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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de
inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas
Gabriela Perrelli de Melo
Recife
2017
GABRIELA PERRELLI DE MELO
DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de
inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco como requisito parcial de obtenção do grau de mestre. Orientador: Gustavo Ferreira Santos. Co-orientador: José Mário Wanderley Gomes Neto.
Recife
2017
GABRIELA PERRELLI DE MELO
DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
As reações do Supremo Tribunal Federal às ações diretas de
inconstitucionalidade propostas por partidos políticos de pequenas bancadas
DEFESA PÚBLICA em
Recife, _____ de ________________ de 2017.
BANCA EXAMINADORA
Presidente e orientador: Gustavo Ferreira Santos
__________________________________________________
Co-orientador: José Mário Wanderley Gomes Neto
__________________________________________________
Examinador externo: Gabriela da Silva Tarouco
__________________________________________________
Examinador interno: Flávia Danielle Santiago Lima
__________________________________________________
Recife
2017
AGRADECIMENTOS
Por esta etapa agora concluída, agradeço a Deus e a todos os que para ela
contribuíram. Aos meus colegas de curso, às minhas grandes amigas, à minha família,
de valor imensurável. Também àqueles que se tornaram da família. Devo, porém,
agradecer não apenas por esta etapa, mas por tudo o que ela agrega e revela consigo.
Obrigada pela influência, pela parceria, pelo incentivo.
Agradeço aos professores e servidores da Pós-Graduação em Direito da
Universidade Católica de Pernambuco: o programa foi uma experiência maravilhosa
e isso se deve a vocês. Aos servidores, por toda atenção e auxílio; aos professores,
pelo enriquecimento intelectual proporcionado. Em nome de todos estes, agradeço ao
meu orientador Gustavo Ferreira Santos, que também foi de grande importância pelo
apoio no desenvolvimento desta pesquisa e dedicação concedida a mim.
Para o meu crescimento durante o mestrado e na elaboração deste
trabalho, muitos amigos e colegas foram de grande valor, desde a preparação do
projeto de pesquisa até os momentos finais destes últimos dois anos, de entrega e
defesa pública. Nesse sentido, agradeço muito a José Mário Wanderley, que,
ademais, foi o responsável por me introduzir no mundo da pesquisa científica e se
demonstrou um grande parceiro na construção de projetos acadêmicos, sempre
disponível para discutir ideias e assessorar-me. Também grata sou a Flávia Santiago
Lima pela inspiração pessoal e profissional, pelas contribuições e pela oportunidade
de dialogar e aprender. Obrigada a Gabriela Tarouco, não apenas pelos estudos
publicados, os quais constituem meu marco teórico desde a graduação, mas também
pelas intervenções feitas nesta pesquisa, de grande relevância para os ajustes finais
do trabalho. Agradeço profundamente a Laura Valença, a Ruy Ovidio Perrelli de Melo,
a Tassiana Oliveira e a André Faro pelos auxílios necessários, sempre prestados com
muita satisfação. Pelo apoio e incentivo, tenho, também, um coração muito grato pelas
amizades que fiz no colégio e na faculdade, as quais têm sido confirmadas pelo tempo
como verdadeiras e preciosas bênçãos. No mestrado, Deus me agraciou com uma
turma incrível, de tamanha solidariedade e humildade, que fez destes últimos anos
ainda mais especiais, enriquecedores e leves, a quem aqui também presto meu
carinhoso agradecimento.
Aos meus pais, toda gratidão do mundo.
“Os pontos de vista políticos dominantes na Corte nunca são por muito tempo fora de sintonia com os pontos de vista dominantes entre as maiorias legislativas” (DAHL, 1957)
RESUMO
Quais as reações do Supremo Tribunal Federal quando acionado pelos
pequenos partidos políticos? A literatura constitucional costuma definir a Corte como
a terceira arena para o debate de interesses daqueles que perderam na deliberação
de decisões relevantes, tomadas pelas maiorias legislativas. Nesse sentido, o Tribunal
funcionaria como uma balança no jogo democrático, a fim de proteger minorias,
revertendo as decisões das maiorias políticas. A presente pesquisa propõe uma
estratégia empírica, a fim de verificar se, de fato, o STF é ativista e reverte as decisões
das maiorias, atuando em favor dos pequenos partidos. Foram selecionadas as ações
diretas de inconstitucionalidade propostas entre 1988 e 2015 pelas pequenas
agremiações, submetendo-as a uma análise qualitativa-quantitativa tanto no que se
refere aos temas submetidos à justiça constitucional quanto às respostas da Corte, a
como ela decide. Variáveis categóricas foram escolhidas e, posteriormente, a elas
aplicados instrumentos de estatística básica. Há algumas diferenças nas preferências
de submeter alguns temas entre os pequenos partidos e o PT e o PMDB, porém, de
uma maneira geral, a pauta das pequenas agremiações muito se assemelha à dos
grandes partidos. O quantitativo da taxa de improcedência corresponde a quase o
quádruplo do número das ações julgadas como procedentes.
Palavras-chave: representação. Ativismo judicial. Controle de constitucionalidade.
ABSTRACT
What reactions does the Brazilian Supreme Court (Supremo Tribunal
Federal – STF) have when called upon by the small political parties? The constitutional
literature often defines the Court as the third arena for debating the interests of those
who have lost in the deliberation of relevant decisions, made by the legislative
majorities. This way, the Court of Justice would work as a balance point in the
democratic game, in order to protect the minorities, reversing the decisions made by
the political majority. The present research proposes an empiric strategy, with
the purpose of verifying if, in fact, the STF is an activist Court and reverts the decisions
made by the majorities, acting in favor of the small political parties. The research
selected lawsuits, called ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs), proposed by
the small parties between 1988 and 2015 and submitted them through a qualitative-
quantitative analysis in either aspects of the topic submitted to the constitutional justice
and the Court's responses. It chose categorical variables and, subsequently, applied
to them basics statistical instruments. There are some divergences in the preferences
of submitting some topics between the small parties and the PT and PMDB, although,
in a generic way, the agenda of the small parties has many similarities with those from
the bigger parties. The not upheld rate corresponds to almost four times the upheld
rate.
Keywords: representation. Judicial activism. Judicial review.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADIN – Ação direta de inconstitucionalidade
CF – Constituição Federal
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PHS – Partido Humanista da Solidariedade
PL – Partido Liberal
PMN – Partido da Mobilização Nacional
PP – Partido Progressista
PPS – Partido Popular Socialista
PRB – Partido Republicano Brasileiro
PRP – Partido Republicano Progressista
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Socialista Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSL – Partido Social Liberal
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PST – Partido Social Trabalhista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTC – Partido Trabalhista Cristão
PTR – Partido Trabalhista Renovador
PTdoB – Partido Trabalhista do Brasil
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01. ADINs dos partidos pequenos ................................................................ 71
Gráfico 02. ADINs do PMDB ..................................................................................... 72
Gráfico 03. ADINs do PT ........................................................................................... 73
Gráfico 04. ADINs PT e PMDB em contraste ............................................................ 74
Gráfico 05. ADINs dos pequenos partidos propostas no período 1999-2002 ........... 79
Gráfico 06. ADINs ajuizadas pelo PSL ao longo dos anos ........................................ 80
Gráfico 07. Resultado das ações ajuizadas pelos partidos pequenos ...................... 83
Gráfico 08. Relação das ADINs dos pequenos partidos julgadas procedente de acordo
com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas ........... 87
Gráfico 09. Análise da variável categórica “improcedente” dos partidos pequenos .. 89
Gráfico 10. Análise da subcategoria “prejudicada” das ADINs dos partidos pequenos
.................................................................................................................................. 91
Gráfico 11. Relação das ADINs dos pequenos partidos extintas por perda de objeto
de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas
.................................................................................................................................. 96
Gráfico 12. Relação do número das ADINs que ainda estão aguardando julgamento
com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações .......................... 98
Gráfico 13. Relação do número das ADINs – acrescidas daquelas de decisão pela
perda de objeto reconsiderada – que ainda estão aguardando julgamento com o ano
em que foram propostas pelas pequenas agremiações. ........................................... 99
Gráfico 14. Resultados das ações ajuizadas pelo PMDB. ...................................... 101
Gráfico 15. Exame da variável categórica “improcedente” do PMDB. ..................... 102
Gráfico 16. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PMDB. ............... 103
Gráfico 17. Resultados das ações ajuizadas pelo PT ............................................ 105
Gráfico 18. Análise da variável categórica “improcedente” em sentido amplo do PT
................................................................................................................................ 106
LISTA DE QUADROS E DE TABELAS
Tabela 01. Relação de partidos pequenos e o número de eleições que ganhou uma
cadeira no Senado ou até cinco na Câmara dos Deputados .................................... 62
Quadro 01. Variáveis categóricas propostas para os temas das ADINs. .................. 68
Tabela 02. ADINs dos partidos pequenos por legislatura ......................................... 69
Tabela 03. ADINs PT, PMDB e partidos pequenos em contraste. ............................ 75
Tabela 04. Classificação ideológica dos partidos pequenos. .................................... 77
Tabela 05. Contraste das ADINs dos pequenos partidos, agrupados segundo sua
ideologia .................................................................................................................... 78
Quadro 02. Variáveis categóricas de julgamento das ações ..................................... 83
Tabela 06. Detalhes das ADINs dos pequenos partidos que tiveram liminar concedida
.................................................................................................................................. 85
Quadro 03. Subcategorias da variável “improcedente” ............................................. 89
Tabela 07. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelos
pequenos partidos ..................................................................................................... 93
Tabela 08. ADINs julgadas extintas por perda superveniente de legitimidade ativa que
foram, depois, reconsideradas e agora se encontram aguardando julgamento ........ 99
Tabela 09. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo
PMDB ...................................................................................................................... 103
Tabela 10. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT,
no que se refere às Medidas Provisórias julgadas após setembro de 2001 ........... 108
Tabela 11. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT,
no que se refere às Medidas Provisórias julgadas antes de setembro de 2001 ..... 109
Tabela 12. Análise da subcategoria “perda de objeto” das demais ADINs propostas
pelo PT, excluídas as que impugnam Medidas Provisórias .................................... 112
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
1 PARTIDOS POLÍTICOS, DEMOCRACIA E TEORIA DA REPRESENTAÇÃO ...... 20
1.1 As regras do jogo democrático: apresentando o tema ...................... 20
1.2 O que seria representar? ....................................................................... 21
1.3 Qual a relação do princípio representativo com a democracia? ........ 26
1.4 O momento posterior à deliberação ...................................................... 30
1.5 Por que partidos políticos? ................................................................... 34
1.6 O princípio de maioria e a proteção às minorias ................................. 39
1.7 Sobre as regras do jogo político democrático antes da interferência do
STF ................................................................................................................. 41
2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ATOR POLÍTICO ........................... 44
2.1 Uma introdução à continuidade do jogo .............................................. 44
2.2 O fenômeno da judicialização................................................................ 45
2.3 A premissa contramajoritária da Corte ................................................. 48
2.4 Entre ativismo e autocontenção ............................................................ 54
2.5 Como decide o Tribunal? ....................................................................... 56
2.6 Entendendo as respostas da Corte ....................................................... 59
3 ESTRATÉGIA EMPÍRICA ...................................................................................... 61
3.1 Introduzindo o desenho da pesquisa .................................................... 61
3.2 Quem são os pequenos partidos? ........................................................ 61
3.3 Metodologia de pesquisa ....................................................................... 63
3.4 Hipótese ................................................................................................... 64
4 O QUE OS PARTIDOS ESTÃO PROPONDO? ..................................................... 67
4.1 Quais seriam os temas das ações diretas de inconstitucionalidade
ajuizadas pelos partidos políticos? ............................................................ 67
4.2 Considerações sobre os temas encontrados ...................................... 81
5 COMO O STF RESPONDE? ................................................................................. 83
5.1 Quais os outputs da judicialização? ..................................................... 83
5.2 “Liminar concedida” e “procedente” .................................................... 84
5.3 “Improcedente” ....................................................................................... 88
5.4 “Aguardando julgamento” ..................................................................... 97
5.5 Respostas ao PMDB ............................................................................. 100
5.6 Respostas ao PT ................................................................................... 105
5.7 A Corte é, afinal, ativista ou autocontenciosa quanto às demandas dos
partidos políticos? ...................................................................................... 114
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 118
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 122
16
INTRODUÇÃO
Aos juízes, nos Estados Unidos, e às Cortes Constitucionais, na Europa,
foi conferida a prerrogativa de revisar os atos dos poderes Legislativo e Executivo, a
fim de manter-se uma unidade do ordenamento jurídico. No Brasil, essa atividade
pode ser desempenhada por juízes ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) através
de mecanismo de retificação denominado controle de constitucionalidade.
No Brasil, a inconstitucionalidade pode ser apreciada por todo o aparelho
judiciário (controle difuso) ou pelo Supremo Tribunal Federal (controle concentrado).
Logo, em termos gerais, o lugar da decisão é que define o tipo de controle efetuado
(CARVALHO, 2005, p. 75). O controle de constitucionalidade brasileiro é, desse modo,
misto, pois demonstra influências austríacas e norte-americanas.
O mecanismo de retificação possibilitou, no Brasil, ao Judiciário influenciar
nas decisões tomadas pelos outros poderes. Os juízes, portanto, tornaram-se também
atores políticos, especialmente o STF, que passou a acumular ao menos duas
funções: é órgão de cúpula e Corte Constitucional.
Criou-se uma nova arena para os debates: o Judiciário. Por conseguinte,
aos dissidentes da maioria, então perdedores nos debates políticos, fora dada a
possibilidade de se insurgirem e defenderem por mais outra vez os seus interesses.
Concedeu-se às minorias uma nova chance ao oferecer a legitimidade para acionar o
mecanismo abstrato a diversos atores políticos, jurídicos e sociais, que atuariam como
representantes delas.
Desse modo, com o controle, tornou-se comum afirmar não apenas no
Brasil, como também a nível mundial, a Corte como o poder contramajoritário: o
Tribunal ofereceria às minorias a oportunidade de vencer as maiorias legislativas,
equilibrando a balança política das relevantes decisões para a coletividade.
O argumento teórico, portanto, é de ser a Corte um poder contramajoritário.
A grande literatura que intenta compreender o papel da Corte no jogo democrático
afirma ter ela esse caráter e essa função de ser o outro lado da balança política.
Alexander Bickel e John Hart Ely são grandes nomes nesse sentido.
Uma coisa, porém, é ser o Tribunal contramajoritário e outra é ser ele
ativista ou autocontencioso. A autocontenção e o ativismo seriam as faces ou assim
17
denominados os modos comportamentais possíveis das decisões proferidas pela
Corte, como modo de resposta à judicialização. Ativista é o juiz que interpreta a
Constituição, expandindo seu sentido e alcance. Por sua vez, entende-se o fenômeno
da judicialização como aquele correspondente à atitude de levar ao Tribunal questões
para serem por ele apreciadas. O controle possibilita, desse modo, a judicialização.
Uma Corte, de modo geral, pode assumir comportamento ativista e contramajoritário,
ou autocontencioso e contramajoritário, ou ainda ativista e majoritário. As diversas
combinações são possíveis.
É preciso advertir para essa diferença, não obstante o conceito dos
adjetivos ativista e contramajoritário possam se confundir quando se trata da Corte
decidindo sobre demandas propostas por partidos políticos. Ocorre que, como as
agremiações recorrem à justiça constitucional a fim de reverter as decisões
legislativas ou do Executivo (TATE, 1997) – ou, ainda que não revertam, como
estratégia política para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição
(CARVALHO et al, 2012; TAYLOR e DA ROS, 2008) –, há um pressuposto implícito
de que as agremiações se tornam requerentes no controle porque perderam no
debate político, então decidido pelo critério de maioria. Logo, o pressuposto é no
sentido de os partidos que ajuízam ações diretas de inconstitucionalidade
corresponderem a um grupo dissidente no momento da deliberação no Legislativo e
Executivo; um grupo sem força expressiva para fazer valer seus interesses e, nesse
sentido, uma minoria – “minoria deliberante”.
Mais recentemente, contudo, alguns estudos empíricos – especialmente na
área da Ciência Política – têm concluído por um comportamento seletivo por parte do
STF. Em alguns momentos, a Corte tende para a autocontenção. Aqui reside o
primeiro argumento para a justificativa deste trabalho: a relevância de se conhecer a
realidade prática do Supremo Tribunal Federal e perceber se ela corresponde à teoria
dominante. As recentes conclusões quanto à categoria são novas para o Direito e o
debate necessita ser retomado nesta ciência, juntamente com as suas premissas
tradicionais.
Entre os possíveis requerentes capazes de formular questões para discutir,
pela via direta, sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, destacam-se,
como já antecipado, os partidos políticos. As agremiações correspondem a um dos
atores responsáveis por mais ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (ADINs)
18
durante os primeiros quatorze anos da Constituição Federal de 1988 (CARVALHO,
2009). Elas estariam autorizadas a demandar o STF independentemente do tamanho
que possuam (pequenas ou grandes), bastando apenas que cumpram o requisito de
ter ao menos um representante no Congresso Nacional.
Essa ampla legitimidade dos partidos políticos leva à segunda parte da
justificativa deste trabalho: a análise da categoria específica dos pequenos partidos
políticos. Muito embora as pesquisas de Ciência Política tenham tratado, ainda que
de maneira indireta, das taxas de deferimento e declaração de inconstitucionalidade,
não há estudo dedicado à categoria das pequenas agremiações. Quando a relação
entre partidos e STF é examinada, analisa-se apenas os partidos em geral, colocando
todos em um mesmo bloco (CARVALHO, 2005); ou foram feitas inferências a partir
da relação do Supremo com as nove maiores agremiações (TAYLOR e DA ROS,
2008). Não há diferenciação de tratamento. Por conseguinte, não são discutidas
eventuais implicações decorrentes do tamanho da agremiação.
Portanto, diante da literatura constitucional referente ao papel majoritário
da Corte, no Direito, e da inédita abordagem da relação entre Supremo e partidos
pequenos, na Ciência Política, insurge-se a relevância deste trabalho. Ele possui o
objetivo de analisar o comportamento do Tribunal diante das demandas propostas
pelas pequenas agremiações, e, consequentemente, se a Corte seria, de fato, uma
arena interessante para a discussão dos interesses dos partidos de pequenas
bancadas. Propõe-se, para tanto, uma pesquisa de ordem empírica qualitativa-
quantitativa, cujo problema pode ser identificado como: quais as reações do Supremo
Tribunal Federal quando ele é acionado pelos pequenos partidos políticos?
Trabalha-se com as minorias partidárias, significando a menor parte do
parlamento. Ao utilizarem o controle de constitucionalidade como meio de defender
seus interesses, há um pressuposto de que essas minorias são também grupos que
perderam na deliberação legislativa ou no Executivo, pois a regra para a tomada de
decisão na democracia corresponde ao princípio de maioria. As minorias não
correspondem aqui necessariamente a grupos vulneráveis, muito embora haja um
pressuposto implícito de que os interesses desses grupos vulneráveis estejam sendo
defendidos por algum dos partidos examinados.
Quanto à execução da pesquisa, há primeiramente uma etapa teórica, à
qual se dedicam o primeiro e o segundo capítulos. No primeiro deles, são definidos
19
conceitos do jogo democrático e expostas as regras anteriores ao envolvimento da
Corte nas questões políticas. No segundo capítulo, examina-se o Tribunal como ator
político, bem como o fenômeno da judicialização.
O capítulo terceiro explana os aspectos metodológicos aplicados às
análises desenvolvidas no quarto e quinto capítulos. Adianta-se que, a fim de saber
se o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma Corte ativista no que se refere aos
pequenos partidos políticos – logo, se a arena judiciária é interessante para o debate
das agremiações, conforme fora pensada pela engenharia constitucional –, duas
análises são enfrentadas: a) identificar o que as agremiações estão propondo; b)
verificar se elas estão ganhando as demandas que submetem ao crivo constitucional,
sob a forma de ação direta de inconstitucionalidade. Cada uma dessas análises
corresponde a um capítulo específico (o quarto e o quinto, respectivamente). Foram
analisadas as ADINs propostas por partidos no período de 1988 a 2015.
Em relação à primeira análise, os temas encontrados são categorizados e,
em seguida, quantificados com instrumentos de estatística básica. Posteriormente, o
resultado referente aos pequenos partidos é comparado com aquilo que se observa
quanto aos grandes (representados pelo PT e pelo PMDB).
Para a segunda análise, trabalha-se com as variáveis categóricas
“procedente”, “improcedente”, “liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Com
elas, é feita uma análise qualitativa, de cunho exploratório-descritivo, das decisões
das ADINs propostas pelos pequenos partidos. Os achados também são
posteriormente codificados, recebendo tratamento de estatística básica.
Desse modo, a codificação dos resultados qualitativos permite descrever o
comportamento da Corte em relação aos partidos a fim de se saber se o STF é, afinal,
ativista ou autocontencioso nas decisões que profere no âmbito das demandas
submetidas por esses atores políticos.
20
1. PARTIDOS POLÍTICOS, DEMOCRACIA E TEORIA DA REPRESENTAÇÃO
1.1 As regras do jogo democrático: apresentando o tema
O princípio representativo foi introduzido como elemento essencial das
democracias modernas no fim do séc. XVIII. Apresentou-se como resposta às
demandas revolucionárias daquela Era marcada pela afirmação dos direitos naturais
da pessoa. A coisa pública não mais poderia ser conduzida como no Antigo Regime,
em virtude dos novos arranjos econômico, político e social das revoluções Francesa,
Americana e Industrial Inglesa (MENDES, 2007, p. 143-144). Nesse sentido, dada a
nova realidade, resgata-se a ideia de democracia sob novos contornos.
A democracia surge na antiguidade ocidental como o autogoverno do povo
(HELD, 2001). Indivíduos discutiam e votavam as principais questões de seu
interesse, velando pela liberdade e igualdade. A complexa estrutura das sociedades
modernas, contudo, tornou difícil a contínua manifestação popular direta e imediata:
cada vez mais complicado, em virtude da existência de colégios eleitorais
numerosíssimos e de decisões de interesse público muito frequentes, reunir um
grande número de pessoas em um único lugar, para que se soubesse rapidamente
qual a sua vontade (HAMILTON et al, 1948; MILL, 1954; DALLARI, 2010, p.152).
Surgiu a ideia de representação. Representantes seriam eleitos pelo povo para
governar para o povo.
Ao negar o absolutismo e o Estado autocrático, pleiteava-se colocar em seu
lugar um governo no qual estivesse garantida a participação política do maior número
possível de interessados. O Estado de Direito foi, por conseguinte, defendido:
acreditava-se, com as leis, ser possível garantir a participação popular nas decisões
de cunho político, bem como as liberdades individuais e a igualdade jurídica. As leis
regulariam o “jogo democrático” (BOBBIO, 1986; BOVERO, 2002).
Para Bobbio, o “jogo político democrático”, tal como qualquer outro jogo,
apresenta regras. Mais precisamente, a democracia corresponde a “um conjunto de
regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista
e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (BOBBIO, 1986, p
12). Por conseguinte, nas regras do jogo democrático estão previstos quem são os
seus atores principais, bem como encontra-se disciplinado o principal modo de fazer
21
política: as eleições (BOBBIO, 1986, p. 68-69). Neste sentido, os principais atores no
jogo democrático representativo corresponderiam aos partidos políticos.
Na necessidade de criar formas de mediação capazes de organizar e
traduzir os interesses e vontades dos cidadãos, constituíram-se como uma boa
alternativa os partidos políticos. As agremiações seriam orientadas ideologicamente,
visando interesses coletivos – “o mandato deve ser concebido como independente,
em relação à vontade individual de cada representado, mas vinculado ao projeto do
partido ao qual o representante é filiado” (MENDES, 2007, p. 149); funcionariam como
canais de expressão do povo, comunicando as demandas deste para os governantes
(SARTORI, 1982); agiriam exercendo pressão para ver atendidas as reinvindicações
que perseguem.
1.2 O que seria “representar”?
Representar, como aduz Bovero (2002), é uma palavra semanticamente
complexa, capaz de assumir diversos significados. Os mais relevantes do ponto de
vista político e jurídico são sobretudo dois:
No primeiro, representar como equivalente a tornar sensível ou inteligível um abstrato mediante um concreto, de modo que este se torne um símbolo daquele: por exemplo, uma bandeira, ou a pessoa de um rei ou de um presidente, “representa” um Estado, no sentido que simboliza a sua unidade. No segundo, representar equivale a estar no lugar de alguém e agir por ele. (BOVERO, 2002, p. 60-61)
A expressão “democracia representativa” significa, em termos gerais, que
as deliberações referentes a interesses de toda a coletividade são tomadas não
diretamente por aqueles seus integrantes, mas por pessoas eleitas para esta
finalidade (BOBBIO, 1986, p. 44).
Hanna Pitkin, em 1967, tornou-se um dos grandes expoentes na definição
de um conceito para a palavra “representar”, com seu livro El Concepto de
Representación correspondendo à “primeira tentativa de ordenar e integrar a
produção dispersa sobre o tema, para além do campo da teoria do direito” (LAVALLE
e ARAÚJO, 2008). Segundo Pitkin (2006), duas foram as questões com as quais
22
tradicionalmente se ocupou a literatura sobre a teoria da representação: a “polêmica
sobre o mandato e a independência” e a relação entre a representação e a
democracia. Bobbio (1986) prefere tratá-las com duas novas perguntas: “como
representa?” e “que coisa representa?”.
São conhecidas as respostas mais comuns a estas duas perguntas. À primeira: A pode representar B ou como delegado ou como fiduciário. Se é delegado, A é pura e simplesmente um porta-voz, um núncio, um legado, um embaixador, de seus representados, e, portanto, o seu mandato é extremamente limitado e revogável ad nutum. Se ao invés disso é um fiduciário, A tem o poder de agir com uma certa liberdade em nome e por conta dos representados, na medida em que, gozando da confiança deles pode interpretar com discernimento próprio os seus interesses. Neste segundo caso diz-se que A representa B sem vínculo de mandato; na linguagem constitucional hoje consolidada diz-se que entre A e B não existe um mandato imperativo. Também à segunda pergunta (sobre “que coisa”) podem ser dadas duas respostas: A pode representar B no que se refere aos seus interesses gerais de cidadão ou no que se refere aos seus interesses particulares, por exemplo, de operário, de comerciante, de profissional liberal etc. A diferença a respeito do “que coisa” repercute também sobre a diferença a respeito do “quem”. (BOBBIO, 1986, p. 46)
Como início para a pretendida abordagem da presente pesquisa, trate-se
do “representar” no seu aspecto primeiro: “como representa?”, ou a “polêmica do
mandato imperativo”.
Ao expor as diversas transformações por que passou o significado da
palavra “representação”, Pitkin (1985) indica Hobbes como o primeiro a mais próximo
tratá-la como hoje entende a teoria política: representante é quem recebe autoridade
para agir por outro, o representado; este fica vinculado pela ação do representante,
considerada como se sua própria fosse. O Leviathan ainda reconhecia a existência de
dois tipos de representação: “limitada” – quando apenas são autorizadas ações
específicas em contextos determinados – ou “ilimitada”. Esta daria lugar à soberania.
O mais famoso defensor da representação ilimitada, ou “independência”, é
Edmund Burke, com sua teoria dos interesses desvinculados e do mandato
representativo. Devido à concepção do que seriam interesses e por considerar que os
representantes deveriam ser eleitos entre aqueles com maiores sabedoria e
habilidade para tanto, Burke discursa sua tese, em 1774, segundo a qual os
parlamentares deveriam ser independentes.
23
Burke (2012) rejeita o mandato imperativo, entendido como a autorização
prévia e restrita para atuar do representante; ele é contra a representação limitada.
Os interesses, para este teórico, são gerais, fixos, pertencendo ao distrito e, portanto,
não pessoais. Haveria um interesse mercantil, outro agrícola, outro profissional etc.,
cada um compartilhado por uma determinada localidade. Os representantes
obedeceriam a esses interesses não voláteis, e não a opiniões dos eleitores.
Interesses seriam como fins, enquanto que opiniões poderiam ser consideradas como
os meios para alcançá-los. Os representantes deveriam estar atentos e ser sensíveis
aos interesses da sua localidade; todavia, não tinham a necessidade de consultar as
opiniões dos representados. Afinal, os governantes seriam virtuosos e sábios quanto
à coisa pública, integrantes de um sistema tradicional de formação, educação e
desenvolvimento de caráter – semelhante a uma “aristocracia natural” (PITKIN, 2006,
p. 31). Os representados, por sua vez, seriam ignorantes quanto às causas e soluções
de seus problemas.
Para John Stuart Mill, contudo, os interesses não seriam fixos. Mill
acreditava haver interesses de ordem pessoal, embora, assim como Burke, fosse
contra o mandato imperativo.
Mill compartilhou do dilema de Bentham e de seu pai, James Mill. Também
acreditava na preferência dos “interesses egoístas” (MILL, 1954, p. 252), pessoais,
em detrimento daqueles compartilhados com os outros. A democracia, postulava,
estabeleceria limites à satisfação pessoal, e o governo somente poderia agir para
evitar “danos aos demais” (MILL, 2010), sem intervenções arbitrárias que servissem
a interesses particulares. Mas a democracia clássica, da polis grega, não se
sustentava na complexa sociedade moderna. Defendeu, assim, o governo
representativo, o sufrágio universal e a representação proporcional.
