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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas Gabriela Perrelli de Melo Recife 2017

DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E … PERRELLI DE MELO DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de inconstitucionalidade

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de

inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas

Gabriela Perrelli de Melo

Recife

2017

GABRIELA PERRELLI DE MELO

DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de

inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco como requisito parcial de obtenção do grau de mestre. Orientador: Gustavo Ferreira Santos. Co-orientador: José Mário Wanderley Gomes Neto.

Recife

2017

GABRIELA PERRELLI DE MELO

DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de

inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas

DEFESA PÚBLICA em

Recife, _____ de ________________ de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Presidente e orientador: Gustavo Ferreira Santos

__________________________________________________

Co-orientador: José Mário Wanderley Gomes Neto

__________________________________________________

Examinador externo: Gabriela da Silva Tarouco

__________________________________________________

Examinador interno: Flávia Danielle Santiago Lima

__________________________________________________

Recife

2017

Aos meus pais e irmãos: tudo.

AGRADECIMENTOS

Por esta etapa agora concluída, agradeço a Deus e a todos os que para ela

contribuíram. Aos meus colegas de curso, às minhas grandes amigas, à minha família,

de valor imensurável. Também àqueles que se tornaram da família. Devo, porém,

agradecer não apenas por esta etapa, mas por tudo o que ela agrega e revela consigo.

Obrigada pela influência, pela parceria, pelo incentivo.

Agradeço aos professores e servidores da Pós-Graduação em Direito da

Universidade Católica de Pernambuco: o programa foi uma experiência maravilhosa

e isso se deve a vocês. Aos servidores, por toda atenção e auxílio; aos professores,

pelo enriquecimento intelectual proporcionado. Em nome de todos estes, agradeço ao

meu orientador Gustavo Ferreira Santos, que também foi de grande importância pelo

apoio no desenvolvimento desta pesquisa e dedicação concedida a mim.

Para o meu crescimento durante o mestrado e na elaboração deste

trabalho, muitos amigos e colegas foram de grande valor, desde a preparação do

projeto de pesquisa até os momentos finais destes últimos dois anos, de entrega e

defesa pública. Nesse sentido, agradeço muito a José Mário Wanderley, que,

ademais, foi o responsável por me introduzir no mundo da pesquisa científica e se

demonstrou um grande parceiro na construção de projetos acadêmicos, sempre

disponível para discutir ideias e assessorar-me. Também grata sou a Flávia Santiago

Lima pela inspiração pessoal e profissional, pelas contribuições e pela oportunidade

de dialogar e aprender. Obrigada a Gabriela Tarouco, não apenas pelos estudos

publicados, os quais constituem meu marco teórico desde a graduação, mas também

pelas intervenções feitas nesta pesquisa, de grande relevância para os ajustes finais

do trabalho. Agradeço profundamente a Laura Valença, a Ruy Ovidio Perrelli de Melo,

a Tassiana Oliveira e a André Faro pelos auxílios necessários, sempre prestados com

muita satisfação. Pelo apoio e incentivo, tenho, também, um coração muito grato pelas

amizades que fiz no colégio e na faculdade, as quais têm sido confirmadas pelo tempo

como verdadeiras e preciosas bênçãos. No mestrado, Deus me agraciou com uma

turma incrível, de tamanha solidariedade e humildade, que fez destes últimos anos

ainda mais especiais, enriquecedores e leves, a quem aqui também presto meu

carinhoso agradecimento.

Aos meus pais, toda gratidão do mundo.

“Os pontos de vista políticos dominantes na Corte nunca são por muito tempo fora de sintonia com os pontos de vista dominantes entre as maiorias legislativas” (DAHL, 1957)

RESUMO

Quais as reações do Supremo Tribunal Federal quando acionado pelos

pequenos partidos políticos? A literatura constitucional costuma definir a Corte como

a terceira arena para o debate de interesses daqueles que perderam na deliberação

de decisões relevantes, tomadas pelas maiorias legislativas. Nesse sentido, o Tribunal

funcionaria como uma balança no jogo democrático, a fim de proteger minorias,

revertendo as decisões das maiorias políticas. A presente pesquisa propõe uma

estratégia empírica, a fim de verificar se, de fato, o STF é ativista e reverte as decisões

das maiorias, atuando em favor dos pequenos partidos. Foram selecionadas as ações

diretas de inconstitucionalidade propostas entre 1988 e 2015 pelas pequenas

agremiações, submetendo-as a uma análise qualitativa-quantitativa tanto no que se

refere aos temas submetidos à justiça constitucional quanto às respostas da Corte, a

como ela decide. Variáveis categóricas foram escolhidas e, posteriormente, a elas

aplicados instrumentos de estatística básica. Há algumas diferenças nas preferências

de submeter alguns temas entre os pequenos partidos e o PT e o PMDB, porém, de

uma maneira geral, a pauta das pequenas agremiações muito se assemelha à dos

grandes partidos. O quantitativo da taxa de improcedência corresponde a quase o

quádruplo do número das ações julgadas como procedentes.

Palavras-chave: representação. Ativismo judicial. Controle de constitucionalidade.

ABSTRACT

What reactions does the Brazilian Supreme Court (Supremo Tribunal

Federal – STF) have when called upon by the small political parties? The constitutional

literature often defines the Court as the third arena for debating the interests of those

who have lost in the deliberation of relevant decisions, made by the legislative

majorities. This way, the Court of Justice would work as a balance point in the

democratic game, in order to protect the minorities, reversing the decisions made by

the political majority. The present research proposes an empiric strategy, with

the purpose of verifying if, in fact, the STF is an activist Court and reverts the decisions

made by the majorities, acting in favor of the small political parties. The research

selected lawsuits, called ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs), proposed by

the small parties between 1988 and 2015 and submitted them through a qualitative-

quantitative analysis in either aspects of the topic submitted to the constitutional justice

and the Court's responses. It chose categorical variables and, subsequently, applied

to them basics statistical instruments. There are some divergences in the preferences

of submitting some topics between the small parties and the PT and PMDB, although,

in a generic way, the agenda of the small parties has many similarities with those from

the bigger parties. The not upheld rate corresponds to almost four times the upheld

rate.

Keywords: representation. Judicial activism. Judicial review.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADIN – Ação direta de inconstitucionalidade

CF – Constituição Federal

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PHS – Partido Humanista da Solidariedade

PL – Partido Liberal

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PP – Partido Progressista

PPS – Partido Popular Socialista

PRB – Partido Republicano Brasileiro

PRP – Partido Republicano Progressista

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSC – Partido Socialista Cristão

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSL – Partido Social Liberal

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PST – Partido Social Trabalhista

PT – Partido dos Trabalhadores

PTC – Partido Trabalhista Cristão

PTR – Partido Trabalhista Renovador

PTdoB – Partido Trabalhista do Brasil

PV – Partido Verde

STF – Supremo Tribunal Federal

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01. ADINs dos partidos pequenos ................................................................ 71

Gráfico 02. ADINs do PMDB ..................................................................................... 72

Gráfico 03. ADINs do PT ........................................................................................... 73

Gráfico 04. ADINs PT e PMDB em contraste ............................................................ 74

Gráfico 05. ADINs dos pequenos partidos propostas no período 1999-2002 ........... 79

Gráfico 06. ADINs ajuizadas pelo PSL ao longo dos anos ........................................ 80

Gráfico 07. Resultado das ações ajuizadas pelos partidos pequenos ...................... 83

Gráfico 08. Relação das ADINs dos pequenos partidos julgadas procedente de acordo

com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas ........... 87

Gráfico 09. Análise da variável categórica “improcedente” dos partidos pequenos .. 89

Gráfico 10. Análise da subcategoria “prejudicada” das ADINs dos partidos pequenos

.................................................................................................................................. 91

Gráfico 11. Relação das ADINs dos pequenos partidos extintas por perda de objeto

de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas

.................................................................................................................................. 96

Gráfico 12. Relação do número das ADINs que ainda estão aguardando julgamento

com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações .......................... 98

Gráfico 13. Relação do número das ADINs – acrescidas daquelas de decisão pela

perda de objeto reconsiderada – que ainda estão aguardando julgamento com o ano

em que foram propostas pelas pequenas agremiações. ........................................... 99

Gráfico 14. Resultados das ações ajuizadas pelo PMDB. ...................................... 101

Gráfico 15. Exame da variável categórica “improcedente” do PMDB. ..................... 102

Gráfico 16. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PMDB. ............... 103

Gráfico 17. Resultados das ações ajuizadas pelo PT ............................................ 105

Gráfico 18. Análise da variável categórica “improcedente” em sentido amplo do PT

................................................................................................................................ 106

Gráfico 19. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PT ...................... 107

LISTA DE QUADROS E DE TABELAS

Tabela 01. Relação de partidos pequenos e o número de eleições que ganhou uma

cadeira no Senado ou até cinco na Câmara dos Deputados .................................... 62

Quadro 01. Variáveis categóricas propostas para os temas das ADINs. .................. 68

Tabela 02. ADINs dos partidos pequenos por legislatura ......................................... 69

Tabela 03. ADINs PT, PMDB e partidos pequenos em contraste. ............................ 75

Tabela 04. Classificação ideológica dos partidos pequenos. .................................... 77

Tabela 05. Contraste das ADINs dos pequenos partidos, agrupados segundo sua

ideologia .................................................................................................................... 78

Quadro 02. Variáveis categóricas de julgamento das ações ..................................... 83

Tabela 06. Detalhes das ADINs dos pequenos partidos que tiveram liminar concedida

.................................................................................................................................. 85

Quadro 03. Subcategorias da variável “improcedente” ............................................. 89

Tabela 07. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelos

pequenos partidos ..................................................................................................... 93

Tabela 08. ADINs julgadas extintas por perda superveniente de legitimidade ativa que

foram, depois, reconsideradas e agora se encontram aguardando julgamento ........ 99

Tabela 09. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo

PMDB ...................................................................................................................... 103

Tabela 10. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT,

no que se refere às Medidas Provisórias julgadas após setembro de 2001 ........... 108

Tabela 11. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT,

no que se refere às Medidas Provisórias julgadas antes de setembro de 2001 ..... 109

Tabela 12. Análise da subcategoria “perda de objeto” das demais ADINs propostas

pelo PT, excluídas as que impugnam Medidas Provisórias .................................... 112

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16

1 PARTIDOS POLÍTICOS, DEMOCRACIA E TEORIA DA REPRESENTAÇÃO ...... 20

1.1 As regras do jogo democrático: apresentando o tema ...................... 20

1.2 O que seria representar? ....................................................................... 21

1.3 Qual a relação do princípio representativo com a democracia? ........ 26

1.4 O momento posterior à deliberação ...................................................... 30

1.5 Por que partidos políticos? ................................................................... 34

1.6 O princípio de maioria e a proteção às minorias ................................. 39

1.7 Sobre as regras do jogo político democrático antes da interferência do

STF ................................................................................................................. 41

2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ATOR POLÍTICO ........................... 44

2.1 Uma introdução à continuidade do jogo .............................................. 44

2.2 O fenômeno da judicialização................................................................ 45

2.3 A premissa contramajoritária da Corte ................................................. 48

2.4 Entre ativismo e autocontenção ............................................................ 54

2.5 Como decide o Tribunal? ....................................................................... 56

2.6 Entendendo as respostas da Corte ....................................................... 59

3 ESTRATÉGIA EMPÍRICA ...................................................................................... 61

3.1 Introduzindo o desenho da pesquisa .................................................... 61

3.2 Quem são os pequenos partidos? ........................................................ 61

3.3 Metodologia de pesquisa ....................................................................... 63

3.4 Hipótese ................................................................................................... 64

4 O QUE OS PARTIDOS ESTÃO PROPONDO? ..................................................... 67

4.1 Quais seriam os temas das ações diretas de inconstitucionalidade

ajuizadas pelos partidos políticos? ............................................................ 67

4.2 Considerações sobre os temas encontrados ...................................... 81

5 COMO O STF RESPONDE? ................................................................................. 83

5.1 Quais os outputs da judicialização? ..................................................... 83

5.2 “Liminar concedida” e “procedente” .................................................... 84

5.3 “Improcedente” ....................................................................................... 88

5.4 “Aguardando julgamento” ..................................................................... 97

5.5 Respostas ao PMDB ............................................................................. 100

5.6 Respostas ao PT ................................................................................... 105

5.7 A Corte é, afinal, ativista ou autocontenciosa quanto às demandas dos

partidos políticos? ...................................................................................... 114

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 118

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 122

16

INTRODUÇÃO

Aos juízes, nos Estados Unidos, e às Cortes Constitucionais, na Europa,

foi conferida a prerrogativa de revisar os atos dos poderes Legislativo e Executivo, a

fim de manter-se uma unidade do ordenamento jurídico. No Brasil, essa atividade

pode ser desempenhada por juízes ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através

de mecanismo de retificação denominado controle de constitucionalidade.

No Brasil, a inconstitucionalidade pode ser apreciada por todo o aparelho

judiciário (controle difuso) ou pelo Supremo Tribunal Federal (controle concentrado).

Logo, em termos gerais, o lugar da decisão é que define o tipo de controle efetuado

(CARVALHO, 2005, p. 75). O controle de constitucionalidade brasileiro é, desse modo,

misto, pois demonstra influências austríacas e norte-americanas.

O mecanismo de retificação possibilitou, no Brasil, ao Judiciário influenciar

nas decisões tomadas pelos outros poderes. Os juízes, portanto, tornaram-se também

atores políticos, especialmente o STF, que passou a acumular ao menos duas

funções: é órgão de cúpula e Corte Constitucional.

Criou-se uma nova arena para os debates: o Judiciário. Por conseguinte,

aos dissidentes da maioria, então perdedores nos debates políticos, fora dada a

possibilidade de se insurgirem e defenderem por mais outra vez os seus interesses.

Concedeu-se às minorias uma nova chance ao oferecer a legitimidade para acionar o

mecanismo abstrato a diversos atores políticos, jurídicos e sociais, que atuariam como

representantes delas.

Desse modo, com o controle, tornou-se comum afirmar não apenas no

Brasil, como também a nível mundial, a Corte como o poder contramajoritário: o

Tribunal ofereceria às minorias a oportunidade de vencer as maiorias legislativas,

equilibrando a balança política das relevantes decisões para a coletividade.

O argumento teórico, portanto, é de ser a Corte um poder contramajoritário.

A grande literatura que intenta compreender o papel da Corte no jogo democrático

afirma ter ela esse caráter e essa função de ser o outro lado da balança política.

Alexander Bickel e John Hart Ely são grandes nomes nesse sentido.

Uma coisa, porém, é ser o Tribunal contramajoritário e outra é ser ele

ativista ou autocontencioso. A autocontenção e o ativismo seriam as faces ou assim

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denominados os modos comportamentais possíveis das decisões proferidas pela

Corte, como modo de resposta à judicialização. Ativista é o juiz que interpreta a

Constituição, expandindo seu sentido e alcance. Por sua vez, entende-se o fenômeno

da judicialização como aquele correspondente à atitude de levar ao Tribunal questões

para serem por ele apreciadas. O controle possibilita, desse modo, a judicialização.

Uma Corte, de modo geral, pode assumir comportamento ativista e contramajoritário,

ou autocontencioso e contramajoritário, ou ainda ativista e majoritário. As diversas

combinações são possíveis.

É preciso advertir para essa diferença, não obstante o conceito dos

adjetivos ativista e contramajoritário possam se confundir quando se trata da Corte

decidindo sobre demandas propostas por partidos políticos. Ocorre que, como as

agremiações recorrem à justiça constitucional a fim de reverter as decisões

legislativas ou do Executivo (TATE, 1997) – ou, ainda que não revertam, como

estratégia política para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição

(CARVALHO et al, 2012; TAYLOR e DA ROS, 2008) –, há um pressuposto implícito

de que as agremiações se tornam requerentes no controle porque perderam no

debate político, então decidido pelo critério de maioria. Logo, o pressuposto é no

sentido de os partidos que ajuízam ações diretas de inconstitucionalidade

corresponderem a um grupo dissidente no momento da deliberação no Legislativo e

Executivo; um grupo sem força expressiva para fazer valer seus interesses e, nesse

sentido, uma minoria – “minoria deliberante”.

Mais recentemente, contudo, alguns estudos empíricos – especialmente na

área da Ciência Política – têm concluído por um comportamento seletivo por parte do

STF. Em alguns momentos, a Corte tende para a autocontenção. Aqui reside o

primeiro argumento para a justificativa deste trabalho: a relevância de se conhecer a

realidade prática do Supremo Tribunal Federal e perceber se ela corresponde à teoria

dominante. As recentes conclusões quanto à categoria são novas para o Direito e o

debate necessita ser retomado nesta ciência, juntamente com as suas premissas

tradicionais.

Entre os possíveis requerentes capazes de formular questões para discutir,

pela via direta, sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, destacam-se,

como já antecipado, os partidos políticos. As agremiações correspondem a um dos

atores responsáveis por mais ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (ADINs)

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durante os primeiros quatorze anos da Constituição Federal de 1988 (CARVALHO,

2009). Elas estariam autorizadas a demandar o STF independentemente do tamanho

que possuam (pequenas ou grandes), bastando apenas que cumpram o requisito de

ter ao menos um representante no Congresso Nacional.

Essa ampla legitimidade dos partidos políticos leva à segunda parte da

justificativa deste trabalho: a análise da categoria específica dos pequenos partidos

políticos. Muito embora as pesquisas de Ciência Política tenham tratado, ainda que

de maneira indireta, das taxas de deferimento e declaração de inconstitucionalidade,

não há estudo dedicado à categoria das pequenas agremiações. Quando a relação

entre partidos e STF é examinada, analisa-se apenas os partidos em geral, colocando

todos em um mesmo bloco (CARVALHO, 2005); ou foram feitas inferências a partir

da relação do Supremo com as nove maiores agremiações (TAYLOR e DA ROS,

2008). Não há diferenciação de tratamento. Por conseguinte, não são discutidas

eventuais implicações decorrentes do tamanho da agremiação.

Portanto, diante da literatura constitucional referente ao papel majoritário

da Corte, no Direito, e da inédita abordagem da relação entre Supremo e partidos

pequenos, na Ciência Política, insurge-se a relevância deste trabalho. Ele possui o

objetivo de analisar o comportamento do Tribunal diante das demandas propostas

pelas pequenas agremiações, e, consequentemente, se a Corte seria, de fato, uma

arena interessante para a discussão dos interesses dos partidos de pequenas

bancadas. Propõe-se, para tanto, uma pesquisa de ordem empírica qualitativa-

quantitativa, cujo problema pode ser identificado como: quais as reações do Supremo

Tribunal Federal quando ele é acionado pelos pequenos partidos políticos?

Trabalha-se com as minorias partidárias, significando a menor parte do

parlamento. Ao utilizarem o controle de constitucionalidade como meio de defender

seus interesses, há um pressuposto de que essas minorias são também grupos que

perderam na deliberação legislativa ou no Executivo, pois a regra para a tomada de

decisão na democracia corresponde ao princípio de maioria. As minorias não

correspondem aqui necessariamente a grupos vulneráveis, muito embora haja um

pressuposto implícito de que os interesses desses grupos vulneráveis estejam sendo

defendidos por algum dos partidos examinados.

Quanto à execução da pesquisa, há primeiramente uma etapa teórica, à

qual se dedicam o primeiro e o segundo capítulos. No primeiro deles, são definidos

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conceitos do jogo democrático e expostas as regras anteriores ao envolvimento da

Corte nas questões políticas. No segundo capítulo, examina-se o Tribunal como ator

político, bem como o fenômeno da judicialização.

O capítulo terceiro explana os aspectos metodológicos aplicados às

análises desenvolvidas no quarto e quinto capítulos. Adianta-se que, a fim de saber

se o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma Corte ativista no que se refere aos

pequenos partidos políticos – logo, se a arena judiciária é interessante para o debate

das agremiações, conforme fora pensada pela engenharia constitucional –, duas

análises são enfrentadas: a) identificar o que as agremiações estão propondo; b)

verificar se elas estão ganhando as demandas que submetem ao crivo constitucional,

sob a forma de ação direta de inconstitucionalidade. Cada uma dessas análises

corresponde a um capítulo específico (o quarto e o quinto, respectivamente). Foram

analisadas as ADINs propostas por partidos no período de 1988 a 2015.

Em relação à primeira análise, os temas encontrados são categorizados e,

em seguida, quantificados com instrumentos de estatística básica. Posteriormente, o

resultado referente aos pequenos partidos é comparado com aquilo que se observa

quanto aos grandes (representados pelo PT e pelo PMDB).

Para a segunda análise, trabalha-se com as variáveis categóricas

“procedente”, “improcedente”, “liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Com

elas, é feita uma análise qualitativa, de cunho exploratório-descritivo, das decisões

das ADINs propostas pelos pequenos partidos. Os achados também são

posteriormente codificados, recebendo tratamento de estatística básica.

Desse modo, a codificação dos resultados qualitativos permite descrever o

comportamento da Corte em relação aos partidos a fim de se saber se o STF é, afinal,

ativista ou autocontencioso nas decisões que profere no âmbito das demandas

submetidas por esses atores políticos.

20

1. PARTIDOS POLÍTICOS, DEMOCRACIA E TEORIA DA REPRESENTAÇÃO

1.1 As regras do jogo democrático: apresentando o tema

O princípio representativo foi introduzido como elemento essencial das

democracias modernas no fim do séc. XVIII. Apresentou-se como resposta às

demandas revolucionárias daquela Era marcada pela afirmação dos direitos naturais

da pessoa. A coisa pública não mais poderia ser conduzida como no Antigo Regime,

em virtude dos novos arranjos econômico, político e social das revoluções Francesa,

Americana e Industrial Inglesa (MENDES, 2007, p. 143-144). Nesse sentido, dada a

nova realidade, resgata-se a ideia de democracia sob novos contornos.

A democracia surge na antiguidade ocidental como o autogoverno do povo

(HELD, 2001). Indivíduos discutiam e votavam as principais questões de seu

interesse, velando pela liberdade e igualdade. A complexa estrutura das sociedades

modernas, contudo, tornou difícil a contínua manifestação popular direta e imediata:

cada vez mais complicado, em virtude da existência de colégios eleitorais

numerosíssimos e de decisões de interesse público muito frequentes, reunir um

grande número de pessoas em um único lugar, para que se soubesse rapidamente

qual a sua vontade (HAMILTON et al, 1948; MILL, 1954; DALLARI, 2010, p.152).

Surgiu a ideia de representação. Representantes seriam eleitos pelo povo para

governar para o povo.

Ao negar o absolutismo e o Estado autocrático, pleiteava-se colocar em seu

lugar um governo no qual estivesse garantida a participação política do maior número

possível de interessados. O Estado de Direito foi, por conseguinte, defendido:

acreditava-se, com as leis, ser possível garantir a participação popular nas decisões

de cunho político, bem como as liberdades individuais e a igualdade jurídica. As leis

regulariam o “jogo democrático” (BOBBIO, 1986; BOVERO, 2002).

Para Bobbio, o “jogo político democrático”, tal como qualquer outro jogo,

apresenta regras. Mais precisamente, a democracia corresponde a “um conjunto de

regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista

e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (BOBBIO, 1986, p

12). Por conseguinte, nas regras do jogo democrático estão previstos quem são os

seus atores principais, bem como encontra-se disciplinado o principal modo de fazer

21

política: as eleições (BOBBIO, 1986, p. 68-69). Neste sentido, os principais atores no

jogo democrático representativo corresponderiam aos partidos políticos.

Na necessidade de criar formas de mediação capazes de organizar e

traduzir os interesses e vontades dos cidadãos, constituíram-se como uma boa

alternativa os partidos políticos. As agremiações seriam orientadas ideologicamente,

visando interesses coletivos – “o mandato deve ser concebido como independente,

em relação à vontade individual de cada representado, mas vinculado ao projeto do

partido ao qual o representante é filiado” (MENDES, 2007, p. 149); funcionariam como

canais de expressão do povo, comunicando as demandas deste para os governantes

(SARTORI, 1982); agiriam exercendo pressão para ver atendidas as reinvindicações

que perseguem.

1.2 O que seria “representar”?

Representar, como aduz Bovero (2002), é uma palavra semanticamente

complexa, capaz de assumir diversos significados. Os mais relevantes do ponto de

vista político e jurídico são sobretudo dois:

No primeiro, representar como equivalente a tornar sensível ou inteligível um abstrato mediante um concreto, de modo que este se torne um símbolo daquele: por exemplo, uma bandeira, ou a pessoa de um rei ou de um presidente, “representa” um Estado, no sentido que simboliza a sua unidade. No segundo, representar equivale a estar no lugar de alguém e agir por ele. (BOVERO, 2002, p. 60-61)

A expressão “democracia representativa” significa, em termos gerais, que

as deliberações referentes a interesses de toda a coletividade são tomadas não

diretamente por aqueles seus integrantes, mas por pessoas eleitas para esta

finalidade (BOBBIO, 1986, p. 44).

Hanna Pitkin, em 1967, tornou-se um dos grandes expoentes na definição

de um conceito para a palavra “representar”, com seu livro El Concepto de

Representación correspondendo à “primeira tentativa de ordenar e integrar a

produção dispersa sobre o tema, para além do campo da teoria do direito” (LAVALLE

e ARAÚJO, 2008). Segundo Pitkin (2006), duas foram as questões com as quais

22

tradicionalmente se ocupou a literatura sobre a teoria da representação: a “polêmica

sobre o mandato e a independência” e a relação entre a representação e a

democracia. Bobbio (1986) prefere tratá-las com duas novas perguntas: “como

representa?” e “que coisa representa?”.

São conhecidas as respostas mais comuns a estas duas perguntas. À primeira: A pode representar B ou como delegado ou como fiduciário. Se é delegado, A é pura e simplesmente um porta-voz, um núncio, um legado, um embaixador, de seus representados, e, portanto, o seu mandato é extremamente limitado e revogável ad nutum. Se ao invés disso é um fiduciário, A tem o poder de agir com uma certa liberdade em nome e por conta dos representados, na medida em que, gozando da confiança deles pode interpretar com discernimento próprio os seus interesses. Neste segundo caso diz-se que A representa B sem vínculo de mandato; na linguagem constitucional hoje consolidada diz-se que entre A e B não existe um mandato imperativo. Também à segunda pergunta (sobre “que coisa”) podem ser dadas duas respostas: A pode representar B no que se refere aos seus interesses gerais de cidadão ou no que se refere aos seus interesses particulares, por exemplo, de operário, de comerciante, de profissional liberal etc. A diferença a respeito do “que coisa” repercute também sobre a diferença a respeito do “quem”. (BOBBIO, 1986, p. 46)

Como início para a pretendida abordagem da presente pesquisa, trate-se

do “representar” no seu aspecto primeiro: “como representa?”, ou a “polêmica do

mandato imperativo”.

Ao expor as diversas transformações por que passou o significado da

palavra “representação”, Pitkin (1985) indica Hobbes como o primeiro a mais próximo

tratá-la como hoje entende a teoria política: representante é quem recebe autoridade

para agir por outro, o representado; este fica vinculado pela ação do representante,

considerada como se sua própria fosse. O Leviathan ainda reconhecia a existência de

dois tipos de representação: “limitada” – quando apenas são autorizadas ações

específicas em contextos determinados – ou “ilimitada”. Esta daria lugar à soberania.

O mais famoso defensor da representação ilimitada, ou “independência”, é

Edmund Burke, com sua teoria dos interesses desvinculados e do mandato

representativo. Devido à concepção do que seriam interesses e por considerar que os

representantes deveriam ser eleitos entre aqueles com maiores sabedoria e

habilidade para tanto, Burke discursa sua tese, em 1774, segundo a qual os

parlamentares deveriam ser independentes.

23

Burke (2012) rejeita o mandato imperativo, entendido como a autorização

prévia e restrita para atuar do representante; ele é contra a representação limitada.

Os interesses, para este teórico, são gerais, fixos, pertencendo ao distrito e, portanto,

não pessoais. Haveria um interesse mercantil, outro agrícola, outro profissional etc.,

cada um compartilhado por uma determinada localidade. Os representantes

obedeceriam a esses interesses não voláteis, e não a opiniões dos eleitores.

Interesses seriam como fins, enquanto que opiniões poderiam ser consideradas como

os meios para alcançá-los. Os representantes deveriam estar atentos e ser sensíveis

aos interesses da sua localidade; todavia, não tinham a necessidade de consultar as

opiniões dos representados. Afinal, os governantes seriam virtuosos e sábios quanto

à coisa pública, integrantes de um sistema tradicional de formação, educação e

desenvolvimento de caráter – semelhante a uma “aristocracia natural” (PITKIN, 2006,

p. 31). Os representados, por sua vez, seriam ignorantes quanto às causas e soluções

de seus problemas.

Para John Stuart Mill, contudo, os interesses não seriam fixos. Mill

acreditava haver interesses de ordem pessoal, embora, assim como Burke, fosse

contra o mandato imperativo.

