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Desafios e Constrangimentos do Estudo da Toponímia

Intervenções e Contributos

2015

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aColeção Instituto Politécnico da Guarda

TítuloDesafios e Constrangimentos do Estudo da Toponímia Intervenções e contributos

CoordenaçãoGonçalo Poeta FernandesHelder Sequeira

EdiçãoInstituto Politécnico da Guarda, Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, nº50, 6300-559 Guarda

Paginação e Composição GráficaGabinete de Informação e Comunicação do IPGCatarina Grilo

CapaDaniela Cardoso

Impressão e AcabamentosGabinete de Informação e Comunicação do IPG Francisco Leite, Paulo Pina (Setor de Artes Gráficas)

Depósito Legal399605/15

ISBN978-972-8681-63-0

Tiragem500 exemplaresIPG | Outubro 2015 | vol. 15

Os artigos e imagens publicadas são da responsabilidade dos repetivos autores.

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A toponímia é um repositório de informações e cultura que materializa e perpetua a história, a geografia e a organização político administrativo dos lugares, refletindo e revelando os costumes, as tradições, as movimentações das atividades económica, sociais e políticas, as tendências de ordem religiosa, as modificações educacionais, entre outras. A toponímia constitui um meio de referenciação territorial, com função cultural e comunicacional, contribuindo, simultaneamente, para a memorização de acontecimentos, caraterísticas locais e personalidades, consubstanciando-se em designações ou identificações. Os topónimos constituem-se, assim, como mensageiros culturais capazes de através do seu entendimento alcançar conhecimento e interpretar significados, cujas relações com o espaço e as suas especificidades são largamente ultrapassadas, projetando a qualificação dos lugares e difusão dos elementos patrimoniais. Analisar e interpretar a toponímia pressupõem um trabalho árduo e exploratório, para o qual as fontes documentais por vezes se tornam insuficientes e que exigem uma abordagem histórica de efetiva aproximação ao local, pressupondo leituras que ultrapassam o real e pairam, por vezes, entre o imaginário e o literário, exigindo inspiração capaz, de forma habilidosa, de descobrir os argumentos que levam à sua designação. Não sendo fácil é sobretudo aliciante e desafiador ler e conhecer a toponímia e desta forma os significados simultaneamente geográficos, históricos e culturais que dão dimensão e identidades aos lugares. Neste contexto, procura-se com esta publicação contribuir para o (re)descobrir a toponímia regional, por via das contribuições que ela pode aportar para a valorização das áreas urbanas e rurais e promoção da identidade coletiva. É pois essa (re)descoberta que estará presente ao longo dos textos e contribuição de estudiosos e

A importância da Toponímia

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especialistas que interpretam a toponímia e nos permitem conhecer o significado e as memórias que escondem e, também, as estórias que originam. Inequivocamente o património constitui-se como factor de promoção a valorização dos territórios, criando marca, que potencia a sua preservação e a sua consideração estratégica nas políticas de desenvolvimento. As tendências para comportamentos uniformizadas, resultantes de uma contaminação que tendem a impor modelos sociais de nações/culturas dominantes, encontram nas identidades e na história que os topónimos carregam, elementos de demarcação e de autoestima cultural, promovendo a valorização socio-organizacional das comunidades. A importância da toponímia não se verifica exclusivamente nos acontecimentos históricos ditos “maiores” ou nos grandes elementos da geografia, na imortalização de personagens políticas ou lugares palco de momentos culturais ou organizações marcantes. A toponímia respira o nosso quotidiano, o que nos envolve, preocupa ou dá felicidade, documenta as vivências das comunidades, suas políticas e intervenções territoriais, quem a sociedade distingue e pretende reter, na memória coletiva e aporta de forma diversa elementos constituintes para a identificação e perpetuação das comunidades a diferentes escalas e perceções. Esta edição sobre o título “Desafios e Constrangimentos da Toponímia”, reúne intervenções proferidas nos II e III Fórum da Toponímia, aprofundando o conhecimento sobre o significado da toponímia, suas aplicações e interpretações em contextos literários, militares e religiosos, bem como a importância na estruturação e organização do espaço vivido em contexto rural e urbano.

Gonçalo Poeta Fernandes1

1 Vice-Presidente do IPG

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comunidades urbanas e sua ideologização

Carlos Ferreira Caetano

A toponímia é um elemento identitário inerente e presente em todas as comunidades urbanas. Embora por vezes ignorada ou desvalorizada, a toponímia tradicional é sempre muito rica e pitoresca, detendo uma importância etimológica e linguística de um valor inestimável. Mas a velha toponímia detém também o maior significado histórico, pela sua antiguidade, pelo seu valor referencial a equipamentos ou funções urbanas (por vezes de há muito desaparecidas), a figuras locais ou a tipos humanos, a elementos da natureza ou mesmo a acidentes geográficos, a que há que acrescentar o significado e até o simbolismo das invocações toponímicas de teor religioso ou até cósmico. Preciosa fonte de informações nos vários e complexos níveis em que se exerce, a toponímia e, em particular, o seu estudo em moldes e padrões científicos modernos, ganha por isso a maior importância e a maior actualidade.

RESUMO:

Palavras-Chave: toponímia, património e património imaterial

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1. A ideologização do nome do território, do sítio ou do povoado A história urbana ensina-nos que ao corpus toponímico tradicional se sobrepôs de há muito, e por toda a parte, uma toponímia actualizada, de referentes inovadores, normalmente politizada e, sobretudo, imensamente ideologizada. Deve começar por notar-se, porém, que as sobreposições, as transposições e as reformas e alterações toponímicas incidem no próprio nome do lugar ou da cidade, de que a História regista casos muito famosos, que merecem registo. Assim, face às designações toponímicas históricas que se mantêm, no respeito pela matriz etimológica de base (Ulisipo>Lisboa; Pax Julia>Beja; Londinium>Londres, por exemplo), registam-se casos em que a matriz etimológica fundadora foi simplesmente abandonada. Com efeito, a história urbana regista casos notáveis de alteração radical da designação da cidade ou da referente urbana original. Estas alterações toponímicas por vezes coincidem com deslocações dos centros urbanos primitivos, decorrentes do abandono, pelos mais diversos motivos, dos sítios fundadores, de que temos exemplos famosos em Sevilha (a herdeira da Hispalis dos Romanos, localizada nas imediações) mas também em Coimbra, a Aeminium dos Romanos, que herdou a designação da velha Conimbriga. Algo de semelhante ocorreu na Guarda - cidade, território e diocese que, para todos os efeitos, se assumem como uma projeção medieval da Egitânia romano-visigótica (Idanha a Velha). A cidade de Paris representa, porém, um dos casos mais notáveis de alteração onomástica registados nos tempos antigos: Paris, que é a Lutécia dos Romanos, uma vez conquistada por um dos inúmeros ramos Bárbaros algures no século V, tomada e ocupada pelos Parisii, torna-se a cidade dos “parisienses”, de quem a cidade recolherá o nome1.

1 Para a história de Paris ver, por todos, Danielle Chadych e Dominique LEBORGNE, Atlas de Paris – Évolution d’un Paysage Urbain, Paris, Parigramme, 1999.

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Estas alterações toponímicas, ocorridas involuntária e como que organicamente, não devem, porém, fazer esquecer as alterações voluntárias, explícitas e como tal decorrentes da vontade dos homens no âmbito do que deveremos chamar de ideologização da toponímia. Esta ideologização é um fenómeno intemporal, inevitável e inelutável, pois a ideologia e a ideologização são próprias de tudo o que é humano, isto é, histórico. Na ideologia e na ideologização está, para todos os efeitos, o “pecado original” de tudo o que mexe e pensa, o tributo que o homem paga – seja em que época histórica for - pela sua sociabilização e pela sua integração no pequeno ou no grande grupo, na tribo, na seita, na escola de pensamento ou, enfim, no partido político... Escrevendo em meados do século XIX – e referindo-se a Paris e às demolições intensivas da cidade medieval no contexto da renovação urbana da cidade do Sena impostas pelo Barão Haussman, o poeta Baudelaire (1821-1867) podia exclamar: “A velha Paris já não existe; ah! Uma forma urbana muda mais rapidamente que o coração humano!”2. Estas palavras poderiam aplicar-se, a justo título e ainda com mais rigor, à própria toponímia. Com efeito esta – na sua imaterialidade essencial – esvai-se com o tempo, as modas e a pressão no sentido da sua renovação por todos os motivos, que confluem num único, o da sua ideologização. No presente estudo abordaremos e procuraremos tipificar os factores de ideologização quer dos nomes das localidades quer sobretudo o da toponímia propriamente dita, circunscrita às evoluções dos nomes das praças, largos, ruas e outras formas urbanas, toponímia captada sobretudo nos fundos arquivísticos do antigo Ministério do Reino. Pretende-se uma abordagem muito geral, que permita enquadrar o caso da toponímia histórica da Guarda, que detém exemplos notáveis do processo da ideologização da toponímia, como veremos.

