Upload
trinhque
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
1
Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva: resistindo
às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da
solidariedade social em direção à sociedade do tipo novoa
Vilma Machado de Queirozb
Maria Josefina Leuba Salumc
1. Considerações introdutórias
Este final de século veio sendo assaltado pelo recrudescimento e disseminação dos
princípios liberais consolidados, sobretudo nos países dependentes como o Brasil, por um
processo de destruição criadora sob o projeto de globalização subordinada1. Este projeto,
encaminhado através da proposta de monetarização e desregulamentação da economia,
fraturou o Estado provedor e as estratégias de proteção social, redefinindo as hierarquias e
os espaços de exercício dos Estados nacionais. 2 A resistência, a coragem e a obstinação
de seus defensores em levar ao limite da desumanidade a construção da nova ordem social
às custas da desigualdade e da exclusão social nos atiçam a fazer como eles fizeram: a
remar contra a corrente, a reafirmar princípios e a recusar-se a aceitar a inevitabilidade dos
fatos sociais, em busca da reversão da fragmentação e dualização social que abatem o
mundo contemporâneo. 3
É preciso dar um basta para a nossa subserviência e co-optação a pretensas novas
propostas para velhos e novos problemas, travestidas de humanitárias mas, de fato, inscritas
no conjunto de encaminhamentos sociais públicos destinados a abrandar as tensões sociais
e com isso proporcionar o tempo e o espaço necessários para dar o pulo do gato. Na área
da saúde e na enfermagem, especificamente, já são poucos os que reservaram energias
para estes anos de vacas magras que vêm consumindo paulatinamente as conquistas
alcançadas, em nosso meio, no plano jurídico-político e institucional nas duas últimas
décadas do século XX.
a Este texto é produto da revisão de artigo original que fundamentou a participação das autoras na MESA REDONDA:
GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A APARTAÇÃO NA SAÚDE: REFLEXÃO CRÍTICA PARA O PENSAR/FAZER NA
ENFERMAGEM, durante o 48º Congresso Brasileiro de Enfermagem em outubro de 1996 e publicado em Anais do
Congresso, de restrita circulação aos congressistas (QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Globalização econômica e a
apartação na saúde: reflexão crítica para o pensar/ fazer na enfermagem. In: 48º Congresso Brasileiro de Enfermagem.
Anais, 06 a 11 de outubro de 1996. São Paulo, 1997, p. 190-207). Foi recentemente apresentado aos Congressos
Latinoamericano de Medicina Social, 8º e Internacional de Políticas Públicas, 11º, de 1 a 7 de julho em La Habana,
Cuba, devendo ser divulgado em disquete distribuído aos congressistas e que acumulará as Memórias dos referidos
eventos. b Enfermeira de Saúde Pública, Mestre e Doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP,
Professor Doutor Inativo do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
2
Mas é preciso reinventar o novo para superar a degradação da realidade social e de
saúde, resultado daquele que inevitavelmente representa o último suspiro - quase um
estertor - das “velhas” relações sociais de produção4. É preciso reinventar o novo,
especialmente se não nos deixamos passar ao largo do entendimento de que "a globalização
constitui (...) a finalidade última do economicismo: construir um homem 'global', esvaziado de
cultura, de sentimento e de consciência do outro. E impor um pensamento único ao
planeta."5
Diante dessas premissas, desde os primeiros anos da década de 90, temos buscado
sistematizar os conteúdos pedagógicos e o trabalho de pesquisa e extensão em Saúde
Coletiva em torno da compreensão acerca da evolução e do impacto das transformações
contemporâneas nas sociedades capitalistas, das particularidades atuais da produção de
serviços de saúde e sua inserção na economia nacional, tendo como ponto de partida a
defesa de que as práticas sociais em saúde têm como tarefa assegurar os direitos sociais,
esfera perversamente tocada pela regressão e falência do Estado.6
Temos defendido à exaustão que repensar o saber/fazer da enfermagem implica
reconhecer os meandros que se interpuseram e que se interpõem no seu percurso numa
sociedade contaminada pelo projeto da globalização do capital e, que, nas suas idas e
vindas, instaurou, manteve e transformou todos os setores da produção, particularmente o
setor terciário e a produção de serviços sociais, entre eles a produção de serviços de saúde.
Implica remeter a nossa fala ao entendimento de que não se pode gerar
transformações no saber/fazer da enfermagem desarticuladas das transformações da
sociedade capitalista neoliberal - excludente e geradora da exclusão - tampouco do
movimento que, desde a década de 70, busca fecundar a produção de serviços de saúde no
solo da universalidade, da equidade e da integralidade, reconstruindo o “novo” objeto da
intervenção em saúde: a totalidade da população brasileira, decodificada no jargão: “Saúde,
c Enfermeira de Saúde Pública, Mestre e Doutor em Fisiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP,
Professor Doutor do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
3
direito de todos e dever do Estado”. Em poucas palavras, a enfermagem não vai se
transformar “olhando para o próprio umbigo e a partir do próprio umbigo”. Eqüivale dizer que
não se faz a crítica da prática se não se fizer a crítica da economia capitalista7 hoje
estruturada em torno das relações sociais de produção, aqui entendidas como as relações
da esfera produtiva e as relações de “todas as esferas necessárias para a reprodução do
capital, como a circulação, a distribuição e o consumo”.8
O neoliberalismo que aqui está não é eterno nem imutável, ele pode e deve ser
combatido. Para tanto, tomamos de empréstimo os encaminhamentos do Prof. Perry
Anderson: “Se olharmos as perspectivas que poderiam emergir mais além do neoliberalismo
vigente, como deveríamos orientar-nos na luta política contra o neoliberalismo, não devemos
esquecer três lições básicas, dadas pelo próprio neoliberalismo.
Primeira lição: não ter nenhum medo de estar absolutamente contra a corrente
política do nosso tempo. (...)
Segunda lição: não transigir em idéias, não aceitar nenhuma diluição de
princípios.(...)
Terceira lição: não aceitar nenhuma instituição estabelecida como imutável". 9
Nesse sentido, pautando-nos nessas três lições que nos ensinam a resistir com
coragem e obstinação, encaminhamos a nossa proposta de trabalho e estudo - seja no
âmbito do ensino, da pesquisa ou da extensão de serviços à comunidade - em torno de três
momentos de análise: a) a situação e as perspectivas da sociedade capitalista neoliberal
brasileira, b) a situação e as perspectivas da produção de serviços de saúde no Brasil
enquanto situação de saúde e de assistência à saúde, e c) a situação e as perspectivas da
enfermagem brasileira.
2. Situação da sociedade capitalista neoliberal e perspectivas para uma sociedade do
tipo novo
2.1. A contemporaneidade
O neoliberalismo, movimento que se opôs ao projeto do capitalismo fundamentado
no Estado de Bem Estar Social, foi moldando seu espaço e seu peso remando contra a
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
4
maré (Estado de Bem Estar Social), baseando sua prática num movimento simultâneo de
resistência e de ação contra-ideológica durante cerca de 30 anos. Na resistência e na ação,
diante das vulnerabilidades que o processo histórico favorecia, encontrou na crise dos anos
70 (estagnação econômica e inflação, a estagflação) a possibilidade de se consolidar como
movimento dominante e de ser operacionalizado através das políticas e práticas econômicas
e políticas e práticas sociais pelas grandes potências capitalistas. Na Inglaterra ganhou vulto
com Tatcher, nos EEUU com Reagan, na Alemanha com Khol, minando inclusive os
governos euro-socialistas da França, Espanha, Portugal e Grécia. Na América Latina, foi o
Chile de Pinochet, na análise de Perry Anderson, o “laboratório do neoliberalismo da história
contemporânea”; sucessivamente aderiram ao padrão de acumulação10 neoliberal Bolívia,
México, Argentina e Perú. O Brasil foi o último país latino-americano a entrar "no circuito de
submissão (...), a qualquer custo, inserindo-se de forma subordinada no novo quadro
financeiro mundial."11
O ideário do neoliberalismo está fundado na desigualdade como valor fundamental
para estimular a vitalidade da concorrência da qual depende a prosperidade de todos .
Abole a democracia como valor central pois a vontade democrática da maioria é
incompatível com a liberdade individual dos agentes econômicos.12 Utiliza o processo de
globalização do capital para veicular e expandir seu ideário e sua prática pelos diferentes
continentes, que viajam “pelo mundo à velocidade quase da luz” 13.
A conversão desse ideário em prática, veio se traduzindo: a) na marcha acelerada de
reversão das nacionalizações efetuadas no pós-guerra; b) na crescente desregulamentação
das atividades econômicas e sociais pelo Estado; c) na reversão dos padrões universais de
proteção social estabelecidos em diversos países, no pós-guerra, pelos Estados de Bem
Estar Social.14 Concretamente, essa prática se encaminhou para consolidar um Estado forte,
que fosse capaz de “romper com o poder dos sindicatos e [o] controle do dinheiro, mas parco
em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária [veio
sendo] a meta suprema de qualquer governo. Para isso (...) uma disciplina orçamentária
com contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’ de desemprego,
ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
5
Ademais, reformas fiscais [foram e vêm sendo] imprescindíveis, para incentivar os agentes
econômicos. Em outras palavras (...) reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos
e sobre as rendas [de modo que] uma nova e saudável desigualdade (...) [dinamize] as
economias avançadas”15.
O Brasil implantou seu projeto neoliberal, seguindo o mesmo receituário; para nós,
hoje, por mais que nos violente, não mais nos estranha conviver com expressões como:
privatização e quebra de monopólios estatais (todas elas feitas por valores abaixo dos do
mercado, que converte em capital privado o investimento público financiado pela sociedade
como um todo durante décadas)16; Estado Mínimo (é mínimo na intervenção e regulação
do mercado, é mínimo no alcance das políticas sociais, porém é máximo no financiamento
e na garantia da acumulação do capital privado, o que faz o Prof. Wanderley Guilherme dos
Santos cunhá-lo como Estado mini-max17); Comunidade Solidária (como expressão do
descompromisso do Estado com os movimentos sociais, com as conquistas sociais
arduamente adquiridas como trabalho registrado, e um pseudo-compromisso com a horda
dos excluídos sociais - simbolicamente denominados de apartados sociais18 - que o próprio
Estado mini-max patrocinou).
Muitos outros termos nossos conhecidos como flexibilização das relações
trabalhistas, qualidade total, livre iniciativa, trabalho autônomo, gente que faz,
cunhados pelo neoliberalismo, também mereceriam ser denunciados, mas fugiríamos aos
limites do conteúdo desta nossa fala.19 “Trata-se, na verdade de uma metamorfose de
conceitos sem, todavia, alterar-se fundamentalmente as relações sociais que mascaram”,
como bem assinala o Prof. Gaudêncio Frigotto.20
A despeito da destruição avassaladora que fez do patrimônio social, dos homens e
das instituições, lamentavelmente, como assinala o Prof. José Paulo Neto, “a proposta
neoliberal, nos seus vários matizes, tem encontrado legitimação por via democrática”21. A
eleição de vários representantes deste projeto nos Estados e Municípios brasileiros são
demonstrativos dessa realidade.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
6
Além de vivenciarmos essa situação na condição de cidadãos comuns, enquanto
trabalhadores de saúde - na verdade, executores da política pública de saúde -
dramaticamente convivemos com a reversão dos padrões de proteção social (que no nosso
caso brasileiro já era quase que inexpressivo) explicitados pela adoção de políticas públicas
que se caracterizam pela sustentação de que “(...) pertence[m] ao âmbito privado, e que
suas fontes ‘naturais’ são a família, a comunidade e os serviços privados. Por isso, o Estado
só deve intervir com o intuito de garantir um mínimo para aliviar a pobreza e produzir
serviços que os privados não podem ou não querem produzir, além daqueles que são, a
rigor, de apropriação coletiva.(...) Propõem uma política de beneficência pública ou
assistencialista com um forte grau de imposição governamental sobre que programas
instrumentar e quem incluir, para evitar que se gerem ‘direitos’. Além disso, para se ter
acesso aos benefícios dos programas públicos, deve-se comprovar a condição de indigência.