Mill compartilhou do dilema de Bentham e de seu pai, James Mill. Também

acreditava na preferência dos “interesses egoístas” (MILL, 1954, p. 252), pessoais,

em detrimento daqueles compartilhados com os outros. A democracia, postulava,

estabeleceria limites à satisfação pessoal, e o governo somente poderia agir para

evitar “danos aos demais” (MILL, 2010), sem intervenções arbitrárias que servissem

a interesses particulares. Mas a democracia clássica, da polis grega, não se

sustentava na complexa sociedade moderna. Defendeu, assim, o governo

representativo, o sufrágio universal e a representação proporcional.

Muito embora advogasse pelo sufrágio universal, John Stuart Mill (1954)

recomendou um sistema plural de votação, no qual todos os adultos teriam o direito

de votar, mas o voto de uns valeria mais do que o de outros. Também para ele haveria

uma “ignorância” das massas.

Justo por entender necessária a característica de superioridade dos

representantes em relação aos representados no trato da coisa pública – eis que,

segundo pensava, a condução da política exige treino e preparo –, John Stuart Mill

(1998) defendeu uma significativa liberdade de ação. Em nome dela, rechaçou o

24

mandato imperativo e postulou, inclusive, o afastamento do controle mais estrito a

posteriori, não admitindo a cassação de mandato eletivo pelo povo (recall) (MENDES,

2007, p. 148). É que, quanto mais um representante é visto como membro de uma

elite superior em sabedoria e em razão, menos sentido haverá em exigir-se dele que

consulte aqueles por quem atua. “Se a sabedoria e a habilidade superiores residem

no representante, então não deve subordiná-las às opiniões de seus ignorantes e

inferiores eleitores1” (PITKIN, 1985, p. 234).

Contrariamente, na medida em que um teórico vê o representante e os eleitores como relativamente iguais em capacidade, sabedoria e informação, tenderá a exigir que as perspectivas dos eleitores sejam levadas em conta. Se o representante é um homem ordinário, falível, sem nenhum conhecimento nem habilidade especiais, parecerá despótico e injustificável que ignore seus eleitores.2 (PITKIN, 1985, p. 234-235)

Kelsen (2000), divergindo dos outros, foi adepto do mandato imperativo,

por entender que de outro modo não haveria representação, mas uma farsa

representativa. Se um governo é representativo porque reflete a vontade do povo e

porque é responsável para com este, não basta que o representante seja eleito pelos

cidadãos; é preciso garantir juridicamente o cumprimento do dever de representar. A

sanção política da não-reeleição não seria suficiente. Kelsen defendeu, portanto, não

apenas o mandato imperativo, mas também a cassação de mandato pelo povo

(recall), como sanção legal para o não-cumprimento da vontade popular. O recall e o

mandato imperativo seriam modos de estreitar a relação representante-representado,

garantindo a democracia.

A independência jurídica do parlamento diante do eleitorado pode ser justificada apenas pela opinião de que o poder legislativo é melhor organizado se o princípio democrático, segundo o qual o povo deve ser o legislador, não for levado a extremos. A independência jurídica do parlamento em relação ao povo significa que o princípio de

1 Traduzido do original: “Si la sabiduría y la habilidad superiores residen en el representante, entonces no debe subordinarlas a las opiniones de sus ignorantes e inferiores electores.” 2 Traduzido do original: “Contrariamente, en la medida en que un teórico vea al representante y a los electores como relativamente iguales en capacidad, sabiduría e información, tenderá a exigir que las perspectivas de los electores sean tenidas en cuenta. Si el representante es un hombre ordinario, parecerá despótico e injustificable que ignore a sus electores.”

25

democracia é, até certo ponto, substituído pelo de divisão de trabalho. A fim de dissimular essa mudança de um princípio para o outro, usa-se a ficção de que o parlamento “representa” o povo. (KELSEN, 2000, p. 417-418)

O mandato imperativo, porém, deixou de existir ainda na Revolução

Francesa (DALLARI, 2010, p. 156-158), com a Constituição de 1791, e concebê-lo

hoje, diante de tamanha complexidade das sociedades contemporâneas, mais poderia

engessar o sistema político do que o ajudar. As concessões necessárias à deliberação

coletiva tornar-se-iam mais difíceis, e a substituição de um representante a qualquer

momento por outro causaria risco de paralisar as negociações (BOBBIO, 1986, p. 51).

Acredita-se não ser uma boa saída a determinação prévia e minuciosa de como

deveria se portar o representante no momento das votações e debates, característica

desse tipo de mandato. Igualmente, não é considerada uma boa alternativa permitir

que, diante de situações inesperadas, o representante esteja impedido de atuar, por

não ter a tal antecipada determinação de seus eleitores.

Numa posição intermediária sobre o que seria representar está Pitkin

(1985). A autora introduz na seara política o conceito de responsividade, influenciando

as demais obras posteriores sobre teoria da representação. Para ela, o mandato

imperativo é insuficiente diante da complexidade e da pluralidade de determinantes

em meio às quais se desenvolvem as decisões políticas. Algumas dificuldades

encontradas são: a) determinar os interesses de um distrito eleitoral de milhares de

indivíduos; b) trata-se de um membro de partido que quer ser reeleito, mas também

de membro do legislativo que trabalha junto com outros representantes; c) como

pessoa, o representante também tem seus interesses, opiniões e visões de mundo;

d) os temas se encontram inter-relacionados, e o representante pode desejar abrir

mão de alguns para ganhar em outros (PITKIN, 1985, p. 244-246).

Não obstante entenda pela insuficiência e complicações práticas do

mandato imperativo, Pitkin defende que os representantes não devem se achar

persistentemente em disparidade com os desejos dos representados sem que haja

uma boa justificativa para tanto. Do contrário, não haveria representação. Os

representantes devem ser dotados da capacidade de atuar e de fazer juízo sobre os

temas que se apresentem, mas também possuem a obrigação de ser sensíveis às

demandas do seu eleitorado.

26

“Nessa sistemática, a conciliação entre os dois limites dá-se não pela

resposta contínua de ações dos representantes, mas por uma atividade constante de

‘responsividade’, ou seja, de prontidão potencial de resposta” (MENDES, 2007, p.

149). Não se deve perder a noção de “atuar por”, mas envidar esforços e criar arranjos

institucionais que permitam àqueles a quem se representa exigir resposta sempre que

se sentirem lesados em sua vontade. Não se deve entender “representar” por

“substituir”, vez que representante e representado são pessoas distintas. É “atuar por”.

“O representante inevitavelmente irá se afastar dos eleitores, mas também deve estar

de alguma forma conectado a eles, assim como os eleitores devem estar conectados

entre si” (YOUNG, 2006).

1.3 Qual a relação do princípio representativo com a democracia?

Uma vez tendo sido abordado o conceito de responsividade – o dever dos

representantes de serem sensíveis aos interesses e demandas dos cidadãos –,

incluindo na definição de “representar” a noção de governo responsivo, trata-se agora

de saber “como representar”. Nesta nova pergunta, imiscui-se a ideia da relação do

princípio representativo com a democracia.

Quanto à sua segunda pergunta (sobre “que coisa representar”), Bobbio

bem expõe as duas respostas possíveis: “A pode representar B no que se refere aos

seus interesses gerais de cidadão ou no que se refere aos seus interesses

particulares, por exemplo, de operário, de comerciante, de profissional liberal etc.”

(BOBBIO, 1986, p. 46). Contudo, o fato de haver duas possibilidades não significa que

uma representação é melhor que outra simplesmente por ser, mas, a depender da

unidade que se pretenda representar, uma tutela de interesses gerais ou uma atuação

voltada a interesses particulares demonstra-se mais adequada. No governo

representativo, espera-se do representante que cuide de interesses da coletividade.

Na democracia, a representação foi, além de tudo, uma alternativa

relevante para o resguardo do próprio sistema, pois imaginava-se, com ela, evitar o

arranjo de facções dentro do governo. É que a concepção burkeana de interesses

fixos logo perderia espaço para a teoria da representação pessoal (defendida, por

exemplo, por Bentham, James e John Stuart Mill, como acima já delineado), na qual

existiriam sim interesses pessoais em jogo.

27

Na América, representação era claramente representação de pessoas, e os interesses tornaram-se um mal inevitável, que deveria ser domesticado por um governo bem construído. Na Inglaterra, o utilitarismo não apenas favorecia a representação de pessoas como fazia do interesse um conceito cada vez mais pessoal. (PITKIN, 2006, p. 34)

No sentido da representação pessoal também está “O Federalista”.

Hamilton e Madison compreenderam interesse como um conceito muito mais plural e

instável; pejorativo, porque poderia dar lugar a facções (HAMILTON et al, 1948).

Facções seriam grupos voltados a interesses particulares. Para os autores dos

famosos artigos que circularam os Estados Unidos no séc. XVIII em prol de uma

Constituição americana, os interesses seriam tão variáveis quanto o sentimento, que

é fundamentalmente subjetivo (PITKIN, 2006, p. 35).

Nas palavras de “O Federalista”, facção seria:

[...] uma quantidade de cidadãos, que pode constituir a maioria ou a minoria do todo, que são unidos e atuam por algum impulso comum de paixão, ou de interesse, contrário aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse permanente e coletivo da comunidade. (HAMILTON et al, 1948, p. 42)

Tal como os interesses particulares, as facções eram um mal existente.

Hamilton, Madison e Jay, porém, não negavam a existência de algo maior e mais

objetivo, “o bem público”. Justamente para assegurá-lo das distrações que os vários

interesses pessoais conflitantes poderiam provocar, “O Federalista” defendeu um

governo republicano, o qual necessariamente incluía a ideia de representação.

Haveria dois processos para remediar os malefícios das facções: ou pela

remoção de suas causas, ou pelo controle de seus efeitos. O primeiro remédio, no

entanto, constituiria alternativa pior que a doença, pois sua implementação dependeria

de ser eliminada a liberdade, ou construído um arcabouço que permitisse terem os

indivíduos as mesmas opiniões, os mesmos sentimentos e os mesmos interesses. As

facções seriam semeadas na própria natureza do homem. Diante da impossibilidade

de extirpá-las, deve-se buscar o controle de seus efeitos, neutralizando-os

(HAMILTON et al, 1948).

28

A representação proporcionaria um filtro, no qual estadistas esclarecidos

seriam capazes de ajustar os interesses conflitantes do povo e de torná-los todos

subordinados ao bem público. Mas não só isso. Madison tinha ciência de que nem

sempre os estadistas esclarecidos estariam no poder. A grande relevância da

representação é que o instituto permite, também, constituir-se uma república grande.

Alargado esse campo, tem-se uma variedade maior de partidos e interesses, o que

torna menos provável compor uma maioria para ação facciosa; ou, se um tal motivo

comum existir, será mais difícil para aqueles que o sentem mobilizar suas próprias

forças para agir em uníssono.

O sistema representativo, organizado de tal forma, permitiria que os

interesses egoístas fossem equilibrados igualmente, colocando uns contra os outros.

Desse modo, impedir-se-ia a articulação facciosa.

Em verdade, Dahl (2012) argumenta que mesmo em assembleias de umas

poucas centenas de pessoas haverá participantes passivos, que escutam outros

falarem e só depois votam. Aqui também facilmente se constituiria um palco para

falastrões. A representação, mesmo nessas unidades relativamente pequenas, seria

o melhor para a igualdade política, porque ao menos as regras para quem está

autorizado a falar são públicas e existem normas de responsabilização. A democracia

direta, conclui, apenas seria efetivamente possível em pequenos comitês.

Na Inglaterra, como dito, os utilitaristas também entendiam os interesses

como pessoais: “cada indivíduo é o melhor guardião do seu próprio interesse, seja

porque os outros são muito egoístas para defendê-lo, seja porque não podem

conhecê-lo” (PITKIN, 2006, p. 37). Os seres humanos agem para satisfazer suas

vontades e evitar a dor, buscando a máxima utilidade de tudo aquilo que desejam.

Logo, “ninguém sabe o que é do seu interesse tão bem quanto você mesmo”

(BENTHAM, 1954, p. 438).

Mas os utilitaristas também reconheciam a existência de um interesse

comum, o bem de toda a sociedade. Bentham e James Mill admitiam que cada pessoa

tem interesses das duas ordens, tanto públicos quanto privados; porém, a maior parte

prefere esses últimos. A representação, logo, seria a cura para tal problema.

29

Mas aqui intervém o legislador. Sua função é recompensar ações socialmente desejáveis, mas não atrativas do ponto de vista individual, e punir as ações socialmente indesejáveis e atrativas do ponto de vista individual, de forma que o interesse próprio se alinhe com o bem público. O que motiva o legislador a fazer isso? Em seus primeiros escritos, Bentham parece imaginar um legislador-mestre único, hipotético (talvez ele mesmo), que seria um daqueles raros indivíduos genuinamente motivados pelo altruísmo. Mas para o Bentham dos últimos escritos, e certamente para James e John Stuart Mill, o legislador é substituído pela legislatura eleita e o altruísmo deve ser substituído por mecanismos institucionais, em particular pela representação. (PITKIN, 2006, p. 38)

“Para Bentham e [James] Mill, a democracia liberal estava associada a um

aparato político que iria assegurar a responsabilidade dos governantes perante os

governados” (HELD, 2001, p. 60). Isso se daria através do voto secreto, das eleições

periódicas, da competição entre os candidatos ao governo, da separação dos poderes

e da liberdade de imprensa, de expressão e de associação pública.

James Mill acreditava que a identificação entre interesses do governante e

eleitorado seria possível mediante uma rotação frequente nos cargos, de forma que

os legisladores soubessem que teriam de viver sob as leis que formulassem (PITKIN,

2006, p. 38-39). Para o mesmo propósito de identidade, Bentham acrescentou o

interesse dos representantes em serem reeleitos.

Bentham e James Mill, no entanto, contribuíram para deixar muitos grupos

alheios à política, pois acreditavam que o controle deveria ser exercido por parte

seletiva do eleitorado. A esfera pública continuava a ser sinônimo dos homens,

especialmente dos homens de posse (HELD, 2001, p. 62). Excluíram, por exemplo, a

população feminina e grande parte das classes trabalhadoras.

John Stuart Mill, diferente de seu pai, fora o grande responsável por romper

as concepções masculinas dominantes da teoria liberal, afirmando serem as mulheres

“adultos maduros” e com direito a serem indivíduos “livres e iguais” (HELD, 2001, p.

88). Para ele, a participação na política é importante para o desenvolvimento pessoal

de qualquer um. Contudo, ainda que defensor do sufrágio universal, sua ideia de

democracia ainda não colocava com igual valor o voto de todos os cidadãos – como

dito, haveria alguns mais sábios e habilidosos com a coisa pública.

Em meio ao risco sempre latente das facções, portanto, o governo

representativo tornou-se uma considerável alternativa, pois poderia neutralizar seus

30

efeitos. Quanto ao que representar, como bem expôs Bobbio, não há uma forma certa

sobre o que tutelar; porém, no que diz respeito a um governo democrático, entende-

se que o representante é eleito e convocado para cuidar dos interesses gerais da

sociedade civil, não dos interesses particulares desta ou daquela categoria (BOBBIO,

1986, p. 47).

“A defesa de governos representativos reintroduziu premissas

democráticas fundamentais, como a existência de um governo das leis, a igualdade

perante a lei, o princípio da publicidade e a participação no poder” (MENDES, 2007,

p. 146). Quase nenhum defensor da democracia duvidava ser a representação a sua

forma moderna. “Se o governo representativo tinha defeitos, esses defeitos eram

atribuídos ao sistema eleitoral particular, ao sistema partidário ou à exclusão de algum

grupo do sufrágio” (PITKIN, 2006, p. 42).

1.4 O momento posterior à deliberação

O mandato deve ser concebido como relativamente independente em

relação à vontade individual de cada representado. Não obstante, como afirma Denise

Mendes, “se o momento inicial de autorização da representação tem sido

relativamente bem constituído, apesar de uma série de problemas que ainda

persistem, o momento posterior de controle mostra-se demasiado incipiente”

(MENDES, 2007, p. 149).

Miller e Stokes (1963) chamaram de “congruência” o princípio pelo qual é

regida a relação de representação. O estudo empírico deles novamente trouxe a ideia

de identidade entre representantes e eleitores. A questão, no entanto, comporta

alguns problemas. Primeiro, para as teorias elitistas, “as demandas políticas são

formuladas por poucos atores – elites –, ficando num plano secundário a importância

dos grandes contingentes eleitorais na articulação das polices” (CAMPILONGO, 1988,

p. 25). Em segundo lugar, os eleitores podem não saber como exprimir a sua vontade

ou, ainda, qual seria ela. Esta possibilidade a própria Hanna Pitkin admite, em sua

obra El Concepto de Representación:

O eleitor, o votante que há de ser representado, não é, desde logo, o cidadão informado, interessado, politicamente ativo que nossa fórmula

31

parece exigir. A maior parte do povo é apático no tocante à política e muitos sequer votam. Daqueles que votam, a maioria o faz de acordo com uma lealdade tradicional de partido; algumas vezes, as características pessoais do candidato também fazem a diferença. Mas geralmente ambas as coisas, as características pessoais e os compromissos políticos, se empregam para justificar melhor uma preferência pré-formada do que como fundamentos para fazer uma eleição. Os votantes tentem a atribuir ao candidato qualquer política que eles apoiem; poucos deles sabem algo acerca da votação do congressista. As decisões parecem estar motivadas principalmente mediante contato com grupos primários; o povo vota como o faz sua família, seus amigos e seus companheiros. Por conseguinte, as decisões referidas às votações dependem em grande parte do hábito, do sentimento e da disposição antes que de uma consideração racional e informada dos enfoques que o candidato ou o partido têm dos temas.3 (PITKIN, 1985, p. 243)

Não seria, contudo, o caso de abandonar a ideia de representação. O

governo democrático representativo ainda se destaca pela sua capacidade de resolver

as pretensões conflitantes de todas as partes através do seu interesse comum no

bem-estar do todo (PITKIN, 2006, p. 241). Mas o sistema deve estar organizado

apropriadamente, a fim de que mais perto se chegue do ideal (DAHL, 2001; sobre

democracia real versus ideal, ver também BOBBIO, 1986).

São cada vez mais frequentes os estudos que procuram mensurar a

qualidade das democracias. Deles, é possível perceber dimensões pelas quais se

torna possível essa medição, duas referentes a formas de responsabilidade política:

a accountability eleitoral e a accountability interinstitucional.

Accountability corresponde à obrigação dos representantes de responder

por suas decisões quando inquiridos pelos eleitores ou quaisquer órgãos

3 Traduzido do original: “El elector, el votante que ha de ser representado, no es, desde luego, el ciudadano racional, informado, interesado, políticamente activo que nuestra fórmula parece exigir. La mayor parte del pueblo es apático en lo tocante a la política, y muchos no se toman en absoluto la molestia de votar. De aquellos que votan, la mayoría lo hace de acuerdo con una lealtad tradicional de partido; algunas veces, las características personales del candidato también juegan un papel. Pero generalmente ambas cosas, las características personales y los compromisos políticos, se emplean para justificar más bien una preferencia preformada que como fundamentos para hacer una elección. Los votantes tiende a atribuir al candidato cualquier política que ellos apoyen; pocos de ellos saben algo acerca de la votación del congresista. Las decisiones parecen estar motivadas principalmente mediante contactos con grupos primarios; el pueblo vota como lo hace su familia, sus amigos y sus compañeros. En consecuencia, las decisiones referidas a la votación dependen en gran parte del hábito, el sentimiento, y la disposición antes que de una consideración racional e informada de los enfoques que el candidato o el partido tienen de los temas.”

32

constitucionais, podendo ser caracterizada por três principais formas: informação,

justificação e punição/compensação (MORLINO, 2010, p. 35-36). Os representantes

possuem o dever de informar sobre um ato político; e de justificá-lo, expondo as

razões para assim terem agido. A partir da informação e da justificativa, os eleitores

poderão decidir sobre a punição ou compensação de decisões políticas. Para tanto,

faz-se necessária a existência do pluralismo, da independência e da real participação

de uma série de atores individuais e coletivos (MORLINO, 2010, p. 35).

Aduz Morlino que a accountability eleitoral se refere ao juízo feito pelo

eleitor, que, após analisar as ações políticas, pode recompensar o representante com

seu voto, ou puni-lo, votando em outro candidato, em branco ou nulo. A accountability

interinstitucional, por sua vez:

[...] normalmente se manifesta através da monitoração exercida pela oposição sobre o parlamento ou sobre o governo e pelas diversas avaliações e normas emitidas pelo sistema judicial, se ativo, e pelos tribunais constitucionais, órgãos de auditoria, bancos centrais e outros órgãos de função similar existentes nas democracias. Os partidos políticos fora do parlamento também exercem esse tipo de controle, da mesma forma que a mídia e outras associações intermediárias, como sindicatos e associações de empregados. (MORLINO 2010, p. 36)

Aqui, o papel das Cortes constitucionais. As decisões políticas são

complexas e envolvem outros atores políticos, como aduz Campilongo (1988). Através

do controle de constitucionalidade, o Judiciário atua como verdadeiro “legislador

negativo” – expressão que se deve a Kelsen (2003) –, ao expurgar do sistema as

normas e os atos normativos inconstitucionais. Os juízes se constituem, portanto,

como atores políticos, interferindo nas ações de governo.

No entanto, só há accountability – responsabilidade – se houver

responsividade. Esta seria, justamente, a sensibilidade do governo para com os

interesses do povo (PITKIN, 1985). Os julgamentos só são possíveis se houver a

consciência dos representantes de quais são as reinvindicações populares e se elas

se combinam ou divergem dos interesses dos eleitores.

A responsividade possui várias dimensões, sendo a congruência apenas

uma delas. É que o representante pode ser responsivo mesmo a princípio

33

contrariando o eleitorado, pois pode gerar congruência a posteriori (CAMPILONGO,

1988). Nesse sentido, as demais dimensões (ou componentes).

O segundo componente da responsividade, a service responsiveness,

abrange toda forma de favores, benesses e tráfico de influência apreendidos em

benefício de indivíduos ou grupos particulares (CAMPILONGO, 1988, p. 36). O

terceiro corresponde à allocation responsiveness, isto é, distribuição de recursos

financeiros para os representados. O quarto e último elemento trazido por Campilongo

se trata da symbolic responsiveness: a resposta simbólica, geralmente com

teatralização e discursos ideológicos, do representante às demandas populares, estas

que não serão verdadeiramente atendidas, mas a ação lhe conferirá capital político e

credibilidade para o futuro – a exemplo de quando submete projeto de lei impossível

de ser aprovado.

As decisões políticas são, portanto, tomadas sob a influência de uma série

de atores políticos. Não são como questões matemáticas, que, pela razão, podem ser

respondidas e possuem soluções corretas. Também não é questão de gosto. Não se

resolvem pela expertise do representante, tampouco devem ser consideradas com

arbitrariedade, decididas unicamente pelo capricho do governante (PITKIN, 1985).

Deve-se ser sensível para com os interesses da população, responsivo. A

racionalidade não é garantia de acordo, embora possa ser relevante, algumas vezes,

para se chegar a ele.

Contudo, por mais que os representantes possuam o dever de serem

sensíveis aos interesses daqueles que representam e de procurar antecipar o

momento de prestar contas a eles, Mendes (2006) argumenta que quase não há

instituições ou mecanismos que garantam essa antecipação. “O controle permanece

restrito à sanção política, já que os eleitores, se quiserem, podem não reeleger

determinado representante” (MENDES, 2006, p. 149); e as eleições não

correspondem à melhor forma de assegurar uma responsabilidade, dados os longos

períodos durante uma e outra, nos quais os representados ficam à mercê dos

representantes, sem a possibilidade de fazer um maior controle.

No entanto, as eleições não são um mecanismo suficiente para assegurar a realização da vontade popular. Os mandatos, legislativo ou executivo, são períodos longos durante os quais os cidadãos ficam

34

desprovidos de meios de avaliação, controle e sanção das ações de seus representantes. (MENDES, 2006, p. 149)

Nesse sentido, é preciso construir instituições que facilitem aos cidadãos

recompensar ou punir os responsáveis. Responsividade e responsabilidade devem

andar juntas, no intuito de tornar as instituições políticas cada vez mais próximas do

conceito ideal de representatividade: tornar a democracia representativa um governo

do povo, para o povo, garantindo liberdade, igualdade e participação no poder aos

seus cidadãos.

1.5 Por que partidos políticos?

Explica Giovanni Sartori que “os partidos se comportaram e desenvolveram

muito mais como uma prática do que como uma teoria” (SARTORI, 1982, p. 45). A

literatura teve de acompanhar sua concepção e seu firmamento na teoria política, não

o contrário. Não se escreveu sobre partidos políticos para, depois, colocar em prática

essa forma de representação, mas, ao passo que foram surgindo e se desenvolvendo,

a ciência passou a se ocupar deles e de suas características.

Há três premissas para o desenvolvimento dos partidos apontadas por

Sartori (1982): a) os partidos não são facções; b) um partido é “parte-de-um-todo”; c)

os partidos são canais de expressão.

“O partido, como sabemos, é um nome novo para uma coisa nova, e o

nome é novo porque a coisa é nova” (SARTORI, 1982, p. 87). A princípio, a palavra

gerava resistência, fruto de grande desconfiança, por seu significado ainda estar

conceitualmente misturado com o das facções. Facção, como dito, possuía e ainda

possui um sentido pejorativo, remetendo a um grupo movido a interesses particulares,

mesquinhos, e não a interesses públicos. Havia uma confusão na literatura, que não

diferenciava os dois grupos. Apenas Burke argumentou pela primeira vez uma

diferença (SARTORI, 1982): partido seria um grupo de homens, reunidos para

promoção do interesse nacional, orientados por algum princípio com o qual todos

concordam. Burke propôs que o governo fosse conduzido pelos partidos, mas sua

ideia ainda muito enfrentou até ser compreendida e, por conseguinte, disseminada.

“Foi no século XIX que essa distinção se afirmou com clareza, e os partidos passaram

35

a ser geralmente aceitos como instrumentos legítimos e necessários do governo livre”

(SARTORI, 1982, p. 87).

De fato, um fator importante para a aceitação dos partidos foi o pluralismo,

“a compreensão de que a diversidade e a dissensão não são necessariamente

incompatíveis com a ordem política, nem necessariamente a perturbam” (SARTORI,

1982, p. 33-34). O pluralismo não significa que uma dada sociedade é diversificada

apenas, mas “uma cultura pluralista mostra uma visão do mundo baseada, em

essência, na convicção de que a diferença, e não a semelhança, a dissenção e não a

unanimidade, a mudança e não a imutabilidade, levam a uma vida melhor” (SARTORI,

1982, p. 35). É neste momento, no qual a dissenção ganha louvor, que partidos

passam a ser mais bem aceitos, deixando de ser considerados “partes contra o todo”

para serem “partes do todo”, nas expressões de Sartori4.

Os partidos são, na verdade, partes de um todo. Sartori lembra o sentido

semântico da palavra “partido”: a ideia de parte. Em seguida, demonstra a relação das

partes com o todo: um todo pode não ter partes e ser único, mas, tradando-se de uma

formação política pluralista, é necessário um jogo de partes (partidos), no plural – “um

todo-de-partes, resultante na verdade do jogo mútuo de suas partes” (SARTORI,

1982, p. 47).

Por fim, a última premissa tem a ver com as atividades dos partidos: os

partidos são canais de expressão. Além da função representativa (que poderia ser

desempenhada por outros meios), eles possuem a chamada “função expressiva”:

apresentam-se como alternativas para transmitir às autoridades os desejos do povo e

oferecem os canais para a articulação, comunicação e implementação das demandas

dos governados. Mas não tão somente. Segundo Sartori (1982, p. 50), os partidos

“oferecem algo que nenhuma máquina ou pesquisa de opinião pode oferecer:

transmitem reinvindicações apoiadas por pressões. O partido lança seu próprio peso

nas reinvindicações a que se sente obrigado a fazer eco” [grifos do autor].

4 Essas expressões de Giovanni Sartori devem-se à semântica. “Quando ‘parte’ se torna ‘partido’ temos, então, uma palavra sujeita a duas influências semânticas: a derivação de partire, dividir, de um lado, e a associação com tomar parte, e portanto com participação, do outro”. (SARTORI, 1982, p. 24) [grifos do autor]

36

Manin (1997) relata um atual enfraquecimento dos vínculos partidários,

mais precisamente uma erosão das fidelidades partidárias duradouras, entendida

como a incapacidade das agremiações de ter e manter eleitores fiéis.

Durante décadas, a representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores se identificava com um partido e a ele se mantinha fiel. Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum.5 (MANIN, 1997, p. 193)

A tendência mundial, porém, para Manin (2013) – que revisitou sua obra de

1997 –, não significa a decadência dos partidos políticos. Muito embora perceba-se

vínculos partidários enfraquecidos e, ao mesmo tempo, o crescente recurso a outras

formas de participação política não institucionalizadas, os partidos continuam a deter

sua importância no cenário político. A relação entre cidadãos e o Estado apenas foi

transformada. “Um número crescente de cidadãos, ao que parece, participa de

manifestações, assina petições ou então pressiona, por suas reivindicações,

diretamente os tomadores de decisão” (MANIN, 2013, p. 124); porém, os cidadãos

ainda reconhecem e apoiam “os elementos estruturais centrais da democracia

representativa”, os partidos políticos (FUCHS e KLINGEMAN, 1995; MANIN, 2013).