2 Spiro Kostof, Historia de la Arquitectura, 3, Madrid, Alianza Editorial, 1988, p. 1128.

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1.1 - Factores de ideologização do nome do território, do sítio ou do povoado

1.1.1 - A celebração do deus ou do chefe

A alteração do nome da cidade pode decorrer da vontade explícita de celebração simbólica do deus, do guerreiro, do rei fundador ou do herói conquistador, de que um dos exemplos cimeiros é o da cidade de Bizâncio, tornada Constantinopla e hoje conhecida por Istambul no decurso de episódios históricos que todos conhecemos. A alteração do nome da cidade pode decorrer da decisão política ou auto-celebratória do dirigente, seja ele guerreiro, imperador ou papa. Um exemplo famoso desta prática é proporcionado pela pequenina cidade medieval de Corsighiano, na Itália central. Era a cidade natal da família Piccolomini cujo membro mais ilustre, o Cardeal Aeneas Silvio Piccolomini, tornado papa com o nome de Pio II (1460-1463), vai promover a renovação urbana integral do centro do pequeno burgo. Esta renovação, que constitui um dos mais pioneiros e mais excelsos exemplos do urbanismo renascentista3 , culmina na própria mudança de nome da cidade, que ganha o novo nome de Pienza, derivado explicitamente do nome papal do seu patrono: Pio [II]>Pienza. Claro que tanto no caso de Constantinopla como no de Pienza, estas mudanças de nome consagram e exercem-se no quadro de uma evidente politização e consequentemente no de uma ideologização explícita da toponímia.

3 “Pienza foi a primeira cidade ideal do Renascimento a tomar forma visível”, Wolfgang Heydenreich, in Ludwig H. Heydenreich e Wolfgang Lotz – Arquitectura en Italia 1400-1600, Madrid, Manuales Arte Catedra, 1991, p. 74.

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1.1.2 – O domínio do território recém-adquirido ou conquistado

Casos notáveis e sistemáticos da ideologização da toponímica registam-se quando se trata de nomear ou de dar nome a territórios recém-descobertos ou recém-conquistados ou recém-povoados. Foi assim na Antiguidade Clássica (vejam-se os nomes das cidades da Magna Grécia ou o das cidades romanas de fundação de raiz) e na época da Expansão e do domínio marítimo dos europeus, posterior aos Descobrimentos Portugueses. Em plena época da expansão colonial europeia acentua-se este fenómeno: vejam-se os nomes de países, de províncias ou de cidades criadas e colonizadas pelos franceses, ingleses ou holandeses que celebram quer o nome do rei (Louis>Louisiana), quer os atributos da rainha (Virgínia), quer o nome do agente colonizador (Cecil Rhodes>Rodésia), quer a projecção toponímica da cidade natal ou até de uma cidade mais ou menos mítica num território distante, numa terra de ninguém do outro lado do mundo. É o caso do nome de inúmeras cidades americanas que buscam o seu nome nas suas congéneres europeias: Monterrey, Veneza, Toledo, ou o do nome dessa mítica Paris-Texas que o cinema consagrou pela mão do realizador Wim Wenders – ou, enfim, o nome dessa cidade cosmopolita sobre todas e que de há muito dá pelo nome de Nova Iorque, depois de ter sido fundada e conhecida como Nova Amesterdão... Deve dizer-se que os nomes das cidades portuguesas e espanholas criadas ainda no Ciclo da Expansão eram menos ideologizados, ou melhor, eram ideologizados a partir de referentes toponímicos totalmente diferentes, atidos muito frequentemente a desinências de carácter religioso. Vejam-se os casos de S. Sebastião do Rio de Janeiro, de S. Salvador da Baía de Todos os Santos, de S. Paulo da Assunção de Luanda ou da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau ou, para o caso espanhol, de nomes como os de Santa Fé, S. Francisco ou S.

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Domingos. Considerando o caso português, sabemos que na Época Pombalina se acentua a ideologização do nome das cidades e vilas então criadas nos vários pontos do Império mas muito em particular no Brasil, que replicam no eco-sistema tropical, nomes de cidades e vilas do Reino distante. Assim, chegaram-nos, entre tantos autos semelhantes, o “Auto que se fez na ocasião em que foram declaradas as ordens de Sua Magestade para se erigir a Villa de Borba a nova e se levantar nella o Pelourinho na forma que Sua magestade ordena”4. Note-se, que este auto, datado de 1 de Janeiro de 1756, decorre da fundação da vila de Borba a Nova, dois anos antes, em 1754, num processo de criação de vilas novas todas com nomes de vilas famosas do Reino, como é o caso da nova vila de Pinhel, da vila de Colares do Pará e da vila de Santarém (referenciadas a 13 de Março de 1758)5 ou das vilas de Bragança e de Ourém, também do Estado do Pará, então criadas (referenciadas a 20 de Outubro de 1758)6 ou, enfim, da fundação da cidade de Oeyras, da “Capitannia de S. José de Piauhy”, da mesma época7. A fundação de todas estas vilas ou a sua renomeação na Época Pombalina será registada, aliás, na “Relação das aldeias que na conformidade das Reaes Ordens de Sua Magestade passarão a ser villas e lugares” a designar com nomes das vilas e cidades do Reino8. Muitos destes nomes sobreviveram, pelo que, numa investigação ligeira

4 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) – Ministério do Reino – Informações dos Governadores e Magistrados das Ilhas Adjacentes e Ultramar, Maço 598, Caixa 701 (sublinhados nossos, como todos os das citações deste fundo arquivístico no presente estudo).

5 ANTT – Ministério do Reino – Lug. Cit., Macete “Negócios Diversos – Correspondência do Pará”; 13-3-1758.

6 ANTT – Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 597, Caixa 700: Carta do Juiz de Fora das Vilas de Bragança e de Ourém do Estado do Pará, descrevendo a localização daquelas Vilas e enunciando medidas a tomar para o seu melhor povoamento e administração; Cidade do Pará, 20-10-1758.

7 Fundação da Cidade de Oeyras, Capitannia de S. José de Piauhy: IAN-Torre do Tombo – Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 601 Caixa 704 – Correspondência da capitania do Maranhão.

8 ANTT – Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 598, Caixa 701.

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pelo mapa do Brasil de hoje, nos deparamos com topónimos como Santarém, Trancoso ou Barbacena…

1.1.3 – A toponímia revolucionária

O aparecimento de uma toponímia urbana nova - ou melhor, a alteração toponímica decorrente de alterações políticas radicais ou mesmo revolucionárias - ocorre essencialmente com a Revolução Francesa. Na sua tremenda Histoire du Vandalisme – Les Monuments Détruits de L’Art Français9, o grande historiador católico Louis Réau, no seu capítulo “Le Vandalisme Jacobin”, integrará o sub-capítulo “La Révolution Toponymique”, que começa com estas palavras:

“Les jacobins ne se contentent pas de changer la mesure traditionellle du temps en abolissant radicalement le calendrier chrétien. Ils s’en prennent aux noms de lieux: villes, places, rues, églises qui sont systématiquement débaptisées: rien ne doit subsister de ce qui rapelle soit la religion du Christ, qualifiée de superstition, soit la royauté et la féodalité que évoquent une hiérarchie sociale périmée, contraire au principe de l’égalité républicaine. Ils s’attaquent en même temps aux prénoms et noms de personnes qu’il s’agit pareillement de déchristianiser.C’est une refonte totale de l’onomastique traditionelle qui renouvelle à la fois la toponymie et l’antroponymie” 10 .

Por se prender directamente com o tema do presente estudo, registe-se que nesta obra merece referência o sub-capítulo “Changement des noms des villes”, de que se extrai o seguinte exemplo:

“Dans la région parisienne, Saint-Denis reçoit, en souvenir de l’épopée mort-née de Ronsard, le nom laïc de Franciade. Saint-Cloud devient Pont-la-Montagne et Saint-

9 Louis Réau, Histoire du Vandalisme – Les Monuments Détruits de L’Art Français (Éd. augmentée par Michel Fleury et Guy-Michel Leproux), Paris, Robert Laffont, 1994.

10 Idem, Ibidem, p. 238; sublinhados nossos.

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Germain-en-Laye Montagne-du-Bon-Air. Saint-Sulpice de Favières, qui avait le malheur d’être un lieu de pèlerinage, fait amende honorable et se réhabilite en arborant, come une cocarde, le nom de Favières-défanatisé”11.

Cumpre referir que, embora afastados da tormenta revolucionária mas chegados ao poder no decurso de uma fratricida e fracturante Guerra Civil (1828-1834), os liberais portugueses, após a implantação do Liberalismo, não propuseram alterações toponímicas ao nome de localidades por motivos ou referentes explicitamente políticos mas por outros bem distintos, que tinham a ver com o adoçamento geral dos costumes e o inerente “bom gosto” dominante, como veremos a seguir.

