebatenaoposiosindical",HlioCintra,n24,dezembro76,p.11;Cf."ProjetodePlataformaPoltica", n12, abril de 1973, p.30. 106 Cf. "A democracia revolucionria", Fernando de Andrade, n 24, dezembro de 1976, p.10. 107 "Os comunistas e a oposio sindical", Fernando de Andrade, n 28, fevereiro de 1978, p.9; Cf.tambm p.7. 108 Cf. "Os comunistas e a ...", pp.12, 13 e 9 para a citao. 28 Alutadaoposiosindical,emfevereirode1978,mereciadestaque.Iniciativada prpriaclasseoperria,contrariavaaestruturavigentenosltimosquarentaanos,revelando-se comoaprincipalexperinciadalutaeconmicadeclassedoproletariadobrasileirosoba ditadura109. Noentanto,paraoproletariadoselibertardasinflunciasburguesaseagir independentemente,erafundamentalqueformasseoseupartidopoltico,incorporandoo marxismo e opondo-se aos partidos polticos burgueses110. Conjuntura e ttica: a realidade entre meios e fins Asorganizaesrevolucionriasconvergiam,emmeioadivergncias,quanto anlisedaeconomiabrasileira:ocapitalismo,irremediavelmente,estavacondenado estagnao. Para a Debate, a estava uma importante explicao para o fracasso da revoluo: uma anliseequivocadadaeconomia,quelevaraaformulaestticasinadequadas.Dianteda realidade do crescimento capitalista no Brasil, esta esquerda no conseguia fornecer uma anlise satisfatria111. Eraprecisoreconhecerocartercapitalistadaeconomiabrasileiraeasuaverso monopolista.Oregimemilitarviabilizaraoexercciododomniopolticodeumaburguesia monopolistaejhegemnica,quehaviaoptadoporseatrelarpolticainternacionalnorte-americana,nosetratando,portanto,deumaimposiodoimperialismo112.Alis,foramos setores mais adiantados das classes dominantes que se beneficiaram com o golpe de 1964, e no os mais atrasados113.

109 "Os comunistas e a ...", p.8. 110 Cf. "Equvocos do obreirismo de direita", Neno Matos, n 30, agosto de 1978, p.31. 111 Cf."A esquerda brasileira e a economia poltica burguesa", Marta Alves, n 19, agosto de 1975, p.34. 112 Cf."Projeto de Plataforma Poltica", n 12, abrilde 1973, p.14; Cf. "A sociedadebrasileira: nossa plataforma e algumas outras concepes", Fernando de Andrade, n 13, agosto de 1973, p.14. 113 Cf. "A ditadura e a hegemonia da oligarquia monopolista", editorial, n 7, setembro de 1971, p.3.29 Arevoluobrasileiraseria,portanto,socialistaeproletria.Alutapelalibertao nacionalsprocediaemnaesoprimidascomonaes114.ADebateconclamou,ento,os revolucionrios a se concentrarem no objetivo central: derrubar a ditadura militar a servio dos monoplios e noa expulso dos norte-americanos115. A propostaestava noeditorial Sucesso: dez anos de ditadura e a luta pela democracia, no qual defendia a formao de uma frente anti-ditadura. Aps dez anos de regime militar, os brasileiros tinham com as eleies a possibilidade de dizer no ao regime. A Debate destacou ainda a concentrao da monopolizao da economia durante estes anos e a exacerbao das contradies no interior da aliana das classes dominantes do pas, criando brechas a serem aproveitadas pelos revolucionrios116. Alis, a prpria ditadura militarjeraumaexpressodeumacrisedehegemoniaburguesaeaformaencontradaparaa estabilizao. A burguesia, atravs de seus partidos polticos fora incapaz de dirigir a sociedade e o Estado. A ditadura era, pois, a soluo para a crise poltica e, portanto, no era um fenmeno nem acidental nem passageiro na poltica brasileira117. Noentanto,podia-seperceberoconflitoentreliberaisdedireitaeosfascistas,no interiordoregime.Previa-semesmoumarupturanoaparelhomilitar118.Aproveitaras contradies para derrubar a ditadura e restabelecer as liberdades pblicas era essencial. Assim, os trabalhadores podiam se organizar para a defesa de seus interesses. No processo que levaria derrubadadaditadura,osoperriosmanteriamahegemonia,o"...queassegurarcarter revolucionrioaoregimequeemergirdaderrubadadaditaduraemnossopas"119.Emoutras palavras, a conquista das liberdades jurdicas ia melhorar sensivelmente as condies de luta dos trabalhadores.Noentanto,asliberdadesnopodiamserolimitedeseusesforos.Oartigode Fernando de Andrade, A democracia revolucionria, sintetizou a proposta: "Os objetivos da revoluo no Brasil sero imediatamente democrticos enquanto no foremimediatamentesocialistas,enquantoamassadostrabalhadoresnoestiver mobilizadaeorganizadaparaexerceropoderpoltico.Sosocialismotrarsoluode fundoparaosproblemasdenossopovo,masparaqueosocialismosejapossvel,

