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A cidade de Florianópolis, no litoral de Santa Catarina, é um dos destinos preferidos do turista brasileiro. Provavelmente a cidade mais conhecida do estado. Entretanto, motorista algum, a caminho da capital no sentido norte-sul da BR 101, terá deixado de notar a arquitetura marcante, as numerosas saídas, os anúncios a beira da rodovia, o movimento de entrada e saída de automóveis e a proximidade desconcertante com o mar de Balneário CONSULTOR: MURILO SCOZ Cidade Vitrina NOV 2011
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Balneário para os íntimos
Conhecida nacionalmente por suas belezas naturais, por suas numerosas praias e por
seu clima agradável, Balneário Camboriú se !rma também no cenário brasileiro como
sinônimo de desenvolvimento urbano, com seus prédios modernos, sua infraestrutura para o
turista e, principalmente, com sua vida noturna. Contato entre o natural e o arti!cial, a cidade
cresce verticalmente numa taxa de ocupação vertiginosa.
Localizado estrategicamente no litoral norte de Santa Catarina, às margens da BR 101,
o famoso balneário é retiro de verão habitual dos catarinenses, além de receber cada vez mais
turistas de todo o sul do país. Na última década, com o ganho de notoriedade dos grandes
clubes de música eletrônica, a cidade se converteu numa espécie de Meca brasileira do
turismo jovem e de eventos. Interessados especialmente nas numerosas opções noturnas da
cidade, nas megaestruturas a beiramar e no cardápio de DJs-celebridades que estampam os
releases dos clubes, jovens paulistas, gaúchos, paranaenses, matogrossenses, cariocas, além
de argentinos, uruguaios e até europeus elegeram a localidade como destino obrigatório.
Para este público, Balneário Camboriú se tornou “the place to be”: um signo cosmopolita do
desapego geográ!co adolescente. Uma cidade que é um pouco de várias outras, moderna,
tecnológica, estetizada, e que põe em contraste as belezas naturais com uma paisagem
urbana globalizada, internacional, com seus prédios longilíneos e espelhados, seus calçadões
ensolarados, seu próprio cristo e seu bondinho.
Apropriada pelos jovens (de todas as idades), a cidade diversão foi rebatizada para
referenciar tais valores, deixando de ser Camboriú (forma tradicionalmente adotada pelos
catarinenses em referência à localidade), pra tornar-se simplesmente “Balneário”. Perdeu-se
assim a ligação com o vocábulo tupi-guarani, e foram reforçadas as qualidades geográ!cas
com maior apelo turístico. Cidade descontração.
Cidade Vitrina
A cidade de Florianópolis, no litoral de Santa Catarina, é um dos destinos preferidos
do turista brasileiro. Provavelmente a cidade mais conhecida do estado. Entretanto, motorista
algum, a caminho da capital no sentido norte-sul da BR 101, terá deixado de notar a
arquitetura marcante, as numerosas saídas, os anúncios a beira da rodovia, o movimento de
entrada e saída de automóveis e a proximidade desconcertante com o mar de Balneário
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Camboriú. A poucos metros da estrada, a cidade não passa despercebida. Emoldurada pelo
oceano e pelos costões de mata atlântica, Balneário Camboriú foi construída pra ser vista. Os
mirantes, os passeios públicos, os altos edifícios, bem como o bondinho e as estações do
parque Unipraias reiteram esta ideia de uma cidade extremamente visual. Tanto ao longo da
BR 101 quanto em suas ruas, Balneário Camboriú é cidade imagem, pra ser consumida com os
olhos.
Como proposta urbana, Balneário parece pensada como passagem, não como
moradia. A brisa do mar, os prédios voltados ao horizonte, a maresia sobre os carros, as
roupas de passeio, os quiosques da orla, os grupos de jovens nas padarias pela manhã cedo, a
música sempre em alto volume dos automóveis ao longo de todo o dia, en!m, a atmosfera
essencialmente praiana está impregnada na alma da cidade. Em certa medida, é sobre esta
atmosfera que está assente a estratégia de posicionamento da marca “Balneário Camboriú”,
o que se pode perceber numa análise do discurso o!cial do município, emitido pela sua
secretaria do turismo. O órgão, encarregado da publicidade da cidade, alardeia com orgulho
que se trata da “Capital Catarinense do Turismo”, uma verdadeira “maravilha do Atlântico
Sul”1. Por mais ambicioso que tal projeto de marca possa parecer, em que pese a
concorrência com a capital catarinense (igualmente notória por suas belezas naturais e por
seus atrativos turísticos), Balneário Camboriú é das poucas cidades com potencial para
reclamar tal título, em especial no efervescente mercado do entretenimento noturno para os
jovens. Nestas cidades vitrinas, de relaxamento da ordem social e de fantasia, este público
des!la num jogo contínuo entre o ver e o ser visto. Com tanto conteúdo visual, os próprios
corpos acabam convertidos em imagens para o deleite dos olhos. Tatuagens, músculos,
decotes e outros tantos signos da juventude ajudam a construir um ambiente de
disponibilidade pueril à diversão e aos prazeres da vida.