Muito embora advogasse pelo sufrágio universal, John Stuart Mill (1954)
recomendou um sistema plural de votação, no qual todos os adultos teriam o direito
de votar, mas o voto de uns valeria mais do que o de outros. Também para ele haveria
uma “ignorância” das massas.
Justo por entender necessária a característica de superioridade dos
representantes em relação aos representados no trato da coisa pública – eis que,
segundo pensava, a condução da política exige treino e preparo –, John Stuart Mill
(1998) defendeu uma significativa liberdade de ação. Em nome dela, rechaçou o
24
mandato imperativo e postulou, inclusive, o afastamento do controle mais estrito a
posteriori, não admitindo a cassação de mandato eletivo pelo povo (recall) (MENDES,
2007, p. 148). É que, quanto mais um representante é visto como membro de uma
elite superior em sabedoria e em razão, menos sentido haverá em exigir-se dele que
consulte aqueles por quem atua. “Se a sabedoria e a habilidade superiores residem
no representante, então não deve subordiná-las às opiniões de seus ignorantes e
inferiores eleitores1” (PITKIN, 1985, p. 234).
Contrariamente, na medida em que um teórico vê o representante e os eleitores como relativamente iguais em capacidade, sabedoria e informação, tenderá a exigir que as perspectivas dos eleitores sejam levadas em conta. Se o representante é um homem ordinário, falível, sem nenhum conhecimento nem habilidade especiais, parecerá despótico e injustificável que ignore seus eleitores.2 (PITKIN, 1985, p. 234-235)
Kelsen (2000), divergindo dos outros, foi adepto do mandato imperativo,
por entender que de outro modo não haveria representação, mas uma farsa
representativa. Se um governo é representativo porque reflete a vontade do povo e
porque é responsável para com este, não basta que o representante seja eleito pelos
cidadãos; é preciso garantir juridicamente o cumprimento do dever de representar. A
sanção política da não-reeleição não seria suficiente. Kelsen defendeu, portanto, não
apenas o mandato imperativo, mas também a cassação de mandato pelo povo
(recall), como sanção legal para o não-cumprimento da vontade popular. O recall e o
mandato imperativo seriam modos de estreitar a relação representante-representado,
garantindo a democracia.
A independência jurídica do parlamento diante do eleitorado pode ser justificada apenas pela opinião de que o poder legislativo é melhor organizado se o princípio democrático, segundo o qual o povo deve ser o legislador, não for levado a extremos. A independência jurídica do parlamento em relação ao povo significa que o princípio de
1 Traduzido do original: “Si la sabiduría y la habilidad superiores residen en el representante, entonces no debe subordinarlas a las opiniones de sus ignorantes e inferiores electores.” 2 Traduzido do original: “Contrariamente, en la medida en que un teórico vea al representante y a los electores como relativamente iguales en capacidad, sabiduría e información, tenderá a exigir que las perspectivas de los electores sean tenidas en cuenta. Si el representante es un hombre ordinario, parecerá despótico e injustificable que ignore a sus electores.”
25
democracia é, até certo ponto, substituído pelo de divisão de trabalho. A fim de dissimular essa mudança de um princípio para o outro, usa-se a ficção de que o parlamento “representa” o povo. (KELSEN, 2000, p. 417-418)
O mandato imperativo, porém, deixou de existir ainda na Revolução
Francesa (DALLARI, 2010, p. 156-158), com a Constituição de 1791, e concebê-lo
hoje, diante de tamanha complexidade das sociedades contemporâneas, mais poderia
engessar o sistema político do que o ajudar. As concessões necessárias à deliberação
coletiva tornar-se-iam mais difíceis, e a substituição de um representante a qualquer
momento por outro causaria risco de paralisar as negociações (BOBBIO, 1986, p. 51).
Acredita-se não ser uma boa saída a determinação prévia e minuciosa de como
deveria se portar o representante no momento das votações e debates, característica
desse tipo de mandato. Igualmente, não é considerada uma boa alternativa permitir
que, diante de situações inesperadas, o representante esteja impedido de atuar, por
não ter a tal antecipada determinação de seus eleitores.
Numa posição intermediária sobre o que seria representar está Pitkin
(1985). A autora introduz na seara política o conceito de responsividade, influenciando
as demais obras posteriores sobre teoria da representação. Para ela, o mandato
imperativo é insuficiente diante da complexidade e da pluralidade de determinantes
em meio às quais se desenvolvem as decisões políticas. Algumas dificuldades
encontradas são: a) determinar os interesses de um distrito eleitoral de milhares de
indivíduos; b) trata-se de um membro de partido que quer ser reeleito, mas também
de membro do legislativo que trabalha junto com outros representantes; c) como
pessoa, o representante também tem seus interesses, opiniões e visões de mundo;
d) os temas se encontram inter-relacionados, e o representante pode desejar abrir
mão de alguns para ganhar em outros (PITKIN, 1985, p. 244-246).
Não obstante entenda pela insuficiência e complicações práticas do
mandato imperativo, Pitkin defende que os representantes não devem se achar
persistentemente em disparidade com os desejos dos representados sem que haja
uma boa justificativa para tanto. Do contrário, não haveria representação. Os
representantes devem ser dotados da capacidade de atuar e de fazer juízo sobre os
temas que se apresentem, mas também possuem a obrigação de ser sensíveis às
demandas do seu eleitorado.
26
“Nessa sistemática, a conciliação entre os dois limites dá-se não pela
resposta contínua de ações dos representantes, mas por uma atividade constante de
‘responsividade’, ou seja, de prontidão potencial de resposta” (MENDES, 2007, p.
149). Não se deve perder a noção de “atuar por”, mas envidar esforços e criar arranjos
institucionais que permitam àqueles a quem se representa exigir resposta sempre que
se sentirem lesados em sua vontade. Não se deve entender “representar” por
“substituir”, vez que representante e representado são pessoas distintas. É “atuar por”.
“O representante inevitavelmente irá se afastar dos eleitores, mas também deve estar
de alguma forma conectado a eles, assim como os eleitores devem estar conectados
entre si” (YOUNG, 2006).
1.3 Qual a relação do princípio representativo com a democracia?
Uma vez tendo sido abordado o conceito de responsividade – o dever dos
representantes de serem sensíveis aos interesses e demandas dos cidadãos –,
incluindo na definição de “representar” a noção de governo responsivo, trata-se agora
de saber “como representar”. Nesta nova pergunta, imiscui-se a ideia da relação do
princípio representativo com a democracia.
Quanto à sua segunda pergunta (sobre “que coisa representar”), Bobbio
bem expõe as duas respostas possíveis: “A pode representar B no que se refere aos
seus interesses gerais de cidadão ou no que se refere aos seus interesses
particulares, por exemplo, de operário, de comerciante, de profissional liberal etc.”
(BOBBIO, 1986, p. 46). Contudo, o fato de haver duas possibilidades não significa que
uma representação é melhor que outra simplesmente por ser, mas, a depender da
unidade que se pretenda representar, uma tutela de interesses gerais ou uma atuação
voltada a interesses particulares demonstra-se mais adequada. No governo
representativo, espera-se do representante que cuide de interesses da coletividade.
Na democracia, a representação foi, além de tudo, uma alternativa
relevante para o resguardo do próprio sistema, pois imaginava-se, com ela, evitar o
arranjo de facções dentro do governo. É que a concepção burkeana de interesses
fixos logo perderia espaço para a teoria da representação pessoal (defendida, por
exemplo, por Bentham, James e John Stuart Mill, como acima já delineado), na qual
existiriam sim interesses pessoais em jogo.
27
Na América, representação era claramente representação de pessoas, e os interesses tornaram-se um mal inevitável, que deveria ser domesticado por um governo bem construído. Na Inglaterra, o utilitarismo não apenas favorecia a representação de pessoas como fazia do interesse um conceito cada vez mais pessoal. (PITKIN, 2006, p. 34)
No sentido da representação pessoal também está “O Federalista”.
Hamilton e Madison compreenderam interesse como um conceito muito mais plural e
instável; pejorativo, porque poderia dar lugar a facções (HAMILTON et al, 1948).
Facções seriam grupos voltados a interesses particulares. Para os autores dos
famosos artigos que circularam os Estados Unidos no séc. XVIII em prol de uma
Constituição americana, os interesses seriam tão variáveis quanto o sentimento, que
é fundamentalmente subjetivo (PITKIN, 2006, p. 35).
Nas palavras de “O Federalista”, facção seria:
[...] uma quantidade de cidadãos, que pode constituir a maioria ou a minoria do todo, que são unidos e atuam por algum impulso comum de paixão, ou de interesse, contrário aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse permanente e coletivo da comunidade. (HAMILTON et al, 1948, p. 42)
Tal como os interesses particulares, as facções eram um mal existente.
Hamilton, Madison e Jay, porém, não negavam a existência de algo maior e mais
objetivo, “o bem público”. Justamente para assegurá-lo das distrações que os vários
interesses pessoais conflitantes poderiam provocar, “O Federalista” defendeu um
governo republicano, o qual necessariamente incluía a ideia de representação.
Haveria dois processos para remediar os malefícios das facções: ou pela
remoção de suas causas, ou pelo controle de seus efeitos. O primeiro remédio, no
entanto, constituiria alternativa pior que a doença, pois sua implementação dependeria
de ser eliminada a liberdade, ou construído um arcabouço que permitisse terem os
indivíduos as mesmas opiniões, os mesmos sentimentos e os mesmos interesses. As
facções seriam semeadas na própria natureza do homem. Diante da impossibilidade
de extirpá-las, deve-se buscar o controle de seus efeitos, neutralizando-os
(HAMILTON et al, 1948).
28
A representação proporcionaria um filtro, no qual estadistas esclarecidos
seriam capazes de ajustar os interesses conflitantes do povo e de torná-los todos
subordinados ao bem público. Mas não só isso. Madison tinha ciência de que nem
sempre os estadistas esclarecidos estariam no poder. A grande relevância da
representação é que o instituto permite, também, constituir-se uma república grande.
Alargado esse campo, tem-se uma variedade maior de partidos e interesses, o que
torna menos provável compor uma maioria para ação facciosa; ou, se um tal motivo
comum existir, será mais difícil para aqueles que o sentem mobilizar suas próprias
forças para agir em uníssono.
O sistema representativo, organizado de tal forma, permitiria que os
interesses egoístas fossem equilibrados igualmente, colocando uns contra os outros.
Desse modo, impedir-se-ia a articulação facciosa.
Em verdade, Dahl (2012) argumenta que mesmo em assembleias de umas
poucas centenas de pessoas haverá participantes passivos, que escutam outros
falarem e só depois votam. Aqui também facilmente se constituiria um palco para
falastrões. A representação, mesmo nessas unidades relativamente pequenas, seria
o melhor para a igualdade política, porque ao menos as regras para quem está
autorizado a falar são públicas e existem normas de responsabilização. A democracia
direta, conclui, apenas seria efetivamente possível em pequenos comitês.
Na Inglaterra, como dito, os utilitaristas também entendiam os interesses
como pessoais: “cada indivíduo é o melhor guardião do seu próprio interesse, seja
porque os outros são muito egoístas para defendê-lo, seja porque não podem
conhecê-lo” (PITKIN, 2006, p. 37). Os seres humanos agem para satisfazer suas
vontades e evitar a dor, buscando a máxima utilidade de tudo aquilo que desejam.
Logo, “ninguém sabe o que é do seu interesse tão bem quanto você mesmo”
(BENTHAM, 1954, p. 438).
Mas os utilitaristas também reconheciam a existência de um interesse
comum, o bem de toda a sociedade. Bentham e James Mill admitiam que cada pessoa
tem interesses das duas ordens, tanto públicos quanto privados; porém, a maior parte
prefere esses últimos. A representação, logo, seria a cura para tal problema.
29
Mas aqui intervém o legislador. Sua função é recompensar ações socialmente desejáveis, mas não atrativas do ponto de vista individual, e punir as ações socialmente indesejáveis e atrativas do ponto de vista individual, de forma que o interesse próprio se alinhe com o bem público. O que motiva o legislador a fazer isso? Em seus primeiros escritos, Bentham parece imaginar um legislador-mestre único, hipotético (talvez ele mesmo), que seria um daqueles raros indivíduos genuinamente motivados pelo altruísmo. Mas para o Bentham dos últimos escritos, e certamente para James e John Stuart Mill, o legislador é substituído pela legislatura eleita e o altruísmo deve ser substituído por mecanismos institucionais, em particular pela representação. (PITKIN, 2006, p. 38)
“Para Bentham e [James] Mill, a democracia liberal estava associada a um
aparato político que iria assegurar a responsabilidade dos governantes perante os
governados” (HELD, 2001, p. 60). Isso se daria através do voto secreto, das eleições
periódicas, da competição entre os candidatos ao governo, da separação dos poderes
e da liberdade de imprensa, de expressão e de associação pública.
James Mill acreditava que a identificação entre interesses do governante e
eleitorado seria possível mediante uma rotação frequente nos cargos, de forma que
os legisladores soubessem que teriam de viver sob as leis que formulassem (PITKIN,
2006, p. 38-39). Para o mesmo propósito de identidade, Bentham acrescentou o
interesse dos representantes em serem reeleitos.
Bentham e James Mill, no entanto, contribuíram para deixar muitos grupos
alheios à política, pois acreditavam que o controle deveria ser exercido por parte
seletiva do eleitorado. A esfera pública continuava a ser sinônimo dos homens,
especialmente dos homens de posse (HELD, 2001, p. 62). Excluíram, por exemplo, a
população feminina e grande parte das classes trabalhadoras.
John Stuart Mill, diferente de seu pai, fora o grande responsável por romper
as concepções masculinas dominantes da teoria liberal, afirmando serem as mulheres
“adultos maduros” e com direito a serem indivíduos “livres e iguais” (HELD, 2001, p.
88). Para ele, a participação na política é importante para o desenvolvimento pessoal
de qualquer um. Contudo, ainda que defensor do sufrágio universal, sua ideia de
democracia ainda não colocava com igual valor o voto de todos os cidadãos – como
dito, haveria alguns mais sábios e habilidosos com a coisa pública.
Em meio ao risco sempre latente das facções, portanto, o governo
representativo tornou-se uma considerável alternativa, pois poderia neutralizar seus
30
efeitos. Quanto ao que representar, como bem expôs Bobbio, não há uma forma certa
sobre o que tutelar; porém, no que diz respeito a um governo democrático, entende-
se que o representante é eleito e convocado para cuidar dos interesses gerais da
sociedade civil, não dos interesses particulares desta ou daquela categoria (BOBBIO,
1986, p. 47).
“A defesa de governos representativos reintroduziu premissas
democráticas fundamentais, como a existência de um governo das leis, a igualdade
perante a lei, o princípio da publicidade e a participação no poder” (MENDES, 2007,
p. 146). Quase nenhum defensor da democracia duvidava ser a representação a sua
forma moderna. “Se o governo representativo tinha defeitos, esses defeitos eram
atribuídos ao sistema eleitoral particular, ao sistema partidário ou à exclusão de algum
grupo do sufrágio” (PITKIN, 2006, p. 42).
1.4 O momento posterior à deliberação
O mandato deve ser concebido como relativamente independente em
relação à vontade individual de cada representado. Não obstante, como afirma Denise
Mendes, “se o momento inicial de autorização da representação tem sido
relativamente bem constituído, apesar de uma série de problemas que ainda
persistem, o momento posterior de controle mostra-se demasiado incipiente”
(MENDES, 2007, p. 149).
Miller e Stokes (1963) chamaram de “congruência” o princípio pelo qual é
regida a relação de representação. O estudo empírico deles novamente trouxe a ideia
de identidade entre representantes e eleitores. A questão, no entanto, comporta
alguns problemas. Primeiro, para as teorias elitistas, “as demandas políticas são
formuladas por poucos atores – elites –, ficando num plano secundário a importância
dos grandes contingentes eleitorais na articulação das polices” (CAMPILONGO, 1988,
p. 25). Em segundo lugar, os eleitores podem não saber como exprimir a sua vontade
ou, ainda, qual seria ela. Esta possibilidade a própria Hanna Pitkin admite, em sua
obra El Concepto de Representación:
O eleitor, o votante que há de ser representado, não é, desde logo, o cidadão informado, interessado, politicamente ativo que nossa fórmula
31
parece exigir. A maior parte do povo é apático no tocante à política e muitos sequer votam. Daqueles que votam, a maioria o faz de acordo com uma lealdade tradicional de partido; algumas vezes, as características pessoais do candidato também fazem a diferença. Mas geralmente ambas as coisas, as características pessoais e os compromissos políticos, se empregam para justificar melhor uma preferência pré-formada do que como fundamentos para fazer uma eleição. Os votantes tentem a atribuir ao candidato qualquer política que eles apoiem; poucos deles sabem algo acerca da votação do congressista. As decisões parecem estar motivadas principalmente mediante contato com grupos primários; o povo vota como o faz sua família, seus amigos e seus companheiros. Por conseguinte, as decisões referidas às votações dependem em grande parte do hábito, do sentimento e da disposição antes que de uma consideração racional e informada dos enfoques que o candidato ou o partido têm dos temas.3 (PITKIN, 1985, p. 243)
Não seria, contudo, o caso de abandonar a ideia de representação. O
governo democrático representativo ainda se destaca pela sua capacidade de resolver
as pretensões conflitantes de todas as partes através do seu interesse comum no
bem-estar do todo (PITKIN, 2006, p. 241). Mas o sistema deve estar organizado
apropriadamente, a fim de que mais perto se chegue do ideal (DAHL, 2001; sobre
democracia real versus ideal, ver também BOBBIO, 1986).
São cada vez mais frequentes os estudos que procuram mensurar a
qualidade das democracias. Deles, é possível perceber dimensões pelas quais se
torna possível essa medição, duas referentes a formas de responsabilidade política:
a accountability eleitoral e a accountability interinstitucional.
Accountability corresponde à obrigação dos representantes de responder
por suas decisões quando inquiridos pelos eleitores ou quaisquer órgãos
3 Traduzido do original: “El elector, el votante que ha de ser representado, no es, desde luego, el ciudadano racional, informado, interesado, políticamente activo que nuestra fórmula parece exigir. La mayor parte del pueblo es apático en lo tocante a la política, y muchos no se toman en absoluto la molestia de votar. De aquellos que votan, la mayoría lo hace de acuerdo con una lealtad tradicional de partido; algunas veces, las características personales del candidato también juegan un papel. Pero generalmente ambas cosas, las características personales y los compromisos políticos, se emplean para justificar más bien una preferencia preformada que como fundamentos para hacer una elección. Los votantes tiende a atribuir al candidato cualquier política que ellos apoyen; pocos de ellos saben algo acerca de la votación del congresista. Las decisiones parecen estar motivadas principalmente mediante contactos con grupos primarios; el pueblo vota como lo hace su familia, sus amigos y sus compañeros. En consecuencia, las decisiones referidas a la votación dependen en gran parte del hábito, el sentimiento, y la disposición antes que de una consideración racional e informada de los enfoques que el candidato o el partido tienen de los temas.”
32
constitucionais, podendo ser caracterizada por três principais formas: informação,
justificação e punição/compensação (MORLINO, 2010, p. 35-36). Os representantes
possuem o dever de informar sobre um ato político; e de justificá-lo, expondo as
razões para assim terem agido. A partir da informação e da justificativa, os eleitores
poderão decidir sobre a punição ou compensação de decisões políticas. Para tanto,
faz-se necessária a existência do pluralismo, da independência e da real participação
de uma série de atores individuais e coletivos (MORLINO, 2010, p. 35).
Aduz Morlino que a accountability eleitoral se refere ao juízo feito pelo
eleitor, que, após analisar as ações políticas, pode recompensar o representante com
seu voto, ou puni-lo, votando em outro candidato, em branco ou nulo. A accountability
interinstitucional, por sua vez:
[...] normalmente se manifesta através da monitoração exercida pela oposição sobre o parlamento ou sobre o governo e pelas diversas avaliações e normas emitidas pelo sistema judicial, se ativo, e pelos tribunais constitucionais, órgãos de auditoria, bancos centrais e outros órgãos de função similar existentes nas democracias. Os partidos políticos fora do parlamento também exercem esse tipo de controle, da mesma forma que a mídia e outras associações intermediárias, como sindicatos e associações de empregados. (MORLINO 2010, p. 36)
Aqui, o papel das Cortes constitucionais. As decisões políticas são
complexas e envolvem outros atores políticos, como aduz Campilongo (1988). Através
do controle de constitucionalidade, o Judiciário atua como verdadeiro “legislador
negativo” – expressão que se deve a Kelsen (2003) –, ao expurgar do sistema as
normas e os atos normativos inconstitucionais. Os juízes se constituem, portanto,
como atores políticos, interferindo nas ações de governo.
No entanto, só há accountability – responsabilidade – se houver
responsividade. Esta seria, justamente, a sensibilidade do governo para com os
interesses do povo (PITKIN, 1985). Os julgamentos só são possíveis se houver a
consciência dos representantes de quais são as reinvindicações populares e se elas
se combinam ou divergem dos interesses dos eleitores.
A responsividade possui várias dimensões, sendo a congruência apenas
uma delas. É que o representante pode ser responsivo mesmo a princípio
33
contrariando o eleitorado, pois pode gerar congruência a posteriori (CAMPILONGO,
1988). Nesse sentido, as demais dimensões (ou componentes).
O segundo componente da responsividade, a service responsiveness,
abrange toda forma de favores, benesses e tráfico de influência apreendidos em
benefício de indivíduos ou grupos particulares (CAMPILONGO, 1988, p. 36). O
terceiro corresponde à allocation responsiveness, isto é, distribuição de recursos
financeiros para os representados. O quarto e último elemento trazido por Campilongo
se trata da symbolic responsiveness: a resposta simbólica, geralmente com
teatralização e discursos ideológicos, do representante às demandas populares, estas
que não serão verdadeiramente atendidas, mas a ação lhe conferirá capital político e
credibilidade para o futuro – a exemplo de quando submete projeto de lei impossível
de ser aprovado.
As decisões políticas são, portanto, tomadas sob a influência de uma série
de atores políticos. Não são como questões matemáticas, que, pela razão, podem ser
respondidas e possuem soluções corretas. Também não é questão de gosto. Não se
resolvem pela expertise do representante, tampouco devem ser consideradas com
arbitrariedade, decididas unicamente pelo capricho do governante (PITKIN, 1985).
Deve-se ser sensível para com os interesses da população, responsivo. A
racionalidade não é garantia de acordo, embora possa ser relevante, algumas vezes,
para se chegar a ele.
Contudo, por mais que os representantes possuam o dever de serem
sensíveis aos interesses daqueles que representam e de procurar antecipar o
momento de prestar contas a eles, Mendes (2006) argumenta que quase não há
instituições ou mecanismos que garantam essa antecipação. “O controle permanece
restrito à sanção política, já que os eleitores, se quiserem, podem não reeleger
determinado representante” (MENDES, 2006, p. 149); e as eleições não
correspondem à melhor forma de assegurar uma responsabilidade, dados os longos
períodos durante uma e outra, nos quais os representados ficam à mercê dos
representantes, sem a possibilidade de fazer um maior controle.
No entanto, as eleições não são um mecanismo suficiente para assegurar a realização da vontade popular. Os mandatos, legislativo ou executivo, são períodos longos durante os quais os cidadãos ficam
34
desprovidos de meios de avaliação, controle e sanção das ações de seus representantes. (MENDES, 2006, p. 149)
Nesse sentido, é preciso construir instituições que facilitem aos cidadãos
recompensar ou punir os responsáveis. Responsividade e responsabilidade devem
andar juntas, no intuito de tornar as instituições políticas cada vez mais próximas do
conceito ideal de representatividade: tornar a democracia representativa um governo
do povo, para o povo, garantindo liberdade, igualdade e participação no poder aos
seus cidadãos.
1.5 Por que partidos políticos?
Explica Giovanni Sartori que “os partidos se comportaram e desenvolveram
muito mais como uma prática do que como uma teoria” (SARTORI, 1982, p. 45). A
literatura teve de acompanhar sua concepção e seu firmamento na teoria política, não
o contrário. Não se escreveu sobre partidos políticos para, depois, colocar em prática
essa forma de representação, mas, ao passo que foram surgindo e se desenvolvendo,
a ciência passou a se ocupar deles e de suas características.
Há três premissas para o desenvolvimento dos partidos apontadas por
Sartori (1982): a) os partidos não são facções; b) um partido é “parte-de-um-todo”; c)
os partidos são canais de expressão.
“O partido, como sabemos, é um nome novo para uma coisa nova, e o
nome é novo porque a coisa é nova” (SARTORI, 1982, p. 87). A princípio, a palavra
gerava resistência, fruto de grande desconfiança, por seu significado ainda estar
conceitualmente misturado com o das facções. Facção, como dito, possuía e ainda
possui um sentido pejorativo, remetendo a um grupo movido a interesses particulares,
mesquinhos, e não a interesses públicos. Havia uma confusão na literatura, que não
diferenciava os dois grupos. Apenas Burke argumentou pela primeira vez uma
diferença (SARTORI, 1982): partido seria um grupo de homens, reunidos para
promoção do interesse nacional, orientados por algum princípio com o qual todos
concordam. Burke propôs que o governo fosse conduzido pelos partidos, mas sua
ideia ainda muito enfrentou até ser compreendida e, por conseguinte, disseminada.
“Foi no século XIX que essa distinção se afirmou com clareza, e os partidos passaram
35
a ser geralmente aceitos como instrumentos legítimos e necessários do governo livre”
(SARTORI, 1982, p. 87).
De fato, um fator importante para a aceitação dos partidos foi o pluralismo,
“a compreensão de que a diversidade e a dissensão não são necessariamente
incompatíveis com a ordem política, nem necessariamente a perturbam” (SARTORI,
1982, p. 33-34). O pluralismo não significa que uma dada sociedade é diversificada
apenas, mas “uma cultura pluralista mostra uma visão do mundo baseada, em
essência, na convicção de que a diferença, e não a semelhança, a dissenção e não a
unanimidade, a mudança e não a imutabilidade, levam a uma vida melhor” (SARTORI,
1982, p. 35). É neste momento, no qual a dissenção ganha louvor, que partidos
passam a ser mais bem aceitos, deixando de ser considerados “partes contra o todo”
para serem “partes do todo”, nas expressões de Sartori4.
Os partidos são, na verdade, partes de um todo. Sartori lembra o sentido
semântico da palavra “partido”: a ideia de parte. Em seguida, demonstra a relação das
partes com o todo: um todo pode não ter partes e ser único, mas, tradando-se de uma
formação política pluralista, é necessário um jogo de partes (partidos), no plural – “um
todo-de-partes, resultante na verdade do jogo mútuo de suas partes” (SARTORI,
1982, p. 47).
Por fim, a última premissa tem a ver com as atividades dos partidos: os
partidos são canais de expressão. Além da função representativa (que poderia ser
desempenhada por outros meios), eles possuem a chamada “função expressiva”:
apresentam-se como alternativas para transmitir às autoridades os desejos do povo e
oferecem os canais para a articulação, comunicação e implementação das demandas
dos governados. Mas não tão somente. Segundo Sartori (1982, p. 50), os partidos
“oferecem algo que nenhuma máquina ou pesquisa de opinião pode oferecer:
transmitem reinvindicações apoiadas por pressões. O partido lança seu próprio peso
nas reinvindicações a que se sente obrigado a fazer eco” [grifos do autor].
4 Essas expressões de Giovanni Sartori devem-se à semântica. “Quando ‘parte’ se torna ‘partido’ temos, então, uma palavra sujeita a duas influências semânticas: a derivação de partire, dividir, de um lado, e a associação com tomar parte, e portanto com participação, do outro”. (SARTORI, 1982, p. 24) [grifos do autor]
36
Manin (1997) relata um atual enfraquecimento dos vínculos partidários,
mais precisamente uma erosão das fidelidades partidárias duradouras, entendida
como a incapacidade das agremiações de ter e manter eleitores fiéis.
Durante décadas, a representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores se identificava com um partido e a ele se mantinha fiel. Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum.5 (MANIN, 1997, p. 193)
A tendência mundial, porém, para Manin (2013) – que revisitou sua obra de
1997 –, não significa a decadência dos partidos políticos. Muito embora perceba-se
vínculos partidários enfraquecidos e, ao mesmo tempo, o crescente recurso a outras
formas de participação política não institucionalizadas, os partidos continuam a deter
sua importância no cenário político. A relação entre cidadãos e o Estado apenas foi
transformada. “Um número crescente de cidadãos, ao que parece, participa de
manifestações, assina petições ou então pressiona, por suas reivindicações,
diretamente os tomadores de decisão” (MANIN, 2013, p. 124); porém, os cidadãos
ainda reconhecem e apoiam “os elementos estruturais centrais da democracia
representativa”, os partidos políticos (FUCHS e KLINGEMAN, 1995; MANIN, 2013).
Os próprios eleitores fiéis a um partido podem até ser menores em número quando
comparados ao que um dia já foram, mas ainda constituem um contingente de boa
proporção e que deve ser considerado. Além disso, Manin (2013) relata duas áreas
em que os partidos não perderam força e continuam a ser atores centrais: na política
parlamentar e nas campanhas eleitorais.