114 Cf. "A posio do Brasil no campo imperialista", Fernando de Andrade, n 25, abril de 1977, p.24. 115.Cf."Asociedadebrasileira:nossaplataformaealgumasoutrasconcepes",FernandodeAndrade,agostode 1973, p.14. 116 Cf. n 15, maio de 19 74. 117 Cf. "Crise do regime militar?", editorial, n 25, abril de 1977, p.3. 118 Cf ."Contando as divises", editorial, n 28, fevereiro de 1978. 119 "Sucesso: dez anos de ditadura e a luta pela democracia", n 15, maio de 1974, p.11 30 necessrioconquistarmosademocracia.Poristodizemosqueocarterdarevoluo socialista, mas o programa democrtico120. Trabalhava-se,portanto,comoconceitolimitado(adjetivado)dedemocracia- democracia burguesa. Os marxistas-leninistas deveriam unir todos os democratas, inclusive os nacionalistas burgueses,queseopunhamaoregimedeexceoimplantadopelosmilitares.Aalianaera possvel,masosrevolucionriosdeveriamestaratentosparaaalaburguesadafrente:ela sempreestariadispostaalimitaroavanodomovimentopopulareoperrio.Almdisto,o movimento revolucionrio podia se enfraquecer, medida que a classe operria fosse obrigada a fazer concesses para se integrar frente. Era fundamental, ento, a reunificao dos marxistas-leninistasbrasileirosparaconcretizarosobjetivosrevolucionriosdafrenteanti-ditadura,ou seja,aconquista da democraciarevolucionria, atravs daunio dos trabalhadores docampoe dacidade,sobhegemoniaoperria.Aoderrubaraditadura,criavam-seascondiesparaa implantaodosocialismo.Estaorganizaoimprimiriaocarterrevolucionrioluta democrtica, no revolucionria em sua especificidade. O movimento comunista brasileiro devia, ainda, se renovar no sentido de no se atrelar aomovimentocomunistainternacional.Osrevolucionriosdeviambuscarumpensamento marxista enraizado na realidade do pas e, ao mesmo tempo, absorver as lies das experincias internacionais das lutas operrias121.Rolando Frati negou, duramente, o que chamou de reboquismo da esquerda brasileira, quandoasorganizaes,semumaposiocrtica,buscavamrefernciasempasessocialistas, levando-as ao dogmatismo e perda de autonomia122. ***

120 "N24, dezembro de 1976, p.3, grifos no original. 121 Cf."O MR-8 ea reunificao",documento assinadopelo MR-8 e pela UnioComunista, n 33,junho de 1979, p.11. 122 Cf. "A questo da autonomia", n 24, dezembro de 1976, p.22. 31 ADebateviuaparticipaonoprocessoeleitoraltoleradopeladitaduraumaopo ttica de que os comunistas no deviam abrir mo. Seguindoalinhadauniodossetoresdemocrticosdasociedadeemlutapela derrubada da ditadura, a Debate combateu a posio de parte da esquerda que defendeu o voto-nulonaseleiesde1974.Emboraospartidospolticosparticipantesdaseleies-ARENAe MDB -, no representassem a contradio dos interesses de classes, e que o prprio MDB fosse dirigidopelaburguesia,assumiradefesadovoto-nuloeraumequvocoemqueaesquerda revolucionria no devia cair123.Asregraseleitoraisdaditaduraimpunhamoseguintedilema:votarnoMDBera,de umlado,umaformadenegaroregime,masporoutro,significavaaceitarapolticade conciliao com a ditadura, entrando no jogo do regime, tolerante em relao a uma determinada oposio. A opo era, ento, apoiar os candidatos do MDB mais comprometidos com a luta pelo fimdoregimemilitar.Nestesentido,aDebatedefiniu-seporumapoiorestritoaoMDB, procurandodenunciarospolticosquenadatinhamavercomosinteressesdasmassas.Isto