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98 Depoimento Laurence Alexander Xavier Moreira terrorismo árabe, que começou na década de 1960, foi resultado da Guerra Fria e se proliferou com a decisão da então União Soviética em financiar, treinar e incentivar grupos no Oriente Médio. Os soviéticos e seus afili- ados no Oriente Médio também patroci- naram grupos terroristas de ideologia marxista na Europa e na América Lati- na, e também estavam por trás do gru- po terrorista Exército Vermelho Japonês 1 (Japanese Red Army). Lugares como Yêmen e Líbia se tornaram paraísos onde marxistas de diferentes nacionalidades se reuniam para aprender técnicas, táticas e procedimentos (TTP), muitas das vezes instruídos por equipes oriun- das do ex-Serviço Secreto (KGB) ou do Serviço de Inteligência da Alemanha Oriental (Stasi), além de organizações de extrema esquerda. A Guerra Fria também foi responsá- vel pela criação da Al Qaeda e do transnacional movimento “jihadista”, pois na época, militantes de diversas regiões se reuniram para lutar contra as tropas soviéticas que tinham invadido o Afeganistão. Para isso, recebiam treina- mento em campos no norte do Paquistão, de instrutores do Escritório de Serviços Técnicos da CIA (Central Intelligence Agency) e do Serviço de Inteligência Mi- litar Paquistanês (ISI). Fortalecidos com Como evitar a possibilidade de atentados terroristas no Brasil T&D

Depoimento Como evitar a possibilidade de atentados · 2015. 11. 24. · car, o estopim ficou úmido, dificultando o seu acionamento. Outro caso que vale ser lembrado é o do paquistanês

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Depoimento

Laurence Alexander Xavier Moreira

terrorismo árabe, que começouna década de 1960, foi resultadoda Guerra Fria e se proliferou com

a decisão da então União Soviética emfinanciar, treinar e incentivar grupos noOriente Médio. Os soviéticos e seus afili-ados no Oriente Médio também patroci-naram grupos terroristas de ideologiamarxista na Europa e na América Lati-

na, e também estavam por trás do gru-po terrorista Exército Vermelho Japonês1

(Japanese Red Army). Lugares comoYêmen e Líbia se tornaram paraísos ondemarxistas de diferentes nacionalidadesse reuniam para aprender técnicas,táticas e procedimentos (TTP), muitasdas vezes instruídos por equipes oriun-das do ex-Serviço Secreto (KGB) ou doServiço de Inteligência da AlemanhaOriental (Stasi), além de organizaçõesde extrema esquerda.

A Guerra Fria também foi responsá-vel pela criação da Al Qaeda e dotransnacional movimento “jihadista”, poisna época, militantes de diversas regiõesse reuniram para lutar contra as tropassoviéticas que tinham invadido oAfeganistão. Para isso, recebiam treina-mento em campos no norte do Paquistão,de instrutores do Escritório de ServiçosTécnicos da CIA (Central IntelligenceAgency) e do Serviço de Inteligência Mi-litar Paquistanês (ISI). Fortalecidos com

Como evitar a possibilidadede atentados

terroristas no Brasil

T&D

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a retirada soviética e clamando créditopelo subsequente colapso do regime deMoscou, decidiram expandir seus esfor-ços para outras partes do mundo.

A conexão existente entre Estadospatrocinadores do terrorismo e a Guer-ra Fria era tão profunda que, com a que-da do muro de Berlim e o posterior fimda União Soviética, muitos declararamque esse tipo de atividade havia termi-nado. Isso ficou evidenciado quando umgrupo interagências que trabalhava emNew York investigando o atentado a bom-ba ao World Trade Center, em 1993, foidissolvido pelo recém empossado assis-tente do secretário de Estado, declaran-do que a Divisão do Serviço de Seguran-ça Diplomática não necessitava de umaDivisão de Investigação Contrater-rorismo, uma vez que o terrorismo ha-via se extinguido.