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1 Disponível em http://www.secturbc.com.br/pt_index.php
A cidade destilada
Os espaços destinados ao entretenimento, espaços do lúdico e da diversão, operam
segundo a lógica da imersão. Segundo Huizinga, isto signi!ca que precisam introduzir seus
frequentadores numa nova ordem de coisas, ou seja, em mundo inteiramente diferente, com
regras, leis e normas particulares e claramente diferentes do mundo real, da vida cotidiana e
da rotina. No Brasil, um dos divertimentos preferidos dos homens adultos é o futebol com os
amigos, a tradicional e informal “pelada” semanal. Nestes eventos, encontramos todos os
aspectos mais marcantes do que Huizinga chama de lúdico. Vamos a alguns deles:
1 – Fuga da realidade cotidiana: mesmo que não estejam exatamente interessados no jogo
em si, ou na atividade física prevista no tradicional hobby, os homens parecem concordar que
o encontro de amigos é a perfeita situação para uma consentida quebra da continuidade da
vida adulta, ou seja, um momento socialmente aceito de confraternização fora das “coerções
matrimoniais”.
2 – Prazer cronometrado: contudo, como todo jogo (no sentido colocado por Huizinga para
o termo), tal fuga tem hora pra começar e pra acabar. Tal aspecto da diversão também é
defendido por Lipovetski, para quem o lúdico é um prazer cronometrado. Em outras palavras,
signi!ca dizer que a diversão, para ser divertida, precisa ser episódica: ter começo, meio e
!m. É isso que garante a euforia da espera e a frustração pelo !m.
3 – Suspensão de uma ordem pré-estabelecida: se há fuga, é necessário que haja também a
anulação da experiência do estado anterior, e isso é garantido, num ambiente de diversão
pela subversão dos chamados papéis narrativos. Num jogo de futebol, por exemplo, chefes e
empregados são momentaneamente igualados, confraternizam, invertendo seus papéis. Num
ambiente de jogo, lúdico, não valem as regras do mundo real.
4 – Instauração de uma nova ordem: já não nos parece estranho quando, ao frequentar
parques de diversão, zoológicos, casas noturnas... nos é exigida a troca de nossa moeda
corrente por uma “moeda temática”, só válida no estabelecimento em questão. Talvez o
melhor exemplo de tal dinâmica seja a compra de !chas em cassinos, que na saída podem ser
trocadas de volta por dinheiro “real”. Isso ajuda a sinalizar o que chamamos aqui de
estabelecimento de uma nova ordem, ou seja, a introdução de novos valores, regras, normas
e condutas que devem ser adotadas e respeitadas dentro do espaço lúdico. Elas têm a função
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de suspender o vínculo com o mundo real e reforçar a impressão de autonomia e
emancipação dos indivíduos durante o momento de diversão.
Estes quatro aspectos do lúdico, bastante recorrentes em uma série de atividades que
desempenhamos em nossas vidas, são "agrantes nos espaços de diversão jovem. Explicam,
por exemplo, as pulseiras que dão acesso aos clubes noturnos, que passam a ser aceitas no
lugar dos documentos convencionais, ou mesmo a maquiagem (apropriada para a balada, mas
não para o dia a dia), assim como as roupas e os decotes, verdadeiros uniformes da noite.
Chegaria a ser estranho para uma mulher não exibir em sua indumentária “de festa” os signos
de sua disponibilidade sexual, mas absurdamente inapropriado fora de tais ambientes. Por
conta também do estabelecimento de uma nova ordem pela supressão da anterior, o
consumo de álcool, de tabaco e de outras drogas sinaliza não apenas o afrouxamento de
certos preceitos morais, mas a criação de uma supra-moral, ou seja, de uma outra lógica.