garantiaaindependnciapolticadasforasrevolucionrias,noficando,assim,areboquedo liberalismoburgus124.AposiodaDebate,portanto,diferenciava-se,naesquerda,tantodos que defendiam o voto-nulo, como dos que apoiavam, incondicionalmente, o MDB125. O editorial Nas ruas, pela liberdade explicou a opo. Tratava-se de "...uma ttica da polticarevolucionriademassasaplicvelnumasituaocaracterizadapelacoexistncia contraditria de uma ditadura militar terrorista edeumafachada parlamentar126. A participao dosmarxistas-leninistasnaseleiesnoobjetivavaconseguirummaiornmerode parlamentares para o MDB, numa vitria da oposio consentida sobre o partido do governo. O fundamentalera,atravsdacampanhaeleitoral,mobilizarasmassaspopularesnalutapela democracia127.Oscomunistasusavam,assim,acampanhaeleitoralcomoummeioparachegar smassas,divulgandoasprincipaisorientaespolticas,sintetizadasnalutapela democratizao do pas128.

123 Cf."As eleies e a luta contra a ditadura", editorial, n7, janeiro de 1975. 124 Cf. "O voto-programa nas municipais", editorial, n23, setembro de 1976, p.5. 125 Cf. "O voto-programa nas municipais", editorial, n23, setembro de 1976, p.3.126 N 26, julho de 1977, p.4. 127Cf."Aseleiesealutacontraaditadura",editorial,n17,janeirode1975,p.8;cf."Ovoto-programanas municipais", editorial, n 23, setembro de 1976, p.5. 128 Cf."As eleies e a luta contra a ditadura", editorial, n 17, janeiro de 1975, p.8. 32 Emsuma,aparticipaodoscomunistasnaviainstitucionalvisavalutademassas tambmnocampotoleradopeloregime.Evitava,assim,amonopolizaodoprocessopelos partidriosdoregimeeconciliadoresdaoposio,possibilitandoquepolticoscomprometidos com a causa do povo ocupassemcargos legislativos e executivos permitidos pela ditadura.Era, ainda, uma forma de repudi-la atravs do voto129. Aseleiesde1974indicavamaspossibilidadesdeatuaodoscomunistasnaluta legal.Noentanto,demonstravamaslimitaesdaviaeleitoralparaatenderaosinteresses populares. Para que a luta legal fosse conseqente, os revolucionrios precisavam estar apoiados naorganizaorevolucionriaclandestina.Assim,emborafosseimportanteatuarnoMDB, somando as foras anti-ditadura numa frente, isto jamais seria mais relevante que a formao do partido que unisse os comunistas130. A deciso de participar das eleies em 1974 no se deu sem intensa discusso. Com ela,encerrava-seociclodapolticadeenfrentamentoarmado.Osqueaindaresistiam caracterizaram a Debate de reformista. Oscomunistas,evidentemente,noreconheciamoMDBcomoavanguardadaluta pela democratizao dopas. A oposio consentida no eranemmesmoaFrente Democrtica contra o regime, como se autodefiniam seus dirigentes131.Segundo o editorial Crise do regime militar?, "no em torno do MDB que as foras democrticas tm assinalado sua presena na cena polticanacional.AsreiteradastomadasdeposiodaIgrejaemfavordosinteresses populares,orecentemanifestodosintelectuaispedindoofimdacensuraedo "amordaamento" vm alargar decididamente a frente anti-ditatorial e confirmar o carter unificador da luta pela liberdade, aspirao comum imensa maioria do povo brasileiro. Vm sobretudo mostrar que a dinmica desta luta se alimenta da mobilizao de todas as forasprogressistasdasociedadeenopoderia,semseabastardar,ficarconfinadas manobras de gabinete das raposas liberais do MDB132. A verdadeira frente cresceria enraizada nas lutas populares e no na supervalorizao davitriaeleitoral.Paraseformarafrentecontraoregimeenelaassegurarahegemoniada