Rechaça-se o conceito dos direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los através
da ação estatal. Portanto, o neoliberalismo opõe-se radicalmente à universalidade,
igualdade e gratuidade dos serviços sociais”(...).22
Na transposição do ideário neoliberal para o patamar das políticas públicas, a Profa.
Asa Cristina Laurel elenca as seguintes estratégias que o concretizam: privatização do
financiamento e da produção de serviços; corte dos gastos sociais, eliminando-se
programas e reduzindo-se benefícios; canalização dos gastos sociais públicos em
programas seletivos contra a pobreza; descentralização em nível local.23
E é nesse sentido que a Profa. Laura Tavares Ribeiro Soares destaca que “o perfil
neoliberal adotado pelas políticas de ajuste é responsável tanto pelo agravamento das
condições sociais, como pela deterioração dos programas sociais pré-existentes nos países
latino-americanos (...) [que] no caso brasileiro (...) [combina a desestruturação] (...) de
políticas já consolidadas (Previdência), ou em vias de consolidação dentro de um novo
padrão (Saúde), como na de desmantelar programas frágeis e dispersos (Assistência Social
e Alimentação e Nutrição)”24
2.2. O projeto utópico para a sociedade
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
7
Ao estabelecer as perspectivas para uma nova sociedade, reiteramos a necessidade
de conceber a sociedade como totalidade, como totalidade concreta e articulada nas suas
partes, sem o que incorreríamos no erro de analisar a parte - setor saúde - e a ela propor
soluções endógenas. A resistência e a ação revolucionária em direção ao projeto neoliberal,
devem ser construídas a partir de um projeto geral da sociedade que queremos, da
construção de uma nova utopia - uma sociedade do tipo novo - que encaminhe ao
estabelecimento de novos laços de solidariedade, da busca da liberdade e da igualdade,
utopia, compreendida como uma antevisão da sociedade que queremos, porém com os pés
fincados na realidade a ser transformada. Pressupõe não somente estar em contradição com
a realidade presente mas também romper os liames da ordem existente25, fundamentando,
na perspectiva do vir-a-ser, a nossa prática transformadora no cotidiano.
2.2.1 A primeira lição
Vamos começar integrando a primeira lição ao nosso trajeto: não ter nenhum medo
de estar absolutamente contra a corrente política do nosso tempo .
1) Integrá-la, significa vislumbrar o patrimônio histórico que queremos entregar às
futuras gerações. Significa construir aquilo que Antonio Gramsci chamava de momento
“catártico”, em que, passando do momento meramente egoístico-passional, os homens
constróem o momento ético-político, “afirma[m] sua liberdade em face das estruturas sociais,
revelando que - embora condicionado[s] pelas estruturas e, em particular, pelas estruturas
econômicas - [são] capaz[es], ao mesmo tempo, de utilizar o conhecimento dessas
estruturas como fundamento para uma práxis autônoma, para a criação de novas estruturas,
ou, como ele diz, para ‘gerar novas iniciativas’. 26
2) Integrá-la só será possível porque, ao viver os impactos da corrente política de nosso
tempo, não hesitaremos em manter a nossa indignação diante do que há de mais perverso!
Quem pode negar que o neoliberalismo “conseguiu acentuar, multiplicar, estender o
processo de fragmentação social de nossas sociedades [?] (...) a heterogeneidade social,
especialmente entre as classes subalternas é cada vez maior. As diferenças entre as
formas de reprodução de suas condições de vida entre um e outro trabalhador e entre o
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
8
mesmo trabalhador num mês e no mês seguinte, são cada vez mais acentuadas.” 27
“Nos países-com-maioria-rica, criou-se uma sociedade de abundância, ao mesmo tempo
em que o desemprego e a falta de perspectivas [jogam] na marginalidade uma parcela
da população, especialmente de jovens. Nos países-com-maioria-pobre, a situação é
muito mais grave, porque, ao lado da riqueza de uma elite minoritária, que muitas vezes
supera a ostentação dos ricos dos países-com-maioria-rica, observa-se um
empobrecimento ainda mais drástico da população, que se antes não consumia bens
industriais, agora nem ao menos come (...)."28
Quem há de voltar os olhos para esta realidade que traduz “o objetivo do liberalismo
clássico - isto é, reduzir as pessoas à sua individualidade, à sua atomização no
mercado, dificultando a afirmação dos laços sociais, dos conflitos sociais expressos de
forma coletiva, dificultando [mesmo] a resistência social ao neoliberalismo [?].(...) O
neoliberalismo voltou a dar vigor ao argumento da desigualdade como fator positivo. (...)
A idéia de justiça social é substituída (...) pela idéia de oportunidade. O que a sociedade
deveria fazer é dar oportunidade às pessoas [o que] na perspectiva do neoliberalismo
significa ‘se virar’ no mercado.(...) [No plano das idéias] o neoliberalismo conseguiu
tentar caracterizar a sua solução como a única solução possível. (...) O mercado voltaria
a ser o melhor alocador de recursos e praticamente o único alocador equilibrado de
recursos na sociedade. [ Do ponto de vista político] o neoliberalismo [que] havia se
iniciado na extrema direita (...) [contaminou a social democracia européia e os partidos
progressistas latino-americanos que] (...) fizeram sua reconversão neoliberal.”29.
2.2.2 A segunda lição
Se estes são os eixos para que integremos a primeira lição, como cumprirmos a
segunda lição que é - Não transigir em idéias, não aceitar nenhuma diluição de
princípios?
1) Na perspectiva da construção de uma sociedade do tipo novo significa defender um
ideário - um conjunto de idéias e de princípios - que serão a base fundante dessa nova
sociedade, tais como:
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
9
a construção do “homem novo” como “ponto máximo atingido pela historicidade da
essência humana objetivada; o indivíduo “(...) cujo comportamento ético-político é
orientado por necessidades radicais de transcendência”30;
a reconquista do trabalho como “ponto de partida do processo de humanização do ser
social”, superando a alienação do trabalho sob o capitalismo. Aqui, uma frase de Marx
explicita claramente o conceito: “Meu trabalho seria livre projeção exterior de minha vida,
portanto desfrute de vida. Sob o pressuposto da propriedade privada (em troca) é
estranhamento de minha vida, posto que trabalho para viver, para conseguir os meios
de vida. Meu trabalho não é vida." 31
a defesa do direito ao trabalho como a real possibilidade do aperfeiçoamento da
qualidade de vida32;
a reconquista - no espaço da subjetividade - do desejo e da paixão, que, articulados à
vontade e à razão33 - no espaço da racionalidade - encaminharão o projeto de
transformação tanto das “pessoas, dos seus valores, da sua cultura ou ideologia, quanto
(...) no funcionamento das instituições sociais” 34.
2) Integrar essa segunda lição só será possível porque, ao tomar consciência de que
somos, como trabalhadores públicos, os executores da política pública de saúde, não
poderemos nos furtar a restituir para a sociedade o investimento que em nós ela depositou
ao financiar indiretamente nossa formação e nossos espaços de trabalho. Será preciso pois
que nos exercitemos a reconhecer que "superar a alienação econômica é condição
necessária, mas não suficiente, para a realização integral das potencialidades abertas pela
crescente socialização do homem; essa realização implica também o fim da alienação
política, o que, no limite, torna-se realidade mediante a reabsorção dos aparelhos estatais
pela sociedade que os produziu e da qual eles se alienaram."35
Como deixar de reconhecer as evidências de que estamos construindo a
desumanização na corrosão do caráter, na perda de controle de nossas vidas,
na constituição de laços frouxos e, enfim, de uma vida social em que ninguém
mais se torna testemunha a longo prazo da vida de outra pessoa, produtos da
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
10
subtração insidiosa da possibilidade de confronto duradouro e cotidiano com o
objeto de trabalho, conseqüências da flexibilização e da reengenharia dos
processos de trabalho?36
Quem há de negar que, contemporaneamente, declina-se o indivíduo na mesma
fábrica da sociedade global em que se inseriu e que ajudou a criar e a recriar
continuamente (...) [pois] ela agora é o cenário em que desaparece ?37
Quem há de fechar os olhos para as perversidades geradas na progressiva e
refinada degradação da classe-que-vive-do-trabalho, que, sob fogo cruzado,
desempregou-se, fragmentou-se, precarizou-se, subproletarizou-se? 38
Quem há de negar a construção de sociedades de linhagens recessivas
massificadas e exterminadas lentamente pela condição de exclusão social a que
vêm sendo sujeitos aqueles que não interessam ao novo projeto do capital?
Quem há de negar que as bases da esperança, da indignação e da resistência
vêm sendo virulentamente atacadas, sob a disseminação da idéia de que tudo
deve ficar como está, porque este é o fim da história?39
3) É reafirmando a construção da humanização do homem, da dignidade e
emancipação humanas e dos laços de solidariedade social que demonstraremos nossa
intransigência e nossa densidade de valores e princípios.
2.2.3 A terceira lição
Vamos, finalmente, para a terceira lição - Não aceitar nenhuma instituição
estabelecida como imutável.
1) Integrá-la implica perspectivar coletivamente a construção do Estado que
queremos, entendendo o Estado não como uma entidade em si, mas como uma relação de
todas as forças sociais presentes na sociedade política e na sociedade civil, de modo que se
tornem “no terreno estratégico que é o Estado, os centros efetivos de poder real (...)
[concebendo então] (...) uma transformação radical do Estado mediante a articulação entre a
ampliação e o aprofundamento das instituições da democracia representativa (...) e a
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
11
explicitação das formas de democracia pela base e a proliferação de focos auto-
gestionários”40.
2) Integrá-la implica não sucumbir ao equívoco de que as políticas sociais "são uma
rua de mão única: somente a burguesia teria interesse num sistema educacional universal e
gratuito, numa política pública de seguridade, etc. (...) também a esfera das políticas sociais
é determinada pela luta de classes (...) nada está decidido a priori (...) [pelo que] (...) é mais
uma vez necessária a intensificação das lutas pela realização da cidadania, com o
estabelecimento de correlações de forças favoráveis aos segmentos sociais efetivamente
empenhados nessa realização."41
3) Integrá-la implica reconhecer que "a cidadania não é dada aos indivíduos de uma
vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta
permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando
assim um processo histórico de longa duração."42 Assim sendo, integrar essa terceira lição
só será possível porque não nos furtaremos a lutar:
pela ampliação dos "novos institutos democráticos, expressões da auto-organização
popular, [que] fazem parte do que Gramsci chamou de 'sociedade civil': são os
partidos de massa, os sindicatos, as associações profissionais, os comitês de
empresa e de bairro, as organizações culturais, etc. É por meio deles que as massas
populares, e em particular a classe operária, organizam-se de baixo para cima, a
partir das bases, constituindo o que poderíamos chamar de sujeitos políticos
coletivos"43.
