88
CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL SEMINÁRIO TECNOLOGIA NUCLERAR - SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO EVENTO: Seminário N°: 1573/03 DATA: 30/09/03 INÍCIO: 10h40min TÉRMINO: 11h54min DURAÇÃO: 01h14min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1h14min. PÁGINAS: 17 QUARTOS: 15 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO ODAIR DIAS GONÇALVES - Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN. LUIZ SOARES - Diretor Técnico da ELETROBRÁS Termonuclear S.A. — ELETRONUCLEAR. ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO - Comandante da Marinha do Brasil. ROBERTO AMARAL - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. SUMÁRIO: Abertura do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento. OBSERVAÇÕES O registro taquigráfico de seminários, encontros, frentes parlamentares e reuniões de bancada só é realizado pelo Departamento de Taquigrafia se estiver em dia a prioridade da Casa (sessões plenárias, CPIs, Comissões Especiais, Audiências Públicas).

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

SEMINÁRIO TECNOLOGIA NUCLERAR - SOBERANIA E DESENVOLVIMENTOEVENTO: Seminário N°: 1573/03 DATA: 30/09/03INÍCIO: 10h40min TÉRMINO: 11h54min DURAÇÃO: 01h14minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 1h14min. PÁGINAS: 17 QUARTOS: 15

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

ODAIR DIAS GONÇALVES - Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN.LUIZ SOARES - Diretor Técnico da ELETROBRÁS Termonuclear S.A. — ELETRONUCLEAR.ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO - Comandante da Marinha do Brasil.ROBERTO AMARAL - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.

SUMÁRIO: Abertura do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.

OBSERVAÇÕES

O registro taquigráfico de seminários, encontros, frentes parlamentares e reuniões de bancadasó é realizado pelo Departamento de Taquigrafia se estiver em dia a prioridade da Casa(sessões plenárias, CPIs, Comissões Especiais, Audiências Públicas).

Page 2: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

1

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Senhoras e senhores, bom dia. Como

norma do Cerimonial, pedimos a todos que desliguem seus celulares ou deixem no

sistema silencioso ou vibra call.

Ao iniciarmos a cerimônia de abertura do Seminário Tecnologia Nuclear —

Soberania e Desenvolvimento, convidamos para compor a Mesa de Honra a Exma.

Sra. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de

Defesa Nacional da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Deputado Jamil Murad,

membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados; o Exmo.

Sr. Deputado Luiz Sérgio, membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos

Deputados; o Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Roberto de

Guimarães Carvalho, representando o Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa,

Embaixador José Viegas; o Sr. Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão

Nacional de Energia Nuclear.

Senhoras e Senhores, convidamos todos a, de pé, ouvirem o Hino Nacional

(É executado o Hino Nacional.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Temos a presença do representante do

Comandante do Exército, General-de-Brigada Nelson Marcelino de Farias Filho; do

representante do Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Sérgio

Pedro Bambine, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Aeronáutica.

Com o objetivo de despertar a atenção das autoridades, dos políticos e do

público brasileiro para a necessidade de continuidade do Programa Nuclear

Brasileiro, as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados de Relações

Exteriores e de Defesa Nacional e de Minas e Energia, de Ciência e Tecnologia,

Comunicação e Informática promovem, a partir de hoje até 1º de outubro, o

Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.

Durante este encontro, os conferencistas abordarão vários temas, mostrando

a importância da continuidade do Programa Nuclear Brasileiro, entre outros, “O

Impacto dos Programas Nucleares no Mundo” e “O Impacto da Energia nuclear na

Indústria, na Medicina e na Agricultura”.

Passamos a palavra à Exma. Sras. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da

Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

A SRA. DEPUTADA ZULAIÊ COBRA - É um enorme prazer iniciarmos hoje

este seminário sobre energia nuclear, acompanhando a Comissão de Relações

Page 3: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

2

Exteriores e de Defesa Nacional, a Comissão de Minas e Energia e a Comissão de

Ciência e Tecnologia, aqui representada pelos Deputados que falam em nome de 2

Presidentes.

O mais importante deste seminário é que tenhamos, a partir de agora,

contatos mais próximos da Câmara dos Deputados com a questão do

desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel

fundamental de pensar, refletir e interferir, sim, junto com o Governo Federal, naquilo

que hoje representa a luta pelo desenvolvimento nuclear brasileiro. Temos um

processo iniciado há 20 anos e que se encontra quase parado. Precisamos de

desenvolvimento. A Nação precisa de energia nuclear. Hoje somos um país pobre

em energia nuclear, um país que precisa de informações, até porque não podemos

ficar em segundo lugar nesse desenvolvimento. Aliás, o segundo lugar, para mim, é

quase o último. Mais do que isso, não podemos fazer com que outros países

interfiram na nossa decisão sobre o aspecto mais importante, que é o

desenvolvimento da energia nuclear.

Tenho ao meu lado o Deputado Luiz Sérgio, do PT do Rio de Janeiro. S.Exa.

tem feito um bom trabalho na questão de Angra I, Angra II e Angra III; o

Comandante da Marinha, que tem feito um belíssimo trabalho, no que se refere à

energia nuclear, em Aramar, Estado de São Paulo, na construção do submarino; e o

Deputado Antonio Carlos Pannunzio. Temos de continuar o processo de

desenvolvimento de tecnologia da energia nuclear.

É um enorme prazer recebê-los. Isto representa o início de uma luta, que já

começou nas nossas instituições. Mas a Câmara dos Deputados, através dessas 3

Comissões, tem o objetivo de participar dessa luta já iniciada.

Falo em nome, também, do Presidente João Paulo Cunha, que não pode

estar presente, mas estamos representando toda a Casa. São 3 Comissões. Toda a

Casa e os vários Ministros que não estiveram presentes hoje aqui, mas que

enviaram suas mensagens, estão conosco. Estamos aguardando o Ministro da

Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, que está um pouco atrasado. Tenho certeza

de que a presença dele nos dará muita honra, assim como a presença dos senhores

e das senhoras. É com muito orgulho que discutimos energia nuclear, na manhã

desta terça-feira.

Muito obrigada a todos pela presença. (Palmas.)

Page 4: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

3

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Convidamos, para compor a Mesa, o

Sr. Luiz Soares, representante do Sr. Luiz Pinguelli Rosa, Presidente da

ELETROBRÁS. (Palmas.)

Com a palavra o Exmo. Sr. Deputado Jamil Murad, membro da Comissão de

Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.

O SR. DEPUTADO JAMIL MURAD - Cumprimento a Presidenta da Comissão

de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputada

Zulaiê Cobra, que tem conduzido de maneira brilhante esta Comissão, trazendo

temas do mais alto interesse para nosso País. Mais uma vez S.Exa. traz à discussão

a questão da tecnologia nuclear, da soberania e do desenvolvimento. Cumprimento

também as autoridades civis e militares que compõem a Mesa e demais

interessados nesse tema.

O Deputado Corauci Sobrinho, Presidente da Comissão de Ciência e

Tecnologia, na semana passada, solicitou-me que representasse aquela Comissão

no debate sobre a continuidade ou não de Angra III. O Deputado Luiz Sérgio

também estava presente, e lá defendemos a continuidade de Angra III. Agora,

novamente S.Exa. me solicitou que representasse aqui a Comissão de Ciência,

Tecnologia, Comunicação e Informática. Sinto-me honrado de representar aquela

Comissão e de poder dar uma opinião na abertura dos trabalhos.

Senhores e senhoras, os jornais de hoje divulgam o grande desenvolvimento

do Brasil no século XX. Às vezes as pessoas, de maneira simplista, afirmam que

nesses 500 anos não fizemos nada, não progredimos em nada. Não, o Brasil, com o

esforço, a inteligência e o compromisso de seus filhos, tem buscado o caminho do

desenvolvimento. É importante saber que vencemos obstáculos para atingir o atual

grau de desenvolvimento.

Participei da delegação brasileira que foi a Cancun, na reunião da OMC.

Como membro oficial da delegação, tive acesso às rodadas de negociação. Ficamos

indignados com o cinismo das nações desenvolvidas quando países em

desenvolvimento, e até mesmo países pobres da África, pequenos países que nem

são citados em nosso cotidiano, falam assim: “É preciso acabar com o subsídio ao

algodão, porque é a única coisa que produzimos lá”. Muitas vezes esses países

desenvolvidos fazem campanhas, pegando crianças africanas que estão só pele e

osso e as mostrando na mídia, que é dominada pelos países ricos, como se

Page 5: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

4

estivessem querendo resolver o problema daquelas crianças. Porém, na hora de

proporcionar meios para o desenvolvimento, ou pelo menos para impedir bloqueios

ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, eles se omitem. Do começo ao

fim da Conferência Ministerial da OMC, foi impedido qualquer avanço que

contemplasse o interesse dos países em desenvolvimento.

O Ministro Celso Amorim disse, referindo-se ao Grupo dos 22 países: “É

melhor não assinarmos, ficarmos em negociação”. Ninguém quer ficar isolado, mas,

com medo de ficar isolado, dar as mãos e os pés para ficar acorrentados, também

não é o caso. Com essa postura altiva e soberana do Brasil em Cancun, que

possibilitou o trabalho de coordenação do Grupo dos 22 países, pudemos impedir

que eles nos acorrentassem. No entanto, eles não permitiram nenhum avanço

naquilo que era necessário para o desenvolvimento dos nossos países.

Por que cito esse exemplo da OMC? Porque vivenciei isso outro dia. Agora

eles querem impedir que desenvolvamos a tecnologia nuclear. Isso já vem há

bastante tempo. Estive em Iperó, em visita oficial, com um grupo de Deputados —

Haroldo Lima, Aldo Rebelo e o Deputado Estadual de São Paulo, Nivaldo Santana.

Esse projeto é importante para o Brasil, mas faltavam migalhas. Quer dizer, não é

que falta dinheiro. Muitas vezes se gasta em propaganda governamental mais do

que o dinheiro necessário ao projeto do submarino nuclear. No entanto, deve haver

outro tipo de obstáculo, outros impedimentos. Vemos que certos países tentam

impedir o domínio da tecnologia nuclear de outros.

Este seminário é da mais alta relevância para o Brasil. Este é um momento

auspicioso que estamos vivendo. Temos que defender os interesses do nosso País,

para resolver nossos problemas. O momento é auspicioso porque mudou o clima.

Nota-se que até o trabalhador, pela imprensa, acompanha os fatos e registra que o

Brasil está de cabeça erguida. Todos os brasileiros, independentemente do partido

— homens, mulheres, jovens, idosos —, estão sendo chamados a conferir a nova

postura do Brasil no cenário mundial. Só assim, defendendo nossos interesses,

poderemos ter melhores dias. Sem isso, não há como ter um futuro melhor.

É impossível a um país com 175 milhões de habitantes abrir mão de uma

forma de energia que serve para a agricultura, a medicina etc. Quer dizer, não

podemos abrir mão. Vamos deixar que nos impeçam? Vamos permitir que

Page 6: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

5

continuem nos impedindo de desenvolver energia nuclear? Não podemos deixar isso

acontecer.

Acredito que este seminário é um passo à frente, assim como a continuidade

da construção de Angra III é um passo à frente na defesa de nossos interesses, do

ponto de vista soberano, sem interferências, e sem levar em consideração

interesses de outras nações. Eles cuidam dos interesses deles, e nós, dos nossos.

É isso que esperamos deste seminário.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Sr. Odair Dias

Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

O SR. ODAIR DIAS GONÇALVES - Agradeço-lhes o convite para participar

deste evento tão importante, fundamental, estratégico para a nossa independência,

para o nosso desenvolvimento.

Inicialmente gostaria de propor uma pequena ampliação do conceito que aqui

vai ser discutido. Como Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, é

importante que ressalvemos alguns pontos que em geral são ignorados, quando se

discute a questão do Programa Nuclear Brasileiro ou mesmo quando se anuncia a

expressão “programa nuclear”.

Historicamente, o Programa Nuclear Brasileiro está ligado principalmente à

idéia de produção de energia elétrica, seja tecnologia de reatores, seja o ciclo de

combustível, seja novas possibilidades de instalação de reatores, ou mesmo Angra

III. É importante ressaltar que isso foi fundamental para o programa e nessa área o

Brasil conseguiu um sucesso incrível. Existem outras aplicações, além da própria

energia elétrica, que desenvolveram muito no Brasil em conseqüência do próprio

Programa Nuclear Brasileiro. Por exemplo, na Saúde, hoje existem aplicações sobre

medicina nuclear, a questão de novas tecnologias de radiodiagnósticos que utilizam

a radiação ionizante ou técnicas nucleares que, de maneira geral, estão sempre

vinculadas ao próprio programa nuclear mas chegam mesmo a ultrapassá-lo.

Desta maneira, talvez fosse mais interessante falarmos mais em programas

nucleares do que simplesmente em programa, ou talvez mais adequadamente ainda

em política nuclear brasileira, da qual hoje sentimos falta. Uma das funções da

Comissão Nacional de Energia Nuclear é assessorar o Governo Federal na

Page 7: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

6

formulação de política nuclear. Mas antes é necessário que exista vontade política

expressa e de que essa política seja desenvolvida e implementada.

O Ministério da Ciência e Tecnologia, através do Ministro Roberto Amaral,

tem sido exemplar e sempre tem demonstrado determinação e decisões no sentido

de apoiar, fortemente, o desenvolvimento e a formulação da política nuclear, mas

isso não basta. Ainda não temos claramente uma decisão do Governo Federal,

como um todo, no sentido do que fazer em relação a essa política. Agora é a hora

de tomarmos esta decisão. Não dá mais para adiar se vamos ou não construir Angra

III. Seja qual for a decisão, ela tem que ser tomada. Nós temos que tomar decisões,

inclusive sobre a área médica. Atualmente, a CNEN produz 100% dos radiofármacos

utilizados no País. Somos independentes. O Instituto de Pesquisas Energéticas e

Nucleares — IPEN desenvolve tecnologia de ponta nesta área, adotando soluções a

partir de uma política que foi defendida a duras penas, como vou procurar

demonstrar na minha palestra à tarde. Mas é claro que existe a necessidade da

tomada de decisão. Mais importante também é a necessidade de um esclarecimento

à população para que ela, junto com o Governo, possa tomar uma decisão sobre

essa política.

Há que se destruir mitos de que a energia nuclear é uma energia associada,

inevitavelmente, à questão armamentista. O Brasil está fora de qualquer tipo de

pesquisa nessa área, até por determinação de sua própria Constituição. Nós temos

que esclarecer à população as vantagens e os benefícios de uma política nesta

direção. Agora é hora de tomarmos essas decisões e aproveitarmos esses eventos

que são fundamentais para alavancar uma decisão política, a formulação de uma

política nuclear e retomar os investimentos nesta área, declarando-os tão prioritários

como eles realmente devem ser.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Sr. Luiz Soares,

Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR e representante do Sr. Luiz Pinguelli Rosa,

Presidente da ELETROBRÁS.

O SR. LUIZ SOARES - Bom dia a todos. Gostaria de iniciar cumprimentando

a Câmara dos Deputados, na figura da Deputada Zulaiê Cobra, dos Deputados Luiz

Sérgio, Jamil Murad, por trazer este tema à discussão e pelo cuidado que teve na

organização deste encontro que, de forma bastante criteriosa, aborda os diversos

Page 8: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

7

aspectos do que poderíamos chamar, como se referiu o Prof. Odair Gonçalves, de

política nuclear para o País.

Chamo a atenção para 2 aspectos primordiais nesta discussão. Primeiro, num

ambiente competitivo internacional entre nações, entre empresas, neste cenário

econômico em que vivemos, um fator diferencial e importante para qualquer nação

que queira propiciar melhores condições de conforto está no fato de conseguir

atividades em que o conhecimento seja um fator de desenvolvimento, em que o

conhecimento agregado nas atividades represente soberania tecnológica que lhe dê

a base para continuar evoluindo tecnologicamente.

Na área nuclear, que vive sob um certo manto de invisibilidade, tanto eu como

outros profissionais presentes, que trabalhamos há 25 anos no setor, sabemos que

muito do que foi feito do ponto de vista de desenvolvimento e de construção de uma

base científica para continuar avançando nesta direção perde-se envolto em críticas

que muitas vezes, mesmo sendo extremamente importantes, porque fazem parte do

processo democrático, tocam apenas a superfície do problema, a percepção de que

é equivocado o uso da energia nuclear. Portanto, não apenas levantar a discussão

mas dar oportunidade a um seminário com nível de organização como este é algo

extremamente louvável para o País, para os profissionais da área, para as empresas

geradoras.

O segundo ponto para o qual chamo a atenção — hoje curiosamente vinha

para cá, no avião, lendo sobre isso no jornal — diz respeito às conseqüências de

indefinições que ocorrem quando se trata de aspectos extremamente pragmáticos,

como a expansão da base energética com um viés preconceituoso. Os senhores

todos devem ter visto o que aconteceu na Itália neste último fim de semana. A Itália,

no caso da área nuclear, tomou uma decisão motivada por questões de natureza

ideológica e hoje ela é dependente 15% da geração de países vizinhos, tais como a

França e a Eslovênia. Acredito que esse seja um dado importante quando olhamos a

dimensão do nosso parque energético instalado e analisamos outro dado que é

bastante significativo. O Brasil, se comparado com uma nação como os Estados

Unidos, tem 12 vezes menos potência instalada, ou seja, a nossa capacidade é 12

vezes menor do que a capacidade americana, ao passo que a nossa população é

uma vez e meia menor. Portanto, cada americano tem, em média, um volume da

Page 9: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

8

ordem de 24 vezes mais energia elétrica para o seu conforto, a sua integração

social, o seu desenvolvimento econômico-social.

Esses números, por si só, mostram que, se todos estamos empenhados na

construção de um País mais soberano tecnologicamente, mais justo socialmente e

com mais capacidade econômica de crescimento, teremos de considerar todas as

alternativas possíveis de geração elétrica. O Brasil tem, como certamente será visto

ao longo deste encontro, os 2 ingredientes básicos para progredir nesta área: a

matéria-prima, o urânio, pois somos a sexta reserva do mundo, e a tecnologia e os

homens com capacidade de levar isso adiante.

Com essas palavras, mais uma vez agradeço esta oportunidade e tenho

certeza de que este encontro será extremamente profícuo para a discussão sobre o

setor nuclear.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Comandante da

Marinha, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, representando o

Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, Embaixador José Viegas.

O SR. ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO - Bom dia a todos. Como

Comandante da Marinha e tendo a honra de representar o Ministro de Estado da

Defesa, Embaixador José Viegas Filho, é com especial satisfação que compareço a

esta Casa para participar da abertura do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania

e Desenvolvimento.

Desejo, antes de mais nada, enaltecer a iniciativa da Deputada Zulaiê Cobra,

Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, do Deputado

José Janene, Presidente da Comissão de Minas e Energia, e do Deputado Corauci

Sobrinho, Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, por organizarem este

encontro tão importante.

A participação de conferencistas provenientes de diversas instituições, FIESP,

CNEN, ELETRONUCLEAR, IPEN, INB e do Centro Tecnológico da Marinha em São

Paulo, certamente incitará um profícuo debate sobre o tema, contribuindo desta

maneira para prestar os esclarecimentos necessários aos representantes da

sociedade brasileira.

Especificamente no que se refere ao Programa Nuclear da Marinha, faço

propícia a ocasião para ressaltar que, nos últimos 23 anos, a Marinha do Brasil vem

Page 10: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

9

aplicando recursos e pessoal em um programa nuclear cujo principal objetivo é o

domínio, por parte dos institutos de pesquisa e da indústria nacional, de todo o vasto

espectro tecnológico necessário para que a Nação esteja capacitada a projetar e

construir reatores de potência, bem como produzir combustíveis para estes reatores.

Aqui faço uma pequena digressão porque, como vimos, o atual Programa Nuclear da

Marinha não cogita construção de submarino nuclear. O que pretendemos é o

domínio de tecnologia.

Desta forma, o Programa Nuclear da Marinha encontra-se dividido em 2

grandes projetos: o Projeto do Ciclo de Combustível e o Projeto do Laboratório de

Geração Núcleo-Elétrica — LAB-GNE. No primeiro deles, os primeiros resultados

foram obtidos em 1982, quando foi construída a primeira ultracentrífuga com

condições de fazer a separação isotópica do urânio.

Esta tecnologia para produção contínua de urânio enriquecido já se encontra

dominada e, como resultado, a Marinha está construindo ultracentrífugas para que a

INB, Indústrias Nucleares do Brasil, empresa responsável pela produção de

combustível para Angra I e II, possa executar no País o enriquecimento que tinha de

contratar na Alemanha. À exceção da conversão, cuja usina de hexafluoreto de

urânio está em fase final de construção, as demais etapas do ciclo do combustível,

reconversão, fabricação de pastilhas, fabricação de elementos combustíveis e a

capacidade para projetar o próprio combustível também já estão dominadas e em

operação.

Em paralelo ao Projeto do Ciclo do Combustível, mas com alguma defasagem

no tempo, foram iniciados os estudos relativos ao Projeto do Laboratório de Geração

Nucleo-Elétrica — LAB-GNE, buscando o desenvolvimento e a construção de uma

planta nuclear de geração de energia elétrica totalmente projetada e construída no

País, inclusive o seu reator. Esta instalação servirá de base e de laboratório para

qualquer outro projeto de reator nuclear no Brasil. As obras de montagem desta

instalação estão em andamento. O domínio desta tecnologia, que não é repassada

por aqueles que a detêm, permite ao País ter uma alternativa energética para a crise

internacional que se anuncia neste início de século, ou, caso haja outra saída viável,

vendê-la ao mercado internacional. Além disso, seriam criadas condições para que,

no futuro, havendo decisão política de governo para tal, possa ser dado início à

elaboração de um projeto específico para o desenvolvimento de planta de propulsão

Page 11: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

10

naval para navios ou submarinos, este último de valor estratégico inquestionável,

principalmente para o Brasil, que possui enormes interesses econômicos a preservar

e a defender no mar.

Além do exposto, cabe mencionar que o desenvolvimento e a absorção das

tecnologias envolvidas transcendem a aplicação militar, sendo, na verdade, do

interesse do País dar o seu poder de arrasto nos diversos campos de suas possíveis

aplicações.

Deste modo, o entendimento da Marinha do Brasil é de que o Programa

Nuclear hoje em execução não é unicamente da Marinha, mas, sim, do País, motivo

pelo qual deveria receber aportes financeiros de outras fontes e não somente do

orçamento das Forças Armadas, como vem acontecendo já há alguns anos.

Caso esses aportes não ocorram e considerando as severas restrições

orçamentárias com as quais a minha Força tem tido de conviver nos últimos anos,

corremos o risco de o Programa Nuclear da Marinha, que é do País, ficar estagnado,

o que de certa forma já vem ocorrendo, com as indesejáveis conseqüências de

perda de mão-de-obra qualificada e atrasos ainda maiores na sua conclusão.

Ao finalizar, Deputada Zulaiê Cobra, gostaria novamente de cumprimentá-la

pela iniciativa que teve, juntamente com os Presidentes das duas outras Comissões,

de promover este seminário. Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Exmo. Sr. Deputado

Luiz Sérgio, membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados,

representando o Exmo. Sr. Deputado José Janene, Presidente desta mesma

Comissão.

O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - Ao saudar a Deputada Zulaiê Cobra, que

preside a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, quero exaltar

principalmente a sua coragem de patrocinar, em conjunto com as Comissões de

Minas e Energia e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, o Seminário

Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.

Saúdo o Comandante da Marinha e todos os senhores que estão contribuindo

para que possamos chegar a bom termo no final deste evento.

Quero abordar alguns pontos. Primeiro, podemos enfrentar este debate em

qualquer local, até porque poucas políticas no Brasil sobreviveram e atravessaram 3

Comissões Parlamentares de Inquérito. O Programa Nuclear Brasileiro já foi objeto

Page 12: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

11

de 3 CPIs nesta Casa e é o único para o qual, em 3 ocasiões distintas, foram

constituídos grupos de trabalho interministerial com o objetivo de avaliá-lo. Aqueles

que, fugindo do debate, acusam de não haver transparência e de não haver

discussão, na realidade, fogem daquilo em que se constituiu o programa nos últimos

anos. Não há nada mais transparente nesta Casa do que uma Comissão

Parlamentar de Inquérito. O Programa Nuclear Brasileiro navegou por 3 Comissões

e sobreviveu, porque tem o objetivo claro de inserir o Brasil, com independência e

soberania, neste que indiscutivelmente é um dos temas mais debatidos no mundo.