Temos então, em termos semióticos, um espaço em que se dá a negação das interdições
legais (uma lassidão moral), e a legitimação do proibido, conforme destacado em vermelho no
esquema a seguir.
Proibido Aceito(Ilegal) (Moral)
Não aceito Não proibido(imoral) (legal)
Figura 1 – quadrado semiótico da proibição (em preto). Em vermelho, o percurso narrativo do lúdico.
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É fácil, portanto, reconhecer que nos ambientes lúdicos, o principal atrativo é a
suspensão do estatuto ordinário da vida cotidiana, ou seja, o gozo de se poder passar a fazer
o que normalmente é da ordem do proibido, dada a nova ordem das coisas.
A supressão de uma ordem anterior em função de uma nova passa, no lúdico, por
convincentes estratégias de imersão, ou seja, por acenos sensoriais poderosos, que buscam
uma forma de entorpecimento dos sentidos. Contribuem então para isso a penumbra dos
espaços, o bloqueio da audição pelo nível ensurdecedor da música, o frenesi da aglomeração,
as experiências gustativas (drinks exóticos que surpreendem pelas combinações cromáticas,
pelos acompanhamentos, acessórios, recipientes em que são servidos...), a excitação do olhar
com laser, estrobo, efeitos cintilantes... Pelo excesso, pela euforia, pela excitação e pela
convocação de múltiplas ordens sensoriais, uma “balada” de música eletrônica parece um
evento arquitetado para falar diretamente ao corpo. Aqui, o signi!cante [arquitetado] é
apropriado, dado o fato de que todos estes espaços são, sem sombra de dúvida, dispositivos
arquitetônicos arti!cialmente idealizados para proporcionar uma experiência extasiante e
multisensorial.
Isto é certamente válido para qualquer casa noturna, e tais conclusões apontam um
princípio geral organizador deste tipo de festa. Contudo, o Club Green Valley, objeto da
presente análise, parece concebido dentro de uma lógica bastante peculiar para o segmento
em que atua. Ocupando um maciço em área cuidadosamente preservada de mata atlântica na
região do Rio Pequeno, bairro refugiado de Balneário Camboriú, a construção (distante do
centro geográ!co da cidade) recupera em sua arquitetura propriedades bastante marcantes
do notório balneário. Em outras palavras, é metonímia da própria cidade, mimetizando, em
escala menor e altamente concentrada seus atributos urbanísticos, naturais e principalmente
os traços mais marcantes de sua trama social. Se falávamos, há pouco, de uma cidade vitrina,
temos aqui, dentro dos limites dos portões do clube, a mesma condição: um espaço pra ver e
ser visto. Pela dinâmica das interações sociais que tomam lugar no Clube Green Valley,
podemos concluir que sua proposta é a de sincronização com a marca da própria cidade, ou
seja, de criar um espaço de fuga e fantasia, um não lugar mítico e idealizado.
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A fuga para o vale e a lógica do acesso
No mercado da diversão, a commodity é a fuga. A seu modo, cada clube esforça-se
em oferecer um espaço para fantasiar e viver outra(s) vida(s), e onde se possa descolar-se
momentaneamente e de forma programática da própria trajetória. Se todo indivíduo é o
protagonista de sua própria narrativa, as experiências lúdicas do mundo contemporâneo nada
mais são que reviravoltas controladas. Em primeira análise, a natureza do serviço oferecido
num clube ou casa noturna se assemelha a daquela de parques de diversão. Contudo, num
mapa de avaliação de marca, certas especi!cidades acabam ganhando relevo, e a seguir
passaremos a discuti-las a partir da experiência de campo no Clube GreenValley. Segundo o
modelo proposto por Kapferer, podemos esquematizar o seguinte mapa de avaliação do
clube em questão:
commodity• fuga• diversão
produto• música eletrônica• bebida• roupas• souvenires• (...)
serviço• segurança• tendência• confraternização• booking de top DJ• (...)