especificamente no que se refere ao movimento sindical, pela reconstrução dos
movimentos que aglutinam a classe-que-vive-do-trabalho, de modo a: romper com as
barreiras que separam os trabalhadores estáveis inseridos formal e qualificadamente
no mercado de trabalho daqueles instáveis, precários, com inserção informal e
desqualificada; romper também com o corporativismo de caráter fragmentado e
heterogêneo da classe trabalhadora, aglutinando, numa ação solidária, os grandes
contingentes de trabalhadores excluídos da representação sindical; reorganizar as
comissões de fábricas e empresas no sentido de controlar a cooptação dos
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
12
trabalhadores; instaurar o “sindicalismo horizontalizado” que aglutine a “classe-que-
vive-do-trabalho”, superando o “sindicalismo verticalizado”; romper com “a excessiva
institucionalização e burocratização” que têm caracterizado o movimento sindical;
finalmente, criar um movimento sindical que “resgate ações no sentido de buscar o
controle social da produção”(...) . O sindicalismo mais combativo (...) será capaz de
participar e auxiliar na elaboração de um modelo econômico alternativo, (...) que, ao
mesmo tempo, se fundamente em um avanço tecnológico com bases reais,
nacionais, verdadeiras, e que não seja regido por uma lógica de um sistema produtor
de mercadorias, destrutivo e excludente, responsável pelas explosivas taxas de
desemprego estrutural que hoje estão presentes em escala global (...)."44
pela reconquista da escola unitária e pública dentro de uma perspectiva político-
pedagógica que parta da diversidade cultural e social das crianças e jovens, o que
“no plano teórico, político, filosófico e ético (...) [implica em] não reduzir os processos
educativos a uma concepção unidimensional, mas alargá-los na perspectiva
omnilateral [que desenvolva ao máximo as potencialidades dos indivíduos] e/ou
politécnica que expressa as múltiplas necessidades do humano”, instrumentalizando
os educandos para participar da gestão dos interesses sociais45;
pela conquista (e reconquista) do atendimento de todos direitos sociais, tendo
clareza de que a miséria, a violência, a pobreza e a exclusão que convivem com a
abundância, com a riqueza e a inclusão, são produtos do movimento da economia,
“esfera da vida social onde, fundamentalmente, se realiza a exclusão social e a
política." 46
3. Situação da produção de serviços de saúde no Brasil e perspectivas da forma de
produzir serviços de saúde no encaminhamento de uma sociedade do tipo novo
3.1 A contemporaneidade na saúde
A Profa. Asa Cristina Laurell caracteriza as condições que concretizam o padrão de
acumulação neoliberal no setor saúde em torno das seguintes evidências:
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
13
redução de investimentos no setor saúde, que sucateia propositalmente o serviço público
de saúde, de modo a desmoralizá-lo e desacreditá-lo; isso serve como justificativa para,
por um lado, privatizar as atividades consideradas rentáveis do setor e, por outro, induzir
a população a legitimar o serviço privado como a única alternativa eficaz e eficiente para
resolver seus problemas de saúde;
estratificação da “população em função da sua capacidade de pagamento e
probabilidade de adoecer (...) [constituindo-se] dois sistemas paralelos de administração
de fundos e prestação de serviços - o privado e o público. (...) Essa situação leva o
sistema público a um círculo vicioso de deterioração, ao assistir, com seus recursos
limitados, tanto os pobres como os velhos e os mais doentes, enquanto o sistema
privado floresce e obtém lucros elevados.”47
estratégia de centralizar os gastos sociais em programas seletivos dirigidos aos pobres.
“Teoricamente, ninguém pode se opor a uma política que canalize recursos aos que
menos ou nada têm, mas adquire um significado diverso quando, concretamente, tal
política implica remercantilizar os benefícios sociais, capitalizar o setor privado, deteriorar
e desfinanciar as instituições públicas.(...) [Tais programas] (...) têm como objetivo
declarado garantir níveis mínimos de alimentação, saúde e educação para a população
carente (...) [porém] (...) estão muito longe de alcançar seus objetivos. (...) tendem a ser
manipulados (...) pelo Poder Executivo (...) [e atendem] (...) a um objetivo oculto:
assegurar uma clientela política em substituição ao apoio popular baseado num pacto
social amplo,(...) uma tentativa de evitar o problema de ter de se dirigir para uma
economia desregulamentada de livre-mercado, sem com isso provocar processos
políticos contrários que anulem o projeto”.48
Chegamos ao ponto de alcançar a universalização excludente em que se colocou à
disposição daqueles que não são cobertos pelos programas compensatórios, um bufê de
planos de saúde privados, gestando-se, na nossa sociedade, “uma outra dinâmica [que
modernizou] o modelo médico-privatista, resegmentou clientelas e cristalizou desigualdades
no acesso aos serviços de saúde”.49 No entendimento da Profa. Carmem Teixeira e do Prof.
Jairnilson Paim, convivemos não com um único SUS, mas com quatro SUS, a saber: “a) o
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
14
SUS democrático desenhado pelo projeto da Reforma Sanitária Brasileira; b) o SUS formal,
juridicamente estabelecido pela Constituição (...); c) o SUS real, refém da área econômica
do governo, do clientelismo, da incompetência e da inércia burocrática; d) o Sus-para-
pobres, uma medicina simplificada para gente simples e uma saúde pública focalizada, tal
com recomenda o Banco Mundial. (...) Assumir o SUS democrático e o SUS formal significa
não apenas a coerência com o projeto da Reforma Sanitária mas, especialmente, por
permitir uma discussão política sobre o desdém que as elites brasileiras exibem a respeito
dos próprios pactos em que participa (...) e contra os projetos que interessam a maioria do
povo. (...) Cabe, portanto, denunciar o engodo do SUS para pobres e a esperteza do SUS
real que nos querem impor por inércia, ao tempo em que possamos criar novas alternativas
político-culturais para um SUS mais orgânico a um projeto autenticamente democrático”.50
Em outras palavras, o projeto neoliberal desloca o coletivo como objeto do novo
padrão de produção de serviços de saúde preconizado pelo SUS. Vai mais além: faz uso
privado do espaço público, aquele que foi financiado pela sociedade, mas que diante da
ordem neoliberal, assiste o seqüestro de seus bens para uso privado, para a acumulação do
capital. Isso se evidencia na análise da produção de serviços de saúde realizada pelo Prof.
Paulo Elias. “ (...) a rede brasileira de estabelecimentos de saúde qualifica-se como sendo
voltada fundamentalmente para a assistência básica de saúde, sendo o setor público
responsável preponderantemente pelos serviços de atenção primária, geralmente
incorporador de tecnologia de baixo custo, enquanto o setor privado concentra-se
preferencialmente no segmento hospitalar, tradicionalmente incorporador de tecnologia de
maior custo (...). Acresce-se a isso o fato de que os hospitais com grande incorporação de
tecnologia, portanto demandantes de grandes investimentos de capital, geralmente
pertencem ao setor público (...) a lógica da produção de serviços não é a mesma do
financiamento, uma vez que o Estado constitui sem dúvida no principal agente financiador,
cobrindo boa parte do pagamento da produção dos serviços hospitalares, tanto públicos
como privados, enquanto a prestação dos serviços hospitalares é preponderantemente
privada, salvo nos serviços de alta complexidade, em que o setor público responde por uma
fatia expressiva da oferta de serviços. (...) Resulta disso tudo um Sistema de Saúde restritivo
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
15
quanto à cobertura oferecida, extremamente segmentado na produção e no acesso aos
serviços, iníquo no atendimento das necessidades sociais, e absolutamente desigual no
tratamento dispensado aos usuários, tornando na prática letra morta os preceitos
constitucionais aprovados em 1988 e boa parte das leis que compõe o arcabouço legal do
SUS. (...) De um lado, os cerca de 40 milhões que constitui a parcela dos incluídos, tendo
acesso a uma rede de serviços de saúde subsidiada de várias maneiras pelo Estado, e que
nos segmentos de ponta é tecnicamente comparável a dos países com economia de
mercado consolidada. No outro extremo, a grande massa da população que constitui os
excluídos, com precário acesso a um sistema de saúde deteriorado em função do relativo
desinvestimento público no setor e do desequilíbrio entre a demanda e a oferta de serviços,
apresentado disparidades e problemas no acesso aos serviços e na qualidade da assistência
prestada”51.
3.2. O projeto utópico para a produção de serviços de saúde
Ao estabelecer as perspectivas para a produção de serviços de saúde, reiteramos os
nossos compromissos com a constituição do campo da Saúde Coletiva e com o projeto
político que reavivou o conhecimento epidemiológico, trazendo para o centro da produção de
serviços em saúde a necessidade de se integrar a clínica e a epidemiologia, a promoção, a
cura e a recuperação, as ações intra, inter e transetorais, estruturadas em torno de
programas que “permitam elevar a qualidade do trabalho e do consumo, a proteção do meio
ambiente, a relação intergenérica, a consciência (...) [humanizando] todos os espaços do
trabalho social.”52 Assim, na perspectiva de concretizar a resistência contra o neoliberalismo
na saúde e, mais do que isso, concretizar ações práticas que concretizem a construção do
novo, voltemos às lições do Prof. Perry Anderson, agora aplicadas ao setor saúde.
3.2.1 A primeira lição
Como integrar a primeira lição ao nosso trajeto no redimensionamento da produção
de serviços de saúde?
Não ter nenhum medo de estar absolutamente contra a corrente política do
nosso tempo significa resistir ao “canto da sereia” de que a eficiência e a eficácia em saúde
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
16
só serão alcançadas com a privatização do setor, que consequentemente lhe imprimirá
maior produtividade e melhor qualidade, na ingenuidade de que, sob as “rédeas da
regulação Estatal, dominaremos a voracidade do setor privado”.
3.2.2 A segunda lição
Integrar a segunda lição - Não transigir em idéias, não aceitar nenhuma diluição
de princípios - ao nosso trajeto no redimensionamento da produção de serviços de saúde
significa:
não trair a base empírica e a fundamentação teórica essencial que caracteriza a
determinação social do processo saúde-doença, sob pena de estarmos a abolir os
pilares que sustentam essa concepção - as formas específicas de se inserir no momento
da produção social - formas de trabalhar - e as formas específicas de se inserir no
momento da reprodução social - formas de viver - determinam os diferentes gradientes
do processo saúde-doença; estar sim, abertos a incorporação de novas categorias
(variáveis) mediadoras do tipo explicativo, recolocando as questões da qualidade de vida,
da ecologia, dos movimentos das minorias - que envolvem consciência e conduta -
subordinadas às relações sociais de produção.53
insistir na assunção da responsabilidade que nos cabe, enquanto setor público da saúde
e enquanto trabalhadores de saúde, pelo monitoramento das condições de saúde do
coletivo que compõe o Município e/ou a parcela delimitada do território, traduzindo no
projeto interventivo, os princípios da eqüidade, da universalidade e da integralidade e
operacionalizando-os através da Regionalização, Descentralização, Hierarquização,
insistindo no caráter complementar do setor privado, conveniado e filantrópico,
ampliando o espaço da participação popular para exercer seu real papel de controle
social;
não sucumbir a projetos que fragmentam a intervenção pública em saúde, fragmentação
esta com a face público/privado, com a face regulamentação estatal/execução privada
maquiada pelo discurso Estatal/Público/Social/Privado;
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
17
não perder a perspectiva de que a reorganização do setor saúde em torno de um
Sistema Único de Saúde recoloca a necessária transformação nos conteúdos de nossas
práticas profissionais, como desafio iminente para nos desanquilosar da nossa aparente
ineficiência. A ineficiência está na forma como se concretizaram as relações sociais de
produção no setor saúde e não na nossa competência. Nesse sentido, o movimento é o
de recuperar a dignidade do trabalhador de saúde que, a duras penas, vem resistindo à
demolição avassaladora e ao sucateamento dos equipamentos públicos de saúde.