Isso, obviamente, não ocorreu. Ossentimentos otimistas existentes em al-gumas agências governamentais norte-americanas, bem como em outros paí-ses europeus (e Israel), fez com que aameaça “jihadista” crescente fosse me-nosprezada, falhando principalmente emproteger algumas instalações diplomáti-cas. O relatório final da ComissãoCrowe2, que foi criada para rever as fa-lhas existentes na não detecção dos doisatentados à bomba contra as embaixa-das dos Estados Unidos situadas em Nai-róbi (Quênia) e Dar Es Salaam (Tan-zânia), ambos em 1998, explicitamenteapontou negligência nas ações de segu-rança e contraterrorismo; fato similarocorreu com a Comissão 9/113. Cabelembrar que, em 1992, a sede diplomá-tica israelense em Buenos Aires tambémfoi alvo de um ataque.

As ações terroristas de 11 de setem-bro de 2001 provocaram uma mudançana geopolítica internacional, levando osEstados Unidos a concentrar grande par-te do seu esforço e recursos para fazerfrente à Al Qaeda e seus simpatizantes.Ironicamente, ao mesmo tempo em queo governo foi capaz de reestruturar asua carga burocrática frente à novaameaça, criando organizações como oDepartamento de Segurança Interna, osaparatos contraterrorismo existentes jáhaviam descartado a Al Qaeda comouma potencial ameaça. Alguns dessesnovos órgãos desempenharam um im-portante papel no sentido de ajudar opaís a lidar com as consequências deinvadir o Iraque, depois do Afeganistão.Washington gastou bilhões de dólarespara criar meios e programas de fundosque não eram necessários, porque aquiloque deveriam combater - como as ma-letas com dispositivos nucleares que sus-peitava-se que a Al Qaeda possuía - nãoexistiam. O fato é que a única superpo-tência global saiu do seu equilíbrio, o quecausou um desequilíbrio em todo o sis-tema global.

Com a diminuição continuada da ame-aça “jihadista”, ressaltada com a elimi-nação de Osama Bin Laden, em maio de2011, e a queda de Kadhafi, na Líbia (quesempre usou o terrorismo como arma),tudo indicava que haveria uma mudançana forma de encarar a problemática doterrorismo, com alguns estudiosos, inclu-sive, chegando a tecer comentários so-bre a sua extinção. Entretanto, fatosregistrados em fevereiro de 2012 (rela-tados adiante), serviram para mostrarque, embora os terroristas e suas TTPpossam ter sofrido mudanças, isso nãosinaliza necessariamente o seu fim.

Existem muitas definições conflitantesa respeito do que vem a ser terrorismo.Porém para a proposta desse artigo,será definido simplesmente como umaviolência motivada politicamente contracivis não combatentes. Em que pese al-guns ataques terem sido desencadeadoscontra alvos militares, o objetivo princi-pal não era só causar baixas, mas tam-bém difundir uma mensagem psicológi-ca, como o atentado da Al Qaeda ao USSCole, no Golfo de Aden, em 2000, e osdo Hezbollah às bases dos Marines eparaquedistas franceses no Líbano, em1983, por exemplo.

Terrorismo é uma tática, muitas ve-zes empregada de forma estratégica, uti-lizada por uma enormidade de atores. Nãoexiste um único credo, etnia, convicçãopolítica ou nacionalidade como monopó-lio. Indivíduos ou grupos, dos mais vari-

ados e imagináveis - desde racistas comoo Ku Klux Kan, organizações criminosasatuantes em favelas brasileiras, ou atémesmo um ativista cristão que tem comoobjetivo combater a legalização do abor-to - utilizaram atos terroristas como umaforma de atingir seus objetivos.

