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    Deixem-me ao menos subir s palmeiras": um filme da 'frente de

    uerrilha'

    Lopes Barbosa

    Entrevista ao realizadorJoaquim Lopes Barbosa, autor de Deixem-me ao menos subir s palmeiras!, filme

    rodado em Moambique, proibido antes do 25 de Abril de 1974, que nunca teve estreia comercial, s raramente foi

    projectado, permanecendo quase desconhecido e pouco referenciado em termos de histria do cinema. Um cineasta para

    quem o cinema deve ser uma frente de guerrilha, actuando o mais positivamente possvel, contra os tabus, as morais

    duvidosas e os lugares-comuns bafientos e anacrnicos.

    Deixem-me ao menos subir s palmeiras!antecipou o projecto de televiso e cinema moambicanos que, aps a

    independncia, em 1975, o novo governo encomendou, sem os resultados esperados, a Jean-Luc Godard e a Jean Rouch.

    Proibido antes do 25 de Abril de 1974, nunca teve estreia comercial, s raramente foi projectado, permanecendo quasedesconhecido e pouco referenciado em termos de histria do cinema. O seu realizador, Joaquim Lopes Barbosa (1944-)

    nasceu no Porto onde, desde os 15 anos, esteve ligado ao Cine-clube local. Aos 23 anos mudou-se para Luanda e, trs

    anos depois, instalou-se em Moambique, aps aceitar um convite para trabalhar no cinema. Questionado pela revista

    Plateia, no incio de 1972, sobre o que representava o cinema para si, respondeu que a 7 Arte uma forma de

    expresso das realidades concretas, que sinto, e deviam chegar a todos, como uma espcie de murro no estmago.

    Actualmente, a definio que dou ao cinema a de que deve ser uma frente de guerrilha, actuando o mais positivamente

    possvel, contra os tabus, as morais duvidosas e os lugares-comuns bafientos e anacrnicos.

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    Lopes Barbosa em filmagem

    Quando comea a filmar, em Angola, quais so as suas referncias cinematogrficas?

    O cinema exibido em Luanda, como nas outras cidades da provncia, era importado. Luanda, na poca, no tinha

    qualquer estdio para a produo de filmes. Logo, o nico cinema que corria nas salas, era o omnipresente cinema

    americano, bem como o lixoproduzido em Portugal, pertencente velha-guarda. Os Fragas e os Queirogas

    continuavam a ser os eminentes fazedores e arautos dessa velha ordem, j anquilosada, afastada de um autntico sentir e

    de um verdadeiro pensar! O que viamos na tela eram criaturas grotescas, cujo artificialismo era levado ao limite da

    incongruncia e da falsidade. Os novos cinemasnunca haviam penetrado nos espritos desses iluminados, autnticas

    putas de um regime que h muito havia subvertido tudo o que pudesse ser conotado com conscincia crtica.

    A par desta constatao, comecei a descobrir e a fazer a leitura, quase clandestina, de uma potica marginal de novos e

    revolucionrios autores, criadores da verdadeira cultura angolana. Viriato da Cruz, Antnio Jacinto, entre outros,

    revelavam-me aquilo que no tinha descoberto em Portugal: que havia uma arte subversiva ao servio do homem, no s

    do negro, mas de todo o homem que sofre! E o portugus, o que habitava Portugal continental, no fugia a essa excepo

    como homem sofredor!

    O que l encontrei, alm de propostas de uma nova arte potica, revolucionria na sua forma e fiel verdade do seu

    contedo, estava tambm aquilo que, desde logo, me pareceu ser uma nova esttica. A partir desse momento, desperto

    para essa autntica descoberta, abrindo-se em mim o que passariam a ser as minhas verdadeiras referncias culturais.

    Encontrei trabalho na revista semanal Noite e Dia, onde iniciei uma colaborao regular na criao de pginas de

    Esttica e de Crtica cinematogrfica. No podia esquecer que o cinema que me foi dado ver na infncia era o avassalador

    cinema americano, que suplantava largamente em quantidade, mas no forosamente em qualidade, outras

    cinematografias, como a italiana com o seu precioso Neorealismo, ou mesmo o cinema francs com a sua atrevida

    Nouvelle Vague, ainda a magia encantatria do Cinema Novo brasileiro, e foi isso que verti para as pginas da Noite e

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    Dia.

    Simultaneamente, o cineclube de Angola avanava alguma pelcula em superoito milmetros para O Regresso, que viria

    a realizar sobre a vivncia dum pintor de quadros artesanais, centrado na Ilha de Luanda. O filme era um documentrio-

    ficcionado e no tinha dilogos.

