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Entrevistado : médico Eduardo Henrique de Rose Data de nascimento : 08/08/1 942 Entrevistadora : Profa. Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista : 22/08/1 997 Transcritor : Marcelo Gomes Virginio, acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da UFRGS Pergunta - Como surgiu a idéia de criar o LAPEX? Resposta - Em 1971 foi que eu tive a idéia de fazer o LAPEX, porque eu fui a um estágio técnico no Rio de Janeiro, do ACISME, que é a Academia Internacional Militar. É uma academia que reúne todos os militares do mun- do inteiro que desenvolvem Educação Física e Medicina do Esporte; e nesse estágio da ACISME veio o professor Cooper, veio o pro- fessor Rasch, veio uma série de grandes pro- fessores do mundo. E aí eu, o coronel Teixeira, que era na época o diretor da Divisão de Edu- cação Física e Desportos do MEC, chamava DED/MEC, numa palestra que casualmente eu acho que só estavam eu e mais três -porque era uma noite que tinha ensaio na Mangueira, e convidaram o pessoal para ir para Manguei- ra, mas eu preferi ver a linha do coronel- ele mostrou quais eram os planos do Brasil na área de Educação Física. Segundo ele, o Brasil ti- nha uma carência na área do esporte, porque não havia Ciência do Esporte, não havia Medi- cina do Esporte, e a inexistência dessas duas áreas trazia sérios problemas para o esporte competitivo. Então, no sentido de resolver essa carência, o DED apresentou a possibilidade de criar cinco centros brasileiros de Medicina do Esporte e Ciência do Esporte que seriam alocados nas escolas de Educação Física; e, evidentemente, o primeiro deles era no Rio, já era dirigido pelo professor Maurício Rocha; o EDUARDO HENRIQUE DE ROSE é Médico graduado pela Faculdade Federal Fundação Ciências Médicas em 1966. Especialista em Medicina do Esporte pela ESEF/UFRGS em 1968. Professor da ESEF nas disciplinas de Socorros de Urgência e Fisiologia do Exercício em 1969. Quando a ESEF foi federalizada, em 1970, foi incorporado ao seu quadro de pessoal como médico. Curso de Especiali- zação na Universidade de Tourse (França). Curso de Doutorado na Universidade de Colônia (Alemanha). Foi coordenador do LAPEX no período de 1973 a 1980. Atualmente é professor titular aposentado da Escola de Educação Física da UFRGS. segundo era em São Paulo; e eles iam definir onde seriam os próximos três centros. Então me deu o "cutuco" que eu estando aqui parado sem fazer nada, quer dizer, eu estava de médi- co da Escola, não podia lecionar porque não era mais professor, já era federal, não é? Então resolvi criar, por que não? Vamos fazer esse LAPEX. A quantidade em dinheiro seria o equi- valente, hoje, a um milhão e meio de dólares: eu estimo uma boa possibilidade. Vim aqui e falei com o Jorge Furtado, que era o Coordena- dor Acadêmico -que corresponde hoje ao que seria o Pró-Reitor de Graduação- e ele me deu apoio. Era uma pessoa que eu conhecia muito bem. Falei com o reitor, que era o Jobim; com o diretor da Escola, o coronel Targa; e todos eles disseram que a idéia era excelente. Então fiz um projeto para concorrer a isso, não é? E, Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX Movimento - Ano VI - Edição Especial - 2000 23

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Entrevistado: médico Eduardo Henrique de Rose

Data de nascimento: 08/08/1 942 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 22/08/1 997

Transcritor: Marcelo Gomes Virginio, acadêmico do

curso de Licenciatura em Educação Física da UFRGS

Pergunta - Como surgiu a idéia de criaro LAPEX?

Resposta - Em 1971 foi que eu tive aidéia de fazer o LAPEX, porque eu fui a umestágio técnico no Rio de Janeiro, do ACISME,que é a Academia Internacional Militar. É umaacademia que reúne todos os militares do mun-do inteiro que desenvolvem Educação Física eMedicina do Esporte; e nesse estágio daACISME veio o professor Cooper, veio o pro-fessor Rasch, veio uma série de grandes pro-fessores do mundo. E aí eu, o coronel Teixeira,que era na época o diretor da Divisão de Edu-cação Física e Desportos do MEC, chamavaDED/MEC, numa palestra que casualmente euacho que só estavam eu e mais três -porqueera uma noite que tinha ensaio na Mangueira,e convidaram o pessoal para ir para Manguei-ra, mas eu preferi ver a linha do coronel- elemostrou quais eram os planos do Brasil na áreade Educação Física. Segundo ele, o Brasil ti-nha uma carência na área do esporte, porquenão havia Ciência do Esporte, não havia Medi-cina do Esporte, e a inexistência dessas duasáreas trazia sérios problemas para o esportecompetitivo. Então, no sentido de resolver essacarência, o DED apresentou a possibilidade decriar cinco centros brasileiros de Medicina doEsporte e Ciência do Esporte que seriamalocados nas escolas de Educação Física; e,evidentemente, o primeiro deles era no Rio, jáera dirigido pelo professor Maurício Rocha; o

EDUARDO HENRIQUE DE ROSE é Médico graduado pela

Faculdade Federal Fundação Ciências Médicas em 1966.

Especialista em Medicina do Esporte pela ESEF/UFRGS

em 1968. Professor da ESEF nas disciplinas de Socorros

de Urgência e Fisiologia do Exercício em 1969. Quando

a ESEF foi federalizada, em 1970, foi incorporado ao

seu quadro de pessoal como médico. Curso de Especiali-

zação na Universidade de Tourse (França). Curso de

Doutorado na Universidade de Colônia (Alemanha). Foi

coordenador do LAPEX no período de 1973 a 1980.

Atualmente é professor titular aposentado da Escola de

Educação Física da UFRGS.

segundo era em São Paulo; e eles iam definironde seriam os próximos três centros. Entãome deu o "cutuco" que eu estando aqui paradosem fazer nada, quer dizer, eu estava de médi-co da Escola, não podia lecionar porque nãoera mais professor, já era federal, não é? Entãoresolvi criar, por que não? Vamos fazer esseLAPEX. A quantidade em dinheiro seria o equi-valente, hoje, a um milhão e meio de dólares:eu estimo uma boa possibilidade. Vim aqui efalei com o Jorge Furtado, que era o Coordena-dor Acadêmico -que corresponde hoje ao queseria o Pró-Reitor de Graduação- e ele me deuapoio. Era uma pessoa que eu conhecia muitobem. Falei com o reitor, que era o Jobim; como diretor da Escola, o coronel Targa; e todoseles disseram que a idéia era excelente. Entãofiz um projeto para concorrer a isso, não é? E,

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nesse projeto, até porque eu não tinha muitaexperiência nisso, pedi um auxílio para o pro-fessor Mário Rigato. Então trabalhei com oprofessor Mário Rigato, e montamos um pro-jeto em que pedíamos os equipamentos bási-cos, alguns deles ainda no LAPEX, como a es-teira, o espirômetro de 600 litros; e realmenteo projeto ganhou. Foi o melhor projeto e erapor estado. Eu concorri com Santa Maria, ga-nhei de Santa Maria; e o Laboratório veio paraPorto Alegre e aí começou assim: começou em1971 com a idéia; em 1972, com o projeto, jámarcamos uma inauguração que foi em agostode 72 com aquela primeira salinha, que fica láno ginásio. Só tinha aquela salinha do canto,onde hoje é... nem sei mais o que é, mas eramas duas primeiras salinhas lá da ponta.

P - Onde hoje é o setor de biomecânica?

R - É, exatamente. É a porta que desceda escada; só aquelas duas: ali eram o meu es-critório e a sala de reuniões do LAPEX. Eu atétenho várias fotos disso que eu estou separan-do lá para te dar depois. Então a minha primei-ra providência, já que eu era um diretor semninguém dentro, foi contratar uma secretária.O LAPEX tinha uma verba específica doLAPEX: ela não vinha para a Escola, não é?Isso criou muito problema para o LAPEX; por-que, evidentemente, imagina, era uma Escolapobre, não tinha material nenhum, e de repentetinham duas salinhas com um milhão e meiode dólares para montar, quer dizer, foi uma con-fusão tremenda. Mas dentro do padrão eu con-segui evitar maiores problemas e então pedi àEscola que selecionasse os dez melhores alu-nos para eu poder começar o LAPEX dessamaneira. O professor Werner dos Reis que se-lecionou junto com o professor Targa, e dessesprimeiros dez eu fiz um núcleo e comecei a tra-balhar com eles. Eram alunos como vocês, en-tão comecei a definir funções: tu vais fazer fi-siologia; tu, cineantropometria; tu, psiquiatria;psicologia; distribuí o que eu achava, não é?Que, aliás, eu nem tinha como achar. Então,em 1973, eu fui para os Estados Unidos e pas-sei três meses lá visitando vários centros dessetipo em busca de referências para ter uma idéiado que era, não é? Então, a partir de 1973 nós

fizemos um primeiro curso do pessoal no Riode Janeiro. O professor Maurício Rocha trei-nou o doutor Belmar de Andrade, que era ummédico que trabalhou desde o começo comi-go, era da primeira equipe. Desses dez aindatêm aqui... ficaram ainda na Escola até agora oprofessor Guimarães, o professor Ricardo, fo-ram dois desses dez; e o professor Adroaldo,que foi um desses dez mas saiu daqui. E osoutros continuaram: formaram-se e continua-ram trabalhando no LAPEX, ainda que nãocomo professores. Nós só passamos a serfederalizados como professores em 1980; en-tão, entre 1973 e 1977, eles eram contratadospelo LAPEX: tinham um contrato, que era re-novado todos os anos, e não tinham estabilida-de. Então eles eram chamados professores co-laboradores, mas nenhum de nós podia partici-par do ensino na Escola. Então, os alunos re-clamavam, porque o LAPEX não tinha nada aver com o ensino. Nós não éramos professoresda Escola: nós tínhamos um projeto e éramospagos pelo Ministério, não pela Escola nem pelaUniversidade. Em 1980, a lei estabilizou pro-fessores com mais de tantos anos, e nós tínha-mos esses anos; então todo mundo passou a serprofessor da Instituição. Então, nesse período,o que eu fiz foi dividir professores, parte pelasua origem, como o professor Guimarães, quevinha da Arquitetura. Ele fazia Arquitetura an-tes de fazer Educação Física; ele saiu da Ar-quitetura para a Educação Física, então ele erao único que eu tinha que sabia fazer conta, por-que ele tinha cálculo I, cálculo II. O mais difí-cil eu dava para ele, que era a cineantropo-metria, que tinha muito cálculo. Naquela épo-ca não tinha computador que nem o que temhoje, então nós tínhamos que fazer os cálculos,a maioria à mão, ou com calculadora. Um dosprimeiros equipamentos que eu comprei noLAPEX foi uma enorme calculadora Olliveti,que funcionava com cartão magnético e eraprogramável; e tinha uma máquina de escrevercomo aquela ali, antiga, mecânica, com umaimpressora de saída. Desde os anos 70, então,nós usávamos em todos os relatórios doLAPEX, que eram informativos, e nas primei-ras pesquisas que nós fizemos no Brasil, comoo projeto ANTROPOJEBS, que foi um dos pro-jetos que nos promoveram muito. Eu comecei

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a trazer pessoas de fora, como o Ross e o Carter,para nos assessorarem e transmitirem tecno-logia, por exemplo. Então nós analisamos to-dos os JEBs (Jogos Escolares Brasileiros) bus-cando padrões; e nesses padrões descobrimosum ou dois atletas que foram padrões interna-cionais, depois de referência, como RobsonCaetano. Ele foi descoberto aqui no LAPEXdentro de um JEBs, e nós investimos nele den-tro de biótipos e de capacidade física; dali emdiante ele saiu para o esporte olímpico. Até temum livro meu que traz uma foto dele comdezesseis anos sendo analisado no LAPEX, queé um livro de cineantropometria que é aEnciclopede of Sports Medicine, publicado em1996 pela Oxford de... como é o nome da edi-tora? Black Wheel, de Oxford. Ali eu tenho umcapítulo seis, se eu não me engano, o artigoque eu escrevi; e tu vais ver uma foto do Joa-quim Cruz com dezesseis anos sendo analisa-do aqui no estudo antropométrico. Esse livrotem na biblioteca. O Benno ficou na área dePsicologia desde o começo; ele era professorde Educação Física depois de treinado noLAPEX em Psicologia. É que nós o convence-mos a fazer Psicologia, mas ele sempre foi pro-fessor de Educação Física. Ah! O Fortuna en-trou logo em seguida, ele não era dos dez pri-meiros, mas entrou logo em seguida junto como Biazús. O Jorge Pinto entrou logo em segui-da também, não era dos dez primeiros, mas foio segundo grupo que entrou junto com o For-tuna, o Biazús, o Jorge Pinto. Então o Jorgeficou com a fisiologia, que tinha muita facili-dade para essa área por ser da área de Medici-na. Nós mais ou menos traçamos um perfil quegostaríamos de ter. Os nossos monitores, comonós chamávamos, deveriam ser pessoas que ti-vessem noção do esporte -não precisava terciência: ciência ele aprendia ali- noção do es-porte e noção do idioma estrangeiro. Esses fo-ram os que começaram o LAPEX, praticamen-te. Dos que estão aqui hoje, o Belmar, o Jorge,o Guima, o Ricardo, o Biazús e o Fortuna; e oAdroaldo saiu e voltou cinco ou seis anos de-pois, já não voltou para o LAPEX, mas foi da-quele primeiro grupo. Eu trabalhei no LAPEXpraticamente até o momento em que senti a ne-cessidade de sair para o doutorado, e talvez issote responda por que eu fiquei tanto tempo na

coordenação do LAPEX: primeiro porque eufiz um regimento em que só eu podia ser o co-ordenador -eu fui inteligente nesse ponto; emsegundo porque, claro, aqui é uma Escola deEducação Física, e tu tens que aprender todauma estrutura de Escola. Num sistema desses,aos cinco minutos do segundo tempo ia sersubstituído, mas a minha idéia era de que o pro-jeto dependia da continuidade do recurso, nãoé? E na hora que eu fosse substituído termina-ria o projeto, porque não tinha gente com essaestrutura internacional e nacional para capta-ção de recursos, que eram importantes para oprojeto. Então o nosso pessoal fez estágio naSuécia e fazia estágio nos melhores centros domundo, ia para todos os congressos, quer di-zer, era um pessoal muito diferenciado. Entãoo meu receio não era o pessoal do centro, doLaboratório, mas o pessoal da Escola; pois derepente eles me põe um professor que me matao serviço, entende? Então eu botei umanorminha no regimento, que o coordenador doLAPEX tem que ser médico especializado emEducação Física e Desportos: só tinha eu. Ah!Não tinha como, por isso que eu durei tantotempo. Mas aí, quando eu saí para o doutora-do, entrou o Belmar dentro do mesmo sistema,que foi o segundo coordenador; depois entrouo Jorge. Mas aí mais tarde mudaram o regi-mento; até mudei quando eu era diretor da Es-cola, porque achei que já era outra época, jáera outro tempo; e evidentemente mantivemosque o diretor tinha que ser alguém com douto-rado na área de Educação Física ou qualqueroutra área. Mas saía o médico, e entrava o dou-tor, quer dizer, passou a ser a exigência de, comoé até hoje, que o coordenador do LAPEX te-nha doutorado. Eu acho que é assim, mas nosúltimos tempos não tenho controlado. Então eusaí do LAPEX quando fui para o meu doutora-do, porque achei que já tinha esgotado a minhamargem de passar informação; e a Universida-de passou a viver realmente uma época em quetu tinhas que ter titulação acadêmica. Então saíem 1980, e foi aí que terminei minha atividadeno LAPEX. O LAPEX teve ainda para mimuma grande contribuição no ensino da ESEF,isto é, todos os professores de ponta hoje daESEF saíram do LAPEX e foram os primeirosdoutores da Escola; porque eu, ainda no meu

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tempo, consegui um projeto para eles irem fa-zer mestrado em Illinois (EUA). Foram 30 bra-sileiros para lá, não projeto meu, do LAPEX,mas projeto meu junto à SEED, e nesse eu co-loquei quatro professores daqui para fazer essemestrado, e outros continuaram depois um dou-torado. Foram o Fortuna, o Ricardo, o Guima-rães... é, acho que foram três. Evidentemente,vamos dizer assim, para mim passou a revolu-ção; então dizer agora o que o LAPEX fez em1970 é uma coisa normal de se fazer. Tanto queagora está chegando um novo LAPEX que éexatamente o que nós fazíamos antes, com umpouco de diferença na tecnologia; mas a gran-de função dele foi primeiro mudar o perfil deensino na ESEF, que era um ensino clássico deEducação Física que vinha com professores de40, 50 anos, 60 anos sempre ensinando a mes-ma coisa sem nenhum tipo de atualização. Eesse grupo novo é um grupo com mestrado, dou-torado com outra visão de ciência e de atuali-zação, o que obrigou até a própria Escola a seadaptar; porque, no momento em que tu criasum grupo desses, ou tu vais passar a ser comoeles, ou tu estás fora. Então hoje se vê que nomeu tempo não tinha nenhum doutor; eram doisdoutores no máximo quando eu entrei na dire-ção da Escola, isso é uma outra etapa; mas eutinha cinco doutores, e quando eu saí eu tinhavinte. Então para mim o LAPEX foi um saltode qualidade; os doutores da Escola foram umsegundo salto de qualidade; e agora nós estamosnum terceiro salto de qualidade, que é a parteinstrumental, edifícios, estruturas e outras coi-sas consolidando todo esse movimento. Quemais que eu posso te falar? Não, eu acho queeu já te falei de tudo, não é? Ainda, talvez, queno LAPEX nós fizemos o primeiro curso deEspecialização em Ciência do Esporte, que foino ano de 1976 dentro do LAPEX. Esse cursofoi construído no LAPEX e depois foi alberga-do fora do LAPEX, nas Ciências Médicas naFaculdade Católica de Medicina; e voltou em1980 para a Faculdade de Medicina da UFRGS;depois veio em 1985, quando eu voltei do meudoutorado. O diretor da Escola da época pediuque eu trouxesse o curso para cá; e, especial-mente nesse período entre 1980 e 1990, nóspreparamos aqui mais de 400 profissionais nes-sa área, a maioria de todos os países da Améri-

ca Latina, América Central, Caribe, Hispâni-co, Europa; então realmente a Escola ficoumarcada como uma vocação institucional mui-to forte na preparação de Medicina do Esportee Ciência do Esporte. A maioria dos treinamen-tos práticos deles era feita no LAPEX. Entãoeu acho que com isso eu te faço um primeiroresumo, agora depois vocês fazem um polimen-to e tal, e vamos ver o que faltou. O LAPEXteve um regimento que foi feito pela Escola;foi aprovado pelo Departamento, pela Congre-gação, naquela época, pela V Câmara; e entãoo diretor era escolhido dentro do regimento. Oregimento tinha esse detalhezinho aí que euestou te colocando que realmente não tinhamuita flexibilidade; mas nem havia interesse,nem disputa política: a grande disputa políticacom a Escola era uma disputa muito clara en-tre o fato de que a Escola não tinha nada e oLAPEX tinha tudo. Mas eu sempre trabalheimuito junto da Escola e de todas as coisas queela tem, por exemplo: todo o sistema telefôni-co da Escola saiu do LAPEX; também oLAPEX montou a biblioteca. O LAPEX, ape-sar de ser LAPEX, sempre houve um entro-samento muito grande: a própria sala do dire-tor da Escola foi feita com recursos do LAPEX;o LAPEX dava material para a Escola. Nós fa-zíamos uma política de boa vizinhança, mas nãodeixávamos a direção tomar conta do LAPEX;porque, evidentemente, o LAPEX tinha umadestinação de recursos específica que tinha umafunção que era preparar uma nova forma de verciência na Educação Física brasileira, não é?O diretor da Escola tem a necessidade premen-te de educação, de ensino: ele precisa de mesa,papel... e se ele pega aquele recurso, ele "tor-ra" todo ele -"torra" não: ele até usa muito bem;mas não era a destinação específica do recur-so. E então o mecanismo de proteção que nóscriamos era para ter as duas coisas: para ajudarum pouco a Escola; mas para poder desenvol-ver esse novo perfil de professor de EducaçãoFísica que é hoje o perfil da Escola.

P - Outro entrevistado fez a seguintecomparação: que o LAPEX era a Bélgica e aESEF era a índia. Eu queria saber que lugar oLAPEX ocupou na vida da Escola naquela épo-ca.

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R - Isso aí! Eu sempre tive muito pro-blema e tenho até hoje, tanto que o curso deMedicina do Esporte foi proibido de ser feitona Escola; mas nós temos que entender as coi-sas da seguinte maneira: o LAPEX é um pro-jeto que não foi dado à Escola; foi conseguidopor mim. Isso é muito importante para que seentenda como é que o LAPEX nasceu e comoé que ele funciona. Uma coisa é alguém chegarna Escola e dizer assim: "Aqui estão 1 milhãoe meio de dólares: façam vocês o que quise-rem." Outra coisa é como qualquer outro pro-fessor deve fazer hoje, num sistema que nãoexiste dinheiro nas instituições federais: saberbuscar financiamento fora e saber utilizar.Como tu estás fazendo: tu estás buscando o teuCentro no INDESP, estás procurando aFAPERGS... Se tu vais esperar que o Guima-rães te dê dinheiro para fazer isso, tu não vaisfazer nunca -eu não quero falar do Guimarães.Então a habilidade de um professor no sistemafederal tem que ser a captação de dinheiro.Então quando tu captas -em parte tu és umpouco atrapalhado, mas tu consegues captar-aí na hora que tu captas, 30 "caras" queremadministrar o que tu captas. Esse que é o prin-cípio seguinte: nós temos que respeitar os pro-fessores que captam os recursos, não é? Entãonós... Não é que eu queira dizer isso, não énão; eu quero dizer o seguinte: nós temos querespeitar os professores que captam os recur-sos, então não podemos administrar o recursodo outro; ele tem que administrar o seu. Entãoa Escola não tem... Tu não podes comparar aBélgica com a índia, que me dá a impressão,assim, de que eu estou tirando dinheiro da Es-cola, quando era exatamente o contrário: a Es-cola não tinha dinheiro, como ninguém na Uni-versidade tinha. Mas a Escola tinha 50 profes-sores como eu, e os outros 49 tinham a mesmaobrigação do que eu: buscar os recursos públi-cos federais e investir na Escola. Então o siste-ma de manutenção era um sistema de proteçãoaté da Universidade, porque o reitor, quandovinham as conclusões, sempre dizia: "Mas oDe Rose... Deixa o De Rose: ele é o único quetraz dinheiro. Todo mundo me pede, e ele metraz. Vou deixar ele lá até ele parar de trazer."Então o LAPEX -claro que temos que enten-der a pessoa humana- ele motivou ciúme, mo-

tivou problemas; mas tudo isso é coisa normalda vida, entende? Até hoje eu te diria que exis-tem duas classes de professores na Escola; e aEscola continua pobre, e o LAPEX continuarico: não tem diferença da época.

P - Quanto à procedência dos recursosfinanceiros?

R - Eram recursos do Governo Federal,do Ministério de Educação, alocados pela Di-visão de Educação Física e Desportos do MEC.

P - Tu podes me precisar até que épocavocês receberam esses recursos? Por que hojeo LAPEX não tem mais esses recursos?