Tradicionalmente, o terrorismo temsido uma tática dos mais fracos, ou seja,daqueles que não têm o poder de imporsua vontade por meios políticos e milita-res comuns. Com base na afirmação deCarl Von Clausewitz de que a guerra é acontinuação da política por outros mei-os, poder-se-ia dizer que o terrorismo éum tipo de guerra e, assim, usa a vio-lência para a consecução de suas me-tas. Exatamente por isso, geralmente,concentra-se em alvos civis (tambémchamados de “soft targets”4) por seremmais fáceis de serem atacados do quealvos militares.

Não pode, ainda, ser definido pelo tipode arma utilizada. Usar um veículo comum artefato explosivo improvisado con-tra uma base da Força de Assistência àSegurança no Afeganistão (ISAF) podeser considerado como um ato de guerrairregular. Se fosse usado contra um ho-tel em Kabul, poderia ter uma conotaçãoterrorista. Isso significa que os talibãspodem empregar TTP de guerra conven-cional, não convencional e terrorismodurante a mesma campanha, dependen-do da situação. O que deve ser levadoem consideração na análise é o objetivopsicológico da ação.

Ataques terroristas são relativamen-te fáceis de serem executados quandodirigidos contra soft targets, principal-

Atentado com carro bomba contra uma delegacia de polícia em Bagdá

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mente se o agressor não estiver preo-cupado com a fuga após o ato, como foio caso dos ataques em Mumbai, em2008. Em que pese as forças de segu-rança de muitos países terem aprimora-do as suas técnicas de inteligência e comisso obtido bastante êxitos preventivosnos últimos anos, é simplesmente im-possível para os governos terem recur-sos para manter todo o país em segu-rança. Assim, alguns ataques apresen-tam probabilidades de sucesso, de modoespecial nas sociedades menos rígidasdo Ocidente.

Também tendem a ser teatrais, exer-cendo um estranho fascínio sobre a ima-ginação humana (os filmes hollywoo-dianos estão aí a demonstrar). Eles,muitas das vezes, criam um senso deterror único, diminuindo as reações faceaos desastres naturais muito maiores emmagnitude. Cerca de 222 mil pessoasmorreram em 2010 no terremoto ocor-rido no Haiti, contra menos de três milno 11 de setembro; ainda assim, os ata-ques às torres gêmeas produziram umasensação mundial de terror e uma reaçãogeopolítica que produziu um impacto pro-fundo e sem paralelo em eventos mun-diais ao longo da última década.

Acontecimentos no início de 2012 ilus-tram perfeitamente a adaptabilidade dasatividades terroristas a outras condiçõese que estão longe de deixar de existir.

Em 17 de fevereiro de 2012, o Fede-ral Bureau of Investigation, o FBI, pren-deu um marroquino nas proximidades doCapitólio, em Washington, que tinhacomo intuito realizar um ataque suicidaao monumento. O suspeito, Amine ElKhalifi, é um exemplo claro na mudança“jihadista”, que até então utilizava mem-bros vindos do núcleo base da Al Qaedanas suas ações de vulto. Esse perfil temse modificado nos últimos anos, uma vezque os “novos” terroristas representamum perigo mais difuso, pois eles sãomais difíceis de serem identificados pelainteligência e forças de segurança, umavez que não possuem nenhumavinculação hierárquica com a Al Qaeda.E, exatamente por não possuírem as TTPnecessárias para realizarem um ataquede grande impacto, representam umaameaça menos grave. Por não seremexperientes, tendem a procurar ajudapara realizar os seus planos. Essa assis-tência geralmente envolve a aquisiçãode explosivos ou armas de fogo, comono caso de El Khalifi, em que um agentedo FBI, se passando por um líderjihadista, lhe forneceu um colete suicidae uma submetralhadora, ambos inertes,antes do suspeito ser detido.