Segundo, não queremos fazer um seminário focados apenas na questão da

geração de energia, sem desmerecer a sua importância estratégica. O recurso

nuclear há apenas 4 décadas é utilizado para geração de energia. No entanto, 17%

de toda a energia no mundo já vem dele. Poucas fontes, em tão pouco tempo,

atingiram um percentual tão significativo no mundo.

Queremos analisar o assunto sob os vários aspectos. A medicina, a produção

e a industrialização de alimentos não teriam o avanço que alcançaram sem a

utilização dessa tecnologia.

Por falar no uso da energia nuclear na medicina, o Brasil nacionalizou a

produção dos radiosótopos. Isso representará uma economia de 1,17 milhões de

dólares/ano ao País e permitirá que mais de 300 clínicas e hospitais de diversas

regiões diagnostiquem mais de 2 milhões de brasileiros que passarão a ter acesso a

essa tecnologia nova e importante.

Espero que este seminário não seja apenas para produzir belos Anais que

irão servir para engordar as nossas estantes com livros e resoluções, mas, acima de

tudo, seja um farol que nos ilumine, nos guie rumo a algumas decisões que

precisamos tomar.

O debate evidentemente necessário se faz, mas nenhum custo é mais alto do

que o da indefinição e o de ficar postergando uma decisão tão essencial. A

indefinição e o postergamento da definição pode significar que estejamos perdendo

o bonde da história, porque o Brasil, tendo uma das maiores reservas de urânio do

mundo, indiscutivelmente, num determinado momento da sua história, lançará mão

dessa reserva para comercializá-la. Nós comercializaremos a matéria-prima bruta ou

a comercializaremos com valor agregado? Seremos determinante de uma política ou

seremos apenas fornecedores de matéria-prima para que outros, dela se utilizando,

Page 13: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

12

ganhem e se imponham diante do mundo, quando já mostramos que temos todas as

condições adequadas, do ponto de vista científico, para nos inserir no mundo com

essa tecnologia e com esse valor?

Há várias questões para abordar, mas pontuarei apenas algumas delas.

Em maio deste ano, a Comissão Européia decidiu ampliar o uso da energia

nuclear. Os estudos mostram que essa utilização será a única capaz de conter a

emissão de CO2.

Também em maio deste ano, 67% da população da Suíça aprovou que não

deve abrir mão dessa fonte de energia, consolidando todo o programa nuclear

desenvolvido naquele país.

Em abril deste ano, cientistas reunidos em Bruxelas também chegaram à

conclusão de que o uso da energia nuclear no mundo deve aumentar nos próximos

anos como parte da estratégia para atingir as metas de redução da emissão de CO2

no planeta. Aqueles que debatem sob o ângulo ambiental precisam se situar dentro

do que o mundo discute hoje. É evidente que a questão nuclear desperta amor e

ódio, mas não podemos fazer este debate com amor, nem com ódio. Precisamos

fazê-lo com racionalidade e, acima de tudo, com visão estratégica de qual nível de

independência e de soberania necessitamos para inserir o Brasil no mundo.

Orgulhosos de alguns pontos da nossa política externa, quer seja na

Organização Mundial do Comércio, quer seja no discurso firme do Presidente Luiz

Inácio Lula na ONU, precisamos atentar para a questão nuclear. Ela se insere nesse

contexto como uma política de desenvolvimento, de soberania, de que, ao meu ver,

o Brasil não pode abdicar.

Eu, Parlamentar que debato esta questão há anos, espero que este

seminário, acima de tudo, contribua para subsidiar decisões importantes, a fim de

que não percamos o bonde da história, que já está passando.

A questão de Angra III não é importante apenas porque se constituirá em

mais uma usina, mas porque complementará e viabilizará um ciclo que irá desde a

extração do urânio à fabricação do combustível nuclear. Indiscutivelmente, dará

continuidade àquilo que se constitui hoje o nosso maior patrimônio, que é a geração

de mão-de-obra qualificada que estamos formando e que não pode ser interrompida

sob qualquer hipótese, a exemplo do lamentável acidente na Base de Alcântara. No

fundo, o que mais lamentamos? Exatamente a perda dos nossos cientistas, a perda

Page 14: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

13

do conhecimento, os anos que levaremos para formar nova mão-de-obra qualificada

naquele nível. No caso específico nuclear, não houve acidente e, se Deus quiser,

não haverá. Mas não podemos perder a continuidade da formação de todo esse

quadro técnico, que tanto nos orgulha, pela interrupção deste programa.

Formaremos 3 Mesas para discutir aspectos político, social e econômico.

Espero que todos as senhoras e senhores estejam presentes aqui às 14 horas, a fim

de formarmos a primeira Mesa, que, indiscutivelmente, dará subsídios importantes

ao Executivo para que tome decisões maduras. Independência e soberania também

se constituem pela firmeza e pela coragem de tomar decisões.

No que se refere ao aspecto da nossa política nuclear, neste momento é

necessário que tenhamos coragem de tomar decisões.

Com satisfação, comunico que acaba de chegar o Ministro da Ciência e

Tecnologia, Roberto Amaral.

Angra III complementa um ciclo. Espero que este seminário não constitua

apenas mais um nos Anais de seminários, mas possa ser um farol que ilumine as

decisões que estão maduras e precisam ser tomadas, a fim de que não fiquemos

aquém da potencialidade nuclear nas várias áreas.

Orgulhamo-nos de todos que trabalham nessa área, em relação ao nível de

desenvolvimento científico que chegaram. Em nome da Comissão de Minas e

Energia, quero nessa fase inicial parabenizar todos vocês que há anos estão sendo

persistentes e que, indiscutivelmente, ajudaram a construir uma das páginas mais

bonitas do desenvolvimento científico brasileiro. Espero que a decisão do Executivo

possa ser, acima de tudo, um incentivo e acelere a consolidação desse programa

tão necessário ao nosso desenvolvimento e à nossa soberania.

Muito obrigado a todos. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Exmo. Sr. Roberto

Amaral, Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.

O SR. MINISTRO ROBERTO AMARAL - Bom dia. A única vantagem de falar

em último lugar é que ouvimos os que nos antecederam e aprendemos o que dizer.

Nem essa vantagem eu tive.

Peço desculpas pelo atraso. Devido aos tempos de crise da aviação civil,

levamos 30 minutos para decolar do Rio de Janeiro, em razão do congestionamento.

Page 15: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

14

Ao chegar a Brasília, tivemos novamente de esperar para aterrissar. Isso me fez

atrasar mais de uma hora na previsão da minha chegada.

Sra. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da Comissão de Relações Exteriores

da Câmara dos Deputados; Deputado Luiz Sérgio, da Comissão de Minas e Energia

da Câmara dos Deputados; meu querido amigo Deputado Jamil Murad, da Comissão

de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados; Comandante Almirante-de-

Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, que além de representar o Exmo. Sr.

Ministro de Estado da Defesa, simboliza nesta Mesa a presença da Marinha

brasileira, a quem o País, a Nação e a sociedade devem, em muito, o avanço que

logramos na pesquisa nuclear; meu colega de Ministério, Dr. Odair, Presidente da

CNEN; Dr. Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR, para nós é um

prazer participar deste seminário e poder, nesta oportunidade, lembrar os

compromissos históricos que o Parlamento brasileiro tem com a defesa do País e

com a defesa do Programa Nuclear Brasileiro. Estou me referindo à famosa CPI de

Energia Nuclear, de 1955, presidida pela figura inesquecível para a história do nosso

País do Deputado Gabriel Passos, e que teve como Relator o Deputado Dagoberto

Sales.

Não sei se não tivéssemos tido essa Comissão se teria sido possível

desenvolvermos em nosso País o Programa Nuclear Brasileiro. Esta CPI, além de

identificar muitos dos obstáculos que se antepunham ao desenvolvimento de nosso

País e — vamos dizer com todas as palavras — às pressões de ordem internacional,

revelou também por que o Governo brasileiro demitiu o então Presidente do CNPq,

órgão responsável pela pesquisa, pela ciência neste País. Tenho a honra de tê-lo no

meu Ministério.

Isso revela desde quando estamos unido, sem distinção, civis e militares, em

torno de um projeto que não abandonamos e não abandonaremos. Está para além

das filiações partidárias e de eventuais equívocos ideológicos, que é a defesa deste

País.

É preciso que se lembre que Programa Nuclear não é bomba atômica e que

este País, que não tem programa nuclear militar, que não quer ter, que não pensa

em tê-lo, que não precisa tê-lo, é um País de tradições pacíficas, de ótima

convivência com seus vizinhos, que jamais, na idade moderna, invadiu outro país.

Portanto, nunca fabricou bomba atômica, nunca soltou bomba atômica.

Page 16: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

15

Portanto, nós temos autoridade moral e ética para conduzir o nosso

programa, saber qual o interesse do nosso País. Nós temos autoridade de cobrar

dos países que dominam a tecnologia que desfaçam os seus arsenais, porque o

mundo não vai conhecer a paz simplesmente proibindo a disseminação de armas.

Somos a favor da disseminação de armas. Somos contra à propagação de projetos

nucleares militares, mas somos a favor disso universalmente, a começar pela

desmobilização dos atuais arsenais, que malgrado o fim da guerra fria, continuam

ameaçando a humanidade.

É preciso lembrar que Programa Nuclear inclui geração de energia elétrica, a

qual depende de produção derivada da fricção nuclear na ordem de 17% do total

produzido, com índices muito superiores nos Estados Unidos, na França e no Japão.

Esses países não são mais responsáveis do que nós. Nós, tanto quanto eles,

temos regras a cumprir, regras de segurança que estamos cumprindo, regras de

pesquisa e somos submetidos a investigações e inspeções periódicas, às quais

jamais apresentamos qualquer obstáculo.

O Programa Nuclear Brasileiro não é apenas geração de energia. É preciso

lembrar o seu papel extraordinário na área da Medicina. Quantas vidas o esforço

nacional para o Programa Nuclear salvam, não diria diariamente, mas talvez a cada

minuto, seja no tratamento, seja no diagnóstico precoce de doenças fatais. Não

somente isso, mas é também um instrumento de aumento da produtividade agrícola,

de irradiação e de alimentos, fundamental para o combate à fome em nosso País.

Ele é fundamental para a precisão de equipamentos, para a busca arqueológica,

para a datação inclusive de recursos aquáticos brasileiros. É esse o programa que

nós defendemos, cuja ampliação nós defendemos, cujo aprofundamento nós

defendemos.

Esse programa inclui — e nós o defendemos claramente, sem nenhuma

tergiversação — também o domínio de tecnologia que nos propicie a construção de

reator que possa garantir o submarino brasileiro de propulsão nuclear. Isso é uma

necessidade do País. Nenhum outro país tem de estar dando explicações por que

precisa modernizar a sua frota, mas, se nos cobram, nós dizemos: precisamos ter a

defesa até para continuar sendo como somos hoje, um País pacífico. Temos de usar

recursos de dissuasão. Um deles, o mais importante, é a capacidade efetiva de

Page 17: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

16

defesa do nosso litoral, de sua proteção não só de eventuais incursões dessa ou

daquela natureza, mas inclusive para proteção econômica de pesca predatória.

Esse programa inclui o complexo Angra dos Reis, fundamental para a

indústria e o consumo de energia no Sudeste brasileiro, particularmente no Rio de

Janeiro e no Espírito Santo.

Temos certeza que o debate que hoje se inicia será mais um instrumento que

a Câmara dos Deputados oferece ao País para que possamos identificar quais são

realmente os interesses do País. Identificados os interesses do País, nós Poder

Público, nós União, nós Poder Executivo, nós Parlamento, nós políticos, nós

administradores, vamos persegui-los.

O Brasil precisa desenvolver-se, e nós alcançamos já alto nível de

desenvolvimento científico. Nesse ponto ressalto mais uma vez a participação que

teve a Marinha brasileira, o Instituto Militar de Engenharia nesse desenvolvimento e

o que nós todos devemos ao CTA e ao ITA, sem os quais nós não teríamos hoje

possibilidade de ter programa aeroespacial e mesmo indústria aeronáutica.

Nós, que já alcançamos altos níveis de desenvolvimento científico,

precisamos alcançar o correspondente desenvolvimento tecnológico. Essa distância

está sendo responsável por uma distanciamento crescente entre o nosso

desenvolvimento científico e tecnológico e, principalmente, pelo atraso do nosso

País em face das nações do Hemisfério Norte.

Em termos de tecnologia, uma das características da revolução tecnológica é

a velocidade das inovações, que corresponde também à velocidade da

obsolescência. Quem estiver pensando no ritmo de desenvolvimento ensejado pela

revolução industrial fique certo que está trabalhando pelo atraso. Nós temos de

correr no plano científico e sermos velocíssimos no plano tecnológico. O País

evidentemente não tem por que reinventar a roda dentada, nem pesquisar água

morna, mas ele precisa se equipar de instrumentos teóricos, instrumentos de ciência

aplicada, de pesquisa básica e de pesquisa aplicada para cimentar o seu

desenvolvimento.

O mundo que nasce no início desse terceiro milênio não é mais o mundo da

produção clássica, não é mais o mundo em que a mão-de-obra barata,

desqualificada é fator de produção. O nosso milênio — e esse é o desafio — é o

milênio do conhecimento. As nações ficarão talvez definitivamente separadas por

Page 18: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

17

séculos e séculos entre aquelas que investiram no conhecimento, na investigação,

na produção de conhecimento e aquelas que se limitaram a tentar copiar, a tentar

comprar e pagar royalties. Esse é o grande desafio do nosso País, é o desafio da

nossa geração, e tenho certeza de que as reflexões no Congresso Nacional serão

instrumento para que nós todos estejamos reunidos num grande projeto nacional: a

construção de uma nova sociedade, de um novo Estado, um Estado democrático,

uma sociedade livre das distorções que vivemos hoje, da concentração de renda,

dos desníveis regionais, dos apartheids internos, da pobreza aviltante e que

possamos, de mãos juntas, construir a Nação, o País, que nossa população merece

e exige de nós.

Esse é o papel de mudanças do Governo do Presidente Lula: mudar para

transformar o País da exclusão no País da inclusão social. E não haverá inclusão

social sem investimentos maciços em educação, ciência e tecnologia.

Meus senhores, muito obrigado. (Palmas.)

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Agradeço ao Ministro da

Ciência e Tecnologia, Dr. Roberto Amaral Vieira. Agradeço também ao nosso

representante do Ministro da Defesa, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães

Carvalho, ao nosso Dr. Odair Dias Gonçalves, ao Dr. Luiz Soares, ao Deputado Luiz

Sérgio, que muito contribuiu para que este Seminário fosse realmente uma

realidade, ao Deputado Jamil Murad, ao Comandante do Exército, General-de-

Brigada Nelson Marcelino de Farias Filho; ao Tenente-Brigadeiro-do-Ar, Sérgio

Pedro Bambine, que representa o Comandante da Aeronáutica, e a todos os demais

a presença a este evento.

Convoco todos para o reinício do seminário às 14 horas neste mesmo

auditório.

Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Lembramos a todos que existe uma

lista para ser assinada na entrada do auditório, para depois ser emitido o certificado

de presença neste Seminário.

Está encerrada a reunião.

Page 19: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

18

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

SEMINÁRIO TECNOLOGIA NUCLEAR - SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO

EVENTO: Seminário N°: 1585/2003 DATA: 30/9/2003

INÍCIO: 14h7min TÉRMINO: 18h2min DURAÇÃO: 3h55min

TEMPO DE GRAVAÇÃO:

3h57min

PÁGINAS: 68 QUARTOS: 45

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

ALAN PAES LEME ARTHOU - Diretor do Centro Tecnológico da Marinha.

CARLOS ROBERTO LIBONI - Vice-Presidente da Federação das Indústrias do Estado de SãoPaulo — FIESP.ODAIR DIAS GONÇALVES - Presidente da Comissão Nacional de Energia

Nuclear — CNEN.

LUIZ SOARES - Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR.

CLÁUDIO RODRIGUES - Diretor do Instituto de Pesquisas Energéticas e

Nucleares — IPEN.

ALFREDO TRANJAN - Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão

Nacional de Energia Nuclear.

Page 20: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

19

ADOLFO DE AGUIAR BRAID - Capitão-de-Mar-e-Guerra da Reserva da Marinha

do Brasil.

SUMÁRIO: Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.

Mesa 1: Aspectos Políticos; Mesa 2: Aspectos Sociais; Mesa 3: Aspectos

Econômicos.

OBSERVAÇÕES

Há exibição de imagens.

O registro taquigráfico de seminários, encontros, frentes parlamentares e

reuniões de bancada só é realizado pelo Departamento de Taquigrafia se

estiver em dia a prioridade da Casa (sessões plenárias, CPIs, Comissões

Especiais, Audiências Públicas).

Page 21: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

20

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Declaro abertos os trabalhos

da presente reunião do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e

Desenvolvimento.

Boa tarde a todos. Trataremos de debater os aspectos políticos relacionados

ao tema. Comporão a Mesa, para fazer suas exposições, o Contra-Almirante Alan

Paes Leme Arthou, Diretor do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo, que

falará sobre o impacto de programa nuclear na área de defesa; o Dr. Carlos Roberto

Liboni, Vice-Presidente da FIESP, que tratará do referido impacto na indústria; o Dr.

Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear —

CNEN, que falará também desse impacto na área de ciência e tecnologia; e o Dr.

Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR, que cuidará do impacto dos

programas nucleares no mundo.

Quero agradecer aos expositores por terem aceitado o convite para participar

deste seminário, que é para nós de grande importância estratégica. Como disse

durante a abertura, pela manhã, espero que este evento possa ser um farol a

iluminar as decisões que precisamos tomar.

Concedo a palavra ao primeiro expositor, o Contra-Almirante Alan Paes Leme

Arthou.

O SR. ALAN PAES LEME ARTHOU - Boa tarde, senhoras e senhores.

Agradeço à Deputada Zulaiê Cobra esta oportunidade de expor algumas idéias e

apresentar alguns trabalhos que estamos realizando. Vou falar sobre o impacto de

um programa nuclear na defesa.

A defesa é uma muito questionada, muitas pessoas perguntam se o Brasil

precisa de defesa e de Forças Armadas. Gosto sempre de iniciar minhas exposições

mostrando como o Brasil se situa em relação ao mundo, quais os conflitos que

existem no mundo e quais as possibilidades de haver conflitos no Brasil. Darei a

seguir uma visão geral sobre os tipos de problemas que podem surgir.

(Segue-se exibição de imagens.)

O slide mostra uma colagem de várias fotos noturnas de satélite, publicadas

pela NASA, com a distribuição de energia no mundo. Estou falando sobre energia

porque ela será um dos possíveis motivos de conflito no mundo. O slide mostra

também que o Brasil é muito pobre em distribuição de energia.

Page 22: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

21

Todos sabem que existe um país hegemônico, com um poder militar muito

grande, que tem disputado recursos e influência territorial. Os outros países com

grande poder militar estão voltados para os seus problemas internos. Há também

países com grande poder militar que recebem tratamento especial por parte desse

país hegemônico.

Refiro-me a dois tipos de países: aos que são usados por países

hegemônicos como cabeça-de-ponte ou ponta-de-lança, como a Inglaterra, na

Europa, e Israel, no Oriente Médio; e aos que recebem tratamento especial, aqueles

que têm grande poder econômico e tecnológico e são capazes de se transformar,

rapidamente, em grandes potências militares — o que não seria desejável por causa

do histórico beligerante — como o Japão e a Alemanha. Se alguém quiser saber

qual o tipo de tratamento especial a que me refiro, basta ver a diferença entre o

tratamento dado à importação de carros japoneses nos Estados Unidos e o

tratamento dado a outros produtos de exportação, como os produtos de que somos

exportadores.

Tanto a Europa quanto os Estados Unidos e o Japão consomem quantidade

de energia muito maior do que a que são capazes de produzir em seu próprio

território, por isso terão de buscá-la em algum lugar, obviamente nos países pobres

que contam com esse recurso. Esses países geralmente sentem-se oprimidos e

dilapidados em seus bens. Muitas vezes surgem grupos que tentam adotar medidas

de defesa e, como não têm condições de criar um exército regular, agem por meio

da chamada guerra assimétrica, ou seja, realizam atos terroristas para mostrar

indignação.

Há um outro grupo de países, do qual o Brasil faz parte, que simplesmente

tem interesses a defender. Felizmente, o Brasil não se sente oprimido e espoliado,

também não é grande potência econômica e militar, nem recebe tratamento

especial. Visto que os conflitos giram em torno do que foi mencionado, existe a falsa

impressão de que no Brasil não existe tanta preocupação no que diz respeito à

defesa. Se quisermos saber se existe a possibilidade de um conflito armado contra o

Brasil, seria conveniente fazermos uma análise mais filosófica e procurarmos a exata

definição do que é guerra.

Encontramos em Karl Marie von Clausewitz, de meados do século XIX, a

definição mais clássica que existe sobre guerra. Dizia ele que a guerra é a

Page 23: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

22

continuação da diplomacia com o emprego de outra força. Ele não mencionava

política, mas hoje a palavra política é aceita como a mais abrangente e

representativa daquilo a que ele se referia. Então, a guerra é a continuação da

política com o emprego de outro meio. Esse outro meio é a força, na realidade a

guerra ou qualquer ação militar — a última guerra declarada foi a II Guerra Mundial.

É a continuação da política na tentativa de resolver um conflito de interesses.

Sempre que houver um conflito de interesses, a diplomacia atuará, a política atuará.

Se não houver jeito, o uso da força será o último recurso.

Que tipos de conflitos de interesses podem ser? Os conflitos do século XX

sempre sustentavam uma máscara de conflito ideológico, ético ou religioso, mas no

fundo havia sempre uma disputa de recursos. Na verdade, a II Guerra Mundial não

teve nenhuma dessas máscaras, mas sim a de libertação, embora também tenha

havido disputa de recursos e de mercado. Na recente guerra que envolveu o Iraque,

tentou-se vender uma imagem de guerra de libertação, mas ficou claro que por trás

havia disputa de recursos.

No Brasil não há nenhum problema ideológico, ético ou religioso, muito

menos de libertação. Todos os conflitos militares no último século envolveram uma

dessas situações. Portanto, fica difícil imaginar com quais tipos de conflito o Brasil

poderá envolver-se. Passamos então à parte que trata da disputa de recursos, pois

esse seria o único fator que poderia envolver o Brasil num conflito. Que recursos são

esses?

Faço sempre questão de dividir nossos recursos entre recursos do mar e

recursos da terra, porque de um modo geral nós brasileiros temos uma mentalidade

muito continental e nos esquecemos de que temos direito à exploração econômica

exclusiva de uma zona que se estende até 200 milhas da costa ou até onde se

estende a plataforma continental. Essa área de exploração econômica exclusiva,

com recursos vivos e minerais, corresponde a 50% do território continental, ou seja,

temos direito exclusivo de exploração de uma Amazônia azul. Tanto em terra quanto

nessa Amazônia azul, há vários tipos de recursos.

Chamo a atenção para 2 tipos de recursos que serão motivo, como todos

sabem, de conflito neste século. O primeiro é a água doce, e somos responsáveis

por mais de 20% da água doce existente no mundo. O segundo é a energia, e quem

Page 24: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

23

tem energia consegue água doce. Neste painel nos concentraremos no tema

energia.

A Marinha á a instituição nacional que tem a atribuição de preservar e

defender os interesses brasileiros nessa Amazônia azul. Como ela atua? A Marinha

pode fazer isso por meio do controle da área marítima de interesse, elegendo as

áreas de maior interesse ou negando o uso do mar a eventual oponente. Negar o

uso do mar é um termo naval que se usa para oferecer um risco ao oponente maior

do que aquilo que ele tenta conquistar. Existe uma arma, inventada no início do

século passado, que tem proporcionado bons resultados no sentido de aumentar o

risco do oponente e é excelente para países que não querem gastar muito com

defesa ou Forças Armadas: o submarino.