1.1.4 – A procura de decoro e bom gosto

A eclosão e o triunfo do Romantismo coincidiu e traduziu-se mesmo na afirmação e na acentuação do sentimentalismo individualista e na emergência de uma efectiva sensibilidade moderna finalmente liberta dos paradigmas e dos convencionalismos do passado classicizante. O Romantismo impôs um gosto, uma sensibilidade e uma inteligibilidade novas de que decorre um moralismo também novo - novo porque absolutamente alheio às velhas preocupações e às velhas vivências culturais tradicionais, impregnadas de classicismo de remota matriz pagã greco-romana. Esta nova sensibilidade triunfou e manifestou-se no que se chama de moral burguesa de matriz mais ou menos vitoriana, que alastrou por toda a Europa e que contaminou todas as classes sociais. Face a este moralismo, associado a padrões de bom gosto e decoro também tipicamente burgueses e vitorianos acima de tudo, velhas expressões e designações toponímicas, apesar de consagradas por tradições multi-seculares, passavam a ser motivo de chacota popular e sobretudo motivo de menorização para as elites

11 Idem, Ibidem, p. 238.

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urbanas de localidades com nomes doravante considerados impróprios ou mesmo grosseiros. Assim, se em Portugal não parece registarem-se alterações toponímicas na designação de cidades, vilas ou lugares antes do Liberalismo, elas surgem logo após sua implantação. Sabendo-se que as manifestações da sensibilidade romântica coincidem, entre nós, como por toda a parte, com a afirmação do Liberalismo, dos valores e das ideias liberais, não admira que o caso simultaneamente mais antigo e mais notável de alteração de uma referência toponímica seja o do nome da antiga vila de Punhete, cujos moradores representaram junto da Rainha D. Maria II a graça de um nome menos abrasivo e a seu modo obsceno. Assim, em memória de serviços prestados à Causa Liberal, solicitaram e receberam da Rainha, a 7 de Dezembro de 1836, a graça do nome de Constância:

Comprazendo-Me ao mesmo tempo de Condescender com os louvaveis e justos desejos da respectiva Camara Municipal, manifestados na Representação que ella dirigiu á Minha Augusta Presença, e na qual requeria que aquella villa fosse elevada á preeminencia de = Notavel =: Hei por bem que a mencionada Villa se denomine d’ora em diante = Notavel Villa de Constancia12.

12 Agradeço ao Dr. António Matias, da Câmara Municipal de Constância a cedência amigável da cópia deste Decreto. Dado o seu valor histórico e dada a sua relação directa com o tema do presente estudo, transcreve-se integralmente. “DECRETO / Sendo mui digno da Minha particular consideração, e reconhecimento, o feito glorioso praticado pelos honrados habitantes da Villa de Punhete, os quaes no meio ainda do jugo ferreo, que opprimia a Patria, foram os primeiros que espontaneamente alçaram o generoso grito da Acclamação dos Meus Direitos, e das Publicas Liberdades na Villa de Tomar em o dia 25 de Junho de 1833, a despeito mesmo de numerosas bayonetas liberticidas, que longe de os fazer desmaiar, mais estimulavam o zelo verdadeiramente patriotico, que os animava em tão generosa, quanto infeliz tentativa, pelos successos que se lhe seguiram: Querendo Eu perpetuar, por meio de um condigno brazão a bem merecida conta, em que tenho tão heroico e nobre feito; brazão, que atteste igualmente aos vindouros os brios, e devoção civica dos honrados habitantes de Punhete; e Comprazendo-Me ao mesmo tempo de Condescender com os louvaveis e justos desejos da respectiva Camara Municipal, manifestados na Representação que ella dirigiu á Minha Augusta Presença, e na qual requeria que aquella villa fosse elevada á preeminencia de = Notavel =: Hei por bem que a mencionada Villa se denomine d’ora em diante = Notavel Villa de Constancia. = O Secretario d’Estado dos Negocios do Reino assim o tenha entendido, e faça executar.= Palacio das Necessidades, em sete de Dezembro de mil oitocentos trinta e seis = RAINHA. = Manoel da Silva Passos”.

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Idênticos critérios de decoro, de “bom gosto”, de propriedade linguística, expressiva ou outros fizeram com que Capareiros (também sede de um velho concelho extinto c. 1838, hoje no Concelho de Viana do Castelo) passasse a chamar-se de Barroselas, ou que Viana de Foz-de-Lima passasse a chamar-se de Viana do Castelo algures no século XIX – ou que a tão famosa Aldeia Galega do Ribatejo passasse a designar-se de Montijo, já no início dos Anos 30 do século XX. Porém, em 1855, a Câmara e povo do velho concelho de Farinha Podre, cuja conservação estava então ameaçada, requeria não a sua mudança de nome mas a sua própria sobrevivência enquanto concelho. Enviava-se então copiosa documentação para Lisboa, para o Ministério do Reino, visando a conservação e ampliação do respectivo concelho, de que se enviava já o mapa respectivo. A história ensina-nos que o concelho de Farinha Podre seria extinto em 1855 - na mesma data da extinção do concelho do Jarmelo - mas só posteriormente, em data que ignoramos, a histórica designação Farinha Podre dará lugar à designação actual de S. Pedro de Alva (hoje no Concelho de Penacova). Também na Guarda e na sua região se verifica o fenómeno da esteticização ou polimento dos nomes de localidades considerados impróprios ou pouco condignos com os desígnios de decoro ou mesmo com a legítima prosápia dos seus briosos moradores. Assim, em datas que ignoramos mas que presumimos que não sejam muito remotas, a antiquíssima vila de Cabra (hoje no Concelho de Gouveia) mereceria o seu nome actual de Ribamondego e, já no Concelho da Guarda, a de Porco ganharia o seu nome actual de Aldeia Viçosa, enquanto a aldeia de Porcas ganharia o de Vale de Estrela. Bem perto da Guarda, o antigo lugar de Porcas (Concelho de Trancoso) ganharia o seu nome actual de Aldeia de Santo Inácio já depois do 25 de Abril.

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2 – Momentos e factores de ideologização da toponímia urbana A ideologização da toponímia urbana manifesta-se de uma forma e numa escala infinitamente mais intensa e decorre de factores em tudo semelhantes aos da ideologização dos nomes dos sítios e das localidades. No presente estudo incidiremos nos dois momentos históricos em que as inflexões toponímicas foram mais intensas, explícitas e programadas: um primeiro, que decorre da irradiação das Luzes e da afirmação do Despotismo Iluminado, algures na segunda metade do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX e um segundo, que decorre da implantação do Liberalismo, episódio que entre nós ocorreu em 1833-34. Com efeito, podemos dizer que tanto em Portugal como no estrangeiro, o Liberalismo inaugurou a toponímia moderna, coincidindo a sua implantação com o início de um “tempo longo” que, em termos toponímicos, chegou aos nossos dias. De uma maneira geral, no presente estudo ignoraremos a toponímia criada ou imposta após o 25 de Abril, pois a intensidade da “democratização” e da “descolonização” da toponímia então vivida em todas as cidades e vilas de Portugal exigiria um levantamento e uma abordagem que transcendem os objectivos e os limites do presente estudo.

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2.1 – A toponímia, sob o signo das Luzes e do Iluminismo

2.1.1 – A toponímia funcional e programática

Em Portugal, o primeiro grande exemplo histórico de reconversão toponímica programada e explícita remonta à Época Pombalina quando, em Lisboa, no contexto de reafirmação e de reconstrução da cidade após o Terramoto grande de 1755, a antiga e tão funcional designação de Terreiro do Paço dá lugar à de Praça do Comércio. Desprovida de paço real, de edificação obstinadamente não prevista na Lisboa Pombalina, a vasta praça fronteira ao Tejo e contígua ao velho Paço da Ribeira de Lisboa, de que ganhava o nome de “Terreiro do Paço”, daria lugar à designação tão prosaica quanto programática de “Praça do Comércio”. Com esta nova designação celebrava-se a elite burguesa que apoiou, colaborou e financiou a reconstrução da cidade e a actividade económica que lhe proporcionava a sua grande fonte de rendimentos. Com efeito, para o complexo, que incluiria o torreão Sueste da nova Praça, ainda em construção, fora transferida a Bolsa do Comércio (a futura “Bolsa de Lisboa”). José-Augusto França faz notar que:

“Sendo os trabalhos [da construção da Bolsa do Comércio] pagos pela classe comercial, e a sede dos seus interesses instalada na nova praça, isto contribuiu certamente para dar a esta o novo nome.Encontramo-nos aqui perante um deslize semântico por extensão de significado dum elemento do conjunto urbano; da própria praça, ou bolsa, edifício, passámos à área em que ela se impôs, isto é, à praça ou terreiro. Assim, a Praça do Comércio foi, primeiramente, a Bolsa dos comerciantes, cuja construção foi autorizada, por decreto de 16 de Junho de 1758 e, em breve, pelo menos no ano seguinte, o sítio dessa Bolsa, ou seja, o antigo Terreiro do Paço.

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Se, mesmo deslocado para local incerto o palácio real, a designação de Terreiro do Paço continuava a ter curso em Lisboa, a par deste nome outro então se impunha, que representava, mais que a gratidão do reino para com a classe que estava a contribuir de maneira decisiva para a reconstrução da capital, uma valorização social, ou, melhor, uma revolução na hierarquia estabelecida. Pombal está por detrás desse baptismo provocado ou admitido: ele representou, certamente, nos bastidores, o papel de padrinho… O nome da Praça do Comércio, dado, finalmente, a uma praça que, nos quadros do urbanismo do século XVIII, é uma ‘praça real’ por excelência, é como que o símbolo das grandes transformações sociais pombalinas. Esta designação, que andava no ar ‘iluminado’ da época, não foi, porém, adoptada na Europa – e só mais tarde, em França, as ‘places royales’ tomariam nomes de conotação revolucionária. Tornando oficial uma situação histórica, Portugal contrariou leis tácitas. E isso não será por demais sublinhado – mesmo se, no ano seguinte, (…) nomes da família real haviam de ser dados a quatro ruas da Baixa” 13.