Enquanto muitos formadores de opi-nião tendem a qualificar militantes comoEl Khalifi como ineptos, é importante res-

saltar que se ele tivesse conseguido en-contrar um facilitador real, ao invés deum agente federal, o seu ataque pode-ria ter tido como resultado a morte decivis inocentes. Richard Reid, internaci-onalmente conhecido como “shoebomber”, chegou perto de conseguir re-alizar o seu ataque, em dezembro de2001, a bordo do voo 63, de Paris paraMiami. O explosivo não detonou devidoao atraso de um dia na decolagem. Emvirtude de estar usando o têniscontinuadamente por mais de um dia, ede ter tomado chuva antes de embar-car, o estopim ficou úmido, dificultandoo seu acionamento. Outro caso que valeser lembrado é o do paquistanês natu-ralizado cidadão americano, FaisalShahzad, que, em maio de 2010, planejouutilizar um carro bomba e incendiário naTimes Square, em New York. Ele somentenão conseguiu fazê-lo por imperícia nadetonação inicial do artefato.

De qualquer modo, permanece ofato de que a ameaça “jihadista” atualprovém de aspirantes despreparados,ao invés de pessoal treinado e enviadodo exterior, como as equipes que exe-cutaram os ataques do 11 de setem-bro, nos Estados Unidos, e os de 1992 e1994, na Argentina. Isso demonstra umadiminuição na ameaça tradicional, frutodo aumento das atividades de seguran-ça interna dos países, bem como na efi-cácia da eliminação de alvos de altovalor (líderes extremistas) nas organi-zações terroristas.

Eventos no final de fevereiro de 2012mostram como o terrorismo pode semanifestar de forma diferente no novociclo geopolítico que se apresenta. Em13 de fevereiro, veículos diplomáticosisraelenses em Nova Déli (Índia) e Tbilisi(Geórgia), foram alvos de artefatos ex-plosivos. Em Tbilisi, uma granada escon-dida na parte de baixo foi descobertaantes de ser detonada. Em Nova Déli,uma bomba adesiva colocada na trasei-ra do veículo, feriu a esposa do adido dedefesa, enquanto ela seguia para pegaros filhos na escola.

No dia seguinte, 14, um iraniano foipreso após ficar ferido em uma explo-são ocorrida em uma casa alugada emBangkok (Tailândia). Isso teria ocorridocom um grupo de militantes que esta-vam preparando artefatos explosivosimprovisados para serem usados contraobjetivos israelenses naquela cidade.Dois outros iranianos foram presos pos-teriormente (um deles na Malásia), eautoridades tailandesas estão procuran-do outros três, dois dos quais suspeita-se já terem retornado ao Irã, acusadosde estarem envolvidos com oplanejamento dos atentados. Emboraessas recentes ações iranianas tenhamfalhado, elas mostram como o Irã estáusando o terrorismo como tática em re-presália aos ataques que Israel vem con-

duzindo contra indivíduos associados aoseu programa nuclear.

Também é importante ter em menteque essa nova etapa não tem como exe-cutantes do terrorismo somente gover-nos estrangeiros, ou atores subna-cionais ou transnacionais vinculados aideologias. Como visto nos ataques dejunho de 2011, na Noruega, conduzidospelo cidadão Anders Breivik, ou em ca-sos mais antigos como Eric Rudolph,Timothy McVeigh e Theodore Kaczynski,nos Estados Unidos, todos eram nati-vos que possuíam uma variedade dequeixas contra seus governos ou suasociedade, e recorreram a atentadospara externar a sua revolta. Tais tiposde ressentimentos, certamente, nãodeixarão de existir.

Ciclos geopolíticos continuarão amudar e isso poderá causar transforma-ções em quem emprega o terrorismo etambém na forma de executá-lo. Mas,como tática, vai continuar não importaquais sejam os novos ciclos.

Cada vez mais o Brasil se apresentacomo um “global player”. Um assento noConselho de Segurança da ONU nuncafoi tão almejado pela política externa deBrasília. Em virtude disso, um questio-namento deve ser feito: será que o Paísestá fazendo a sua parte para que issopossa ser merecido?