129 Cf."O voto-programa nas municipais", editorial, n 23, setembro de 1976, p.4. 130 Cf."As eleies e a luta contra a ditadura", n17, janeiro de 1975, p.10. 131 Cf."Os comunistas, a ditadura e as eleies municipais", Pedro Alves, n 23, setembro de 1976, p.14. 132 N 25, abril77, p.10. 33 classeoperria,eraessencialconstruirumaorganizaorevolucionriaclandestinae independente do regime, segundo o princpio leninista de unidade e luta133. ADebatetambmfoifavorvelcampanhapelaAssembliaNacionalConstituinte, seguindoamesmalgica,isto,aviainstitucionalcomoummeiodeorganizaralutapela democraciarevolucionria.AeleiolivredeumaConstituinteeraumaformadeasoberania popularsemanifestarapsaquedadaditadura.Aindaassim,aconvocaodestaeleiono podia ser o ponto principal do programa revolucionrio134. Em 1980, houve uma ciso na revista: parte dos integrantes foi para o PCB, inclusive JooQuartimdeMoraes;outrogrupodissolveu-senoPMDB.Apartirdeento,osltimos nmeros fizeram a apologia do PMDB, muitas vezes, em contradio com as posies assumidas e defendidas em uma dcada de revista. 135 Comareformapartidria,oscomunistasdeviamficarnoPMDB.Esteeraonico partido que se colocava como frente contra o regime: "Oprpriolimitedeseuobjetivolheimprimeumacaractersticaqueparans fundamental:enquantoorganizaocujoobjetivomaiorofimdoregime,elena realidadeumafrentedemocrtica,isto,delefazempartesetoressociaisecorrentes polticasdiversasquelutamporesteobjetivocomum.Anaturezafrentistadesua organizaodadaimediatamentepelocarterhistoricamentelimitadodeseu programa136. ParaaDebatedaltimafase,integrar-seaoPTouaoPTBerarenunciar independncia orgnica do movimento comunista137. Outro motivo para explicar a incorporao ao PMDB ligava-se avaliao segundo a qualestepartidoeraaorganizaodeoposiodemaiorpesonavidapolticadopase, portanto, tinha mais condies de lutar contra o regime. Assim, os comunistas deviam participar das eleies de 1982 no PMDB.

133 Cf. "Os comunistas, a ditadura e as eleies municipais", Pedro Alves, n23, setembro de 1976, p.15. 134 Cf. "A campanha pela Constituinte", Abel Silva, n 27, novembro de 1977, pp.3 e 5. 135Quartimenfatizouquejestavaafastadodarevista,quandodapublicaodosltimosnmeros.Cf.entrevista com JQM. So Paulo, 10 abril de 1992. 136 "A misso do PMDB", editorial, n 34, abril de 1980, p.9. 137 Cf. "A misso ...", p.10. 34 ***

Emjulhode1977,oeditorialNasruas,pelaliberdade138procuroudarcontada dimenso que a luta pelo fim da ditadura militar ganhara. Convergiam para este objetivo diversos segmentos da sociedade: estudantes, operrios, os movimentos sociaisem luta contra a carestia e a misria, a imprensa, intelectuais, artistas. Neste sentido, a Debate lembrou o acerto de sua posio, em abril de 1973 (Projeto de Plataforma),quandodefendeualutapelaliberdadepolticacomocentrodoprojetosocialista. Reafirmouanecessidadedecriarumaorganizaopolticanacionaldeunidadedosmarxistas "...capaz de levar a luta pelas liberdades democrticas at a derrubada do regime de terror militar a servio do Grande Capital e assegurar seu desdobramento socialista"139. Confirmava,ento,oqueestabeleceranapropostadefrenteanti-ditadura:alutade massas pelo restabelecimento dos direitos polticos criaria as condies para a transformao de seu carter na luta pela derrubadado poder burgus e pela construo da sociedade socialista. O partidoreunificadordoscomunistasconduziriaoprocessonestadireo.Comavitriadas forasdademocracia,alutadosrevolucionriosmudariaderumo.Nestemomento,eles enfrentariam a reao burguesa140.Osltimosacontecimentosjhaviamdemonstradoanecessidadedepriorizaros movimentos sociais, na luta pelas liberdades. Entretanto, este no estava restrito s iniciativas do prprioregime.Nosedeviaencararaunificaodasforasdeoposio,apenas,comouma dinmica eleitoral. Perspectivas se abriam: as participaes da Igreja, da OAB, dos sindicatos de trabalhadores agrcolas, do movimento estudantil; as campanhas pela reposio salarial, contra o custo de vista, pela Constituinte141. OpapeldesetoresdaIgrejamereceudestaque.Adefesadosdireitoshumanos colocavaossetoresavanadosdocleronalutacontraaditadurae,emltimainstncia,"...os setoresmaisradicaisdaesquerdacristdesenvolveramatalpontosuacrticamoraldo capitalismo que, em muitos pontos, convergem com as correntes que lutam pelo socialismo"142.