O submarino tem grande vantagem em relação às outras armas, porque hoje

em dia tudo o que se move sobre a superfície da terra ou do mar é detectável,

portanto destrutível. O submarino oferece dificuldades para detecção. Uma vez

submerso, por ser de baixa freqüência o sistema de detecção existente para

submarino, só é possível detectá-lo quando está muito próximo; ademais,

normalmente quando é detectado, já teve oportunidade de atuar e destruir seu

possível perseguidor. O submarino é invisível à maioria dos sensores modernos,

oferece grande surpresa tática, aumenta estupidamente o risco do oponente, serve

como fator de persuasão e atua fortemente no componente psicológico.

O submarino convencional é capaz de fazer isso, mas com dificuldades. O

submarino convencional opera com motor elétrico embaixo d’água por meio de

bateria, só que a bateria descarrega e precisa ser recarregada. Em um submarino

convencional, que navega normalmente na faixa de 20 a 25 nós, em duas horas a

bateria se descarrega e é preciso retorná-lo à superfície para recarregá-la. Se o

submarino navega em velocidade de patrulha, na faixa de 3 a 4 nós — depende do

submarino e da capacidade da bateria —, em torno de um dia, um dia e meio, terá

que retornar à superfície para recarregar a bateria.

Esclareça-se que não é preciso haver o retorno total à superfície, mas apenas

próximo a ela. É colocado um tubo, chamado snorkel, por onde entra o ar, e são

virados os motores a diesel para recarregar as baterias e fornecer energia para o

motor elétrico. Durante esse período, é preciso descarregar os gases do motor e,

para diminuir a possibilidade de detecção, esse gás é pulverizado na água do mar.

Page 25: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

24

Entretanto, os gases saem a altas temperaturas e provocam gradiente de

temperatura na água do mar, o que é detectável por meio de sensores

infra-vermelhos de satélite. Então, embora o submarino não seja detectável a cada

instante, sempre que descarregar os gases será detectável. Portanto, existe esse

inconveniente, embora seja uma ameaça muito grande.

O submarino nuclear tem um reator nuclear, cuja operação independe de

oxigênio. Há sobra de energia. Portanto, pode submergir sem precisar retornar à

superfície. Hoje em dia, a França e os Estados Unidos fabricam reatores com

combustíveis que duram toda a vida útil do submarino. Estamos trabalhando em um

projeto de um reator com 5 anos de vida útil. Entretanto, o submarino não pode ficar

submerso por 5 anos, por causa do problema do estresse da tripulação. Há o

problema da comida, mas antes surge o problema de estresse da guarnição.

Costumo dizer que o que acontece em um submarino submerso parece com o

que acontece no programa Big Brother, só que não tem piscina, nem sol, nem

mulher. A vida começa a ficar difícil. Três meses é tempo suficiente para que as

pessoas comecem a ter problemas de estresse e a cometer erros operacionais.

O submarino nuclear, então, não depende da atmosfera e tem autonomia bem

maior, pois pode ficar submerso por três meses. Ao contrário do submarino

convencional, que tem de poupar energia e bateria, ele consegue operar em

velocidade máxima por tempo integral e ainda assim o combustível dura 5 anos.

Desde que foi inventado, o submarino nuclear passou a ser usado para outras

finalidades. Por exemplo, por ter grande facilidade de se deslocar por grandes

distâncias, pode ir à costa marítima de outros países e lançar mísseis de dentro do

submarino para bombardeio contra objetivo de terra. Na Guerra do Afeganistão e na

Guerra do Golfo, mais de 50% dos Tomahawks lançados contra o objetivo de terra

partiram desse tipo de submarino. É também excelente arma para proteção da

esquadra. A melhor arma contra um submarino é outro submarino. Entretanto, para

proteger, é preciso que seja um submarino que consiga acompanhar a esquadra em

sua velocidade de evolução, que normalmente é superior a 20 nós, o que só um

submarino nuclear consegue fazer sem interrupções.

Quais os países que desenvolveram submarinos nucleares? Estados Unidos,

Reino Unido, França, Rússia e China. Atualmente, esses países tiveram sua frota

reduzida. A China ainda tem 6 submarinos nucleares, o Reino Unido e a França têm

Page 26: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

25

cerca de 28 cada um, os Estados Unidos e a Rússia chegaram a ter cerca de 180,

190 cada um, uma quantidade monstruosa de armas em operação.

Casualmente, esses países fazem parte do Conselho de Segurança da ONU.

Sempre dizem que o Brasil tem a pretensão de assumir uma cadeira no Conselho de

Segurança da ONU, mas nunca ouvi usarem o argumento, que me parece forte, de

que o Brasil desenvolveu tecnologia de enriquecimento de urânio, que é o maior

degrau para se chegar a uma arma nuclear. O Brasil optou por não fazê-lo e colocou

isso na Constituição. Que país teria condições morais de assumir uma posição como

essa? Esse argumento me parece forte, mas não tem sido usado.

Quem desenvolveu essa tecnologia usou-a como embrião de indústria de

centrais nucleoelétricas. Não é por acaso que Estados Unidos e França são os dois

países com o maior número de reatores em operação. Essa tecnologia não é

transferida, primeiro, pelo valor estratégico do submarino, segundo, pelo imenso

potencial econômico — estamos falando de um mercado de 100 milhões de dólares

por ano. Hoje, no mundo, existem 32 reatores nucleares em construção. A idéia que

se tem é que está tudo parado, mas não é bem assim. Obviamente, essa tecnologia

dá a quem a possui uma garantia de total liberdade e movimentação nos oceanos.

Gostaria de fazer um parêntese para falar sobre a política de obtenção da

Marinha. Não é atividade-fim da Marinha produzir armas, muito menos ciência e

tecnologia. Nossa obrigação é produzir defesa, mas para isso precisamos de alguns

instrumentos, e o submarino nuclear parece ser um instrumento extremamente

necessário para essa situação. Como no Brasil ninguém está desenvolvendo

tecnologia na área de reatores nucleares e de combustíveis, a Marinha buscou

desenvolver alguma coisa, usando o conhecimento adquirido em vários setores. O

trabalho desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Marinha não é exclusivo desse

centro. Na verdade, buscamos conhecimento e tecnologia onde existem, como na

Comissão Nacional de Energia Nuclear. Vários institutos da Comissão Nacional de

Energia Nuclear e várias universidades contribuíram com nosso esforço, inclusive os

fabricantes que aceitaram o desafio de chegar aonde chegaram.

Para termos submarino nuclear e usinas nucleares, é preciso capacidade de

construir submarino. No Brasil, já construímos os submarinos Tamoio, Timbira e

Tapajó, e o submarino Ticuna está em fase de construção. Ou seja, já construímos

nossos submarinos. É preciso ter capacidade de projetar submarinos, e já o

Page 27: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

26

conseguimos. Temos o projeto do SMB-10 e condições de projetar e fabricar

reatores de potência.

Para isso, estamos montando um laboratório de geração nucleoelétrica.

Estamos fazendo isso, repito, para se chegar, quando houver disponibilidade ou

interesse político, a um submarino nuclear. À medida que formos fazendo isso, com

apoio de toda a comunidade científica e tecnológica brasileira, também teremos

condições de produzir nossas próprias usinas nucleares. Se optarmos por não

utilizar energia nuclear, poderemos, como disse o Deputado hoje pela manhã, até

exportá-la, mas com valor agregado e não simplesmente como matéria-prima bruta.

Há dois ciclos básicos. Para não perder muito tempo, só frisaria que, no ciclo

do combustível, o degrau mais alto era o desenvolvimento das cascatas de

ultracentrífuga. Optamos pela ultracentrífuga, que comercialmente é aplicada só no

Japão e no consórcio Urenco, formado pela Alemanha, Inglaterra e Holanda.

Conseguimos uma outra centrífuga que tem competitividade comercial. Ela está

sendo entregue à INB, para produzir no Brasil o enriquecimento que ela faz lá fora a

preços competitivos, a preços comerciais.

Esse era o mais alto degrau. Todos os outros degraus já estavam

controlados. Está sendo feito agora um scale-up da planta de produção que o IPEN

tinha desenvolvido de hexafluoreto, com algumas adaptações, algumas automações.

Hoje em dia, estamos construíndo uma usina de transformação de yellow-cake em

hexafluoreto.

O outro passo seria a implantação desse prédio, à prova de tudo, de desastre

aéreo, de explosão de caminhão com 20 toneladas de dinamite, de terremoto, de

ciclone. Depois ainda fizemos um estudo para mostrar que não existia nenhum outro

fator que poderia interferir na estrutura do prédio. Refiro-me ao estudo de

completude, palavra que não existe no dicionário. Deve ter sido copiada do inglês.

De qualquer maneira, é um prédio bastante resistente, de 6,7 milhões de reais.

Parece caro, mas é bem mais barato que muitos prédios públicos por aí, muitos

prédios que existem por aí.

Atividades que desenvolvemos no Centro. O programa não é só nuclear,

existem vários arrastos tecnológicos. Listei apenas alguns.

Page 28: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

27

Sobre a produção de UF-6, já falei. Temos um contrato com a Vosper

Thorncroft para fornecimento para o reator de pesquisa do IPEN, que fabrica os

radiofármacos. Também estamos produzindo enriquecimento para eles.

Desenvolvimento de combustíveis avançados. Refere-se ao segundo núcleo

do nosso reator. Há também o laboratório de geração nucleoelétrica.

Esse é o sistema de modernização. Temos uma equipe composta de

empresas privadas, pessoal da Universidade de São Paulo e pessoal nosso, quer

dizer, uma equipe mista para fazer esse sistema de controle do reator. Aproveitamos

também e fizemos o sistema de controle de máquinas das fragatas da década de 70,

que precisavam ser modernizadas. Só para se ter uma idéia, consultada a empresa

fabricante das fragatas na década de 70, ela queria, para as 6 fragatas, 18 milhões

de dólares. Pois bem, fizemos o mesmo serviço por 11,5 milhões de reais.

Trabalhamos também em giroscópios e acelerômetros. Na fotografia não

aparece, mas é um giroscópio pequeno, com precisão razoável, de 0,2 a 0,5 grau

por hora. Máquinas elétricas de pólo permanente. Todos esses são projetos com

base no que temos desenvolvido. O relativo ao laser foi no início do programa. Hoje

em dia, está sendo mantido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo, onde já existem 11 teses de doutorado sobre tratamento de pele, rins, fígado,

com o uso desse laser de vapor de cobre.

Essa é uma instalação da nossa produção de fibra de carbono. Também

tivemos que desenvolvê-la. Túnel de cavitação.

A próxima imagem refere-se a uma bomba com mancais magnéticos.

Também nunca ouvimos falar disso no mundo, mas conseguimos desenvolver essa

bomba que trabalha por levitação. Aliás, as nossas ultracentrífugas também

trabalham por levitação — esqueci de comentar isso. Inclusive, tanto as bombas

européias do Urenco quanto as japonesas, normalmente, trabalham apoiadas por

mancal, com pino. Quando a desenvolvemos, a opção que teve maior sucesso foi a

de levitar o rotor magneticamente. Então, é uma máquina que não tem nenhum

contato, é eletrônica. Talvez por causa disso seja de manutenção muito mais fácil.

Várias válvulas, principalmente as de autovácuo, chegamos a desenvolver no

País. Como também trabalhamos com carbeto de boro, agora estamos

desenvolvendo um projeto para proteção balística, principalmente para aeronaves.

Aviões do SIVAM devem usar proteção balística com esse carbeto de boro. Uma

Page 29: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

28

pastilha dessas no mercado internacional custa 56 dólares, mas a estamos

produzindo bem mais barato.

Análise de choque, ruído e vibração não existia. Não há essa mentalidade em

projetos brasileiros. Qual a conseqüência quando determinado equipamento

explode? O que acontece com os outros equipamentos vitais? Normalmente, essa

análise não é feita, mas temos condições de realizá-la.

Análise de desempenho de instalações de potência. Essa é uma planta para

teste de equipamento de potência, que também não existia no Brasil. Testamos as

turbinas e os geradores, todos fabricados no Brasil pela indústria brasileira, o que

está pronto para aquele laboratório de geração nucleoelétrica.

Projeto de fabricação de vasos de alta pressão. Isso aqui é só para dar mais

ou menos uma visão. Já vou concluir minha exposição.

Análise de segurança. Fomos um dos primeiros a trabalhar com análise de

segurança e usinagem de precisão de componentes de grande porte.

Proteção ambiental. Temos dois trabalhos pioneiros no Brasil nessa área. Um

desses projetos usa uma pequena planta. O pólen dessa planta é analisado. Assim,

consegue-se detectar, com razoável grau de precisão, a poluição do ar. Isso é

considerado internacionalmente.

O outro projeto usa uma pulga d’água, um organismo vivo, chamado Daphnia

similis. Ela é bem sensível a qualquer mudança no ambiente líquido em que vive. A

bióloga a mantém em laboratório. Assim, quando se quer definir o grau de toxicidade

de certa substância, pingam-se gotas desta em uma quantidade líquida até que se

mate metade das pulgas. Ou seja, essa bióloga é uma grande assassina de pulgas,

mas ela consegue fazer um trabalho reconhecido por várias entidades públicas e

privadas.

Era isso o que tinha a apresentar nesta palestra. Daremos oportunidade aos

outros para que se pronunciem também. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Quero parabenizar o

Contra-Almirante pela sua exposição. Possibilitou a esta Casa conhecer a

potencialidade brasileira.

Concedo a palavra ao Dr. Carlos Roberto Liboni, Vice-Presidente da FIESP.

Page 30: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

29

O SR. CARLOS ROBERTO LIBONI - Agradeço ao Sr. Presidente, à

Deputada Zulaiê Cobra e a todos os companheiros que me honraram com o convite

para participar deste evento.

Não sou especialista da área nuclear, por isso devo evitar falar tecnicamente.

Não quero ser repetitivo, porque certamente muitos dos meus companheiros tratarão

dos benefícios das radiações e da tecnologia como um todo. Seria menos

competente do que eles para falar de aplicações, de detalhes. Prefiro, como

industrial, usuário das tecnologias e mesmo como 1º Vice-Presidente da FIESP,

resumir o meu discurso. Inicialmente, quero dizer poucas palavras de advertência.

Observando o universo das nossas indústrias e das nossas necessidades,

catalogadas especialmente nas indústrias do Estado de São Paulo, a indústria de

que precisamos para construir o País que queremos não funcionará com a energia

que aí está. Devemos utilizar o potencial conhecido da energia disponível no País.

Precisamos “inventar” — entre aspas — energia, sob pena de ficarmos, de alguma

forma, literalmente apagados no futuro, em diversos sentidos.

Ainda que superficialmente, além, é óbvio, do aspecto energético, a

tecnologia nuclear é um fator de globalização na indústria, é uma variável da

competência industrial na inserção universal dos nossos produtos.

As radiações alcançam, dentro do universo da indústria, expressiva

participação em nossos fatores de produção, do tipo qualidade, produtividade e,

sobretudo, competitividade.

Não vou ficar desfiando exemplos. Acho que é desnecessário ficar falando

disso, porque todo mundo sabe dos benefícios. E é provável que serão fartamente

comentados pelos especialistas.

Eu tomaria como um bom exemplo do que significa essa particular variável da

produção brasileira o aspecto da tecnologia de exploração de águas profundas da

PETROBRAS. Certamente essa competência instalada não seria exatamente como

é se não houvesse os recursos da tecnologia nuclear à disposição.

Além dessa advertência, fundamentalmente aquela da qual eu poderia falar

como usuário de tecnologia, eu me sinto na obrigação de tentar contribuir um

pouquinho, talvez mais pelo fato de me qualificar como industrial caudatário desse

setor. Acredito que eu seja, na verdade, o caudatário de novas tecnologias e, de

alguma forma, um sobrevivente delas. Então, fico mais à vontade para falar na

Page 31: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

30

condição de industrial que de alguma forma se envolveu com a tecnologia e dela se

beneficiou, do que efetivamente de um usuário de energia pura e simplesmente.

Nessa condição, tenho com vocês uma prosa um pouquinho mais informal,

que inclui contar casos. Quero citar 2, para dar testemunho acerca da importância do

fortalecimento econômico e institucional dos programas, a exemplo do caso

brasileiro, mas de outros também, que conseguem realizar um trabalho de arraste

tecnológico e industrial desesperadamente necessário para o País. Eu diria que ele

é fundamental, especialmente do ponto de vista social, devido ao significado

extraordinário em termos de empregos qualificados.

Vimos recentemente que o perfil do desemprego no Brasil muda. O

desemprego qualificado se torna cada vez mais importante, e uma forma de resolver

isso é efetivamente qualificando as disponibilidades das vagas.

Vou, na verdade, tentar servir como testemunha desse projeto. Vou contar 2

historinhas próprias da minha empresa — infelizmente, serei obrigado a fazer um

comercial aqui. Depois, com base nelas, quero falar de 2 fatos e dar 2 sugestões.

Esse é o escopo da minha tentativa de contribuição: 2 historinhas, 2 fatos

decorrentes e 2 sugestões.

A historinha nº 1 e a historinha nº 2 acontecem basicamente no mesmo

período, de 1982 a 1985, mais ou menos.

A primeira delas, na NUCLEBRÁS, que tinha na época o acordo com a alemã

KWU para Angra e tinha o — entre aspas — “esforço” para se nacionalizar ou para

elevar o conteúdo nacional dentro da construção. Havia, então, uma divergência

muito grande do ponto de vista de quem queria realmente fazer esse esforço de

nacionalização e daqueles que não queriam. Existia um domínio, do ponto de vista

tecnológico, por parte dos técnicos alemães. O projeto era gerenciado, na verdade,

por eles. E havia também 2 grupos diferentes, do ponto de vista tecnológico ou

filosófico. Quer dizer, havia o que estava concentrado na COPESP, estadual, e o

que estava em Angra, com a KWU e a NUCLEBRÁS.

Diante desse compromisso de fazer a nacionalização, nós sofremos um

tremendo boicote, de toda a natureza, um terrorismo tecnológico. Houve uma

tentativa fortíssima de vender a incompetência como uma das características da

nossa indústria. Havia barreiras regulatórias. Qualquer tipo de tentativa de se

aproximar de um projeto de nacionalização batia nas barreiras de certificação etc.

Page 32: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

31

Entretanto, dentro dessa historinha, havia algumas pessoas vinculadas ao

esforço extraordinário de nacionalização. Eram brasileiros competentes. E nós

acabamos desenvolvendo alguns produtos e oferecendo-os para a NUCLEBRÁS na

época.

Nós conseguimos fazer as certificações no Brasil através do CDTN, através

do CEPEL. E nós conseguimos colocar uma centena de produtos nas unidades de

Furnas. Entramos em Itaipu por tabela. E conseguimos nacionalizar um pouquinho o

projeto deles.

Eu diria que essa primeira tentativa foi de certa forma frustrante, embora

tenha havido algum sucesso, porque o controle nacional era realmente relevante.

A historinha nº 2 aconteceu com a COPESP, hoje CTM. Nós tivemos a

possibilidade de participar do esforço de Aramar e do submarino. As dificuldades

eram de outra ordem. O projeto tinha uma característica militar. Muitas pressões

aconteciam internamente, politicamente sobretudo. Havia algumas pressões

internacionais também. Mas as pressões eram diferentes. Internamente, nós

sentíamos uma extraordinária vontade de que aquilo fosse realmente um projeto

brasileiro e que tivesse um controle nacional expressivo.

Havia ali também pessoas extraordinárias viabilizando esse conteúdo,

tentando “tropicalizar” inclusive os produtos que eram desenvolvidos.

Nós logramos também fazer produtos para essas aplicações. Desenvolvemos

alguns transmissores, controladores digitais. Esse foi o nosso trabalho nesse projeto.

Ele foi extremamente gratificante, tinha conteúdo nacional bastante

expressivo e era um extraordinário começo para desenvolver uma boa tecnologia.

Nessa época, a empresa tinha algumas dezenas de funcionários.

Eu me lembro perfeitamente quando o Almirante Othon nos procurou. Ele

descobriu a potencialidade da nossa empresa para desenvolver alguma coisa no

projeto, identificou-a, fez propostas para que pudéssemos acelerar o processo de

desenvolvimento. E as tecnologias foram brotando em função disso.

Bom, essas são as 2 historinhas. Quer dizer, uma em que a gente conseguiu

desenvolver alguma coisa com Angra; outra, em que a gente conseguiu desenvolver

alguma coisa com os projetos da Marinha.

Agora, os fatos.

Page 33: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

32

Quais são os fatos que sobraram disso? O primeiro fato extremamente

positivo é o resultado, que demonstra o sucesso do programa.

E aí eu preciso falar um pouquinho do que aconteceu com aquelas 2 ou 3

dezenas de funcionários que eu tinha e com aquele extraordinário esforço que

fizemos para uma pequena nacionalização na época.

A nossa empresa, depois de 20 anos com 2 ou 3 dezenas de funcionários,

passou a oferecer 1.200 empregos. Hoje, nós somos 1.200. Desse total, 170

funcionários dedicados exclusivamente à pesquisa e ao desenvolvimento, vocação

nascida daquele exercício que fizemos em conjunto com a Marinha. Aqueles

produtos desenvolvidos com a Marinha foram os primeiros que abriram os canais de

exportação da empresa e que lhe permitiu ingressar no mercado internacional. Hoje,

ela exporta para mais de 60 países essa tecnologia de ponta, inclusive com

transferência de conteúdo tecnológico. Instalamos subsidiárias de transferência em

mais de 10 países. Temos a liderança mundial de uma tecnologia de ponta na área

de redes digitais de automação industrial. Somos hoje detentores de uma boa

posição no ranking de patentes industriais registradas nos Estados Unidos. Quer

dizer, trata-se de uma empresa que ousa ter um pouco mais de 40 patentes

registradas nos Estados Unidos até agora. A empresa foi assunto de editorial de

dezenas de revistas especializadas no mundo inteiro. Nós somos case de capa de

pelo menos umas 10 revistas de publicações técnicas. As 2 principais da Europa e

dos Estados Unidos se referiram a nós. Temos dezenas de prêmios internacionais

por inovação tecnológica e de prêmios nacionais de desenvolvimento tecnológico:

FINEP, AEB etc. Temos pelo menos 2 ou 3 dezenas de funcionários premiados

internacionalmente por papers produzidos. Somos certificados pela ISO-9001 desde

2002. Temos certificados registrados na maioria dos países europeus e asiáticos e

nos Estados Unidos. Temos uma extensa lista de clientes e parceiros a quem

transferimos tecnologias — a Rockwell Automation , nos Estados Unidos, é uma

delas. Temos clientes como a Shell, Texaco, Dow Chemical etc.

Há 2 fatos que eu gostaria de citar, para dizer-lhes por que somos gratos e

nos sentimos extremamente devedores, e por isso faço este testemunho: aquele

transmissor que desenvolvemos com a Marinha brasileira e lhe oferecemos

pioneiramente é hoje o transmissor que fornecemos à marinha americana. Esta

opera com os transmissores que a Marinha brasileira nos ajudou a desenvolver.

Page 34: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

33

Além deles, a rede digital está colocada na parte de diesel dos porta-aviões

americanos. Portanto, estes têm sistema de controle brasileiro.

O segundo ponto que gostaria de ressaltar como forma de agradecimento e

de incentivo para que esse programa seja realmente do País, e não só da Marinha,

diz respeito àquele percentual pequeno que colocamos em Angra, em 1984, com

alguns instrumentos ali dentro. Tais instrumentos são os mesmos que fazem a

automação praticamente inteira de 3 usinas nucleares da Duke Energy, nos Estados

Unidos.

Trouxe transparências, porque imagens falam mais forte do que palavras. Eu

gostaria que passassem rapidamente.

(Segue-se exibição de imagens.)

Essa é uma apresentação do Michael Miller, responsável pelo projeto de

revamp desses 3 reatores da usina nuclear deles. E aqui ele faz uma apresentação

num dos congressos americanos de energia nuclear.

Aqui mostro estrategicamente o que os Estados Unidos estão fazendo hoje.

Isso foi apresentado por eles, embora seja confidencial, mas estamos entre amigos.