R - Até a época em que eu fiquei na di-reção do LAPEX: foi de 1971 até outubro de1988.

P - Quais os principais problemas quevocês enfrentaram na época da implantação doLaboratório?

R - Eu te diria que o maior foi... não che-gou a ser um problema, a maior dificuldade foinegociar com a ESEF um trânsito, entende?Porque isso não era só comigo: era com todo opessoal da ESEF. Imagina um professor que dáaulas há 30 anos aqui nunca ter saído para SãoLeopoldo; aí vem um guri como o Guimarães,e eu mando ele para os Estados Unidos fazerbiomecânica. E claro que havia um choque nes-sas coisas, mas eu acho que o maior problemafoi exatamente essa diferença de um projetocom muito dinheiro para uma Escola com pou-co dinheiro. Mas em momento algum isso che-gou a impedir: houve momentos mais fáceis,momentos mais difíceis, mas nunca houve umbloqueio; até porque o projeto era totalmenteindependente.

P - Qual é o papel do LAPEX hoje naESEF, depois de passados quase 25 anos?

R - Eu vejo que hoje o perfil é diferente,quer dizer, não há tanta necessidade como ha-via naquela época. O perfil dos professores naEscola é muito diferente do meu tempo, embo-

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ra eu ainda esteja no meu tempo; mas, enfim,eu vejo que o LAPEX de ontem ajudou oLAPEX de hoje, entende? Quando o Ministé-rio de Educação e Cultura através do INDESPbuscou um centro de referência, ele se baseounuma tradição; ele se baseou numa história maisdo que numa realidade. Não sei se está perfei-to. O LAPEX hoje é conhecido no mundo, emqualquer um dos 120 países que fazem Ciênci-as do Esporte; e se tu disseres que és de PortoAlegre, eles vão te dizer duas palavras: a pri-meira é LAPEX -veja que coisa impressionan-te. Então isso tem uma história.

P - Um dado que chamou minha atençãonos relatórios é a presença de um grande núme-ro de espanhóis estagiando e pesquisando noLAPEX. Como eles vieram para o Laboratório?

R - É dos estrangeiros, não é? Foi o queeu te falei sobre o curso que nós começamosem 1976. Primeiro nós começamos com está-gio. Esse curso começou como estágio em1975; porque, como o LAPEX era conhecidoem toda América Latina, as pessoas começa-ram a pedir para fazer estágio aqui. Então co-meçou o primeiro estágio em 1975. Era está-gio; então vinha um menino e fazia um estágioconosco um ano, aprendia nossas técnicas e iaembora. Foi quando começou a haver muitospedidos de estágio que eu resolvi criar o curso,que foi em 1976. De 1976 em diante, o estágiose formalizou num curso de pós-graduação emnível de especialização; e os médicos e os pro-fessores de fora, que não eram daqui, como fi-cavam "full time" aqui, eles tinham as aulas, equando não tinham aulas, trabalhavam comomonitores no LAPEX. O LAPEX tinha todauma área de avaliação que era muito ativa: nóstrabalhávamos com todos os atletas de PortoAlegre, do Rio Grande do Sul e do Brasil; etoda a área de sedentários nós começamos aavaliar para a prescrição de exercícios. Isso ti-nha sempre, pois era como um serviço aberto.Então, como não tínhamos mão-de-obra, por-que não tínhamos com quem trabalhar, omonitor era a nossa mão-de-obra: ele aprendiae nos ajudava. Daí então tu vês naqueles rela-tórios do período do Jorge aquela lista demonitores.

P - Então o LAPEX começou a ter umpadrão internacional?

R - Para tu teres uma idéia do padrão doLAPEX, em 1975 nós fomos convidados parafazer os projetos de ciência dos jogos pan-ame-ricanos do México. Então fomos com o grupopara lá todo uniformizado e fizemos várias aná-lises: eu, por exemplo, trabalhei na análisecineantropométrica dos lançadores de peso; ehouve vários outros projetos. Então nós íamosnum grupo de seis, sete e voltávamos semprefazendo os projetos: o nosso trabalho era mui-to desse tipo. Também começamos a dar apoioao Ministério da Educação no treinamento deoutros países; então o LAPEX foi para o Equa-dor, para a Bolívia, Argentina, Uruguai,Paraguai, Colômbia montando pequenosLAPEX através de programas do Governo Bra-sileiro e treinando o pessoal de lá. Então elesempre teve a conotação tipo acadêmica. Elecomeçou a ter com o Jorge depois, porque aí jánão havia mais o projeto: aí já era um serviçoque não tinha mais o recurso que tínhamos na-quela época, então ele mudou para um projetoum pouco mais acadêmico.

P - Naquela época da criação do LAPEX,o Governo Brasileiro estava com o chamadoProjeto Brasil, acredito que no mesmo períododa campanha do Esporte para Todos. Os labo-ratórios de pesquisa, como o LAPEX, tambémvieram na perspectiva desse projeto?

R - Eu já tive, numa ocasião em um con-gresso em Portugal, a possibilidade de discu-tir, porque eu estava de presidente de uma mesa,com um brasileiro do Rio de Janeiro que apre-sentou uma idéia de que os laboratórios cria-dos na época dos militares eram feitos para quese sustentasse uma filosofia militar, de apoio àrevolução, ao Governo da ditadura. Não sei oque tu queres dizer com isso; quero te dizer oseguinte: eu nunca na minha vida, como coor-denador que fui de todo esse período, recebiuma ordem, uma informação, uma definição,uma decisão ou uma orientação de que eu de-veria estudar a, b, c ou d. Eu... Nós aqui emPorto Alegre -eu tenho que me limitar ao queeu era, não sei o que os outros eram- mas eu

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nunca tive nenhuma influência ou inserção dosistema para dizer o que eu estudava: o que euestudava era o que eu achava que devíamosestudar como grupo. Nós nos reuníamos e éra-mos limitados, porque éramos autodidatas. Nóssaíamos para pesquisar: o Jorge foi treinar fisi-ologia do esforço com o Otrio na Suécia; oBenno foi para a Itália treinar Psicologia como Antonelli. Nós buscávamos os melhores pro-fessores do mundo, os melhores centros domundo: as nossas pessoas iam para lá, esta-giavam e voltavam para aplicar aqui. Eu nuncative esse tipo de coisa que eu vejo, por exem-plo, alguns autores brasileiros da área de maisde esquerda comentarem; realmente nunca tiveesse problema.

P - Então qual era o retorno que o Labo-ratório tinha que dar para o Governo?

R - Nós tínhamos de dar um retorno que,vamos dizer... não um retorno. Qual era a nos-sa função, qual era a função do projeto? A fun-ção do projeto era transferência de tecnologia,quer dizer, numa área que não havia nenhumatecnologia, como é que se avalia um atleta;como é que se prescreve um treinamento; comoé que se faz ciência do esporte. A tecnologiaera zero, então a nossa função era transferên-cia de tecnologia; era criar centros no Brasil eprofissionais brasileiros capazes de apoiar oesporte de alto rendimento, que era a priorida-de do Governo. Agora, parte da nossa habili-dade aqui no Rio Grande do Sul foi que, apesarde não deixarmos de trabalhar no esporte dealto rendimento, por uma questão de formação,nós sempre nos preocupamos com saúde demassa; e toda a nossa linha, se tu observares aprodução científica, sempre teve a preocupa-ção paralela de criar. O que nós fazemos com oatleta, por exemplo, eletrocardiografia de es-forço e esteira, também era propiciado ao se-dentário fazer atividade física. Então, para tedar uma idéia, todas as clínicas de reabilitaçãode cardíacos saíram do LAPEX: a Physis, aPrevencor e a Cardioclínica, as três se origina-ram no LAPEX de tecnologia desenvolvida noLAPEX direcionada à prevenção e ao tratamen-to de populações isquêmicas, que é um projetosedentário que não tem nada que ver com o

projeto de alto rendimento. Então nós tínha-mos a total liberdade de poder trabalhar nasduas áreas; embora evidentemente, que a idéia,até porque vem do Departamento de EducaçãoFísica e Desportos e não vem do Ministério deSaúde, era de promover o maior conhecimentoem*todas as áreas do esporte: esporte de altorendimento, esporte comunitário, esporte esco-lar. Nós trabalhávamos muito o esporte esco-lar, que era organizado pelo DED, e esporteamador; então trabalhávamos nas duas áreas.

P - Existe uma relação entre o projetode criação dos laboratórios daquela época como que o INDESP propõe hoje com a implanta-ção dos Centros de Excelência Esportiva?

R - Acho que é a mesma coisa: detecçãode talentos e esporte de rendimento. É a mes-ma coisa, até porque todo mundo que está noINDESP era do INDESP no meu tempo, era dasede MEC e depois era do DED; então não temmuita diferença.

Entrevistado: médico Belmar José Ferreira de

Andrade

Data de Nascimento: 25/1 2/1 945 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da Entrevista: 23/04/1 997

Transcritor: Luciano do Amaral, acadêmico do curso de

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

P - Quando entraste para o LAPEX?

R - Bom, eu ingressei aqui no LAPEXem... 1972, eu imagino. De vez em quando eujá me perco um pouquinho nas datas, mas ima-gino que tenha sido em 72.

P - Como foi o teu ingresso?

R - A coisa foi mais ou menos assim: eufui convidado pelo De Rose quando ainda es-tava nas tratativas de início do LAPEX, porcausa da minha formação em cardiologia, emmedicina desportiva; trabalhava com esporte;tinha sido atleta; e tudo isso. O De Rose já me

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Page 8: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

BELMAR JOSÉ FERREIRA DE ANDRADE é Médico graduado pela

Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre em 1969. Espe-

cialista em Medicina Desportiva pela ESEF/UFRGS. Residência

médica no Instituto de Cardiologia de Porto Alegre. Foi coorde-

nador do LAPEX no período de 1980 a 1986. Atualmente, é mé-

dico no LAPEX.

conhecia do trabalho em outros clubes: no Grê-mio, onde ele era médico; no Grêmio NáuticoUnião, quando tínhamos trabalhado juntos emalguns exames de piscina, essas coisas com atle-tas. Então ele me convidou para fazer partedessa equipe que ia tocar esse Laboratório queestava para acontecer aqui, dentro de um pro-jeto do Governo que ia instalar alguns labora-tórios no Brasil, etc. Então ele me convidoupara vir para cá; eu vim para cá; e, dentro des-sa proposta, apareceu a proposta de um cursode monitores de pesquisa em Educação Físicae Desporto, que ia acontecer no Rio de Janei-ro, na UFRJ, no fundão, na Escola de Educa-ção Física. Nessa época, eu e mais alguns pro-fessores e alguns médicos -acho que o maisantigo era o Eron Beresfor, que era responsá-vel pelo Ginásio de Esportes da Brigada Mili-tar, que era bem recente, tinha sido inauguradopara a Universíade 10 anos antes- e o EronBeresfor era um professor já formado. E seusalunos daqui da ESEF que eram interessadosno assunto, entre esses que nós encontramosaqui estavam o atual diretor da ESEF, o Gui-marães; o ex-diretor da ESEF, o RicardoPetersen; o Adroaldo Gaya, que é professor daEscola. Tínhamos mais dois professores de

Educação Física que não ficaram na Escola: oHélio Becker, que era um professor que traba-lhava em Novo Hamburgo, tem uma escola denatação lá, tinha sido campeão brasileiro denatação; o Schroeder, que eu não me lembrodo primeiro nome, era um aluno dele. E tinhamalguns estudantes de medicina também, entreeles estava o Caco; o João Ricardo Magni, atu-al presidente da Federação Brasileira de Medi-cina Esportiva; o Mário Aurélio, que depoissaiu daqui, depois que se formou, foi fazer suaclínica em Florianópolis; o Sindal, que é outromédico, deve estar em Porto Alegre, e que foipara lá. Então eu acredito que esse seja o gru-po, talvez um ou outro que eu não tenha lem-brado no momento, não é? Mas esse grupo quefoi para o Rio de Janeiro fez esse curso deMonitores de Educação Física e Desporto e dePesquisa para começar as atividades doLAPEX. Então nós voltamos para cá, começa-mos a montar, ao longo de 73, as baterias deexames para avaliar escolares, para avaliar atle-tas; colocar em funcionamento as máquinasnovas que iam chegando; testar essas máqui-nas na nossa população; revalidar para a nossapopulação dados que nós tínhamos de literatu-ra de outros lugares; etc. Me lembro de quenessa época existia um tal de Projeto Brasil,que era um projeto que tentava dar a dimensãoda capacidade física, digamos assim, da apti-dão física do brasileiro. Esses dados eramcorrelacionados com dados de outros lugares;e, ao longo desse início, vieram para cá muitosprofessores para dar cursos aqui. Logo no co-meço, houve um curso dado aqui pelo doutorprofessor Bruno Bauth, era um alemão que tra-balhava nos Estados Unidos e que passou bas-tante tempo aqui nos dando curso sobre fisio-logia do exercício -ele é um dos papas da fisi-ologia do exercício no mundo- eu acho que atéumas duas semanas dando um curso. E assimcomo ele vieram outros professores de fora,gente renomada que veio dar curso de forma-ção para o pessoal daqui. Nós começamos atrabalhar, fizemos trabalho com equipes, comfederações, com seleções ao longo dos anos; eaí o pessoal daqui começou a sentir a necessi-dade de fazer formação fora, e aos poucos opessoal foi saindo, foi fazendo a sua formaçãono exterior. Eu, em função de minha atividade

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numa série de empregos, estava preso aqui. Tiveuma oportunidade de sair em 1975, quando fuipara Colônia, na Alemanha, e acabei fazendoum curso lá, mas foi um curso de pouca dura-ção, não lembro, deve ter sido pouco mais deum mês, coisa desse tipo. Eu fui junto com umoutro colega daqui do Rio Grande do Sul, oAlgayer; e dois colegas, um de São Paulo e umdo Rio de Janeiro: a Maria Augusta Kiss, deSão Paulo; e o... me fugiu o nome agora, o...ele era diretor da Escola de Educação Física,daquela Faculdade Castelo Branco do Rio deJaneiro... José Rizzo Pinto. Então fizemos essecurso na Alemanha juntos, os quatro, e passa-mos esse período lá.

P - Não eram só médicos, então, nessecurso?

R - Eram todos médicos, e ele era dire-tor da Escola de Educação Física, mas eratraumatologista. A Maria Augusta é fisiolo-gista, e o Cláudio Algayer é da área de Admi-nistração. Ele foi para lá mais interessado naárea de documentação e informação, bibliote-ca, foi para essa área aí; e depois voltamos econtinuamos a trabalhar aqui até hoje.

P - Como eram as instalações no come-ço do Laboratório?

R - As instalações não eram exatamen-te como aqui onde nós estamos neste momen-to, mas era no andar de baixo. Aqui onde nósestamos, naquela época era a sala de judô daEscola; aqui eram as aulas de judô, exatamen-te neste local onde nós estamos. Onde está sen-do montado o laboratório de biomecânica, aliera que funcionavam todas as instalações doLAPEX, naquela área ali embaixo do andartérreo. Era do lado do Diretório Acadêmico daEscola; do bar da Escola, que era aqui nestecanto. Então foi aqui que começou tudo; de-pois fomos ganhando este espaço aqui dentro,ao longo do tempo; e hoje, se Deus quiser, te-remos um prédio novo, independente, que estáprojetado já há bastante tempo.

P - Como era o tipo de pesquisa quevocês faziam na época?

R - Digamos assim que, na realidade,muita coisa que nós temos hoje como dogmadessa área era tudo novo. Faz vinte e tantosanos, 25 anos praticamente; então, assim, a fi-siologia do exercício, o treinamento físico comouma especialidade definida eram coisas muitonovas: isso tudo não existia no currículo dasfaculdades nem de Educação Física, nem deMedicina. Era uma coisa nova, e nós estáva-mos "pescando" tudo que estava ocorrendo nomundo e repetindo aqui: era uma pesquisa deconfirmar dados de pesquisa de outros centros,de confirmar resultados de outras populações,ver se eles se reproduziam na nossa população,treinar tecnologia e treinar técnica, não é? Re-petir para comparar os resultados com os ou-tros. Então era mais nesse sentido o tipo de pes-quisa.

P - O que avançou na pesquisa do Labo-ratório passados 25 anos?

R - Eu tenho a impressão de que o queavançou mais, na realidade, assim me atendomais na minha área, a cardiologia, naquela épo-ca nós tínhamos assim... Então começamos ainvestigar aqui o eletrocardiograma do atleta,o coração do atleta; questões referentes ao trei-namento com indivíduos sadios; do coração,da pressão, com indivíduos cardíacos; essas res-postas ao exercício; tudo isso foi sendo repro-duzido aqui, testado, verificado; e hoje isso éuma coisa segmentada. Naquela época era tudouma novidade e uma coisa muito nova até mes-mo para Brasil, não só para Porto Alegre, maspara Brasil. Na verdade, aqui chegaram coisasantes mesmo que em qualquer outro ponto doBrasil; então, ao longo desse tempo, como nósestávamos aplicando esses conhecimentos aqui,detendo em relação à parcela mais apreciadadesse conhecimento, começamos a exportarisso para o resto do Brasil e da América Lati-na. Era extremamente freqüente que nós via-jássemos para dar cursos na Argentina, no Uru-guai, no Chile, no Equador, na Bolívia, noParaguai, na Colômbia, no Peru. Em tudo isso,nós vivíamos viajando e transferindo esse co-nhecimento novo que nós tínhamos, digamosassim. Do ponto de vista da pesquisa pura dedescobrir coisas novas, na realidade eu acho

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que até hoje nós não tivemos pesquisa de peso,de ponta, entendeu? Mas conseguimos, assim,a um longo tempo, transferir esse conhecimen-to do circuito fechado da pesquisa pura para ocircuito da aplicação quotidiana desses conhe-cimentos. Na realidade, eu acho que este é oprincipal papel do LAPEX: ele foi umainterface que tirou do circuito fechado dos pes-quisadores e repassou isso para a comunidadeem geral. Acredito que o papel de dissemina-ção desse conhecimento foi muito grande. En-tão se publicou muita coisa que nós olhamoshoje e sentimos até vergonha de termos publi-cado algumas aí, mas naquela época era válido.

P - Desde que o LAPEX foi criado, nadécada de 70, os médicos sempre estiveram nacoordenação. Por quê?

R - Eu tenho uma idéia bem clara disso,e isso aí repete no LAPEX o que aconteceu naEscola de Educação Física: a Escola teve inú-meros médicos como diretores até que tivesseo corpo de professores de Educação Física;porque a Medicina se desenvolveu antes daEducação Física, como uma ciência bemestruturada e com profissionais que procura-vam se inteirar com a pesquisa. Então é o queaconteceu com a Escola de Educação Física,que teve uma série de médicos como diretoresaté que os professores assumissem; e se repe-tiu no LAPEX, porque uma série de médicosassumiu até que os professores assumiram isso;porque o curso de Medicina dá uma formaçãobem melhor do que o curso de Educação Físi-ca. É muito recente, por exemplo, o conheci-mento sobre fisiologia nos cursos de EducaçãoFísica, que não era antigamente e que já erarecentemente mais valorizado nas escolas mé-dicas. O conhecimento da coisa é que vai darmuitas outras situações! Está assim: um indi-víduo sadio... ele começa com um indivíduodoente, então quando falta solução, se desco-brem e se identificam os mecanismos fisioló-gicos que sirvam naquele tipo de repulsão.Achamos muita coisa em comum em váriasáreas do conhecimento, em que o paralógico éque gera a pesquisa e gera o conhecimento, quenos trás à luz do mundo, da normalidade: é maisou menos um paralelo com todo o nosso avan-

ço tecnológico, mais ou menos um subproduto.O nosso bem-estar é um subproduto da pesqui-sa bélica, todo o avanço tecnológico tem umafunção eminentemente para a guerra, e não exis-te nenhuma exceção nisso. Toda pesquisa é parapropósitos de guerra e, depois de certo tempo,ela é estendida, digamos assim, para o nossocotidiano e gera uma série de avanços de bem-estar para a população. Mais ou menos issoacontece aqui com o ser humano: nós pes-quisamos os doentes, os enfermos, os incapa-citados, e com isso descobrimos uma série decoisas que trazem à luz melhorias; e talvez porisso os médicos tenham sido os indutores pri-mários do processo e depois foram sendo ab-sorvidos. Eu acho que isso é um paralelismoque fica muito bem.

P - Por que o Laboratório foi instaladona Escola de Educação Física e não na Facul-dade de Medicina ?

R - Existe uma tradição de esses labora-tórios estarem localizados nas Escolas de Edu-cação Física; existe hoje uma tendência. Quemsabe isso aí teria sido "melhor aproveitado",digamos assim, se tivesse sido instalado numaEscola de Medicina? Mas eu tenho a impres-são de que a sensibilização do médico para es-sas coisas teria sido muito menor, e aí teria sidoum avanço muito pequeno. Então hoje é difícildizer se teria sido melhor localizado na Escolade Medicina do que na de Educação Física. Nãosei, estou em dúvida. A respeito dos laborató-rios estarem em várias capitais do Brasil, queme represente, os laboratórios primariamenteeram quatro, no projeto do Governo: eram emBrasília, Rio, São Paulo e Porto Alegre. E queesses laboratórios recebessem um aporte maismaciço de verbas, de suporte, e se desenvolve-ria a tecnologia "de ponta" para a época. Nasdemais universidades federais localizadas nasoutras capitais e nas principais cidades -comoSanta Maria, Pelotas- seriam desenvolvidoslaboratórios de um segundo escalão e que, noBrasil inteiro, ficariam na dependência ou su-bordinados a esses quatro laboratórios, que da-riam a formação inclusive do pessoal. Isso che-gou a ser esboçado, e houve algumas açõesconcretas. Eu me lembro, por exemplo, que nós

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vimos, assim, uma das ações era que o labora-tório de Natal, no Rio Grande do Norte, ficariasob a jurisdição do laboratório de Porto Ale-gre; assim como o de Pernambuco, em algu-mas outras cidades da Bahia. Não foi nem umanem duas vezes que o pessoal daqui foi para lá,promoveu cursos, formação de gente; e de to-dos esses lugares vinha gente fazer estágio aqui,ser treinado aqui. Isso é mais ou menos o queficou claro para mim ao longo de alguns anosde funcionamento do LAPEX. Eu não sei... Eudesconheço os detalhes escritos dessas coisas,mas é mais ou menos o que ficou claro paramim, da política que orientava nessa época.

P - Como era a relação do LAPEX coma Escola?

