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DEMOCRACIA VIRTUAL E O PENSAMENTO GRAMSCIANO Roberta Kerr 1 RESUMO: Este texto é um recorte da tese em desenvolvimento intitulada “Gramsci, mídias sociais virtuais e os movimentos sociais em rede pela educação no Brasil. Em nossa pesquisa, buscamos investigar a relação das reflexões contidas nos escritos carcerários de Gramsci com os discursos dos sujeitos conectados em ações reivindicativas pela educação pública via publicações nas mídias sociais virtuais. O universo multimidiático, como espaço democrático de múltiplas vozes, pode ser um recurso político-pedagógico para a luta de classes, para a qual consideramos os pensamentos gramscianos essenciais. Afinal, suas palavras fundamentam conceitos utilizados na investigação e suas reflexões subsidiam criticamente as questões propostas. Palavras-chave: Antonio Gramsci; Mídias Sociais; Movimentos Sociais ABSTRACT: This text is a cut of the thesis under development entitled "Gramsci, virtual social media and social movements networked by education in Brazil". In our research, we seek to investigate the relation of the reflections contained in Gramsci's prison writings to the discourses of the subjects connected in actions for public education through publications in the virtual social media. The multi-media universe, as a democratic space of multiple voices, can be a political-pedagogical resource for the class struggle, for which we consider the essential Gramscian thoughts. After all, his words ground concepts used in research and his reflections critically subsidize the proposed questions. Keywords: Antonio Gramsci; Social Media; Social Movements 1 Estudante de Pós. Universidade Federal Fluminense. [email protected]

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DEMOCRACIA VIRTUAL E O PENSAMENTO GRAMSCIANO

Roberta Kerr1

RESUMO: Este texto é um recorte da tese em

desenvolvimento intitulada “Gramsci, mídias sociais virtuais e os movimentos sociais em rede pela educação no Brasil”. Em nossa pesquisa, buscamos investigar a

relação das reflexões contidas nos escritos carcerários de Gramsci com os discursos dos sujeitos conectados em ações reivindicativas pela educação pública via publicações nas mídias sociais virtuais. O universo multimidiático, como espaço democrático de múltiplas vozes, pode ser um recurso político-pedagógico para a luta de classes, para a qual consideramos os pensamentos gramscianos essenciais. Afinal, suas palavras fundamentam conceitos utilizados na investigação e suas reflexões subsidiam criticamente as questões propostas.

Palavras-chave: Antonio Gramsci; Mídias Sociais; Movimentos Sociais

ABSTRACT: This text is a cut of the thesis under

development entitled "Gramsci, virtual social media and social movements networked by education in Brazil". In our research, we seek to investigate the relation of the reflections contained in Gramsci's prison writings to the discourses of the subjects connected in actions for public education through publications in the virtual social media. The multi-media universe, as a democratic space of multiple voices, can be a political-pedagogical resource for the class struggle, for which we consider the essential Gramscian thoughts. After all, his words ground concepts used in research and his reflections critically subsidize the proposed questions.

Keywords: Antonio Gramsci; Social Media; Social

Movements

1 Estudante de Pós. Universidade Federal Fluminense. [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

No Brasil a educação comparece no slogan da campanha do governo federal,

presidido por Dilma Rouseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), através do título

“Pátria Educadora” desde o início do governo da presidenta (2015). Apesar desse

marketing, o Estado que se julga democrático e que prevê direitos a todos os cidadãos

não consegue garantir escolas igualitárias e de qualidade aos estudantes.

Os movimentos populares buscam a conscientização coletiva a fim de

contestar o poder. Questionam o modo como se estabelecem as relações sociais e as

formas como os atos políticos se instauram e se propagam nesse meio.

Uma sociedade livre se fundamenta numa gestão democrática e, para

Gramsci, a solução “deveria ser encontrada na constituição do ‘Estado ético’,

omniabrangente, capaz de ultrapassar os conflitos da sociedade civil e garantir o

funcionamento do todo” (SEMERARO, 1999, p.2). Tais conflitos são gerados por conta

das rupturas desejadas pela classe oprimida, insatisfeita com o descaso do Estado.