    Entretanto, estreava em Luanda o execrvel Z do Burro, primeiro filme inteiramente produzido em Loureno Marques,realizado por Eurico Ferreira, tendo como produtor Courinha Ramos. Passando ao lado das imperfeies tcnicas e do

    artificialismo burlesco do tema, o filme era uma autntica lstima. Tinha o mrito de me revelar que, ao contrrio de

    Angola, Moambique j possua laboratrios e maquinaria suficiente que lhe permitia produzir cinema. Vi-me convidado

    pelo Eurico Ferreira a acompanh-lo e a integrar a sua equipa, o que aconteceria pouco tempo, tendo iniciado, nos

    estdios da Somar Filmes, a minha futura e decisiva aprendizagem tcnica cinematogrfica.

    Como conheceu o obra de Honwana? O livro dele era uma referncia anti-colonial?

    Quando o li, em Loureno Marques, chamou-me imediatamente a ateno o conto Dinaque identificava a mesma

    temtica do Monangambaque havia descobertoem Angola. A fora dessas imagens, a subvida, elevada ao

    coeficiente mximo da brutalidade que elas invocavam - tanto no poema como no conto - eram absolutamenteirredutveis. O que propunham era arrasador, enquanto tema de sofrimento, de angstia, de subjugao.

    Cantor, 'Deixem-me ao menos subir s palmeiras', de Lopes Barbosa

    Como que o Lopes Barbosa, recm-chegado a frica, se torna to sensvel a essas temtica e esttica africana?

    Se excluirmos os movimentos guerrilheiros - nascidos aps a recusa de Salazar em abrir janelas de dilogo para uma

    progressiva emancipao dos povos colonizados que eles (guerrilheiros) representavam - que partem finalmente para a

    luta libertadora na dcada de sessenta, os sculos anteriores testemunham seres permanentemente marginalizados,

    tiranizados e submissos. O negro sempre foi um ser humano ostracizado e condenado irremediavelmente submiso e escravatura. E o portugus, apesar de poder ser visto como um homem diferente, no fundo e ao longo dos mesmos

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    sculos, acaba por ser muito parecido com o homem que escraviza.

    Se excluirmos as elites, todo o homem portugus um homem sofredor! No momento da partilha do saque, da conquista,

    da explorao levada a cabo por si nesse acto, o homem comum nada mais garante dessa partilha do que migalhas, que o

    manietam permanentemente na pobreza. Portanto, o homem-pobre-negro e o homem-pobre-branco tm tudo em comum.

    S os distingue um detalhe: um pega finalmente em armas para se revoltar e o outro renuncia revolta. O portugus-

    pobre-escravizado no consegue ver em si a escravatura encoberta que o mantm fiel ao escravizador. E essadependncia, essa cegueira, afinal o que o perde.

    O meu projecto de cinema impossvel de distinguir em Portugal continental torna-se visvel em frica. l que encontro

    as coordenadas que so praticamente invisveis em Portugal. A pobreza encoberta, envergonhada e no assumida em

    Portugal, surge com toda a sua clareza nas colnias. Apesar dos portugueses aparentemente se terem tornado bem

    sucedidos e habitarem as cidades de cimento, a grande maioria continua dependente das entidades empregadoras, logo o

    seu estatuto continua a ser o de assalariado, empregado, contratado, com rendimentos praticamente no limite da

    sobrevivncia, ou pouco mais! A coroar e a esbater a crueldade dessa realidade, est o baixo nvel escolar que torna

    praticamente impossvel interiorizar a revolta. O portugus-branco-pobre no entende a revolta porque no entende a sua

    escravatura (moral, intelectual e educacional).

    O que Deixem-me ao menos subir s palmeiras!pretende dar as pistas que permitam levar o escravo revolta.

    O que o filme quer dizer que preciso lutar para se obter a libertao e que sem a revolta no se avana para a

    liberdade. Olho por olho, dente por dente!Nada de pactuar (no submisso) com o acto de ofender, de magoar, de

    desrespeitar, de desigualar. O escravo no existe; o que existe a incultura que o torna escravo. preciso abandonar o

    escravizador deixando-o sozinho para no ter quem mais escravizar. O plano final do filme, com o Djimo a sair para a

    estrada, quer dizer exactamente isso. Tambm quer dizer que, talvez no futuro volte, para novamente voltar a combater

    possivelmente com novas armas!