138N26. 139 N26, julho de 1977, p.9. 140 Cf. "A democracia revolucionria", Fernando de Andrade, n 24, dezembro de 1976, p.6. 141 Cf."Bases sociais da frente democrtica", A.Silva, n 29, maio de 1978, p.4. 142 "Bases sociais...", p.8. 35 Entretanto, em maio de 1978, j se concretizava o perigo para o qual a Debate alertara anos antes: a direo da luta democrtica no ficou nas mos dos revolucionrios. Era evidente a dificuldadedeconcretizaodoprojetodaDebate.Oscomunistasbrasileiros,semsuperara disperso, no tinham um papel determinante na frente democrtica143. Apermannciadadireodomovimentodemocrticonasmosdaburguesialiberal levava, na melhor das hipteses, a uma reorganizao liberal do poder de Estado burgus144. Aesquerdarevolucionrianoconseguiadarcontadacontradiolevantadapor Fernando de Andrade: "...se so os Tancredo Neves, os Ulysses Guimares, os Franco Montoro que conduzem a lutadaoposio(burguesa)oquelhedforaesubstnciapolticaaprogressiva ascensodaslutasdemassapelaliberdadeeporumavidamelhor.Soosoperrios,os estudantes,oscamponeses,osintelectuaiseocleroprogressistaque,emcrescentese multiformesmanifestaesda revolta popular contra o terror fascistaeaexplorao dos monoplios, tm lanado as sementes da frente anti-ditatorial"145. Naturalmente, no se aventava a possibilidade de uma adeso das classes populares ao projeto liberal. *** A questo da luta democrtica foi vista por outro ngulo, no artigo de Mrcia Brando e Tiago de Lima, A esquerda e a democracia. Criticava-se o fato de que "muitoscompanheirosaindadefendemasliberdadesdemocrticasvisandotosomente "abrir espao" para a luta pelo socialismo. Tal postura indica em alguns casos, a idia que oscompanheirostmdaquedadaditaduracomocondioparaaorganizao,em qualquernvel,dostrabalhadores(...).Emoutroscasos,indicasimplesmentea compreenso da luta por liberdades democrticas como um "trampolim" para se colocar a problemticadosocialismo(...).[Trata-sedeposiesdaDebate].Ofatoimportante quetantoessescompanheirosquantoaquelesnocompreendemanecessidadeda realizao efetiva da democracia como condio para o socialismo146.