Destarte, o enfrentamento entre as classes sociais se estabelece pela

organização comunicacional e promoção de novas maneiras de pensar, que constitui

uma atividade intelectual criadora. Segundo Gramsci, “Ogni uomo infine, all’infuori

della sua professione esplica una qualche attività intellettuale, è cioè un ‘filosofo’, un

artista, un uomo di gusto, partecipa di una concezione del mondo, ha una consapevole

linea di condotta morale”2 (Q12 §3). No entanto, as “camadas intelectuais” se formam

de acordo com processos históricos tradicionais concretos, relacionando-se com o

mundo da produção “mediatizada” pelo contexto social e geradas pelas necessidades

políticas do grupo fundamental dominante. Nesse embate, entre a “sociedade civil” e a

“sociedade política ou Estado”, Marx (1978) defendia que “era preciso que os

intelectuais políticos se colocassem no lugar das vítimas do sistema, adquirissem a

ótica dos defraudados e se revestissem das suas energias revolucionárias”

(SEMERARO, 2006, p.375).

Segundo as premissas de Marx e Gramsci, a filosofia, reflexão das ideias pelos

intelectuais, deve se tornar “práxis política”, em que o conhecimento é socializado e

2 Tradução: “todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral”.

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conectado às diversas organizações sociais, tornando-se, assim, orgânico e

contrapondo-se à elitização desses pensadores. Por essa razão, o novo intelectual

intenciona conquistar maior consciência da sua classe através da sua vinculação à

cultura, à história e à política das classes desprivilegiadas, diferentemente da imagem

que se tem do filósofo como detentor de todo conhecimento.

Desse modo, a propagação de ideias filosóficas encontra, nas conexões

virtuais, um ambiente propício no qual os movimentos sociais em rede possam

construir um espaço público, criando comunidades livres no espaço urbano. Uma vez

que o espaço público institucional – o espaço constitucionalmente designado para a

deliberação – está ocupado pelos interesses das elites dominantes e suas redes, os

movimentos sociais precisam abrir um novo espaço público que não se limite à

internet, mas se torne visível nos lugares da vida social (CASTELLS, 2013, p.25).

Urge colocar que, até 2015, 43% das pessoas do mundo tinham acesso à

internet, segundo o relatório State of Connectivity 2015. O Brasil possui mais da

metade da população – 102 milhões de pessoas – conectada à Internet e 53% dos

brasileiros acessam as mídias sociais, como Facebook e Twitter, diariamente. A

frequência de consulta aos smartphones é diária para 82% dos usuários. Trata-se de

um cenário que configura um modo de comunicação em que as tecnologias modificam

o comportamento à medida que geram novos hábitos e necessidades cotidianas.

Naturalmente essa evolução se instaura a partir de um processo capitalista

consumidor, já que, em termos comunicacionais, é um grande negócio a oferta de

produtos que possibilitam a interação on-line entre usuários da rede que estejam em

qualquer lugar do mundo. Essa realidade atende todo tipo de informação ou notícia

considerando que, nos dias de hoje, nem sempre ocorre a checagem da veracidade

dos dados divulgados, com grande ocorrência de notícias falsas – as Fake News.

Os dispositivos de comunicação, tais como computadores, smartphones e

tablets, são objetos de consumo, produtos que, além de atender um mercado volátil –

no qual quaisquer equipamentos eletrônicos se tornam rapidamente “ultrapassados” –,

propicia a intercomunicação sem limitação geográfica, o que lhes concede um grande

potencial. Ambas as funções, contudo, demandam certo recurso econômico-social,

visto que a sua aquisição, assim como manter-se conectado em rede, custam valores

pelo serviço. Interconectar o planeta, compartilhando inúmeras vozes de diferentes

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culturas, crenças e modos de vida, gera um valor que não pode ser pago por uma

grande parcela da população.

Além da questão socioeconômica, disseminar ideias democráticas que

reivindiquem melhores condições para os subalternos não é uma ação

necessariamente facilitada via mídias digitais. Por mais que o sistema midiático tenha

a capacidade de fixar ideologias, influenciando a opinião pública, existe um embate

que se estabelece contra as falas anteriormente legitimadas pela classe dominante e

pelos meios de comunicação de massa. Gramsci “pensou na importância da palavra

(oral e escrita) em termos de concepções de mundo e de uma grande narrativa

história. Esta reflexão merece ser projetada para os nossos dias” (BUEY, 2003, p.36).

Nos textos multimidiáticos, a dominação político-ideológica está presente,

ocupando um importante espaço e determinando padrões na sociedade de consumo

que funciona, naturalmente, pela lógica do capital. No sistema atual, os setores de

informação e entretenimento pertencem “a um reduzido número de corporações que

se incumbem de fabricar volume convulsivo de dados, sons e imagens, em busca de

incessante lucratividade em escala global” (MORAES, 2013, p.19).

