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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
SEMINÁRIO TECNOLOGIA NUCLERAR - SOBERANIA E DESENVOLVIMENTOEVENTO: Seminário N°: 1573/03 DATA: 30/09/03INÍCIO: 10h40min TÉRMINO: 11h54min DURAÇÃO: 01h14minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 1h14min. PÁGINAS: 17 QUARTOS: 15
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
ODAIR DIAS GONÇALVES - Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN.LUIZ SOARES - Diretor Técnico da ELETROBRÁS Termonuclear S.A. — ELETRONUCLEAR.ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO - Comandante da Marinha do Brasil.ROBERTO AMARAL - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.
SUMÁRIO: Abertura do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.
OBSERVAÇÕES
O registro taquigráfico de seminários, encontros, frentes parlamentares e reuniões de bancadasó é realizado pelo Departamento de Taquigrafia se estiver em dia a prioridade da Casa(sessões plenárias, CPIs, Comissões Especiais, Audiências Públicas).
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O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Senhoras e senhores, bom dia. Como
norma do Cerimonial, pedimos a todos que desliguem seus celulares ou deixem no
sistema silencioso ou vibra call.
Ao iniciarmos a cerimônia de abertura do Seminário Tecnologia Nuclear —
Soberania e Desenvolvimento, convidamos para compor a Mesa de Honra a Exma.
Sra. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Deputado Jamil Murad,
membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados; o Exmo.
Sr. Deputado Luiz Sérgio, membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos
Deputados; o Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Roberto de
Guimarães Carvalho, representando o Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa,
Embaixador José Viegas; o Sr. Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão
Nacional de Energia Nuclear.
Senhoras e Senhores, convidamos todos a, de pé, ouvirem o Hino Nacional
(É executado o Hino Nacional.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Temos a presença do representante do
Comandante do Exército, General-de-Brigada Nelson Marcelino de Farias Filho; do
representante do Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Sérgio
Pedro Bambine, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Aeronáutica.
Com o objetivo de despertar a atenção das autoridades, dos políticos e do
público brasileiro para a necessidade de continuidade do Programa Nuclear
Brasileiro, as Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional e de Minas e Energia, de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática promovem, a partir de hoje até 1º de outubro, o
Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.
Durante este encontro, os conferencistas abordarão vários temas, mostrando
a importância da continuidade do Programa Nuclear Brasileiro, entre outros, “O
Impacto dos Programas Nucleares no Mundo” e “O Impacto da Energia nuclear na
Indústria, na Medicina e na Agricultura”.
Passamos a palavra à Exma. Sras. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.
A SRA. DEPUTADA ZULAIÊ COBRA - É um enorme prazer iniciarmos hoje
este seminário sobre energia nuclear, acompanhando a Comissão de Relações
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Exteriores e de Defesa Nacional, a Comissão de Minas e Energia e a Comissão de
Ciência e Tecnologia, aqui representada pelos Deputados que falam em nome de 2
Presidentes.
O mais importante deste seminário é que tenhamos, a partir de agora,
contatos mais próximos da Câmara dos Deputados com a questão do
desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. O Legislativo Federal exerce o papel
fundamental de pensar, refletir e interferir, sim, junto com o Governo Federal, naquilo
que hoje representa a luta pelo desenvolvimento nuclear brasileiro. Temos um
processo iniciado há 20 anos e que se encontra quase parado. Precisamos de
desenvolvimento. A Nação precisa de energia nuclear. Hoje somos um país pobre
em energia nuclear, um país que precisa de informações, até porque não podemos
ficar em segundo lugar nesse desenvolvimento. Aliás, o segundo lugar, para mim, é
quase o último. Mais do que isso, não podemos fazer com que outros países
interfiram na nossa decisão sobre o aspecto mais importante, que é o
desenvolvimento da energia nuclear.
Tenho ao meu lado o Deputado Luiz Sérgio, do PT do Rio de Janeiro. S.Exa.
tem feito um bom trabalho na questão de Angra I, Angra II e Angra III; o
Comandante da Marinha, que tem feito um belíssimo trabalho, no que se refere à
energia nuclear, em Aramar, Estado de São Paulo, na construção do submarino; e o
Deputado Antonio Carlos Pannunzio. Temos de continuar o processo de
desenvolvimento de tecnologia da energia nuclear.
É um enorme prazer recebê-los. Isto representa o início de uma luta, que já
começou nas nossas instituições. Mas a Câmara dos Deputados, através dessas 3
Comissões, tem o objetivo de participar dessa luta já iniciada.
Falo em nome, também, do Presidente João Paulo Cunha, que não pode
estar presente, mas estamos representando toda a Casa. São 3 Comissões. Toda a
Casa e os vários Ministros que não estiveram presentes hoje aqui, mas que
enviaram suas mensagens, estão conosco. Estamos aguardando o Ministro da
Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, que está um pouco atrasado. Tenho certeza
de que a presença dele nos dará muita honra, assim como a presença dos senhores
e das senhoras. É com muito orgulho que discutimos energia nuclear, na manhã
desta terça-feira.
Muito obrigada a todos pela presença. (Palmas.)
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O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Convidamos, para compor a Mesa, o
Sr. Luiz Soares, representante do Sr. Luiz Pinguelli Rosa, Presidente da
ELETROBRÁS. (Palmas.)
Com a palavra o Exmo. Sr. Deputado Jamil Murad, membro da Comissão de
Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
O SR. DEPUTADO JAMIL MURAD - Cumprimento a Presidenta da Comissão
de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputada
Zulaiê Cobra, que tem conduzido de maneira brilhante esta Comissão, trazendo
temas do mais alto interesse para nosso País. Mais uma vez S.Exa. traz à discussão
a questão da tecnologia nuclear, da soberania e do desenvolvimento. Cumprimento
também as autoridades civis e militares que compõem a Mesa e demais
interessados nesse tema.
O Deputado Corauci Sobrinho, Presidente da Comissão de Ciência e
Tecnologia, na semana passada, solicitou-me que representasse aquela Comissão
no debate sobre a continuidade ou não de Angra III. O Deputado Luiz Sérgio
também estava presente, e lá defendemos a continuidade de Angra III. Agora,
novamente S.Exa. me solicitou que representasse aqui a Comissão de Ciência,
Tecnologia, Comunicação e Informática. Sinto-me honrado de representar aquela
Comissão e de poder dar uma opinião na abertura dos trabalhos.
Senhores e senhoras, os jornais de hoje divulgam o grande desenvolvimento
do Brasil no século XX. Às vezes as pessoas, de maneira simplista, afirmam que
nesses 500 anos não fizemos nada, não progredimos em nada. Não, o Brasil, com o
esforço, a inteligência e o compromisso de seus filhos, tem buscado o caminho do
desenvolvimento. É importante saber que vencemos obstáculos para atingir o atual
grau de desenvolvimento.
Participei da delegação brasileira que foi a Cancun, na reunião da OMC.
Como membro oficial da delegação, tive acesso às rodadas de negociação. Ficamos
indignados com o cinismo das nações desenvolvidas quando países em
desenvolvimento, e até mesmo países pobres da África, pequenos países que nem
são citados em nosso cotidiano, falam assim: “É preciso acabar com o subsídio ao
algodão, porque é a única coisa que produzimos lá”. Muitas vezes esses países
desenvolvidos fazem campanhas, pegando crianças africanas que estão só pele e
osso e as mostrando na mídia, que é dominada pelos países ricos, como se
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estivessem querendo resolver o problema daquelas crianças. Porém, na hora de
proporcionar meios para o desenvolvimento, ou pelo menos para impedir bloqueios
ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, eles se omitem. Do começo ao
fim da Conferência Ministerial da OMC, foi impedido qualquer avanço que
contemplasse o interesse dos países em desenvolvimento.
O Ministro Celso Amorim disse, referindo-se ao Grupo dos 22 países: “É
melhor não assinarmos, ficarmos em negociação”. Ninguém quer ficar isolado, mas,
com medo de ficar isolado, dar as mãos e os pés para ficar acorrentados, também
não é o caso. Com essa postura altiva e soberana do Brasil em Cancun, que
possibilitou o trabalho de coordenação do Grupo dos 22 países, pudemos impedir
que eles nos acorrentassem. No entanto, eles não permitiram nenhum avanço
naquilo que era necessário para o desenvolvimento dos nossos países.
Por que cito esse exemplo da OMC? Porque vivenciei isso outro dia. Agora
eles querem impedir que desenvolvamos a tecnologia nuclear. Isso já vem há
bastante tempo. Estive em Iperó, em visita oficial, com um grupo de Deputados —
Haroldo Lima, Aldo Rebelo e o Deputado Estadual de São Paulo, Nivaldo Santana.
Esse projeto é importante para o Brasil, mas faltavam migalhas. Quer dizer, não é
que falta dinheiro. Muitas vezes se gasta em propaganda governamental mais do
que o dinheiro necessário ao projeto do submarino nuclear. No entanto, deve haver
outro tipo de obstáculo, outros impedimentos. Vemos que certos países tentam
impedir o domínio da tecnologia nuclear de outros.
Este seminário é da mais alta relevância para o Brasil. Este é um momento
auspicioso que estamos vivendo. Temos que defender os interesses do nosso País,
para resolver nossos problemas. O momento é auspicioso porque mudou o clima.
Nota-se que até o trabalhador, pela imprensa, acompanha os fatos e registra que o
Brasil está de cabeça erguida. Todos os brasileiros, independentemente do partido
— homens, mulheres, jovens, idosos —, estão sendo chamados a conferir a nova
postura do Brasil no cenário mundial. Só assim, defendendo nossos interesses,
poderemos ter melhores dias. Sem isso, não há como ter um futuro melhor.
É impossível a um país com 175 milhões de habitantes abrir mão de uma
forma de energia que serve para a agricultura, a medicina etc. Quer dizer, não
podemos abrir mão. Vamos deixar que nos impeçam? Vamos permitir que
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continuem nos impedindo de desenvolver energia nuclear? Não podemos deixar isso
acontecer.
Acredito que este seminário é um passo à frente, assim como a continuidade
da construção de Angra III é um passo à frente na defesa de nossos interesses, do
ponto de vista soberano, sem interferências, e sem levar em consideração
interesses de outras nações. Eles cuidam dos interesses deles, e nós, dos nossos.
É isso que esperamos deste seminário.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Sr. Odair Dias
Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear.
O SR. ODAIR DIAS GONÇALVES - Agradeço-lhes o convite para participar
deste evento tão importante, fundamental, estratégico para a nossa independência,
para o nosso desenvolvimento.
Inicialmente gostaria de propor uma pequena ampliação do conceito que aqui
vai ser discutido. Como Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, é
importante que ressalvemos alguns pontos que em geral são ignorados, quando se
discute a questão do Programa Nuclear Brasileiro ou mesmo quando se anuncia a
expressão “programa nuclear”.
Historicamente, o Programa Nuclear Brasileiro está ligado principalmente à
idéia de produção de energia elétrica, seja tecnologia de reatores, seja o ciclo de
combustível, seja novas possibilidades de instalação de reatores, ou mesmo Angra
III. É importante ressaltar que isso foi fundamental para o programa e nessa área o
Brasil conseguiu um sucesso incrível. Existem outras aplicações, além da própria
energia elétrica, que desenvolveram muito no Brasil em conseqüência do próprio
Programa Nuclear Brasileiro. Por exemplo, na Saúde, hoje existem aplicações sobre
medicina nuclear, a questão de novas tecnologias de radiodiagnósticos que utilizam
a radiação ionizante ou técnicas nucleares que, de maneira geral, estão sempre
vinculadas ao próprio programa nuclear mas chegam mesmo a ultrapassá-lo.
Desta maneira, talvez fosse mais interessante falarmos mais em programas
nucleares do que simplesmente em programa, ou talvez mais adequadamente ainda
em política nuclear brasileira, da qual hoje sentimos falta. Uma das funções da
Comissão Nacional de Energia Nuclear é assessorar o Governo Federal na
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formulação de política nuclear. Mas antes é necessário que exista vontade política
expressa e de que essa política seja desenvolvida e implementada.
O Ministério da Ciência e Tecnologia, através do Ministro Roberto Amaral,
tem sido exemplar e sempre tem demonstrado determinação e decisões no sentido
de apoiar, fortemente, o desenvolvimento e a formulação da política nuclear, mas
isso não basta. Ainda não temos claramente uma decisão do Governo Federal,
como um todo, no sentido do que fazer em relação a essa política. Agora é a hora
de tomarmos esta decisão. Não dá mais para adiar se vamos ou não construir Angra
III. Seja qual for a decisão, ela tem que ser tomada. Nós temos que tomar decisões,
inclusive sobre a área médica. Atualmente, a CNEN produz 100% dos radiofármacos
utilizados no País. Somos independentes. O Instituto de Pesquisas Energéticas e
Nucleares — IPEN desenvolve tecnologia de ponta nesta área, adotando soluções a
partir de uma política que foi defendida a duras penas, como vou procurar
demonstrar na minha palestra à tarde. Mas é claro que existe a necessidade da
tomada de decisão. Mais importante também é a necessidade de um esclarecimento
à população para que ela, junto com o Governo, possa tomar uma decisão sobre
essa política.
Há que se destruir mitos de que a energia nuclear é uma energia associada,
inevitavelmente, à questão armamentista. O Brasil está fora de qualquer tipo de
pesquisa nessa área, até por determinação de sua própria Constituição. Nós temos
que esclarecer à população as vantagens e os benefícios de uma política nesta
direção. Agora é hora de tomarmos essas decisões e aproveitarmos esses eventos
que são fundamentais para alavancar uma decisão política, a formulação de uma
política nuclear e retomar os investimentos nesta área, declarando-os tão prioritários
como eles realmente devem ser.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Sr. Luiz Soares,
Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR e representante do Sr. Luiz Pinguelli Rosa,
Presidente da ELETROBRÁS.
O SR. LUIZ SOARES - Bom dia a todos. Gostaria de iniciar cumprimentando
a Câmara dos Deputados, na figura da Deputada Zulaiê Cobra, dos Deputados Luiz
Sérgio, Jamil Murad, por trazer este tema à discussão e pelo cuidado que teve na
organização deste encontro que, de forma bastante criteriosa, aborda os diversos
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aspectos do que poderíamos chamar, como se referiu o Prof. Odair Gonçalves, de
política nuclear para o País.
Chamo a atenção para 2 aspectos primordiais nesta discussão. Primeiro, num
ambiente competitivo internacional entre nações, entre empresas, neste cenário
econômico em que vivemos, um fator diferencial e importante para qualquer nação
que queira propiciar melhores condições de conforto está no fato de conseguir
atividades em que o conhecimento seja um fator de desenvolvimento, em que o
conhecimento agregado nas atividades represente soberania tecnológica que lhe dê
a base para continuar evoluindo tecnologicamente.
Na área nuclear, que vive sob um certo manto de invisibilidade, tanto eu como
outros profissionais presentes, que trabalhamos há 25 anos no setor, sabemos que
muito do que foi feito do ponto de vista de desenvolvimento e de construção de uma
base científica para continuar avançando nesta direção perde-se envolto em críticas
que muitas vezes, mesmo sendo extremamente importantes, porque fazem parte do
processo democrático, tocam apenas a superfície do problema, a percepção de que
é equivocado o uso da energia nuclear. Portanto, não apenas levantar a discussão
mas dar oportunidade a um seminário com nível de organização como este é algo
extremamente louvável para o País, para os profissionais da área, para as empresas
geradoras.
O segundo ponto para o qual chamo a atenção — hoje curiosamente vinha
para cá, no avião, lendo sobre isso no jornal — diz respeito às conseqüências de
indefinições que ocorrem quando se trata de aspectos extremamente pragmáticos,
como a expansão da base energética com um viés preconceituoso. Os senhores
todos devem ter visto o que aconteceu na Itália neste último fim de semana. A Itália,
no caso da área nuclear, tomou uma decisão motivada por questões de natureza
ideológica e hoje ela é dependente 15% da geração de países vizinhos, tais como a
França e a Eslovênia. Acredito que esse seja um dado importante quando olhamos a
dimensão do nosso parque energético instalado e analisamos outro dado que é
bastante significativo. O Brasil, se comparado com uma nação como os Estados
Unidos, tem 12 vezes menos potência instalada, ou seja, a nossa capacidade é 12
vezes menor do que a capacidade americana, ao passo que a nossa população é
uma vez e meia menor. Portanto, cada americano tem, em média, um volume da
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ordem de 24 vezes mais energia elétrica para o seu conforto, a sua integração
social, o seu desenvolvimento econômico-social.
Esses números, por si só, mostram que, se todos estamos empenhados na
construção de um País mais soberano tecnologicamente, mais justo socialmente e
com mais capacidade econômica de crescimento, teremos de considerar todas as
alternativas possíveis de geração elétrica. O Brasil tem, como certamente será visto
ao longo deste encontro, os 2 ingredientes básicos para progredir nesta área: a
matéria-prima, o urânio, pois somos a sexta reserva do mundo, e a tecnologia e os
homens com capacidade de levar isso adiante.
Com essas palavras, mais uma vez agradeço esta oportunidade e tenho
certeza de que este encontro será extremamente profícuo para a discussão sobre o
setor nuclear.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Comandante da
Marinha, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, representando o
Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, Embaixador José Viegas.
O SR. ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO - Bom dia a todos. Como
Comandante da Marinha e tendo a honra de representar o Ministro de Estado da
Defesa, Embaixador José Viegas Filho, é com especial satisfação que compareço a
esta Casa para participar da abertura do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania
e Desenvolvimento.
Desejo, antes de mais nada, enaltecer a iniciativa da Deputada Zulaiê Cobra,
Presidenta da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, do Deputado
José Janene, Presidente da Comissão de Minas e Energia, e do Deputado Corauci
Sobrinho, Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, por organizarem este
encontro tão importante.
A participação de conferencistas provenientes de diversas instituições, FIESP,
CNEN, ELETRONUCLEAR, IPEN, INB e do Centro Tecnológico da Marinha em São
Paulo, certamente incitará um profícuo debate sobre o tema, contribuindo desta
maneira para prestar os esclarecimentos necessários aos representantes da
sociedade brasileira.
Especificamente no que se refere ao Programa Nuclear da Marinha, faço
propícia a ocasião para ressaltar que, nos últimos 23 anos, a Marinha do Brasil vem
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aplicando recursos e pessoal em um programa nuclear cujo principal objetivo é o
domínio, por parte dos institutos de pesquisa e da indústria nacional, de todo o vasto
espectro tecnológico necessário para que a Nação esteja capacitada a projetar e
construir reatores de potência, bem como produzir combustíveis para estes reatores.
Aqui faço uma pequena digressão porque, como vimos, o atual Programa Nuclear da
Marinha não cogita construção de submarino nuclear. O que pretendemos é o
domínio de tecnologia.
Desta forma, o Programa Nuclear da Marinha encontra-se dividido em 2
grandes projetos: o Projeto do Ciclo de Combustível e o Projeto do Laboratório de
Geração Núcleo-Elétrica — LAB-GNE. No primeiro deles, os primeiros resultados
foram obtidos em 1982, quando foi construída a primeira ultracentrífuga com
condições de fazer a separação isotópica do urânio.
Esta tecnologia para produção contínua de urânio enriquecido já se encontra
dominada e, como resultado, a Marinha está construindo ultracentrífugas para que a
INB, Indústrias Nucleares do Brasil, empresa responsável pela produção de
combustível para Angra I e II, possa executar no País o enriquecimento que tinha de
contratar na Alemanha. À exceção da conversão, cuja usina de hexafluoreto de
urânio está em fase final de construção, as demais etapas do ciclo do combustível,
reconversão, fabricação de pastilhas, fabricação de elementos combustíveis e a
capacidade para projetar o próprio combustível também já estão dominadas e em
operação.
Em paralelo ao Projeto do Ciclo do Combustível, mas com alguma defasagem
no tempo, foram iniciados os estudos relativos ao Projeto do Laboratório de Geração
Nucleo-Elétrica — LAB-GNE, buscando o desenvolvimento e a construção de uma
planta nuclear de geração de energia elétrica totalmente projetada e construída no
País, inclusive o seu reator. Esta instalação servirá de base e de laboratório para
qualquer outro projeto de reator nuclear no Brasil. As obras de montagem desta
instalação estão em andamento. O domínio desta tecnologia, que não é repassada
por aqueles que a detêm, permite ao País ter uma alternativa energética para a crise
internacional que se anuncia neste início de século, ou, caso haja outra saída viável,
vendê-la ao mercado internacional. Além disso, seriam criadas condições para que,
no futuro, havendo decisão política de governo para tal, possa ser dado início à
elaboração de um projeto específico para o desenvolvimento de planta de propulsão
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naval para navios ou submarinos, este último de valor estratégico inquestionável,
principalmente para o Brasil, que possui enormes interesses econômicos a preservar
e a defender no mar.
Além do exposto, cabe mencionar que o desenvolvimento e a absorção das
tecnologias envolvidas transcendem a aplicação militar, sendo, na verdade, do
interesse do País dar o seu poder de arrasto nos diversos campos de suas possíveis
aplicações.
Deste modo, o entendimento da Marinha do Brasil é de que o Programa
Nuclear hoje em execução não é unicamente da Marinha, mas, sim, do País, motivo
pelo qual deveria receber aportes financeiros de outras fontes e não somente do
orçamento das Forças Armadas, como vem acontecendo já há alguns anos.
Caso esses aportes não ocorram e considerando as severas restrições
orçamentárias com as quais a minha Força tem tido de conviver nos últimos anos,
corremos o risco de o Programa Nuclear da Marinha, que é do País, ficar estagnado,
o que de certa forma já vem ocorrendo, com as indesejáveis conseqüências de
perda de mão-de-obra qualificada e atrasos ainda maiores na sua conclusão.
Ao finalizar, Deputada Zulaiê Cobra, gostaria novamente de cumprimentá-la
pela iniciativa que teve, juntamente com os Presidentes das duas outras Comissões,
de promover este seminário. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Exmo. Sr. Deputado
Luiz Sérgio, membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados,
representando o Exmo. Sr. Deputado José Janene, Presidente desta mesma
Comissão.
O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - Ao saudar a Deputada Zulaiê Cobra, que
preside a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, quero exaltar
principalmente a sua coragem de patrocinar, em conjunto com as Comissões de
Minas e Energia e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, o Seminário
Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.
Saúdo o Comandante da Marinha e todos os senhores que estão contribuindo
para que possamos chegar a bom termo no final deste evento.
Quero abordar alguns pontos. Primeiro, podemos enfrentar este debate em
qualquer local, até porque poucas políticas no Brasil sobreviveram e atravessaram 3
Comissões Parlamentares de Inquérito. O Programa Nuclear Brasileiro já foi objeto
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de 3 CPIs nesta Casa e é o único para o qual, em 3 ocasiões distintas, foram
constituídos grupos de trabalho interministerial com o objetivo de avaliá-lo. Aqueles
que, fugindo do debate, acusam de não haver transparência e de não haver
discussão, na realidade, fogem daquilo em que se constituiu o programa nos últimos
anos. Não há nada mais transparente nesta Casa do que uma Comissão
Parlamentar de Inquérito. O Programa Nuclear Brasileiro navegou por 3 Comissões
e sobreviveu, porque tem o objetivo claro de inserir o Brasil, com independência e
soberania, neste que indiscutivelmente é um dos temas mais debatidos no mundo.
Segundo, não queremos fazer um seminário focados apenas na questão da
geração de energia, sem desmerecer a sua importância estratégica. O recurso
nuclear há apenas 4 décadas é utilizado para geração de energia. No entanto, 17%
de toda a energia no mundo já vem dele. Poucas fontes, em tão pouco tempo,
atingiram um percentual tão significativo no mundo.
Queremos analisar o assunto sob os vários aspectos. A medicina, a produção
e a industrialização de alimentos não teriam o avanço que alcançaram sem a
utilização dessa tecnologia.