Eles estão colocando o plano de relicenciamento das usinas mais antigas. Eles

estão colocando 10 plantas que estão correntemente relicenciadas, ou seja, essas

plantas serão revampiadas, com novas tecnologias para trabalhar mais 20 ou 30

anos. Eles estão renovando todas as usinas nucleares com 30 anos de idade para

trabalhar por mais 30, ou seja, eles estão na perspectiva de 2030 ou 2040. E estão

colocando, dentro desse plano de revamp, de 25 a 40 plantas, que deverão ser

relicenciadas nos próximos 10 a 15 anos. Isso mostra um pouco da argumentação

sobre o que é energia nuclear nos Estados Unidos.

Esse é o impacto que esse relicenciamento coloca dentro das tecnologias das

usinas nucleares. Primeiro, os upgrades, quer dizer, como eles vão fazer para

trabalhar com tecnologias mais modernas e as decisões estratégicas de como fazer

esse revamp.

Esses são os fatores básicos por meio dos quais eles vão interpretar as

decisões sob o ponto de vista tecnológico do revamp. Trata-se de uma tentativa de

enxergar, num futuro longínquo, quais as tecnologias que vão existir daqui a 30

anos, por exemplo. Vão escolher por tecnologias de fronteira. Enfim, são esses os

Page 35: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

34

sistemas globais, baixo custo de suporte e instalação, enfim, são essas as variáveis

que eles estrategicamente admitiram para realizar as decisões.

Neste slide eles estão especificando cada uma dessas variáveis.

Aqui mais à frente é a determinação estratégica que eles finalizaram no seu

projeto, dizendo que tinham 5 potenciais fornecedores no início, que se resumiram

em 3 finalistas, 2 com reais capacidades de tecnologia fieldbus. Selecionaram a

Smar, empresa brasileira a que me referi, devido à capacidade superior e habilidade

de oferecer customização específica da planta.

Outro slide. Para o primeiro quarto de 2002, eles fizeram a compra com a

Smar.

Trouxe esses slides para mostrar um pouco do que resultou desse esforço da

Marinha e da Smar em trabalharem juntas nesse projeto. Agora, esse arraste

tecnológico-industrial é mais de curto prazo do que o domínio de tecnologias

nucleares no longo prazo. Isso acontece no dia-a-dia do projeto. No primeiro mês de

um projeto dessa natureza, já se podem ter avanços industriais, geração de

empregos.

Isso aqui são reflexos naturais de um projeto de arraste, que traz benefícios

para a sociedade, sob o ponto de vista de emprego qualificado, de novas

tecnologias, de qualidade, de competitividade internacional. Isso está no bojo do

projeto e tem resultado imediato.

Resta um fato triste, o segundo que eu gostaria de trazer-lhes: observamos

que o Brasil descuida da sustentabilidade de uma situação como essa. Acredito que

o Brasil tenha optado, na última década, por uma mudança de política, em que o

desenvolvimento industrial, tecnológico e os programas específicos para tal estejam

fora da pauta de prioridades, o que torna efetivamente novas conquistas mais

rarefeitas e dificulta a sustentação das já obtidas.

Trouxe-lhes uma prova fundamental disso. Por quê? Nessa época em que eu

trabalhava com a Marinha, o CDI fez um trabalho de pesquisa, do qual participei. E

identificamos, junto com a equipe técnica de qualidade da PETROBRAS, da

PETROQUISA, à época, e de mais algumas empresas estatais, 23 empresas

brasileiras com capacidade de desenvolvimento tecnológico e com algum

background tecnológico já desenvolvido. Estamos nos referindo a 15 ou 17 anos

Page 36: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

35

atrás — um pouco mais, talvez. Tínhamos 23 empresas com conteúdo tecnológico

incorporado.

Recentemente, precisei fazer um trabalho, encomendado a mim pelo PACTI,

do Ministério da Ciência e Tecnologia, e procurei as 23 empresas e identifiquei a

existência de 3 — as outras 20 desapareceram. Eram empresas consolidadas sob o

ponto de vista tecnológico. Perdemos, foram embora pelo ralo. Na época, eram

empresas reconhecidas por muitos usuários de tecnologia. Perderam-se,

lamentavelmente.

Muitos críticos de programas como esse da Marinha utilizam-se de fracassos

dessa natureza para dizer que os projetos não são nossos. Há muita gente que se

refere à parte dessas empresas que desapareceram, dizendo assim: “Para que fazer

um programa desses? Olha o que aconteceu”. Muita gente fala dos programas, por

exemplo, da Secretaria Especial de Informática, da década de 80 como coisas que

prejudicaram o País e não trouxeram nenhum benefício, e demonstram o fato com a

inexistência dessas empresas. No trabalho que fiz pelo CTI, concluí que a coisa é

muito grave, porque o País não está preparado para sustentar as conquistas que

efetua.

Eu trouxe para os senhores algo que não tem muito a ver com a área nuclear,

mas acredito que todos somos um pouco responsáveis pela conquista e sustentação

do que a Marinha venha a colocar no universo brasileiro.

Trago outra advertência: a situação que se oferece hoje às empresas de

tecnologia não há como sustentar, mesmo que se a conquiste.

Existe um gravíssimo tratamento fiscal para quem desenvolve tecnologia no

Brasil. Gostaria de mostrar isso aos senhores e depois apresentar minhas 2

sugestões.

Vamos partir de 2 pressupostos. Para se desenvolver tecnologia, deve-se ter

equipe multidisciplinar, com pessoal qualificado. O que caracteriza equipe

multidisciplinar e equipe qualificada? O que significa você pagar para pensar?

Significa que você tem um componente extremamente maior do que o da mão-

de-obra no perfil de custo das empresas convencionais. O que eu quero dizer com

isso? Que mão-de-obra de quem desenvolve tecnologia e de quem agrega valor é a

maior parte do custo.

Page 37: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

36

Nesse trabalho do PACTI, identificamos, à luz daquela época em que foram

levantados, alguns valores de referência: a mão-de-obra está mais concentrada em

quem pensa, em quem faz tecnologia, em quem contrata engenheiro, em quem tem

multidisciplinaridade em seus laboratórios do que em quem transfere uma tecnologia

e a monta a partir de peças importadas.

Chegamos à conclusão de que a folha de pagamento do grupo avaliado que

desenvolvia tecnologia era de 42 % do perfil de custos, contra 25% do perfil de

custos das empresas montadoras, e tínhamos referência dos 2 blocos. Em

contrapartida, a matéria-prima agrega valor através da mão-de-obra especializada,

de pensamento, de tecnologias novas de processo, ou seja, agrega-se valor, mas há

pouca matéria-prima. O perfil de matéria-prima é de 24% para quem desenvolve

tecnologia e de 49% para quem tem um perfil convencional.

O que acontece nos encargos e tributos em cima dessas 2 empresas? Em

empresa que desenvolve tecnologia, os encargos sociais têm um alto valor

percentual da folha. Se você tem uma folha maior é porque qualifica melhor seus

funcionários. Ou seja, se você desenvolve tecnologia, se você pensa em produto

novo, você tem encargos maiores, você é penalizado por ter essa qualificação de

pesquisa.

Em contrapartida, a carga tributária é um fator qualquer que multiplica o seu

faturamento e você tem a compensação de parte dos tributos sobre a matéria-prima.

Então, você tem faturamento menos matéria-prima. O percentual disso é a carga

tributária. Quando você faz a diferença entre o faturamento e a matéria-prima, quem

tem mais matéria-prima paga menos impostos; ou seja, a sua carga tributária

também penaliza por você pensar ou por agregar valor. Se você agregar valor,

pagará por isso.

Se considerarmos os números que identificamos nesse conjunto de

empresas, uma empresa que desenvolve tecnologia paga 1,68 vezes os encargos e

1,49 vezes o tributo da que não desenvolve. Então, desenvolver não tem

sustentação. Por quê? Porque é mais fácil para mim importar componentes,

montá-los e fornecê-los ao mercado.

A partir de 1990, isso ficou economicamente possível no País, o que fez que

parte das 23 empresas morressem, 2 ou 3 se transformassem em representantes de

Page 38: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

37

multinacionais e outras 2 ou 3 continuassem operando com desenvolvimento

tecnológico.

Era só isso que eu gostaria de mostrar.

Trago algumas sugestões, para finalizar. O País deve se conscientizar da

necessidade do arraste tecnológico, do resgate das políticas industriais e de

desenvolvimento. Nesse resgate, deve considerar o projeto nuclear da Marinha e

outros fundamentais, de viabilidade tecnológica, independentemente do problema

energético por que vamos passar e que esse projeto poderá resolver. Os aspectos

tecnológicos e industriais do País precisam passar pelo arraste de projeto.

Os Congressistas e todos aqueles que possam influenciar nos destinos do

País precisam pensar em políticas que desonerem o desenvolvimento tecnológico.

Se não tivermos o desenvolvimento da tecnologia e da produção industrial, não

teremos alavancas das soluções dos problemas sociais, porque elas passam

necessariamente por isso. É muito simples os senhores observarem as guerras no

Oriente Médio. Vemos a diferença de approach tecnológico entre a guerra do Golfo

e a do Iraque, no que se refere aos Estados Unidos. Basta assistir na televisão para

ver o que aconteceu naquele período. Todo aquele avanço tecnológico foi

transferido para a competitividade da indústria. É com esse tipo de avanço que

concorremos quando abrimos o nosso mercado. É com esse tipo de concorrente que

nos sentamos para vender na Europa.

Essa isonomia entre tecnologia e produção industrial na pauta de prioridades

é fundamental para que não nos transformemos em País sem esperança. Essa

possibilidade depende de medidas simples. Por exemplo, isenção de tributos

federais nos laboratórios privados de pesquisa de desenvolvimento, mudança de

eixo dos incentivos em cima só de academia. Pesquisas e desenvolvimento de

laboratórios privados são extremamente competentes, absolutamente vinculados à

necessidade de vender, de fazer coisas factíveis para comercialização externa. Aí

precisa ser aplicada uma isonomia, isolando um pouco a atividade de quem

desenvolve da atividade de quem comercializa; a mesma empresa pode ter pesquisa

e desenvolvimento incentivados de alguma forma e ter sua parte comercial

devidamente tributada, como as demais.

Page 39: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

38

Exportação de tecnologia agregada. Aquele que exporta tecnologia de ponta

agregadamente — não estou fazendo advocacia em causa própria — tem de ser

desonerado, porque financia a continuidade do laboratório pesquisado.

Não sei se consegui contribuir com os senhores, mas vim a este seminário

com 2 objetivos. Primeiro, dizer que o programa nuclear brasileiro já foi e é

comprovadamente um enorme sucesso. Não dá para entender por que não temos

um reforço institucional em cima dessa imagem. Segundo, todas as conquistas têm

de ser preservadas. A preservação passa pela reflexão e pelas decisões corretas a

respeito daquilo que temos de mais importante, as raras conquistas que temos de

competência tecnológica no País, diante de momentos extraordinários como a

biotecnologia sobre a nossa biodiversidade. Se não tomarmos cuidado, faremos o

mesmo que já fizemos com essas 23 empresas: vamos inviabilizá-las porque não

sabemos tratá-las, e elas também irão pelo ralo.

Peço desculpas por ter saído um pouco da minha pauta, mas eu não poderia

perder a oportunidade de dar a vocês essas mensagens, muito importantes para

mim.

Muito obrigado, e vamos em frente, vamos trabalhar, porque vem muita gente

atrás. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Concedo a palavra ao Dr.

Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que

falará sobre o impacto de um programa nuclear na ciência e tecnologia.

O SR. ODAIR DIAS GONÇALVES - Agradeço novamente a oportunidade de

participar deste seminário.

(Segue-se exibição de imagens.)

De início, quando me defrontei com o tema, observei um problema intrínseco

praticamente insuperável. Quando falamos em impacto, por definição estamos

pressupondo 2 objetos diferentes, um influenciando o outro, de uma maneira ou de

outra. O problema é que, quando se fala em programa nuclear brasileiro e ciência e

tecnologia, fala-se na mesma coisa. O programa nuclear se identifica com o

desenvolvimento da ciência e tecnologia do País e vice-versa, em particular das

ciências nucleares.

Próximo.

Tentarei me desvencilhar da tarefa abordando alguns pontos subseqüentes.

Page 40: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

39

Nesta breve introdução, citarei o que foi e o que é o Programa Nuclear

Brasileiro e falarei sobre a identificação entre a CNEN e o que se convencionou

chamar de Programa Nuclear Brasileiro. Comentarei também o impacto nuclear na

ciência e na tecnologia, mas salientando a questão mais sociológica, ou seja, o

significado do Programa Nuclear no quadro de ciência e tecnologia geral do País.

Isso vai ser difícil. Por fim, vou mostrar um pouco dos problemas e riscos

enfrentados hoje pela CNEN, conseqüência de uma desaceleração do investimento

na área nuclear brasileira de maneira geral.

Próximo.

A história do Programa Nuclear Brasileiro começa na década de 50, quando

as atividades estavam centradas praticamente na academia. Ressalte-se aí a

atividade do grupo de Minas Gerais. Existiam pesquisas não dedicadas, pesquisas

realmente acadêmicas, sem um objetivo tecnológico e desenvolvimentista claro.

A partir dos anos 50, começa a haver um controle sobre os minérios

estratégicos e começa-se a pensar numa política nuclear, uma vez que existe a

explosão, no mundo inteiro, da possibilidade de utilização dessa energia — é claro

que em grande parte proveniente das pesquisas feitas durante a Segunda Guerra.

Daí data a criação da CNEN e do CNPq.

Em 1972, já depois de 20 anos, adquire-se o primeiro reator de potência, o

reator Angra I, um reator americano que resultou de um acordo com os Estados

Unidos. A seguir, em 1975, fazemos um acordo com a Alemanha. Data daí o uso da

expressão corriqueira “acordo nuclear brasileiro”.

Como eu disse hoje de manhã, esse acordo prima por ter um enfoque claro

na geração de energia elétrica. Ele começou e, como todo mundo sabe, não se

realizou. Previa, além de 8 reatores, transferência de tecnologia. Era um programa

extremamente ambicioso, mas que, por diversas razões, sofreu atrasos e não atingiu

seus objetivos.

No final da década de 70, o Brasil passa a conduzir um programa autônomo,

desenvolvido em grande parte pela CNEN, particularmente pelo IPEN e pelo CDTN,

em cooperação com a Marinha, na tentativa de obter autonomia na área. Entre 1990

e 1995, vive um período negro a área nuclear brasileira. Praticamente

desaparecemos. A própria CNEN teve aí seu período mais negro no que diz respeito

Page 41: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

40

a investimentos. Para os senhores terem uma idéia, o orçamento da CNEN caiu para

um fator 6, mais ou menos.

Cada um dos nossos institutos tenta sobreviver da forma como é possível, e

conseguiram manter aquilo que havia sido adquirido. A partir daí começa um

desenvolvimento bastante grande. Em 1995, em particular, o chamado Programa

Nuclear retoma seu crescimento, mas nessa época já se pensava no programa

como uma política nuclear de maneira geral e não simplesmente para geração de

energia.

Hoje, o MCT, do qual faz parte a CNEN, é o órgão governamental

responsável pela política nacional de energia nuclear. Não só a CNEN, mas também

o Sistema de Proteção do Programa Nuclear Brasileiro, o SIPRON, supervisiona os

órgãos de licenciamento e controle, pesquisa e desenvolvimento, além de controlar o

setor industrial voltado para as aplicações pacíficas de energia nuclear do País, em

particular as 2 grandes indústrias brasileiras, ANP e NUCLEP, partes do MCT, sendo

a CNEN a detentora da maior parte das ações das 2 companhias.

A história da CNEN repete praticamente a história do Programa Nuclear

Brasileiro. Em 1951, é estabelecido um monopólio. O CNPq foi o primeiro

responsável por esse monopólio, que a seguir, em 1956, passa para a Comissão

Nacional de Energia Nuclear, que surge como autarquia vinculada à Presidência da

República. Depois passa por diversos órgãos, como Ministério de Minas e Energia,

Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ministério Extraordinário de Projetos Especiais,

em 1999, e, finalmente, entra na estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Próximo.

Nossa missão é garantir o uso seguro e pacífico da energia nuclear e

desenvolver e disponibilizar tecnologias nucleares e correlatas, visando ao

bem-estar da população. Fica evidente que, quando se fala em Programa Nuclear

Brasileiro, fala-se em Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Próximo.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear conta hoje com 2.665 funcionários,

distribuídos por unidades em todo o País. Cabe ressaltar alguns dos nossos grandes

institutos: o CDTN, em Minas Gerais, um dos mais tradicionais na área de energia

nuclear do País; o IPEN, em São Paulo, com cerca de 1.000 funcionários, onde é

desenvolvida grande parte dos radiofármacos e das pesquisas de reatores do País;

Page 42: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

41

o IRD, no Rio de Janeiro, dedicado ao licenciamento e controle de todas as

instalações nucleares do País; e o IEN, Instituto de Engenharia Nuclear, que, além

de desenvolver a área de radiofármacos, tem prestado grandes serviços na área

nuclear.

Próximo.

Vale ressaltar que 49% dos funcionários da CNEN têm nível superior. Isso

provavelmente é a grande maioria da área de pesquisa em ciências nucleares no

País. Infelizmente, a universidade tem os estudos nucleares. Hoje, poucas detêm

conhecimento de engenharia nuclear, e menos ainda têm grupos de física nuclear

trabalhando. Esse é um dos problemas que estamos enfrentando, e o abandono se

deve em grande parte a uma falta de prioridade dos órgãos de fomento da área

nuclear. Ou seja, o dinheiro disponível nas agências de fomento para a área nuclear

é muito pequeno, o que significa que, se quisermos realmente desenvolver essa

área, uma das coisas a fazer é conseguir ganhar novamente visibilidade junto a

essas áreas de fomento. Estamos trabalhando bastante nesse sentido.

Próximo.

Áreas de atuação. Nós atuamos em segurança e salvaguardas, pesquisa,

desenvolvimento e aplicação, produção de radiofármacos e capacitação de pessoal,

envolvendo não só treinamento, mas também pós-graduação.

Na área de segurança, somos responsáveis pelo licenciamento,

radioproteção, inspeção e controle de todas as instituições que tenham qualquer tipo

de fonte radioativa em suas instalações ou que lidem com qualquer área relacionada

a ciência nuclear em que esteja envolvida a radiação propriamente dita.

Trabalhamos também com salvaguardas nucleares, relacionadas diretamente com

os acordos internacionais. Portanto, está muito envolvida a diplomacia brasileira.

Somos responsáveis por todos os depósitos intermediários da área de rejeitos, o que

nos dá bastante trabalho e nos causa sérios problemas, dada a carência de verbas,

particularmente em algumas épocas. E somos responsáveis também pelo

credenciamento de pessoal. Hoje, os hospitais que trabalham com medicina nuclear

têm de ter um físico médico credenciado. Quem faz esse credenciamento somos

nós. Ou seja, nosso trabalho nessa área é extremamente exaustivo e detalhado,

fundamental para a segurança, uma vez que sempre há o risco de uma segunda

Page 43: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

42

Goiânia, o mesmo risco que corre qualquer país que trabalhe com tecnologia

nuclear.

Próximo.

Para os senhores terem idéia dos números, na área de segurança,

salvaguarda, licenciamento, inspeção e controle, em 2002 tivemos cerca de 2.300

instalações radioativas examinadas, em termos industriais e hospitalares. Esse é

mais ou menos o número de ações que realizamos nessa área.

Próximo.

Fazemos pesquisa desde reatores até ciclo de combustível, passando por

aplicações de áreas médicas, meio ambiente, indústria, agricultura, físico-químicos.

Ouso afirmar que somos responsáveis por mais de 90% da produção da área

desenvolvida no País, com problemas muitos sérios, que vou abordar logo depois.

Infelizmente, a capacitação está quase exclusivamente na CNEN, no que diz

respeito a pesquisa e desenvolvimento. É claro que existe uma grande parte

trabalhada pelas Forças Armadas, mas essas áreas são específicas, não são áreas

abertas em geral, como é o caso, por exemplo, do estudo de futuros reatores, ou

reatores em tecnologias do futuro. Hoje já se estudam no mundo reatores que vão

ser utilizáveis daqui a 30 ou 40 anos, que seriam a geração 4 dos reatores.

Temos de nos manter bastante atualizados e pensar a questão a longo prazo,

não simplesmente tecnologias que devemos desenvolver e aplicar agora. Não

podemos perder de vista as tecnologias do futuro.

Próximo.

Este quadro é só para que os senhores tenham uma idéia da nossa produção.

Próximo.

A produção de radiofármacos é uma história de sucesso. Grande parte dessa

história é desenvolvida no IPEN, em São Paulo. Não desenvolvemos todos os

radiofármacos existentes no mundo porque não são necessários. Desenvolvemos os

radiofármacos suficientes para todas as investigações e técnicas de aplicações de

medicina nuclear. Radiofármacos são radioisótopos produzidos em reatores ou

aceleradores, aos quais, por meio de um processamento químico, se associam

substâncias que têm determinada ação no metabolismo, certa ligação com algo que

se deseja conhecer, o que nos permite fazer uma investigação bastante detalhada

Page 44: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

43

em diversas partes do corpo humano ou aplicar a radioterapia — não são usados

apenas para diagnóstico, mas também para radioterapia.

Hoje somos auto-suficientes: 100% da produção de radiofármacos é feita no

País, dentro da CNEN, e grande parte dentro do IPEN.

Aqui consta mais ou menos a nossa produção. Nossa receita hoje é superior

a 23 milhões. Acreditem ou não, isso é um problema. Vou relatar aos senhores mais

à frente o que ocorre, e os senhores verão que, em vez de pularmos de alegria com

esse dinheiro, ele nos está levando à falência. Explicarei qual o mistério pelo qual

isso pode acontecer.

Capacitação de pessoal. Temos mestrado nos 4 institutos do IPEN e também

doutorado. Essas são as áreas de concentração desse programa de pós-graduação.

No IRD, em particular, temos toda a parte de treinamento e educação continuada em

segurança, física médica e dosimetria, as ações de Estado por cuja fiscalização e

controle somos responsáveis.

Representação diplomática é outra área praticamente paralela. O Brasil tem

representante na Agência Internacional de Energia Atômica, por força dos tratados

internacionais assinados. Somos o principal assessor do nosso representante, que é

o Embaixador em Viena, Roberto Abdenur.

Dentro da Agência Internacional de Energia Nuclear são discutidas diversas

ações, inclusive as que se revertem depois em inspeções no Brasil. Essas inspeções

adotam a filosofia geral do tratado de não-proliferação, um tratado estabelecido,

claro, mas extremamente desequilibrado, uma vez que estabelece basicamente que

os países que já são detentores de armamentos e de tecnologia podem continuar

fazendo tudo o que têm feito, enquanto que os que não o são não têm direto de

realizar absolutamente qualquer tipo de pesquisa na área.

Entra-se, então, numa região tenebrosa: a definição do que é realmente uma

tecnologia que ameaça ou que não ameaça. A INB, por exemplo, passa sempre por

uma discussão. Todas as vezes que vamos a Viena temos de discutir os painéis da

INB, que foram chamados de “cortininhas” pela Deputada no começo do seminário.

Essa é uma discussão sempre presente e pode ter conseqüências muito

sérias. Durante muito tempo o Brasil não pôde importar computadores, por exemplo,

porque não era signatário de nenhum acordo desse tipo. Por essa razão, éramos

incluídos numa lista negra, o que nos impedia de adquirir uma série de tecnologias

Page 45: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

44

fundamentais inclusive para o desenvolvimento de outras como, por exemplo,

computadores de grande porte.

Essa é uma área sensível, nevrálgica, em relação à qual constantemente

temos que tomar atitudes que envolvem inclusive a política nuclear brasileira.

Somos signatários de diversas convenções. Todas as vezes que acontece um

acidente nuclear, por exemplo, uma convenção nos obriga a reportar esse acidente

à Agência Internacional de Energia Atômica.

Fora isso, há alguns tratados. Tlatelolco é um tratado notável, porque cria a

primeira zona livre de armas nucleares do planeta, formada pela América Latina e

pelo Caribe. Em nenhum outro tratado se assume esse compromisso. América

Latina e Caribe foram as primeiras regiões que se declararam livres de armas

nucleares.

Há, ainda, o TNP, que é um tratado polêmico, e o Tratado de Banimento

Completo de Testes Nucleares.