A manutenção do estabelecimento dessas corporações é garantida em função

da potência conectada globalmente de todos os recursos e suportes comunicativos

que possuem, ligando e buscando padronizar pessoas, sociedades, economias e

culturas. O universo das multimídias comporta: “a vida social, as mentalidades, os

processos culturais, os circuitos informativos, as cadeias produtivas, as transações

financeiras, a arte, as pesquisas científicas, os padrões de sociabilidade, os modismos

e as ações sociopolíticas” (MORAES, 2013, p.19).

Posicionar-se de modo a resistir à hegemonia dominante é tarefa árdua para

todos os grupos sociais que almejam conquistar algum espaço. A propósito,

tem-se escrito sobre o conceito gramsciano de hegemonia, suas nuanças, sua permanente relevância, a possibilidade de sua aplicação à análise crítica da política e da cultura contemporânea, e assim por diante, mais do que sobre qualquer outro aspecto da sua extensa e abrangente obra (BUTTIGIEG, 2003, p.39).

No entanto, não há um caderno temático proposto pelo pensador italiano para

reunir as inúmeras notas que tratam da questão da hegemonia, do mesmo modo que

não há qualquer trecho que defina mais delimitadamente o conceito do termo. Ainda

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assim, podemos depreender que, em sua visão, Gramsci coloca que a perpetuação da

civilização burguesa moderna se dá através de operações de hegemonia.

Verdadeiramente, a partir das ideias gramscianas, devemos pensar na

educação e em outros meios comunicacionais enquanto práticas pedagógicas

políticas que possam corroborar para a formação intelectual a fim de preparar os

sujeitos objetivando gerar um movimento em direção a um novo Estado.

Os seus pensamentos se mostram cada vez mais latentes e necessários à

atualidade política para direcionar os sujeitos a uma práxis emancipadora e de cunho

popular. Não basta requerer modificações pontuais, permanecendo na pequena

política, pois deve-se ir além, conforme propunham as reflexões gramscianas. A

política do dia a dia, a política parlamentar, a política de corredor não compreendem o

que deveria ser a principal motivação na luta de classes: “La grande politica

comprende le quistioni connesse con la fondazione di nuovi Stati, con la lotta per la

distruzione, la difesa, la conservazione di determinate strutture organiche

economico-sociali”3 (Q13 §5).

Entende-se como sendo uma estratégia do poder dominante descredibilizar a

máquina governamental de maneira a desviar a atenção para questões que não são o

cerne da questão no cenário da dialética hegemonia versus contra-hegemonia.

Diante de um quadro de desesperança, visto que os noticiários

constantemente revelam atos de corrupção, desvio de verbas, desrespeito aos direitos

mais básicos dos cidadãos, desacatos às leis etc., é natural que o cidadão se veja

diante de um problema irremovível, sem perspectivas para a luta. Ter acesso ao

conhecimento, de modo a desconfiar das informações veiculadas pelos meios de

comunicação de massa e inspirar confiança na força da população no contexto da luta

de classes são caminhos para se estabelecer a paixão política.

Trata-se de pensar a educação como um aparelho hegemônico, mantido para

a manutenção das ideologias dominantes. O medo da presença de uma “doutrinação

de esquerda” nas instituições públicas mobiliza os governantes a criar estratégias de

impedir o avanço reflexivo dos discentes. A escola que, hoje, foca na formação técnica

3 Tradução: “A grande política inclui questões relacionadas à fundação de novos estados, com

a luta pela destruição, defesa, preservação de certas estruturas socioeconômicas orgânicas”.

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para o mundo do trabalho, deve preparar os alunos para o pensamento crítico, dando-

lhes a condição da cidadania, democracia e autogoverno (LIGUORI, 2017b, p.407).

Por isso, refletimos quais são os ambientes propícios à recepção de novos

ideais e de que modo os excluídos podem – e precisam – se inserir nos espaços

virtuais contemporâneos. A resistência que se estabelece em rede via movimentos

sociais não deve permanecer exclusivamente on-line. Muitos movimentos se iniciam

em debates nas redes virtuais, configurando discussões e organizações necessárias

para a posterior ocupação das ruas.