Por falar no uso da energia nuclear na medicina, o Brasil nacionalizou a
produção dos radiosótopos. Isso representará uma economia de 1,17 milhões de
dólares/ano ao País e permitirá que mais de 300 clínicas e hospitais de diversas
regiões diagnostiquem mais de 2 milhões de brasileiros que passarão a ter acesso a
essa tecnologia nova e importante.
Espero que este seminário não seja apenas para produzir belos Anais que
irão servir para engordar as nossas estantes com livros e resoluções, mas, acima de
tudo, seja um farol que nos ilumine, nos guie rumo a algumas decisões que
precisamos tomar.
O debate evidentemente necessário se faz, mas nenhum custo é mais alto do
que o da indefinição e o de ficar postergando uma decisão tão essencial. A
indefinição e o postergamento da definição pode significar que estejamos perdendo
o bonde da história, porque o Brasil, tendo uma das maiores reservas de urânio do
mundo, indiscutivelmente, num determinado momento da sua história, lançará mão
dessa reserva para comercializá-la. Nós comercializaremos a matéria-prima bruta ou
a comercializaremos com valor agregado? Seremos determinante de uma política ou
seremos apenas fornecedores de matéria-prima para que outros, dela se utilizando,
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ganhem e se imponham diante do mundo, quando já mostramos que temos todas as
condições adequadas, do ponto de vista científico, para nos inserir no mundo com
essa tecnologia e com esse valor?
Há várias questões para abordar, mas pontuarei apenas algumas delas.
Em maio deste ano, a Comissão Européia decidiu ampliar o uso da energia
nuclear. Os estudos mostram que essa utilização será a única capaz de conter a
emissão de CO2.
Também em maio deste ano, 67% da população da Suíça aprovou que não
deve abrir mão dessa fonte de energia, consolidando todo o programa nuclear
desenvolvido naquele país.
Em abril deste ano, cientistas reunidos em Bruxelas também chegaram à
conclusão de que o uso da energia nuclear no mundo deve aumentar nos próximos
anos como parte da estratégia para atingir as metas de redução da emissão de CO2
no planeta. Aqueles que debatem sob o ângulo ambiental precisam se situar dentro
do que o mundo discute hoje. É evidente que a questão nuclear desperta amor e
ódio, mas não podemos fazer este debate com amor, nem com ódio. Precisamos
fazê-lo com racionalidade e, acima de tudo, com visão estratégica de qual nível de
independência e de soberania necessitamos para inserir o Brasil no mundo.
Orgulhosos de alguns pontos da nossa política externa, quer seja na
Organização Mundial do Comércio, quer seja no discurso firme do Presidente Luiz
Inácio Lula na ONU, precisamos atentar para a questão nuclear. Ela se insere nesse
contexto como uma política de desenvolvimento, de soberania, de que, ao meu ver,
o Brasil não pode abdicar.
Eu, Parlamentar que debato esta questão há anos, espero que este
seminário, acima de tudo, contribua para subsidiar decisões importantes, a fim de
que não percamos o bonde da história, que já está passando.
A questão de Angra III não é importante apenas porque se constituirá em
mais uma usina, mas porque complementará e viabilizará um ciclo que irá desde a
extração do urânio à fabricação do combustível nuclear. Indiscutivelmente, dará
continuidade àquilo que se constitui hoje o nosso maior patrimônio, que é a geração
de mão-de-obra qualificada que estamos formando e que não pode ser interrompida
sob qualquer hipótese, a exemplo do lamentável acidente na Base de Alcântara. No
fundo, o que mais lamentamos? Exatamente a perda dos nossos cientistas, a perda
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do conhecimento, os anos que levaremos para formar nova mão-de-obra qualificada
naquele nível. No caso específico nuclear, não houve acidente e, se Deus quiser,
não haverá. Mas não podemos perder a continuidade da formação de todo esse
quadro técnico, que tanto nos orgulha, pela interrupção deste programa.
Formaremos 3 Mesas para discutir aspectos político, social e econômico.
Espero que todos as senhoras e senhores estejam presentes aqui às 14 horas, a fim
de formarmos a primeira Mesa, que, indiscutivelmente, dará subsídios importantes
ao Executivo para que tome decisões maduras. Independência e soberania também
se constituem pela firmeza e pela coragem de tomar decisões.
No que se refere ao aspecto da nossa política nuclear, neste momento é
necessário que tenhamos coragem de tomar decisões.
Com satisfação, comunico que acaba de chegar o Ministro da Ciência e
Tecnologia, Roberto Amaral.
Angra III complementa um ciclo. Espero que este seminário não constitua
apenas mais um nos Anais de seminários, mas possa ser um farol que ilumine as
decisões que estão maduras e precisam ser tomadas, a fim de que não fiquemos
aquém da potencialidade nuclear nas várias áreas.
Orgulhamo-nos de todos que trabalham nessa área, em relação ao nível de
desenvolvimento científico que chegaram. Em nome da Comissão de Minas e
Energia, quero nessa fase inicial parabenizar todos vocês que há anos estão sendo
persistentes e que, indiscutivelmente, ajudaram a construir uma das páginas mais
bonitas do desenvolvimento científico brasileiro. Espero que a decisão do Executivo
possa ser, acima de tudo, um incentivo e acelere a consolidação desse programa
tão necessário ao nosso desenvolvimento e à nossa soberania.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Com a palavra o Exmo. Sr. Roberto
Amaral, Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.
O SR. MINISTRO ROBERTO AMARAL - Bom dia. A única vantagem de falar
em último lugar é que ouvimos os que nos antecederam e aprendemos o que dizer.
Nem essa vantagem eu tive.
Peço desculpas pelo atraso. Devido aos tempos de crise da aviação civil,
levamos 30 minutos para decolar do Rio de Janeiro, em razão do congestionamento.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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Ao chegar a Brasília, tivemos novamente de esperar para aterrissar. Isso me fez
atrasar mais de uma hora na previsão da minha chegada.
Sra. Deputada Zulaiê Cobra, Presidenta da Comissão de Relações Exteriores
da Câmara dos Deputados; Deputado Luiz Sérgio, da Comissão de Minas e Energia
da Câmara dos Deputados; meu querido amigo Deputado Jamil Murad, da Comissão
de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados; Comandante Almirante-de-
Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, que além de representar o Exmo. Sr.
Ministro de Estado da Defesa, simboliza nesta Mesa a presença da Marinha
brasileira, a quem o País, a Nação e a sociedade devem, em muito, o avanço que
logramos na pesquisa nuclear; meu colega de Ministério, Dr. Odair, Presidente da
CNEN; Dr. Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR, para nós é um
prazer participar deste seminário e poder, nesta oportunidade, lembrar os
compromissos históricos que o Parlamento brasileiro tem com a defesa do País e
com a defesa do Programa Nuclear Brasileiro. Estou me referindo à famosa CPI de
Energia Nuclear, de 1955, presidida pela figura inesquecível para a história do nosso
País do Deputado Gabriel Passos, e que teve como Relator o Deputado Dagoberto
Sales.
Não sei se não tivéssemos tido essa Comissão se teria sido possível
desenvolvermos em nosso País o Programa Nuclear Brasileiro. Esta CPI, além de
identificar muitos dos obstáculos que se antepunham ao desenvolvimento de nosso
País e — vamos dizer com todas as palavras — às pressões de ordem internacional,
revelou também por que o Governo brasileiro demitiu o então Presidente do CNPq,
órgão responsável pela pesquisa, pela ciência neste País. Tenho a honra de tê-lo no
meu Ministério.
Isso revela desde quando estamos unido, sem distinção, civis e militares, em
torno de um projeto que não abandonamos e não abandonaremos. Está para além
das filiações partidárias e de eventuais equívocos ideológicos, que é a defesa deste
País.
É preciso que se lembre que Programa Nuclear não é bomba atômica e que
este País, que não tem programa nuclear militar, que não quer ter, que não pensa
em tê-lo, que não precisa tê-lo, é um País de tradições pacíficas, de ótima
convivência com seus vizinhos, que jamais, na idade moderna, invadiu outro país.
Portanto, nunca fabricou bomba atômica, nunca soltou bomba atômica.
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Portanto, nós temos autoridade moral e ética para conduzir o nosso
programa, saber qual o interesse do nosso País. Nós temos autoridade de cobrar
dos países que dominam a tecnologia que desfaçam os seus arsenais, porque o
mundo não vai conhecer a paz simplesmente proibindo a disseminação de armas.
Somos a favor da disseminação de armas. Somos contra à propagação de projetos
nucleares militares, mas somos a favor disso universalmente, a começar pela
desmobilização dos atuais arsenais, que malgrado o fim da guerra fria, continuam
ameaçando a humanidade.
É preciso lembrar que Programa Nuclear inclui geração de energia elétrica, a
qual depende de produção derivada da fricção nuclear na ordem de 17% do total
produzido, com índices muito superiores nos Estados Unidos, na França e no Japão.
Esses países não são mais responsáveis do que nós. Nós, tanto quanto eles,
temos regras a cumprir, regras de segurança que estamos cumprindo, regras de
pesquisa e somos submetidos a investigações e inspeções periódicas, às quais
jamais apresentamos qualquer obstáculo.
O Programa Nuclear Brasileiro não é apenas geração de energia. É preciso
lembrar o seu papel extraordinário na área da Medicina. Quantas vidas o esforço
nacional para o Programa Nuclear salvam, não diria diariamente, mas talvez a cada
minuto, seja no tratamento, seja no diagnóstico precoce de doenças fatais. Não
somente isso, mas é também um instrumento de aumento da produtividade agrícola,
de irradiação e de alimentos, fundamental para o combate à fome em nosso País.
Ele é fundamental para a precisão de equipamentos, para a busca arqueológica,
para a datação inclusive de recursos aquáticos brasileiros. É esse o programa que
nós defendemos, cuja ampliação nós defendemos, cujo aprofundamento nós
defendemos.
Esse programa inclui — e nós o defendemos claramente, sem nenhuma
tergiversação — também o domínio de tecnologia que nos propicie a construção de
reator que possa garantir o submarino brasileiro de propulsão nuclear. Isso é uma
necessidade do País. Nenhum outro país tem de estar dando explicações por que
precisa modernizar a sua frota, mas, se nos cobram, nós dizemos: precisamos ter a
defesa até para continuar sendo como somos hoje, um País pacífico. Temos de usar
recursos de dissuasão. Um deles, o mais importante, é a capacidade efetiva de
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defesa do nosso litoral, de sua proteção não só de eventuais incursões dessa ou
daquela natureza, mas inclusive para proteção econômica de pesca predatória.
Esse programa inclui o complexo Angra dos Reis, fundamental para a
indústria e o consumo de energia no Sudeste brasileiro, particularmente no Rio de
Janeiro e no Espírito Santo.
Temos certeza que o debate que hoje se inicia será mais um instrumento que
a Câmara dos Deputados oferece ao País para que possamos identificar quais são
realmente os interesses do País. Identificados os interesses do País, nós Poder
Público, nós União, nós Poder Executivo, nós Parlamento, nós políticos, nós
administradores, vamos persegui-los.
O Brasil precisa desenvolver-se, e nós alcançamos já alto nível de
desenvolvimento científico. Nesse ponto ressalto mais uma vez a participação que
teve a Marinha brasileira, o Instituto Militar de Engenharia nesse desenvolvimento e
o que nós todos devemos ao CTA e ao ITA, sem os quais nós não teríamos hoje
possibilidade de ter programa aeroespacial e mesmo indústria aeronáutica.
Nós, que já alcançamos altos níveis de desenvolvimento científico,
precisamos alcançar o correspondente desenvolvimento tecnológico. Essa distância
está sendo responsável por uma distanciamento crescente entre o nosso
desenvolvimento científico e tecnológico e, principalmente, pelo atraso do nosso
País em face das nações do Hemisfério Norte.
Em termos de tecnologia, uma das características da revolução tecnológica é
a velocidade das inovações, que corresponde também à velocidade da
obsolescência. Quem estiver pensando no ritmo de desenvolvimento ensejado pela
revolução industrial fique certo que está trabalhando pelo atraso. Nós temos de
correr no plano científico e sermos velocíssimos no plano tecnológico. O País
evidentemente não tem por que reinventar a roda dentada, nem pesquisar água
morna, mas ele precisa se equipar de instrumentos teóricos, instrumentos de ciência
aplicada, de pesquisa básica e de pesquisa aplicada para cimentar o seu
desenvolvimento.
O mundo que nasce no início desse terceiro milênio não é mais o mundo da
produção clássica, não é mais o mundo em que a mão-de-obra barata,
desqualificada é fator de produção. O nosso milênio — e esse é o desafio — é o
milênio do conhecimento. As nações ficarão talvez definitivamente separadas por
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séculos e séculos entre aquelas que investiram no conhecimento, na investigação,
na produção de conhecimento e aquelas que se limitaram a tentar copiar, a tentar
comprar e pagar royalties. Esse é o grande desafio do nosso País, é o desafio da
nossa geração, e tenho certeza de que as reflexões no Congresso Nacional serão
instrumento para que nós todos estejamos reunidos num grande projeto nacional: a
construção de uma nova sociedade, de um novo Estado, um Estado democrático,
uma sociedade livre das distorções que vivemos hoje, da concentração de renda,
dos desníveis regionais, dos apartheids internos, da pobreza aviltante e que
possamos, de mãos juntas, construir a Nação, o País, que nossa população merece
e exige de nós.
Esse é o papel de mudanças do Governo do Presidente Lula: mudar para
transformar o País da exclusão no País da inclusão social. E não haverá inclusão
social sem investimentos maciços em educação, ciência e tecnologia.
Meus senhores, muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Agradeço ao Ministro da
Ciência e Tecnologia, Dr. Roberto Amaral Vieira. Agradeço também ao nosso
representante do Ministro da Defesa, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães
Carvalho, ao nosso Dr. Odair Dias Gonçalves, ao Dr. Luiz Soares, ao Deputado Luiz
Sérgio, que muito contribuiu para que este Seminário fosse realmente uma
realidade, ao Deputado Jamil Murad, ao Comandante do Exército, General-de-
Brigada Nelson Marcelino de Farias Filho; ao Tenente-Brigadeiro-do-Ar, Sérgio
Pedro Bambine, que representa o Comandante da Aeronáutica, e a todos os demais
a presença a este evento.
Convoco todos para o reinício do seminário às 14 horas neste mesmo
auditório.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Umberto) - Lembramos a todos que existe uma
lista para ser assinada na entrada do auditório, para depois ser emitido o certificado
de presença neste Seminário.
Está encerrada a reunião.
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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
SEMINÁRIO TECNOLOGIA NUCLEAR - SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO
EVENTO: Seminário N°: 1585/2003 DATA: 30/9/2003
INÍCIO: 14h7min TÉRMINO: 18h2min DURAÇÃO: 3h55min
TEMPO DE GRAVAÇÃO:
3h57min
PÁGINAS: 68 QUARTOS: 45
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
ALAN PAES LEME ARTHOU - Diretor do Centro Tecnológico da Marinha.
CARLOS ROBERTO LIBONI - Vice-Presidente da Federação das Indústrias do Estado de SãoPaulo — FIESP.ODAIR DIAS GONÇALVES - Presidente da Comissão Nacional de Energia
Nuclear — CNEN.
LUIZ SOARES - Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR.
CLÁUDIO RODRIGUES - Diretor do Instituto de Pesquisas Energéticas e
Nucleares — IPEN.
ALFREDO TRANJAN - Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão
Nacional de Energia Nuclear.
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ADOLFO DE AGUIAR BRAID - Capitão-de-Mar-e-Guerra da Reserva da Marinha
do Brasil.
SUMÁRIO: Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e Desenvolvimento.
Mesa 1: Aspectos Políticos; Mesa 2: Aspectos Sociais; Mesa 3: Aspectos
Econômicos.
OBSERVAÇÕES
Há exibição de imagens.
O registro taquigráfico de seminários, encontros, frentes parlamentares e
reuniões de bancada só é realizado pelo Departamento de Taquigrafia se
estiver em dia a prioridade da Casa (sessões plenárias, CPIs, Comissões
Especiais, Audiências Públicas).
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Declaro abertos os trabalhos
da presente reunião do Seminário Tecnologia Nuclear — Soberania e
Desenvolvimento.
Boa tarde a todos. Trataremos de debater os aspectos políticos relacionados
ao tema. Comporão a Mesa, para fazer suas exposições, o Contra-Almirante Alan
Paes Leme Arthou, Diretor do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo, que
falará sobre o impacto de programa nuclear na área de defesa; o Dr. Carlos Roberto
Liboni, Vice-Presidente da FIESP, que tratará do referido impacto na indústria; o Dr.
Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear —
CNEN, que falará também desse impacto na área de ciência e tecnologia; e o Dr.
Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR, que cuidará do impacto dos
programas nucleares no mundo.
Quero agradecer aos expositores por terem aceitado o convite para participar
deste seminário, que é para nós de grande importância estratégica. Como disse
durante a abertura, pela manhã, espero que este evento possa ser um farol a
iluminar as decisões que precisamos tomar.
Concedo a palavra ao primeiro expositor, o Contra-Almirante Alan Paes Leme
Arthou.
O SR. ALAN PAES LEME ARTHOU - Boa tarde, senhoras e senhores.
Agradeço à Deputada Zulaiê Cobra esta oportunidade de expor algumas idéias e
apresentar alguns trabalhos que estamos realizando. Vou falar sobre o impacto de
um programa nuclear na defesa.
A defesa é uma muito questionada, muitas pessoas perguntam se o Brasil
precisa de defesa e de Forças Armadas. Gosto sempre de iniciar minhas exposições
mostrando como o Brasil se situa em relação ao mundo, quais os conflitos que
existem no mundo e quais as possibilidades de haver conflitos no Brasil. Darei a
seguir uma visão geral sobre os tipos de problemas que podem surgir.
(Segue-se exibição de imagens.)
O slide mostra uma colagem de várias fotos noturnas de satélite, publicadas
pela NASA, com a distribuição de energia no mundo. Estou falando sobre energia
porque ela será um dos possíveis motivos de conflito no mundo. O slide mostra
também que o Brasil é muito pobre em distribuição de energia.
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Todos sabem que existe um país hegemônico, com um poder militar muito
grande, que tem disputado recursos e influência territorial. Os outros países com
grande poder militar estão voltados para os seus problemas internos. Há também
países com grande poder militar que recebem tratamento especial por parte desse
país hegemônico.
Refiro-me a dois tipos de países: aos que são usados por países
hegemônicos como cabeça-de-ponte ou ponta-de-lança, como a Inglaterra, na
Europa, e Israel, no Oriente Médio; e aos que recebem tratamento especial, aqueles
que têm grande poder econômico e tecnológico e são capazes de se transformar,
rapidamente, em grandes potências militares — o que não seria desejável por causa
do histórico beligerante — como o Japão e a Alemanha. Se alguém quiser saber
qual o tipo de tratamento especial a que me refiro, basta ver a diferença entre o
tratamento dado à importação de carros japoneses nos Estados Unidos e o
tratamento dado a outros produtos de exportação, como os produtos de que somos
exportadores.
Tanto a Europa quanto os Estados Unidos e o Japão consomem quantidade
de energia muito maior do que a que são capazes de produzir em seu próprio
território, por isso terão de buscá-la em algum lugar, obviamente nos países pobres
que contam com esse recurso. Esses países geralmente sentem-se oprimidos e
dilapidados em seus bens. Muitas vezes surgem grupos que tentam adotar medidas
de defesa e, como não têm condições de criar um exército regular, agem por meio
da chamada guerra assimétrica, ou seja, realizam atos terroristas para mostrar
indignação.
Há um outro grupo de países, do qual o Brasil faz parte, que simplesmente
tem interesses a defender. Felizmente, o Brasil não se sente oprimido e espoliado,
também não é grande potência econômica e militar, nem recebe tratamento
especial. Visto que os conflitos giram em torno do que foi mencionado, existe a falsa
impressão de que no Brasil não existe tanta preocupação no que diz respeito à
defesa. Se quisermos saber se existe a possibilidade de um conflito armado contra o
Brasil, seria conveniente fazermos uma análise mais filosófica e procurarmos a exata
definição do que é guerra.
Encontramos em Karl Marie von Clausewitz, de meados do século XIX, a
definição mais clássica que existe sobre guerra. Dizia ele que a guerra é a
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continuação da diplomacia com o emprego de outra força. Ele não mencionava
política, mas hoje a palavra política é aceita como a mais abrangente e
representativa daquilo a que ele se referia. Então, a guerra é a continuação da
política com o emprego de outro meio. Esse outro meio é a força, na realidade a
guerra ou qualquer ação militar — a última guerra declarada foi a II Guerra Mundial.
É a continuação da política na tentativa de resolver um conflito de interesses.
Sempre que houver um conflito de interesses, a diplomacia atuará, a política atuará.
Se não houver jeito, o uso da força será o último recurso.
Que tipos de conflitos de interesses podem ser? Os conflitos do século XX
sempre sustentavam uma máscara de conflito ideológico, ético ou religioso, mas no
fundo havia sempre uma disputa de recursos. Na verdade, a II Guerra Mundial não
teve nenhuma dessas máscaras, mas sim a de libertação, embora também tenha
havido disputa de recursos e de mercado. Na recente guerra que envolveu o Iraque,
tentou-se vender uma imagem de guerra de libertação, mas ficou claro que por trás
havia disputa de recursos.
No Brasil não há nenhum problema ideológico, ético ou religioso, muito
menos de libertação. Todos os conflitos militares no último século envolveram uma
dessas situações. Portanto, fica difícil imaginar com quais tipos de conflito o Brasil
poderá envolver-se. Passamos então à parte que trata da disputa de recursos, pois
esse seria o único fator que poderia envolver o Brasil num conflito. Que recursos são
esses?
Faço sempre questão de dividir nossos recursos entre recursos do mar e
recursos da terra, porque de um modo geral nós brasileiros temos uma mentalidade
muito continental e nos esquecemos de que temos direito à exploração econômica
exclusiva de uma zona que se estende até 200 milhas da costa ou até onde se
estende a plataforma continental. Essa área de exploração econômica exclusiva,
com recursos vivos e minerais, corresponde a 50% do território continental, ou seja,
temos direito exclusivo de exploração de uma Amazônia azul. Tanto em terra quanto
nessa Amazônia azul, há vários tipos de recursos.
Chamo a atenção para 2 tipos de recursos que serão motivo, como todos
sabem, de conflito neste século. O primeiro é a água doce, e somos responsáveis
por mais de 20% da água doce existente no mundo. O segundo é a energia, e quem
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tem energia consegue água doce. Neste painel nos concentraremos no tema
energia.
A Marinha á a instituição nacional que tem a atribuição de preservar e
defender os interesses brasileiros nessa Amazônia azul. Como ela atua? A Marinha
pode fazer isso por meio do controle da área marítima de interesse, elegendo as
áreas de maior interesse ou negando o uso do mar a eventual oponente. Negar o
uso do mar é um termo naval que se usa para oferecer um risco ao oponente maior
do que aquilo que ele tenta conquistar. Existe uma arma, inventada no início do
século passado, que tem proporcionado bons resultados no sentido de aumentar o
risco do oponente e é excelente para países que não querem gastar muito com
defesa ou Forças Armadas: o submarino.
O submarino tem grande vantagem em relação às outras armas, porque hoje
em dia tudo o que se move sobre a superfície da terra ou do mar é detectável,
portanto destrutível. O submarino oferece dificuldades para detecção. Uma vez
submerso, por ser de baixa freqüência o sistema de detecção existente para
submarino, só é possível detectá-lo quando está muito próximo; ademais,
normalmente quando é detectado, já teve oportunidade de atuar e destruir seu
possível perseguidor. O submarino é invisível à maioria dos sensores modernos,
oferece grande surpresa tática, aumenta estupidamente o risco do oponente, serve
como fator de persuasão e atua fortemente no componente psicológico.
