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1 ECONOMIA POLÍTICA DEF0111 Economia Política Prof. Doutor José Maria Arruda de Andrade 1º Semestre de 2013 – Sala 22 – Turma 186 Anotações: Isac Silveira da Costa ([email protected]) Versão 1.3 (3/6/2013) NOTA: As anotações desta aula foram complementadas com trechos extraídos dos livros: HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. NUNES, Antônio José Avelãs. Uma Introdução à Economia Política. São Paulo: Quartier Latin, 2007. Conteúdo 1. Noção e Objeto da Economia Política. As Relações entre Economia e Direito. .................................................................. 3 1.1. Aspectos históricos. Definição. ................................................................................................................................................ 3 1.2. Surgimento da Economia........................................................................................................................................................... 3 2. A Formação Simultânea do Sistema Capitalista e do Estado Moderno. ........................................................................... 5 2.1. A transição para o Capitalismo................................................................................................................................................ 5 2.2. Mercantilismo................................................................................................................................................................................. 5 2.3. Sistema Capitalista e Estado Moderno ................................................................................................................................. 6 2.4. Seminário ......................................................................................................................................................................................... 6 3. O Sistema Econômico Capitalista. Modelo teórico.................................................................................................................... 6 3.1. Características do Capitalismo ................................................................................................................................................ 7 4. A Economia Política Clássica: Adam Smith. ................................................................................................................................. 7 4.1. Contextualização ........................................................................................................................................................................... 7 4.2. Estrutura do pensamento dos autores clássicos .............................................................................................................. 8 4.3. O legado de Adam Smith ............................................................................................................................................................ 9 4.4. Seminário ......................................................................................................................................................................................... 9 5. A Economia Política Clássica: David Ricardo. ............................................................................................................................. 9 5.1. Teoria do Valor.......................................................................................................................................................................... 9 5.2. Contexto Histórico ................................................................................................................................................................ 10 Seminário 3 ................................................................................................................................................................................................. 11 Seminário sobre Celso Furtado: Formação Econômica do Brasil ......................................................................................... 12 6. A Crítica da Economia Política de Karl Marx. A Relação entre Direito e Economia nas Teorias Críticas e o Risco do Reducionismo Político e ou Econômico......................................................................................................................................... 12 Discussão sobre a questão da prova: teoria objetiva do valor............................................................................................... 14 7. A Escola Histórica da Economia. O Debate dos Métodos entre Carl Menger e Gustav Schmöller. A Revolução Marginalista e as Escolas Neoclássicas................................................................................................................................................. 14 8. A Industrialização Retardatária. O Capitalismo no Século XIX. Monopólios e Cartéis............................................ 16 9. Movimento Antitrust nos EUA e Concorrência Leal na Alemanha. Influências sobre o Brasil............................ 16 10. A Revolução Teórica de John Maynard Keynes e o Debate sobre o Pleno Emprego. O Estado Intervencionista do Século XX.................................................................................................................................................................. 18

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ECONOMIAPOLÍTICADEF0111EconomiaPolíticaProf.DoutorJoséMariaArrudadeAndrade1ºSemestrede2013–Sala22–Turma186Anotações:IsacSilveiradaCosta([email protected])Versão1.3(3/6/2013)

NOTA:Asanotaçõesdestaaulaforamcomplementadascomtrechosextraídosdoslivros:

HUNT,E.K.HistóriadoPensamentoEconômico:UmaPerspectivaCrítica. 2. ed.Rio de Janeiro: Elsevier,2005.

NUNES,AntônioJoséAvelãs.UmaIntroduçãoàEconomiaPolítica.SãoPaulo:QuartierLatin,2007.

Conteúdo

1.NoçãoeObjetodaEconomiaPolítica.AsRelaçõesentreEconomiaeDireito...................................................................3 

1.1.  Aspectoshistóricos.Definição.................................................................................................................................................3 

1.2.  SurgimentodaEconomia...........................................................................................................................................................3 

2.  AFormaçãoSimultâneadoSistemaCapitalistaedoEstadoModerno............................................................................5 

2.1.  AtransiçãoparaoCapitalismo................................................................................................................................................5 

2.2.  Mercantilismo.................................................................................................................................................................................5 

2.3.  SistemaCapitalistaeEstadoModerno.................................................................................................................................6 

2.4.  Seminário.........................................................................................................................................................................................6 

3.  OSistemaEconômicoCapitalista.Modeloteórico....................................................................................................................6 

3.1.  CaracterísticasdoCapitalismo................................................................................................................................................7 

4.  AEconomiaPolíticaClássica:AdamSmith..................................................................................................................................7 

4.1.  Contextualização...........................................................................................................................................................................7 

4.2.  Estruturadopensamentodosautoresclássicos..............................................................................................................8 

4.3.  OlegadodeAdamSmith............................................................................................................................................................9 

4.4.  Seminário.........................................................................................................................................................................................9 

5.  AEconomiaPolíticaClássica:DavidRicardo..............................................................................................................................9 

5.1.  TeoriadoValor..........................................................................................................................................................................9 

5.2.  ContextoHistórico................................................................................................................................................................10 

Seminário3.................................................................................................................................................................................................11 

SemináriosobreCelsoFurtado:FormaçãoEconômicadoBrasil.........................................................................................12 

6.ACríticadaEconomiaPolíticadeKarlMarx.ARelaçãoentreDireitoeEconomianasTeoriasCríticaseoRiscodoReducionismoPolíticoeouEconômico.........................................................................................................................................12 

Discussãosobreaquestãodaprova:teoriaobjetivadovalor...............................................................................................14 

7.  AEscolaHistóricadaEconomia.ODebatedosMétodosentreCarlMengereGustavSchmöller.ARevoluçãoMarginalistaeasEscolasNeoclássicas.................................................................................................................................................14 

8.  AIndustrializaçãoRetardatária.OCapitalismonoSéculoXIX.MonopólioseCartéis............................................16 

9.  MovimentoAntitrustnosEUAeConcorrênciaLealnaAlemanha.InfluênciassobreoBrasil............................16 

10.  A Revolução Teórica de John Maynard Keynes e o Debate sobre o Pleno Emprego. O EstadoIntervencionistadoSéculoXX..................................................................................................................................................................18 

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11.  AEconomiaPolíticadoDesenvolvimento............................................................................................................................22 

12.  O Capitalismo Contemporâneo. A Experiência do Welfare State e as Teorias Neoliberais. AFinanceirizaçãodoCapitalismo.ODireitoEconômicobrasileiro.............................................................................................24 

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1. Noção e Objeto da Economia Política. As Relações entreEconomiaeDireito.

1.1. Aspectoshistóricos.Definição.

Etimologia.EconomiaPolíticaversusEconomia.MarcoinicialdaEconomiacomociênciamoderna.

Etimologicamente, a expressão economia política1significa administração do patrimônio da cidade (dopatrimôniodoestado,dopatrimôniopúblico),umavezquetemsuaraiznaspalavrasgregrasoikonomia(oikos–casa,patrimônio;nomos–ordem,lei,administração)epolítica(relativaàpolis,cidade‐estadodosgregos).Apartir de 1890 generalizou‐se a designação Economics, a partir da obra PrinciplesofEconomics, de AlfredMarshall.A“revoluçãomarginalista”revelouapreocupaçãodeapresentaradisciplinacomoumateoriapura,comdestaqueparaoindivíduo,emdetrimentodegrupos,dasociedadeoudoEstado.

AEconomiaPolíticaseliga,emregra,aumanotametodológicaespecíficadentrodaabordagemcientíficadosproblemas econômicos. Não apresenta um paradigma autônomo, não é homogênea. Há várias economiaspolíticas, que abrem caminho para diferentes ponderações acerca da importância dos elementos nãoeconômicos (históricos,políticos, culturais, religiosos, filosóficos, ideológicos).Aeconomiapolíticaclássicatinhacomoobjetoas relações sociaisdeproduçãoedistribuição. Atualmente, seu traço comum é umaatitudecríticaperanteamainstreameconomics,noquedizrespeitoàsuapretensãoserciênciapura,aosseuspostulados individualistas, à sua defesa do equilíbrio e a da harmonia e à sua recusa em considerar aperspectivahistóriaeosfatoresdinâmicos.

A economia trata da satisfação das necessidades humanas diante de escolhas envolvendo bens escassos,atravésdetrocaseconômicas,notadamenteocomércioeaindústria.Osbensdequenecessitamospodemsersaciadospelocicloprodutivoepelastrocas,ondeháassociaçãodepessoasedivisãodotrabalho.Asoperaçõesde compra e venda, a regulação domercado de trabalho, a tributação, as relações de consumo, todos estestemastêmaspectosjurídicosaseremconsiderados.

Numa economia demercado, a escolha do que produzir e do que consumir cabe aos próprios agenteseconômicos.A importânciada regulaçãodaatividadeeconômica advémdanecessidadede interferêncianasescolhaseconômicasparaqueobemcomumsejaalcançado,nãoapenasasatisfaçãodeumdeterminadoagenteemdetrimentodosdemais, comumaproveitamento ineficientedos recursosdisponíveisparaaprodução.Aprópria decisão dos limites desta coordenação constitui uma decisão econômica importante para que semantenhaoequilíbriodassatisfaçõeshumanas.

1.2. SurgimentodaEconomia.

Osurgimentodaciênciaeconômicaestárelacionadoaoadventodocapitalismocomosistemaprodutivo,comomododeprodução autônomo,no séculoXVIII.Antesdisso, vários autores, deAristóteles aosmercantilistas,formularam proposições e escreveram livros sobre temas de economia, porém com discursos maisrelacionados à moral, à política ou ao direito, sem configurarem uma ciência econômica autônomarelativamenteaessasoutrasdisciplinas.Osregistrosdasatividadesdecomércioremontamaosegípcioseaospovos antigos da Mesopotâmia. Porém, não havia a preocupação com a criação de uma teoria sobre osprocessoseconômicos.

Costuma‐se dizer que a moderna teoria econômica começou com Adam Smith (1723‐1790). O pensamentoeconômicoestáligadoaquestõescomo:quaisascaracterísticasdocapitalismo,comoestesistemafunciona,oquedeterminaovolumedaprodução,qualaorigemdocrescimentoeconômico,comoocorreadistribuiçãodariquezaedarenda, quãoadequadoéocapitalismoparaa satisfaçãodasnecessidadeshumanasecomopoderiasertransformadoparamelhoratenderaestasnecessidades,entreoutrasquestõespertinentes.

1Adesignaçãoeconomiapolítica foiutilizadapelaprimeiravezpelomercantilista francêsAntoinedeMontchresteinnaobraTraitéd’ÉconomiePolitique(1615),tendosidoadotadaposteriormenteporJamesSteuartem1770enostrabalhosdeautoresclássicos,comoRicardoeJamesMill.

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Comocapitalismoeopensamentoracionalburguês,oobjetodaciênciaeconômicapassaaserodedescobrirasleisnaturaisqueregulamoprocessodeproduçãoededistribuiçãodoprodutosocial.Osfisiocratas,tendoFrançoisQuesnaycomoprincipalexpoente,defenderamoprincípiodolaisser‐fairelaisser‐passereaexistênciadeumaordemnaturalgovernadaporleissoberanas,físicas.ComAdamSmith,anaturezaearazãopassamalegitimar o desejo de enriquecer, prática condenada pela teologia, agora fundamentada em uma justificaçãomoral apresentada em “A Riqueza das Nações”. A Economia Política nasceu enquadrada na nova ideologiaburguesa.

Todososautoresprocuravamsoluçõesparaosproblemasdesuaépoca.Apartirdospapéisdesempenhadospelosagenteseconômicos,formulavam‐serespostasparaquestõescomo“porquealgotemvalor?”ou“porqueaspessoaspagamumdeterminadopreçoporumdadobem?”.

Perspectivaclássico‐marxista.Perspectivasubjetivista‐marginalista(mainstreameconomics).

Hojeperfilam‐sedoisgrandesparadigmasacercadaciênciaeconômica:

Perspectivaclássico‐marxista:inicia‐secomosfisiocratas,passaporSmitheRicardoedesembocaemMarx,tendosidomodernamenterenovadaporPieroSraffa.

o Nestaperspectiva,aciênciaeconômicaseinterrogaacercadaorigemdariquezaedanaturezadoexcedenteeprocuraexplicarcomoestesedistribuientreasváriasclassessociais.Asleisque regulam a distribuiçãodoexcedente estão intimamente ligadas às regras que enquadram oprocessosocialdeprodução.

o Encontram‐se nas correntes que integram esta perspectiva a economia política dos clássicosingleseseacríticadaeconomiapolíticadesenvolvidaporMarx.

o Aeconomiapolíticaortodoxaconsideraosistemasocialexistentecomoumfatoestabelecido,parteda ordem natural das coisas, e procura harmonizar os interesses dos indivíduos. Baseia‐se noequilíbriogerale/ouparcial.

o KarlMarxpropõeummododeanáliseoposto:emvezdeharmonia,encontrouoconflito,emvezdetransformaçõesprogressivas,encontrouadescontinuidadequalitativa.Emvezdasforçastendentesaoequilíbrio,insistiunasforçastendentesarompereadestruirostatusquo.