2.1.2 – A celebração do Rei e da Família Real

Já vimos que o primeiro grande momento da ideologização explícita da toponímia urbana em Portugal ocorre na Época Pombalina e tanto se verifica em cidades e vilas do Reino, como nas cidades e vilas novas então criadas ou rebaptizadas um pouco por todas as parcelas do Império, com especial impacto no Brasil. No Reino, é conhecido o caso da designação das principais ruas da Baixa Pombalina de Lisboa, em que uma das ruas mais centrais será precisamente a nova Rua Nova de El-Rei, artéria e designação histórica de longas tradições e de nobilíssima presença urbana, que por isso de certo modo se recuperava no plano pombalino: é a actual Rua do Comércio, que corresponde aproximadamente à antiga Rua Nova dos Ferros ou Rua Nova dos Mercadores, que remontava à época de D. Dinis e que fora a rua mais opulenta da Lisboa Quinhentista. Mas

13 José-Augusto França, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Venda Nova, 3.ª Edição, Bertrand Editora, 1987, pp. 122, 123.

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a nova malha urbana lisboeta contaria ainda com uma Rua Nova da Rainha (que ainda sobrevivia com a designação de Rua Bela da Rainha14 em 1840, altura em que ganhou a designação actual de Rua da Prata) e uma Rua Nova da Princesa (a actual Rua dos Fanqueiros). A propósito, José-Augusto França fará notar que:

“Pombal quis ainda prestar homenagem à família real, fazendo baptizar quatro ruas do novo bairro [da Baixa ‘Pombalina]; a Rua Nova d’El-Rei, a Rua Bela da Rainha, a Rua Nova da Princesa, a Rua do Príncipe, paralela ao Rossio (hoje Rua Primeiro de Dezembro). Em breve, porém, estas ruas (as três primeiras) receberam outros nomes, segundo os ofícios que nelas se exerciam (capelistas, ourives de prata e fanqueiros): a função comercial, burguesa, avantajava-se a designações referentes à família real, que, aliás, não estavam nos hábitos do povo lisboeta”15.

A ideologização da toponímica de Lisboa replicava-se por todo o Reino, naturalmente em escalas diversas. O caso mais notável, porém é o da toponímia da nova Vila Real de Santo António, fundada de raiz em 177416 na Foz do Guadiana, no sítio da antiga aldeia de Santo António de Arenilha. Assim, é conhecida a carta, também datável de 1774, expondo a decisão do Marquês de Pombal em relação à toponímia da nova Vila Real de Santo António, que deveria passar a homenagear os diversos membros da Família Real17. A partir da planta enviada de Lisboa para o Algarve pelo Marquês de Pombal “com as denominações das ruas e das suas respectivas divisões”, o historiador Horta Correia informa-nos que esta planta regista “pela 1.ª

14 ANTT – Ministério do Reino – Ofícios recebidos das Câmaras Municipais Maço1994 (Caixa 1) – Macete Lisboa 1840.

15 José-Augusto França, Ob. Cit., p. 117.16 Lançamento da primeira pedra a 17 de Março de 1774: ver José Eduardo C. Horta Correia

– Vila Real de Santo António: Urbanismo e Poder na Política Pombalina, 2.ª Edição, Porto, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 1997. p. 91.

17 ANTT – Ministério do Reino – Negócios Diversos do Algarve – Maço 609, caixa 711; Santo António de Arenilha, [1774?].

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vez os nomes que Pombal atribuíra às ruas, homenageando a Família Real (Praça Real e Ruas da Rainha, da Princesa, do Príncipe, do Infante, Benedictina e Mariana) e a sua própria família (Ruas do Marquês, da Marquesa, do Conde e da Condessa), o seu Santo onomástico (Rua de São Sebastião) e o Santo que deu o nome à própria vila (Rua de Santo António)18.

Num contexto urbano totalmente diferente, a praça da vila alentejana do Alandroal passava a designar-se por essa mesma época por Praça do Príncipe da Beira, como consta da velha inscrição toponímica pintada no cunhal da própria casa da câmara, datável também da mesma época. Note-se, desde já, que esta designação foi substituída pela de Praça da República embora, num gesto que é de louvar, se tenha mantido também a referência toponímica antiga.

2.1.3 – A toponímia das Luzes

Remontando ainda ao ciclo Pombalino ou Pós-Pombalino, a criação da vila e concelho de Manique do Intendente, em 1791, do senhorio do famoso Intendente Pina Manique (1733-1805), suscitou um projecto de povoamento do sítio e estabelece entre nós uma das formas cimeiras de urbanismo utópico, fruto do voluntarismo radical do seu promotor. O modelo urbano é polarizado em dois espaços essenciais que se previa que fossem articulados entre si, o hoje informal “terreiro do paço” residencial do senhor da terra (nunca concluído) e a Praça dos Imperadores, de inédita e vanguardista planta hexagonal.

18 José Eduardo C. Horta Correia, Ob. Cit., p. 96. Sabemos que os nomes da praça e das ruas de Vila Real constam ainda na “Collecçáo dos ofícios que o Governador e capitão General do mesmo reino tem dirigido a esta secretaria de Estado dos Negócios do Reino desde o mês de Março de 1774 athé o mez de Mayo de 1775”: ver ANTT – Ministério do Reino – Negócios Diversos do Algarve – Maço 609, caixa 711 – Pescarias – Reyno do Algarve.

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O “terreiro do paço” depressa se transformou em adro da igreja da terra, pois a igreja de Manique do Intendente é, afinal, a capela palatina, a única componente do complexo residencial efectivamente concluída, uma vez que as obras do paço, projectado numa escala verdadeiramente monumental, apesar de estarem já numa fase muito avançada, foram suspensas para sempre à morte do seu promotor. A Praça dos Imperadores de Manique do Intendente, de uma regularização geométrica extrema, é polarizada pelo pelourinho e tem na sua face mais importante a notabilíssima casa da câmara local19, em cujo desenho global confluem os atributos mais visionários da arquitectura utópica que associamos ao Iluminismo. Para a Praça dos Imperadores confluem cinco ruas de orientação convergente, todas elas com nomes de heróis e imperadores famosos da História Romana, a saber, a Rua de Sertório, a Rua de César, a Rua de Augusto, a Rua de Trajano e a Rua de Justiniano! Em suma, tal como na Baixa Pombalina de Lisboa ou em Vila Real de Santo António, a própria toponímia de Manique do Intendente acompanha e participa do desenho global deste tão visionário conjunto urbano, erguido num contexto de Neo-Classicismo radical e utópico. Devem notar-se, porém, na própria Baixa Pombalina de Lisboa sinais explícitos de uma toponímia iluminista na designação da Rua Augusta, já assim identificada em 1760, bem como na própria Rua Áurea ou do Ouro, designação que remonta pelo menos a 176620 e que na primeira metade do século XIX suscitaria a designação simétrica de Rua da Prata para outra importante artéria da Baixa – designações estas onde se têm querido ver marcas intensas da simbólica maçónica, que já se tem intuído na composição urbana global da Baixa Pombalina.

19 Para esta casa da câmara e para as casas da câmara portuguesas em geral, bem como para a sua implantação urbana ver, do A., As Casas da Câmara dos Concelhos Portugueses e a Monumentalização do Poder Local (Séculos XIV a XVIII), Dissertação de Doutoramento em História da Arte, especialidade História da Arte Moderna – Arquitectura e Urbanismo, sob a orientação do Professor Doutor Rafael Moreira, defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (2012), policopiada.

20 José-Augusto França, Ob. Cit., p. 106.

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2.1.4 – A toponímia revolucionária

Como já vimos, a emergência de uma toponímia urbana revolucionária ocorreu essencialmente com a Revolução Francesa e daqui alastrou para toda a Europa, na sequência do triunfo do Liberalismo e da irradiação do Romantismo. Dada a sua importância, merece aqui uma referência o caso francês, pois ilumina como nenhum outro a ideologização e consequente politização da toponímia. Assim, um exemplo maior é proporcionado pela antiga Place Royale da Paris de Luís XV, designada como Praça da Concórdia após a tormenta revolucionária, pois fora nela que Luís XVI e Maria Antonieta tinham sido guilhotinados. Na sua já citada Histoire du Vandalisme – Les Monuments Détruits de L’Art Français, Louis Réau, no seu sub-capítulo, também já referido, “La Révolution Toponymique”, informa-nos de que:

“Le premier projet de changement de dénomination des rues de Paris date de 1791 et son initiateur fut non un sans-culotte, mais un «aristocrate éclairé»: le marquis de Villette, qui crut opportun de signer démocratiquement sous la Révolution Charles Vilette. (...) Son project prétendait inaugurer un rajeunissement radical des noms des rues parisiennes dans l’esprit du siècle des Lumières. «Je me transporte en idée, écrivait ce grand gentilhomme apostat, à ces temps de lumière où les noms vandales de nos rues seront changés».” 21.

Do mesmo modo, extraem-se os seguintes exemplos do sub capítulo “Changement des noms de places et de rues”, todos eles relativos a Paris:

“La place Louis-XV, où fut guillotinée Louis XVI, fut dénomée en 1792 place de la Révolution, puis en 1795 place de la Concorde. La place des Victoires prend après le 10 août le nom de place de la Victoire nationale. La place du Trône, au bout du faubourg Saint-Antoine, ainsi appelée en 1660 à cause du trône élevé pour l’entrée de Louis XIV, devient en 1793, la place du Trône-renversé.

21 Louis Réau, Ob. Cit., p. 241.

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De la place Vendôme, on fait la place des Piques, de la place Carroussel la place de la Fraternité et de la Place Royale la place de l’Indivisibilité.Cette dernière, que Lucien Bonaparte rebaptisa en 1799 place des Vosges en l’honneur du département modèle que avait le premier payé ses impôts – exemple édifiant de patriotisme fiscal –, est la seule, avec la place de la Concorde, qui ait conservé jusque’à nos jours son appellation révolutionnaire”22.