Em primeiro lugar, poucos são os candidatos que se elegem sem estarem
filiados a algum partido. As eleições permanecem partidárias, com as regras do jogo
não apenas regulamentando nesse sentido, mas também concedendo vantagens de
campanha para as agremiações, tais como o financiamento e o acesso a meios de
5 Traduzido do original: “For many years, representation appeared to be founded on a powerful and stable relationship of trust between voters and political parties, with the vast majority of voters identifying themselves with, and remaining loyal to, a particular party. Today, however, more and more people change the way they vote from one election to the next, and opinion surveys show an increasing number of those who refuse to identify with any existing party.”
37
comunicação públicos, como bem lembra Manin (2013). Consequentemente, o
sucesso dos partidos em eleger seus candidatos tende a ser maior. No Brasil, insta
salientar, a filiação partidária corresponde a um requisito necessário para o sucesso
do candidato, pois não são permitidas as candidaturas avulsas, também chamadas
de independentes.
Em segundo lugar, relata Manin (2013), integrar agremiações confere
vantagens procedimentais a deputados no parlamento, tais como em indicações para
comissões e capacidade de estabelecimento de agenda. Também são reduzidos os
custos de transação entre os deputados, em virtude dos arranjos e coalizões já
estabelecidos pelos partidos, e a energia de um parlamentar que pretendesse aprovar
uma dada lei seria, por conseguinte, proporcionalmente poupada a depender do grau
dessas relações intrapartidárias.
Quanto às campanhas eleitorais, afirma Manin (2013) que a erosão das
fidelidades partidárias tornou os partidos mais dinâmicos para mobilizar os eleitores.
O autor relembra as altas expensas que têm sido envidadas e investidas, contratando-
se cada vez mais especialistas em propaganda e em pesquisa de mercado para
assessorar as campanhas eleitorais. Mas a profissionalização das propagandas não
significa uma fragilidade dos partidos, nem os torna menos representativos; foi uma
necessidade e reação ao ambiente volátil. Diminuindo-se a fidelidade dos eleitores, o
apoio ao partido tem de ser buscado em outro lugar. Não é possível conceber que os
números de uma eleição se repitam exatamente do mesmo modo em outra. Em
paralelo, Manin (2013) expõe uma correlação entre filiação partidária e acesso à
televisão: a primeira tende a ser mais elevada onde o segundo é menor. As grandezas
se relacionam de modo inversamente proporcional. “Isso sugere que os partidos filiam
grande número de membros quando precisam deles para propósitos de campanha
‘cara a cara’” (MANIN, 2013, p. 120). Houve, portanto, uma mudança na mobilização
dos eleitores.
De fato, vários estudos mostram que, longe de decair, os partidos reagiram ao ambiente volátil gerado pela erosão das fidelidades partidárias tornando‑se mais proativos, ágeis e rápidos do que eram antes. Há também evidências de que essa transformação os tornou “mais cientes da opinião e das demandas dos cidadãos”. A transformação dos partidos em organizações para fazer campanha
38
não parece ter diminuído sua capacidade de refletir anseios populares e de ligá‑los à formulação de políticas. (MANIN, 2013, p. 121)
Por outro lado, relata Carreirão (2015), se a literatura sobre o alinhamento
dos eleitores aos partidos é, de certa forma, um pouco negativa, afirmando que
eleitores têm se afastado dos partidos, os estudos sobre congruência demonstram
uma realidade mais positiva. Congruência seria a identidade entre as preferências dos
cidadãos e as dos representantes, e sua literatura parte do pressuposto da
responsividade, de que na democracia representativa se espera que os
representantes sejam sensíveis às preferências, às opiniões ou aos interesses do
povo. Para a literatura da congruência, “há certo predomínio de uma avaliação positiva
em relação à capacidade de os partidos representarem os eleitores, tanto num plano
ideológico mais geral quanto em termos de políticas específicas” (CARREIRÃO, 2015,
p. 394).
Ainda no sentido da atual necessidade dos partidos políticos, relevante é o
estudo de Kathryn Hochstetler e Elisabeth Jay Friedman (2008). As autoras
questionam em seu artigo se as organizações da sociedade civil (OSCs) do Brasil e
da Argentina podem e cumprem o papel de exercer uma função de representação
nesses países e neste momento, o qual denominam “tempos de crise dos partidos
políticos”. Após o uso da teoria e da empiria, concluem que as OSCs não substituem
os partidos como mecanismos de representação – e nem ao menos tentam fazer isso.
Ao invés de substituir, a representação das OSCs parece complementar a dos
partidos, ao permitir que cidadãos utilizem ambos os mecanismos para influenciar os
resultados políticos: a pressão dos partidos políticos e a pressão da própria sociedade
civil organizada. No Brasil, as organizações lutaram para representar valores e ideias
que não estavam sendo representados, na maior parte das vezes ao lado do PT.
Mesmo após a desilusão ao perceber, no mandato de Lula, que sua voz não tinha
tanto impacto nas decisões de governo e mesmo depois do auge da crise deflagrada
pela notícia de um dos grandes casos de corrupção e escândalo conhecido por
Mensalão, em 2005, as OSCs não tiveram a pretensão de substituir os partidos, mas
atuaram na intenção de que tais instituições funcionassem melhor.
Portanto, existem sim outras formas de representação fora das instituições
tradicionais da democracia representativa, mas que não as excluem. Os partidos
39
seguem sendo o principal ator no jogo político democrático, o qual tenta no Legislativo
e no Executivo promover políticas públicas e atender ao povo.
1.6 O princípio de maioria e a proteção às minorias
O jogo democrático é formado por partidos – logo, por partes –, que se
relacionam entre si e com outros grupos e organizações políticas, numa dinâmica
marcada pela “multiplicidade de grupos de poder entrecruzados e envolvidos em
manobras de coalizão” (SARTORI, 1994, p. 203). Como as decisões políticas não são
simples para serem resolvidas como a matemática (PITKIN, 1985), durante o
processo de deliberação surgem conflitos. Nessa interação entre múltiplos grupos de
poder, maiorias e minorias são formadas e, também, dissolvidas. Ocorre que, no jogo,
a regra (ou o método) para a resolução dos conflitos corresponde ao princípio de
maioria (SARTORI, 1994).
Uma ordem social para ser fundada requer que uma maioria esteja de
acordo quanto à sua fundação. Caso uma maioria não se estabeleça, não há como a
ordem social se manter, pois não há consenso significativo que assegure que todos
permaneçam obrigados pelas regras pela ordem impostas. Da mesma forma, para
modificar-se uma ordem social, uma maioria precisa estar de acordo com a sua
modificação. Kelsen (2000) fala de uma maioria simples, não de uma maioria
qualificada. Uma maioria qualificada, inclusive, teria o efeito inverso: exigir-se para a
modificação uma maioria qualificada de dois terços, por exemplo, implicaria num
evento quantitativo maior daqueles integrantes que estão em discordância, e, por
conseguinte, um maior risco à ordem estabelecida. “A ideia subjacente ao princípio de
maioria é a de que a ordem deve estar em concordância com o maior número possível
de sujeitos e em discordância com o menor número possível de sujeitos” (KELSEN,
2000, p. 409).
O princípio de maioria, porém, não significa, de modo algum, unanimidade.
Não é, portanto, o domínio de uma maioria absoluta na ordem social. Uma maioria
pressupõe a existência de uma minoria, mesmo que a primeira decida por não aceitar
a segunda. Desse modo, o princípio de maioria traz consigo a ideia de proteção de
minorias. “O princípio de maioria em uma democracia é observado apenas se todos
40
os cidadãos tiverem permissão para participar da criação da ordem jurídica, embora
o seu conteúdo seja determinado pela vontade da maioria” (KELSEN, 2000, p. 411).
As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição.
“Se a oposição é tolhida, hostilizada ou reprimida, podemos falar então de ‘tirania da
maioria’ no sentido constitucional da expressão” (SARTORI, 1994, p. 184).
[...] deve-se afastar a ideia de que a democracia esteja ligada apenas ao princípio majoritário; ela se liga igualmente à promoção da liberdade-igual, de proteção de minorias e de grupos vulneráveis que ficam fora do processo político democrático, por meio de uma hermenêutica constitucional comprometida com a efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais. (KOZICKI e BARBOZA, 2008, p. 174)
Mas “minoria” no sentido aqui tratado, tal como o trecho de Kozicki e
Barboza (2008), não significa necessariamente um grupo vulnerável. Tenha-se em
mente que também em Sartori (1994) “minoria” deve ser compreendida como produto
de procedimentos democráticos: é ou a parte de uma população votante vencida em
uma deliberação ou a parte menor de um parlamento. Mas, sobretudo, minorias
políticas correspondem a grupos que exercem poder de controle político – e “um poder
controlador é político quando sua fonte principal é o exercício de uma função ou cargo
político, e/ou quanto atua por meio dos canais políticos e afeta as decisões dos que
determinam as políticas concretas” (SARTORI, 1994, p. 195).
Na presente pesquisa, trabalha-se com o Supremo Tribunal Federal em sua
relação com as minorias partidárias (a parte menor do parlamento brasileiro). Partindo
das premissas de que numa ordem social regida pelo princípio de maioria deve haver
a proteção das minorias e de que, na problemática dessa proteção, o papel de protetor
coube à Corte Constitucional, duas análises são propostas: 1) identificar o que os
partidos pequenos estão propondo; 2) verificar se o STF está verdadeiramente
cumprindo o seu papel de protetor das minorias, ao deferir os pedidos dos partidos
formulados através de ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs).
Entenda-se, por conseguinte, as minorias parlamentares aqui tratadas – a
menor parte do parlamento brasileiro, adiante referidas como partidos pequenos –
representam uma parte da população votante então perdedora nas deliberações
41
políticas. Ocorre que, as agremiações, quando decidem recorrer ao Judiciário,
demandando a Corte Constitucional, agem pelo motivo de a decisão da maioria no
Legislativo ou do Executivo contrariar o seu interesse, desejando expurgar a lei ou o
ato normativo do ordenamento jurídico. Logo, os partidos políticos podem propor as
ações diretas do controle de constitucionalidade na intenção de reverter as decisões
da maioria legislativa ou do Executivo (TATE, 1997), ou, ainda que não revertam,
como estratégia política para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição
(CARVALHO et al, 2012; TAYLOR e DA ROS, 2008).
1.7 Sobre as regras do jogo político democrático antes da interferência do STF
No “jogo político democrático”, os partidos políticos continuam sendo seus
atores fundamentais, e o principal modo de fazer política disciplinado corresponde às
eleições (BOBBIO, 1986). A representação foi entendida como o equivalente moderno
da democracia, e os partidos demonstraram ser uma boa forma de mediação, capazes
de organizar e traduzir os interesses e demandas do povo. As agremiações seriam
grupos defensores de princípios e de interesses coletivos – ao contrário das facções
– e funcionariam como canais de expressão, comunicando as demandas dos cidadãos
para os governantes (SARTORI, 1982). “Se o governo representativo tinha defeitos,
esses defeitos eram atribuídos ao sistema eleitoral particular, ao sistema partidário ou
à exclusão de algum grupo do sufrágio” (PITKIN, 2006, p. 42).
O jogo político democrático moderno, portanto, envolve a ideia de
representação. Representar, por conseguinte, abrange os conceitos de
responsabilidade e responsividade. No entanto, a primeira – também conhecida por
accountability – só existe na presença da segunda.
A responsividade possui várias dimensões, sendo a congruência apenas
uma delas; porém, em termos gerais, deve ser compreendida como a sensibilidade
dos representantes para com as demandas e interesses dos representados (PITKIN,
1985). Um governo democrático representativo deve ser responsivo para com o povo.
Sem a sensibilidade para com as demandas dos representados, não existe o
funcionamento de canais de expressão. Sem haver consciência das reinvindicações
populares e dos interesses dos eleitores, também não é possível responsabilizar. Por
conseguinte, sem as prestações de contas, os julgamentos do povo quanto às atitudes
42
dos representantes ficam comprometidos e torna-se frágil a democracia, a
representação e toda ordem social.
O jogo democrático é praticado por partes que representam o povo e se
relacionam entre si e com outros grupos e organizações políticas. Nesse sentido,
outras formas de representação fora das instituições tradicionais da democracia
representativa (os partidos políticos), mas que não as excluem (HOCHSTETLER e
FRIEDMAN, 2008). Os partidos seguem sendo o seu ator principal (MANIN, 2013).
Ademais, é um jogo marcado pela dinâmica entre uma “multiplicidade de
grupos de poder entrecruzados e envolvidos em manobras de coalizão” (SARTORI,
1994, p. 203). Ocorre que durante o processo de deliberação surgem conflitos, e a
regra (ou o método) para resolvê-los corresponde ao princípio de maioria. Assim
sendo, no processo democrático há a interação entre múltiplos grupos de poder, no
qual maiorias e minorias são formadas e, também, dissolvidas, a fim de se assegurar
a concretização dos interesses que os partidos representam.
O princípio de maioria não significa unanimidade; não é o domínio de uma
maioria absoluta na ordem social. Uma maioria pressupõe a existência de uma
minoria, mesmo que a primeira decida por não aceitar a segunda. Desse modo, o
princípio de maioria traz consigo a ideia de proteção de minorias e apenas é
observado se todos os cidadãos estiverem autorizados a participar da criação da
ordem jurídica (KELSEN, 2000, p. 411).
As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição.
“Se a oposição é tolhida, hostilizada ou reprimida, podemos falar então de ‘tirania da
maioria’ no sentido constitucional da expressão” (SARTORI, 1994, p. 184). É nesse
sentido que o Judiciário aparece para proteger as minorias, resguardando a
democracia ao proteger a ordem social da tirania da maioria: é um poder
contramajoritário (BICKEL, 1962; ELY, 1980), como adiante será exposto.
Os partidos seguem sendo o ator principal no jogo político democrático, o
qual tenta no Legislativo e no Executivo promover políticas públicas e atender ao povo.
Todavia, quando perdem no Legislativo, ou ali estão insatisfeitos, possuem a
prerrogativa constitucional de demandar no Judiciário. As agremiações acionam a
justiça através do controle de constitucionalidade (mecanismo que permite extirpar do
ordenamento jurídico norma que não esteja em conformidade com o sistema,
43
declarando-a inválida). Como, no Brasil, quem recebe tais demandas (as
impugnações dos partidos quanto à validade de determinadas leis) é o Supremo
Tribunal Federal (STF), a Corte termina por assumir uma função política, capaz de
interferir nas decisões dos órgãos legislativos e executivos.
Desse modo, o jogo político democrático continua numa nova arena: o
Judiciário.
44
2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO ATOR POLÍTICO
2.1 Uma introdução à continuidade do jogo
O Estado do séc. XX fora responsável pela expansão da jurisdição
constitucional (ZAGREBELSKY, 1999). Reconheceu-se a força normativa da
Constituição. Por conseguinte, juízes e tribunais passaram a interpretá-la e aplicá-la
a situações nela diretamente previstas, mas não tão somente: a Carta Política deixou
de ser mera exposição de intenções do governo e passou a ser utilizada como
parâmetro para aferir a validade de qualquer norma jurídica ou ato normativo, além de
constituir critério de interpretação de todo o ordenamento infraconstitucional
(BARROSO, 2011, p. 86).
Nesse sentido, a fim de salvaguardar a unicidade e a segurança jurídica do
sistema, fora concebido um mecanismo de retificação, conhecido como controle de
constitucionalidade. Instituto multifacetário, através dele é feito juízo de validade da
norma ou do ato normativo pelos órgãos jurisdicionais.
O modelo brasileiro de controle é definido como misto, pois importou
características austríacas e americanas. Em verdade, semelhante fato ocorreu com
quase todos os países sul-americanos, tendo, por esse motivo, sido intitulado por
Carvalho (2005) “modelo sul-americano de controle de constitucionalidade”.
O controle de constitucionalidade brasileiro é, desse modo, misto, pois
demonstra influências austríacas e norte-americanas. É um instituto multifacetário,
podendo ser exercido pela via incidental ou pela via direta. Em termos gerais, se
incidental, a constitucionalidade de determinada norma será apreciada por um juiz a
partir de um caso concreto a ele submetido; se pela via direta, o exame de
compatibilidade com o ordenamento jurídico será realizado pelo STF, numa análise
direta da lei ou ato normativo impugnado. Pelo controle incidental ser realizado a partir
de um caso concreto, em que há partes – disputa entre A e B, por exemplo –, entende-
se ser ele um processo subjetivo. O controle pela via direta, ao contrário, justamente
por faltar-lhe o requisito da presença de partes, é tido como um processo objetivo: a
análise primeira é da própria lei ou ato normativo quanto à sua validade, ainda que a
decisão venha a interferir e causar efeitos em relações jurídicas pré-estabelecidas.
45
O Tribunal assume, assim, pelo menos três funções institucionais (FALCÃO
et al, 2011): a) é Corte Constitucional, quando julga as ações diretas do controle
concentrado, o mandado de injunção e trata das súmulas vinculantes; b) é Corte
Recursal, ao apreciar as ações do controle difuso que lhe chegam pela via do Recurso
Extraordinário (RE) e Agravo de Instrumento (AI); c) é Corte Ordinária, quando precisa
se pronunciar nas demais ações, como os processos de competência originária e os
resultantes de prerrogativa de foro, v.g., inquéritos e ações penais.
Nesta pesquisa, no entanto, tratar-se-á a Corte no exercício de seus papéis
de Tribunal Constitucional.
Com a Constituição de 1988, a capacidade do Judiciário de intervir em
questões políticas não encontra precedentes nos modelos que o influenciaram – ao
menos em teoria (CARVALHO, 2005). “A distinção do Supremo é de escala e de
natureza” (VIEIRA, 2008): de escala, pela quantidade de temas que podem ser
submetidos – ou seja, “judicializáveis” –, bem como pelo grau de extensão da lista
daqueles que podem acionar o Tribunal para realizar o controle concentrado; de
natureza, por não existir nada que obste este órgão judicial de apreciar os atos
normativos, ainda que originários do poder constituinte reformador.
2.2 O fenômeno da judicialização
Em muitas democracias contemporâneas, sobretudo a partir da década de
1980, o mundo observou um fenômeno: a judicialização da política (CASTRO, 1996).
O Judiciário passou a ser demandado para decidir sobre matérias tradicionalmente de
competência dos poderes majoritários (Executivo e Legislativo), podendo, inclusive,
exercer verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas. A relação entre
os três Poderes passou a ser, portanto, redesenhada, com contornos diferentes dos
idealizados por Montesquieu (LIMA, 2007; CARVALHO, 2005; CASTRO, 1996).
Há diversas razões apontadas para o crescimento do fenômeno. Para
analistas econômicos, o fortalecimento dos tribunais seria consequência da expansão
do sistema de mercado, como uma exigência dos investidores: ocorre que, para quem
investe, a segurança jurídica dos tribunais mostra-se mais confiável que os
parlamentares, pois estes poderiam ceder a demandas populistas, não eficientes para
a perspectiva econômica (VIEIRA, 2008, p. 442). Há, também, quem aluda a uma
46
causa política para a expansão do fenômeno: a crise de representatividade dos
poderes majoritários. Existe, ainda, o viés institucional constitucionalista, para o qual
a judicialização é consequência do reconhecimento de um Judiciário forte e
independente, das constituições rígidas e ambiciosas e da ideia de ter este Poder o
papel de “guardião da Constituição” (VIEIRA, 2008, p. 443; BARROSO, 2011, p. 88).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 permitiu um arranjo como poucos
para o desenvolvimento do fenômeno, pois tornou quase todo tipo de conflito
judicializável. Além de abrangente, analítica e ambiciosa quanto aos temas que
propunha albergar, a Constituição também introduziu novos instrumentos de controle
concentrado e ampliou o rol de legitimados a acionar esse mecanismo de retificação,
democratizando o acesso ao debate constitucional, de uma forma que jamais havia
ocorrido em país algum (CARVALHO, 2008).
O foco no controle concentrado de constitucionalidade foi reflexo da
preocupação com a transição democrática: havia uma evidente cautela com o excesso
de poder nas mãos do Executivo, dada a trágica experiência histórica com o regime
ditatorial (CARVALHO, 2008). Através do controle, o Judiciário estaria autorizado a
intervir em litígios antes resolvidos exclusivamente na arena política e, no plano
estatal, pelos outros poderes, cuja característica principal se resume ao princípio
majoritário: representantes eleitos por uma maioria.
A preocupação com a descentralização da política também influenciou em
outro aspecto do controle de constitucionalidade, ali desenhado: a extensão dos
atores que poderiam demandar a justiça constitucional.
O grau de amplitude do rol de legitimados a demandar a Corte também
traduziu o desenho da constituinte de 1987-1988: havia participação de diversos
setores da sociedade (CARVALHO, 2005, p. 104-118). Dessa forma, sob a pressão
desses grupos, o antigo monopólio do Procurador-Geral da República cedeu lugar à
ampla legitimação democrática de atores (políticos, jurídicos e sociais): outras oito
entidades tornaram-se capazes de acionar o mecanismo concentrado.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já desempenhasse o papel de
Tribunal Constitucional, apenas com o Diploma de 1988 é que se cria, no Brasil, um
ambiente político favorável à judicialização. Aduz Ernani Carvalho (2005, p. 86-91)
que, a partir dali, puderam ser verificados simultaneamente dois fatores,
47
característicos dos modelos europeus de controle: a) a Corte Constitucional atua
como guardiã e não sofre constrangimentos ou represálias de outros ramos de poder;
b) os partidos de oposição passaram a ter acesso livre ao judicial review, além de
terem muito a ganhar e pouco a perder se acionarem a Corte. Os benefícios potenciais
desta lide superam os custos: litigar na justiça constitucional confere visibilidade,
quando não acarreta verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas.
“As teorias que tratam do fenômeno da judicialização na Europa são
focadas na revisão abstrata da legislação e estruturadas na relação: governo,
oposição e tribunal” (CARVALHO, 2005, p. 88-89). No caso brasileiro, essa tríade é
apenas uma parte do processo de judicialização. O artigo 103 do diploma
constitucional autoriza vários atores políticos, jurídicos e sociais a atuar como
mediadores do litígio constitucional. Sendo assim, o fenômeno sócio-político brasileiro
“não se restringe à participação de uma minoria parlamentar” (CARVALHO, 2005, p.
89; CARVALHO et al, 2011; CARVALHO et al, 2016). Para alguns autores, essa
inovação institucional permite desenvolver uma participação mais democrática no
processo de elaboração das leis (Vianna et al, 1999).
Quanto à oposição política, há uma tradicional ligação entre ela e a Corte
responsável por fiscalizar a constitucionalidade:
A oposição judicializa o processo legislativo com a intenção de ganhar o que outrora perdera no processo político convencional. As contestações da oposição oferecem uma crucial oportunidade à Corte para construir a lei constitucional, para ampliar as técnicas jurisprudenciais de controle e, em outras palavras, fazer política. (CARVALHO, 2005, p. 40)
Não apenas o descrédito da política majoritária constitui fator favorável,
mas é importante salientar a prática de transferência do ônus político de certas
decisões que precisam ser tomadas, mas são impopulares (GOMES NETO, 2015, p.
42). Há a eleição, pelos próprios Poderes majoritários, do Judiciário como foro para
deliberação de questões polêmicas, cujo conteúdo possa vir a representar um
desgaste para seus debatedores (BARROSO, 2011, p. 88).
A judicialização é, portanto, uma realidade concebida no nosso sistema, no
desenho constitucional brasileiro. Ocorre muitas vezes diante da falha e da inércia do
48
Executivo e do Legislativo (CASTRO, 1996; NUNES JÚNIOR, 2014). A nível mundial,
na verdade, tornou-se uma prática comum associar democracia ao mecanismo –
muito embora o status de condição necessária não seja verdadeiro (GRIMM, 2011).
2.3 A premissa contramajoritária da Corte
Após o famoso caso Marbury vs. Madison em 1803, a Suprema Corte
americana passou por um período significativo de autocontenção, vindo apenas com
a Corte Warren (1953-1969) a apresentar, em sua história sobre a revisão judicial,
outra guinada no sentido do comportamento ativista. Com respostas de ordem liberal,
o órgão assumiu papel de protagonista na defesa das liberdades civis (de expressão
e de religião), na garantia dos acusados em processo criminal e na proteção do
princípio do tratamento igualitário contra as normas de segregação racial (LIMA, 2014,
p. 63; FRIEDMAN, 2002). Por conseguinte, a doutrina passou a novamente
empreender esforços no objetivo de compreender o papel do Tribunal numa
democracia e de definir como os tribunais poderiam atuar, dado o relevante papel
político e as próprias limitações que teriam.
A Corte Warren não foi totalmente ativista, durante todo o tempo em que
durou. Após o caso Brown v. Board of Education, em 1954, e, principalmente, das
decisões que proferiu e foram tomadas como de cunho comunista, a opinião popular
se insurgiu e a Corte foi duramente atacada (FRIEDMAN, 2002). O Tribunal assumiu,
em seguida, uma postura mais autocontida, a qual posteriormente cedeu lugar mais
uma vez ao ativismo a partir de 1962.
Uma vez que democracia implica responsividade à vontade popular e
responsabilidade, como explicar que uma parte do governo, cujos membros são
irresponsáveis do ponto de vista político, possa deter o poder de derrubar decisões
populares, tomadas pelos representantes eleitos? (FRIEDMAN, 1998; CARVALHO,
2005). Alexander Bickel (1962), como resposta a essa pergunta, defendeu a ideia de
possuir a Suprema Corte uma função contramajoritária. Através da expressão que
alcunhou (“a dificuldade contramajoritária”), Bickel tentou reconciliar a ideia de
governo do povo com a revisão judicial em uma democracia através da proteção de
minorias (FRIEDMAN, 2002, p. 201-202). Quando o Tribunal, através do controle,
invalidava as decisões dos outros poderes, agia “não em nome da maioria, mas contra
49
esta”. Significaria, portanto, o “poder de veto” para as pequenas minorias, atuando
contra os poderes sujeitos a processos eleitorais (LIMA, 2014, p. 68).
Assim sendo, Bickel buscou entender qual o lugar institucional dos juízes.
Justamente após demonstrar a cisão entre princípio majoritário democrático e revisão
judicial, ele compreende a legitimidade dos tribunais como a garantia dos princípios,
pelo que passa a defender a fiscalização da constitucionalidade, independente das
premissas majoritárias. Os seus críticos apontam uma contradição (LIMA, 2014).
Não obstante, cabe aqui a sua relevante contribuição teórica. Para Bickel,
a Corte teria o encargo de proteger princípios fundamentais da sociedade – ponto
esse que, mais tarde, viria a ser contestado por John Hart Ely com muito respeito, em
1980. O povo americano teria fé não apenas no princípio majoritário, mas também em
um processo de reforma moral contínua, o qual seria encabeçado pela revisão judicial
(LIMA, 2014, p. 70). A dificuldade contramajoritária, portanto, reside no desafio de
obter anuência popular às decisões da Corte, pois apenas através do consentimento
do governado é que o exercício do poder seria considerado legítimo.
A fiscalização da constitucionalidade estaria justificada diante de interesses
imediatos e duradouros, que coexistiriam na sociedade e orientariam as decisões
políticas. Contudo, se a finalidade é o bem comum, não se deve se pautar
exclusivamente sob interesses circunstanciados. Por conseguinte, uma vez que o
Legislativo e o Executivo não conseguem orientar-se sempre pelos valores
permanentes e fundamentais – pois sofrem pressões de vários grupos de interesse,
que os levam a decidir pela conveniência –, os tribunais seriam os mais bem
preparados para o ofício. Os juízes estariam afastados da luta de interesses,
possuindo o isolamento necessário (LIMA, 2014, p. 68-71).
Para dar cargo de salvaguardar os valores fundamentais, o Tribunal
precisaria da aceitação popular de suas decisões. O amparo à revisão judicial
conseguir-se-ia pelo exercício de “virtudes passivas” – “técnicas doutrinárias que
permitem a Corte postergar a apreciação de questões problemáticas até que a
sociedade tenha tido tempo para lidar com elas” (LIMA, 2014, p. 69; FRIEDMAN,
2002). O Tribunal não se limita às opções de manter ou anular um ato de governo
incompatível com os princípios; ainda possui a opção de “nada fazer”, o que permite
a Corte, “no emprego da prudência, agir estrategicamente” no desempenho de sua
atividade (LIMA, 2016).
50
Ely (1980) discorda, porém, que a função do Tribunal seja a de proteger
princípios fundamentais, a serem descobertos pela própria Corte. A definição e
imposição de valores fundamentais é, antes, uma prática antidemocrática, aduz. Ele
desenvolve uma teoria de controle judicial que procura compatibilizar a atividade
contramajoritária com a ideia de democracia representativa.