Em particular, temos um tratado muito interessante, que hoje está sendo

usado como exemplo no mundo inteiro. Na verdade, não é um tratado, mas um

acordo quadripartite, que envolve, entre outras partes, o Brasil e a Argentina. Por

meio dele foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de

Materiais Nucleares — ABACC, independente dos 2 países, encarregada de fazer a

fiscalização, a vistoria e a manutenção das salvaguardas. A Agência Internacional

de Energia Atômica achou tão interessante esse acordo que resolveu se unir a ele, e

hoje também é sua signatária.

Esse acordo funcionava muito bem e nos deixava razoavelmente tranqüilos,

sem termos de aderir ao TNP — que, não sei muito bem por que razão, foi assinado

no final do último Governo.

Vou falar um pouco sobre o impacto nuclear. Como disse, é impossível falar

sobre impacto nuclear na ciência e tecnologia, uma vez que — espero ter

demonstrado isso — ciência, tecnologia e área nuclear são a mesma coisa.

Programa nuclear está intimamente ligado a essa área — isso ocorre inclusive no

caso da Marinha, o do desenvolvimento do submarino, especificamente. O

desenvolvimento que existe é todo feito com os princípios e a metodologia da

pesquisa e do desenvolvimento. Portanto, há total paralelo entre as áreas.

Page 46: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

45

Apenas para citar alguns aspectos, um dos mais importantes é o estratégico.

Ter o Programa Nuclear Brasileiro significa ser participante de um grande projeto e

controlador de uma tecnologia fundamental. Não foi mencionado aqui, mas o projeto

nuclear passou por uma fase de muito baixa popularidade, durante a qual, inclusive,

a Alemanha e a Itália declararam que não teriam mais reatores. Isso tudo está sendo

revisto. Por quê? Porque surgiram novas variáveis, entre as quais, a questão do

carbono e a do efeito estufa.

Hoje, a partir de um acordo assinado no Tratado de Kioto, um dos templos

dos ecologistas no País, decidiu-se pela existência de uma quota de gás carbônico

que cada país poderia produzir, uma vez que esse gás contribui fortemente para o

efeito estufa. Mas há países que já produzem muito mais do que essa quota. Qual é

a solução? A solução é comprar quotas de países que produzem menos gás

carbônico.

Portanto, existe hoje no mundo inteiro um comércio de quotas de gás

carbônico. Devido a isso, chegaremos a um ponto em que se tornarão inviáveis, por

exemplo, as usinas térmicas, que produzem muito desse gás.

A idéia do nuclear volta a ter força, como tecnologia para o futuro,

principalmente porque dentro dela se estudam hoje reatores que produzem menos

rejeitos, eventualmente aproveitáveis, e são muito mais eficientes, além de serem

intrinsecamente muito mais seguros. Esse é um investimento mundial. O que se nota

hoje, portanto, é o ressurgimento da área nuclear, inclusive com o prolongamento da

vida de alguns reatores, como foi dito. Hoje já se fazem algumas trocas de peças

que permitem que reatores, que deveriam ter sua vida terminada daqui a 5, 6 anos,

durem mais 20, 30 anos.

O arraste tecnológico já foi citado pelo nosso colega.

Outro ponto relativo à questão nuclear é a cooperação interinstitucional, que

não é muito comum na área de produção de ciência e de tecnologia brasileira. Hoje,

realmente, a área de ciência e tecnologia disputa muito mais do que trabalha em

conjunto. Já na área nuclear, vemos uma busca de cooperação, uma vez que são

poucas pessoas que nela trabalham no País. Por exemplo, nós e a Marinha estamos

em conversação. A Marinha sempre trabalhou em cooperação com o IPEN, com

indústrias, com a COPI, com programas de pós-graduação no Rio de Janeiro, e em

Page 47: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

46

Minas Gerais, e é um tipo de trabalho bastante específico dentro da área acadêmica

e tecnológica brasileira.

Formação de recursos humanos. Em toda a área de tecnologia, quando se

forma uma pessoa especialista em desenvolvimento de ciência e tecnologia, ela não

se torna especialista em uma produção de ciência e tecnologia específica, mas um

experto em produção. Não é difícil para uma pessoa especializada em pesquisa e

desenvolvimento passar a atuar em outro campo.

Nas aplicações, os impactos são enormes. O que se consegue hoje, graças

às aplicações de técnicas nucleares, é um acesso muito maior da população, de

maneira geral, às benesses e às tecnologias de ponta na saúde. Na medicina, em

particular, ocorre tal fenômeno.

Esta imagem retrata a questão relativa à aplicação industrial.

Quanto aos reatores e ao ciclo de combustíveis, conforme eu disse, temos

domínio completo, com tecnologia própria, como a do tório, em que desenvolvemos

novos conceitos de reatores junto aos consórcios internacionais.

O último ponto são os problemas e riscos do programa, que, no fundo, são a

razão deste seminário. Estamos aqui reunidos justamente por estarmos passando

por um momento de decisão. Há necessidade de o atual Governo tomar posição

quanto a uma série de pontos. Ficou muito claro, na exposição do Sr. Ministro, que

no Ministério da Ciência e Tecnologia existe uma política definida de apoio à

atividade nuclear. Isso, em geral, não é tão claro, e realmente não há por que ser

óbvio. Portanto, a questão deve ser discutida e deve ser tomada uma posição.

De acordo com o que foi dito pela manhã, não existe nada pior do que morrer

em decorrência de inanição, ou seja, ficarmos esperando a definição de uma

política, aplicarmos esforços e recursos numa variedade muito grande de projetos,

sem que realmente saibamos qual será o nosso status, a nossa posição, por

exemplo, no final do ano. Não podemos ter uma proposta de orçamento no começo

do ano e, ao final do ano, descobrir que esse orçamento não existe mais e que

temos uma dívida feita com base naquela previsão orçamentária inicial.

A dotação orçamentária afeta, por exemplo, as pesquisas. Hoje, infelizmente,

a CNEN praticamente corre atrás da sobrevivência. Todas as pesquisas que

desenvolvemos são feitas com apoio das agências financiadoras, as quais têm

Page 48: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

47

critérios próprios, que não necessariamente se adaptam à questão nuclear ou à

produção de tecnologia. O risco é a perda da capacitação e da corrida tecnológica.

Temos também problemas com passagens e diárias — os senhores podem

dizer que isso todos têm. No entanto, vou mostrar aos senhores que passagens e

diárias são um problema específico nosso. Trata-se de problema crítico. Na mesma

categoria, entra o quadro de pessoal da área de segurança, que envolve a inspeção,

o credenciamento e o licenciamento de instalações. Conforme disse anteriormente,

somos responsáveis por toda essa parte. Então, se não há dinheiro para financiar

viagens ou se não há pessoas capacitadas para fazerem a inspeção, as instalações

passam a não sofrer controle e a não terem garantida a necessária segurança. É

claro que determinada instituição pode ser absolutamente idônea e continuar a

oferecer a mesma garantia. Mas também pode não ser idônea. Poderemos, então,

estar diante de uma nova Goiânia, devido à falta de verbas destinada a esses 2

itens.

Sobre renovação de pessoal — e já fomos direto para o risco —, o principal

risco é a perda da capacitação instalada. Hoje, num almoço, ouvi um dado confiável,

mas a ser conferido. Não confiem demais. A idade média, hoje, das pessoas que

atuam na área nuclear, é de aproximadamente 53 anos. Isso significa que, em 17

anos, na pior das hipóteses, como se trata de serviço público, essas pessoas serão

compulsoriamente aposentadas. Como não existe renovação de pessoal na área

pública brasileira, principalmente no Ministério da Ciência e Tecnologia e nas

universidades, corre-se sério risco de, em futuro muito breve, haver problema de

continuidade nos projetos desenvolvidos no setor.

Os radiofármacos são uma questão interessante e exemplar. Temos que

achar uma solução, e vamos achá-la. Assim que assumimos a Presidência tomamos

uma posição acerca do tema. Isso merece ser dito, porque o que fizemos é

conseqüência dos modelos adotados.

Conforme eu disse, por volta de 1995, cada instituto resolveu descobrir a sua

capacidade e tentar sobreviver de toda maneira. Foi aí que se desenvolveu a

tecnologia de produção de radiofármacos no País. Essa produção é uma história de

sucesso tão grande que cresce na faixa de 10% a 12% ao ano.

Acontece que pagamos insumos importados. A matéria-prima, enriquecida

para produzir o radioisótopo, que produzirá o radiofármaco, tem que ser importada.

Page 49: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

48

Fora isso, obviamente, como toda produção empresarial, há a compra de insumos.

Para a aquisição desse material há a compra, literalmente. Após essa compra, há a

venda do radiofármaco, incluindo o lucro. Só que esse lucro vai para o Tesouro

Nacional. No final do ano, o excesso de arrecadação — Verba 250, para quem é

familiarizado com a área — é contingenciado, o que faz manter o orçamento, a

exemplo do que vem ocorrendo com o dos últimos 4 anos.

Ora, com orçamento constante há 4 anos, aumentando o custo de insumo a

10% ao ano, resta-nos fazer o cálculo dos juros acumulados para ver aonde

chegaremos ao final da história. Fatalmente, caso continue assim, estaremos na

falência em aproximadamente 3 ou 4 anos. Claro que deve ser encontrada uma

solução, só que até hoje isso não foi possível. Esperamos, realmente, que, com a

atuação dessa nova equipe no Ministério, consigamos resolver o problema. Mesmo

sendo um modelo exemplar da área de administração pública brasileira, obviamente,

corremos o risco de colapso da produção.

Teremos também de rever a legislação pertinente. Hoje, nitidamente, toda a

legislação, envolvendo esses pontos já citados, está ultrapassada. Discute-se

liberação na produção de radiofármaco para empresas. Vale dizer ainda que as

normas não estão mais adaptadas. Portanto, teremos de trabalhar muito nessa

revisão, que envolve diversos setores, como os Ministérios da Saúde e até o de

Minas e Energia, uma vez que há mineração. Ou seja, teremos de nos adaptar, e de

maneira muito ágil, para que consigamos realmente voltar a um status satisfatório

nessa área.

As soluções, como venho dizendo desde o início, têm a ver com a retomada

de uma política nuclear brasileira. É hora de realmente parar e de tomar uma

decisão. Não dá para continuar do jeito que está; já deixei claro que em 4 anos

ficaremos absolutamente insolúveis. Só não fomos presos antes graças a alguns

pagamentos feitos e a alguns artifícios. Talvez o sejamos antes de encontrar a

solução.

Fora a retomada de política nuclear brasileira, outra solução clara é a

definição sobre Angra III, que não pode continuar. Gastamos dinheiro absurdo com

armazenamento. Nem que seja para resolver jogar tudo no meio do mar, teremos de

tomar uma decisão. O que não podemos é continuar dessa maneira. O Governo

anterior não tomou sequer uma decisão sobre o assunto. Como disse, teremos de

Page 50: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

49

tomar uma decisão. Não podemos mais continuar gastando milhões de reais

anualmente só para ficar embrulhando peças já armazenadas em Angra.

Outra ponto fundamental é o tratamento dado à política nuclear levando em

conta o seu aspecto estratégico. Não dá para continuar pensando em energia

nuclear como, por exemplo, uma venda de sorvete, ou seja, simplesmente do ponto

de vista econômico ou burocrático, conforme, algumas vezes, conduzimos certos

assuntos na política brasileira. A economia é importante, mas existe a necessidade

de sair um pouco da lógica do lucro, da aplicação e de superávit para pensar num

futuro mais distante. Há, sim, a necessidade de sair dessa lógica da economia

imediatista para pensar um País que realmente se desenvolva, independentemente

de quem esteja no comando.

Outra observação que desejo fazer tem a ver com a revisão do papel da

CNEN e da saúde pública, em particular as áreas médicas e aplicações industriais.

Era o que tinha a dizer.

Coloco-me à disposição dos senhores. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Concedo a palavra ao último

palestrante desta rodada, Dr. Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR,

que falará sobre o impacto do programa nuclear no mundo.

Com a palavra o Dr. Luiz Soares.

O SR. LUIZ SOARES - Boa tarde, senhores.

Apesar de outros pontos terem sido abordados, ficou bastante amplo o título.

Por isso vou me concentrar nos programas de geração elétrica a partir da utilização

de combustíveis nucleares.

Preparei esta exposição pensando na necessidade de uniformizar um pouco

determinadas informações a um público mais eclético. Na verdade, estou vendo a

participação de pessoas conhecedoras do assunto. Perdoem-me, então, se estiver

falando algo desnecessário.

(Segue-se exibição de imagens.)

Do ponto de vista da geração elétrica, o mais interessante é ressaltar que a

partir da propriedade do urânio de receber um neutro térmico e de gerar a liberação

de calor, vamos ter uma situação como a representada nesta figura. Do ponto de

vista da geração elétrica, vamos ter algo que vem sendo aproveitado não para uma

Page 51: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

50

investigação científica, mas para algo extremamente pragmático, como a utilização

desse calor como fonte quente em uma usina térmica.

As usinas térmicas utilizam essa propriedade para retirar calor. É importante

ter essa qualificação, porque através dela vamos poder conhecer a posição adotada

pelo Brasil e os diferentes programas em curso no mundo. Vamos perceber que

varia o meio de retirada desse calor para de alguma forma gerar energia elétrica.

Se olharmos este quadro em verde, esses reatores PWR, reatores a água

leve pressurizada, vamos observar que representam cerca de 60% das 433 usinas

em operação — esta transparência é um pouco antiga; na verdade, hoje são 441 —,

que utilizam, à semelhança das usinas de Angra I, II e do projeto de Angra III, a irmã

gêmea de Angra II, água leve pressurizada para retirada do calor e entrega na outra

ponta como vapor e geração elétrica.

Então, o reator PWR é representante dessa maior parte. O segundo tipo de

reator é o BWR, que também utiliza água. No entanto, a diferença entre os dois,

como vamos ver mais adiante, está na existência, no PWR, de um primeiro circuito

fechado, em que circula a água que tem contato com o reator; no BWR, o vapor é

produzido diretamente nessa reação, indo para a geração de energia elétrica.

Em termos de tendências para reatores no mundo, esse estágio com os

reatores a que me referi anteriormente, dos quais nos colocamos na posição de

utilizadores da tecnologia PWR, é algo que deve ser preservado ainda por uma boa

fronteira de tempo. Existem 2 linhas de pesquisa: uma, com reatores funcionando

até o período 2010/2020, e outra, cuja tecnologia aponta a possibilidade de entrada

em operação a partir de 2030.

Os primeiros fazem parte de 2 grandes blocos. Na verdade, o setor nuclear

mundial também afunilou a sua capacidade de geração de novos conhecimentos

nessa área. Hoje, há um consórcio internacional que trabalha na produção do

chamado International Reactor Innovative and Secure — IRIS. Trata-se de um reator

modular de menor porte. Seria uma evolução do atual no sentido de determinar nível

de segurança mais intrínseco à sua formação, evitando o controle por

instrumentação tão ativo como o hoje existente. Há também um reator desenvolvido

na África do Sul — o Pebble Bed Modular Reactor —, que trabalha com alimentação

contínua de pelotas de urânio, freqüentemente alimentadas. Esse reator tem um

ciclo de 6 anos em cada parada. Na verdade, ele teria ciclos maiores, o que

Page 52: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

51

viabilizaria comercialmente sua entrada em operação. Esse projeto, tocado pela

África do Sul, tem previsão de entrada em operação para 2010.

Se avançarmos no tempo, para 2030, vamos trabalhar com 2 alternativas: a

primeira seria um encadeamento desses reatores voltados à produção de energia

elétrica, supercríticos à água pressurizada, que trabalham aumentando a eficiência

térmica, uma evolução do ponto de vista termodinâmico dos reatores aqui

existentes, voltados para geração de eletricidade; e reatores a temperaturas muito

elevadas, basicamente para a produção do hidrogênio, aí entendendo o hidrogênio

como a próxima etapa de combustíveis, eliminando os combustíveis fósseis e,

portanto, a presença e a eliminação de CO2 para a atmosfera.

Este quadro foi importante para mostrar que de alguma forma o domínio da

tecnologia atual, o PWR, é apenas um degrau numa escada que levará à tecnologia

de geração energética absolutamente não poluente, segura e sem geração de gases

na atmosfera. Portanto, não dominar essa etapa seria o mesmo que tentar subir a

este palco sem passar pelos degraus. E o importante é que nós hoje dominamos

essa tecnologia. Pudemos verificar que casualmente as diversas palestras tocaram

no mesmo ponto, e o fio condutor foi o fato de dominarmos e termos quadros

habilitados em diferentes segmentos, como os industriais, os de pesquisa e os de

aplicação industrial. Portanto, é algo que vai nos habilitar para o futuro.

O reator PWR, saindo um pouco da linha seguida pelo Brasil, trabalha com 3

circuitos independentes. O primeiro é o que passa pelo reator, uma figura

temperamental, pois, excitado, libera calor, e quer que esse calor seja controlado. O

que o ser humano aprendeu a fazer foi retirar esse calor. Ao trabalhar nesse circuito

a alta temperatura, como numa panela de pressão, é possível atingir temperaturas

mais altas. Ele passa por outro trocador de calor e nesse outro lado, o externo, é

produzido o vapor, que aciona uma turbina. Daqui em diante, funciona como uma

usina térmica convencional, gerando a eletricidade que vai chegar às residências.

Para trabalhar com o aproveitamento de calor do ponto de vista da geração,

será preciso utilizar elementos combustíveis com urânio enriquecido a 3,5%, algo

bastante diferente de qualquer finalidade bélica. Fica bem nítida aqui a distância

entre o uso pacífico da energia nuclear e a atividade bélica. Lidamos com situações

absolutamente diferentes.

Page 53: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

52

Para nós — já me referi a isto no início da sessão —, a energia nuclear, do

ponto de vista da geração de energia elétrica, é atendida hoje por 2 componentes

fundamentais: primeiro, ter tecnologia para utilizar, e, segundo, ter disponibilidade de

recursos. Felizmente, somos um País dotado de grande base hidráulica, o que não

nos torna imunes a problemas nessa fonte de geração elétrica, como ocorreu

recentemente com a dificuldade de chuvas, assunto sobre o qual vamos falar mais

adiante.

Portanto, dominar outra fonte que, mesmo sendo complementar ou

coadjuvante, exerça um papel importante na geração elétrica é o que nos dá certa

garantia de não apenas termos potência instalada como a estabilidade do sistema,

garantindo inclusive a atração de novos investimentos industriais.

O Brasil é a sexta reserva mundial de urânio. Apesar disso, temos prospeção

ainda bastante restrita. Não foi necessário avançar mais porque as 309 mil toneladas

prospectadas representariam algo em torno de mil reatores/ano de operação. Então,

é o suficiente para garantir a vida útil das usinas existentes.

O que temos desse ponto de flexão, desse ponto de decisão, é o componente

da escala. E Angra III tem esse componente, a INB, que vai viabilizar toda a primeira

etapa do que foi um ciclo, aquele primeiro degrau que vai nos garantir uma

tecnologia de futuro.

Em homenagem aos seus diretores, vale a pena destacar que, em todo o

ciclo, temos nessas esferas verdes o domínio pleno da INB, nosso melhor

fornecedor. Aliás, também somos seus melhores clientes. Eles dominam diversas

etapas do ciclo, como a mineração, a reconversão, a produção de pastilhas, o

elemento combustível — e se encontra em fase de implantação o enriquecimento.

Portanto, a meu ver, Angra III daria a escala e deixaria a INB com condições

de avançar em vários projetos. Em outras palavras, isso resolveria o problema da

produção de combustível nas unidades de Angra.

A participação da energia nuclear, como frisaram o Deputado Luiz Sérgio e o

Ministro Roberto Amaral, é de 17% em relação a todas as outras fontes no mundo.

Então, se discutimos o problema de energia observando o panorama

internacional, vamos ver que o maior problema se concentra nessa região branca —

e a cor causa certa diferença. Vale dizer que 39% da energia mundial é gerada a

Page 54: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

53

partir de carvão, com enormes implicações, pela liberação de CO e de CO2 na

atmosfera, além de alguns gases que causam o efeito estufa.

Portanto, a presença do carvão, ainda concentrada em alguns países, causa

grandes danos à atmosfera, e a energia nuclear age como uma esponja desse CO2

liberado, uma espécie de compensador. Se ela representa 17% no panorama

mundial, e se olharmos com uma lupa apenas os países da OCDE, ou seja, os

economicamente mais desenvolvidos, o percentual saltará para 23%. Isso é algo de

que os países mais desenvolvidos economicamente não abriram mão. E aí pouco

importa o dilema — se vende mais porque é mais fresquinho ou se é mais

fresquinho porque vende mais. Na verdade, está intimamente ligada a países

economicamente mais desenvolvidos a presença de uma matriz dotada de

componente nuclear.

Há 441 unidades em operação em 30 países, uma potência instalada de 360

gigawatts, uma energia gerada de 2.600 terawatts/hora/ano, o que equivale a 8

vezes o suprimento de energia consumida no Brasil. Ou seja, o que se produz de

energia nuclear no mundo é o equivalente a 8 vezes o consumo brasileiro.

Aqui, tento caracterizar 2 pontos importantes e, na conclusão, pretendo ser

mais enfático a respeito disso. Primeiro, não se trata de tecnologia ultrapassada,

mas de tecnologia ainda em estágio compatível ao patamar internacional; segundo,

essa tecnologia nos permite avançar em direção às tecnologias de futuro, aquelas

que de alguma forma serão os grandes geradores, os geradores em larga escala.

Não que não reconheçamos, evidentemente, outras fontes, como a eólica e a

solar, que, ao ganharem escala, também terão preços mais competitivos. Refiro-me

a grandes blocos de energia. No Brasil, quanto aos atuais e previstos programas

para aproveitamento da energia eólica e construção de pequenas centrais

hidrelétricas, fala-se em 3 mil megawatts.

Na verdade, a escala a que estou me referindo aqui é muito superior:

primeiro, é algo que está no estágio da arte da tecnologia internacional; segundo, é

algo nos coloca em um patamar de evolução; terceiro, é algo utilizado em larga

escala por países desenvolvidos economicamente, e, como pode ser visto aqui, boa

parte dessas usinas se concentra nos Estados Unidos, França, Japão, Reino Unido,

Rússia e Alemanha. Daí em diante vêm os países com programas agressivos.

Page 55: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

54

Se verificarmos mais detalhadamente, veremos que esses países eram os

mesmos que já possuíam submarino nuclear. Provavelmente, se observarmos a

relação habitante/energia disponível, veremos que as taxas são altas e certamente

também serão altas as taxas de escolaridade e baixas as de problemas sociais

crônicos. Portanto, há coincidência nessa opção.

O quadro que agora apresento mostra o percentual da geração em relação ao

total da energia elétrica produzida no país. A Lituânia tem participação absoluta

pequena da energia nuclear, mas, como a potência lá instalada também é bastante

pequena, o percentual é alto. Na França, vemos aqui que 78% da energia produzida

é de origem nuclear. Isso terá forte conseqüência quando formos analisar a situação

de alguns países, como a Itália, que, como disse, optou por adiar ou, enfim,

postergar programas nucleares. Hoje, a França é um grande supridor de energia;

boa parte da energia francesa não mais atende o mercado interno, mas é vendida

como commodity para países vizinhos.

O Estados Unidos aparecem com percentual baixo — mas vejam a potência

ali instalada. A produção nuclear corresponde a apenas 20% do total, e são 104

usinas. Só em usina nuclear instalada, porém, a capacidade dos Estados Unidos

corresponde ao dobro da instalada no Brasil, incluindo Itaipu.

Outra questão é a vitalidade do programa. Evidentemente, quando há notícia

acerca da possibilidade de discussão de eventual adiamento de um programa em

país como esse, a repercussão na mídia internacional é muito superior à da

instalação de uma nova unidade na Índia, na República Tcheca ou mesmo no

Japão, curiosamente.

De modo geral, a imprensa gosta de trabalhar com fatos inusitados. Vamos

ver, quando analisarmos o mapa do Japão, que lá é pesada a participação da

energia nuclear. Curiosamente, as cidades que viram o outro lado do uso da energia

nuclear com o lançamento das bombas atômicas — episódio no qual tanto a energia

nuclear como a aviação foram coadjuvantes —, hoje são abastecidas por centrais

nucleares. Refiro-me à Hiroshima e Nagasaki.