Recuperada a dignidade, recuperar também o compromisso do trabalhador de saúde de
servir à sociedade que o financia - servir ao público e não à instituição.54
3.2.3 A terceira lição
Para cumprir, enfim, a terceira lição do Prof. Perry Anderson - Não aceitar nenhuma
instituição estabelecida como imutável - no redimensionamento da produção de serviços
em saúde, será preciso que reconheçamos, com honestidade e coragem, que:
a despeito de termos construído desde o início do século a nossa base de intervenção
em torno dos programas focais e verticais, é hora mais do que emergente de re-situá-los
na lógica geral que engendra a compreensão do processo saúde-doença e que situa
nas relações sociais de produção o estopim, as raízes, de suas manifestações. Os
programas não são imutáveis. Assim sendo, os programas focais e verticais devem se
submeter ao projeto de monitoramento das condições de trabalho/ vida e saúde do
coletivo, entendido na sua totalidade, nos grupos sociais homogêneos que o compõem e
na sua singularidade - indivíduo e família; 55
não poderemos nos furtar a criar formas de operacionalizar o conceito de coletivo que
superem as suas atuais formas de reconhecimento, ou, enquanto totalidade, ou,
enquanto somatória das singularidades. A nosso ver, fundamentadas nos estudos da
Profa. Asa Cristina Laurel, do Prof. Jaime Breilh e do Prof., Luís Augusto Facchini, o
que caracteriza a heterogeneidade do coletivo para a saúde é a forma específica como
os determinantes do processo saúde-doença se expressam nos grupos sociais,
compondo grupos sociais homogêneos não só na expressão nos perfís específicos de
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
18
morbi-mortalidade mas, sobretudo na expressão homogênea de suas formas de
trabalhar e de viver;56
se durante todo este século as nossas intervenções vêm sendo focadas no controle da
morbi-mortalidade e na demanda, municiados pelo conceito da determinação social do
processo saúde-doença e pelos princípios e diretrizes originais de nosso Sistema Único
de Saúde, projetemos nossas intervenções nos determinantes e nos resultados. Não
temos sequer captado de modo sistemático os determinantes, muito menos temos
projetadas intervenções para eles. Acresce que nossa intervenção só atinge o pico do
iceberg: a morbi-mortalidade, parcela dos resultados. Operacionalizar uma nova
intervenção em saúde requer que se amplie o espectro dos resultados e, para além
deles, "o modo de organizar socialmente as ações em saúde para a produção e
distribuição efetiva dos serviços será não apenas resposta a necessidades, mas
imediatamente contexto instaurador de necessidades". 57
na “reinvenção” das nossas instituições de saúde, “rediscutir sua burocratização,
emperramento e ineficiência, propondo alterações radicais nos seus padrões de
financiamento. Da mesma forma, chegou o tempo de inventarmos novos modos de
"organizar as práticas clínicas e da Saúde (...) [Coletiva], superando o criticismo em que
se atolou o pensamento de esquerda nas décadas de 60 e 70. Por outro lado, ao
mesmo tempo, temos que criar movimentos, situações e contextos, que favoreçam a
constituição de sujeitos coletivos, ainda que inacabados, e sempre presos a diversas
contradições e limitações, mas maduros o suficiente tanto para realizar as mudanças
indicadas como para sustentá-las e renová-las no curso da vida”58.
Por tudo o que foi dito até agora, resistindo à desqualificação da saúde como direito
social e público, reafirmando os princípios da construção humanizada e solidária da
produção de serviços de saúde e superando os limites dos projetos convencionais de
intervenção em saúde, encaminhamos a considerar que:
na prática intervir em saúde hoje significa assumir a responsabilidade pelo
monitoramento/acompanhamento das condições de saúde da totalidade da população
de um determinado espaço geo-social;
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
19
intervir em saúde implica em fazer parte de um processo de produção de serviços de
saúde que comporta diferentes processos de trabalho articulados entre si (trabalho
coletivo/ trabalhador coletivo) para atender a finalidade do processo;
assumir a responsabilidade pela saúde dos habitantes deste espaço geo-social
implica em que o setor público de saúde deve assumir o controle de saúde da
totalidade dos habitantes, com a complementariedade do setor privado, conveniado e
filantrópico de saúde;
monitorar/acompanhar as condições de saúde da totalidade dos habitantes significa
exercer o mintoramento do coletivo, na sua totalidade, nos seus grupos sociais
homogêneos e na sua singularidade, caracterizando os perfís epidemiológicos - perfís
de reprodução social e perfís saúde-doença dos grupos sociais homogêneos que
compõem o coletivo - e neles intervindo visando ao aperfeiçoamento do processos
saúde-doença de todos os habitantes;
como as diferentes práticas profissionais em saúde são parcelas dos quatro processos
de trabalho (assistência, gerenciamento, ensino e investigação) que compõem o
processo de produção de serviços de saúde, seu objeto e sua finalidade são idênticos
aos do processo de produção a que se articulam e, assim, o projeto de intervenção
(assistência) em Saúde Coletiva é único e incorpora o monitoramento das
condições de trabalho, de vida e de saúde.59
4. Situação do saber/saber fazer da enfermagem hoje e as perspectivas da
enfermagem brasileira dentro da sociedade do tipo novo que queremos e da saúde
que queremos entregar como patrimônio histórico para as futuras gerações dessa
nova sociedade60
4.1 A contemporaneidade
Por compor a maior parcela numérica do conjunto dos trabalhadores de saúde, a
enfermagem (e a enfermagem aqui entendida como a prática social exercida por um
universo heterogêneo de trabalhadores em que os enfermeiros são a menor parcela) convive,
simultaneamente com o recrudescimento do modelo de atenção individual, bem
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
20
caracterizado pelo Prof. Ricardo Bruno Mendes Gonçalves como modelo clínico, e com a
crescente municipalização dos serviços de saúde, teoricamente centrada no modelo
epidemiológico, que foi a contraposição ao modelo clínico por ele caracterizada.61
De um lado, os enfermeiros convivem, concomitantemente, com encaminhamentos
contraditórios em assumir o cuidado do corpo individual na rede hospitalar e a gerência dos
serviços da rede básica, capitaneados por movimentos deflagrados nas academias e nas
redes articuladas de integração escola-serviço, fomentadas pelas agências de saúde
internacionais. De outra parte, o grande contingente da força de trabalho em enfermagem
subsidia o modelo dominante de recuperação e cura do corpo individual subordinado à
ordem institucional, sob o comando dos enfermeiros que representam os interesses da
ordem instituída.
A prática da enfermagem hoje, se situa muito mais no nível da execução dos
projetos de saúde seja sob a ótica clínica, seja sob a ótica epidemiológica do que no nível de
co-participação de sua construção. Sua especificidade se caracteriza muito mais por
oferecer infra-estrutura para a prática médica, ou executando prática suplementar à prática
médica, ou procedimentos elementares para complementar tal prática, ou ainda, para o
gerenciamento burocrático das instituições de saúde, reproduzindo o conteúdo fortemente
arraigado que historicamente a institucionalizou na sociedade brasileira, a despeito das
rupturas que vieram sendo deflagradas na esteira do movimento da Reforma Sanitária.
Pensando que está se modernizando, a enfermagem tem se sujeitado a participar na
operacionalização de projetos rotulados como progressistas, que reiteram como objeto da
produção de serviços de saúde, grupos focais, os mesmos grupos de excluídos sociais aos
quais as políticas públicas gestadas pelo modelo neoliberal se orientam. Assim é que,
especialmente na rede básica de serviços, os enfermeiros têm oferecido a sua força de
trabalho para compor, numa pretensa equipe multiprofissional, projetos de intervenção
dirigidos a famílias de excluídos ou a grupos de risco biológico, que na verdade são grupos
de risco social, em outras palavras, que ameaçam a ordem social. Nesses projetos, o
enfermeiro se dispõe por vezes, a qualificar - entre aspas - os agentes sanitários ou de saúde
para ser o interlocutor do setor saúde com os, como ele, excluídos sociais, operacionalizam o
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
21
“SUS-de-pobres-para-pobres”; por outro lado, se dispõe a qualificar os trabalhadores
formais, reconhecidos de fato como trabalhadores de enfermagem, na rede pública, que a
seguir quase sempre migram - após qualificação - para os serviços da rede privada.
As escolas de enfermagem, por sua vez, acabam por direcionar a formação dos
enfermeiros, ora, às exigências do mercado de trabalho (e não do “mercado dos problemas e
necessidades de saúde”), ora, tomando como eixo da sua formação os princípios e diretrizes
do SUS, inscritos nas diretrizes gerais do novo Currículo Mínimo do Curso de Graduação em
Enfermagem. Essas mesmas escolas de enfermagem, dificilmente se responsabilizam pela
formação dos auxiliares e técnicos de enfermagem, nem ainda co-participam da elaboração
de diretrizes gerais para essa formação, nem articulam a formação dos três níveis de ensino.
Por outro lado, a pós-graduação em enfermagem se debate ainda entre qualificar os pós-
graduandos para serem pesquisadores (que se responsabilizarão pela produção de saber
em enfermagem), ou então para serem docentes (que se responsabilizarão pela reprodução
- e produção - do saber em enfermagem) ou ainda, para qualificar os enfermeiros de serviço
na perspectiva de progressivamente assumam os projetos de transformação da prática da
enfermagem.
Como resultados dessa pós-graduação, temos a produção de um saber -
evidenciado nas publicações científicas, monografias e teses - que nos leva perceber “que
temos feito ciência para nós mesmos, receosos de tocar em assuntos mais gerais, por
exemplo, sempre tendo que falar exclusivamente da enfermagem, sem enxergar suas
interrelações, sem falar delas e sem compreender o que de fato outros pesquisadores estão
fazendo . (...) [Essa produção está muito mais centrada na necessidade de] dar conta de um
imperativo institucional, mais de que a um compromisso com a sociedade (...), alguns
pesquisadores [se apropriando] de idéias de outros como se fossem suas, muitos
[avolumando] seus currículos com publicações de baixa qualidade, muitas vezes meras
variações de um trabalho anterior, muitos [opinando] como se [es]tivessem fazendo ciência,
muitos [descrevendo] sem preocupação com a compreensibilidade de seus temas, muitos
[desperdiçando] dinheiro público sem gerarem novas idéias, muitos ainda se [atrevendo] a
estudar tudo, sem aprofundamento em nenhum dos assuntos, e muitos [fazendo] dezenas
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
22
de pesquisas ao mesmo tempo, aproveitando-se da mão de obra de seus orientandos, ou
achando que isto pode determinar qualidade por si só”.62
4.2 O projeto utópico para o reordenamento da enfermagem
Ao estabelecer as perspectivas para uma nova enfermagem, vamos “tocar num
assunto muito constrangedor, [façamos] um exercício de humildade, porque não [nos
colocamos] além destas questões, mas muitas vezes (...) [ somos] empurradas por elas”63.
Não será o temor do seu enfrentamento que deve nos atingir, mas o compromisso em
reproduzir ao menos o legado histórico certamente mais relevante do projeto nightingeliano:
ousar sermos homens e mulheres do nosso tempo que não se submetem ao aqui e agora,
mas que confiam na reconhecida possibilidade do humano em intervir e mudar os rumos da
realidade.