A Constituição não poderia ser totalmente apreendida conforme quiseram
os interpretacionistas puros: pela simples leitura de seus dispositivos ou pela intenção
do legislador que a concebeu. Há disposições abertas, que “parecem precisar de uma
injeção de conteúdo vindo fora do próprio dispositivo” (ELY, 2016, p. 15-17). Porém,
também não parece democrático entregar aos juízes, que não respondem por suas
atitudes políticas, a tarefa de definir quais os valores não poderão ser tocados pelo
controle majoritário (ELY, 2016, p. 13). Sugere Ely, portanto, um interpretacionismo
moderado, uma corrente intermediária, na qual o controle pela Corte deve ocorrer
amparado nos “temas gerais do documento constitucional e não de uma fonte
completamente externa ao texto do documento” (ELY, 2016, p. 16-17). Ely rechaça
fontes como valores pessoais do juiz, o direito natural, a razão, a tradição, o costume,
pois tudo constituiria veículo fácil de manipulação das elites – “não há fonte impessoal
a ser descoberta” que faça a Corte preferir certos valores em face de outros.
Os “valores fundamentais da sociedade” foram deixados a cargo dos
poderes tangidos pelo processo eleitoral e não são objeto elementar da Constituição,
tampouco dos juízes. Em verdade, para John Hart Ely, as questões substantivas
existem no documento americano, mas compõem uma minoria no texto constitucional,
sendo tão peculiares a certos momentos históricos que algumas delas já não existem
por realmente não constituir objeto efetivo de uma Constituição – as que ainda
perduram, ousa afirmar, logo seguirão o mesmo destino.
A parte esmagadora da Constituição americana refere-se a questões
procedimentais e estruturais – como haveria de ser, pois o texto foi produzido no
intento de “regulamentar os interesses políticos gerais da nação” (HAMILTON et al,
1948), no zelo pelas liberdades individuais. Este é o escopo de uma Constituição. O
papel da Corte – afirma Ely, com referências à nota de rodapé do caso Carolene
Products – constitui em: a) “manter a máquina do governo democrático funcionando
como deveria, garantir que os canais da participação e da comunicação políticas
permaneçam abertos”; e b) preocupar-se com o que a maioria faz com as minorias
51
(ELY, 2016, p. 101). “A desconfiança quanto às perversões do sistema representativo
e seu potencial para macular o processo democrático constituem, assim, o objeto do
Direito Constitucional” (LIMA, 2014, p. 86).
Hamilton, em O Federalista (1948), previu um certo controle dos
governados sobre os governantes, um controle mínimo: estes, terminado o seu
serviço, voltariam ao povo e integrariam novamente o grupo dos “governados”. O
propósito é que eles vivessem sob o regime das leis que aprovassem e, sabendo
disso, não deturpassem o regime. Ainda, havia a possibilidade de censura pela não
reeleição: a maioria poderia tirar o representante de seu cargo. No entanto, o que o
sistema não assegurava, segundo Ely, era a efetiva proteção das minorias de
interesses diferentes da maior parte da coletividade.
A Constituição americana e a Declaração de Direitos de 1791 possuíam
duas estratégias para proteger os interesses da minoria: a) a da lista de atos do
governo federal que não poderiam ser atentados contra ninguém; e b) a do pluralismo,
prevista pela Constituição, cujo escopo era o de estruturar o governo de modo a
garantir voz aos mais diversos grupos, a fim de que se escapasse do domínio de uma
coalizão majoritária. Tais estratégias, contudo, eram insuficientes para salvaguardar
a minoria. As listas não poderiam prever todos os atos que poderiam tiranizar as
minorias, e os mecanismos também não lhe pareciam algo de eficiência confiável
(ELY, 1980). A Corte, por outro lado, poderia servir de poder contramajoritário.
Os juízes são especialistas em processo – em sentido estrito, judicial, e,
até certo ponto, especialistas no processo em sentido amplo, pois parecem perceber,
intuitivamente, como assegurar a voz de todos em grandes questões políticas (ELY,
1980). Ely fala em relativa “imparcialidade”, para, logo em seguida, dizer que não se
pode dar tanta consideração a essa característica, pois outras pessoas especialistas
em política também a poderiam ter – sendo, portanto, uma “questão de perspectiva”,
não de perícia. Juízes também exerceriam melhor o papel de controle de participação
e reforço da representação do que os demais poderes por serem eles nomeados
relativamente à margem do sistema político, e só de modo indireto precisarem se
preocupar com a permanência no cargo (ELY, 2016, p. 136-137).
Deveria, portanto, a Corte intervir quando os incluídos no debate público
estivessem travando os canais de mudança política para garantir sua continuidade no
poder e a exclusão dos demais; ou quando, embora não se negue a ninguém nenhum
52
voto, determinados grupos estivesem em constante desvantagem no sistema
representativo (ELY, 2016, p. 137; LIMA, 2014, p. 87). Na obra “Democracia e
Desconfiança”, de John Hart Ely, seriam essas as causas do mau funcionamento do
sistema, logo, os autorizativos da revisão judicial. O Judiciário seria, assim, o
instrumento que faltava, necessário para o amparo e a proteção das minorias – o
Poder contramajoritário.
Os juízes deveriam guiar-se pelo valor da participação democrática, nos
casos em que o texto constitucional apresenta dispositivos abertos, protegendo os
procedimentos democráticos, não substituindo a vontade popular. Desse modo,
garantiriam a democracia e resolveriam o problema da desconfiança nos poderes
majoritários. De fato, um objetivo muito ambicioso o pretendido para a Corte.
Em outro sentido, Dahl (1957) conclui, em estudo empírico, que a Suprema
Corte americana não costuma decidir por minorias ou por justiça. O Tribunal exerce
uma grande influência no sistema político, mas raros foram os casos em que atuou
fora dos limites permitidos pela maioria legislativa. A Corte, dessa forma, é uma policy-
making institution e sua função é a de legitimar as lideranças políticas.
A própria maneira como é concebida a indicação de Ministros parece estar
alinhada com essa ideia de papel político do Tribunal. Presidentes não costumam
indicar Justices hostis às suas visões de política pública nem poderiam esperar a
confirmação pelo Senado de um homem cuja postura em temas essenciais estivesse
em flagrante desacordo com o perfil da maioria dominante daquela casa legislativa
(DAHL, 1957).
Os Presidentes da República, aduz Dahl, possuem a expectativa média de
indicar dois Justices durante o seu mandato: mais precisamente, a probabilidade de
um em cinco que a indicação ocorra em menos de um ano; de um em dois para indicar
um Justice no segundo ano de mandato; de três em quatro que consiga indicar um
nome em três anos de exercício de cargo presidencial. Roosevelt teve a grande má
sorte de ser uma exceção à regra, pois só conseguiu a sua primeira indicação depois
de quatro anos. Sua política do New Deal foi, portanto, obstada pela Corte. Com uma
sorte melhor, Dahl afirma que a batalha não teria ocorrido. No final do seu segundo
mandado, Roosevelt conseguiu nomear cinco novos Justices.
53
“Os pontos de vista políticos dominantes na Corte nunca são por muito
tempo fora de sintonia com os pontos de vista dominantes entre as maiorias
legislativas”6 (DAHL, 1957, p. 285). O Tribunal, no entanto, num número pequeno de
casos, conseguiu atrasar algumas políticas públicas. Levando em consideração que
a Corte deveria atuar quando a maioria se constituísse em tirania política, mal nenhum
haveria nesse atraso de implementação; seria uma atitude clamada pelo povo. Mas
Dahl não atribui esse fato particular de retardo a uma questão de certo ou justo. Nesse
sentido, a fim de refutar a visão que se tem do Tribunal como justo e certo, Dahl recorre
a decisões proferidas pela própria Corte, nas quais as leis julgadas inconstitucionais
corresponderiam àquelas cujas promulgações teriam ocorrido há mais de quatro anos
– supostamente, com esse lapso temporal decorrido, as consequências políticas das
decisões já estariam mais sensíveis de serem vistas. Haveria, nesses casos,
evidência de que o órgão constitucional protegeu direitos fundamentais e naturais e
liberdades contra as maiorias tirânicas?
Dahl responde que não. Da análise desses casos, constata não haver um
decorrente da Primeira Emenda e que menos de dez deles tiveram sua
inconstitucionalidade fundamentada nas emendas Quatro a Sete. Sendo assim,
conclui: “maiorias legislativas e Corte não estiveram tão afastadas; ainda, é duvidoso
que as condições fundamentais de liberdade tenham sido alteradas de modo
significativo pelo resultado dessas decisões”7 (DAHL, 1957, p. 292).
Em contraste com esse pequeno número, Dahl aponta para um quantitativo
maior de casos em que a Suprema Corte decidiu, com base na Quinta, na Décima
Terceira, na Décima Quarta e na Décima Quinta Emendas, em favor de grupos
privilegiados (donos de escravos, pessoas brancas, donos de imóvel), preservando
seus direitos e liberdades às custas de grupos desfavorecidos (escravos, pessoas de
cor, assalariados e outros). Políticas essas sustentadas pelo Tribunal que têm sido
repudiadas por diversas nações, inclusive o próprio Estados Unidos.
6 Traduzido do original: “The fact is, then, that the policy views dominant on the Court are never for long out of line with the policy views dominant among the lawmaking majorities of the United States.” 7 Traduzido do original: “An inspection of these cases leaves the impression that, in all of them, the lawmakers and the Court were not very apart; moreover, it is doubtful that the fundamental conditions of liberty in this country have been altered by more than a hair’s breadth as a result of these decisions.”
54
Não sendo a Corte contramajoritária – até porque, para Dahl, essa atitude
estaria em conflito com a teoria democrática –, o seu escopo seria um só: conferir
legitimidade às políticas fundamentais da coalizão dominante. O Tribunal pode fazer
política, mas parece ter ciência de que coloca em risco sua própria legitimidade se se
opuser flagrantemente às principais escolhas da maioria (DAHL, 1957).
2.4 Entre ativismo e autocontenção
Judicialização corresponde, assim, a um fenômeno de entrada, pelo qual
são levadas ao Judiciário matérias outrora decididas exclusivamente pelos poderes
majoritários (BARROSO, 2011). A resposta a esse chamamento é que poderá ser
considerada como uma postura ativista ou autocontenciosa do Tribunal. A
judicialização seria “um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro”; o
ativismo, uma atitude da Corte (BARROSO, 2011, p. 91).
“Ativismo e autocontenção são expressões que correspondem a um debate
multidimensional” (LIMA, 2014, p. 191). Em termos gerais, o ativismo consiste numa
atitude de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance, procurando
extrair o máximo das potencialidades do Diploma; a autocontenção, por sua vez,
corresponde ao comportamento do Judiciário quando escolhe reduzir sua interferência
nos outros Poderes, com deferência às ações e omissões destes (BARROSO, 2011).
Quanto às características exatas, a Teoria Constitucional ainda encontra dificuldade
em descrever o que seria aceitável para o exercício do controle de constitucionalidade.
Flávia Santiago Lima (2014) expõe diversas classificações de outros
autores quanto às formas de manifestação do ativismo judicial, para em seguida
concentrar-se em três, vez que as demais seriam específicas do modelo americano
de controle. São elas as perspectivas: a) partidário-ideológica; b) metodológica-
interpretativa; e c) institucional. As três abordagens podem se relacionar, não estando
estaticamente apartadas uma das outras.
A perspectiva partidário-ideológica trata do ativismo como resposta de
acordo com ideais políticos dos juízes, geralmente a dicotomia liberal/conservador.
Os liberais seriam mais favoráveis à proteção jurídica das liberdades individuais não
econômicas, à igualdade racial, mas não quanto às garantias de propriedade (direitos
econômicos). Já os conservadores seriam mais tentados à proteção dos direitos
55
econômicos e o respeito à autonomia das unidades federadas, entre outros temas
referentes às relações individuais (LIMA, 2014, p. 176). Reconhecer um ativismo
pautado nesta perspectiva, porém, é enfrentar a dificuldade de aferir quais seriam as
decisões partidárias e qual intenção teria o julgador.
Para a abordagem metodológica-interpretativa, o Judiciário seria ativista ao
agir em desconformidade com o seu papel apropriado, definido segundo as técnicas
hermenêuticas, que variam de ordenamento para ordenamento. Por fim, a terceira
perspectiva, intitulada de “institucional” ou “ativismo contramajoritário”, versa sobre
quando a Corte se impõe diante dos demais Poderes.
Por esta visão, a princípio, seria ativista um Tribunal que costuma invalidar
os atos dos outros Poderes. Contudo, a definição corresponde à própria finalidade do
controle. Ativismo compreendido nesse sentido negaria o exercício da revisão judicial.
Por esse motivo, os críticos afirmam que a presente perspectiva deve ser relacionada
com outras noções, de argumentos materiais, a fim de qualificar a deferência como
boa, questionável ou ruim.
No ordenamento brasileiro, identificar um ativismo desse porte torna-se
jornada relativamente mais fácil, se comparado aos outros países. Relativamente. Isto
porque as competências estão previstas exaustivamente no diploma constitucional de
1988. Ainda, em termos gerais, poder-se-ia falar que decisões de cunho político-
econômico pertencem à órbita dos poderes majoritários por estes possuírem o aparato
burocrático e visão geral de todos os aspectos implicados na sua análise (LIMA, 2014,
p. 186), enquanto que o juiz possui apenas o caso concreto como parâmetro para seu
julgamento (NUNES, 2015). É um exemplo desta concepção de conceito.
A perspectiva institucional ou ativismo contramajoritário pode se manifestar
de duas maneiras: a) quando o judiciário receita um remédio que é ativamente
administrado pelos tribunais, impondo obrigações aos outros Poderes geridas sob a
supervisão judicial; ou b) assumem função legislativa, reinterpretando a norma para
alterar a decisão do Congresso, suprindo-a pela sua (LIMA, 2014, p. 189).
Bickel, como dito, ao tratar do viés contramajoritário, ainda se destacou
pelas “virtudes passivas”, ao desenvolver sua teoria constitucional. Geralmente
argumentos de cunho processual, o exercício das “virtudes passivas” permite à Corte
postergar sua decisão, evitando o confronto desnecessário com a opinião pública e
56
com os demais Poderes. Pode, ainda, espelhar a consciência do tribunal quanto a
suas próprias limitações (LIMA, 2014, p. 75). Seja por não ter solidificado o seu
entendimento; seja por entender que a controvérsia é de competência dos Poderes
majoritários e não sua; ou por julgar não ser o momento estratégico para a tomada de
decisão, a Corte pode utilizar-se da “arte da prudência”.
O ativismo foi termo cunhado nos Estados Unidos, durante a Corte Warren,
com significado pejorativo, porém não deve necessariamente ser assim entendido, de
maneira negativa. Não raras as vezes, inclusive, é pela inércia dos demais Poderes
que o Judiciário é instado a atuar (NUNES JUNIOR, 2014). Não é, também, destino
final: uma mesma Corte pode assumir períodos de intenso comportamento proativo e,
em época seguinte, conter-se. A história americana do exercício de controle de
constitucionalidade é exemplo dos ciclos que podem vir a passar os tribunais.
2.5 Como decide o Tribunal?
Se o intuito é compreender como atuam os tribunais, deve-se resgatar o
motivo para determinadas decisões, a partir dos fatores que as influenciam (LIMA,
2014). Para a Ciência Política, amparada em estudos empíricos, três abordagens são
tradicionais: a legalista, a estratégica e a atitudinal. “Decisões judiciais são o resultado
entre a composição da Corte, as questões que lhe são submetidas e a posição do
tribunal perante os outros órgãos de governo8” (FRIEDMAN, 2004, p. 149).
O modelo legalista tenta provar que juízes decidem conforme está escrito
na lei. O ato de julgar é atividade puramente técnica e neutra (GOMES NETO, 2015).
As várias regras, princípios, os precedentes e outras estruturas argumentativas seriam
as variáveis importantes e os únicos fatores levados em conta quando magistrados
elaboram suas decisões. Sugere-se, inclusive, a exclusão espontânea, por parte dos
juízes, de quaisquer influências pessoais ou políticas que possam vir a ter durante
este processo (EPSTEIN e WALKER, 2007, p. 37).
Para o modelo atitudinal, todavia, magistrados decidem amparados em
comportamentos e crenças; preferências individuais são trazidas para a análise do
8 Traduzido do original: “Those decisions themselves are a function of the composition of the bench, the issues that come before the Court, and the Court’s position vis-à-vis the other branches of government.”
57
caso que apreciam – a exemplo dos ideais partidários do Presidente da República que
indicou o jurista para o cargo de Ministro do STF ou Justice da Suprema Corte
americana (GOMES NETO, 2012). Os valores que influenciam as decisões podem,
portanto, ser organizados em uma escala ideológica.
Tal modelo (atitudinal), em suma, dá especial destaque ao rompimento com o mito da neutralidade judicial, a partir de evidências de natureza empírica, uma vez que os juízes, embora institucionalmente independentes e formalmente imparciais, sofreriam efeitos sobre seu processo decisório, dentre outros fatores, de suas preferências, de suas ideologias, de seus preconceitos, em suma, de suas atitudes. (GOMES NETO, 2015, p. 53)
O modelo estratégico admite também que os juízes possuam preferências
pessoais e ideológicas, contudo há uma busca sofisticada, indireta por elas: os
magistrados "consideram as potenciais ações dos outros atores e podem modificar
sua conduta em resposta às prováveis reações dos outros” (GOMES NETO, 2015, p.
55-56). Eles são movidos pelas preferências dos demais Poderes e por influência de
instituições internas (v.g., ordem de votação e vinculação a precedentes) e externas
à Corte (EPSTEIN e KNIGHT apud GOMES NETO, 2015, p. 55). Não obstante
possuírem uma inclinação para decidir conforme a lei, magistrados também são
movidos por seus interesses, e percebem que, para alcançar seus objetivos,
dependem de outros atores – da consideração das preferências e expectativas destes
e do contexto institucional em que atuam (EPISTEIN e WALKER, 2007, p. 41). Para
este modelo, os juízes ponderam os custos que irão suportar e respondem, positiva
ou negativamente, às expectativas dos litigantes, da opinião pública, dos interesses
de grupos de pressão e da academia (MURPHY apud GOMES NETO, 2015, p. 59).
Neste sentido, para o caso brasileiro, Gomes Neto (2015) demonstrou ser
o Ministro Presidente do STF estratégico quando decide sobre o deferimento de
pedidos de suspensão de segurança e/ou de liminar. Também Vianna et al (1999)
concluiu que o Tribunal, através de estratégias informais, seleciona ou deixa de julgar
determinados tipos de conflito.
De acordo com Carvalho (2005), o Tribunal brasileiro possui preferências
no trato com os legitimados ativos e quanto a determinados temas. “A estratégia de
julgamento do Supremo Tribunal Federal obedeceu a uma lógica de seletividade e
58
especificidade” (CARVALHO, 2005, p. 148). O Procurador-Geral da República
apresenta-se como o grande parceiro do STF; contudo, a parceria restringe-se a um
campo bem específico, o da administração judicial. A Corte possui uma tendência a
intervir com maior intensidade quando está em jogo legislação que versa sobre
carreiras, remuneração e organização do serviço público no âmbito do Judiciário – ou
seja, “temas típicos de um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).
Se a iniciativa dos intérpretes (ou legitimados ativos) da Constituição, constante na revisão judicial, está induzindo o Supremo Tribunal Federal à assunção de novos papéis [perspectiva sustentada por Vianna et al (1999)], esse novo papel não é de enfrentamento ao poder soberano. (CARVALHO, 2005, p. 143)
Oliveira (2015) constatou que, em temas previdenciários, o Tribunal
costuma negar a pretensão dos segurados e decidir a favor das preferências do INSS.
Nos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, o STF atua como
“mão amiga” do Executivo. Isto devido a uma preocupação do próprio Tribunal: os
Ministros possuem a consciência de que suas decisões podem produzir grande
impacto na economia.
Dos doze temas de repercussão geral analisados, um terço utiliza o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial como justificativa para não interferir na política pública previdenciária estabelecida pelos Poderes Executivo e Legislativo, preocupados com o impacto no orçamento. O que não corrobora com a hipótese levantada de que o STF protegeria direitos dos segurados, por ser um poder contramajoritário. (OLIVEIRA, 2015, p. 104)
Lima et al (2016) argumenta possuir o STF um comportamento estratégico,
utilizando o tempo como aliado para adiar uma decisão que lhe impõe alto e
desnecessário custo político. Parte-se, portanto, da premissa de Bickel sobre o
exercício de virtudes passivas. Posterga-se a deliberação quanto a esses casos até
que as disputas sejam “espontaneamente” resolvidas e se possa encerrar o processo
com base em um argumento formal.
59
2.6 Entendendo as respostas da Corte
O Judiciário é um poder contramajoritário cuja função no jogo político é a
de proteger as minorias (BICKEL, 1962; ELY, 1980), resguardando, por conseguinte,
a democracia e a ordem social da tirania da maioria.
O jogo democrático continua no Judiciário, ao qual fora dada a prerrogativa
constitucional de decidir sobre matérias tradicionalmente de competência dos poderes
majoritários (Executivo e Legislativo). Assim sendo, os juízes podem, inclusive,
exercer verdadeiro constrangimento à realização de políticas públicas. O nome desse
fenômeno que descreve a atitude de levar à Corte demandas é judicialização.
A judicialização é, portanto, uma realidade concebida pelo sistema, no
desenho constitucional brasileiro. Ocorre muitas vezes diante da falha e da inércia do
Executivo e do Legislativo (CASTRO, 1996; NUNES JÚNIOR, 2014). A nível mundial,
tornou-se uma prática comum associar o conceito de democracia ao mecanismo –
muito embora o status de condição necessária não seja verdadeiro (GRIMM, 2011).
Judicialização corresponde, assim, a um fenômeno de entrada, pelo qual
são levadas ao Judiciário matérias outrora decididas exclusivamente pelos poderes
majoritários (BARROSO, 2011). A resposta a esse chamamento poderá ser
considerada como uma postura ativista ou autocontenciosa do Tribunal.
Em termos gerais, o ativismo consiste num modo de interpretar a
Constituição, expandindo seu sentido e alcance. A autocontenção, por sua vez,
corresponde ao comportamento do Judiciário quando escolhe reduzir sua interferência
nos outros Poderes, com deferência às ações e omissões destes (BARROSO, 2011).
Quanto às características exatas, a Teoria Constitucional ainda encontra dificuldade
em descrever o que seria aceitável para o exercício do controle de constitucionalidade.
Bickel ainda se destacou pelas chamadas “virtudes passivas” – práticas da
Corte para evitar o confronto desnecessário com a opinião pública e com os demais
Poderes. São geralmente argumentos de cunho processual e permitem ao Tribunal
postergar sua decisão, estrategicamente. O seu exercício corresponderia à “arte da
prudência” (LIMA, 2014).
Não obstante aos comportamentos de ativismo e autocontenção, os
motivos que levam a Corte a decidir podem ser de três ordens: as abordagens
legalista, estratégica e atitudinal.
60
O modelo legalista tenta provar que juízes decidem conforme está escrito
na lei, unicamente. As várias regras, princípios, os precedentes e outras estruturas
argumentativas seriam as variáveis importantes e os únicos fatores levados em conta
quando magistrados elaboram suas decisões. Sugere-se, inclusive, a exclusão
espontânea, por parte dos juízes, de quaisquer influências pessoais ou políticas que
possam vir a ter durante este processo (EPSTEIN e WALKER, 2007, p. 37).
Para o modelo atitudinal, todavia, magistrados decidem amparados em
comportamentos e crenças. Os valores que influenciam as decisões podem ser
organizados em uma escala ideológica.
O modelo estratégico também admite que os juízes possuam preferências
pessoais e ideológicas, contudo, há uma busca indireta por elas. Não obstante
possuírem uma inclinação para decidir conforme a lei, magistrados também são
movidos por seus interesses e percebem que, para alcançar seus objetivos,
dependem de outros atores (EPISTEIN e WALKER, 2007, p. 41). Para este modelo,
os juízes ponderam os custos que irão suportar e respondem, positiva ou
negativamente, às expectativas dos litigantes, da opinião pública, dos interesses de
grupos de pressão e da academia (MURPHY apud GOMES NETO, 2015, p. 59).
É em meio a toda essa literatura que a presente pesquisa procura analisar
se o Supremo Tribunal Federal é uma Corte ativista ou autocontenciosa em relação
às agremiações. Centra-se nos partidos políticos porque, como exposto, costuma-se
aludir a uma tradicional ligação entre o controle de constitucionalidade e a oposição,
como uma justificativa para a revisão judicial. Nesse sentido, Vianna et al (1999)
alertou para o fato de 70% das ações diretas de inconstitucionalidade terem sido
promovidas por partidos políticos da oposição.
Esta pesquisa busca testar a hipótese quanto aos pequenos partidos
políticos brasileiros: a Corte possui perfil autocontencioso em suas decisões quanto
às demandas submetidas por essa categoria de atores políticos. O teste dessa
hipótese será feito de modo a verificar se ela corresponde às evidências empíricas
constatadas, com o objetivo de concluir sobre o comportamento do Supremo Tribunal
Federal diante das demandas das pequenas agremiações.
61
3. ESTRATÉGIA EMPÍRICA
3.1 Introduzindo o desenho da pesquisa
A fim de saber se o STF é uma arena interessante para o debate dos
pequenos partidos políticos – logo, se cumpre com o seu papel pensado pela
engenharia constitucional –, a presente pesquisa se dispôs a duas análises: a)
identificar o que as agremiações estão propondo; b) verificar se elas estão ganhando
as demandas que submetem ao crivo constitucional, sob a forma de ADINs.
Para tanto, identificou-se, em primeiro lugar, quais seriam os partidos
pequenos que teriam tido representação no Congresso desde a vigência da atual
Constituição até o ano de 2015. Entendeu-se como pequenos os partidos aqueles
que: a) possuíssem até 1% do Senado Federal ou da Câmara de Deputados,
equivalente a um senador ou até cinco deputados federais por agremiação no
momento em que a ADIN foi proposta; e b) tivessem assim se comportado em pelo
menos duas eleições. Esses foram os dois critérios cumulativos elegidos pela
pesquisa – e de autoria dela – para aferir quais seriam os partidos pequenos no
cenário político brasileiro.
A partir de subsídios coletados nos sites do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) e da Câmara dos Deputados, construiu-se um banco de dados sobre quais
seriam os candidatos eleitos em cada ano de eleição. Ademais, a fim de obter maior
segurança sobre a composição das bancadas, buscou-se saber sobre a filiação
partidária durante as legislaturas. Estes últimos dados não foram encontrados, mas
trabalhou-se com informações obtidas no site da Câmara dos Deputados quanto à
composição das bancadas no momento da posse.
Quanto às ações, elas estão disponíveis no site do STF. Foram analisadas
as ADINs propostas por partidos no período de 1988 a 2015.
3.2 Quem seriam os partidos pequenos?
Com as informações disponíveis nos sites do TSE e da Câmara dos
Deputados foi possível perceber quais partidos teriam o número de um senador ou de
até cinco deputados federais eleitos para cada legislatura.
62
Chegou-se ao número de trinta e cinco partidos. Apenas por esse critério,
porém, uma dificuldade permanecia: partidos como o PT e o PSDB constavam da
relação, por terem conseguido eleger apenas um senador no ano de 1990. Logo,
partidos considerados grandes pelo senso comum integravam a amostra, causando
um conflito inclusive para o objetivo deste trabalho (analisar o comportamento do
Supremo diante das pequenas das agremiações, como adiante se verá).
Desse modo, preferiu-se adicionar outro critério para a seleção da amostra
a ser trabalhada: os partidos teriam de se comportar dessa maneira (elegendo apenas
um senador ou até cinco deputados) em pelo menos duas eleições. Os riscos ao corte
epistemológico foram, portanto, anulados. Das trinta e cinco agremiações, tem-se
como pequenas, finalmente, o número de vinte. São elas as da tabela 01.
Tabela 01. Relação de partidos pequenos e o número de eleições que ganhou uma cadeira no Senado ou até cinco na Câmara dos Deputados.
Nº de eleições que ganhou
PCB 1987 2
PCdoB 2011 2007 1987 3
PDT 2007 1991 2
PHS 2014 2011 2007 3
PL 2007 1995 2
PMN 2014 2011 2007 2003 1999 1995 1991 1987 8
PP 2014 2007 2
PPS 2011 2007 2003 1999 1995 5
PRB 2011 2007 2
PRP 2014 2011 1995 3
PRTB 2014 2011 2007 3
PSB 2007 1999 1995 1987 4
PSC 2011 2003 1999 1995 1987 5
PSD 2003 1999 1995 1991 4
PSL 2014 2011 2003 1999 4
PSOL 2014 2011 2007 3
PST 1999 1991 2
PTC 2014 2011 2007 3
PTdoB 2014 2011 2007 3
PV 1999 1995 2
Fonte: elaboração própria.
63
Assim, doravante serão chamados nesta pesquisa de pequenos partidos o
grupo que abrange o PCB, o PCdoB, o PDT, o PHS, o PL, o PMN, o PP, o PPS, o
PRB, o PRP, o PRTB, o PSB, o PSC, o PSD, o PSL, o PSOL, o PST, o PTC, o PTdoB
e o PV. São as vinte pequenas agremiações.
3.3 Metodologia de pesquisa
Quais as reações do Supremo Tribunal Federal quando ele é acionado
pelos partidos políticos de pequenas bancadas?
A fim de responder a essa pergunta de partida, duas análises qualitativas-
quantitativas serão feitas. A primeira delas é desenvolvida por ser pressuposto para o
entendimento da segunda e refere-se ao momento anterior à decisão da Corte:
identificar a pauta das pequenas agremiações na justiça constitucional.