    Filmagem de 'Dina'

    Dina em si muito cinematogrfico. Que adaptaes procurou introduzir no guio para viabilizar o filme?

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    decorresse sem sobressaltos de maior.

    No entanto, parece que a presena de Malangatana no elenco despertou desconfiana e fomos chamados os dois PIDE.

    Tivemos de mentir sobre a verdadeira natureza das filmagens, invocando o nome de Courinha Ramos como garante de

    que, o que estvamos a filmar, se inseria na normalidade de tudo quanto se fazia, em matria de cinema, na Somar. Mas o

    Courinha Ramos no sabia muito exactamente o que eu estava a filmar, uma vez que no lhe tinha passado o guio para

    leitura. Penso que o nunca ter levantado qualquer obstculo rodagem do filme deveu-se grandemente sua desatenosobre as verdadeiras implicaes que o tema levantava.

    Porqu a opo de fazer um filme falado em ronga?

    Um filme daquela natureza s podia ser filmado num dialecto africano. Primeiro, porque lhe dava maior autenticidade;

    segundo, tal como eu gostaria, se fosse visto por africanos, o seu pblico principal, a sua mensagem no se perderia.

    Malangatana Valente, rodagem de 'Deixem-me ao menos subir s palmeiras', de Lopes Barbosa

    Qual o contributo que os actoresderam na concepo do filme, da definio da temtica e esttica africanas?

    O filme estava todo na minha cabea. Os actores- gente normal, apanhada aqui e ali - s tiveram de vestir a sua pele

    para viver os papis da sua prpria vida. Inclusiv os figurantes, que aparecem nas cenas rodadas na machamba (em

    Umbeluzi), so presos de delito comum que vinham da priso, diariamente, prestar servio na estao agronmica. S

    tive que os aproveitar. Estavam simplesmente a representar e a repetir o que faziam no seu dia-a-dia, que no era em nada

    diferente do que se fazia em qualquer machamba da colnia. H imensas imagens captadas em Cinema Directo, que

    acabei por misturar com as ficcionadas, e que em nada se diferenciavam umas das outras.

    Sobre os actores, escusado ser dizer que ningum recebeu um centavo pela sua participao no filme. Malangatana

    tinha-se encarregado de instruir e de explicar o que se pretendia com a feitura do filme.

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    Que papel teve Malangatana Valente?

    O papel de Malangatana foi decisivo para angariar todas as vontades pela parte do elenco negro e para a sua adeso ao

    filme. Atravs do seu empenho, tive a participao de actores, msicos, poetas e gente annima (toda a reconstituio do

    enterro de Madala), que deu o seu contributo desinteressado para que a sua realizao fosse possvel. O elenco dos

    actores brancos foi conseguido atravs de contactos informais, uns feitos pelo Courinha Ramos, outros feitos por mim

    junto dos meus prprios amigos.

    O parto com que se inicia o filme? Que simboliza?

    O filme centra-se em dois limites: o nascimento e a morte do negro trabalhador. Com essas cenas queria expressar o que,

    historicamente, sempre havia sido a herana desse homem: o vazio da esperana. Da o lamento - Deixem-me ao

    menos subir s palmeiras, j que lhe est vedado qualquer outro destino. a tragdia assumida por sucessivas

    geraes que s a luta e a revolta podem destruir.

    O ritual do enterro de Madala o eplogo lgico dessa impossibilidade histrica: nascer e morrer sem outro horizonte que

    no seja o derrube permanente da sua humanidade.

    A ordem das coisas no se altera sem luta: resta ao homem-sofredor abrir os olhos esperana e partir para

    a revoluo.

    Cena de 'Deixem-me ao menos subir s palmeiras', de Lopes Barbosa

    Aps a rodagem do filme, quando percebeu que o filme no ia poder ser visto?

    Penso que, aps a visualizao por parte dos censores, o filme ficou condenado. Eram demasiadas as propostas que o

    filme encerrava! Habituados quietude e ao cinema inofensivo, os censores do regime jamais pensariam poder estar ali

    um filme diferente de tudo que at ao momento havia sado da Somar.

    Penso que as implicaes e o alcance do seu contedo apanharam igualmente desprevenido o Courinha Ramos porque a

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    sua reaco imediata foi despedir-me.