R - A interação do LAPEX com a Esco-la teve, ao meu entender, altos e baixos. OLAPEX começou vinculado fundamentalmen-te com a pesquisa, e a pesquisa não era umapesquisa de ponta: era uma pesquisa eminente-mente aplicada e reprodutiva do que já existia-validação de técnicas, de dados, objetospopulacionais. E nasceu, digamos assim, vol-tado mais para performance, para estudar fun-damentalmente o atleta e o escolar. Ele serviude base para os cursos de pós-graduação daEscola, que naquela época eram cursos de es-pecialização, de extensão mesmo, e depois fo-ram aumentando; eram cursos depois destina-dos a médicos. Havia um curso de MedicinaEsportiva na Escola que funcionava aqui. Issofoi trazendo gente de fora, mais por ação diretado De Rose, que viajava muito, divulgava muitoo nome do LAPEX; então começou a vir muitagente de fora, fundamentalmente médicos daAmérica Latina toda e muita gente aqui den-tro. O LAPEX servia de base para o exercícioprático dos cursos; então, além das pesquisas,todo ele foi um suporte desses cursos de pós-graduação e especialização em Medicina Es-portiva, Treinamento Desportivo, etc. Essesvários cursos da Escola eram o que aconteciaao longo desse tempo. Na graduação ele teve,assim, pouca influência; até mesmo porque nagraduação não era dada tanta ênfase nas coisasque hoje são realizadas no LAPEX. Havia dis-ciplinas, que eu acredito que até hoje são

optativas, não são obrigatórias no curso, comofisiologia do exercício, avaliação funcional, etalvez outras aí que não eram disciplinas obri-gatórias da graduação. Então vinha para cá oaluno interessado; mas não vinham obrigatori-amente nem compulsoriamente todos os alu-nos da Escola; e eu acredito que até hoje sejaassim: a graduação aproveita menos o LAPEXdo que a pós-graduação lato sensu, não é? Aextensão, a especialização, aperfeiçoamento, omestrado, doutorado não tem... são os que maisaproveitam o LAPEX. Digamos assim que oLAPEX começou com o forte -a pesquisa, oinstrumental e o pessoal- dirigido fundamen-talmente para a análise fisiológica da per-formance e do treinamento: então estudo dometabolismo -aláctico, aeróbio, anaeróbio,láctico, etc; da antropometria; da cinean-tropometria, que nós tivemos vários profissio-nais de fora daqui estudando o perfil da formahumana e das proporções. E isso foi muito des-tacado, mas paulatinamente com os profissio-nais diminuindo nessas áreas e tendo forma-ção; e aí entram mais as áreas de aprendiza-gem motora, de biomecânica, cinesiologia apli-cada, etc. que, no meu entender, são a parte maisforte do atual LAPEX. Hoje o LAPEX é mui-to mais dirigido para isso, a tecnologia foideslocada para esse tipo de pesquisa, os pro-fissionais formados que hoje estão aqui... Issoé uma área mais da Educação Física do que daMedicina. Então eles foram mudando o hori-zonte do LAPEX. Permanece aqui ainda a áreade metabolismo, que é uma área fundamentalpara a avaliação funcional, para treinamentofísico. Então permanece ainda um médico aquidentro como eu, porque existe uma série decoisas que ainda precisam de médico aqui den-tro, quer dizer: o exame clínico, o exame deaptidão para a prática desportiva, a idoneidadede saúde do indivíduo para a prática ou não,alguns procedimentos são feitos aqui. Existe,assim, um requisito que é um médico presente.O Crescente ainda trabalha aqui, se bem quenão regularmente, também nessa área. Entãose mantém esse serviço de ergonometria, que étradicional aqui, avaliar o indivíduo para o pro-grama da Escola, não é? -esses programas dehidroginástica, de jogging, de condicionamen-to físico, de musculação, esses vários progra-

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mas da Escola- e existe aqui para apresentaruma sanidade física. Então nós continuamosvindo para cá; o pessoal continua a ofereceressa avaliação aqui, que fundamentalmente éuma avaliação rotineira, mas para haver condi-ções de saúde: se o eletrocardiograma é nor-mal, se a pressão é normal, se a pessoa tem ounão tem alguma contra-indicação formal paraa prática desses programas. Além disso, a par-te mais funcional, propriamente dita, está sen-do desenvolvida em paralelo hoje pela Flávia,que é outra médica, outra professora da Escolaque está desenvolvendo isso com o CláudioPaiva e com outros funcionários- aí que é umaavaliação mais dirigida para o atleta propria-mente dito. Mas eu tenho a impressão de queisso ainda é pouco requisitado; o exame de sa-nidade ainda é um exame que caiu mais no gos-to "por conta do freguês" do que esses outrosparâmetros. As coisas foram mudando paulati-namente: quando nós fazíamos a avaliação ini-cialmente, os treinadores não aproveitavam oresultado do teste que eles faziam porque des-conheciam totalmente esse assunto; hoje os trei-nadores formados na Escola tiveram conheci-mento disso, por literatura ou noutro lugar, jávêm aqui procurar respostas para essas ques-tões e eles têm do ponto de vista de treinamen-to, avaliação, etc. Houve uma modificação doperfil: o conhecimento intrínseco e amplo das

JORGE PINTO RIBEIRO é Médico graduado pela UFRGS em 1978. Es-

pecialista em Medicina do Esporte pela ESEF/UFRGS em 1979. Es-

pecialista em cardiologia pela Universidade de Ilarvad (EUA). Dou-

tor em Fisiologia do Exercício pela Universidade de Boston (EUA).

Foi coordenador do LAPEX no período de 1986 a 1990. Atualmente é

professor do Curso de Medicina da UFRGS.

coisas ainda é muito semelhante ao inicial. Oque houve foi uma disseminação desse conhe-cimento, uma burilação desses conhecimentose que hoje já segmentaram muito mais e termi-naram com alguns tabus, colocaram no devidolugar algumas avaliações, prepulsões. É isso.

Entrevistado: médico Jorge Pinto Ribeiro

Data de nascimento: 09/04/1 95 5 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 1 2/08/1 997

Transcritor: Luciano do Amaral, acadêmico do curso de

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

P - Fale sobre sua formação acadêmica.

R - A minha formação acadêmica se con-funde até com a minha relação com o LAPEX,porque eu comecei a minha atividade de inici-ação científica quando eu estava no terceiro anoda Faculdade de Medicina e comecei a fazerum estágio; seria o equivalente do que hoje emdia se chama iniciação científica. Então eu co-mecei no segundo semestre de 1975 e traba-lhando. Naquela época fui encaminhado peloprofessor Jayme Werner dos Reis, que me co-nhecia. Eu tinha um interesse em esporte pelofato de eu também ter sido atleta; então o pro-fessor Jayme Werner, sabendo que eu era na-dador -foi meu professor de Educação Físicaquando eu era aluno do Colégio de Aplicação-me recomendou entrar em contato na época como coordenador do LAPEX, que era o professorDe Rose; e eu me apresentei para fazer um pro-grama de iniciação científica, não é? Então, aolongo de toda a minha graduação, a partir dofinal do terceiro ano e os outros anos na gradu-ação de Medicina, eu trabalhei no LAPEXcomo aluno de iniciação científica, vamos di-zer assim -naquela época não existia essa es-trutura, mas seria o equivalente hoje em dia.Eu me formei em 1978 na Faculdade de Medi-cina da UFRGS e comecei um programa deresidência médica aqui no Hospital de Clíni-cas que eu fiz em 78 e 79, desculpa, é funda-mentalmente 79, 80 e parte de 81. Nesse perío-do, mesmo sendo residente aqui, eu continuei

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tendo atividades no LAPEX e fiz também, aolongo da residência, o curso de pós-graduaçãoem Medicina do Esporte no ano de 1979, quena época era coordenado pelo professor DeRose. Em 81 eu -através de uma bolsa de estu-dos do CAPES e encaminhado pelo processode pós-graduação, ou melhor, da minha ativi-dade na medicina do esporte e na fisiologia doexercício- fui fazer meu programa de doutora-do na Universidade de Boston. Nessa mesmaépoca, eu recém tinha sido contratado comoprofessor auxiliar da ESEF, trabalhando noLAPEX, e eu saí para o meu programa de dou-torado. Então, em afastamento como professorda ESEF -naquela época nós ainda estávamosno regime militar, e não havia praticamenteconcursos públicos, então eu não entreiconcursado na carreira acadêmica- eu passeide 81 a 85 em Boston, onde fiz doutorado emfisiologia do exercício, que era a atividade queeu desenvolvia naquela época, e fiz também omeu treinamento em cardiologia. Então, ao fi-nal de 85, eu voltei para Porto Alegre, volteipara o LAPEX, tendo que terminar meu douto-rado em fisiologia do exercício e a residênciaem medicina interna aqui; e o treinamento tam-bém seria o equivalente à residência aqui emcardiologia, que eu fiz na Harvad. Fiz doutora-do na Boston University e em cardiologia naHarvard. Então, a partir de 85, eu voltei para oLAPEX para reiniciar minhas atividades. Essaé minha formação acadêmica.

P - Quando retornaste para o LAPEX,em 1985, assumiste a coordenação?

R - Não. Logo que eu cheguei... aí temum momento muito importante; talvez eu já váfazendo alguns comentários que são importan-tes do ponto de vista histórico. O LAPEX, apartir de 73, foi montado dentro de um projetoque vocês já conhecem de um apoio econômi-co bastante forte resultando na construção daprimeira etapa do LAPEX e numa quantidaderazoável de equipamentos. Naquela época, oque acontecia é que pouca gente tinha real for-mação acadêmica nessa área no Brasil; e o dou-tor De Rose buscou orientação na nossa áreaaqui, na área de fisiologia do exercício, bus-cou orientação com o professor Rigato, que

ajudou em algumas estratégias de compra deequipamentos. Mas fundamentalmente nenhumde nós tinha formação: eu era estudante deMedicina na época, e vários outros atuais pro-fessores eram estudantes de Educação Físicaou Medicina. Aquela experiência foi muito rica,na medida em que nós tínhamos equipamentode alta qualidade e também a oportunidade detrânsito internacional que esse convênio pro-piciava: eu, por exemplo, comecei a trabalharem final de 75 e já em janeiro de 77 tive a opor-tunidade de fazer estágio no exterior para visi-tar laboratórios de pesquisa do exercício naEuropa. Ah! Existia uma bolsa da FederaçãoBrasileira de Medicina do Esporte; então euvisitei, ao longo dos meses de férias, janeiro efevereiro, eu tive a oportunidade de visitar uminstituto em Roma; um em Colônia, na Alema-nha; um em Estocolmo; e o de Vasquila, na Fin-lândia. Isso permitiu conhecer o funcionamen-to desses laboratórios de pesquisa, que eramos melhores da Europa naquela época, e essaexperiência me trouxe realmente uma visão decomo seria uma estratégia acadêmica. Entãoessa foi uma primeira etapa; vários de nós doLAPEX fizemos isso: estágios curtos em la-boratórios, conhecer como é que as coisas fun-cionavam. Mas o professor De Rose, nessa épo-ca, eu acho que já tinha uma visão bem clara,embora, naquela época, ainda não tivesse feitoa sua formação acadêmica. Ele já tinha umavisão bem clara do que era uma trajetória aca-dêmica e conseguiu fazer um planejamento (atéhoje ele ainda continua fazendo!) de investirna formação de recursos humanos. Naquelaépoca, e hoje também, esse investimento erana formação de mestres e doutores; e eleoportunizou para todos, nós através de contatointernacional, a possibilidade de fazer pós-graduação no exterior. Então, como eu já rela-tei, eu tive oportunidade de ir para Boston, por-que em Boston eu tinha a oportunidade de de-senvolver as minhas duas áreas de interesse,que eram fisiologia do exercício e atividade clí-nica aplicada ao exercício; e vários outros pro-fessores foram também para o exterior e fize-ram essa formação. É importante deixar bemclaro que não são todos os líderes acadêmicosque dão essa oportunidade que nos foi dada.Nós tivemos essa oportunidade, e alguns de nós

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aproveitamos bastante, então eu acho que essafoi uma etapa muito importante: primeiro, mon-tar o Laboratório, criar um núcleo e começar aimplantar algumas técnicas que ainda não exis-tiam em nosso meio; segundo, se dar conta deque a nossa formação não era suficiente e quesimplesmente fazer visitas curtas não era sufi-ciente para formar pesquisadores. Então o DeRose incentivou a sair vários de nós; e, no iní-cio dos anos 80, estivemos no exterior fazendoa nossa formação. Infelizmente neste períodoentre 80, eu diria entre 81 e 85, o Laboratório,porque nós saímos ao mesmo tempo: saímoseu, o De Rose, o Guimarães, o RicardoPetersen... quem mais?... o Fortuna -eu achoque são esses- todos saíram ao mesmo tempo,se de um lado um objetivo nobre de outro labo-ratório, na realidade nesse período caiu muitoa produção em todas as atividades que ele de-senvolvia. Então, quando nós voltamos, em 85,o Laboratório estava praticamente desativado,e nós começamos a trabalhar: o De Rose comas coisas dele, o Guimarães montou uma áreanova, eu montei; e com isso o Laboratório con-seguiu retomar uma atividade. E, no ano se-guinte, em 86, fui nomeado coordenador, quedepois passaria pela mudança das característi-cas do Laboratório para o cargo de diretor. En-tão o período de 81 a 85 foi um período muitoruim no sentido de que nós tínhamos os recur-sos humanos que estavam fazendo investimen-tos em formação; e nesse período vários equi-pamentos também passaram a... como não eramutilizados, tiveram uma manutenção limitada:houve uma queda importante. Mas a partir de85 houve um retorno, não é? O De Rose mon-tou uma linha de pesquisa dele, eu montei mi-nha linha de pesquisa, e as coisas começaram aandar novamente.

P - Ao fazer a leitura dos relatórios, ob-serve a presença de estagiários de diferentespaíses, como, por exemplo, do Equador e daEspanha. Eu gostaria que comentasses a res-peito desses estrangeiros no LAPEX.

R - É, a liderança do De Rose, internaci-onal, nos propiciou esse contato CG n váriaspessoas no exterior; e, desde 76, acho que sem-pre tinha um estagiário pelo menos. Eu imagi-

no que ao longo dos anos sempre se teve e em...não sei se em 76, agora eu perco um pouquinhoa noção, talvez tenha alguns nomes. Então até81 nós tínhamos alguns estagiários; e de 81 a85, que foi o período em que o De Rose estevefora, houve uma queda desse número de esta-giários, retomando num crescimento vertigino-so, que foi no final dos anos 80, um númeromuito grande de estagiários que refletia naquelemomento também até a qualidade do nosso pro-grama. Nós tínhamos, já no final dos anos 70,já existia o curso de pós-graduação em Medi-cina do Esporte e/ou Ciências do Esporte. Essehaver ou não médicos nesses programas... teveanos em que houve e anos em que não houve;mas já existia esse programa, e eram progra-mas que existiam poucos no resto do mundoque ofereciam isso. Então um número grandede pessoas vinha fazer a pós-graduaçãoconosco, pessoas da América Latina e, princi-palmente da Espanha, por um período muitogrande; e esse curso teve momentos muito bons.Ah! Ele teve, eu diria que lá por 88, este cursotinha uma qualidade muito elevada. Foi umaem época que nós recebíamos muitos médicosespanhóis; esses médicos espanhóis tinhamuma motivação muito grande para desenvolvera pós-graduação da Medicina do Esporte. E nósconseguimos montar uma estrutura que chegoumuito próximo, dentro de uma residência emMedicina do Esporte; não só tínhamos o curso,como o curso oportunizava estágios em dife-rentes áreas: eu oportunizava aqui e no Hospi-tal de Clínicas; o LAPEX oportunizava; nóstínhamos um convênio com o Grêmio. Entãoisso criou uma oportunidade no ensino de pÓ3-graduação, e até hoje eu viajo o mundo encon-trando pessoas que fizeram estágio conosco eestão ocupando cargos de liderança na Medici-na do Esporte em seus países. Então, essa foiuma fase muito gratificante, exatamente o mo-mento em que nós estávamos produzindo tra-balhos originais que acabamos publicando noexterior e lá dentro do LAPEX. E embora nãoestivéssemos vivendo um momento de recur-sos financeiros adequados, porque para a pes-quisa nós tínhamos muito pouca coisa, o finaldos anos 80 foi muito pobre para a nossa Uni-versidade; através do curso de pós-graduaçãoe através do trabalho muito intenso desses es-

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tagiários, nós conseguimos fazer coisas muitoboas. Então, eu acho que no período, eu diriaque dentro da história do LAPEX, o períodomais interessante da história que eu vivencieiaté 92 foi o final dos anos 80, quando nóstínhamos alta qualidade de estagiários comgrande motivação e dávamos uma atenção paraeles que permitia um treinamento bastanteadequado.

P - A respeito das pesquisas que eramdesenvolvidas no LAPEX desde que ele foiinstalado como foram?

R - A primeira etapa do LAPEX, não é?Eu não chamaria de pesquisa; eu diria que nóspassamos até os primeiros dez anos, vamoschamar assim... Ou melhor, primeiro vamosdividir as três etapas da minha vivência noLAPEX: a primeira de 75 a 81, a segunda de81 a 85 e a terceira de 85 a 92. Então a primeiraetapa eu chamaria de um momento detransferência de tecnologia. Acho que nós nãofazíamos pesquisa naquela época: naquelaépoca se buscava tecnologia dos lugares maisavançados numa área que era muito nova parao nosso meio. Quer dizer, nós não tínhamosonde aprender as coisas no Brasil, e seimplantavam as novas técnicas; então seimplantaram ergonometria, ergoespirometria,biópsia muscular, cineantropometria: tudo issofoi trazido. Mas eu acho que nós não fazíamosnaquela época a pesquisa original, entre outrascoisas porque não tínhamos formaçãoprofissional para isso: nós não tínhamos umgrupo formado adequadamente para fazerpesquisa. Mas isso teve um impactofundamental na época , e todos os trabalhosque foram publicados nessa época forampublicados no Brasil. Foram trabalhos quesaíam principalmente em duas revistas: aRevista de Medicina do Esporte, que eraeditada aqui mesmo pelo grupo; e a RevistaBrasileira de Ciências do Esporte, que veio aser editada a partir de 78, eu acho que era feitaem São Paulo, eu fui editor dessa revista algunsanos. Então essa foi a primeira etapa:transferência de tecnologia, implantar técnicase utilizar essas técnicas de estudos descritivosnas diferentes áreas que naquela época seatuava. A segunda etapa, então, eu chamo de

"nossa idade média", não é, o período em queo Laboratório parou, porque as pessoasviajaram para fazer formação, que entre 81 e85 houve uma retomada já com pessoas comformação acadêmica. Nesse período euconsegui produzir alguns trabalhos de pesquisaque nós publicamos no exterior, de boaqualidade, que são referenciais na literatura: oGuimarães, que nessa época produziu pelomenos um trabalho que saiu da literaturainternacional; e o De Rose colaborou comalgumas coisas também comigo. Então, nós,além da produção nacional que continuou numnível razoável, voltamos a participar doscongressos nacionais com uma produçãoadequada; nós recebemos prêmios por essaprodução nos congressos nacionais. Então euchamaria... esse é o momento no qual se passaa fazer pesquisa original no LAPEX e comcontribuição de literatura internacional.

P - Quais os problemas que vocêsenfrentaram na época da implantação doLaboratório?

R - Eu diria o seguinte: o problema maiorao longo da história do LAPEX foi assumir aidentidade multidisciplinar. Eu acho que esse euchamaria o problema fundamental do LAPEX.O LAPEX é um laboratório de investigação doexercício, quer dizer, tudo que se faz na ESEF sefaz com exercício, então tudo pode ser feitoinvestigação; e a dificuldade que se teve ao longodos anos foi de, havendo multidisciplinaridade,entender que cada um poderia contribuir da suaforma. Sempre que se começa alguma coisa nova,essa nova situação representa, para aqueles queestão no poder, representa um desafio, umaameaça. Fundamentalmente isso aconteceunaquela época, no início... na metade dos anos70. E havia, inclusive, um contraste muito grande:a ESEF era um descampado, um banhado,praticamente, uma pobreza fantástica, uma escolaque havia sido transformada em escola federalrecentemente, fisicamente muito pobre; e oLAPEX era um laboratório de primeiro mundo.O LAPEX era pequenininho, não era muitogrande, três ou quatro salas; mas o que tinha alidentro... a sensação que se tinha é que se estavano exterior, tanto da aparência física quanto

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do material que se tinha lá dentro. Então issogerava muita reação do sistema vigente, queera o sistema que vocês. Tem que imaginar.Hoje em dia você entra na ESEF, têm tantosdoutores, tantos mestres; naquela época nãotinha nem doutor nem mestre de nada, e essecontraste gerou muita reação. Então essa foiuma primeira dificuldade. A segunda dificul-dade é que, também, sendo uma universidadefederal, aquele grupo que vinha em formaçãoprecisava ser absorvido pela Universidade.Quer dizer, quando nós começamos, como ti-nham verbas externas, a minha bolsa... eu ti-nha uma bolsa que eu recebia da Federação Bra-sileira de Medicina do Esporte, a bolsa de ini-ciação científica, vamos dizer assim, mas eunão era funcionário da Universidade, como nãoera a maioria das pessoas que estavam noLAPEX; e enquanto isso outros professores daESEF, que não estavam ligados a pesquisa, ti-nham a estabilidade. Então havia essa dificul-dade, e essa dificuldade de integrar multidis-ciplinaridade existe até hoje, não é? E não sur-preende, porque a Educação Física representauma área que tem exposição a praticamentetodas as outras ciências; e cada linha de ciên-cia tem a sua linguagem, a sua maneira de tra-balhar. E houve já naquela época, e depois nosanos 80 houve de novo, havia um pouco de di-ficuldade de as pessoas aceitarem o que os ou-tros estavam fazendo; e eu acho que esse foium fator importante nas dificuldades que nóstivemos esses anos todos.

P - Qual era o critério para a escolha doscoordenadores do LAPEX?

R - Olha, tanto na época que lá estive...não, eu acho que não havia um critério estabe-lecido: era um cargo de confiança do diretor daEscola. Eu posso dizer os fatores que devemter influenciado a minha nomeação: o coorde-nador natural do LAPEX, em 1986, quando euassumi, não era eu; o coordenador natural erao De Rose, a pessoa que deveria coordenar, ogrande líder dessa área era o De Rose; mas adireção da Escola tinha alguma dificuldade derelacionamento com o De Rose e acabou op-tando por mim como alternativa de alguém quetinha formação, produção e que poderia con-

tribuir para o desenvolvimento do LAPEX.Então, nesse sentido, o critério era esse.

P - O que nós observamos desde a for-mação do LAPEX até os anos 90 é que sempreestiveram médicos na coordenação; e após esseperíodo, o Fortuna assumiu, não é?