Perspectivasubjetivista‐marginalista:vemdeJean‐BaptisteSayeWillamNassauSenior,afirmando‐secomo“revoluçãomarginalista”equehojeseapresentacomoaperspectivaacadêmicadominante,amainstreameconomics.

o Esta perspectiva assenta‐se numa concepção atomística da sociedade, não incluindo as classessociaisnaanáliseeconômica,ignorandooconflitosocial,reduzindoavidaaomercado. Afirma‐secomo ciência pura, como ciência positiva, por contraposição à economia política ideológica edoutrinária.

o Há um processo de formalização matemática da ciência econômica. As relações sociais sãoignoradaseofocopassaaseraracionalidadedoindivíduo,queproduzeconsome.

o Omarginalismoneoclássicofoiobjetodeseusprimeirostratamentossignificativosapartirde1870.

Os trabalhos clássicos ingleses no domínio da economia política foram instrumentos da luta da burguesiaempenhada contra as velhas classes feudais. Criticavam‐se relações de propriedade ultrapassadas, quesobreviviamgraçasàproteçãodoEstadoequeentravavamodesenvolvimentodasforçasprodutivas.Ateoriadovalor‐trabalho(núcleoteóricodascríticasàvelhasociedade)consideravao trabalhocomoúnica fontedevalor e contrapunha a igualdade e justiça burguesas em face da opressão e privilégios feudais. O livre‐cambismo (defesa da liberdade do comércio internacional, sem restrições artificiais impostas por qualquerEstado)correspondiaaosinteressesdaburguesiaindustrialinglesa.

Quando a burguesia se instalou como classe dominante e quando a nova classe operária começou a ganharconsciência da sua própria posição no processo produtivo social, a burguesia deixou de ter interesse naeconomiapolítica enquanto ciência orientadapara adescoberta das leis econômicas do funcionamento edaevoluçãoda sociedade capitalista.A economiapolíticadeixavade serútil à burguesia e transformava‐se emideologia, no sentido de instrumento de defesa dos interesses da classe dominante na sociedade capitalistacontra a ideologia da classe operária. Surge a economia políticamarxista como crítica da economia políticaclássica.

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Alguns economistas atribuem importância primária ao ambiente político, social e econômico paramoldar anatureza das perguntas que fazem e, portanto, o conteúdo das teorias econômicas que surgem durante umperíodo especifico. De acordo com Galbraith, “as ideias são inerentemente conservadoras, elas não recuamdiante do ataque de outras ideias,mas, sim, diante do ataquemaciço de circunstâncias contra as quais nãoconseguem lutar”. Algumas teorias surgem, claramente, como consequência direta das questões em voga naatualidade.Outrosavançosnaeconomiasimplesmentesurgemdabuscacontinuaporconhecimento,defatoresinternosdentrodeumadisciplina,comoadescobertaeaexplicaçãodeparadoxosnãoresolvidos,resultandoemavançosteóricos,eissoérelativamenteindependentedoseventosatuais.

2. A Formação Simultânea do Sistema Capitalista e do EstadoModerno.

2.1. AtransiçãoparaoCapitalismo

QuandododesenvolvimentodocomérciodelongadistâncianoséculoXV,decorrentedaexpansãomarítimo‐comercial,ofeudalismojácomeçaraasedissolvernaEuropaOcidental,poisoexcedentesocialsetornavacadavezmenorpara sustentarumaclassedominanteque crescia rapidamente.Daspráticas comerciais surgiramsistemas complexos de câmbio, compensação e facilidades creditícias, além de novos sistemas de leis. Ocrescimento das cidades contribuiu para o enfraquecimento e rompimento dos laços com a estruturaeconômicaesocialfeudal.

Acrescentedemandapormanufaturadosconduziuaummaiorcontroledoprocessoprodutivopelocapitalistacomerciante.Ocapitalistapassouaserproprietáriodas ferramentasedasmáquinaseatémesmodoprédioonde a produção tinha lugar. O trabalhador agora já não vendia um produto acabado ao comerciante, massomenteseuprópriotrabalho.Ocontrolecapitalistaestendeu‐seaoprocessodeproduçãoesurgiuumaforçadetrabalhoquepossuíapoucoounenhumcapitalenadatinhaavender,anãosersua forçadetrabalho.OscercamentosnaInglaterra,oaumentopopulacionaleoêxodoruralcontribuíramparaaorigemdanovaclasseoperária,àqualsejuntarammuitosagricultoreseartesãosexpulsosdaterraeimpedidosdeteracessoaseusmeiosoriginaisdeprodução,porcontadedívidas.

Aforçadasrelaçõesdemercadocapitalistasinvadiuosistemasenhorialdofeudalismo,comumrompimentogradualoslaçosfeudais,substituídospelomercadoepelabuscadolucrocomoosprincípiosorganizadoresdaprodução.

Durante o século XVI, os preços dos produtosmanufaturados aumentarammuitomais depressa do que osaluguéis ou os salários. A classe capitalista recebeu lucros cada vezmaiores epagou salários reais cada vezmais baixos. A acumulação inicial substancial ou acumulaçãoprimitivade capital ocorreu neste período,decorrente de: (a) aumento do volume do comércio, (b) sistema industrial de produção doméstica, (c)movimento dos cercamentos, (d) grande inflação de preços, (e) a pilhagem colonial, (f) a pirataria e (g) ocomérciodeescravos.

2.2. Mercantilismo

EntrefinsdoséculoXVIeoiníciodoséculoXVIII,osmodernosEstados‐naçãoeramcoalizõesdemonarcasecapitalistasquehaviamretiradoopoderdanobrezafeudal,principalmentenasáreasrelacionadasàproduçãoe ao comércio. Esta época inicial do capitalismo é conhecida como mercantilismo. Em sua fase inicial –bulionismo – estabeleceram‐se práticas para atrair e manter ouro e prata em um país, proibindo‐se aexportação. Um dos tipos mais importantes de política destinada a aumentar o valor das exportações ediminuirasimportaçõesfoiacriaçãodemonopólioscomerciais.Alémdessasrestriçõesaocomércioexterior,haviaumemaranhadoderestriçõeseregulamentosdestinadosaocontroledaproduçãointerna.

Nãoéclaroatéquepontoopensamentomercantilista foisinceramentemotivadopelodesejodeaumentaropoderdoEstadoouatéqueponto foiumesforçomaldisfarçadoparapromoveros interesses especiaisdoscapitalistas.Quase todososmercantilistasacreditavamqueamelhormaneiradepromoveros interessesdoEstadoerapromoverpolíticasqueaumentassemoslucrosdosmercadores‐capitalistas.

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2.3. SistemaCapitalistaeEstadoModerno

Entre os séculos XIII e XVI, ocorreu a formação dos Estados nacionais europeus. De acordo com a escolafrancesadeHistória,tendoFernandBraudelcomoumdeseusprincipaisexpoentes,osistemacapitalistadeveser associado ao Estadomoderno. Em vez de considerar o surgimento do capitalismo (ganhos anormais) apartirdoprocessoespontâneodeeconomiademercado (ganhosnormais),Braudelquestiona se tal sistemanãoseriafrutodeumprocessoautoritáriodejogodepoder,envolvendodisputasgeopolíticasqueempregamcapital com a finalidade precípua de obtermais capital. O capitalismo, assim, seria um sistema de grandespredadores,comocapitalsendoempregadojuntoaumsoberano,queimpõeseupodereconômicosobreumterritório.

A acumulação primitiva de capital propiciada pelas cruzadas e pela expansão marítimo‐comercial ocorreuconcomitantemente com a guerra de poder entre senhores feudais objetivando expansão territorial. Com amercantilização da economia e a centralização do poder, ocorreu o “milagre europeu”. Poder, dinheiro eriquezasetornamoscomponentesessenciaisdasrelações internacionais.Nestecontexto,sempredespontouum “Estado fora de série”, capaz de impor o seu poder econômico, fazendo com que o mercado fosse, naverdade,umamanifestaçãodavontadepolítica.

Outrosautores,comoImmanuelWallersteintambémabordamadualidadedeimpérioseconômicosmundiais(worldempires)esistemaseconômicosmundiais(worldeconomies).Emsuma,ateseéadequeocapitalismodependedacompetiçãoentreosEstadosetambémdependedeexpansãoterritorial(novosmercados).

Giovanni Arrighi traz a discussão sobre a união entre o poder e o capital financeiro. Haveria um domicílioocultoondeosdetentoresdopodereosdetentoresdocapitaltraçamocaminhodosgrandeslucros.Porcontadisso,guerrassãofinanciadaseéfomentadaacompetiçãoentreasnações.

Assim,ocapitalismoteriasidocriadoartificialmentepeloEstado(criaçãopolíticae jurídica).Omercadonãoseria um locus naturalis, mas sim um locus artificialis. A propensão natural a trocar não implicanecessariamente na propensão a acumular e na universalização do mercado, características marcantes docapitalismo–aorigemdesteéaacumulaçãodepoderenãoojogodetrocas.Paraqueexistaopoder,eledeve ser exercido, se reproduzir e ser acumulado permanentemente. A conquista é a força originária queinstauraeacumulaopoder–porissoasguerrassetornamcrônicas.Arelaçãodepoderpolíticoédesigual.

Ocálculodaacumulaçãodepodertemcomobaseoterritório,apopulaçãoeacapacidadedetributarrendaseserviços.Os tributos financiamoprópriopoder (nopassado, exércitosmercenários emobilizaçãomilitardeservosecamponeses).A riquezadossoberanoseraabasematerialdopoder.Os tributosconstituematodeforça fundamental, uma manifestação da soberania, não sendo decorrentes de excedente de produçãodisponível,comodefendiaPetty.

EstateseétrabalhadanoBrasilporJoséLuisFiori,paraquemopoderéumfluxoenãoestoqueetemqueserexercidoenãoacumulado.Comamonetizaçãodaeconomia(trocasepagamentosemmoeda),amoedaforteéado“Estadoforadesérie”,quepassaaimporocâmbiodeformaautoritária.Comaimposiçãodostributos,opoderseconsolidaeosoberanopassaaapropriarpartedarendaedopatrimôniodopovoemseuterritório.Nestecontexto,osEstadossãovistoscomomáquinasdeacumulaçãodepodereriqueza.

2.4. Seminário

Questão1)ComooautoranalisaaquestãodopoderpolíticodosEstados, sua importânciaeseuselementosconstitutivos?

Questão 2) Como o autor aborda a importância dos tributos na formação dos Estados? E a moeda nesteprocesso?

Questão3)ComoosautoresBraudel,WallersteineArrighiexplicamaformaçãodosmercadosedocapitalismointernacional?Oqueestesautoresincorporamdenovoaodebate?

3. OSistemaEconômicoCapitalista.Modeloteórico.

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Termos‐chave:sistemaeconômico,mododeprodução,tecnologiaprodutiva.Excedentesocial.

Umsistemaeconômicoédefinidoconformeomododeproduçãonoqualsebaseia.Omododeproduçãoé,porsua vez, definido pelas forças produtivas (tecnologia produtiva) e pelas relações sociais de produção. Oexcedente social é a parte da produção material da sociedade que sobra após serem deduzidos os custosmateriaisnecessáriosparaaprodução.Associedadesvêmproduzindoexcedentescadavezmaiores,graçasaodesenvolvimentohistóricodas forçasprodutivas.Nesteprocesso,ocorreadivisãodasociedadeentreosquetrabalhamexaustivamente(maioria)eosqueseapropriamdoexcedenteeocontrolam(minoria).Asrelaçõessociaisdeproduçãosãodefinidascomorelaçõesentreestasduasclasses.

Ocapitalismocomosistemaeconômico,políticoesocialdominantesurgiumuitolentamente,emumperíododeváriosséculos,primeironaEuropaOcidentale,depois, emgrandepartedomundo.Àmedidaquesurgia,aspessoasbuscavamcompreendê‐lo.

3.1. CaracterísticasdoCapitalismo

Termos‐chave:produçãodemercadorias,valordeuso,valordetroca,propriedadeprivadadosmeiosdeprodução,classetrabalhadora,individualismo.

Ocapitalismoé,enquantomododeprodução,caracterizadoporquatroconjuntosdeesquemasinstitucionaisecomportamentais: produção de mercadorias (orientada pelo mercado), propriedade privada dos meiso deprodução,existênciadegrandesegmentodapopulaçãocujaexistênciasóseviabilizapelavendadesuaforçadetrabalho no mercado e comportamento individualista, aquisitivo, maximizador da maioria dos indivíduosdentrodosistemaeconômico.

Produçãodemercadorias(orientadapelomercado).Ovalordosprodutosdotrabalhohumanopodeseravaliadopor seuusona satisfaçãodenossasnecessidades (valordeuso)ouporquepodemser trocadospormoeda(valordetroca).Estaúltimamedidadevalorseobservaapenasnosmodosdeproduçãocaracterizadospelaprodução de mercadorias (produtos do trabalho humano), que pressupõe a existência de um mercadodesenvolvido. Neste sentido, a moeda obtida pela troca de produtos pode ser utilizada na aquisição dosprodutosdesejadosporseuvalordeuso.Háumaltograudeespecializaçãoprodutiva.Cadaindivíduodependedas forças impessoais do mercado de compra e venda, ou oferta e procura, para a satisfação de suasnecessidades.Osmercadosgozamderelativaliberdadejurídicaeformal.

Propriedadeprivadadosmeiosdeprodução.Certaspessoastêmodireitodedeterminarcomomatérias‐primas,ferramentas,maquinariaeedifíciosdestinadosàproduçãopodemserusados.Apropriedadeseconcentraemumpequenosegmentodasociedade–oscapitalistas–eéelaquedeterminaaapropriaçãodoexcedentesocial.

