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FERNANDA DA SILVA GOMES
ROUSSEAU DEMOCRACIA e REPRESENTAO
Florianpolis SC
2006
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FERNANDA DA SILVA GOMES
ROUSSEAU DEMOCRACIA e REPRESENTAO
Trabalho apresentado ao Departamento de
Ps-Graduao em Filosofia para obteno do
ttulo de mestre. Mestrado em tica e
Filosofia Poltica, Universidade Federal de
Santa Catarina.
Orientador: Selvino Assmann.
Florianpolis SC
2006
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A nica atitude digna de um homem
superior o persistir tenaz de uma actividade
que se reconhece intil, o hbito de uma
disciplina que se sabe estril, e o uso fixo de
normas de pensamento filosfico e metafsico
cuja importncia se sente ser nula.
Fernando Pessoa
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AGRADECIMENTOS
Concluir essa tarefa no seria possvel sem o apoio incondicional de minha famlia,
principalmente dos meus pais, a quem tanto devo. A educao e os valores que eles me
transmitiram so minha fortuna.
Devo ainda um agradecimento especial ao professor Selvino, por sua paciente
orientao. Ele consegue dar uma ateno especial a cada um de seus orientandos sem
diminuir-lhes a liberdade de escolher o tema e o mtodo de pesquisa.
Valiosa tambm foi a contribuio dos professores Snia Felipe e Pinzani, na
ocasio em que meu trabalho foi submetido qualificao.
Irmos de sangue no podem ser escolhidos, mas existem aquelas pessoas que
adotamos como irmos e irms. A estas eu devo minha persistncia nos estudos.
Espao especial merecem, por fim, os meus colegas de mestrado, que contriburam
para que o trabalho realizado aqui fosse realmente prazeroso.
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RESUMO
Rousseau adota uma definio clssica de democracia que a torna incompatvel com a idia
de representao. Mas a anlise de outros conceitos de sua teoria poltica possibilita
amenizar esta incompatibilidade. A legislao do Estado, enquanto poder soberano,
atribuda aos cidados atravs da idia de vontade geral. Esta no permite que a soberania
seja transmitida ou representada. Contudo, dentro do que o filsofo denomina repblica,
existe a possibilidade de representao no que compete administrao do Estado.
Palavras-chaves: democracia, representao, vontade geral, soberania, repblica.
ABSTRACT
Rousseau has a classical definition of democracy that is incompatible with representations
idea. But the analysis of another concepts of Rousseau`s political theory could make it not
so incompatible. The States legislation, like sovereign power, belongs to citizens by
general will. It did not permit that dominion be transmit or represent. After all, within
philosopher calls republic, there is a possibility of representation about States
administration.
Key words: democracy, representation, general will, sovereign, republic.
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SUMRIO
INTRODUO __________________________________________________________ 7 CAPTULO I: O PACTO SOCIAL__________________________________________ 10
I.1. Hobbes: o contraponto _____________________________________________ 12 I.1.1. Guerra de todos contra todos ______________________________________ 13 I.1.2. O Soberano Representante ________________________________________ 16
I. 2. Rousseau: Contrato factual e contrato ideal ___________________________ 17 I. 2.1. Liberdade e igualdade___________________________________________ 28
CAPTULO II: VONTADE GERAL E SOBERANIA POPULAR _________________ 33 II.1. Vontade Geral, Vontade Particular e Vontade de Todos _________________ 33
CAPTULO III: DA DEMOCRACIA________________________________________ 42 III. 1. Da Democracia em Rousseau ______________________________________ 45 III.2. A Democracia dos Modernos _______________________________________ 52
III. 2.1. Dos dois tipos de democracia ____________________________________ 53 CAPTULO IV: SOBRE A REPRESENTAO_______________________________ 67
IV. 1. Da Representao em Rousseau ____________________________________ 70 IV. 2. Das duas formas de liberdade ______________________________________ 81 IV. 3. Utilitarismo e Governo Representativo ______________________________ 92
CONCLUSO _________________________________________________________ 100 BIBLIOGRAFIA _______________________________________________________ 103
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INTRODUO
A democracia, na sua definio clssica, uma forma de governo na qual o
cidado executa diretamente as tarefas administrativas e legislativas do Estado.