R - É, eu acho que nunca houve um cri-tério. Na realidade... eu tenho que me lembrar,agora que tu estás dizendo... teve algum mo-mento em que o regimento -agora tu me lem-braste uma coisa correta- em algum momentono regimento do LAPEX, estava escrito quedeveria ser um médico. Então isso aí até vale apena procurar, que deve estar escrito em algumlugar, e também isso tenha participado da mi-nha nomeação, porque eu não me lembrava,então esse é um componente. O outro compo-nente é que a orientação do LAPEX desde oinício foi de desenvolvimento da área biológi-ca da Educação Física com um enfoque parti-cular voltado para a fisiologia do exercício e amedicina do esporte. Essa era a vocação origi-nal do LAPEX, entre outras coisas, porque asoutras áreas não faziam pesquisa, essa é que éa realidade, então houve um enfoque para a áreabiológica. Esse enfoque, eu acredito que tenhadiminuído marcadamente a partir dos anos 90,na medida em que tendo sido feito um investi-mento grande em formação de recursos huma-nos; e de novo eu aponto o De Rose como umapessoa fundamental nisso, e não só na área demedicina esportiva mas em toda a ESEF: o DeRose foi uma pessoa que teve uma visão muitoadequada de o que é uma estrutura universitá-ria e oportunizou e exigiu que as pessoas bus-cassem formação acadêmica. No momento emque voltaram e estabeleceram suas linhas depesquisa, elas ocuparam o espaço que obvia-mente mereciam; e o LAPEX hoje tem, eu ima-gino, essa característica multidisciplinar que elenão tinha na época. Na época até o final dosanos 80, o enfoque fundamental era o biológi-co, mas entre outras coisas porque as outrasáreas não produziam num nível que estava ha-vendo em alguns lugares. O único professor deEducação Física que voltou -na realidade aténem tendo completado seu doutorado, só como nível de mestrado- e que fez pesquisa de boa

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qualidade foi o Guimarães. No final dos anos80 ele voltou com o mestrado -por razões pes-soais, ele interrompeu o programa dele, vol-tou- e em 85, 86 e 87 ele desenvolveu pesqui-sa na área de biomecânica. Um pouco que ti-nha naquela época, que era só eletromiografia,ele que montou. Mas os outros professores na-quela época não estavam fazendo pesquisa, porexemplo, o Ricardo naquela época não desen-volveu projeto de pesquisa no final dos anos80. Então esse foi um enfoque que para umperíodo... Tem outra área -não sei se tu vaisdiscutir o que é importante no LAPEX, que euacho como característica histórica, que foi aparte assistencial do LAPEX, não sei se issoestá no teu plano- a parte assistencial doLAPEX teve um período que ela teve impor-tância até para a sustentação do LAPEX. OLAPEX não tinha a dotação orçamentária daUniversidade, as verbas de pesquisa eram muitolimitadas -agora eu estou falando de novo nofinal dos anos 80, mas isso aconteceu desde oinício do LAPEX. O LAPEX oferecia um ser-viço de avaliação de pessoas que querem co-meçar um programa de exercício físico; e es-sas pessoas faziam uma avaliação médica, fa-ziam um teste de esforço e recebiam uma ori-entação -que depois foi acoplado nisso inclu-sive a realização do programa de exercício, nãoé? E isso foi... tem sido, ao longo dos anos,bastante importante porque manteve uma ren-da mínima para o LAPEX que permitia a ele sesustentar independente de verbas externas; ealém disso esse processo assistencial foi umdos mecanismos de treinamento de estagiáriosdo mundo todo, quer dizer, as pessoas vinhamaprender a fazer isso conosco, não é? E impor-tante colocar isso dentro de uma perspectivahistórica. Só, por exemplo, na minha área, naárea de cardiologia, o LAPEX no final dos anos70 já fazia ergonometria, que vários lugares dacardiologia não sabiam fazer. Então isso aí temuma contribuição importante do BelmarAndrade: ele implantou um programa deergonometria com orientação clínica e que sem-pre foi de muito boa qualidade. Têm algumascoisas muito interessantes que ficam difíceisde entender: nós, já em 1976, no LAPEX, fazí-amos avaliações dos indivíduos que iam fazerprograma de exercício, tudo com relatório

computadorizado. Fica difícil imaginar que em1976 nós já tivéssemos computador que fazialaudo de eletrocardiografia, laudo de teste deesforço; nós tínhamos ergoespirometriacomputadorizada tudo em 1976. Então isso quehoje parece uma coisa natural com a disponi-bilidade de microcomputadores, naquela épo-ca era feito quando não existia microcompu-tador. Nós tínhamos uma calculadora Olivettique fazia isso, que é uma coisa de muita quali-dade, não é?

P - Esses equipamentos chamaram mi-nha atenção na leitura dos relatórios e outrosdocumentos sobre o LAPEX. Até quero te per-guntar sobre o orçamento, os recursos finan-ceiros do LAPEX que possibilitaram a aquisi-ção dos equipamentos.

R - Mas isso já nos 80 -eu estou falandonos anos 70- 1976 nós já fazíamos a avaliaçãofuncional toda computadorizada. O que nãoexistia naquela época e que eu implantei em86, quando eu voltei, já na era dos microcom-putadores, eu implantei um banco de dados. Osistema, até 85, era usado só com uma estrutu-ra, impressão de laudos, informatizados, masemissão de laudos. Eu a partir de 85 montei -naquela época ainda com computador PC con-vencional que conseguimos numa verba minhado CNPq, usando disquete, porque ainda nãoexistia disco rígido naquela época- nós tínha-mos todos os exames do LAPEX guardadosnum banco de dados de computador. Então issoaí foi uma coisa que já em 86 não era assim umavanço tão grande: era uma coisa mais ou me-nos natural que se fizesse; mas em 76... Entãoo aspecto importante... eu acho que a inovaçãoé de final dos anos 70, que nós estávamos mui-to na frente.

P - Qual era a procedência dos recursosfinanceiros?

R - Para o LAPEX... O De Rose poderesponder melhor isso; mas eu posso dizer quena primeira etapa, nos anos entre 73, eu diria,ou 75, mais ou menos, e 81 ou 79, mais oumenos, existia uma verba do Ministério daEducação específica para o desenvolvimento

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de laboratórios. O De Rose conta essa históriacom maiores detalhes.

P - Sobre a procedência dos recursos fi-nanceiros...

R - A primeira etapa -e aí o De Rose dáos detalhes- isso em princípio havia um proje-to nacional de desenvolvimento específico des-ta área do Ministério da Educação e do Des-porto; e eu não sei quais foram os anos em queessa verba entrou, mas era uma verba que seconseguiu comprar os equipamentos na época,se conseguiu manter a estrutura. E aí se cons-truiu o LAPEX. Então aí que eu caracterizeique era um... que não era nem Bélgica: que eraEstados Unidos e Índia no mesmo local, queera a ESEF naquela época. E aí depois, a partirde 79, essa verba foi desaparecendo; e eu diriaque, nos anos 80, o LAPEX passou a ter a suamanutenção, a verba de manutenção toda àscustas da prestação de serviço da extensão, as-sim que funcionou, e também alguma verba quese conseguia de pesquisa, que não era de mon-ta. E claro, aí muda, porque nos recursos hu-manos as pessoas estavam contratadas pelaUniversidade, então nós não tínhamos gastosem recursos humanos; nosso investimento emequipamento foi quase nada ao longo dos anos,final dos anos 80 não tinha verba, alguma coi-sa de informática que se montou. Então oLAPEX era naquele momento pobre; mas eute diria que ele estava... a produtividade estavamuito grande considerando o que se tinha na-quele momento. O final dos anos 80 foi ummomento muito favorável de desenvolvimen-to, mas eu tenho até um diagnóstico para dardisso, ninguém consegue manter muito tempoas coisas funcionando assim. Para que uma es-trutura de pesquisa se desenvolva, é possíveldurante um período as pessoas trabalharemmuito com muita motivação e criatividade compoucos recursos; mas para manter essas pesso-as trabalhando por muito tempo, há necessida-de de montar uma estrutura maior. Aí que foi agrande... Eu diria que, assim... essa trajetórianão se seguiu porque não se montou uma es-trutura na dimensão que motivava. Então euestava comentando que se -eu faço estimati-va- se lá por 88, 89 nós tivéssemos dado um

grande salto de montar um Instituto de Pesqui-sa do Esporte, vamos dizer assim, com exce-lentes condições, talvez a trajetória fosse ou-tra. Mas, na realidade, nós continuamos comrecursos muito limitados; e aí os interesses daspessoas... ainda havia pessoas no exterior tam-bém; então aí houve uma diminuição do inte-resse no desenvolvimento do LAPEX.

P - Então, pelo menos em termos de pré-dio, hoje está se construindo um LAPEX novo...

R - Eu diria que agora está se dando opasso, dez anos depois está se construindo -édifícil no nosso país- mas dez anos depois oLAPEX está sendo colocado na dimensão queele deveria ter sido colocado na década passa-da; mas não havia esse recurso naquele mo-mento. Então eu acho que a trajetória agora estáretomada, quer dizer, agora existe um grupogrande de pessoas com formação adequada,com diferentes interesses que representam asvárias áreas da ciência do esporte; e eu achoque essa perspectiva teve no final dos anos 80,mas no final dos anos 80 eu acho que faltouesse salto: a situação econômica do País eracomplicada naquele momento, então não ha-via esse tipo de recurso.

P - Qual foi o papel do LAPEX para aEscola? Como que tu percebias um laboratóriode pesquisa de primeiro mundo dentro da Es-cola de Educação Física?

R - Eu acho que o LAPEX teve um im-pacto fundamental na ESEF. Não tem dúvidanenhuma de que o LAPEX mudou o perfil daEscola de Educação Física da UFRGS. E difí-cil avaliar com precisão isso, mas eu acho queo impacto foi imenso, porque mudou rapida-mente. As coisas levam um tempo para mudar,mas ele rapidamente mudou o perfil da ESEF.O perfil da ESEF dos anos 70 era completa-mente diferente. O perfil da ESEF dos anos 70falava de pesquisa? Não se falava: a posturaera diferente, a linha de funcionamento era di-ferente. Eu acho que o LAPEX foi uma manei-ra artificial, foi plantado lá dentro, com umaestrutura que existia ali e que rapidamente to-mou conta e teve um papel importante. Ou con-

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taminou várias pessoas que hoje fazem pesqui-sa em diferentes áreas, por exemplo, oAdroaldo: começou trabalhando no LAPEX,passou por vários setores da Educação Física ehoje tem a sua linha de pesquisa bem esta-belecida; mas começou com o LAPEX; ele é ageração que começou o LAPEX. E assim têmvárias pessoas que contribuíram muito e quedepois... Infelizmente um dos problemas quenós temos na Universidade é que nós investi-mos na formação de pesquisadores, mas aí elesvoltam e têm que assumir atividades burocráti-cas. É o caso do Ricardo, por exemplo, que tam-bém é típico da geração LAPEX: foi criado den-tro do LAPEX; mas, quando voltou, na metadedos anos 80, passou a assumir progressivamentefunções administrativas. Teve uma grande con-tribuição para a ESEF como administrador, mascomo pesquisador ele não teve a oportunidadede desenvolver seu trabalho. Então eu acho quea estrutura do LAPEX foi fundamental para odesenvolvimento da ESEF: mudou radicalmen-te.

P - Em momento algum tu colocaste aparticipação dos alunos da ESEF. Havia algu-ma coisa dirigida para essa participação?

R - Na realidade, desde o início havia.Nós éramos alunos: o Adroaldo era aluno daESEF, o Guimarães era aluno da ESEF, o For-tuna era aluno, o Biazús era aluno; todos eramalunos. Eu era aluno da Faculdade de Medici-na; mas esses todos eram alunos da ESEF. OLAPEX começou fundamentalmente com o DeRose e com estudantes de iniciação científica,e essas pessoas participavam do LAPEX ativa-mente no desenvolvimento. Houve, por umperíodo muito longo, um afastamento de todaessa ebulição que estava acontecendo dentrodo LAPEX, da graduação da Escola de Educa-ção Física. Eu explico o que acontecia: é que,até a metade dos anos 80, ou melhor, até 81, aimensa maioria das pessoas não eram profes-sores da ESEF; nós não éramos professores daESEF. Eu, por exemplo, até 81, não era profes-sor da ESEF; e alguns que eram os outros pro-fessores da ESEF não tinham interesse que elestivessem -eu estou dizendo bem claro isso- nãotinham interesse de ter disciplina na gradua-

ção. Então o que aconteceu por um período foique toda essa transferência de tecnologia e essedesenvolvimento do conhecimento na área fi-caram restritos à pós-graduação; não foramtransferidos para a graduação por uma razãobem simples: porque não havia disciplinas degraduação. A partir de 86, quando eu voltei, aísim eu passei a ter disciplina: foi a primeiravez que a ESEF passou a ter fisiologia do exer-cício. Começou em 1986, nem em 87, mas de-morou um pouco. Naquele período os profes-sores da ESEF não achavam que havia interes-se nas disciplinas; e aí, no momento em que aspessoas foram absorvidas pela graduação, osprofessores passaram a ter disciplinas na gra-duação. Houve uma volta, uma aproximaçãonovamente dos alunos da graduação; porque,até aí, eu diria que entre 75 e 85, a graduação,não tinha disciplinas ligadas ao LAPEX. Mashavia, no fundo, uma falta de interesse em al-guns setores da ESEF de que essas pessoas des-sem aula na graduação, Daí passaram a dar aulana graduação, e os alunos se aproximaram doLAPEX. A minha disciplina de fisiologia doexercício tinha uma prática sempre no LAPEX,desde 86; era disciplina da graduação, tinhaduas turmas; e foi um período em que os alu-nos da graduação começaram a se aproximar.Para que haja iniciação científica... O LAPEXé um ambiente onde a iniciação científica -euacho que é o que vocês estão fazendo, não é?-é um ambiente ideal para fazer iniciação cien-tífica, mas tem que haver uma disciplina inici-al: o aluno tem que fazer um primeiro contatocom o professor pesquisador a partir de umadisciplina; ele passa a ter uma bolsa do CNPq,da FAPERGS; e assim por diante. Então eu achoque esse foi um erro que se cometeu no início;mas existiam razões políticas: não havia inte-resse da ESEF em abrir esse espaço para aspessoas que estavam trabalhando lá. Essa é aminha interpretação. Mais alguma coisa?

P - Hoje há uma discussão em que pes-soas afirmam que o nosso currículo está sendoencaminhado mais para uma área biológica, estáse dando ênfase maior nesta área. O LAPEXtem uma relação com esse fato?

R - Eu acho que o LAPEX teve um im-

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pacto importante. Se vocês estão detectandoisso no currículo, de que a área biológica temuma força grande dentro da ESEF, eu não te-nho dúvida de que o LAPEX teve um impactogrande em relação a isso. Agora, eu estou apre-sentando uma outra linha: é que durante dezanos, por exemplo, a parte mais intensa dessatendência biológica eu diria que é a fisiologiado exercício; a fisiologia do exercício é a pri-meira etapa onde o desvio passa a ocorrer. Bom,só em 86 foi aparecer a disciplina de fisiologiado exercício; então até houve um atraso, naminha opinião. Uma das coisas que vocês têmque incorporar nesse diagnóstico é que, muitasvezes, a tendência de um determinado currícu-lo depende das capacidades das pessoas numadeterminada área. Quer dizer, e eu tenho vistonos últimos anos um esforço exatamente nosentido oposto: está se mandando pessoas parafazer formação em diferentes áreas do conhe-cimento da Educação Física, em nível muitoelevado. E eu espero que no momento... Agorafica difícil tu pegares um ambiente onde pes-soas que, terminando a faculdade de EducaçãoFísica, fizeram um curso de especialização aquiem Porto Alegre. E tu colocas naquele mesmoambiente uma pessoa que fez faculdade,mestrado, doutorado, pós-graduação; tem umapesquisa própria... existe obrigatoriamente umcrescimento aqui no serviço. Acontece a mes-ma coisa: uma pessoa que é produtiva, que li-dera, ela acaba forçando para um lado. Mas eutenho visto -nos últimos anos, pelo menos- ocrescimento de muitas outras áreas que não sãobiológicas, não são necessariamente biológicas.Mas não há dúvida de que o LAPEX represen-tou um desvio.

P - Tu gostarias de deixar uma palavrafinal?

R - É, eu posso. Só assim como mensa-gem final -eu já falei, mas quero ressaltar- euacho que não houve, ao longo dos anos, umacapacidade da ESEF de entender a contribui-ção grande que foi a do De Rose. Em toda essahistória, não houve um ajuste adequado paracomportar o tamanho da contribuição que o DeRose fez ao longo desses anos. É difícil, por-que acontecem coisas como esta: quando uma

pessoa começa a brilhar muito, a área dela co-meça a crescer; enquanto uma cresce, e as ou-tras não estão se desenvolvendo, o contrastefica muito grande; e eu acho que infelizmentenão houve a capacidade de fazer o desenvolvi-mento harmônico dentro da ESEF permitindoesse crescimento grande. Eu vejo agora que,no desenvolvimento, as outras áreas estão atin-gindo o mesmo nível, ou seja, nós temos umgrupo grande de professores qualificados, aca-demicamente produzindo, e em diversas áreasas coisas estão se direcionando de uma manei-ra diferente. Mas ao longo dos anos, eu diriaanos 70 e depois no final dos anos 80, não seconseguiu fazer isso adequadamente, de con-seguir entender que, por exemplo, o trabalhoque um determinado professor faz tem um de-terminado valor na área dele; mas também temoutro trabalho que também tem valor; e houvesempre uma tendência de diminuir o trabalhodaqueles que estavam produzindo. E eu achoque isso foi um problema que se teve e queagora está sendo recuperado; que, na medidaem que existe mais gente produzindo, todos en-tendem a contribuição que está sendo feita.Então eu acho que isso tem que continuar; estásendo feita na medida em que se está constru-indo um laboratório de grandes dimensões, eeu acho que vai tornar a ESEF realmente o cen-tro do País em termos de Escolas de EducaçãoFísica; mas tem que haver essa compreensãode que as áreas multidisciplinares, têm que tra-balhar em conjunto, mesmo tendo suas coisasespecíficas. Esse entendimento é complicadodentro da ESEF. Dentro da Medicina, por exem-plo, é muito simples; porque a linguagem é se-melhante em todas áreas. Em Biociências, acon-tece a mesma coisa: têm grandes expoentes dapesquisa, têm pessoas que produzem pouco;mas a linguagem é a mesma. Na ESEF -eu achoque estou aproveitando a tua pergunta paracaracterizar essa disputa entre a área biológicae a não-biológica, ou qualquer nome dado- essadisputa tem sido negativa para o crescimentoda ESEF, porque tem-se usado muito mais essacompetição para diminuir o trabalho do outrodo que realmente para fazer os dois crescerem;e eu acho que isso tem que ser elaborado nospróximos anos: ao invés de haver competição,deve haver trabalho em conjunto e compreen-

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são de quanto cada uma das áreas contribui.Agora, isso não tem nada a ver com a filosofiado ensino: qual é o perfil do professor de Edu-cação Física que quer se formar na ESEF, é sóuma decisão que aí tem que ser feita num outroâmbito; mas na área de pesquisa precisa havermais crescimento de todas as áreas sem havercompetição negativa.

P - Sobre esse Centro de Documentaçãoem Medicina do Esporte?

R - De novo isso vem da visão do DeRose em 1970, e pouco nós tínhamos em PortoAlegre. No LAPEX, uma biblioteca na áreabiológica, sem dúvida nenhuma, na área demedicina do esporte e fisiologia do exercício,nós tínhamos uma biblioteca invejável; e issofazia parte do CEDIME, do Centro deDocumentação em Medicina doEsporte, e era coordenado... apessoa que fazia isso se chamaRenati Sin-dermam. E euconheço a Renati, encontro elade vez em quando. É que ela erauma bibliotecária que montouuma estrutura; tanto é queexistia toda uma literatura, amais moderna que se podiaimaginar, as revistas demedicina do esporte, eram todasassinaturas internacionais. Nóspublicávamos uma revista demedicina do esporte aqui emPorto Alegre, também peloCEDIME. Então, do ponto de vistaconceituai, o modelo que o De Rose montounaquela época é fantástico; isso tem que sersalientado. O De Rose, naquela época, nãotinha formação acadêmica: ele era um médicoque começou a trabalhar nessa área, só queele tinha uma visão tão abrangente que elealcançou todas as áreas de desenvolvimento;tanto é que se deu conta de montar uma estru-tura acadêmica forte, precisava de uma estru-tura de documentação sólida, e isso foi monta-do. Agora, de novo, desapareceu o dinheiro,houve uma queda. Então, quando nós chega-mos, cm 85, entre 81 c 85, o acervo tinha sidotodo dele; não todo porque ainda estão lá mui-

tas coisas, mas eu diria que pelo menos as re-vistas, que são fundamentais para o nosso tra-balho. Tanto eu quanto o De Rose fizemos do-ações das nossas coleções para a ESEF, e hojese tem uma biblioteca bastante aceitável doponto de vista das revistas da área de ciênciasdo esporte; mas, naquela época, a dimensão queestava se planejando era bem grande, bem gran-de mesmo.

Entrevistado: professor Newton Fernando Fortuna

Data de nascimento: 25/07/1 949 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 22/07/1997

Transcritor: Luciano Amaral, acadêmico do curso de

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

NEWTON FERNANDO FORTUNA é Licen-

ciado em Educação Física pela UFRGS.

Mestrado pela Universidade de lowa

(EUA). Foi diretor do LAPEX no período

de 1990 a 1994. Atualmente é vice-

diretor da Escola de Educa-ção Física

da UFRGS.

P - Em que ano tuingressaste no LAPEX?

R - Eu ingressei no LAPEX em 1973como aluno estagiário. Eu era aluno da Escolae conversei com o De Rose, pedi para entrar.Até pressionei muito o De Rose; eu queria en-trar no LAPEX, queria trabalhar aqui. E aí en-trei, ingressei no LAPEX, comecei a trabalharcomo estagiário. Eu era aluno de Educação Fí-sica; eu entrei na Escola em 1972 como alunoe, no ano seguinte, ingressei no LAPEX.

P - Tu fizeste parte daquele grupo que

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foi fazer um curso de monitores no Rio de Ja-neiro?

R - Não, eu fui da segunda turma: en-trou eu e o Biazús e mais umas pessoas que eunão me recordo, mas basicamente fomos eu e oBiazús que entramos juntos.

P - Tu sabes qual foi o primeiro labora-tório a ser criado no Brasil?

R - Eu acho que foi o LABOFISE, doRio; e o da Maria Augusta, que é o... não melembro do nome, mas era de São Paulo. Achoque foram os primeiros... O do Maurício Ro-cha, esse, foi o primeiro.

P - Os coordenadores dos laboratórios eos pesquisadores eram médicos?

R - Tinha gente da Educação Física; masbasicamente quem comandava, quem criou es-ses laboratórios, são todos da área médica.

P - E os recursos do LAPEX?

R - Os recursos do LAPEX eram passa-dos do Governo, que era o DED... eu nãorecordo disso aí... para a Federação Brasileirade Medicina Desportiva, e da FederaçãoBrasileira é que vinha para o Laboratório.

P - Então a verba era de vocês e não daEscola?

R - Não. Todo o equipamento, o paga-mento do pessoal e o custeio... todo o recursovinha do Governo. Era da loteria esportiva, seeu não me engano, que vinha; que repassavapara a Federação Brasileira de MedicinaDesportiva, eu não sei o porquê. Acredito atéporque era uma relação com o esporte, era oúnico órgão que existia, acho que era isso. Issoquem pode esclarecer bem é o De Rose, queparticipou; ele pode esclarecer o porquê.

P - Como que tu analisas o fato de sercriado um laboratório de pesquisa dentro deuma Escola de Educação Física?

R - No início ele foi uma relação assim...complicada; eu não sei se eu te diria o termocorreto... "tensa". Foram implantados esses la-boratórios; e o pessoal que estava saindo paraos cursos era todo pessoal novo, não eram osprofessores da Escola. Então houve um certoranço, assim, por parte dos professores; por-que nós, alunos, estávamos saindo, estávamosaprendendo; e eles estavam ficando para trás,eles não tinham acesso a esse tipo de tecnologia.E até a pessoa para estar aqui dentro, para sertreinada, tinha que conhecer os aparelhos; emuitos deles, alguns até por conservadorismo,não queriam dar o braço a torcer, vir para oLaboratório, perguntar coisas, então ficavam...se criou um problema: se isolaram e começa-ram a criticar o Laboratório.

P - Mas o Laboratório era aberto aos pro-fessores aqui da Escola?

