Dependência química

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Dependência química

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    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 24(3):710-713, mar, 2007

    DEPENDNCIA QUMICA: PROBLEMA BIOLGI-CO, PSICOLGICO OU SOCIAL? Mota LA. So Paulo: Paulus; 2007. 84 pp. (Coleo Questes Fundamentais da Sade, 12).ISBN: 978-85-349-27

    O consumo de substncias psicoativas uma carac-terstica comum a populaes da maioria dos pases,

    inclusive a do Brasil, sendo o tabaco e o lcool as mais utilizadas. Muitas variveis (ambientais, biolgicas, psicolgicas e sociais) atuam simultaneamente para in-fluenciar a tendncia de qualquer pessoa vir a usar dro-gas e isto se deve interao entre o agente (a droga),o sujeito (o indivduo e a sociedade) e o meio (os contex-tos scio-econmico e cultural).

    Existe no mundo extensa produo bibliogrfica sobre questes relacionadas s drogas (psicolgicas, sociais, educacionais, polticas, sanitrias, econmicas e religiosas), popularmente conhecidas como drogas lcitas e ilcitas. A partir do sculo XX, essas publica-es se intensificaram. Vrias foram as razes para is-so. O avano cientfico e tecnolgico, o conhecimento armazenado, a gama de tratamentos existentes, o en-volvimento de muitas reas do conhecimento com es-sa temtica, a alta prevalncia de pessoas envolvidas (portadores de dependncia, narcotraficantes, crian-as, adolescentes, adultos ou idosos). As reflexes so-bre essas questes ocupam grande parte da ateno dos estudiosos. Embora esses estudos representem boa bagagem na produo de conhecimento, ainda se fazem necessrias mais pesquisas para a melhor com-preenso da complicada relao entre as drogas e o ho-mem. Ainda que tenhamos uma significativa produo intelectual sobre substncias psicoativas, somos um tanto acanhados na compreenso deste fenmeno, que muito bem articulado na obra de Leonardo de Arajo e Mota.

    Parafraseando Conte 1, pergunta-se: qual o campo em que se situam as drogas? A resposta muito varia-da e heterognea, tanto pelas disciplinas e cincias que se ocupam da rea das substncias psicoativas em re-lao ao uso de drogas, bem como pelos diferentes lu-gares que a droga ocupa na vida fsica, psquica, legal e social do usurio e da comunidade. O uso de drogas situa-se em uma encruzilhada temtica. O fenmeno diz respeito ao campo sociolgico, mdico, psicolgico, jurdico, etimolgico, psicanaltico, educacional, fami-liar e o religioso. Na pluralidade das interfaces desses campos que o fenmeno da droga se situa. Sendo assim, cada lcus desse campo questiona e toma pa-ra si esse fenmeno em nome de alguma verdade que postula, oferecendo as mais diversas solues 2. com essa perspectiva em vista que o autor desenvolve seu trabalho, Dependncia Qumica: Problema Biolgico, Psicolgico ou Social?.

    Mota graduado em Cincias Sociais, professor universitrio e doutorando em sociologia (Universi-dade Federal do Cear); procura fomentar a discusso

    sobre a origem do problema das drogas em relao ao homem. Trata-se de um livro que fala as questes das drogas e no a questo das drogas. Nesse sentido, esti-mula a reflexo para a causa (etiologia) do uso de subs-tncias psicoativas tanto para os profissionais da rea da sade, educao, segurana, cincias sociais quanto para o mundo acadmico e outros que se interessem por esta temtica.

    Mota critica em seu livro o reducionismo de muitas teorias que tentam ditar suas verdades sobre a etiolo-gia da relao entre o uso de drogas e o homem. Escre-ve o autor, entre os saberes psicolgicos no existe uma teoria geral das dependncias (p. 29). preocupao constante a questo da eugenia ou da higienizao social que utilizaria as drogas para desencadear uma nova corrida s tendncias de produzir um cenrio seleo artificial dos indivduos mais aptos. O autor aponta que o uso de drogas vem como uma panacia, ou seja, o remdio para todos os males. A proposta do livro justamente uma investigao sobre a etiologia das drogas. O autor elege a dimenso do modelo biop-sicossocial o mais apropriado para esse fim, e argu-menta que necessrio um tratamento interdisciplinar para a investigao desse fenmeno que ao mesmo tempo biolgico, psicolgico e social, como lcus para compreender as questes das drogas versus o homem.