Os próprios eleitores fiéis a um partido podem até ser menores em número quando

comparados ao que um dia já foram, mas ainda constituem um contingente de boa

proporção e que deve ser considerado. Além disso, Manin (2013) relata duas áreas

em que os partidos não perderam força e continuam a ser atores centrais: na política

parlamentar e nas campanhas eleitorais.

Em primeiro lugar, poucos são os candidatos que se elegem sem estarem

filiados a algum partido. As eleições permanecem partidárias, com as regras do jogo

não apenas regulamentando nesse sentido, mas também concedendo vantagens de

campanha para as agremiações, tais como o financiamento e o acesso a meios de

5 Traduzido do original: “For many years, representation appeared to be founded on a powerful and stable relationship of trust between voters and political parties, with the vast majority of voters identifying themselves with, and remaining loyal to, a particular party. Today, however, more and more people change the way they vote from one election to the next, and opinion surveys show an increasing number of those who refuse to identify with any existing party.”

37

comunicação públicos, como bem lembra Manin (2013). Consequentemente, o

sucesso dos partidos em eleger seus candidatos tende a ser maior. No Brasil, insta

salientar, a filiação partidária corresponde a um requisito necessário para o sucesso

do candidato, pois não são permitidas as candidaturas avulsas, também chamadas

de independentes.

Em segundo lugar, relata Manin (2013), integrar agremiações confere

vantagens procedimentais a deputados no parlamento, tais como em indicações para

comissões e capacidade de estabelecimento de agenda. Também são reduzidos os

custos de transação entre os deputados, em virtude dos arranjos e coalizões já

estabelecidos pelos partidos, e a energia de um parlamentar que pretendesse aprovar

uma dada lei seria, por conseguinte, proporcionalmente poupada a depender do grau

dessas relações intrapartidárias.

Quanto às campanhas eleitorais, afirma Manin (2013) que a erosão das

fidelidades partidárias tornou os partidos mais dinâmicos para mobilizar os eleitores.

O autor relembra as altas expensas que têm sido envidadas e investidas, contratando-

se cada vez mais especialistas em propaganda e em pesquisa de mercado para

assessorar as campanhas eleitorais. Mas a profissionalização das propagandas não

significa uma fragilidade dos partidos, nem os torna menos representativos; foi uma

necessidade e reação ao ambiente volátil. Diminuindo-se a fidelidade dos eleitores, o

apoio ao partido tem de ser buscado em outro lugar. Não é possível conceber que os

números de uma eleição se repitam exatamente do mesmo modo em outra. Em

paralelo, Manin (2013) expõe uma correlação entre filiação partidária e acesso à

televisão: a primeira tende a ser mais elevada onde o segundo é menor. As grandezas

se relacionam de modo inversamente proporcional. “Isso sugere que os partidos filiam

grande número de membros quando precisam deles para propósitos de campanha

‘cara a cara’” (MANIN, 2013, p. 120). Houve, portanto, uma mudança na mobilização

dos eleitores.

De fato, vários estudos mostram que, longe de decair, os partidos reagiram ao ambiente volátil gerado pela erosão das fidelidades partidárias tornando‑se mais proativos, ágeis e rápidos do que eram antes. Há também evidências de que essa transformação os tornou “mais cientes da opinião e das demandas dos cidadãos”. A transformação dos partidos em organizações para fazer campanha

38

não parece ter diminuído sua capacidade de refletir anseios populares e de ligá‑los à formulação de políticas. (MANIN, 2013, p. 121)

Por outro lado, relata Carreirão (2015), se a literatura sobre o alinhamento

dos eleitores aos partidos é, de certa forma, um pouco negativa, afirmando que

eleitores têm se afastado dos partidos, os estudos sobre congruência demonstram

uma realidade mais positiva. Congruência seria a identidade entre as preferências dos

cidadãos e as dos representantes, e sua literatura parte do pressuposto da

responsividade, de que na democracia representativa se espera que os

representantes sejam sensíveis às preferências, às opiniões ou aos interesses do

povo. Para a literatura da congruência, “há certo predomínio de uma avaliação positiva

em relação à capacidade de os partidos representarem os eleitores, tanto num plano

ideológico mais geral quanto em termos de políticas específicas” (CARREIRÃO, 2015,

p. 394).

Ainda no sentido da atual necessidade dos partidos políticos, relevante é o

estudo de Kathryn Hochstetler e Elisabeth Jay Friedman (2008). As autoras

questionam em seu artigo se as organizações da sociedade civil (OSCs) do Brasil e

da Argentina podem e cumprem o papel de exercer uma função de representação

nesses países e neste momento, o qual denominam “tempos de crise dos partidos

políticos”. Após o uso da teoria e da empiria, concluem que as OSCs não substituem

os partidos como mecanismos de representação – e nem ao menos tentam fazer isso.

Ao invés de substituir, a representação das OSCs parece complementar a dos

partidos, ao permitir que cidadãos utilizem ambos os mecanismos para influenciar os

resultados políticos: a pressão dos partidos políticos e a pressão da própria sociedade

civil organizada. No Brasil, as organizações lutaram para representar valores e ideias

que não estavam sendo representados, na maior parte das vezes ao lado do PT.

Mesmo após a desilusão ao perceber, no mandato de Lula, que sua voz não tinha

tanto impacto nas decisões de governo e mesmo depois do auge da crise deflagrada

pela notícia de um dos grandes casos de corrupção e escândalo conhecido por

Mensalão, em 2005, as OSCs não tiveram a pretensão de substituir os partidos, mas

atuaram na intenção de que tais instituições funcionassem melhor.

Portanto, existem sim outras formas de representação fora das instituições

tradicionais da democracia representativa, mas que não as excluem. Os partidos

39

seguem sendo o principal ator no jogo político democrático, o qual tenta no Legislativo

e no Executivo promover políticas públicas e atender ao povo.

1.6 O princípio de maioria e a proteção às minorias

O jogo democrático é formado por partidos – logo, por partes –, que se

relacionam entre si e com outros grupos e organizações políticas, numa dinâmica

marcada pela “multiplicidade de grupos de poder entrecruzados e envolvidos em

manobras de coalizão” (SARTORI, 1994, p. 203). Como as decisões políticas não são

simples para serem resolvidas como a matemática (PITKIN, 1985), durante o

processo de deliberação surgem conflitos. Nessa interação entre múltiplos grupos de

poder, maiorias e minorias são formadas e, também, dissolvidas. Ocorre que, no jogo,

a regra (ou o método) para a resolução dos conflitos corresponde ao princípio de

maioria (SARTORI, 1994).

Uma ordem social para ser fundada requer que uma maioria esteja de

acordo quanto à sua fundação. Caso uma maioria não se estabeleça, não há como a

ordem social se manter, pois não há consenso significativo que assegure que todos

permaneçam obrigados pelas regras pela ordem impostas. Da mesma forma, para

modificar-se uma ordem social, uma maioria precisa estar de acordo com a sua

modificação. Kelsen (2000) fala de uma maioria simples, não de uma maioria

qualificada. Uma maioria qualificada, inclusive, teria o efeito inverso: exigir-se para a

modificação uma maioria qualificada de dois terços, por exemplo, implicaria num

evento quantitativo maior daqueles integrantes que estão em discordância, e, por

conseguinte, um maior risco à ordem estabelecida. “A ideia subjacente ao princípio de

maioria é a de que a ordem deve estar em concordância com o maior número possível

de sujeitos e em discordância com o menor número possível de sujeitos” (KELSEN,

2000, p. 409).

O princípio de maioria, porém, não significa, de modo algum, unanimidade.

Não é, portanto, o domínio de uma maioria absoluta na ordem social. Uma maioria

pressupõe a existência de uma minoria, mesmo que a primeira decida por não aceitar

a segunda. Desse modo, o princípio de maioria traz consigo a ideia de proteção de

minorias. “O princípio de maioria em uma democracia é observado apenas se todos

40

os cidadãos tiverem permissão para participar da criação da ordem jurídica, embora

o seu conteúdo seja determinado pela vontade da maioria” (KELSEN, 2000, p. 411).

As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição.

“Se a oposição é tolhida, hostilizada ou reprimida, podemos falar então de ‘tirania da

maioria’ no sentido constitucional da expressão” (SARTORI, 1994, p. 184).

[...] deve-se afastar a ideia de que a democracia esteja ligada apenas ao princípio majoritário; ela se liga igualmente à promoção da liberdade-igual, de proteção de minorias e de grupos vulneráveis que ficam fora do processo político democrático, por meio de uma hermenêutica constitucional comprometida com a efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais. (KOZICKI e BARBOZA, 2008, p. 174)

Mas “minoria” no sentido aqui tratado, tal como o trecho de Kozicki e

Barboza (2008), não significa necessariamente um grupo vulnerável. Tenha-se em

mente que também em Sartori (1994) “minoria” deve ser compreendida como produto

de procedimentos democráticos: é ou a parte de uma população votante vencida em

uma deliberação ou a parte menor de um parlamento. Mas, sobretudo, minorias

políticas correspondem a grupos que exercem poder de controle político – e “um poder

controlador é político quando sua fonte principal é o exercício de uma função ou cargo

político, e/ou quanto atua por meio dos canais políticos e afeta as decisões dos que

determinam as políticas concretas” (SARTORI, 1994, p. 195).

Na presente pesquisa, trabalha-se com o Supremo Tribunal Federal em sua

relação com as minorias partidárias (a parte menor do parlamento brasileiro). Partindo

das premissas de que numa ordem social regida pelo princípio de maioria deve haver

a proteção das minorias e de que, na problemática dessa proteção, o papel de protetor

coube à Corte Constitucional, duas análises são propostas: 1) identificar o que os

partidos pequenos estão propondo; 2) verificar se o STF está verdadeiramente

cumprindo o seu papel de protetor das minorias, ao deferir os pedidos dos partidos

formulados através de ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs).

Entenda-se, por conseguinte, as minorias parlamentares aqui tratadas – a

menor parte do parlamento brasileiro, adiante referidas como partidos pequenos –

representam uma parte da população votante então perdedora nas deliberações

41

políticas. Ocorre que, as agremiações, quando decidem recorrer ao Judiciário,

demandando a Corte Constitucional, agem pelo motivo de a decisão da maioria no

Legislativo ou do Executivo contrariar o seu interesse, desejando expurgar a lei ou o

ato normativo do ordenamento jurídico. Logo, os partidos políticos podem propor as

ações diretas do controle de constitucionalidade na intenção de reverter as decisões

da maioria legislativa ou do Executivo (TATE, 1997), ou, ainda que não revertam,

como estratégia política para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição

(CARVALHO et al, 2012; TAYLOR e DA ROS, 2008).

1.7 Sobre as regras do jogo político democrático antes da interferência do STF

No “jogo político democrático”, os partidos políticos continuam sendo seus

atores fundamentais, e o principal modo de fazer política disciplinado corresponde às

eleições (BOBBIO, 1986). A representação foi entendida como o equivalente moderno

da democracia, e os partidos demonstraram ser uma boa forma de mediação, capazes

de organizar e traduzir os interesses e demandas do povo. As agremiações seriam

grupos defensores de princípios e de interesses coletivos – ao contrário das facções

– e funcionariam como canais de expressão, comunicando as demandas dos cidadãos

para os governantes (SARTORI, 1982). “Se o governo representativo tinha defeitos,

esses defeitos eram atribuídos ao sistema eleitoral particular, ao sistema partidário ou

à exclusão de algum grupo do sufrágio” (PITKIN, 2006, p. 42).

O jogo político democrático moderno, portanto, envolve a ideia de

representação. Representar, por conseguinte, abrange os conceitos de

responsabilidade e responsividade. No entanto, a primeira – também conhecida por

accountability – só existe na presença da segunda.

A responsividade possui várias dimensões, sendo a congruência apenas

uma delas; porém, em termos gerais, deve ser compreendida como a sensibilidade

dos representantes para com as demandas e interesses dos representados (PITKIN,

1985). Um governo democrático representativo deve ser responsivo para com o povo.

Sem a sensibilidade para com as demandas dos representados, não existe o

funcionamento de canais de expressão. Sem haver consciência das reinvindicações

populares e dos interesses dos eleitores, também não é possível responsabilizar. Por

conseguinte, sem as prestações de contas, os julgamentos do povo quanto às atitudes

42

dos representantes ficam comprometidos e torna-se frágil a democracia, a

representação e toda ordem social.

O jogo democrático é praticado por partes que representam o povo e se

relacionam entre si e com outros grupos e organizações políticas. Nesse sentido,

outras formas de representação fora das instituições tradicionais da democracia

representativa (os partidos políticos), mas que não as excluem (HOCHSTETLER e

FRIEDMAN, 2008). Os partidos seguem sendo o seu ator principal (MANIN, 2013).

Ademais, é um jogo marcado pela dinâmica entre uma “multiplicidade de

grupos de poder entrecruzados e envolvidos em manobras de coalizão” (SARTORI,

1994, p. 203). Ocorre que durante o processo de deliberação surgem conflitos, e a

regra (ou o método) para resolvê-los corresponde ao princípio de maioria. Assim

sendo, no processo democrático há a interação entre múltiplos grupos de poder, no

qual maiorias e minorias são formadas e, também, dissolvidas, a fim de se assegurar

a concretização dos interesses que os partidos representam.

O princípio de maioria não significa unanimidade; não é o domínio de uma

maioria absoluta na ordem social. Uma maioria pressupõe a existência de uma

minoria, mesmo que a primeira decida por não aceitar a segunda. Desse modo, o

princípio de maioria traz consigo a ideia de proteção de minorias e apenas é

observado se todos os cidadãos estiverem autorizados a participar da criação da

ordem jurídica (KELSEN, 2000, p. 411).

As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição.

“Se a oposição é tolhida, hostilizada ou reprimida, podemos falar então de ‘tirania da

maioria’ no sentido constitucional da expressão” (SARTORI, 1994, p. 184). É nesse

sentido que o Judiciário aparece para proteger as minorias, resguardando a

democracia ao proteger a ordem social da tirania da maioria: é um poder

contramajoritário (BICKEL, 1962; ELY, 1980), como adiante será exposto.

Os partidos seguem sendo o ator principal no jogo político democrático, o

qual tenta no Legislativo e no Executivo promover políticas públicas e atender ao povo.

Todavia, quando perdem no Legislativo, ou ali estão insatisfeitos, possuem a

prerrogativa constitucional de demandar no Judiciário. As agremiações acionam a

justiça através do controle de constitucionalidade (mecanismo que permite extirpar do

ordenamento jurídico norma que não esteja em conformidade com o sistema,

43

declarando-a inválida). Como, no Brasil, quem recebe tais demandas (as

impugnações dos partidos quanto à validade de determinadas leis) é o Supremo

Tribunal Federal (STF), a Corte termina por assumir uma função política, capaz de

interferir nas decisões dos órgãos legislativos e executivos.

Desse modo, o jogo político democrático continua numa nova arena: o

Judiciário.

44

2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ATOR POLÍTICO

2.1 Uma introdução à continuidade do jogo

O Estado do séc. XX fora responsável pela expansão da jurisdição

constitucional (ZAGREBELSKY, 1999). Reconheceu-se a força normativa da

Constituição. Por conseguinte, juízes e tribunais passaram a interpretá-la e aplicá-la

a situações nela diretamente previstas, mas não tão somente: a Carta Política deixou

de ser mera exposição de intenções do governo e passou a ser utilizada como

parâmetro para aferir a validade de qualquer norma jurídica ou ato normativo, além de

constituir critério de interpretação de todo o ordenamento infraconstitucional

(BARROSO, 2011, p. 86).

Nesse sentido, a fim de salvaguardar a unicidade e a segurança jurídica do

sistema, fora concebido um mecanismo de retificação, conhecido como controle de

constitucionalidade. Instituto multifacetário, através dele é feito juízo de validade da

norma ou do ato normativo pelos órgãos jurisdicionais.

O modelo brasileiro de controle é definido como misto, pois importou

características austríacas e americanas. Em verdade, semelhante fato ocorreu com

quase todos os países sul-americanos, tendo, por esse motivo, sido intitulado por

Carvalho (2005) “modelo sul-americano de controle de constitucionalidade”.

O controle de constitucionalidade brasileiro é, desse modo, misto, pois

demonstra influências austríacas e norte-americanas. É um instituto multifacetário,

podendo ser exercido pela via incidental ou pela via direta. Em termos gerais, se

incidental, a constitucionalidade de determinada norma será apreciada por um juiz a

partir de um caso concreto a ele submetido; se pela via direta, o exame de

compatibilidade com o ordenamento jurídico será realizado pelo STF, numa análise

direta da lei ou ato normativo impugnado. Pelo controle incidental ser realizado a partir

de um caso concreto, em que há partes – disputa entre A e B, por exemplo –, entende-

se ser ele um processo subjetivo. O controle pela via direta, ao contrário, justamente

por faltar-lhe o requisito da presença de partes, é tido como um processo objetivo: a

análise primeira é da própria lei ou ato normativo quanto à sua validade, ainda que a

decisão venha a interferir e causar efeitos em relações jurídicas pré-estabelecidas.

45

O Tribunal assume, assim, pelo menos três funções institucionais (FALCÃO

et al, 2011): a) é Corte Constitucional, quando julga as ações diretas do controle

concentrado, o mandado de injunção e trata das súmulas vinculantes; b) é Corte

Recursal, ao apreciar as ações do controle difuso que lhe chegam pela via do Recurso

Extraordinário (RE) e Agravo de Instrumento (AI); c) é Corte Ordinária, quando precisa

se pronunciar nas demais ações, como os processos de competência originária e os

resultantes de prerrogativa de foro, v.g., inquéritos e ações penais.

Nesta pesquisa, no entanto, tratar-se-á a Corte no exercício de seus papéis

de Tribunal Constitucional.

Com a Constituição de 1988, a capacidade do Judiciário de intervir em

questões políticas não encontra precedentes nos modelos que o influenciaram – ao

menos em teoria (CARVALHO, 2005). “A distinção do Supremo é de escala e de

natureza” (VIEIRA, 2008): de escala, pela quantidade de temas que podem ser

submetidos – ou seja, “judicializáveis” –, bem como pelo grau de extensão da lista

daqueles que podem acionar o Tribunal para realizar o controle concentrado; de

natureza, por não existir nada que obste este órgão judicial de apreciar os atos

normativos, ainda que originários do poder constituinte reformador.

2.2 O fenômeno da judicialização

Em muitas democracias contemporâneas, sobretudo a partir da década de

1980, o mundo observou um fenômeno: a judicialização da política (CASTRO, 1996).

O Judiciário passou a ser demandado para decidir sobre matérias tradicionalmente de

competência dos poderes majoritários (Executivo e Legislativo), podendo, inclusive,

exercer verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas. A relação entre

os três Poderes passou a ser, portanto, redesenhada, com contornos diferentes dos

idealizados por Montesquieu (LIMA, 2007; CARVALHO, 2005; CASTRO, 1996).

Há diversas razões apontadas para o crescimento do fenômeno. Para

analistas econômicos, o fortalecimento dos tribunais seria consequência da expansão

do sistema de mercado, como uma exigência dos investidores: ocorre que, para quem

investe, a segurança jurídica dos tribunais mostra-se mais confiável que os

parlamentares, pois estes poderiam ceder a demandas populistas, não eficientes para

a perspectiva econômica (VIEIRA, 2008, p. 442). Há, também, quem aluda a uma

46

causa política para a expansão do fenômeno: a crise de representatividade dos

poderes majoritários. Existe, ainda, o viés institucional constitucionalista, para o qual

a judicialização é consequência do reconhecimento de um Judiciário forte e

independente, das constituições rígidas e ambiciosas e da ideia de ter este Poder o

papel de “guardião da Constituição” (VIEIRA, 2008, p. 443; BARROSO, 2011, p. 88).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 permitiu um arranjo como poucos

para o desenvolvimento do fenômeno, pois tornou quase todo tipo de conflito

judicializável. Além de abrangente, analítica e ambiciosa quanto aos temas que

propunha albergar, a Constituição também introduziu novos instrumentos de controle

concentrado e ampliou o rol de legitimados a acionar esse mecanismo de retificação,

democratizando o acesso ao debate constitucional, de uma forma que jamais havia

ocorrido em país algum (CARVALHO, 2008).

O foco no controle concentrado de constitucionalidade foi reflexo da

preocupação com a transição democrática: havia uma evidente cautela com o excesso

de poder nas mãos do Executivo, dada a trágica experiência histórica com o regime

ditatorial (CARVALHO, 2008). Através do controle, o Judiciário estaria autorizado a

intervir em litígios antes resolvidos exclusivamente na arena política e, no plano

estatal, pelos outros poderes, cuja característica principal se resume ao princípio

majoritário: representantes eleitos por uma maioria.

A preocupação com a descentralização da política também influenciou em

outro aspecto do controle de constitucionalidade, ali desenhado: a extensão dos

atores que poderiam demandar a justiça constitucional.

O grau de amplitude do rol de legitimados a demandar a Corte também

traduziu o desenho da constituinte de 1987-1988: havia participação de diversos

setores da sociedade (CARVALHO, 2005, p. 104-118). Dessa forma, sob a pressão

desses grupos, o antigo monopólio do Procurador-Geral da República cedeu lugar à

ampla legitimação democrática de atores (políticos, jurídicos e sociais): outras oito

entidades tornaram-se capazes de acionar o mecanismo concentrado.

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já desempenhasse o papel de

Tribunal Constitucional, apenas com o Diploma de 1988 é que se cria, no Brasil, um

ambiente político favorável à judicialização. Aduz Ernani Carvalho (2005, p. 86-91)

que, a partir dali, puderam ser verificados simultaneamente dois fatores,

47

característicos dos modelos europeus de controle: a) a Corte Constitucional atua

como guardiã e não sofre constrangimentos ou represálias de outros ramos de poder;

b) os partidos de oposição passaram a ter acesso livre ao judicial review, além de

terem muito a ganhar e pouco a perder se acionarem a Corte. Os benefícios potenciais

desta lide superam os custos: litigar na justiça constitucional confere visibilidade,

quando não acarreta verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas.

“As teorias que tratam do fenômeno da judicialização na Europa são

focadas na revisão abstrata da legislação e estruturadas na relação: governo,

oposição e tribunal” (CARVALHO, 2005, p. 88-89). No caso brasileiro, essa tríade é

apenas uma parte do processo de judicialização. O artigo 103 do diploma

constitucional autoriza vários atores políticos, jurídicos e sociais a atuar como

mediadores do litígio constitucional. Sendo assim, o fenômeno sócio-político brasileiro

“não se restringe à participação de uma minoria parlamentar” (CARVALHO, 2005, p.

89; CARVALHO et al, 2011; CARVALHO et al, 2016). Para alguns autores, essa

inovação institucional permite desenvolver uma participação mais democrática no

processo de elaboração das leis (Vianna et al, 1999).

Quanto à oposição política, há uma tradicional ligação entre ela e a Corte

responsável por fiscalizar a constitucionalidade:

A oposição judicializa o processo legislativo com a intenção de ganhar o que outrora perdera no processo político convencional. As contestações da oposição oferecem uma crucial oportunidade à Corte para construir a lei constitucional, para ampliar as técnicas jurisprudenciais de controle e, em outras palavras, fazer política. (CARVALHO, 2005, p. 40)

Não apenas o descrédito da política majoritária constitui fator favorável,

mas é importante salientar a prática de transferência do ônus político de certas

decisões que precisam ser tomadas, mas são impopulares (GOMES NETO, 2015, p.

42). Há a eleição, pelos próprios Poderes majoritários, do Judiciário como foro para

deliberação de questões polêmicas, cujo conteúdo possa vir a representar um

desgaste para seus debatedores (BARROSO, 2011, p. 88).

A judicialização é, portanto, uma realidade concebida no nosso sistema, no

desenho constitucional brasileiro. Ocorre muitas vezes diante da falha e da inércia do

48

Executivo e do Legislativo (CASTRO, 1996; NUNES JÚNIOR, 2014). A nível mundial,

na verdade, tornou-se uma prática comum associar democracia ao mecanismo –

muito embora o status de condição necessária não seja verdadeiro (GRIMM, 2011).

2.3 A premissa contramajoritária da Corte

Após o famoso caso Marbury vs. Madison em 1803, a Suprema Corte

americana passou por um período significativo de autocontenção, vindo apenas com

a Corte Warren (1953-1969) a apresentar, em sua história sobre a revisão judicial,

outra guinada no sentido do comportamento ativista. Com respostas de ordem liberal,

o órgão assumiu papel de protagonista na defesa das liberdades civis (de expressão

e de religião), na garantia dos acusados em processo criminal e na proteção do

princípio do tratamento igualitário contra as normas de segregação racial (LIMA, 2014,

p. 63; FRIEDMAN, 2002). Por conseguinte, a doutrina passou a novamente

empreender esforços no objetivo de compreender o papel do Tribunal numa

democracia e de definir como os tribunais poderiam atuar, dado o relevante papel

político e as próprias limitações que teriam.

A Corte Warren não foi totalmente ativista, durante todo o tempo em que

durou. Após o caso Brown v. Board of Education, em 1954, e, principalmente, das

decisões que proferiu e foram tomadas como de cunho comunista, a opinião popular

se insurgiu e a Corte foi duramente atacada (FRIEDMAN, 2002). O Tribunal assumiu,

em seguida, uma postura mais autocontida, a qual posteriormente cedeu lugar mais

uma vez ao ativismo a partir de 1962.

Uma vez que democracia implica responsividade à vontade popular e

responsabilidade, como explicar que uma parte do governo, cujos membros são

irresponsáveis do ponto de vista político, possa deter o poder de derrubar decisões

populares, tomadas pelos representantes eleitos? (FRIEDMAN, 1998; CARVALHO,

2005). Alexander Bickel (1962), como resposta a essa pergunta, defendeu a ideia de

possuir a Suprema Corte uma função contramajoritária. Através da expressão que

alcunhou (“a dificuldade contramajoritária”), Bickel tentou reconciliar a ideia de

governo do povo com a revisão judicial em uma democracia através da proteção de

minorias (FRIEDMAN, 2002, p. 201-202). Quando o Tribunal, através do controle,

invalidava as decisões dos outros poderes, agia “não em nome da maioria, mas contra

49

esta”. Significaria, portanto, o “poder de veto” para as pequenas minorias, atuando

contra os poderes sujeitos a processos eleitorais (LIMA, 2014, p. 68).

Assim sendo, Bickel buscou entender qual o lugar institucional dos juízes.

Justamente após demonstrar a cisão entre princípio majoritário democrático e revisão

judicial, ele compreende a legitimidade dos tribunais como a garantia dos princípios,

pelo que passa a defender a fiscalização da constitucionalidade, independente das

premissas majoritárias. Os seus críticos apontam uma contradição (LIMA, 2014).

Não obstante, cabe aqui a sua relevante contribuição teórica. Para Bickel,

a Corte teria o encargo de proteger princípios fundamentais da sociedade – ponto

esse que, mais tarde, viria a ser contestado por John Hart Ely com muito respeito, em

1980. O povo americano teria fé não apenas no princípio majoritário, mas também em

um processo de reforma moral contínua, o qual seria encabeçado pela revisão judicial

(LIMA, 2014, p. 70). A dificuldade contramajoritária, portanto, reside no desafio de

obter anuência popular às decisões da Corte, pois apenas através do consentimento

do governado é que o exercício do poder seria considerado legítimo.

A fiscalização da constitucionalidade estaria justificada diante de interesses

imediatos e duradouros, que coexistiriam na sociedade e orientariam as decisões

políticas. Contudo, se a finalidade é o bem comum, não se deve se pautar

exclusivamente sob interesses circunstanciados. Por conseguinte, uma vez que o

Legislativo e o Executivo não conseguem orientar-se sempre pelos valores

permanentes e fundamentais – pois sofrem pressões de vários grupos de interesse,

que os levam a decidir pela conveniência –, os tribunais seriam os mais bem

preparados para o ofício. Os juízes estariam afastados da luta de interesses,

possuindo o isolamento necessário (LIMA, 2014, p. 68-71).

Para dar cargo de salvaguardar os valores fundamentais, o Tribunal

precisaria da aceitação popular de suas decisões. O amparo à revisão judicial

conseguir-se-ia pelo exercício de “virtudes passivas” – “técnicas doutrinárias que

permitem a Corte postergar a apreciação de questões problemáticas até que a

sociedade tenha tido tempo para lidar com elas” (LIMA, 2014, p. 69; FRIEDMAN,

2002). O Tribunal não se limita às opções de manter ou anular um ato de governo

incompatível com os princípios; ainda possui a opção de “nada fazer”, o que permite

a Corte, “no emprego da prudência, agir estrategicamente” no desempenho de sua

atividade (LIMA, 2016).

50

Ely (1980) discorda, porém, que a função do Tribunal seja a de proteger

princípios fundamentais, a serem descobertos pela própria Corte. A definição e

imposição de valores fundamentais é, antes, uma prática antidemocrática, aduz. Ele

desenvolve uma teoria de controle judicial que procura compatibilizar a atividade

contramajoritária com a ideia de democracia representativa.