R - Sim, ele era aberto... E assim quenem hoje: ele era aberto, mas se tu não estásfazendo pesquisa, não estás fazendo um proje-to, tu não tens que estar aqui dentro. Agoramesmo, colocaram uma porta eletrônica ali paraevitar o quê? Porque acontecia o seguinte: aspessoas entravam aqui e começavam a mexernos equipamentos, que são delicados; entãodescalibram, estragam. E têm coisas até absur-das: tinha um professor, que eu não lembro onome, mas que queria pôr os cachorros delepara caminhar na esteira, colocar os cachorrosna esteira grande. É então coisa desse tipo.

P - Então como que tu observas oLAPEX hoje?

R - Olha, eu fico muito contente com oLaboratório, assim, no estágio em que está, re-cebendo um prédio novo, equipamento novo.Eu fui coordenador administrativo durante aadministração do De Rose, do Belmar, do Jor-ge Pinto Ribeiro. Depois eu fiquei de diretorno lugar do Jorge e peguei uma época muitoruim, porque o Laboratório não tinha nenhumpesquisador. Aqui dentro, quando eu fui coor-denador, era só... só tinham pessoas que faziamteste... era o Belmar. Mas não existia pesquisa;

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era um laboratório de pesquisa que não faziapesquisa: só prestação de serviço. E eu sofrimuitas críticas, fui criticado; mas não é culpaminha, porque o Guimarães estava fora, oAdroaldo... tinha um monte de gente fora fa-zendo doutorado. Então, agora, o que é queacontece? O LAPEX hoje tem prédio, temequipamento e tem pessoal qualificado; entãoeu acho que a partir de agora o LAPEX vai serum dos melhores do Brasil, porque ele tem todoum corpo, tem equipamento e tem uma estruturafísica, que é o que antigamente não tinha. Osequipamentos estavam, inclusive, todossucateados: 90% dos equipamentos queestavam aqui foram mandados para a Divisãode Material, de depósito, porque não tinhamconserto; foram equipamentos adquiridos em1974.

P - Quando o LAPEX foi criado em1972, como eram as instalações?

R - Olha, eu não tenho bem certeza, mas,se eu não me engano, ele funcionou numprimeiro momento lá em cima. Isso quem podete dizer é o De Rose. Se eu não em engano, elefuncionou lá por perto da biblioteca, isso porquelá em cima era tudo salas i aula; depois eleveio aqui para esta parte aqui de baixo do prédioatual, aqui onde estamos. Aqui em cima era ojudô, aqui eram os tatames do judô, e ali naquelaparte era o palco; depois levantaram aqueleparedão. Quando eu entrei no LAPEX, eleestava aqui em baixo, nessa área pequena; erasó aquela peça onde estava o Marco e ondeestava aquela parte da biomnecânica. OLAPEX era aquilo ali, e aí depois, com achegada desses equipamentos, tudo... Aténum primeiro momento, aquela esteira grandeficou lá na Brigada, porque nós não tínhamosnem onde botar, porque é uma esteira enorme;aí se pegou esta parte aqui, e depois se pegouaquela parte dali, e a esteira foi para lá. O judôsaiu daqui; inclusive o professor do judô ficoumuito bravo, porque tiraram o judô daqui ecolocaram para o lado de lá, da parte velha,porque tinha só aquela parte onde tinha aesteira, e não tinha nada. E depois ele foi seexpandindo, pegou a parte de cima, lá; porquelá na outra ponta funcionava o DiretórioAcadêmico; na parte de

baixo, onde está a secretaria atual, funcionavaum bar, que depois passou a ser o almoxarifado.Então, à medida que nós fomos adquirindoequipamento, foi tomando corpo, tomandovulto, ele foi avançando em termo de área física,mas ele começou aqui em baixo.

P - Quando o LAPEX foi criado, qualera o tipo de pesquisa desenvolvida?

R - Ele estava todo ele, praticamente,voltado para a área da fisiologia do esporte;até porque o pessoal que deu origem a isso erao De Rose; o Belmar, que foi para o Rio; o pró-prio Maurício Rocha, do Rio; a própria MariaAugusta. O Maurício Rocha, se eu não me en-gano, era cardiologista, não tenho bem certe-za; mas estava todo bem centrado nessas áreas,da cardiologia e da fisiologia do exercício, atépela formação do pessoal. Essas pessoas é quederam origem, digamos, para depois as pesso-as da Educação Física entrarem na fisiologia, efoi se expandindo. E hoje, eu vejo assim, euacho que é a forma ideal, porque hoje nós te-mos pessoal na biomecânica, na aprendizagem,no desenvolvimento motor, na parte da peda-gogia e por parte de ensino. Hoje ele está aber-to a todas as áreas, que é um ideal, quer dizer,antes não tinha... e havia uma crítica quanto aisso; mas porque não havia pessoas, no meuentender, qualificadas naquela área. Hoje já temo Adroaldo, já está fazendo essa área. A for-mação do pessoal... eram todos médicos, o pes-soal da fisiologia do exercício.

P - Qual era o critério para escolher osdiretores do LAPEX?

R - Olha, num primeiro momento, eu nãosaberia te dizer. Tinha um regimento... O deRose é que foi o fundador.

P - Quando o LAPEX foi criado, ele eraum órgão auxiliar ou ele pertencia ao Departa-mento de Desporto?

R - Isso, ele pertencia ao Departamento.Ele não era, na realidade, o LAPEX: ele exis-tia fisicamente, mas não tinha... não era umapessoa jurídica, porque ele estava dentro de

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um... Era uma coisa, assim, totalmente absur-da, porque era um órgão... era como um órgãoauxiliar dentro de um Departamento, e isso nãoé possível. Mas isso são coisas que acontecemassim; a estrutura da Universidade é com-plicada. Então ele ficou dentro do Depar-tamento até para o professor De Rose; depoisnós tínhamos alguns que eram do Departamentode Desporto. Nós fomos contratados pelo pro-fessor Slolopak. Ele ficou um bom tempo comoprofessor, com pessoas do Departamento. Ehouve uma época, até, que, se eu não me enga-no, existia um regimento ou algo assim queprevia que a pessoa, para ser diretora doLAPEX, tinha que ser médico, e médico doquadro da Universidade; e, na época, o únicomédico do quadro da Uniyersidade era o DeRose. Tinha algo desse tipo. Então, depois,houve até uma certa resistência, e algumaspessoas queriam que o LAPEX passasse a serórgão auxiliar; e, sendo órgão auxiliar, o diretorseria cargo de confiança da direção da Escola.Então, a partir do momento em que ele passoua ser órgão auxiliar, a direção da Escola passoua indicar o diretor do LAPEX.

P - Atualmente o LAPEX é um órgãoauxiliar da Escola sem dotação orçamentária?

R - É, sem dotação; porque era isso aí oproblema da época: deve ter dotação, não deveter dotação. É que se ele tivesse dotação orça-mentária, o cargo de diretor não seria de confi-ança do diretor da Escola: seria escolhido oualguma coisa desse tipo. Então tecnicamente,também... uma porque ele não tinha recurso,previa no estatuto que ele tinha que terarrecadação. Não sei, eu não me lembro mais,mas tinha algo no estatuto da Universidade queprevia... ele tinha que ter um requisito para terdotação orçamentária; e, tendo uma dotação, ocargo de diretor não seria de confiança da dire-ção da Escola. Na idéia da Escola, ele tecnica-mente não podia passar a ser um órgão auxiliarcom dotação orçamentária. E a preocupação eraessa: ele em sendo órgão com dotação orça-mentária, o diretor não seria mais um cargo deconfiança da direção da Escola, ele seria esco-lhido entre membros ou tipo assim; com a es-colha pelo diretor da Escola, então ele sem do-

tação orçamentária, ele passaria a ser cargo deconfiança da direção.

P - Vocês fizeram muitas pesquisas e tra-balhos na área de avaliação de atletas?

R - Sim. Eu não trabalhei muito compesquisa, eu ajudei um pouco. Eu, no início,quando entrei aqui, basicamente o que nósfazíamos... nós aprendemos, vamos dizer assim,a ser operadores de máquina: esse era oprimeiro estágio. Quando entrávamos, nósaprendíamos a mexer em todos os equipamen-tos. Logo em seguida eu passei a fazer parte daadministração: era eu que controlava as contas,tudo. E aí eu fui me afastando do projeto depesquisa; eu eventualmente ajudava namonitorização de teste, alguma avaliação, maseu não estava envolvido com pesquisa. Eu jáfui para... eu era o prestador de contas: eu quefazia todo o controle das contas e dos recursosque entravam.

P - Tu sabes por que o Governo Federalcriou este laboratório e os outros laboratóriosno País? Quantos laboratórios foram previstosinicialmente?

R - É, eu não lembro bem isso aí, mas eusei que eles tentaram, uma vez, implantar umlaboratório até em Recife. Eu até aproveitei -nós tínhamos um campeonato de vôlei, e euestava trabalhando com a seleção gaúcha comopreparador físico, e era em Recife... o LAPEXé que pagou essa passagem- e aí eu fui visitaro laboratório que estavam implantando emRecife. Era assim: uma sala, uma bicicletaergométrica, um monitor e mais nada -muitoreduzido. Então não tomou vulto a coisa: ficoureduzida basicamente a Porto Alegre, Rio deJaneiro e São Paulo. Acredito eu que até,naquela época, também, eles estavam... foidepois da Copa de 70, o Governo queria inves-tir no esporte; então eu acho que foi uma polí-tica governamental. Eu não tenho... não me lem-bro de mais dados; eu nunca me envolvi comesse tipo de coisa.

P - E o curso de Especialização em Me-dicina do Esporte?

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R - O curso surgiu depois, eu não melembro bem exato quando, mas existiu. É comoexiste hoje, digamos assim: o pessoal do cursorecebia parte do treinamento aqui dentro; entãoo que é que acontecia? Em nível de Américado Sul, esse pessoal que vinha da Venezuela,da Colômbia, do Equador, do México... tevegente da Espanha, uma época, aqui dentro...esse pessoal não tinha esse tipo de experiêncianos seus países, com esses equipamentos, comesteira, com teste de esforço. Então o que é queacontecia? Isso foi... O Rio Grande do Sul eraum pólo; então as pessoas vinham para cá,vinham da Argentina, do Uruguai... Nóstínhamos, praticamente, acho que todos ospaíses da América do Sul. Inclusive nós tivemosmédicos aqui, eram médicos que vinham; àsvezes vinham professores de Educação Física,um chileno que era professor de Educação Fí-sica veio e ficou um tempo aqui. Era isso, nãoé? O De Rose, por ser coordenador do curso deMedicina Desportiva e por ser o diretor do La-boratório, também aliava as duas coisas. E ocerto era isso: as pessoas tinham treinamentoprático dentro do Laboratório, tal como hojetem o curso de treinamento, que tem algumasaulas aqui dentro; como algumas disciplinas daEscola... A função do Laboratório era dar apoioao ensino, à extensão e à pós-graduação.

P - O que tu sabes sobre o CEDIME,Centro de Documentação em Medicina do Es-porte, no LAPEX?

R - É que eles tinham um Centro, eu nãoem lembro bem disso aí, mas eles editaram...tinha até uma revista que era a revista daFederação Brasileira de Medicina Desportiva...tinha uma revista, que até era o doutor Algayerque a coordenava, mas tinha uma revista... abiblioteca deve ter ainda alguma.

P - Qual a relação do LAPEX com a Fe-deração de Medicina?

R - A Federação repassava os recursospara os laboratórios, e os laboratórios... Tinhao seguinte: para que tu fosses membro da Fe-deração de Medicina Desportiva, tu tinhas queter feito o curso de Medicina Desportiva. En-

tão, assim: o Belmar é especialista em medici-na do esporte, então ele é membro da Federa-ção Gaúcha, já foi presidente da FederaçãoGaúcha; o De Rose também já foi presidenteda Federação Brasileira, da Federação Interna-cional. Então o que é que acontecia? Eles, mé-dicos, especialistas em medicina do esporte,através da Federação, eles tinham... eles edita-vam essa revista.

P - O curso de Medicina do Esporte erasó para médicos ou era aberto a outros profis-sionais?

R - Na época, 90% eram médicos. Teveuma época em que teve um ou dois fisiotera-peutas; mas a grande maioria eram médicos.

P - Os professores de Educação Físicanão podiam cursar?

R - Não. Não porque tu tinhas de sermédico; o curso era de Medicina do Esporte.Mais adiante é que a pessoa de outra área faziajunto, mas não fazia as cadeiras da área médica,e depois, parece, recebia um certificado deespecialista em Ciências do Esporte ou algumacoisa assim. Mas tu não podes receber o titulode Médico Especialista em Medicina Des-portiva se tu não fores médico: o pré-requisitoera ser médico.

P - Gostarias de dizer mais alguma coi-sa?

R - A criação do Laboratório, do labora-tório de Porto Alegre, deu origem ao surgimentode diversas clínicas de prevenção e reabilitaçãode cardíacos. As primeiras clínicas de PortoAlegre foram a Physis, que era do RubensRodrigues; a Prevencor, que hoje é do Belmar;a Cardioclínica, o Adroaldo trabalhava lá... ORicardo, por exemplo, trabalhava na Physis; oGuimarães trabalhava na Prevencor... Entãotodo esse trabalho surgiu com o pessoal treina-do no LAPEX; então isso aí é que eu acho im-portante: a criação desses laboratórios. Acre-dito que no Rio e em São Paulo tenha aconte-cido a mesma coisa; mas aqui em Porto Alegreeles deram origem a esse trabalho de preven-

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ção e de reabilitação através da prática regulare orientada de exercício físico. Essas clínicastinham a parte de prevenção e reabilitação; en-tão a reabilitação, por exemplo, tinha que ter apresença de um médico, era obrigado a ter. Ti-nham pacientes infartados, pacientes com pro-blemas sérios; e tinha também o trabalho deprevenção, que tem até hoje. Então acho queisso é um dado fundamental: a partir do LAPEXisso se disseminou, não é?

P - Mais alguma informação?

R - Por volta de 1972, teve um Congres-so Mundial de Medicina do Esporte em PortoAlegre, inclusive ele foi realizado na Assem-bléia Legislativa, eu não «ei. bem, mas o DeRose pode te dizer bem exato qual foi o con-gresso, foi feito lá na Assembléia Legislativa.O LAPEX teve participação; teve curso aquino ginásio inclusive. Foi um congresso mundi-al: tinha pessoal da Alemanha e de diversospaíses do mundo.

Entrevistado: professor Antônio Carlos Stringhini

Guimarães

Data de nascimento: 23/08/1952

Entrevistadoras: Profa. Janice Zarpellon Mazo e

Cínthia Denise Bordini

Data da entrevista: 1 4/06/1 999

Transcritora: Cínthia Bordini, acadêmica do curso

de Licenciatura em Educação Física da UFRGS e

bolsista PIBIC/CNPq.

ANTÔNIO CARLOS STRINGHINI GUIMARÃES é Licenciado em

Educação Física pela UFRGS em 1973. Curso de

Mestrado na Universidade de Iowa (EUA) em 1981. Dou-

tor em Biomecânica pela Universidade de Calgary (Ca-

nadá) em 1993. Foi diretor do LAPEX no período de 06/

07/1994 a 20/12/1996. Atualmente é diretor da Escola

de Educação Física da UFRGS.

P - Em que ano ingressaste como pro-fessor aqui na ESEF?

R - Ingressei como professor colabora-dor em 78; era uma espécie de professor subs-tituto.

P - Na época em que tu eras aluno daESEF, já existia o Laboratório?

R - No terceiro ano, se estou bem lembrado,em 1973, na metade do ano, em julho, oprofessor De Rose reuniu um grupo de alunose algumas outras pessoas -o Belmar que eramédico da universidade; inclusive algumaspessoas que não tinham vínculo com a Uni-versidade ainda ou que já tinham sido alunos-e nós fomos ao Rio de Janeiro. Deve ter sidoem julho de 73, que foi antes de eu me formar,acredito que tenha sido nessa época. Fomos aoLABOFISE, que era o Laboratório de Fisiolo-gia do Exercício da Federal do Rio de Janeiro.Que me conste, foi o primeiro laboratório a sercriado e que realmente na época tinha uma es-trutura de pessoal, recursos humanos, de recur-sos materiais e que atuava intensamente na área.Ficamos lá durante quatro semanas e fizemosum curso chamado Curso de Pesquisadores emEducação Física. Não tínhamos mestrado emEducação Física no Brasil ainda, então essecurso visava a preparar pessoal para trabalharna área de pesquisa. Interessante que esse cur-so não era só de conteúdos específicos da fisio-logia, ele nos deu uma formação básica: tive-

mos aulas de física, dematemática, de an-tropometria e assim pordiante.

P - Como era aestrutura do LAPEX naépoca da sua criação?

R - Esse foi omomento que eu tenhocomo a criação. Talvezo professor De Rosetenha movimen-

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tado um pouco, mas eu tenho essa data comoum marco, pois até então não existia nenhumasala. Aí começou justamente lá no ginásio maisantigo da Escola, onde atualmente há salas deaula; ali que eu tenho algumas imagens de ter-mos algumas reuniões. Eu entendo que ali te-nha sido, na prática, iniciado. Acredito que oprofessor De Rose tivesse iniciado já algumacoisa com o professor Setineri, acredito, maseu não participei disso aí; mas mesmo que issotenha havido, é uma coisa muito próxima a essadata.

P - Tu começaste como estagiário doLAPEX?

R - E, nós éramos voluntários. Tinhamalguns colegas de turma: alguns deles perma-neceram na Escola, outros não. Dos que per-maneceram, temos o Ricardo, o Adroaldo, eu eo Belmar. E têm outras pessoas que continua-ram suas carreiras fora da Universidade, cole-gas professores: Hélio Becker, de Novo Ham-burgo; Schroeder, que atualmente está no inte-rior do Estado; João Ricardo Magni, que émédico atualmente do Grêmio; acho que oPeroni participou do grupo mais adiante; pro-fessor Heron Beresford, uma pessoa que mar-cou muito a preparação física no Rio Grandedo Sul, um cara que tem impacto na prepara-ção física -até então a preparação física no RioGrande do Sul era muito... assim, sem obser-var princípios científicos; e o Heron foi umadas pessoas que me marcou e marcou, acredi-to, vários desse grupo; uma pessoa que estuda-va na Educação Física; ele buscava a origemda fisiologia, o porquê do treinamento e coisasdesse tipo- e outras pessoas que esteja me es-quecendo no momento.

P - Qual a estrutura organizacional doLAPEX na época da sua criação?

R - Basicamente ele não tinha uma es-trutura: o que existia era o professor De Rose,que pelo que entendo foi quem criou de fato oLaboratório. O professor De Rose teve a idéiade criar, com a experiência dele, já na épocainternacional, ele criou esse Laboratório de fato.Mas não tinha uma estrutura de direção como

hoje, por exemplo, se nós criarmos um órgãodentro da Universidade: ele era o chefe porqueele criou, ele teve a idéia, ele trouxe. E,naturalmente, como não tinha também o statusde um órgão auxiliar, não havia pesquisadores:havia um grupo que começou a trabalhar.

P - Qual a procedência dos recursos fi-nanceiros do LAPEX?

R - Eu sei que os recursos vinham deBrasília, eu acredito que vinham... Teríamosque ver qual era a sigla correta, se era DED-MEC... Bom, fundamentalmente, nós éramosbolsistas voluntários nesse período aí: nãorecebíamos. E depois, mais adiante, no finaldo ano de 73, alguns dessa turma se graduaram:o Ricardo, eu, o Adroaldo, o Hélio Becker, oSchroeder; esses cinco pelo menos. Nóspermanecemos ali. Em alguns momentos nóstínhamos, não posso dizer que era uma bolsa,mas às vezes nós recebíamos algum valorsimbólico ou de uma bolsa; mas às vezespassavam-se os meses sem se receber abso-lutamente nada. Então era uma atividade mui-to mais voluntária e criava uma angústia muitogrande; porque na medida que nós já estáva-mos formados, e nós gostávamos daquilo queestávamos fazendo e não queríamos abando-nar; por outro lado aquilo não nos ajudava anos sustentar. Então alguns assumiram ativida-des dando aulas em colégios do Estado, comono meu caso; alguns de nós no interior; e assimfoi.

P - Como era determinada a escolha dacoordenação do LAPEX?

R - E, enquanto um órgão dessa nature-za não tenha um vínculo com a Universidadede um órgão auxiliar, ele pode permanecer coma mesma direção, como é o caso de várioslaboratórios na Universidade. Nós temos a idéiade que a direção de um laboratório necessaria-mente muda; e não é verdade. Existem labora-tórios dentro da Universidade cuja chefia é vi-talícia: enquanto o professor existir ele perma-nece. E acho que essa talvez seja a regra; mas amaioria desses laboratórios não tem esse statusde órgão auxiliar. Então era uma coisa que era

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vinculada ao Departamento de Desportos, nãoé? Eu não me lembro. Aí permaneceu o profes-sor De Rose, e depois veio o Belmar, depois oJorge... e todos eles médicos. Te confesso quenão me recordo como foi feito isso aí. Eu te-nho uma desconfiança de que, talvez, depoisde um determinado momento, o Laboratório es-tivesse vinculado à direção da Escola, mas nãotenho certeza. Como é que havia a mudança?Por que passou a haver a mudança da direção?Porque passou a haver uma ingerência maiorno Laboratório; por que o Laboratório se cons-tituía de certa forma numa fonte de poder den-tro da Escola; por que ele dispunha de recur-sos, ele tinha acesso a recursos que eram con-sideráveis na época. Então muitas vezes a Es-cola tinha menos recursos, Eu não entendomuito bem, na época eu era aluno, não convi-via com esses dados. Então eu acho que o La-boratório começou a despertar um certo inte-resse -na minha avaliação subjetiva. Aí não seibem como se deu isso aí, honestamente não melembro de como é, por que passou; imagino queele estava vinculado à direção da Escola. De-pois a vinda do Fortuna começou assim, por-que o Laboratório foi-se expandindo. No iní-cio, basicamente, se trabalhava com pesquisa.E eu me lembro, abrindo um parênteses, queum dos primeiros projetos que nós fizemos, senão foi o primeiro, foi uma avaliação de com-posição corporal de jogadores de futebol, quefoi um trabalho muito interessante, em que nósmedimos... O De Rose trouxe essa tecnologia,essa metodologia de dobra cutânea, que nãoexistia; realmente foi uma inovação. E nós, nocampeonato brasileiro -que não tinha esse títuloainda, não lembro como chamava- todas asequipes que vieram ao Rio Grande do Sul, aPorto Alegre, praticamente todas foramavaliadas. Acho que tínhamos uma amostra de110 ou 210 jogadores, uma amostra bem con-siderável das melhores equipes do Brasil. Nósmedimos vários jogadores de expressão da épo-ca; inclusive Pele foi avaliado, me lembro queo percentual deu dez vírgula... ponto algumacoisa e tal. Então era fundamentalmente pes-quisa no início. Born, depois de um determina-do momento, não recordo exatamente quando,passou a existir uma prestação de serviços emque era feita a avaliação. Eu acho que o Labo-

ratório teve uma repercussão enorme, grandemesmo, que muitos desconhecem nessa área daavaliação, regional e nacionalmente. Acho queo De Rose e o Belmar são pessoas que marca-ram, sem dúvida. Hoje em dia qualquer clínicaque se vá faz uma avaliação ergométrica; maso que pouca gente sabe é que quem trouxe essatecnologia para cá foram essas pessoas. Elestrouxeram o Laboratório e eram também vin-culados a clínicas particulares, e assim que secomeçou a se fazer no Rio Grande do Sul aavaliação ergométrica e eletrocardiografia emesforço. A UFRGS deve ser o primeiro localonde isso foi executado. Passou a haver, então,prestação de serviço; existiam alguns convêni-os, me parece que existia alguma coisa com aSOGIPA, não sei em que moldes. Então come-çou a existir a necessidade de uma administra-ção do Laboratório. Do ponto de vista admi-nistrativo, passou a existir essa necessidade;então se criou a figura de um coordenador ad-ministrativo. Então, num determinado momen-to, surge o Fortuna como pessoa que passou afazer a parte administrativa, antes de assumir adireção geral do Laboratório. Me recordo -tal-vez isso tenha acontecido com o Jorge, não seise foi antes- eu sei que o Jorge fazia mais aparte científica, cuidava do que era o Labora-tório até então; e o Fortuna que cuidava da parteinterna administrativa, parte contábil do que jáexistia. Depois, o que naturalmente aconte-ceu... Havia uma predominância de médicosnessa época, porque eles realmente tiveram ainiciativa disso aqui, acho que em outros luga-res no Brasil também -Maurício Rocha e ou-tras pessoas... Depois o que aconteceu foi oseguinte: surgiram os cursos de mestrado, opessoal da Educação Física foi-se qualifican-do e naturalmente foi também assumindo a di-reção desses laboratórios.