    Hoje penso que, na altura, se nada me aconteceu foi porque, aps o meu despedimento, embarquei imediatamente para

    Lisboa por entender que a minha presena em Moambique estava ameaada e podia vir, inclusiv, a ser preso. No

    entanto, antes de embarcar, ainda tentei apoderar-me a cpia do filme e traz-la comigo para Portugal. Algum me

    persuadiu a no fazer tal loucura! Dada a correlao de foras no tive outra hiptese seno ceder!

    Consumava-se assim uma audcia muito fora do comum e demasiado provocadora para poder ser tolerada, ou mesmo

    aproveitada por a gente do regime, habituada quietude e passibidade dos fazedores da cinematografia oficial.

    Que fez o Lopes Barbosa aps o despedimento e at ao 25 de Abril?

    Procurei emprego em Lisboa, no sector da cinematografia, que no consegui encontrar. Como alternativa, fiz outros

    trabalhos que me permitiram sobreviver. Nessa altura d-se um acontecimento que viria a marcar irremediavelmente a

    minha vida: a manifestao dum princpio de tuberculose que me apanha em pleno golpe de estado do 25 de Abril. Essa

    doena obriga-me a regressar minha cidade natal onde procuro guarida na casa de minha me para um tratamento que

    se ir prolongar at Agosto de 1974.

    Apesar de doente, fao contactos com Moambique e combino com Courinha Ramos um encontro em Lisboa para a

    exibio do filme. Na posse do negativo que Courinha Ramos trs, fazem-se, na Tobis, duas cpias - uma em 35 mm e

    outra em l6mm - partindo o produtor novamente para Loureno Marques e levando consigo a cpia em 35mm. A sua

    inteno era preparar a estreia em Moambique. Com a cpia de 16mm em meu poder organizo a primeira exibio

    pblica na Escola Superior das Belas Artes do Porto, enquanto preparo o regresso a Loureno Marques que vir a

    acontecer no ms seguinte, Setembro. Mal desembarco informam-me que o filme j tinha sido estreado e rapidamente

    retirado do cartaz por a sua estreia ter coincidido com os acontecimentos do 7 de Setembro e o produtor, temeroso de

    poder dar origem ao desencadeamento de aces violentas por a temtica apresentada ser uma clara denncia do regime

    que agora chegava ao fim, resolvera pura e simplesmente arquivar o filme na gaveta do esquecimento para sempre!

    Restava-me a possibilidade de exibi-lo no formato de 16mm. Organizo exibies paralelas no cineclube de Loureno deMarques e Cadeia da Machava.

    Inesperadamente, um vez que tinha interrompido o tratamento antituberculoso, sou acometido por um colapso nervoso,

    seguido de esgotamento nervoso e posterior depresso nervosa. Arrasto-me - o termo - para Portugal em Maio de 1975,

    deixando para trs um convite, para me manter em Moambique, que parte de pessoas ligadas ao novo poder politco de

    transio, o qual no posso aceitar dadas as minhas condies de sade. Refugio-me no Porto para um tratamento

    psicoanaltico que se manter por vrios anos. E inicio uma travessia do deserto que ir durar 20 anos.

    De 1976 a 1977 assino um contrato com o Instituto de Tecnologia Educativa e integro-me, como operador de camra na

    equipa que transmite diariamente as lies da tele-escola. Depois disso o desemprego. Nessa altura resolvo escrever

    uma carta a Luis Bernardo Honwana que ocupava, penso, um cargo de ministro, oferecendo-me para voltar aMoambique e dar o meu contributo no desenvolvimento da cinematografia nascente moambicana. Mas no obtive

    qualquer resposta! No fao ideia se a carta chegou ao destino! Pouco tempo depois, inesperadamente, sou procurado em

    minha casa, no Porto, pelo Pedro Pimenta, pertencente ao Instituto Nacional de Cinema (INC) que se desloca a Portugal

    com o propsito de comprar uma cpia do Deixem-me ao menos subir s palmeiras que no existe. Entrego-lhe,

    sem custos, a cpia que tinha ficado em meu poder, no formato de 16mm. Sobre o meu possvel regresso a Moambique,

    nada avanado. Penso que no estava mandatado para negociar esse aspecto particular, partindo do princpio que

    conhecia a minha tentativa junto do Honwana manifestando-lhe o meu interesse em voltar!

    Logo a seguir, Camilo de Sousa aborda-me, informalmente, tentando saber se estava interessado em assinar um contrato

    de cooperante com o INC. Mas, nesse meio tempo, a minha sade havia-se degradado e resolvo no aceitar o convite.Sentia que no estava nas melhores condies, tanto fsicas como psquicas, para dar a minha melhor contribuio.