Cumpre registar que em momento algum da nossa história se registaram quaisquer assomos de radicalismo toponímico deste teor e desta escala, apesar de episódios de radicalismo toponímico vividos quer na época da I República, quer no Pós-25 de Abril.

2.2 – A toponímia liberal e moderna sob o signo do Romantismo e do Pós-Romantismo

2.2.1 – A toponímia romântica

O processo de ideologização da toponímia acelera-se e intensifica-se com o Romantismo e assinala-se em toda a Europa. Aquela ideologização passa pela celebração de heróis ou de figuras históricas; pela celebração de episódios patrióticos ou de efemérides de significado nacional ou local e, a seu tempo, pela de personalidades locais. Mas aquela ideologização passa também pela celebração intensiva de virtudes cívicas, de instituições, de regimes e até de instrumentos jurídico-legais tão vinculativos como a própria Constituição.

Incidindo em casos portugueses exemplares23 visando

22 Louis Réau, Ob. Cit., pp. 240-241.

23 Os exemplos seguintes, como alguns anteriores, foram captados essencialmente nos riquíssimos fundos arquivísticos do Ministério do Reino, o antecedente do Ministério do Interior – assim baptizado pela República – e do actual Ministério da Administração Interna – assim rebaptizado pelo poder

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enquadrar, no final deste estudo, a “ideodeologização” da toponímia da cidade da Guarda, pretende-se, em suma, tipificar as principais variantes ocorridas no âmbito da revolução toponímica que, iniciada com o Romantismo, prosseguiu, com a I República, o Estado Novo e se acentuaria após o 25 de Abril.

2.2.1.1 – A celebração da família real

Uma das primeiras formas de ideologização da toponímia da Época Liberal continua a passar pela celebração da Família Real e seus membros mais heróicos ou mais populares. Esta tradição, que ganhara força e vigor na Época Pombalina, como vimos, torna-se quase uma moda na Época Romântica, e isto imediatamente após a implantação do Liberalismo, em 1833-34. O novo regime irá consagrar toponimicamente os heróis do Liberalismo e em primeiro lugar a memória de D. Pedro IV, o Rei-Soldado. Assim, entre nós, um dos exemplos mais intensos e mais antigos de politização da toponímia tradicional ocorre no próprio Rossio de Lisboa, que ganhará a sua designação oficial actual de Praça D. Pedro IV imediatamente a seguir à implantação do Liberalismo. Com efeito, já em 1837 se registava em Lisboa a Praça de Dom Pedro [IV]24. Ainda em Lisboa, em 1840, refere-político democrático (de há muito conservados na Torre do Tombo).

24 Nesta praça se localizava o “Edifício do Palácio Incendiado” do Tesouro Público, que os Liberais adaptaram no edifício pombalino do Palácio da Inquisição, entretanto extinta, edifício cuja cedência eventual à Câmara de Lisboa então se discutia: ver ANTT – Ministério do Reino – Ofícios recebidos de vários Ministérios [Ministério dos Negócios da Fazenda], Maço 2034: Ofício do Ministério da Fazenda ao Ministro dos Negócios do Reino, relativo à concessão à Câmara Municipal de Lisboa do Edifício do Palácio Incendiado [Tesouro Público – Palácio da Inquisição] na Praça de Dom Pedro, de

Lisboa; Lisboa, 21-11-1837.

Recorde-se que no centro da tão popular e tão central praça lisboeta a memória do Rei-Soldado será monumentalizada mediante a erecção da respectiva coluna votiva algures nos meados do século XIX. Muito antes, já em 1835 em Angra do Heroísmo se tratava de monumentalizar a memória do Rei-Soldado: ver a “Planta [do monumento] que a Gratidão Nacional intenta erigir no Largo da

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se uma Rua de D. Pedro IV, à Esperança25. Décadas depois, na cidade da Horta, em 1908, registam-se, entre outras artérias menores, a Rua D. Pedro IV, que então conhece importantes projectos de reconstrução26. Como se sabe, D. Pedro IV após a sua abdicação ao trono de Portugal em favor de D. Maria II, em 1833, atém-se ao título de Duque de Bragança e como tal será celebrado na toponímia portuguesa um pouco por todo o Reino. Assim, já em 1839, nos momentos iniciais do Liberalismo, em Angra do Heroísmo se registava a Praça Duque de Bragança27, valor toponímico que alastraria a outras estruturas e equipamentos concelhios de Angra, justamente no momento em que a cidade passava a ganhar o epíteto “de Heroísmo”, o que seria replicado na vizinha vila da Praia, também na Ilha Terceira, que na mesma época ganhava o atributo “da Vitória”. Se D. Pedro IV, celebrado como Duque de Bragança posteriormente à sua abdicação ao trono de Portugal, é pioneiro na celebração toponímica liberal, regista-se abundante celebração de outras figuras da família real. Após a morte do Rei-Soldado, o membro mais popular da família real parece ser o seu genro, o Rei-Consorte D. Fernando, enquanto segundo marido de D. Maria II (casamento em 1836). A chegada de D. Fernando é aclamada toponimicamente por todo o Reino e uma das primeiras manifestações ocorre no Porto, cidade onde, já em 1840, se regista a abertura da Rua D. Fernando

Alfândega d’esta Cidade à Gloriosa Memória de Sua Majestade Imperial o Senhor D. Pedro Quarto”, Ofício do Administrador Geral de Angra do Heroísmo ao Ministro do Reino Rodrigo da Fonseca Magalhães, de 16-10-1835, relativa à aprovação, por Sua Majestade, da “Planta que a Gratidão Nacional intenta erigir…”, in ANTT – Ministério do Reino – Ofícios recebidos dos Governos Civis e Administrações Gerais [1835-1843], Maço 2013.

25 ANTT – Ministério do Reino – Ofícios recebidos de vários Ministérios [Ministério dos Negócios da Fazenda], Maço 2034: Ofício do Ministério da Fazenda ao Ministro dos Negócios do Reino sobre importantes projectos de urbanismo em Lisboa; Lisboa, 17-8-1840.

26 ANTT – Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 66, ano de 1908) Maço 5365=antigo maço401 [caixa163]; Proc. 485.

27 ANTT – Ministério do Reino – Circulares; Maço 2008.

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II28, rua também referenciada em 1861, no contexto de operações urbanísticas de envergadura então levadas a cabo pela Câmara da cidade29 . Em Belém, em Lisboa, em 1902 regista-se uma Praça D. Fernando, que então se projecta pavimentar30 e em Viseu, no mesmo ano de 1902, projecta-se, entre outros importantes empreendimentos urbanísticos, o Passeio D. Fernando31. Registe-se, enfim, a reconstrução do Passeio D. Fernando e outros melhoramentos em Ponte de Lima, em 190432. O Rei D. Pedro V e a Rainha D. Estefânia serão outros membros da família real, da geração seguinte, celebrados na toponímia e nos equipamentos urbanos33 de cidades e vilas do Reino: veja-se a conhecida Rua D. Pedro V e a Rua D. Estefânia, de Lisboa, por exemplo. Da mesma geração, a Rainha Maria Pia é celebrada toponimicamente por toda a parte: na Covilhã, em 1898, regista-se o Largo D. Maria Pia34 e em Lisboa, em 1909, regista-se a Rua Maria Pia35, designação toponímica que chegou até nós.

28 ANTT – Ministério do Reino, Ofícios Recebidos dos Governos Civis e das Administrações Gerais; Maço 2024 – Macete 1840.

29 ANTT – Ministério do Reino – Direcção Geral da Administração Civil / 3.ª Repartição -

Correspondência Recebida (Livro 20, Proc. N.º 19; Ano de 1861); Maço 3088 [Ano de 1861] – Proc. 191.30 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição

– Correspondência Recebida (Livro 60, ano de 1902) Maço 5248; proc. 106.31 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 5252; Proc.441.32 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 62, ano de 1904) Maço 5294; Proc. 783.33 Em Coimbra, em 1903 existe o Mercado de D. Pedro V, que se projecta então reparar. Veja-se

ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 61, ano de 1903) Maço 5274; Proc. 694. Em 1905 projecta-se a construção do pavilhão do peixe no Mercado D. Pedro V de Coimbra: veja-se: ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 63, ano de 1905) Maço 5309; Proc. 408.

34 Veja-se o «Projecto para a ligação da rua que parte da Estrada Real n.º 55 na fonte das galinhas e deve terminar no Largo D. Maria Pia» (aprovado em sessão de 16 de Agosto de 1898), ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 1.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 56, ano de 1898), Maço 2407; Proc. 925.

35 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 67, ano de 1909) Antigo Maço 414 [5379]; Proc. 313.

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Da última geração da família real anterior à proclamação da República, a toponímia consagra o Príncipe e Rei D. Carlos, como em Coimbra, onde, em 1905, se regista o Largo do Príncipe D. Carlos, onde então se projecta a construção de certos equipamentos municipais36. Do mesmo modo e na mesma época, em 1908 regista-se uma Praça do Príncipe D. Carlos na Moita37. A última rainha de Portugal foi também celebrada na toponímia: assim, em 1907, na Covilhã, regista-se a Avenida e Alameda D. Amélia, na frente do hospital e ao lado do cemitério38.