P - Que tipos de trabalhos eram desen-volvidos no Laboratório?

R - Era um Laboratório que começou naparte de antropometria: nós trabalhávaos basi-camente com composição corporal, medidas dedobra cutânea, com somatotipia, também. Oprofessor De Rose trouxe o professor Cárter,da Universidade de San Diego, que na época

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era uma pessoa de muita expressão internacio-nal, porque ele tinha um método de somatotipoque ele adaptou de Sheldon, que fazia atravésde fotografias; e o Cárter adaptou para deter-minar o somatotipo de Sheldon através de me-didas antropométricas. Isso foi amplamente di-fundido no Brasil, porque envolvia umatecnologia simples e barata: bastava umantropômetro e um compasso. Juntamente coma parte de ergonometria, inicialmente com me-didas indiretas, testes em esteiras, testes embicicletas e eletrocardiografia em esforço. Esseé o início do Laboratório.

P - O Laboratório recebeu muitos pro-fessores estrangeiros?

R - Eu sou muito ruim em datas, mastêm várias pessoas: teve um da Alemanha -nãolembro do nome, mas é muito conhecido; este-ve o Cooper e, junto com ele, um fisiologistade expressão internacional -está me falhandoo nome dele agora, mas é um nome que pode-mos resgatar, pois tem livros editados- eraquem coordenava toda a parte de pesquisa doCooper, ele esteve aqui e deu uma mão muitogrande; esteve aqui também Peter Kevini, umadas maiores autoridades na área de biomecânicana época; e outras pessoas que eram expoentesinternacionalmente. Acho que em 1975 tive-mos um congresso grande em Porto Alegre, re-alizado na Assembléia Legislativa sobre medi-cina desportiva; ali participaram várias au-toridades.

P - Qual a importância do Laboratóriopara a Escola de Educação Física?

R - Acho que o LAPEX foi uma peçafundamental, e vou usar dois termos: pesquisae pós-graduação. Como eu falei, nós fomos fa-zer um curso que pretensamente em um mêsformava pesquisadores em Educação Física ouCiências do Esporte, algo assim. Com o decor-rer do tempo -porque nós realmente não sabía-mos o que estava acontecendo internacio-nalmente, nós estávamos "de fraldas", inician-do nessa área mais biológica- a partir de umcerto ponto, nós identificamos uma necessida-de muito grande de sair, de estudar, de nos pre-

parar realmente para pesquisa. Esse, acho, foium marco histórico, porque desencadeou umprocesso de pós-graduação das pessoas queestavam vinculadas à Escola. Sem dúvida issofoi marcante; nós fomos os primeiros nomestrado: o Ricardo, o Fortuna, eu, o próprioDe Rose; não me lembro da ordem. Pela ne-cessidade criou-se um problema; então nós pen-samos que, se realmente pretendêssemos de-senvolver pesquisa aqui, precisaríamos emprimeiro momento fazer mestrado. Obviamen-te fizemos mestrado; e aí, dentro de uma pers-pectiva mais internacional, nós vimos que omestrado era só o início e que seria indispen-sável que se fizesse o doutorado. Do meu pon-to de vista isso foi marcante; acredito que osoutros laboratórios desencadearam tambémisso. Na minha avaliação subjetiva, as primei-ras pessoas do País a fazerem mestrado vêmdessa área da fisiologia, do biológico, do trei-namento. Eu me lembro do Valdir Barbanti daUSP; acredito que se pegarmos os dez primei-ros ou quinze, vários deles estão ligados a issoaí e à pós-graduação; porque a pesquisa estávinculada à pós-graduação. A implantação doLaboratório deu um caráter científico à área dotreinamento, particularmente, que até então erauma coisa feita intuitivamente por pessoas in-clusive que não tinham nenhuma formação,nem em Educação Física; então o pessoal co-meçou a se preocupar. Houve uma ênfase mui-to grande na área do treinamento; o GilbertoTim e principalmente o Heron se destacaram.Principalmente o Heron nos marcou pela atitu-de dele de buscar, de ler, estudar: ele queriasaber o porquê; pois, até então existia uma sé-rie de coisas estranhas que eram feitas, parti-cularmente no futebol, e ele começou a questi-onar até que ponto eram válidas. Depois veio oGilberto Tim. E uma pessoa que, embora nãovinculada ao Laboratório, teve uma tarefa muitoimportante aí, mas ele era muito discreto, foi oprofessor Bugre Lucena, que era uma pessoaque conhecia muito treinamento e trabalhavamuito próximo ao Gilberto Tim, só que nin-guém sabia. Inclusive na preparação de umadas seleções brasileiras, quem auxiliava o Gil-berto Tim no programa da seleção era o pro-fessor Bugre, só que o nome dele jamais apa-receu. O professor Gilberto Tim procurava o

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professor Bugre, que era professor de Judô-Treinamento) da Escola, e o Bugre ajudavamuito o Gilberto a preparar; mas o Bugre sem-pre foi uma pessoa muito discreta, não tinhanenhum vínculo com seleção brasileira, nãogostava desse tipo de coisa: fazia aquilo vo-luntariamente. Então o Laboratório teve esseimpacto: começamos a ser presenteados compalestras; a ter acesso a artigos, livros, só emestrangeiro -hoje em dia há publicações emportuguês, mas naquela época não existia. En-tão o professor De Rose trazia esse materialtodo. Isso é um marco, sem dúvida... com con-seqüências políticas, porque isso fortaleceumuito a área biológica; e as outras áreas, va-mos supor, pedagógicas se deram conta, naminha avaliação, de que a área biológica tinhacrescido demais; e houve um certo combateentre elas, porque houve esse movimento, defato, de conhecimento que foi trazido e natu-ralmente cresceu.

P - O que tu sabes sobre a implantaçãodos outros laboratórios?

R - Hoje têm mais disseminados: temlaboratório na Universidade de São Paulo(USP); em Brasília; na Universidade do Esta-do de Santa Catarina, na Universidade Estadualde Pernambuco; tem também em São Caetano-alguns mais fortes numa área do que noutra.Até se nós fizermos uma relação sem anotar,corremos o risco de cometer uma injustiçamuito grande; de repente a UniversidadeFederal do Paraná também tenha. Mas osprimeiros, pelo que me consta, foram Rio deJaneiro; a USP... De fato, as condições em queo de Porto Alegre foi criado eu não conheço. Oprofessor De Rose tinha um acesso, um vínculogrande com o Ministério. Nas atribuições dele,num determinado momento, ele assumiu aSecretaria Geral ou a Presidência da Federaçãode Medicina Esportiva. Então ele era uma pes-soa projetada nacionalmente. Tinha umaprojeção nacional através do futebol: ele eramédico do Grêmio, acredito que ele tenhainiciado a sua carreira no Grêmio; ou se desta-cou na imprensa -um médico de clube defutebol sempre é uma pessoa de expressão-então ele conquistou um espaço ali. Realizou

esse grande simpósio em 75, e aquilo teve umarepercussão muito grande.

P - Como é a relação da Escola com oLAPEX, e como é feita a escolha dos diretoresdo Laboratório?

R - Atualmente isso é um processo mui-to simples. Não existe a opção de que a esco-lha dos diretores do LAPEX seja feita de umaforma diferente de como ela é; porque, a partirde uma determinada data, o LAPEX passou aser um órgão auxiliar e, como tal, ele seenquadra dentro das normas maiores do estatutoda Universidade. E a direção de um órgãoauxiliar é cargo de confiança da direção daEscola; então o diretor da Escola é eleito e só aele compete a nomeação do diretor do LAPEX,com a homologação do Conselho da Unidade,que é o órgão supremo. Então é uma escolha.Dos outros órgãos auxiliares, como, por exem-plo, o Centro Olímpico, também; diferente dosdepartamentos, das comissões, que são feitasatravés de eleição.

P - A contribuição do LAPEX para apesquisa, a extensão e a pós-graduação foi des-tacada no teu depoimento. E a relação doLAPEX com o ensino?

R - Dentro dessa perspectiva, eu achoque o LAPEX se tornou hoje aquilo que parti-cularmente acreditava que ele deveria se tornar.Quero fazer um registro: no meu ponto de vista,o nome LAPEX hoje é inadequado; mas, poruma questão de tradição... Eu também par-ticularmente sou contra. O que é o LAPEX hojena Escola? Na verdade, ele é um centro de pes-quisa da Escola de Educação Física da UFRGSe ponto final. Como tal, ele contempla ativida-de de pesquisa. E quem está vinculado à ativi-dade de pesquisa? Todos aqueles que têm pro-jetos de pesquisa aprovados em alguns dos ór-gãos de fomento, as fundações -CNPq,FAPERGS, CAPES, Pró-Reitorias, esse tipo decoisa- com seus respectivos estudantes de pós-graduação associados aos projetos, no nossocaso estudantes do mestrado, que desenvolvemlá seus projetos; e com seus respectivosbolsistas de iniciação científica, envolvendo,

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portanto, a graduação. Isso no âmbito da pes-quisa. No âmbito da graduação, sem dúvidaalguma ele se constitui... ele desempenha asatribuições previstas pelos regimentos maioresda Universidade no que diz respeito a um ór-gão auxiliar: ele tem que apoiar o ensino, apesquisa e a extensão, e faz exatamente isso.Nós temos várias disciplinas, não saberia enu-merar, que são administradas com o apoio e ládentro do Laboratório. Vou começar com as queestou mais familiarizado e até mais vinculado:a cinesiologia, a biomecânica, a fisiologia doexercício, medidas e avaliação, toda a parte dasdisciplinas do Departamento de Ginástica eRecreação que trabalham com postura e assimpor diante. Outro aspecto que eu acho im-portante é que tenho a sensação de que hojenós conseguimos na Escola, pelo menosparcialmente, superar um "ranço" que existiaentre uma área biológica com uma outra áreamais ligada às ciências humanas. Eu entendoque isto seja indispensável para a EducaçãoFísica, dentro da UFRGS: crescer como umtodo. Eu não acho que o crescimento possa sedar em partes; eu não acredito que tenha quecrescer a área biológica, e depois tu paras a áreabiológica e cresces a área pedagógica ou outraárea que seja... não: eu acho que as coisas têmque acontecer simultaneamente. Acho que oLAPEX assumiu essa tarefa, porque ele não éuma entidade superior. O que ele é? Ele é umlocal onde se congregam professores da Esco-la de Educação Física que desenvolvem pes-quisa e ponto final. Que tipo de pesquisa? Nãointeressa; qualquer tipo de pesquisa que sejadesenvolvida na Escola só tem um lugar: é oLaboratório ou o apoio do Laboratório. Entãoele respalda as teses de mestrado, os projetosde pesquisas, independente da área. Mudoumuito a conotação pela qual ele foi criado, nãoque estivesse errado: ele começou por ondeexistia conhecimento, onde existiam pessoas in-teressadas. Naturalmente, naquela época nãoiria ingressar com interesse pedagógico se co-meçou pelo pessoal da medicina: eles ala-vancaram uma coisa que estava relacionadacom a área de interesse deles; posteriormenteveio um grupo mais interessado... mais ligadoà área pedagógica. Então, hoje ele é um centro.Quais as atribuições de um órgão auxiliar?

Apoiar a pesquisa, ele o faz; apoiar o ensinotanto de graduação quanto de pós-graduação; ea própria extensão, através de prestação deserviços, de avaliações: a Escola pode se sentirplenamente tranqüila com relação a essastarefas. Outro grande mérito que eu acho que aEscola tem hoje em dia é que o Laboratório e após-graduação trabalham juntos. Nós consegui-mos criar isso com alguns objetivos, quaissejam, potencializar, apoiar projetos de pesqui-sas; facilitar teses de mestrado; num futuromuito próximo, próximo mesmo, as teses dedoutorado; os projetos dos professores. Isso éuma coisa de fato, não só dita, não só colocadano papel; na medida em que, inclusive do pontode vista de recursos que são de um setor, sãoinvestidos no Laboratório; porque a pós-graduação enxerga que lá é um ponto quepermite a execução de alguns projetos, e vice-versa. Essa é uma grande conquista da Escolae vai ser indispensável para o sucesso dodoutorado que está sendo implantado agora.

Entrevistado: professor Mario Roberto Generosi Brauner

Data de nascimento: 07/01/1953 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 01/1 0/1 997

Transcritor: Luciano Amaral, acadêmico do curso

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

MARIO ROBERTO GENEROSI BRAUNER é

Licenciado em Educação Física pela

UFRGS em 1973. Especialista em Téc-

nica Desportiva pela ESEF/UFRGS em

1976. Curso de Doutorado na Universi-

dade Autônoma de Barcelona (Espanha).

Foi Diretor do LAPEX no período de 21/

12/1996 a 01/05/1997. Atualmente é chefe

do Departamento de Desportos da

ESEF/UFRGS.

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Page 32: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

P - Comente a tua formação acadêmica.

R - Comecei a licenciatura aqui na Es-cola de Educação Física da UFRGS em 1971 econcluí em 1973. Mais adiante, em 76, fiz umcurso de Técnico Desportivo na mesma Escola,na modalidade de basquete; eu já estava tra-balhando. Fui treinador de todas as categoriase coordenador do Departamento de Basqueteda SOGIPA de 84 a 88. De agosto de 85 atémarço de 86, fiz um curso de Especializaçãoem Basquete em Moscou -vinculado ao Comi-tê Olímpico Internacional- num sistema decolaboração por ser um dos povos mais avan-çados no basquete e no esporte de maneira ge-ral. Estava trabalhando na SOGIPA e na Esco-la Estadual Júlio de Castilhos. Iniciei aqui naEscola como professor em 79; hoje sou profes-sor adjunto 3, sempre trabalhando nas discipli-nas de basquete (fundamentos, técnicas avan-çadas e, mais recentemente, com reformas decurrículo, em técnicas de ensino). Em 89 fizuma ruptura essencialmente prática a partir detreinamento desportivo e fui tentar algumasrespostas também no campo da teoria: saí parafazer doutorado em Barcelona, onde fiquei dejaneiro de 1990 até abril de 1994; desenvolviuma tese na área da pedagogia do esporte, re-lacionada com programas de iniciação des-portiva, essencialmente sobre a teoria e a prá-tica dos professores.

P- Em que período foste diretor doLAPEX?

R - Eu estive no cargo de 21/12/1996até 01/05/1997.

P - Embora tenha sido um período cur-to, qual tua visão do LAPEX naquele período?

R - Eu fui pego de surpresa, porque,mesmo estando no Laboratório diariamente esabendo da existência de todas as atividadescotidianas, eu tinha pouca vivência, na medidaem que eu ocupava as instalações, mas nãoparticipava diretamente de qualquer atividadeespecífica do Laboratório. Foi um período detransição: em fevereiro o professor VicenteMolina estaria retornando de seu doutorado em

Barcelona e deveria assumir o cargo. Meu papelfoi puramente figurativo: eu apenas assinava eencaminhava documentos, mas não tinhanenhum poder de decisão.

P - Tu poderias me relacionar algum pro-blema que enfrentaste no LAPEX?

R - Não, pois naquele período curto -euacho que até compreendo o que acontecia emfunção do que havia sido combinado- o pro-fessor Guimarães nunca deixou que as coisastranscendessem, principalmente as coisas ne-gativas. O Laboratório funcionou normalmen-te; se bem que nos meses de janeiro e fevereirosempre há um recesso, porque coincide com asférias acadêmicas. Mesmo assim, todos os pro-blemas maiores e as questões administrativasque faziam o funcionamento do Laboratórioaconteceram no gabinete da direção da Escola.Então, eu não tive problema funcional e tam-pouco administrativo nesse período.

P - Que lugar ocupa o LAPEX na ESEFe no âmbito da Educação Física brasileira?

R - Sem dúvida representa a possibili-dade de desenvolver, sob o ponto de vista daciência, nossa atividade física e esportiva. Des-de 1971, período em que o LAPEX foiimplementado, este representou um espaço deponta na produção do conhecimento dentro danossa área; isso durou uns cinco anos, enquan-to estava sob a direção do De Rose. Com opassar do tempo, não sei dos motivos exata-mente, ele foi perdendo um pouco do pro-tagonismo. Antes da minha saída para o exte-rior, de 1985 em diante, o Laboratório nãotranscendia as próprias atividades, não tinhaum espaço relevante dentro das atividades daEscola e foi perdendo terreno. Quando voltei,em 1994, já tinha retornado também, do seudoutorado, o professor Guimarães; na direçãoda Escola estava o professor Petersen: senti quetinha sido dado um novo impulso. Em 94 tive-mos algumas reuniões buscando uma adequa-ção no regimento do Laboratório: o Guimarãesprocurava criar um espaço dentro do Labora-tório para que todos tivessem como desenvol-ver os seus projetos, suas linhas de investiga-

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ção. A partir de 1994, senti um interesse muitoforte pelo Laboratório; e, mais recentemente,surgiu a oportunidade de montar, na Escola deEducação Física, um dos Centros de Excelên-cia do País.

P - Qual é o papel do LAPEX no con-texto atual?

R - Na medida em que não estou con-vencido de que o Laboratório seja o único póloda Escola... Houve um momento em que o Cen-tro Olímpico teve mais peso, não só político,mas com relação à dotação orçamentária, su-perando a da própria Escola. Desviar um pou-co daquilo que seria a preocupação original daEscola, um curso de licenciatura. Então eu ficoum pouco preocupado com o desdobramentodas outras possibilidades de atuação do nossocampo, porque a área biológica, que é aquelacom maior tradição no Laboratório, está tran-qüilamente estabelecida como nossa área. Meuquestionamento está centrado nas reais possi-bilidades de desenvolver, dentro do LAPEX,as outras áreas do conhecimento que não so-mente aquelas relacionadas com a biologia, afisiologia, a biomecânica, etc. a partir das Ci-ências Sociais e Humanas; e é onde eu me vin-culo: na pedagogia, não do esporte especifica-mente, mas da atividade física esportiva. Pre-cisamos encontrar uma forma de reunir os in-teressados sem contrariar os interesses da áreade fisiologia, da área biológica. Não podemosdeixar de nos preocupar com a formação deprofessores e em especial com a graduação:esse deve ser o eixo principal da Escola deEducação Física da UFRGS.

R - É preciso reconhecer o esforço daprofessora Janice e sua equipe de trabalho: oresgate da história do LAPEX deve marcar osseus 25 anos de existência; é importante quetenhamos um registro daquelas pessoas queconstruíram o Laboratório. Como professor háquase 20 anos nesta Escola, eu vejo o Labora-tório como uma das áreas que mais podem pro-jetar a Escola tanto em nível local, regional eaté nacional, não necessariamente apenas comoCentro de Excelência voltado para o esporte,mas com a pesquisa vindo reforçar a formaçãodos futuros professores, treinadores despor-tivos. Através do Laboratório, poderíamos con-seguir, também, um espaço para discussõesentre os profissionais, um espaço de promoçãode eventos específicos no campo da atividadefísica e desportiva.

Entrevistado: professor Vicente Molina Neto

Data de nascimento: 11/01/1952 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 03/1 0/1

997 Transcritor: Luciano Amaral, acadêmico do curso de

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

P - Em que período tu ficaste na direçãodo Laboratório?

R - Bem, eu assumi a direção do LAPEXlogo que retornei do Doutorado, a convite doGuimarães, mesmo sem ter a formalização le-gal desse ato. Isso aconteceu a partir de 20 defevereiro de 1997, logo após o carnaval.

P - Uma palavra para finalizar.

VICENTE MOLINA NETO é Licenciado em Educação Física

pela UFRGS em 1975. Especialista em Lazer e Recreação

pela ESEF/UFRGS. Mestre em Educação pela Faculdade

de Educação da UFRGS. Doutor em Educação pela Uni-

versidade Autônoma de Barcelona (Espanha) em 1996. Foi

diretor do LAPEX no período de 02/05/1997 a 15/07/1997.

Atualmente é coordenador do programa de pós-graduação

em Ciências do Movimento Humano da UFRGS.

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Page 34: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

P - Tu te lembras da portaria?

R - Tenho a portaria sim: eu fiquei, senão me engano, até 15/07/1997, quando eu fuidispensado pela portaria da reitora.

P - Como tu observas a relação entreLaboratório e a Escola de Educação Física?