A Constituição não poderia ser totalmente apreendida conforme quiseram

os interpretacionistas puros: pela simples leitura de seus dispositivos ou pela intenção

do legislador que a concebeu. Há disposições abertas, que “parecem precisar de uma

injeção de conteúdo vindo fora do próprio dispositivo” (ELY, 2016, p. 15-17). Porém,

também não parece democrático entregar aos juízes, que não respondem por suas

atitudes políticas, a tarefa de definir quais os valores não poderão ser tocados pelo

controle majoritário (ELY, 2016, p. 13). Sugere Ely, portanto, um interpretacionismo

moderado, uma corrente intermediária, na qual o controle pela Corte deve ocorrer

amparado nos “temas gerais do documento constitucional e não de uma fonte

completamente externa ao texto do documento” (ELY, 2016, p. 16-17). Ely rechaça

fontes como valores pessoais do juiz, o direito natural, a razão, a tradição, o costume,

pois tudo constituiria veículo fácil de manipulação das elites – “não há fonte impessoal

a ser descoberta” que faça a Corte preferir certos valores em face de outros.

Os “valores fundamentais da sociedade” foram deixados a cargo dos

poderes tangidos pelo processo eleitoral e não são objeto elementar da Constituição,

tampouco dos juízes. Em verdade, para John Hart Ely, as questões substantivas

existem no documento americano, mas compõem uma minoria no texto constitucional,

sendo tão peculiares a certos momentos históricos que algumas delas já não existem

por realmente não constituir objeto efetivo de uma Constituição – as que ainda

perduram, ousa afirmar, logo seguirão o mesmo destino.

A parte esmagadora da Constituição americana refere-se a questões

procedimentais e estruturais – como haveria de ser, pois o texto foi produzido no

intento de “regulamentar os interesses políticos gerais da nação” (HAMILTON et al,

1948), no zelo pelas liberdades individuais. Este é o escopo de uma Constituição. O

papel da Corte – afirma Ely, com referências à nota de rodapé do caso Carolene

Products – constitui em: a) “manter a máquina do governo democrático funcionando

como deveria, garantir que os canais da participação e da comunicação políticas

permaneçam abertos”; e b) preocupar-se com o que a maioria faz com as minorias

51

(ELY, 2016, p. 101). “A desconfiança quanto às perversões do sistema representativo

e seu potencial para macular o processo democrático constituem, assim, o objeto do

Direito Constitucional” (LIMA, 2014, p. 86).

Hamilton, em O Federalista (1948), previu um certo controle dos

governados sobre os governantes, um controle mínimo: estes, terminado o seu

serviço, voltariam ao povo e integrariam novamente o grupo dos “governados”. O

propósito é que eles vivessem sob o regime das leis que aprovassem e, sabendo

disso, não deturpassem o regime. Ainda, havia a possibilidade de censura pela não

reeleição: a maioria poderia tirar o representante de seu cargo. No entanto, o que o

sistema não assegurava, segundo Ely, era a efetiva proteção das minorias de

interesses diferentes da maior parte da coletividade.

A Constituição americana e a Declaração de Direitos de 1791 possuíam

duas estratégias para proteger os interesses da minoria: a) a da lista de atos do

governo federal que não poderiam ser atentados contra ninguém; e b) a do pluralismo,

prevista pela Constituição, cujo escopo era o de estruturar o governo de modo a

garantir voz aos mais diversos grupos, a fim de que se escapasse do domínio de uma

coalizão majoritária. Tais estratégias, contudo, eram insuficientes para salvaguardar

a minoria. As listas não poderiam prever todos os atos que poderiam tiranizar as

minorias, e os mecanismos também não lhe pareciam algo de eficiência confiável

(ELY, 1980). A Corte, por outro lado, poderia servir de poder contramajoritário.

Os juízes são especialistas em processo – em sentido estrito, judicial, e,

até certo ponto, especialistas no processo em sentido amplo, pois parecem perceber,

intuitivamente, como assegurar a voz de todos em grandes questões políticas (ELY,

1980). Ely fala em relativa “imparcialidade”, para, logo em seguida, dizer que não se

pode dar tanta consideração a essa característica, pois outras pessoas especialistas

em política também a poderiam ter – sendo, portanto, uma “questão de perspectiva”,

não de perícia. Juízes também exerceriam melhor o papel de controle de participação

e reforço da representação do que os demais poderes por serem eles nomeados

relativamente à margem do sistema político, e só de modo indireto precisarem se

preocupar com a permanência no cargo (ELY, 2016, p. 136-137).

Deveria, portanto, a Corte intervir quando os incluídos no debate público

estivessem travando os canais de mudança política para garantir sua continuidade no

poder e a exclusão dos demais; ou quando, embora não se negue a ninguém nenhum

52

voto, determinados grupos estivesem em constante desvantagem no sistema

representativo (ELY, 2016, p. 137; LIMA, 2014, p. 87). Na obra “Democracia e

Desconfiança”, de John Hart Ely, seriam essas as causas do mau funcionamento do

sistema, logo, os autorizativos da revisão judicial. O Judiciário seria, assim, o

instrumento que faltava, necessário para o amparo e a proteção das minorias – o

Poder contramajoritário.

Os juízes deveriam guiar-se pelo valor da participação democrática, nos

casos em que o texto constitucional apresenta dispositivos abertos, protegendo os

procedimentos democráticos, não substituindo a vontade popular. Desse modo,

garantiriam a democracia e resolveriam o problema da desconfiança nos poderes

majoritários. De fato, um objetivo muito ambicioso o pretendido para a Corte.

Em outro sentido, Dahl (1957) conclui, em estudo empírico, que a Suprema

Corte americana não costuma decidir por minorias ou por justiça. O Tribunal exerce

uma grande influência no sistema político, mas raros foram os casos em que atuou

fora dos limites permitidos pela maioria legislativa. A Corte, dessa forma, é uma policy-

making institution e sua função é a de legitimar as lideranças políticas.

A própria maneira como é concebida a indicação de Ministros parece estar

alinhada com essa ideia de papel político do Tribunal. Presidentes não costumam

indicar Justices hostis às suas visões de política pública nem poderiam esperar a

confirmação pelo Senado de um homem cuja postura em temas essenciais estivesse

em flagrante desacordo com o perfil da maioria dominante daquela casa legislativa

(DAHL, 1957).

Os Presidentes da República, aduz Dahl, possuem a expectativa média de

indicar dois Justices durante o seu mandato: mais precisamente, a probabilidade de

um em cinco que a indicação ocorra em menos de um ano; de um em dois para indicar

um Justice no segundo ano de mandato; de três em quatro que consiga indicar um

nome em três anos de exercício de cargo presidencial. Roosevelt teve a grande má

sorte de ser uma exceção à regra, pois só conseguiu a sua primeira indicação depois

de quatro anos. Sua política do New Deal foi, portanto, obstada pela Corte. Com uma

sorte melhor, Dahl afirma que a batalha não teria ocorrido. No final do seu segundo

mandado, Roosevelt conseguiu nomear cinco novos Justices.

53

“Os pontos de vista políticos dominantes na Corte nunca são por muito

tempo fora de sintonia com os pontos de vista dominantes entre as maiorias

legislativas”6 (DAHL, 1957, p. 285). O Tribunal, no entanto, num número pequeno de

casos, conseguiu atrasar algumas políticas públicas. Levando em consideração que

a Corte deveria atuar quando a maioria se constituísse em tirania política, mal nenhum

haveria nesse atraso de implementação; seria uma atitude clamada pelo povo. Mas

Dahl não atribui esse fato particular de retardo a uma questão de certo ou justo. Nesse

sentido, a fim de refutar a visão que se tem do Tribunal como justo e certo, Dahl recorre

a decisões proferidas pela própria Corte, nas quais as leis julgadas inconstitucionais

corresponderiam àquelas cujas promulgações teriam ocorrido há mais de quatro anos

– supostamente, com esse lapso temporal decorrido, as consequências políticas das

decisões já estariam mais sensíveis de serem vistas. Haveria, nesses casos,

evidência de que o órgão constitucional protegeu direitos fundamentais e naturais e

liberdades contra as maiorias tirânicas?

Dahl responde que não. Da análise desses casos, constata não haver um

decorrente da Primeira Emenda e que menos de dez deles tiveram sua

inconstitucionalidade fundamentada nas emendas Quatro a Sete. Sendo assim,

conclui: “maiorias legislativas e Corte não estiveram tão afastadas; ainda, é duvidoso

que as condições fundamentais de liberdade tenham sido alteradas de modo

significativo pelo resultado dessas decisões”7 (DAHL, 1957, p. 292).

Em contraste com esse pequeno número, Dahl aponta para um quantitativo

maior de casos em que a Suprema Corte decidiu, com base na Quinta, na Décima

Terceira, na Décima Quarta e na Décima Quinta Emendas, em favor de grupos

privilegiados (donos de escravos, pessoas brancas, donos de imóvel), preservando

seus direitos e liberdades às custas de grupos desfavorecidos (escravos, pessoas de

cor, assalariados e outros). Políticas essas sustentadas pelo Tribunal que têm sido

repudiadas por diversas nações, inclusive o próprio Estados Unidos.

6 Traduzido do original: “The fact is, then, that the policy views dominant on the Court are never for long out of line with the policy views dominant among the lawmaking majorities of the United States.” 7 Traduzido do original: “An inspection of these cases leaves the impression that, in all of them, the lawmakers and the Court were not very apart; moreover, it is doubtful that the fundamental conditions of liberty in this country have been altered by more than a hair’s breadth as a result of these decisions.”

54

Não sendo a Corte contramajoritária – até porque, para Dahl, essa atitude

estaria em conflito com a teoria democrática –, o seu escopo seria um só: conferir

legitimidade às políticas fundamentais da coalizão dominante. O Tribunal pode fazer

política, mas parece ter ciência de que coloca em risco sua própria legitimidade se se

opuser flagrantemente às principais escolhas da maioria (DAHL, 1957).

2.4 Entre ativismo e autocontenção

Judicialização corresponde, assim, a um fenômeno de entrada, pelo qual

são levadas ao Judiciário matérias outrora decididas exclusivamente pelos poderes

majoritários (BARROSO, 2011). A resposta a esse chamamento é que poderá ser

considerada como uma postura ativista ou autocontenciosa do Tribunal. A

judicialização seria “um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro”; o

ativismo, uma atitude da Corte (BARROSO, 2011, p. 91).

“Ativismo e autocontenção são expressões que correspondem a um debate

multidimensional” (LIMA, 2014, p. 191). Em termos gerais, o ativismo consiste numa

atitude de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance, procurando

extrair o máximo das potencialidades do Diploma; a autocontenção, por sua vez,

corresponde ao comportamento do Judiciário quando escolhe reduzir sua interferência

nos outros Poderes, com deferência às ações e omissões destes (BARROSO, 2011).

Quanto às características exatas, a Teoria Constitucional ainda encontra dificuldade

em descrever o que seria aceitável para o exercício do controle de constitucionalidade.

Flávia Santiago Lima (2014) expõe diversas classificações de outros

autores quanto às formas de manifestação do ativismo judicial, para em seguida

concentrar-se em três, vez que as demais seriam específicas do modelo americano

de controle. São elas as perspectivas: a) partidário-ideológica; b) metodológica-

interpretativa; e c) institucional. As três abordagens podem se relacionar, não estando

estaticamente apartadas uma das outras.

A perspectiva partidário-ideológica trata do ativismo como resposta de

acordo com ideais políticos dos juízes, geralmente a dicotomia liberal/conservador.

Os liberais seriam mais favoráveis à proteção jurídica das liberdades individuais não

econômicas, à igualdade racial, mas não quanto às garantias de propriedade (direitos

econômicos). Já os conservadores seriam mais tentados à proteção dos direitos

55

econômicos e o respeito à autonomia das unidades federadas, entre outros temas

referentes às relações individuais (LIMA, 2014, p. 176). Reconhecer um ativismo

pautado nesta perspectiva, porém, é enfrentar a dificuldade de aferir quais seriam as

decisões partidárias e qual intenção teria o julgador.

Para a abordagem metodológica-interpretativa, o Judiciário seria ativista ao

agir em desconformidade com o seu papel apropriado, definido segundo as técnicas

hermenêuticas, que variam de ordenamento para ordenamento. Por fim, a terceira

perspectiva, intitulada de “institucional” ou “ativismo contramajoritário”, versa sobre

quando a Corte se impõe diante dos demais Poderes.

Por esta visão, a princípio, seria ativista um Tribunal que costuma invalidar

os atos dos outros Poderes. Contudo, a definição corresponde à própria finalidade do

controle. Ativismo compreendido nesse sentido negaria o exercício da revisão judicial.

Por esse motivo, os críticos afirmam que a presente perspectiva deve ser relacionada

com outras noções, de argumentos materiais, a fim de qualificar a deferência como

boa, questionável ou ruim.

No ordenamento brasileiro, identificar um ativismo desse porte torna-se

jornada relativamente mais fácil, se comparado aos outros países. Relativamente. Isto

porque as competências estão previstas exaustivamente no diploma constitucional de

1988. Ainda, em termos gerais, poder-se-ia falar que decisões de cunho político-

econômico pertencem à órbita dos poderes majoritários por estes possuírem o aparato

burocrático e visão geral de todos os aspectos implicados na sua análise (LIMA, 2014,

p. 186), enquanto que o juiz possui apenas o caso concreto como parâmetro para seu

julgamento (NUNES, 2015). É um exemplo desta concepção de conceito.

A perspectiva institucional ou ativismo contramajoritário pode se manifestar

de duas maneiras: a) quando o judiciário receita um remédio que é ativamente

administrado pelos tribunais, impondo obrigações aos outros Poderes geridas sob a

supervisão judicial; ou b) assumem função legislativa, reinterpretando a norma para

alterar a decisão do Congresso, suprindo-a pela sua (LIMA, 2014, p. 189).

Bickel, como dito, ao tratar do viés contramajoritário, ainda se destacou

pelas “virtudes passivas”, ao desenvolver sua teoria constitucional. Geralmente

argumentos de cunho processual, o exercício das “virtudes passivas” permite à Corte

postergar sua decisão, evitando o confronto desnecessário com a opinião pública e

56

com os demais Poderes. Pode, ainda, espelhar a consciência do tribunal quanto a

suas próprias limitações (LIMA, 2014, p. 75). Seja por não ter solidificado o seu

entendimento; seja por entender que a controvérsia é de competência dos Poderes

majoritários e não sua; ou por julgar não ser o momento estratégico para a tomada de

decisão, a Corte pode utilizar-se da “arte da prudência”.

O ativismo foi termo cunhado nos Estados Unidos, durante a Corte Warren,

com significado pejorativo, porém não deve necessariamente ser assim entendido, de

maneira negativa. Não raras as vezes, inclusive, é pela inércia dos demais Poderes

que o Judiciário é instado a atuar (NUNES JUNIOR, 2014). Não é, também, destino

final: uma mesma Corte pode assumir períodos de intenso comportamento proativo e,

em época seguinte, conter-se. A história americana do exercício de controle de

constitucionalidade é exemplo dos ciclos que podem vir a passar os tribunais.

2.5 Como decide o Tribunal?

Se o intuito é compreender como atuam os tribunais, deve-se resgatar o

motivo para determinadas decisões, a partir dos fatores que as influenciam (LIMA,

2014). Para a Ciência Política, amparada em estudos empíricos, três abordagens são

tradicionais: a legalista, a estratégica e a atitudinal. “Decisões judiciais são o resultado

entre a composição da Corte, as questões que lhe são submetidas e a posição do

tribunal perante os outros órgãos de governo8” (FRIEDMAN, 2004, p. 149).

O modelo legalista tenta provar que juízes decidem conforme está escrito

na lei. O ato de julgar é atividade puramente técnica e neutra (GOMES NETO, 2015).

As várias regras, princípios, os precedentes e outras estruturas argumentativas seriam

as variáveis importantes e os únicos fatores levados em conta quando magistrados

elaboram suas decisões. Sugere-se, inclusive, a exclusão espontânea, por parte dos

juízes, de quaisquer influências pessoais ou políticas que possam vir a ter durante

este processo (EPSTEIN e WALKER, 2007, p. 37).

Para o modelo atitudinal, todavia, magistrados decidem amparados em

comportamentos e crenças; preferências individuais são trazidas para a análise do

8 Traduzido do original: “Those decisions themselves are a function of the composition of the bench, the issues that come before the Court, and the Court’s position vis-à-vis the other branches of government.”

57

caso que apreciam – a exemplo dos ideais partidários do Presidente da República que

indicou o jurista para o cargo de Ministro do STF ou Justice da Suprema Corte

americana (GOMES NETO, 2012). Os valores que influenciam as decisões podem,

portanto, ser organizados em uma escala ideológica.

Tal modelo (atitudinal), em suma, dá especial destaque ao rompimento com o mito da neutralidade judicial, a partir de evidências de natureza empírica, uma vez que os juízes, embora institucionalmente independentes e formalmente imparciais, sofreriam efeitos sobre seu processo decisório, dentre outros fatores, de suas preferências, de suas ideologias, de seus preconceitos, em suma, de suas atitudes. (GOMES NETO, 2015, p. 53)

O modelo estratégico admite também que os juízes possuam preferências

pessoais e ideológicas, contudo há uma busca sofisticada, indireta por elas: os

magistrados "consideram as potenciais ações dos outros atores e podem modificar

sua conduta em resposta às prováveis reações dos outros” (GOMES NETO, 2015, p.

55-56). Eles são movidos pelas preferências dos demais Poderes e por influência de

instituições internas (v.g., ordem de votação e vinculação a precedentes) e externas

à Corte (EPSTEIN e KNIGHT apud GOMES NETO, 2015, p. 55). Não obstante

possuírem uma inclinação para decidir conforme a lei, magistrados também são

movidos por seus interesses, e percebem que, para alcançar seus objetivos,

dependem de outros atores – da consideração das preferências e expectativas destes

e do contexto institucional em que atuam (EPISTEIN e WALKER, 2007, p. 41). Para

este modelo, os juízes ponderam os custos que irão suportar e respondem, positiva

ou negativamente, às expectativas dos litigantes, da opinião pública, dos interesses

de grupos de pressão e da academia (MURPHY apud GOMES NETO, 2015, p. 59).

Neste sentido, para o caso brasileiro, Gomes Neto (2015) demonstrou ser

o Ministro Presidente do STF estratégico quando decide sobre o deferimento de

pedidos de suspensão de segurança e/ou de liminar. Também Vianna et al (1999)

concluiu que o Tribunal, através de estratégias informais, seleciona ou deixa de julgar

determinados tipos de conflito.

De acordo com Carvalho (2005), o Tribunal brasileiro possui preferências

no trato com os legitimados ativos e quanto a determinados temas. “A estratégia de

julgamento do Supremo Tribunal Federal obedeceu a uma lógica de seletividade e

58

especificidade” (CARVALHO, 2005, p. 148). O Procurador-Geral da República

apresenta-se como o grande parceiro do STF; contudo, a parceria restringe-se a um

campo bem específico, o da administração judicial. A Corte possui uma tendência a

intervir com maior intensidade quando está em jogo legislação que versa sobre

carreiras, remuneração e organização do serviço público no âmbito do Judiciário – ou

seja, “temas típicos de um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).

Se a iniciativa dos intérpretes (ou legitimados ativos) da Constituição, constante na revisão judicial, está induzindo o Supremo Tribunal Federal à assunção de novos papéis [perspectiva sustentada por Vianna et al (1999)], esse novo papel não é de enfrentamento ao poder soberano. (CARVALHO, 2005, p. 143)

Oliveira (2015) constatou que, em temas previdenciários, o Tribunal

costuma negar a pretensão dos segurados e decidir a favor das preferências do INSS.

Nos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, o STF atua como

“mão amiga” do Executivo. Isto devido a uma preocupação do próprio Tribunal: os

Ministros possuem a consciência de que suas decisões podem produzir grande

impacto na economia.

Dos doze temas de repercussão geral analisados, um terço utiliza o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial como justificativa para não interferir na política pública previdenciária estabelecida pelos Poderes Executivo e Legislativo, preocupados com o impacto no orçamento. O que não corrobora com a hipótese levantada de que o STF protegeria direitos dos segurados, por ser um poder contramajoritário. (OLIVEIRA, 2015, p. 104)

Lima et al (2016) argumenta possuir o STF um comportamento estratégico,

utilizando o tempo como aliado para adiar uma decisão que lhe impõe alto e

desnecessário custo político. Parte-se, portanto, da premissa de Bickel sobre o

exercício de virtudes passivas. Posterga-se a deliberação quanto a esses casos até

que as disputas sejam “espontaneamente” resolvidas e se possa encerrar o processo

com base em um argumento formal.

59

2.6 Entendendo as respostas da Corte

O Judiciário é um poder contramajoritário cuja função no jogo político é a

de proteger as minorias (BICKEL, 1962; ELY, 1980), resguardando, por conseguinte,

a democracia e a ordem social da tirania da maioria.

O jogo democrático continua no Judiciário, ao qual fora dada a prerrogativa

constitucional de decidir sobre matérias tradicionalmente de competência dos poderes

majoritários (Executivo e Legislativo). Assim sendo, os juízes podem, inclusive,

exercer verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas. O nome desse

fenômeno que descreve a atitude de levar à Corte demandas é judicialização.

A judicialização é, portanto, uma realidade concebida pelo sistema, no

desenho constitucional brasileiro. Ocorre muitas vezes diante da falha e da inércia do

Executivo e do Legislativo (CASTRO, 1996; NUNES JÚNIOR, 2014). A nível mundial,

tornou-se uma prática comum associar o conceito de democracia ao mecanismo –

muito embora o status de condição necessária não seja verdadeiro (GRIMM, 2011).

Judicialização corresponde, assim, a um fenômeno de entrada, pelo qual

são levadas ao Judiciário matérias outrora decididas exclusivamente pelos poderes

majoritários (BARROSO, 2011). A resposta a esse chamamento poderá ser

considerada como uma postura ativista ou autocontenciosa do Tribunal.

Em termos gerais, o ativismo consiste num modo de interpretar a

Constituição, expandindo seu sentido e alcance. A autocontenção, por sua vez,

corresponde ao comportamento do Judiciário quando escolhe reduzir sua interferência

nos outros Poderes, com deferência às ações e omissões destes (BARROSO, 2011).

Quanto às características exatas, a Teoria Constitucional ainda encontra dificuldade

em descrever o que seria aceitável para o exercício do controle de constitucionalidade.

Bickel ainda se destacou pelas chamadas “virtudes passivas” – práticas da

Corte para evitar o confronto desnecessário com a opinião pública e com os demais

Poderes. São geralmente argumentos de cunho processual e permitem ao Tribunal

postergar sua decisão, estrategicamente. O seu exercício corresponderia à “arte da

prudência” (LIMA, 2014).

Não obstante aos comportamentos de ativismo e autocontenção, os

motivos que levam a Corte a decidir podem ser de três ordens: as abordagens

legalista, estratégica e atitudinal.

60

O modelo legalista tenta provar que juízes decidem conforme está escrito

na lei, unicamente. As várias regras, princípios, os precedentes e outras estruturas

argumentativas seriam as variáveis importantes e os únicos fatores levados em conta

quando magistrados elaboram suas decisões. Sugere-se, inclusive, a exclusão

espontânea, por parte dos juízes, de quaisquer influências pessoais ou políticas que

possam vir a ter durante este processo (EPSTEIN e WALKER, 2007, p. 37).

Para o modelo atitudinal, todavia, magistrados decidem amparados em

comportamentos e crenças. Os valores que influenciam as decisões podem ser

organizados em uma escala ideológica.

O modelo estratégico também admite que os juízes possuam preferências

pessoais e ideológicas, contudo, há uma busca indireta por elas. Não obstante

possuírem uma inclinação para decidir conforme a lei, magistrados também são

movidos por seus interesses e percebem que, para alcançar seus objetivos,

dependem de outros atores (EPISTEIN e WALKER, 2007, p. 41). Para este modelo,

os juízes ponderam os custos que irão suportar e respondem, positiva ou

negativamente, às expectativas dos litigantes, da opinião pública, dos interesses de

grupos de pressão e da academia (MURPHY apud GOMES NETO, 2015, p. 59).

É em meio a toda essa literatura que a presente pesquisa procura analisar

se o Supremo Tribunal Federal é uma Corte ativista ou autocontenciosa em relação

às agremiações. Centra-se nos partidos políticos porque, como exposto, costuma-se

aludir a uma tradicional ligação entre o controle de constitucionalidade e a oposição,

como uma justificativa para a revisão judicial. Nesse sentido, Vianna et al (1999)

alertou para o fato de 70% das ações diretas de inconstitucionalidade terem sido

promovidas por partidos políticos da oposição.

Esta pesquisa busca testar a hipótese quanto aos pequenos partidos

políticos brasileiros: a Corte possui perfil autocontencioso em suas decisões quanto

às demandas submetidas por essa categoria de atores políticos. O teste dessa

hipótese será feito de modo a verificar se ela corresponde às evidências empíricas

constatadas, com o objetivo de concluir sobre o comportamento do Supremo Tribunal

Federal diante das demandas das pequenas agremiações.

61

3. ESTRATÉGIA EMPÍRICA

3.1 Introduzindo o desenho da pesquisa

A fim de saber se o STF é uma arena interessante para o debate dos

pequenos partidos políticos – logo, se cumpre com o seu papel pensado pela

engenharia constitucional –, a presente pesquisa se dispôs a duas análises: a)

identificar o que as agremiações estão propondo; b) verificar se elas estão ganhando

as demandas que submetem ao crivo constitucional, sob a forma de ADINs.

Para tanto, identificou-se, em primeiro lugar, quais seriam os partidos

pequenos que teriam tido representação no Congresso desde a vigência da atual

Constituição até o ano de 2015. Entendeu-se como pequenos os partidos aqueles

que: a) possuíssem até 1% do Senado Federal ou da Câmara de Deputados,

equivalente a um senador ou até cinco deputados federais por agremiação no

momento em que a ADIN foi proposta; e b) tivessem assim se comportado em pelo

menos duas eleições. Esses foram os dois critérios cumulativos elegidos pela

pesquisa – e de autoria dela – para aferir quais seriam os partidos pequenos no

cenário político brasileiro.

A partir de subsídios coletados nos sites do Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) e da Câmara dos Deputados, construiu-se um banco de dados sobre quais

seriam os candidatos eleitos em cada ano de eleição. Ademais, a fim de obter maior

segurança sobre a composição das bancadas, buscou-se saber sobre a filiação

partidária durante as legislaturas. Estes últimos dados não foram encontrados, mas

trabalhou-se com informações obtidas no site da Câmara dos Deputados quanto à

composição das bancadas no momento da posse.

Quanto às ações, elas estão disponíveis no site do STF. Foram analisadas

as ADINs propostas por partidos no período de 1988 a 2015.

3.2 Quem seriam os partidos pequenos?

Com as informações disponíveis nos sites do TSE e da Câmara dos

Deputados foi possível perceber quais partidos teriam o número de um senador ou de

até cinco deputados federais eleitos para cada legislatura.

62

Chegou-se ao número de trinta e cinco partidos. Apenas por esse critério,

porém, uma dificuldade permanecia: partidos como o PT e o PSDB constavam da

relação, por terem conseguido eleger apenas um senador no ano de 1990. Logo,

partidos considerados grandes pelo senso comum integravam a amostra, causando

um conflito inclusive para o objetivo deste trabalho (analisar o comportamento do

Supremo diante das pequenas das agremiações, como adiante se verá).

Desse modo, preferiu-se adicionar outro critério para a seleção da amostra

a ser trabalhada: os partidos teriam de se comportar dessa maneira (elegendo apenas

um senador ou até cinco deputados) em pelo menos duas eleições. Os riscos ao corte

epistemológico foram, portanto, anulados. Das trinta e cinco agremiações, tem-se

como pequenas, finalmente, o número de vinte. São elas as da tabela 01.

Tabela 01. Relação de partidos pequenos e o número de eleições que ganhou uma cadeira no Senado ou até cinco na Câmara dos Deputados.

Nº de eleições que ganhou

PCB 1987 2

PCdoB 2011 2007 1987 3

PDT 2007 1991 2

PHS 2014 2011 2007 3

PL 2007 1995 2

PMN 2014 2011 2007 2003 1999 1995 1991 1987 8

PP 2014 2007 2

PPS 2011 2007 2003 1999 1995 5

PRB 2011 2007 2

PRP 2014 2011 1995 3

PRTB 2014 2011 2007 3

PSB 2007 1999 1995 1987 4

PSC 2011 2003 1999 1995 1987 5

PSD 2003 1999 1995 1991 4

PSL 2014 2011 2003 1999 4

PSOL 2014 2011 2007 3

PST 1999 1991 2

PTC 2014 2011 2007 3

PTdoB 2014 2011 2007 3

PV 1999 1995 2

Fonte: elaboração própria.

63

Assim, doravante serão chamados nesta pesquisa de pequenos partidos o

grupo que abrange o PCB, o PCdoB, o PDT, o PHS, o PL, o PMN, o PP, o PPS, o

PRB, o PRP, o PRTB, o PSB, o PSC, o PSD, o PSL, o PSOL, o PST, o PTC, o PTdoB

e o PV. São as vinte pequenas agremiações.