Note-se, enfim, que a celebração da família real enquanto esteio central do regime alastrava para a própria celebração de monarcas e de membros de famílias reais estrangeiras, no quadro de uma diplomacia toponímica que teve no rei Eduardo VII a sua estrela maior: assim, em Lisboa, na Rotunda, já em 1908 se registava o Parque Eduardo VII39. Outras figuras das monarquias europeias tiveram consagração toponímica no Portugal do Liberalismo: uma das mais presentes foi, no Porto, a Praça Carlos Alberto, a antiga Praça dos Ferradores40, topónimo romântico que celebrava a memória do rei do Piemonte e da Sardenha com aquele nome que, após a sua queda do trono, se exilou e residiu efemeramente no Porto, onde morreu, episódios ocorridos no mesmo ano de 1849.

2.2.1.2 – A toponímia institucional

36 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 63, ano de 1905) Maço 5311; Proc. 746.

37 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 66, ano de 1908) Maço 5364; Proc. 391.

38 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 65, ano de 1907) Maço 5347; Proc. 516.

39 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 66, ano de 1908) Maço 5361; Proc. 170.

40 ANTT – Ministério do Reino – 3.ª Direcção – 2.ª Repartição – Correspondência Recebida; Maço 3380 (Livro 10.º).

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A implantação do Regime Liberal, depois de uma Guerra Civil tão cruel e de certo modo inédita na nossa História, provocou em Portugal uma autêntica revolução vivida a todos os níveis, institucional e político, económico e social, cultural e mental. A experiência Liberal revolveu o país e não poderia deixar de ficar consagrada na toponímia. Nas linhas que se seguem registam-se alguns exemplos da “liberalização” da toponímia, captados no âmbito de investigações relativas a obras públicas e renovação urbana das cidades e vilas portuguesas do século XIX. Logo em 1836 se regista em Lisboa uma Rua Nova das Cortes41. Paralelamente, o Liberalismo promove a celebração toponímica dos seus principais agentes políticos, no quadro de uma efectiva politização (e até partidarização) toponímica, que tanto ocorre nas grandes cidades como nas vilas do interior. Assim, já nos anos derradeiros da Monarquia, em 1896, em Vila Flor a Rua da Misericórdia passa a ser conhecida como Rua João Franco42. Em Braga, em 1907/1908, regista-se a Avenida Conselheiro João Franco, com planta de 12 de Dezembro de 1907, projectada no âmbito da “boulevardização” da cidade, então em curso43. Note-se que esta nova avenida dá para a Praça Hintze Ribeiro, outra figura do estrelato político dos anos finais da Monarquia Constitucional. Por estes anos, em Lisboa, às “Avenidas Novas” rasgar-se-á uma importante avenida também com a invocação de João Franco, que seria rebaptizada como Avenida 5 de Outubro pelos Republicanos. Por essa mesma época, em Lisboa, em 1902, regista-se a abertura da Avenida Ressano Garcia, ao Saldanha, tratando-se, para

41 ANTT – Ministério do Reino – Negócios Diversos, Maço 1952 – Comissão Geral dos Melhoramentos de Comunicação Interior.

42 ANTT – Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 1.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 54, ano de 1896) Maço 2366; Proc. 87.

43 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 66, ano de 1908) Maço 5353; Proc. 46/28.

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isso, das respectivas expropriações44…

2.2.1.3 – A celebração toponímica de heróis, personalidades históricas e virtudes cívicas

Para lá da celebração dos membros mais populares da família real e dos agentes políticos mais influentes, a toponímia oitocentista consagrou abundantemente a figura de heróis do passado ou de individualidades de cunho nacional, regional ou local, destacados por feitos especiais, de cunho militar, político, administrativo ou outro, algumas hoje para nós absolutamente desconhecidas, pois se distinguiram por feitos que nos escapam. Neste âmbito, um caso típico ocorre em Lisboa, em 1897, quando a antiga Rua Direita de Chelas passa a chamar-se de Gualdim Pais45. O impulso nacionalista suscitado pela celebração de efemérides (a celebração do III Centenário da Chegada à Índia) ou por acontecimentos de importância transcendente (o Ultimato Inglês, de 1890) tem igualmente intensas consequências toponímicas. Assim, em Lisboa, em 1902, regista-se já a Avenida da Índia, ligando o Restelo a Algés46. Camões será, porém, a par das estrelas maiores do Liberalismo, a grande vedeta da toponímia oitocentista. Assim, muito antes das comemorações e das comoções patrióticas de 1880, suscitadas pelo III Centenário da Morte de Camões, que dará origem à praça com o mesmo nome em Lisboa, nesta mesma cidade já em 1837 se registava uma

44 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 60, ano de 1902) Maço 5255; Proc. 877. Ver ainda ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 5259; Proc. 1279.

45 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 1.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 55, ano de 1897), Maço 2389; Proc. 820.

46 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 60, ano de 1902) Maço 5255; Proc. 842.

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referência à Rua de Camões47. Por outro lado, remonta aparentemente aos Anos 60 do século passado a iniciativa do levantamento de um monumento ao poeta Luís de Camões em Lisboa48, certamente na sequência do monumento a D. Pedro IV no Rossio, erguido anos antes. As celebrações camoneanas de 1880 verificaram-se por todo o país. Assim, em Vila Real, em 1880, o histórico Campo do Tabolado passa a ser o Campo de Camões49. Poucos anos depois, em 1904, em Bragança regista-se um Largo de Camões, para onde então se projectava a construção de um mercado coberto50. Para lá de Camões, muitas das figuras grandes da cultura portuguesa serão celebradas toponimicamente. Assim, na Nazaré (Pederneira) em 1905 regista-se uma Rua de Gil Vicente51. A toponímia oitocentista incide, porém, em nomes de épocas culturais muito mais tardias: em Setúbal, em 1902, regista-se já a Avenida Todi, celebrando a ilustre cantora filha da terra52 e cinco anos depois, em 1907, regista-se uma Praça Bocage53, celebrando outro ilustre filho da terra, atribuída à velha praça central daquela então vila, configurada urbanisticamente já no século XV. Da escola literária seguinte, Garrett também será celebrado condignamente na toponímia portuguesa. Assim, o seu nome será dado à histórica Rua das Portas de Santa Catarina de Lisboa,

47 ANTT – Ministério do Reino – Ofícios recebidos das Câmaras Municipais – Maço 1993 (Caixa 2) - Lisboa - Macete 1837. Esta rua, localizada provavelmente à Esperança, volta a ser referenciada em 1840: ver ANTT - Ministério do Reino – Ofícios recebidos de vários Ministérios [Ministério dos Negócios da Fazenda], Maço 2034: Ofício do Ministério da Fazenda ao Ministro dos Negócios do Reino sobre importantes projectos de urbanismo em Lisboa; Lisboa, 17-8-1840.

48 ANTT - Ministério do Reino – Direcção Geral da Administração Civil / 3.ª Repartição - Correspondência Recebida; Maço 3449 [1860]; Proc. 1141.

49 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição - Correspondência Recebida (Livro 38, ano de 1880), Maço 2583; Proc. 540.

50 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 62, ano de 1904) Maço 5295; Proc. 977.51 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 63, ano de 1905) Maço 5308; Proc. 337.52 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 60, ano de 1902) Maço 5258; Proc. 1255.53 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 65, ano de 1907) Maço 5342; Proc. 72/32.

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ao Chiado: em 1905, os lojistas e proprietários da Rua Garrett e da contígua Rua do Carmo protestam por não haver eléctricos nestas ruas54. Mas a celebração de figuras grandes da cultura portuguesa incide também em nomes contemporâneos de escritores então muito populares. Em 1902 em Évora registava-se já a Rua de João de Deus aparentemente contígua à velha e histórica Rua do Imaginário, ruas em que então se tratava de abrir condutas para canalização55.

Para lá das figuras históricas do passado, a toponímia consagra cidadãos contemporâneos. Um dos mais populares será o Tenente Valadim, um dos heróis das chamadas Campanhas de África56 promovidas na sequência do Ultimato Inglês. A sua morte em 1890, em Moçambique, em circunstâncias verdadeiramente heróicas, foi muito sentida em todo o Reino e, como tal, o seu nome foi dado a ruas e

54 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 59, ano de 1901) Maço 5236; Proc. 855.55 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 60, ano de 1902) Maço 5241; Proc.º 1. Note-se

que era comum a celebração toponímica ou institucional de figuras artísticas não só contemporâneas como ainda vivas. Assim, em Lisboa, regista-se a Academia Filarmónica Verdi, fundada a 26 de Maio de 1872, que em 1902 se instala na Rua do Arco do Carvalhão, onde sobrevive até hoje. Ver ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., Maço 5250; Proc. 204.

56 Eduardo António Prieto Valadim (Lisboa, 13 de Julho de 1856 — Niassa, Moçambique, Janeiro de 1890), mais conhecido por Tenente Valadim, foi um herói das campanhas de África promovidas em resposta ao Ultimato Inglês. A morte do Tenente Valadim proporcionou uma intensa propaganda patriótica, manifestada nomeadamente na celebração toponímica do seu nome por todo o país e suas colónias: “Sendo a matança [do Tenente Valentim e seus companheiros, portugueses e indígenas] atribuída a intrigas britânicas, causou uma profunda indignação num momento em que a humilhação resultante da cedência ao ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890 já exacerbara o patriotismo dos portugueses. A emoção foi imensa e repetiram-se manifestações patrióticas por todo o lado.Neste ambiente de quase histeria patriótica, quando a Câmara Municipal de Lisboa deliberou dar o nome de Tenente Valadim a uma das ruas da cidade, a imprensa da época desencadeou uma campanha para que o acto fosse repetido em todas as cidades e vilas do império. A intensa propaganda patriótica levou a que o exemplo se tenha propagado, sendo ainda hoje o topónimo Tenente Valadim um dos mais comuns de Portugal, estando presente em 34 localidades”, in http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Ant%C3%B3nio_Prieto_Valadim.