Lembramos que há muitos perfis nas redes sociais que representam a

chamada “direita-conservadora” numa oposição ao estereótipo midiático denominado

“doutrinação marxista”. A situação de um confronto ideológico dicotômico e, também,

tendencialmente partidário é ratificada pelas mídias. Assim, focamos no entendimento

de uma suposta democracia virtual, procurando entender: o modo como esta se

estabelece, os grupos que abrange, assim como, os grupos que exclui. Isso sem

esquecer de que outras forças atuam nos mesmos espaços, pois estas podem

dificultar a atuação do movimento dos subalternos.

2. FORMAÇÃO DE DIRIGENTES

Ao refletir sobre a importância da escola na formação de dirigentes – e não

apenas na capacitação de trabalhadores para atender o mercado capitalista –,

Gramsci pensa nas estratégias para se criar as condições educacionais contra a

dominação hegemônica. Os sujeitos devem estar preparados para o autogoverno e,

por conseguinte, para a conquista da democratização popular social.

Em termos numéricos, a corrupção brasileira compromete cerca de 2,3% do

Produto Interno Bruto (PIB) nacional segundo estudos da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP) de 2015. Isso corresponde, anualmente, a cerca de 145

bilhões de reais, equivalente aproximado à receita destinada à saúde e quase o dobro

do que é reservado à educação.

A educação básica de infraestrutura precária, com salas lotadas de alunos,

sem receita para a merenda escolar, o sucateamento das universidades públicas, com

professores(as) sem receber seus salários, a criação de leis que restringem a atuação

do(a) docente, disciplinas como sociologia e filosofia deixando se ser obrigatórias,

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todo esse cenário perverso não contempla situações estanques e dissociadas de um

interesse em manter os alunos apáticos do universo político-cidadão.

Como, então, conduzir o povo para a formação de um novo status quo social?

Se, de algum modo, não temos o acesso à formação adequada, que prepare os

sujeitos alunos em condições intelectuais de criticar a realidade a sua volta, como ter

acesso a um conteúdo que possa minimizar tal lacuna formativa?

Talvez os meios de comunicação multimídia possam colaborar para a

divulgação dos ideais revolucionários via movimentos sociais, porém de maneira a

evitar a multiplicação de conteúdos como meras repetições de ideias prontas. Deve-se

“formar” a partir de uma reflexão real do universo cotidiano da opressão sofrida

através de direitos usurpados pela ganância de empresários e governantes. Situações

estas fundadas e fundamentadas pelo liberalismo econômico e globalização.

Gramsci se mantinha informado através da leitura constante de jornais e

revistas, tais como La Voce, L’Unità e Critica. Posteriormente, ainda como estudante

em Sardenha, tornou-se correspondente da Unione Sarda. Foi jornalista militante,

além de integrar o Partido Comunista. Trabalhou na imprensa socialista escrevendo

em diversos jornais, sendo eles: Grido del Popolo, L’Avanti, L’Ordine Nuovo e L’Unità.

O pensador sardo entendia que ao jornalismo implicava a atividade intelectual,

tratando-se, no seu caso, de um jornalismo engajado e preocupado em propor ideias

que refletissem sobre uma nova hegemonia. A mídia jornal atuava como recurso na

manutenção do aparelho hegemônico da classe dominante, atividade comunicativa

para a geração do senso comum. Objetivava-se ampliar a intelectualidade e o acesso

cultural das massas, informando e formando a população como num processo político-

educativo.

Seguindo as ideias gramscianas, a educação e o jornal (ou revista), como

instrumentos formativos/informativos, podem apresentar a mesma utilidade na luta

pela democracia social, garantindo a divulgação de ideias por um Estado democrático-

popular aos subalternos. O pensador tece algumas recomendações para garantir uma

proposta de editorial “homogêneo e disciplinado” e coloca:

darebbe soddisfazione alle esigenze di una certa massa di pubblico che è più attiva intellettualmente, ma solo allo stato potenziale, che più importa elaborare, far pensare concretamente, trasformare, omogeneizzare, secondo

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un processo di sviluppo organico che conduca dal semplice senso comune al pensiero coerente e sistematico

4 (Q24 §3).

Tais recursos comunicativos devem, assim, servir a uma atividade unificadora,

trazendo uma ação que se assemelhe a do partido:

G. propõe “uma série de ensaios sobre o jornalismo das mais importantes capitais dos Estados do mundo” (Q 16, 4, 1.846-7 [CC, 4, 23], ulterior prova de como o jornalismo lhe aparece um momento fundamental na obra seja de conhecimento, seja de transformação do mundo moderno (LIGUORI, 2017a, p.450).