3.3 Metodologia de pesquisa

Quais as reações do Supremo Tribunal Federal quando ele é acionado

pelos partidos políticos de pequenas bancadas?

A fim de responder a essa pergunta de partida, duas análises qualitativas-

quantitativas serão feitas. A primeira delas é desenvolvida por ser pressuposto para o

entendimento da segunda e refere-se ao momento anterior à decisão da Corte:

identificar a pauta das pequenas agremiações na justiça constitucional.

Para tanto, são selecionadas as ações diretas de inconstitucionalidade

propostas pelos pequenos partidos e identificados os temas a que elas aludem. As

petições iniciais encontradas no site do STF são, a esse propósito, essenciais. Cruza-

se o ano em que o partido se encontrava em situação de pequeno e o momento no

qual ele ajuizou a ADIN, a fim de compor o banco de dados. Interessante observar

que as quinze agremiações desprezadas da amostra por não manter o número de um

senador ou até cinco deputados nas bancadas legislativas por mais de uma eleição

não propuseram nenhuma ADIN – com exceção do PT, do PSDB e do PTR.

Os temas encontrados serão categorizados e, em seguida, quantificados

com instrumentos de estatística básica. Posteriormente, o resultado referente aos

pequenos partidos será comparado com aquilo que se observa quanto aos grandes

(representados pelo PT e pelo PMDB).

Portanto, para a primeira análise, foca-se nas petições iniciais das ADINs

propostas pelos partidos pequenos e por partidos grandes. Para representar a estes,

elegeu-se o PT e o PMDB, por serem as maiores bancadas (principal partido de

esquerda e aquele que sempre esteve no governo, respectivamente). Assim, torna-se

possível comparar o perfil dos dois grupos.

Como segunda parte da análise desenvolvida para este problema de

pesquisa, procura-se analisar o momento posterior à decisão – mais precisamente a

64

resposta do STF às demandas dos partidos políticos, ajuizadas em forma de ações

diretas de inconstitucionalidade.

Trabalhar-se-á com as variáveis categóricas “procedente”, “improcedente”,

“liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Com elas, será feita uma análise

qualitativa, de cunho exploratório-descritivo, das decisões das ADINs propostas pelos

pequenos partidos. Os achados também serão posteriormente codificados, recebendo

tratamento de estatística básica.

Para testar a hipótese do presente trabalho de que a Corte brasileira é

ativista, espera-se um maior número quanto à taxa de decisões pela procedência das

ADINs propostas pelos pequenos partidos políticos, quando comparada às demais.

Sendo assim, após ambas as análises, a codificação dos resultados

permitirá descrever o comportamento da Corte em relação aos partidos, a fim de se

saber se o STF é, afinal, ativista ou autocontencioso nas decisões que profere no

âmbito das demandas submetidas por esses atores políticos.

3.4 Hipótese

Com a atual engenharia desenhada para o controle concentrado, tornou-se

comum afirmar a Corte Constitucional como o poder contramajoritário, pois ela

ofereceria às minorias a oportunidade de vencer as maiorias legislativas, equilibrando

a balança política das relevantes decisões. Especificamente quanto às agremiações,

elas estariam autorizadas a demandar o STF independentemente do tamanho que

possuam (pequenas ou grandes), bastando apenas que cumpram o requisito de ter

ao menos um representante no Congresso Nacional no momento de propositura das

ações diretas de controle concentrado.

Acionar o mecanismo de retificação do controle de constitucionalidade

passou a ser uma estratégia política. Sobre esse fato, a título de curiosidade, a) TATE

(1997) argumenta que partidos recorrem à justiça constitucional no intuito de reverter

decisões do Legislativo contrárias aos interesses de seus filiados, de seus eleitores

ou dos respectivos financiadores de campanha; e b) Carvalho et al (2012) e Taylor e

Da Ros (2008) defendem que, ainda que não sejam revertidas as decisões

legislativas, os partidos judicializam com a estratégia para manter o assunto em

evidência e declarar-lhe oposição. A Corte passou a ser importante ator político,

65

podendo ser utilizada como ágora para tornar públicas as agendas dos

representantes, quando não capaz de reverter decisões dos outros Poderes quanto à

realização de políticas públicas.

O problema da presente pesquisa, portanto, é quais as reações do STF

quando acionado pelos pequenos partidos políticos. Objetiva-se analisar se a Corte

cumpre a premissa da engenharia constitucional de ser uma arena interessante para

o debate dos partidos políticos, atuando como instrumento relevante no jogo

democrático, em nome de minorias.

Entende-se o fenômeno da judicialização como aquele correspondente à

atitude de levar ao Tribunal questões para serem por ele apreciadas. Contudo,

também se percebe dois momentos distintos deflagrados por esse fenômeno e que

podem ser estudados: os inputs e os outputs.

A abordagem dos inputs do processo diz respeito ao estudo das razões que

levaram a acontecer a judicialização, bem como os motivos dos atores políticos para

decidir por judicializar. Exemplos são Tate e Vallinder (1997) – responsáveis por

cunhar a expressão –, Pisarello (2001), Zagrebelsky (1999), Vianna et al (1999), Maus

(2000), Taylor e Da Ros (2008), Veronese (2009), Grimm (2011), Carvalho et al (2011;

2016).

Em sentido contrário está a abordagem dos outputs, a qual se preocupa

com a repercussão das decisões judiciais e suas consequências para o mundo político

(para o caso brasileiro, v.g, GOMES NETO, 2015; LIMA et al, 2016). Foca-se aqui na

resposta da Corte às demandas a ela submetidas, podendo traduzir-se em uma

postura ativista ou autocontenciosa (BARROSO, 2011; LIMA, 2014).

Logo, uma coisa é demandar, outra é obter a resposta do Tribunal no

sentido de reverter as decisões das maiorias legislativas. É neste último sentido e

abordagem que se desenvolve a presente pesquisa. Por uma razão de corte

epistemológico, não se cuidará da racionalidade dos atores que acionam o controle

de constitucionalidade, muito embora seja feita no capítulo quatro uma análise

qualitativa-quantitativa dos inputs do fenômeno da judicialização. É bem verdade que

o capítulo quatro tem por objetivo identificar os temas submetidos pelos partidos

políticos ao STF, mas justifica-se o exame dos inputs por ser ele pressuposto para o

66

melhor entendimento dos outputs do processo de judicialização. O trabalho é, desse

modo, voltado para o estudo destes.

Sintetizando a literatura existente, esta pesquisa busca testar a seguinte

hipótese quanto aos pequenos partidos políticos brasileiros: o Supremo Tribunal

Federal possui perfil autocontencioso em suas decisões quanto às demandas

submetidas por essa categoria de atores políticos. O teste dessa hipótese será feito

de modo a verificar se ela corresponde às evidências empíricas constatadas, com o

objetivo de concluir sobre o comportamento da Corte Constitucional diante das

demandas das pequenas agremiações.

67

4. O QUE OS PARTIDOS ESTÃO PROPONDO?

4.1 Quais seriam os temas das ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas

pelos partidos políticos?

Conforme já referido, neste capítulo serão identificados os temas das ações

diretas de inconstitucionalidade, numa breve análise sobre os inputs do processo de

judicialização desencadeado pelos partidos políticos. Identificar-se-ão os temas, pois

os resultados aqui obtidos serão relevantes para a compreensão dos outputs,

examinados no capítulo seguinte.

Antes, reitera-se uma consideração quanto ao banco de dados: foram

analisadas todas as ADINs propostas desde 1988 até 2015 pelos partidos políticos

identificados circunstancialmente como pequenos. Houve, portanto, o cruzamento das

duas informações: ano de ajuizamento da ADIN e ano em que a agremiação possuía

pequena bancada. Sendo assim, o momento de cada partido na composição das

bancadas foi fundamental para que as ações ajuizadas por ele naquele respectivo

período viessem a integrar a presente pesquisa.

O referido banco de dados, desse modo, foi criado a partir das informações

contidas no site do Supremo Tribunal Federal – a plataforma apresenta detalhes das

ações diretas de inconstitucionalidade submetidas ao órgão. Pesquisado o nome do

partido, houve um cruzamento das ADINs encontradas com os subsídios oferecidos

pelos sites do TSE e da Câmara dos Deputados quanto ao número de representantes

de cada partido no Congresso. Assim, as ações foram selecionadas.

Doravante, tratar-se-á da primeira análise. Para executá-la, identificou-se

os temas de cada uma das ações diretas de inconstitucionalidade, de acordo com a

respectiva petição inicial. Em seguida, os assuntos foram categorizados.

No estabelecimento de variáveis categóricas a serem tratadas quanto aos

temas das ADINs discutidas nesta pesquisa, utilizou-se como referencial teórico o

trabalho de Carvalho (2005), o qual, por sua vez, também encontrou em Vianna et al

(1999) uma inspiração para o desenvolvimento de sua análise. Contudo, adverte-se

que, aqui, as nove variáveis propostas por Carvalho sofreram pequenas alterações e

acréscimos, tendo a elas também se juntado outras três categorias, totalizando,

finalmente, doze “variáveis temáticas” (quadro 01).

68

Quadro 01. Variáveis categóricas propostas para os temas das ADINs.

Temas Descrição

Administração Pública Civil

Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público, no âmbito do Executivo e do Legislativo. Também normas quanto à deliberação nas Casas Legislativas

Administração Pública Judicial

Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público, no âmbito do Judiciário (o que, insta salientar, abrange o Ministério Público). Inclui regras quanto à distribuição de processos e competência

Administração Pública Militar Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público militar

Política Social

Normas que tratam dos sistemas de seguridade social não afetos ao funcionalismo público, bem como a legislação reguladora do acesso a diferentes benefícios sociais;

Política Econômica

Reúne as normas de regulação da economia afetas à política cambial, monetária, salarial e de preços, com exceção das de natureza tributária. Estão contidas nesta categoria as regras concernentes ao programa de privatização, à alienação de ações de empresas públicas e ao sistema de precatórios, bem como a participação da Administração Direta no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e outros recursos minerais no respectivo território, ou compensação financeira por essa exploração

Política Tributária

Reúne as regras que tratam da definição da base de arrecadação e da alíquota dos tributos, também tendo sido classificadas nesta categoria as normas referentes à concessão de incentivos fiscais e à regulação das zonas de tributação especial

Competição Política Abrange dispositivos e diplomas legais relativos às eleições e aos partidos políticos

Disputa entre Poderes

Estão nesta categoria normas que versem sobre a derrubada do veto do Executivo, o plebiscito quanto à forma de governo, bem como algumas Medidas Provisórias que tinham o intuito de impedir a concessão de liminar em ações que versassem sobre determinadas Leis ou outras Medidas Provisórias

Relações Trabalhistas Inclui as normas que regulam o mundo do trabalho, tais como direito do trabalhador, organização sindical e direito de greve

Regulação da Sociedade Civil

Trata-se das regras que ordenam as relações entre particulares, como, por exemplo: regulamentação da cobrança de mensalidades escolares, das corporações profissionais, do meio ambiente e das populações indígenas. Inclui também o tratamento da responsabilidade civil contra a Administração Pública e normas que envolvam restrição de liberdade (cabimento da prisão provisória, ou tendente a instituir pena de morte), inclusive quanto a atos infracionais

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Abarcam o projeto de integração São Francisco, o Sistema Financeiro de Habitação, SEBRAE e a prestação, concessão ou permissão de serviços públicos, tais como educação, saúde, saneamento, energia, telecomunicações

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

Ações nas quais se discute o preâmbulo constitucional, a intervenção do Estado na propriedade, a intervenção em Municípios e a criação, o desmembramento e os limites destes

Fonte: elaboração própria, a partir de Carvalho (2005).

69

Como alterações promovidas pela presente pesquisa, foram criadas e

unidas às categorias originais de Carvalho (2005) as categorias “outras políticas e

prestação de serviço público”, “disputa entre poderes” e “outras questões

administrativas e constitucionais”. Quanto às variáveis já existentes no trabalho do

cientista político, acrescentou-se à “administração pública judicial” as regras de

distribuição de processos e de competência. Da mesma forma, foram incluídas: a) em

“política econômica”, as normas quanto à alienação de ações de empresas públicas e

ao sistema de precatórios, bem como a participação da Administração Direta no

resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de

geração de energia elétrica e outros recursos minerais no respectivo território, ou

compensação financeira por essa exploração; e b) em “Regulação da Sociedade

Civil”, o tratamento da responsabilidade civil contra a Administração Pública e normas

que envolvam restrição de liberdade (cabimento da prisão provisória, ou tendente a

instituir pena de morte), inclusive quanto a atos infracionais.

É importante destacar que algumas ADINs ajuizadas pelas pequenas

agremiações assumiram mais de uma categoria. Mais precisamente, onze delas

demonstraram tal comportamento.

Pela tabela 02, das 291 ADINs propostas pelos vinte partidos de pequenas

bancadas, oitenta e nove delas corresponderam a questões de administração pública

civil (pouco mais de 30,5% do total). Nesse sentido, o funcionalismo público no âmbito

do Legislativo e do Executivo, juntamente com as normas referentes à deliberação

nas Casas Legislativas, apresentou altos índices no tocante ao quantitativo que

avaliou as ações diretas de inconstitucionalidade propostas por pequenos partidos.

Em seguida, os temas de administração pública judicial (servidores públicos no âmbito

do Judiciário e regras quanto à distribuição de processos e competência) e de

competição política foram os mais recorrentes, nessa ordem, responsáveis por

17,52% e 12,71% das ações ajuizadas.

Tabela 02. ADINs dos partidos pequenos por legislatura.

1988-1990

1991-1994

1995-1998

1999-2002

2003-2006

2007-2010

2011-2014 2015 Total

Administração Pública Civil 7 4 8 47 2 10 9 2

89 (30,58%)

Administração Pública Judicial 2 0 4 28 8 5 4 0

51 (17,52%)

70

Administração Pública Militar 1 0 1 5 0 1 2 0

10 (3,43%)

Política Social 0 0 2 2 2 0 0 1 7 (2,4%)

Política Econômica 1 9 6 6 0 3 1 0 26

(8,93%)

Política Tributária 0 3 4 12 0 5 4 0 28

(9,62%)

Competição Política 3 2 7 3 4 10 6 2 37

(12,71%)

Disputa entre Poderes 2 0 1 0 0 0 0 0 3

(1,03%)

Relações Trabalhistas 2 0 1 2 0 1 0 0 6

(2,06%)

Regulação da Sociedade Civil 3 3 3 5 2 5 5 2

28 (9,62%)

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 0 0 3 1 1 8 5 0

18 (6,18%)

Outras Questões Administrativas e Constitucionais 0 0 1 5 0 0 1 0 7 (2,4%)

Fonte: elaboração própria.

A realidade encontrada quando apenas se cogita os partidos políticos

difere-se daquela apresentada por Carvalho (2005): os assuntos de administração

judicial cedem seu lugar de destaque aos temas de administração pública civil. Isto,

porém, era de se esperar, vez que a pesquisa de Carvalho leva em apreço atores

jurídicos aqui não considerados. Desta forma, está explicado por que na presente

pesquisa o número de ações quanto à administração judicial – o qual, diga-se, já

representa um quantitativo bastante graúdo quanto aos pequenos partidos políticos –

não supera os assuntos de administração pública civil: o Procurador–Geral da

República, o Conselho Federal da OAB e as Associações da Burocracia Judicial

podem fazer diferença na análise geral daquilo submetido à Corte. Os partidos, por

sua vez, sendo atores políticos, mais demandaram o STF para apreciar normas sobre

carreiras, remuneração e organização do serviço público no âmbito do Executivo e do

Legislativo, além do modo de deliberação nas Casas. Não obstante, insta frisar, ainda

assim as pequenas agremiações apresentaram um alto índice de “matérias típicas de

um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).

Importante ressaltar que vinte e seis das ADINs sobre administração

pública civil disseram respeito a uma inconstitucionalidade por omissão aplicável a

todos os Governadores, correspondente ao dever de desencadear o processo de

elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.

71

Por esse motivo, vinte e seis ações foram ajuizadas, uma a uma, contendo intimações

a Governadores diferentes, de cada Estado da República Federativa do Brasil.

Gráfico 01. ADINs dos partidos pequenos.

Fonte: elaboração própria.

O gráfico 01 evidencia o exposto ainda há pouco: numa posição não muito

atrás que a do funcionalismo público, e igualmente merecedores de destaque, estão

os assuntos de competição política. Normas relativas às eleições e aos partidos foram

a terceira categoria mais impugnada pelas pequenas agremiações, representando um

total de trinta e sete (12,71%) no universo das 291 ADINs.

“Regulação da sociedade civil” e “política tributária” estiveram empatadas

no quinto lugar das categorias mais abordadas, logo seguidas pela “política

econômica”. As três obtiveram números muito semelhantes (vinte e oito e vinte e seis

ações); logo, o mesmo percentual, 9,62%. Juntas, compõem o grupo de posição

intermediária quanto ao que demandam partidos pequenos na justiça constitucional.

O gráfico 01 ainda aponta para uma significativa arguição de

inconstitucionalidade de normas referentes a outras políticas e prestação de serviços

públicos. No entanto, cabe salientar que as regras quanto à intervenção do Estado na

propriedade e à criação, ao desmembramento e aos limites de municípios não são

muito discutidas, assumindo a categoria de “outras questões administrativas e

constitucionais” o quantitativo de apenas sete ADINs (2,4%). O PSL, então partido

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

72

pequeno, no ano de 1999, tentou obter a declaração de invalidade do preâmbulo da

Constituição do Acre e esta ADIN fora incluída na categoria “outras questões

administrativas e constitucionais”.

Com os números de sete e seis (2,4% e 2,06%), respectivamente, são

poucas as ações enquadradas como “relações trabalhistas” e “política social”. Desse

modo, pelos gráficos e tabelas acima, é possível constatar que os pequenos partidos

mais ajuízam temas ligados ao funcionalismo público.

A situação muda um pouco quando se analisa um partido grande.

Gráfico 02. ADINs do PMDB.

Fonte: elaboração própria.

Primeiramente, cabe registrar que o PMDB também possui ações que

assumem mais de uma categoria. Neste sentido, duas são as ADINs “mistas”.

Em meio a trinta e oito ações diretas de inconstitucionalidade (gráfico 02),

assuntos de administração pública civil continuam sendo os mais submetidos à Corte

– representam 31,5% do total. Contudo, o segundo lugar encontra-se empatado:

disputam pelo posto as normas atinentes à competição política, à administração

judicial e à regulação da sociedade civil.

No arranjo intermediário, estão as categorias ”política econômica” (7,8%),

“política tributária” (5,2%) e “outras questões administrativas e constitucionais”

0 5 10 15

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

73

(também 5,2%). A intervenção em Municípios fora matéria unicamente discutida por

partido grande (PMDB), não cogitada pelas pequenas agremiações.

Por fim, de 1988 a 2015 nenhuma ADIN fora ajuizada pelo PMDB quanto a

relações trabalhistas, à disputa entre poderes ou a outras políticas e prestação de

serviços públicos. A ausência de ações sobre esta última categoria era de se esperar,

visto que este partido sempre se manteve no governo.

Veja-se o perfil do PT, o grande nome da oposição durante metade da vida

democrática desta ordem constitucional (gráfico 03). Foram duzentas e vinte e uma

ações propostas.

Gráfico 03. ADINs do PT.

Fonte: elaboração própria.

Com duzentas e vinte e uma ADINs ajuizadas até o fim do ano de 2015, o

Partido dos Trabalhadores constitui o partido que mais demandou na justiça

constitucional. Não por acaso, Vianna et al (1999) constataram mais de 70% das

ações diretas de inconstitucionalidade terem sido propostas pela oposição (entenda-

se, PT, em virtude do ano no qual a obra foi publicada).

Das duzentas e vinte e uma ações ajuizadas pelo PT, vinte e uma delas

assumem mais de uma categoria temática proposta por esta pesquisa.

0 10 20 30 40 50 60 70

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

74

Administração pública civil continua a ser o assunto mais recorrente,

representando um pouco mais de 30% daquilo submetido à Corte. Todavia, cresce de

modo exponencial o debate quanto às regras de política econômica, o que faz a

categoria ocupar, de forma inédita nesta pesquisa, a segunda colocação entre os

temas propostos. Nem os pequenos partidos nem o PMDB demonstraram tamanha

preocupação com essa área.

Como é possível constatar do gráfico 03, o PT discute muito mais política

econômica e outras políticas e prestação de serviços públicos do que matérias de

administração judicial, assumindo postura diversa dos outros partidos analisados.

Portanto, o PT mais ajuíza normas relativas à administração pública civil

(pouco mais de 30%) e à política econômica (20%). Como categorias intermediárias,

tem-se “outras políticas e prestação de serviços públicos”, “regulação da sociedade

civil” e “administração judicial”, nessa ordem, com estas duas últimas empatadas na

quantidade de ações – vinte e duas ADINs (tabela 04), ou 9,9% do total.

Posteriormente, discute-se sobre política tributária (5,4%) e, com um pouco

menos de intensidade, relações trabalhistas e administração pública militar (ambas

com 4,5%). “Competição política” e “outras questões administrativas e constitucionais”

possuem menos de 3,1% e 2,7% do total proposto pelo PT.

Gráfico 04. ADINs PT e PMDB em contraste.

Fonte: elaboração própria.

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

PT PMDB

75

Quando comparados os dois grandes partidos eleitos para a presente

pesquisa (PMDB e PT), observa-se, portanto, assuntos referentes à administração

pública civil continuam sendo os mais propostos ao Tribunal.

O gráfico 04 mostra ainda que, entre os grandes partidos aqui analisados,

há uma diferença entre os segundos lugares e uma dessemelhança ainda maior

quanto às categorias de posição intermediária. Contudo, regras quanto à

administração pública militar e outras questões administrativas e constitucionais

continuam a ser, em ambos, pouco cogitadas para o debate constitucional.

Quando analisados não apenas os partidos grandes como os pequenos

(tabela 03), não só as normas quanto à administração pública civil se mantêm como

o assunto mais recorrente, com mais de 30%, como também “disputa entre poderes”

constitui a categoria menos expressiva, discutida somente pelas pequenas

agremiações e por apenas três vezes (1,03%). Conclui-se, por conseguinte, o norte

da preocupação das agremiações: os partidos (grandes ou pequenos) mais estiveram

centrados no debate quanto à organização, deliberação e o funcionalismo público no

âmbito do Executivo e do Legislativo – suas arenas de origem –, e (PMDB e pequenos)

quanto às regras reguladoras dos próprios partidos e eleições. Contendas por ventura

existentes entre os Poderes, ou entre as “arenas majoritárias” e o Judiciário, não foram

objeto de grande apreensão.

Tabela 03. ADINs PT, PMDB e partidos pequenos em contraste.

PT PMDB Partidos Pequenos

Administração Pública Civil 30,63% 33,33% 30,58%

Administração Pública Judicial 9,9% 15,38% 17,52%

Administração Pública Militar 4,5% 2,5% 3,4%

Política Social 7,65% 2,5% 2,4%

Política Econômica 20,27 7,69% 8,93%

Política Tributária 5,4% 5,12% 9,62%

Competição Política 3,1% 15,38% 12,71%

Disputa entre Poderes 0 0 1,03%

Relações Trabalhistas 4,5% 0 2,06%

Regulação da Sociedade Civil 9,9% 15,38% 9,62%

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 10,8% 0 6,18%

Outras Questões Administrativas e Constitucionais 2,7% 5,12% 2,4%

Fonte: elaboração própria.

76

A tabela 03 mostra também uma grande atenção por parte dos partidos

pequenos e do PMDB quanto a tópicos de administração judicial. Por motivos que não

cabem aqui, mas certamente são curiosos, há um desejo em se acionar o controle de

“matérias típicas de um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).

Reitera-se que a análise ora descrita, acerca os inputs do processo de judicialização,

não possui o intuito de tratar sobre a racionalidade dos que submetem demandas à

Corte; o exame é feito a fim de melhor se compreender os outputs. Quanto às razões

para esta preferência, não se afasta a possibilidade de em um momento próximo vir a

desenvolver uma nova pesquisa para o seu exame.

A fim de tentar destrinchar ainda mais o comportamento dos partidos

pequenos, eles foram separados em grupos ideológicos: esquerda, centro-esquerda,

centro, centro-direita e direita (tabela 04). Em seguida, os dados foram novamente

rodados, no intuito de conhecer o quantitativo de cada grupo por categoria de ADINs

ajuizadas pelas pequenas agremiações.

Recorreu-se à literatura e preferiu-se utilizar como parâmetro principal para

aferir a posição ideológica de cada partido o trabalho de Tarouco e Madeira (2015).

Durante encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) ocorrido em

2010, eles realizaram survey com participantes (coordenadores, debatedores,

ouvintes, autores e coautores) das áreas temáticas de eleições e representação

política e de instituições. Após a análise quantitativa, puderam formular uma escala

ideológica, trabalhando quantitativamente os dados coletados.

Tarouco e Madeira conseguiram aferir a ideologia de um grande número

de partidos a partir desse survey, em uma das mais completas pesquisas. Apenas

quatro das vinte agremiações aqui consideradas como pequenas não foram

contempladas no survey de 2010 do encontro da ABCP. Não obstante, o mesmo

trabalho de Tarouco e Madeira fornece informações quanto ao caráter ideológico do

PL, do PSD, do PSOL e do PST: faz referência a outras pesquisas (MAINWARING et

al, 2000; COPPEDGE, 1997; POWER e ZUCCO, 2011), as quais os contemplaram.

Portanto, como critérios secundários, recorreu-se aos trabalhos de

Mainwaring et al (2000), Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011). Pelo primeiro, os

dados foram obtidos através de votações no Congresso e de survey com

parlamentares; pelo segundo, os dados foram fruto de compilação de avaliações de

outros analistas; o terceiro coletou os dados a partir de entrevistas com parlamentares.

77

Tabela 04. Classificação ideológica dos partidos pequenos.

TAROUCO e MADEIRA (2015)9

MAINWARING et al (2000)10)

COPPEDGE (1997)11

POWER e ZUCCO (2011)12 Resultado

PCB 1,5 Esquerda

PCdoB 2,3 Esquerda

PDT 3,3 Esquerda

PHS 4,5 Centro

PL – D SR – Direita

PMN 4,4 Centro-esquerda

PP 6 Direita

PPS 4 Centro-esquerda

PRB 5,1 Centro-direita

PRP 5,4 Centro-direita

PRTB 5,3 Centro-direita

PSB 3 Esquerda

PSC 5,2 Centro-direita

PSD – D SR – Direita

PSL 5,2 Centro-direita

PSOL – – – 1,6 Esquerda

PST – CD SCR – Centro-direita

PTC 5,1 Centro-direita

PTdoB 4,7 Centro-direita

PV 3,5 Centro-esquerda

Fonte: elaboração própria, a partir de Tarouco e Madeira (2015), Mainwaring et al (2000), Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011).

Deste modo, a partir de Tarouco e Madeira (2015), Mainwaring et al (2000),

Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011, a ideologia das agremiações entendidas

como pequenas nesta pesquisa pode ser aferida. Por conseguinte, observou-se o

comportamento dos partidos de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e

direita quando da propositura das ações diretas de inconstitucionalidade, e a

9 Survey realizado com cientistas políticos durante encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) ocorrido em 2010. Legenda: média calculada em escala de 1 (extrema esquerda) a 7 (extrema direita) 10 Dados obtidos através de votações no Congresso e de survey com parlamentares. Legenda: C = Centro; D = Direita; CD = Centro-direita. 11 Fruto de compilação de avaliações de outros analistas. Legenda: XC = Partidos cristãos de centro; SR = Partidos seculares de direita; SCR = Partidos seculares de centro-direita; SC = Partidos seculares de centro; SCL = Partidos seculares de centro-esquerda; SL = Partidos seculares de esquerda; P = Partidos personalistas; O = Outros; U = Desconhecido. 12 Dados coletados de entrevistas com parlamentares. Legenda: média calculada a partir dos dados disponibilizados. Escala de 1 (esquerda) a 10 (direita).

78

consequente demanda do mecanismo de retificação constitucional, logo, do controle

de constitucionalidade. O resultado encontra-se descrito na tabela 05.

Tabela 05. Contraste das ADINs dos pequenos partidos, agrupados segundo sua ideologia.

Esquerda Centro-

esquerda Centro Centro-direita Direita

Administração Pública Civil 27 15 0 42 4

Administração Pública Judicial 8 3 2 36 2

Administração Pública Militar 5 1 0 4 0

Política Social 6 2 0 0 0

Política Econômica 15 8 0 2 1

Política Tributária 10 4 1 9 4

Competição Política 10 8 4 13 5

Disputa entre Poderes 2 0 0 0 1

Relações Trabalhistas 6 0 0 0 0

Regulação da Sociedade Civil 7 12 0 7 2

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 6 7 1 3 1

Outras Questões Administrativas e Constitucionais 3 1 0 3 0

Fonte: elaboração própria.

Como a tabela 05 torna possível perceber, as agremiações de esquerda

(incluído o PT) mais ajuizaram assuntos ligados à administração pública civil e, em

seguida, à política econômica. Da mesma maneira, foram eles os que mais discutiram

sobre administração pública militar. Os de centro-esquerda, por sua vez, muito se

voltaram também à regulação da sociedade civil e a regras sobre eleições e aos

partidos políticos (“competição política”).