O submarino convencional é capaz de fazer isso, mas com dificuldades. O
submarino convencional opera com motor elétrico embaixo d’água por meio de
bateria, só que a bateria descarrega e precisa ser recarregada. Em um submarino
convencional, que navega normalmente na faixa de 20 a 25 nós, em duas horas a
bateria se descarrega e é preciso retorná-lo à superfície para recarregá-la. Se o
submarino navega em velocidade de patrulha, na faixa de 3 a 4 nós — depende do
submarino e da capacidade da bateria —, em torno de um dia, um dia e meio, terá
que retornar à superfície para recarregar a bateria.
Esclareça-se que não é preciso haver o retorno total à superfície, mas apenas
próximo a ela. É colocado um tubo, chamado snorkel, por onde entra o ar, e são
virados os motores a diesel para recarregar as baterias e fornecer energia para o
motor elétrico. Durante esse período, é preciso descarregar os gases do motor e,
para diminuir a possibilidade de detecção, esse gás é pulverizado na água do mar.
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Entretanto, os gases saem a altas temperaturas e provocam gradiente de
temperatura na água do mar, o que é detectável por meio de sensores
infra-vermelhos de satélite. Então, embora o submarino não seja detectável a cada
instante, sempre que descarregar os gases será detectável. Portanto, existe esse
inconveniente, embora seja uma ameaça muito grande.
O submarino nuclear tem um reator nuclear, cuja operação independe de
oxigênio. Há sobra de energia. Portanto, pode submergir sem precisar retornar à
superfície. Hoje em dia, a França e os Estados Unidos fabricam reatores com
combustíveis que duram toda a vida útil do submarino. Estamos trabalhando em um
projeto de um reator com 5 anos de vida útil. Entretanto, o submarino não pode ficar
submerso por 5 anos, por causa do problema do estresse da tripulação. Há o
problema da comida, mas antes surge o problema de estresse da guarnição.
Costumo dizer que o que acontece em um submarino submerso parece com o
que acontece no programa Big Brother, só que não tem piscina, nem sol, nem
mulher. A vida começa a ficar difícil. Três meses é tempo suficiente para que as
pessoas comecem a ter problemas de estresse e a cometer erros operacionais.
O submarino nuclear, então, não depende da atmosfera e tem autonomia bem
maior, pois pode ficar submerso por três meses. Ao contrário do submarino
convencional, que tem de poupar energia e bateria, ele consegue operar em
velocidade máxima por tempo integral e ainda assim o combustível dura 5 anos.
Desde que foi inventado, o submarino nuclear passou a ser usado para outras
finalidades. Por exemplo, por ter grande facilidade de se deslocar por grandes
distâncias, pode ir à costa marítima de outros países e lançar mísseis de dentro do
submarino para bombardeio contra objetivo de terra. Na Guerra do Afeganistão e na
Guerra do Golfo, mais de 50% dos Tomahawks lançados contra o objetivo de terra
partiram desse tipo de submarino. É também excelente arma para proteção da
esquadra. A melhor arma contra um submarino é outro submarino. Entretanto, para
proteger, é preciso que seja um submarino que consiga acompanhar a esquadra em
sua velocidade de evolução, que normalmente é superior a 20 nós, o que só um
submarino nuclear consegue fazer sem interrupções.
Quais os países que desenvolveram submarinos nucleares? Estados Unidos,
Reino Unido, França, Rússia e China. Atualmente, esses países tiveram sua frota
reduzida. A China ainda tem 6 submarinos nucleares, o Reino Unido e a França têm
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cerca de 28 cada um, os Estados Unidos e a Rússia chegaram a ter cerca de 180,
190 cada um, uma quantidade monstruosa de armas em operação.
Casualmente, esses países fazem parte do Conselho de Segurança da ONU.
Sempre dizem que o Brasil tem a pretensão de assumir uma cadeira no Conselho de
Segurança da ONU, mas nunca ouvi usarem o argumento, que me parece forte, de
que o Brasil desenvolveu tecnologia de enriquecimento de urânio, que é o maior
degrau para se chegar a uma arma nuclear. O Brasil optou por não fazê-lo e colocou
isso na Constituição. Que país teria condições morais de assumir uma posição como
essa? Esse argumento me parece forte, mas não tem sido usado.
Quem desenvolveu essa tecnologia usou-a como embrião de indústria de
centrais nucleoelétricas. Não é por acaso que Estados Unidos e França são os dois
países com o maior número de reatores em operação. Essa tecnologia não é
transferida, primeiro, pelo valor estratégico do submarino, segundo, pelo imenso
potencial econômico — estamos falando de um mercado de 100 milhões de dólares
por ano. Hoje, no mundo, existem 32 reatores nucleares em construção. A idéia que
se tem é que está tudo parado, mas não é bem assim. Obviamente, essa tecnologia
dá a quem a possui uma garantia de total liberdade e movimentação nos oceanos.
Gostaria de fazer um parêntese para falar sobre a política de obtenção da
Marinha. Não é atividade-fim da Marinha produzir armas, muito menos ciência e
tecnologia. Nossa obrigação é produzir defesa, mas para isso precisamos de alguns
instrumentos, e o submarino nuclear parece ser um instrumento extremamente
necessário para essa situação. Como no Brasil ninguém está desenvolvendo
tecnologia na área de reatores nucleares e de combustíveis, a Marinha buscou
desenvolver alguma coisa, usando o conhecimento adquirido em vários setores. O
trabalho desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Marinha não é exclusivo desse
centro. Na verdade, buscamos conhecimento e tecnologia onde existem, como na
Comissão Nacional de Energia Nuclear. Vários institutos da Comissão Nacional de
Energia Nuclear e várias universidades contribuíram com nosso esforço, inclusive os
fabricantes que aceitaram o desafio de chegar aonde chegaram.
Para termos submarino nuclear e usinas nucleares, é preciso capacidade de
construir submarino. No Brasil, já construímos os submarinos Tamoio, Timbira e
Tapajó, e o submarino Ticuna está em fase de construção. Ou seja, já construímos
nossos submarinos. É preciso ter capacidade de projetar submarinos, e já o
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conseguimos. Temos o projeto do SMB-10 e condições de projetar e fabricar
reatores de potência.
Para isso, estamos montando um laboratório de geração nucleoelétrica.
Estamos fazendo isso, repito, para se chegar, quando houver disponibilidade ou
interesse político, a um submarino nuclear. À medida que formos fazendo isso, com
apoio de toda a comunidade científica e tecnológica brasileira, também teremos
condições de produzir nossas próprias usinas nucleares. Se optarmos por não
utilizar energia nuclear, poderemos, como disse o Deputado hoje pela manhã, até
exportá-la, mas com valor agregado e não simplesmente como matéria-prima bruta.
Há dois ciclos básicos. Para não perder muito tempo, só frisaria que, no ciclo
do combustível, o degrau mais alto era o desenvolvimento das cascatas de
ultracentrífuga. Optamos pela ultracentrífuga, que comercialmente é aplicada só no
Japão e no consórcio Urenco, formado pela Alemanha, Inglaterra e Holanda.
Conseguimos uma outra centrífuga que tem competitividade comercial. Ela está
sendo entregue à INB, para produzir no Brasil o enriquecimento que ela faz lá fora a
preços competitivos, a preços comerciais.
Esse era o mais alto degrau. Todos os outros degraus já estavam
controlados. Está sendo feito agora um scale-up da planta de produção que o IPEN
tinha desenvolvido de hexafluoreto, com algumas adaptações, algumas automações.
Hoje em dia, estamos construíndo uma usina de transformação de yellow-cake em
hexafluoreto.
O outro passo seria a implantação desse prédio, à prova de tudo, de desastre
aéreo, de explosão de caminhão com 20 toneladas de dinamite, de terremoto, de
ciclone. Depois ainda fizemos um estudo para mostrar que não existia nenhum outro
fator que poderia interferir na estrutura do prédio. Refiro-me ao estudo de
completude, palavra que não existe no dicionário. Deve ter sido copiada do inglês.
De qualquer maneira, é um prédio bastante resistente, de 6,7 milhões de reais.
Parece caro, mas é bem mais barato que muitos prédios públicos por aí, muitos
prédios que existem por aí.
Atividades que desenvolvemos no Centro. O programa não é só nuclear,
existem vários arrastos tecnológicos. Listei apenas alguns.
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Sobre a produção de UF-6, já falei. Temos um contrato com a Vosper
Thorncroft para fornecimento para o reator de pesquisa do IPEN, que fabrica os
radiofármacos. Também estamos produzindo enriquecimento para eles.
Desenvolvimento de combustíveis avançados. Refere-se ao segundo núcleo
do nosso reator. Há também o laboratório de geração nucleoelétrica.
Esse é o sistema de modernização. Temos uma equipe composta de
empresas privadas, pessoal da Universidade de São Paulo e pessoal nosso, quer
dizer, uma equipe mista para fazer esse sistema de controle do reator. Aproveitamos
também e fizemos o sistema de controle de máquinas das fragatas da década de 70,
que precisavam ser modernizadas. Só para se ter uma idéia, consultada a empresa
fabricante das fragatas na década de 70, ela queria, para as 6 fragatas, 18 milhões
de dólares. Pois bem, fizemos o mesmo serviço por 11,5 milhões de reais.
Trabalhamos também em giroscópios e acelerômetros. Na fotografia não
aparece, mas é um giroscópio pequeno, com precisão razoável, de 0,2 a 0,5 grau
por hora. Máquinas elétricas de pólo permanente. Todos esses são projetos com
base no que temos desenvolvido. O relativo ao laser foi no início do programa. Hoje
em dia, está sendo mantido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, onde já existem 11 teses de doutorado sobre tratamento de pele, rins, fígado,
com o uso desse laser de vapor de cobre.
Essa é uma instalação da nossa produção de fibra de carbono. Também
tivemos que desenvolvê-la. Túnel de cavitação.
A próxima imagem refere-se a uma bomba com mancais magnéticos.
Também nunca ouvimos falar disso no mundo, mas conseguimos desenvolver essa
bomba que trabalha por levitação. Aliás, as nossas ultracentrífugas também
trabalham por levitação — esqueci de comentar isso. Inclusive, tanto as bombas
européias do Urenco quanto as japonesas, normalmente, trabalham apoiadas por
mancal, com pino. Quando a desenvolvemos, a opção que teve maior sucesso foi a
de levitar o rotor magneticamente. Então, é uma máquina que não tem nenhum
contato, é eletrônica. Talvez por causa disso seja de manutenção muito mais fácil.
Várias válvulas, principalmente as de autovácuo, chegamos a desenvolver no
País. Como também trabalhamos com carbeto de boro, agora estamos
desenvolvendo um projeto para proteção balística, principalmente para aeronaves.
Aviões do SIVAM devem usar proteção balística com esse carbeto de boro. Uma
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pastilha dessas no mercado internacional custa 56 dólares, mas a estamos
produzindo bem mais barato.
Análise de choque, ruído e vibração não existia. Não há essa mentalidade em
projetos brasileiros. Qual a conseqüência quando determinado equipamento
explode? O que acontece com os outros equipamentos vitais? Normalmente, essa
análise não é feita, mas temos condições de realizá-la.
Análise de desempenho de instalações de potência. Essa é uma planta para
teste de equipamento de potência, que também não existia no Brasil. Testamos as
turbinas e os geradores, todos fabricados no Brasil pela indústria brasileira, o que
está pronto para aquele laboratório de geração nucleoelétrica.
Projeto de fabricação de vasos de alta pressão. Isso aqui é só para dar mais
ou menos uma visão. Já vou concluir minha exposição.
Análise de segurança. Fomos um dos primeiros a trabalhar com análise de
segurança e usinagem de precisão de componentes de grande porte.
Proteção ambiental. Temos dois trabalhos pioneiros no Brasil nessa área. Um
desses projetos usa uma pequena planta. O pólen dessa planta é analisado. Assim,
consegue-se detectar, com razoável grau de precisão, a poluição do ar. Isso é
considerado internacionalmente.
O outro projeto usa uma pulga d’água, um organismo vivo, chamado Daphnia
similis. Ela é bem sensível a qualquer mudança no ambiente líquido em que vive. A
bióloga a mantém em laboratório. Assim, quando se quer definir o grau de toxicidade
de certa substância, pingam-se gotas desta em uma quantidade líquida até que se
mate metade das pulgas. Ou seja, essa bióloga é uma grande assassina de pulgas,
mas ela consegue fazer um trabalho reconhecido por várias entidades públicas e
privadas.
Era isso o que tinha a apresentar nesta palestra. Daremos oportunidade aos
outros para que se pronunciem também. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Quero parabenizar o
Contra-Almirante pela sua exposição. Possibilitou a esta Casa conhecer a
potencialidade brasileira.
Concedo a palavra ao Dr. Carlos Roberto Liboni, Vice-Presidente da FIESP.
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O SR. CARLOS ROBERTO LIBONI - Agradeço ao Sr. Presidente, à
Deputada Zulaiê Cobra e a todos os companheiros que me honraram com o convite
para participar deste evento.
Não sou especialista da área nuclear, por isso devo evitar falar tecnicamente.
Não quero ser repetitivo, porque certamente muitos dos meus companheiros tratarão
dos benefícios das radiações e da tecnologia como um todo. Seria menos
competente do que eles para falar de aplicações, de detalhes. Prefiro, como
industrial, usuário das tecnologias e mesmo como 1º Vice-Presidente da FIESP,
resumir o meu discurso. Inicialmente, quero dizer poucas palavras de advertência.
Observando o universo das nossas indústrias e das nossas necessidades,
catalogadas especialmente nas indústrias do Estado de São Paulo, a indústria de
que precisamos para construir o País que queremos não funcionará com a energia
que aí está. Devemos utilizar o potencial conhecido da energia disponível no País.
Precisamos “inventar” — entre aspas — energia, sob pena de ficarmos, de alguma
forma, literalmente apagados no futuro, em diversos sentidos.
Ainda que superficialmente, além, é óbvio, do aspecto energético, a
tecnologia nuclear é um fator de globalização na indústria, é uma variável da
competência industrial na inserção universal dos nossos produtos.
As radiações alcançam, dentro do universo da indústria, expressiva
participação em nossos fatores de produção, do tipo qualidade, produtividade e,
sobretudo, competitividade.
Não vou ficar desfiando exemplos. Acho que é desnecessário ficar falando
disso, porque todo mundo sabe dos benefícios. E é provável que serão fartamente
comentados pelos especialistas.
Eu tomaria como um bom exemplo do que significa essa particular variável da
produção brasileira o aspecto da tecnologia de exploração de águas profundas da
PETROBRAS. Certamente essa competência instalada não seria exatamente como
é se não houvesse os recursos da tecnologia nuclear à disposição.
Além dessa advertência, fundamentalmente aquela da qual eu poderia falar
como usuário de tecnologia, eu me sinto na obrigação de tentar contribuir um
pouquinho, talvez mais pelo fato de me qualificar como industrial caudatário desse
setor. Acredito que eu seja, na verdade, o caudatário de novas tecnologias e, de
alguma forma, um sobrevivente delas. Então, fico mais à vontade para falar na
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condição de industrial que de alguma forma se envolveu com a tecnologia e dela se
beneficiou, do que efetivamente de um usuário de energia pura e simplesmente.
Nessa condição, tenho com vocês uma prosa um pouquinho mais informal,
que inclui contar casos. Quero citar 2, para dar testemunho acerca da importância do
fortalecimento econômico e institucional dos programas, a exemplo do caso
brasileiro, mas de outros também, que conseguem realizar um trabalho de arraste
tecnológico e industrial desesperadamente necessário para o País. Eu diria que ele
é fundamental, especialmente do ponto de vista social, devido ao significado
extraordinário em termos de empregos qualificados.
Vimos recentemente que o perfil do desemprego no Brasil muda. O
desemprego qualificado se torna cada vez mais importante, e uma forma de resolver
isso é efetivamente qualificando as disponibilidades das vagas.
Vou, na verdade, tentar servir como testemunha desse projeto. Vou contar 2
historinhas próprias da minha empresa — infelizmente, serei obrigado a fazer um
comercial aqui. Depois, com base nelas, quero falar de 2 fatos e dar 2 sugestões.
Esse é o escopo da minha tentativa de contribuição: 2 historinhas, 2 fatos
decorrentes e 2 sugestões.
A historinha nº 1 e a historinha nº 2 acontecem basicamente no mesmo
período, de 1982 a 1985, mais ou menos.
A primeira delas, na NUCLEBRÁS, que tinha na época o acordo com a alemã
KWU para Angra e tinha o — entre aspas — “esforço” para se nacionalizar ou para
elevar o conteúdo nacional dentro da construção. Havia, então, uma divergência
muito grande do ponto de vista de quem queria realmente fazer esse esforço de
nacionalização e daqueles que não queriam. Existia um domínio, do ponto de vista
tecnológico, por parte dos técnicos alemães. O projeto era gerenciado, na verdade,
por eles. E havia também 2 grupos diferentes, do ponto de vista tecnológico ou
filosófico. Quer dizer, havia o que estava concentrado na COPESP, estadual, e o
que estava em Angra, com a KWU e a NUCLEBRÁS.
Diante desse compromisso de fazer a nacionalização, nós sofremos um
tremendo boicote, de toda a natureza, um terrorismo tecnológico. Houve uma
tentativa fortíssima de vender a incompetência como uma das características da
nossa indústria. Havia barreiras regulatórias. Qualquer tipo de tentativa de se
aproximar de um projeto de nacionalização batia nas barreiras de certificação etc.
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Entretanto, dentro dessa historinha, havia algumas pessoas vinculadas ao
esforço extraordinário de nacionalização. Eram brasileiros competentes. E nós
acabamos desenvolvendo alguns produtos e oferecendo-os para a NUCLEBRÁS na
época.
Nós conseguimos fazer as certificações no Brasil através do CDTN, através
do CEPEL. E nós conseguimos colocar uma centena de produtos nas unidades de
Furnas. Entramos em Itaipu por tabela. E conseguimos nacionalizar um pouquinho o
projeto deles.
Eu diria que essa primeira tentativa foi de certa forma frustrante, embora
tenha havido algum sucesso, porque o controle nacional era realmente relevante.
A historinha nº 2 aconteceu com a COPESP, hoje CTM. Nós tivemos a
possibilidade de participar do esforço de Aramar e do submarino. As dificuldades
eram de outra ordem. O projeto tinha uma característica militar. Muitas pressões
aconteciam internamente, politicamente sobretudo. Havia algumas pressões
internacionais também. Mas as pressões eram diferentes. Internamente, nós
sentíamos uma extraordinária vontade de que aquilo fosse realmente um projeto
brasileiro e que tivesse um controle nacional expressivo.
Havia ali também pessoas extraordinárias viabilizando esse conteúdo,
tentando “tropicalizar” inclusive os produtos que eram desenvolvidos.
Nós logramos também fazer produtos para essas aplicações. Desenvolvemos
alguns transmissores, controladores digitais. Esse foi o nosso trabalho nesse projeto.
Ele foi extremamente gratificante, tinha conteúdo nacional bastante
expressivo e era um extraordinário começo para desenvolver uma boa tecnologia.
Nessa época, a empresa tinha algumas dezenas de funcionários.
Eu me lembro perfeitamente quando o Almirante Othon nos procurou. Ele
descobriu a potencialidade da nossa empresa para desenvolver alguma coisa no
projeto, identificou-a, fez propostas para que pudéssemos acelerar o processo de
desenvolvimento. E as tecnologias foram brotando em função disso.
Bom, essas são as 2 historinhas. Quer dizer, uma em que a gente conseguiu
desenvolver alguma coisa com Angra; outra, em que a gente conseguiu desenvolver
alguma coisa com os projetos da Marinha.
Agora, os fatos.
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Quais são os fatos que sobraram disso? O primeiro fato extremamente
positivo é o resultado, que demonstra o sucesso do programa.
E aí eu preciso falar um pouquinho do que aconteceu com aquelas 2 ou 3
dezenas de funcionários que eu tinha e com aquele extraordinário esforço que
fizemos para uma pequena nacionalização na época.
A nossa empresa, depois de 20 anos com 2 ou 3 dezenas de funcionários,
passou a oferecer 1.200 empregos. Hoje, nós somos 1.200. Desse total, 170
funcionários dedicados exclusivamente à pesquisa e ao desenvolvimento, vocação
nascida daquele exercício que fizemos em conjunto com a Marinha. Aqueles
produtos desenvolvidos com a Marinha foram os primeiros que abriram os canais de
exportação da empresa e que lhe permitiu ingressar no mercado internacional. Hoje,
ela exporta para mais de 60 países essa tecnologia de ponta, inclusive com
transferência de conteúdo tecnológico. Instalamos subsidiárias de transferência em
mais de 10 países. Temos a liderança mundial de uma tecnologia de ponta na área
de redes digitais de automação industrial. Somos hoje detentores de uma boa
posição no ranking de patentes industriais registradas nos Estados Unidos. Quer
dizer, trata-se de uma empresa que ousa ter um pouco mais de 40 patentes
registradas nos Estados Unidos até agora. A empresa foi assunto de editorial de
dezenas de revistas especializadas no mundo inteiro. Nós somos case de capa de
pelo menos umas 10 revistas de publicações técnicas. As 2 principais da Europa e
dos Estados Unidos se referiram a nós. Temos dezenas de prêmios internacionais
por inovação tecnológica e de prêmios nacionais de desenvolvimento tecnológico:
FINEP, AEB etc. Temos pelo menos 2 ou 3 dezenas de funcionários premiados
internacionalmente por papers produzidos. Somos certificados pela ISO-9001 desde
2002. Temos certificados registrados na maioria dos países europeus e asiáticos e
nos Estados Unidos. Temos uma extensa lista de clientes e parceiros a quem
transferimos tecnologias — a Rockwell Automation , nos Estados Unidos, é uma
delas. Temos clientes como a Shell, Texaco, Dow Chemical etc.
Há 2 fatos que eu gostaria de citar, para dizer-lhes por que somos gratos e
nos sentimos extremamente devedores, e por isso faço este testemunho: aquele
transmissor que desenvolvemos com a Marinha brasileira e lhe oferecemos
pioneiramente é hoje o transmissor que fornecemos à marinha americana. Esta
opera com os transmissores que a Marinha brasileira nos ajudou a desenvolver.
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Além deles, a rede digital está colocada na parte de diesel dos porta-aviões
americanos. Portanto, estes têm sistema de controle brasileiro.
O segundo ponto que gostaria de ressaltar como forma de agradecimento e
de incentivo para que esse programa seja realmente do País, e não só da Marinha,
diz respeito àquele percentual pequeno que colocamos em Angra, em 1984, com
alguns instrumentos ali dentro. Tais instrumentos são os mesmos que fazem a
automação praticamente inteira de 3 usinas nucleares da Duke Energy, nos Estados
Unidos.
Trouxe transparências, porque imagens falam mais forte do que palavras. Eu
gostaria que passassem rapidamente.
(Segue-se exibição de imagens.)
Essa é uma apresentação do Michael Miller, responsável pelo projeto de
revamp desses 3 reatores da usina nuclear deles. E aqui ele faz uma apresentação
num dos congressos americanos de energia nuclear.
Aqui mostro estrategicamente o que os Estados Unidos estão fazendo hoje.
Isso foi apresentado por eles, embora seja confidencial, mas estamos entre amigos.
Eles estão colocando o plano de relicenciamento das usinas mais antigas. Eles
estão colocando 10 plantas que estão correntemente relicenciadas, ou seja, essas
plantas serão revampiadas, com novas tecnologias para trabalhar mais 20 ou 30
anos. Eles estão renovando todas as usinas nucleares com 30 anos de idade para
trabalhar por mais 30, ou seja, eles estão na perspectiva de 2030 ou 2040. E estão
colocando, dentro desse plano de revamp, de 25 a 40 plantas, que deverão ser
relicenciadas nos próximos 10 a 15 anos. Isso mostra um pouco da argumentação
sobre o que é energia nuclear nos Estados Unidos.
Esse é o impacto que esse relicenciamento coloca dentro das tecnologias das
usinas nucleares. Primeiro, os upgrades, quer dizer, como eles vão fazer para
trabalhar com tecnologias mais modernas e as decisões estratégicas de como fazer
esse revamp.