    Para poder tecer seus argumentos, Mota divide sua obra, alm da introduo e concluso, em cinco captu-los. O primeiro define o que droga e traa uma breve reviso do termo. O segundo versa sobre a biologia das drogas da eugenia s neurocincias, traz tona as con-cepes tericas sobre a etiologia de causa e as cincias biolgicas, passando por Comte, Darwin, Lombroso e pelas teorias genticas. O terceiro descreve a questo do uso de substncias psicoativas e a psicologia: entre o prazer, o condicionamento e a angstia, de maneira a abordar os modelos psicanaltico e comportamental, citando a influncia da famlia, da personalidade e do aprendizado social. Freud refere que o uso de drogas estaria a cargo pela luta por felicidade e como amorte-cedor de preocupaes. Recentemente, os psicanalis-tas referem que o uso de substncias psicoativas seria um sintoma da patologia social. Para a psicanlise as foras psquicas so iguais em todos, mas cada indi-vduo elabora seu sofrimento de forma distinta, por-tanto, a dependncia de drogas seria apenas um dos recursos dentre outros disponveis. O quarto captulo oferece uma reflexo sobre a sociedade e o problema das drogas no contexto social contemporneo. Centra-se nos fatores sociais de risco que favorecem o uso de substncias psicoativas. Traz baila Engels, Durkheim e Merton para discorrer sobre a etiologia do uso de drogas. No ltimo captulo, o autor aborda questes centrais do modelo biopsicossocial da dependncia e coloca-o como uma sntese necessria para tal explica-o. Descreve o fenmeno como complexo para se ater aos reducionismos tericos, pois cada teoria tende a se intitular detentora de repostas.

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    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 24(3):710-713, mar, 2007

    A concluso final que paradoxalmente ao que tem mostrado a histria, a etiologia da dependncia qumica tarefa impossvel de se realizar, e precisar ainda ocupar muitas mentes e esforos. Praticamente nenhum cientista ou teoria chegou a uma concluso definitiva sobre essa questo, visto que as cincias so intrinsecamente transitrias e que nenhuma instncia acadmica isoladamente capaz de fornecer uma te-oria ou resposta consistente sobre as causas do uso e abuso de substncias psicoativas.

    Embora os problemas do uso de drogas sejam con-siderados como uma (re)emergncia na sociedade, no se pode deixar de ressaltar a importncia de se realizar discusses com serenidade e comprometimento, no levando a construes anmalas, sem fundamentao alguma, no sendo possvel pensar e abordar o tema em sua complexidade com reducionismos e preconcei-tos, apenas no campo conceitual terico, puramente homogneo e desarticulado.

    Nesse sentido imperativa e til a viso de uma perspectiva de interdisciplinaridade ou a transdiscipli-naridade, que permita conhecer o tema de forma mais ampla, pois a conjugao de esforos e abrangncia de cada rea possibilita por meio de pressupostos com-partilhados uma viso sistmica do fenmeno drogas. Isso tudo desvela a dimenso deste entrecruzamen-to epidemiolgico que o processo sade-doena. O problema das drogas supera as questes simplesmente mdicas, alimentando novas questes e problemas a ele relacionados, como por exemplo, a violncia, a cor-rupo, a instabilidade poltica, o crime organizado, a lavagem de dinheiro, o favorecimento da propagao de AIDS e hepatites, entre outras. O produto droga encontra-se entre as trs atividades mais lucrativas do mundo, superando o petrleo e o mercado das armas. Alm disso, forma uma rede direta e indireta com um dos maiores empregadores de pessoas na produo, no consumo e na distribuio de substncias psicoativas. Essa atividade agrega valor sua existncia, o que em muitas vezes explica a reduzida eficincia e eficcia de explicaes, consolidando como poderosa economia ilegal.