Então, aqui temos uma média de 15 unidades novas a cada dois anos.

Nesta transparência vemos 33 usinas em construção. Reparem que a Índia

aparece na frente, com oito usinas, seguida da China, Ucrânia e Rússia. Aqui, outras

Page 56: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

55

usinas em construção e de alguma forma o progresso físico registrado no último ano.

Angra III não aparece nessa situação.

Passo agora a abordar algo sempre muito forte nesta discussão, quando se

trata de programas mundiais: energia nuclear e meio ambiente. Felizmente, o Brasil

conta com a maravilhosa oportunidade de ter energia hidráulica — e a usamos bem.

Vejam a bacia do Rio Grande, região onde houve o maior desenvolvimento industrial

do País.

Mais uma vez as coisas caminharam juntas: o Brasil começou os anos 60

com 5 mil megawatts instalados e terminou os anos 80 com algo em torno de 55 mil.

Então, houve grande crescimento energético em uma região que também cresceu

industrialmente. Mas fica sempre a dúvida: o que se induziu com isso? Foi a

demanda que puxou novas instalações ou a oferta que possibilitou a entrada de

grandes indústrias, geração de emprego e renda?

O fato é que hoje ainda existem imensos potenciais, e acredito que eles serão

usados em benefício da população e do crescimento. No entanto, vale lembrar que

estou falando da construção de linhas de transmissão da ordem de 2 mil, 2,5 mil

quilômetros. Ao contrário de Itaipu, vamos encontrar aqui obstáculos naturais, como

as florestas. Certamente, será um item impactante do ponto de vista ambiental e

trará outros custos. Talvez a discussão sobre o custo da hidráulica daqui a 5, 10

anos não seja o mesmo do passado, quando os melhores aproveitamentos, os

aproveitamentos mais favoráveis foram realizados.

Até por minha origem — comecei a trabalhar em Furnas —, tenho grande

apreço pelo uso de energia hidráulica. E, diante da situação, de nossa necessidade

de crescer para resolver problemas sociais e integrar economicamente toda a

população, vamos ter de aproveitar tudo. Agora, não podemos acreditar que vamos

construir nas mesmas condições das usinas hidráulicas do passado. Há um custo

ambiental embutido, um passivo ambiental a ser vencido.

Vejamos essa curva que corresponde ao ano de 2001 e que parece meio

estranha. O que estava acontecendo com os nossos reservatórios? Aqui está o

ponto percentual do nível de reservatório da Região Sul/Sudeste no início do ano.

Então, em janeiro de 2001, ele estava em 47%. Com as chuvas de março, cantadas

em música e prosa, o nível atingiu o topo do reservatório; em seguida, caiu, foi

Page 57: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

56

sendo consumido, até que, no fim do ano, terminou no ponto que será o de início do

ano seguinte.

O que vinha acontecendo historicamente com o Brasil? As curvas sempre

levavam os reservatórios a um nível mais baixo do que aquele com que iniciaram o

ano. Em 2001, o reservatório começou o ano na faixa de 31% do seu nível histórico.

Se essa faixa seguisse o mesmo formato desta curva que chamo "curva camelo", se

ela subisse para cair, iríamos bater um nível abaixo de 10%, o que impossibilitaria

muitas usinas de continuarem funcionando. E ela não caiu exatamente porque

naquele ano a usina nuclear de Angra II começou a funcionar. Sozinha, essa usina é

responsável por mudar o formato de uma curva, salvando a Região Sul/Sudeste de

passar por situação muito mais crítica do que a que atravessou. Isso mostra

claramente o papel complementar, mesmo num sistema hidráulico tão poderoso

como o brasileiro, que tem a representar a área nuclear.

Sobre o impacto ambiental, estamos em processo de realização do EIA-RIMA

de Angra III, um estudo de impacto ambiental que acompanha inúmeras variáveis.

Angra III vai ser construída no sítio já existente da Central Nuclear, que ocupa uma

área de 3,3 quilômetros quadrados. Já temos mapeado tudo o que era possível de

ser detectado como interferência. É claro que a entrada de Angra III, por exemplo,

em termos de volume de água que sai do condensador, deverá merecer um estudo

aprofundado para ver até que ponto isso alterou o que já havia de estudos.

Chamo, porém, a atenção dos senhores para o fato de que as áreas

ocupadas por uma hidrelétrica trazem, do ponto de vista ambiental, problemas de

natureza extremamente superior.

Por exemplo, em Serra da Mesa, última grande usina a entrar em operação, o

reservatório ocupava uma área de 1.784 quilômetros quadrados para uma potência

instalada de 1.275 megawatts. É bom lembrar que uma usina hidráulica trabalha

com fator de carga da ordem de 40% a 50%. Então, na verdade, seria necessário, só

para atender a mesma área já instalada na Central Nuclear de Angra, algo

semelhante a 3 Serras da Mesa, portanto, em algo como 5 mil quilômetros

quadrados de lago.

Em Serra da Mesa foram encontrados índios avá-canoeiro, remanescentes de

um grupo, perdidos numa gruta e em avançado estado de inanição. Obviamente,

Furnas, com toda a responsabilidade social, amparou e teve de enfrentar situações

Page 58: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

57

como uma discussão com o Senado Federal, uma vez que é matéria exclusiva do

Senado o deslocamento de populações indígenas. E foram encontrados vestígios de

civilizações e dados arqueológicos os mais diversos.

Portanto, toda vez que falamos num aproveitamento desse porte — e

estamos falando de porte expressivo —, vamos encontrar inúmeros pontos de

natureza ambiental a serem estudados e contemplado.

Vamos adiante.

Outro dado da face ambiental que nos favorece é a emissão de CO2 por

quilowatt/hora. Vejam que a usina nuclear para cada quilowatt/hora de energia

elétrica gerado libera algo em torno de quatro gramas de CO2. Se compararmos com

uma usina de carvão, que é, lembrem-se, 40% de toda a energia do mundo,

estamos falando de 955 gramas. Então, esse é um dado bastante expressivo e

bastante forte do ponto de vista ambiental.

Outro dado diz respeito ao transporte, quer dizer, tenho uma usina que tem

necessidade de receber combustível como todas as usinas térmicas. Ora, a mesma

geração de 1.000 megawatts/hora elétricos por ano exige 3 caminhões com 10

toneladas de combustível nuclear. Se fosse utilizado, por exemplo, óleo, seriam

necessários 7 petroleiros de 200 toneladas. Com o gás natural trazido em

metaleiros, como foi em determinada ocasião cogitado aqui no Brasil, seriam quase

6 navios desse porte com 200 toneladas. Portanto, a existência de pequenos

volumes a serem transportados minimiza riscos de eventuais acidentes ambientais.

Esse é mais um fato importante.

Vamos adiante.

O último ponto que me parece importante enfrentar, já que travamos debate

extremamente democrático sobre a área, é a produção de alguns rejeitos de média,

baixa e alta intensidade na geração elétrica com base nuclear. Esses rejeitos

normalmente são acompanhados por toda a vida. Eles têm uma história gravada.

Em cada galão desses que ficam armazenados em depósitos vai o registro do que

foi a sua vida: como ele surgiu, quando foi preservado etc. Esses depósitos são

licenciados pela própria Comissão Nacional de Energia Nuclear e fiscalizados

periodicamente. Recebem toda uma fiscalização internacional.

É óbvio que vamos caminhar para uma tecnologia de futuro que permita

eliminar isso por meio de equipamentos que acelerarão o processo de decaimento,

Page 59: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

58

e, um dia, esse lixo deixará de existir. Mas o fato é que ele está lá, existe

responsabilidade. E o responsável pela sua guarda pode ser, a qualquer momento,

verificado e punido, caso não esteja fazendo direito.

Esta foto não está bem clara, mas mostra uma típica enchente em que

aparece aquele monte de garrafas PET. Quem é o responsável pelas embalagens

que pararam no leito de um rio ou em um bueiro, entupindo-o e causando muitas

vezes grande drama para pessoas que vivem na região próxima a esses

aproveitamentos de água? Quem produziu a matéria-prima? Quem produziu a

embalagem? Quem envazou o refrigerante? Quem o vendeu? Quem o usou? A

responsabilidade é diluída?

A responsabilidade, todos sabemos, quando é de muita gente, acaba não

sendo de ninguém. E os dramas das enchentes estão sempre comprovando isso,

infelizmente.

O que lhes apresento é algo que tem um nível de risco para a população,

mas, em contrapartida, tem a garantia de uma guarda segura.

Os rejeitos, como disse, estão divididos em 2 grandes blocos. Os de média e

baixa intensidade ficarão, até 2009, num depósito inicial, hoje em fase de ampliação.

Após 2009, ficarão num depósito final, em fase de estudos, objeto de convênio

nosso com a Comissão Nacional de Energia Nuclear, onde o projeto será

desenvolvido.

Mais adiante vou falar no caso americano, onde a área nuclear tem isso como

grande problema. Evidentemente, a construção de um depósito para abrigar rejeitos

de alta intensidade é algo resolvido do ponto de vista técnico, mas exige certa

escala. A construção é de tal tamanho — algumas fotos mostraram isso —, que o

que temos hoje pode ser guardado, em condições de absoluta segurança e

tranqüilidade para o meio ambiente e para os trabalhadores, no interior da própria

usina, numa instalação especial. Muitos dos senhores já visitaram instalação como

essa, mas vou, obviamente, fazer um convite formal às 3 Comissões. A Comissão

de Minas e Energia esteve lá, recentemente.

É obvio que a solução para isso virá ou de uma solução tecnológica que

elimine esse rejeito a partir da queima em reatores ou de algum processo como a

construção de um depósito, a exemplo do que fazem os Estados Unidos. Talvez até

possa haver a eventual transferência desse rejeito para uso de outros países.

Page 60: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

59

Uma licitação está ocorrendo hoje numa usina da Finlândia. A Rússia, que é

um dos ofertantes, já trabalha com um sistema meio parecido com o leasing-back.

Ela coloca o combustível e, após utilizado, o remove. Certamente surgirão outros

países que oferecerão esse tipo de serviço.

Os resultados tecnológicos. Eu tinha usado o termo “suporte tecnológico ao

processo” para mudar o vocábulo “arrasta”, que ficaria esquisito. Curiosamente,

todos usaram “arrasta”. Não sei se por trauma do Rio, quando ouço dizerem

"arrasta", lembro-me de arrastão.

Na verdade, estou lidando um pouco com quem tem contato com a área

nuclear e tem algum benefício do ponto de vista tecnológico: empresas de

engenharia — e a ASMARE citou isso muito bem. Houve inclusive a participação de

engenheiros de extrema experiência, vindos da antiga NUCLEN, uma das empresas

que formaram a ELETRONUCLEAR; institutos de pesquisa; empresas de construção

civil, que hoje têm gabarito para entrar em construções em qualquer local do mundo

— certamente, há integrantes de empresas de construção que hoje estão habilitados

a entrar em projetos no exterior, tendo em vista o fato de trabalharem num projeto

com o nível de exigência das empresas nucleares —, empresas estrangeiras de

know-how; indústria nacional; universidades; empresas nacionais de engenharia,

que estão praticamente morrendo por falta de grandes projetos, além,

evidentemente, de organismos internacionais.

Qual é a situação hoje — último ponto que vou abordar. Vou listar os

principais países que volta e meia aparecem no noticiário em situações alteradas.

A Alemanha tem grande conjunto de usinas em todos os seus territórios.

Algumas já chegaram ao término da sua vida útil, estão desligadas. Existem hoje em

operação 13 PWR e 6 BWR.

Com relação ao tão propalado processo de desmonte das usinas, na verdade

foi firmado, em 1º de janeiro de 2002, acordo que fixa uma quantidade global de

energia. Atingindo tal quantidade, elas seriam progressivamente fechadas. Cada

reator deveria funcionar em média 32 anos, a partir da sua entrada em operação. Foi

firmado, então, um acordo, em termos globais — não sei explicar como se chegou a

um número, mas se fixou um número nesse acordo firmado com a chancela do

próprio Partido Verde, um dos componentes do Governo na ocasião. A partir do

valor global fixado, foram feitos rateios, por usina, de modo que cada uma teria uma

Page 61: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

60

vida útil de 32 anos. Internacionalmente trabalha-se com algo em torno de 40 anos.

Então, na verdade, houve redução do tempo previsto.

O fato é que o primeiro fechamento de usina, previsto no acordo para ocorrer

em 2002, não aconteceu. Houve acordo postergando porque, como os senhores

viram, há necessidade de substituição. Há uma quantidade elevada de energia. A

energia produzida na Alemanha é de 160 terowatts/hora/ano. Substituir isso por

blocos alternativos é tarefa bastante difícil. De alguma forma, a sabedoria alemã fez

com que isso fosse diluído ao longo do tempo, evidentemente aguardando novas

tecnologias e inclusive novas composições parlamentares.

Na França existem hoje 58 usinas do tipo PWR em operação e 1 PWR já

desligado. Como disse, o programa da França já atingiu a satisfação do ponto de

vista de conforto energético da população e hoje virou uma grande commodity.

Observem que ela exporta para o Brasil 69 terowatts/hora/ano, o equivalente a um

quarto do consumo total de energia elétrica — um quarto do que o Brasil consome é

produto de exportação francesa —, e exporta para o Reino Unido, a Bélgica e a

Alemanha 14 terowatts/hora. A Alemanha aumentou a importação, já prevendo pelo

menos uma estagnação de programas em curso. A Itália, que enfrentou um apagão

e está em processo de moratória no que se refere à construção de usinas nucleares,

recebe 15 terowatts/hora/ano. A política lá é: pratiquem o pecado fora de casa. Aqui

dentro, ninguém fala palavrão, mas na rua podem falar o que quiserem.

A França, além da participação de 78% na geração elétrica e da venda de

energia elétrica para países vizinhos, contou com a recomendação, aprovada pela

Comissão de Avaliação Tecnológica do Parlamento, da construção do primeiro

reator avançado. Os reatores EPR, os chamados reatores avançados, deverão

substituir os de 900 megawatts, à medida que sua vida útil expire, em 2012.

Portanto, ela já está fazendo um programa de substituição.

Finlândia. Sua quinta usina está em fase de licitação. Esse processo ganhou

ares de forte concorrência internacional. Há muita disputa. A FRAMATONE,

empresa franco-alemã, disputa com os russos. É uma licitação pesada. O início da

construção está previsto para o ano que vem.

Na Holanda, a decisão do Parlamento de descomissionamento da primeira

usina foi revogada, e ela permanecerá em operação até o final da sua vida útil, em

2013.

Page 62: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

61

A China tem um programa agressivo, que prevê 30 usinas até 2020.

Na Suíça, o fato mais recente ocorreu em maio de 2003. Duas petições foram

rejeitadas em plebiscito. A primeira seria para desligar todos os reatores no prazo de

30 anos e teve 66% de votos contrários. A segunda previa estender por mais 10

anos a moratória de construção de novas usinas. Cinqüenta e oito por cento votaram

contrariamente à proposta. A Suíça, hoje, portanto, não tem restrição quanto a

construir usinas, nem tem data para eliminar os reatores existentes.

No Reino Unido, 22% da energia é de origem nuclear. Eles decidiram

trabalhar o aumento da licença de vida útil das usinas.

Já me referi ao Japão. Hiroshima e Nagasaki ficam nessa região e são

abastecidas por uma das 23 PWR ou por uma das 27 BWR. Estamos falando de 50

usinas nucleares.

Nos Estados Unidos, vale a pena observar, todas as regiões têm forte

distribuição de usinas nucleares — o número de usinas era tão grande que poluiu

visualmente o quadro anterior, de forma que fomos obrigados a desmembrá-lo em

regiões.

Também vale a pena citar uma forte mudança no cenário dos Estados

Unidos, na última década. Nos anos 90 praticamente ninguém falava sobre novos

projetos de usinas nucleares. O foco estava nas questões de licenciamentos, que

eram extremamente complicados. Já se falava muito em descomissionamento das

usinas. Havia previsão de que metade das usinas seriam desligadas de forma

permanente até 2015. Essa situação evoluiu. Hoje, no cenário real, houve aumento

de praticamente 40% na geração de energia por usinas nucleares, já que tem havido

grande investimento e melhoria de desempenho. As usinas estão trabalhando muito

com aumento de performance e aumento de potência. Esse aumento de potência

acompanha o aumento de extensão de vida. Hoje o programa mais intensivo já é

motivo de pedido de licenças por várias usinas — e 16 dos quais já foram

concedidos —, para se estender por mais 20 anos. Então, eles estão sendo

duplamente agressivos: tentam estender a vida e fazer isso com mais potência, o

que evidentemente é bom para eles.

O Senado também aprovou garantias para o financiamento de 50% dos

recursos necessários à construção de 6 reatores avançados. É bastante nítida a

estratégia americana neste momento: estender a vida e aumentar a potência do que

Page 63: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

62

já existe e destinar recursos para a pesquisa, como o Prof. Odair comentou. Eles

estão entrando com 50% dos recursos necessários a 6 reatores de padrão

avançado; estão trabalhando com projetos com competitividade de custo em relação

a gás e carvão, com nova geração de reatores, com um licenciamento simplificado

— a idéia é licenciar a usina padrão e, depois, somente o lugar — e com o depósito

definitivo de rejeitos.

Esse depósito, cujo licenciamento já está em andamento, com previsão para

já estar licenciado em 2010, será construído em Yucca Mountain, que fica a

aproximadamente 150 quilômetros de Las Vegas. Aqui temos uma foto do local, que

foi usado, no passado, em testes armamentistas. O depósito será todo feito no

subsolo. O problema aqui é que o subsolo é federal, o solo é estadual e se situa em

reserva indígena. O licenciamento é complicado, mas tem prazo para terminar.

Acredito que ficou bastante ressaltada a importância da participação da

energia nuclear no suprimento no mundo, o estímulo que ela dá a outras áreas do

conhecimento tecnológico, a contribuição ambiental e o fato marcante de ser uma

alternativa chave para o domínio das tecnologias futuras.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Ao término desta primeira

parte, agradeço aos senhores a contribuição que trouxeram.

Antes, porém, quero dizer que o Contra-Almirante nos informou que em 2003

completam 50 anos da vinda do Almirante Álvaro Alberto à Câmara dos Deputados

para fazer uma exposição inicial sobre o Programa Nuclear Brasileiro. Espero que

estejamos aqui também escrevendo um capítulo que possa ficar marcado na nossa

história de desenvolvimento.

Mais uma vez, agradeço aos senhores a exposição.

A meu ver, não podemos fazer uma contraposição dos sistemas nuclear

versus hidráulico, hidráulico versus eólico, eólico versus solar. Precisamos

desenvolver todos eles e utilizá-los de acordo com as necessidades e os interesses

nacionais.

O Brasil tem 2 caminhos a seguir: crescer ou crescer. Para que isso ocorra,

indiscutivelmente, precisaremos ter oferta de energia que garanta esse

desenvolvimento. Para garantir essa oferta, necessário é levar em consideração

todos os projetos existentes que podem, a médio prazo, nos fornecer essa energia.

Page 64: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

63

E posso lhes assegurar que, entre as alternativas que temos, a que se encontra em

estágio mais avançado é a usina Angra III.

Diante disso, que este seminário seja o farol que nos iluminará no momento

de tomarmos a decisão que vai inserir o País, com autonomia, independência e

soberania, no contexto da geração de energia, de que tomamos conhecimento pelas

exposições feitas há poucos instantes.

Mais um vez, agradeço a todos.

Faremos agora um rápido intervalo. Logo após, daremos início à outra Mesa,

tão importante quanto a que acabamos de encerrar. (Palmas.)

Page 65: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

64

O SR. PRESIDENTE (Deputado José Janene) - Dando continuidade aos

trabalhos, convido a tomar assento à mesa o Dr. Cláudio Rodrigues, Diretor do

Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares; o Dr. Alfredo Tranjan, Diretor de

Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear; e o

Comandante Adolfo de Aguiar Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da Reserva da

Marinha do Brasil.

É motivo de grande satisfação participar deste seminário representando o

Presidente da Comissão de Minas e Energia e a própria Comissão, na condição de

mediador do painel sobre os aspectos sociais da retomada do Programa Nuclear

Brasileiro.

Cumprimento, inicialmente, os expositores convidados para este painel: Dr.

Cláudio Rodrigues, Diretor do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares; Dr.

Alfredo Tranjan, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de

Energia Nuclear; Comandante Alfredo de Aguiar Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da

Reserva da Marinha do Brasil.

O tema da retomada do Programa Nuclear Brasileiro desperta paixões, dada

sua importância e relevância para o setor energético brasileiro, razão pela qual o

Poder Legislativo não pode furtar-se a esse debate. Nossa satisfação aumenta na

medida em que a Comissão de Minas e Energia é co-promotora deste evento, junto

com a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, presidida pela

Deputada Zulaiê Cobra, e com a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e

Informática, presidida pelo Deputado Corauci Sobrinho.

Na parte da manhã, ouvimos as declarações serenas e seguras de S.Exa. o

Sr. Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães

Carvalho. No mesmo diapasão e também com indisfarçável patriotismo, ouvimos

S.Exa. o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, Dr. Roberto Átila Amaral Vieira, e

outros oradores que, sem dúvida, mostraram que sabem onde pisam.

Franco domínio da matéria mostrou meu colega de Comissão, Deputado Luiz

Sérgio, vibrante defensor do Programa Nuclear Brasileiro.

Agora à tarde, sob a mediação de S.Exa., vimos desfilar argumentos,

ponderações e pontos de vista de ilustres conferencistas. Foram levantadas, na

Mesa anterior, todas as nuanças do Programa Nuclear Brasileiro sob o aspecto

político.

Page 66: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

65

No prosseguimento dos nossos trabalhos, ouviremos renomados cientistas

que abordarão a energia nuclear agora sob o ângulo social.

E o uso da energia nuclear sob o aspecto social abrange duas vertentes. Em

ambas o alcance é notável. Na área da medicina, da agricultura e da indústria, a

repercussão é tremenda. Na área da geração de eletricidade, o funcionamento de

mais de 400 usinas não é menos digno de registro.

Na outra vertente, o risco que encerra sua má aplicação: o desconhecimento

da natureza nuclear por grande parte da sociedade em mais de meio século de

bombardeio, por intermédio da mídia, criando um quase pânico. A possibilidade de

servir à política armamentista impôs grande resistência, principalmente nas camadas

menos avisadas da sociedade, ao seu aproveitamento em nosso País.

Na França, sem dúvida uma das nações mais desenvolvidas do mundo, a

energia nuclear concorre com 78% da eletricidade gerada. Em todo o mundo, como

já foi salientado aqui, a participação da energia nuclear na produção de eletricidade

é de cerca de 17%.

Como enfrentar o medo irradiado pelas potências detentoras da bomba?

Como evitar acidentes causados pelo mau uso? Quais as medidas a tomar? Qual o

caminho a ser percorrido? É o que veremos neste seminário com a apresentação

dos palestrantes desse próximo quadro.

Em nome das Comissões, agradeço a todos a presença e passo a palavra ao

primeiro expositor, Dr. Cláudio Rodrigues, Diretor do Instituto de Pesquisas

Energéticas e Nucleares — IPEN, que falará sobre o impacto do programa nuclear

na Medicina e na Agricultura.

O SR. CLÁUDIO RODRIGUES - Agradeço à Comissão e ao Deputado José

Genoíno a oportunidade de contribuir, junto com os demais palestrantes, com a

discussão sobre assunto tão apaixonante, que é a energia nuclear.

Inicio minha apresentação com uma pergunta: podemos viver sem os

benefícios das aplicações da energia nuclear? Quais são os reais benefícios das

aplicações da energia nuclear, entendida como no power energy?

Oradores que me antecederam já falaram a respeito da importância da

energia nuclear sob o ponto de vista de geração de eletricidade. Vou ater-me às

aplicações não-energéticas da energia nuclear na área da saúde, nos agronegócios

e na área industrial, entre outras. E são visíveis as aplicações da energia nuclear.

Page 67: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

66

(Segue-se exibição de imagens.)

Esses usos geram, ou geraram, nos Estados Unidos, segundo relatório de

1995, 4,4 milhões de empregos e movimentaram um mercado de 421 bilhões de

dólares — esses números são cerca de 4 vezes superiores àqueles da área nuclear

energética. Isso mostra como estamos envolvidos nessa área em termos

econômicos e de geração de empregos.