Esses são os fatores básicos por meio dos quais eles vão interpretar as
decisões sob o ponto de vista tecnológico do revamp. Trata-se de uma tentativa de
enxergar, num futuro longínquo, quais as tecnologias que vão existir daqui a 30
anos, por exemplo. Vão escolher por tecnologias de fronteira. Enfim, são esses os
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sistemas globais, baixo custo de suporte e instalação, enfim, são essas as variáveis
que eles estrategicamente admitiram para realizar as decisões.
Neste slide eles estão especificando cada uma dessas variáveis.
Aqui mais à frente é a determinação estratégica que eles finalizaram no seu
projeto, dizendo que tinham 5 potenciais fornecedores no início, que se resumiram
em 3 finalistas, 2 com reais capacidades de tecnologia fieldbus. Selecionaram a
Smar, empresa brasileira a que me referi, devido à capacidade superior e habilidade
de oferecer customização específica da planta.
Outro slide. Para o primeiro quarto de 2002, eles fizeram a compra com a
Smar.
Trouxe esses slides para mostrar um pouco do que resultou desse esforço da
Marinha e da Smar em trabalharem juntas nesse projeto. Agora, esse arraste
tecnológico-industrial é mais de curto prazo do que o domínio de tecnologias
nucleares no longo prazo. Isso acontece no dia-a-dia do projeto. No primeiro mês de
um projeto dessa natureza, já se podem ter avanços industriais, geração de
empregos.
Isso aqui são reflexos naturais de um projeto de arraste, que traz benefícios
para a sociedade, sob o ponto de vista de emprego qualificado, de novas
tecnologias, de qualidade, de competitividade internacional. Isso está no bojo do
projeto e tem resultado imediato.
Resta um fato triste, o segundo que eu gostaria de trazer-lhes: observamos
que o Brasil descuida da sustentabilidade de uma situação como essa. Acredito que
o Brasil tenha optado, na última década, por uma mudança de política, em que o
desenvolvimento industrial, tecnológico e os programas específicos para tal estejam
fora da pauta de prioridades, o que torna efetivamente novas conquistas mais
rarefeitas e dificulta a sustentação das já obtidas.
Trouxe-lhes uma prova fundamental disso. Por quê? Nessa época em que eu
trabalhava com a Marinha, o CDI fez um trabalho de pesquisa, do qual participei. E
identificamos, junto com a equipe técnica de qualidade da PETROBRAS, da
PETROQUISA, à época, e de mais algumas empresas estatais, 23 empresas
brasileiras com capacidade de desenvolvimento tecnológico e com algum
background tecnológico já desenvolvido. Estamos nos referindo a 15 ou 17 anos
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atrás — um pouco mais, talvez. Tínhamos 23 empresas com conteúdo tecnológico
incorporado.
Recentemente, precisei fazer um trabalho, encomendado a mim pelo PACTI,
do Ministério da Ciência e Tecnologia, e procurei as 23 empresas e identifiquei a
existência de 3 — as outras 20 desapareceram. Eram empresas consolidadas sob o
ponto de vista tecnológico. Perdemos, foram embora pelo ralo. Na época, eram
empresas reconhecidas por muitos usuários de tecnologia. Perderam-se,
lamentavelmente.
Muitos críticos de programas como esse da Marinha utilizam-se de fracassos
dessa natureza para dizer que os projetos não são nossos. Há muita gente que se
refere à parte dessas empresas que desapareceram, dizendo assim: “Para que fazer
um programa desses? Olha o que aconteceu”. Muita gente fala dos programas, por
exemplo, da Secretaria Especial de Informática, da década de 80 como coisas que
prejudicaram o País e não trouxeram nenhum benefício, e demonstram o fato com a
inexistência dessas empresas. No trabalho que fiz pelo CTI, concluí que a coisa é
muito grave, porque o País não está preparado para sustentar as conquistas que
efetua.
Eu trouxe para os senhores algo que não tem muito a ver com a área nuclear,
mas acredito que todos somos um pouco responsáveis pela conquista e sustentação
do que a Marinha venha a colocar no universo brasileiro.
Trago outra advertência: a situação que se oferece hoje às empresas de
tecnologia não há como sustentar, mesmo que se a conquiste.
Existe um gravíssimo tratamento fiscal para quem desenvolve tecnologia no
Brasil. Gostaria de mostrar isso aos senhores e depois apresentar minhas 2
sugestões.
Vamos partir de 2 pressupostos. Para se desenvolver tecnologia, deve-se ter
equipe multidisciplinar, com pessoal qualificado. O que caracteriza equipe
multidisciplinar e equipe qualificada? O que significa você pagar para pensar?
Significa que você tem um componente extremamente maior do que o da mão-
de-obra no perfil de custo das empresas convencionais. O que eu quero dizer com
isso? Que mão-de-obra de quem desenvolve tecnologia e de quem agrega valor é a
maior parte do custo.
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Nesse trabalho do PACTI, identificamos, à luz daquela época em que foram
levantados, alguns valores de referência: a mão-de-obra está mais concentrada em
quem pensa, em quem faz tecnologia, em quem contrata engenheiro, em quem tem
multidisciplinaridade em seus laboratórios do que em quem transfere uma tecnologia
e a monta a partir de peças importadas.
Chegamos à conclusão de que a folha de pagamento do grupo avaliado que
desenvolvia tecnologia era de 42 % do perfil de custos, contra 25% do perfil de
custos das empresas montadoras, e tínhamos referência dos 2 blocos. Em
contrapartida, a matéria-prima agrega valor através da mão-de-obra especializada,
de pensamento, de tecnologias novas de processo, ou seja, agrega-se valor, mas há
pouca matéria-prima. O perfil de matéria-prima é de 24% para quem desenvolve
tecnologia e de 49% para quem tem um perfil convencional.
O que acontece nos encargos e tributos em cima dessas 2 empresas? Em
empresa que desenvolve tecnologia, os encargos sociais têm um alto valor
percentual da folha. Se você tem uma folha maior é porque qualifica melhor seus
funcionários. Ou seja, se você desenvolve tecnologia, se você pensa em produto
novo, você tem encargos maiores, você é penalizado por ter essa qualificação de
pesquisa.
Em contrapartida, a carga tributária é um fator qualquer que multiplica o seu
faturamento e você tem a compensação de parte dos tributos sobre a matéria-prima.
Então, você tem faturamento menos matéria-prima. O percentual disso é a carga
tributária. Quando você faz a diferença entre o faturamento e a matéria-prima, quem
tem mais matéria-prima paga menos impostos; ou seja, a sua carga tributária
também penaliza por você pensar ou por agregar valor. Se você agregar valor,
pagará por isso.
Se considerarmos os números que identificamos nesse conjunto de
empresas, uma empresa que desenvolve tecnologia paga 1,68 vezes os encargos e
1,49 vezes o tributo da que não desenvolve. Então, desenvolver não tem
sustentação. Por quê? Porque é mais fácil para mim importar componentes,
montá-los e fornecê-los ao mercado.
A partir de 1990, isso ficou economicamente possível no País, o que fez que
parte das 23 empresas morressem, 2 ou 3 se transformassem em representantes de
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multinacionais e outras 2 ou 3 continuassem operando com desenvolvimento
tecnológico.
Era só isso que eu gostaria de mostrar.
Trago algumas sugestões, para finalizar. O País deve se conscientizar da
necessidade do arraste tecnológico, do resgate das políticas industriais e de
desenvolvimento. Nesse resgate, deve considerar o projeto nuclear da Marinha e
outros fundamentais, de viabilidade tecnológica, independentemente do problema
energético por que vamos passar e que esse projeto poderá resolver. Os aspectos
tecnológicos e industriais do País precisam passar pelo arraste de projeto.
Os Congressistas e todos aqueles que possam influenciar nos destinos do
País precisam pensar em políticas que desonerem o desenvolvimento tecnológico.
Se não tivermos o desenvolvimento da tecnologia e da produção industrial, não
teremos alavancas das soluções dos problemas sociais, porque elas passam
necessariamente por isso. É muito simples os senhores observarem as guerras no
Oriente Médio. Vemos a diferença de approach tecnológico entre a guerra do Golfo
e a do Iraque, no que se refere aos Estados Unidos. Basta assistir na televisão para
ver o que aconteceu naquele período. Todo aquele avanço tecnológico foi
transferido para a competitividade da indústria. É com esse tipo de avanço que
concorremos quando abrimos o nosso mercado. É com esse tipo de concorrente que
nos sentamos para vender na Europa.
Essa isonomia entre tecnologia e produção industrial na pauta de prioridades
é fundamental para que não nos transformemos em País sem esperança. Essa
possibilidade depende de medidas simples. Por exemplo, isenção de tributos
federais nos laboratórios privados de pesquisa de desenvolvimento, mudança de
eixo dos incentivos em cima só de academia. Pesquisas e desenvolvimento de
laboratórios privados são extremamente competentes, absolutamente vinculados à
necessidade de vender, de fazer coisas factíveis para comercialização externa. Aí
precisa ser aplicada uma isonomia, isolando um pouco a atividade de quem
desenvolve da atividade de quem comercializa; a mesma empresa pode ter pesquisa
e desenvolvimento incentivados de alguma forma e ter sua parte comercial
devidamente tributada, como as demais.
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Exportação de tecnologia agregada. Aquele que exporta tecnologia de ponta
agregadamente — não estou fazendo advocacia em causa própria — tem de ser
desonerado, porque financia a continuidade do laboratório pesquisado.
Não sei se consegui contribuir com os senhores, mas vim a este seminário
com 2 objetivos. Primeiro, dizer que o programa nuclear brasileiro já foi e é
comprovadamente um enorme sucesso. Não dá para entender por que não temos
um reforço institucional em cima dessa imagem. Segundo, todas as conquistas têm
de ser preservadas. A preservação passa pela reflexão e pelas decisões corretas a
respeito daquilo que temos de mais importante, as raras conquistas que temos de
competência tecnológica no País, diante de momentos extraordinários como a
biotecnologia sobre a nossa biodiversidade. Se não tomarmos cuidado, faremos o
mesmo que já fizemos com essas 23 empresas: vamos inviabilizá-las porque não
sabemos tratá-las, e elas também irão pelo ralo.
Peço desculpas por ter saído um pouco da minha pauta, mas eu não poderia
perder a oportunidade de dar a vocês essas mensagens, muito importantes para
mim.
Muito obrigado, e vamos em frente, vamos trabalhar, porque vem muita gente
atrás. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Concedo a palavra ao Dr.
Odair Dias Gonçalves, Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que
falará sobre o impacto de um programa nuclear na ciência e tecnologia.
O SR. ODAIR DIAS GONÇALVES - Agradeço novamente a oportunidade de
participar deste seminário.
(Segue-se exibição de imagens.)
De início, quando me defrontei com o tema, observei um problema intrínseco
praticamente insuperável. Quando falamos em impacto, por definição estamos
pressupondo 2 objetos diferentes, um influenciando o outro, de uma maneira ou de
outra. O problema é que, quando se fala em programa nuclear brasileiro e ciência e
tecnologia, fala-se na mesma coisa. O programa nuclear se identifica com o
desenvolvimento da ciência e tecnologia do País e vice-versa, em particular das
ciências nucleares.
Próximo.
Tentarei me desvencilhar da tarefa abordando alguns pontos subseqüentes.
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Nesta breve introdução, citarei o que foi e o que é o Programa Nuclear
Brasileiro e falarei sobre a identificação entre a CNEN e o que se convencionou
chamar de Programa Nuclear Brasileiro. Comentarei também o impacto nuclear na
ciência e na tecnologia, mas salientando a questão mais sociológica, ou seja, o
significado do Programa Nuclear no quadro de ciência e tecnologia geral do País.
Isso vai ser difícil. Por fim, vou mostrar um pouco dos problemas e riscos
enfrentados hoje pela CNEN, conseqüência de uma desaceleração do investimento
na área nuclear brasileira de maneira geral.
Próximo.
A história do Programa Nuclear Brasileiro começa na década de 50, quando
as atividades estavam centradas praticamente na academia. Ressalte-se aí a
atividade do grupo de Minas Gerais. Existiam pesquisas não dedicadas, pesquisas
realmente acadêmicas, sem um objetivo tecnológico e desenvolvimentista claro.
A partir dos anos 50, começa a haver um controle sobre os minérios
estratégicos e começa-se a pensar numa política nuclear, uma vez que existe a
explosão, no mundo inteiro, da possibilidade de utilização dessa energia — é claro
que em grande parte proveniente das pesquisas feitas durante a Segunda Guerra.
Daí data a criação da CNEN e do CNPq.
Em 1972, já depois de 20 anos, adquire-se o primeiro reator de potência, o
reator Angra I, um reator americano que resultou de um acordo com os Estados
Unidos. A seguir, em 1975, fazemos um acordo com a Alemanha. Data daí o uso da
expressão corriqueira “acordo nuclear brasileiro”.
Como eu disse hoje de manhã, esse acordo prima por ter um enfoque claro
na geração de energia elétrica. Ele começou e, como todo mundo sabe, não se
realizou. Previa, além de 8 reatores, transferência de tecnologia. Era um programa
extremamente ambicioso, mas que, por diversas razões, sofreu atrasos e não atingiu
seus objetivos.
No final da década de 70, o Brasil passa a conduzir um programa autônomo,
desenvolvido em grande parte pela CNEN, particularmente pelo IPEN e pelo CDTN,
em cooperação com a Marinha, na tentativa de obter autonomia na área. Entre 1990
e 1995, vive um período negro a área nuclear brasileira. Praticamente
desaparecemos. A própria CNEN teve aí seu período mais negro no que diz respeito
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a investimentos. Para os senhores terem uma idéia, o orçamento da CNEN caiu para
um fator 6, mais ou menos.
Cada um dos nossos institutos tenta sobreviver da forma como é possível, e
conseguiram manter aquilo que havia sido adquirido. A partir daí começa um
desenvolvimento bastante grande. Em 1995, em particular, o chamado Programa
Nuclear retoma seu crescimento, mas nessa época já se pensava no programa
como uma política nuclear de maneira geral e não simplesmente para geração de
energia.
Hoje, o MCT, do qual faz parte a CNEN, é o órgão governamental
responsável pela política nacional de energia nuclear. Não só a CNEN, mas também
o Sistema de Proteção do Programa Nuclear Brasileiro, o SIPRON, supervisiona os
órgãos de licenciamento e controle, pesquisa e desenvolvimento, além de controlar o
setor industrial voltado para as aplicações pacíficas de energia nuclear do País, em
particular as 2 grandes indústrias brasileiras, ANP e NUCLEP, partes do MCT, sendo
a CNEN a detentora da maior parte das ações das 2 companhias.
A história da CNEN repete praticamente a história do Programa Nuclear
Brasileiro. Em 1951, é estabelecido um monopólio. O CNPq foi o primeiro
responsável por esse monopólio, que a seguir, em 1956, passa para a Comissão
Nacional de Energia Nuclear, que surge como autarquia vinculada à Presidência da
República. Depois passa por diversos órgãos, como Ministério de Minas e Energia,
Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ministério Extraordinário de Projetos Especiais,
em 1999, e, finalmente, entra na estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Próximo.
Nossa missão é garantir o uso seguro e pacífico da energia nuclear e
desenvolver e disponibilizar tecnologias nucleares e correlatas, visando ao
bem-estar da população. Fica evidente que, quando se fala em Programa Nuclear
Brasileiro, fala-se em Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Próximo.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear conta hoje com 2.665 funcionários,
distribuídos por unidades em todo o País. Cabe ressaltar alguns dos nossos grandes
institutos: o CDTN, em Minas Gerais, um dos mais tradicionais na área de energia
nuclear do País; o IPEN, em São Paulo, com cerca de 1.000 funcionários, onde é
desenvolvida grande parte dos radiofármacos e das pesquisas de reatores do País;
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o IRD, no Rio de Janeiro, dedicado ao licenciamento e controle de todas as
instalações nucleares do País; e o IEN, Instituto de Engenharia Nuclear, que, além
de desenvolver a área de radiofármacos, tem prestado grandes serviços na área
nuclear.
Próximo.
Vale ressaltar que 49% dos funcionários da CNEN têm nível superior. Isso
provavelmente é a grande maioria da área de pesquisa em ciências nucleares no
País. Infelizmente, a universidade tem os estudos nucleares. Hoje, poucas detêm
conhecimento de engenharia nuclear, e menos ainda têm grupos de física nuclear
trabalhando. Esse é um dos problemas que estamos enfrentando, e o abandono se
deve em grande parte a uma falta de prioridade dos órgãos de fomento da área
nuclear. Ou seja, o dinheiro disponível nas agências de fomento para a área nuclear
é muito pequeno, o que significa que, se quisermos realmente desenvolver essa
área, uma das coisas a fazer é conseguir ganhar novamente visibilidade junto a
essas áreas de fomento. Estamos trabalhando bastante nesse sentido.
Próximo.
Áreas de atuação. Nós atuamos em segurança e salvaguardas, pesquisa,
desenvolvimento e aplicação, produção de radiofármacos e capacitação de pessoal,
envolvendo não só treinamento, mas também pós-graduação.
Na área de segurança, somos responsáveis pelo licenciamento,
radioproteção, inspeção e controle de todas as instituições que tenham qualquer tipo
de fonte radioativa em suas instalações ou que lidem com qualquer área relacionada
a ciência nuclear em que esteja envolvida a radiação propriamente dita.
Trabalhamos também com salvaguardas nucleares, relacionadas diretamente com
os acordos internacionais. Portanto, está muito envolvida a diplomacia brasileira.
Somos responsáveis por todos os depósitos intermediários da área de rejeitos, o que
nos dá bastante trabalho e nos causa sérios problemas, dada a carência de verbas,
particularmente em algumas épocas. E somos responsáveis também pelo
credenciamento de pessoal. Hoje, os hospitais que trabalham com medicina nuclear
têm de ter um físico médico credenciado. Quem faz esse credenciamento somos
nós. Ou seja, nosso trabalho nessa área é extremamente exaustivo e detalhado,
fundamental para a segurança, uma vez que sempre há o risco de uma segunda
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Goiânia, o mesmo risco que corre qualquer país que trabalhe com tecnologia
nuclear.
Próximo.
Para os senhores terem idéia dos números, na área de segurança,
salvaguarda, licenciamento, inspeção e controle, em 2002 tivemos cerca de 2.300
instalações radioativas examinadas, em termos industriais e hospitalares. Esse é
mais ou menos o número de ações que realizamos nessa área.
Próximo.
Fazemos pesquisa desde reatores até ciclo de combustível, passando por
aplicações de áreas médicas, meio ambiente, indústria, agricultura, físico-químicos.
Ouso afirmar que somos responsáveis por mais de 90% da produção da área
desenvolvida no País, com problemas muitos sérios, que vou abordar logo depois.
Infelizmente, a capacitação está quase exclusivamente na CNEN, no que diz
respeito a pesquisa e desenvolvimento. É claro que existe uma grande parte
trabalhada pelas Forças Armadas, mas essas áreas são específicas, não são áreas
abertas em geral, como é o caso, por exemplo, do estudo de futuros reatores, ou
reatores em tecnologias do futuro. Hoje já se estudam no mundo reatores que vão
ser utilizáveis daqui a 30 ou 40 anos, que seriam a geração 4 dos reatores.
Temos de nos manter bastante atualizados e pensar a questão a longo prazo,
não simplesmente tecnologias que devemos desenvolver e aplicar agora. Não
podemos perder de vista as tecnologias do futuro.
Próximo.
Este quadro é só para que os senhores tenham uma idéia da nossa produção.
Próximo.
A produção de radiofármacos é uma história de sucesso. Grande parte dessa
história é desenvolvida no IPEN, em São Paulo. Não desenvolvemos todos os
radiofármacos existentes no mundo porque não são necessários. Desenvolvemos os
radiofármacos suficientes para todas as investigações e técnicas de aplicações de
medicina nuclear. Radiofármacos são radioisótopos produzidos em reatores ou
aceleradores, aos quais, por meio de um processamento químico, se associam
substâncias que têm determinada ação no metabolismo, certa ligação com algo que
se deseja conhecer, o que nos permite fazer uma investigação bastante detalhada
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em diversas partes do corpo humano ou aplicar a radioterapia — não são usados
apenas para diagnóstico, mas também para radioterapia.
Hoje somos auto-suficientes: 100% da produção de radiofármacos é feita no
País, dentro da CNEN, e grande parte dentro do IPEN.
Aqui consta mais ou menos a nossa produção. Nossa receita hoje é superior
a 23 milhões. Acreditem ou não, isso é um problema. Vou relatar aos senhores mais
à frente o que ocorre, e os senhores verão que, em vez de pularmos de alegria com
esse dinheiro, ele nos está levando à falência. Explicarei qual o mistério pelo qual
isso pode acontecer.
Capacitação de pessoal. Temos mestrado nos 4 institutos do IPEN e também
doutorado. Essas são as áreas de concentração desse programa de pós-graduação.
No IRD, em particular, temos toda a parte de treinamento e educação continuada em
segurança, física médica e dosimetria, as ações de Estado por cuja fiscalização e
controle somos responsáveis.
Representação diplomática é outra área praticamente paralela. O Brasil tem
representante na Agência Internacional de Energia Atômica, por força dos tratados
internacionais assinados. Somos o principal assessor do nosso representante, que é
o Embaixador em Viena, Roberto Abdenur.
Dentro da Agência Internacional de Energia Nuclear são discutidas diversas
ações, inclusive as que se revertem depois em inspeções no Brasil. Essas inspeções
adotam a filosofia geral do tratado de não-proliferação, um tratado estabelecido,
claro, mas extremamente desequilibrado, uma vez que estabelece basicamente que
os países que já são detentores de armamentos e de tecnologia podem continuar
fazendo tudo o que têm feito, enquanto que os que não o são não têm direto de
realizar absolutamente qualquer tipo de pesquisa na área.
Entra-se, então, numa região tenebrosa: a definição do que é realmente uma
tecnologia que ameaça ou que não ameaça. A INB, por exemplo, passa sempre por
uma discussão. Todas as vezes que vamos a Viena temos de discutir os painéis da
INB, que foram chamados de “cortininhas” pela Deputada no começo do seminário.
Essa é uma discussão sempre presente e pode ter conseqüências muito
sérias. Durante muito tempo o Brasil não pôde importar computadores, por exemplo,
porque não era signatário de nenhum acordo desse tipo. Por essa razão, éramos
incluídos numa lista negra, o que nos impedia de adquirir uma série de tecnologias
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fundamentais inclusive para o desenvolvimento de outras como, por exemplo,
computadores de grande porte.
Essa é uma área sensível, nevrálgica, em relação à qual constantemente
temos que tomar atitudes que envolvem inclusive a política nuclear brasileira.
Somos signatários de diversas convenções. Todas as vezes que acontece um
acidente nuclear, por exemplo, uma convenção nos obriga a reportar esse acidente
à Agência Internacional de Energia Atômica.
Fora isso, há alguns tratados. Tlatelolco é um tratado notável, porque cria a
primeira zona livre de armas nucleares do planeta, formada pela América Latina e
pelo Caribe. Em nenhum outro tratado se assume esse compromisso. América
Latina e Caribe foram as primeiras regiões que se declararam livres de armas
nucleares.
Há, ainda, o TNP, que é um tratado polêmico, e o Tratado de Banimento
Completo de Testes Nucleares.
Em particular, temos um tratado muito interessante, que hoje está sendo
usado como exemplo no mundo inteiro. Na verdade, não é um tratado, mas um
acordo quadripartite, que envolve, entre outras partes, o Brasil e a Argentina. Por
meio dele foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de
Materiais Nucleares — ABACC, independente dos 2 países, encarregada de fazer a
fiscalização, a vistoria e a manutenção das salvaguardas. A Agência Internacional
de Energia Atômica achou tão interessante esse acordo que resolveu se unir a ele, e
hoje também é sua signatária.