4.2.1 A primeira lição
Integrar a primeira lição - Não ter nenhum medo de estar absolutamente contra a
corrente política do nosso tempo – implica reconhecer que:
ainda que já tenhamos exaustivamente debatido e compreendido as determinações
históricas que levaram à constituição de um corpo tão heterogêneo no conjunto dos
trabalhadores de enfermagem, temos sido mancos em superar a desumanização das
relações de poder entre enfermeiros e demais trabalhadores de enfermagem, que nos
afasta e que consagra as relações de dominação/submissão na chamada ‘equipe de
enfermagem’. É preciso, pois, construir uma trajetória comum em que os trabalhadores
de enfermagem qualificados, os semi-qualificados e os não qualificados, construam,
conjuntamente, um projeto político para a enfermagem, subordinado ao projeto maior de
uma sociedade de tipo novo e ao novo projeto da saúde;
mas não é só isso que tem caracterizado a corrente política da enfermagem hoje, e que
precisa ser superado. Submissos às relações de poder que historicamente se forjaram
sob o modelo médico de atenção à saúde, especialmente os enfermeiros se muniram de
um ‘espírito de corpo, de corporação’, consolidando relações que mais favorecem o
distanciamento e não a composição com os demais trabalhadores na construção do
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
23
projeto comum para a saúde. Esse movimento corporativo consagra a enfermagem
como um fim em si mesma (falácia da autonomia) ao invés de se colocar como um
instrumento, ao lado das demais práticas da saúde, para o aperfeiçoamento das
condições de saúde do coletivo. Recuperando o encaminhamento do Prof. Gastão
Wagner de Sousa Campos, temos que nos aliar aos movimentos que favoreçam a
construção do trabalhador coletivo em saúde para progressivamente romper com o
corporativismo;
ainda, é preciso não ter medo de estar contra a corrente política do nosso tempo, agora
sob a capa da necessidade de assistir/cuidar da demanda de forma imediata - que nos
parece muito mais encobrir um imediatismo do tipo pronto atendimento e pronto. Há
que se recolocar a necessidade de assistir sim, mas não só a demanda e não só o
imediato, temos que deixar de ser ‘os bombeiros da saúde’ e assumirmos, em conjunto
com as outras práticas sociais, um modelo de atenção que tenha, no monitoramento
horizontal do processo saúde doença do coletivo, a possibilidade de transformar e
aperfeiçoar esse processo;
além disso, estar contra a corrente política do nosso tempo, significará revermos e
superarmos os equívocos na busca da especificidade do enfermeiro - hoje consagrada
como sendo ora o cuidar, ora o gerenciar a unidade de enfermagem. Também pela
história, conhecemos as raízes da enfermagem, a divisão do trabalho entre as lady
nurses e nurses. O cuidar é característico da enfermagem - mas não do enfermeiro; o
gerenciar é característico do enfermeiro - não da enfermagem. Ora, se queremos buscar
a especificidade do enfermeiro e dos demais trabalhadores da enfermagem, devemos
buscar tal especificidade, na perspectiva de uma nova forma de produzir serviços de
saúde. Nesse caso, ela se dará, no confronto do objeto com a finalidade do processo de
produção de serviços de saúde: o cuidar deverá ser resituado na perspectiva de sua
integração num trabalho coletivo que transforma o seu objeto - perfis epidemiológicos -
mediado por estratégias de monitoramento das condições de trabalho/ vida e saúde do
coletivo;
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
24
não ter medo de, ao ir contra a corrente de nosso tempo, negar o encaminhamento
contemporâneo de que a enfermagem se constrói sobre um processo de trabalho que
lhe é próprio. A enfermagem, ao compor parcela do trabalho coletivo de saúde e seus
integrantes parcela do trabalhador coletivo de saúde, não tem um processo próprio de
trabalho, tampouco um objeto que lhe é específico. Como as outras práticas sociais, ela
tem responsabilidade de desenvolver sua especificidade nos processos de trabalho
(assistência, gerenciamento, investigação e ensino) do processo de produção, processos
de trabalho estes aos quais as demais práticas sociais também se conectam com suas
especificidades. Esses processos de trabalho, por sua vez, dizem respeito ao processo
de produção de serviços de saúde; são eles que articulam as diferentes práticas
profissionais e é por isso que estas práticas terão o mesmo objeto e a mesma finalidade
e não objetos e finalidades distintas a cada prática profissional. Assim posto, é preciso
que se redefina a parcela de trabalho da enfermagem em cada um dos processos de
trabalho, a saber64:
1) participação da enfermagem no processo de trabalho de assistência à saúde: o
objeto e a finalidade são os mesmos do processo de produção de serviços de saúde -
objeto - perfís epidemiológicos do coletivo (enquanto totalidade, enquanto grupos sociais
homogêneos e enquanto singularidade -indivíduos/famílias); finalidade - aperfeiçoar os
referidos perfís. Os instrumentos de trabalho é que dão a especificidade da
enfermagem, dentre eles o saber e a tecnologia de enfermagem construídos sobre o
modelo clínico e o modelo epidemiológico, mas revisitados de modo a fundamentar o
cuidar do coletivo, dos grupos sociais e dos indivíduos famílias durante seu processo
social e biológico de existência. O trabalho em si se caracteriza principalmente pela
presença constante da enfermagem junto ao objeto, acompanhando (diretamente ou à
distância) o objeto mesmo no cuidar das outras práticas de saúde.
2) participação da enfermagem no processo de trabalho de gerenciamento da
produção da assistência à saúde: de igual forma, são o objeto e a finalidade do
processo de produção de serviços de saúde que vão orientar o recorte do objeto e a
parcela que cabe à enfermagem para atingir tal finalidade. Assim, o objeto do processo
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
25
de trabalho de gerenciamento da produção da assistência - no recorte da enfermagem -
é a dinâmica de como se processa a assistência de enfermagem na sua aderência e
articulação com os perfís epidemiológicos do coletivo (que articula as metodologias de
assistência, e a complementariedade da prática de enfermagem com as demais práticas
sociais) e a finalidade específica é a de compatibilizar essa dinâmica às necessidades de
transformação dos perfís epidemiológicos. Dentre os instrumentos de trabalho, podemos
destacar, entre outros, os modelos e os métodos gerenciais, o processo de educação
continuada; o trabalho em si se dá sob a orientação do Plano Diretor para a Saúde do
Município e pelo plano diretor para a assistência de enfermagem à ele subordinado.
3) participação da enfermagem no processo de trabalho de investigação (de
produção de saber): de igual forma, são o objeto e a finalidade do processo de
produção de serviços de saúde que vão orientar o recorte do objeto e a parcela que cabe
à enfermagem para atingir tal finalidade. Assim, o objeto do processo de trabalho de
investigação - no recorte da enfermagem - diz respeito ao estado da arte que caracteriza
o saber/saber fazer da enfermagem atual para conformação e transformação do
objeto/finalidade do processo de produção de serviços de saúde; sua finalidade é a de
recriar/elevar o estado da arte a patamares que constituam um saber/saber fazer cada
vez mais aderente ao objeto/finalidade do processo de produção de serviços de saúde.
Dentre os instrumentos damos destaque aos referenciais teórico-metodológicos e aos
métodos e técnicas que amparam os projetos de investigação científica; o trabalho em
si se caracteriza pela operacionalização de projetos de investigação, vinculados a
projetos tipo guarda chuva - projetos matrizes, que articulam a produção de saber nos
municípios e nas redes de integração escola-serviço.
4) participação da enfermagem no processo de trabalho de ensino (de qualificação
formal da força de trabalho em saúde): de igual forma, são o objeto e a finalidade do
processo de produção de serviços de saúde que vão orientar o recorte do objeto e a
parcela que cabe à enfermagem para atingir tal finalidade; assim o objeto do processo de
trabalho de investigação - no recorte da enfermagem - é o conhecimento que os
ingressantes nos diferentes níveis da carreira de enfermagem têm acerca do
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
26
objeto/finalidade do processo de produção de serviços de saúde, bem como de seus
meios e instrumentos e do trabalho em si. A finalidade é a de reproduzir o conhecimento
que permita a real qualificação da força de trabalho em enfermagem de modo a
possibilitar a sua inserção nos projetos descentralizados e hierarquizados de saúde;
dentre os instrumentos damos destaque aos currículos e aos métodos pedagógicos e o
meio eleito para desenvolver tal processo de trabalho deve ser o próprio espaço social da
produção de serviços de saúde, além das salas de aula. O trabalho em si se caracteriza
pela aproximação e real parceria das redes de integração ensino-serviço.65
no nível da educação formal, há que se encaminhar um projeto político que articule
escola e serviço numa relação de parceria e não numa troca de interesses; que articule
os três níveis de ensino de enfermagem (básico, médio e superior) e os programas de
requalificação da força de trabalho da enfermagem, resituando as instituições de ensino
no processo de produção de serviços de saúde. São elas, no nosso entender,
instrumentos deste processo e sua finalidade precípua é produzir e reproduzir um saber
para qualificar a força de trabalho que atenda às demandas da população em termos de
suas necessidades e problemas de saúde. E se a questão contemporânea na relação
Estado x Universidade é a do Estado avaliador, é necessário que façamos uma releitura
de como deve ser encaminhada a questão dos mecanismos de avaliação, em termos de
qualidade e rendimento. “Não se trata aqui de defender controles burocráticos sobre a
vida acadêmica. Pelo contrário, devem ser promovidas formas voluntárias de auto-
avaliação por parte das próprias instituições, desde que sejam acompanhadas por
procedimentos de avaliação externa, de modo que (...) possa tornar-se publicamente
responsável diante da sociedade que o apoia, e que aprenda continuamente com suas
próprias experiências, êxitos e fracassos. (...) criar-se (...) uma maior capacidade de
credenciamento público das novas instituições que se formem e dos novos programas
que se desejem estabelecer, única forma de assegurar que os estabelecimentos sejam
dignos da fé pública que neles se deposita”.66 Ainda, há necessidade de que as redes de
integração ensino-serviço sejam o solo que assenta a formulação de linhas de pesquisa
que amarrem o projeto de aperfeiçoamento dos conteúdos e da prática de enfermagem.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
27
4.2.2 A segunda lição
Os encaminhamentos da enfermagem contemporânea - ao menos da enfermagem dos
enfermeiros que é a que mais de perto vivemos - vêm guardando forte aderência com o
ideário do Movimento da Reforma Sanitária e de seus desdobramentos na academia e nos
serviços. Em torno deles, a enfermagem vem se debatendo na construção de seu projeto
político e de sua inserção nas instituições. Dessa forma, na perspectiva de reconstruir o
saber/saber fazer da enfermagem, orientados pela segunda lição do Prof. Perry Anderson -
não transigir em idéias e nem aceitar nenhuma diluição de princípios - é alinhar-se
aos demais trabalhadores da saúde numa frente que insista na manutenção das
mesmas idéias e princípios de que tratamos quando discutimos a situação e
perspectivas da produção de serviços de saúde no Brasil.
4.2.3 A terceira lição
Convictos de que seremos capazes de, coletivamente, romper com a desumanização
de nossas relações, com o corporativismo, com o imediatismo e com os equívocos presentes
nos conteúdos de nossas práticas assistencial e educacional, como dar conta da terceira
lição - Não aceitar nenhuma instituição estabelecida como imutável?
1) Integrá-la, implica que, imbuídos da compreensão da processualidade do
desenvolvimento social e das práticas sociais, olhemos agora não como imutáveis, mas
muito mais passíveis de transformação, os processos e produtos das nossas instituições
de enfermagem. Assim, a Lei do Exercício, o Código de Ética, os Currículos Mínimos,
não devem ser amarras que cristalizem nossas práticas e relações sociais; as
determinações expressas nestes produtos, por sua vez, devem refletir os
encaminhamentos do movimento já construído na Enfermagem e se ajustar às
características do nível local e regional. Não aguardemos o “Messias”, ou a “receita que,
de cima para baixo”, atropela as potencialidades e as demandas que os níveis local e
regional nos apresentam.
2) Integrá-la implica não aceitar o uso que, através da enfermagem, vem sendo feito da
educação para a saúde, como potencialmente transformadora da realidade de saúde,
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
28
mas que na verdade percorreu um trajeto em que, sob uma ótica, veicula um receituário
universal para se adquirir saúde; sob outra ótica transfere um saber técnico, a título de
compartilha, mas que de fato responsabiliza o usuário dos serviços pelo auto-cuidado e,
simultaneamente, desresponsabiliza o serviço de saúde pela saúde de quem é educado.
Ao não compactuarmos com essas formas de educação para a saúde, recuperamos os
ensinamentos do Prof. Jaime Breilh que encaminha à releitura da educação popular sob
a ótica da “instrumentalização da inteligência popular” que reconheça os determinantes
de seus processos saúde-doença, utilizando este conhecimento como base estruturante
de suas lutas e do uso do espaço de exercício do controle social.