Existência de uma numerosa classe trabalhadora, que vende sua força de trabalho no mercado e não temqualquercontrolesobreosmeiosnecessáriosparaaexecuçãodesuaatividadeprodutiva.

Comportamento individualista, aquisitivo, maximizador da maioria dos indivíduos. Nos primórdios docapitalismo, os trabalhadores recebiam salários tãobaixosque viviamnos limitesda extrema insegurança epobreza materiais, que só poderiam ser reduzidas pelo trabalho excessivo. Com o passar do tempo, aprodutividadedostrabalhadoresaumentouesuaorganizaçãocoletivaemsindicatoseassociaçõessurtiuefeitona luta por melhores salários, aumentado seu poder de compra. Assim, o capitalismo tem sido obrigado arecorrer cada vez mais a novos tipos de motivação para manter a massa dos trabalhadores produzindo oexcedentesocial,comooconsumismo,quesecaracterizapelacrençadequemaisrendaporsimesmasempresignificamais felicidade.Ocomportamentoaquisitivoecombativodoscapitalistasdecorreda lutaconstantepormaioresfatiasdoexcedentesocial,comumesforçofrenéticonaobtençãodemaislucrosenaconversãodelucrosemcapital.

4. AEconomiaPolíticaClássica:AdamSmith.

4.1. Contextualização

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OpensamentodeAdamSmithsitua‐seemumprocessodeautonomizaçãodaciênciaeconômica,queseafirmacomoumcorpode conhecimentocomestruturae leisde funcionamentopróprias.Talprocesso fezpartedeumaabordagemprogressivaderacionalizaçãoesecularizaçãodoobjetodeestudodaEconomia,coincidindocomo questionamentodos fundamentos econômicos vigentes, ondeos sistemas eramorganizadospor umaentidade“externa”(Mercantilismo),ausuraeracondenadaehaviaumasubordinaçãodaesferaeconômicaàmoral.Comafragmentaçãodaautoridademoral,associadaàIgrejaeaoAntigoRegime,ocorreanaturalizaçãodosprocessoseconômicos.

Pornaturalização, podemos entenderquepassa a existir uma identidadeentreaordemeconômicaeaordemnatural. Tal identidade, marcante na escola clássica, pode ser compreendida sob uma ótica retrospectiva eoutra prospectiva. No significado retrospectivo, surge uma crítica ao Antigo Regime e ao Mercantilismo,afastando‐se qualquer autoridademoral ou política que subordine os imperativos econômicos. A economiadeveser influenciadaapenaspelasua lógica interna,devendoser imuneaqualquer imperativoquenãosejaproveniente danatureza.No significadoprospectivo, temos a perpetuaçãodo sistema econômico, condizentecom a filosofia do progresso da burguesia nascente, em sua busca das potencialidades da natureza recém‐descoberta.

Noiluminismoescocêsdeentão,asquestõesprimordiaisquesebuscavarespondereram:oquemoveosatoresnoprocessosocial?Eoqueosmovenoprocessoeconômico?TodoopensamentoconsistiaemumacríticaaMandeville e sua obra “A Fábula das Abelhas”, na qual sustentava as seguintes teses: (a) vícios privadosgarantiambenefíciospúblicos,(b)abuscadoautointeresseeraagarantiadacoesãosocial.Assim,Hutchesondefendiaaexistênciadeumacoercitividadeexternae,contestandoMandeville,afirmavaqueacoesãosocialeragarantidapelasvirtudes,enãopelosvícios.PodemosencontrarambasasvisõesnaobradeAdamSmith.

Em“TratadodosSentimentosMorais”,Smithseguea ideiadeHutchesonemqueavirtudegaranteacoesãosocial, e a simpatia representava um valor externo ao autointeresse e se fundamentava na necessidade dereconhecimentoeaceitaçãodohomempeloseugruposocial,sendoocomportamentovirtuosomaisrelevante.

Em“ARiquezadasNações”,SmithrecuperaaideiadeMandeville,emqueabuscadoautointeresseviabilizaacoesão social. A moral é internalizada no sistema econômico, passa a ser um fator interno que garante aharmonia, não é mais uma força externa. Esta ideia foi revolucionária e a partir dela se desenvolveu oliberalismoeconômico.Porém,esteprocessodenaturalizaçãogerouumaamnésiahistóricasobreoselementosque compõem o sistema econômico. Ainda, a tese tinha um viés conservador (tentativa de conservar umasituação,onaturalsepereniza), retiraa ideiade leieconômicacomo leisocial,cabendoaohomemconhecercomoanaturezafuncionaatravésdarazão.Assimelementosnaturalizadossãotidoscomoelementosnaturais.

4.2. Estruturadopensamentodosautoresclássicos

ParacompreenderaobradeSmithéprecisocompreenderatradiçãohistóricadaescolaclássicadaeconomiapolítica,quecomeçacomSmithesegueatéMarx,quepropõeumarevoluçãoteórica.Acaracterísticaessencialdaescolaclássicaeraaidentidadeentresistemaeconômicoesistemanatural.Todasasobrasdiscorremsobretrês pontos principais: (a) a ideia de excedente como preocupação central (como é gerado?), (b) teorias dovalor(comoosobrevaloréproduzido,ovalorcomoficçãoquepermiteacomparaçãodasmercadorias)e(c)adistribuição do excedente gerado. Assim, a história do pensamento econômico nos permite analisar odesenvolvimentodavidamaterialnocampodasideias.

ParaSmith,otrabalhoéaorigemdovalor.Aescolhaseexplicapelarelevânciadotrabalhoparaaburguesiaemascensão.ParaoMercantilismo,oexcessoacumuladonacirculaçãodemercadoriascorrespondiaaoexcedente,à riqueza. Para a burguesia, a produtividade era aumentada pela reorganização do trabalho nos moldescapitalistas.Assim,aproduçãopassaaprevalecersobreacirculação.

No que tange à distribuição, a estrutura comum de todos os autores da escola clássica relacionava‐a àremuneraçãodosfatoresdeprodução:arendaremuneraaterra(temadesenvolvidomaisprofundamenteporRicardo),osalárioremuneraotrabalho,olucroremuneraocapital.

DeacordocomopensamentodeSmith,numestágiorudimentardasociedade,ocorreaacumulaçãoprimitivadecapital,ondeovalor‐trabalhocorrespondiaaotempodesprendidonaproduçãodamercadoria,ocorriauma

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incorporaçãonaaquisiçãodoproduto.Comaconsolidaçãodesteprocesso,leva‐seemcontaaremuneraçãodosfatoresdeprodução,agoraincluídanotrabalhocomandado,queésuperioraotrabalhonecessário.

Smith ainda desenvolve duas teorias sobre a distribuição do valor. Na teoria dedutiva do valor, o trabalhonecessário, que é o próprio valor, distribui‐se entre terra, trabalho e capital, ocorrendo uma formaçãodependente, evidenciando um conflito que viria a ser abordado de forma definitiva apenas pela crítica daeconomiapolíticadeMarx.Poroutrolado,pelateoriaaditiva,ovalorseformademodoindependenteapartirdacombinaçãodeterra,trabalhoecapital.Estaabordagemaproxima‐sedoquehojechamamosdeteoriadoscustosdeproduçãoecaminhaparaumaperspectivaindividualista.Emboraexistampreçosnaturaisnolongoprazoparacadafatordeprodução,hádistorçõesnamedidadovalornocurtoprazo,quelevaadivergênciasentreasduas teorias, comoSmithevidencianoexemplodaescassezeconsequenteelevaçãodospreçosdostecidosnegrosnocasodelutopelamortedoRei,demonstrandoapossibilidadedealteraçãonapercepçãodevalor.

4.3. OlegadodeAdamSmith

TrêstradiçõesdisputamolegadodeSmith,que,conformedesenvolveScrepanti,teriatrêsalmas:

Almamacroeconômica:namedidaemqueaideiadeexcedenteédesenvolvida,éevidenciadooconflitoentreosgrupossociaisnadistribuiçãodosrendimentoseolucroéapontadocomoelementoresidual.

Alma microeconômica: quando aborda a concorrência entre os agentes na formação do preço e aderivaçãonaturalsurgecomocoroláriodesteprocesso.

Alma institucionalista: quando se preocupa com condições institucionais necessárias para o sistemaeconômico;ossentimentosmoraiseamãoinvisívelseriamvalorescapazesdemotivasos indivíduosemtornodarigidezdosistemaeconômico.

Aeconomiapolíticasóveioasetornar“economia”(sempolítica)quandoofocodateoriadovalordeixoudeserotrabalhoepassouaserautilidade,deixoudeserumarelaçãosocialentreosfatoresdeproduçãoepassouaserumaconsideraçãosubjetivadosindivíduos.Assim,hárupturadaeconomiacomoteoriasocial(economiapolítica),afirmando‐secomoteoriapura,compressupostospróprios.Aeconomiapolítica,comodesenvolvidapelaescolaclássica,persisteapenascomosmarxistaseosneoricardianos.

4.4. Seminário

Questão 1) Como aumentar a riqueza de uma nação? Quais as características da divisão do trabalho quepermitemoaumentodaprodutividadedotrabalho?

Questão2)LocalizenotextodoAdamSmithreferênciassobrepossíveis teoriasdovalor(trocaemdinheiro,trabalhoeremuneraçãodedistintasparcelas).

Questão3)Localizenotextoareferênciaàmãoinvisível.

Questão4)Leiaapágina53dotextodeAdamSmith(teoriadasvantagensabsolutas).

5. AEconomiaPolíticaClássica:DavidRicardo.

5.1. TeoriadoValor

AdamSmithnãopossuíauma teoriadovalor, se limitandoa apresentar ideiasque refutamovalor‐trabalho(que só funciona nas sociedades primitivas). Com a evolução da sociedade, o esforço humano não émais oprincipalfatorparaaprodução,devendoserconsideradososinstrumentos,aterra.AteoriadevalordeDavidRicardopartedestaideiaediscuteovalor‐trabalho,queincluiotrabalhodiretoeotrabalhoindireto(capitaltécnico). A utilidade é considera pressuposto e não função (medida do valor). A escassez, sempre utilizadacomojustificativaparavalor(paradoxoáguaxdiamante),temsuainfluêncianopreçodemercadoreconhecidaporRicardo,quesemostradespreocupadocomosbenscujovaloréessencialmentecompostopelaescassez–suadiscussãoéirrelevanteparaaexplicaçãoteóricasobreaproduçãodeumanação.Assim,desprezatodaaperspectivadeutilidadeeescassezparaateoriadovalor.

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PreçoNatural (custos de produção) x PreçoCorrente (leis de oferta e procura). ParaAdamSmith, no longoprazohaveriaconvergênciaentreestesdoisvalores.Aeficiênciaprodutivareduzovalordeumbem(combasenovolumedetrabalhonecessárioparaproduzi‐la).Porém,paraqueserveovalor‐trabalhosenãoserveparaexplicarpreços?

Paraconseguircompararvaloresdeprodutos,éprecisoadotaralgunspressupostos(ajustes).OvalordeAéaquantidade de trabalho necessária para produzir A (idem para o valor de B). Este valor é composto pelotrabalhodireto(capitalcirculante)epelotrabalhoindireto(capitalfixo).Seocapitalfixotemlongaduração,énecessário equalizar a razão capital circulante / capital fixo para cada bem e comparar esta razão. Se aproporção(razão)foramesmaparaosbens,épossívelefetuaracomparação.

Otempotambémdeveserconsiderado.Seja∆Tfixoaduraçãodocapitalfixoe∆Tretornootempoderecomposiçãodocapital.Assim,paradoisbens,comiguaisrazõescapitalcirculante/capital fixoe iguaisdurações∆Tfixoe∆Tretorno,sesãonecessárias2horasparaproduzirobemAe1horaparaproduzirobemB,entãoobemAtemmaisvalordoqueB.Emboraaconclusãopareçasimples,todasasdiscussõespréviasservemcomoformadepadronizaçãodebasesdecomparação.

Devemossempreteremmentequeaperguntaqueosclássicosbuscamresponderé:comosedáaacumulaçãoeadistribuiçãodariquezaporpartedosgrandesagenteseconômicos?

SíntesedopensamentodeSmith:adivisãodotrabalhoaumentaaprodutividade,aumentandoariqueza,queserátãomaiorquantomaioraliberdadedosagentes(mãoinvisível).Ricardo,porsuavez,estáinteressadonadistribuiçãodovalor,nadinâmicaentrerenda,salárioelucro.

5.2. ContextoHistórico

Ricardo escreve no período das guerras napoleônicas, com inflação, aumento do custo dos alimentos, umperíododeenfraquecimentoeconômico.FoiinfluenciadopeloutilitarismodeJeremyBenthameopensamentodeoutrosfilósofosradicais(nosentidodeumamudançaradicaldeparadigmasparaaépoca).

AteoriadeDavidRicardotemtrêspilares importantes:a ligaçãoentreoacúmulodecapitaleocrescimentoeconômico(influênciadasideiasdeSmith),asteoriassobrepopulação(Malthus)earendadiferencial.

Rendadiferencial.Paraalimentarapopulaçãodeumpaíscomoa Inglaterra,énecessário ter terra.As terraspodemserordenadasporníveisdefertilidade–diferentesgrausdeprodutividade.ConsideremosaInglaterracomo uma um grande fazenda e que é possível determinar as classes de terras conforme seu grau deprodutividade. Para simplificar o modelo, considera‐se apenas a plantação de trigo. Com o aumento dapopulação,énecessárioexpandiraáreadeplantação.Numprimeiromomento,ocupa‐seaáreamaisfértil,e,progressivamente, será necessário plantar em áreas cada vez menos férteis. Abstraindo‐se os custos deprodução (sementes, trabalhadores) e o resultado, chamado produto líquido, será proporcional ao nível defertilidadedecadaclassedeterra.