Figura 2 – mapa de direcionamento de marca (adaptado de Kapferer)
De tal perspectiva, que busca pesar e estabelecer relações entre atributos tangíveis e
intangíveis em uma estratégia de branding, podemos observar que a proposta semiótica da
Green Valley, ou seja, seu core value, é a disponibilização de um ambiente lúdico e imersivo,
propício ao divertimento temporário de um público especí!camente interessado no
escapismo. Se tal achado não difere do que acontece em outros estabelecimentos, avançando
sobre as estratégias expostas pelo modelo, percebemos que a Green Valley assume um
posicionamento diferenciado no agenciamento das atrações musicais, o que é referenciado
tanto nas manifestações mais corriqueiras da marca (site, "yers e redes sociais) como é
repetido pelos próprios frequentadores. Sites especializados e revistas dedicadas ao universo
da música eletrônica con!rmam este diferencial, destacando a alta cotação dos músicos nos
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rankings mundiais. Temos então de!nido um primeiro atributo semântico relevante que
tipi!ca a especi!cidade da casa.
Entretanto, o que a pesquisa de campo indicou foi um conjunto de situações que
reproduzem, nos corredores, pistas e balcões do clube, um jogo franco e absolutamente
naturalizado por “exposição”, mas que parte de elaboradas estratégias de “acesso”.
Aprofundaremos, então, aquilo que chamamos até aqui de fuga temporária. Tal
conceito geral já não parece su!ciente para descrever as so!sticadas interações entre os
frequentadores da Green Valley. A permissividade e o comportamento pueril dão lugar a uma
série de protocolos sociais e de estratégias para uma espécie de conquista territorial. Do
portal de acesso principal (já dividido em três categorias distintas de clientes), até as entradas
da zona dos camarotes, às mesas e ao backstage, a estrutura da casa oferece diferentes
formas de obstáculos que devem ser vencidos para uma “progressão social”. Como todo
ecossistema social com sua própria ordem e lógica, um clube como a Green Valley é ocupado
por pessoas que buscam ascender socialmente, ou seja, alcançar níveis sociais mais
valorizados e, consequentemente, mais observados. É, portanto, uma lógica de visibilidade,
mas que passa por uma habilidade em percorrer, de forma e!ciente e progressiva, os
múltiplos níveis da casa. A pista principal, primeiro ponto em que se pode ter uma visão total
do ambiente, é também o espaço livre, de acesso comum e sem restrições. Uma vez dentro
do clube, é o lugar comum. de lá, a maioria contempla as outras áreas, cujo acesso é então
restrito. Para passar ao espaço das mesas, dos camarotes e do backstage, é necessário
comprovar o pertencimento ao “clube”, nome apropriado que adotado pela casa.
Em outras palavras, o signi!cante [clube], empregado pela Green Valley para situar
seu interlocutor da natureza de seu empreendimento, guarda uma íntima relacao com a ideia
de confraria, ou seja, reunião de confrades ou pares, com mesmo interesse, per!l
socioeconômico ou aquisitivo. E a ascensão nesta hierarquia (velada), se dá por meio de uma
rede de relações. O acesso a cada nível imediatamente superior é diligentemente
resguardado por seguranças da casa, ou seja, a separação é também um serviço ofertado e
muito bem administrado. Transita livremente apenas um grupo seleto de frequentadors,
enquanto aglomerações se formam nestes gargalos. Liberando ou não o acesso, o seleto
grupo goza, autorizado pelo destinador externo (a administração), de um poder fazer. Isto
signi!ca que a detenção de uma mesa, camarote ou espaço no backstage é, igualmente, um
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dispositivo de controle dos acessos e do transito dos indivíduos, ou seja, o poder de
promover ou interditar a ascensão dos postulantes ao espaço do grupo seleto.
Por conta desta dinâmica brevemente descrita no parágrafo anterior, se estabelece a
segunda dimensão das interações que buscamos caracterizar, e que identi!camos como da
ordem da visibilidade. O acesso a estes espaços restitos é, também, um acesso aos pontos de
maior visibilidade dentro do clube. Em grande parte, é isso que explica a topologia do lugar,
estruturada em níveis de altura distintos, que permitem ao público (num nível mais baixo)
observar os indivíduos nos níveis mais elevados. Desta forma, esta arquitetura reproduz a
vitrinização das diferenças de classe, de poder aquisitivo e de aceitação, o que é sempre uma
questão de fundo num ambiente de interação social.