Eventos como a Conferência Rio+20,em 2012; Copa das Confederações e vi-sita do Papa Bento XVI, em 2013; Copado Mundo de Futebol, em 2014; e asOlimpíadas, em 2016, assinalam que oPaís está no caminho certo. O mundoconfia na perícia brasileira para que seusatletas e autoridades possam vir em se-gurança representar seus países; mui-tos desses, alvos declarados de extre-mistas transnacionais.

Junto ao grande desafio de gerenciartais eventos, o segmento político estápreocupado em adequar algumas neces-sidades da sociedade brasileira comoredimensionar a capacidade dos aero-portos internacionais, melhorar o siste-ma de transporte urbano, adequar a es-trutura hoteleira, terminar as obras nasarenas esportivas, entre outras. Os pro-fissionais da área de segurança e defe-sa têm a obrigação de planejar suasatividades para que tudo transcorra emperfeita paz, pois dessa forma estarãofazendo a sua parte para projetar a ima-gem brasileira internacionalmente.

A defesa contra atentados terroris-tas é mundialmente exercida com baseem quatro vertentes: o antiterrorismo,o contraterrorismo, inteligência e ogerenciamento das consequências.

O antiterrorismo consiste nas medi-das passivas, defensivas, preparatóriase de proteção tomadas para se evitar

PERSPECTIVA BRASILEIRA

CICLOS E MUDANÇAS

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um ato terrorista. Para que o Brasil seenquadre nos padrões internacionaisestabelecidos é preciso que recursossejam investidos pelas autoridades com-petentes. Um esforço deve ser realiza-do para aumentar a capacitação dosenvolvidos com a segurança para quesaibam como devem proceder. Quandose fala em profissionais de segurança,aliás, o pensamento não deve ficar res-trito somente aos policiais civis e milita-res. Guardas municipais, seguranças dosmetrôs, shopping centers, casasnoturnas, edifícios residenciais e esta-belecimentos privados devem entrarnessa lista, e cabe ao Estado fornecer-lhes treinamento adequado. Trabalhado-res que lidam com o público em geralcomo motoristas de táxi e funcionáriosde hotéis igualmente podem receberhabilitação específica. Também engloba-do na vertente antiterrorismo se encon-tra a aquisição de materiais próprioscomo detectores de metais, de explosi-vos (eletrônicos e treinamento de cãesfarejadores), sistemas eletrônicos devigilância e, principalmente, um eficaz

sistema de credenciamento para quetodos os participantes desses grandeseventos, sobretudo os estrangeiros, pos-sam ser devidamente identificados.

Por contraterrorismo se entendemedidas ativas que visam impedir oueliminar uma ameaça. Forças de segu-rança capacitadas como a Brigada deOperações Especiais do Exército Brasi-leiro, Comando de Operações Táticas daPolicia Federal e tropas de operaçõesespeciais das Polícias Militares estadu-ais, permanecem em constante adestra-mento para se atualizarem e estarem emcondições de intervir, se assim se fizernecessário. Mais importante do que de-senvolverem suas potencialidades indi-vidualmente, é a capacidade de opera-rem em sintonia, ou seja, conjuntamen-te, pois muitas das vezes a experiênciatem demonstrado que sozinhas essasforças são insuficientes para erradicarameaças de vulto. Operar junto não sig-nifica possuir equipes táticas mistas, muitopelo contrário, as especificidades de cadatropa devem ser respeitadas. O que sebusca é um Estado-Maior misto, treina-

do para pensar e decidir em conjuntoonde e como empregar cada tropa, de-pendendo da situação tática encontrada.

Muitos profissionais dessa área ain-da não entenderam que, nos dias dehoje, o contraterrorismo se caracterizapela proatividade (diferentemente docontraterrorismo reativo muito empre-gado no século passado), ou seja, paraque suas unidades possam entrar emação e eliminar a ameaça terrorista, pri-meiramente os membros da inteligênciaprecisam identificar essas ameaças, casocontrário as tropas operacionais estarãosimplesmente fazendo meras demons-trações de força, muito pouco eficazes.Uma medida eficiente é o emprego deoficiais de ligação das tropas de opera-ções especiais junto a centros de inteli-gência. Quando identificada a ameaça,esses operadores serão perfeitos asses-sores de qual deve ser o momento exatopara o trabalho dos grupos táticos.