Umcapitalistadesenvolverásuaatividadeatéondeconseguirpagarosseuscustoseterummínimodelucro,ou, em um caso extremo, apenas cobrir os seus custos. Com a contratação de novos lotes de terra, osproprietários de terra concorrerão entre si. Ricardo considera que o capitalista (explorador da atividadeeconômica)eosproprietáriosdeterrasãoosagentesenvolvidosnadinâmica.Oprocessodeconcorrênciaentre os proprietários de terra leva a um equilíbrio da renda entre as diferentes classes deprodutividade.Nestesentido,arendadiferencial–diferencialnosentidodeavaliarumapequenavariaçãodemedida–éoprodutolíquidodaúltimaclassedeprodutividadeparaaqualocapitalistaconsideravantajosoexercer a atividade econômica. À medida que se avança para classes commenor produtividade, maior é aparceladarendadestinadaaoaluguelda terra. [ELABORARCOMBASENOGRÁFICODEAULA–aexpansãoparaterrasmenosférteisrepresentacapturamaiordoexcedentepelosproprietáriosdeterra]

Como aumentodapopulação, a ofertademão‐de‐obrapressionaos saláriosparaumnível de subsistência.Assim,oprincipalfatorasercontroladonaeconomiadeumanaçãoécuidarparaqueosprodutosbásicosparaostrabalhadoresnãotenhamumaaltasignificativadepreços(controledospreçosdosbensessenciais).Seossaláriosaumentam,olucrodiminui,poisolucropossuiumcaráterresidual.Háumconflitodeinteressesentre

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otrabalhadoreocapitalista,comumatendêncianaturalàdiminuiçãodolucro(antagônicoàrendadiferencial–apropriaçãodoexcedentedaproduçãopelosproprietáriosdeterras).

Aumentando a necessidade de plantar cada vez mais em terras inférteis, aumenta o valor do trigo. Umaalternativa é importar trigo, o que ajuda amanter o nível normal do lucro (menor preço do trigo emenorsalário). Porém, isto prejudica os proprietários da terra. Para assegurar os interesses da nobreza, havia leisprotecionistas(CornLaws),fortementecriticadasporRicardo.Assim,suasideiasexpressavamasaspiraçõesdaburguesiacapitalista,antagônicaànobreza(proprietáriosdeterras).

Atéaqui,vimosaperspectivapessimistadopensamentoricardiano.Aperspectivaotimistaestárelacionadaàsinovaçõestécnicas(necessáriasàRevoluçãoIndustrial)elivre‐cambismo(críticaàsleisprotecionistas).

Seminário3

Questão1)PorqueRicardorefutaateoriadovalor‐utilidade?(Capítulo1,Seção1)

Questão2)ComoRicardojustificaaatualidadedateoriadovalor‐trabalhoemsuaépoca,levandoemcontaaexistência de capital (máquinas, instrumentos)? Como a teoria do valor‐trabalho explica a importância docapitalnaproduçãoenacomposiçãodovalordeumamercadoria?(Seção3)

Questão3)Estude comocapitalpode serutilizado (ajustesnecessários) como referênciana teoriadovalor‐trabalho(valoresrelativos)?(Seções4e5)

Os autores clássicos se defrontavam com a seguinte questão: como pensar o fenômeno econômico de umaformaracional?Aciênciamodernaserviacomoparadigmaderacionalidade.Procurava‐seexplicaras leisdefuncionamento do mercado como leis naturais. O ponto de partida para abordar a questão é procurarresponderporquealguémcompraumbemeoutrovendeumbem–enfim,qualovalordeumbem?AobradeDavidRicardoseiniciapelateoriadovalor(assimcomoAdamSmith–nãotinhaumateoriadovalor,discorriasobreovalor–queinaugurouatradiçãodepensaroconhecimentoeconômico).DavidRicardoapresentaumaabordagemmais lógica e rigorosa, inclusive fornecendo exemplos que dialogam com Adam Smith, que nãoofereceurespostasconclusivasàsquestõesquepropôs.

Nassociedadesprimitivas,ovalordeumbeméotrabalhonecessárioparaobterestebem.EstaideiadeSmithinfluenciouaslinhasricardianaemarxista.Smithtambémpropõesuateoriaaditiva,naqualovalordeumbemé a remuneração dos fatores de produção. Para entenderRicardo eMarx, não devemos confundir teoria dovalor compreço.Opreçoéumdadodemercadoenãoéobjetodediscussãoda teoria.Todoopensamentoanterior ao clássico já conhecia o funcionamento domercado – não era explicar omercado o objetivo dasteoriasdovalor.

Aeconomiapodeserabordadaporumaperspectivadossujeitos(decisõesdosindivíduos)eumaperspectivadas estruturas do mercado (quem são os fatores de produção e como os valores flutuam). Ricardo buscainvestigarasleisdefuncionamentodomercadocomenfoquenaspessoas,categoriasdepessoasenospapéisdoEstado,datributaçãoedocomérciointernacional.

Ricardoencaravaadistribuiçãodarendacomoumaarmadilhateórica.Smithprocuravaexplicaradistribuiçãoentreosfatoresdeprodução.ParaRicardo,porém,sóerapossívelexplicardeformacientíficacomofuncionavaoprocessodeprodução–nocontextohistórico,aRevoluçãoIndustrialestavaemestágiomaisavançado.Nãohámaisnecessidadedejustificaçãomoralparaoeconomista(egoísta,masútilparaobem‐estargeral).

ComoRicardorefutaateoriadovalor‐utilidade(ovalordeumbemétãoaltoquantoéútilparaumapessoa)?Ricardonãonegaqueobemsejaútil–apresentandooparadoxoáguaxdiamante–masassumeestaqualidadecomopressupostoenãocomponentedovaloremsi–oscomponentesdovalordeumbemsãoaescassezeaquantidade relativa de trabalho necessário para sua produção (custo de produção ou de aquisição damercadoria–semfoconaremuneraçãodosfatores).Diminuindoaimportânciadovalorcombasenaescassez,seu focoéexplicaraprodução,por issodesloca suaanáliseparaovalor‐trabalho.Aunidadedovaloracabasendootempo,poisnãohápreocupaçãocomadiferençanaqualidadedotrabalho,ofocoéapenasnamédiadostrabalhadores,porissoabuscaporumaunidadecomum.

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Emboranãotratenestestermos,Ricardoassumearelevânciadotrabalhopretéritoalémdotrabalhopresente(poisdeveserconsideradootrabalhonecessárioparaaobtençãodosinstrumentos/máquinas).Ainda,surgeapreocupaçãocomodesgastedosinstrumentosemáquinas.

SemináriosobreCelsoFurtado:FormaçãoEconômicadoBrasil

[INSERIRQUESTÕESERESPOSTAS]

6. A Crítica da Economia Política de Karl Marx. A Relação entreDireito e Economia nas Teorias Críticas e o Risco doReducionismoPolíticoeouEconômico.

Marx(1818‐1883)enfatizaaimportânciadascircunstânciashistóricasparaacompreensãodofuncionamentoda sociedade. As relações jurídicas e as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas –dependemdas condiçõesmateriais da sociedade civil. A anatomia da sociedade civil deve ser procurada naeconomiapolítica.

Conclusãogeral:naproduçãosocialdasuaexistência,oshomensestabelecemrelaçõesdeterminadas,necessáriasindependente de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau dedesenvolvimentodasforçasprodutivasmateriais.Oconjuntodestasrelaçõesrepresentaaestruturaeconômicadasociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política, à qual correspondemdeterminadas formasde consciência social.Omodode produçãoda vidamaterial condiciona omodode vidapolíticoeintelectual.Nãoéaconsciênciadoshomensquedeterminaoseuser.Éoseusersocialque,inversamente,determinaa suaconsciência. _______a transformaçãodabaseeconômicaaltera,maisoumenos rapidamenteasuperestruturajurídicaepolítica.

(...)

Emcertoestágiodedesenvolvimento,asforçasprodutivasmateriaisdasociedadeentramemcontradiçãocomasrelaçõesdeproduçãoexistentes________

Relaçõesdeproduçãosãoestabelecidasentreaspessoas,deacordocomasforçasprodutivas,querepresentamoconjuntodetécnicas,recursosnaturais,enfim,tudooqueestáàdisposiçãodoserhumanoparaaproduçãoeconômicaoua vidaemsociedade.Nossasescolhas sãocondicionadasaumcontextodeterminadoporumaépoca,pelomododeproduçãovigente.

Odesenvolvimentodasforçasprodutivasresultaempotenciaisdistintosdeproduçãoqueentramemchoque(contradição) com as relações de produção. Por exemplo, o desenvolvimento do comércio na Idade Médiacomeça a ter uma lógica diferenciada, e começa a demandar trabalhadores livres para uma dinâmica maisracional, conflitando comas relações de servidão do sistema feudal. A revolução resultante é amudançadesistema econômico (ou de modo de produção). Aqui há a gênese do sistema capitalista. Assim, a evoluçãoeconômicasedácombaseemchoquesenãodeumaformagradualecontínua.

A base econômica, uma vez modificada pela ascensão de um novo modo de produção, resultará em umaalteraçãonasuperestruturajurídica,política,ideológicaeartísticadaépoca.Apartirdestamudança,começaaocorrerumaredescriçãodabaseeconômica–sãoproduzidostextosparalegitimaronovosistema(ahistóriaécontadapelosvencedores).

A crítica de Marx à economia política clássica estava na negação dos argumentos desta de que tudo éespontâneo, semconflito, éumaevoluçãode caráteruniversal.AdamSmithenquadrouo sistemacapitalistadentrodafilosofiamoraleconseguiuproporumajustificaçãoparaodesenvolvimentoeaquisiçãodariqueza.DavidRicardoeraumrentistaqueescreveucontraosrentistas,dizendoqueoprotecionismoeradesfavorávelà Inglaterra. O lucro deveria alimentar o crescimento econômico e não ser meramente apropriado pelosrentistas.

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A base econômica condiciona o direito (superestrutura que é reflexo da economia). Marx, ao estudar ofenômenojurídico,sempreenxergavaumadimensãoeconômica,identificandoumasituaçãodeexploraçãoquenão considerava justa. Karl Marx foi um filósofo, sociólogo, jurista, economista, enfim, desenvolveu umpensamento sistemático e completo. Desenvolveu suas ideias no contexto histórico da revolução industrial,tendosidoperseguidoaolongodasuavidapeloseuenvolvimentoemmovimentosdostrabalhadores.SofreuforteinfluênciadeHegel,quesepreocupavacomdimensõesdamoral,dalinguagemedotrabalhonasrelaçõessociais. Marx desenvolve uma nova dimensão a partir da dialética hegeliana: o materialismo histórico – asrelaçõesdetrabalhosãonecessáriasenelasaspessoassãoinseridasadespeitodesuavontade.Aconsciênciadaspessoasé formadapelasrelaçõesconcretasnoseioeconômico.Adescriçãodanossaépoca,domododevidaquelevamosdependedacompreensãodestasrelações.

Comomaterialismohistórico,Marxexplicaaevoluçãodossistemaseconômicos,comumaideiacentral:alutade classes (evoluçãode forçasprodutivasque gera contradições).Uma lei geral da economiapolítica é adanecessáriacorrespondênciaentreasrelaçõesdeproduçãoeocaráterdasforçasprodutivas–haverásuperaçãodasrelaçõesdeproduçãoquandonãohouvercorrespondência.Estedebatesuperaaescolahistóricaeasideiasdaeconomiaclássica,ondeocapitalismoeravistocomoumameramudançatécnicadadivisãodotrabalho.

Umaleiespecialdaeconomiapolíticaéadequenocapitalismoaproduçãosefazcomvistasavalorizaçãodocapital,pormeiodaapropriaçãodamais‐valia.Nãoháênfasenabuscapelolucrocomoalgobaseadoemumamentalidadedoentiadocapitalista,mascomoumanecessáriarelaçãodeprodução.Alógicadocapitalismonãoémeramentedoconsumo,massimnavalorizaçãodocapitalismo,ondeacompetiçãoacirradafazcomquesebusqueacontínuavalorizaçãodocapital,quesóépossívelsehouver trabalhadores(dinamizaçãodas forçasprodutivas).

Marxadotaa ideiadovalor‐trabalhodesenvolvidaporRicardo.Paraele tambémhádiferençaentrevalordeuso(dimensãosubjetiva)evalorde troca.Preocupa‐secomadimensãoobjetiva, trabalhandocoma ideiadecusto de produção – não só o trabalho necessário para o desenvolvimento, mas também o capital técnico.Porém,não sepreocupa como trabalhoempírico, efetivo,mas simcomo trabalhoabstrato,umahabilidademédia,umníveldeprodutividademédionecessárioparaseproduzirumdeterminadobem.

Oquevocêcompraquandocontrataotrabalhadoréoesforçofísicoepsíquico,oquantovocêconsegueobterdelamediante um dado pagamento. O trabalho necessário é quanto você consegue extrair daquilo por quepagou.Paga‐seoníveldesubsistênciaerecebe‐se“algomais”:aquiloqueapessoaproduzqueexcedeoquevocê paga pelo seu trabalho é amais‐valia. A lógica de investimento é a transformação de dinheiro (D) emmercadorias(M)paraproduzirmaisdinheiro(D’).Estarelaçãopodeserexpandidaparadinheiro(D)quesetransformaemmercadoria (M),quese transformaemprodução(P),quese transformaemmaismercadoria(M’),quegeramaisdinheiro(D’).Éumalógicanecessáriaenãoumamaldadeindividual.Relaçõespessoaissãoofuscadasetornam‐serelaçõesobjetivas.