Esse acordo funcionava muito bem e nos deixava razoavelmente tranqüilos,
sem termos de aderir ao TNP — que, não sei muito bem por que razão, foi assinado
no final do último Governo.
Vou falar um pouco sobre o impacto nuclear. Como disse, é impossível falar
sobre impacto nuclear na ciência e tecnologia, uma vez que — espero ter
demonstrado isso — ciência, tecnologia e área nuclear são a mesma coisa.
Programa nuclear está intimamente ligado a essa área — isso ocorre inclusive no
caso da Marinha, o do desenvolvimento do submarino, especificamente. O
desenvolvimento que existe é todo feito com os princípios e a metodologia da
pesquisa e do desenvolvimento. Portanto, há total paralelo entre as áreas.
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Apenas para citar alguns aspectos, um dos mais importantes é o estratégico.
Ter o Programa Nuclear Brasileiro significa ser participante de um grande projeto e
controlador de uma tecnologia fundamental. Não foi mencionado aqui, mas o projeto
nuclear passou por uma fase de muito baixa popularidade, durante a qual, inclusive,
a Alemanha e a Itália declararam que não teriam mais reatores. Isso tudo está sendo
revisto. Por quê? Porque surgiram novas variáveis, entre as quais, a questão do
carbono e a do efeito estufa.
Hoje, a partir de um acordo assinado no Tratado de Kioto, um dos templos
dos ecologistas no País, decidiu-se pela existência de uma quota de gás carbônico
que cada país poderia produzir, uma vez que esse gás contribui fortemente para o
efeito estufa. Mas há países que já produzem muito mais do que essa quota. Qual é
a solução? A solução é comprar quotas de países que produzem menos gás
carbônico.
Portanto, existe hoje no mundo inteiro um comércio de quotas de gás
carbônico. Devido a isso, chegaremos a um ponto em que se tornarão inviáveis, por
exemplo, as usinas térmicas, que produzem muito desse gás.
A idéia do nuclear volta a ter força, como tecnologia para o futuro,
principalmente porque dentro dela se estudam hoje reatores que produzem menos
rejeitos, eventualmente aproveitáveis, e são muito mais eficientes, além de serem
intrinsecamente muito mais seguros. Esse é um investimento mundial. O que se nota
hoje, portanto, é o ressurgimento da área nuclear, inclusive com o prolongamento da
vida de alguns reatores, como foi dito. Hoje já se fazem algumas trocas de peças
que permitem que reatores, que deveriam ter sua vida terminada daqui a 5, 6 anos,
durem mais 20, 30 anos.
O arraste tecnológico já foi citado pelo nosso colega.
Outro ponto relativo à questão nuclear é a cooperação interinstitucional, que
não é muito comum na área de produção de ciência e de tecnologia brasileira. Hoje,
realmente, a área de ciência e tecnologia disputa muito mais do que trabalha em
conjunto. Já na área nuclear, vemos uma busca de cooperação, uma vez que são
poucas pessoas que nela trabalham no País. Por exemplo, nós e a Marinha estamos
em conversação. A Marinha sempre trabalhou em cooperação com o IPEN, com
indústrias, com a COPI, com programas de pós-graduação no Rio de Janeiro, e em
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Minas Gerais, e é um tipo de trabalho bastante específico dentro da área acadêmica
e tecnológica brasileira.
Formação de recursos humanos. Em toda a área de tecnologia, quando se
forma uma pessoa especialista em desenvolvimento de ciência e tecnologia, ela não
se torna especialista em uma produção de ciência e tecnologia específica, mas um
experto em produção. Não é difícil para uma pessoa especializada em pesquisa e
desenvolvimento passar a atuar em outro campo.
Nas aplicações, os impactos são enormes. O que se consegue hoje, graças
às aplicações de técnicas nucleares, é um acesso muito maior da população, de
maneira geral, às benesses e às tecnologias de ponta na saúde. Na medicina, em
particular, ocorre tal fenômeno.
Esta imagem retrata a questão relativa à aplicação industrial.
Quanto aos reatores e ao ciclo de combustíveis, conforme eu disse, temos
domínio completo, com tecnologia própria, como a do tório, em que desenvolvemos
novos conceitos de reatores junto aos consórcios internacionais.
O último ponto são os problemas e riscos do programa, que, no fundo, são a
razão deste seminário. Estamos aqui reunidos justamente por estarmos passando
por um momento de decisão. Há necessidade de o atual Governo tomar posição
quanto a uma série de pontos. Ficou muito claro, na exposição do Sr. Ministro, que
no Ministério da Ciência e Tecnologia existe uma política definida de apoio à
atividade nuclear. Isso, em geral, não é tão claro, e realmente não há por que ser
óbvio. Portanto, a questão deve ser discutida e deve ser tomada uma posição.
De acordo com o que foi dito pela manhã, não existe nada pior do que morrer
em decorrência de inanição, ou seja, ficarmos esperando a definição de uma
política, aplicarmos esforços e recursos numa variedade muito grande de projetos,
sem que realmente saibamos qual será o nosso status, a nossa posição, por
exemplo, no final do ano. Não podemos ter uma proposta de orçamento no começo
do ano e, ao final do ano, descobrir que esse orçamento não existe mais e que
temos uma dívida feita com base naquela previsão orçamentária inicial.
A dotação orçamentária afeta, por exemplo, as pesquisas. Hoje, infelizmente,
a CNEN praticamente corre atrás da sobrevivência. Todas as pesquisas que
desenvolvemos são feitas com apoio das agências financiadoras, as quais têm
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critérios próprios, que não necessariamente se adaptam à questão nuclear ou à
produção de tecnologia. O risco é a perda da capacitação e da corrida tecnológica.
Temos também problemas com passagens e diárias — os senhores podem
dizer que isso todos têm. No entanto, vou mostrar aos senhores que passagens e
diárias são um problema específico nosso. Trata-se de problema crítico. Na mesma
categoria, entra o quadro de pessoal da área de segurança, que envolve a inspeção,
o credenciamento e o licenciamento de instalações. Conforme disse anteriormente,
somos responsáveis por toda essa parte. Então, se não há dinheiro para financiar
viagens ou se não há pessoas capacitadas para fazerem a inspeção, as instalações
passam a não sofrer controle e a não terem garantida a necessária segurança. É
claro que determinada instituição pode ser absolutamente idônea e continuar a
oferecer a mesma garantia. Mas também pode não ser idônea. Poderemos, então,
estar diante de uma nova Goiânia, devido à falta de verbas destinada a esses 2
itens.
Sobre renovação de pessoal — e já fomos direto para o risco —, o principal
risco é a perda da capacitação instalada. Hoje, num almoço, ouvi um dado confiável,
mas a ser conferido. Não confiem demais. A idade média, hoje, das pessoas que
atuam na área nuclear, é de aproximadamente 53 anos. Isso significa que, em 17
anos, na pior das hipóteses, como se trata de serviço público, essas pessoas serão
compulsoriamente aposentadas. Como não existe renovação de pessoal na área
pública brasileira, principalmente no Ministério da Ciência e Tecnologia e nas
universidades, corre-se sério risco de, em futuro muito breve, haver problema de
continuidade nos projetos desenvolvidos no setor.
Os radiofármacos são uma questão interessante e exemplar. Temos que
achar uma solução, e vamos achá-la. Assim que assumimos a Presidência tomamos
uma posição acerca do tema. Isso merece ser dito, porque o que fizemos é
conseqüência dos modelos adotados.
Conforme eu disse, por volta de 1995, cada instituto resolveu descobrir a sua
capacidade e tentar sobreviver de toda maneira. Foi aí que se desenvolveu a
tecnologia de produção de radiofármacos no País. Essa produção é uma história de
sucesso tão grande que cresce na faixa de 10% a 12% ao ano.
Acontece que pagamos insumos importados. A matéria-prima, enriquecida
para produzir o radioisótopo, que produzirá o radiofármaco, tem que ser importada.
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Fora isso, obviamente, como toda produção empresarial, há a compra de insumos.
Para a aquisição desse material há a compra, literalmente. Após essa compra, há a
venda do radiofármaco, incluindo o lucro. Só que esse lucro vai para o Tesouro
Nacional. No final do ano, o excesso de arrecadação — Verba 250, para quem é
familiarizado com a área — é contingenciado, o que faz manter o orçamento, a
exemplo do que vem ocorrendo com o dos últimos 4 anos.
Ora, com orçamento constante há 4 anos, aumentando o custo de insumo a
10% ao ano, resta-nos fazer o cálculo dos juros acumulados para ver aonde
chegaremos ao final da história. Fatalmente, caso continue assim, estaremos na
falência em aproximadamente 3 ou 4 anos. Claro que deve ser encontrada uma
solução, só que até hoje isso não foi possível. Esperamos, realmente, que, com a
atuação dessa nova equipe no Ministério, consigamos resolver o problema. Mesmo
sendo um modelo exemplar da área de administração pública brasileira, obviamente,
corremos o risco de colapso da produção.
Teremos também de rever a legislação pertinente. Hoje, nitidamente, toda a
legislação, envolvendo esses pontos já citados, está ultrapassada. Discute-se
liberação na produção de radiofármaco para empresas. Vale dizer ainda que as
normas não estão mais adaptadas. Portanto, teremos de trabalhar muito nessa
revisão, que envolve diversos setores, como os Ministérios da Saúde e até o de
Minas e Energia, uma vez que há mineração. Ou seja, teremos de nos adaptar, e de
maneira muito ágil, para que consigamos realmente voltar a um status satisfatório
nessa área.
As soluções, como venho dizendo desde o início, têm a ver com a retomada
de uma política nuclear brasileira. É hora de realmente parar e de tomar uma
decisão. Não dá para continuar do jeito que está; já deixei claro que em 4 anos
ficaremos absolutamente insolúveis. Só não fomos presos antes graças a alguns
pagamentos feitos e a alguns artifícios. Talvez o sejamos antes de encontrar a
solução.
Fora a retomada de política nuclear brasileira, outra solução clara é a
definição sobre Angra III, que não pode continuar. Gastamos dinheiro absurdo com
armazenamento. Nem que seja para resolver jogar tudo no meio do mar, teremos de
tomar uma decisão. O que não podemos é continuar dessa maneira. O Governo
anterior não tomou sequer uma decisão sobre o assunto. Como disse, teremos de
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tomar uma decisão. Não podemos mais continuar gastando milhões de reais
anualmente só para ficar embrulhando peças já armazenadas em Angra.
Outra ponto fundamental é o tratamento dado à política nuclear levando em
conta o seu aspecto estratégico. Não dá para continuar pensando em energia
nuclear como, por exemplo, uma venda de sorvete, ou seja, simplesmente do ponto
de vista econômico ou burocrático, conforme, algumas vezes, conduzimos certos
assuntos na política brasileira. A economia é importante, mas existe a necessidade
de sair um pouco da lógica do lucro, da aplicação e de superávit para pensar num
futuro mais distante. Há, sim, a necessidade de sair dessa lógica da economia
imediatista para pensar um País que realmente se desenvolva, independentemente
de quem esteja no comando.
Outra observação que desejo fazer tem a ver com a revisão do papel da
CNEN e da saúde pública, em particular as áreas médicas e aplicações industriais.
Era o que tinha a dizer.
Coloco-me à disposição dos senhores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Concedo a palavra ao último
palestrante desta rodada, Dr. Luiz Soares, Diretor Técnico da ELETRONUCLEAR,
que falará sobre o impacto do programa nuclear no mundo.
Com a palavra o Dr. Luiz Soares.
O SR. LUIZ SOARES - Boa tarde, senhores.
Apesar de outros pontos terem sido abordados, ficou bastante amplo o título.
Por isso vou me concentrar nos programas de geração elétrica a partir da utilização
de combustíveis nucleares.
Preparei esta exposição pensando na necessidade de uniformizar um pouco
determinadas informações a um público mais eclético. Na verdade, estou vendo a
participação de pessoas conhecedoras do assunto. Perdoem-me, então, se estiver
falando algo desnecessário.
(Segue-se exibição de imagens.)
Do ponto de vista da geração elétrica, o mais interessante é ressaltar que a
partir da propriedade do urânio de receber um neutro térmico e de gerar a liberação
de calor, vamos ter uma situação como a representada nesta figura. Do ponto de
vista da geração elétrica, vamos ter algo que vem sendo aproveitado não para uma
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investigação científica, mas para algo extremamente pragmático, como a utilização
desse calor como fonte quente em uma usina térmica.
As usinas térmicas utilizam essa propriedade para retirar calor. É importante
ter essa qualificação, porque através dela vamos poder conhecer a posição adotada
pelo Brasil e os diferentes programas em curso no mundo. Vamos perceber que
varia o meio de retirada desse calor para de alguma forma gerar energia elétrica.
Se olharmos este quadro em verde, esses reatores PWR, reatores a água
leve pressurizada, vamos observar que representam cerca de 60% das 433 usinas
em operação — esta transparência é um pouco antiga; na verdade, hoje são 441 —,
que utilizam, à semelhança das usinas de Angra I, II e do projeto de Angra III, a irmã
gêmea de Angra II, água leve pressurizada para retirada do calor e entrega na outra
ponta como vapor e geração elétrica.
Então, o reator PWR é representante dessa maior parte. O segundo tipo de
reator é o BWR, que também utiliza água. No entanto, a diferença entre os dois,
como vamos ver mais adiante, está na existência, no PWR, de um primeiro circuito
fechado, em que circula a água que tem contato com o reator; no BWR, o vapor é
produzido diretamente nessa reação, indo para a geração de energia elétrica.
Em termos de tendências para reatores no mundo, esse estágio com os
reatores a que me referi anteriormente, dos quais nos colocamos na posição de
utilizadores da tecnologia PWR, é algo que deve ser preservado ainda por uma boa
fronteira de tempo. Existem 2 linhas de pesquisa: uma, com reatores funcionando
até o período 2010/2020, e outra, cuja tecnologia aponta a possibilidade de entrada
em operação a partir de 2030.
Os primeiros fazem parte de 2 grandes blocos. Na verdade, o setor nuclear
mundial também afunilou a sua capacidade de geração de novos conhecimentos
nessa área. Hoje, há um consórcio internacional que trabalha na produção do
chamado International Reactor Innovative and Secure — IRIS. Trata-se de um reator
modular de menor porte. Seria uma evolução do atual no sentido de determinar nível
de segurança mais intrínseco à sua formação, evitando o controle por
instrumentação tão ativo como o hoje existente. Há também um reator desenvolvido
na África do Sul — o Pebble Bed Modular Reactor —, que trabalha com alimentação
contínua de pelotas de urânio, freqüentemente alimentadas. Esse reator tem um
ciclo de 6 anos em cada parada. Na verdade, ele teria ciclos maiores, o que
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viabilizaria comercialmente sua entrada em operação. Esse projeto, tocado pela
África do Sul, tem previsão de entrada em operação para 2010.
Se avançarmos no tempo, para 2030, vamos trabalhar com 2 alternativas: a
primeira seria um encadeamento desses reatores voltados à produção de energia
elétrica, supercríticos à água pressurizada, que trabalham aumentando a eficiência
térmica, uma evolução do ponto de vista termodinâmico dos reatores aqui
existentes, voltados para geração de eletricidade; e reatores a temperaturas muito
elevadas, basicamente para a produção do hidrogênio, aí entendendo o hidrogênio
como a próxima etapa de combustíveis, eliminando os combustíveis fósseis e,
portanto, a presença e a eliminação de CO2 para a atmosfera.
Este quadro foi importante para mostrar que de alguma forma o domínio da
tecnologia atual, o PWR, é apenas um degrau numa escada que levará à tecnologia
de geração energética absolutamente não poluente, segura e sem geração de gases
na atmosfera. Portanto, não dominar essa etapa seria o mesmo que tentar subir a
este palco sem passar pelos degraus. E o importante é que nós hoje dominamos
essa tecnologia. Pudemos verificar que casualmente as diversas palestras tocaram
no mesmo ponto, e o fio condutor foi o fato de dominarmos e termos quadros
habilitados em diferentes segmentos, como os industriais, os de pesquisa e os de
aplicação industrial. Portanto, é algo que vai nos habilitar para o futuro.
O reator PWR, saindo um pouco da linha seguida pelo Brasil, trabalha com 3
circuitos independentes. O primeiro é o que passa pelo reator, uma figura
temperamental, pois, excitado, libera calor, e quer que esse calor seja controlado. O
que o ser humano aprendeu a fazer foi retirar esse calor. Ao trabalhar nesse circuito
a alta temperatura, como numa panela de pressão, é possível atingir temperaturas
mais altas. Ele passa por outro trocador de calor e nesse outro lado, o externo, é
produzido o vapor, que aciona uma turbina. Daqui em diante, funciona como uma
usina térmica convencional, gerando a eletricidade que vai chegar às residências.
Para trabalhar com o aproveitamento de calor do ponto de vista da geração,
será preciso utilizar elementos combustíveis com urânio enriquecido a 3,5%, algo
bastante diferente de qualquer finalidade bélica. Fica bem nítida aqui a distância
entre o uso pacífico da energia nuclear e a atividade bélica. Lidamos com situações
absolutamente diferentes.
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Para nós — já me referi a isto no início da sessão —, a energia nuclear, do
ponto de vista da geração de energia elétrica, é atendida hoje por 2 componentes
fundamentais: primeiro, ter tecnologia para utilizar, e, segundo, ter disponibilidade de
recursos. Felizmente, somos um País dotado de grande base hidráulica, o que não
nos torna imunes a problemas nessa fonte de geração elétrica, como ocorreu
recentemente com a dificuldade de chuvas, assunto sobre o qual vamos falar mais
adiante.
Portanto, dominar outra fonte que, mesmo sendo complementar ou
coadjuvante, exerça um papel importante na geração elétrica é o que nos dá certa
garantia de não apenas termos potência instalada como a estabilidade do sistema,
garantindo inclusive a atração de novos investimentos industriais.
O Brasil é a sexta reserva mundial de urânio. Apesar disso, temos prospeção
ainda bastante restrita. Não foi necessário avançar mais porque as 309 mil toneladas
prospectadas representariam algo em torno de mil reatores/ano de operação. Então,
é o suficiente para garantir a vida útil das usinas existentes.
O que temos desse ponto de flexão, desse ponto de decisão, é o componente
da escala. E Angra III tem esse componente, a INB, que vai viabilizar toda a primeira
etapa do que foi um ciclo, aquele primeiro degrau que vai nos garantir uma
tecnologia de futuro.
Em homenagem aos seus diretores, vale a pena destacar que, em todo o
ciclo, temos nessas esferas verdes o domínio pleno da INB, nosso melhor
fornecedor. Aliás, também somos seus melhores clientes. Eles dominam diversas
etapas do ciclo, como a mineração, a reconversão, a produção de pastilhas, o
elemento combustível — e se encontra em fase de implantação o enriquecimento.
Portanto, a meu ver, Angra III daria a escala e deixaria a INB com condições
de avançar em vários projetos. Em outras palavras, isso resolveria o problema da
produção de combustível nas unidades de Angra.
A participação da energia nuclear, como frisaram o Deputado Luiz Sérgio e o
Ministro Roberto Amaral, é de 17% em relação a todas as outras fontes no mundo.
Então, se discutimos o problema de energia observando o panorama
internacional, vamos ver que o maior problema se concentra nessa região branca —
e a cor causa certa diferença. Vale dizer que 39% da energia mundial é gerada a
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partir de carvão, com enormes implicações, pela liberação de CO e de CO2 na
atmosfera, além de alguns gases que causam o efeito estufa.
Portanto, a presença do carvão, ainda concentrada em alguns países, causa
grandes danos à atmosfera, e a energia nuclear age como uma esponja desse CO2
liberado, uma espécie de compensador. Se ela representa 17% no panorama
mundial, e se olharmos com uma lupa apenas os países da OCDE, ou seja, os
economicamente mais desenvolvidos, o percentual saltará para 23%. Isso é algo de
que os países mais desenvolvidos economicamente não abriram mão. E aí pouco
importa o dilema — se vende mais porque é mais fresquinho ou se é mais
fresquinho porque vende mais. Na verdade, está intimamente ligada a países
economicamente mais desenvolvidos a presença de uma matriz dotada de
componente nuclear.
Há 441 unidades em operação em 30 países, uma potência instalada de 360
gigawatts, uma energia gerada de 2.600 terawatts/hora/ano, o que equivale a 8
vezes o suprimento de energia consumida no Brasil. Ou seja, o que se produz de
energia nuclear no mundo é o equivalente a 8 vezes o consumo brasileiro.
Aqui, tento caracterizar 2 pontos importantes e, na conclusão, pretendo ser
mais enfático a respeito disso. Primeiro, não se trata de tecnologia ultrapassada,
mas de tecnologia ainda em estágio compatível ao patamar internacional; segundo,
essa tecnologia nos permite avançar em direção às tecnologias de futuro, aquelas
que de alguma forma serão os grandes geradores, os geradores em larga escala.
Não que não reconheçamos, evidentemente, outras fontes, como a eólica e a
solar, que, ao ganharem escala, também terão preços mais competitivos. Refiro-me
a grandes blocos de energia. No Brasil, quanto aos atuais e previstos programas
para aproveitamento da energia eólica e construção de pequenas centrais
hidrelétricas, fala-se em 3 mil megawatts.
Na verdade, a escala a que estou me referindo aqui é muito superior:
primeiro, é algo que está no estágio da arte da tecnologia internacional; segundo, é
algo nos coloca em um patamar de evolução; terceiro, é algo utilizado em larga
escala por países desenvolvidos economicamente, e, como pode ser visto aqui, boa
parte dessas usinas se concentra nos Estados Unidos, França, Japão, Reino Unido,
Rússia e Alemanha. Daí em diante vêm os países com programas agressivos.
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Se verificarmos mais detalhadamente, veremos que esses países eram os
mesmos que já possuíam submarino nuclear. Provavelmente, se observarmos a
relação habitante/energia disponível, veremos que as taxas são altas e certamente
também serão altas as taxas de escolaridade e baixas as de problemas sociais
crônicos. Portanto, há coincidência nessa opção.
O quadro que agora apresento mostra o percentual da geração em relação ao
total da energia elétrica produzida no país. A Lituânia tem participação absoluta
pequena da energia nuclear, mas, como a potência lá instalada também é bastante
pequena, o percentual é alto. Na França, vemos aqui que 78% da energia produzida
é de origem nuclear. Isso terá forte conseqüência quando formos analisar a situação
de alguns países, como a Itália, que, como disse, optou por adiar ou, enfim,
postergar programas nucleares. Hoje, a França é um grande supridor de energia;
boa parte da energia francesa não mais atende o mercado interno, mas é vendida
como commodity para países vizinhos.
O Estados Unidos aparecem com percentual baixo — mas vejam a potência
ali instalada. A produção nuclear corresponde a apenas 20% do total, e são 104
usinas. Só em usina nuclear instalada, porém, a capacidade dos Estados Unidos
corresponde ao dobro da instalada no Brasil, incluindo Itaipu.
Outra questão é a vitalidade do programa. Evidentemente, quando há notícia
acerca da possibilidade de discussão de eventual adiamento de um programa em
país como esse, a repercussão na mídia internacional é muito superior à da
instalação de uma nova unidade na Índia, na República Tcheca ou mesmo no
Japão, curiosamente.
De modo geral, a imprensa gosta de trabalhar com fatos inusitados. Vamos
ver, quando analisarmos o mapa do Japão, que lá é pesada a participação da
energia nuclear. Curiosamente, as cidades que viram o outro lado do uso da energia
nuclear com o lançamento das bombas atômicas — episódio no qual tanto a energia
nuclear como a aviação foram coadjuvantes —, hoje são abastecidas por centrais
nucleares. Refiro-me à Hiroshima e Nagasaki.
Então, aqui temos uma média de 15 unidades novas a cada dois anos.
Nesta transparência vemos 33 usinas em construção. Reparem que a Índia
aparece na frente, com oito usinas, seguida da China, Ucrânia e Rússia. Aqui, outras
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usinas em construção e de alguma forma o progresso físico registrado no último ano.