R - Teve uma fase, antes, que eu tinhauma visão do Laboratório, que foi quando euera aluno e também professor da Escola, foiantes de eu fazer o doutorado. Bom, a minhaperspectiva naquela época... até eu tinha mui-tas críticas ao Laboratório, principalmente pelaforma como ele estava inserido na Escola na-quele período que foi implantado, que eu eraaluno e depois vim a ser professor da Escola.Então eu via muito o Laboratório como um or-ganismo autônomo dentro da Escola de Edu-cação Física, que funcionava... era bastante fe-chado à comunidade de professores da Escola.E, nas reuniões de que eu participava, sempretive a oportunidade de fazer essas críticas, por-que era um organismo bastante fechado: tinhaum grupo de pessoas que fazia pesquisa aquidentro, mas o resto da comunidade acadêmicaou escolar, vamos dizer assim, não tinha... nãosabia o que acontecia. Para entrar aqui -come-çava que tu tinhas umas barreiras psicológicasprimeiro, que hoje não mais existem- tinha umbalcão e uma porta que o sujeito para entrar,para ultrapassar aquela barreira e se interessarpelo LAPEX, tentar estabelecer uma curiosi-dade sobre o que eram aquelas coisas ali, erapraticamente impossível. Bom, aí eu fui para odoutorado e tal, e voltei. Antes de ir para o dou-torado, eu participei do processo eleitoral aquida ESEF, que foi um processo que realmentevirou o jogo aqui na ESEF. A ESEF se caracte-rizava pelo conservadorismo extremo e, naque-la época -e não só na ESEF, mas na Universi-dade como um todo- nas mãos dos médicos;enfim, toda essa questão aí. E com o processoeleitoral do professor Hélgio Trindade, se con-seguiu fazer uma chapa de oposição bastantearticulada; e aí se fez também um movimentona Escola de Educação Física. Foi interessan-te: a ESEF foi a unidade que teve o maiorpercentual de votos para a oposição na eleição

do Hélgio. Foi realmente significativo, tanto éque o professor Cassei foi convidado a ser pró-reitor da comunidade acadêmica exatamentepelo percentual de votos; porque ele era o úni-co que não era da chapa. Porque o acordo quehavia é que todos os pró-reitores... todos osmembros da chapa que não fossem indicadospara reitor seriam pró-reitores; e o único quefoi Pró-Reitor sem ter sido membro explícitoda chapa foi o Cassei, tamanha represen-tatividade da nossa vitória aqui dentro da Es-cola. E aí nós fizemos campanha e tal, e o pro-cesso do Ricardo Petersen foi o mesmo; entãoo Ricardo é conseqüência desse movimento,dessa necessidade que nós tínhamos de um gru-po de professores articulado e com uma visãomais progressista e comprometida com a Es-cola; e o Ricardo foi nesse processo. Então, vêbem, claro que se estabeleceu uma série demetas para o LAPEX, para o Centro Olímpico,para a ESEF; se estabeleceu uma plataforma etal. Bom, e aí eu fui para o doutorado; e claro,quando eu estava lá fora, terminou o mandatodo Ricardo; e o processo eleitoral que elegeu oGuimarães, que é o atual diretor, claro que se-guiu essa mesma linha, um comprometimentopolítico, uma linha mais aberta. Enfim, eu es-tava em Barcelona terminando o meu doutora-do. Eu estava a par do que estava acontecendoaqui, tanto é que recebi o convite para ser dire-tor do LAPEX na campanha do Guimarães láem Barcelona; então eu estava terminando atese e já tinha recebido o convite, não é? Por-que era garantir uma proposta mais aberta, umaproposta progressista e, claro, o Guimarães, queé um sujeito sério; e eu votaria nele se eu esti-vesse aqui e participaria do trabalho, como ha-via participado. E aí o que aconteceu? Eu vim,comecei a trabalhar e... bom, o LAPEX, dentroda Escola, se tornou um auxiliar desse proces-so e, pelo trabalho do Guimarães, pelo traba-lho do Ricardo, foi um órgão que se destinou...que começou a apoiar o trabalho da Escola; ecom isso veio a pós-graduação. O LAPEX, deuma certa forma, se abriu, não é? Então todasaquelas pessoas, aqueles professores que ti-nham um trabalho de investigação e que tinhamum trabalho de pesquisa, o Laboratório foi aber-to a eles; então isso aí representou um grandeavanço na política do Laboratório, no meu pon-

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Page 35: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

to de vista. Mas aí tu vais me perguntar assim:"Bom, mas então por que tu saíste?" Então, nãoé? Não, aí a questão entra no plano, vamos di-zer assim, das estratégias administrativas parase conseguir o plano de governo que nós acre-ditávamos; e aí nós esbarramos na questão demetas. Então, na verdade, claro, eu era um pes-quisador do ramo, vamos dizer assim, qualita-tivo; e o grande volume de pesquisa que é feitaaqui é do ramo quantitativo e biológico. Entãoeu, na verdade, comecei a sentir... a me sentirassim... para legitimar um discurso da pesqui-sa, tipo assim, de que a pesquisa qualitativa éincipiente aqui dentro do Laboratório. Entãoeu achei por bem, para ser coerente com os fa-tos, sair da direção e abrir mão para a direçãona qual eu acredito colocar um diretor alinha-do com o tipo de pesquisa hegemônica desen-volvida dentro do LAPEX e com a metodologiapara conseguir os objetivos, na medida em quea nossa diferença é em questões de métodospara se lograrem os objetivos maiores da Es-cola. Porque todos nós queremos "históricos",e outros trabalhos de investigação dentro dasações são num número muito reduzido, porqueficam muito mais num esforço de cada pesqui-sador do que realmente numa política de in-vestigação do LAPEX. Então isso era uma coi-sa que me inquietava um pouco quando eu es-tava na direção, porque era assim: o sujeito sesentia um pouco como a "Rainha da Inglater-ra", que tem um certo fascínio, um certo charmeo cargo, mas tem pouco poder político no esta-belecimento de diretrizes políticas para a in-vestigação da Unidade. Porque, na verdade, oque é que acontece? A pesquisa fica centradano interesse do investigador; e o diretor nãotem poder nenhum para distribuir os recursospara a pesquisa, ele não pode nem tirar recursode uma coisa e botar na outra; porque quemfinancia as pesquisas são as agências externasà investigação. A ESEF não tem dinheiro paradizer assim: "Bom, agora nós vamos investirneste tipo de pesquisa e financiar este proje-to." O diretor do LAPEX jamais pode fazerisso; então está tudo bem, tem um certo charmee tal, mas, do ponto de vista prático de desen-volvimento de pesquisa, a função dele é umapoio, vamos dizer assim, de garantir a sala eestamos conversados. Então eu vejo nesse sen-

tido. Bom, então a política que tem de investi-gação dentro do LAPEX está muito centradanos investigadores; e quando os investigado-res atuais do LAPEX, a maioria são aquelesoriundos dos cursos de mestrado nos EstadosUnidos, aprenderam a fazer pesquisa dentro deum modelo de investigação, o modelo que vivedentro do LAPEX é esse, é o modelo que eume referia antes. Então o que isso quer dizer?Eu vejo perspectivas agora, com o novo prédioe tal, se tentarem outros tipos de pesquisa. Masé como eu digo: a pesquisa não é só... não bas-ta só tu chegares e dares uma sala para o sujei-to: não, é uma série de apoios institucionais paraque o investigador se sinta estimulado a essetipo de pesquisa não só pelo reconhecimento,enfim, pela valorização desse tipo de pesquisa,como também, claro, passa pelas condições dematerial.

P - O LAPEX tem um prédio novo. Issosignifica uma nova proposta para este Labora-tório de Pesquisa do Exercício?

R - Não, quer dizer, sim e não. Na ver-dade, quando eu pensava que agora, com a inau-guração desse prédio, era a oportunidade pri-meiro para nós abandonarmos essa idéiaconstruída em cima de um "laboratório", por-que a própria terminologia, o próprio sentidoda palavra já te induz a um pensamento sobreum tipo de pesquisa. Então, ainda que se quei-ra preservar a tradição, aquela memória român-tica do tempo quese fazia pesquisa com todo oesforço, lutando contra um e contra todos; ain-da que se queira manter este termo, esta marca"LAPEX" é este local de fazer pesquisa. Sobmeu ponto de vista, ele deveria ser transforma-do num centro de investigação, exatamente paradentro... É que é muito difícil para essas pesso-as compreenderem... Essa questão de lingua-gem é importante, não é? Bom, estão aí estasciências que estão construídas em cima das lin-guagens: semântica e outras tantas, não é? En-tão, quer dizer, mas o pessoal, vamos dizer as-sim, que detém o controle do poder de decisãosobre isso tem um pouco de resistência. Masno meu ponto de vista seria isso: esse lugar depesquisa seria um grande centro de investiga-ção onde estariam controlados todos os mode-

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Page 36: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

los de pesquisa -os tradicionais e os emergen-tes. Assim, o diretor ou alguém que se propo-nha a estabelecer uma política, trataria, vamosdizer assim, de apoiar não só com materiais,mas também com favorecimentos no planoinstitucional das pesquisas não-tradicionaisdentro da ESEF. Não sei se dá para tu entende-res o que eu estou dizendo.

P - Sim, aquelas que ainda não se legitima-ram, não é? Que têm que construir um caminho.

R - E se encaminhando, não passa só pelolugar: é como aquele pessoal que quer resolveros problemas da educação garantindo vagaspara os alunos nas escolas; e isso não resolveproblema nenhum da educação. É a mesmacoisa que querer resolver os problemas doLAPEX dando um lugar para o pesquisador alidentro; e, claro, a pesquisa qualitativa ou essaspesquisas emergentes precisam de outros apoi-os, porque qualquer coisa que venha... que es-teja de encontro a ela é um grande abalo; aopasso que, num paradigma já legitimado, qual-quer percalço não surte efeito, entendeu? En-tão eu acho isto: não é só colocar um pesquisa-dor dentro do LAPEX que vai desenvolver umtipo de pesquisa, sei lá, colocando todos essesmeios materiais; mas também passa pela ques-tão de reconhecimento na questão da divulga-ção. Bom, do próprio reconhecimento da co-munidade, o respeito, muitas vezes tu ouvesaqueles pesquisadores mais tradicionais dize-rem que esse tipo de pesquisa é pouco científi-co; então reconhecer, pelo menos se interessar,olha... saber que a pesquisa qualitativa e queos outros... os enfoques emergentes, vamos di-zer assim, precisam de um outro tipo de trata-mento, mais do que somente dar lugar para opesquisador, não é?

P - Comenta a tua formação acadêmica.

R - Eu tenho o curso de Licenciatura emEducação Física, que comecei em 1971 e con-cluí em 1973; tenho curso de Especializaçãoem Atletismo, que realizei em 1975 aqui naEscola de Educação Física da UFRGS; fiz omeu curso de mestrado, que iniciei em 1979 eterminei em 1981; e em seguida, no mesmoano, no segundo semestre, eu iniciei o meucurso de doutoramento e concluí em outubrode 1984.

P - Em que áreas sã o mestrado e o dou-torado?

R - O mestrado foi na área de concen-tração de aprendizagem motora; e a segunda,biomecânica. No curso de doutorado, a primeira

Entrevistado: professor Ricardo Demétrio de Souza

Petersen

Data de nascimento: 09/07/1 95 1 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 08/08/1 997

Transcritora: Cíntia Brino, acadêmica do curso de

Licenciatura em Educação Física da UFRGS

RICARDO DEMÉTRIO DE SOUZA PETERSEN é Licenciado em

Educação Física pela UFRGS em 1973. Especialista em

Atletismo pela ESEF/UFRGS em 1975. Mestre em Apren-

dizagem Motora pela Universidade de Iowa (EUA) em

1981. Doutor em Desenvolvimento Motor pela Universi-

dade de Maryland (EUA) em 1984. Realizou estudos de

pós-doutorado na Universidade de Maryland (EUA), em

1998 e 1999. Foi diretor do LAPEX no ano de 1997..

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Page 37: Depoimentos dos coordenadores e diretores do LAPEX

área foi desenvolvimento motor; e a segunda,aprendizagem motora.

P - Como foste trabalhar no LAPEX?

R - Na realidade, eu fui indicado peloprofessor Werner, o Peixinho", para fazer par-te de um grupo de alunos que seriam os estagi-ários do LAPEX; então foi por indicação doprofessor Werner.

P - Na época tu eras aluno do curso delicenciatura?

R - Eu era aluno e estava no terceiro anoem 1973.

P - Então começaste no LAPEX comoestagiário?

R - É, na realidade, nós fomos para oRio de Janeiro fazer um curso de pesquisado-res em Educação Física, se não me engano esseera o nome do curso, na Escola de EducaçãoFísica da Universidade Federal do Rio de Ja-neiro, na Ilha do Fundão. Esse curso era coor-denado pelo doutor Maurício Leal Rocha; foium curso em que nós tivemos as primeiras no-ções de pesquisa e do que estava sendo feito naárea. Foi um curso bom, para a época, que nosdeu uma boa visão do que era um laboratóriode pesquisa do exercício, no caso; e isso nosdeu, então, a base para iniciar todo o trabalhono Laboratório.

P - Por que foram criados os laboratóri-os de pesquisa do exercício nas escolas de Edu-cação Física? Tu tens alguma informação so-bre isso?

?

R - Não. Na realidade, nós não sabía-mos muito bem o que estava acontecendo, atéacredito que nós nem questionássemos muito;mas a impressão, quer dizer, o que nós enten-díamos é que era uma forma de se apoiar o es-porte de alto rendimento, de que essa era a in-tenção do Ministério; enfim, há exemplos deoutros no mundo. Esses laboratórios de algu-ma forma seriam direcionados para fazer apesquisa na área do esporte; e isso basicamen-

te é o que foi... vamos dizer assim, foram osprimórdios das pesquisas no LAPEX.

P - Como tu caracterizarias o tipo depesquisa desenvolvida no LAPEX na época dasua fundação?

R - As pesquisas eram, basicamente... Eume lembro que nós trabalhávamos muito coma parte de cineantropometria -diagramas deShelton, tipos corporais (mesomorfo, endo-morfo, ectomorfo) e percentagem de gordura;então se faziam alguns trabalhos nessa direçãocom jogadores de futebol. Também algumacoisa sobre consumo de oxigênio, enfim, pes-quisas que, na realidade, algumas mais aplica-das, outras nem tanto, mas era por aí: eram pes-quisas na área biológica. Obviamente, o pessoalque coordenava, que orientava eram médicos.Esse curso que nós fizemos lá no Rio foi comum médico que era o coordenador. Então, eraesse o direcionamento das pesquisas.

P - Como tu avalias esta questão de umlaboratório de pesquisa do exercício ser coor-denado por médicos?

R - Eu vejo o seguinte: tem uma questãode competência. Na realidade, nós, como pro-fessores de Educação Física, não tínhamos for-mação para esse tipo de pesquisa, não tínha-mos a formação científica. O De Rose tambémnão tinha uma formação científica, não é? Elefoi o primeiro coordenador, foi o fundador doLaboratório. Na realidade, nenhum de nós tí-nhamos. O que acontecia? O De Rose eventu-almente trazia alguém para nos dar orientação,como fez esse curso lá no Rio de Janeiro. O DeRose viajava muito, como continua viajando,e lá fora ele via algumas pesquisas, algum equi-pamento novo e alguma metodologia nova.Enfim, ele procurava trazer isso para nós; masera passado assim... não de uma forma siste-mática, não havia reuniões formais: era umacoisa muito "passado de boca" mesmo. Então,nós sentíamos a necessidade de uma formaçãocientífica mais adequada e essa foi uma dasrazões por que num certo momento eu me afas-tei do Laboratório; pois eu sentia que nós, to-dos os componentes do Laboratório e inclusi-

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ve o De Rose, necessitávamos dessa formação;o que aconteceu mais tarde com todos nós ouquase todos, com aqueles que saíram para fa-zer mestrado e doutorado.

P - Quando vocês retornaram, como es-tava o Laboratório e o que mudou?

R - É, eu retornei em 1984. Fui o pri-meiro doutor, o primeiro Ph.D. Nós tínhamosos níveis docentes na Escola; mas, com o cur-so de doutorado, de Ph.D, eu fui o primeiro avoltar. E senti, obviamente, que o Laboratórioestava numa situação bastante crítica: não tí-nhamos mais equipamentos, não se fazia pes-quisa mais no Laboratório; ele estava pratica-mente fechando as portas. E eu tentei, com meugrupo de pesquisa, desenvolver alguma pesqui-sa, mas também fui "engolido" pela... vamosdizer assim, pelo trabalho -até trabalho admi-nistrativo, e acadêmico, e aulas e tudo mais- etambém não consegui dar conta, até porque nósnão tínhamos recursos humanos para apoiar.Então éramos os alunos e eu, num certo mo-mento, e mais ninguém. As pessoas que... OJorge Pinto Ribeiro já estava afastado ou seafastando da Escola, que era quem fazia pes-quisa no Laboratório ultimamente; o próprioGuimarães também tinha alguma pesquisa,porém era muito pouco; e eu tentei, também,com meu grupo de pesquisa desenvolver algumtrabalho. Mas foi mais tarde que realmente oLaboratório iniciou um nova fase. Isso nósestamos falando aí de 1984, 1986, 1988, poraí, não é? Nessa fase. Em 1989 e 1990, nós jácomeçamos a... talvez, eu acho que até maistarde, dar um novo impulso para o Laborató-rio. Acho que foi lá por 1992 ou 1993, princi-palmente, quando o Guimarães assumiu a di-reção do Laboratório; e aí é que, vamos dizerassim, houve um... foi dado um novo impulsopara o Laboratório.

P - Qual a relação do Laboratório com aEscola de Educação Física?

R - Uma das coisas importantes é queos três últimos coordenadores eram professo-res de Educação Física: isso, de certa forma,dá um outro enfoque para o Laboratório. Por

que isso? Bom, por que o Laboratório começaa se abrir para outras áreas; não fica tanto naárea, vamos dizer assim, biológica, que nor-malmente é a mais tradicionalmente conduzidapelos médicos. E, já na minha volta do douto-rado, eu via que o Laboratório teria que se ex-pandir, teria que abrir para outras áreas. Na-quela época e, posteriormente, na implantaçãodo mestrado, nós fomos buscar professores deoutras áreas. Os próprios professores da Esco-la que nunca tinham se motivado a participardo Laboratório porque lá se fazia pesquisa bi-ológica começaram a participar das atividades,de algumas atividades do LAPEX. Com issocomeçou a se delinear uma nova visão de La-boratório; e essa nova visão começou a, va-mos dizer assim, permitir que outros professo-res, professores de outras áreas, começassementão a se motivar e a fazer trabalhos junto aoLAPEX. Bom, a verdade é a seguinte: é quemuitos de nós, pelo fato de sermos professoresde Educação Física, temos uma tradição na áreabiológica, não é? Querendo ou não, temos umatradição. Então, mesmo aqueles que voltaram,os primeiros a voltarem do doutorado, tinhamessa vocação, porém já com uma idéia, umaconcepção de Laboratório diferente até da quemuitos de nós vivenciamos lá fora. Claro quehoje em dia a coisa mudou! Eu experiencieium Laboratório cujo complexo de fisiologia,de aprendizagem motora, de desenvolvimentomotor, de biomecânica era bem tradicional. Noentanto, nós entendíamos que o Laboratório ti-nha que se expandir para outras áreas; entãosempre procurei atrair colegas de uma formaou outra e acho que, de certa forma, nós con-seguimos. Posteriormente, com a volta dos co-legas que foram se capacitar no exterior nes-sas áreas -pedagogia, sociologia, enfim- foimais fácil concretizar essa nova visão. Achoque agora a tendência é, cada vez mais, o La-boratório se tornar um... às vezes eu fico pen-sando se o nome "Laboratório de Pesquisa doExercício" é adequado, talvez um "Centro deEstudos do Movimento" ou algo nesse sentido.

P - Tu és uma das pessoas responsáveispela construção desse novo prédio do Labora-tório, não é? Será que o Laboratório estariacomeçando uma nova fase?

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R - Eu acho que não; eu acho queconceitualmente não. Ele pode estar iniciandouma nova fase de área física, de equipamentose de novas pesquisas, em função de tecnologiasmodernas, não é? Porém eu acho que não. Essaconcepção de Laboratório já começou há al-gum tempo atrás, e acho que isso é importante,quer dizer, o que vai sair de pesquisa ali vaidepender da competência do pessoal da áreabiológica, da área pedagógica, da área filosófi-ca, da área sociológica. E aí é uma questão decompetência das pessoas, das áreas que se de-senvolverem, ou seja, a oportunidade está apre-sentada a todos. Nós, coletivamente, construí-mos uma nova visão de Laboratório; agora cabea nós sermos competentes e desenvolver cadaum a sua parte. Uma das grandes qualidadesda nossa Escola e que nos diferencia das ou-tras é que temos esse respeito acadêmico portodas as áreas. Acho que isso é universidade,isso é o que caracteriza. Nós não estamos aquipensando em fazer apenas um tipo de pesquisaou outro: não, nós temos essa liberdade acadê-mica de fazer a pesquisa que nós entendemosque seja interessante. Acho que isso é de foroíntimo do pesquisador; e cabe a ele, então, de-senvolver a sua área.

P - Tu tens conhecimento de que existiano Laboratório um setor que chamavam deCEDIME, que era o Centro de Documentaçãode Medicina do Esporte?

R - Eu não tenho dados, mas me lembroque isso existia. É, existia a Revista de Medi-cina do Esporte, inclusive.

P - Que revista era essa?

R - A pessoa que coordenava essa revis-ta, se não me engano, era o De Rose. Existeessa revista; têm publicações do laboratório demedicina do esporte lá. E acho que é importan-te se dizer, também, que essa área teve, nacio-nalmente, uma contribuição muito grande nonosso Laboratório, não? O De Rose foi muitohábil nessa questão de desenvolver a medicinaesportiva. Outra coisa importante também, eunão sei se tu vais me perguntar mais adiante,mas os serviços de reabilitação de cardíacos

em Porto Alegre nasceram basicamente dentrodo LAPEX. Eu fui o primeiro, talvez, profes-sor de Educação Física a trabalhar no Rio Gran-de do Sul com reabilitação de cardíacos. Emseguida, o Guimarães e o Adroaldo tambéminiciaram esse trabalho. Eu trabalhava na Physiscom o Dr. Rubens Rodrigues. O De Rose erasócio da Physis também, não é? Ele que meindicou para trabalhar lá. O Belmar abriu juntocom outros médicos a Prevencor; o Guima-rães e o Adroaldo trabalharam lá. Bom, depoisvieram outros professores de Educação Física,mas essa área teve seu início com o pessoal doLAPEX em Porto Alegre.

P - O LAPEX tornou-se uma referêncianacional?

R - Foi... e de América do Sul e, talvez,América Central.

P - Na Escola era obrigatório o uso douniforme. Vocês tinham uniforme no LAPEX?

R - Tínhamos. Naquela época era exigi-do na Escola o uniforme; a Escola tinha o uni-forme.

P - Até que ano perdurou a obrigato-riedade do uniforme na Escola?

R - Olha, eu acho que até 76 ou 77, nãotenho certeza.

P - Só para os alunos?

R - Para os alunos. Então nós tínhamosum uniforme no LAPEX. Na realidade era umcasaco igual ao que tínhamos no uniforme daEscola, porém era um azul mais claro. O daEscola era um azul marinho escuro; e esse umazul mais claro, escrito LAPEX na frente:LAPEX, se não me engano, ESEF/UFRGS; ouLAPEX - UFRGS, algo assim; ou só LAPEX.Eu tenho esse casaco ainda e tenho o prazer dedoar para o Centro de Memória.

P - Naquela época, vocês eram alunosdo curso de Licenciatura em Educação Física etrabalhavam no Laboratório. Havia uma certa

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diferenciação entre vocês e os outros alunosda Escola?

R - É, havia uma diferenciação, vamosdizer assim, para o lado bom e para o lado ruim.Para o lado ruim, é que nós tínhamos que fazertoda a mão-de-obra do Laboratório mesmo. Nóséramos desde... Em certos momentos nós tive-mos que abrir uma sala nova onde tinha o pisoespecial para a prática do judô, e ali tinhampneus pregados no chão para fazer o amorteci-mento; então nós tínhamos que despregar aque-les pneus, varrer a sala... Quer dizer, nós fazía-mos não porque éramos mandados, mas poriniciativa nossa; nunca foi uma coisa imposta,mas nós, naquele afã, naquela motivação quenós tínhamos de desenvolver o Laboratório, nóstrabalhávamos. Eu me lembro que naquele diafiquei preto e irreconhecível do pó dos pneus,da poeira da borracha. Nós também, quandotinha algum evento, carregávamos equipamen-tos para lá e para cá, ou seja, nós trabalháva-mos de fato no Laboratório e também partici-pávamos de coletas de dados, enfim. O ladobom é que, de certa forma, isso nos dava"status" enquanto alunos e ex-alunos também.Isso nos proporcionou, claro, uma formaçãodiferenciada da dos colegas; inclusive nos fo-ram proporcionados um estágio e uma viagem.Inicialmente, fomos o professor Guimarães eeu: fomos, inicialmente, a Roma; depois àPolônia, à Louvana e à Bélgica; depois a Paris-apenas de passagem, um dia só para conhe-cer; depois aos Estados Unidos, na Pensilvânia,na Pan Station University; e depois ao Texasvisitar o serviço do Dr. Cooper, que na épocaestava em voga o seu trabalho. Então isso nosproporcionou uma visão mais real do que eraum laboratório de pesquisa. Posteriormente,outros dois colegas -o Fortuna e o Biazús- fo-ram também. Enfim, acho que isso foi um pri-vilégio. Obviamente, quando nós viajamos, tí-nhamos hotel pago, com estadia paga; então erauma forma de nos recompensar. Nós não tínha-mos salário, obviamente; não recebíamos di-nheiro para trabalhar no Laboratório. Eu nãome lembro de alguém ter recebido algum di-nheiro: nós recebíamos, eventualmente, algumtipo de ajuda para nos manter no hotel ou coisaassim. Inclusive, o dinheiro para essa viagem...

nós recebemos só passagem: os custos forampor nossa conta.