143 Cf. "Bases sociais da frente democrtica", A.Silva, n 29, maio de 1978, pp.3 e 9. 144 "A democracia revolucionria", Fernando de Andrade, n 24, dezembro de 1976, p.5. 145 "A democracia..., p.5. 146 N 29, maio de 19 78, p. 13, grifo no original. 36 Nohaviacontradioentreosocialismoeademocracia.Aocontrrio,aconstruo dosocialismodeviaterumsentidodemocrtico147.Areunificaodoscomunistasbrasileiros, emnovasbases,eraimportante,assimcomoaparticipaonalutalegal.Istonosignificava, porm,asuperaodanecessidadedousodaforaparaderrubarospoderesmilitareburgus. Asdemaistarefasrevolucionrias,ouseja,no-legais,inclusiveclandestinas,nodeviamser subestimadas148.Apresentavam,ento,umaconcepoampladedemocracia,semadjetivos. Porm, em muitos pontos, estavam de acordo com a orientao editorial. Debate no exlio: em busca de renovao Em meio s presenas e s ausncias, possvel propor algumas consideraes.Aderrotadalutaarmadaestavaligadaaoisolamentodasociedade,porqueno expressavaarevoluodasclassespopulares.Mas,paraampliarassuasbasessociaisera essencialopartido,parauns,devanguarda,paraoutros,demassas.Emltimainstncia,a derrotadalutaarmadaseexplicavapelaausnciadopartido.Noapareceuumaanliseque percebesseoisolamentocomoresultadodanoidentificaodasociedadecomoprojetoda esquerdaarmada,nosemrelaoaosmeiosdeenfrentamento,mastambmaosfins;o isolamento como resultado da adeso de partes significativas da sociedade ao regime. Mantendoestatica,permanecerammuitofreqentesnosartigosmesmo discordando entre si anlises baseadas na contradio opressor/oprimido, to comum nos anos 1960.Entreumploeoutro,acomplexidadedarealidade;acomplexidadedeumarelaoda sociedade com a ditadura que ia muito alm desta suposta sntese que s serviu para escamotear osdiferentesnveisdeparticipaodasociedadebrasileiranumregimequesemantevepor longosanosesedesfezsobtotalcontroledaquelesqueoimplementaram,incluindoa,no apenas militares, mas tambm sociedade civil.

147 Esta polmica ocorreu j a propsito da defesa da Assemblia Constituinte contra os que argumentavam que ela fortaleceriaa"oposioliberal".Oespaoqueos"liberais"tinhamnalegalidadevigenteseexplicavanoapenas pelarepressosofridapela"oposiorevolucionria",mastambmporsuaincapacidadedeatuaremconjunto. Cf."A esquerda e a ...", p.17. 148 Cf."A esquerda e a ...", p.18. 37 Se se mantinha a relao opressor/oprimido, mantinha-se, igualmente, o uso de termos comogolpemilitar,regimemilitar,ditaduramilitar,comoseogolpequedestituiuogoverno democrticoem1964eimplantouumoutrofosseobraexclusivadosmilitares,semapoio significativo de segmentos da sociedade civil149.Aclasseoperriacontinuavaacarregarsuaessnciarevolucionria.Masano-realizao do destino que lhe era atribudo no era responsabilidade de traidores. E sim devido ausncia de organizaosindical independente do Estado.E sim porqueaclasse operria sofria asinflunciasnocivasdotrabalhismo.Surpreendentemente,no-ditopopulismo.Anegaoda teseconsagradapelasociologiapaulistaeusadaathoje.Surpreendentemente,fala-seem desenvolvimentodoproletariadoemcadasituaoconcreta,nascondiesreais,semquea realidade da formao da classe operria brasileira levasse ao questionamento do carter/essncia revolucionrio/a150. Um aspecto estruturador da revista, que, na verdade, deriva destas interpretaes, foi a definiodalutacomoderesistncia.Da,anfasenapolticadefrentenica:haviauma ditadura a derrubar. Neste sentido, a Debate seguiu uma interpretao que se consolidou entre as esquerdas: a viso que manteve e mantm a respeito de si mesma como, substantivamente, de resistnciaditadura.Assim,seguia,igualmente,aorientaotocomumnaesquerdaquese pretendia alternativa ao PCB: a diluio da sua personalidade. Embora estivesse sempre presentearupturacomsistemacapitalista("derrubaroEstadoburgus,abolirasrelaescapitalistasde produo, estabelecer a hegemonia do proletariado sobre a sociedade atravs de um novo tipo de Estadoqueconstruirosocialismo,realizaraplenademocraciaecriaraspremissasparaa aboliodasclassesedoEstadoeparaavitriainternacionaldocomunismo"151),aresistncia acabou prevalecendo como sua identidade. Como se sabe, esta esquerda no lutava para restaurar o estado de direitode antes do 1deabrilde1964.Oinciodaondaquelevouaosurgimentodasquarentaequatro organizaesqueaconstituafoi1961,cujamotivaofoialutacontraosistemacapitalista. Mesmoqueogolpetenharedefinidoarealidade,ocarterdestaesquerdajamaisseigualou lutaderesistncia.Assim,amemriaquehojeprevaleceeseconsolidacadavezmais,