Detendo-me no cenário das aplicações médicas — embora tenham sido

mencionados alguns dos seus envolvimentos, falarei sobre a área de radiofármacos,

materiais radioativos usados na Medicina Nuclear para diagnósticos e terapias.

O mercado norte-americanos de radiofármacos, esses insumos radioativos

para diagnóstico e terapia, movimentou, em 1996, 531 milhões de dólares em

materiais para diagnóstico e 48 milhões de dólares em materiais para terapia.

De acordo com a perspectiva de evolução desse mercado, chegaremos a

2010 com cerca de 3, 3 bilhões de dólares como resultado econômico do comércio

de radiofármacos para diagnóstico e outros 4 bilhões de dólares como resultado do

comércio de radiofármacos para terapia. Os números são impressionantes.

As aplicações desses produtos não ocorre somente na área de oncologia,

como muitos entendem. Quando se fala na aplicação de energia nuclear em saúde,

imediatamente nos remetemos à radioterapia, mas é aplicada em outra área, a

Medicina Nuclear. Como vemos aqui, a cardiologia representa 46% desse mercado

e a oncologia 34%.

O mercado mundial de radiofármacos nas diferentes regiões do mundo: os

Estados Unidos, com os 531 milhões, representam cerca de 50% do comércio de

radiofármacos; a Ásia, 26%; a Europa, cerca de 20%; a América Latina, cerca de

2,5%.

O mercado de radiofármacos se espalha em todo o mundo com resultados

impressionantes, sem levar em conta os aspectos sociais e benéficos para a

sociedade em termos de diagnóstico e de terapia, e ainda os resultados

econômicos.

Falemos agora sobre aplicações na agricultura ou no agronegócio. Segundo a

FAO, 25% de toda a produção de alimentos é perdida em conseqüência de

processos de infestação, contaminação e decomposição. Cerca de 7 mil mortes e de

Page 68: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

67

24 milhões a 81 milhões de casos de diarréia são causados em todo o mundo por

doenças originadas por alimentos contaminados por bactérias patológicas.

As perdas econômicas associadas às doenças originadas por alimentos

contaminados são estimadas pela Food and Drug Administration dos Estados

Unidos entre 5 bilhões e 17 bilhões de dólares por ano.

No caso específico das aplicações na agricultura, a irradiação de alimentos,

alternativa ambientalmente favorável ao tratamento e desinfestação, é uma

tecnologia altamente favorável e tem recebido atenção em todo o mundo. Hoje 40

países comercializam alimentos que, em certo grau, foram irradiados pelo processo

que utiliza energia nuclear.

A figura colorida da tabela mostra todas as regiões do mundo onde de alguma

maneira se comercializa alimentos irradiados. Apesar do interesse e das vantagens,

um fator que influencia o potencial do crescimento dessa tecnologia para tratamento

e desinfestação é a compreensão e a aceitação pública.

É importante esclarecer alguns fatos que chamo de ficção e realidade. Os

alimentos irradiados não se tornam radioativos. A irradiação não afeta

negativamente a qualidade nutritiva dos alimentos. A ingestão de alimentos

irradiados não conduz ao desenvolvimento de cromossomos anormais. A irradiação

não torna comestíveis os alimentos decompostos. Existem medidas para controlar o

processo de irradiação, assegurando tratamento adequado aos alimentos. Alimentos

irradiados já estão sendo vendidos em caráter regular em diversos países, conforme

recente levantamento da Agência Internacional de Energia Atômica.

Nesta figura vemos uma consumidora comprando morangos irradiados num

supermercado da França.

Vamos continuar a falar sobre as aplicações da energia nuclear em relação à

esterilização de produtos farmacêuticos e hospitalares, além da irradiação de

alimentos a que me referi. Nos Estados Unidos cerca de 5 milhões de toneladas de

produtos, como hambúrgueres, são irradiados e comercializados em 11 mil

supermercados por ano. Na Rússia, uma instalação industrial em Porto Odessa

irradia 2 milhões de toneladas de grãos por ano. No Japão, são 250 mil toneladas, e

só de batatas. O Brasil irradia 100 mil toneladas de soja e seus derivados.

Page 69: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

68

No mundo, 2,85 milhões de metros cúbicos de produtos médicos cirúrgicos

são irradiados, por ano, para fins de esterilização. No Brasil, irradiam-se 40 mil

metros cúbicos por ano.

Existem, em todo o mundo, 180 instalações de grande porte de irradiação de

cobalto — irradiadores de cobalto, obviamente, usam esse metal como fonte de

radiação para efeitos de tratamento ou desinfestação de alimentos e esterilização.

De um total de 9 instalações na América do Sul, 5 estão no Brasil. No Japão há 8, e

nos Estados Unidos há 30.

Aceleradores industriais de elétrons, também usados como fonte de

irradiação para efeitos de tratamento, desinfestação e esterilização, somam mil em

todo o mundo. Dos 16 existentes na América do Sul, 15 estão no Brasil. No Japão

há 280, nos Estados unidos há 300.

Já temos no Brasil 5 irradiadores de cobalto em operação, todos com

capacidade de mais de 1 milhão de curies: temos a Johnson & Johnson, em São

José dos Campos; temos 2 irradiadores em Cotia, um de 3 milhões e um de 1 milhão

de curies, a EMBRARAD; temos a CBE, em Jarinu, também interior de São Paulo,

com 3 milhões de curies; temos a Tech Ion, em Manaus, com 3 milhões de curies.

Além desses, temos, em construção, 1 irradiador de 1 milhão de curies no IPEN, que

entrará em operação no final deste ano, e outro no Centro de Energia Nuclear na

Agricultura — CENA, da USP – campus de Piracicaba, que entrará em operação em

2005.

Importante mencionar que o irradiador de cobalto em construção no IPEN

será o primeiro de grande porte construído com tecnologia totalmente desenvolvida

no País. Daqui para frente, irradiadores de cobalto instalados no País para

tratamento ou desinfestação de alimentos ou esterilização de produtos médico-

cirúrgicos poderão ser instalados com equipamentos totalmente construídos com

tecnologia brasileira.

Vemos agora a mesma tabela, desta vez relativa a aceleradores industriais de

elétrons. Temos, se não me engano, 15 aceleradores de elétrons já instalados no

Brasil, todos operando para tratamento de alimentos e esterilização.

O IPEN conta com 2 aceleradores industriais de elétrons dos quais também

fazem uso empresas de embalagens, fios e cabos elétricos, mantas para pneus etc.

Page 70: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

69

O aceleradores têm, portanto, aplicações variadas, tanto na indústria quanto no

agronegócio.

Interrompo a seqüência para fazer um rápido marketing de projeto do IPEN,

no qual estamos fortemente envolvidos. Trata-se de uma unidade móvel de

irradiação por feixe de elétrons. Isso não é uma novidade — aqui vemos um grande

caminhão contendo um acelerador industrial de elétrons da Universidade de Miami.

Os pontos fortes desse projeto são, primeiramente, disseminar a tecnologia de

utilização de aceleradores de elétrons para tratamento de alimentos ou esterilização

e, também, dominar a tecnologia envolvida nesse tipo de instalação.

Outra vantagem: o IPEN já dispõe do acelerador de 500 keVs, doação de

uma empresa de São Paulo. Agora, estamos envolvidos num projeto, junto com a

Agência Internacional de Energia Atômica, para adaptar esse acelerador de elétrons

a um caminhão desse tipo e sair por aí, para, inclusive, participar do Programa Fome

Zero do Governo Federal, porque podemos fazer um tratamento de alimentos in

loco. Não há necessidade de o alimento se deslocar até o irradiador, e, sim, o

contrário.

Em relação às aplicações da radiação no agronegócio ou na área industrial,

no Brasil trabalhamos na difusão dessas tecnologias, na fabricação das máquinas e

na metodologia. Mas, essencialmente verticalizamos na Comissão Nacional de

Energia Nuclear, no IPEN, o trabalho da irradiação propriamente dita.

Isso não acontece na área dos radiofármacos — e, no começo desta palestra,

mencionei em qual mercado eles estavam envolvidos.

No caso de radiofármacos usados para diagnóstico e terapia de várias

doenças, o produtor, praticamente na sua totalidade, em termos dos diferentes

produtos, é o IPEN, instituto operado pela Comissão Nacional de Energia Nacional

de Energia Nuclear. Toda a produção de radiofármacos do IPEN é certificada pela

norma ISO 9001/2000.

Os produtos do IPEN alcançam todas as regiões do País. Eu diria que sua

produção é diária: todos os dias temos um grupo de radiofármacos produzidos no

IPEN e imediatamente distribuídos para os nossos clientes, localizados em todas as

regiões do País. E tem de ser assim, porque muitos dos radiofármacos produzidos

têm vida útil limitada, ou seja, depois de 2 horas, metade da atividade desse material

produzido é perdida. Isso vale para outros radiofármacos, não de 2 horas, mas de 1,

Page 71: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

70

2 dias. Então, a produção e a distribuição têm de ser diária, porque o hospital não

pode estocar material radioativo para diagnóstico e terapia. Mais de 260 clínicas e

hospitais em todo o Brasil recebem esses materiais.

Na parte da manhã, o Deputado Luiz Sérgio mencionou esses dados, e

também o Sr. Presidente da CNEN.

A figura do quadro mostra que em 2002 a produção de radiofármacos do

IPEN atendeu ou foi responsável por tratamentos e diagnósticos de 2 milhões de

brasileiros. A evolução é fantástica. Se retrocedermos a 1995, estávamos falando de

800 mil pessoas em todo o Brasil sendo diagnosticadas ou tratadas com materiais

produzidos no IPEN. Em 2002, chegamos a 2 milhões de pessoas.

Esse número parece ser fantástico, mas os Estados Unidos, em 1996,

somente com um radioisótopo, o mais importante sob o ponto de vista do seu

espectro de atuação, atendia a 10 milhões de pessoas.

Também pela manhã citaram as diferenças entre a qualidade de vida que a

energia nuclear proporciona nos Estados Unidos e a que estamos proporcionando

aos brasileiros.

É um grande programa de arrasta e que inclusive atua fortemente para a

melhoria de qualidade de vida da população brasileira. E não sou eu que estou

falando, não somos nós, da área de energia, que estamos falando, e, sim, todo o

mundo. Os dados mostrados anteriormente sobre o crescimento do mercado de

radiofármacos demonstram isso claramente. E estamos reproduzindo esses dados

no Brasil. De 1995 a 2002 houve crescimento de 155% na produção e distribuição

de radioisótopos produzidos no IPEN.

Sinto-me aliviado com o fato de o Presidente da CNEN já ter se pronunciado

sobre o assunto.

O faturamento, devido à comercialização desses radiofármacos, cresceu de

1995 a 2002. Estamos falando de uma receita de 26 milhões em 2002 para um

instituto de pesquisa e desenvolvimento; estamos falando de uma receita que neste

ano passará de 30 milhões de reais.

Sras. e Srs. Deputados, não existe instituto de pesquisa com faturamento de

30 milhões de reais. Nenhum instituto teve receita de 26 milhões no ano passado

para um orçamento de 28 milhões. Quer dizer, o IPEN custou 2 milhões de reais.

Page 72: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

71

Como bem disse o Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear,

apesar de ser um número fantástico, sob o ponto de vista da gestão, é um grande

problema. Esse resultado econômico, essa receita, integralmente executada —

cerca de 99% ou mais — vai para o Tesouro Nacional, não é utilizada, como

qualquer empresa faria, para benefício do seu produto, para modernização de suas

instalações, para pagamento de custeios.

Apesar dos esforços para colocar à disposição da sociedade brasileira

fármacos essenciais para diagnóstico e tratamento de várias doenças, a custos

acessíveis e em sintonia com o estado mundial da arte nesse setor; apesar das

instalações do IPEN atenderem à atual demanda do País e até ao seu crescimento

para os próximo anos sem necessidade de grandes investimentos; apesar de haver

grande possibilidade de inserção do Brasil no mercado de radiofármacos da América

Latina, principalmente Chile, Argentina, Colômbia e Uruguai, o que daria ao País

projeção importante em um mercado de produtos de alto valor agregado e

importante demanda social, o engessamento a que estamos submetidos em relação

aos processos de gestão orçamentária e financeira, as dificuldades para garantir o

pagamento dos insumos de produção e de serviços de manutenção e falta de

mecanismos flexíveis para gestão de pessoas podem conduzir não só a um colapso

no fornecimento desse produtos, com impacto sociais consideráveis para o País,

como também não vão viabilizar a atuação mais agressiva da instituição, que é

necessária para uma possível inserção do Brasil no mercado externo.

É necessário pensar e agir de modo a preservar uma conquista de alto valor

agregado com alcance e impactos sociais importantes. A primeira produção de

radiofármacos do IPEN ocorreu em 1960. De lá para cá se passaram mais de 40

anos e permanecemos no mercado. De uma produção praticamente unitária em

1960 para proporcionar diagnóstico no Hospital das Clínicas, estamos hoje

atendendo todo o Brasil. Nessa área não nos falta engenho e arte nem vontade, o

que faltam são modelos de gestão mais flexíveis e adequados para esse negócio.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Dr. Cláudio Rodrigues,

tenho certeza de que não só a Comissão de Minas e Energia, mas também as

Comissões de Relações Exteriores e Defesa e a de Ciência e Tecnologia,

Comunicação e Informática poderão ajudar no trabalho para que a receita produzida

Page 73: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

72

pelo IPEN seja aplicada no próprio instituto para desenvolvimento de tecnologia e

modernização. Acredito que essa poderá ser uma grande ação das Comissões

permanentes da Casa.

Agradeço ao Dr. Cláudio Rodrigues a participação e concedo a palavra ao

segundo expositor, o Dr. Alfredo Tranjan, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da

Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN, que falará sobre os rejeitos

nucleares no Brasil.

O SR. ALFREDO TRANJAN - Boa-tarde a todos. É um prazer estar aqui.

Antes de mais nada, quero parabenizá-los pela iniciativa. Já passei por esta Casa

muitas vezes, e é sempre uma satisfação expor as ansiedades e dificuldades do

setor nuclear. Enfim, é uma chance para evoluirmos. É uma pena que o público

presente não seja tão numeroso.

Quero fazer uma pequena reclamação. Acredito que no final do dia, não

precisa ser após cada exposição, poderia ser aberto ao público o direito de nos

questionar. Nesse processo de interação, apreendemos o que o público está

querendo receber.

O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Informo a V.Sa. este

seminário está sendo filmado e será transmitido pela TV Câmara para todo o Brasil,

o que possibilitará a participação das pessoas que se interessarem pelo assunto.

Quem sabe no próximo seminário consigamos uma interação maior entre as

entidades, instituições e universidades? Tenho certeza de que essa sugestão

poderá se aplicada nos próximos debates.

O SR. ALFREDO TRANJAN - Senhoras e senhores, a mim coube um tema

bem simpático, principalmente depois de serem mostradas as utilidades efetivas, os

grandes usos da energia nuclear na produção de remédios e conservação de

alimentos. Entretanto, rejeito nuclear, rejeito radioativo é o maior de todos os erros

de percepção que se têm do setor nuclear. A quantidade em volume, as relações de

risco que existem entre os rejeitos perigosos e o rejeito nuclear são de tamanha

diferença que talvez essa, vencidos todos os estigmas causados pela história do uso

da energia nuclear, fosse realmente a grande vantagem do setor.

Vou falar da situação brasileira em termos de rejeito nuclear e, ao fim, farei

pequena comparação daqueles países que mais geram energia por meio da fonte

Page 74: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

73

nuclear e do volume gerado de rejeito radioativo com os volumes gerados dos

rejeitos industriais perigosos.

(Segue-se exibição de imagem.)

Esta, de forma bastante reduzida, é a nossa estrutura organizacional. São 3

grandes blocos. A direção, o presidente e os diretores-executivos ficam na parte de

cima; uma parte da coordenação é responsável por disseminar as estratégias

definidas no primeiro grande grupo e levá-las aos executores, que são nossos

institutos e algumas das nossas coordenadorias.

O Programa Nuclear Brasileiro compreende a operação de várias instalações

nucleares e radioativas. Quero mostrar os geradores do Brasil de rejeitos

radioativos. Temos duas usinas nucleares no Rio de Janeiro, já decantadas, duas

minas de urânio, em Minas Gerais e na Bahia, uma fábrica de elementos

combustíveis, 4 reatores de pesquisa, uma planta piloto de combustível, cerca de 3

mil instalações médicas, industriais e de pesquisa por todo o País e uma planta

industrial de processamento de areias monasíticas. Essas são as fontes de rejeitos

radioativos existentes no Brasil.

Quanto aos tipos de rejeitos gerados, se corrermos pelo mundo — o que fiz

uma vez por mera curiosidade científica —, encontraremos 16 definições. A

definição assumida pela CNEN reconhece 3 tipos de rejeitos sólidos: rejeitos de

baixo nível, rejeitos de médio nível e rejeitos de alto nível de radiação. Nessas

condições, resolvi utilizar essas unidades, embora sejam ultrapassadas nas normas

da CNEN, que estão passando por remodelação e atualização.

As principais fontes são a indústria de processamento da areia monasítica,

que entra na parte de processamento efetivo daquilo que foi mostrado como gerador

de rejeito no primeiro slide. Rejeitos hoje existentes: rejeitos gerados pelo complexo

de minas de urânio em Poços de Caldas; os 3.500 metros cúbicos de rejeitos

resultantes da descontaminação da cidade de Goiânia, quando do acidente com o

césio 137, em 1987; as usinas nucleares de potência, que geraram, até hoje, cerca

de 1.500 metros cúbicos de rejeitos; e as 3 mil instalações industriais de pesquisa.

Esta é uma fotografia bem antiga de Angra I — nem aparece Angra II ao

fundo —, onde geramos, desde 1981, quando entrou em operação a usina, cerca de

1.350 metros cúbicos de rejeitos sólidos. Hoje somados a alguma coisa em início de

Page 75: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

74

geração em Angra II, podemos dizer que, num contexto geral e numa ordem de

grandeza, são gerados cerca de 1.500 metros cúbicos de rejeitos sólidos.

Esta é a usina de Poços de Caldas, onde existe uma bacia de rejeitos de

baixíssima atividade. Entretanto, por se tratar de produto de atividade humana,

temos de considerá-los rejeitos radioativos.

Temos 2 tipos de rejeitos oriundos do processamento da areia monasítica: o

mesotório, efetivamente rejeito, e um material que contém hidróxido de tório do

processo de separação da areia monasítica, que consideramos material energético

por ainda haver nele plutônio e tório. São, então, materiais que devem ser

guardados para posterior utilização.

Várias vezes as instalações médicas foram mencionadas. Quando disse, na

primeira transparência, que eram 3.500, na verdade, estava preocupado apenas

com os que trabalham com fontes radioativas, não com os que trabalham com raio X

e outras que não são fontes radioativas, mas que compõem o número total de

instalações médicas.

Esse slide mostra onde estão estocados os rejeitos produzidos pelo nosso

cenário nuclear. Não vou ler os números, mas dá para observar perfeitamente que

São Paulo e Rio de Janeiro concentram a grande maioria das fontes. E esses

rejeitos se encontram estocados, conforme disse o Presidente, em depósitos

intermediários. Existem depósitos iniciais, que são os depósitos das instalações

geradoras de rejeitos; depósitos intermediários, que pertencem à CNEN; e depósitos

definitivos, que, no futuro, também pertencerão à CNEN, a quem caberá essa

responsabilidade.

Essa é uma distribuição que leva em consideração a fonte e seu

radionuclídeo, quer dizer, tudo o que temos de Rádio 226, de Cobalto 60, de Césio

137 e de outros nesse campo de distribuição. Essa grande figura azul são Amerícios

241, os detetores de fumaça existentes em nossos prédios. À medida que são

recolhidos e saem de função, são guardados nos depósitos intermediários da CNEN

para serem processados. Um a um não causam nenhum risco ou perigo; todos

juntos causam realmente uma nova situação em que a atividade fica muito maior,

assim, devem ser processados, tratados e guardados.

Política de gerenciamento de rejeitos no Brasil. Os rejeitos das usinas

nucleares de potência estão sendo estocados no próprio local da usina. São os

Page 76: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

75

depósitos iniciais. Mais tarde, aparecerá nas projeções uma referência à Lei nº

10.308, de 2001. A história dos rejeitos no Brasil possui duas fases: antes e após

essa lei. Isso porque, antes, não era possível à CNEN, embora fosse sua

responsabilidade receber e depositar materiais radioativos, definir um local para a

construção do depósito definitivo. No momento em que se aventava, mesmo que

discretamente, um local para a construção de um depósito definitivo, imediatamente

o Município ou o Estado baixava uma lei ditando que não seria possível construir

naquela área. Então, a partir de 2001, com a Lei nº 10.308, passa a ser disciplinada

toda a questão do rejeito nuclear, fazendo com que a CNEN tenha autoridade para

decidir e escolher o lugar tecnicamente mais viável para construção de um depósito

definitivo de rejeito, sem que os Estados ou os Municípios digam “não” simplesmente

porque não querem ali aquele material. Assim, tecnicamente, a CNEN, com base

nas condições científicas próprias a essa decisão, pode definir em que local será

instalado um depósito definitivo para os rejeitos produzidos no País.

Dei uma pequena visão do depósito inicial de Angra dos Reis e agora estou

mostrando os depósitos intermediários da CNEN. Aqui temos 3 figuras de São Paulo

e uma de Belo Horizonte. Temos o Centro de Desenvolvimento Tecnológico Nuclear

na parte de baixo e os de cima são do IPEN — Instituto de Pesquisas Energéticas

Nucleares.

Essa é a vista do complexo industrial de Poços de Caldas, onde aparece uma

chicana de controle de concentração de rádio. Essa é uma importante discussão

quando se fala em mineração. Sabemos que o produto da mineração, por meio da

lei, poderá ser considerado e que, quando retiramos a terra para utilização do seu

material, essa terra desmontada daquela montanha ou daquela região que passa

por outro local pode ser considerada e transformada em depósito definitivo, uma vez

que os níveis são extremamente baixos, mais baixos até do que aqueles que

tínhamos na origem. Se tínhamos uma montanha e dela retiramos material

radioativo para outro uso em outro lugar, evidentemente não teremos a mesma

condição inicial. Entretanto, como é resultado de trabalho feito pelo homem e há

níveis de radiação que devem ser observados, esses locais podem ser

transformados em depósitos de rejeitos radioativos.

Aqui temos uma visão do setor que não nos agrada. Houve um acidente. E

por que aconteceu? Essa é uma questão extremamente difícil de discutir, porque,

Page 77: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

76

até hoje, ainda há casos na Justiça. Mas acho importante que a CNEN mantenha

sua posição. Sempre imputam à CNEN parte da culpa do acidente que gerou, talvez,

metade dos rejeitos radioativos existentes hoje no País. Refutamos essa condição.

A CNEN é responsável, e absolutamente responsável, por fiscalizar e

licenciar instalações nucleares. No caso de instalações radioativas onde existem

fontes como essa, cabe à CNEN examinar se a instalação pode ser licenciada,

providenciar a fonte, se ela for importada, para entregar a quem vai utilizá-la, dizer

se essa fonte foi colocada no projeto licenciado e se há condição de operar. A partir

daí, não cabe mais à CNEN a fiscalização e o poder de polícia. Poder de polícia

cabe às Vigilâncias Sanitárias ou às Secretarias de Saúde.

Portanto, eu, que fui para a CNEN exatamente nessa época para trabalhar

como voluntário na recuperação da cidade de Goiânia, refuto essa condição de

culpado pelo acidente radioativo com o Césio 137 em Goiânia. Perdão, isso não

fazia parte da palestra.

Essa é uma visão geral do que aconteceu. Esse é o cabeçote, onde estava a

fonte do Césio 137, que foi retirado por rapazes da rua daquela construção à direita,

que estava abandonada, e contaminou uma série de locais que foram

descontaminados.

Essas são imagens do processo de limpeza da cidade para devolvê-la à

condição de vida normal.

Esse é um processo utilizado por nós na preparação do rejeito radioativo ali

produzido para levá-lo, um dia, à condição de rejeito em depósito definitivo. Isso é

um pouco exagerado, do ponto de vista de informação para o público, mas foi o

dado básico que permitiu à CNEN projetar e construir os depósitos de Goiânia.