Este principio arquitetônico é repetido nas instalações da loja GV, microcosmo
glamourizado que concretiza a proposta da marca dentro da própria casa. Interessante notar
que o ponto escolhido para a loja, ao !nal do corredor de passagem para a pista principal,
!ca no caminho obrigatório dos frequentadores, o que pode ser entendido como uma
estratégia de marketing para potencializar as vendas. Entretatno, o desdobramento semântico
desta escolha nos parece mais importante, pois diz respeito a mesma ideia de vitrinizacao que
a Green Valley oferece a seus clientes. Isso é reforçado pelo aspecto da loja, cintilantemente
iluminada e aberta de cima abaixo com longas folhas de vidro, permitindo uma visão
privilegiada de seu interior. Desta forma, podemos concluir que é, mutatis mutandis, outra
vitrina, disponibilizada para compradores serem vistos. Com seu aspecto de aquário,
iluminada, translúcida e colorida, a loja é um test drive do que se avizinha logo adiante.
Bem vindo ao clube
De dentro, alguns aspectos singulares saltam aos olhos dos frequentadores:
- Saltos platafórmicos. Equilibradas indiferentes em suas sandálias abertas, as
mulheres atravessam as aglomerações e o terreno acidentado do vale verde como se
buscassem planar sobre a média. Reiteração vestimentar da ideia de ser visto.
- Iniciada a festa, o movimento da multidão é determinado pelo ritmo das músicas. O
volume exageradamente alto (sentido no corpo inteiro) põe o corpo para vibrar, o que não
tme aqui signi!cado metafórico. O poder das caixas de som literalmente afeta o corpo,
impactando na pele, o que reforça o sentido de imersão e descolamento da realidade. Transe
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coletivo, encenado pela dança absenteísta do DJ, muitas vezes alheio ao que se passa diante
de si mesmo. ele dita o ritmo e mostra, com seu próprio corpo, a conduta a ser adotada.
- Muitas marcas por todos os lugares, espalhadas em luminosos, guardanapos,
cartazes, mesas, copos, garrafas, e principalmente nas roupas, importadas na maioria. Isso
reforça laços tribais, de grupo e estabelece canais de identi!cação e a!nidade. Além disso,
constrói uma iconogra!a euforizante, que aumenta a disposição e a permissividade ao
consumo, ao gasto e à conduta perdulária. nesse sentido, a estrutura de uma casa como esta
é semelhante a de templos de adoração religiosos, em que imagens e projeções do divino
também são apresentadas para motivar o contato com o sublime. Marcas, como divindades
materializadas, são ferramentas de contato com o a utopia, com um mundo que ainda não foi
acessado.
- Reforçam a ideia de rito coletivo e tribal: o aspecto de caverna/tenda/acampamento,
com fendas que permitem entrever a exuberância do local, assim como a fumaça (dispositivo
visual e olfativo ativado pelo próprio DJ), a rica vegetação, as luzes inconstantes e erráticas
(como relâmpagos que cortam o ar de maneira inesperada), etc. Da mesma forma, assim
como nas dinâmicas das tribos, o grupo se organiza em torno de uma eminência, autoridade
ou representante célebre instituído. Se nas tribos e comunidades vem à mente a !gura do
pajé, do cacique ou do líder espiritual, num clube como a Green Valley as atenções se dirigem
ao DJ, misto entre mestre de cerimônias e celebridade internacional, que em contato com o
"alhures", traz para a pista aquilo que se deve escutar. Reitera-se o conceito do templo, da
adoração e do contato com o divino (aqui no sentido do sublime, do valor maior) e o
arquétipo do sacerdote.
- A posição do clube no ranking internacional de casas noturnas está em destaque no
palco, o que passa a ideia de um enunciador (aquele que fala) orgulhoso e cioso de sua
competência.
- Imagens de cenas urbanas no telão, de instalações de arte abstrata e muito light
painting embaralham a percepção visual dos limites do ambiente, seguindo a estética das
alucinações lisérgicas, o que certamente acaba potencializado pelo consumo livre e volumoso
de bebidas alcoólicas e de outras substancias entorpecentes.
- Do camarote, as pessoas observam a pista de forma contemplativa e desinteressada.
Quase um olhar acidental. Da pista, parte um olhar interessado e em varredura, como de
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busca ou caça. Se as pessoas estão lá para se exibir, parece haver uma acordo tácito de que
elas serão olhadas.
- A noite começa com observação, poses, passinhos contidos. Muitos óculos de sol,
no rosto, na cabeça e nos colarinhos. Todo objeto tirado de contexto recebe novo sentido, o
que signi!ca que na noite, ao invés de proteger os olhos, os óculos se prestam a proteger
quem olha, ou seja, permite a ele falsear a direção do olhar.