Propositadamente, as atividades deinteligência e o gerenciamento dasconsequências ficaram para o final, poisnessas duas áreas, muito deve ser feito

Equipes táticas contraterrorismo que se limitam a executar escoltas aéreas, sem estaremperfeitamente integradas com as células de inteligência (Qual é a minha ameaça?

Contra “o que” estou defendendo meu comboio?), tendem a ser ineficazes

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para melhorar o atual quadro nacional,e mais do que a simples designação deverbas, uma mentalidade de que elas sãoimprescindíveis deve ser imperativa.Para que essa conscientização seja de-senvolvida, seria de fundamental impor-tância uma ampla participação do seg-mento político brasileiro, responsável emum sistema democrático por formularleis e empregar verbas. O engajamentode órgãos como a Câmara de RelaçõesExteriores e Defesa Nacional da CasaCivil da Presidência da República(CREDEN)5 , a Comissão de Relações Ex-teriores e Defesa Nacional da Câmarados Deputados (CREDN) e a Comissãode Relações Exteriores e Defesa Nacio-nal do Senado Federal (CRE) é de fun-damental importância.

As atividades de inteligência sãoaquelas desenvolvidas justamente parase identificar a ameaça e, com as forçascontraterroristas, evitar que algum aten-tado aconteça, como no caso do agentedo FBI se passando por fornecedor dearmas e explosivos. Contudo, não serestringe a isso. São várias as tarefascomo a ligação com serviços de inteli-gência estrangeiros, controle da vendade armas e do estoque de explosivos,gerenciamento dos imigrantes ilegais,fiscalização na emissão de documentosfalsificados, de cargas internacionais queentram nos portos, no repasse de gran-des quantias de dinheiro, enfim, diver-sas atuações que no Brasil são efetuadaspor diferentes órgãos. Falta no País umórgão central que seja o responsável porjuntar todas essas informações (literal-mente como um jogo de quebra-cabe-ça) e com isso tenha uma ideia única daameaça. Isso é conhecido internacional-mente como operações interagências.

Para citar como as operaçõesinteragências devem funcionar, tome-secomo exemplo os recentes assaltos acaixas eletrônicos, utilizando explosivos,acontecidos no Estado de São Paulo e nosul do País, que devem estar sendo in-vestigados pelas Polícias Civis estaduais.Para se atingir o efeito desejado, algu-mas coordenações são necessárias, poiso controle de explosivos é feito pelo Exér-cito Brasileiro; a tarefa de rastrear ondeo dinheiro está sendo utilizado é de res-ponsabilidade da Polícia Federal; e cabe-rá à Receita Federal identificar as pesso-as (físicas ou jurídicas) envolvidas, se oproduto do roubo for transferido para oexterior. Dentro deste mesmo exemplo,surgem outros questiona-mentos como:qual a procedência da dinamite? Será quesão realmente bananas de dinamite, oualgum outro tipo de explosivo está sendoutilizado? De onde vem a técnica dos cri-minosos para manejar explosivos? Umtrabalho complexo que deve, obrigatori-amente, ser desenvolvido em conjunto.