Para tanto, são selecionadas as ações diretas de inconstitucionalidade
propostas pelos pequenos partidos e identificados os temas a que elas aludem. As
petições iniciais encontradas no site do STF são, a esse propósito, essenciais. Cruza-
se o ano em que o partido se encontrava em situação de pequeno e o momento no
qual ele ajuizou a ADIN, a fim de compor o banco de dados. Interessante observar
que as quinze agremiações desprezadas da amostra por não manter o número de um
senador ou até cinco deputados nas bancadas legislativas por mais de uma eleição
não propuseram nenhuma ADIN – com exceção do PT, do PSDB e do PTR.
Os temas encontrados serão categorizados e, em seguida, quantificados
com instrumentos de estatística básica. Posteriormente, o resultado referente aos
pequenos partidos será comparado com aquilo que se observa quanto aos grandes
(representados pelo PT e pelo PMDB).
Portanto, para a primeira análise, foca-se nas petições iniciais das ADINs
propostas pelos partidos pequenos e por partidos grandes. Para representar a estes,
elegeu-se o PT e o PMDB, por serem as maiores bancadas (principal partido de
esquerda e aquele que sempre esteve no governo, respectivamente). Assim, torna-se
possível comparar o perfil dos dois grupos.
Como segunda parte da análise desenvolvida para este problema de
pesquisa, procura-se analisar o momento posterior à decisão – mais precisamente a
64
resposta do STF às demandas dos partidos políticos, ajuizadas em forma de ações
diretas de inconstitucionalidade.
Trabalhar-se-á com as variáveis categóricas “procedente”, “improcedente”,
“liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Com elas, será feita uma análise
qualitativa, de cunho exploratório-descritivo, das decisões das ADINs propostas pelos
pequenos partidos. Os achados também serão posteriormente codificados, recebendo
tratamento de estatística básica.
Para testar a hipótese do presente trabalho de que a Corte brasileira é
ativista, espera-se um maior número quanto à taxa de decisões pela procedência das
ADINs propostas pelos pequenos partidos políticos, quando comparada às demais.
Sendo assim, após ambas as análises, a codificação dos resultados
permitirá descrever o comportamento da Corte em relação aos partidos, a fim de se
saber se o STF é, afinal, ativista ou autocontencioso nas decisões que profere no
âmbito das demandas submetidas por esses atores políticos.
3.4 Hipótese
Com a atual engenharia desenhada para o controle concentrado, tornou-se
comum afirmar a Corte Constitucional como o poder contramajoritário, pois ela
ofereceria às minorias a oportunidade de vencer as maiorias legislativas, equilibrando
a balança política das relevantes decisões. Especificamente quanto às agremiações,
elas estariam autorizadas a demandar o STF independentemente do tamanho que
possuam (pequenas ou grandes), bastando apenas que cumpram o requisito de ter
ao menos um representante no Congresso Nacional no momento de propositura das
ações diretas de controle concentrado.
Acionar o mecanismo de retificação do controle de constitucionalidade
passou a ser uma estratégia política. Sobre esse fato, a título de curiosidade, a) TATE
(1997) argumenta que partidos recorrem à justiça constitucional no intuito de reverter
decisões do Legislativo contrárias aos interesses de seus filiados, de seus eleitores
ou dos respectivos financiadores de campanha; e b) Carvalho et al (2012) e Taylor e
Da Ros (2008) defendem que, ainda que não sejam revertidas as decisões
legislativas, os partidos judicializam com a estratégia para manter o assunto em
evidência e declarar-lhe oposição. A Corte passou a ser importante ator político,
65
podendo ser utilizada como ágora para tornar públicas as agendas dos
representantes, quando não capaz de reverter decisões dos outros Poderes quanto à
realização de políticas públicas.
O problema da presente pesquisa, portanto, é quais as reações do STF
quando acionado pelos pequenos partidos políticos. Objetiva-se analisar se a Corte
cumpre a premissa da engenharia constitucional de ser uma arena interessante para
o debate dos partidos políticos, atuando como instrumento relevante no jogo
democrático, em nome de minorias.
Entende-se o fenômeno da judicialização como aquele correspondente à
atitude de levar ao Tribunal questões para serem por ele apreciadas. Contudo,
também se percebe dois momentos distintos deflagrados por esse fenômeno e que
podem ser estudados: os inputs e os outputs.
A abordagem dos inputs do processo diz respeito ao estudo das razões que
levaram a acontecer a judicialização, bem como os motivos dos atores políticos para
decidir por judicializar. Exemplos são Tate e Vallinder (1997) – responsáveis por
cunhar a expressão –, Pisarello (2001), Zagrebelsky (1999), Vianna et al (1999), Maus
(2000), Taylor e Da Ros (2008), Veronese (2009), Grimm (2011), Carvalho et al (2011;
2016).
Em sentido contrário está a abordagem dos outputs, a qual se preocupa
com a repercussão das decisões judiciais e suas consequências para o mundo político
(para o caso brasileiro, v.g, GOMES NETO, 2015; LIMA et al, 2016). Foca-se aqui na
resposta da Corte às demandas a ela submetidas, podendo traduzir-se em uma
postura ativista ou autocontenciosa (BARROSO, 2011; LIMA, 2014).
Logo, uma coisa é demandar, outra é obter a resposta do Tribunal no
sentido de reverter as decisões das maiorias legislativas. É neste último sentido e
abordagem que se desenvolve a presente pesquisa. Por uma razão de corte
epistemológico, não se cuidará da racionalidade dos atores que acionam o controle
de constitucionalidade, muito embora seja feita no capítulo quatro uma análise
qualitativa-quantitativa dos inputs do fenômeno da judicialização. É bem verdade que
o capítulo quatro tem por objetivo identificar os temas submetidos pelos partidos
políticos ao STF, mas justifica-se o exame dos inputs por ser ele pressuposto para o
66
melhor entendimento dos outputs do processo de judicialização. O trabalho é, desse
modo, voltado para o estudo destes.
Sintetizando a literatura existente, esta pesquisa busca testar a seguinte
hipótese quanto aos pequenos partidos políticos brasileiros: o Supremo Tribunal
Federal possui perfil autocontencioso em suas decisões quanto às demandas
submetidas por essa categoria de atores políticos. O teste dessa hipótese será feito
de modo a verificar se ela corresponde às evidências empíricas constatadas, com o
objetivo de concluir sobre o comportamento da Corte Constitucional diante das
demandas das pequenas agremiações.
67
4. O QUE OS PARTIDOS ESTÃO PROPONDO?
4.1 Quais seriam os temas das ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas
pelos partidos políticos?
Conforme já referido, neste capítulo serão identificados os temas das ações
diretas de inconstitucionalidade, numa breve análise sobre os inputs do processo de
judicialização desencadeado pelos partidos políticos. Identificar-se-ão os temas, pois
os resultados aqui obtidos serão relevantes para a compreensão dos outputs,
examinados no capítulo seguinte.
Antes, reitera-se uma consideração quanto ao banco de dados: foram
analisadas todas as ADINs propostas desde 1988 até 2015 pelos partidos políticos
identificados circunstancialmente como pequenos. Houve, portanto, o cruzamento das
duas informações: ano de ajuizamento da ADIN e ano em que a agremiação possuía
pequena bancada. Sendo assim, o momento de cada partido na composição das
bancadas foi fundamental para que as ações ajuizadas por ele naquele respectivo
período viessem a integrar a presente pesquisa.
O referido banco de dados, desse modo, foi criado a partir das informações
contidas no site do Supremo Tribunal Federal – a plataforma apresenta detalhes das
ações diretas de inconstitucionalidade submetidas ao órgão. Pesquisado o nome do
partido, houve um cruzamento das ADINs encontradas com os subsídios oferecidos
pelos sites do TSE e da Câmara dos Deputados quanto ao número de representantes
de cada partido no Congresso. Assim, as ações foram selecionadas.
Doravante, tratar-se-á da primeira análise. Para executá-la, identificou-se
os temas de cada uma das ações diretas de inconstitucionalidade, de acordo com a
respectiva petição inicial. Em seguida, os assuntos foram categorizados.
No estabelecimento de variáveis categóricas a serem tratadas quanto aos
temas das ADINs discutidas nesta pesquisa, utilizou-se como referencial teórico o
trabalho de Carvalho (2005), o qual, por sua vez, também encontrou em Vianna et al
(1999) uma inspiração para o desenvolvimento de sua análise. Contudo, adverte-se
que, aqui, as nove variáveis propostas por Carvalho sofreram pequenas alterações e
acréscimos, tendo a elas também se juntado outras três categorias, totalizando,
finalmente, doze “variáveis temáticas” (quadro 01).
68
Quadro 01. Variáveis categóricas propostas para os temas das ADINs.
Temas Descrição
Administração Pública Civil
Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público, no âmbito do Executivo e do Legislativo. Também normas quanto à deliberação nas Casas Legislativas
Administração Pública Judicial
Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público, no âmbito do Judiciário (o que, insta salientar, abrange o Ministério Público). Inclui regras quanto à distribuição de processos e competência
Administração Pública Militar Reúne a legislação que versa sobre carreiras, remuneração e organização do serviço público militar
Política Social
Normas que tratam dos sistemas de seguridade social não afetos ao funcionalismo público, bem como a legislação reguladora do acesso a diferentes benefícios sociais;
Política Econômica
Reúne as normas de regulação da economia afetas à política cambial, monetária, salarial e de preços, com exceção das de natureza tributária. Estão contidas nesta categoria as regras concernentes ao programa de privatização, à alienação de ações de empresas públicas e ao sistema de precatórios, bem como a participação da Administração Direta no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e outros recursos minerais no respectivo território, ou compensação financeira por essa exploração
Política Tributária
Reúne as regras que tratam da definição da base de arrecadação e da alíquota dos tributos, também tendo sido classificadas nesta categoria as normas referentes à concessão de incentivos fiscais e à regulação das zonas de tributação especial
Competição Política Abrange dispositivos e diplomas legais relativos às eleições e aos partidos políticos
Disputa entre Poderes
Estão nesta categoria normas que versem sobre a derrubada do veto do Executivo, o plebiscito quanto à forma de governo, bem como algumas Medidas Provisórias que tinham o intuito de impedir a concessão de liminar em ações que versassem sobre determinadas Leis ou outras Medidas Provisórias
Relações Trabalhistas Inclui as normas que regulam o mundo do trabalho, tais como direito do trabalhador, organização sindical e direito de greve
Regulação da Sociedade Civil
Trata-se das regras que ordenam as relações entre particulares, como, por exemplo: regulamentação da cobrança de mensalidades escolares, das corporações profissionais, do meio ambiente e das populações indígenas. Inclui também o tratamento da responsabilidade civil contra a Administração Pública e normas que envolvam restrição de liberdade (cabimento da prisão provisória, ou tendente a instituir pena de morte), inclusive quanto a atos infracionais
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Abarcam o projeto de integração São Francisco, o Sistema Financeiro de Habitação, SEBRAE e a prestação, concessão ou permissão de serviços públicos, tais como educação, saúde, saneamento, energia, telecomunicações
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
Ações nas quais se discute o preâmbulo constitucional, a intervenção do Estado na propriedade, a intervenção em Municípios e a criação, o desmembramento e os limites destes
Fonte: elaboração própria, a partir de Carvalho (2005).
69
Como alterações promovidas pela presente pesquisa, foram criadas e
unidas às categorias originais de Carvalho (2005) as categorias “outras políticas e
prestação de serviço público”, “disputa entre poderes” e “outras questões
administrativas e constitucionais”. Quanto às variáveis já existentes no trabalho do
cientista político, acrescentou-se à “administração pública judicial” as regras de
distribuição de processos e de competência. Da mesma forma, foram incluídas: a) em
“política econômica”, as normas quanto à alienação de ações de empresas públicas e
ao sistema de precatórios, bem como a participação da Administração Direta no
resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétrica e outros recursos minerais no respectivo território, ou
compensação financeira por essa exploração; e b) em “Regulação da Sociedade
Civil”, o tratamento da responsabilidade civil contra a Administração Pública e normas
que envolvam restrição de liberdade (cabimento da prisão provisória, ou tendente a
instituir pena de morte), inclusive quanto a atos infracionais.
É importante destacar que algumas ADINs ajuizadas pelas pequenas
agremiações assumiram mais de uma categoria. Mais precisamente, onze delas
demonstraram tal comportamento.
Pela tabela 02, das 291 ADINs propostas pelos vinte partidos de pequenas
bancadas, oitenta e nove delas corresponderam a questões de administração pública
civil (pouco mais de 30,5% do total). Nesse sentido, o funcionalismo público no âmbito
do Legislativo e do Executivo, juntamente com as normas referentes à deliberação
nas Casas Legislativas, apresentou altos índices no tocante ao quantitativo que
avaliou as ações diretas de inconstitucionalidade propostas por pequenos partidos.
Em seguida, os temas de administração pública judicial (servidores públicos no âmbito
do Judiciário e regras quanto à distribuição de processos e competência) e de
competição política foram os mais recorrentes, nessa ordem, responsáveis por
17,52% e 12,71% das ações ajuizadas.
Tabela 02. ADINs dos partidos pequenos por legislatura.
1988-1990
1991-1994
1995-1998
1999-2002
2003-2006
2007-2010
2011-2014 2015 Total
Administração Pública Civil 7 4 8 47 2 10 9 2
89 (30,58%)
Administração Pública Judicial 2 0 4 28 8 5 4 0
51 (17,52%)
70
Administração Pública Militar 1 0 1 5 0 1 2 0
10 (3,43%)
Política Social 0 0 2 2 2 0 0 1 7 (2,4%)
Política Econômica 1 9 6 6 0 3 1 0 26
(8,93%)
Política Tributária 0 3 4 12 0 5 4 0 28
(9,62%)
Competição Política 3 2 7 3 4 10 6 2 37
(12,71%)
Disputa entre Poderes 2 0 1 0 0 0 0 0 3
(1,03%)
Relações Trabalhistas 2 0 1 2 0 1 0 0 6
(2,06%)
Regulação da Sociedade Civil 3 3 3 5 2 5 5 2
28 (9,62%)
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 0 0 3 1 1 8 5 0
18 (6,18%)
Outras Questões Administrativas e Constitucionais 0 0 1 5 0 0 1 0 7 (2,4%)
Fonte: elaboração própria.
A realidade encontrada quando apenas se cogita os partidos políticos
difere-se daquela apresentada por Carvalho (2005): os assuntos de administração
judicial cedem seu lugar de destaque aos temas de administração pública civil. Isto,
porém, era de se esperar, vez que a pesquisa de Carvalho leva em apreço atores
jurídicos aqui não considerados. Desta forma, está explicado por que na presente
pesquisa o número de ações quanto à administração judicial – o qual, diga-se, já
representa um quantitativo bastante graúdo quanto aos pequenos partidos políticos –
não supera os assuntos de administração pública civil: o Procurador–Geral da
República, o Conselho Federal da OAB e as Associações da Burocracia Judicial
podem fazer diferença na análise geral daquilo submetido à Corte. Os partidos, por
sua vez, sendo atores políticos, mais demandaram o STF para apreciar normas sobre
carreiras, remuneração e organização do serviço público no âmbito do Executivo e do
Legislativo, além do modo de deliberação nas Casas. Não obstante, insta frisar, ainda
assim as pequenas agremiações apresentaram um alto índice de “matérias típicas de
um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).
Importante ressaltar que vinte e seis das ADINs sobre administração
pública civil disseram respeito a uma inconstitucionalidade por omissão aplicável a
todos os Governadores, correspondente ao dever de desencadear o processo de
elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores estaduais.
71
Por esse motivo, vinte e seis ações foram ajuizadas, uma a uma, contendo intimações
a Governadores diferentes, de cada Estado da República Federativa do Brasil.
Gráfico 01. ADINs dos partidos pequenos.
Fonte: elaboração própria.
O gráfico 01 evidencia o exposto ainda há pouco: numa posição não muito
atrás que a do funcionalismo público, e igualmente merecedores de destaque, estão
os assuntos de competição política. Normas relativas às eleições e aos partidos foram
a terceira categoria mais impugnada pelas pequenas agremiações, representando um
total de trinta e sete (12,71%) no universo das 291 ADINs.
“Regulação da sociedade civil” e “política tributária” estiveram empatadas
no quinto lugar das categorias mais abordadas, logo seguidas pela “política
econômica”. As três obtiveram números muito semelhantes (vinte e oito e vinte e seis
ações); logo, o mesmo percentual, 9,62%. Juntas, compõem o grupo de posição
intermediária quanto ao que demandam partidos pequenos na justiça constitucional.
O gráfico 01 ainda aponta para uma significativa arguição de
inconstitucionalidade de normas referentes a outras políticas e prestação de serviços
públicos. No entanto, cabe salientar que as regras quanto à intervenção do Estado na
propriedade e à criação, ao desmembramento e aos limites de municípios não são
muito discutidas, assumindo a categoria de “outras questões administrativas e
constitucionais” o quantitativo de apenas sete ADINs (2,4%). O PSL, então partido
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
72
pequeno, no ano de 1999, tentou obter a declaração de invalidade do preâmbulo da
Constituição do Acre e esta ADIN fora incluída na categoria “outras questões
administrativas e constitucionais”.
Com os números de sete e seis (2,4% e 2,06%), respectivamente, são
poucas as ações enquadradas como “relações trabalhistas” e “política social”. Desse
modo, pelos gráficos e tabelas acima, é possível constatar que os pequenos partidos
mais ajuízam temas ligados ao funcionalismo público.
A situação muda um pouco quando se analisa um partido grande.
Gráfico 02. ADINs do PMDB.
Fonte: elaboração própria.
Primeiramente, cabe registrar que o PMDB também possui ações que
assumem mais de uma categoria. Neste sentido, duas são as ADINs “mistas”.
Em meio a trinta e oito ações diretas de inconstitucionalidade (gráfico 02),
assuntos de administração pública civil continuam sendo os mais submetidos à Corte
– representam 31,5% do total. Contudo, o segundo lugar encontra-se empatado:
disputam pelo posto as normas atinentes à competição política, à administração
judicial e à regulação da sociedade civil.
No arranjo intermediário, estão as categorias ”política econômica” (7,8%),
“política tributária” (5,2%) e “outras questões administrativas e constitucionais”
0 5 10 15
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
73
(também 5,2%). A intervenção em Municípios fora matéria unicamente discutida por
partido grande (PMDB), não cogitada pelas pequenas agremiações.
Por fim, de 1988 a 2015 nenhuma ADIN fora ajuizada pelo PMDB quanto a
relações trabalhistas, à disputa entre poderes ou a outras políticas e prestação de
serviços públicos. A ausência de ações sobre esta última categoria era de se esperar,
visto que este partido sempre se manteve no governo.
Veja-se o perfil do PT, o grande nome da oposição durante metade da vida
democrática desta ordem constitucional (gráfico 03). Foram duzentas e vinte e uma
ações propostas.
Gráfico 03. ADINs do PT.
Fonte: elaboração própria.
Com duzentas e vinte e uma ADINs ajuizadas até o fim do ano de 2015, o
Partido dos Trabalhadores constitui o partido que mais demandou na justiça
constitucional. Não por acaso, Vianna et al (1999) constataram mais de 70% das
ações diretas de inconstitucionalidade terem sido propostas pela oposição (entenda-
se, PT, em virtude do ano no qual a obra foi publicada).
Das duzentas e vinte e uma ações ajuizadas pelo PT, vinte e uma delas
assumem mais de uma categoria temática proposta por esta pesquisa.
0 10 20 30 40 50 60 70
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
74
Administração pública civil continua a ser o assunto mais recorrente,
representando um pouco mais de 30% daquilo submetido à Corte. Todavia, cresce de
modo exponencial o debate quanto às regras de política econômica, o que faz a
categoria ocupar, de forma inédita nesta pesquisa, a segunda colocação entre os
temas propostos. Nem os pequenos partidos nem o PMDB demonstraram tamanha
preocupação com essa área.
Como é possível constatar do gráfico 03, o PT discute muito mais política
econômica e outras políticas e prestação de serviços públicos do que matérias de
administração judicial, assumindo postura diversa dos outros partidos analisados.
Portanto, o PT mais ajuíza normas relativas à administração pública civil
(pouco mais de 30%) e à política econômica (20%). Como categorias intermediárias,
tem-se “outras políticas e prestação de serviços públicos”, “regulação da sociedade
civil” e “administração judicial”, nessa ordem, com estas duas últimas empatadas na
quantidade de ações – vinte e duas ADINs (tabela 04), ou 9,9% do total.
Posteriormente, discute-se sobre política tributária (5,4%) e, com um pouco
menos de intensidade, relações trabalhistas e administração pública militar (ambas
com 4,5%). “Competição política” e “outras questões administrativas e constitucionais”
possuem menos de 3,1% e 2,7% do total proposto pelo PT.
Gráfico 04. ADINs PT e PMDB em contraste.
Fonte: elaboração própria.
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
PT PMDB
75
Quando comparados os dois grandes partidos eleitos para a presente
pesquisa (PMDB e PT), observa-se, portanto, assuntos referentes à administração
pública civil continuam sendo os mais propostos ao Tribunal.
O gráfico 04 mostra ainda que, entre os grandes partidos aqui analisados,
há uma diferença entre os segundos lugares e uma dessemelhança ainda maior
quanto às categorias de posição intermediária. Contudo, regras quanto à
administração pública militar e outras questões administrativas e constitucionais
continuam a ser, em ambos, pouco cogitadas para o debate constitucional.
Quando analisados não apenas os partidos grandes como os pequenos
(tabela 03), não só as normas quanto à administração pública civil se mantêm como
o assunto mais recorrente, com mais de 30%, como também “disputa entre poderes”
constitui a categoria menos expressiva, discutida somente pelas pequenas
agremiações e por apenas três vezes (1,03%). Conclui-se, por conseguinte, o norte
da preocupação das agremiações: os partidos (grandes ou pequenos) mais estiveram
centrados no debate quanto à organização, deliberação e o funcionalismo público no
âmbito do Executivo e do Legislativo – suas arenas de origem –, e (PMDB e pequenos)
quanto às regras reguladoras dos próprios partidos e eleições. Contendas por ventura
existentes entre os Poderes, ou entre as “arenas majoritárias” e o Judiciário, não foram
objeto de grande apreensão.
Tabela 03. ADINs PT, PMDB e partidos pequenos em contraste.
PT PMDB Partidos Pequenos
Administração Pública Civil 30,63% 33,33% 30,58%
Administração Pública Judicial 9,9% 15,38% 17,52%
Administração Pública Militar 4,5% 2,5% 3,4%
Política Social 7,65% 2,5% 2,4%
Política Econômica 20,27 7,69% 8,93%
Política Tributária 5,4% 5,12% 9,62%
Competição Política 3,1% 15,38% 12,71%
Disputa entre Poderes 0 0 1,03%
Relações Trabalhistas 4,5% 0 2,06%
Regulação da Sociedade Civil 9,9% 15,38% 9,62%
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 10,8% 0 6,18%
Outras Questões Administrativas e Constitucionais 2,7% 5,12% 2,4%
Fonte: elaboração própria.
76
A tabela 03 mostra também uma grande atenção por parte dos partidos
pequenos e do PMDB quanto a tópicos de administração judicial. Por motivos que não
cabem aqui, mas certamente são curiosos, há um desejo em se acionar o controle de
“matérias típicas de um Conselho de Justiça Nacional” (CARVALHO, 2005, p. 143).
Reitera-se que a análise ora descrita, acerca os inputs do processo de judicialização,
não possui o intuito de tratar sobre a racionalidade dos que submetem demandas à
Corte; o exame é feito a fim de melhor se compreender os outputs. Quanto às razões
para esta preferência, não se afasta a possibilidade de em um momento próximo vir a
desenvolver uma nova pesquisa para o seu exame.
A fim de tentar destrinchar ainda mais o comportamento dos partidos
pequenos, eles foram separados em grupos ideológicos: esquerda, centro-esquerda,
centro, centro-direita e direita (tabela 04). Em seguida, os dados foram novamente
rodados, no intuito de conhecer o quantitativo de cada grupo por categoria de ADINs
ajuizadas pelas pequenas agremiações.
Recorreu-se à literatura e preferiu-se utilizar como parâmetro principal para
aferir a posição ideológica de cada partido o trabalho de Tarouco e Madeira (2015).
Durante encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) ocorrido em
2010, eles realizaram survey com participantes (coordenadores, debatedores,
ouvintes, autores e coautores) das áreas temáticas de eleições e representação
política e de instituições. Após a análise quantitativa, puderam formular uma escala
ideológica, trabalhando quantitativamente os dados coletados.
Tarouco e Madeira conseguiram aferir a ideologia de um grande número
de partidos a partir desse survey, em uma das mais completas pesquisas. Apenas
quatro das vinte agremiações aqui consideradas como pequenas não foram
contempladas no survey de 2010 do encontro da ABCP. Não obstante, o mesmo
trabalho de Tarouco e Madeira fornece informações quanto ao caráter ideológico do
PL, do PSD, do PSOL e do PST: faz referência a outras pesquisas (MAINWARING et
al, 2000; COPPEDGE, 1997; POWER e ZUCCO, 2011), as quais os contemplaram.
Portanto, como critérios secundários, recorreu-se aos trabalhos de
Mainwaring et al (2000), Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011). Pelo primeiro, os
dados foram obtidos através de votações no Congresso e de survey com
parlamentares; pelo segundo, os dados foram fruto de compilação de avaliações de
outros analistas; o terceiro coletou os dados a partir de entrevistas com parlamentares.
77
Tabela 04. Classificação ideológica dos partidos pequenos.
TAROUCO e MADEIRA (2015)9
MAINWARING et al (2000)10)
COPPEDGE (1997)11
POWER e ZUCCO (2011)12 Resultado
PCB 1,5 Esquerda
PCdoB 2,3 Esquerda
PDT 3,3 Esquerda
PHS 4,5 Centro
PL – D SR – Direita
PMN 4,4 Centro-esquerda
PP 6 Direita
PPS 4 Centro-esquerda
PRB 5,1 Centro-direita
PRP 5,4 Centro-direita
PRTB 5,3 Centro-direita
PSB 3 Esquerda
PSC 5,2 Centro-direita
PSD – D SR – Direita
PSL 5,2 Centro-direita
PSOL – – – 1,6 Esquerda
PST – CD SCR – Centro-direita
PTC 5,1 Centro-direita
PTdoB 4,7 Centro-direita
PV 3,5 Centro-esquerda
Fonte: elaboração própria, a partir de Tarouco e Madeira (2015), Mainwaring et al (2000), Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011).
Deste modo, a partir de Tarouco e Madeira (2015), Mainwaring et al (2000),
Coppedge (1997) e Power e Zucco (2011, a ideologia das agremiações entendidas
como pequenas nesta pesquisa pode ser aferida. Por conseguinte, observou-se o
comportamento dos partidos de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e
direita quando da propositura das ações diretas de inconstitucionalidade, e a
9 Survey realizado com cientistas políticos durante encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) ocorrido em 2010. Legenda: média calculada em escala de 1 (extrema esquerda) a 7 (extrema direita) 10 Dados obtidos através de votações no Congresso e de survey com parlamentares. Legenda: C = Centro; D = Direita; CD = Centro-direita. 11 Fruto de compilação de avaliações de outros analistas. Legenda: XC = Partidos cristãos de centro; SR = Partidos seculares de direita; SCR = Partidos seculares de centro-direita; SC = Partidos seculares de centro; SCL = Partidos seculares de centro-esquerda; SL = Partidos seculares de esquerda; P = Partidos personalistas; O = Outros; U = Desconhecido. 12 Dados coletados de entrevistas com parlamentares. Legenda: média calculada a partir dos dados disponibilizados. Escala de 1 (esquerda) a 10 (direita).
78
consequente demanda do mecanismo de retificação constitucional, logo, do controle
de constitucionalidade. O resultado encontra-se descrito na tabela 05.
Tabela 05. Contraste das ADINs dos pequenos partidos, agrupados segundo sua ideologia.
Esquerda Centro-
esquerda Centro Centro-direita Direita
Administração Pública Civil 27 15 0 42 4
Administração Pública Judicial 8 3 2 36 2
Administração Pública Militar 5 1 0 4 0
Política Social 6 2 0 0 0
Política Econômica 15 8 0 2 1
Política Tributária 10 4 1 9 4
Competição Política 10 8 4 13 5
Disputa entre Poderes 2 0 0 0 1
Relações Trabalhistas 6 0 0 0 0
Regulação da Sociedade Civil 7 12 0 7 2
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 6 7 1 3 1
Outras Questões Administrativas e Constitucionais 3 1 0 3 0
Fonte: elaboração própria.
Como a tabela 05 torna possível perceber, as agremiações de esquerda
(incluído o PT) mais ajuizaram assuntos ligados à administração pública civil e, em
seguida, à política econômica. Da mesma maneira, foram eles os que mais discutiram
sobre administração pública militar. Os de centro-esquerda, por sua vez, muito se
voltaram também à regulação da sociedade civil e a regras sobre eleições e aos
partidos políticos (“competição política”).
O PHS, único dentre os analisados com posição ideológica partidária de
centro, mais submeteu ao Tribunal questões de competição política.
Pela tabela 05, as categorias “administração pública civil” e “administração
judicial” foram disparadamente as mais debatidas pelos partidos de centro-direita. Em
terceiro lugar, agremiações com essa ideologia trouxeram a “competição política” para
a Corte. Não estiveram, porém, tão preocupadas com política social e relações
trabalhistas.