Angra III não aparece nessa situação.
Passo agora a abordar algo sempre muito forte nesta discussão, quando se
trata de programas mundiais: energia nuclear e meio ambiente. Felizmente, o Brasil
conta com a maravilhosa oportunidade de ter energia hidráulica — e a usamos bem.
Vejam a bacia do Rio Grande, região onde houve o maior desenvolvimento industrial
do País.
Mais uma vez as coisas caminharam juntas: o Brasil começou os anos 60
com 5 mil megawatts instalados e terminou os anos 80 com algo em torno de 55 mil.
Então, houve grande crescimento energético em uma região que também cresceu
industrialmente. Mas fica sempre a dúvida: o que se induziu com isso? Foi a
demanda que puxou novas instalações ou a oferta que possibilitou a entrada de
grandes indústrias, geração de emprego e renda?
O fato é que hoje ainda existem imensos potenciais, e acredito que eles serão
usados em benefício da população e do crescimento. No entanto, vale lembrar que
estou falando da construção de linhas de transmissão da ordem de 2 mil, 2,5 mil
quilômetros. Ao contrário de Itaipu, vamos encontrar aqui obstáculos naturais, como
as florestas. Certamente, será um item impactante do ponto de vista ambiental e
trará outros custos. Talvez a discussão sobre o custo da hidráulica daqui a 5, 10
anos não seja o mesmo do passado, quando os melhores aproveitamentos, os
aproveitamentos mais favoráveis foram realizados.
Até por minha origem — comecei a trabalhar em Furnas —, tenho grande
apreço pelo uso de energia hidráulica. E, diante da situação, de nossa necessidade
de crescer para resolver problemas sociais e integrar economicamente toda a
população, vamos ter de aproveitar tudo. Agora, não podemos acreditar que vamos
construir nas mesmas condições das usinas hidráulicas do passado. Há um custo
ambiental embutido, um passivo ambiental a ser vencido.
Vejamos essa curva que corresponde ao ano de 2001 e que parece meio
estranha. O que estava acontecendo com os nossos reservatórios? Aqui está o
ponto percentual do nível de reservatório da Região Sul/Sudeste no início do ano.
Então, em janeiro de 2001, ele estava em 47%. Com as chuvas de março, cantadas
em música e prosa, o nível atingiu o topo do reservatório; em seguida, caiu, foi
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sendo consumido, até que, no fim do ano, terminou no ponto que será o de início do
ano seguinte.
O que vinha acontecendo historicamente com o Brasil? As curvas sempre
levavam os reservatórios a um nível mais baixo do que aquele com que iniciaram o
ano. Em 2001, o reservatório começou o ano na faixa de 31% do seu nível histórico.
Se essa faixa seguisse o mesmo formato desta curva que chamo "curva camelo", se
ela subisse para cair, iríamos bater um nível abaixo de 10%, o que impossibilitaria
muitas usinas de continuarem funcionando. E ela não caiu exatamente porque
naquele ano a usina nuclear de Angra II começou a funcionar. Sozinha, essa usina é
responsável por mudar o formato de uma curva, salvando a Região Sul/Sudeste de
passar por situação muito mais crítica do que a que atravessou. Isso mostra
claramente o papel complementar, mesmo num sistema hidráulico tão poderoso
como o brasileiro, que tem a representar a área nuclear.
Sobre o impacto ambiental, estamos em processo de realização do EIA-RIMA
de Angra III, um estudo de impacto ambiental que acompanha inúmeras variáveis.
Angra III vai ser construída no sítio já existente da Central Nuclear, que ocupa uma
área de 3,3 quilômetros quadrados. Já temos mapeado tudo o que era possível de
ser detectado como interferência. É claro que a entrada de Angra III, por exemplo,
em termos de volume de água que sai do condensador, deverá merecer um estudo
aprofundado para ver até que ponto isso alterou o que já havia de estudos.
Chamo, porém, a atenção dos senhores para o fato de que as áreas
ocupadas por uma hidrelétrica trazem, do ponto de vista ambiental, problemas de
natureza extremamente superior.
Por exemplo, em Serra da Mesa, última grande usina a entrar em operação, o
reservatório ocupava uma área de 1.784 quilômetros quadrados para uma potência
instalada de 1.275 megawatts. É bom lembrar que uma usina hidráulica trabalha
com fator de carga da ordem de 40% a 50%. Então, na verdade, seria necessário, só
para atender a mesma área já instalada na Central Nuclear de Angra, algo
semelhante a 3 Serras da Mesa, portanto, em algo como 5 mil quilômetros
quadrados de lago.
Em Serra da Mesa foram encontrados índios avá-canoeiro, remanescentes de
um grupo, perdidos numa gruta e em avançado estado de inanição. Obviamente,
Furnas, com toda a responsabilidade social, amparou e teve de enfrentar situações
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como uma discussão com o Senado Federal, uma vez que é matéria exclusiva do
Senado o deslocamento de populações indígenas. E foram encontrados vestígios de
civilizações e dados arqueológicos os mais diversos.
Portanto, toda vez que falamos num aproveitamento desse porte — e
estamos falando de porte expressivo —, vamos encontrar inúmeros pontos de
natureza ambiental a serem estudados e contemplado.
Vamos adiante.
Outro dado da face ambiental que nos favorece é a emissão de CO2 por
quilowatt/hora. Vejam que a usina nuclear para cada quilowatt/hora de energia
elétrica gerado libera algo em torno de quatro gramas de CO2. Se compararmos com
uma usina de carvão, que é, lembrem-se, 40% de toda a energia do mundo,
estamos falando de 955 gramas. Então, esse é um dado bastante expressivo e
bastante forte do ponto de vista ambiental.
Outro dado diz respeito ao transporte, quer dizer, tenho uma usina que tem
necessidade de receber combustível como todas as usinas térmicas. Ora, a mesma
geração de 1.000 megawatts/hora elétricos por ano exige 3 caminhões com 10
toneladas de combustível nuclear. Se fosse utilizado, por exemplo, óleo, seriam
necessários 7 petroleiros de 200 toneladas. Com o gás natural trazido em
metaleiros, como foi em determinada ocasião cogitado aqui no Brasil, seriam quase
6 navios desse porte com 200 toneladas. Portanto, a existência de pequenos
volumes a serem transportados minimiza riscos de eventuais acidentes ambientais.
Esse é mais um fato importante.
Vamos adiante.
O último ponto que me parece importante enfrentar, já que travamos debate
extremamente democrático sobre a área, é a produção de alguns rejeitos de média,
baixa e alta intensidade na geração elétrica com base nuclear. Esses rejeitos
normalmente são acompanhados por toda a vida. Eles têm uma história gravada.
Em cada galão desses que ficam armazenados em depósitos vai o registro do que
foi a sua vida: como ele surgiu, quando foi preservado etc. Esses depósitos são
licenciados pela própria Comissão Nacional de Energia Nuclear e fiscalizados
periodicamente. Recebem toda uma fiscalização internacional.
É óbvio que vamos caminhar para uma tecnologia de futuro que permita
eliminar isso por meio de equipamentos que acelerarão o processo de decaimento,
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e, um dia, esse lixo deixará de existir. Mas o fato é que ele está lá, existe
responsabilidade. E o responsável pela sua guarda pode ser, a qualquer momento,
verificado e punido, caso não esteja fazendo direito.
Esta foto não está bem clara, mas mostra uma típica enchente em que
aparece aquele monte de garrafas PET. Quem é o responsável pelas embalagens
que pararam no leito de um rio ou em um bueiro, entupindo-o e causando muitas
vezes grande drama para pessoas que vivem na região próxima a esses
aproveitamentos de água? Quem produziu a matéria-prima? Quem produziu a
embalagem? Quem envazou o refrigerante? Quem o vendeu? Quem o usou? A
responsabilidade é diluída?
A responsabilidade, todos sabemos, quando é de muita gente, acaba não
sendo de ninguém. E os dramas das enchentes estão sempre comprovando isso,
infelizmente.
O que lhes apresento é algo que tem um nível de risco para a população,
mas, em contrapartida, tem a garantia de uma guarda segura.
Os rejeitos, como disse, estão divididos em 2 grandes blocos. Os de média e
baixa intensidade ficarão, até 2009, num depósito inicial, hoje em fase de ampliação.
Após 2009, ficarão num depósito final, em fase de estudos, objeto de convênio
nosso com a Comissão Nacional de Energia Nuclear, onde o projeto será
desenvolvido.
Mais adiante vou falar no caso americano, onde a área nuclear tem isso como
grande problema. Evidentemente, a construção de um depósito para abrigar rejeitos
de alta intensidade é algo resolvido do ponto de vista técnico, mas exige certa
escala. A construção é de tal tamanho — algumas fotos mostraram isso —, que o
que temos hoje pode ser guardado, em condições de absoluta segurança e
tranqüilidade para o meio ambiente e para os trabalhadores, no interior da própria
usina, numa instalação especial. Muitos dos senhores já visitaram instalação como
essa, mas vou, obviamente, fazer um convite formal às 3 Comissões. A Comissão
de Minas e Energia esteve lá, recentemente.
É obvio que a solução para isso virá ou de uma solução tecnológica que
elimine esse rejeito a partir da queima em reatores ou de algum processo como a
construção de um depósito, a exemplo do que fazem os Estados Unidos. Talvez até
possa haver a eventual transferência desse rejeito para uso de outros países.
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Uma licitação está ocorrendo hoje numa usina da Finlândia. A Rússia, que é
um dos ofertantes, já trabalha com um sistema meio parecido com o leasing-back.
Ela coloca o combustível e, após utilizado, o remove. Certamente surgirão outros
países que oferecerão esse tipo de serviço.
Os resultados tecnológicos. Eu tinha usado o termo “suporte tecnológico ao
processo” para mudar o vocábulo “arrasta”, que ficaria esquisito. Curiosamente,
todos usaram “arrasta”. Não sei se por trauma do Rio, quando ouço dizerem
"arrasta", lembro-me de arrastão.
Na verdade, estou lidando um pouco com quem tem contato com a área
nuclear e tem algum benefício do ponto de vista tecnológico: empresas de
engenharia — e a ASMARE citou isso muito bem. Houve inclusive a participação de
engenheiros de extrema experiência, vindos da antiga NUCLEN, uma das empresas
que formaram a ELETRONUCLEAR; institutos de pesquisa; empresas de construção
civil, que hoje têm gabarito para entrar em construções em qualquer local do mundo
— certamente, há integrantes de empresas de construção que hoje estão habilitados
a entrar em projetos no exterior, tendo em vista o fato de trabalharem num projeto
com o nível de exigência das empresas nucleares —, empresas estrangeiras de
know-how; indústria nacional; universidades; empresas nacionais de engenharia,
que estão praticamente morrendo por falta de grandes projetos, além,
evidentemente, de organismos internacionais.
Qual é a situação hoje — último ponto que vou abordar. Vou listar os
principais países que volta e meia aparecem no noticiário em situações alteradas.
A Alemanha tem grande conjunto de usinas em todos os seus territórios.
Algumas já chegaram ao término da sua vida útil, estão desligadas. Existem hoje em
operação 13 PWR e 6 BWR.
Com relação ao tão propalado processo de desmonte das usinas, na verdade
foi firmado, em 1º de janeiro de 2002, acordo que fixa uma quantidade global de
energia. Atingindo tal quantidade, elas seriam progressivamente fechadas. Cada
reator deveria funcionar em média 32 anos, a partir da sua entrada em operação. Foi
firmado, então, um acordo, em termos globais — não sei explicar como se chegou a
um número, mas se fixou um número nesse acordo firmado com a chancela do
próprio Partido Verde, um dos componentes do Governo na ocasião. A partir do
valor global fixado, foram feitos rateios, por usina, de modo que cada uma teria uma
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vida útil de 32 anos. Internacionalmente trabalha-se com algo em torno de 40 anos.
Então, na verdade, houve redução do tempo previsto.
O fato é que o primeiro fechamento de usina, previsto no acordo para ocorrer
em 2002, não aconteceu. Houve acordo postergando porque, como os senhores
viram, há necessidade de substituição. Há uma quantidade elevada de energia. A
energia produzida na Alemanha é de 160 terowatts/hora/ano. Substituir isso por
blocos alternativos é tarefa bastante difícil. De alguma forma, a sabedoria alemã fez
com que isso fosse diluído ao longo do tempo, evidentemente aguardando novas
tecnologias e inclusive novas composições parlamentares.
Na França existem hoje 58 usinas do tipo PWR em operação e 1 PWR já
desligado. Como disse, o programa da França já atingiu a satisfação do ponto de
vista de conforto energético da população e hoje virou uma grande commodity.
Observem que ela exporta para o Brasil 69 terowatts/hora/ano, o equivalente a um
quarto do consumo total de energia elétrica — um quarto do que o Brasil consome é
produto de exportação francesa —, e exporta para o Reino Unido, a Bélgica e a
Alemanha 14 terowatts/hora. A Alemanha aumentou a importação, já prevendo pelo
menos uma estagnação de programas em curso. A Itália, que enfrentou um apagão
e está em processo de moratória no que se refere à construção de usinas nucleares,
recebe 15 terowatts/hora/ano. A política lá é: pratiquem o pecado fora de casa. Aqui
dentro, ninguém fala palavrão, mas na rua podem falar o que quiserem.
A França, além da participação de 78% na geração elétrica e da venda de
energia elétrica para países vizinhos, contou com a recomendação, aprovada pela
Comissão de Avaliação Tecnológica do Parlamento, da construção do primeiro
reator avançado. Os reatores EPR, os chamados reatores avançados, deverão
substituir os de 900 megawatts, à medida que sua vida útil expire, em 2012.
Portanto, ela já está fazendo um programa de substituição.
Finlândia. Sua quinta usina está em fase de licitação. Esse processo ganhou
ares de forte concorrência internacional. Há muita disputa. A FRAMATONE,
empresa franco-alemã, disputa com os russos. É uma licitação pesada. O início da
construção está previsto para o ano que vem.
Na Holanda, a decisão do Parlamento de descomissionamento da primeira
usina foi revogada, e ela permanecerá em operação até o final da sua vida útil, em
2013.
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A China tem um programa agressivo, que prevê 30 usinas até 2020.
Na Suíça, o fato mais recente ocorreu em maio de 2003. Duas petições foram
rejeitadas em plebiscito. A primeira seria para desligar todos os reatores no prazo de
30 anos e teve 66% de votos contrários. A segunda previa estender por mais 10
anos a moratória de construção de novas usinas. Cinqüenta e oito por cento votaram
contrariamente à proposta. A Suíça, hoje, portanto, não tem restrição quanto a
construir usinas, nem tem data para eliminar os reatores existentes.
No Reino Unido, 22% da energia é de origem nuclear. Eles decidiram
trabalhar o aumento da licença de vida útil das usinas.
Já me referi ao Japão. Hiroshima e Nagasaki ficam nessa região e são
abastecidas por uma das 23 PWR ou por uma das 27 BWR. Estamos falando de 50
usinas nucleares.
Nos Estados Unidos, vale a pena observar, todas as regiões têm forte
distribuição de usinas nucleares — o número de usinas era tão grande que poluiu
visualmente o quadro anterior, de forma que fomos obrigados a desmembrá-lo em
regiões.
Também vale a pena citar uma forte mudança no cenário dos Estados
Unidos, na última década. Nos anos 90 praticamente ninguém falava sobre novos
projetos de usinas nucleares. O foco estava nas questões de licenciamentos, que
eram extremamente complicados. Já se falava muito em descomissionamento das
usinas. Havia previsão de que metade das usinas seriam desligadas de forma
permanente até 2015. Essa situação evoluiu. Hoje, no cenário real, houve aumento
de praticamente 40% na geração de energia por usinas nucleares, já que tem havido
grande investimento e melhoria de desempenho. As usinas estão trabalhando muito
com aumento de performance e aumento de potência. Esse aumento de potência
acompanha o aumento de extensão de vida. Hoje o programa mais intensivo já é
motivo de pedido de licenças por várias usinas — e 16 dos quais já foram
concedidos —, para se estender por mais 20 anos. Então, eles estão sendo
duplamente agressivos: tentam estender a vida e fazer isso com mais potência, o
que evidentemente é bom para eles.
O Senado também aprovou garantias para o financiamento de 50% dos
recursos necessários à construção de 6 reatores avançados. É bastante nítida a
estratégia americana neste momento: estender a vida e aumentar a potência do que
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já existe e destinar recursos para a pesquisa, como o Prof. Odair comentou. Eles
estão entrando com 50% dos recursos necessários a 6 reatores de padrão
avançado; estão trabalhando com projetos com competitividade de custo em relação
a gás e carvão, com nova geração de reatores, com um licenciamento simplificado
— a idéia é licenciar a usina padrão e, depois, somente o lugar — e com o depósito
definitivo de rejeitos.
Esse depósito, cujo licenciamento já está em andamento, com previsão para
já estar licenciado em 2010, será construído em Yucca Mountain, que fica a
aproximadamente 150 quilômetros de Las Vegas. Aqui temos uma foto do local, que
foi usado, no passado, em testes armamentistas. O depósito será todo feito no
subsolo. O problema aqui é que o subsolo é federal, o solo é estadual e se situa em
reserva indígena. O licenciamento é complicado, mas tem prazo para terminar.
Acredito que ficou bastante ressaltada a importância da participação da
energia nuclear no suprimento no mundo, o estímulo que ela dá a outras áreas do
conhecimento tecnológico, a contribuição ambiental e o fato marcante de ser uma
alternativa chave para o domínio das tecnologias futuras.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Sérgio) - Ao término desta primeira
parte, agradeço aos senhores a contribuição que trouxeram.
Antes, porém, quero dizer que o Contra-Almirante nos informou que em 2003
completam 50 anos da vinda do Almirante Álvaro Alberto à Câmara dos Deputados
para fazer uma exposição inicial sobre o Programa Nuclear Brasileiro. Espero que
estejamos aqui também escrevendo um capítulo que possa ficar marcado na nossa
história de desenvolvimento.
Mais uma vez, agradeço aos senhores a exposição.
A meu ver, não podemos fazer uma contraposição dos sistemas nuclear
versus hidráulico, hidráulico versus eólico, eólico versus solar. Precisamos
desenvolver todos eles e utilizá-los de acordo com as necessidades e os interesses
nacionais.
O Brasil tem 2 caminhos a seguir: crescer ou crescer. Para que isso ocorra,
indiscutivelmente, precisaremos ter oferta de energia que garanta esse
desenvolvimento. Para garantir essa oferta, necessário é levar em consideração
todos os projetos existentes que podem, a médio prazo, nos fornecer essa energia.
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E posso lhes assegurar que, entre as alternativas que temos, a que se encontra em
estágio mais avançado é a usina Angra III.
Diante disso, que este seminário seja o farol que nos iluminará no momento
de tomarmos a decisão que vai inserir o País, com autonomia, independência e
soberania, no contexto da geração de energia, de que tomamos conhecimento pelas
exposições feitas há poucos instantes.
Mais um vez, agradeço a todos.
Faremos agora um rápido intervalo. Logo após, daremos início à outra Mesa,
tão importante quanto a que acabamos de encerrar. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado José Janene) - Dando continuidade aos
trabalhos, convido a tomar assento à mesa o Dr. Cláudio Rodrigues, Diretor do
Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares; o Dr. Alfredo Tranjan, Diretor de
Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear; e o
Comandante Adolfo de Aguiar Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da Reserva da
Marinha do Brasil.
É motivo de grande satisfação participar deste seminário representando o
Presidente da Comissão de Minas e Energia e a própria Comissão, na condição de
mediador do painel sobre os aspectos sociais da retomada do Programa Nuclear
Brasileiro.
Cumprimento, inicialmente, os expositores convidados para este painel: Dr.
Cláudio Rodrigues, Diretor do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares; Dr.
Alfredo Tranjan, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de
Energia Nuclear; Comandante Alfredo de Aguiar Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da
Reserva da Marinha do Brasil.
O tema da retomada do Programa Nuclear Brasileiro desperta paixões, dada
sua importância e relevância para o setor energético brasileiro, razão pela qual o
Poder Legislativo não pode furtar-se a esse debate. Nossa satisfação aumenta na
medida em que a Comissão de Minas e Energia é co-promotora deste evento, junto
com a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, presidida pela
Deputada Zulaiê Cobra, e com a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática, presidida pelo Deputado Corauci Sobrinho.
Na parte da manhã, ouvimos as declarações serenas e seguras de S.Exa. o
Sr. Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães
Carvalho. No mesmo diapasão e também com indisfarçável patriotismo, ouvimos
S.Exa. o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, Dr. Roberto Átila Amaral Vieira, e
outros oradores que, sem dúvida, mostraram que sabem onde pisam.
Franco domínio da matéria mostrou meu colega de Comissão, Deputado Luiz
Sérgio, vibrante defensor do Programa Nuclear Brasileiro.
Agora à tarde, sob a mediação de S.Exa., vimos desfilar argumentos,
ponderações e pontos de vista de ilustres conferencistas. Foram levantadas, na
Mesa anterior, todas as nuanças do Programa Nuclear Brasileiro sob o aspecto
político.
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No prosseguimento dos nossos trabalhos, ouviremos renomados cientistas
que abordarão a energia nuclear agora sob o ângulo social.
E o uso da energia nuclear sob o aspecto social abrange duas vertentes. Em
ambas o alcance é notável. Na área da medicina, da agricultura e da indústria, a
repercussão é tremenda. Na área da geração de eletricidade, o funcionamento de
mais de 400 usinas não é menos digno de registro.
Na outra vertente, o risco que encerra sua má aplicação: o desconhecimento
da natureza nuclear por grande parte da sociedade em mais de meio século de
bombardeio, por intermédio da mídia, criando um quase pânico. A possibilidade de
servir à política armamentista impôs grande resistência, principalmente nas camadas
menos avisadas da sociedade, ao seu aproveitamento em nosso País.
Na França, sem dúvida uma das nações mais desenvolvidas do mundo, a
energia nuclear concorre com 78% da eletricidade gerada. Em todo o mundo, como
já foi salientado aqui, a participação da energia nuclear na produção de eletricidade
é de cerca de 17%.
Como enfrentar o medo irradiado pelas potências detentoras da bomba?
Como evitar acidentes causados pelo mau uso? Quais as medidas a tomar? Qual o
caminho a ser percorrido? É o que veremos neste seminário com a apresentação
dos palestrantes desse próximo quadro.
Em nome das Comissões, agradeço a todos a presença e passo a palavra ao
primeiro expositor, Dr. Cláudio Rodrigues, Diretor do Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares — IPEN, que falará sobre o impacto do programa nuclear
na Medicina e na Agricultura.
O SR. CLÁUDIO RODRIGUES - Agradeço à Comissão e ao Deputado José
Genoíno a oportunidade de contribuir, junto com os demais palestrantes, com a
discussão sobre assunto tão apaixonante, que é a energia nuclear.
Inicio minha apresentação com uma pergunta: podemos viver sem os
benefícios das aplicações da energia nuclear? Quais são os reais benefícios das
aplicações da energia nuclear, entendida como no power energy?
Oradores que me antecederam já falaram a respeito da importância da
energia nuclear sob o ponto de vista de geração de eletricidade. Vou ater-me às
aplicações não-energéticas da energia nuclear na área da saúde, nos agronegócios
e na área industrial, entre outras. E são visíveis as aplicações da energia nuclear.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Esses usos geram, ou geraram, nos Estados Unidos, segundo relatório de
1995, 4,4 milhões de empregos e movimentaram um mercado de 421 bilhões de
dólares — esses números são cerca de 4 vezes superiores àqueles da área nuclear
energética. Isso mostra como estamos envolvidos nessa área em termos
econômicos e de geração de empregos.
Detendo-me no cenário das aplicações médicas — embora tenham sido
mencionados alguns dos seus envolvimentos, falarei sobre a área de radiofármacos,
materiais radioativos usados na Medicina Nuclear para diagnósticos e terapias.