Quantomaisocapitalismose torna industrial,maioradimensãodocapital fixo,do trabalhopretérito.E istopoderiareduzira“mágica”damais‐valia.

OdireitopostopeloEstadoserveparadinamizarasrelações.Ojuristamarxistaoconsideracomoinimigo(umentrave,algoasersuperado),epassaafocaremumdireitovindouro,desenvolvidoapartirdesuaideologia.Teorias jurídicas podem surgir, podendo reduzir a dimensão jurídica em face das dimensões políticas eeconômicas–éoriscodoreducionismopolíticoe/oueconômico.

Adimensãojurídicadasrelaçõesdeproduçãoencontra‐setantonasuperestruturajurídicaepolíticaquantonabaseeconômica.Ojurídiconãoéummeroreflexodoeconômico.Umatrocaeconômicaéumnegóciojurídico.Contratodetrabalhotemumadimensãojurídica.Dependendodaépoca,háleisquetratamdecontratos,atosdecomércio, tributação,contratodetrabalho–são leisquedevemserapropriadasparaostiposderelaçõessociaisquetemos.ErosGraudenominaabaseeconômicadedireitopressupostoeasuperestruturadedireitoposto.

Umacríticaaomarxismojurídicoéotratamentododireitocomomeroinstrumentodedominação–reduz‐seadimensãojurídicadeformaideológica,nãoseproduzindoefetivamenteumateoriajurídica.Estareduçãopodeserpolítica,moral,econômica,afastando‐seodireitopostodadiscussão,quepassaaserumabuscaporvalores.

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Discussãosobreaquestãodaprova:teoriaobjetivadovalor.

Para que serve uma teoria do valor para a Economia? É um fundamento para a ciência que a Economiapretendeser,pois, ao tratardas trocaseconômicas, é imprescindíveldeterminaroquemotiva tais trocas (ovalor).Háduasformasdesepensarovalor:ateoriasubjetivaeateoriaobjetiva.Ateoriadovalor‐trabalhoéumateoriaobjetiva.NaEconomiaclássica,avantagemdesetrabalharumateoriadovalorobjetivaeapartirdovalor‐trabalhoé estudar asrelaçõessociais dopontode vista econômico,quais as funçõesdesempenhadaspelascategoriasdesujeitos,qualopapeldecadaumnoprocessoeconômicoe seumododeatuação, enfim,qualafunçãodotrabalhadornaeconomiaeoqueeleganhaemtroca.Osautoresclássicosconsideravamosalárioemníveldesubsistência,Marxcomoexploração.Ateoriadovalortambémpermiteanalisaralógicadoinvestimento,asdecisõesdocapitalistaeolucrocomocontrapartida,abuscadadivisãotécnicadotrabalho,aprodutividade,amais‐valia.Assim,épossívelterumaperspectivadosagentessociaiseopapeldecadaclasse,gruponoprocessoprodutivoequaisastendênciasnesteprocesso(exploração,lucro,etc.).Permite,assim,umavisãopolíticadaeconomia.

Dentreasdificuldadese/oudesvantagensdateoriadovalor‐trabalhotemosasuafaltadecaráteranalítico,mostrandomaistendênciasdoquevaloresdeterminados.Outracaracterísticaéa incapacidadedeexplicarpreços.Mesmosefossenecessáriocompararvalores,DavidRicardoconsideravaváriosfatoresquedeveriamserlevadosemconta.

7. A Escola Histórica da Economia. O Debate dosMétodos entreCarlMengereGustavSchmöller.ARevoluçãoMarginalistaeasEscolasNeoclássicas.

Vimos que, historicamente, existiram diversas formas de se pensar o fenômeno econômico. Antes dopensamento clássico, existiam pensadores que tratavam de aspectos econômicos, mas sua abordagem nãoconstituíaumaciênciaeconômica,estandomaisnocampodafilosofiaounotratamentodequestõespontuais.Em um determinadomomento, temos os pensadores ditos clássicos (Smith, Ricardo, Malthus, Mill, Say) noséculoXVIIIeiníciodoséculoXIX.NametadedoséculoXIX,estepensamentoclássicotemumaguinadacomasideias de Karl Marx, que inaugura uma corrente que ganhou muito respeito no pensamento econômico,operando uma mudança de paradigma, tendo como ponto de partida as ideias de Ricardo. O pensamentoclássico‐marxistaéumsistemafilosóficopróprioquevisavaenfrentarasquestõestratadaspelosclássicos.Nãoconsideravaomomentoatualcomomelhormomento,masumaetapadetransiçãoparaalgomelhorqueaindaestavaporvir:osocialismo,ocomunismo.

O pensamento clássico‐marxista irá influenciar diversas escolas do pensamento econômico até uma perdasignificativa de status a partir da década de 90, em especial com a queda do muro de Berlim e o fortedesencantocomosocialismo.

Outra corrente surgiu em 1871, como desdobramento do pensamento clássico, denominada subjetivista,marginalista e, posteriormente, corrente neoclássica. Esta é a corrente dominante até hoje, a chamadamainstream economics. A metodologia e o objeto serão diversos do da economia clássica, embora aindamantenhareferênciacomestepensamento,portercomopanodefundoumaideiadeliberalismoeconômicoouneoliberalismo(aindamaisliberalqueoclássico).Apartirdeagoraestudaremosestepensamentoneoclássico.

No pensamento clássico, predominou uma teoria sobre o valor‐trabalho, embora isto não queira dizer quetodos fossem adeptos a ela. Outros atores, como Say, tentavam adotar uma perspectiva subjetivista, isto é,tentar analisar a questão do valor de um bem a partir da perspectiva do sujeito. Tinham como principaldificuldadeoparadoxodaáguaedodiamante.Percebiam,também,ainfluênciasobreospreçosqueojogodeofertaedemandaeracapazdeexercer.

Entre1871e1874,trêsautores(quenãoseconheciam)conseguemelaborarestaperspectivasubjetivistadeforma mais consistente. São eles: Carl Menger (na Áustia), Stanley Jevons (Reino Unido) e Leon Walras(França). Todos desenvolveram uma teoria do valor subjetivomais articulada. Em livros,usualmente temosuma tendência artificial à homogeneização de pessoas. Estes três autores tinham métodos e influências

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filosóficasdistintas,massãoalinhadosdopontodevistadaliteraturaespecializadacomoospaisdarevoluçãomarginalista.

CarlMengernãoescreveucontraosclássicos.Seusinimigosteóricossãooutros,umacorrentedecurtaduraçãonopensamentoeconômico,queéaescolahistóricaalemã.Emsuaépoca,ouniversoacadêmiconaÁustriaenaAlemanhaeradominadoporestaescola.Otermo“histórico”nãoserefereaohistoricismomarxista.Aescolahistóricaéummovimentoculturalamplorelacionado,decertaforma,aoromantismoalemão,que,aopregarevalorizarosaspectosculturaisdahistória,buscavamreforçarsuaidentidadeporalgumarazão.Podemosdizerquetantonaeconomiaquantonodireitoestarazãoerafugirdavisãoliberalfrancesaeinglesa,umarespostaconservadoraaopensamentoilustrado.NaAlemanhaquestionava‐sesedeveriahaverumcódigocivilcomonaFrança.Surgiuaideiadeanalisaroespíritodopovo,ascondiçõeshistóricas(deformaidealizada),aanálisedasnormas jurídicas já adotadas pelos diversos Estados germânicos. Realiza‐se um apanhado de leis, institutosjurídicos e inicia‐se uma teorização sobre este sistema jurídico, preenchendo lacunas comdoutrinas, com oespíritodopovoalemão,oVolksgeist.Odebatecientíficopassouasertambémumdebatepolítico.

Na economia, o debate era semelhante. Não era possível copiar Smith, Ricardo. Nametade do século XIX, aAlemanha não era industrializada e estava emdesvantagemna lógica do comércio internacional. A ideia dehistória era mais linear (e não a marxista, de choques, espirais, conflitos, revolução), com as naçõesencontrando‐seemdiferentesestágiosdedesenvolvimento(gradual).DavidRicardonãoeraaliteraturaoficialnaAlemanha.NaÁustria,osprofessoreseramalemães(osmaisfamosos).

Quando Carl Menger começa a estudar a economia, mesmo sendo um jurista, passa a escrever contra osalemães, indicandoqueoseuproblemaeraaausênciadeummétodocientíficoemsuaabordagemhistórica,commuitomaispostuladosqueempirismo.Reforçavaanecessidadedeaciênciaserformaleneutraemseusvalores. Sem ser muito conhecido, ataca Schmöller, expoente da escola histórica. Embora o pensamentomarginalista tenhacomocaracterísticaamatematizaçãodoraciocínio,estanãoeraaabordagemdeMenger.InaugurouumpensamentopróprionaÁustriaetornou‐seconhecidoatravésdeseussucessores.

ParaMenger,ovalordosbensedamercadoriadeveseranalisadoapartirdoquerepresentaparaumapessoa.Oqueinteressaéadecisãodoagenteeconômico.Aspessoasvalorizammaisumprodutodeacordocomasuanecessidade, com a escassez deste produto para a pessoa. Alguémque está passando forme está disposto avalorizarbastanteopão.Àmedidaqueseuconsumodepãoaumenta,podecomeçaraabrirmãodefatiasdepãoemtrocadeumcopodeágua.Umpressupostodestaabordageméapossibilidadedealinharosprodutosrelevantes para umapessoa conforme seu graude importância. Cadaproduto temumautilidademarginaldecrescente,istoé,paracadaunidadeadicionalconsumida,autilidadeédecrescente.Asomadasutilidadesdecadaunidadedeconsumoéautilidadetotal.Comadiminuiçãodaescassez(acadanovaunidadeconsumida),a utilidade diminui. A partir da escala de preferências da pessoa, a cada decisão de consumo, o agenteeconômicoponderasobreautilidadedecadaproduto,afimdedefinirqualdelesseráescolhido.

Aspessoasarticulamsuasvontades em termosde troca,de acordo comumaescaladepreferências.Nãoháexplicação sobre preços, mas sim uma explanação sobre por que as pessoas consomem uma coisa emdetrimentodaoutra.Mengeraindanãovaitratarformalmenteautilidademarginaldecrescenteemtermosdecálculodiferencial.

Jevonsdaráoprimeiropassoparaexplicarpreços.Eraumutilitarista,assimcomoJeremyBentham.Suaformade pensamento estabelecia raciocínios de utilidade com base em critérios de sacrifício e retribuição, dor eprazer.Estepensamentoacabou sendoutilizadopor economistas. Jevons criaummodelo combaseemdoisprodutos (XeY), considerandocomovariáveisautilidade eopreçoparacadaproduto.Combaseemumaespéciedeanáisecusto‐benefício(razãoentreautilidademarginaleopreço)paracadaproduto,propôsumaexplicação para o processo decisório de cada pessoa. A utilidade era vista como uma função da quantidade(diminuindocomoaumentodaquantidade).Exploroudiversasproporçõesentreasquatrovariáveis(Ux,Uy,Px,Py),procurandochegarasituaçõesótimas(deequilíbrio)ecomoinduziamacomportamentoseconômicosdetroca.

Walras eramatemático eprocurou sistematizar situaçõesde equilíbrio, lançandomãode equações. Supõe aconvergênciaaummundoondeninguémmaisestariadispostoafazernenhumatroca,eumsistemaconhecidocomoleilãowalrasiano(oslancessãofeitosenãopodemseralteradosposteriormente).

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Estes três pensadores procuraram desenvolver uma teoria do valor que levasse em conta a vontade daspessoas(perspectivasubjetiva),levandoemcontaaquantidade(escassez),fazendoumraciocíniocombaseemumcálculomarginalista(ovalordecrescecomaquantidade).Comisso,ovalordodiamanteemrelaçãoàáguapôdeserexplicadopelasuaescassez.Oenfoqueprocuravaformalizaraeconomiaeabandonarasperspectivassociais.Éoiníciodeumaabordagemmaisverticaleanalíticaparaopensamentoeconômico.

UmilustreseguidordeWalrasfoiWilfredoPareto.AlfredMarshallfoiinfluenciadoporJevons.MengerseretiraprecocementedavidaacadêmicaealgunsdeseussucessorestiveramreconhecimentocomoBöhm‐BawerkeWieasen.

A economia, então, se torna o que é hoje: a ciência que estuda o mercado, procura, oferta, o ambienteindividualistaeformal.

8. A Industrialização Retardatária. O Capitalismo no Século XIX.MonopólioseCartéis.

A industrialização ocorreu em diferentes momentos nos demais países europeus. Na Alemanha, ainda quehouvessealgumprotecionismoalfandegário,oquecaracterizaoprocessodeindustrializaçãoéquesetratavadeumapolíticadeEstado,emummomentoconcomitantecomoprocessodeunificaçãonacional.Avontadepolítica do Estado e uma elite associada às terras direcionam a industrialização com consideráveisinvestimentos.