O movimento pela educação iniciado em 2015 pelos secundaristas paulistas foi

um importante fenômeno social e político, pois propôs novas formas de luta

democrática. As ações da ocupação das escolas públicas se popularizaram pelas

mídias sociais virtuais, demonstrando uma maior participação reflexiva dos jovens – os

quais se posicionavam contra o sistema opressor do governo.

Desse modo, a discussão se ampliou através das experiências compartilhadas

via web e o movimento alcançou espaços alternativos pela defesa dos direitos do

cidadão. Afinal, faz-se necessário “conhecer o funcionamento da sociedade, descobrir

os mecanismos de dominação encobertos pela ideologia dominante e os

enfrentamentos das classes na disputa pelo poder” (SEMERARO, 2006, p. 274).

Nessa disputa, o coletivo jovem caminha numa direção de descortinamento das leis

que controlam o poder público das políticas educacionais.

3. SENSO COMUM NOS RECURSOS MULTIMIDIÁTICOS

A Organização Não Governamental (ONG) Movimento Brasil Livre (MBL)

declara seus objetivos do seguinte modo em seu perfil na rede: “visa mobilizar

cidadãos em favor de uma sociedade mais livre, justa e próspera. Defendemos a

Democracia, a República, a Liberdade de Expressão e de Imprensa, o Livre Mercado,

a Redução do Estado, Redução da Burocracia”5. A ONG atua no Facebook, Twitter,

Instagram, tem um site próprio e um canal de vídeos no YouTube. Sua página vende

4 Tradução: “satisfaria as necessidades de uma determinada massa de público que seja mais

intelectualmente ativo, mas apenas para o estado potencial, que é mais importante para elaborar, pensar

concretamente, transformar, homogeneizar de acordo com um processo de desenvolvimento orgânico que

leva do simples senso comum ao pensamento coerente e sistemático”.

5 Disponível em: https://www.facebook.com/mblivre/.

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desde camisetas com a frase “O Brasil venceu o PT” a bonecos do ex-presidente Luís

Inácio Lula da Silva com roupa de presidiário (denominado “Pixuleco”), publica textos

jocosos em tom de escárnio, utiliza diversas mídias digitais, e comumente direciona

suas críticas contra os “petistas”, “petralhas”, “pelegos”, “comunistas”, “comunas”,

dentre outros termos pejorativos que utilizam para denominar aqueles que eles julgam

representar a “esquerda”.

Sobre a expressão “petralha”, trata-se da “contração de ‘petista’ com os

‘Irmãos Metralha’. Este rótulo, inventado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, serve agora

aos fins do discurso político dos opositores ao PT” (WAINBERG; ANTUNES JUNIOR;

et al, 2017, p.4)

A audiência do MBL é altíssima, atualmente com 2,4 milhões de seguidores no

Facebook, assim como outras páginas que seguem a mesma linha de crítica aos que

eles consideram oposição, como, por exemplo, a Socialista de IPhone, com mais de

900 mil, e Mamãe, Falei, com um pouco mais de um milhão.

Aliás, o termo “petista” é uma generalização para a identificação de diversas

correntes de pensamento, ou seja, nos discursos multimidiáticos, engloba todos os

sujeitos que defendem os direitos dos mais pobres, o aborto, a descriminalização da

maconha, o movimento feminista, o movimento GLBT, a questão de gênero na

educação, os direitos humanos; que se identificam contra: a reorientação de

homossexuais, a truculência da polícia, o discurso “bandido bom é bandido morto”, a

redução da maioridade penal, o armamento e a escola sem partido, citando diversos

exemplos.

Esse estereótipo faz parte das correntes de pensamento do senso comum,

ratificadas pelas grandes mídias abertas, e constantemente repetidas e

compartilhadas por inúmeros usuários na rede. Afinal, a respeito do ser “petista”:

Então, para vencer este “câncer”, exalta-se a operação da redentora limpeza “Lava-jato”, conferindo destaque maciço aos casos que envolvem o governo, deixando à margem as numerosas situações escabrosas de outros partidos, encobrindo o comportamento seletivo e arbitrário da magistratura e a manipulação das informações (SEMERARO, 2016, p.2).