O mercado norte-americanos de radiofármacos, esses insumos radioativos
para diagnóstico e terapia, movimentou, em 1996, 531 milhões de dólares em
materiais para diagnóstico e 48 milhões de dólares em materiais para terapia.
De acordo com a perspectiva de evolução desse mercado, chegaremos a
2010 com cerca de 3, 3 bilhões de dólares como resultado econômico do comércio
de radiofármacos para diagnóstico e outros 4 bilhões de dólares como resultado do
comércio de radiofármacos para terapia. Os números são impressionantes.
As aplicações desses produtos não ocorre somente na área de oncologia,
como muitos entendem. Quando se fala na aplicação de energia nuclear em saúde,
imediatamente nos remetemos à radioterapia, mas é aplicada em outra área, a
Medicina Nuclear. Como vemos aqui, a cardiologia representa 46% desse mercado
e a oncologia 34%.
O mercado mundial de radiofármacos nas diferentes regiões do mundo: os
Estados Unidos, com os 531 milhões, representam cerca de 50% do comércio de
radiofármacos; a Ásia, 26%; a Europa, cerca de 20%; a América Latina, cerca de
2,5%.
O mercado de radiofármacos se espalha em todo o mundo com resultados
impressionantes, sem levar em conta os aspectos sociais e benéficos para a
sociedade em termos de diagnóstico e de terapia, e ainda os resultados
econômicos.
Falemos agora sobre aplicações na agricultura ou no agronegócio. Segundo a
FAO, 25% de toda a produção de alimentos é perdida em conseqüência de
processos de infestação, contaminação e decomposição. Cerca de 7 mil mortes e de
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24 milhões a 81 milhões de casos de diarréia são causados em todo o mundo por
doenças originadas por alimentos contaminados por bactérias patológicas.
As perdas econômicas associadas às doenças originadas por alimentos
contaminados são estimadas pela Food and Drug Administration dos Estados
Unidos entre 5 bilhões e 17 bilhões de dólares por ano.
No caso específico das aplicações na agricultura, a irradiação de alimentos,
alternativa ambientalmente favorável ao tratamento e desinfestação, é uma
tecnologia altamente favorável e tem recebido atenção em todo o mundo. Hoje 40
países comercializam alimentos que, em certo grau, foram irradiados pelo processo
que utiliza energia nuclear.
A figura colorida da tabela mostra todas as regiões do mundo onde de alguma
maneira se comercializa alimentos irradiados. Apesar do interesse e das vantagens,
um fator que influencia o potencial do crescimento dessa tecnologia para tratamento
e desinfestação é a compreensão e a aceitação pública.
É importante esclarecer alguns fatos que chamo de ficção e realidade. Os
alimentos irradiados não se tornam radioativos. A irradiação não afeta
negativamente a qualidade nutritiva dos alimentos. A ingestão de alimentos
irradiados não conduz ao desenvolvimento de cromossomos anormais. A irradiação
não torna comestíveis os alimentos decompostos. Existem medidas para controlar o
processo de irradiação, assegurando tratamento adequado aos alimentos. Alimentos
irradiados já estão sendo vendidos em caráter regular em diversos países, conforme
recente levantamento da Agência Internacional de Energia Atômica.
Nesta figura vemos uma consumidora comprando morangos irradiados num
supermercado da França.
Vamos continuar a falar sobre as aplicações da energia nuclear em relação à
esterilização de produtos farmacêuticos e hospitalares, além da irradiação de
alimentos a que me referi. Nos Estados Unidos cerca de 5 milhões de toneladas de
produtos, como hambúrgueres, são irradiados e comercializados em 11 mil
supermercados por ano. Na Rússia, uma instalação industrial em Porto Odessa
irradia 2 milhões de toneladas de grãos por ano. No Japão, são 250 mil toneladas, e
só de batatas. O Brasil irradia 100 mil toneladas de soja e seus derivados.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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No mundo, 2,85 milhões de metros cúbicos de produtos médicos cirúrgicos
são irradiados, por ano, para fins de esterilização. No Brasil, irradiam-se 40 mil
metros cúbicos por ano.
Existem, em todo o mundo, 180 instalações de grande porte de irradiação de
cobalto — irradiadores de cobalto, obviamente, usam esse metal como fonte de
radiação para efeitos de tratamento ou desinfestação de alimentos e esterilização.
De um total de 9 instalações na América do Sul, 5 estão no Brasil. No Japão há 8, e
nos Estados Unidos há 30.
Aceleradores industriais de elétrons, também usados como fonte de
irradiação para efeitos de tratamento, desinfestação e esterilização, somam mil em
todo o mundo. Dos 16 existentes na América do Sul, 15 estão no Brasil. No Japão
há 280, nos Estados unidos há 300.
Já temos no Brasil 5 irradiadores de cobalto em operação, todos com
capacidade de mais de 1 milhão de curies: temos a Johnson & Johnson, em São
José dos Campos; temos 2 irradiadores em Cotia, um de 3 milhões e um de 1 milhão
de curies, a EMBRARAD; temos a CBE, em Jarinu, também interior de São Paulo,
com 3 milhões de curies; temos a Tech Ion, em Manaus, com 3 milhões de curies.
Além desses, temos, em construção, 1 irradiador de 1 milhão de curies no IPEN, que
entrará em operação no final deste ano, e outro no Centro de Energia Nuclear na
Agricultura — CENA, da USP – campus de Piracicaba, que entrará em operação em
2005.
Importante mencionar que o irradiador de cobalto em construção no IPEN
será o primeiro de grande porte construído com tecnologia totalmente desenvolvida
no País. Daqui para frente, irradiadores de cobalto instalados no País para
tratamento ou desinfestação de alimentos ou esterilização de produtos médico-
cirúrgicos poderão ser instalados com equipamentos totalmente construídos com
tecnologia brasileira.
Vemos agora a mesma tabela, desta vez relativa a aceleradores industriais de
elétrons. Temos, se não me engano, 15 aceleradores de elétrons já instalados no
Brasil, todos operando para tratamento de alimentos e esterilização.
O IPEN conta com 2 aceleradores industriais de elétrons dos quais também
fazem uso empresas de embalagens, fios e cabos elétricos, mantas para pneus etc.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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O aceleradores têm, portanto, aplicações variadas, tanto na indústria quanto no
agronegócio.
Interrompo a seqüência para fazer um rápido marketing de projeto do IPEN,
no qual estamos fortemente envolvidos. Trata-se de uma unidade móvel de
irradiação por feixe de elétrons. Isso não é uma novidade — aqui vemos um grande
caminhão contendo um acelerador industrial de elétrons da Universidade de Miami.
Os pontos fortes desse projeto são, primeiramente, disseminar a tecnologia de
utilização de aceleradores de elétrons para tratamento de alimentos ou esterilização
e, também, dominar a tecnologia envolvida nesse tipo de instalação.
Outra vantagem: o IPEN já dispõe do acelerador de 500 keVs, doação de
uma empresa de São Paulo. Agora, estamos envolvidos num projeto, junto com a
Agência Internacional de Energia Atômica, para adaptar esse acelerador de elétrons
a um caminhão desse tipo e sair por aí, para, inclusive, participar do Programa Fome
Zero do Governo Federal, porque podemos fazer um tratamento de alimentos in
loco. Não há necessidade de o alimento se deslocar até o irradiador, e, sim, o
contrário.
Em relação às aplicações da radiação no agronegócio ou na área industrial,
no Brasil trabalhamos na difusão dessas tecnologias, na fabricação das máquinas e
na metodologia. Mas, essencialmente verticalizamos na Comissão Nacional de
Energia Nuclear, no IPEN, o trabalho da irradiação propriamente dita.
Isso não acontece na área dos radiofármacos — e, no começo desta palestra,
mencionei em qual mercado eles estavam envolvidos.
No caso de radiofármacos usados para diagnóstico e terapia de várias
doenças, o produtor, praticamente na sua totalidade, em termos dos diferentes
produtos, é o IPEN, instituto operado pela Comissão Nacional de Energia Nacional
de Energia Nuclear. Toda a produção de radiofármacos do IPEN é certificada pela
norma ISO 9001/2000.
Os produtos do IPEN alcançam todas as regiões do País. Eu diria que sua
produção é diária: todos os dias temos um grupo de radiofármacos produzidos no
IPEN e imediatamente distribuídos para os nossos clientes, localizados em todas as
regiões do País. E tem de ser assim, porque muitos dos radiofármacos produzidos
têm vida útil limitada, ou seja, depois de 2 horas, metade da atividade desse material
produzido é perdida. Isso vale para outros radiofármacos, não de 2 horas, mas de 1,
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2 dias. Então, a produção e a distribuição têm de ser diária, porque o hospital não
pode estocar material radioativo para diagnóstico e terapia. Mais de 260 clínicas e
hospitais em todo o Brasil recebem esses materiais.
Na parte da manhã, o Deputado Luiz Sérgio mencionou esses dados, e
também o Sr. Presidente da CNEN.
A figura do quadro mostra que em 2002 a produção de radiofármacos do
IPEN atendeu ou foi responsável por tratamentos e diagnósticos de 2 milhões de
brasileiros. A evolução é fantástica. Se retrocedermos a 1995, estávamos falando de
800 mil pessoas em todo o Brasil sendo diagnosticadas ou tratadas com materiais
produzidos no IPEN. Em 2002, chegamos a 2 milhões de pessoas.
Esse número parece ser fantástico, mas os Estados Unidos, em 1996,
somente com um radioisótopo, o mais importante sob o ponto de vista do seu
espectro de atuação, atendia a 10 milhões de pessoas.
Também pela manhã citaram as diferenças entre a qualidade de vida que a
energia nuclear proporciona nos Estados Unidos e a que estamos proporcionando
aos brasileiros.
É um grande programa de arrasta e que inclusive atua fortemente para a
melhoria de qualidade de vida da população brasileira. E não sou eu que estou
falando, não somos nós, da área de energia, que estamos falando, e, sim, todo o
mundo. Os dados mostrados anteriormente sobre o crescimento do mercado de
radiofármacos demonstram isso claramente. E estamos reproduzindo esses dados
no Brasil. De 1995 a 2002 houve crescimento de 155% na produção e distribuição
de radioisótopos produzidos no IPEN.
Sinto-me aliviado com o fato de o Presidente da CNEN já ter se pronunciado
sobre o assunto.
O faturamento, devido à comercialização desses radiofármacos, cresceu de
1995 a 2002. Estamos falando de uma receita de 26 milhões em 2002 para um
instituto de pesquisa e desenvolvimento; estamos falando de uma receita que neste
ano passará de 30 milhões de reais.
Sras. e Srs. Deputados, não existe instituto de pesquisa com faturamento de
30 milhões de reais. Nenhum instituto teve receita de 26 milhões no ano passado
para um orçamento de 28 milhões. Quer dizer, o IPEN custou 2 milhões de reais.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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Como bem disse o Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear,
apesar de ser um número fantástico, sob o ponto de vista da gestão, é um grande
problema. Esse resultado econômico, essa receita, integralmente executada —
cerca de 99% ou mais — vai para o Tesouro Nacional, não é utilizada, como
qualquer empresa faria, para benefício do seu produto, para modernização de suas
instalações, para pagamento de custeios.
Apesar dos esforços para colocar à disposição da sociedade brasileira
fármacos essenciais para diagnóstico e tratamento de várias doenças, a custos
acessíveis e em sintonia com o estado mundial da arte nesse setor; apesar das
instalações do IPEN atenderem à atual demanda do País e até ao seu crescimento
para os próximo anos sem necessidade de grandes investimentos; apesar de haver
grande possibilidade de inserção do Brasil no mercado de radiofármacos da América
Latina, principalmente Chile, Argentina, Colômbia e Uruguai, o que daria ao País
projeção importante em um mercado de produtos de alto valor agregado e
importante demanda social, o engessamento a que estamos submetidos em relação
aos processos de gestão orçamentária e financeira, as dificuldades para garantir o
pagamento dos insumos de produção e de serviços de manutenção e falta de
mecanismos flexíveis para gestão de pessoas podem conduzir não só a um colapso
no fornecimento desse produtos, com impacto sociais consideráveis para o País,
como também não vão viabilizar a atuação mais agressiva da instituição, que é
necessária para uma possível inserção do Brasil no mercado externo.
É necessário pensar e agir de modo a preservar uma conquista de alto valor
agregado com alcance e impactos sociais importantes. A primeira produção de
radiofármacos do IPEN ocorreu em 1960. De lá para cá se passaram mais de 40
anos e permanecemos no mercado. De uma produção praticamente unitária em
1960 para proporcionar diagnóstico no Hospital das Clínicas, estamos hoje
atendendo todo o Brasil. Nessa área não nos falta engenho e arte nem vontade, o
que faltam são modelos de gestão mais flexíveis e adequados para esse negócio.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Dr. Cláudio Rodrigues,
tenho certeza de que não só a Comissão de Minas e Energia, mas também as
Comissões de Relações Exteriores e Defesa e a de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática poderão ajudar no trabalho para que a receita produzida
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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pelo IPEN seja aplicada no próprio instituto para desenvolvimento de tecnologia e
modernização. Acredito que essa poderá ser uma grande ação das Comissões
permanentes da Casa.
Agradeço ao Dr. Cláudio Rodrigues a participação e concedo a palavra ao
segundo expositor, o Dr. Alfredo Tranjan, Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da
Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN, que falará sobre os rejeitos
nucleares no Brasil.
O SR. ALFREDO TRANJAN - Boa-tarde a todos. É um prazer estar aqui.
Antes de mais nada, quero parabenizá-los pela iniciativa. Já passei por esta Casa
muitas vezes, e é sempre uma satisfação expor as ansiedades e dificuldades do
setor nuclear. Enfim, é uma chance para evoluirmos. É uma pena que o público
presente não seja tão numeroso.
Quero fazer uma pequena reclamação. Acredito que no final do dia, não
precisa ser após cada exposição, poderia ser aberto ao público o direito de nos
questionar. Nesse processo de interação, apreendemos o que o público está
querendo receber.
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Informo a V.Sa. este
seminário está sendo filmado e será transmitido pela TV Câmara para todo o Brasil,
o que possibilitará a participação das pessoas que se interessarem pelo assunto.
Quem sabe no próximo seminário consigamos uma interação maior entre as
entidades, instituições e universidades? Tenho certeza de que essa sugestão
poderá se aplicada nos próximos debates.
O SR. ALFREDO TRANJAN - Senhoras e senhores, a mim coube um tema
bem simpático, principalmente depois de serem mostradas as utilidades efetivas, os
grandes usos da energia nuclear na produção de remédios e conservação de
alimentos. Entretanto, rejeito nuclear, rejeito radioativo é o maior de todos os erros
de percepção que se têm do setor nuclear. A quantidade em volume, as relações de
risco que existem entre os rejeitos perigosos e o rejeito nuclear são de tamanha
diferença que talvez essa, vencidos todos os estigmas causados pela história do uso
da energia nuclear, fosse realmente a grande vantagem do setor.
Vou falar da situação brasileira em termos de rejeito nuclear e, ao fim, farei
pequena comparação daqueles países que mais geram energia por meio da fonte
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Outros Eventos - SeminárioNúmero: 1573/03 Data: 30/09/03
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nuclear e do volume gerado de rejeito radioativo com os volumes gerados dos
rejeitos industriais perigosos.
(Segue-se exibição de imagem.)
Esta, de forma bastante reduzida, é a nossa estrutura organizacional. São 3
grandes blocos. A direção, o presidente e os diretores-executivos ficam na parte de
cima; uma parte da coordenação é responsável por disseminar as estratégias
definidas no primeiro grande grupo e levá-las aos executores, que são nossos
institutos e algumas das nossas coordenadorias.
O Programa Nuclear Brasileiro compreende a operação de várias instalações
nucleares e radioativas. Quero mostrar os geradores do Brasil de rejeitos
radioativos. Temos duas usinas nucleares no Rio de Janeiro, já decantadas, duas
minas de urânio, em Minas Gerais e na Bahia, uma fábrica de elementos
combustíveis, 4 reatores de pesquisa, uma planta piloto de combustível, cerca de 3
mil instalações médicas, industriais e de pesquisa por todo o País e uma planta
industrial de processamento de areias monasíticas. Essas são as fontes de rejeitos
radioativos existentes no Brasil.
Quanto aos tipos de rejeitos gerados, se corrermos pelo mundo — o que fiz
uma vez por mera curiosidade científica —, encontraremos 16 definições. A
definição assumida pela CNEN reconhece 3 tipos de rejeitos sólidos: rejeitos de
baixo nível, rejeitos de médio nível e rejeitos de alto nível de radiação. Nessas
condições, resolvi utilizar essas unidades, embora sejam ultrapassadas nas normas
da CNEN, que estão passando por remodelação e atualização.
As principais fontes são a indústria de processamento da areia monasítica,
que entra na parte de processamento efetivo daquilo que foi mostrado como gerador
de rejeito no primeiro slide. Rejeitos hoje existentes: rejeitos gerados pelo complexo
de minas de urânio em Poços de Caldas; os 3.500 metros cúbicos de rejeitos
resultantes da descontaminação da cidade de Goiânia, quando do acidente com o
césio 137, em 1987; as usinas nucleares de potência, que geraram, até hoje, cerca
de 1.500 metros cúbicos de rejeitos; e as 3 mil instalações industriais de pesquisa.
Esta é uma fotografia bem antiga de Angra I — nem aparece Angra II ao
fundo —, onde geramos, desde 1981, quando entrou em operação a usina, cerca de
1.350 metros cúbicos de rejeitos sólidos. Hoje somados a alguma coisa em início de
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geração em Angra II, podemos dizer que, num contexto geral e numa ordem de
grandeza, são gerados cerca de 1.500 metros cúbicos de rejeitos sólidos.
Esta é a usina de Poços de Caldas, onde existe uma bacia de rejeitos de
baixíssima atividade. Entretanto, por se tratar de produto de atividade humana,
temos de considerá-los rejeitos radioativos.
Temos 2 tipos de rejeitos oriundos do processamento da areia monasítica: o
mesotório, efetivamente rejeito, e um material que contém hidróxido de tório do
processo de separação da areia monasítica, que consideramos material energético
por ainda haver nele plutônio e tório. São, então, materiais que devem ser
guardados para posterior utilização.
Várias vezes as instalações médicas foram mencionadas. Quando disse, na
primeira transparência, que eram 3.500, na verdade, estava preocupado apenas
com os que trabalham com fontes radioativas, não com os que trabalham com raio X
e outras que não são fontes radioativas, mas que compõem o número total de
instalações médicas.
Esse slide mostra onde estão estocados os rejeitos produzidos pelo nosso
cenário nuclear. Não vou ler os números, mas dá para observar perfeitamente que
São Paulo e Rio de Janeiro concentram a grande maioria das fontes. E esses
rejeitos se encontram estocados, conforme disse o Presidente, em depósitos
intermediários. Existem depósitos iniciais, que são os depósitos das instalações
geradoras de rejeitos; depósitos intermediários, que pertencem à CNEN; e depósitos
definitivos, que, no futuro, também pertencerão à CNEN, a quem caberá essa
responsabilidade.
Essa é uma distribuição que leva em consideração a fonte e seu
radionuclídeo, quer dizer, tudo o que temos de Rádio 226, de Cobalto 60, de Césio
137 e de outros nesse campo de distribuição. Essa grande figura azul são Amerícios
241, os detetores de fumaça existentes em nossos prédios. À medida que são
recolhidos e saem de função, são guardados nos depósitos intermediários da CNEN
para serem processados. Um a um não causam nenhum risco ou perigo; todos
juntos causam realmente uma nova situação em que a atividade fica muito maior,
assim, devem ser processados, tratados e guardados.
Política de gerenciamento de rejeitos no Brasil. Os rejeitos das usinas
nucleares de potência estão sendo estocados no próprio local da usina. São os
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depósitos iniciais. Mais tarde, aparecerá nas projeções uma referência à Lei nº
10.308, de 2001. A história dos rejeitos no Brasil possui duas fases: antes e após
essa lei. Isso porque, antes, não era possível à CNEN, embora fosse sua
responsabilidade receber e depositar materiais radioativos, definir um local para a
construção do depósito definitivo. No momento em que se aventava, mesmo que
discretamente, um local para a construção de um depósito definitivo, imediatamente
o Município ou o Estado baixava uma lei ditando que não seria possível construir
naquela área. Então, a partir de 2001, com a Lei nº 10.308, passa a ser disciplinada
toda a questão do rejeito nuclear, fazendo com que a CNEN tenha autoridade para
decidir e escolher o lugar tecnicamente mais viável para construção de um depósito
definitivo de rejeito, sem que os Estados ou os Municípios digam “não” simplesmente
porque não querem ali aquele material. Assim, tecnicamente, a CNEN, com base
nas condições científicas próprias a essa decisão, pode definir em que local será
instalado um depósito definitivo para os rejeitos produzidos no País.
Dei uma pequena visão do depósito inicial de Angra dos Reis e agora estou
mostrando os depósitos intermediários da CNEN. Aqui temos 3 figuras de São Paulo
e uma de Belo Horizonte. Temos o Centro de Desenvolvimento Tecnológico Nuclear
na parte de baixo e os de cima são do IPEN — Instituto de Pesquisas Energéticas
Nucleares.
Essa é a vista do complexo industrial de Poços de Caldas, onde aparece uma
chicana de controle de concentração de rádio. Essa é uma importante discussão
quando se fala em mineração. Sabemos que o produto da mineração, por meio da
lei, poderá ser considerado e que, quando retiramos a terra para utilização do seu
material, essa terra desmontada daquela montanha ou daquela região que passa
por outro local pode ser considerada e transformada em depósito definitivo, uma vez
que os níveis são extremamente baixos, mais baixos até do que aqueles que
tínhamos na origem. Se tínhamos uma montanha e dela retiramos material
radioativo para outro uso em outro lugar, evidentemente não teremos a mesma
condição inicial. Entretanto, como é resultado de trabalho feito pelo homem e há
níveis de radiação que devem ser observados, esses locais podem ser
transformados em depósitos de rejeitos radioativos.
Aqui temos uma visão do setor que não nos agrada. Houve um acidente. E
por que aconteceu? Essa é uma questão extremamente difícil de discutir, porque,
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até hoje, ainda há casos na Justiça. Mas acho importante que a CNEN mantenha
sua posição. Sempre imputam à CNEN parte da culpa do acidente que gerou, talvez,
metade dos rejeitos radioativos existentes hoje no País. Refutamos essa condição.
A CNEN é responsável, e absolutamente responsável, por fiscalizar e
licenciar instalações nucleares. No caso de instalações radioativas onde existem
fontes como essa, cabe à CNEN examinar se a instalação pode ser licenciada,
providenciar a fonte, se ela for importada, para entregar a quem vai utilizá-la, dizer
se essa fonte foi colocada no projeto licenciado e se há condição de operar. A partir
daí, não cabe mais à CNEN a fiscalização e o poder de polícia. Poder de polícia
cabe às Vigilâncias Sanitárias ou às Secretarias de Saúde.
Portanto, eu, que fui para a CNEN exatamente nessa época para trabalhar
como voluntário na recuperação da cidade de Goiânia, refuto essa condição de
culpado pelo acidente radioativo com o Césio 137 em Goiânia. Perdão, isso não
fazia parte da palestra.
Essa é uma visão geral do que aconteceu. Esse é o cabeçote, onde estava a
fonte do Césio 137, que foi retirado por rapazes da rua daquela construção à direita,
que estava abandonada, e contaminou uma série de locais que foram
descontaminados.
Essas são imagens do processo de limpeza da cidade para devolvê-la à
condição de vida normal.
Esse é um processo utilizado por nós na preparação do rejeito radioativo ali
produzido para levá-lo, um dia, à condição de rejeito em depósito definitivo. Isso é
um pouco exagerado, do ponto de vista de informação para o público, mas foi o
dado básico que permitiu à CNEN projetar e construir os depósitos de Goiânia.