Quando se fala em gerenciamentodas consequências, o foco esta em “o

que” fazer após o atentado ter aconteci-do. Auxílio às vítimas, busca por sobre-viventes, limitação dos danos eatividades forenses de como o ataqueaconteceu e, especialmente, achar osresponsáveis. Cabe ressaltar que a Ar-gentina, após sofrer os atentados em1992 e 1994, solicitou ajuda a especia-listas de outros países para fazer frentea esses desafios. Não há dúvida na ex-celência da capacidade de socorro dasunidades de pronta resposta nacionais.Basta lembrar as operações bem suce-didas da defesa civil e dos bombeirosnos socorros às vítimas de desastres

naturais de vulto acontecidos no Rio deJaneiro e em Santa Catarina. Mas o em-prego desses especialistas em cenáriosde atentados terroristas diverge em al-guns pontos dos desastres naturais.Imagine-se um ataque utilizando agen-tes químicos, bacteriológicos, nuclearese radiológicos (QBNR). O Brasil possuiequipamento e material limitados pararesponder a um desafio dessa magni-tude. Um bom exemplo foi o acidenteenvolvendo Césio 137, em Goiânia, em1987, projetado em uma escala maior,como um atentado se valendo de uma“bomba suja”6, usando esse mesmo ma-

Forças de segurança executando exercícios de simulação em São Paulo,com o objetivo de se capacitarem para a Copa do Mundo da FIFA

PMES

PPM

ESP

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1 O Exército Vermelho Japonês foi au-tor de diversas ações de grande reper-cussão internacional. Dentre elas váriosdesvios de aviões e ataques a embaixa-das ocidentais. Atualmente o grupo conti-nua ativo, contando com fortes redes deapoio e financiamento. Evidências mos-tram estreitas ligações com grupos rebel-des no Peru.

2 O “Report of the AccountabilityReview Boards on the EmbassyBombings in Nairobi and Dar ESSalaam on August 7, 1998.” foi publi-cado pelo Departamento de Estado nor-te-americano em janeiro de 1999 e rece-beu essa denominação em virtude da co-missão ter sido chefiada pelo almiranteWillian J. Crowe.

3 A Comissão Nacional sobre os Ata-ques Terroristas nos EUA, também co-nhecida como 9/11 Commission, foiestabelecida em 27 de novembro de2002, “para preparar uma conta total ecompleta das circunstâncias que envol-veram os ataques de 11 de setembro de2001”, incluindo uma preparação e res-

Notas

posta imediata aos ataques. Também tinhacomo missão formular recomendaçõesdestinadas a evitar ataques futuros. O re-latório final da comissão foi longo e basea-do em extensas entrevistas e depoimentos.Sua principal conclusão foi que as falhasda Agência Central de Inteligência (CIA) edo Federal Bureau of Investigation (FBI) per-mitiram que os ataques terroristas ocorres-sem e que se as agências tivessem atuadode forma mais sensata e agressiva, os ata-ques poderiam ter sido evitados.

4 São exemplos de soft targets: hotéis,sistemas de transporte (estações de me-trô, aeroportos, barcas, ônibus urbano),pontos turísticos, arenas esportivas, casasnoturnas etc.

5 A Câmara de Relações Exteriores eDefesa Nacional (CREDEN) do Conselhode Governo, é presidida pelo ministro-chefedo GSIPR, e tem por finalidade formular polí-ticas, estabelecer diretrizes, bem como apro-var e acompanhar programas e ações a se-rem implantados em matérias relacionadasa: cooperação internacional em assuntos desegurança e defesa; integração fronteiriça;

populações indígenas; direitos humanos;operações de paz; narcotráfico e outros de-litos de configuração internacional; imigra-ção; atividade de inteligência; segurançapara as infraestruturas críticas; segurançada informação; e segurança cibernética.Cabe, ainda, à CREDEN o permanenteacompanhamento e estudo de questões efatos relevantes, com potencial de risco àestabilidade institucional, para prover in-formações ao presidente da República.

6 Bomba suja é um termo usualmenteempregado para designar uma arma ra-dioativa, ou seja, uma bomba não-nucle-ar que quando acionada por intermédiode um explosivo convencional (como TNT)dispersa material radioativo armazenadoem seu interior, causando contaminaçãopela radiação e doenças semelhantes àsque ocorrem quando uma pessoa é con-taminada por uma bomba atômica. A bom-ba suja, mesmo com poucos quilos de lixoradioativo, quando dispersados direta-mente na atmosfera, pode ocasionar umanuvem de material radiativo, provocandoa morte de milhares de pessoas.