O PHS, único dentre os analisados com posição ideológica partidária de

centro, mais submeteu ao Tribunal questões de competição política.

Pela tabela 05, as categorias “administração pública civil” e “administração

judicial” foram disparadamente as mais debatidas pelos partidos de centro-direita. Em

terceiro lugar, agremiações com essa ideologia trouxeram a “competição política” para

a Corte. Não estiveram, porém, tão preocupadas com política social e relações

trabalhistas.

A direita foi quem menos interpelou a justiça constitucional. Para ela, quase

empatadas estiveram as normas de administração pública civil e judicial, de regulação

79

da sociedade civil e de competição política; contudo, delas, esta (regras quanto às

eleições e aos partidos) foi a responsável por obter o maior número.

Voltando à tabela 02, é possível concluir que a legislatura em que mais os

partidos ajuizaram ADINs foi aquela correspondente ao quadriênio 1999-2002

(segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso). Esses dados confirmam Vianna

et al (2007), que à mesma conclusão chegou quanto às ações que analisou. Sendo

assim, a fim de verificar o desempenho dos pequenos partidos durante aquele

quadriênio, foram eles separados de acordo com sua ideologia e quantificadas as

ações que apresentaram durante o período (gráfico 05).

Gráfico 05. ADINs dos pequenos partidos propostas no período 1999-2002.

Fonte: elaboração própria.

Quanto a esse quadriênio (gráfico 05), algumas observações.

Primeiramente, é preciso lembrar que vinte e seis ações foram propostas

contra uma omissão dos chefes dos Executivos estaduais, por não terem

desencadeado o processo para elaborar lei anual de revisão geral da remuneração

dos seus servidores. Ocorre que essas mesmas vinte e seis ações foram ajuizadas,

todas elas, pelo PSL, dentro desse quadriênio de 1999-2002. O PSL, segundo definido

em Tarouco e Madeira (2015) é partido de centro-direita. Assim sendo, vinte e seis

das ADINs propostas por partidos de centro-direita corresponderam a esse particular.

Pelo gráfico 05, percebe-se que, durante o período de 1999 a 2002, houve

uma intensa procura pela justiça constitucional por parte do PSL (centro-direita) e do

75

61

24

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Centro-direita Centro-esquerda Direita Esquerda

80

PSB (esquerda), mas as ações daquele superam as deste. O PSL foi responsável por

68 ADINs ajuizadas. É, portanto, indício de um ponto fora da curva da clássica teoria

(VIANNA et al, 1999) sobre ser a oposição quem mais demanda a Corte. Não há

registros de sua coligação durante esse período, a fim de demonstrar se assumia outra

postura que não a de centro-direita; contudo, fora criado em 1998 e, talvez, o fato de

ter recorrido tanto ao STF encontre melhor explicação pelo trabalho que quis mostrar.

Ocorre que o exercício de demandar o Judiciário fora intensificado nos primeiros anos

subsequentes à sua criação, para logo depois haver um declínio. Os patamares

atingidos durante o período 1999-2002 ainda não foram novamente alcançados – a

bem dizer, estiveram longe disso. Observe-se o gráfico 06.

Gráfico 06. ADINs ajuizadas pelo PSL ao longo dos anos.

Fonte: elaboração própria.

A título de curiosidade, portanto, a razão cogitada aqui para a grande

demanda do PSL concentrada no período 1999-2002 parece encontrar amparo em

Carvalho et al (2012; 2016): partidos políticos recorrem ao STF para reverter as

decisões do Legislativo contrárias aos interesses de seus filiados, de seus eleitores

ou dos respectivos financiadores de campanha (TATE, 1997), mas não tão somente;

ainda que não sejam revertidas as decisões legislativas, judicializam como estratégia

para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição (CARVALHO et al, 2012).

Sendo assim, as ações ajuizadas entre 1999-2002 tiveram em sua maioria

requerentes de posição partidária ideológica de centro-direita, em grande parte devido

à atuação do PSL – partido este que propôs 68 das 75 ADINs das agremiações de

centro-direita, o equivalente a pouco mais de 90% desse total.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

81

4.2 Considerações sobre os temas encontrados

Trabalhou-se com variáveis categóricas, a fim de qualificar e quantificar os

temas encontrados nas petições iniciais das ações diretas de inconstitucionalidade,

propostas pelos pequenos partidos e pelo PT e PMDB.

Quando comparados os três grupos, algumas conclusões podem ser feitas:

a) as regras referentes à administração pública civil foram, igualmente nos três grupos,

as mais submetidas à Corte; b) empatados como os segundos temas mais discutidos

para o PMBD e para os pequenos partidos estão as categorias de “administração

judicial” e “competição política”; c) o PMDB apresenta, ainda, como segundo tema

mais discutido a categoria de “regulação da sociedade civil”; d) o PT, diferentemente

do PMDB e das pequenas agremiações, apresentou como segundo assunto mais

recorrente as regras sobre “política econômica”, e, em terceiro lugar, a categoria de

“outras políticas e prestação de serviços públicos”.

Há, portanto, algumas diferenças nas preferências pelos temas. Contudo,

a julgar pelos mais recorrentes – em especial, para os pequenos partidos, que

correspondem ao grupo de foco desta pesquisa –, eles estão a submeter ao Tribunal

mais ações com temas ligados ao serviço público, seja em relação ao Legislativo e ao

Executivo (administração pública civil), seja referente ao Judiciário (administração

pública judicial). Quando não discutem sobre esses assuntos, judicializam sobre

“competição política”, debatendo regras quanto aos partidos e às eleições.

Tanto os pequenos partidos de esquerda e de centro-esquerda quanto os

pequenos de direita e de centro direita demandaram a justiça constitucional para

impugnar preferencialmente regras de administração pública civil. Portanto,

independentemente do caráter ideológico, o funcionalismo público e a organização a

âmbito do Executivo e do Legislativo constituem os temas mais judicializados pelas

pequenas – e pelas grandes – agremiações.

A bem dizer, conforme demonstrou a tabela 05, o perfil dos pequenos

partidos de esquerda está em consonância com o do grande partido de esquerda (PT),

e os pequenos partidos de centro-direita postulam muito semelhantemente ao PMDB.

E o assunto mais submetido à Corte corresponde ao funcionalismo público e

organização no âmbito do Executivo e do Legislativo.

82

Nesse sentido, infere-se existir a presença de um interesse corporativo de

servidores públicos circundando todas as agremiações. Igualmente, pela forma como

se apresenta a grande judicialização dessas questões, pode-se inferir que o apoio

dessas categorias sociais é essencial para qualquer tipo de partido, não importando a

sua posição ideológica tampouco o seu tamanho.

83

5 COMO O STF RESPONDE?

5.1 Quais os outputs do processo de judicialização?

Para analisar os resultados das ações propostas pelos partidos políticos,

foram escolhidas quatro variáveis: “procedente”, “improcedente”, “liminar concedida”

e “aguardando julgamento”. Sobre elas, a quadro 02 a seguir:

Quadro 02. Variáveis categóricas de julgamento das ações.

Variáveis categóricas Descrição

Liminar concedida Compreende as ações que, embora ainda não tenham tido seu pedido final apreciado, já obtiveram do Tribunal liminar concedida

Procedente Estão inclusas as ações nas quais a arguição de inconstitucionalidade fora considerada procedente ou procedente em parte

Improcedente Abrange as decisões pela improcedência, pela prejudicialidade ou pelo não conhecimento do pedido final da ADIN

Aguardando julgamento São as ADINs que, não possuindo pedido de liminar ou não tendo esta sido deferida pela Corte, ainda não foram julgadas quanto ao pedido final

Fonte: elaboração própria.

Estando desse modo compreendidas as variáveis a serem consideradas

quanto ao julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, rodou-se o banco

de dados referente aos pequenos partidos e o resultado que ilustra o desempenho do

Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à amostra – selecionada entre o período de

1988 a 2015 – pode ser observado segundo o gráfico 07.

Gráfico 07. Resultados das ações ajuizadas pelos partidos pequenos.

Fonte: elaboração própria.

65 (22%)

170 (58%)

46 (16%)

10 (4%)

Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida

84

5.2 “Liminar concedida” e “procedente”

Uma decisão liminar é aquela de caráter provisório e de urgência. É

pensada para ser precária porque tomada rapidamente, com conhecimento superficial

das questões envolvidas no processo; porém, é igualmente proferida para, em regra,

evitar que a demora na prestação jurisdicional ocasione perecimento de direitos. As

liminares deveriam ser, portanto, instrumentos processuais voltados a assegurar a

efetividade do sistema judicial, podendo ser confirmadas ou não no julgamento de

mérito (FALCÃO et al, 2014).

Em meio à literatura do direito constitucional, o trabalho que resultou no III

Relatório Supremo em Números oferece dados preocupantes quanto às liminares em

sede de controle concentrado. Apresentou-se como a realidade das ADINs o tempo

médio superior a cinco anos para o julgamento final e, sobretudo, a existência de um

número significativo de casos em que, mesmo depois de mais de uma década de

vigência de liminar, ainda não havia sido proferida decisão definitiva (FALCÃO et al,

2014, p. 29-51). Essas liminares, apontaram os autores, ofereceriam grandes riscos à

segurança jurídica, pois perderiam o caráter precário que deveriam ter, passando a

substituir as decisões de mérito.

Contudo, em estudo sobre a concessão de liminares pelo Supremo Tribunal

Federal nas mesmas ações diretas de inconstitucionalidade, Taylor (2008) verificou

que alguns requerentes possuíam maiores chances de obter decisões favoráveis que

outros – isto é, conseguir a invalidação dos atos normativos impugnados –, havendo

uma grande variação de taxa de sucesso entre os atores que propuseram as ADINs.

A esse propósito, também Carvalho et al (2011) apresenta hipótese de que o sucesso

mais depende de quem demanda a Corte, do que propriamente o tema da ação.

É, portanto, a partir desse contexto da literatura que se desenvolve a

análise quanto às liminares concedidas às ADINs dos partidos políticos.

Não obstante os dados exibidos pelo III Relatório Supremo em Números, o

gráfico 07 demonstra serem poucas as liminares concedidas quanto aos pequenos

partidos, as quais contabilizaram o inexpressivo número de dez ações –

aproximadamente 4% do total.

Como descreve a tabela 06, o partido que mais obteve liminar concedida,

no sentido analisado na quadro 02, correspondeu ao PSB. Cinco das dez ações dessa

85

categoria foram propostas por essa agremiação – um partido de esquerda, durante a

presidência de Fernando Henrique Cardoso. As outras ADINs estão divididas por

terem sido ajuizadas por partidos de centro-direita (PST, PSL) e de centro-esquerda

(PV, PPS) e, também, de esquerda (PDT), em momentos diferentes.

Tabela 06. Detalhes das ADINs dos pequenos partidos que tiveram liminar concedida.

Partido Nº ADIN Tema Resultado

Data de Entrada da ADIN no Tribunal

Data de Julgamento

Tipo de Decisão

PSB ADIN/1666

Administração Pública Civil

Liminar concedida 03/09/1997 16/06/1999 Plenário

PSB ADIN/1668

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Liminar deferida em parte 03/09/1997 20/08/1998 Plenário

PV ADIN/2083

Regulação da Sociedade Civil

Liminar deferida em parte 08/10/1999 03/08/2000 Plenário

PSB ADIN/2139

Relações Trabalhistas

Liminar deferida em parte 04/02/2000 13/05/2009 Plenário

PST ADIN/2175

Administração Pública Judicial

Liminar deferida em parte 20/03/2000 22/03/2000 Plenário

PSB ADIN/2238

Política Econômica

Liminar deferida em parte 04/07/2000 09/08/2007 Plenário

PSL ADIN/2534

Administração Pública Judicial

Liminar concedida 26/09/2001 15/08/2002 Plenário

PSB ADIN/2661

Política Econômica

Liminar concedida 31/05/2002 05/06/2002 Plenário

PDT ADIN/4451

Competição Política

Liminar deferida em parte 04/08/2010 02/09/2010 Plenário

PPS ADIN/5108

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Liminar concedida 01/04/2014 20/04/2016 Monocrática

Fonte: elaboração própria.

Ainda quanto ao caráter ideológico dos partidos e o momento em que

propuseram a ação, um dado interessante a explicar: O PDT, inicialmente

contrariando as expectativas teóricas, recorre à justiça constitucional durante o

segundo mandato de Lula. O partido é de esquerda e procura a justiça constitucional

quando todo o cenário político parece lhe ser favorável. Porém, se bem investigado,

constata-se que o faz para discutir sobre competição política em prol de Dilma

Rousseff – mais precisamente, sobre regras de campanha política. O PDT integrou a

86

coligação que viria a eleger Dilma como Presidente da República pela primeira vez e

demandou na Corte constitucional em prol da candidata.

Tal como o PDT, o PST e o PSL também levaram à Corte questões quando

o cenário lhes parecia favorável: partidos de centro-direita demandando durante o

governo de Fernando Henrique Cardoso. As regras impugnadas, contudo, disseram

respeito a normas de administração pública judicial, mais precisamente quanto à

composição dos tribunais do trabalho e às prerrogativas e vedações dos membros do

Ministério Público.

Quando analisados isoladamente os assuntos que predominaram na

categoria de “liminar concedida” (tabela 06), não há, ao menos até o fim da presente

pesquisa, um padrão certo: os temas são variados e possuem quantitativos muito

próximos. São eles: duas ADINs sobre política econômica, duas sobre outras políticas

e prestação de serviços públicos e outras duas ações sobre administração pública

judicial; uma ação sobre relações trabalhistas, uma sobre competição política, uma

sobre regulação da sociedade civil e outra ADIN sobre administração pública civil.

Porém, pela tabela 06, é possível afirmar que a maioria desse pequeno

número de ações teve suas liminares concedidas há muito tempo. Das dez, oito delas

já contabilizam mais de uma década de liminar concedida, porém ainda com o mérito

aguardando julgamento – funcionando, logo, como verdadeiras regulamentadoras dos

litígios constitucionais, ou como as já mencionadas decisões liminares substitutivas

das de mérito. Quanto às liminares, portanto, a maioria apresenta esse caráter

substitutivo.

É preciso, porém, lembrar que as liminares constituem uma categoria

pouco expressiva quando comparadas às outras possíveis respostas do STF. Assim

sendo, muito embora o relatório desenvolvido por Falcão et al (2014) já tivesse

advertido quanto à insegurança jurídica provocada no controle concentrado por essas

liminares que duram muito tempo– podem tornar prejudicada ou até mesmo inútil a

decisão final de mérito – esse não parece ser um problema no caso dos pequenos

partidos. Como se observou, o número delas na amostra desta pesquisa é irrisório

(dez em um universo de 291 ADINs). Demonstra-se, por conseguinte, que conceder

liminares não é o perfil nem a preferência da Corte no que se refere aos partidos

políticos pequenos. As decisões de liminar concedida não constituem a regra do

comportamento do STF para as pequenas agremiações.

87

Em geral, o índice de sucesso do Tribunal é baixo quanto aos partidos

pequenos. Não apenas o número de liminares concedidas é inexpressivo

(aproximadamente 4% do total), como também é baixo o quantitativo das julgadas

procedentes. Das 291 ações por eles propostas, apenas em quarenta e seis delas

(aproximadamente 16%) está declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato

normativo e, por conseguinte, sua invalidade.

Quanto às ADINs julgadas procedentes, uma importante observação. Cabe

lembrar das ações da categoria “administração pública civil” e que vinte e seis delas

disseram respeito a uma inconstitucionalidade por omissão aplicável a todos os

Governadores – resultando em vinte e seis ações diferentes, propostas pelo PSL, mas

com o mesmo objeto. Ocorre que praticamente todas foram julgadas procedentes e

apenas duas perderam o objeto, por ter sido a omissão suprida enquanto durava o

processo. Esse caso específico resultou em uma reflexa alta no quantitativo da

variável “procedente”: das quarenta e seis ações, vinte e uma equivalem à referida

omissão do dever dos Governadores.

Portanto, os assuntos relativos à categoria “administração pública civil”

correspondem à maior parte da taxa de procedência das ADINs propostas ao Tribunal.

É o que se pode constatar também do gráfico 08.

Gráfico 08. Relação das ADINs dos pequenos partidos julgadas procedentes de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas.

Fonte: elaboração própria.

27

4

1

0

0

2

8

0

1

1

2

1

89

51

10

7

26

28

37

3

6

28

18

7

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

Todas as ADINs Apenas as procedentes

88

Do gráfico 08 também é possível perceber que a segunda maior taxa de

procedência das ações diretas de inconstitucionalidade cabe às regras de competição

política. Regras sobre partidos e eleições conseguem superar a categoria de

“administração pública judicial” que, embora muito discutida, não consegue obter

grande sucesso quanto ao resultado (os outputs do processo). Mas não apenas:

cinquenta e uma ações são ajuizadas como “administração pública judicial” e apenas

quatro delas são julgadas procedentes, dando a este tema, inclusive, um dos piores

números em índices de proporção entre quantidade de demanda versus procedência

(ver as relações apontadas no gráfico 08).

Porém, a pior das piores taxas de sucesso em comparação com o número

de vezes em que foi ajuizada pertence à categoria “regulação da sociedade civil”. Isso

se não for levada em consideração a categoria “política econômica”, na qual nenhuma

das vinte e seis ações propostas foi julgada procedente pela Corte.

Os achados parecem mais concordar com Taylor (2008) e com Carvalho

et al (2011), no sentido de que há diferenças entre as chances de sucesso dos atores,

privilegiando alguns em detrimento de outros.

5.3 “Improcedente”

Conforme Taylor e Da Ros (2008) e Carvalho et al (2011), partidos políticos

em geral não costumam compor o grupo dos mais influentes atores no controle

concentrado. A realidade das pequenas agremiações brasileiras, por sua vez, sugere

a confirmação da hipótese levantada pelos autores.

A variável mais expressiva, sem dúvidas, correspondeu à categoria

“improcedente”, com 170 ações – aproximadamente 58% do total de 291 ADINs

(observe-se novamente o gráfico 07). Dentro dessa variável, algumas notas.

Os motivos para a improcedência em sentido estrito, para o não

conhecimento ou para considerar prejudicado o pedido final foram anteriormente

agrupados em uma só variável categórica (“improcedente”), a fim de se concentrar e

melhor medir a taxa de insucesso dos partidos. Portanto, constam na categoria

“improcedente” as situações em que os pequenos partidos perderam, seja porque não

tinham razão, seja porque o processo era defeituoso (continha vícios de forma). Esses

motivos específicos são, agora, detalhados no quadro 03, em forma de subcategorias.

89

Quadro 03. Subcategorias da variável “improcedente”

Subcategorias Descrição

Improcedente

Corresponde aos casos em que o requerente perdeu, ou seja, suas ações tiveram o mérito apreciado, mas os atos normativos foram declarados constitucionais

Prejudicada Equivale aos casos nos quais o STF demorou demais para julgar a questão e ela não pode mais ser apreciada

Litispendência e coisa julgada

Quando se extingue um processo porque há outra ação igual ou em curso (litispendência) ou já decidida (coisa julgada)

Outros problemas com a legitimidade

Quando o mérito não é apreciado porque o processo continha vício formal, mais especificamente defeito quanto à legitimidade

Outros problemas com o pedido

Quando o mérito não é apreciado porque o processo continha vício formal, mais especificamente defeito quanto ao pedido

Fonte: elaboração própria.

As subcategorias são, destarte, apresentadas: “improcedente em sentido

estrito”, “prejudicada”, “litispendência e coisa julgada”, “outros problemas com a

legitimidade” e “outros problemas com o pedido”.

Como “outros problemas com a legitimidade” devem ser compreendidas as

situações nas quais não houve juntada de procuração, ou que esta não continha

poderes especiais para propor a ADIN; ou, ainda, os casos em que a ação foi ajuizada

por Diretório de Partido, o qual é considerado ilegítimo para tanto. Como demonstra o

gráfico 09, essa subcategoria apresenta quatro ações (2% do total).

Gráfico 09. Análise da variável categórica “improcedente” dos partidos pequenos.

Fonte: elaboração própria.

42 (25%)

93 (55%)

2 (1%)

4 (2%) 29 (17%)

Improcedente Prejudicada

Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade

Outros problemas com o pedido

90

Com “outros problemas com o pedido”, aduz-se a casos em que o ato

normativo impugnado não é dotado de generalidade, ou não é ato normativo; a

arguições de inconstitucionalidade de decretos regulamentares, de normas

municipais, ou de “mera proposta de emenda constitucional”; à impugnação, pela via

do controle concentrado, de regras anteriores à Constituição, quando o ordenamento

brasileiro não admite o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente; e, por fim,

também a casos em que há impossibilidade jurídica do pedido, ou a fundamentação

é “genérica, superficial ou insuficiente”. Pelo gráfico 09, compreendem o grande

número de vinte nove ADINs (17% das improcedentes em sentido amplo).

Quanto às ações extintas por terem sido entendidas como “prejudicadas”,

alguns apontamentos importantes. Em primeiro lugar, o termo diz respeito aos casos

em que ocorreu a perda superveniente da legitimidade ou a perda de objeto. Ambas

as situações são efeitos do tempo sobre o processo: neste, a demora para decidir

afetou o direito; naquele, o retardo do Supremo excluiu o acesso do partido ao controle

de constitucionalidade em virtude da perda do mandato.

Lima et al (2016) argumenta ser a perda de objeto um comportamento

estratégico do STF, principalmente quando se trata de partidos políticos. Estudando

os partidos políticos em geral, parte-se da premissa de Bickel, segundo a qual “Cortes

podem deliberadamente fazer uso de virtudes passivas – técnicas de autocontenção,

normalmente de cunho processual – para evitar decidir sobre um caso”13 (LIMA et al,

2016, p. 4). Ao analisar as ADINs extintas pela perda de objeto, concluem os autores

que o STF usa o tempo como aliado para postergar uma decisão, a qual lhe impõe

alto e desnecessário custo político, até que se possa encerrar o processo com base

em um argumento formal, quando as disputas são “espontaneamente” resolvidas.

Aqui, na presente pesquisa, um alto número de ações tidas como

prejudicadas é encontrado, não apenas por ter ocorrido perda de objeto, mas também

pela perda superveniente de legitimidade.

Não obstante a mudança de entendimento do STF quanto à perda de

legitimidade superveniente do partido político quando este perde a representação no

Congresso Nacional, algumas ADINs foram extintas por esse motivo. Elas estão

13 Traduzido do original: “Courts can use deliberately passive virtues – self-restraint techniques, usually of a procedural nature – to avoid a case’”.

91

representadas no gráfico 10 e correspondem a trinta ações – um número grande,

equivalente a 17,6% das 170 ADINs “julgadas improcedente”. Algumas foram

agravadas e, com o agravo provido, duas foram extintas por perda de objeto e muitas

permaneceram sem julgamento do mérito até o fim desta pesquisa.

Gráfico 10. Análise da subcategoria “prejudicada” das ADINs dos partidos pequenos.

Fonte: elaboração própria.

Mas há um número ainda maior, que ultrapassa as ações julgadas extintas

pela perda de legitimidade: o da perda de objeto. Em verdade, o número de cinquenta

e oito ADINs dos partidos pequenos pela “perda de objeto” – 32% das improcedentes

em sentido amplo – é altíssimo e merece atenção. É a maior variável de julgamento e

o número mais expressivo de uma categoria quanto ao resultado da ação, superando,

inclusive, o número de ADINs consideradas procedentes.

Os altos índices de argumentos formais para a extinção de processos cujo

mérito não mais se julga interessante apreciar – índices esses inclusive maiores que

quaisquer outros medidos e observados para os partidos pequenos (procedente,

improcedente em sentido estrito, liminar concedida) – parecem confirmar as

conclusões de Lima et al (2016), de que o Supremo age estrategicamente, além de

ser indicativo de um comportamento seletivo e criterioso por parte da Corte quanto

àquilo que opta por publicamente se posicionar.

Não obstante a perda de objeto e a perda superveniente de legitimidade

sejam motivos para se julgar prejudicada a questão, o gráfico 10 ainda mostra em

apartado uma outra variável, com o nome “prejudicada”, a fim de dar-lhe um sentido

58 (62%)

30 (32%)

5 (6%)

Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada

92

estrito. Ela existe tão somente porque as ações mais antigas possuem menos

detalhes na plataforma virtual do STF. Por conseguinte, no que se refere a quase os

dois primeiros quadriênios desta ordem constitucional (1988-1990 e 1991-1994), às

vezes não é possível saber exatamente por que determinada ação foi julgada como

prejudicada pela Corte. Em virtude da dúvida, portanto, e para não comprometer esta

pesquisa, esta categoria fora criada e apresenta tão apenas as ações até 1994, assim

consideradas “prejudicadas”. A sua presença, no entanto, sinaliza a possibilidade de

um número ainda maior de ações extintas pela perda de objeto ou pela perda

superveniente de legitimidade do requerente.

Interessante é notar que, quando considerados os motivos para extinção

do processo referentes a problemas quanto à legitimidade e ao pedido e as ações

prejudicadas, o número de ADINs decididas como improcedentes em sentido estrito

corresponde a 42 de 170 ações improcedentes em sentido amplo (aproximadamente

25%). Isso implica dizer que a Corte mais julgou por vícios formais que propriamente

pelo mérito do litígio. A coisa julgada e litispendência, embora decisões de mérito, não

influem no cenário geral, eis que corresponderam a apenas duas ações diretas de

inconstitucionalidade.

Uma vez que a perda de objeto representa a mais expressiva das variáveis

categóricas de julgamento para os pequenos partidos – achados desta pesquisa que

seguem a mesma direção de Lima et al (2016) e, por conseguinte, indicam um

possível comportamento estratégico por parte do STF, uma via deliberadamente eleita

para não julgar o mérito de ações em que não se quer decidir –, cabe uma última

análise quanto a elas, a fim de se constatar se o fato corresponde a uma atitude

deliberada da Corte: o tempo até o julgamento final.

O interstício entre a data de entrada da ação e a data do seu julgamento

correspondeu ao que se chamou de duração aproximada dos processos. Conforme

se depreende da tabela 07 a seguir, o período variou bastante, mas há muitos

processos cujas durações se sobrepõem em muito o tempo médio calculado para as

ADINs no III Relatório do Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014): o de 5,32 anos.

Quantidade essa a do Relatório que, apesar de ser a média, não significa ser a

razoável, desejada.

Observe-se a tabela 07.

93

Tabela 07. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelos pequenos partidos.