3) Integrá-la implica que nos desvistamos da capa da neutralidade para recompor o nosso
ideário, fundamentando o novo naquilo que até hoje soubemos fazer: só que o fizemos a
serviço das instituições. A perspectiva é redirecionar o compromisso social da
enfermagem – com o coletivo - calcado na transformação dos perfís epidemiológicos.
Retomando e parafraseando Gramsci, é preciso que ousemos percorrer o momento
“catártico”, em que, passando do momento meramente egoístico-passional, construamos
o momento ético-político, afirmando nossa liberdade em face das estruturas sociais,
revelando que - embora condicionados pelas estruturas e, em particular, pelas estruturas
econômicas - seremos capazes, ao mesmo tempo, de utilizar o conhecimento dessas
estruturas como fundamento para uma práxis autônoma, para a criação de novas
estruturas, ou, como ele diz, para ‘gerar novas iniciativas’.
4) Finalmente, integrar a terceira lição, implica em que tenhamos a coragem de
desmistificar - recolocando na sua dimensão real - tanto a “consulta de enfermagem”
quanto os “métodos (sistemas) de assistência de enfermagem”. A consulta de
enfermagem, analisada “com base em alguns parâmetros de eficiência, permite-nos
concluir que, sua utilização enquanto instrumento da assistência de enfermagem, revela
um baixo desempenho e está longe da possibilidade de causar impacto na saúde da
população, entendido este como mudanças no quadro (...) epidemiológico, produzida
pelos serviços de saúde”. Assim, “não se trata de ‘ser ou não ser’ a Consulta de
Enfermagem. Trata-se de considerá-la não numa perspectiva corporativa dos interesses
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
29
específicos da profissão, mas como uma das possíveis formas de prestar assistência de
enfermagem, necessária à integralidade da atenção à saúde”67. Com relação aos
métodos de assistência de enfermagem, eles têm sido utilizados mais como “um fim em
si mesmo”, haja vista o apelo que a eles se faz como eixo da construção da
cientificidade, da especificidade e da autonomia da “enfermagem do enfermeiro”. Da
mesma forma, não se trata de ‘ser ou não ser’ dos métodos de assistência de
enfermagem. Trata-se sim de perceber que o seu desencadeamento guarda identidade
com o desencadeamento de qualquer outro método de intervenção; que o espaço
primeiro que ocupa é de intermediador na transformação do objeto, através do
saber/tecnologia próprios da enfermagem - este sim que garante a especificidade da
prática profissional, pois que o método é a forma, e o saber/saber fazer, o conteúdo que
aproxima a enfermagem do objeto.
5. Considerações finais
Projetar uma nova enfermagem requer que nos engajemos na construção da
solidariedade social, conscientes de que, se o projeto da modernidade nos instrumentalizou
do ponto de vista científico e tecnológico para aperfeiçoar o humano, o projeto da pós-
modernidade nos colocou diante da produção da exclusão desses mesmos recursos para a
grande maioria daqueles que sobrevivem em sociedades subordinadas como a nossa.
Projetar uma nova enfermagem implica recuperar a nossa indignação com a destruição
humana; implica fortalecer em cada um de nós, individualmente, e no conjunto de todos os
membros da sociedade, a convicção de que seremos capazes de construir o novo e re-
instaurar o direito à saúde como direito social e público.
Implica participar da reconstrução do Estado, centrando nossos esforços na busca de
um movimento que priorize o nosso envolvimento no reerguimento dos movimentos sociais e
na formulação de políticas sociais que desmistifiquem a compreensão de que a construção
da cidadania e a garantia dos direitos sociais podem ser alcançadas com a “expansão dos
serviços assistenciais” , resituando-as no “jogo histórico das relações e contradições entre
capital e trabalho, tal como se manifesta na particularidade da formação social brasileira (...),
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
30
apreendendo, na plenitude de suas dimensões históricas, o próprio fenômeno que as
engendra”.
Conscientes de que, no ideário neoliberal, a economia e a política caminham em rumos
separados - uma no espaço privado e a outra no espaço público - implica reconhecer que
não se reorientam o projeto do Estado e as políticas sociais, nossos conhecimentos e
práticas, sem tocar o dedo nas feridas que já não conseguimos mais ocultar e que permeiam
as relações entre capital e trabalho e as relações de poder que delas decorrem, sob pena de
nos debruçarmos sobre uma “falsa questão”.68 Implica reavivar e recuperar o movimento
social que engendrou o novo projeto para a saúde, implica reavivar as potencialidades da
nossa participação no processo histórico que instituiu e formalizou a produção de serviços de
saúde, reconhecendo que “quem desiste, degrada-se. Quem persiste, quem insiste salva-se
da ignomínia ainda que nem sempre do sofrimento, capacitando-se, contudo, para
sobreviver, depois, com um mínimo de saúde mental e auto-estima”.69
Aos nossos alunos, nossa palavra final70:
1. Ao graduar-se em Enfermagem, selem definitivamente um compromisso com a área da
saúde: imbuam-se de que estão integrando uma das categorias profissionais que, sem
espírito corporativo, deverá contribuir decisivamente para a consolidação do Sistema
Único de Saúde nos próximos 30 anos em que pertencerão com densidade ao mundo
do trabalho. Não pensem que não serão tentados a fazer outra coisa: por isso tenham
bem claro diante de vocês a convicção de que a mudança é possível. A partir de
relações solidárias e consistentes com os demais trabalhadores da saúde e da
enfermagem, empenhem-se em participar dos projetos de planificação das ações de
saúde, recusando a atividade burocrática que tanto nos tem seduzido, mas superando
também a nossa histórica e dominante participação quase que focalizada na execução
das ações de saúde.
2. Promovam uma reviravolta na enfermagem, reorientando a parcela que nós enfermeiros,
devemos cumprir quando cuidamos em enfermagem. Ao lado dos tradicionais trabalhos
que a enfermagem realiza para dar conta do cuidar, disponham-se a participar
ativamente da gerência do controle de saúde das populações, pois a realidade tem nos
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
31
ensinado, mais do que os livros, que este espaço vem sendo progressivamente ocupado
pelos enfermeiros.
3. Há muitos em quem se inspirar: por motivos inequívocos, recomendamos que inspirem-
se na resistência, na coragem e na obstinação de Florence Nightingale, que, há um
século e meio, não relutou em ser uma mulher do seu tempo, esgotando os limites de
suas possibilidades para consolidar o hospital como instituição de cura e reabilitação
daqueles que representavam a força de trabalho e o trabalho de enfermagem como eixo
deste processo.
4. Sejam homens e mulheres de seu tempo, nutram-se corajosa e obstinadamente pelo
projeto da resistência, mas de alegria e de esperança em restituir a nossa sociedade a
salvaguarda do investimento que ela depositou nas mãos do Estado para garantir seus
direitos sociais: coloquem os seus conhecimentos e práticas em movimento,
compreendendo que estarão intervindo no mundo, querendo bem à sociedade e, por
isso mesmo, deverão exigir de vocês empenho em aliar à sua competência técnico-
científica, a competência ético-política –, não a ética do mercado e das instituições que
por ele são comandadas – mas a ética do humano e do solidário.71 Mas, na sua
reviravolta na enfermagem, superem Nightingale: hoje, ela certamente faria diferente,
pois estaria diante de outras provocações.
5. Empenhem-se em reconstruir as relações no interior do trabalho da enfermagem e as
relações da enfermagem com os demais trabalhos da saúde, não tendo nenhum pudor
em reconhecer o nosso inacabamento, as nossas limitações e os nossos equívocos.
6. Cultivem a disponibilidade para o diálogo, confiem no bom senso, o bom senso do
humano e não do mercado. Realizem essa tarefa, como nos ensinou o Prof. Paulo
Freire, cultivando-a com a humildade e a tolerância, ensinando e aprendendo com os
companheiros de trabalho o respeito aos outros, a coerência, a capacidade de
aprender e viver com o diferente, não permitindo que o mal-estar com o outro os façam
acusá-lo do que não fez42.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
32
7. Busquem romper com as relações de poder e dominação que tanto têm caracterizado a
nossa prática, construindo uma trajetória comum em que todos os trabalhadores de
enfermagem reordenem conjuntamente um projeto político para a enfermagem,
subordinado ao novo projeto da saúde.
8. Aliem-se aos movimentos que têm favorecido a construção do trabalhador coletivo em
saúde e não tenham medo em romper com a falsa idéia de que somos trabalhadores
sobre-humanos e únicos para resolver os problemas de saúde.
9. Sejam críticos e rigorosos, cultivem a autoridade de quem sabe reconhecer o que sabe
e o que não sabe. Inspirem-se nos bons e nos maus exemplos que cada um de nós,
professores, certamente deixou transparecer ao longo do convívio na Escola:
aperfeiçoem o que foi bom, superem o que foi ruim.
10. Finalmente, não se deixem paralisar pelas observações tão disseminadas no mundo
contemporâneo de que tudo está como está e não há como mudar, de que quem
propõe a mudança é jurássico e de que a ética e a solidariedade são coisas de um
passado a ser congelado nos museus. Olhem para trás e para a frente, revejam a
história e aprendam com aqueles que conduzem os grandes e pequenos projetos de
mudança da realidade que a mudança é a obstinação daqueles que se permitem ser
livres, mas comprometidos com seus ideais e seus projetos éticos. Aprendam que o
tempo da mudança é um tempo longo e contínuo! Mais do que isso, é um tempo em
processo e um processo que, se de um lado, supera o que foi ruim, deve
inquestionavelmente resguardar o que foi bom. Como conclui o Prof. Emir Sader em seu
livro O ANJO TORTO72: participem da reinvenção concreta de uma nova sociedade, de
um novo projeto para a saúde e para a enfermagem, baseada na justiça, na
solidariedade, na realização prática dos direitos de cidadania sem qualquer tipo de
exclusão. Não se furtem a lutar e concretizar um mundo de educação, de cultura, de
autonomia individual, mas de realização social. Realizem, enfim, o sonho de quem
acalenta os desejos de felicidade perseguidos pelos homens e mulheres ao longo da
história.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
33
1 É assim que a Profa. Maria Conceição Tavares tão bem qualifica o movimento de globalização do
capitalismo que traduz, de fato, "a iniciativa de uma potência dominante, os EUA, que se propõem a
exercer um papel hegemônico em relação aos seus parceiros e competidores (...) [deixando] um rastro
de desorganização sem precedentes na vida econômica nacional (...) [resultando em] prejuízos
consideráveis aos trabalhadores (...) [contribuindo] (...) para um maior desequilíbrio patrimonial líquido
das instituições públicas de crédito e da própria União, que são os grandes perdedores deste jogo
vergonhoso. (...) Como no século XII, os nossos modernos usurários mais uma vez ficam com a bolsa
e, a custa da sociedade, alongam sua vida, com a vantagem de sequer precisarem passar pelo
Purgatório. Este se reserva aos trabalhadores, a quem correspondem os sacrifícios e as incertezas de
um futuro obscuro, dominado pelo desemprego, a supressão de direitos sociais, a precarização dos
serviços básicos e a degradação salarial (TAVARES, M.C. Destruição não criadora: memórias de um
mandato popular contra a recessão, o desemprego e a globalização subordinada. Rio de Janeiro,
Record, 1999, p. 7, 23, 163, 190)".
2 Imprescindível estudar as primorosas análises compiladas no texto de TAVARES, M.C.; MELIN, L.E.
Mitos globais e fatos regionais. In: FIORI, J. L.; LOURENÇO, M. S. de; NORONHA, J. C. de
Globalização: o fato e o mito. Rio de Janeiro, EDUERJ, 1998 e, indiscutivelmente a crítica do Prof.