A questão é tão complexa, que urge acompanhar, ainda, de qual modo as

políticas públicas repercutem em resposta às ações alternativas (“contra

hegemônicas”) da expressão popular. A viralização de eventos, vídeos, memes e

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outros geram, muitas vezes, respostas pontuais por parte do governo. Existe uma

grande pressão pelo feedback às iniciativas originadas nas redes sociais, como o

Facebook e o Twitter que, através de hashtags, comentários, likes e retweets

popularizam ideias. As marcações são ainda mais notadas quando “famosos” aderem

à proposta, difundindo-a com maior audiência em sua rede de seguidores.

4. MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE E VONTADE COLETIVA

No contexto da luta de classes, os movimentos sociais em rede podem se

tornar verdadeiros instrumentos em prol de mudanças sociais. Comumente se

originando em momentos de crise, expressam o descontentamento frente à realidade,

reivindicam melhores condições na sociedade e utilizam os recursos comunicacionais

virtuais para estruturar suas ações.

Sobre algumas características dos movimentos na era da Internet, estes

não nascem apenas da pobreza ou do desespero político. Exigem uma mobilização emocional desencadeada pela indignação que a injustiça gritante provoca, assim como pela esperança de uma possível mudança em função de exemplos de revoltas exitosas em outras partes do mundo, cada qual inspirando a seguinte por meio de imagens e mensagens em rede pela internet (CASTELLS, 2013, p.159).

Devemos refletir acerca das realidades periféricas, já que o acesso a tais

novos recursos exige uma outra “alfabetização”. Os novos meios comunicacionais

refletem a interação da sociedade contemporânea assim como, na Revolução

Francesa, os folhetins e jornais possuíam um recurso fundamental para espalhar as

ideias contra a monarquia sensibilizando os burgueses e a população. Havia

obviamente a restrição dos mais humildes, mais especificamente dos analfabetos que

não tinham acesso aos textos. Comparativamente, contemporaneamente há os

analfabetos digitais, aqueles que, mesmo com o acesso a equipamentos diversos, não

têm a habilidade do recurso tecnológico.

Como convencer a população da importância da paixão política nos dias de

hoje? O senso comum de que nenhum político presta e de que todos são corruptos é

extremamente oportuno, gerando um distanciamento da população no

aprofundamento das leis, das inúmeras medidas provisórias e das várias propostas de

emendas constitucionais. Afinal, para que se inteirar das questões políticas se, no

final, não há punição aos corruptos e/ou mais ricos?

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O pensamento corrente é que não vale a pena se interessar e acompanhar as

ações dos governantes, pois estas são passíveis de subornos e propinas num cenário

de investigações de lavagens de dinheiro e desvios de verbas públicas que alcançam

valores astronômicos, numa realidade econômica de crise, na qual setores como a

saúde e a educação não possuem verbas para garantir a qualidade de funcionamento

e atendimento.

Gramsci aponta sobre esta estratégia que encobre a realidade já que é mais

fácil atuar corruptivelmente com sujeitos alienados descrentes de todo meio legislativo

e civil do que com uma classe consciente de seus direitos e plena de esperanças por

uma sociedade democrática em relação aos mais carentes. Aliás, a ideia de

democracia deve sempre prevalecer, isso porque a igualdade de direitos básicos

previstos na Constituição deve ser praticada em todos os níveis governamentais,

federal, estaduais e municipais.

CONCLUSÃO

Em nossa pesquisa, que abarca os pensamentos de Antonio Gramsci, as

mídias sociais virtuais e os movimentos sociais em rede pela educação no Brasil,

propomos refletir sobre as ideias gramscianas no contexto dos novos meios de

comunicação multimidiáticos utilizados fortemente para as interações e organização

de iniciativas populares contra a hegemonia dominante.

A tese, ainda em construção, perpassa por tópicos diversos para abranger uma

visão sistêmica de cunho político-filosófico das questões propostas, sendo elas: a

crise orgânica brasileira na contemporaneidade, a conexão dos sujeitos em rede, os

movimentos sociais na cibercultura e, por último, a democracia virtual e o pensamento

gramsciano. Este último, como principal recorte para a presente comunicação.

As múltiplas vozes das ações reivindicativas pela educação pública via

publicações nas mídias sociais virtuais ganham notoriedade à medida que viralizam

nas malhas da internet. Acreditamos que observar esse processo à luz da leitura dos

escritos carcerários de Gramsci é um modo de construção da consciência cidadã,

necessária a todos os sujeitos, principalmente pelo cenário da crise brasileira que se

instaurou de forma trágica após o golpe no ano de 2016.

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