Partido Nº

ADIN Temas Data de entrada

Data de julgamento

Tipo de decisão

Duração aproximada

PDT ADIN/16

Administração Pública Civil, Judicial e Militar 26/01/1989 28/10/1993 Monocrática

4 anos e nove meses

PCB ADIN/44 Relações Trabalhistas 04/05/1989 22/03/1990 Plenário Dez meses

PDT ADIN/147 Competição Política 23/11/1989 26/11/2001 Monocrática 12 anos

PDT ADIN/223 Disputa entre Poderes 28/03/1990 26/02/1996 Monocrática

5 anos e onze meses

PDT ADIN/273 Disputa entre Poderes 30/04/1990 13/03/2001 Monocrática

10 anos e onze meses

PDT ADIN/296

Administração Pública Civil 05/06/1990 17/10/2000 Monocrática

10 anos e quatro meses

PSB ADIN/361 Política Econômica 12/09/1990 03/08/1998 Monocrática

7 anos e onze meses

PDT ADIN/370 Competição Política 24/09/1990 26/04/2013 Monocrática

22 anos e cinco meses

PDT ADIN/441 Política Tributária 08/02/1991 11/03/1991 Monocrática Um mês

PDT ADIN/440 Política Tributária 08/02/1991 11/03/1991 Monocrática Um mês

PDT ADIN/477 Política Econômica 03/04/1991 16/03/1999 Monocrática

7 anos e onze meses

PMN ADIN/540

Regulação da Sociedade Civil 24/06/1991 03/03/1998 Plenário

6 anos e onze meses

PDT ADIN/605 Política Econômica 11/10/1991 08/03/2002 Monocrática

10 anos e cinco meses

PDT ADIN/839 Competição Política 09/02/1993 06/12/2006 Monocrática

13 anos e dez meses

PPS ADIN/1259

Regulação da Sociedade Civil 27/03/1995 04/08/2008 Monocrática

13 anos e cinco meses

PL ADIN/1382 Competição Política 30/11/1995 01/08/2002 Monocrática

6 anos e nove meses

PL ADIN/1420 Política Econômica 07/03/1996 11/04/2002 Monocrática

5 anos e onze meses

PSB ADIN/1468

Política Social e Política Econômica 05/06/1996 30/11/2004 Monocrática

6 anos e cinco meses

PL ADIN/1576 Disputa entre Poderes 31/03/1997 18/07/1997 Monocrática

Quatro meses

PL ADIN/1615

Administração Pública Judicial 02/06/1997 20/09/2006 Monocrática

9 anos e três meses

PSB ADIN/1630

Administração Pública Civil, Judicial e Militar 30/06/1997 06/11/2002 Monocrática

4 anos e cinco meses

PMN ADIN/1713 Política Tributária 17/12/1997 15/03/1998 Monocrática Três meses

PL ADIN/1815

Administração Pública Judicial 02/04/1998 28/02/2002 Monocrática

3 anos e dez meses

PV ADIN/1870

Regulação da Sociedade Civil 12/08/1998 15/10/1998 Monocrática Dois meses

PSB ADIN/1887 Política Econômica 13/10/1998 12/11/1998 Monocrática Um mês

PSB ADIN/1907 Política Social 05/11/1998 18/02/1999 Plenário Três meses

94

PSB ADIN/1996 Política Econômica 03/03/1999 29/04/2003 Monocrática

4 anos e um mês

PSB ADIN/2005 Política Econômica 21/05/1999 05/05/2005 Monocrática 6 anos

PV ADIN/2015

Regulação da Sociedade Civil 10/06/1999 31/08/1999 Monocrática Dois meses

PSB ADIN/2016

Administração Pública Civil e Judicial 11/06/1999 11/03/2004 Monocrática

4 anos e nove meses

PSL ADIN/2075

Administração Pública Civil e Judicial 29/09/1999 09/11/2001 Monocrática

2 anos e dois meses

PSL ADIN/2128

Administração Pública Militar 28/12/1999 30/03/2000 Monocrática Três meses

PSL ADIN/2132 Política Tributária 18/01/2000 27/10/2015 Monocrática

15 anos e nove meses

PST ADIN/2149

Administração Pública Judicial 15/02/2000 17/08/2004 Monocrática

4 anos e seis meses

PSB ADIN/2262

Administração Pública Civil 02/08/2000 26/02/2008 Monocrática

7 anos e seis meses

PSB ADIN/2292

Administração Pública Civil 21/08/2000 26/02/2008 Monocrática

7 anos e seis meses

PSL ADIN/2389 Política Tributária 15/01/2001 28/02/2008 Monocrática

7 anos e um mês

PSB ADIN/2454 Política Econômica 08/05/2001 28/03/2007 Monocrática

5 anos e dez meses

PSB ADIN/2467

Administração Pública Civil e Militar 01/06/2001 20/09/2001 Monocrática Três meses

PSB ADIN/2473

Outras Questões Administrativas e Constitucionais 22/06/2001 13/12/2013 Monocrática

7 anos e seis meses

PSL ADIN/2495

Administração Pública Civil 21/08/2001 02/05/2002 Plenário Nove meses

PSL ADIN/2505

Administração Pública Civil 29/08/2001 03/12/2001 Monocrática

Quatro meses

PSL ADIN/2603

Administração Pública Judicial 06/02/2002 27/04/2007 Monocrática

5 anos e dois meses

PPS ADIN/3505 Política Social 25/05/2002 15/08/2005 Monocrática

3 anos e três meses

PPS ADIN/2670

Administração Pública Civil e Militar 17/06/2002 13/10/2004 Plenário

2 anos e quatro meses

PSB ADIN/2757 Política Tributária 12/11/2002 27/10/2009 Monocrática

6 anos e onze meses

PSB ADIN/2758

Outras Questões Administrativas e Constitucionais 12/11/2002 03/11/2003 Monocrática 1 ano

PPS ADIN/3467 Política Social 12/04/2005 15/08/2005 Monocrática

Quatro meses

PSOL ADIN/3955 Competição Política 18/09/2007 11/10/2007 Monocrática Um mês

PHS ADIN/4018 Competição Política 08/02/2008 13/05/2010 Monocrática

2 anos e três meses

PHS ADIN/4061 Política Tributária 26/03/2008 12/09/2013 Monocrática

5 anos e seis meses

PPS ADIN/4096

Administração Pública Civil e Judicial 18/06/2008 19/02/2009 Monocrática Oito meses

PPS ADIN/4179

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 29/12/2008 19/08/2014 Monocrática

5 anos e quatro meses

95

PHS ADIN/4213

Administração Pública Judicial 04/03/2009 14/08/2014 Monocrática

5 anos e cinco meses

PTC ADIN/4546

Administração Pública Civil 01/02/2011 05/05/2016 Monocrática

5 anos e três meses

PSL ADIN/4595

Administração Pública Civil 09/05/2011 06/08/2013 Monocrática

2 anos e três meses

PPS ADIN/4741 Competição Política 20/03/2012 23/02/2016 Monocrática

4 anos e um mês

PRP ADIN/5159 Competição Política 04/09/2014 01/10/2015 Plenário

1 ano e um mês

Fonte: elaboração própria.

A quase totalidade dessas ações extintas pela perda do objeto foi, desse

modo, julgada por decisões monocráticas e ainda assim mais de um terço delas (22

de 59 ADINs) demoraram mais de 5,32 anos para obter a decisão final.

O grande período de tempo é mais comum em ações mais antigas, numa

situação inversamente proporcional à ideia de sobrecarga da Corte: as ADINs mais

novas levaram menos tempo para serem julgadas. A última ADIN com mais de 5,32

anos foi a de nº 2473, com data de entrada em 22 de junho de 2001 e julgamento em

13 de dezembro de 2013 – quase sete anos e seis meses para a decisão.

A grande maioria dessas ações de perda de objeto que superam a marca

dos 5,32 anos consiste em impugnação a Medida Provisórias. Exposto esse fato,

interessante notar o momento no qual ocorreu essa redução do tempo para

julgamento e, por conseguinte, quando as ações passaram a obedecer à média

máxima de 5,32 anos, observada no III Relatório Supremo em Números. Esse

momento de mudança de comportamento da Corte, como dito, ocorreu em meados

do ano de 2001, justamente quando se promoveu uma reforma no Judiciário,

especialmente no tocante às Medidas Provisórias, através da Emenda Constitucional

nº 32. Essa espécie de ato normativo primário com força de lei passou a ter prazo

determinado para a produção de seus efeitos (sessenta dias, admitida uma única

prorrogação por igual prazo). Regulamentadas desse modo, não puderam mais ser

reeditadas sucessivamente, como antes ocorria. Assim, não é estranho que, sendo as

Medidas Provisórias os atos normativos com maior incidência de perda de objeto, a

partir do momento no qual elas deixam de ter prazo indeterminado e não podem mais

ser reeditadas infinitas vezes, a Corte passa a julgar em menos tempo as ações dos

partidos políticos minoritários – afinal, se não convertida em lei durante o prazo

96

determinado, perdido está o objeto, que já não mais possui efeitos a produzir. O

Tribunal pode declarar mais rápido a perda de objeto e extinguir o processo.

Algumas ações com duração superior a seis anos, quando não para mais

de dez anos, podem ser um sinal de uma nova postura do STF: a de não decidir.

Talvez pela decisão ser custosa politicamente à própria Corte. Talvez por outro motivo

que esta pesquisa descritiva não comporta, mas mereça ser objeto de uma análise

mais profunda. A posição do Supremo Tribunal Federal de deixar escoar o tempo

traduz uma postura autocontenciosa e poderá ser o exercício de uma nova “virtude

passiva”, nos termos de Alexander Bickel e conforme o oferecido no trabalho de Lima

et al (2016).

O tema mais recorrente entre as ações que perderam seu objeto

correspondeu à administração pública civil (14 ADINs). Em seguida, a assuntos de

administração judicial (10), de política econômica (9), de competição política (8) e de

política tributária (7). Contudo, em termos de proporcionalidade entre o número de

demanda e a quantidade extinta por esse motivo, o destaque cabe à “disputa política”:

100% das ADINs ajuizadas quanto ao assunto foram extintas por perda de objeto,

conforme melhor é visto no gráfico 11.

Gráfico 11. Relação das ADINs dos pequenos partidos extintas por perda de objeto de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas.

Fonte: elaboração própria.

14

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37

3

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18

7

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Administração Pública Civil

Administração Pública Judicial

Administração Pública Militar

Política Social

Política Econômica

Política Tributária

Competição Política

Disputa entre Poderes

Relações Trabalhistas

Regulação da Sociedade Civil

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos

Outras Questões Administrativas e Constitucionais

Todas as ADINs Apenas as de perda de objeto

97

Ainda em termos proporcionais, regras de política econômica foram as

segundas mais extintas por perda de objeto, com 34,61% de suas ações assim

julgadas. Em terceiro lugar, normas de competição política. A Corte, portanto, quanto

a estas duas últimas categorias, parece resolver por esperar – ou por não decidir.

5.4 “Aguardando julgamento”

Como dito, apresentou-se como a média de tempo que uma ADIN leva da

data do protocolo até o seu julgamento mais de cinco anos (FALCÃO et al, 2014).

Todavia, há indícios de um comportamento estratégico e seletivo por parte da Corte

(CARVALHO, 2005; TAYLOR e DA ROS, 2008; CARVALHO et al, 2011), que não

costuma decidir favoravelmente ao que requerem os partidos políticos (grandes ou

pequenos) em sede de controle e muitas vezes prefere utilizar o tempo como aliado

para uma autocontenção e não decidir (LIMA et al, 2016).

É nesse sentido que, voltando ao gráfico 08, percebe-se todas as variáveis

categóricas já listadas (procedente, improcedente, liminar concedida) e, por

conseguinte, não poderiam ser diferentes os processos que ainda estão aguardando

julgamento. Estes somam o número de sessenta e cinco ações diretas de

inconstitucionalidade (aproximadamente 22% do total), a segunda categoria com

eventos mais abundantes, perdendo apenas para as ações consideradas

“improcedentes” (em sentido amplo, sem considerar os motivos específicos para a

improcedência).

Gomes Neto (2017) argumenta que a presença de um percentual

demasiado de ações ainda “aguardando julgamento” significaria um indício de uma

“autocontenção silenciosa” por parte do Tribunal; um comportamento deliberado e

estratégico dos relatores de simplesmente deixar o processo parado por anos sem

qualquer deliberação. Por conseguinte, quando quantificadas as ações dos pequenos

partidos na presente pesquisa, os achados aqui parecem nesse sentido estratégico

estar.

Aproximadamente 22% das ADINs ajuizadas pelas pequenas agremiações

encontram-se aguardando julgamento. O status, contudo, não se deve ao fato de

terem sido ajuizadas recentemente; há ADIN proposta no ano de 1992 que ainda não

foi julgada. Atente-se para a gráfico 12, a seguir.

98

Gráfico 12. Relação do número das ADINs que ainda estão aguardando julgamento com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações.

Fonte: elaboração própria.

Observe-se que desde 1992 há ADINs propostas ainda não julgadas pelo

Tribunal. O gráfico não ascende de modo uniforme, existindo anos em que as ações

ali propostas foram todas já julgadas – não necessariamente no mesmo ano em que

propostas. Mas ainda há ações muito antigas a aguardar decisão final, contabilizando

duas, três décadas nesse mesmo status de andamento.

Um fator, porém, deve ser acrescentado ao gráfico 12: as ADINs extintas

por perda de legitimidade superveniente e que, agravadas, permanecem aguardando

julgamento de mérito.

O Supremo Tribunal Federal antes tinha um posicionamento quanto à

perda de legitimidade superveniente: causava extinção do processo. Muitas ações,

portanto, foram extintas com base nesse argumento. Hoje, no entanto, o entendimento

é de que a ação é objetiva, logo, a perda superveniente de representação no

Congresso Nacional não torna irregular a legitimidade, não podendo tal fato prejudicar

o processo. Este segue seu curso.

A mudança de entendimento ocorreu quando do julgamento das ADINs nºs

2159 e 2618 (DJ de 24/08/2004). A partir de então, algumas das ações antes extintas

pela perda superveniente de legitimidade ativa foram agravadas e posteriormente

revistas sob o novo entendimento da Corte Suprema. Por esse motivo, com esse

número revisto, é preciso dizer que outras nove ações diretas de inconstitucionalidade

devem ser acrescentadas ao número de sessenta e cinco ADINs representadas no

gráfico 07, pois também compõem a variável “aguardando julgamento”.

0

2

4

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10

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98

8

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19

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15

99

As ações de perda de objeto agravadas e agora à espera de uma decisão

final estão detalhadas na tabela 08.

Tabela 08. ADINs julgadas extintas por perda superveniente de legitimidade ativa que foram, depois, reconsideradas e agora se encontram aguardando julgamento.

Partido Nº ADIN Tema Data de entrada

PSL ADI/2039 Administração Pública Judicial 04/08/1999

PSL ADI/2049 Política Tributária 17/08/1999

PSL ADI/2456 Política Tributária 16/05/2001

PSL ADI/2468 Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 06/06/2001

PSL ADI/2535 Política Econômica 26/09/2001

PSL ADI/2575 Administração Pública Civil 28/11/2001

PSL ADI/2611 Administração Pública Judicial 20/02/2002

PSL ADI/2612 Administração Pública Judicial 20/02/2002

PSL ADI/2723 Administração Pública Civil 10/09/2002

Fonte: elaboração própria.

A tabela 08 mostra ações de 1999 a 2002, que vêm a integrar o grupo das

mais antigas a ainda aguardar decisão final. Com elas, o gráfico 12 pode ser

redesenhado, com contornos agora evidenciados no gráfico 13:

Gráfico 13. Relação do número das ADINs – acrescidas daquelas de decisão pela perda de objeto reconsiderada – que ainda estão aguardando julgamento com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações.

Fonte: elaboração própria.

Há registros, portanto, de ações diretas de inconstitucionalidade propostas

desde o ano de 1992 e que até o presente momento não foram julgadas. Há uma

0

2

4

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13

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14

20

15

100

pausa entre 1993 a 1997 e, posteriormente, um novo crescimento no número dessas

ADINs, conforme demonstra o gráfico 08. Muitas são, desse modo, as ações diretas

de inconstitucionalidade ainda não decididas; encontram-se, depois de quase duas

décadas, aguardando julgamento. Por conseguinte, a duração desses processos

propostos por partidos pequenos supera em muito a média esperada para o restante

do controle concentrado e das ADINs, inclusive aquela observada pelo III Relatório do

Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014): de 5,32 anos.

Portanto, também os processos ainda aguardando julgamento apontam

para um comportamento estratégico por parte do Tribunal. Chama-se atenção para o

exercício de uma “autocontenção silenciosa”, uma conduta deliberada dos relatores

de simplesmente deixar o processo parado por anos sem qualquer manifestação

decisória (GOMES NETO, 2017); ou para o indício do exercício de uma “virtude

passiva”, que não deixa de ser uma postura estratégica e autocontenciosa, no sentido

de não decidir, fazendo uso do “maravilhoso mistério do tempo” como aliado para

evitar posicionamento público custoso (LIMA et al, 2016)

5.5 Respostas ao PMDB

Para efeitos comparativos, dentro dos limites dos dados exploratório-

descritivos desta pesquisa, examinou-se a resposta do STF também em relação às

ações propostas pelo PT e pelo PMDB, de modo a procurar indícios acerca do

comportamento da Corte, seja de modo uniforme para todas as agremiações ou de

modo particular em relação ao tamanho do partido político.

Quanto à relação do Supremo com PMDB, ao analisar os resultados das

ações nas quais este consta como requerente, percebe-se um Tribunal respondendo

de modo muito semelhante ao que fez com os partidos de pequenas bancadas. O

quantitativo das ADINs julgadas como improcedentes em sentido amplo foi o maior

entre as possíveis reações do STF para a agremiação (gráfico 15). Do exame das

trinta e sete ADINs propostas pelo PMBD, vinte e duas delas apresentaram decisão

final pela improcedência do pedido (58% do total).

Em seguida, como demonstra o gráfico 14, as ações que ainda aguardam

julgamento representam um número relevante: o de dez ADINs ainda à espera de

101

uma decisão da Corte (26%). Numa escala decrescente das possíveis respostas do

Corte, portanto, as ações aguardando julgamento assumem a segunda colocação.

Gráfico 14. Resultados das ações ajuizadas pelo PMDB.

Fonte: elaboração própria.

Entre as dez ainda aguardando julgamento, quatro foram propostas há

mais de dez anos, uma foi submetida há seis anos e outras quatro foram ajuizadas a

partir de 2013. Logo, a maioria delas não é tão recente e ainda se encontra à espera

de uma decisão final.

Conforme o gráfico 14, o número de ações procedentes é muito inferior ao

das que ainda aguardam julgamento. São apenas cinco ADINs. Por conseguinte, o

número é também muito distante daquele relativo às ações tidas como improcedentes

em sentido amplo – nas quais o pedido de declaração de inconstitucionalidade não foi

deferido. O PMDB, portanto, assim como os pequenos partidos, não costuma obter

decisão favorável aos seus interesses quando aciona o controle concentrado de

constitucionalidade. Logo, se o cenário fosse o de um jogo onde há quem ganha e

quem perde, dir-se-ia que o PMDB tende a ser perdedor na revisão judicial.

Quanto aos motivos que o consagram como perdedor, tem-se o gráfico 15.

Nele, como é possível observar, as ações tidas como prejudicadas somam

um maior número: das vinte e duas ADINs em que o STF não concluiu de modo

favorável aos interesses do PMDB – e, por conseguinte, não declarou a

inconstitucionalidade –, sete delas foram tidas como prejudicadas (aproximadamente

10 (26%)

22(58%)

5(13%)

1 (3%)

Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida

102

33%). Essas correspondem ao principal motivo para não conceder o pedido deste

partido.

Quanto à improcedência em sentido estrito, por pouco que a variável

categórica não ganha, na escala decrescente de repostas da Corte, dos outros

problemas com a legitimidade e com o pedido (causas de extinção do processo sem

julgamento de mérito). O gráfico 15 aponta para isso. Os números são semelhantes.

Contudo, a improcedência em sentido estrito (perder pelo mérito da causa) ainda

corresponde ao motivo menos utilizado pelo Supremo para arrazoar os julgamentos

dos processos analisados no presente trabalho.

Gráfico 15. Exame da variável categórica “improcedente” do PMDB.

Fonte: elaboração própria.

Não houve, conforme se observa no gráfico 15, extinção de processo por

litispendência ou coisa julgada. O motivo maior para o indeferimento é o de a ação ter

se tornado prejudicada.

Sabe-se, porém, que por prejudicada devem ser compreendidos os casos

nos quais o STF demorou demais para julgar a questão e ela já não pode ser

apreciada. Logo, existem subcategorias desta resposta do Tribunal que devem ser

examinadas. São elas a perda de objeto e a perda superveniente de legitimidade.

Entre as ações do PMDB, aparentemente apenas uma teve o processo

extinto pela perda superveniente de legitimidade ativa (o equivalente a 14% das

4 (19%)

7 (33%)

0%

5 (24%)

5 (24%)

Improcedente Prejudicada

Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade

Outros problemas com o pedido

103

prejudicadas). A afirmação é feita deste modo, utilizando o “aparentemente”, porque

houve outra ADIN cujos dados disponíveis no site do Supremo não permitiram concluir

a razão pela qual fora decidida como prejudicada. Por conseguinte, para não afirmar

o que não se tem certeza nem se pode comprovar, esta ação sobre a qual resta dúvida

foi tratada em apartado na análise, sob o simples nome de “prejudicada”. É o que

consta no gráfico 16.

Gráfico 16. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PMDB.

Fonte: elaboração própria.

Como o gráfico 16 expõe, quanto à perda de objeto, cinco foram as ADINs

assim decididas (72% das prejudicadas). Elas são pormenorizadas na tabela 09.

Tabela 09. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PMDB.

Partido Nº

ADIN Temas

Data de entrada

Data de julgamento

Tipo de decisão

Duração aproximada

PMDB ADIN/1280

Administração Pública Civil 03/05/1995 11/11/1996 Plenário

1 ano e seis meses

PMDB ADIN/1722

Administração Pública Civil 27/11/1997 20/02/2002 Monocrática

4 anos e três meses

PMDB ADIN/537 Política Social 21/06/1991 28/02/2002 Monocrática

10 anos e oito meses

PMDB ADIN/1963

Administração Pública Civil 05/03/1999 10/10/2002 Monocrática

3 anos e sete meses

PMDB ADIN/2942 Competição Política 22/07/2003 23/05/2014 Monocrática

10 anos e dez meses

Fonte: elaboração própria.

5 (72%)

1 (14%)

1 (14%)

Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada

104

Importante destacar que o PMDB não demandou na justiça constitucional

para contestar nenhuma Medida Provisória ao longo dos últimos vinte e sete anos.

Ele impugnou, desse modo, apenas leis e outros atos normativos. Não obstante, suas

ações ainda obtiveram perda de objeto (vício formal), sem poder ter o mérito julgado.

Das cinco ações nas quais fora declarada a perda de objeto, uma obteve o

tempo razoável de um ano e seis meses para ser jugada pelo STF e duas levaram

mais de três anos para tanto. Duas outras, porém, demoraram mais de dez anos para

obter um posicionamento final da Corte, passando em muito da média de 5,32 anos

apontada no III Relatório do Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014). Contudo,

convém lembrar que, embora por diversas vezes reiterada nesta pesquisa, essa

média não corresponde ao ideal de tempo para julgamento, mas apenas um dado

achado pelo relatório quanto à duração dos processos referentes à ADINs. Um tempo

longo, porém, aponta para indícios de um comportamento autocontencioso por parte

do Tribunal: uma preferência por deixar que o tempo opere seus efeitos e o conflito

objeto da demanda se resolva sozinho, espontaneamente, sem que a Corte precise

sobre o litígio se pronunciar e, desse modo, pagar por eventuais ônus políticos dessa

decisão. Os indícios tornam-se ainda mais fortes quando com eles são considerados

um alto quantitativo de ações aguardando julgamento, como é o caso das ADINs

propostas pelo PMDB.

Os dados exploratório-descritivos apontam, portanto, para indícios de um

comportamento parecido por parte do STF no que se refere à sua relação com o

PMDB e com as pequenas agremiações. Embora o PMDB tenha apresentado poucas

ADINs, as julgadas procedentes possuem um número muito pouco expressivo se

comparadas com as demais variáveis categóricas. As tidas como improcedentes em

sentido amplo, assim como se concluiu quando do exame dos partidos com pequenas

bancadas, também corresponderam ao maior quantitativo entre as possíveis reações

do Tribunal. Ademais, quando examinadas as causas para o indeferimento do pedido

e, logo, tratadas as subcategorias da variável “improcedente” em sentido amplo, o

número das ADINs tidas como prejudicadas mostrou-se proporcionalmente relevante:

superaram o número das julgadas improcedentes em sentido estrito.

Juntamente com o alto índice das ações tidas como prejudicadas está o

grande número das ADINs ainda aguardando julgamento. Esses dois são os maiores

105

quantitativos quando examinadas as razões do Tribunal para decidir. Portanto, quanto

ao PMDB, o STF também não é ativista e utiliza recursos para uma autocontenção.

5.6 Respostas ao PT

Continuando o exame comparativo dentro dos limites oferecidos pelos

dados exploratório-descritivos desta pesquisa, analisa-se as variáveis de julgamento

quanto ao Partido dos Trabalhadores.

Como exposto no capítulo quatro, o PT muito submeteu ao Supremo

Tribunal Federal pela via do controle concentrado e fora responsável por ajuizar

duzentas e vinte e uma ações diretas de controle de constitucionalidade. O fato levou

à afirmação de Vianna et al (1999) de ser a oposição quem mais demanda a Corte,

visto que o PT já se apresentava como um grande requerente na época em que foi

realizado o estudo – e na qual ele ainda não havia assumido a posição de governo.

Conforme o gráfico 17, vinte e seis ações ainda aguardam julgamento

(quase 12% do total). Delas, dezenove foram propostas há mais de dez anos, duas

foram submetidas há seis anos e outras cinco foram ajuizadas em 2015. Logo, a

grande maioria não é tão recente e ainda se encontra à espera de uma decisão final.

Muitas Medidas Provisórias foram impugnadas e, como demonstra o

gráfico 17, há um número altíssimo de ADINs julgadas improcedentes em sentido

amplo: cento e sessenta e seis ações (aproximadamente 75% do total).

Gráfico 17. Resultados das ações ajuizadas pelo PT.

Fonte: elaboração própria.

26 (12%)

166 (75%)

20 (9%)9 (4%)

Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida

106

Cento e sessenta e seis ações foram tidas como improcedentes em sentido

amplo (aproximadamente 75%), enquanto apenas vinte foram julgadas procedentes

(quase 9%) (gráfico 17). É uma proporção pouco maior que a de oito para um a

quantidade de eventos das duas variáveis categóricas. Novamente, se o cenário fosse

o de um jogo onde há quem ganha e, por conseguinte, quem perde, dir-se-ia que o

PT tende a ser perdedor na revisão judicial.

Quando questionado o motivo para tamanha taxa de indeferimento do

pedido, tem-se que, tal como nos pequenos partidos e no PMDB, há um alto número

de ações prejudicadas. São cento e vinte ADINs representando os casos nos quais o

STF demorou demais para julgar a questão e ela não pode mais ser apreciada (gráfico

18) – em torno de 77% da variável categórica das improcedentes em sentido amplo e

de 54,05% do número total de ADINs ajuizadas pelo PT.

Gráfico 18. Análise da variável categórica “improcedente” em sentido amplo do PT.

Fonte: elaboração própria.

Desse modo, como se depreende do gráfico 18, as ações prejudicadas

superam em muito as ações tidas como improcedentes em sentido estrito ou as que

apresentaram problemas com a legitimidade ativa ou com o pedido. Não houve

litispendência ou coisa julgada entre os argumentos utilizados pelo STF para não

declarar a inconstitucionalidade requerida pelo PT.

11 (7%)

120 (77%)

0%

6 (4%)18 (12%)

Improcedente Prejudicada

Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade

Outros problemas com o pedido

107

O gráfico 19 traz o exame das subcategorias da variável “improcedente”

em sentido estrito. Cuida, portanto, de representar quantitativamente as ações tidas

como prejudicadas em virtude da perda de objeto ou da perda de legitimidade ativa.

Gráfico 19. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PT.

Fonte: elaboração própria.

Conforme se depreende do gráfico 19, nenhuma ADIN proposta pelo PT

apresentou perda superveniente de legitimidade ativa. Contudo, seis foram as ações

cujos dados disponíveis no site do STF não foram suficientes para demonstrar o

porquê de terem sido decididas como prejudicadas (5%). Podem ter sido assim

declaradas em virtude ou da perda de legitimidade superveniente ou da perda de

objeto; não se sabe. Desse modo, essas seis ADINs foram tratadas em separado,

como é possível perceber no gráfico 20, em respeito à integridade da pesquisa. Não

é possível afirmar quanto a elas a sua razão de ser e, portanto, tem-se uma ressalva.

Quanto à perda de objeto, porém, altíssimo é o índice que já se apresenta,

independentemente dessas seis tidas como prejudicadas por seus dados serem

insuficientes para se conhecer exatamente o porquê de assim decididas. Cento e

quatorze ADINs (95% das prejudicadas) foram declaradas como casos de perda de

objeto. Entre elas, setenta e três trataram de impugnações a Medidas Provisórias.

Desse modo, os casos contra atos normativos primários com força de lei foram

correspondentes a 64,03% das ações que tiveram perda de objeto.

Como o quantitativo é alto, serão aqui apresentadas três tabelas a fim de

pormenorizar todas as ADINs com perda de objeto. Antes, afirma-se que os dados

114 (95%)

0% 6 (5%)

Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada

108

coletados quanto a este universo correspondem a 64,03% de impugnações a Medidas

Provisórias. Além disso, desse percentual, pouco mais de 73,97% dizem respeito a

ADINs julgadas antes da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 32 de

2001. Foram cinquenta e quatro ações com julgamento após a alteração da disciplina

desses atos normativos primários com força de lei, promovida pela Emenda. Sobre as

dezenove analisadas após setembro de 2001, a tabela 10 a seguir.

Tabela 10. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT, no que se refere às Medidas Provisórias julgadas após setembro de 2001.

Partido Nº

ADIN Temas

Data de entrada

Data de julgamento

Tipo de decisão

Duração aproximada

PT ADIN/1263 Política Econômica 05/04/1995 10/10/2001 Monocrática

6 anos e seis meses

PT ADIN/1325

Administração Pública Civil 10/07/1995 11/02/2004 Monocrática

8 anos e sete meses

PT ADIN/1376 Política Econômica 13/11/1995 24/02/2003 Monocrática

7 anos e três meses

PT ADIN/1468

Política Econômica e Administração Pública Civil e Judicial 05/06/1996 30/11/2004 Monocrática

8 anos e cinco meses

PT ADIN/1664 Política Social 29/08/1997 20/03/2002 Monocrática

4 anos e sete meses

PT ADIN/1665 Política Social 29/08/1997 05/02/2007 Monocrática

9 anos e seis meses

PT ADIN/1699 Política Social 29/10/1997 25/09/2001 Monocrática

3 anos e onze meses

PT ADIN/1700 Política Econômica 10/11/1997 27/11/2001 Monocrática 4 anos

PT ADIN/1830 Política Econômica 18/05/1998 12/06/2002 Plenário

4 anos e um mês

PT ADIN/1877 Política Social 27/08/1998 01/02/2007 Monocrática

8 anos e seis meses

PT ADIN/1882

Administração Pública Civil 04/09/1998 04/12/2003 Plenário

5 anos e três meses

PT ADIN/2066

Administração Pública Civil 20/09/1999 06/12/2005 Monocrática

6 anos e três meses

PT ADIN/2125

Regulação da Sociedade Civil 22/12/1999 04/03/2002 Monocrática

2 anos e três meses

PT ADIN/2227

Administração Pública Civil 15/06/2000 24/06/2003 Monocrática 3 anos

PT ADIN/2246

Regulação da Sociedade Civil 14/07/2000 25/10/2001 Monocrática

1 ano e três meses

PT ADIN/2455 Política Econômica 15/05/2001 26/02/2003 Monocrática

1 ano e nove meses

PT ADIN/2473

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 21/06/2001 13/12/2013 Monocrática

12 anos e seis meses

PT ADIN/2565

Administração Pública Civil 19/11/2001 22/03/2002 Monocrática Seis meses

PT ADIN/2683

Administração Pública Civil 28/06/2002 04/11/2003 Monocrática

1 ano e cinco meses

109

Fonte: elaboração própria.