NosEstadosUnidos,apartirde1865,aindustrializaçãocomeçaaterumamudança.Deumprocessoincipientelocalizado nas colônias do Norte, começa a ocorrer um processo de consolidação de indústrias, devido amaiores necessidades de investimentos. Ocorrem fenômenos como a concentração horizontal (fusões,aquisições), práticas desleais de concorrência, barreiras de entrada, concentração vertical (domínio de umaindústria e de outras partes da cadeia produtiva). Este processo levou ao surgimentode grandes empresas,muitasvezespraticamentemonopolistas emseu setor.Comexcessodepoder, surgemdiferentesdimensõesnasquaisestepodersemanifestadeformanocivanosistemaeconômico.

Toda a ideia da eficiência econômica sempre teve relação com eficiência produtiva, cujo pressuposto é aconcorrência no sistema econômico, responsável pelo fato de todos se esforçarem para reduzirem custos esatisfazeremasnecessidadesdeconsumo.Naausênciadaconcorrência,oegoísmoquelevaàbuscadolucrosemanifesta de uma forma mais simples: o mero aumento de preços leva ao aumento de lucros ou a meradiminuiçãodaquantidadeofertada,oquetambémlevaaumamanifestaçãonospreços.

Ainda, um poder econômico significativo pode ser transposto para um poder político, rivalizando com opróprioEstado.

Há diversas estruturas demercado conforme o grau de concentração.Monopólio é o domínio de um únicoprodutor.Oligopólioéodomíniodepoucosprodutores.Cartéissãoacordosentreosprodutoresemtermosdepreçosouquantidades.

9. Movimento Antitrust nos EUA e Concorrência Leal naAlemanha.InfluênciassobreoBrasil.

HojeconsideraremosaEconomiacomoteoriaehistória(fatoseconômicos)e,ainda, trataremosdasrelaçõescomoEstadoeoDireitoemtermosdepolíticasestataiseleis,normasjurídicasrelativasàEconomia.

Na auroradoprocessode concentraçãodemercado, nãohavia consenso sobre quaismedidasdeveriam seradotadasparaconciliarobem‐estardapopulaçãoeodesenvolvimentoeconômico.Haviadúvidaarespeitodemedidas restritivas representarem uma restrição aos “campeões” ou se o estímulo à concorrência entre osagentes econômicos seria algo nocivo. Outra teoria que surge é a da concorrência potencial, na qual umaempresa dominante, ao estabelecer preços abusivos, estaria exposta à entrada de um novo concorrente nomercadoquetrouxesseospreçosapatamaresanteriores.

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Qualaprincipalmotivaçãoparaacriaçãodasprimeirasmedidasantitrust?AprimeiralegislaçãofoioShermanAct e não há consenso na doutrina especializada sobre a razão subjacente para sua elaboração em1890. Odebatedasucessãopresidencialanterioraessaleifoipautadopelaregulaçãoeconômica.Apopulaçãocomoumtodoestavasentidoosefeitosdopodereconômicoepolíticodecertasfamíliasereagiramaisso.

Foi proibido qualquer tipo de conluio ou acordo que atrapalhasse o comércio interestadual. Também foiproibidaamonopolização.Surgeadúvida:seriaproibidaacondiçãodemonopolistaouoconjuntodeatosqueconduzissemaomonopólio?Se fosseapenasoconjuntodeatos,a leinãopoderiaretroagirapontodepunirquemjáeramonopolista.Sefosseacondiçãodemonopolista,entãopoderiaseraplicadocontraosRockfeller,porexemplo.

Curiosamente,aindaquetenhasidoumalegislaçãoprogressista,oShermanActfoiaplicadocontragrevesdetrabalhadores.Nabuscapordireitosdostrabalhadores,asparalisaçõeslevavamaatrasosnasentregas,oqueatrapalhava o comércio interestadual, conduta punível por aquela lei. Em 1914 surgem duas novas leis, aClaytonActeaFederalTradeComissionAct,paraprotegeraconcorrêncialealeaformadejulgamento.Ainda,foideterminadaainaplicabilidadedoShermanActparaasrelaçõesdetrabalho.

Temos,assim,fatosquesãoeconômicosejurídicosaomesmotempo.Astransformaçõespolíticaseeconômicasdemandaramintervençãoestatal,manifestadanaproduçãolegislativa.

Àépoca,ateoriaeconômicatinhacomofocooequilíbrionosmercados.Opensamentoneoclássicotemcomofundamento a ideia de que a escolha do consumidor é racional, o que leva os produtores a produzir aquantidade correta. Se o Estado não atrapalhar, toda oferta irá encontrar a sua demanda: a família darádinheiro à firma, que retribuirá em produto, o Estado arrecadará seus tributos e o sistema alcançará umequilíbrio.Inflação,recessãoeoutrosproblemassoammaiscomoruídoscomrespeitoàrealidade.Veremosarespostaaestaabordagemnopróximoponto,istoé,àslimitaçõesdopensamentodomainstreameconômico.

NaÁustriae,posteriormente,naAlemanha, iniciou‐seumdebatesobrequaisasaçõesaseremtomadaspeloEstado em face do cenário econômico daqueles países. A industrialização retardatária alemã já resultou emmercadosconcentrados,sempassarporumestadodeconcorrênciaquetenhasidotransformadogradualmenteem um estado concentrado. Para fugir do liberalismo inglês, fugiram das ideias de Ricardo e de condiçõesidealizados,buscandoaapreensãodeseucontextohistóricoepeculiar.Aescolahistóricaalemãtomoucomopremissaasuperioridadedoestágiodeindustrializaçãoalemãemcomparaçãoàindustrializaçãoinglesa.Comohavia poucas famílias dominantes, a formação de cartéis era comum, comuma roupagem teórica de que setratavadeumestágioavançadodedesenvolvimento,deumracionalismobaseadoemumsensodecoletivismo.Assim,oscartéiseramvistoscomoumamedidasaudávelquepreveniaumaconcorrênciatidacomopredatória,umestadodebarbáriedosagenteseconômicos.

Outro fator que favoreceu os cartéis na Alemanha e na Áustria era sua relação com o Estado, reforçando anoçãoexpansionistadepodernocomérciointernacional.

[PESQUISAR:REALPOLITIK]

Em1909, é promulgada uma regulamentação da concorrência leal, aUWG.O caminho é inverso ao tomadopelosEUA,queiniciaramcomaregulamentaçãodemonopólios.ComaIGuerraMundial,oEstadosealiacomasgrandesempresasemumaeconomiadeguerra.Posteriormente, comacriseeconômicadoentre‐guerras,novamenteoEstadoconduzoprocessoderecuperação.

A defesa da concorrência volta à pauta após a II GuerraMundial, com os planos impostos pelos aliados. Aprimeira ideia era promover a cisão de grandes empresas, que se revelou inócua. Ocorre um processo deneoliberalização,comopesodaderrotadaguerra,aAlemanhasequebraemumasériedeaspectos.OsEUAtornamaterinteressenarecuperaçãoeconômicaalemãparaquepudessemfazerfrenteaoregimedeStalin.

O Tratado deRoma foimarcado pelo debate sobre a defesa da concorrência. Surge uma legislação contra alimitação da concorrência em função, dentre outros fatores, do pensamento denominado Law&Economics.Novamentetemos fatospolíticoseeconômicosdemandandoatuação legislativaporpartedoEstado.ÉdifícilencontrarumEstadomodernoquenãotenhaestadopresentenalegislação.

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A ideia liberal do Estado mínimo nunca foi uma realidade. A partir do século XIX, temos o capitalismomonopolistaoucapitalismodeEstado.

Odireitoeconômicoformaliza‐secomodisciplinaemtornode1914eéfrutodestepensamento,pelapercepçãodequehaviaumconjuntodeleissobreprodução,preços,concorrência,industrialização,guerra.Surgeodireitoeconômicodaguerra,direitodaindustrializaçãodeguerra.OutracorrenteconsideranormaloEstadotratardetemasafetosàprodução,àguerra,àindustrialização:surgeadisciplinadodireitoeconômico.

AsmatrizesamericanaealemãinfluenciaramosoutrospaísessobreaformadeoEstadointervirnaeconomia.OBrasiltambémfoiinfluenciado,comaordemeconômicasendotratadaapartirdaConstituiçãode1934(fala‐se em economia popular, preocupação com oferta de produtos e manipulação de preços). Inicialmente, alegislaçãotinhacomoobjetivopromoveraindustrializaçãoe,comisso,acabouporfomentarosurgimentodeummercado concentrado. Em 1960 foi promulgada uma lei que criou o CADE [4.137/1962, CONFIRMAR].ApenascomaCF/88,foiUmalegislaçãodedefesadaconcorrênciacomeçoudeformamaisefetivaapenasnametadedadécadade1990(Lei8.884/1994).Esteprocessovemevoluindodesdeentão(Lei12.529/2011).

Asnormasjurídicasdevemseracompanhadasdeumavontadepolíticaparacriarinstituiçõesqueviabilizemaaplicaçãodasnormas.Temoshojeumapolíticaeconômicaconstitucionalizada,decaráterprogramático.

Vimos, assim, a transição de capitalismo liberal para capitalismo monopolista, com respeito aos agenteseconômicos,aoEstadoeaoDireito.Napróximaaulaveremosoqueaconteceucomopensamentoneoclássico,queestavaisoladodestedebate,peloexcessodeconfiançanaautorregulaçãodosmercados.

10. A Revolução Teórica de John Maynard Keynes e o Debatesobre o Pleno Emprego. O Estado Intervencionista do SéculoXX.

Hoje vamos tratar do pensamento econômico da década de 1930 e a revolução keynesiana. Bifurcaremos opensamentoneoclássicoentreneoclássicoortodoxoeneoclássicokeynesiano.

Na literaturaespecializadaseconvencionouchamaropensamentokeynesianoderevolucionário,mesmoemsua própria época. Quando se escreve um livro em 1946, quando Keynes falece, a expressão revoluçãokeynesianajáerautilizada.

TambémtemosopensamentodeSweezy (marxista),queestudouopensamentoneoclássicopré‐Keynese opensamento keynesiano, destacando o impacto significativo no meio acadêmico causado pela Teoria Geral.Samuelsonestudouopensamentoneoclássiconatradiçãoortodoxa.

A síntese do pensamento necolássico, surgido a partir da revoluçãomarginalista e o foco no sujeito, tem opressupostodeumateoriadeproduçãooudistribuiçãoeficienteeseudogma:todaproduçãoiráencontraroseu consumo.Nãohaveria riscode superofertaoudeumacrisede faltade consumo.Qualquermudançanoconsumoresultariaemumrearranjodacompetiçãoedaproduçãonomercado.

Arelaçãoentreosváriosagenteseconômicos,assim,geraumresultadoracionaleeficiente.CaberiaaoGovernocuidar de problemas de fronteira, de infraestrutura, garantir a segurança pública e o cumprimento decontratos;tinha,assim,umafunçãomínima.Ainda,trabalhava‐seaideiadefluxocircularderenda:umafirmaproduzmercadorias,colocandoaproduçãonomercado,obtendoreceitascomavendademercadorias.Comareceita, a firma paga seus custos: salários, insumos,matéria‐prima, juros e aluguéis. Sob outra perspectiva,estes custos são renda para outros (trabalhadores, outra firma, capital, terra). Esta ideia vinha sendodesenvolvidadesdeWalras.

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AideiadequetodaproduçãoencontraseuconsumodecorriadopensamentodeJean‐BaptisteSay.Porém,estefluxocircularpossuitrêsvazamentos2:quandoomercadoconsumidorimportamercadorias,apoupança(pelotrabalhadorouinvestidor)eostributos(ariquezavaiparaogoverno).Ascontrapartidasparaosvazamentossão, respectivamente, exportação, investimentos (ex. empréstimos a firmas) e gastos públicos (obras eprestaçõesdeinfraestrutura).

Com a ausência de um Estado intervencionista e um pressuposto de eficiência e racionalidade dos agenteseconômicoseapossibilidadedecompensaçãodevazamentos, temos fatoresparapresumirumasituaçãodeequilíbrio, de plena utilização dos fatores econômicos. Nestemundo equilibrado, entre firmas e famílias, asfamíliasterãosemprepessoasnaidadeadequada,trabalhando.Portanto,teremosoplenoemprego.

Paracompletarestecenáriodopensamentoneoclássico,emumpanoramamaisamplo:nolivrejogodeofertaeprocurahá equilíbrio, atémesmoem termosde transações internacionais – asdiferençasdeperfis entre asnaçõescontribuirãoparaoequilíbrionocomérciointernacional.Umapolíticafiscaleficientesefaznecessária,poisacobrançaeficientedostributosviabilizaodesempenhodasfunçõesmínimasdoEstado.Todapoupançaterá comocontraposição investimentos,havendo tendência aequilibraroque sepagade jurosnapoupançapara o que se paga de juros nos investimentos (uma desigualdade pode levar a excesso de poupança econtençãodeinvestimentos).

Esteéumretratodadescriçãoqueaeconomiafaziadossistemaseconômicos.Porém,arealidadediferiadestadescrição. No contexto histórico, a manifestação de crises econômicas, depressões cíclicas, desemprego,concentraçãoeconômicae cartéis, a atividade legislativa (intervencionista)doEstado,dentreoutros fatores,desafiavam os modelos vigentes. As crises vinham acontecendo desde o último terço do século XIX e setornavamcadavezmaisfrequenteseagudas.Adiminuiçãodoempregoedoconsumolevavaàdiminuiçãodaprodução. As equações do fluxo circular acabavam por deixar pessoas ociosas. A concentração econômicasabotava toda a racionalidade da “mão invisível”. A pressão social levava o Estado a intervir na economia,protegendoaconcorrência,ostrabalhadoreseaseguridadesocial.Havia,assim,certodistanciamentoentreoarcabouçoteóricoaquiresumidoeoquesemanifestavanarealidade.