A CNEN propôs a construção de 2 depósitos definitivos para Goiânia: o que

receberia efetivamente o material radioativo e o que receberia o material segregado,

porque grande parte do material que recolhemos como se fosse radioativo não o

era. E por que foi recolhido? Porque estava em local que, quando examinado, havia

tal condição de mascaramento que não se podia decidir se estava ou não

contaminado.

O fundamental a ser feito naquele momento era liberar a cidade para que as

pessoas pudessem voltar à vida normal. Por essa razão, levamos cerca de 40% de

material que efetivamente não era contaminado. Entretanto, esse material foi

Page 78: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

77

colocado em containers e ligado visualmente ao rejeito e ao acidente e não poderia

mais ser devolvido à condição de lixo comum ou de lixo urbano. Então, construiu-se

um depósito inicial, um primeiro depósito, com características de depósito urbano,

para receber esse material, e o resto foi colocado num depósito definitivo.

Essas imagens dão idéia do volume produzido no depósito provisório. Essas

são imagens da construção do depósito definitivo de rejeitos de Goiânia. E essa

imagem final é o produto do primeiro container, do primeiro depósito, onde

efetivamente o material não é radioativo. Essa imagem é a mesma que se veria ali

atrás, caso já se tivesse construído, na época, o depósito definitivo para os rejeitos.

Essa imagem é só para dar uma idéia do espaço ocupado e do volume

produzido. Essa figura superior é a fonte original, quer dizer, o container mais

radioativo de todos, que possui certa posição estratégica dentro do processo de

guarda no depósito. Os demais containers estão divididos: os redondos são de risco

mediano e os cúbicos têm condição mais tranqüila, não causam grande risco.

Vemos agora, na indústria de processamento da areia monazítica, os restos

que ficaram e que nós temos de tratar. O material está aqui, mas está

descontaminado, e deve ir para um depósito definitivo a posteriori. Apesar de não

causarem nenhum risco, esses materiais — esta visão não é muito agradável aos

olhos, mas não há risco — deverão ser levados para um depósito definitivo ou

liberados para o uso normal.

Os rejeitos oriundos das usinas nucleares de Angra I e de Angra II serão

estocados futuramente em depósito definitivo, cujo local e projeto estão sendo

estudados. Foi mencionado pelo Luiz Soares que há um convênio entre a Comissão

Nacional de Energia Nuclear e a ELETRONUCLEAR que visa dar solução aos

rejeitos radioativos produzidos em Angra I, em Angra II e, futuramente, em Angra III.

Esse projeto está em andamento. O convênio está aprovado e assinado. Esperamos

que em 2009 — foi essa a data que o Luiz indicou — tenhamos a solução definitiva

para os rejeitos que vão ser produzidos ao longo da vida das 3 usinas.

De acordo com o que eu expus a princípio sobre as condições de geração

das usinas nucleares e o meio ambiente, todos os rejeitos produzidos nessas usinas

são tratados e estocados, não havendo liberação ambiental fora dos limites

estabelecidos. Usinas nucleares não produzem CO2, não produzem óxidos nitrosos,

nem produzem óxidos de enxofre. O CO2 é responsável pelo efeito estufa, os 2

Page 79: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

78

outros por chuva ácida, preocupação fundamental para um país como o Brasil, que

tem vocação agrícola. Com chuvas ácidas, teremos problemas de produção, mas o

efeito estufa é muito mais globalizado do que as chuvas ácidas, porque há certas

condições meteorológicas que se podem contornar ou consertar em certas regiões

onde há produção de CO2, óxidos nitrosos e óxidos de enxofre, para evitar a

ocorrência de chuvas ácidas.

Finalmente, vou falar sobre aquela condição que já foi citada pelo Luiz

Soares, embora sem a ênfase que entendo necessária. Se todas as usinas a carvão

existentes hoje no mundo, responsáveis pela produção de 40% de toda a nossa

energia, fossem substituídas por usinas nucleares, deixaríamos de colocar na

atmosfera cerca de 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, num

Globo que produz de 20 a 30 bilhões de toneladas por ano. Só isto cumpriria todas

as metas do crédito de CO2 levantadas no Tratado de Kyoto.

Eu sempre defendi, apaixonadamente, o setor nuclear e a tecnologia. É

fundamental que todos nós entendamos que um país como o Brasil não pode se dar

ao luxo de não utilizar qualquer das fontes que nele existam.

O Brasil tem uma das grandes reservas do mundo de urânio e de tório, e deve

utilizá-las; possui carvão no Sul, e deve utilizá-lo; grandes condições de exploração

de biomassa em toda a área litoral nordeste, e deverá usá-la; potencial eólico,

mesmo que não em escala, e deverá usá-lo; potencial solar, mesmo que não em

escala, e deverá usá-lo. Temos vocação para produzir e exportar energia, no entanto

importamos energia de outros países da América do Sul: gás de um país, energia

elétrica já produzida de outro. Como se pode pensar em sair da condição de país em

desenvolvimento para país desenvolvido sem ser autônomo energeticamente?

Já foi dito pelos palestrantes que todas as formas de energia que sejam

autônomas e dêem ao País a condição estratégica de decidir aquilo que ele quer em

termos de geração de energia têm de ser exploradas.

Esta Casa é fundamental para isso, porque aqui se produzem as regras do

jogo. Somos vocacionados para produzir energia, e estamos importando energia. Eu

não defendo energia nuclear simplesmente por defender. Energia nuclear é apenas

uma das vertentes possíveis de exploração de energia elétrica.

Page 80: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

79

A minha palestra deveria enfocar mais os rejeitos, mas eu não poderia deixar

de fazer esta observação, fundamental para aquilo a que esta Casa se propôs

debater neste seminário.

Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Agradeço ao Dr. Alfredo

Tranjan a exposição. O tema abordado é, sem sombra de dúvida, motivo de grande

preocupação para todos os brasileiros. A conscientização e o esclarecimento desses

detalhes, tenho certeza, vão ajudar não só os brasileiros, mas principalmente esta

Casa a apoiar integralmente essa fonte alternativa de energia.

Lembro aos expositores que este seminário será transmitido pela TV Câmara

para todo o Brasil.

Passo a palavra agora ao terceiro expositor, o Comandante Adolfo de Aguiar

Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da reserva da Marinha do Brasil, que irá falar sobre

outras aplicações da energia nuclear e a dessalinização de água no Nordeste.

O SR. ADOLFO DE AGUIAR BRAID - Em primeiro lugar quero agradecer à

Deputada Zulaiê Cobra o convite. Estou bastante honrado de poder participar deste

seminário. Vamos falar sobre dessalinização de água no Nordeste.

Para esta apresentação vou adotar o seguinte roteiro: farei uma breve

introdução, para focar o problema, depois comentarei as tecnologias envolvidas na

dessalinização usando a energia nuclear, uma análise da viabilidade de

empreendimento desse porte e, por fim, tecerei algumas conclusões.

(Segue-se exibição de imagens.)

A comunidade científica mundial e as ONGs ligadas ao meio ambiente já vêm

há alguns anos alertando para uma crise, anunciada para acontecer em torno do

ano 2025, de escassez de água potável no mundo. Isso se deve basicamente à má

distribuição dos recursos hídricos no Planeta, ao crescimento exponencial da

população, à poluição dos mananciais, reservas aqüíferas, e ao desperdício.

Nosso objetivo hoje é fazer uma análise da opção nuclear para a

dessalinização de água do mar.

Quero introduzir inicialmente o jargão “dessalinização nuclear”, que significa

produção de água potável a partir de água do mar usando como fonte de energia

uma central nuclear.

Próximo.

Page 81: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

80

Recursos hídricos do nosso planeta. Dois terços da crosta terrestre estão

cobertos de água, porém apenas 3% dessa água é potável, aproximadamente 3%.

Desses 3%, 79% estão presos nas calotas polares e nos picos das montanhas, em

forma de gelo, 20% é água subterrânea e apenas 1% está disponível na superfície,

distribuída em rios, lagos, na umidade do ar, etc., uma quantidade bastante

pequena, se comparada com tanta água que temos no Planeta.

Distribuição do uso dessa água. Em média mundial, 65% da água usada no

Planeta é consumida na agricultura. A média brasileira é menor: nós hoje utilizamos

em torno de 50%, segundo dados da EMBRAPA. O restante, 35%, são usados na

indústria, nos Municípios, no consumo pessoal. E há perdas também.

Hoje somos em torno de 6,2 bilhões de habitantes no Planeta, mas a projeção

para 2025 é de que sejamos 8 bilhões, um aumento de aproximadamente 30% nos

próximos 22 anos. Evidentemente, esse aumento de 30% implica aumento da

produção de grãos, para alimentação, e o crescimento da produção de grãos não

acompanha o crescimento da população, porque há hoje habitantes passando fome,

portanto o crescimento da produção de grãos tem de ser maior do que o crescimento

da população. Isso mostra o cenário do agravamento da escassez de água no

planeta.

Como é a distribuição do recurso no País? O Brasil possui 15% da reserva

aqüífera potável do mundo, porém com distribuição extremamente heterogênea. Na

Região Norte, aproximadamente 70% dos recursos hídricos abastece apenas 7% da

população. Os restantes 93% da população vive com 30% dos recursos hídricos.

A Região Nordeste é onde ocorre maior escassez. Aproximadamente 30% da

população utiliza 3 fontes hídricas do País. Estudos dão conta de que

aproximadamente 20 milhões de pessoas no Nordeste sofrem com a escassez de

água.

Qual seria a solução? Dessalinizar a água do mar e torná-la própria para o

consumo humano. No início do século passado, a produção era praticamente zero.

Atualmente está em torno de 25 milhões de metros cúbicos por dia. Para que os

senhores tenham idéia, isso é mais ou menos o consumo pessoal de toda a

população brasileira em um dia. Isso é o que se faz hoje de dessalinização em todo

o mundo.

Page 82: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

81

Com relação às tecnologias, será que o Brasil poderia desenvolver programa

de dessalinização? Hoje, aproximadamente 48% de toda a água dessalinizada do

mundo é produto da destilação. São 2 processos diferentes: destilação de flash e de

múltiplo estágio; 42% é produzido por osmose reversa e 10% por eletrodiálise e

compressão de vapor.

A osmose é um processo bastante conhecido nosso. O sistema de

alimentação das células do corpo humano ocorre por osmose. Determinado

recipiente contém água com determinada salinidade, separado por membrana

semipermeável. No caso do corpo humano, a membrana orgânica, de água pura. A

tendência desse sistema é a água pura passar para o lado da água com teor de

salinidade maior, até equilibrar o sistema. É um fenômeno físico-químico. O que é a

osmose reversa? É a inversão desse processo. Aplicando-se pressão do lado onde

a água é mais salina, conseguimos inverter o processo. Através da membrana

semipermeável, a água passa para o lado da água pura e os sais ficam retidos na

membrana semipermeável.

O processo de destilação é bastante conhecido no País. Desde o início do

século os navios da Marinha já destilavam a água para o consumo a bordo.

Produzimos álcool por processo de destilação. Exemplo de destilação por flash,

expansão rápida: a água salgada vai passando em diversos compartimentos, é

aquecida em uma caldeira no final do sistema, retorna por dentro do compartimento,

aquecendo a tubulação da água fria que entra, condensando e separando a água

isenta de sais da salmoura.

A outra tecnologia envolvida é o reator nuclear. Essa é uma figura de um

reator PWR, apresentada pelo Sr. Luiz Soares. O circuito primário é onde se geram

as fissões, o calor. O gerador de vapor troca calor com o sistema primário. O vapor

alimenta as turbinas da usina, produzindo energia elétrica. Teríamos 2 opções: a

energia elétrica poderia alimentar bombas que pressurizariam a água salgada contra

as membranas semipermeáveis, para separar a água do mar, ou poderíamos fazer

uma perna de uma das turbinas de média do reator, puxando mais o circuito de troca

de calor, fazendo destilação direta da água do mar.

A dessalinização nuclear é novidade no mundo? Não, não é. Há hoje em

torno de 150 reatores/anos de experiência nesse processo; reatores no Kasaquistão,

Page 83: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

82

que operaram em torno de 26 anos; e várias plantas no Japão que produzem água

dessalinizada por energia nuclear.

Há vários países do mundo, de acordo com a tabela abaixo, que realizam

programas incentivados pela agência internacional. Mesmo aqueles que não

apresentam possibilidade de escassez de água investigam e trabalham nesse setor,

nessa crise que se anuncia. Exemplo disso é o Canadá, Rússia, Argentina e Japão.

Há uma planta em estudo na Índia, outra que vai entrar em operação no

Paquistão até 2005 e uma outra no Marrocos também. Infelizmente, o Brasil não

faz parte dessa lista de países.

Existem também estudos em andamento com apoio da agência internacional

para programas bastante ambiciosos. O programa do norte da África — onde se

pretende com 5 usinas nucleares de pequeno porte produzir e abastecer 5 milhões

de pessoas — vai produzir 4 milhões de metros cúbicos de água por dia. Trata-se de

um programa bastante ambicioso.

A água seria dessalinizada no litoral, bombeada até um lago que distribuiria

essa água para os rios secos da região.

Qual é a experiência brasileira no setor? Não existe, no Brasil, instalações de

dessalinização nuclear, porém existe uma considerável experiência nas duas

tecnologias individualmente. Temos bastante tecnologia em destilação, já citada

aqui.

Osmose reversa. Temos hoje mais de mil pequenas instalações, somente na

Região Nordeste do País em funcionamento. Infelizmente, essa tecnologia depende

de membranas permeáveis sintéticas que não são produzidas no Brasil, são

importadas. Mas já começou a aparecer no mercado membranas do tipo cerâmica.

Nessa área de cerâmica, o Brasil possui uma grande capacitação. O Dr.

Cláudio, neste instante, balança a cabeça confirmando o que cito. Exemplo disso é o

Instituo de Pesquisa Energéticas e Nucleares, o Centro Tecnológico da Marinha, em

São Paulo e a Universidade de São Carlos, onde se domina bastante o trabalho com

cerâmica.

No setor de geração nuclear também possuímos um vasto conhecimento.

Exemplo: as Centrais nucleares de Angra I e II; programa nuclear da Marinha, que

está desenvolvendo reator de produção naval; os institutos de pesquisa da CNEM,

do IPEN, do CDTN; NUCLEP, outros institutos de pesquisa, universidades e a

Page 84: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

83

indústria nacional. Todas indústrias nucleares do Brasil têm capacidade de produzir

combustível nuclear.

Vejam aqui exemplos de várias possibilidades de reatores nucleares que

podem ser usados para dessalinização. Peguei nesta tabela mais exemplos de

reatores PWR, que é a tecnologia dominada no Brasil.

Então, reatores de grande porte, tipo 900 megawatts de potência elétrica,

poderiam ser usados em regiões mais densamente habitadas, até reatores de

pequeno porte podem ser usados. Temos esse reator representado aqui com 20 a

50 megawatts, muito próximo da capacidade de produção naval que a Marinha está

desenvolvendo.

Então, para localidades mais remotas, onde não teria como jogar energia

excedente na rede, poder-se-ia usar reatores de menor capacidade; para centros

mais populosos da Região Nordeste, poder-se-ia se usar reatores de grande porte.

Essa tabela faz uma comparação das tecnologias de dessalinização. Os

vários sistemas representam, em cima, a osmose reversa nesta ordem: destilação

por flash, destilação de múltiplo efeito — é o efeito combinado de destilação de

múltiplo efeito e compressão de vapor, e compressão de vapor sozinho.

O capital de implantação desse tipo de sistema é menor no caso da osmose

reversa, e também consome menos energia, apresenta bastante vantagem em

relação aos demais sistemas. Porém, é um sistema de alto custo de manutenção

devido à importação das membranas, como falei anteriormente. Talvez, no futuro,

com a produção de membranas cerâmicas no Brasil, possamos mudar esse

quadro.

Agora uma comparação de custo de implantação entre centrais de

combustíveis fósseis e centrais nucleares. Como se pode ver, as centrais de

combustíveis fósseis normalmente possuem um custo inicial de implantação menor.

Cito como exemplo uma central diesel de 50 megawatts comparada com uma central

nuclear de 50 megawatts. O custo de implantação da central nuclear é o dobro,

porém, nota-se que, à medida que aumenta a potência, essa diferença vai

diminuindo, o que mostra um ganho de escala em relação às centrais. Isso

demonstra que, no que se refere às centrais de grande porte, as centrais nucleares

são bastante competitivas.

Page 85: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

84

Há um fator importante, para o qual chamo a atenção: apesar do custo de

implantação menor dos combustíveis fósseis, o custo do combustível propriamente

dito é bem mais alto. Comparando-se, na usina de 50 megawatts, são 30 dólares

por megawatt/hora, contra 10 dólares do combustível nuclear.

Conforme a palestra do Sr. Luiz Soares, da ELETRONUCLEAR, um país que

possui a 6ª maior reserva de urânio do mundo e a tecnologia de produção do

combustível tem total controle sobre o custo desse combustível. O mesmo já não se

pode dizer do combustível fóssil, cujo preço varia terrivelmente no mercado

internacional.

Este é um gráfico que faz uma comparação entre vários tipos de usinas com

acoplamento em dessalinização. O quadrado preto é uma usina nuclear acoplada

com uma usina de dessalinização por osmose reversa; o quadrado aberto é uma

usina nuclear acoplada a um sistema de dessalinização com destilação de múltiplo

efeito. E assim sucessivamente: usina de carvão acoplada à usina de destilação,

carvão com osmose reversa, ciclo combinado de gás com osmose reversa,

destilação, etc.

Este gráfico mostra que para centrais até 200 megawatts, centrais de

pequeno porte, as usinas de combustível fóssil ainda são competitivas. A partir

desse ponto, as usinas nucleares são muito mais interessantes, do ponto de vista

econômico, do que as usinas de combustível fóssil para esse propósito de

dessalizinação.

Fiz também um estudo em planilha eletrônica, pegando valores praticados no

Nordeste, de custo de água, custo de energia elétrica e custo de implantação de

uma usina nuclear de grande porte com osmose reversa, para atender a

aproximadamente 25 milhões de habitantes. Verifica-se que no período de 30 anos,

usando-se uma taxa de juros internacional de 8% ao ano, o empreendimento se

paga. Ou seja, não se paga com uma folga que seja interessante para a iniciativa

privada — vemos que a taxa real de retorno é da ordem de 0,36% ao ano —, mas é

um negócio que se paga ao longo dos 30 anos. Ou seja, o capital investido retorna.

O Brasil, com certeza, pelos números apresentados aqui, bastante divulgados

pelas ONGs e comunidades científicas, terá de fazer investimento nas próximas

duas décadas para aumentar a disponibilidade de água na Região Nordeste, com

certeza.

Page 86: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

85

Possuímos hoje capacitação técnica e gerencial para conduzir, de forma

eficiente e eficaz, a implantação no País de instalações de dessalinização nuclear.

As tecnologias de dessalinização existentes indicadas, do ponto de vista técnico e

econômico, são: de destilação com múltiplo estágio, múltiplo efeito e osmose

reversa. Centrais nucleares de água pressurizada tipo PWR são as mais indicadas,

tendo em vista o grande conhecimento do País desse tipo de central. Recomenda-

se central de grande porte para localidades próximas aos grandes centros urbanos,

e centrais de menor porte, como desenvolvido pela Marinha, para locais mais

remotos. Apesar de intensivo uso de capital, na fase de implantação, as centrais

nucleares apresentam um custo de combustível bem menor do que as centrais que

utilizam combustíveis fósseis, o que garante, num período de 30 anos, um retorno do

capital.

A combinação mais econômica para o empreendimento seria as centrais tipo

PWR, de grande porte, acopladas às instalações de dessalinização de múltiplo efeito

ou de osmose reversa. Apesar do custo da água pelo processo de dessalinização ou

de osmose reversa ser um pouco acima do custo projetado para instalações de

destilação de múltiplo efeito, a osmose reversa apresenta vantagens muito

interessantes: elas podem ser instaladas, pulverizadas em pequenas capacidades,

próximo aos centros consumidores e distantes das centrais nucleares. E, tendo em

vista o longo prazo de retorno do investimento, mas com forte retorno

socioeconômico, devido à criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da

Região Nordeste, esse tipo de empreendimento seria viável como negócio de

Governo.

Era o que tinha a apresentar.

Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Registro a presença do

Deputado Hélio Esteves, membro da Comissão de Minas e Energia.

Convido a Deputada Zulaiê Cobra, para que faça suas considerações finais. A

Comissão de Minas e Energia e tenho certeza de que os co-participantes e os co-

promotores do evento, juntamente com as Comissões de Defesa Nacional, de

Relações Exteriores e de Ciências e Tecnologia, e de Comunicação e Informática,

colocam-se à disposição para promover permanentemente esse debate sobre a

grande alternativa energética, que é a nuclear — efeitos, benefícios e aplicações.

Page 87: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

86

Quanto aos rejeitos, se fizermos uma comparação, por exemplo, com os

rejeitos sólidos do carvão em Santa Catarina, veremos que o problema nuclear não

é tão grande assim. Mas tenho certeza de que, para revertermos a situação e

buscarmos o apoio de toda a sociedade e do Congresso brasileiro a essa alternativa

energética, é necessário um trabalho pleno de esclarecimento da população. E a

Comissão se coloca à disposição para promover esse debate, não só no Congresso

Nacional, mas também nas regiões onde está sendo aplicada e desenvolvida essa

alternativa. Ou seja, colocamo-nos à disposição para, juntamente com todas as

entidades, órgãos e setores que têm interesse, promovermos debates e

esclarecimentos, buscando apoio integral.

Então, em nome do Deputado José Janene, Presidente da Comissão de

Minas e Energia, e do Deputado Luiz Sérgio, quero agradecer a presença a todos.

Passo agora a coordenação dos trabalhos à Sra. Deputada Zulaiê Cobra.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Agradeço por poder

conduzir os trabalhos de hoje à tarde, mas não vamos abrir a discussão. Eu gostaria

muito que tivéssemos uma discussão antes da finalização, amanhã, quando teremos

a última Mesa, e vamos partir para conclusões, num balanço geral de todas as

palestras: as duas de hoje à tarde e a terceira de amanhã de manhã.

Portanto, amanhã pela manhã, vou contar, Deputado João Pizzolatti, que

tenhamos aqui Deputados, porque infelizmente hoje à tarde houve uma série de

outras considerações, e há muitos Deputados ausentes. Mas amanhã de manhã,

quarta-feira, teremos alguns debates, até porque algumas pessoas estão

preparando algumas perguntas.

Vamos encerrar os trabalhos desta tarde desses dois grupos que realizamos,

com os dois mediadores, Deputado Luiz Sérgio e o Deputado João Pizzolatti, e

amanhã teremos o último debate. Mas quero alertar, inclusive os Deputados que

passaram aqui na Comissão e os nossos ilustres convidados, para o fato de que o

mais importante de tudo é que iremos preparar as conclusões deste seminário, que

serão nossas bases para o Orçamento, que vamos fazer até o dia 15 de outubro.

A Comissão de Relações Exteriores, a Comissão de Ciências e Tecnologia e

a Comissão de Minas e Energia terão oportunidade de apresentar emendas ao

Orçamento. Temos 5 emendas por Comissão, e eu gostaria que uma dessas

Page 88: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO … · desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel fundamental de pensar, refletir e interferir,

CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03

87

emendas — não sei se as outras Comissões concordam, mas a minha com certeza

irá concordar — disponibilizasse verba para a energia nuclear.

Portanto, creio que não tenhamos mais nada a dizer. Vamos encerrar os

trabalhos desta nossa tarde excelente.

Quero cumprimentar nossos palestrantes, não só os desta Mesa, mas os da

Mesa anterior, que nos deram aulas maravilhosas. Tenho certeza de que a TV

Câmara exibirá constantemente nosso trabalho e vamos ter oportunidade de lançar

uma obra com todas as palestras hoje feitas.

Agradeço, mais uma vez, a presença a todos, convocando para amanhã, às

9h, nossa última Mesa, que irá discutir aspectos econômicos, o que interessa

também às emendas do Orçamento.

Muito obrigada e até amanhã. (Palmas.)