N. da R.: Laurence Alexandre XavierMoreira é tenente-coronel do ExércitoBrasileiro, atualmente se encontra adisposição da Organização das NaçõesUnidas e desempenha a função deMilitar de Ligação no Sudão do Sul(United Nations Mission in South Sudan– UNMISS). É especialista em GuerraIrregular, Contraterrorismo e Proteçãode Dignitários.

terial radiológico. O grande segredo parase preparar para acontecimentos des-sa natureza é treinamento. Planos decontingência devem ser feitos e ensai-ados. Londres, sede das Olimpíadas de2012, e que sofreu atentados no seu sis-tema de transporte em 2005, está fa-zendo isso.

Diante dos novos desafios que irãose apresentar é necessário que a segu-rança nacional receba a mesma aten-ção dada à economia que, graças aoempenho dos dirigentes, hoje ocupa asexta posição mundial. Um órgão quegerencie e desenvolva as capacidadesde todas as instituições é de fundamen-tal importância. Essa organização foi cri-ada em 2009, mas extinta em 2011, sechamava Núcleo do Centro de Preven-ção e Combate ao Terrorismo, e estavavinculada ao Gabinete de SegurançaInstitucional (GSI). A sua reativação seráum importante passo. A existência de umórgão como esse não significa que o Bra-sil esteja admitindo a possibilidade deuma ameaça terrorista no seu território,muito pelo contrário, ele será o respon-sável por mostrar ao mundo que segu-rança é uma prioridade e, acima de tudo,que é um lugar seguro.

Há muito a ser feito. As experiênciasinternacionais merecem ser estudadase, particularmente, os próprios erros

devem servir como fonte de ensi-namentos. Vale lembrar o caso que cho-cou o Brasil, quando um jovem com dis-túrbios mentais brutalmente assassinoucrianças em uma escola em Realengo,no Rio de Janeiro, em 2011. O desenro-lar das informações midiáticas, fez comque o sargento da Polícia Militar, que eli-minou o assassino, virasse um herói na-cional. Sem dúvida nenhuma o policialagiu bravamente, porém por instinto; foiimperito ao realizar uma entrada táticasozinho, colocando inclusive a sua pró-pria vida em risco ao tentar resolver asituação sem uma correta análise do queestava ocorrendo. Verdadeiro herói foio garoto que, mesmo baleado, correuem busca de socorro, quando na verda-de ordenamentos jurídicos deveriamexistir para que a escola possuísse umalinha telefônica (“telefone vermelho”)que a colocasse em contato direto coma unidade policial mais próxima. Deve-ria ser também uma obrigação do Esta-do fornecer agentes de segurança ca-pacitados para todas as escolas públi-cas, sendo esses os responsáveis pelaimplementação de planos de contingên-cia que treinem alunos, professores efuncionários em como proceder em ca-sos de emergência. Nada disso existia econtinua não existindo, em que pese serfundamental em uma estrutura eficaz de

proteção. Além do mais, procedimentosadotados para evitar crimes comuns sãoextremamente úteis às medidas de com-bate ao terrorismo.

Decisões políticas, como dar asilo aCesare Battisti ou apoiar o programanuclear iraniano, são de inteira respon-sabilidade do governo e não cabe se-rem questionadas. Entretanto, essas ati-tudes, definitivamente, não protegerãoo território brasileiro da ação de extre-mistas políticos ou religiosos. Um Esta-do que almeja realmente possuir umassento no Conselho de Segurança daONU, deve possuir uma estrutura dignade primeiro mundo e ser realmente ca-paz de manter a sua soberania, a inte-gridade do seu patrimônio e o bem es-tar do seu cidadão, ou seja, interessesvitais da Segurança Nacional.