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    Posteriormente foram-me chegando notcias que, usando a cpia que lhes facultei, o filme era exaustivamente exibido

    em Moambique.

    Como define o modo como foi integrado no Cinema Novoportugus? Considera que, genericamente, foi posto

    margem pela elite dominante refiro-me a cineastas, crticos e historiadores de cinema?

    Sim, completamente, com a excepo do Jos de Matos-Cruz que acompanhou um bocado o meu penar pelas ruas de

    Lisboa, sempre que l ia, na esperana de poder abrir portas. Nenhum dos projectos que meti no Instituto Portugus de

    Cinema para o financiamento flmico de novas obras foi aprovado. Um deles era o Mayombe, de Pepetela. Constatei na

    altura que mexer nas feridas coloniais continuava a ser um problema difcil de ultrapassar.

    Rodagem de 'Deixem-me ao menos subir s palmeiras', de Lopes Barbosa

    No Deixem-me ao menos subir s palmeiras!h uma enorme influncia do cinema sovitico. Porqu esta

    opo quando procurou uma esttica que fosse entendida por um pblico africano?

    Na frica sob administrao portuguesa, at dcada de sessenta, o cinema era inexistente. Os colonos, e muito menos

    os africanos, jamais haviam produzido qualquer tipo de obra cinematogrfica (com excepo dos jornais de actualidades

    e os documentrios de propaganda). Quando se abriu a possibilidade de realizar o Deixem-me ao menos subir s

    palmeiras compreendi que a esttica que mais se adequava s imagens que queria filmar teria forosamente de passar

    pelos clssicos do cinema. Essa era a escola que iria permitir uma leitura do filme por um pblico iletrado, como era o

    caso do africano. Quem no compreende a fora das imagens de O couraado Potemkinee a sua gramtica? Pudovkin

    tambm me havia ensinado como escrever um argumento que no fosse complicado de entender. Inclusiv, os

    pblicos-alvo a quem os filmes se destinavam estavam muito prximos. bvio que no queria de maneira nenhuma

    imitar Eisenstein nem tinha recursos materiais para tal coisa. O que estava em causa era conseguir fazer um filme que

    pudesse ser sentido e percebido principalmente pela articulao e composio das suas imagens - se desligssemos o

    som, a inteno era conseguir o seu entendimento integral. Penso que isso foi conseguido.

    O projecto de fazer um filme de esttica africana e para um pblico africano antes da independncia de

    Moambique absolutamente singular. Pode explicar como surgiu essa vontade?

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    Fundamentalmente por raiva. Estava farto da porcaria que se fazia em Portugal em matria de cinema. Havia muito

    oportunismo e comiserao por parte das vrias geraes envolvidas na feitura dos filmes. Obras como aquelas que

    haviam sido produzidas nas dcadas de cinquenta e sessenta sob a gide do Estado Novo, bem como (algumas, para no

    dizer muitas) que traziam a chancela do Cinema Novo, eram intolerveis pelo seu artificialismo e pretensiosismo

    bacoco, que s servia para alimentar os egos dos seus autores! Era preciso coragem para romper com a produo dum

    cinema acomodado facilidade intelectual e aos vazios dos seus contedos.

    A finalizar, e em termos de remate, impunha-se dizer: Perdoai-lhes senhor por aquilo que fizeram no passado

    Neste caso particular,gostaria de dizer: Mexei Senhor nas conscincias de quem tem poder de deciso e capitais

    suficientes em Portugal ou em Moambique que me permita ser apoiado novamente para fazer um novo

    filme! Obrigado.

    Machamba, 'Deixem-me ao menos subir s palmeiras', de Lopes Barbosa

    por Maria do Carmo Piarra

    Afroscreen | 3 Outubro 2010 | cinema, deixem-me ao menos subir s palmeiras, joaquim lopes barbosa, moambique

    por MARIA DO CARMO PIARRA

    Maria do Carmo Piarra.

    Jornalista e autora de Salazar Vai ao Cinema. doutoranda em Cincias da Comunicao com uma investigao sobre o memorial

    flmico do colonialismo portugus durante o Estado Novo. Foi crtica de cinema na Premire, Sbado e Independente.

    Artigos do autor

    Catembe, de Faria de Almeida, em Coimbra

    Entrevista a Fonseca e Costa

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    Salazar vai ao cinema - A Poltica do Esprito no Jornal Portugus

    Catembe ou queixa da alma jovem censurada

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