A direita foi quem menos interpelou a justiça constitucional. Para ela, quase
empatadas estiveram as normas de administração pública civil e judicial, de regulação
79
da sociedade civil e de competição política; contudo, delas, esta (regras quanto às
eleições e aos partidos) foi a responsável por obter o maior número.
Voltando à tabela 02, é possível concluir que a legislatura em que mais os
partidos ajuizaram ADINs foi aquela correspondente ao quadriênio 1999-2002
(segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso). Esses dados confirmam Vianna
et al (2007), que à mesma conclusão chegou quanto às ações que analisou. Sendo
assim, a fim de verificar o desempenho dos pequenos partidos durante aquele
quadriênio, foram eles separados de acordo com sua ideologia e quantificadas as
ações que apresentaram durante o período (gráfico 05).
Gráfico 05. ADINs dos pequenos partidos propostas no período 1999-2002.
Fonte: elaboração própria.
Quanto a esse quadriênio (gráfico 05), algumas observações.
Primeiramente, é preciso lembrar que vinte e seis ações foram propostas
contra uma omissão dos chefes dos Executivos estaduais, por não terem
desencadeado o processo para elaborar lei anual de revisão geral da remuneração
dos seus servidores. Ocorre que essas mesmas vinte e seis ações foram ajuizadas,
todas elas, pelo PSL, dentro desse quadriênio de 1999-2002. O PSL, segundo definido
em Tarouco e Madeira (2015) é partido de centro-direita. Assim sendo, vinte e seis
das ADINs propostas por partidos de centro-direita corresponderam a esse particular.
Pelo gráfico 05, percebe-se que, durante o período de 1999 a 2002, houve
uma intensa procura pela justiça constitucional por parte do PSL (centro-direita) e do
75
61
24
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Centro-direita Centro-esquerda Direita Esquerda
80
PSB (esquerda), mas as ações daquele superam as deste. O PSL foi responsável por
68 ADINs ajuizadas. É, portanto, indício de um ponto fora da curva da clássica teoria
(VIANNA et al, 1999) sobre ser a oposição quem mais demanda a Corte. Não há
registros de sua coligação durante esse período, a fim de demonstrar se assumia outra
postura que não a de centro-direita; contudo, fora criado em 1998 e, talvez, o fato de
ter recorrido tanto ao STF encontre melhor explicação pelo trabalho que quis mostrar.
Ocorre que o exercício de demandar o Judiciário fora intensificado nos primeiros anos
subsequentes à sua criação, para logo depois haver um declínio. Os patamares
atingidos durante o período 1999-2002 ainda não foram novamente alcançados – a
bem dizer, estiveram longe disso. Observe-se o gráfico 06.
Gráfico 06. ADINs ajuizadas pelo PSL ao longo dos anos.
Fonte: elaboração própria.
A título de curiosidade, portanto, a razão cogitada aqui para a grande
demanda do PSL concentrada no período 1999-2002 parece encontrar amparo em
Carvalho et al (2012; 2016): partidos políticos recorrem ao STF para reverter as
decisões do Legislativo contrárias aos interesses de seus filiados, de seus eleitores
ou dos respectivos financiadores de campanha (TATE, 1997), mas não tão somente;
ainda que não sejam revertidas as decisões legislativas, judicializam como estratégia
para manter o assunto em evidência e declarar-lhe oposição (CARVALHO et al, 2012).
Sendo assim, as ações ajuizadas entre 1999-2002 tiveram em sua maioria
requerentes de posição partidária ideológica de centro-direita, em grande parte devido
à atuação do PSL – partido este que propôs 68 das 75 ADINs das agremiações de
centro-direita, o equivalente a pouco mais de 90% desse total.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
81
4.2 Considerações sobre os temas encontrados
Trabalhou-se com variáveis categóricas, a fim de qualificar e quantificar os
temas encontrados nas petições iniciais das ações diretas de inconstitucionalidade,
propostas pelos pequenos partidos e pelo PT e PMDB.
Quando comparados os três grupos, algumas conclusões podem ser feitas:
a) as regras referentes à administração pública civil foram, igualmente nos três grupos,
as mais submetidas à Corte; b) empatados como os segundos temas mais discutidos
para o PMBD e para os pequenos partidos estão as categorias de “administração
judicial” e “competição política”; c) o PMDB apresenta, ainda, como segundo tema
mais discutido a categoria de “regulação da sociedade civil”; d) o PT, diferentemente
do PMDB e das pequenas agremiações, apresentou como segundo assunto mais
recorrente as regras sobre “política econômica”, e, em terceiro lugar, a categoria de
“outras políticas e prestação de serviços públicos”.
Há, portanto, algumas diferenças nas preferências pelos temas. Contudo,
a julgar pelos mais recorrentes – em especial, para os pequenos partidos, que
correspondem ao grupo de foco desta pesquisa –, eles estão a submeter ao Tribunal
mais ações com temas ligados ao serviço público, seja em relação ao Legislativo e ao
Executivo (administração pública civil), seja referente ao Judiciário (administração
pública judicial). Quando não discutem sobre esses assuntos, judicializam sobre
“competição política”, debatendo regras quanto aos partidos e às eleições.
Tanto os pequenos partidos de esquerda e de centro-esquerda quanto os
pequenos de direita e de centro direita demandaram a justiça constitucional para
impugnar preferencialmente regras de administração pública civil. Portanto,
independentemente do caráter ideológico, o funcionalismo público e a organização a
âmbito do Executivo e do Legislativo constituem os temas mais judicializados pelas
pequenas – e pelas grandes – agremiações.
A bem dizer, conforme demonstrou a tabela 05, o perfil dos pequenos
partidos de esquerda está em consonância com o do grande partido de esquerda (PT),
e os pequenos partidos de centro-direita postulam muito semelhantemente ao PMDB.
E o assunto mais submetido à Corte corresponde ao funcionalismo público e
organização no âmbito do Executivo e do Legislativo.
82
Nesse sentido, infere-se existir a presença de um interesse corporativo de
servidores públicos circundando todas as agremiações. Igualmente, pela forma como
se apresenta a grande judicialização dessas questões, pode-se inferir que o apoio
dessas categorias sociais é essencial para qualquer tipo de partido, não importando a
sua posição ideológica tampouco o seu tamanho.
83
5 COMO O STF RESPONDE?
5.1 Quais os outputs do processo de judicialização?
Para analisar os resultados das ações propostas pelos partidos políticos,
foram escolhidas quatro variáveis: “procedente”, “improcedente”, “liminar concedida”
e “aguardando julgamento”. Sobre elas, a quadro 02 a seguir:
Quadro 02. Variáveis categóricas de julgamento das ações.
Variáveis categóricas Descrição
Liminar concedida Compreende as ações que, embora ainda não tenham tido seu pedido final apreciado, já obtiveram do Tribunal liminar concedida
Procedente Estão inclusas as ações nas quais a arguição de inconstitucionalidade fora considerada procedente ou procedente em parte
Improcedente Abrange as decisões pela improcedência, pela prejudicialidade ou pelo não conhecimento do pedido final da ADIN
Aguardando julgamento São as ADINs que, não possuindo pedido de liminar ou não tendo esta sido deferida pela Corte, ainda não foram julgadas quanto ao pedido final
Fonte: elaboração própria.
Estando desse modo compreendidas as variáveis a serem consideradas
quanto ao julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, rodou-se o banco
de dados referente aos pequenos partidos e o resultado que ilustra o desempenho do
Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à amostra – selecionada entre o período de
1988 a 2015 – pode ser observado segundo o gráfico 07.
Gráfico 07. Resultados das ações ajuizadas pelos partidos pequenos.
Fonte: elaboração própria.
65 (22%)
170 (58%)
46 (16%)
10 (4%)
Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida
84
5.2 “Liminar concedida” e “procedente”
Uma decisão liminar é aquela de caráter provisório e de urgência. É
pensada para ser precária porque tomada rapidamente, com conhecimento superficial
das questões envolvidas no processo; porém, é igualmente proferida para, em regra,
evitar que a demora na prestação jurisdicional ocasione perecimento de direitos. As
liminares deveriam ser, portanto, instrumentos processuais voltados a assegurar a
efetividade do sistema judicial, podendo ser confirmadas ou não no julgamento de
mérito (FALCÃO et al, 2014).
Em meio à literatura do direito constitucional, o trabalho que resultou no III
Relatório Supremo em Números oferece dados preocupantes quanto às liminares em
sede de controle concentrado. Apresentou-se como a realidade das ADINs o tempo
médio superior a cinco anos para o julgamento final e, sobretudo, a existência de um
número significativo de casos em que, mesmo depois de mais de uma década de
vigência de liminar, ainda não havia sido proferida decisão definitiva (FALCÃO et al,
2014, p. 29-51). Essas liminares, apontaram os autores, ofereceriam grandes riscos à
segurança jurídica, pois perderiam o caráter precário que deveriam ter, passando a
substituir as decisões de mérito.
Contudo, em estudo sobre a concessão de liminares pelo Supremo Tribunal
Federal nas mesmas ações diretas de inconstitucionalidade, Taylor (2008) verificou
que alguns requerentes possuíam maiores chances de obter decisões favoráveis que
outros – isto é, conseguir a invalidação dos atos normativos impugnados –, havendo
uma grande variação de taxa de sucesso entre os atores que propuseram as ADINs.
A esse propósito, também Carvalho et al (2011) apresenta hipótese de que o sucesso
mais depende de quem demanda a Corte, do que propriamente o tema da ação.
É, portanto, a partir desse contexto da literatura que se desenvolve a
análise quanto às liminares concedidas às ADINs dos partidos políticos.
Não obstante os dados exibidos pelo III Relatório Supremo em Números, o
gráfico 07 demonstra serem poucas as liminares concedidas quanto aos pequenos
partidos, as quais contabilizaram o inexpressivo número de dez ações –
aproximadamente 4% do total.
Como descreve a tabela 06, o partido que mais obteve liminar concedida,
no sentido analisado na quadro 02, correspondeu ao PSB. Cinco das dez ações dessa
85
categoria foram propostas por essa agremiação – um partido de esquerda, durante a
presidência de Fernando Henrique Cardoso. As outras ADINs estão divididas por
terem sido ajuizadas por partidos de centro-direita (PST, PSL) e de centro-esquerda
(PV, PPS) e, também, de esquerda (PDT), em momentos diferentes.
Tabela 06. Detalhes das ADINs dos pequenos partidos que tiveram liminar concedida.
Partido Nº ADIN Tema Resultado
Data de Entrada da ADIN no Tribunal
Data de Julgamento
Tipo de Decisão
PSB ADIN/1666
Administração Pública Civil
Liminar concedida 03/09/1997 16/06/1999 Plenário
PSB ADIN/1668
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Liminar deferida em parte 03/09/1997 20/08/1998 Plenário
PV ADIN/2083
Regulação da Sociedade Civil
Liminar deferida em parte 08/10/1999 03/08/2000 Plenário
PSB ADIN/2139
Relações Trabalhistas
Liminar deferida em parte 04/02/2000 13/05/2009 Plenário
PST ADIN/2175
Administração Pública Judicial
Liminar deferida em parte 20/03/2000 22/03/2000 Plenário
PSB ADIN/2238
Política Econômica
Liminar deferida em parte 04/07/2000 09/08/2007 Plenário
PSL ADIN/2534
Administração Pública Judicial
Liminar concedida 26/09/2001 15/08/2002 Plenário
PSB ADIN/2661
Política Econômica
Liminar concedida 31/05/2002 05/06/2002 Plenário
PDT ADIN/4451
Competição Política
Liminar deferida em parte 04/08/2010 02/09/2010 Plenário
PPS ADIN/5108
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Liminar concedida 01/04/2014 20/04/2016 Monocrática
Fonte: elaboração própria.
Ainda quanto ao caráter ideológico dos partidos e o momento em que
propuseram a ação, um dado interessante a explicar: O PDT, inicialmente
contrariando as expectativas teóricas, recorre à justiça constitucional durante o
segundo mandato de Lula. O partido é de esquerda e procura a justiça constitucional
quando todo o cenário político parece lhe ser favorável. Porém, se bem investigado,
constata-se que o faz para discutir sobre competição política em prol de Dilma
Rousseff – mais precisamente, sobre regras de campanha política. O PDT integrou a
86
coligação que viria a eleger Dilma como Presidente da República pela primeira vez e
demandou na Corte constitucional em prol da candidata.
Tal como o PDT, o PST e o PSL também levaram à Corte questões quando
o cenário lhes parecia favorável: partidos de centro-direita demandando durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso. As regras impugnadas, contudo, disseram
respeito a normas de administração pública judicial, mais precisamente quanto à
composição dos tribunais do trabalho e às prerrogativas e vedações dos membros do
Ministério Público.
Quando analisados isoladamente os assuntos que predominaram na
categoria de “liminar concedida” (tabela 06), não há, ao menos até o fim da presente
pesquisa, um padrão certo: os temas são variados e possuem quantitativos muito
próximos. São eles: duas ADINs sobre política econômica, duas sobre outras políticas
e prestação de serviços públicos e outras duas ações sobre administração pública
judicial; uma ação sobre relações trabalhistas, uma sobre competição política, uma
sobre regulação da sociedade civil e outra ADIN sobre administração pública civil.
Porém, pela tabela 06, é possível afirmar que a maioria desse pequeno
número de ações teve suas liminares concedidas há muito tempo. Das dez, oito delas
já contabilizam mais de uma década de liminar concedida, porém ainda com o mérito
aguardando julgamento – funcionando, logo, como verdadeiras regulamentadoras dos
litígios constitucionais, ou como as já mencionadas decisões liminares substitutivas
das de mérito. Quanto às liminares, portanto, a maioria apresenta esse caráter
substitutivo.
É preciso, porém, lembrar que as liminares constituem uma categoria
pouco expressiva quando comparadas às outras possíveis respostas do STF. Assim
sendo, muito embora o relatório desenvolvido por Falcão et al (2014) já tivesse
advertido quanto à insegurança jurídica provocada no controle concentrado por essas
liminares que duram muito tempo– podem tornar prejudicada ou até mesmo inútil a
decisão final de mérito – esse não parece ser um problema no caso dos pequenos
partidos. Como se observou, o número delas na amostra desta pesquisa é irrisório
(dez em um universo de 291 ADINs). Demonstra-se, por conseguinte, que conceder
liminares não é o perfil nem a preferência da Corte no que se refere aos partidos
políticos pequenos. As decisões de liminar concedida não constituem a regra do
comportamento do STF para as pequenas agremiações.
87
Em geral, o índice de sucesso do Tribunal é baixo quanto aos partidos
pequenos. Não apenas o número de liminares concedidas é inexpressivo
(aproximadamente 4% do total), como também é baixo o quantitativo das julgadas
procedentes. Das 291 ações por eles propostas, apenas em quarenta e seis delas
(aproximadamente 16%) está declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato
normativo e, por conseguinte, sua invalidade.
Quanto às ADINs julgadas procedentes, uma importante observação. Cabe
lembrar das ações da categoria “administração pública civil” e que vinte e seis delas
disseram respeito a uma inconstitucionalidade por omissão aplicável a todos os
Governadores – resultando em vinte e seis ações diferentes, propostas pelo PSL, mas
com o mesmo objeto. Ocorre que praticamente todas foram julgadas procedentes e
apenas duas perderam o objeto, por ter sido a omissão suprida enquanto durava o
processo. Esse caso específico resultou em uma reflexa alta no quantitativo da
variável “procedente”: das quarenta e seis ações, vinte e uma equivalem à referida
omissão do dever dos Governadores.
Portanto, os assuntos relativos à categoria “administração pública civil”
correspondem à maior parte da taxa de procedência das ADINs propostas ao Tribunal.
É o que se pode constatar também do gráfico 08.
Gráfico 08. Relação das ADINs dos pequenos partidos julgadas procedentes de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas.
Fonte: elaboração própria.
27
4
1
0
0
2
8
0
1
1
2
1
89
51
10
7
26
28
37
3
6
28
18
7
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
Todas as ADINs Apenas as procedentes
88
Do gráfico 08 também é possível perceber que a segunda maior taxa de
procedência das ações diretas de inconstitucionalidade cabe às regras de competição
política. Regras sobre partidos e eleições conseguem superar a categoria de
“administração pública judicial” que, embora muito discutida, não consegue obter
grande sucesso quanto ao resultado (os outputs do processo). Mas não apenas:
cinquenta e uma ações são ajuizadas como “administração pública judicial” e apenas
quatro delas são julgadas procedentes, dando a este tema, inclusive, um dos piores
números em índices de proporção entre quantidade de demanda versus procedência
(ver as relações apontadas no gráfico 08).
Porém, a pior das piores taxas de sucesso em comparação com o número
de vezes em que foi ajuizada pertence à categoria “regulação da sociedade civil”. Isso
se não for levada em consideração a categoria “política econômica”, na qual nenhuma
das vinte e seis ações propostas foi julgada procedente pela Corte.
Os achados parecem mais concordar com Taylor (2008) e com Carvalho
et al (2011), no sentido de que há diferenças entre as chances de sucesso dos atores,
privilegiando alguns em detrimento de outros.
5.3 “Improcedente”
Conforme Taylor e Da Ros (2008) e Carvalho et al (2011), partidos políticos
em geral não costumam compor o grupo dos mais influentes atores no controle
concentrado. A realidade das pequenas agremiações brasileiras, por sua vez, sugere
a confirmação da hipótese levantada pelos autores.
A variável mais expressiva, sem dúvidas, correspondeu à categoria
“improcedente”, com 170 ações – aproximadamente 58% do total de 291 ADINs
(observe-se novamente o gráfico 07). Dentro dessa variável, algumas notas.
Os motivos para a improcedência em sentido estrito, para o não
conhecimento ou para considerar prejudicado o pedido final foram anteriormente
agrupados em uma só variável categórica (“improcedente”), a fim de se concentrar e
melhor medir a taxa de insucesso dos partidos. Portanto, constam na categoria
“improcedente” as situações em que os pequenos partidos perderam, seja porque não
tinham razão, seja porque o processo era defeituoso (continha vícios de forma). Esses
motivos específicos são, agora, detalhados no quadro 03, em forma de subcategorias.
89
Quadro 03. Subcategorias da variável “improcedente”
Subcategorias Descrição
Improcedente
Corresponde aos casos em que o requerente perdeu, ou seja, suas ações tiveram o mérito apreciado, mas os atos normativos foram declarados constitucionais
Prejudicada Equivale aos casos nos quais o STF demorou demais para julgar a questão e ela não pode mais ser apreciada
Litispendência e coisa julgada
Quando se extingue um processo porque há outra ação igual ou em curso (litispendência) ou já decidida (coisa julgada)
Outros problemas com a legitimidade
Quando o mérito não é apreciado porque o processo continha vício formal, mais especificamente defeito quanto à legitimidade
Outros problemas com o pedido
Quando o mérito não é apreciado porque o processo continha vício formal, mais especificamente defeito quanto ao pedido
Fonte: elaboração própria.
As subcategorias são, destarte, apresentadas: “improcedente em sentido
estrito”, “prejudicada”, “litispendência e coisa julgada”, “outros problemas com a
legitimidade” e “outros problemas com o pedido”.
Como “outros problemas com a legitimidade” devem ser compreendidas as
situações nas quais não houve juntada de procuração, ou que esta não continha
poderes especiais para propor a ADIN; ou, ainda, os casos em que a ação foi ajuizada
por Diretório de Partido, o qual é considerado ilegítimo para tanto. Como demonstra o
gráfico 09, essa subcategoria apresenta quatro ações (2% do total).
Gráfico 09. Análise da variável categórica “improcedente” dos partidos pequenos.
Fonte: elaboração própria.
42 (25%)
93 (55%)
2 (1%)
4 (2%) 29 (17%)
Improcedente Prejudicada
Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade
Outros problemas com o pedido
90
Com “outros problemas com o pedido”, aduz-se a casos em que o ato
normativo impugnado não é dotado de generalidade, ou não é ato normativo; a
arguições de inconstitucionalidade de decretos regulamentares, de normas
municipais, ou de “mera proposta de emenda constitucional”; à impugnação, pela via
do controle concentrado, de regras anteriores à Constituição, quando o ordenamento
brasileiro não admite o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente; e, por fim,
também a casos em que há impossibilidade jurídica do pedido, ou a fundamentação
é “genérica, superficial ou insuficiente”. Pelo gráfico 09, compreendem o grande
número de vinte nove ADINs (17% das improcedentes em sentido amplo).
Quanto às ações extintas por terem sido entendidas como “prejudicadas”,
alguns apontamentos importantes. Em primeiro lugar, o termo diz respeito aos casos
em que ocorreu a perda superveniente da legitimidade ou a perda de objeto. Ambas
as situações são efeitos do tempo sobre o processo: neste, a demora para decidir
afetou o direito; naquele, o retardo do Supremo excluiu o acesso do partido ao controle
de constitucionalidade em virtude da perda do mandato.
Lima et al (2016) argumenta ser a perda de objeto um comportamento
estratégico do STF, principalmente quando se trata de partidos políticos. Estudando
os partidos políticos em geral, parte-se da premissa de Bickel, segundo a qual “Cortes
podem deliberadamente fazer uso de virtudes passivas – técnicas de autocontenção,
normalmente de cunho processual – para evitar decidir sobre um caso”13 (LIMA et al,
2016, p. 4). Ao analisar as ADINs extintas pela perda de objeto, concluem os autores
que o STF usa o tempo como aliado para postergar uma decisão, a qual lhe impõe
alto e desnecessário custo político, até que se possa encerrar o processo com base
em um argumento formal, quando as disputas são “espontaneamente” resolvidas.
Aqui, na presente pesquisa, um alto número de ações tidas como
prejudicadas é encontrado, não apenas por ter ocorrido perda de objeto, mas também
pela perda superveniente de legitimidade.
Não obstante a mudança de entendimento do STF quanto à perda de
legitimidade superveniente do partido político quando este perde a representação no
Congresso Nacional, algumas ADINs foram extintas por esse motivo. Elas estão
13 Traduzido do original: “Courts can use deliberately passive virtues – self-restraint techniques, usually of a procedural nature – to avoid a case’”.
91
representadas no gráfico 10 e correspondem a trinta ações – um número grande,
equivalente a 17,6% das 170 ADINs “julgadas improcedente”. Algumas foram
agravadas e, com o agravo provido, duas foram extintas por perda de objeto e muitas
permaneceram sem julgamento do mérito até o fim desta pesquisa.
Gráfico 10. Análise da subcategoria “prejudicada” das ADINs dos partidos pequenos.
Fonte: elaboração própria.
Mas há um número ainda maior, que ultrapassa as ações julgadas extintas
pela perda de legitimidade: o da perda de objeto. Em verdade, o número de cinquenta
e oito ADINs dos partidos pequenos pela “perda de objeto” – 32% das improcedentes
em sentido amplo – é altíssimo e merece atenção. É a maior variável de julgamento e
o número mais expressivo de uma categoria quanto ao resultado da ação, superando,
inclusive, o número de ADINs consideradas procedentes.
Os altos índices de argumentos formais para a extinção de processos cujo
mérito não mais se julga interessante apreciar – índices esses inclusive maiores que
quaisquer outros medidos e observados para os partidos pequenos (procedente,
improcedente em sentido estrito, liminar concedida) – parecem confirmar as
conclusões de Lima et al (2016), de que o Supremo age estrategicamente, além de
ser indicativo de um comportamento seletivo e criterioso por parte da Corte quanto
àquilo que opta por publicamente se posicionar.
Não obstante a perda de objeto e a perda superveniente de legitimidade
sejam motivos para se julgar prejudicada a questão, o gráfico 10 ainda mostra em
apartado uma outra variável, com o nome “prejudicada”, a fim de dar-lhe um sentido
58 (62%)
30 (32%)
5 (6%)
Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada
92
estrito. Ela existe tão somente porque as ações mais antigas possuem menos
detalhes na plataforma virtual do STF. Por conseguinte, no que se refere a quase os
dois primeiros quadriênios desta ordem constitucional (1988-1990 e 1991-1994), às
vezes não é possível saber exatamente por que determinada ação foi julgada como
prejudicada pela Corte. Em virtude da dúvida, portanto, e para não comprometer esta
pesquisa, esta categoria fora criada e apresenta tão apenas as ações até 1994, assim
consideradas “prejudicadas”. A sua presença, no entanto, sinaliza a possibilidade de
um número ainda maior de ações extintas pela perda de objeto ou pela perda
superveniente de legitimidade do requerente.
Interessante é notar que, quando considerados os motivos para extinção
do processo referentes a problemas quanto à legitimidade e ao pedido e as ações
prejudicadas, o número de ADINs decididas como improcedentes em sentido estrito
corresponde a 42 de 170 ações improcedentes em sentido amplo (aproximadamente
25%). Isso implica dizer que a Corte mais julgou por vícios formais que propriamente
pelo mérito do litígio. A coisa julgada e litispendência, embora decisões de mérito, não
influem no cenário geral, eis que corresponderam a apenas duas ações diretas de
inconstitucionalidade.
Uma vez que a perda de objeto representa a mais expressiva das variáveis
categóricas de julgamento para os pequenos partidos – achados desta pesquisa que
seguem a mesma direção de Lima et al (2016) e, por conseguinte, indicam um
possível comportamento estratégico por parte do STF, uma via deliberadamente eleita
para não julgar o mérito de ações em que não se quer decidir –, cabe uma última
análise quanto a elas, a fim de se constatar se o fato corresponde a uma atitude
deliberada da Corte: o tempo até o julgamento final.
O interstício entre a data de entrada da ação e a data do seu julgamento
correspondeu ao que se chamou de duração aproximada dos processos. Conforme
se depreende da tabela 07 a seguir, o período variou bastante, mas há muitos
processos cujas durações se sobrepõem em muito o tempo médio calculado para as
ADINs no III Relatório do Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014): o de 5,32 anos.
Quantidade essa a do Relatório que, apesar de ser a média, não significa ser a
razoável, desejada.
Observe-se a tabela 07.
93
Tabela 07. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelos pequenos partidos.