149 Sobre a participao da sociedade civil no golpe, ver DREIFUSS, Ren. 1964: a conquista do Estado. Petrpolis, Vozes, 1981. 150 Ver a nota 101.151 "Pela renovao do movimento comunista brasileiro", editorial, n 18, abril 1975, p.4. 38 sobretudo, como verso produzida pela prpria esquerda -a resistncia como elemento definidor destaesquerda-foisendoconstrudahmuitotempo,pelaprpriaesquerda,aolongodo exlio152. Ainda assim, uma das grandes contribuies do trabalho desenvolvido pela Debate, ao longodedozeanos,foitornarpossvelnoexlioadiscussoempartedaesquerda,abrindo-a paraumpluralismo,atento,indito.Comoseviu,novaseantigasconcepesencontraram trnsitonarevista,quefoiaexpressodaculturapolticadaesquerdabrasileiraembuscade renovao. Assim, temas e/ou abordagens pouco freqentados nela entraram em pauta. JooQuartimdeMoraes,porm,umadcadaapsofimdarevistaafirmouquea Debatesemprefoicontrriaconcepopluralista,emborareconheceuque,defato,elafoi plural. Para Quartim, a ideologia pluralista deve ser identificada com a esquerda liberal, prpria de intelectuais em ruptura com omarxismo. Promover o conflito de posies sempre foi o eixo da revista, mas a inteno era fazer nascer da contradio o conhecimento, a verdade, a unidade. Assim, a verdade seria democrtica, porque fruto do confronto aberto a todos que dele quisessem participar. O debate fortaleceria os princpios leninistas. A revista nunca perdera a perspectiva de chegar unidade a partir desta dialtica. Agora, a unidade seria democrtica153. Comisto,arevistaseabriuanovasconcepessemperderdevistaoobjetivoda UniodosComunistasemtornodopartido.Estacoerncia,contudo,estabeleciaumlimiteque acabariatornando-setambmumacontradio:atquepontopodiamiraespeculaoea amplitude da Debate se, a priori, havia um objetivo final a se chegar? At que ponto o projeto de UCcondicionouaaberturadarevista?Estefoiolimitedaabertura?Atquepontoasnovas influnciasdoexlioeramcapazesdereformularouderrubarantigasreferncias,sese estabelecia, a princpio, a imprescindibilidade do partido? ComoJooQuartimdeMoraesreconhece,aDebateconcretizouoquenegara teoricamente:opluralismo.Poroutrolado,noconseguiujamaisrealizaraUCemuma organizao, o sonho que alimentou toda a luta. A atualidade do leninismo, to defendida, no se fazia verdade na prtica.

152Sobreodebatedamemriadaresistncia,verAAROREISFilho,Daniel.Ditaduramilitar,esquerdase sociedade.RiodeJaneiro,JorgeZahar,2000eROLLEMBERG,Denise.Esquerdasrevolucionriaseluta armada, inFERREIRA,JorgeFerreiraeNEVES,Luclia deAlmeida(orgs.).OBrasil Republicano.Economiae sociedade, poder e poltica, cultura e representaes. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2003. 153 Cf.entrevista com JQM.So Paulo, 10 deabril de 1992. 39 Aampliaomesmadodebate,prpriodosanos1970,marcadapelarevisodas teoriasqueforamrefernciasdasrevoluessocialistasderrotadasnaAmricaLatina,acabou inviabilizandoaconstruodopartidoleninistaportador,nodeumconhecimento,masdo conhecimento. Se a inteno era promover o debate para se chegar unidade, o que se verificou foi que o produto do debate negou-a - ou no levou a ela. Anecessidadedecoesodasorganizaesepartidosleninistaslimitaraadiscusso interna. Abrir as organizaes ao debate colocava em jogo a coeso imprescindvel revoluo. Acontradiodarevista-discussesamplasxincapacidadedeconstruiralgodeprticoem