P - Quais eram as condições do LAPEXquando ele foi criado?

R - É, o Laboratório, na realidade, co-meçou numa sala que, na época, era oposta aobar da ESEF. A ESEF, no que se entrava noginásio, havia uma porta à esquerda -essa portagrande de entrada para o ginásio é a mesma dehoje- à esquerda havia um bar, o bar da DonaMarina. A sala em cima do bar era do DiretórioAcadêmico; no meio havia um palco, onde nóstínhamos aulas de halterofilismo, de ginástica;e na outra extremidade do palco tinha uma sala,uma das salas que o LAPEX... bom, o LAPEXengloba todas as salas do ginásio hoje, mas essasala foi onde começou o LAPEX. Era umasalinha que tinha ali uma sala de reuniões, umamesa grande, uma pequena biblioteca e umasalinha para o coordenador, onde ficavam asecretária e o coordenador. Posteriormente, oLAPEX foi-se expandindo; ali era muito res-trito. Depois nós recebemos equipamentos,começamos a receber vários equipamentos, aexpandir mais o espaço; fomos para a parte decima, onde era o judô. O LAPEX foi-se expan-dido: o palco foi fechado, e se criaram novassalas. Onde era o bar se tornou almoxarifadopara o prédio administrativo. Ali foi aberta arecepção; hoje em dia ali é a recepção da Esco-la. Então o Laboratório veio avançando lá dofundo, veio crescendo, veio vindo em direçãoao lado do ginásio que dá para a parte adminis-trativa da Escola; e, claro, por um desenvolvi-mento natural que foi havendo ao longo dosanos, ele tomou conta de toda aquela parte dopalco no ginásio.

P - Existiam também estagiários do cur-so de Medicina?

R - Do curso de Medicina Desportiva.

P - Quem poderia cursar essa especiali-zação? Eram os médicos?

R - Era o médico, sim. Eu não me lem-bro em que ano foi transformado, exatamente,

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em curso de Medicina e Ciências do Esporte,ou Medicina Esportiva e Ciências do Esporte;foi aí que começou a ser aberto para professo-res de Educação Física e médicos: os médicosrecebiam um título de especialista em Medici-na do Esporte ou Esportiva, não tenho certeza;e os professores de Educação Física, em Ciên-cias do Esporte.

P - Qual era a relação de vocês, estagi-ários do curso de Educação Física, com os es-tagiários da Medicina?

R - Na realidade, nós... Havia um está-gio dentro do Laboratório, e cada um de nósficava responsável por uma área no estágio.Então, dependendo da época e de quem estavaaqui, nós ajudávamos na área de cinean-tropometria, de fisiologia, na parte de avalia-ção funcional, enfim, nós éramos meio que res-ponsáveis por algumas áreas, mas atuávamosem várias áreas. Posteriormente, quando volteido meu doutorado, fiquei responsável por umárea também, mas em seguida eu me afastei docurso de Medicina Esportiva porque achava quea minha área -depois do doutorado- não deve-ria estar dentro daquele curso. Entretanto, ou-tros continuaram na parte de biomecânica, decinesiologia e de outras áreas.

P - Qual a importância do LAPEX paraa ESEF/UFRGS?

R - O LAPEX, na realidade, significou esignifica muito para a Escola. Ele deu um novostatus, uma nova visão... vamos dizer assim, elese diferenciava e se diferencia das outras esco-las. Por que isso? Porque o Laboratório nos pro-porcionou uma visão do que estava ocorrendointernacionalmente. A própria viagem, o cursoque fizemos no Rio de Janeiro... Quer dizer, nósque éramos um curso de Educação Física muitovoltado para a prática do "fazer pelo fazer". Aícomeçam a surgir, então, os questionamentos;começamos a desenvolver um espírito mais ci-entífico, mais questionador e tal. Obviamenteisso deu um status para Escola: um Laborató-rio desses, certamente, muitas escolas no Brasilgostariam de ter recebido; e acho que esse labo-ratório foi a "célula", foi o início dessa nossa

busca pela capacitação. Então, hoje, se fôsse-mos pensar nas pessoas que iniciaram o Labo-ratório... Eu fiz o doutorado; o Guimarães fez odoutorado; o Adroaldo fez o doutorado; o Bel-mar começou o mestrado, não concluiu; o DeRose fez o doutorado; o Hélio Becker resolveuser técnico de natação -ele não investiu na vidaacadêmica, mas sempre foi um estudioso da na-tação, uma pessoa que conhece muito a parte defisiologia e de treinamento, certamente motiva-do por esse estágio no Laboratório; o HeronBeresford também fez doutorado, hoje é pro-fessor num curso de mestrado de Educação Fí-sica; o Fortuna fez mestrado. Bom, o Biazús nãofez mestrado; o Caco, o Ricardo Magni tam-bém não fizeram mestrado, mas sempre atua-ram na medicina esportiva. Então acho que, deuma maneira ou outra, o Laboratório foi muitoimportante para cada um de nós e continuarásendo; eu acho que ele tem um potencial muitogrande, uma colaboração muito grande, ainda,para dar à Escola.

Entrevistado: professor Marco Aurélio Vaz

Data de nascimento: 03/08/1 964 Entrevistadora: Profa.

Janice Zarpellon Mazo Data da entrevista: 20/05/1 998

Transcritora: Cínthia Bordini, aluna do curso de Li-

cenciatura em Educação Física da UFRGS

MARCO AURÉLIO VAZ é Licenciado em Educação Física

pela UFRGS em 1985. Especialista em Educação Psi-

comotora pela ESEF/UFRGS em 1986. Doutor em

Cinesiologia pela Universidade de Calgary (Canadá). E

diretor do LAPEX desde 1998.

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P - Comenta a tua formação acadêmica.

R - ingressei na ESEF em 1983. Na ver-dade eu fiz vestibular para Medicina, meu paiqueria que eu fosse médico -e coloquei em se-gunda opção. Eu tinha três opções ou quatrodo que eu iria colocar em segunda opção: umadelas era Biologia; outra era Letras-Bacharela-do -eu estudava línguas; a outra era Filosofia-na época eu me interessava muito por leitura.Então a minha irmã me perguntou: "Por quenão Educação Física?"; e eu acabei colocandoEducação Física. Então eu passei em segundaopção no meu primeiro vestibular. Por insis-tência do meu pai, em 1984 eu fiz novo vesti-bular para Medicina, mas nunca estudei con-victo de que era aquilo que eu queria. Ingresseiem 1983 como aluno aqui da Escola; naquelaépoca o curso era de três anos. Eu me formeiem 1985. Durante esse período da graduação,tive a oportunidade de já em 1983 ser convida-do para fazer um estágio junto ao Departamen-to de Ciências Morfológicas do Instituto deBiociências: fiz o estágio nas férias de julho,de dois meses, e depois surgiu a oportunidadede concurso de monitoria. Então em 1984, ou83, eu passei no concurso de monitoria, tendosido talvez um dos primeiros alunos do cursode Educação Física que assumiu uma bolsa demonitoria junto ao Instituto de Biociências, poisessas bolsas eram reservadas principalmentepara estudantes de Medicina. Junto comigo in-gressaram alguns outros alunos de Farmácia,Enfermagem... Então a minha primeira atua-ção mais ou menos envolvido com uma ques-tão mais didática foi ter me-tornado monitorde anatomia. Durante esse período de 84 até1985, praticamente, eu trabalhei como monitor.Em 1984 eu conheci o professor Guimarães edisse a ele que tinha muito interesse em traba-lhar dentro do Laboratório. Naquela época nãotinha ainda nenhuma perspectiva para alunosde graduação trabalharem no Laboratório: exis-tiam estágios para pessoas já graduadas, eramestágios de extensão; mas manifestei meu inte-resse em trabalhar junto com ele. Então naque-la época ele elaborou um projeto de pesquisarelacionado com eletromiografia e exercíciosabdominais; aí comecei em 84 a trabalhar comele nesse projeto. Na época eu não era bolsis-ta: eu recebi um pagamento, tipo de ajuda de

custo para passagens, coisa e tal. A partir de1985 sim, eu recebi uma bolsa CNPq de inici-ação científica; foi um ano de bolsa que eu re-cebi. Basicamente acho que esses dois seriamos aspectos mais importantes da graduação. Em1986 ingressei no curso de Especialização emEducação Psicomotora também aqui naUFRGS, com duração de um ano; foi concluí-do em dezembro de 1986. Já nesse ano, em ju-lho de 86, fui convidado para assumir a disci-plina de cinesiologia junto ao curso de Educa-ção Física no Instituto Porto Alegre da IgrejaMetodista (IPA); então eu trabalhei lá no IPAem 86, 87 e 88. Em 86 eu fui convidado tam-bém pelo professor Lino da UNISINOS paraministrar a disciplina de anatomia humana docurso de Educação Física; então elaborei ocronograma da disciplina no ano de 86 e, em1987, ingressei na UNISINOS também comoprofessor de anatomia humana para o curso deEducação Física. Eram duas disciplinas de ana-tomia humana e também a disciplina decinesiologia, só que esta aconteceria mais tar-de no curso. Também fui convidado para tra-balhar com a turma da Enfermagem lá naUNISINOS, para a qual também ministrei au-las. Após concurso, ingressei na UniversidadeFederal de Pelotas na disciplina de cinesiologia;tive oportunidade de trabalhar lá de 89 até ofinal de 1991. Em 91 fui convidado por um gru-po de professores aqui da Escola a me transfe-rir da Universidade Federal de Pelotas para aUniversidade Federal do Rio Grande do Sul;então me transferi e ingressei aqui em 1992,no caso não para ministrar a disciplina decinesiologia, mas na época para ministrar a dis-ciplina de natação; visto que os professores denatação, um estava afastado para mestrado, e ooutro se encontrava na Alemanha fazendo umestágio de seis meses. Como não se tinha pro-fessor de natação, eu assumi a disciplina tem-porariamente. O fato é que na Universidade dePelotas eles também tiveram um problema se-melhante, não tendo um professor de nataçãopara ministrar as aulas. A natação sempre foiuma paixão na minha vida: eu trabalhei tam-bém diversos anos como árbitro de natação, masnunca me dediquei por achar que nunca conse-guiria emprego nessa área. A natação semprefoi um hobby para mim, mas uma coisa que eu

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sempre gostei muito. Então tive a oportunida-de de trabalhar com todas as disciplinas da áreade natação em Pelotas, por não terem profes-sor para ministrá-las, e mais a disciplina decinesiologia. Trabalhei quase três anos comnatação, inclusive também estágios em clubes.Eu tinha alguns monitores lá que acabaram tra-balhando em clubes como professores de nata-ção. Então em 92 eu vim para cá e ministreium semestre das disciplinas natação-fundamen-tos e natação - técnicas de ensino. Após isso eume afastei para doutoramento na Universidadede Calgary, onde fiz meu doutorado emcinesiologia, que era a minha área de forma-ção.

P- Então o teu primeiro contato com oLAPEX foi na época do curso de graduação?

R - Exatamente. Tem mais um detalheque eu me esqueci de mencionar: então em 84e 85 eu trabalhei junto a esse projeto com oGuimarães. Quando terminei o curso, em 1986,no mesmo período em que eu estava fazendo aespecialização, eu fiz um estágio no LAPEX,onde nós aprendíamos toda a parte de ergo-nometria, avaliação funcional: nós aprendíamoscomo monitorar um indivíduo para fazereletrocardiogramas de repouso e de esforço; nóstínhamos seminários técnicos junto comcardiologista que explicava o funcionamentodessas curvas do eletrocardiograma, qual o sig-nificado, de que maneira poderíamos detectarproblemas no coração do paciente a partir daanálise desse traçado eletrocardiográfico; nóstivemos alguns seminários... Na época nós éra-mos professores de Educação Física e médicosque também estavam fazendo esse estágio,médicos que cursavam o curso de medicinaesportiva e eram estagiários do Laboratório.

P - Tu tens idéia de por que foram cria-dos não só o LAPEX, mas também os outroslaboratórios de pesquisa no Brasil?

R - (Risos) 70 é ainda um pouco distan-te da minha época, quer dizer, época em que euestava ainda na escola de 1° grau. Não conheçoa fundo a história da Educação Física no Bra-sil; não é uma área, na verdade, que eu tenha

estudado até na minha graduação, até porqueessa disciplina não existia: ela foi criada de-pois que eu me graduei. Então para mim fal-tam muitos dados históricos; mas dizem queteve um rumo, numa determinada época dosanos 70, principalmente pela área médica, quecomeçou a trabalhar com esses laboratórios defisiologia do exercício; então nessa época fo-ram criados alguns laboratórios, e o LAPEXfoi um deles. Como ele foi criado, como foimontada a infra-estrutura eu não saberia dizer;aí acho que teriam outras pessoas que foramdiretores e que vivenciaram a criação desseslaboratórios, que participaram até do carregarobjetos, que teriam mais condições de falar doque eu. O que eu posso falar mais é do LAPEXde 1997 e 1998, porque eu participei mais daconstrução dessa etapa nova do LAPEX do queda etapa anterior.

P - Como tu caracterizarias o tipo depesquisa desenvolvida no LAPEX na época emque fizeste estágio?

R - Depende do que tu chamas de carac-terizar pesquisa. Porque, quando fiz meudoutoramento, existiam dois tipos de pesqui-sa: básica e aplicada; hoje eu sei que as pesso-as falam em pesquisa histórica, pesquisa quali-tativa, pesquisa quantitativa. Então depende doque é a caracterização em termos de pesquisa.

P - Por exemplo, os campos de conheci-mento que vocês estudavam, os temas dos se-minários técnicos que vocês realizavam...

R - Eu acho que a área biológica foi aárea mais... nem vou usar o termo privilegiada,porque não sei se seria um termo correto, nãosei se ela foi mesmo mais privilegiada pelo fatode nós... pessoas que estávamos passando peloprocesso.... Se ela foi privilegiada por alguém,foi talvez em outros níveis de decisão do Paísque liberaram verbas para comprar determina-dos equipamentos específicos; então eu achoque nós não fomos privilegiados em nada. En-tão na época em que eu comecei fazendo pes-quisa junto com o professor Guimarães, era umapesquisa aplicada na área biológica: estávamosestudando exercícios abdominais. A nossa pre-

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ocupação era a de passar um conhecimento ci-entífico para futuros professores e professoresjá formados em Educação Física que se utili-zavam de exercícios abdominais nas suas au-las de ginástica na academia, no clube ou naescola, sem na verdade ter um conhecimentode causa, sem saber realmente qual exercícioera bom, qual era ruim ou quais os efeitos deum determinado exercício sobre aquele alunoque estava sofrendo a ação desse exercício.Então eu acho que a nossa pesquisa sempre foina área biológica: a minha formação é na áreabiológica. Então, nesse sentido, eu acho que apesquisa que se desenvolvia nessa época dosanos 80 era uma pesquisa praticamente todavoltada para a área biológica. Eu acho que, sefor feita uma revisão histórica dos artigos queforam publicados de pesquisadores que na épo-ca estavam atrelados ao LAPEX, eu tenho con-vicção de que 99% desses artigos vão ser naárea biológica, na área médica, na área da saú-de e na área da Educação Física.

P - Desde sua criação até final dos anos80, o LAPEX sempre foi coordenado por mé-dicos. A partir da década de 90, os professoresde Educação Física assumem a coordenação/direção do Laboratório. Como tu percebes essasituação?

R - Eu acho que essa situação é fantásti-ca. Eu não tenho nada contra os médicos, pelocontrário: o meu irmão é médico cirurgião plás-tico. Eu sempre trabalhei, também, com pesso-as voltadas à área médica, até por ter tido aminha formação lá no Instituto de Biociênciastrabalhando em volta com médicos. Tenho gran-des amigos meus médicos. Mas existe um pro-blema, acho que social, de que um médico, nanossa sociedade, é muito valorizado. Por queele é muito valorizado? Porque as pessoas,quando estão na ausência de saúde ou se res-sentem da sua saúde, procuram alguém que asajude. Então o médico, na nossa sociedade,sempre teve um papel muito importante; a so-ciedade valorizou sempre o médico, muito. En-quanto que o profissional da área da EducaçãoFísica sempre foi uma figura que não era mui-to bem definida, que o papel não estava bemcaracterizado e que fazia de tudo um pouco na

sociedade. Não tinha uma identidade como omédico nem o papel curador do médico. En-tão, no meu entender, o médico sempre tevemais portas e caminhos abertos do que o pro-fissional da área da Educação Física; exatamen-te porque a sociedade o valorizava e o valori-za, ainda hoje, bastante. No entanto, eu vejoque o papel do professor de Educação Física étão importante ou às vezes até mais importantedo que o do médico. Por quê? Porque nós te-mos a capacidade de fazer uma medicina pre-ventiva, ou seja, nós, por meio de atividadesfísicas, podemos minimizar os efeitos da do-ença, evitar a incidência da doença, evitar oaparecimento da doença. Então, nesse aspecto,eu acho que a sociedade ainda não descobriu overdadeiro papel do profissional da área daEducação Física, talvez até pela história daEducação Física. Têm muitas brincadeiras deque o professor de Educação Física servia paracarregar armário em escola, essa era a funçãodele, ou para bater bumbo na semana da pátria,ou então para fazer todo mundo marchar: tudouma questão militarista de que o profissionalda área é só para fazer força e de que não teriauma parte intelectual. Eu acho que o que acon-teceu no Laboratório reflete muito o que acon-tecia na sociedade. Eu vejo que dos anos 90para cá mudou essa estrutura e acho que isso émuito benéfico, não apenas para nós professo-res aqui da Escola, mas para a Educação Físicacomo um todo. Até pela situação atual do La-boratório, nós vemos que o Laboratório tem "n"linhas que estão atreladas a ele, e a questão dodesporto se tornou uma questão essencial hoje:a Educação Física assumiu o desporto comosendo uma das suas áreas de investigação, detrabalho, de maneira competente e eficiente.Acho que nós estamos começando, aos pou-cos, a tomar conta do mercado que era nosso eque nunca tivemos a competência necessáriapara fazê-lo. O que os médicos faziam na épo-ca do anos 70 e 80? Eles é que, na verdade,comandavam as equipes de futebol, de vôlei; etodas as equipes desportivas eram coordena-das muitas vezes por um médico. Ele é quemdefinia a questão da atividade física inclusive;e hoje não é mais assim: hoje professores deEducação Física os que definem a questão daatividade física, discutem em alguns lugares de

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igual para igual com médicos. Se delineia umpouco mais o papel do professor de EducaçãoFísica na medida em que ele tenha condição dedar uma identificação maior para as atividadesdo próprio Laboratório e que são mais iden-tificadas com a nossa própria profissão. Eu achoque foi benéfica a entrada de professores deEducação Física no Laboratório que é nosso,porque é um laboratório da Escola de Educa-ção Física. Como disse, não tenho nada contramédicos; pois no futuro podemos voltar a termédicos, de repente, à frente do Laboratório.O único problema que eu vejo é que, sempreque os médicos estiveram à frente do Labora-tório, eles não beneficiaram ou não trouxeramdesenvolvimento para a área da Educação Fí-sica como poderiam ter trazido. Então existeuma problemática, até é difícil colocar em pa-lavras, mas existe uma problemática em rela-ção à questão do médico e do professor de Edu-cação Física dentro das escolas de EducaçãoFísica. Só para dar um exemplo, acho que 90%dos professores de anatomia que dão aula noscursos de Educação Física no Brasil são médi-cos. Isso para nós é muito ruim, porque eu, porexemplo, que trabalho na cinesiologia e quero,na verdade, que esse profissional entre na Es-cola com um conhecimento aprofundado des-sa anatomia, ele chega com uma anatomia muitodeficitária; porque o médico não tem o interes-se que nós profissionais temos: ele gosta deministrar aulas de anatomia para os médicos,porque está dentro da área dele, ele pode dis-cutir questões clínicas associadas com questõesanatômicas. Enquanto que, para nós, o idealseria que os professores da área de anatomiafossem da área da Educação Física, porque elesvão discutir a anatomia visando à formação donosso profissional, às nossas necessidades, aoque nós, profissionais da Educação Física, te-mos que conhecer para aplicar na nossa reali-dade. Acho que isso também seria uma mudan-ça benéfica, isso enriqueceria muito mais onosso curso de graduação, dando uma compe-tência maior; porque aqui na Escola nós temosum problema grave com a questão da anato-mia, e que não foi solucionado até hoje, na ques-tão curricular. Infelizmente não depende de nós:depende de um Departamento que está nasmãos de médicos.

P - Tu foste aluno da Escola por volta de83, 84. Como era a relação do LAPEX com aEscola e, mais especificamente, com o cursode Educação Física?

R - Essa é uma pergunta de caracterizar,até porque eu nunca parei para pensar naquelaépoca sobre qual era a relação. Eu sei que exis-tia uma dificuldade, as pessoas colocavam, deacesso ao Laboratório. Eu não acho que a difi-culdade fosse de acesso, no sentido de as pes-soas entrarem no Laboratório; mas acho que adificuldade de acesso existia na medida em queos trabalhos desenvolvidos naquela época nãoeram voltados exclusivamente para os nossosinteresses, os nossos problemas enquanto pro-fissionais da área de Educação Física. Se ana-lisarmos os trabalhos do professor De Rose,são trabalhos bem na área médica do doping,coisas nesse sentido, que até possuem algumarelação com o desporto da Educação Física,mas não são da nossa área de formação. Entãoo que acontecia? Os trabalhos eram desenvol-vidos dentro do Laboratório na área de dopingdo esporte e tudo mais, mas isso não tinha nadaa ver com o nosso trabalho, e nós não tínha-mos acesso a esse tipo de conhecimento ou atéao manuseio de equipamentos e dados porquenão éramos médicos. Então, nesse aspecto, euacho que existia uma dificuldade de compe-tência técnica da nossa área naquela época parapoder trabalhar de igual para igual com os mé-dicos que se encontravam no Laboratório; mastambém existiam "atividades que eram bem es-pecíficas, restritas da área médica que não eramda nossa área de atuação. Então, nesse aspec-to, eu vejo que havia uma restritividade; maseu não vejo, por exemplo, que o LAPEX fosseum "mausoléu dos iluminados" ou uma "casado saber" em que outras pessoas não pudes-sem entrar. Por exemplo, o que eu me recordoé o seguinte: que muito poucos professores ti-nham projetos de pesquisa, mesmo dentro daprópria área da Educação Física. No meu en-tender, isso em parte era muito pela nossa in-competência técnica, mais do que por qualqueroutro motivo.

Movimento - Ano VI - Edição Especial - 2000

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