Partido Nº
ADIN Temas Data de entrada
Data de julgamento
Tipo de decisão
Duração aproximada
PDT ADIN/16
Administração Pública Civil, Judicial e Militar 26/01/1989 28/10/1993 Monocrática
4 anos e nove meses
PCB ADIN/44 Relações Trabalhistas 04/05/1989 22/03/1990 Plenário Dez meses
PDT ADIN/147 Competição Política 23/11/1989 26/11/2001 Monocrática 12 anos
PDT ADIN/223 Disputa entre Poderes 28/03/1990 26/02/1996 Monocrática
5 anos e onze meses
PDT ADIN/273 Disputa entre Poderes 30/04/1990 13/03/2001 Monocrática
10 anos e onze meses
PDT ADIN/296
Administração Pública Civil 05/06/1990 17/10/2000 Monocrática
10 anos e quatro meses
PSB ADIN/361 Política Econômica 12/09/1990 03/08/1998 Monocrática
7 anos e onze meses
PDT ADIN/370 Competição Política 24/09/1990 26/04/2013 Monocrática
22 anos e cinco meses
PDT ADIN/441 Política Tributária 08/02/1991 11/03/1991 Monocrática Um mês
PDT ADIN/440 Política Tributária 08/02/1991 11/03/1991 Monocrática Um mês
PDT ADIN/477 Política Econômica 03/04/1991 16/03/1999 Monocrática
7 anos e onze meses
PMN ADIN/540
Regulação da Sociedade Civil 24/06/1991 03/03/1998 Plenário
6 anos e onze meses
PDT ADIN/605 Política Econômica 11/10/1991 08/03/2002 Monocrática
10 anos e cinco meses
PDT ADIN/839 Competição Política 09/02/1993 06/12/2006 Monocrática
13 anos e dez meses
PPS ADIN/1259
Regulação da Sociedade Civil 27/03/1995 04/08/2008 Monocrática
13 anos e cinco meses
PL ADIN/1382 Competição Política 30/11/1995 01/08/2002 Monocrática
6 anos e nove meses
PL ADIN/1420 Política Econômica 07/03/1996 11/04/2002 Monocrática
5 anos e onze meses
PSB ADIN/1468
Política Social e Política Econômica 05/06/1996 30/11/2004 Monocrática
6 anos e cinco meses
PL ADIN/1576 Disputa entre Poderes 31/03/1997 18/07/1997 Monocrática
Quatro meses
PL ADIN/1615
Administração Pública Judicial 02/06/1997 20/09/2006 Monocrática
9 anos e três meses
PSB ADIN/1630
Administração Pública Civil, Judicial e Militar 30/06/1997 06/11/2002 Monocrática
4 anos e cinco meses
PMN ADIN/1713 Política Tributária 17/12/1997 15/03/1998 Monocrática Três meses
PL ADIN/1815
Administração Pública Judicial 02/04/1998 28/02/2002 Monocrática
3 anos e dez meses
PV ADIN/1870
Regulação da Sociedade Civil 12/08/1998 15/10/1998 Monocrática Dois meses
PSB ADIN/1887 Política Econômica 13/10/1998 12/11/1998 Monocrática Um mês
PSB ADIN/1907 Política Social 05/11/1998 18/02/1999 Plenário Três meses
94
PSB ADIN/1996 Política Econômica 03/03/1999 29/04/2003 Monocrática
4 anos e um mês
PSB ADIN/2005 Política Econômica 21/05/1999 05/05/2005 Monocrática 6 anos
PV ADIN/2015
Regulação da Sociedade Civil 10/06/1999 31/08/1999 Monocrática Dois meses
PSB ADIN/2016
Administração Pública Civil e Judicial 11/06/1999 11/03/2004 Monocrática
4 anos e nove meses
PSL ADIN/2075
Administração Pública Civil e Judicial 29/09/1999 09/11/2001 Monocrática
2 anos e dois meses
PSL ADIN/2128
Administração Pública Militar 28/12/1999 30/03/2000 Monocrática Três meses
PSL ADIN/2132 Política Tributária 18/01/2000 27/10/2015 Monocrática
15 anos e nove meses
PST ADIN/2149
Administração Pública Judicial 15/02/2000 17/08/2004 Monocrática
4 anos e seis meses
PSB ADIN/2262
Administração Pública Civil 02/08/2000 26/02/2008 Monocrática
7 anos e seis meses
PSB ADIN/2292
Administração Pública Civil 21/08/2000 26/02/2008 Monocrática
7 anos e seis meses
PSL ADIN/2389 Política Tributária 15/01/2001 28/02/2008 Monocrática
7 anos e um mês
PSB ADIN/2454 Política Econômica 08/05/2001 28/03/2007 Monocrática
5 anos e dez meses
PSB ADIN/2467
Administração Pública Civil e Militar 01/06/2001 20/09/2001 Monocrática Três meses
PSB ADIN/2473
Outras Questões Administrativas e Constitucionais 22/06/2001 13/12/2013 Monocrática
7 anos e seis meses
PSL ADIN/2495
Administração Pública Civil 21/08/2001 02/05/2002 Plenário Nove meses
PSL ADIN/2505
Administração Pública Civil 29/08/2001 03/12/2001 Monocrática
Quatro meses
PSL ADIN/2603
Administração Pública Judicial 06/02/2002 27/04/2007 Monocrática
5 anos e dois meses
PPS ADIN/3505 Política Social 25/05/2002 15/08/2005 Monocrática
3 anos e três meses
PPS ADIN/2670
Administração Pública Civil e Militar 17/06/2002 13/10/2004 Plenário
2 anos e quatro meses
PSB ADIN/2757 Política Tributária 12/11/2002 27/10/2009 Monocrática
6 anos e onze meses
PSB ADIN/2758
Outras Questões Administrativas e Constitucionais 12/11/2002 03/11/2003 Monocrática 1 ano
PPS ADIN/3467 Política Social 12/04/2005 15/08/2005 Monocrática
Quatro meses
PSOL ADIN/3955 Competição Política 18/09/2007 11/10/2007 Monocrática Um mês
PHS ADIN/4018 Competição Política 08/02/2008 13/05/2010 Monocrática
2 anos e três meses
PHS ADIN/4061 Política Tributária 26/03/2008 12/09/2013 Monocrática
5 anos e seis meses
PPS ADIN/4096
Administração Pública Civil e Judicial 18/06/2008 19/02/2009 Monocrática Oito meses
PPS ADIN/4179
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 29/12/2008 19/08/2014 Monocrática
5 anos e quatro meses
95
PHS ADIN/4213
Administração Pública Judicial 04/03/2009 14/08/2014 Monocrática
5 anos e cinco meses
PTC ADIN/4546
Administração Pública Civil 01/02/2011 05/05/2016 Monocrática
5 anos e três meses
PSL ADIN/4595
Administração Pública Civil 09/05/2011 06/08/2013 Monocrática
2 anos e três meses
PPS ADIN/4741 Competição Política 20/03/2012 23/02/2016 Monocrática
4 anos e um mês
PRP ADIN/5159 Competição Política 04/09/2014 01/10/2015 Plenário
1 ano e um mês
Fonte: elaboração própria.
A quase totalidade dessas ações extintas pela perda do objeto foi, desse
modo, julgada por decisões monocráticas e ainda assim mais de um terço delas (22
de 59 ADINs) demoraram mais de 5,32 anos para obter a decisão final.
O grande período de tempo é mais comum em ações mais antigas, numa
situação inversamente proporcional à ideia de sobrecarga da Corte: as ADINs mais
novas levaram menos tempo para serem julgadas. A última ADIN com mais de 5,32
anos foi a de nº 2473, com data de entrada em 22 de junho de 2001 e julgamento em
13 de dezembro de 2013 – quase sete anos e seis meses para a decisão.
A grande maioria dessas ações de perda de objeto que superam a marca
dos 5,32 anos consiste em impugnação a Medida Provisórias. Exposto esse fato,
interessante notar o momento no qual ocorreu essa redução do tempo para
julgamento e, por conseguinte, quando as ações passaram a obedecer à média
máxima de 5,32 anos, observada no III Relatório Supremo em Números. Esse
momento de mudança de comportamento da Corte, como dito, ocorreu em meados
do ano de 2001, justamente quando se promoveu uma reforma no Judiciário,
especialmente no tocante às Medidas Provisórias, através da Emenda Constitucional
nº 32. Essa espécie de ato normativo primário com força de lei passou a ter prazo
determinado para a produção de seus efeitos (sessenta dias, admitida uma única
prorrogação por igual prazo). Regulamentadas desse modo, não puderam mais ser
reeditadas sucessivamente, como antes ocorria. Assim, não é estranho que, sendo as
Medidas Provisórias os atos normativos com maior incidência de perda de objeto, a
partir do momento no qual elas deixam de ter prazo indeterminado e não podem mais
ser reeditadas infinitas vezes, a Corte passa a julgar em menos tempo as ações dos
partidos políticos minoritários – afinal, se não convertida em lei durante o prazo
96
determinado, perdido está o objeto, que já não mais possui efeitos a produzir. O
Tribunal pode declarar mais rápido a perda de objeto e extinguir o processo.
Algumas ações com duração superior a seis anos, quando não para mais
de dez anos, podem ser um sinal de uma nova postura do STF: a de não decidir.
Talvez pela decisão ser custosa politicamente à própria Corte. Talvez por outro motivo
que esta pesquisa descritiva não comporta, mas mereça ser objeto de uma análise
mais profunda. A posição do Supremo Tribunal Federal de deixar escoar o tempo
traduz uma postura autocontenciosa e poderá ser o exercício de uma nova “virtude
passiva”, nos termos de Alexander Bickel e conforme o oferecido no trabalho de Lima
et al (2016).
O tema mais recorrente entre as ações que perderam seu objeto
correspondeu à administração pública civil (14 ADINs). Em seguida, a assuntos de
administração judicial (10), de política econômica (9), de competição política (8) e de
política tributária (7). Contudo, em termos de proporcionalidade entre o número de
demanda e a quantidade extinta por esse motivo, o destaque cabe à “disputa política”:
100% das ADINs ajuizadas quanto ao assunto foram extintas por perda de objeto,
conforme melhor é visto no gráfico 11.
Gráfico 11. Relação das ADINs dos pequenos partidos extintas por perda de objeto de acordo com os temas, em comparação com as demais também por eles propostas.
Fonte: elaboração própria.
14
10
5
4
9
7
8
3
1
4
1
2
89
51
10
7
26
28
37
3
6
28
18
7
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Administração Pública Civil
Administração Pública Judicial
Administração Pública Militar
Política Social
Política Econômica
Política Tributária
Competição Política
Disputa entre Poderes
Relações Trabalhistas
Regulação da Sociedade Civil
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos
Outras Questões Administrativas e Constitucionais
Todas as ADINs Apenas as de perda de objeto
97
Ainda em termos proporcionais, regras de política econômica foram as
segundas mais extintas por perda de objeto, com 34,61% de suas ações assim
julgadas. Em terceiro lugar, normas de competição política. A Corte, portanto, quanto
a estas duas últimas categorias, parece resolver por esperar – ou por não decidir.
5.4 “Aguardando julgamento”
Como dito, apresentou-se como a média de tempo que uma ADIN leva da
data do protocolo até o seu julgamento mais de cinco anos (FALCÃO et al, 2014).
Todavia, há indícios de um comportamento estratégico e seletivo por parte da Corte
(CARVALHO, 2005; TAYLOR e DA ROS, 2008; CARVALHO et al, 2011), que não
costuma decidir favoravelmente ao que requerem os partidos políticos (grandes ou
pequenos) em sede de controle e muitas vezes prefere utilizar o tempo como aliado
para uma autocontenção e não decidir (LIMA et al, 2016).
É nesse sentido que, voltando ao gráfico 08, percebe-se todas as variáveis
categóricas já listadas (procedente, improcedente, liminar concedida) e, por
conseguinte, não poderiam ser diferentes os processos que ainda estão aguardando
julgamento. Estes somam o número de sessenta e cinco ações diretas de
inconstitucionalidade (aproximadamente 22% do total), a segunda categoria com
eventos mais abundantes, perdendo apenas para as ações consideradas
“improcedentes” (em sentido amplo, sem considerar os motivos específicos para a
improcedência).
Gomes Neto (2017) argumenta que a presença de um percentual
demasiado de ações ainda “aguardando julgamento” significaria um indício de uma
“autocontenção silenciosa” por parte do Tribunal; um comportamento deliberado e
estratégico dos relatores de simplesmente deixar o processo parado por anos sem
qualquer deliberação. Por conseguinte, quando quantificadas as ações dos pequenos
partidos na presente pesquisa, os achados aqui parecem nesse sentido estratégico
estar.
Aproximadamente 22% das ADINs ajuizadas pelas pequenas agremiações
encontram-se aguardando julgamento. O status, contudo, não se deve ao fato de
terem sido ajuizadas recentemente; há ADIN proposta no ano de 1992 que ainda não
foi julgada. Atente-se para a gráfico 12, a seguir.
98
Gráfico 12. Relação do número das ADINs que ainda estão aguardando julgamento com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações.
Fonte: elaboração própria.
Observe-se que desde 1992 há ADINs propostas ainda não julgadas pelo
Tribunal. O gráfico não ascende de modo uniforme, existindo anos em que as ações
ali propostas foram todas já julgadas – não necessariamente no mesmo ano em que
propostas. Mas ainda há ações muito antigas a aguardar decisão final, contabilizando
duas, três décadas nesse mesmo status de andamento.
Um fator, porém, deve ser acrescentado ao gráfico 12: as ADINs extintas
por perda de legitimidade superveniente e que, agravadas, permanecem aguardando
julgamento de mérito.
O Supremo Tribunal Federal antes tinha um posicionamento quanto à
perda de legitimidade superveniente: causava extinção do processo. Muitas ações,
portanto, foram extintas com base nesse argumento. Hoje, no entanto, o entendimento
é de que a ação é objetiva, logo, a perda superveniente de representação no
Congresso Nacional não torna irregular a legitimidade, não podendo tal fato prejudicar
o processo. Este segue seu curso.
A mudança de entendimento ocorreu quando do julgamento das ADINs nºs
2159 e 2618 (DJ de 24/08/2004). A partir de então, algumas das ações antes extintas
pela perda superveniente de legitimidade ativa foram agravadas e posteriormente
revistas sob o novo entendimento da Corte Suprema. Por esse motivo, com esse
número revisto, é preciso dizer que outras nove ações diretas de inconstitucionalidade
devem ser acrescentadas ao número de sessenta e cinco ADINs representadas no
gráfico 07, pois também compõem a variável “aguardando julgamento”.
0
2
4
6
8
10
12
141
98
8
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
99
As ações de perda de objeto agravadas e agora à espera de uma decisão
final estão detalhadas na tabela 08.
Tabela 08. ADINs julgadas extintas por perda superveniente de legitimidade ativa que foram, depois, reconsideradas e agora se encontram aguardando julgamento.
Partido Nº ADIN Tema Data de entrada
PSL ADI/2039 Administração Pública Judicial 04/08/1999
PSL ADI/2049 Política Tributária 17/08/1999
PSL ADI/2456 Política Tributária 16/05/2001
PSL ADI/2468 Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 06/06/2001
PSL ADI/2535 Política Econômica 26/09/2001
PSL ADI/2575 Administração Pública Civil 28/11/2001
PSL ADI/2611 Administração Pública Judicial 20/02/2002
PSL ADI/2612 Administração Pública Judicial 20/02/2002
PSL ADI/2723 Administração Pública Civil 10/09/2002
Fonte: elaboração própria.
A tabela 08 mostra ações de 1999 a 2002, que vêm a integrar o grupo das
mais antigas a ainda aguardar decisão final. Com elas, o gráfico 12 pode ser
redesenhado, com contornos agora evidenciados no gráfico 13:
Gráfico 13. Relação do número das ADINs – acrescidas daquelas de decisão pela perda de objeto reconsiderada – que ainda estão aguardando julgamento com o ano em que foram propostas pelas pequenas agremiações.
Fonte: elaboração própria.
Há registros, portanto, de ações diretas de inconstitucionalidade propostas
desde o ano de 1992 e que até o presente momento não foram julgadas. Há uma
0
2
4
6
8
10
12
14
19
88
19
89
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
100
pausa entre 1993 a 1997 e, posteriormente, um novo crescimento no número dessas
ADINs, conforme demonstra o gráfico 08. Muitas são, desse modo, as ações diretas
de inconstitucionalidade ainda não decididas; encontram-se, depois de quase duas
décadas, aguardando julgamento. Por conseguinte, a duração desses processos
propostos por partidos pequenos supera em muito a média esperada para o restante
do controle concentrado e das ADINs, inclusive aquela observada pelo III Relatório do
Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014): de 5,32 anos.
Portanto, também os processos ainda aguardando julgamento apontam
para um comportamento estratégico por parte do Tribunal. Chama-se atenção para o
exercício de uma “autocontenção silenciosa”, uma conduta deliberada dos relatores
de simplesmente deixar o processo parado por anos sem qualquer manifestação
decisória (GOMES NETO, 2017); ou para o indício do exercício de uma “virtude
passiva”, que não deixa de ser uma postura estratégica e autocontenciosa, no sentido
de não decidir, fazendo uso do “maravilhoso mistério do tempo” como aliado para
evitar posicionamento público custoso (LIMA et al, 2016)
5.5 Respostas ao PMDB
Para efeitos comparativos, dentro dos limites dos dados exploratório-
descritivos desta pesquisa, examinou-se a resposta do STF também em relação às
ações propostas pelo PT e pelo PMDB, de modo a procurar indícios acerca do
comportamento da Corte, seja de modo uniforme para todas as agremiações ou de
modo particular em relação ao tamanho do partido político.
Quanto à relação do Supremo com PMDB, ao analisar os resultados das
ações nas quais este consta como requerente, percebe-se um Tribunal respondendo
de modo muito semelhante ao que fez com os partidos de pequenas bancadas. O
quantitativo das ADINs julgadas como improcedentes em sentido amplo foi o maior
entre as possíveis reações do STF para a agremiação (gráfico 15). Do exame das
trinta e sete ADINs propostas pelo PMBD, vinte e duas delas apresentaram decisão
final pela improcedência do pedido (58% do total).
Em seguida, como demonstra o gráfico 14, as ações que ainda aguardam
julgamento representam um número relevante: o de dez ADINs ainda à espera de
101
uma decisão da Corte (26%). Numa escala decrescente das possíveis respostas do
Corte, portanto, as ações aguardando julgamento assumem a segunda colocação.
Gráfico 14. Resultados das ações ajuizadas pelo PMDB.
Fonte: elaboração própria.
Entre as dez ainda aguardando julgamento, quatro foram propostas há
mais de dez anos, uma foi submetida há seis anos e outras quatro foram ajuizadas a
partir de 2013. Logo, a maioria delas não é tão recente e ainda se encontra à espera
de uma decisão final.
Conforme o gráfico 14, o número de ações procedentes é muito inferior ao
das que ainda aguardam julgamento. São apenas cinco ADINs. Por conseguinte, o
número é também muito distante daquele relativo às ações tidas como improcedentes
em sentido amplo – nas quais o pedido de declaração de inconstitucionalidade não foi
deferido. O PMDB, portanto, assim como os pequenos partidos, não costuma obter
decisão favorável aos seus interesses quando aciona o controle concentrado de
constitucionalidade. Logo, se o cenário fosse o de um jogo onde há quem ganha e
quem perde, dir-se-ia que o PMDB tende a ser perdedor na revisão judicial.
Quanto aos motivos que o consagram como perdedor, tem-se o gráfico 15.
Nele, como é possível observar, as ações tidas como prejudicadas somam
um maior número: das vinte e duas ADINs em que o STF não concluiu de modo
favorável aos interesses do PMDB – e, por conseguinte, não declarou a
inconstitucionalidade –, sete delas foram tidas como prejudicadas (aproximadamente
10 (26%)
22(58%)
5(13%)
1 (3%)
Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida
102
33%). Essas correspondem ao principal motivo para não conceder o pedido deste
partido.
Quanto à improcedência em sentido estrito, por pouco que a variável
categórica não ganha, na escala decrescente de repostas da Corte, dos outros
problemas com a legitimidade e com o pedido (causas de extinção do processo sem
julgamento de mérito). O gráfico 15 aponta para isso. Os números são semelhantes.
Contudo, a improcedência em sentido estrito (perder pelo mérito da causa) ainda
corresponde ao motivo menos utilizado pelo Supremo para arrazoar os julgamentos
dos processos analisados no presente trabalho.
Gráfico 15. Exame da variável categórica “improcedente” do PMDB.
Fonte: elaboração própria.
Não houve, conforme se observa no gráfico 15, extinção de processo por
litispendência ou coisa julgada. O motivo maior para o indeferimento é o de a ação ter
se tornado prejudicada.
Sabe-se, porém, que por prejudicada devem ser compreendidos os casos
nos quais o STF demorou demais para julgar a questão e ela já não pode ser
apreciada. Logo, existem subcategorias desta resposta do Tribunal que devem ser
examinadas. São elas a perda de objeto e a perda superveniente de legitimidade.
Entre as ações do PMDB, aparentemente apenas uma teve o processo
extinto pela perda superveniente de legitimidade ativa (o equivalente a 14% das
4 (19%)
7 (33%)
0%
5 (24%)
5 (24%)
Improcedente Prejudicada
Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade
Outros problemas com o pedido
103
prejudicadas). A afirmação é feita deste modo, utilizando o “aparentemente”, porque
houve outra ADIN cujos dados disponíveis no site do Supremo não permitiram concluir
a razão pela qual fora decidida como prejudicada. Por conseguinte, para não afirmar
o que não se tem certeza nem se pode comprovar, esta ação sobre a qual resta dúvida
foi tratada em apartado na análise, sob o simples nome de “prejudicada”. É o que
consta no gráfico 16.
Gráfico 16. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PMDB.
Fonte: elaboração própria.
Como o gráfico 16 expõe, quanto à perda de objeto, cinco foram as ADINs
assim decididas (72% das prejudicadas). Elas são pormenorizadas na tabela 09.
Tabela 09. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PMDB.
Partido Nº
ADIN Temas
Data de entrada
Data de julgamento
Tipo de decisão
Duração aproximada
PMDB ADIN/1280
Administração Pública Civil 03/05/1995 11/11/1996 Plenário
1 ano e seis meses
PMDB ADIN/1722
Administração Pública Civil 27/11/1997 20/02/2002 Monocrática
4 anos e três meses
PMDB ADIN/537 Política Social 21/06/1991 28/02/2002 Monocrática
10 anos e oito meses
PMDB ADIN/1963
Administração Pública Civil 05/03/1999 10/10/2002 Monocrática
3 anos e sete meses
PMDB ADIN/2942 Competição Política 22/07/2003 23/05/2014 Monocrática
10 anos e dez meses
Fonte: elaboração própria.
5 (72%)
1 (14%)
1 (14%)
Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada
104
Importante destacar que o PMDB não demandou na justiça constitucional
para contestar nenhuma Medida Provisória ao longo dos últimos vinte e sete anos.
Ele impugnou, desse modo, apenas leis e outros atos normativos. Não obstante, suas
ações ainda obtiveram perda de objeto (vício formal), sem poder ter o mérito julgado.
Das cinco ações nas quais fora declarada a perda de objeto, uma obteve o
tempo razoável de um ano e seis meses para ser jugada pelo STF e duas levaram
mais de três anos para tanto. Duas outras, porém, demoraram mais de dez anos para
obter um posicionamento final da Corte, passando em muito da média de 5,32 anos
apontada no III Relatório do Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014). Contudo,
convém lembrar que, embora por diversas vezes reiterada nesta pesquisa, essa
média não corresponde ao ideal de tempo para julgamento, mas apenas um dado
achado pelo relatório quanto à duração dos processos referentes à ADINs. Um tempo
longo, porém, aponta para indícios de um comportamento autocontencioso por parte
do Tribunal: uma preferência por deixar que o tempo opere seus efeitos e o conflito
objeto da demanda se resolva sozinho, espontaneamente, sem que a Corte precise
sobre o litígio se pronunciar e, desse modo, pagar por eventuais ônus políticos dessa
decisão. Os indícios tornam-se ainda mais fortes quando com eles são considerados
um alto quantitativo de ações aguardando julgamento, como é o caso das ADINs
propostas pelo PMDB.
Os dados exploratório-descritivos apontam, portanto, para indícios de um
comportamento parecido por parte do STF no que se refere à sua relação com o
PMDB e com as pequenas agremiações. Embora o PMDB tenha apresentado poucas
ADINs, as julgadas procedentes possuem um número muito pouco expressivo se
comparadas com as demais variáveis categóricas. As tidas como improcedentes em
sentido amplo, assim como se concluiu quando do exame dos partidos com pequenas
bancadas, também corresponderam ao maior quantitativo entre as possíveis reações
do Tribunal. Ademais, quando examinadas as causas para o indeferimento do pedido
e, logo, tratadas as subcategorias da variável “improcedente” em sentido amplo, o
número das ADINs tidas como prejudicadas mostrou-se proporcionalmente relevante:
superaram o número das julgadas improcedentes em sentido estrito.
Juntamente com o alto índice das ações tidas como prejudicadas está o
grande número das ADINs ainda aguardando julgamento. Esses dois são os maiores
105
quantitativos quando examinadas as razões do Tribunal para decidir. Portanto, quanto
ao PMDB, o STF também não é ativista e utiliza recursos para uma autocontenção.
5.6 Respostas ao PT
Continuando o exame comparativo dentro dos limites oferecidos pelos
dados exploratório-descritivos desta pesquisa, analisa-se as variáveis de julgamento
quanto ao Partido dos Trabalhadores.
Como exposto no capítulo quatro, o PT muito submeteu ao Supremo
Tribunal Federal pela via do controle concentrado e fora responsável por ajuizar
duzentas e vinte e uma ações diretas de controle de constitucionalidade. O fato levou
à afirmação de Vianna et al (1999) de ser a oposição quem mais demanda a Corte,
visto que o PT já se apresentava como um grande requerente na época em que foi
realizado o estudo – e na qual ele ainda não havia assumido a posição de governo.
Conforme o gráfico 17, vinte e seis ações ainda aguardam julgamento
(quase 12% do total). Delas, dezenove foram propostas há mais de dez anos, duas
foram submetidas há seis anos e outras cinco foram ajuizadas em 2015. Logo, a
grande maioria não é tão recente e ainda se encontra à espera de uma decisão final.
Muitas Medidas Provisórias foram impugnadas e, como demonstra o
gráfico 17, há um número altíssimo de ADINs julgadas improcedentes em sentido
amplo: cento e sessenta e seis ações (aproximadamente 75% do total).
Gráfico 17. Resultados das ações ajuizadas pelo PT.
Fonte: elaboração própria.
26 (12%)
166 (75%)
20 (9%)9 (4%)
Aguardando julgamento Improcedente Procedente Liminar concedida
106
Cento e sessenta e seis ações foram tidas como improcedentes em sentido
amplo (aproximadamente 75%), enquanto apenas vinte foram julgadas procedentes
(quase 9%) (gráfico 17). É uma proporção pouco maior que a de oito para um a
quantidade de eventos das duas variáveis categóricas. Novamente, se o cenário fosse
o de um jogo onde há quem ganha e, por conseguinte, quem perde, dir-se-ia que o
PT tende a ser perdedor na revisão judicial.
Quando questionado o motivo para tamanha taxa de indeferimento do
pedido, tem-se que, tal como nos pequenos partidos e no PMDB, há um alto número
de ações prejudicadas. São cento e vinte ADINs representando os casos nos quais o
STF demorou demais para julgar a questão e ela não pode mais ser apreciada (gráfico
18) – em torno de 77% da variável categórica das improcedentes em sentido amplo e
de 54,05% do número total de ADINs ajuizadas pelo PT.
Gráfico 18. Análise da variável categórica “improcedente” em sentido amplo do PT.
Fonte: elaboração própria.
Desse modo, como se depreende do gráfico 18, as ações prejudicadas
superam em muito as ações tidas como improcedentes em sentido estrito ou as que
apresentaram problemas com a legitimidade ativa ou com o pedido. Não houve
litispendência ou coisa julgada entre os argumentos utilizados pelo STF para não
declarar a inconstitucionalidade requerida pelo PT.
11 (7%)
120 (77%)
0%
6 (4%)18 (12%)
Improcedente Prejudicada
Litispendência e coisa julgada Outros problemas com a legitimidade
Outros problemas com o pedido
107
O gráfico 19 traz o exame das subcategorias da variável “improcedente”
em sentido estrito. Cuida, portanto, de representar quantitativamente as ações tidas
como prejudicadas em virtude da perda de objeto ou da perda de legitimidade ativa.
Gráfico 19. Exame da subcategoria “prejudicada” das ADINs do PT.
Fonte: elaboração própria.
Conforme se depreende do gráfico 19, nenhuma ADIN proposta pelo PT
apresentou perda superveniente de legitimidade ativa. Contudo, seis foram as ações
cujos dados disponíveis no site do STF não foram suficientes para demonstrar o
porquê de terem sido decididas como prejudicadas (5%). Podem ter sido assim
declaradas em virtude ou da perda de legitimidade superveniente ou da perda de
objeto; não se sabe. Desse modo, essas seis ADINs foram tratadas em separado,
como é possível perceber no gráfico 20, em respeito à integridade da pesquisa. Não
é possível afirmar quanto a elas a sua razão de ser e, portanto, tem-se uma ressalva.
Quanto à perda de objeto, porém, altíssimo é o índice que já se apresenta,
independentemente dessas seis tidas como prejudicadas por seus dados serem
insuficientes para se conhecer exatamente o porquê de assim decididas. Cento e
quatorze ADINs (95% das prejudicadas) foram declaradas como casos de perda de
objeto. Entre elas, setenta e três trataram de impugnações a Medidas Provisórias.
Desse modo, os casos contra atos normativos primários com força de lei foram
correspondentes a 64,03% das ações que tiveram perda de objeto.
Como o quantitativo é alto, serão aqui apresentadas três tabelas a fim de
pormenorizar todas as ADINs com perda de objeto. Antes, afirma-se que os dados
114 (95%)
0% 6 (5%)
Perda de objeto Perda superveniente de legitimidade Prejudicada
108
coletados quanto a este universo correspondem a 64,03% de impugnações a Medidas
Provisórias. Além disso, desse percentual, pouco mais de 73,97% dizem respeito a
ADINs julgadas antes da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 32 de
2001. Foram cinquenta e quatro ações com julgamento após a alteração da disciplina
desses atos normativos primários com força de lei, promovida pela Emenda. Sobre as
dezenove analisadas após setembro de 2001, a tabela 10 a seguir.
Tabela 10. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT, no que se refere às Medidas Provisórias julgadas após setembro de 2001.
Partido Nº
ADIN Temas
Data de entrada
Data de julgamento
Tipo de decisão
Duração aproximada
PT ADIN/1263 Política Econômica 05/04/1995 10/10/2001 Monocrática
6 anos e seis meses
PT ADIN/1325
Administração Pública Civil 10/07/1995 11/02/2004 Monocrática
8 anos e sete meses
PT ADIN/1376 Política Econômica 13/11/1995 24/02/2003 Monocrática
7 anos e três meses
PT ADIN/1468
Política Econômica e Administração Pública Civil e Judicial 05/06/1996 30/11/2004 Monocrática
8 anos e cinco meses
PT ADIN/1664 Política Social 29/08/1997 20/03/2002 Monocrática
4 anos e sete meses
PT ADIN/1665 Política Social 29/08/1997 05/02/2007 Monocrática
9 anos e seis meses
PT ADIN/1699 Política Social 29/10/1997 25/09/2001 Monocrática
3 anos e onze meses
PT ADIN/1700 Política Econômica 10/11/1997 27/11/2001 Monocrática 4 anos
PT ADIN/1830 Política Econômica 18/05/1998 12/06/2002 Plenário
4 anos e um mês
PT ADIN/1877 Política Social 27/08/1998 01/02/2007 Monocrática
8 anos e seis meses
PT ADIN/1882
Administração Pública Civil 04/09/1998 04/12/2003 Plenário
5 anos e três meses
PT ADIN/2066
Administração Pública Civil 20/09/1999 06/12/2005 Monocrática
6 anos e três meses
PT ADIN/2125
Regulação da Sociedade Civil 22/12/1999 04/03/2002 Monocrática
2 anos e três meses
PT ADIN/2227
Administração Pública Civil 15/06/2000 24/06/2003 Monocrática 3 anos
PT ADIN/2246
Regulação da Sociedade Civil 14/07/2000 25/10/2001 Monocrática
1 ano e três meses
PT ADIN/2455 Política Econômica 15/05/2001 26/02/2003 Monocrática
1 ano e nove meses
PT ADIN/2473
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 21/06/2001 13/12/2013 Monocrática
12 anos e seis meses
PT ADIN/2565
Administração Pública Civil 19/11/2001 22/03/2002 Monocrática Seis meses
PT ADIN/2683
Administração Pública Civil 28/06/2002 04/11/2003 Monocrática
1 ano e cinco meses
109
Fonte: elaboração própria.