Perry Anderson, professor da Universidade da Califórnia, Los Angeles, ANDERSON, P. Balanço do
neoliberalismo. In: SADER, E.S.; GENTILLI, P. (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o
estado democrático. São Paulo, Paz e Terra, 1995, cap. I.. Além destes, vários outros têm tratado com
clareza e competência do vendaval neoliberal. Entre eles, citamos: ARRIGHI, G. O longo século XX.
São Paulo, UNESP, 1996; BIONDI, A. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. 3a
reimpressão, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999; BOURDIEU, P. Contrafogos: táticas para
enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998; FREITAS, M. C. (org.) A
reinvenção do futuro: trabalho, educação, política na globalização do capitalismo. São Paulo,
Cortez, 1996; LESBAUPIN, I. (org.) O desmonte da nação: balanço do governo FHC. Petrópolis,
Vozes, 1999; LIMA, L. C. Começar do novo: a moderna escravidão capitalista e a “velha” libertação
do trabalho. São Paulo, GET, 1997; MATTOSO, J. O Brasil desempregado: como foram destruídos
mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999;
MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e estado capitalista. 2a.ed., São Paulo, Ensaio, 1996;
OLIVEIRA, de; PAOLI, M. C.(orgs.) Os sentidos da democracia: políticas de dissenso e
hegemoniania global. Petrópolis, Vozes; Brasília, NEDIC, 1999; POCHMANN, M. O trabalho sob
fogo cruzado: exclusão, desemprego e precarização no final do século. São Paulo, Contexto, 1999;
SADER, E. (org.) O Brasil do real. Rio de Janeiro. EDUERJ, 1996; SADER, E.S.; GENTILLI, P. (orgs.)
Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia. Petrópolis, Vozes, 1999; SANTOS, W. G.
dos Décadas de espanto e uma apologia democrática. Rio de Janeiro, Rocco, 1998; SOARES,
L.T.R. Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Rio de Janeiro, UFRJ, 1999;
TAVARES, M. da C.; FIORI, J. M. L. Desajuste global: e modernização conservadora. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1993.
3 Como veremos a seguir estão delineadas aqui as recomendações do Prof. Perry Anderson
(ANDERSON, P. (1995), op. cit.) para enfrentar o receituário neoliberal, lições estas que não somente
nós, mas também o Prof. Atilo Borón tomou o cuidado de retomar quando discutiu os rumos da
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
34
sociedade após o dilúvio neoliberal. (BORON, A. A. Os “novos leviatãs” e a pólis democrática:
neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democracia na América Latina. In: SADER,
E.S.; GENTILI, P. (orgs.) (1999), cap. 1
4 A esse respeito, remetemos à análise do Prof. Francisco de Oliveira, Prof. Titular de Sociologia do
Departamento de Sociologia da FFLCH da USP, divulgada inicialmente na revista Novos Estudos
Cebrap em 1988, e que compõe o elenco de capítulos do livro A reinvenção do futuro, publicado, em
1996, pela Cortez Editora. (OLIVEIRA, F. de Globalização e antivalor: uma antiintrodução ao valor. In:
FREITAS, M.C. de (org.) (1996), op. cit., cap. 2
5 A esse respeito, consultar o texto de Ignacio Ramonet, Diretor de Le Monde Diplomatique, e os
textos-debate que a ele se seguem em RAMONET, I. O pensamento único e os regimes globalitários.
In: FIORI, J. L.; LOURENÇO, M. S. de; NORONHA, J. C. de Globalização: o fato e o mito. Rio de
Janeiro, EDUERJ, 1998, p. 57.
6 Cf. TAVARES; MELIN, op. cit., 1998.
7 Insistimos nessa orientação analítica, especialmente alentadas por MENEZES (1993). Retomando a
análise das políticas de assistência pública, em sua dissertação de mestrado em Serviço Social da
UERJ sob a orientação da Profa. Marilda Villela Iamamoto, Maria Thereza C. G. de Menezes, toca na
produção dos intelectuais progressistas, entre eles José Carlos S. de Braga e Sérgio G. de Paula,
Sonia Miriam Draibe, Vicente de Paula Faleiros, Aldaiza Sposati e Sonia Maria Fleury Teixeira,
destacando que “a linha teórica dos estudos [por eles realizados] exclui as políticas sociais de
assistência do jogo histórico das relações e contradições entre capital e trabalho (...) [e por isso] não
conseguem apreender o próprio fenômeno que as engendra (...) [debruçando-se] sobre uma ‘falsa
questão’ (Cf. MENEZES, M.T.C.G. Em busca da teoria: políticas de assistência pública. São Paulo,
Cortez, 1993, p. 129).
8 Cf. OLIVEIRA , F. (1996) ,op. cit., p. 101.
9 Cf. ANDERSON, P. Além do neoliberalismo. In: SADER, E. S.; GENTILI, P. (orgs.) (1995), op. cit.,
cap. V, p. 197-8.
10 Esta é a acepção que fundamenta a análise do Prof. José Carlos Valenzuela Feijóo, professor da
Universidade Autônoma do México, ao analisar o Estado neoliberal no México. (FEIJÓO, J .C.V. O
Estado neoliberal e o caso mexicano. In: LAURELL, A.C. (org.) Estado e políticas sociais no
neoliberalismo. São Paulo, Cortez, 1995.
11 Cf. ANDERSON, P. (1995), op. cit., e TAVARES, M.C.; MELIN, L.E. (1998), op. cit., p. 51.
12 Cf. ANDERSON, P. (1995), op. cit. O recente livro publicado pela Cortez de autoria do Prof. Carlos
Nelson Coutinho, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, constitui leitura
obrigatória também para compreender a incompatibilidade entre democracia e as formações
capitalistas liberais (COUTINHO, C.N. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo.
São Paulo, Cortez, 2000).
13 É assim que o Prof. Francisco de Oliveira bem designa a cruzada da massa de capitais nas
operações financeiras que caracterizam o padrão de reprodução do capital no mundo contemporâneo.
Cf. OLIVEIRA, F. (1996), op. cit., p. 81.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
35
14
São estes os três pilares fundamentais do neoliberalismo indicados pelo Prof. Luis Fernandes da
Universidade Federal Fluminense quando comenta a intervenção do Prof. Perry Anderson.
(FERNANDES, L. Neoliberalismo e reestruturação capitalista. In: SADER, E. S.; GENTILI, P. (orgs.)
(1995), op. cit., cap. II.
15 Cf. ANDERSON, P., (1995), op. cit., p. 11.
16 Imprescindível o estudo do texto de BIONDI, A. (1999), op. cit.
17 “(...) mínimo para os de baixo e máximo para os de cima.” (SADER, E. Poder, estado e hegemonia.
In: SADER, E.S. (org.) (1996), op. cit., p.13.
18 É assim que o Prof. Christovan Buarque, ex-reitor da UNB, sociólogo, ex-governador do Distrito
Federal, traduz sua inquietação com o processo de depuração social que o neoliberalismo engendrou
ao promover o processo de dominação levado adiante pelos EUA, desde a década de 70 (BUARQUE,
B. A revolução nas prioridades: da modernidade técnica à modernidade ética. São Paulo, Paz e
Terra, 1994).
19 Além dos autores já mencionados, remetemos ao estudo do Prof. Ricardo Antunes, professor da
Universidade Estadual de Campinas, ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo, Cortez, 1995; ANTUNES, R. Os
sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Boitempo,
1999;
20 Indiscutivelmente, o Prof. Gaudêncio Frigotto, professor do Programa de Educação da Universidade
Federal Fluminense, é referência obrigatória para aqueles que se dedicam ao ensino em todos os
níveis. O texto de onde extraímos esta fala, tese para obtenção do título de Prof. Titular, é um marco
na análise das questões educacionais contemporâneas. (FRIGOTTO, G. Educação e a crise do
capitalismo real. São Paulo, Cortez, 1995, p.55).
21 Esta é advertência do Prof. José Paulo Netto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
ao comentar a intervenção do prof. Perry Anderson. (NETTO, J.P. Repensando o balanço do
neoliberalismo. In: SADER, E. S. GENTILI, P. (orgs.) (1995), cap. I, p.29).
22 Esta é a análise na expressão da Profa. Asa Cristina Laurell, professora-pesquisadora do Mestrado
em Medicina Social da Universidade Autônoma do México, remetendo o lei tor às fontes bibliográficas
que tomou como base. (LAURELL, A. C. Avançando em direção ao passado: a política social do
neoliberalismo. In: LAURELL, A.C. (org.) (1995), p. 163).
23 Cf. LAURELL, A. C. (1995), op. cit., p. 163.
24 Extraído da tese de doutoramento da Profa. Laura Tavares Ribeiro Soares, orientada pelo Prof.
Wilson Cano, que parte do entendimento de que “políticas deliberadas de ajustamento fazem com que
haja um determinado nível de deterioração dos serviços públicos sociais” (SOARES, L.T.R. Ajuste
neoliberal e desajuste social na América Latina. Tese (doutorado), Campinas, 1995. Universidade
Estadual de Campinas, p.410-11). O trabalho já está publicado em livro, SOARES, L. T. R. Ajuste
neoliberal e desajuste social na América Latina. UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
25Extraído do verbete Utopia por MAFFEY, A. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.
Dicionário de Política, Brasília, DF, Editora da Universidade de Brasília, 1991, p.1284-90.
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
36
26
Trecho extraído da análise do Prof. Carlos Nelson Coutinho, referência impar para aqueles, que
trabalhando sob a perspectiva histórica, querem compreender a complexidade de que se reveste a
constituição do Estado (COUTINHO, C.N. Marxismo e política: a dualidade dos poderes e outros
ensaios. São Paulo, Cortez, 1994, p. 106)
27 Extraído do texto que serviu de base para palestra do Prof. Emir S. Sader, professor do
Departamento de Sociologia da FFLCH da USP e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, proferida no Congresso do Conselho Nacional
do Serviço Social, Salvador em julho de 1995, e que fundamentou a discussão de uma das temáticas
componentes da disciplina Temas Avançados em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem - Área de Concentração em Enfermagem em saúde Coletiva, 1996. - SADER, E. S.
Neoliberalismo e políticas sociais no Brasil. Salvador, Congresso do Conselho Nacional do Serviço
Social, 1995, p. 1 (mimeografado).
28 Extraído do texto do Prof. Cristovam Buarque, BUARQUE, C. A cortina de ouro: os sustos do final
do século e um sonho para o próximo. São Paulo, Paz e Terra, 1995, p.32.
29 Cf. SADER, E. S.; GENTILI, P. (orgs.), 1995, op. cit., p.2.
30 Extraído do artigo da Profa. Iray Carone, professora do Instituto de Psicologia da USP, que relata o
produto de pesquisa realizada sob a orientação da filósofa Agnes Heller. (CARONE, I. Necessidade e
individuação. Trans/Form/Ação, São Paulo, 15: 85-111, 1992, p. 94 e 96)
31 As considerações aqui expressas estão desenvolvidas no trabalho do Prof. Ricardo Antunes, que,
partindo da polêmica contemporânea que advoga a extinção do mundo do trabalho, recompõe nas
metamorfoses do projeto neoliberal, a centralidade do mundo do trabalho. (ANTUNES, R. (1995) , op.
cit., p.123-5)
32 Remetemos o leitor à aguda análise elaborada pelo Prof. Arturo Campaña sobre a perspectiva
contemporânea do conceito de qualidade de vida e que nos auxilia a reconhecer que a busca da
saúde como qualidade de vida está impregnada do mesmo pragmatismo que valoriza o consumo de
bens e serviços como estruturantes do atendimento das necessidades humanas e não o
desenvolvimento pleno e solidário das potencialidades humanas na esfera da produção e do
consumo. O professor, ao lado do Prof. Jaime Breilh, é um dos pesquisadores do Centro de Estudios
e Asesoria em Salud (CEAS) do Equador (CAMPAÑA, A. Em busca da definição de pautas atuais
para o delineamento de estudos sobre condições de vida e saúde. In: BARATA, R. B. (org.)