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praças em cidades e vilas de todo o país e das colónias. Para lá do caso da Guarda, adiante documentado, um exemplo é proporcionado pela cidade de Viseu em que se regista, em 1903, a Rua Tenente Valadim, cujo prolongamento então se projecta57. Por sua vez, em 1907 a Câmara do Alandroal pede para que “ao Largo do Mártir desta vila seja dado o titulo de – Largo Major Roçadas”58, assim se celebrando outro herói de África, episódio que tem paralelo, bem no coração de Lisboa, no Chiado, onde foram celebrados toponimicamente Serpa Pinto, Capelo e Ivens, António Maria Cardoso ou Vítor Córdon. Este último topónimo já estava atestado em 1902, ano em que nela se localiza a Sociedade Literária Almeida Garrett59.

Filantropos e beneméritos de todo o género, intelectuais e cidadãos ilustres portugueses e estrangeiros foram celebrados toponimicamente: assim, em Alenquer em 1896 rasga-se a Avenida Vaz Monteiro60 e em Lisboa, em 1907, regista-se a Rua Joaquim Bonifácio, à Estefânia61. Dois anos depois, em 1909, também em Lisboa, regista-se já a Rua Almeida e Sousa (cidadão que não conseguimos identificar) à Rua Ferreira Borges, em Campo de Ourique62 e no Porto, no mesmo ano, regista-se a Rua de Gonçalo Cristóvão63, uma celebridade local.

57 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 61, ano de 1903) Maço 5274; Proc. 719.

58 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 65, ano de 1907) Maço 5349; sublinhados nossos.

59 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 60, ano de 1902) Maço 5255; Proc. 81060 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 1.ª Repartição

– Correspondência Recebida (Livro 54, ano de 1896) Maço 2379; Proc. 146961 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição

– Correspondência Recebida (Livro 65, ano de 1907) Maço 5335; Proc.º 4762 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 67, ano de 1909) Antigo Maço 414 [5379];

Proc.º 279.63 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 67, ano de 1909) Antigo Maço 414 [5379];

Proc.º 332.

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Do mesmo modo, consagram-se toponimicamente datas históricas de âmbito nacional ou local. É o caso da famosíssima Avenida 24 de Julho – nome dado ao chamado “Aterro” de Lisboa, ou o da Praça Dois de Maio (data de efeméride cujo significado nos escapa) de Viseu, que em 1900 se tratava de ampliar64. Por outro lado, o sentimentalismo romântico traz à toponímia não só a abundante celebração de virtudes, religiosas e sobretudo cívicas, como topónimos de cunho algo poético ou cívico, de que é exemplo a Rua da Boa Recordação, que se regista em 1899, na Figueira da Foz65… Face a estes topónimos, tão típicos de uma sensibilidade urbana oitocentista, emergem topónimos associados aos grandes valores da Liberdade, da Paz ou da Fraternidade, suscitados e impostos certamente pelos ideólogos do republicanismo então em fase de propaganda muito intensa e, pelo menos alguns deles, directamente influenciados pela simbólica maçónica. Assim, na Figueira da Foz regista-se, em 1903, uma Rua da Liberdade, então em fase de pavimentação66. Quatro anos depois, em 1907, na Horta, regista-se a Travessa do Amor da Pátria67, que retém o nome da loja maçónica então criada naquela cidade açoriana68. O associativismo oitocentista também deixou marcas toponímicas importantes (veja-se, por todas, a Rua da Voz do Operário de Lisboa) e a celebração toponímica da escola ou do mundo estudantil universitário, eventualmente arregimentado, assinala-se por exemplo no Funchal, onde em 1839-40 se registava já

64 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 58, ano de 1900) Maço 5210; Proc 483.65 ANTT Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 1.ª Repartição

– Correspondência Recebida (Livro 57, ano de 1899), Maço 2412; Proc. 58.66 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição

– Correspondência Recebida (Livro 61, ano de 1903) Maço 5277; Proc. 1027.67 ANTT - Ministério do Reino – Lug. Cit., (Livro 65, ano de 1907) Maço 5347; Proc. 487.68 Sobre esta loja e a associação a que deu origem, ver António Lopes, Carlos Lobão e Maria

Calado, Sociedade Amor da Pátria, 150.º Aniversário – 1859-2009, Horta, Ed. Sociedade Amor da Pátria, 2009.

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uma Praça Académica69.

3 – A toponímia da cidade da Guarda e os grandes momentos da sua ideologização

O debate sobre a toponímia da Guarda traz até nós a discussão da sua ideologização: a toponímia da cidade conheceu e sofreu este fenómeno? E, se sim, como? E quando? Este debate convoca também a discussão dos tempos históricos da ideologização da toponímia da Guarda: esta precede, é coetânea, ou é posterior à ideologização da toponímia comprovadamente vivida noutras cidades e mesmo noutros países? Mas este debate convoca também a recuperação da velha matriz toponímica da cidade, tal como captada nos documentos de origem medieval e moderna e tal como manifestados na toponímia tradicional sobrevivente ou de que ficou registo escrito.

3.1 - A tradição toponímica da Guarda e a sua erosão

Temos presente a mais antiga vista conhecida da cidade da Guarda70, há pouco dada a conhecer publicamente71. Perante esta vista

69 ANTT – Ministério do Reino – Circulares; Maço 2008 – Distrito do Funchal (1839-1840).70 Em bom rigor, a vista mais antiga da cidade – há muito referenciada por Adriano Vasco

Rodrigues - consta do skyline da vista de Vilar Maior do famoso álbum de Duarte d’Armas, Livro das Fortalezas, Intr. de Manuel da Silva Castelo Branco, Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo e Edições INAPA, 2.ª Edição, 1997, ff.s 29 v.º e 30.

71 Desenhador anónimo, TYPUS Provinciae […], datável da segunda metade do século XVII. Trata-se de um conjunto de desenhos integrando uma série de vistas urbanas portuguesas. O conjunto foi referenciado como ÁLBUM de Desenhos no catálogo publicado expressamente para o leilão que ocorreu no passado mês de Novembro de 2013. A vista da cidade da “Guarda” faz parte de uma prancha (f. 42) que inclui vistas das cidades vizinhas de Viseu e de Lamego. A vista da Guarda, como aparentemente todas as vistas urbanas deste extraordinário TYPUS Provinciae […], foi singularmente distorcida, recorrendo o

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podemos concluir que a velha malha urbana da cidade bem como alguns dos seus mais emblemáticos monumentos, a começar pela Sé, sobreviveram e chegaram aos nossos dias, a comprovar, como se fosse preciso, que os dados mais estruturantes do urbanismo histórico fazem parte daquelas categorias a que poderemos chamar de intemporais. Porém, se a rede de ruas, de praças e largos da velha cidade da Guarda sobreviveram em muito grande parte, tal como sobreviveram alguns dos mais emblemáticos edifícios históricos, o mesmo não se pode

seu autor ao recurso muito engenhoso do “rebatimento” visando a inclusão na mesma dos principais monumentos da cidade. A vista tem, como elemento dominante e mesmo esmagador uma representação sensacional e podemos dizer que muito rigorosa da Sé, que em nada difere do que nos é dado ver hoje na sua fachada Norte, aparentemente então ainda não obstruída pelas construções que lhe seriam acrescentadas ainda nos séculos XVII e XVIII e que seriam removidas logo nas primeiras campanhas de restauro do monumento, ocorridos nos fins do século XIX e nos primeiros anos do século XX. Para lá do pano de fundo proporcionado pela fachada Norte da Sé, esta vista da Guarda apresenta a Alcáçova medieval, então aparentemente ainda intacta, bem no cume do que foi a cidadela fortificada medieval. À esquerda da cabeceira da Sé, figura, numa localização errática mas propositadamente calculada para permitir a sua inclusão na vista, a torre das Portas da Covilhã, então já de há muito transformada em torre do Mirante das Freiras, sendo visíveis as generosas aberturas arqueadas correspondentes ao mirante, aberturas certamente gradeadas, como era próprio de mirantes semelhantes, típicos dos conventos de freiras. Logo a seguir na vista que vimos analisando, sucede-se a mole imensa – e então muito recente – do complexo monumental constituído pelo paço episcopal, seminário e respetiva capela, de que é bem visível o grande campanário central, que chegou aos nossos dias. O grosso da vista é ocupado, porém, pela malha do casario, tratado graficamente de um modo muito convencional – e do qual mal emergem e mal se destacam as fachadas principais de duas importantes igrejas – uma, à esquerda, de configuração francamente medieval, a ter em conta a sua fachada escalonada a deixar entrever três naves – a primitiva igreja da Misericórdia? – e uma igreja de fachada aparentemente mais modernizada e até barroquizante de uma igreja, que poderá representar a antiga igreja de Santa Maria do Mercado, de origem medieval, a ter em conta a configuração da fachada, francamente destacada da linha do corpo da igreja, localizada nesta vista muito próximo da fachada principal da Sé – isto é, na calculada geografia da vista que vimos analisando, na parte mais ocidental da cidade. Enfim, a malha urbana pontuada pela Sé e enquadrada pela Alcáçova, a Oeste-Sudoeste – e pelo Mirante das Freiras, pelo Seminário e pelo Paço Espiscopal a Nascente – mas também pela representação do que pensamos ser a Torre dos Ferreiros, mesmo no limite esquerdo do desenho - é rodeada por uma muralha desprovida de ameias, o que parece ser a barbacã que circunscreveu a cidade em grande parte do seu perímetro medieval e em grande parte da sua história.