Exemplo mais prximo disso se deu na Grcia clssica. Nela, os cidados
governavam a polis reunindo-se em praa pblica e votando a favor ou contra
determinada lei ou ao.
Da modernidade at hoje, a idia de democracia tem adquirido um valor em
si mesma. Desde instituies menos complexas ao governo do Estado, a democracia
como opo mais correta para tomada de decises aclamada praticamente com
unanimidade. Como forma de governo, tomando-a de maneira mais especfica, a
fora dessa idia atingiu tal patamar que serve at como justificativa de guerra.1
Interessante ressaltar tambm o rumo que tomou o entendimento sobre a
essncia mesma de democracia. O que antes era definido como uma forma direta de
governo, apresenta hoje novas roupagens como a diviso entre democracia direta e
democracia representativa. Surge ento a pergunta sobre o porqu da mudana e
quais suas implicaes. Mais do que isso: surge tambm a necessidade de definies
que possam ser usadas como parmetro para descobrir se a representao dentro de
uma democracia uma opo, uma necessidade ou uma contradio.
Na busca de respostas e definies, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) o
caminho mais apropriado a ser seguido, visto que o pensador retoma as origens da
tradio terica do tema. A questo central ento descobri como se d a relao
entre democracia e representao. O pano de fundo o pensamento de Rousseau,
sobretudo o que se encontra no Do Contrato social.2 A democracia ali definida
como uma forma de governo que legtima quando pertencente a um Estado
republicano. A repblica rousseauniana, por sua vez, apresenta a estrutura ideal de
um Estado legtimo, no qual impera a vontade geral.
1 O panorama atual aparece aqui apenas justificando o tema, no sendo ele o foco da discusso. 2 No decorrer da discusso, a obra aparecer apenas como Do contrato. O Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, por sua vez, aparecer como segundo Discurso.
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A representao, que o genebrino critica, serve de base para comentrios de
Benjamin Constant e Stuart Mill, que defendem a mesma representao recusada
pelo genebrino. Para aqueles, a democracia representativa a forma de governo que
cabe aos modernos. Rousseau, entretanto, no aceita o descaso que os modernos do
poltica, colocando-a muito aqum de seus negcios particulares.
A questo sobre a representao ainda passa em Rousseau pela pergunta
sobre o que pode ou no ser representado. A busca pela resposta partir dos
conceitos de vontade geral e soberania popular. O poder soberano pertence ao povo
em unio. nessa unio que se forma a vontade geral, que no pode de forma
alguma ser transferida ou representada.
Seguimos aqui a posio de Salinas Fortes, para quem a obra de Rousseau se
completa atravs de diferentes fases, alcanando assim sua coerncia.3 Dessa forma
o que encontramos no Do Contrato um ideal que serve de parmetro para
questionar e aperfeioar a prtica.4 A no existncia da necessidade de seguir o Do
Contrato risca ajuda a obra de fugir da acusao de totalitarismo. Hannah Arendt
um exemplo de quem v no contrato rousseauniano esse perigo por conta da
identificao entre o um e o universal, entre o indivduo e o todo, que d origem
vontade geral. Contudo, ao escrever sobre o governo da Polnia e ao apresentar
uma constituio para Genebra, o genebrino parte da realidade desses povos para
adapt-los ao seu ideal de Estado. No Do Contrato, por sua vez, ele no parte da
realidade, mas da idia de como os homens podem e devem ser.5
Para dissertar sobre a democracia e representao em Rousseau, quatro
captulos sero apresentados. O primeiro, denominado o pacto social, apresenta o
contratualismo de Rousseau. Nessa apresentao fazemos referncias s idias de
Hobbes, para que, no confronto com aquelas do pensador de Genebra, as crticas
deste fiquem mais claras.
3 O segundo Discurso uma crtica aos homens pelo que so e um relato de como chegaram a ser o que so. O Do Contrato oferece uma situao ideal, atravs da idia de como os homens podem e devem ser. Nas Consideraes sobre o Governo da Polnia e sua Reforma Projetada, Rousseau realiza sua tentativa de aproximar-se do ideal a partir da realidade daquele pas e de seus cidados. 4 Posio adotada tambm por Cassirer, na Questo J-J Rousseau. O conflito de interpretaes, expresso de Cassirer, foge da nossa questo central. Por esse motivo, ele no ser analisado aq