- Plasticamente, a tenda de cobertura (que mimetiza a estrutura de circos, ou seja,
outro espaço de diversão e de ludicidade), com suas trelicas em forma de escada, joga com o
aberto e o fechado, o coberto e o descoberto, reconstruindo uma nova dimensão para o jogo
do ver e do ser visto já discutido. Desta vez, o objeto da observação é o esconder/mostrar
entre o natural e o arti!cial, as estrelas e as luzes do laser, etc. no mesmo sentido, a própria
estrutura dos camarotes é revestida com vidro, que deixa ver, de uma posição inferiorizada,
aqueles numa condição/posição privilegiada.
- A mesma lógica opera no jogo óptico controlado pela música, que aciona diferentes
qualidades cromáticas e visuais de luzes. Estas entrecortam a penumbra com clarões,
deixando ver, efemeramente, aquilo que até então permanecia escondido. Plasticamente,
podemos classi!car isso de uma descontinuidade acidental da invisibilidade, ou seja, um
esconder que subitamente se mostra, repentino e fugaz.
- O mais individual dos ritos coletivos.
- Traços sensoriais marcantes: no banheiro masculino, o sabonete é espumoso. Signo
de so!sticação, o produto em questão também guarda propriedades sensoriais mais
relacionadas ao erótico, por sua maior viscosidade, sua aparência e seu volume.
- Em cima das mesas, nas bandejas dos garçons e nas mãos dos clientes, pequenos
frascos de bebida como tubos de ensaio, de onde emergem vapores de cores distintas, e que
servem de recipientes para elixires de fórmulas inusitadas.
- Diferente do que acontece nas ruas e na vida cotidiana, as regras da proxêmica são
completamente ignoradas nestes espaços, e o que se experimenta é uma aglomeração
voluntária de pessoas. Com metros quadrados disputados de toda forma, percebe-se que
uma balada é, de certa forma, uma interação social em torno do território. Temos
demarcações formais e sancionadas pelo “poder instituído” (gerência), mas as demarcações
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não-o!ciais (mas legitimas) das rodas de garrafas, bolsas e outros objetos, dispostos
organizadamente no chão, ao redor do que gravitam grupos de amigos.
- Trânsito intenso ao backstage, “the place to be”. De for a, na porta dos espaços
VIPs, meninas "ertam com quem de dentro seleciona.
- Em meio a tantas distrações, tantas imagens, tantos signos, tanto movimento e tanta
ação, alguns rituais servem para chamar a atenção para um determinado espaço num
determinado momento. É o caso do ritual do balde de espumantes, cuja pirotecnia garante
alta visibilidade. Não é uma movimentação para passar em branco, mas para ser vista. Algo
que parece pensado para não correr o risco de passar despercebido: um espetáculo individual
e uma demonstração ostentatória.
- Haréns em torno da bebida. Sultões e suas escolhidas gravitando nas garrafas e
pulseiras. 3 a 4 mulheres por homem nos espaços VIPs.
- Signos de acesso: chaves de entrada, chaveiros para fora dos bolsos com marcas de
grife, marca do destilado Passport, pulseiras, adereços, corpos a mostra, músculos, sandálias
altíssimas, imagens de divindades de outras culturas, vidro, escadas (praticamente toda
mudança de ambiente se dá com degraus) e o imenso corredor que separa a entrada da pista.
commodity• fuga• diversão
produto• música eletrônica• bebida• roupas• souvenires• (...)
serviço• segurança• tendência• confraternização• booking de top DJ• (...)
experiência• acesso• exibição
Figura 3 – mapa de direcionamento de marca atualizado (adaptado de Kapferer)
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Conclusões/Diretrizes estéticas e semânticas
- Hedonismo.
- Público: Narcose: experiência que se sente, que atua no corpo, que afeta os órgãos
do sentido e faz o corpo vacilar, sinestésica. Proximal, subjetiva, sensível, emocional.
- Administração: Cosmética (contrário de narcose): experiência para o olho, para ser
vista, não vivida. Distanciada, objetiva, comparativa, racional.
- Convulsão
- Anulação do ser, asserção do parecer
- Privilegiar o querer ser visto (exibicionismo) + não querer não ser visto (indiferença)
- Ao invés de denotar um embate entre natural x arti!cial, construir indicativos de uma
combinação ou de uma anulação dos limites entre as duas dimensões, reconciliadas num só
espaço, a um só tempo.
- Espaço de adoração, transe e escapismo. Vale de contato com a natureza e com o
transcendental.
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