Percebe-se pela tabela 10 que muitas das ações possuem duração para

mais de quatro anos. Mais precisamente, onze delas ultrapassam o prazo de 5,32

anos apresentado pelo III Relatório Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014).

Contudo, uma realidade diferente é apresentada quando do exame das ADINs que

impugnaram Medidas Provisórias e obtiveram julgamento antes de setembro de 2001.

Observe-se a tabela 11.

Tabela 11. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT, no que se refere às Medidas Provisórias julgadas antes de setembro de 2001.

Partido Nº

ADIN Temas

Data de entrada

Data de julgamento

Tipo de decisão

Duração aproximada

PT ADIN/62 Política Social 13/06/1989 14/09/2001 Monocrática

12 anos e três meses

PT ADIN/357 Relações Trabalhistas 29/08/1990 28/04/1997 Monocrática

6 anos e quatro meses

PT ADIN/393 Política Social 06/11/1990 19/04/1991 Plenário

Cinco meses

PT ADIN/435 Relações Trabalhistas 04/02/1991 31/05/1993 Monocrática

2 anos e três meses

PT ADIN/529

Administração Pública Civil 07/06/1991 28/08/1991 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1093 Política Econômica 13/07/1994 05/08/1994 Monocrática Dias

PT ADIN/1118 Política Econômica 22/08/1994 31/08/1994 Monocrática Dias

PT ADIN/1133 Política Econômica 16/09/1994 31/10/1994 Monocrática Um mês

PT ADIN/1204

Administração Pública Civil 03/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1205

Administração Pública Civil e Judicial 03/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1206 Política Econômica 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1207 Política Social 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1208

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1209

Administração Pública Civil, Judicial e Militar 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1210 Política Econômica 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1211

Administração Pública Judicial 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1212 Relações Trabalhistas 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

110

PT ADIN/1213

Regulação da Sociedade Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1214

Regulação da Sociedade Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1215

Administração Pública Militar 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1216

Administração Pública Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses

PT ADIN/1271 Política Econômica 18/04/1995 30/06/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1311 Política Econômica 05/07/1995 16/09/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1313

Administração Pública Civil e Militar 05/07/1995 29/08/1995 Monocrática Um mês

PT ADIN/1314

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 05/07/1995 10/10/1995 Monocrática Três meses

PT ADIN/1315

Administração Pública Civil e Judicial 05/07/1995 12/09/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1316

Administração Pública Civil 05/07/1995 10/08/1995 Monocrática Um mês

PT ADIN/1317 Política Tributária 05/07/1995 15/08/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1318 Política Tributária 05/07/1995 17/09/1997 Monocrática Três meses

PT ADIN/1319 Política Tributária 05/07/1995 17/09/1995 Monocrática Três meses

PT ADIN/1320 Política Econômica 05/07/1995 15/08/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1321 Política Econômica 05/07/1995 29/08/1995 Monocrática Um mês

PT ADIN/1322 Relações Trabalhistas 05/07/1995 12/09/1995 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1324

Regulação da Sociedade Civil 07/07/1995 25/01/1996 Monocrática Seis meses

PT ADIN/1334 Política Econômica 08/08/1995 19/12/1995 Plenário

Quatro meses

PT ADIN/1441

Administração Pública Civil e Judicial 02/05/1996 20/02/1998 Monocrática

1 ano e nove meses

PT ADIN/1533 Política Social 28/11/1996 15/10/1997 Monocrática Onze meses

PT ADIN/1534 Política Social 28/11/1996 11/06/1997 Monocrática Sete meses

PT ADIN/1535

Administração Pública Civil e Militar 28/11/1996 28/09/1998 Monocrática

1 ano e dez meses

PT ADIN/1558

Administração Pública Civil 24/01/1997 28/09/1998 Monocrática

1 ano e oito meses

PT ADIN/1641 Política Social 18/07/1997 02/09/1997 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1686 Política Social 06/10/1997 15/12/1997 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1844 Política Social 01/07/1998 10/08/1999 Monocrática

1 ano e um mês

PT ADIN/1870

Regulação da Sociedade Civil 12/08/1998 15/10/1998 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1871 Relações Trabalhistas 13/08/1998 14/10/1998 Monocrática Dois meses

PT ADIN/1888 Relações Trabalhistas 07/10/1998 11/12/1998 Monocrática Dois meses

111

PT ADIN/1887 Política Econômica 13/10/1998 12/11/1998 Monocrática Um mês

PT ADIN/1907

Administração Pública Civil Judicial e Militar 05/11/1998 18/02/1999 Plenário Três meses

PT ADIN/1974 Política Econômica 24/03/1999 16/08/1999 Monocrática

Cinco meses

PT ADIN/2015

Regulação da Sociedade Civil 10/06/1999 31/08/1999 Monocrática Dois meses

PT ADIN/2162

Política Econômica e Social 03/03/2000 04/05/2000 Plenário Dois meses

PT ADIN/2251 Política Econômica 21/07/2000 15/03/2001 Plenário Oito meses

PT ADIN/2293

Administração Pública Civil e Judicial 21/08/2000 16/03/2001 Monocrática Sete meses

PT ADIN/2463

Regulação da Sociedade Civil 25/05/2001 11/06/2001 Monocrática Dois meses

Fonte: elaboração própria.

Os resultados obtidos quando do exame das ações propostas antes de

setembro de 2001 (transcritos na tabela 11) demonstram uma realidade diferente

quanto ao tempo de duração dos processos. A maioria das cinquenta e quatro ADINs

que impugnaram Medidas Provisórias e foram extintas antes dessa data sem

julgamento do mérito em virtude da perda de objeto foram decididas em meses, de

modo muito mais rápido e não percebido quando da análise das ações dos demais

partidos (pequenos e PMDB).

As razões para o evento exposto pela tabela 11 poderão ser melhor

exploradas em posteriores pesquisas. Os dados exploratório-descritivos utilizados

para este trabalho mostram-se insuficientes para explicar por que o STF julgou tão

rapidamente esses últimos processos. Porém, não obstante o curto tempo de duração,

é preciso lembrar que as ações foram ainda assim extintas sem julgamento de mérito

em virtude da perda de objeto. Assim, embora tenha analisado mais rapidamente as

demandas do PT durante um período na história, o Tribunal ainda não foi capaz de se

pronunciar antes que ocorresse a perda de objeto e o tempo afetasse o direito.

Quando se analisa as demais ADINs propostas pelo PT que foram tidas

como prejudicadas em face da perda de objeto, o comportamento do STF volta a ser

como antes identificado no exame das impugnações às Medidas Provisórias julgadas

antes de setembro de 2001 e na análise das ações do PMDB e dos pequenos partidos.

É o que se apreende dos dados expostos na tabela 12.

112

Tabela 12. Análise da subcategoria “perda de objeto” das demais ADINs propostas pelo PT, excluídas as que impugnam Medidas Provisórias.

Partido Nº

ADIN Temas

Data de entrada

Data de julgamento

Tipo de decisão

Duração aproximada

PT ADIN/480 Política Social 05/04/1991 13/10/1994 Plenário

3 anos e seis meses

PT ADIN/607

Administração Pública Civil 16/10/1991 06/02/1992 Monocrática

Quatro meses

PT ADIN/672

Regulação da Sociedade Civil 21/01/1992 06/08/2001 Monocrática

9 anos e sete meses

PT ADIN/673 Política Econômica 21/01/1992 09/12/2003 Monocrática

11 anos e onze meses

PT ADIN/707

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 19/03/1992 21/11/2001 Monocrática

9 anos e oito meses

PT ADIN/787

Administração Pública Civil 29/09/1992 11/12/2012 Monocrática

20 anos e três meses

PT ADIN/806

Administração Pública Civil 20/11/1992 23/06/2010 Monocrática

17 anos e sete meses

PT ADIN/817

Regulação da Sociedade Civil 09/12/1992 14/05/1993 Monocrática

Cinco meses

PT ADIN/885 Política Econômica 03/06/1993 17/06/1999 Plenário 9 anos

PT ADIN/929 Política Econômica 26/08/1993 02/12/2015 Monocrática

12 anos e quatro meses

PT ADIN/931 Política Econômica 31/08/1993 08/04/2002 Monocrática

8 anos e oito meses

PT ADIN/945

Administração Pública Civil 10/09/1993 27/09/2007 Monocrática 14 anos

PT ADIN/984

Administração Pública Civil 17/12/1993 30/10/2001 Monocrática

7 anos e dez meses

PT ADIN/1076 Competição Política 01/06/1994 05/06/1995 Monocrática 1 ano

PT ADIN/1312 Política Econômica 05/07/1995 02/08/2004 Monocrática

8 anos e onze meses

PT ADIN/1398

Regulação da Sociedade Civil 26/01/1996 01/10/1996 Monocrática

6 anos e onze meses

PT ADIN/1404

Administração Pública Civil 05/02/1996 03/12/2003 Monocrática

4 anos e um mês

PT ADIN/1418

Administração Pública Civil 07/03/1996 17/10/2002 Monocrática

6 anos e quatro meses

PT ADIN/1469

Administração Pública Civil e Judicial 11/06/1996 07/10/2001 Monocrática

9 anos e quatro meses

PT ADIN/1484

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 25/07/1996 21/08/2001 Monocrática

4 anos e onze meses

PT ADIN/1511

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 02/10/1996 19/04/2004 Monocrática

7 anos e seis meses

PT ADIN/1597 Política Econômica 30/04/1997 28/09/2006 Monocrática

11 anos e cinco meses

PT ADIN/1620

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 12/06/1997 07/11/2007 Monocrática

10 anos e cinco meses

113

PT ADIN/1885

Administração Pública Civil e Judicial 14/09/1998 22/09/1999 Plenário 1 ano

PT ADIN/1944

Regulação da Sociedade Civil 19/01/1999 25/01/1999 Monocrática Dias

PT ADIN/1965

Administração Pública Civil e Judicial 10/03/1999 03/08/1999 Monocrática

Cinco meses

PT ADIN/1966

Administração Pública Civil 10/03/1999 04/02/2004 Monocrática

4 anos e onze meses

PT ADIN/1981

Administração Pública Civil e Judicial 09/04/1999 13/06/2011 Monocrática

12 anos e dois meses

PT ADIN/1996 Política Econômica 03/05/1999 29/04/2003 Monocrática

3 anos e onze meses

PT ADIN/2002 Política Social 12/05/1999 17/06/1999 Plenário Um mês

PT ADIN/2013

Administração Pública Judicial 08/06/1999 01/02/2005 Monocrática

6 anos e quatro meses

PT ADIN/2022 Política Econômica 29/06/1999 19/03/2001 Monocrática

1 ano e nove meses

PT ADIN/2031 Política Tributária 15/07/1999 03/10/2002 Plenário

3 anos e três meses

PT ADIN/1947

Regulação da Sociedade Civil 22/11/1999 18/03/1999 Monocrática Oito meses

PT ADIN/2153 Política Econômica 21/02/2000 19/03/2001 Monocrática Onze meses

PT ADIN/2223 Política Econômica 08/06/2000 02/09/2004 Monocrática

4 anos e três meses

PT ADIN/2310

Administração Pública Civil 30/08/2000 07/12/2004 Monocrática

4 anos e quatro meses

PT ADIN/2380

Administração Pública Civil 27/12/2000 25/08/2005 Monocrática

4 anos e oito meses

PT ADIN/2668 Política Tributária 13/06/2002 14/04/2010 Monocrática

7 anos e dez meses

PT ADIN/1393

Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 20/12/2015 01/10/1996 Monocrática Dez meses

Fonte: elaboração própria.

Pela tabela 12, é possível observar a maioria das demais ADINs extintas

pela perda de objeto como durando mais de quatro anos, sendo dezenove as ações

que ultrapassam dos 5,32 anos apontados pelo III Relatório Supremo em Números.

Mais precisamente, existem ADINs que levaram sete, doze, quatorze, vinte anos para

serem julgadas, enquanto algumas outras são decididas mais rapidamente. Esses são

sinais de um comportamento deliberado do Tribunal, escolhas sobre quando se

pronunciar. Aqui, cabe a mesma afirmativa sobre a presença de indícios de um

exercício de “virtudes passivas” (BICKEL, 1962) por parte da Corte (LIMA et al, 2016);

por conseguinte, indicativos de uma atitude estratégia do Supremo, desempenhada

pela via da autocontenção.

114

O exame das ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo PT,

portanto, rechaça novamente um comportamento ativista por parte da Corte brasileira,

vez que cento e sessenta e cinco das duzentas e vinte e duas ações não deferiram o

pedido da agremiação e, por conseguinte, não invalidaram a lei ou o ato normativo

impugnado. Um altíssimo índice de ADINs tidas como prejudicadas fora verificado,

com sua grande maioria correspondendo a vício formal por perda de objeto, havendo

indícios de um comportamento estratégico do STF, no sentido de utilizar o tempo a

seu favor e escolher sobre o que publicamente se pronunciar.

5.7 A Corte é, afinal, ativista ou autocontenciosa quanto às demandas dos

partidos políticos?

A resposta do STF quanto às ações ajuizadas pelos pequenos partidos

políticos no período entre 1988 a 2015 fora medida através das variáveis categóricas

“procedente”, “improcedente”, “liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Dentro

dos limites dos dados exploratório-descritivos desta pesquisa, foram comparadas as

respostas do Tribunal dadas às pequenas agremiações, ao PMDB e ao PT, no intuito

de procurar indícios sobre o comportamento da Corte, seja de modo uniforme para

todos os partidos, seja de modo particular em virtude do tamanho da agremiação. A

análise poderá ser aprofundada em pesquisas posteriores.

Quanto aos partidos de pequenas bancadas, as taxas de procedência e de

liminares concedidas pelo Tribunal foram baixas. Juntas, representam 19,3% do total

e não superam nem o número de ações que, até o fim da presente pesquisa, ainda

aguardam julgamento. Desse modo, demonstra-se o STF como não sendo ativista em

relação às pequenas agremiações.

Se comparados estes resultados dos partidos ao dos outros atores

legitimados a assumir a posição de requerentes no controle, oferecidos pela literatura

(CARVALHO, 2005; CARVALHO et al, 2011; CARVALHO et al, 2016), constata-se

que a Corte é seletiva, importando muito para o modo como decida quem se lhe

apresenta como requerente. Mas não apenas. A presente pesquisa demonstra ser o

Tribunal também estratégico.

A quantidade de eventos em que fora registrada a improcedência em

sentido amplo de uma ADIN proposta por partidos pequenos equivale a quase ao

115

quádruplo do registrado pelas ações procedentes. Mas não tão somente: se

analisados os pormenores dos motivos para o indeferimento do pedido de declaração

de inconstitucionalidade, os casos nos quais houve problemas com a legitimidade

ativa ou com o pedido da ADIN, ou quando a ação fora tida como prejudicada,

apresentam os mais altos índices quantitativos. Todos esses são vícios formais que

levam à extinção do processo sem julgamento de mérito. Enquanto isso, a taxa de

improcedência em sentido estrito – improcedentes pelo mérito – é quase igual à das

ações procedentes – logo, é baixo. O STF, portanto, decide muito mais amparado em

vícios formais do processo do que aprecia o mérito do litígio constitucional.

O Tribunal também utiliza o tempo como aliado para não decidir (LIMA et

al, 2016). De modo estratégico, assume deliberadamente os riscos de ”engavetar” um

processo – talvez por ser politicamente custoso – até que a decisão de mérito já não

seja mais interessante. Surgem, portanto, os altos números dos casos tidos como

prejudicados (de perda de objeto e de perda superveniente de legitimidade).

Até 2004, a perda superveniente de legitimidade consistiu em causa para

a extinção do processo. O motivo foi muito utilizado, correspondendo a 30 das 290

ações. Com a mudança de entendimento da Corte, agora a favor do prosseguimento

do feito em tal situação uma vez que se trata de processo objetivo, algumas decisões

foram agravadas e, com o agravo provido, duas foram extintas por perda de objeto e

muitas permaneceram sem julgamento do mérito até o fim desta pesquisa.

Mas o grande motivo para a taxa de insucesso dos pequenos partidos

políticos no controle abstrato corresponde à perda de objeto das ações diretas de

inconstitucionalidade propostas. Esta subcategoria por si só já supera o número das

ADINs procedentes.

A fim de saber o motivo para tamanho quantitativo da “perda de objeto”,

analisou-se o tempo de duração destes processos, assim julgados. Mais de um terço

delas demorou um tempo superior a 5,32 anos para obter a decisão final, superando,

assim, em muito a média encontrada no III Relatório Supremo em Números.

Desse um terço que muito perdurou até o seu julgamento, a maioria

correspondeu à impugnação de Medidas Provisórias anteriores à Emenda

Constitucional nº 32 – momento quando esse ato normativo primário com força de lei

poderia ser reeditado inúmeras vezes e produzir efeitos por prazo indeterminado. Tão

116

logo sobreveio a Emenda Constitucional nº 32, em setembro de 2001, a Corte deixou

de julgar ações com tamanha duração, reduzindo o tempo até a decisão final para

abaixo da média de 5,32 anos.

A redução do tempo para decidir, portanto, não significa necessariamente

uma diligência do Supremo, uma mudança de postura. O Tribunal foi quem passou a

ter que esperar por menos tempo para que o objeto da ação fosse perdido. Portanto,

mais parecem indícios de comportamento estratégico da Corte do que diligência.

Nesse sentido, o grande período de tempo é mais comum em ações mais

antigas, numa situação inversamente proporcional à ideia de sobrecarga da Corte: as

ADINs mais novas levaram menos tempo para serem julgadas. Contudo, há ações

propostas duas, três décadas atrás ainda aguardando pela decisão final, sem nem a

liminar ter sido concedida (ou não contêm pedido de liminar). Deliberadamente, o STF

parece estar escolhendo por não as decidir.

As ações que ainda dependem de julgamento somam o número de setenta

e quatro ADINs, se incluídas as ações antes extintas por perda superveniente de

legitimidade ativa que foram, depois, reconsideradas. As setenta e quatro ADINs

tornam esta categoria a segunda maior em termos quantitativos, correspondendo a

mais de 25% do total das ações propostas pelos pequenos partidos.

Tudo isso pode ser o sinal de uma nova postura do STF: a de não decidir.

A Corte está atuando estrategicamente. De outra forma, não há como explicar como

determinadas ações são julgadas mais rapidamente que outras, ainda que mais

antigas; ou não há como justificar que ações propostas desde 1992 ainda não tenham

tido decisão final.

Quer seja pela perda de objeto, quer seja pela perda superveniente de

legitimidade ou por outros argumentos jurídicos de cunho processual, ou, ainda, pela

passividade em deixar o tempo fluir, a Corte não está decidindo. Ou decide por não

decidir. A posição do Supremo de deixar escoar o tempo poderá ser o exercício de

uma nova “virtude passiva”, resgatando o conceito de Bickel, e, por conseguinte, uma

escolha pela autocontenção, entendimento esse que Lima et al (2016) também

chegou em suas conclusões.

Seja qual for o motivo, uma coisa é certa: trata-se do exercício de uma

autocontenção, bem maior do que o de um ativismo judicial. Os pequenos partidos

117

políticos não são parceiros do Tribunal. Eles obtêm uma taxa de insucesso quase

quatro vezes superior à de procedência. Desse modo, na maioria das vezes, não

conseguem uma boa resposta do STF, possível de reverter as decisões tomadas

pelas maiorias legislativas em prol de seus interesses. A Corte é seletiva e estratégica.

Quando comparadas as respostas aos partidos de pequenas bancadas

com as oferecidas para o PMDB e o PT, a realidade observada é proporcionalmente

a mesma: um baixo índice das ações procedentes e um alto quantitativo das ADINs

extintas por vícios formais, especialmente daquelas arrazoadas como perda de objeto.

Há também um número significativo das ações aguardando julgamento, maior que o

das procedentes – muitas (no caso do PMDB) não recentes e a grande maioria (para

o PT, representando 75%) com mais de dez anos sem decisão final, logo, apontando

para um comportamento deliberado da Corte.

Há, portanto, uma rejeição aparente do STF quando se trata de julgar as

ADINs propostas por partidos políticos. A consequência dessa rejeição é a perda de

objeto e não importa o tamanho do partido político, bastando ser agremiação para que

ocorra o resultado. Não é o tamanho, mas a natureza do requerente que influi em

como a Corte irá decidir. Desse modo, em relação à capacidade de obter respostas

do STF, não há diferença entre os partidos grandes ou pequenos, ao contrário do que

se poderia supor; há uma uniformidade no comportamento do Tribunal.

118

CONCLUSÕES

Cuidou-se, no primeiro e no segundo capítulo, de apresentar as regras do

“jogo político democrático” (BOBBIO, 1986), antes e depois da interferência do

Judiciário. Nele, os partidos políticos continuam sendo seus atores principais: são

canais de expressão que comunicam os interesses e demandas dos cidadãos para os

governantes, exercendo também pressão para verem atendidas as reinvindicações

que perseguem. Ademais, no jogo, a regra (ou o método) para a resolução dos

conflitos corresponde ao princípio de maioria (SARTORI, 1994).

O princípio de maioria, porém, pressupõe a existência de uma minoria,

mesmo que a criação da ordem jurídica e social seja determinada pela vontade do

grande grupo (KELSEN, 2000, p. 411). Ele traz consigo a ideia de proteção de

minorias. As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição

(SARTORI, 1994). É nesse sentido, para a grande literatura, que o Judiciário aparece

no jogo político: para proteger as minorias e resguardar a democracia, criando obste

à tirania da maioria – um poder contramajoritário (BICKEL, 1962; ELY, 1980).

Os partidos seguem sendo o ator principal no jogo político democrático,

tentando no Legislativo e no Executivo promover políticas públicas para atender ao

povo. Todavia, quando perdem nas Casas legislativas, ou ali estão insatisfeitas, as

agremiações possuem a prerrogativa constitucional de demandar no Judiciário. Elas

acionam a justiça através do controle de constitucionalidade, afim de declarar a lei ou

o ato normativo como inválido e retirá-lo do ordenamento jurídico. Como, no Brasil,

quem recebe tais demandas (as impugnações dos partidos quanto à validade de

determinadas leis) é o STF, o órgão termina por assumir uma função política, a de

Corte Constitucional, sendo capaz de interferir nas decisões dos outros Poderes.

Desse modo, o jogo político democrático continua no Judiciário, que passou

a decidir sobre matérias tradicionalmente de competência dos poderes majoritários

(Executivo e Legislativo), podendo, inclusive, exercer verdadeiro constrangimento à

realização de políticas públicas. A esse fenômeno de chamamento do Judiciário para

se pronunciar sobre demandas tradicionalmente decididas nos outros Poderes dá-se

o nome de judicialização. A resposta a esse chamamento poderá ser considerada

como uma postura ativista ou autocontenciosa, a depender da atitude da Corte.

119

Esta pesquisa buscou testar uma hipótese quanto aos partidos políticos de

pequenas bancadas brasileiros: o STF possui perfil autocontencioso em suas

decisões quanto às demandas submetidas por essa categoria de atores políticos. Uma

análise empírica de ordem qualitativa-quantitativa fora realizada, com o objetivo de

concluir sobre o comportamento do Supremo Tribunal Federal diante das demandas

propostas pelas pequenas agremiações – e, consequentemente, se a Corte seria, de

fato, uma arena interessante para a discussão dos interesses dos pequenos partidos

políticos.

O capítulo quatro trouxe a análise dos temas das ações diretas de

inconstitucionalidade ajuizadas pelos partidos políticos. O exame dos inputs do

processo de judicialização fora necessário para compreender a análise dos outputs,

desenvolvida no capítulo cinco. Não se tratou de discutir a racionalidade de quem

ajuíza o controle porque esse exame mais aprofundado dos inputs fugiria ao objetivo

deste trabalho, bastando conhecer a literatura sobre isso.

Quanto aos temas, há algumas pequenas diferenças entre os partidos

estudados, escolhas essas que variam muito um pouco entre eles. Contudo, a julgar

pelos temas mais recorrentes, há uma grande preferência por debater assuntos

ligados ao funcionalismo público, especialmente servidores públicos no âmbito do

Legislativo e do Executivo – embora também muito se discuta acerca dos servidores

do Judiciário. Nesse sentido, infere-se existir a presença de um interesse corporativo

de servidores públicos circundando todas as agremiações. Igualmente, pela forma

como se apresenta a grande judicialização desse tema, pode-se inferir que o apoio

dessas categorias sociais é essencial para qualquer tipo de partido, não importando a

sua posição ideológica tampouco o seu tamanho.

Dentro dos limites dos dados exploratório-descritivos desta pesquisa,

examinou-se a resposta do STF em relação às ADINs propostas pelo PT e pelo

PMDB, para efeitos comparativos entre os resultados desses e os das pequenas

agremiações. A intenção era procurar indícios acerca do comportamento da Corte,

seja de modo uniforme para todos os partidos, seja de modo particular em relação ao

tamanho das agremiações políticas. Certamente, tal análise poderá ser aprofundada

em pesquisas posteriores.

Estudos anteriores limitaram-se a estudar os partidos de um modo geral

(CARVALHO, 2005; LIMA et al, 2016), ou buscaram nos nove maiores indícios de

120

como se comporta o Supremo perante todas as agremiações (TAYLOR e DA ROS,

2008). Nesta pesquisa, quando estudados os pequenos partidos, constatou-se um

perfil da Corte no sentido de não deferir os pedidos das pequenas agremiações. Mais

especificamente, um alto número de ações extintas sem julgamento do mérito, em

virtude da perda de objeto ou da perda superveniente de legitimidade ativa – motivos

que tornam a ação prejudicada. Também é alto o número das ADINs aguardando

julgamento, mas não tão alto quando o das ações tidas como prejudicadas.

Aqui se confirmou Carvalho (2005): comparados estes resultados dos

partidos ao dos outros atores legitimados a assumir a posição de requerentes no

controle, oferecidos pela literatura (CARVALHO, 2005; CARVALHO et al, 2011;

CARVALHO et al, 2016), constata-se que a Corte é seletiva. Mas não apenas. A

presente pesquisa também aponta indícios de ser o Tribunal estratégico, estando de

acordo com as conclusões de Lima et al (2006). De outra forma, não há como explicar

como determinadas ADINs são julgadas mais rapidamente que outras, ainda que mais

antigas; ou não há como justificar que ações propostas desde 1992 ainda não tenham

tido decisão final.

Quer seja pela perda de objeto, quer seja pela perda superveniente de

legitimidade ou por outros argumentos jurídicos de cunho processual, ou, ainda, pela

passividade em deixar o tempo fluir, a Corte não está decidindo. Ou decide por não

decidir. A posição do STF de deixar escoar o tempo poderá ser indício do exercício

de uma nova “virtude passiva”, resgatando o conceito de Bickel, e, por conseguinte,

uma escolha pela autocontenção, tal como também concluiu Lima et al (2016).

Quando comparadas as respostas do Tribunal aos partidos de pequenas

bancadas com as oferecidas para o PMDB e o PT, a realidade observada é

proporcionalmente a mesma: um baixo índice das ações procedentes e um alto

quantitativo das ADINs extintas por vícios formais, especialmente daquelas

arrazoadas como perda de objeto. Há também um número significativo das ações

aguardando julgamento, maior que o das procedentes – muitas (no caso do PMDB)

não recentes e a grande maioria (para o PT, representando 75%) com mais de dez

anos sem decisão final, logo, apontando para um comportamento deliberado da Corte.

Há, portanto, uma rejeição aparente do STF quando se trata de julgar as

ADINs propostas por partidos políticos. A consequência dessa rejeição é a perda de

objeto e não importa o tamanho do partido político, bastando ser agremiação para que

121

ocorra o resultado. Não é o tamanho, mas a natureza do requerente que influi em

como a Corte irá decidir. Desse modo, em relação à capacidade de obter respostas

do STF, não há diferença entre os partidos grandes ou pequenos, ao contrário do que

se poderia supor; há uma uniformidade no comportamento do Tribunal.

O estudo aqui realizado confirmou Carvalho (2005), que tinha concluído ser

o Tribunal seletivo, importando muito para o modo como decida quem se lhe apresenta

como requerente. No plano dos dados descritivos, o tamanho dos partidos parece não

influenciar na resposta, havendo uma uniformidade no comportamento dos juízes em

relação às agremiações. Logo, basta ser partido político para aumentarem as chances

de a Corte responder no sentido da autocontenção.

122

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