termosdeorganizaoconfirmaatesedaimpossibilidadedeasorganizaesmarxistas-leninistas manterem-se coesas ao se abrirem para a discusso.154 Pode-se dizer que o objetivo de unir os comunistas no partido tambm foi um limite capacidade de a Debate rever conceitos bsicos. Argumentos favorveis a um conceito ampliado dedemocracia,dopartidodemassasedeumavisono-instrumentaldaviainstitucionalno foramhegemnicos.Prevaleceramaperspectivainstrumentaldaviainstitucional,adefesado partidoleninistaeaconceporestritadedemocracia.Aidiaderevoluorepensada-, ampliou-se,emboratambmestivessecondicionadaaantigosprincpios,entreosquaisodainstrumentalizaodademocracia.Emtodocaso,aampliaosedeucomaincorporaode direitos que, no incio dos anos 1980, contribuam na definio do conceito de cidadania. Neste momento, a ateno voltava-se para a cidadania e no mais para a revoluo. Entre um tempo e outro,entrerevoluoecidadania,oexlio,tempoelugarimportanteparaacompreensoda mudana. ADebateviveuumaamplituderelativa,limitadaporintransponveismuros.155Mas, aomesmotempo,estaamplituderevelouumagrandecapacidadedeultrapassarasprprias fronteiras.Depoisdemaisdeumadcadadepublicao,quandoseautodissolveu,arevista deixouosgermesdestetrabalhoempartedaesquerdabrasileira,que,porironiadaHistria, acabaram frutificando em outros solos. OslimitesdaDebatesoimportantes,porquenosajudamacompreenderatonde umapartedaesquerdaquehaviaparticipadodaexperinciadosanos1960foicapazdese

154Cf.AAROREISFilho,Daniel.Arevoluofaltouaoencontro.OscomunistasnoBrasil.SoPaulo, Brasiliense, 1990. 155 interessante notar como Quartim personifica a contradio da revista: defensor aguerrido da cidadania, mantm-se ligado aos princpios leninistas. Cf. entrevista com JQM. So Paulo, 10 de abril de 1992. 40 renovar ou de formular alternativas para a luta poltica que prosseguia. Porm, a Debate indica, sobretudo,oslimitesdarenovaodaidiaderevoluonointeriordeumaesquerda,cujos princpiosmantinham-seligadosaomarxismo-leninismo.Ouseja,esteseramosmarcosda Debatee,aomesmotempo,olimitedarenovaopossvel.Iralm,implicavarompercoma filosofia poltica que a inspirava. Bibliografia AARO REISFilho, Daniel e S, JairFerreira de (orgs.). Imagens da revoluo. Documentos polticos das organizaes clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985.AAROREISFilho,Daniel.Arevoluofaltouaoencontro.OscomunistasnoBrasil.So Paulo, Brasiliense, 1990. AAROREISFilho,Daniel.Ditaduramilitar,esquerdasesociedade.RiodeJaneiro,Jorge Zahar, 2000. ARQUIDIOCESEDESOPAULO.Brasil:NuncaMais.Perfildosatingidos.TomoIII. Petrpolis, Vozes, 1988. GORENDER,Jacob.Combatenastrevas.Aesquerdabrasileira:dasilusesperdidasluta armada. 2 ed. So Paulo, tica, 1987. MORAES,JooQuartimde.Amobilizaodemocrticaeodesencadeamentodalutaarmada noBrasilem1968.Notashistoriogrficaseobservaescrticas.Temposocial.Revistade Sociologia da USP. So Paulo, 1 (2): 135-158, 2 sem. 1989. RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revoluo brasileira. So Paulo, UNESP, 1993. ROLLEMBERG, Denise. Exlio. Entre razes e radares. Rio de Janeiro, Record, 1999. -------------.Aimprensanoexlio,inCARNEIRO,MariaLuizaTucci(org.).Minorias silenciadas. Histria da censura no Brasil. So Paulo, Editora da USP, 2002. -------------- . A Vanguarda Popular Revolucionria: os marginais na revoluo brasileira, in MENEZES,LenMedeirosde;ROLLEMBERG,Denise;MUNTEALFilho,Oswaldo(orgs). Olhares sobre o Poltico. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2002. --------------.Esquerdasrevolucionriaselutaarmada,inFERREIRA,JorgeeDELGADO, Luclia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. Economia e sociedade, poder e poltica, cultura e representaes. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2003. Coleo da revista Debate, Paris, 1970-1982. Pela unio dos comunistas brasileiros. Lisboa, Ed. Prelo, 1975. Entrevista com Joo Quartim de Moraes concedida a D.R. So Paulo, l0 de abril 1992