OverbetedaexpressãodesempregoapareceemenciclopédiaspublicadasnaviradadoséculoXIXparaoséculoXX.Adiscussãomarginalistasobrequantoseestavadispostoapagarpelaúltimaunidadeaserconsumida:otrabalhotemqueremuneraraquiloquevocêtrazdeutilidadeparaapessoa.Osneoclássicosindicavamqueaspessoasnãorendemoquedeveriamrendere,porisso,nãoestãodispostasatrabalharporumpreçoinferioraoqueachavammerecerganhar,queeraopreçocompatívelcomoverdadeirorendimentodoseutrabalho–aculpa do desemprego era do trabalhador que não aceitava trabalhar por um salário inferior ao que achavamerecer ganhar. Era a teoria do desemprego voluntário ou friccional, que preservava o orgulho teórico doseconomistas: a realidade tinha que obedecer ao modelo e não o contrário. A queda de salários era oinstrumentoprescritoparaadiminuiçãodecustoseestímuloàprodução.

Finalmente, em 1929, estourou a crise econômica nos EUA. Não houve peste ou arrebatação coletiva depessoas,nenhumrecursonaturaldeixoudeoperaroucatástrofeambientalcomprometeuaproduçãoagrícola.A economia deixou de funcionar,mesmo estando presentes todos os agentes econômicos de sempre. Haviaexcesso de oferta, pouco consumo e pouco investimento. Tal fato era a negação empírica do pensamentoneoclássico,quenãoconseguiuexplicaracrise.

Dopontodevistada teoria econômica,quemdeuuma respostaparaoproblema foiKeynesem1936.CadaEstadoresolveuoproblemadesuaforma,masKeynesexplicoucomoascoisasdeveriamfuncionar.PrincípioscientíficosserviriamdepontodepartidaparaaagendadeatuaçãodoEstado.

A principal influência de Keynes foi o pensamento de Alfred Marshall. Percorre o sistema neoclássico eencontracomoprincipalproblemaaLeideSay–todaproduçãoencontrasuademanda–eque,emcondiçõesdeequilíbrioentreofertaeprocuraháplenoemprego.Enunciaqueacriseeconômicanãoéumacidente,éaregradeumsistemamarcadoporincertezas,nemtodaofertaencontrarásuademandae,aindaqueissoocorra,

2Chamamos de vazamento porque, nomodelo do fluxo circular de renda, a riqueza gerada não está sendodistribuídaentreasfirmaseosdemaisagenteseconômicos.Porexemplo,nocasodeimportações,asdivisassãoperdidasparaoutranação,nãopermanecendonanaçãoemqueseencontraafirmaprodutora.

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nãohaveráplenoemprego.E,enquantonãohouverplenoemprego,haverápressãoquepodelevaraumacriseeconômica.ArejeiçãodaleideSayedomitodoplenoempregoconstituempontosfulcraisdaobradeKeynes.

OutracaracterísticamarcantedaobradeKeyneséopensamentoemtermosdegrandesagregados,istoé,oquehojechamamosdeumaperspectivamacroeconômica:produção, juros, tudoaquiloqueésomadoenãocadaoperaçãoindividualmenteconsiderada.Sãoascontasdopaísenãodesetoresespecificamenteconsiderados.

Paraconcluiroquesãoosprincípioscientíficosdarevoluçãokeynesiana,temosaconclusãodeque,seoerrodetectadoéquenãohátendênciaaoequilíbrio,alguémtemqueevitarascriseeconômicas:Estado.Aincertezapassaaserumdadoinerente.Aeconomiaprecisadeajudaparafuncionar,umagentequetenhaparticipaçãoativanoprocessoeconômico.

A participação do Estado na atividade econômica é tema controverso. O Estado como ator principal daeconomiaéumaideiabastantequestionadanofinaldoséculoXXeiníciodoséculoXXI.Acrisedosubprimeem2008, com a securitização de recebíveis decorrentes de operações imobiliárias, e o efeito cascata dainadimplênciarevelouaimportânciadeoEstadoauxiliaraeconomia.Naocasião,ogovernosocorreuempresasebancosparaevitarqueaeconomiadeixassedefuncionar.EistoocorreunosEUA,umpaístidocomoliberal.

A grande pauta do pensamento neoclássico e neoliberal é a racionalidade do gasto público e o combate àinflação.Keynesiráproporalgodiverso,comoestímuloaogastopúblicoeaaceitaçãodainflação,nãocomoumfimemsimesma,mascomopartedeumasituaçãodedesequilíbrioorçamentárioplanejado.

Keynesfazaseguinteleituradascriseseconômicaseaausênciadeequilíbrioespontâneo:aqualquersinalderisco,háoaumentodapoupança,resultandonadiminuiçãodoconsumo,queporsuavez,causaumimpactonegativonademanda3,decujadiminuiçãodecorreumabaixanoinvestimento(osdetentoresdocapitalficarãoreceosos).Porfim,adiminuiçãodaproduçãogerarádesemprego,alimentandoociclodecrise.Maisimportantequeaetapainicialdacriseéseupontocentral:ademandaefetiva.

Odesemprego,nestesentido, seráumdesemprego involuntário,nosentidodequehápessoassemempregodesejosasdetrabalharporumsaláriorelainferioraopraticado–aocontráriodoquedefendiamosclássicos,oníveldeempregonãodependedojogodaofertaedaprocuranomercadodetrabalho,sendodeterminadoporumfatorexterno:ademandaefetiva.Paraosclássicos,odesempregoeravoluntário,namedidaemquehaveriatrabalhadoresquenãoestavamdispostosatrabalharpelovalorquerealmentedeveriamreceber–queriam,aocontrário,recebermaisdoqueaprodutividademarginaldoseutrabalho.

A noção de demanda efetiva é o elemento central na obra de Keynes. O termo não ajuda muito na suacompreensão:trata‐sedeumpotencialqueomercadotemdeconsumirumprodutoouserviço.Éasomadopotencialdeconsumoedeinvestimento.Umproblemadedemandaefetivaresutaemumproblemanoníveldoconsumoefetivoedodesemprego.Éprecisoalimentarademandaefetivaparaqueofluxocircularfuncione.

Keynes fezuma leituradequehouvediminuiçãodedemandaefetivaqueconduziuàcrisede1929.Avendaexcessiva de ações foi uma forma de diminuição do nível de investimento. Juízos de investidores e deassalariadoslevaramaesteprocesso.

Os primeiros estudos acadêmicos deKeynes foram em teoriamoral e probabilidade. Ao repassar o sistemafilosóficodeMoore,escreveumtratadosobreprobabilidade.NabaseteóricadeKeyneshádoiselementosqueaparecememseusescritos:opesodoargumentoeateoriadoriscomoral(quenãofoidesuainvenção).

Pesodoargumento:nemsempreaspessoas fazem juízosprobabilísticosembasesquantitativas.Aspessoasrealizamjuízoscombaseemelementosporelasconhecidoseintuições,atribuindoconfiançaacertosargumentosmaisdoqueaoutros.Aspessoastrabalhamcomaquilocomqueelasconfiammais.

Teoriadoriscomoral:sevocêtemdoiscaminhospararealizarumbem,comumadelasenvolvendouminvestimentopessoaldecurtoprazoeoutraumdelongoprazo–osinvestimentosdecurtoprazosãobemmaisefetivosqueosdelongoprazo.

3Aqui,ademandaétidacomoumsinalpotencialdeconsumo.

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A racionalidade e maximização da utilidade pelos agentes foi colocada em xeque. Keynes apontou que asinformaçõesdetidaspelosagentessãoincompletaseestestentamsecercardoqueémaisrecenteeemquemeleconfiaparatomarsuasdecisões.Ainda,aspolíticaseconômicasdelongoprazoseriamdesaconselháveis:nolongo prazo estaremos todos mortos. Considera o investidor como se fosse um animal na selva, arisco,assustando,agindoporinstinto.

Por fim, fala do amoraodinheiro: embora tudo tenha uma expressão monetária, para Keynes o dinheiropossuiumacaracterísticapsicológica–aoprimeirosinaldeameaça,oinvestidorprocurasegurançaatravésdeum efeito psicológico individual que o dinheiro traz. Assim, o dinheiro se contrapõe às alternativas (ações,equipamentos,etc.).Numcenáriodecrise,ummilhãonobolsorepresentasegurança,maisdoqueummilhãoaplicadoemumamáquina.Estasituaçãoéinerenteaumambientedecompetição.Cabeaalguémcolocarumfatorquediminuaomedoexistentenomercado.

Nestesentido,oEstadopassaaseroprincipalagentecontroladordademandaefetiva,deconduzirpolíticasanticíclicas.OEstadodevefazerobras,conduzirguerras,estimularademanda.Emoutrassituações,quandoháexcesso de dinheiro, o Estado deve combater a inflação e enxugar a ofertamonetária. Do ponto de vista daincerteza,oEstadodevefornecerelementosquenorteiemojuízodeprobabilidadedosagentes:criaçãodeumbanco central, normas contábeis, regras jurídicas de transparência para as empresas abertas. O sinal deincertezanãodevesetornarpessimismo.Assim,temosumEstadointervencionista.

Um fator importantíssimoparaKeyneseraoplenoemprego.A agendadeEstadodevegarantirumníveldeconsumoefetivoeoplenoemprego, retroalimentandoocírculovirtuosodademandaefetiva.AquicomeçaoEstadosocial.Atravésdepolíticassociais,oEstadoseriacapazdediminuiroefeitodasoscilaçõescíclicasnarendadostrabalhadoresenassuascondiçõesdevidaquandodesempregado.

Paraassegurarmaisestabilidadeàseconomiascapitalistas,demodoaevitarsobressaltoscomoodaGrandeDepressão, é necessário que os desempregados nãopercam todo o seu poder de compra (daí o subsídio dedesemprego), que os doentes e inválidos recebam algum dinheiro para gastar (subsídios de doença e deinvalidez), que os idosos não percam o seu rendimento quando deixam de trabalhar (daí o regime deaposentadoria).Keynes,alémdeidentificaroproblemadodesempregoinvoluntário,apontaumvícioadicionalmarcante das economias capitalistas: a repartição da riqueza e do rendimento é arbitrária e carece deequidade.Neste sentido, legitima a intervenção estatal na busca demaior justiça social, demaior igualdadeentre as pessoas, os grupos e as classes sociais. O Estado‐providência encontrava sua fundamentaçãoeconômica,natentativadeconciliaroprogressosocialeaeficáciaeconômica.

Há, ainda, preocupações relativas às finanças públicas, isto é, à arrecadação e aos gastos do Estado. A ideiaessencialésempreestimularademandaagregada.Apartirdarevoluçãokeynesiana,oEstadopassaaserumaliadodaexistênciaedamanutençãodosistemaeconômico.

UmmomentoemblemáticoocorreuapósaIIGuerraMundial,quandodoretornodossoldadosamericanosaosEUA.Umasériede leis trabalhistas forameditadaspara fomentaroempregodestapopulaçãomasculinaqueretornara da guerra. A partir daí, fica explícito que o pleno emprego passa a ser uma responsabilidade doEstado,umapolíticadeEstado,comoformadesuportar,deincentivarosistemaeconômico.

ACF/88enumeraosprincípiosdaordemeconômica,dentreosquaisabuscadoplenoemprego:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 

I ‐ soberania nacional; 

II ‐ propriedade privada; 

III ‐ função social da propriedade; 

IV ‐ livre concorrência; 

V ‐ defesa do consumidor; 

VI ‐ defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 

VII ‐ redução das desigualdades regionais e sociais; 

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VIII ‐ busca do pleno emprego; 

IX ‐ tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.  

Parágrafo  único.  É  assegurado  a  todos  o  livre  exercício  de  qualquer  atividade  econômica,  independentemente  de  autorização  de  órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 

11. AEconomiaPolíticadoDesenvolvimento

A expressão “desenvolvimento econômico” tem vários usos e sentidos conforme a escola de pensamentoeconômico.Alémdedefiniraexpressão,analisaremosasprescriçõesconstitucionaisparaoEstadobrasileironotocanteaodesenvolvimentoeconômico.

Ospensadoresclássicosprocuravamexplicaraorigemeadistribuiçãodariquezadanação.Nasrelações,haviaa ideia de vantagens absolutas, resultando em uma divisão internacional técnica do trabalho. Ricardointroduziu o conceito de vantagens comparativas e foi um grande crítico do protecionismo inglês emfavorecimento dos rentistas. A partir de 1871, há a formalização do pensamento econômico, assumindo opressupostodaracionalidadedoagenteeconômico.Todaaproduçãoencontrariaasuademanda,quedirecionaaqualidadeequantidadedaoferta.Adespeitodoindividualismo,obem‐estargeraléatingido.OEstadonãotinhaporqueintervirnesteequilíbrio.Comojáestudamos,arealidadenãoestavacorrespondendoàdescriçãocientíficavigente.Criseseconômicas,excessodeoferta,desemprego,excessodepoupança,depressões,enfim,fatosempíricosquestionavamosmodelosclássicos.