    De forma geral, encontram-se nessa obra argu-mentos consistentes para fundamentar as questes das drogas e talvez por isso se torne referncia para os interessados no estudo deste fenmeno. O paradoxo da droga que ele ao mesmo tempo traz alivio, alegria diverso, poder, seduo, produz dor, sofrimento, desa-gregao, escraviza e mata.

    Ana Maria Bellani MigottInstituto de Cincias Biolgicas, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, [email protected]

    1. Conte M. Psicanlise e reduo de danos: articu-laes possveis. Revista da Associao Psicanal-tica de Porto Alegre 2004; (25):23-33.

    2. Le Poulichet S. Toxicomanias y psicoanalisis: las narcoses del deseo. Buenos Aires: Amorrortu Edi-tores; 1990.

    PSIQUIATRIA INSTITUCIONAL: DO HOSPCIO REFORMA PSIQUITRICA. Lougon M. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. 226 pp. (Coleo Loucura & Civilizao).ISBN: 85-75411-088-1

    Nas ltimas dcadas, o problema representado pe-los transtornos mentais tem ocupado cada vez mais a agenda das polticas de sade. Muitos pases tm cons-trudo polticas de sade mental comprometidas com o desenvolvimento de novas formas de cuidado, com a melhoria da qualidade de vida, garantia dos direitos de cidadania e combate s formas de violncia, excluso e estigma, de que so alvo as pessoas com transtornos mentais. Tais polticas tm se caracterizado pela redu-o significativa de leitos psiquitricos e pela implan-tao de servios baseados na comunidade.

    No Brasil do final dos anos 1980, o processo de re-democratizao, as presses dos movimentos sociais associadas luta pelos direitos humanos levaram construo da Reforma Psiquitrica, que obteve su-cesso na consolidao de uma nova Poltica de Sade Mental que tem como principais caractersticas: a re-duo de leitos e o maior controle sobre os hospitais psiquitricos; a criao de rede de servios substituti-vos; a aprovao de nova legislao em sade mental a Lei no. 10.216, de 6 de abril de 2001 e a criao de dispositivos de apoio aos processos de desinstituciona-lizao, alm da introduo da sade mental na pauta de prioridades da educao permanente para o Siste-ma nico de Sade (SUS). Em nosso pas, a expanso de leitos psiquitricos atingiu seu pice em 1985, com 123.355 leitos credenciados ao Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (INAMPS), que representavam 23,57% do total de leitos oferecidos no Brasil, ocupando o primeiro lugar em oferta por es-pecialidade. Atualmente, estima-se que o nmero de leitos psiquitricos, credenciados ao SUS, esteja em torno de 38.842, ao lado da expanso progressiva da cobertura assistencial em sade mental composta por uma rede com 1.123 CAPS distribudos em todo o pas, 479 Servios Residenciais Teraputicos, 860 ambulat-rios de sade mental, cerca de 60 Centros de Convivn-cia e Cultura e 2.741 beneficirios do Programa de Volta para Casa 1.

    nesse contexto que situamos o livro de Mauricio Lougon, ou mais precisamente no inicio desse proces-so, uma vez que o texto permite revisitar a histria pio-neira de transformao de uma instituio psiquitrica no Brasil. O livro contempla duas partes distintas: a primeira, produzida nos anos 1980, relata a experincia de transformao da Colnia Juliano Moreira. O autor integrou a equipe desse projeto e pde documentar e analisar o processo no perodo de 1982 a 1985. A se-gunda parte, elaborada duas dcadas aps a primeira, discute as conseqncias decorrentes do processo de desinstitucionalizao com base em estudos sobre as experincias norte-americana e europia. Como apn-dice so apresentadas 15 fotos do acervo pessoal do au-tor que ilustram aspectos do estudo empreendido.

    Na primeira parte temos trs captulos. O primei-ro caracteriza a Colnia Juliano Moreira que, na poca, mantinha cerca de 2.600 internos, na maioria idosos, habitantes da instituio h mais de vinte anos. So-mava-se a essa populao 1.200 funcionrios e 3 mil moradores, resultado de anos de ocupao de terras pblicas. O texto descreve a instituio, suas funes

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