Condições de vida e situação em saúde. Rio de Janeiro, ABRASCO, 1997, cap. 5).
33 " (...)é importante ressaltar que a ordem das paixões é dirigida pela faculdade de desejar. A paixão
eclode quando a adesão a um desejo se intensifica a ponto de mobilizar todas as forças da vontade e
da razão para a realização do objeto do desejo" LEVY, N. Desejo... o lugar da liberdade: um ensaio
ético-prático. São Paulo, Brasil Debates Editora, 1991)
34 No entendimento de que o processo de mudança pode sempre começar “aqui e agora”, o Prof.
Gastão Wagner de Sousa Campos, encaminha com extrema clareza as mudanças na saúde, tendo
como referência a crítica acirrada ao projeto neoliberal. (Cf. CAMPOS, G. W. S. Considerações sobre
a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reformas das pessoas. O caso da saúde. In:
CECÍLIO, L.C.O. (org.) Inventando a mudança na saúde. São Paulo, Hucitec, 1994.)
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
37
35
Cf. COUTINHO, C.N. (2000), op. cit., p. 29.
36 Julgamos de todo necessário percorrer a história de Enrico e de seus pais traduzidas na análise
comovente e inquietante do Prof. Richard Sennet (SENNET, R. A corrosão do caráter:
conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record, 1999).
37 Resistente e convictamente humano, o Prof. Otávio Ianni nos auxilia a desmistificar o projeto da
globalização do capital, abrindo nossos olhos para o mais dramático desafio do nosso tempo.
38 Cf. ANTUNES, A., op. cit. (1995) e POCHMAN, M., op. cit. (1999).
39 A esse respeito, remetemos aos comentários do Prof. Francisco de Oliveira expressos no texto de
SADER, E. S.; GENTILI, P. (orgs.), op. cit. (1995).
40 Estas são as considerações sobre a concepção de Poulantzas sobre o Estado, concepção esta
inspirada em Gramsci na análise do Prof. Carlos Nelson Coutinho (Cf. COUTINHO, C. N., (1994), op.
cit., p. 66-8.)
41 Cf. COUTINHO, C.N. (2000), op. cit., p. 65.
42 Cf. COUTINHO, C.N. (2000), op. cit., p. 51.
43 Cf. COUTINHO, C.N. (2000), op. cit., p. 25.
44ANTUNES, R, (1995), op. cit. p. 68-70.
45 FRIGOTTO, G. (1995), op. cit., p.203.
46 Destaque dado pela Profa. Marilda Villela Iamamoto ao apresentar o texto de MENEZES, M.T.C.G.
(1993), op. cit. p. 10.
47 Cf. LAURELL, A.C., op. cit., p. 170-1.
48Cf. LAURELL, A.C., op. cit., p.172-3.
49Esta é uma consideração fundamental de um grupo de pesquisadores da Escola Nacional de Saúde
Pública/FIOCRUZ (GIOVANELLA, L.; DRUMOND, J.; SKABA, M. M.F.; OLIVEIRA, R. G.; SÁ, V.M.
Eqüidade em saúde no Brasil. Saúde em Debate, 49/50: 13-22, dez/95/mar/96.)
50 Extraído do artigo dos Profs. Carmem Fontes Teixeira e Jairnilson Silva Paim, professores do
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, em que consideram um dos grandes
desafios para a Reforma Sanitária: a constituição de sujeitos sociais capazes de viabilizar o SUS.
(TEIXEIRA, C. F.; PAIM, J. S. Políticas de formação de recursos humanos em saúde: conjuntura atual
e perspectivas. Divulgação em Saúde para Debate, 12: 19-23, 1996. p. 20-21.)
51 Os curtos trechos aqui reproduzidos extraídos do texto do Prof. Paulo Elias, professor do
Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, são parcelas da síntese de
uma análise criteriosa sobre a produção de serviços de saúde no Brasil. (ELIAS, P. E. Estrutura e
organização da atenção à saúde no Brasil. In: COHN, A.; ELIAS, P. E. Saúde no Brasil: políticas e
organização de serviços. São Paulo, Cortez, 1996, p.76 e 92.)
52 A esse respeito, consultar o texto recente do Prof. Jaime Breilh (BREILH, J. Reforma: democracia
profunda, no retrocesso neoliberal. In: CEAS Reforma en salud: lo privado o lo solidario. Ecuador, Ed.
CEAS, 1997, cap. 4, p. 70).
53 A base teórica da compreensão da determinação social do processo saúde-doença está
extensivamente discutida nos primeiros trabalhos da Profa. Asa Cristina Laurell (citamos
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
38
exemplarmente o texto em que publicou ao lado de seu orientador em que apresenta os produtos de
sua Tese de Doutorado - LAURELL, A.C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e
desgaste operário. São Paulo, Hucitec, 1989 - e na contínua produção do Prof. Jaime Breilh,
exemplarmente citando BREILH, J. Nuevos conceptos y técnicas de investigación: guía pedagógica
para un taller de metodología. Quito, CEAS, 1994. O capítulo do saudoso Prof. Ricardo Lafetá Novaes
- professor da Faculdade de Medicina da USP - merece atenção, pois introduz o debate acerca da
progressiva integração do social à compreensão da saúde-doença - NOVAES, R.L. Do biológico e do
social: um pequeno balanço. In: FLEURY, S. (org.) Saúde e democracia: a luta do CEBES. São
Paulo, Lemos, 1997, parte IV, cap.1.
54 A esse respeito remetemos o leitor ao trabalho de CAMPOS, G.W.S, (1994) op. cit. p. 45.
55 Esta compreensão foi também encaminhada pelo Prof. Eugênio Vilaça Mendes, da Escola de
Saúde de Minas Gerais, quando discutiu a operacionalização da Vigilância à Saúde no
desenvolvimento da Disciplina Temas Avançados em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem - Área de Concentração em Enfermagem em saúde Coletiva, 1996.
56 Além dos trabalhos clássicos de Laurell e Breilh, consultar também o texto que reproduz a tese de
doutorado do Prof. Luis Augusto Facchini, da Universidade Federal de Pelotas, sob orientação do Prof.
Cesar Victora (FACCHINI, L.A. Trabalho materno e ganho de peso infantil. Pelotas, UFPel/Editora e
gráfica, 1995 )
57 SCHRAIBER, L.B.; MENDES-GONÇALVES, R.B. Necessidades de saúde e atenção primária. In:
SCHRAIBER, L.B.; NEMES, M.I.B.; MENDES-GONÇALVES, R.B. Saúde do adulto: programas e
ações na Unidade Básica. São Paulo, Hucitec, 1996, cap. 1, p. 30.
58Cf. CAMPOS, G. W. S. (1994), op. cit, p.34.
59 Adaptado de QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Reconstruindo a intervenção de enfermagem em
saúde coletiva face a vigilância à saúde. Trabalho apresentado ao 48º Congresso Brasileiro de
Enfermagem. São Paulo, 1996.
60 A análise e os encaminhamentos aqui expressos se amparam numa ampla gama de textos de
enfermagem e na base empírica que reorientou a formulação do arcabouço teórico-metodológico por
nós construído, no trabalho com alunos de graduação, pós-graduação, enfermeiros e trabalhadores da
saúde. A produção em enfermagem, sob os pressupostos do materialismo histórico e dialético, da
década de 80 é referência fundamental (são exemplares os trabalhos de: GERMANO, R. Educação e
ideologia da enfermagem no Brasil, 2.ed., São Paulo, Cortez, 1985, ALMEIDA, M.C.P.; ROCHA,
J.S.Y. O saber de enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo, Cortez, 1986, MELLO, C. M. M.
de Divisão social do trabalho e enfermagem. São Paulo, Cortez, 1986, REZENDE, A. L.M. Saúde:
dialética do pensar e do fazer. São Paulo, Cortez, 1986, ROCHA, S.M.M. Puericultura e enfermagem.
São Paulo, Cortez, 1987, NAKAMAE, D. D. Bases para o encaminhamento do ensino de
enfermagem. São Paulo, Cortez, 1987, CASTELLANOS, B.E.P. O trabalho do enfermeiro: a procura e
o encontro de um caminho para o seu estudo - da abordagem mecânico-funcionalista à pesquisa
emancipatória. São Paulo, 1987. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem da USP, PIRES, D.
Hegemonia médica na saúde e a enfermagem. São Paulo, Cortez, 1989, SILVA, G.B. Enfermagem
profissional: análise crítica. São Paulo, 2.ed., Cortez, 1989, de fato produzida como tese em 1984).
QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva:
resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em
direção à sociedade do tipo novo. FASM em Revista. n. 1, vol. especial, p.11-31, 2001.
39
Damos destaque também aos trabalhos que subsidiaram a discussão dos Temas Oficiais do 41º
Congresso Brasileiro de Enfermagem em 1989 e aos Documentos (três) da Comissão Permanente de
Serviço de Enfermagem da Associação Brasileira de Enfermagem, Brasília, 1991 e 1992.
61 A produção exaustiva do Prof. Ricardo Bruno, marco na análise do trabalho em saúde, remete a
toda uma discussão fecunda sobre a reorganização das práticas de saúde e na sua articulação diante
do modelo clínico e epidemiológico.
62 Extraído do documento da Profa. Maria Tereza Leopardi Rosa, da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Catarina. (ROSA, M.T.L. Um olhar para o século XXI: perspectivas de
impacto. Fórum de Coordenadores de Pós-Graduação Stricto Sensu em Enfermagem, 1º .
Florianópolis, 1996, p.1)
63 ROSA, M.T.L. op. cit. p.1.
64 Estão aqui lançadas as bases da versão preliminar sobre a participação da enfermagem nos
diferentes processos de trabalho do processo de produção de serviços de saúde e que tem servido de
fundamento para as nossas discussões com alunos, docentes e enfermeiros de serviço.
65 Aqui não está incluída da participação da enfermagem no Processo de Trabalho de Apoio ao
Processo de Produção de Serviços de Saúde que, no nosso entender, tem como objeto as
necessidades de produção e como finalidade a resposta às necessidades de produção, cuja
decomposição, sob a ótica do Processo de Produção na Universidade, está apresentada no
documento SALUM, M.J.L.; QUEIROZ, V.M. O processo de produção na USP e os processos de
trabalho do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP: delineamento preliminar.
Fórum do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da EEUSP. São Paulo, novembro de
1994.
66 Texto extraído do Prof. Luiz Antônio Cunha, Prof. da Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense. (CUNHA, L.A. Avaliação universitária na América Latina: dois projetos nacionais
de legislação. In: FREITAS, M.C. de (org.) (1966), op. cit., cap. 5. p. 148-9).
67 Considerações feitas pela Profa. Maria Jenny Silva Araújo, da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia. - ARAÚJO, M.J.S. A consulta de enfermagem no contexto da prática
de enfermagem. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Comissão Permanente de
Serviço de Enfermagem. Organização da Assistência de Enfermagem. Brasília, ABEn, 1991. (Série
Documento 1), p. 35, 38.
68Cf. MENEZES, M. T. C. G. (1993), op. cit., p. 129
69 Cf. CAMPOS, G. W. S. (1994) , op. cit, p.31.
70 Lições extraídas do discurso por elaborado e proferido, na qualidade de Paraninfa da 53
a. Turma de
Formandos da Escola de Enfermagem da USP, em 20/1/2000, pela Profa. Maria Josefina leuba Salum. 71
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e
Terra, 1997. 72
SADER, E. O anjo torto: esquerda (e direita) no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1995.