Keynesfazumareleituradopensamentoneoclássico,refutandooequilíbrioe,comocoroláriodesuaexplicaçãosobreascriseseconômicas,delineouopapeldoEstadocomoformuladoreexecutordepolíticasanticíclicas,afimde evitar as flutuações e os problemasque vinham sendo enfrentados. Todos osEstadospassarama sepreocuparcommecanismosdeintervençãonodomínioeconômico,criandoumaagendadeatuação.Oaspectoeconômico também incluía uma perspectiva social, com a necessidade de ações governamentais contra odesempregoecomagarantiadedireitostrabalhistasedeseguridadesocial.

Perroux: quando uma região se desenvolve economicamente, são criados elementos ativos importantes:indústriasquelideramaprodução,transformando‐seempolosindustriaiseconcentrando‐segeograficamente,gerandoriquezanoentorno.Pessoas,prestadoresdeserviçoseoutrasindústriassãoatraídosparaaregião.Ocrescimentoeconômicodasregiõesmaisfracas,deelementospassivos,ficaaltamentedependentedasregiõesdesenvolvidas.A ideia édesenvolvidaporoutros autores e culminana conclusãodequeodesenvolvimentoeconômico tem caráter regional. A noção de centro‐periferia dos pensadores da Cepal considera que osubdesenvolvimento não é um estágio anterior ao desenvolvimento,mas sim causado por este. É feita umaleituradarealidadesocialeeconômicavoltadaaprescriçõesparaalcançarodesenvolvimentoeconômico.

Asuperaçãodosubdesenvolvimentonãopassaporumameraaçãodecoordenaçãoepordecursodetempo.Anoção de desenvolvimento econômico dissocia‐se da de crescimento econômico, pois este é meramentequantitativo.Englobanãoapenasaquestãosocialdoplenoemprego,daprevidênciaoudeoutrasconquistasdoEstadosocial,mastambémorompimentodecertasestruturassociais.Nãoépossívelhaverconcentraçãoderendaeníveisirrisóriosdeeducação.

A periferia geralmente é absolutamente especializada, podendo inclusive semodernizar nas atividades queconduz.Emgeral, temcarátermeramenteextrativista.Porém,éheterogênea,porexistirumabismoentreasclassesquecompõemasociedade.Umacategoriaconcentraoexcedentedariquezagerada.

NoBrasil,apartirdadécadade1930,surgeapreocupaçãocomaindustrialização.Pelasinstituiçõesdaépoca,sequerpodemosdizerquesetratavadeumEstadodemocráticoousocial.Houveummovimentobem‐sucedidode industrialização de base até 1960, mas ocorreu uma mudança de orientação, com foco no crescimentoeconômico e modernização. Não havia soberania econômica (internalização dos centros de decisão).Alinhando‐se com políticas internacionais, fomentou‐se a concentração econômica e o influxo de capitalestrangeiro.

Recapitulando:aexpressãodesenvolvimentoeconômicoépolissêmica.Adotamosavisãodedesenvolvimentoeconômicoqueabarcaocrescimentoeconômico,istoé,ocrescimentodosgrandesnúmerosdaeconomia.Na

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América Latina, também se incorpora ao conceito a busca por direitos sociais – pela natureza desubdesenvolvimento, hámaiores desafios do que os enfrentadospelas economias centrais do capitalismo. Ànecessidade da atuação estatal no estímulo à demanda efetiva com políticas anticíclicas, acrescenta‐se anecessidadedetransformarumestadodecoisasemoutro,dadoodesnívelelevadoentreaspessoaseaoaltograudeespecializaçãodaeconomia,aindaquecomcertograudeindustrialização.Estaéapautaadotadapormuitosgovernosnaadoçãodepolíticaseconômicas,comamanutençãodomercadoeainduçãodemudançasestruturais,reduzindodesigualdadessociaiseregionais.

Váriosinstrumentospodemviabilizarestaspolíticaseconômicas:tributaçãoprogressiva,caráterparafiscaldatributação4, entre outros. Vamos discutir agora o Brasil da Constituição de 1988. Existe um modelo, umapolíticaeconômicanaCF/88?HáumaimposiçãoaoEstadodeumadeterminadapolíticaeconômica.

Asconstituiçõesdo iníciodoséculoXXpassarama incluirdireitossociais(direitos fundamentaisdesegundageração), além das garantias individuais (direitos fundamentais de primeira geração). Políticas sociais(previdência social, seguro‐desemprego, busca do pleno emprego), objetivos sociais e econômicos sãoincorporadosaostextosconstitucionaisnascartaspós‐Weimar.Nummomentopós‐Keyneseapósasgrandesguerras,hátambémapreocupaçãocomapreservaçãomacroeconômica.

Há, ainda, as cláusulas transformadoras como as de constituições de países que buscaram a superação docapitalismo, consolidando o socialismo (como em Portugal). Reconhecem direitos sociais e estabelecemobjetivosdetransformação.

Oart.3ºdaCF/88estáemlinhacomaideologiadesenvolvimentistadoseconomistaslatino‐americanos.

Cabeadoutrinadodireitoconstitucionaldesenvolveroconteúdodascorrentesnateoriaconstitucional.Parteda doutrina ignora as cláusulas transformadoras ou considera que sejam uma “cópia mal feita de ideiassocialistas” e que não deveriam constar no texto constitucional. Também criticam o excesso de artigos naCF/88, contestando sua prolixidade. Para negar tais cláusulas, se valem de teorias de diferentes níveis deeficáciadasnormasconstitucionais.CarlSchmittcriticavaaCartadeWeimarindicandoapresençadecláusulasquepostergavamdecisões:compromissodilatório.Assim,aprimeiracorrentenegaaeficáciadestasnormas.

Umasegundacorrente,queestevemuitoemvoganoBrasil,marcandoumageraçãodeconstitucionalistas,éadaConstituiçãodirigente,amplamentedivulgadaporCanotilho.Aconstituiçãodevevincularolegislador,deveser a base de um ordenamento jurídico, orientado a criação de leis e um sistema de controle deconstitucionalidade.Deveimporcompromissosàsociedade.OproblemaéqueaConstituiçãotentaresolverasquestões pelomundo jurídico, com o ativismo judiciário. Um desafio ocorreu na Europa, quando, diante daglobalizaçãoedamitigaçãodasoberaniaestatalemfacedasrelaçõesinternacionaisedocapitaltransnacional,opróprioCanotilhorecusasuateoriaoriginal,perdendoacrençadequeoEstadoeumaConstituiçãopoderiampromovera alteraçãodas estruturas sociais.A sociedade civildeveria ter esta responsabilidade, conjugandoseusagentesinternoseexternos.AreligiãodaConstituiçãoDirigenteéjurídicademais.

A terceira corrente é o neoconstitucionalismo, com visões mais progressistas do direito constitucional,pretendendo dar normatividade, isto é, capacidade de aplicação da constituição, com uma preocupação deresgatedamoralefoconosdireitoshumanos.Coloca‐seomarcohistóriconopós‐SegundaGuerraMundial.Éum jusnaturalismoatualizado, comabuscados conteúdosmorais (culturas ehistóricos)dodireito.Amaiorparte dos juristas atuais professa alguma forma de moralismo. A ponderação de princípios pode levar aexcessos: o Estado só deveria participar da atividade econômica em situações excepcionais (princípios dasubsidiariedade). Esta não é a corrente adotada pela CF/88, mas seu texto é ignorado pela adoção dessadoutrina.

As três visõespodemserquestionadas.Aprimeira, pornegar a constituição.Oproblemade segunda é crerdemaisnaforçavinculantedaConstituição.Aterceiraéumjusnaturalismorevisitado,comênfaseexcessivanoJudiciáriocomoseestefosseoatordemocráticoparaguiaraeconomiadeumpaís.

Como devemos interpretar as normas constitucionais acerca do Direito Econômico? Primeiramente, sob aperspectiva textual, se está no texto da constituição é norma jurídica e tem força vinculante. Há vários

4Geraçãodefundosparaentidadesparafiscais,relacionadasàsaúde,culturaeàassistênciasocial.

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dispositivos que guiam a política econômica, não de um governo específico5. O mercado não é um locusnaturalissagrado,deveserincentivadodemodoaviabilizarodesenvolvimentoculturaleeconômico.Abuscapela autonomia tecnológica visa internalizar os centros de decisão. O pensamento conservador aponta aingovernabilidade diante destas disposições. Porém, a Constituição não dá detalhes exatos sobre como taisdiretrizesdevemserimplantadas.

Dopontodevistasistemático,osdispositivossearticulamdemodoaapontarumapolíticaeconômica. Idemconforme o aspecto teleológico – analisando a finalidade do texto constitucional, método inserido nahermenêutica jurídica no século XX. O ponto cego das teorias constitucionais é a importância excessiva doJudiciárioparaaconcretizaçãodaeficáciadanorma.Ainda, faltavontadepolíticaparagarantiraeficáciadosdispositivoscitados.

12. O Capitalismo Contemporâneo. A Experiência do WelfareState e as Teorias Neoliberais. A Financeirização doCapitalismo.ODireitoEconômicobrasileiro.

NOTADOAUTORDOCADERNO:AsanotaçõesreferentesaestepontoforamresultadodaconciliaçãodetextosdabibliografiaedenotasdeauladeIsabellaJunqueiraBueno.

Apartirdadécadade1970,verificaram‐sesituaçõesdeinflaçãocrescente,taxadedesempregorelativamenteelevadaecrescentee,ainda,taxasdecrescentes(porvezesnulas)decrescimentodoProdutoNacionalBruto(PNB).Eraaeradaestagflação.Osneoliberaisaproveitaramodesnortedoskeynesianos,surpreendidoscomoparadoxo da estagflação. Hayek proclamou que a inflação é o caminho para o desemprego. O rompimentounilateraldosEUAcomopadrão‐ouro(compromissoassumidoemBrettonWoods)levouosbancoscentraisaadotaremaortodoxiamonetarista,ajudandonoêxitodachamadacontrarrevoluçãomonetarista.

Fiéis ao ideário liberal do laissez‐faire, da mão invisível e da lei de Say, os neoliberais defendem que aseconomiascapitalistastendemespontaneamenteaoequilíbriodeplenoempregoemtodososmercados,sendodesnecessárias aspolíticas anticíclicas e, alémdedesnecessárias, inconsequentes aspolíticasde combate aodesemprego que não conseguem eliminá‐lo e geram inflação. Cada remédio proposto por Keynes tem comoefeitocolateralainflação.Oaumentodosgastospúblicoscausadesequilíbrioorçamentárioqueésupridocomemissãodemoeda,aqualperdevalor(inflação).

Negando o Estado‐providência, os neoliberais voltam às costas à cultura democrática e igualitária da épocacontemporânea,caracterizadanãosópelaafirmaçãodaigualdadecivilepolíticaparatodos,mastambémpelabusca da redução das desigualdades entre os indivíduos nos planos econômicos e sociais, no âmbito de umobjetivomaisamplodelibertarasociedadeeosseusmembrosdanecessidadeedorisco,objetivoqueestánabasedossistemaspúblicosdeseguridadesocial.

Pensadores do neoliberalismo escrevem contra Keynes, dentre os quais se destacaMiltonFriedman. Seusprincipaisargumentossãoresumidosaseguir.

Ineficácia de aumento provisório da renda. Para Friedman, o aumento na renda das pessoas nãonecessariamente implicava em um estímulo ao consumo. De nada adiantava criar propostas estruturais deaumento de renda das pessoas se este for provisório – não há gasto imediato, o aumento fica retido porprecaução.

Taxa natural de desemprego. Vimos que, de acordo com o pensamento neoclássico pré‐keynesiano, odesemprego era voluntário porque os trabalhadores não aceitavam receber um salário compatível com aprodutividademarginaldeseutrabalho,queriamsaláriosmaiores.ParaFriedman,haveriaumataxanaturaldedesemprego, isto é, um percentual da sociedade optaria voluntariamente por não ficar empregado. Aintervençãoestatalresultariaemumaalteraçãodovalordotrabalho.Ainda,comatributaçãodossalários,seuvalor ficadistorcido, gerandoa ilusãodeque émaiordoqueoque efetivamente é.Os sindicatos são vistoscomoumproblema,pois interferemnovalordossalários,atrapalhandosuadefiniçãonatural.Nestesentido,

5Art.1º,III,IV;3º,I,II,III;8º;170eincisos;195;218;219.

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seriamresponsáveispeloaumentodataxanaturaldedesemprego.Porfim,ressaltaqueoseguro‐desempregoseria um fator de desestímulo ao trabalho. Em suma, fatores que fossem responsáveis pelo aumento dossalários – dentre eles a inflação – resultariam em um aumento do desemprego. A busca do pleno empregodeveriasercolocadaemsegundoplano,devendoserpriorizadoocombateàinflação6.

Teoriaquantitativadamoeda. Esta teoria é retomada, explicando a inflação como excesso demoeda emcirculação. Dentre as prescrições resultantes desta teoria para o combate à inflação, temos o controle daemissão monetária, do financiamento por senhoriagem, as operações de mercado aberto (venda de títulospúblicos “enxugam” omeio circulante), o aumento da taxa de juros (diminuindo o consumo e aumentado ademandaportítulospúblicos).

O pensamento de Friedman teve reflexospolíticos e jurídicos (novas leis foram editadas refletindo suasprescrições). Dentre os reflexos políticos destacamos a redução de gastos com políticas sociais, oenfraquecimentodossindicatos,adiminuiçãodosníveissalariais,aperdadeincentivostrabalhistas,areduçãodeimpostoseaadoçãodemedidasdeestímuloàsempresas.

6Atémesmoporqueoexcessodeempregopodeservistocomoumestímuloàinflação.