A CNEN propôs a construção de 2 depósitos definitivos para Goiânia: o que
receberia efetivamente o material radioativo e o que receberia o material segregado,
porque grande parte do material que recolhemos como se fosse radioativo não o
era. E por que foi recolhido? Porque estava em local que, quando examinado, havia
tal condição de mascaramento que não se podia decidir se estava ou não
contaminado.
O fundamental a ser feito naquele momento era liberar a cidade para que as
pessoas pudessem voltar à vida normal. Por essa razão, levamos cerca de 40% de
material que efetivamente não era contaminado. Entretanto, esse material foi
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colocado em containers e ligado visualmente ao rejeito e ao acidente e não poderia
mais ser devolvido à condição de lixo comum ou de lixo urbano. Então, construiu-se
um depósito inicial, um primeiro depósito, com características de depósito urbano,
para receber esse material, e o resto foi colocado num depósito definitivo.
Essas imagens dão idéia do volume produzido no depósito provisório. Essas
são imagens da construção do depósito definitivo de rejeitos de Goiânia. E essa
imagem final é o produto do primeiro container, do primeiro depósito, onde
efetivamente o material não é radioativo. Essa imagem é a mesma que se veria ali
atrás, caso já se tivesse construído, na época, o depósito definitivo para os rejeitos.
Essa imagem é só para dar uma idéia do espaço ocupado e do volume
produzido. Essa figura superior é a fonte original, quer dizer, o container mais
radioativo de todos, que possui certa posição estratégica dentro do processo de
guarda no depósito. Os demais containers estão divididos: os redondos são de risco
mediano e os cúbicos têm condição mais tranqüila, não causam grande risco.
Vemos agora, na indústria de processamento da areia monazítica, os restos
que ficaram e que nós temos de tratar. O material está aqui, mas está
descontaminado, e deve ir para um depósito definitivo a posteriori. Apesar de não
causarem nenhum risco, esses materiais — esta visão não é muito agradável aos
olhos, mas não há risco — deverão ser levados para um depósito definitivo ou
liberados para o uso normal.
Os rejeitos oriundos das usinas nucleares de Angra I e de Angra II serão
estocados futuramente em depósito definitivo, cujo local e projeto estão sendo
estudados. Foi mencionado pelo Luiz Soares que há um convênio entre a Comissão
Nacional de Energia Nuclear e a ELETRONUCLEAR que visa dar solução aos
rejeitos radioativos produzidos em Angra I, em Angra II e, futuramente, em Angra III.
Esse projeto está em andamento. O convênio está aprovado e assinado. Esperamos
que em 2009 — foi essa a data que o Luiz indicou — tenhamos a solução definitiva
para os rejeitos que vão ser produzidos ao longo da vida das 3 usinas.
De acordo com o que eu expus a princípio sobre as condições de geração
das usinas nucleares e o meio ambiente, todos os rejeitos produzidos nessas usinas
são tratados e estocados, não havendo liberação ambiental fora dos limites
estabelecidos. Usinas nucleares não produzem CO2, não produzem óxidos nitrosos,
nem produzem óxidos de enxofre. O CO2 é responsável pelo efeito estufa, os 2
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outros por chuva ácida, preocupação fundamental para um país como o Brasil, que
tem vocação agrícola. Com chuvas ácidas, teremos problemas de produção, mas o
efeito estufa é muito mais globalizado do que as chuvas ácidas, porque há certas
condições meteorológicas que se podem contornar ou consertar em certas regiões
onde há produção de CO2, óxidos nitrosos e óxidos de enxofre, para evitar a
ocorrência de chuvas ácidas.
Finalmente, vou falar sobre aquela condição que já foi citada pelo Luiz
Soares, embora sem a ênfase que entendo necessária. Se todas as usinas a carvão
existentes hoje no mundo, responsáveis pela produção de 40% de toda a nossa
energia, fossem substituídas por usinas nucleares, deixaríamos de colocar na
atmosfera cerca de 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, num
Globo que produz de 20 a 30 bilhões de toneladas por ano. Só isto cumpriria todas
as metas do crédito de CO2 levantadas no Tratado de Kyoto.
Eu sempre defendi, apaixonadamente, o setor nuclear e a tecnologia. É
fundamental que todos nós entendamos que um país como o Brasil não pode se dar
ao luxo de não utilizar qualquer das fontes que nele existam.
O Brasil tem uma das grandes reservas do mundo de urânio e de tório, e deve
utilizá-las; possui carvão no Sul, e deve utilizá-lo; grandes condições de exploração
de biomassa em toda a área litoral nordeste, e deverá usá-la; potencial eólico,
mesmo que não em escala, e deverá usá-lo; potencial solar, mesmo que não em
escala, e deverá usá-lo. Temos vocação para produzir e exportar energia, no entanto
importamos energia de outros países da América do Sul: gás de um país, energia
elétrica já produzida de outro. Como se pode pensar em sair da condição de país em
desenvolvimento para país desenvolvido sem ser autônomo energeticamente?
Já foi dito pelos palestrantes que todas as formas de energia que sejam
autônomas e dêem ao País a condição estratégica de decidir aquilo que ele quer em
termos de geração de energia têm de ser exploradas.
Esta Casa é fundamental para isso, porque aqui se produzem as regras do
jogo. Somos vocacionados para produzir energia, e estamos importando energia. Eu
não defendo energia nuclear simplesmente por defender. Energia nuclear é apenas
uma das vertentes possíveis de exploração de energia elétrica.
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A minha palestra deveria enfocar mais os rejeitos, mas eu não poderia deixar
de fazer esta observação, fundamental para aquilo a que esta Casa se propôs
debater neste seminário.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Agradeço ao Dr. Alfredo
Tranjan a exposição. O tema abordado é, sem sombra de dúvida, motivo de grande
preocupação para todos os brasileiros. A conscientização e o esclarecimento desses
detalhes, tenho certeza, vão ajudar não só os brasileiros, mas principalmente esta
Casa a apoiar integralmente essa fonte alternativa de energia.
Lembro aos expositores que este seminário será transmitido pela TV Câmara
para todo o Brasil.
Passo a palavra agora ao terceiro expositor, o Comandante Adolfo de Aguiar
Braid, Capitão-de-Mar-e-Guerra da reserva da Marinha do Brasil, que irá falar sobre
outras aplicações da energia nuclear e a dessalinização de água no Nordeste.
O SR. ADOLFO DE AGUIAR BRAID - Em primeiro lugar quero agradecer à
Deputada Zulaiê Cobra o convite. Estou bastante honrado de poder participar deste
seminário. Vamos falar sobre dessalinização de água no Nordeste.
Para esta apresentação vou adotar o seguinte roteiro: farei uma breve
introdução, para focar o problema, depois comentarei as tecnologias envolvidas na
dessalinização usando a energia nuclear, uma análise da viabilidade de
empreendimento desse porte e, por fim, tecerei algumas conclusões.
(Segue-se exibição de imagens.)
A comunidade científica mundial e as ONGs ligadas ao meio ambiente já vêm
há alguns anos alertando para uma crise, anunciada para acontecer em torno do
ano 2025, de escassez de água potável no mundo. Isso se deve basicamente à má
distribuição dos recursos hídricos no Planeta, ao crescimento exponencial da
população, à poluição dos mananciais, reservas aqüíferas, e ao desperdício.
Nosso objetivo hoje é fazer uma análise da opção nuclear para a
dessalinização de água do mar.
Quero introduzir inicialmente o jargão “dessalinização nuclear”, que significa
produção de água potável a partir de água do mar usando como fonte de energia
uma central nuclear.
Próximo.
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Recursos hídricos do nosso planeta. Dois terços da crosta terrestre estão
cobertos de água, porém apenas 3% dessa água é potável, aproximadamente 3%.
Desses 3%, 79% estão presos nas calotas polares e nos picos das montanhas, em
forma de gelo, 20% é água subterrânea e apenas 1% está disponível na superfície,
distribuída em rios, lagos, na umidade do ar, etc., uma quantidade bastante
pequena, se comparada com tanta água que temos no Planeta.
Distribuição do uso dessa água. Em média mundial, 65% da água usada no
Planeta é consumida na agricultura. A média brasileira é menor: nós hoje utilizamos
em torno de 50%, segundo dados da EMBRAPA. O restante, 35%, são usados na
indústria, nos Municípios, no consumo pessoal. E há perdas também.
Hoje somos em torno de 6,2 bilhões de habitantes no Planeta, mas a projeção
para 2025 é de que sejamos 8 bilhões, um aumento de aproximadamente 30% nos
próximos 22 anos. Evidentemente, esse aumento de 30% implica aumento da
produção de grãos, para alimentação, e o crescimento da produção de grãos não
acompanha o crescimento da população, porque há hoje habitantes passando fome,
portanto o crescimento da produção de grãos tem de ser maior do que o crescimento
da população. Isso mostra o cenário do agravamento da escassez de água no
planeta.
Como é a distribuição do recurso no País? O Brasil possui 15% da reserva
aqüífera potável do mundo, porém com distribuição extremamente heterogênea. Na
Região Norte, aproximadamente 70% dos recursos hídricos abastece apenas 7% da
população. Os restantes 93% da população vive com 30% dos recursos hídricos.
A Região Nordeste é onde ocorre maior escassez. Aproximadamente 30% da
população utiliza 3 fontes hídricas do País. Estudos dão conta de que
aproximadamente 20 milhões de pessoas no Nordeste sofrem com a escassez de
água.
Qual seria a solução? Dessalinizar a água do mar e torná-la própria para o
consumo humano. No início do século passado, a produção era praticamente zero.
Atualmente está em torno de 25 milhões de metros cúbicos por dia. Para que os
senhores tenham idéia, isso é mais ou menos o consumo pessoal de toda a
população brasileira em um dia. Isso é o que se faz hoje de dessalinização em todo
o mundo.
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Com relação às tecnologias, será que o Brasil poderia desenvolver programa
de dessalinização? Hoje, aproximadamente 48% de toda a água dessalinizada do
mundo é produto da destilação. São 2 processos diferentes: destilação de flash e de
múltiplo estágio; 42% é produzido por osmose reversa e 10% por eletrodiálise e
compressão de vapor.
A osmose é um processo bastante conhecido nosso. O sistema de
alimentação das células do corpo humano ocorre por osmose. Determinado
recipiente contém água com determinada salinidade, separado por membrana
semipermeável. No caso do corpo humano, a membrana orgânica, de água pura. A
tendência desse sistema é a água pura passar para o lado da água com teor de
salinidade maior, até equilibrar o sistema. É um fenômeno físico-químico. O que é a
osmose reversa? É a inversão desse processo. Aplicando-se pressão do lado onde
a água é mais salina, conseguimos inverter o processo. Através da membrana
semipermeável, a água passa para o lado da água pura e os sais ficam retidos na
membrana semipermeável.
O processo de destilação é bastante conhecido no País. Desde o início do
século os navios da Marinha já destilavam a água para o consumo a bordo.
Produzimos álcool por processo de destilação. Exemplo de destilação por flash,
expansão rápida: a água salgada vai passando em diversos compartimentos, é
aquecida em uma caldeira no final do sistema, retorna por dentro do compartimento,
aquecendo a tubulação da água fria que entra, condensando e separando a água
isenta de sais da salmoura.
A outra tecnologia envolvida é o reator nuclear. Essa é uma figura de um
reator PWR, apresentada pelo Sr. Luiz Soares. O circuito primário é onde se geram
as fissões, o calor. O gerador de vapor troca calor com o sistema primário. O vapor
alimenta as turbinas da usina, produzindo energia elétrica. Teríamos 2 opções: a
energia elétrica poderia alimentar bombas que pressurizariam a água salgada contra
as membranas semipermeáveis, para separar a água do mar, ou poderíamos fazer
uma perna de uma das turbinas de média do reator, puxando mais o circuito de troca
de calor, fazendo destilação direta da água do mar.
A dessalinização nuclear é novidade no mundo? Não, não é. Há hoje em
torno de 150 reatores/anos de experiência nesse processo; reatores no Kasaquistão,
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que operaram em torno de 26 anos; e várias plantas no Japão que produzem água
dessalinizada por energia nuclear.
Há vários países do mundo, de acordo com a tabela abaixo, que realizam
programas incentivados pela agência internacional. Mesmo aqueles que não
apresentam possibilidade de escassez de água investigam e trabalham nesse setor,
nessa crise que se anuncia. Exemplo disso é o Canadá, Rússia, Argentina e Japão.
Há uma planta em estudo na Índia, outra que vai entrar em operação no
Paquistão até 2005 e uma outra no Marrocos também. Infelizmente, o Brasil não
faz parte dessa lista de países.
Existem também estudos em andamento com apoio da agência internacional
para programas bastante ambiciosos. O programa do norte da África — onde se
pretende com 5 usinas nucleares de pequeno porte produzir e abastecer 5 milhões
de pessoas — vai produzir 4 milhões de metros cúbicos de água por dia. Trata-se de
um programa bastante ambicioso.
A água seria dessalinizada no litoral, bombeada até um lago que distribuiria
essa água para os rios secos da região.
Qual é a experiência brasileira no setor? Não existe, no Brasil, instalações de
dessalinização nuclear, porém existe uma considerável experiência nas duas
tecnologias individualmente. Temos bastante tecnologia em destilação, já citada
aqui.
Osmose reversa. Temos hoje mais de mil pequenas instalações, somente na
Região Nordeste do País em funcionamento. Infelizmente, essa tecnologia depende
de membranas permeáveis sintéticas que não são produzidas no Brasil, são
importadas. Mas já começou a aparecer no mercado membranas do tipo cerâmica.
Nessa área de cerâmica, o Brasil possui uma grande capacitação. O Dr.
Cláudio, neste instante, balança a cabeça confirmando o que cito. Exemplo disso é o
Instituo de Pesquisa Energéticas e Nucleares, o Centro Tecnológico da Marinha, em
São Paulo e a Universidade de São Carlos, onde se domina bastante o trabalho com
cerâmica.
No setor de geração nuclear também possuímos um vasto conhecimento.
Exemplo: as Centrais nucleares de Angra I e II; programa nuclear da Marinha, que
está desenvolvendo reator de produção naval; os institutos de pesquisa da CNEM,
do IPEN, do CDTN; NUCLEP, outros institutos de pesquisa, universidades e a
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indústria nacional. Todas indústrias nucleares do Brasil têm capacidade de produzir
combustível nuclear.
Vejam aqui exemplos de várias possibilidades de reatores nucleares que
podem ser usados para dessalinização. Peguei nesta tabela mais exemplos de
reatores PWR, que é a tecnologia dominada no Brasil.
Então, reatores de grande porte, tipo 900 megawatts de potência elétrica,
poderiam ser usados em regiões mais densamente habitadas, até reatores de
pequeno porte podem ser usados. Temos esse reator representado aqui com 20 a
50 megawatts, muito próximo da capacidade de produção naval que a Marinha está
desenvolvendo.
Então, para localidades mais remotas, onde não teria como jogar energia
excedente na rede, poder-se-ia usar reatores de menor capacidade; para centros
mais populosos da Região Nordeste, poder-se-ia se usar reatores de grande porte.
Essa tabela faz uma comparação das tecnologias de dessalinização. Os
vários sistemas representam, em cima, a osmose reversa nesta ordem: destilação
por flash, destilação de múltiplo efeito — é o efeito combinado de destilação de
múltiplo efeito e compressão de vapor, e compressão de vapor sozinho.
O capital de implantação desse tipo de sistema é menor no caso da osmose
reversa, e também consome menos energia, apresenta bastante vantagem em
relação aos demais sistemas. Porém, é um sistema de alto custo de manutenção
devido à importação das membranas, como falei anteriormente. Talvez, no futuro,
com a produção de membranas cerâmicas no Brasil, possamos mudar esse
quadro.
Agora uma comparação de custo de implantação entre centrais de
combustíveis fósseis e centrais nucleares. Como se pode ver, as centrais de
combustíveis fósseis normalmente possuem um custo inicial de implantação menor.
Cito como exemplo uma central diesel de 50 megawatts comparada com uma central
nuclear de 50 megawatts. O custo de implantação da central nuclear é o dobro,
porém, nota-se que, à medida que aumenta a potência, essa diferença vai
diminuindo, o que mostra um ganho de escala em relação às centrais. Isso
demonstra que, no que se refere às centrais de grande porte, as centrais nucleares
são bastante competitivas.
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Há um fator importante, para o qual chamo a atenção: apesar do custo de
implantação menor dos combustíveis fósseis, o custo do combustível propriamente
dito é bem mais alto. Comparando-se, na usina de 50 megawatts, são 30 dólares
por megawatt/hora, contra 10 dólares do combustível nuclear.
Conforme a palestra do Sr. Luiz Soares, da ELETRONUCLEAR, um país que
possui a 6ª maior reserva de urânio do mundo e a tecnologia de produção do
combustível tem total controle sobre o custo desse combustível. O mesmo já não se
pode dizer do combustível fóssil, cujo preço varia terrivelmente no mercado
internacional.
Este é um gráfico que faz uma comparação entre vários tipos de usinas com
acoplamento em dessalinização. O quadrado preto é uma usina nuclear acoplada
com uma usina de dessalinização por osmose reversa; o quadrado aberto é uma
usina nuclear acoplada a um sistema de dessalinização com destilação de múltiplo
efeito. E assim sucessivamente: usina de carvão acoplada à usina de destilação,
carvão com osmose reversa, ciclo combinado de gás com osmose reversa,
destilação, etc.
Este gráfico mostra que para centrais até 200 megawatts, centrais de
pequeno porte, as usinas de combustível fóssil ainda são competitivas. A partir
desse ponto, as usinas nucleares são muito mais interessantes, do ponto de vista
econômico, do que as usinas de combustível fóssil para esse propósito de
dessalizinação.
Fiz também um estudo em planilha eletrônica, pegando valores praticados no
Nordeste, de custo de água, custo de energia elétrica e custo de implantação de
uma usina nuclear de grande porte com osmose reversa, para atender a
aproximadamente 25 milhões de habitantes. Verifica-se que no período de 30 anos,
usando-se uma taxa de juros internacional de 8% ao ano, o empreendimento se
paga. Ou seja, não se paga com uma folga que seja interessante para a iniciativa
privada — vemos que a taxa real de retorno é da ordem de 0,36% ao ano —, mas é
um negócio que se paga ao longo dos 30 anos. Ou seja, o capital investido retorna.
O Brasil, com certeza, pelos números apresentados aqui, bastante divulgados
pelas ONGs e comunidades científicas, terá de fazer investimento nas próximas
duas décadas para aumentar a disponibilidade de água na Região Nordeste, com
certeza.
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Possuímos hoje capacitação técnica e gerencial para conduzir, de forma
eficiente e eficaz, a implantação no País de instalações de dessalinização nuclear.
As tecnologias de dessalinização existentes indicadas, do ponto de vista técnico e
econômico, são: de destilação com múltiplo estágio, múltiplo efeito e osmose
reversa. Centrais nucleares de água pressurizada tipo PWR são as mais indicadas,
tendo em vista o grande conhecimento do País desse tipo de central. Recomenda-
se central de grande porte para localidades próximas aos grandes centros urbanos,
e centrais de menor porte, como desenvolvido pela Marinha, para locais mais
remotos. Apesar de intensivo uso de capital, na fase de implantação, as centrais
nucleares apresentam um custo de combustível bem menor do que as centrais que
utilizam combustíveis fósseis, o que garante, num período de 30 anos, um retorno do
capital.
A combinação mais econômica para o empreendimento seria as centrais tipo
PWR, de grande porte, acopladas às instalações de dessalinização de múltiplo efeito
ou de osmose reversa. Apesar do custo da água pelo processo de dessalinização ou
de osmose reversa ser um pouco acima do custo projetado para instalações de
destilação de múltiplo efeito, a osmose reversa apresenta vantagens muito
interessantes: elas podem ser instaladas, pulverizadas em pequenas capacidades,
próximo aos centros consumidores e distantes das centrais nucleares. E, tendo em
vista o longo prazo de retorno do investimento, mas com forte retorno
socioeconômico, devido à criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da
Região Nordeste, esse tipo de empreendimento seria viável como negócio de
Governo.
Era o que tinha a apresentar.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado João Pizzolatti) - Registro a presença do
Deputado Hélio Esteves, membro da Comissão de Minas e Energia.
Convido a Deputada Zulaiê Cobra, para que faça suas considerações finais. A
Comissão de Minas e Energia e tenho certeza de que os co-participantes e os co-
promotores do evento, juntamente com as Comissões de Defesa Nacional, de
Relações Exteriores e de Ciências e Tecnologia, e de Comunicação e Informática,
colocam-se à disposição para promover permanentemente esse debate sobre a
grande alternativa energética, que é a nuclear — efeitos, benefícios e aplicações.
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Quanto aos rejeitos, se fizermos uma comparação, por exemplo, com os
rejeitos sólidos do carvão em Santa Catarina, veremos que o problema nuclear não
é tão grande assim. Mas tenho certeza de que, para revertermos a situação e
buscarmos o apoio de toda a sociedade e do Congresso brasileiro a essa alternativa
energética, é necessário um trabalho pleno de esclarecimento da população. E a
Comissão se coloca à disposição para promover esse debate, não só no Congresso
Nacional, mas também nas regiões onde está sendo aplicada e desenvolvida essa
alternativa. Ou seja, colocamo-nos à disposição para, juntamente com todas as
entidades, órgãos e setores que têm interesse, promovermos debates e
esclarecimentos, buscando apoio integral.
Então, em nome do Deputado José Janene, Presidente da Comissão de
Minas e Energia, e do Deputado Luiz Sérgio, quero agradecer a presença a todos.
Passo agora a coordenação dos trabalhos à Sra. Deputada Zulaiê Cobra.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Agradeço por poder
conduzir os trabalhos de hoje à tarde, mas não vamos abrir a discussão. Eu gostaria
muito que tivéssemos uma discussão antes da finalização, amanhã, quando teremos
a última Mesa, e vamos partir para conclusões, num balanço geral de todas as
palestras: as duas de hoje à tarde e a terceira de amanhã de manhã.
Portanto, amanhã pela manhã, vou contar, Deputado João Pizzolatti, que
tenhamos aqui Deputados, porque infelizmente hoje à tarde houve uma série de
outras considerações, e há muitos Deputados ausentes. Mas amanhã de manhã,
quarta-feira, teremos alguns debates, até porque algumas pessoas estão
preparando algumas perguntas.
Vamos encerrar os trabalhos desta tarde desses dois grupos que realizamos,
com os dois mediadores, Deputado Luiz Sérgio e o Deputado João Pizzolatti, e
amanhã teremos o último debate. Mas quero alertar, inclusive os Deputados que
passaram aqui na Comissão e os nossos ilustres convidados, para o fato de que o
mais importante de tudo é que iremos preparar as conclusões deste seminário, que
serão nossas bases para o Orçamento, que vamos fazer até o dia 15 de outubro.
A Comissão de Relações Exteriores, a Comissão de Ciências e Tecnologia e
a Comissão de Minas e Energia terão oportunidade de apresentar emendas ao
Orçamento. Temos 5 emendas por Comissão, e eu gostaria que uma dessas
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emendas — não sei se as outras Comissões concordam, mas a minha com certeza
irá concordar — disponibilizasse verba para a energia nuclear.
Portanto, creio que não tenhamos mais nada a dizer. Vamos encerrar os
trabalhos desta nossa tarde excelente.
Quero cumprimentar nossos palestrantes, não só os desta Mesa, mas os da
Mesa anterior, que nos deram aulas maravilhosas. Tenho certeza de que a TV
Câmara exibirá constantemente nosso trabalho e vamos ter oportunidade de lançar
uma obra com todas as palestras hoje feitas.
Agradeço, mais uma vez, a presença a todos, convocando para amanhã, às
9h, nossa última Mesa, que irá discutir aspectos econômicos, o que interessa
também às emendas do Orçamento.
Muito obrigada e até amanhã. (Palmas.)