Percebe-se pela tabela 10 que muitas das ações possuem duração para
mais de quatro anos. Mais precisamente, onze delas ultrapassam o prazo de 5,32
anos apresentado pelo III Relatório Supremo em Números (FALCÃO et al, 2014).
Contudo, uma realidade diferente é apresentada quando do exame das ADINs que
impugnaram Medidas Provisórias e obtiveram julgamento antes de setembro de 2001.
Observe-se a tabela 11.
Tabela 11. Análise da subcategoria “perda de objeto” das ADINs propostas pelo PT, no que se refere às Medidas Provisórias julgadas antes de setembro de 2001.
Partido Nº
ADIN Temas
Data de entrada
Data de julgamento
Tipo de decisão
Duração aproximada
PT ADIN/62 Política Social 13/06/1989 14/09/2001 Monocrática
12 anos e três meses
PT ADIN/357 Relações Trabalhistas 29/08/1990 28/04/1997 Monocrática
6 anos e quatro meses
PT ADIN/393 Política Social 06/11/1990 19/04/1991 Plenário
Cinco meses
PT ADIN/435 Relações Trabalhistas 04/02/1991 31/05/1993 Monocrática
2 anos e três meses
PT ADIN/529
Administração Pública Civil 07/06/1991 28/08/1991 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1093 Política Econômica 13/07/1994 05/08/1994 Monocrática Dias
PT ADIN/1118 Política Econômica 22/08/1994 31/08/1994 Monocrática Dias
PT ADIN/1133 Política Econômica 16/09/1994 31/10/1994 Monocrática Um mês
PT ADIN/1204
Administração Pública Civil 03/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1205
Administração Pública Civil e Judicial 03/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1206 Política Econômica 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1207 Política Social 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1208
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1209
Administração Pública Civil, Judicial e Militar 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1210 Política Econômica 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1211
Administração Pública Judicial 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1212 Relações Trabalhistas 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
110
PT ADIN/1213
Regulação da Sociedade Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1214
Regulação da Sociedade Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1215
Administração Pública Militar 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1216
Administração Pública Civil 10/02/1995 15/12/1995 Monocrática Dez meses
PT ADIN/1271 Política Econômica 18/04/1995 30/06/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1311 Política Econômica 05/07/1995 16/09/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1313
Administração Pública Civil e Militar 05/07/1995 29/08/1995 Monocrática Um mês
PT ADIN/1314
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 05/07/1995 10/10/1995 Monocrática Três meses
PT ADIN/1315
Administração Pública Civil e Judicial 05/07/1995 12/09/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1316
Administração Pública Civil 05/07/1995 10/08/1995 Monocrática Um mês
PT ADIN/1317 Política Tributária 05/07/1995 15/08/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1318 Política Tributária 05/07/1995 17/09/1997 Monocrática Três meses
PT ADIN/1319 Política Tributária 05/07/1995 17/09/1995 Monocrática Três meses
PT ADIN/1320 Política Econômica 05/07/1995 15/08/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1321 Política Econômica 05/07/1995 29/08/1995 Monocrática Um mês
PT ADIN/1322 Relações Trabalhistas 05/07/1995 12/09/1995 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1324
Regulação da Sociedade Civil 07/07/1995 25/01/1996 Monocrática Seis meses
PT ADIN/1334 Política Econômica 08/08/1995 19/12/1995 Plenário
Quatro meses
PT ADIN/1441
Administração Pública Civil e Judicial 02/05/1996 20/02/1998 Monocrática
1 ano e nove meses
PT ADIN/1533 Política Social 28/11/1996 15/10/1997 Monocrática Onze meses
PT ADIN/1534 Política Social 28/11/1996 11/06/1997 Monocrática Sete meses
PT ADIN/1535
Administração Pública Civil e Militar 28/11/1996 28/09/1998 Monocrática
1 ano e dez meses
PT ADIN/1558
Administração Pública Civil 24/01/1997 28/09/1998 Monocrática
1 ano e oito meses
PT ADIN/1641 Política Social 18/07/1997 02/09/1997 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1686 Política Social 06/10/1997 15/12/1997 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1844 Política Social 01/07/1998 10/08/1999 Monocrática
1 ano e um mês
PT ADIN/1870
Regulação da Sociedade Civil 12/08/1998 15/10/1998 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1871 Relações Trabalhistas 13/08/1998 14/10/1998 Monocrática Dois meses
PT ADIN/1888 Relações Trabalhistas 07/10/1998 11/12/1998 Monocrática Dois meses
111
PT ADIN/1887 Política Econômica 13/10/1998 12/11/1998 Monocrática Um mês
PT ADIN/1907
Administração Pública Civil Judicial e Militar 05/11/1998 18/02/1999 Plenário Três meses
PT ADIN/1974 Política Econômica 24/03/1999 16/08/1999 Monocrática
Cinco meses
PT ADIN/2015
Regulação da Sociedade Civil 10/06/1999 31/08/1999 Monocrática Dois meses
PT ADIN/2162
Política Econômica e Social 03/03/2000 04/05/2000 Plenário Dois meses
PT ADIN/2251 Política Econômica 21/07/2000 15/03/2001 Plenário Oito meses
PT ADIN/2293
Administração Pública Civil e Judicial 21/08/2000 16/03/2001 Monocrática Sete meses
PT ADIN/2463
Regulação da Sociedade Civil 25/05/2001 11/06/2001 Monocrática Dois meses
Fonte: elaboração própria.
Os resultados obtidos quando do exame das ações propostas antes de
setembro de 2001 (transcritos na tabela 11) demonstram uma realidade diferente
quanto ao tempo de duração dos processos. A maioria das cinquenta e quatro ADINs
que impugnaram Medidas Provisórias e foram extintas antes dessa data sem
julgamento do mérito em virtude da perda de objeto foram decididas em meses, de
modo muito mais rápido e não percebido quando da análise das ações dos demais
partidos (pequenos e PMDB).
As razões para o evento exposto pela tabela 11 poderão ser melhor
exploradas em posteriores pesquisas. Os dados exploratório-descritivos utilizados
para este trabalho mostram-se insuficientes para explicar por que o STF julgou tão
rapidamente esses últimos processos. Porém, não obstante o curto tempo de duração,
é preciso lembrar que as ações foram ainda assim extintas sem julgamento de mérito
em virtude da perda de objeto. Assim, embora tenha analisado mais rapidamente as
demandas do PT durante um período na história, o Tribunal ainda não foi capaz de se
pronunciar antes que ocorresse a perda de objeto e o tempo afetasse o direito.
Quando se analisa as demais ADINs propostas pelo PT que foram tidas
como prejudicadas em face da perda de objeto, o comportamento do STF volta a ser
como antes identificado no exame das impugnações às Medidas Provisórias julgadas
antes de setembro de 2001 e na análise das ações do PMDB e dos pequenos partidos.
É o que se apreende dos dados expostos na tabela 12.
112
Tabela 12. Análise da subcategoria “perda de objeto” das demais ADINs propostas pelo PT, excluídas as que impugnam Medidas Provisórias.
Partido Nº
ADIN Temas
Data de entrada
Data de julgamento
Tipo de decisão
Duração aproximada
PT ADIN/480 Política Social 05/04/1991 13/10/1994 Plenário
3 anos e seis meses
PT ADIN/607
Administração Pública Civil 16/10/1991 06/02/1992 Monocrática
Quatro meses
PT ADIN/672
Regulação da Sociedade Civil 21/01/1992 06/08/2001 Monocrática
9 anos e sete meses
PT ADIN/673 Política Econômica 21/01/1992 09/12/2003 Monocrática
11 anos e onze meses
PT ADIN/707
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 19/03/1992 21/11/2001 Monocrática
9 anos e oito meses
PT ADIN/787
Administração Pública Civil 29/09/1992 11/12/2012 Monocrática
20 anos e três meses
PT ADIN/806
Administração Pública Civil 20/11/1992 23/06/2010 Monocrática
17 anos e sete meses
PT ADIN/817
Regulação da Sociedade Civil 09/12/1992 14/05/1993 Monocrática
Cinco meses
PT ADIN/885 Política Econômica 03/06/1993 17/06/1999 Plenário 9 anos
PT ADIN/929 Política Econômica 26/08/1993 02/12/2015 Monocrática
12 anos e quatro meses
PT ADIN/931 Política Econômica 31/08/1993 08/04/2002 Monocrática
8 anos e oito meses
PT ADIN/945
Administração Pública Civil 10/09/1993 27/09/2007 Monocrática 14 anos
PT ADIN/984
Administração Pública Civil 17/12/1993 30/10/2001 Monocrática
7 anos e dez meses
PT ADIN/1076 Competição Política 01/06/1994 05/06/1995 Monocrática 1 ano
PT ADIN/1312 Política Econômica 05/07/1995 02/08/2004 Monocrática
8 anos e onze meses
PT ADIN/1398
Regulação da Sociedade Civil 26/01/1996 01/10/1996 Monocrática
6 anos e onze meses
PT ADIN/1404
Administração Pública Civil 05/02/1996 03/12/2003 Monocrática
4 anos e um mês
PT ADIN/1418
Administração Pública Civil 07/03/1996 17/10/2002 Monocrática
6 anos e quatro meses
PT ADIN/1469
Administração Pública Civil e Judicial 11/06/1996 07/10/2001 Monocrática
9 anos e quatro meses
PT ADIN/1484
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 25/07/1996 21/08/2001 Monocrática
4 anos e onze meses
PT ADIN/1511
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 02/10/1996 19/04/2004 Monocrática
7 anos e seis meses
PT ADIN/1597 Política Econômica 30/04/1997 28/09/2006 Monocrática
11 anos e cinco meses
PT ADIN/1620
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 12/06/1997 07/11/2007 Monocrática
10 anos e cinco meses
113
PT ADIN/1885
Administração Pública Civil e Judicial 14/09/1998 22/09/1999 Plenário 1 ano
PT ADIN/1944
Regulação da Sociedade Civil 19/01/1999 25/01/1999 Monocrática Dias
PT ADIN/1965
Administração Pública Civil e Judicial 10/03/1999 03/08/1999 Monocrática
Cinco meses
PT ADIN/1966
Administração Pública Civil 10/03/1999 04/02/2004 Monocrática
4 anos e onze meses
PT ADIN/1981
Administração Pública Civil e Judicial 09/04/1999 13/06/2011 Monocrática
12 anos e dois meses
PT ADIN/1996 Política Econômica 03/05/1999 29/04/2003 Monocrática
3 anos e onze meses
PT ADIN/2002 Política Social 12/05/1999 17/06/1999 Plenário Um mês
PT ADIN/2013
Administração Pública Judicial 08/06/1999 01/02/2005 Monocrática
6 anos e quatro meses
PT ADIN/2022 Política Econômica 29/06/1999 19/03/2001 Monocrática
1 ano e nove meses
PT ADIN/2031 Política Tributária 15/07/1999 03/10/2002 Plenário
3 anos e três meses
PT ADIN/1947
Regulação da Sociedade Civil 22/11/1999 18/03/1999 Monocrática Oito meses
PT ADIN/2153 Política Econômica 21/02/2000 19/03/2001 Monocrática Onze meses
PT ADIN/2223 Política Econômica 08/06/2000 02/09/2004 Monocrática
4 anos e três meses
PT ADIN/2310
Administração Pública Civil 30/08/2000 07/12/2004 Monocrática
4 anos e quatro meses
PT ADIN/2380
Administração Pública Civil 27/12/2000 25/08/2005 Monocrática
4 anos e oito meses
PT ADIN/2668 Política Tributária 13/06/2002 14/04/2010 Monocrática
7 anos e dez meses
PT ADIN/1393
Outras Políticas e Prestação de Serviços Públicos 20/12/2015 01/10/1996 Monocrática Dez meses
Fonte: elaboração própria.
Pela tabela 12, é possível observar a maioria das demais ADINs extintas
pela perda de objeto como durando mais de quatro anos, sendo dezenove as ações
que ultrapassam dos 5,32 anos apontados pelo III Relatório Supremo em Números.
Mais precisamente, existem ADINs que levaram sete, doze, quatorze, vinte anos para
serem julgadas, enquanto algumas outras são decididas mais rapidamente. Esses são
sinais de um comportamento deliberado do Tribunal, escolhas sobre quando se
pronunciar. Aqui, cabe a mesma afirmativa sobre a presença de indícios de um
exercício de “virtudes passivas” (BICKEL, 1962) por parte da Corte (LIMA et al, 2016);
por conseguinte, indicativos de uma atitude estratégia do Supremo, desempenhada
pela via da autocontenção.
114
O exame das ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelo PT,
portanto, rechaça novamente um comportamento ativista por parte da Corte brasileira,
vez que cento e sessenta e cinco das duzentas e vinte e duas ações não deferiram o
pedido da agremiação e, por conseguinte, não invalidaram a lei ou o ato normativo
impugnado. Um altíssimo índice de ADINs tidas como prejudicadas fora verificado,
com sua grande maioria correspondendo a vício formal por perda de objeto, havendo
indícios de um comportamento estratégico do STF, no sentido de utilizar o tempo a
seu favor e escolher sobre o que publicamente se pronunciar.
5.7 A Corte é, afinal, ativista ou autocontenciosa quanto às demandas dos
partidos políticos?
A resposta do STF quanto às ações ajuizadas pelos pequenos partidos
políticos no período entre 1988 a 2015 fora medida através das variáveis categóricas
“procedente”, “improcedente”, “liminar concedida” e “aguardando julgamento”. Dentro
dos limites dos dados exploratório-descritivos desta pesquisa, foram comparadas as
respostas do Tribunal dadas às pequenas agremiações, ao PMDB e ao PT, no intuito
de procurar indícios sobre o comportamento da Corte, seja de modo uniforme para
todos os partidos, seja de modo particular em virtude do tamanho da agremiação. A
análise poderá ser aprofundada em pesquisas posteriores.
Quanto aos partidos de pequenas bancadas, as taxas de procedência e de
liminares concedidas pelo Tribunal foram baixas. Juntas, representam 19,3% do total
e não superam nem o número de ações que, até o fim da presente pesquisa, ainda
aguardam julgamento. Desse modo, demonstra-se o STF como não sendo ativista em
relação às pequenas agremiações.
Se comparados estes resultados dos partidos ao dos outros atores
legitimados a assumir a posição de requerentes no controle, oferecidos pela literatura
(CARVALHO, 2005; CARVALHO et al, 2011; CARVALHO et al, 2016), constata-se
que a Corte é seletiva, importando muito para o modo como decida quem se lhe
apresenta como requerente. Mas não apenas. A presente pesquisa demonstra ser o
Tribunal também estratégico.
A quantidade de eventos em que fora registrada a improcedência em
sentido amplo de uma ADIN proposta por partidos pequenos equivale a quase ao
115
quádruplo do registrado pelas ações procedentes. Mas não tão somente: se
analisados os pormenores dos motivos para o indeferimento do pedido de declaração
de inconstitucionalidade, os casos nos quais houve problemas com a legitimidade
ativa ou com o pedido da ADIN, ou quando a ação fora tida como prejudicada,
apresentam os mais altos índices quantitativos. Todos esses são vícios formais que
levam à extinção do processo sem julgamento de mérito. Enquanto isso, a taxa de
improcedência em sentido estrito – improcedentes pelo mérito – é quase igual à das
ações procedentes – logo, é baixo. O STF, portanto, decide muito mais amparado em
vícios formais do processo do que aprecia o mérito do litígio constitucional.
O Tribunal também utiliza o tempo como aliado para não decidir (LIMA et
al, 2016). De modo estratégico, assume deliberadamente os riscos de ”engavetar” um
processo – talvez por ser politicamente custoso – até que a decisão de mérito já não
seja mais interessante. Surgem, portanto, os altos números dos casos tidos como
prejudicados (de perda de objeto e de perda superveniente de legitimidade).
Até 2004, a perda superveniente de legitimidade consistiu em causa para
a extinção do processo. O motivo foi muito utilizado, correspondendo a 30 das 290
ações. Com a mudança de entendimento da Corte, agora a favor do prosseguimento
do feito em tal situação uma vez que se trata de processo objetivo, algumas decisões
foram agravadas e, com o agravo provido, duas foram extintas por perda de objeto e
muitas permaneceram sem julgamento do mérito até o fim desta pesquisa.
Mas o grande motivo para a taxa de insucesso dos pequenos partidos
políticos no controle abstrato corresponde à perda de objeto das ações diretas de
inconstitucionalidade propostas. Esta subcategoria por si só já supera o número das
ADINs procedentes.
A fim de saber o motivo para tamanho quantitativo da “perda de objeto”,
analisou-se o tempo de duração destes processos, assim julgados. Mais de um terço
delas demorou um tempo superior a 5,32 anos para obter a decisão final, superando,
assim, em muito a média encontrada no III Relatório Supremo em Números.
Desse um terço que muito perdurou até o seu julgamento, a maioria
correspondeu à impugnação de Medidas Provisórias anteriores à Emenda
Constitucional nº 32 – momento quando esse ato normativo primário com força de lei
poderia ser reeditado inúmeras vezes e produzir efeitos por prazo indeterminado. Tão
116
logo sobreveio a Emenda Constitucional nº 32, em setembro de 2001, a Corte deixou
de julgar ações com tamanha duração, reduzindo o tempo até a decisão final para
abaixo da média de 5,32 anos.
A redução do tempo para decidir, portanto, não significa necessariamente
uma diligência do Supremo, uma mudança de postura. O Tribunal foi quem passou a
ter que esperar por menos tempo para que o objeto da ação fosse perdido. Portanto,
mais parecem indícios de comportamento estratégico da Corte do que diligência.
Nesse sentido, o grande período de tempo é mais comum em ações mais
antigas, numa situação inversamente proporcional à ideia de sobrecarga da Corte: as
ADINs mais novas levaram menos tempo para serem julgadas. Contudo, há ações
propostas duas, três décadas atrás ainda aguardando pela decisão final, sem nem a
liminar ter sido concedida (ou não contêm pedido de liminar). Deliberadamente, o STF
parece estar escolhendo por não as decidir.
As ações que ainda dependem de julgamento somam o número de setenta
e quatro ADINs, se incluídas as ações antes extintas por perda superveniente de
legitimidade ativa que foram, depois, reconsideradas. As setenta e quatro ADINs
tornam esta categoria a segunda maior em termos quantitativos, correspondendo a
mais de 25% do total das ações propostas pelos pequenos partidos.
Tudo isso pode ser o sinal de uma nova postura do STF: a de não decidir.
A Corte está atuando estrategicamente. De outra forma, não há como explicar como
determinadas ações são julgadas mais rapidamente que outras, ainda que mais
antigas; ou não há como justificar que ações propostas desde 1992 ainda não tenham
tido decisão final.
Quer seja pela perda de objeto, quer seja pela perda superveniente de
legitimidade ou por outros argumentos jurídicos de cunho processual, ou, ainda, pela
passividade em deixar o tempo fluir, a Corte não está decidindo. Ou decide por não
decidir. A posição do Supremo de deixar escoar o tempo poderá ser o exercício de
uma nova “virtude passiva”, resgatando o conceito de Bickel, e, por conseguinte, uma
escolha pela autocontenção, entendimento esse que Lima et al (2016) também
chegou em suas conclusões.
Seja qual for o motivo, uma coisa é certa: trata-se do exercício de uma
autocontenção, bem maior do que o de um ativismo judicial. Os pequenos partidos
117
políticos não são parceiros do Tribunal. Eles obtêm uma taxa de insucesso quase
quatro vezes superior à de procedência. Desse modo, na maioria das vezes, não
conseguem uma boa resposta do STF, possível de reverter as decisões tomadas
pelas maiorias legislativas em prol de seus interesses. A Corte é seletiva e estratégica.
Quando comparadas as respostas aos partidos de pequenas bancadas
com as oferecidas para o PMDB e o PT, a realidade observada é proporcionalmente
a mesma: um baixo índice das ações procedentes e um alto quantitativo das ADINs
extintas por vícios formais, especialmente daquelas arrazoadas como perda de objeto.
Há também um número significativo das ações aguardando julgamento, maior que o
das procedentes – muitas (no caso do PMDB) não recentes e a grande maioria (para
o PT, representando 75%) com mais de dez anos sem decisão final, logo, apontando
para um comportamento deliberado da Corte.
Há, portanto, uma rejeição aparente do STF quando se trata de julgar as
ADINs propostas por partidos políticos. A consequência dessa rejeição é a perda de
objeto e não importa o tamanho do partido político, bastando ser agremiação para que
ocorra o resultado. Não é o tamanho, mas a natureza do requerente que influi em
como a Corte irá decidir. Desse modo, em relação à capacidade de obter respostas
do STF, não há diferença entre os partidos grandes ou pequenos, ao contrário do que
se poderia supor; há uma uniformidade no comportamento do Tribunal.
118
CONCLUSÕES
Cuidou-se, no primeiro e no segundo capítulo, de apresentar as regras do
“jogo político democrático” (BOBBIO, 1986), antes e depois da interferência do
Judiciário. Nele, os partidos políticos continuam sendo seus atores principais: são
canais de expressão que comunicam os interesses e demandas dos cidadãos para os
governantes, exercendo também pressão para verem atendidas as reinvindicações
que perseguem. Ademais, no jogo, a regra (ou o método) para a resolução dos
conflitos corresponde ao princípio de maioria (SARTORI, 1994).
O princípio de maioria, porém, pressupõe a existência de uma minoria,
mesmo que a criação da ordem jurídica e social seja determinada pela vontade do
grande grupo (KELSEN, 2000, p. 411). Ele traz consigo a ideia de proteção de
minorias. As minorias devem ter o direito de se opor à maioria, o direito de oposição
(SARTORI, 1994). É nesse sentido, para a grande literatura, que o Judiciário aparece
no jogo político: para proteger as minorias e resguardar a democracia, criando obste
à tirania da maioria – um poder contramajoritário (BICKEL, 1962; ELY, 1980).
Os partidos seguem sendo o ator principal no jogo político democrático,
tentando no Legislativo e no Executivo promover políticas públicas para atender ao
povo. Todavia, quando perdem nas Casas legislativas, ou ali estão insatisfeitas, as
agremiações possuem a prerrogativa constitucional de demandar no Judiciário. Elas
acionam a justiça através do controle de constitucionalidade, afim de declarar a lei ou
o ato normativo como inválido e retirá-lo do ordenamento jurídico. Como, no Brasil,
quem recebe tais demandas (as impugnações dos partidos quanto à validade de
determinadas leis) é o STF, o órgão termina por assumir uma função política, a de
Corte Constitucional, sendo capaz de interferir nas decisões dos outros Poderes.
Desse modo, o jogo político democrático continua no Judiciário, que passou
a decidir sobre matérias tradicionalmente de competência dos poderes majoritários
(Executivo e Legislativo), podendo, inclusive, exercer verdadeiro constrangimento à
realização de políticas públicas. A esse fenômeno de chamamento do Judiciário para
se pronunciar sobre demandas tradicionalmente decididas nos outros Poderes dá-se
o nome de judicialização. A resposta a esse chamamento poderá ser considerada
como uma postura ativista ou autocontenciosa, a depender da atitude da Corte.
119
Esta pesquisa buscou testar uma hipótese quanto aos partidos políticos de
pequenas bancadas brasileiros: o STF possui perfil autocontencioso em suas
decisões quanto às demandas submetidas por essa categoria de atores políticos. Uma
análise empírica de ordem qualitativa-quantitativa fora realizada, com o objetivo de
concluir sobre o comportamento do Supremo Tribunal Federal diante das demandas
propostas pelas pequenas agremiações – e, consequentemente, se a Corte seria, de
fato, uma arena interessante para a discussão dos interesses dos pequenos partidos
políticos.
O capítulo quatro trouxe a análise dos temas das ações diretas de
inconstitucionalidade ajuizadas pelos partidos políticos. O exame dos inputs do
processo de judicialização fora necessário para compreender a análise dos outputs,
desenvolvida no capítulo cinco. Não se tratou de discutir a racionalidade de quem
ajuíza o controle porque esse exame mais aprofundado dos inputs fugiria ao objetivo
deste trabalho, bastando conhecer a literatura sobre isso.
Quanto aos temas, há algumas pequenas diferenças entre os partidos
estudados, escolhas essas que variam muito um pouco entre eles. Contudo, a julgar
pelos temas mais recorrentes, há uma grande preferência por debater assuntos
ligados ao funcionalismo público, especialmente servidores públicos no âmbito do
Legislativo e do Executivo – embora também muito se discuta acerca dos servidores
do Judiciário. Nesse sentido, infere-se existir a presença de um interesse corporativo
de servidores públicos circundando todas as agremiações. Igualmente, pela forma
como se apresenta a grande judicialização desse tema, pode-se inferir que o apoio
dessas categorias sociais é essencial para qualquer tipo de partido, não importando a
sua posição ideológica tampouco o seu tamanho.
Dentro dos limites dos dados exploratório-descritivos desta pesquisa,
examinou-se a resposta do STF em relação às ADINs propostas pelo PT e pelo
PMDB, para efeitos comparativos entre os resultados desses e os das pequenas
agremiações. A intenção era procurar indícios acerca do comportamento da Corte,
seja de modo uniforme para todos os partidos, seja de modo particular em relação ao
tamanho das agremiações políticas. Certamente, tal análise poderá ser aprofundada
em pesquisas posteriores.
Estudos anteriores limitaram-se a estudar os partidos de um modo geral
(CARVALHO, 2005; LIMA et al, 2016), ou buscaram nos nove maiores indícios de
120
como se comporta o Supremo perante todas as agremiações (TAYLOR e DA ROS,
2008). Nesta pesquisa, quando estudados os pequenos partidos, constatou-se um
perfil da Corte no sentido de não deferir os pedidos das pequenas agremiações. Mais
especificamente, um alto número de ações extintas sem julgamento do mérito, em
virtude da perda de objeto ou da perda superveniente de legitimidade ativa – motivos
que tornam a ação prejudicada. Também é alto o número das ADINs aguardando
julgamento, mas não tão alto quando o das ações tidas como prejudicadas.
Aqui se confirmou Carvalho (2005): comparados estes resultados dos
partidos ao dos outros atores legitimados a assumir a posição de requerentes no
controle, oferecidos pela literatura (CARVALHO, 2005; CARVALHO et al, 2011;
CARVALHO et al, 2016), constata-se que a Corte é seletiva. Mas não apenas. A
presente pesquisa também aponta indícios de ser o Tribunal estratégico, estando de
acordo com as conclusões de Lima et al (2006). De outra forma, não há como explicar
como determinadas ADINs são julgadas mais rapidamente que outras, ainda que mais
antigas; ou não há como justificar que ações propostas desde 1992 ainda não tenham
tido decisão final.
Quer seja pela perda de objeto, quer seja pela perda superveniente de
legitimidade ou por outros argumentos jurídicos de cunho processual, ou, ainda, pela
passividade em deixar o tempo fluir, a Corte não está decidindo. Ou decide por não
decidir. A posição do STF de deixar escoar o tempo poderá ser indício do exercício
de uma nova “virtude passiva”, resgatando o conceito de Bickel, e, por conseguinte,
uma escolha pela autocontenção, tal como também concluiu Lima et al (2016).
Quando comparadas as respostas do Tribunal aos partidos de pequenas
bancadas com as oferecidas para o PMDB e o PT, a realidade observada é
proporcionalmente a mesma: um baixo índice das ações procedentes e um alto
quantitativo das ADINs extintas por vícios formais, especialmente daquelas
arrazoadas como perda de objeto. Há também um número significativo das ações
aguardando julgamento, maior que o das procedentes – muitas (no caso do PMDB)
não recentes e a grande maioria (para o PT, representando 75%) com mais de dez
anos sem decisão final, logo, apontando para um comportamento deliberado da Corte.
Há, portanto, uma rejeição aparente do STF quando se trata de julgar as
ADINs propostas por partidos políticos. A consequência dessa rejeição é a perda de
objeto e não importa o tamanho do partido político, bastando ser agremiação para que
121
ocorra o resultado. Não é o tamanho, mas a natureza do requerente que influi em
como a Corte irá decidir. Desse modo, em relação à capacidade de obter respostas
do STF, não há diferença entre os partidos grandes ou pequenos, ao contrário do que
se poderia supor; há uma uniformidade no comportamento do Tribunal.
O estudo aqui realizado confirmou Carvalho (2005), que tinha concluído ser
o Tribunal seletivo, importando muito para o modo como decida quem se lhe apresenta
como requerente. No plano dos dados descritivos, o tamanho dos partidos parece não
influenciar na resposta, havendo uma uniformidade no comportamento dos juízes em
relação às agremiações. Logo, basta ser partido político para aumentarem as chances
de a Corte responder no sentido da autocontenção.
122
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