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dizer da velha toponímia histórica da cidade. Com efeito, onde param as velhas designações urbanísticas que Rita Costa Gomes recolheu no seu estudo sobre A Guarda Medieval72? De facto, chegaram até nós alguma designações toponímicas de origem comprovadamente medieval. A localização de outras referências toponímicas medievais entretanto perdidas também não oferece quaisquer dúvidas. Porém, quem conhece, quem saberá ou quem poderá localizar com precisão as velhas e tão documentadas ruas da cidade medieval, cujas designações toponímicas medievais de há muito se perderam, não chegando aos nossos dias quaisquer memórias das mesmas? Para algumas poderemos propor localizações mais ou menos aproximadas, como é o caso da famosa Praça de N. Sr.ª do Mercado73. Porém, quem poderá localizar com precisão ruas históricas como a Rua do Poço do Alcaide74, a Rua das Manteigas75, a Caelha que vai para o muro76, a Azinhaga da estalagem do rei77, a Azinhaga de David Favilhão78 ou o Beco de Jacob de Alva79?

Perdidas as localizações, mesmo que aproximadas, destas velhas vias urbanas, pois não conhecemos nenhuma planta antiga da cidade, deve dizer-se que a velha cartografia urbana portuguesa é muito rica de referências toponímicas antigas que, como seria de prever, se assemelham em tudo às da toponímia histórica da cidade da Guarda. A perda das velhas referências toponímicas de origem medieval (que tinham sobrevivido em muito grande parte durante o Antigo Regime) ocorre no tempo longo da “modernização” das

72 Rita Costa Gomes, A Guarda Medieval – Posição, Morfologia e Sociedade (1200-1500), Cadernos da Revista de História Económica e Social 9-10, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1987.

73 Idem, Ibidem, p. 4474 Idem, Ibidem, p. 43.75 Idem, Ibidem, p. 57.76 Idem, Ibidem, p. 47.77 Idem, Ibidem, p. 47.

78 Idem, Ibidem, p. 47.79 Idem, Ibidem, p. 47.

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sociedades tradicionais, que tem o seu início algures na segunda metade ou mesmo nos fins do século XVIII. A perda das referências toponímicas medievais ocorre no quadro de um processo inelutável de ideologização da toponímia, que então conhecia novos e inéditos desenvolvimentos. É então que a velha toponímia, de matriz funcional e como que “orgânica” - à semelhança do urbanismo medieval de matriz essencial e igualmente orgânica - começa a dar lugar a uma toponímia intencional e explicitamente modelada no sentido de celebrar personalidades, valores ou atributos que política, social e culturalmente se passou a considerar dignos de serem celebrados. Referindo-se apenas ao corpus toponímico da Guarda, Maria José Santos Neto distingue duas categorias toponímicas que merecem consideração, a que designa de “nomes comuns” face à que designa de “nomes próprios” e tece as seguintes considerações relativas à progressiva recessão das referências a “nomes comuns”, face à consequente expansão dos “nomes próprios”:

“Até 1933, quando se inicia o período denominado Estado Novo, o conjunto mais significativo de topónimos era constituído pelo conjunto designado nomes comuns, embora os 59% registados no primeiro período, que terminou em 1910, tenham decrescido para 52%. A partir dessa data, 1933, a situação inverteu-se, a percentagem de nomes próprios ultrapassou a de nomes comuns e atingiu o valor de 59% durante o regime de Estado Novo, sendo atenuada ligeiramente no período da Democracia, implantada com a Revolução de 25 de Abril de 1974”80.

A progressiva recessão dos topónimos constituídos por “nomes comuns”, face à consequente expansão dos topónimos com “nomes próprios”, que ocorre durante a passagem paulatina da toponímia antiga e tradicional para a toponímia moderna, ilustra uma inflexão essencial da toponímia da cidade. Ora, esta inflexão de

80 Maria José Santos Neto, A Toponímia da Cidade da Guarda e a Construção da Memória Pública no Século XX, Guarda, Ed. Agência para a Promoção da Guarda, 2013, p. 55.

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referentes toponímicos ocorre sob o signo da sua ideologização, isto é, da procura de uma intenção, de um sentido qualquer, político, cultural - ideológico, em suma – em tudo alheio ao mero valor funcional ou orgânico típico da toponímia tradicional.

3.2 – Os momentos da ideologização da toponímia da Guarda

A toponímia da Guarda partilha com a toponímia das demais cidades e vilas de Portugal uma história e uma evolução comuns81. Esta evolução, que se afirma sobretudo nos fins do século XIX para se acentuar nas décadas seguintes, decorre naturalmente de uma expansão urbana inegável que a Guarda então vive, mais uma vez à semelhança do que por esses anos ocorria nas demais cidades portuguesas. Não sendo este o momento de estudar o fenómeno da expansão urbana da cidade82, cabe dizer que a ideologização da toponímia, na Guarda como por toda a parte, decorre também da

81 Para a toponímia da Guarda, sua história e evolução, ver Gonçalo Poeta Fernandes e Hélder Sequeira (Coord.), Toponímia da Guarda – Comunicações do I Fórum sobre Toponímia, Guarda, Ed. Instituto Politécnico da Guarda, 2013 e ainda Maria José Santos Neto, Ob. Cit. e, em especial, os excelentes Anexos desta obra, de que o presente estudo é particularmente devedor, pois deles foram extraídas muitas das referências toponímicas que se seguem e respectivas datações.

82 Para a história da Guarda e a da sua expansão urbana nos fins do século XIX / primeiras décadas do século XX, ver Jaime Ferreira (Coord.), A Guarda Formosa na Primeira Metade do Século XX, Centro de Estudos Ibéricos, Câmara Municipal da Guarda, Guarda, 2004; Dulce Helena Borges, Guarda – Roteiros Republicanos, QUIDNOVI, QN – Edição e Conteúdos, S.A., Matosinhos, 2010, pp. 94-99 e, da mesma autora, Dulce Helena Borges (Coord.), Carolina Beatriz Ângelo – Intersecções dos sentidos / palavras, actos e imagens, catálogo da exposição; IMC/Museu da Guarda, Guarda, 2010, p. 67. Ver ainda Carlos caetano, “Urbanismo e Arquitectura no Tempo Republicano da Cidade da Guarda” in Maria Antonieta Garcia (Dir.), Euforia Breve – Memórias da Primeira República na Guarda, Guarda, Câmara Municipal da Guarda, 2011, pp. 260-301. Neste estudo abordaram-se, naturalmente de uma forma sumária, os principais momentos e vectores da “ideologização” da toponímia da cidade, ocorrida no período histórico em estudo.

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efectiva permeabilidade cultural e social que caracteriza a época em estudo, que faz com que os valores, as modas e as ideias - as ideologias, em suma - circulem numa velocidade nunca vista, com graus de eficácia verdadeiramente inéditos, pelo que ganham os espaços mais recônditos do território nacional, vencendo atavismos, tradições, preconceitos e convicções profundamente enraizadas.

3.2.1 – A toponímia da Guarda sob o signo do Pós-Romantismo

À semelhança do que ocorreu na segunda metade do século XIX e nos primeiros anos do século XX com a toponímia da generalidade das cidades e vilas do Reino, também a toponímia da Guarda se actualizou, recorrendo a invocações toponímicas de exaltação de personalidades e valores consentâneos com os novos tempos, as novas sensibilidades e mesmo as novas necessidades de uma comunidade urbana que quer apanhar o comboio do progresso. Assim, se o conservantismo político local tinha dispensado a celebração dos primeiros reis liberais nas primeiras décadas do novo regime, a figura do Rei D. Luís I83 será celebrada toponimicamente numa rua nova - a Rua D. Luís I - rasgada de raiz para franquear, para quem viesse da velha Estrada da Beira, o principal acesso, moderno, cómodo e directo à cidade. O nome da Rainha D. Maria Pia ficaria associado ao do Asilo Distrital, dando origem ao topónimo Rua do Asilo D. Maria Pia. O futuro rei D. Carlos seria celebrado toponimicamente enquanto Príncipe da Beira (tradicional título do primogénito dos Reis de Portugal) no Largo do mesmo nome, que emparelha com uma Rua do Príncipe (celebrando provavelmente o Príncipe D. Afonso, filho segundo de D. Luís, o que se confirmará se se alcançar a data

83 Note-se que o Rei D. Luís inaugurou a estação da Guarda a 4 de Agosto de 1882, no âmbito da conclusão da Linha da Beira Alta, tendo sido o primeiro monarca a visitar a cidade desde o tempo de D. Pedro II: ver, do A., “Urbanismo e Arquitectura no Tempo Republicano”, p. 234.

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relativa à decisão da respectiva designação toponímica, datável de c. 1880 ou 1881). Regista-se finalmente um Largo d’El-Rei D. Manuel II, designação atribuída em 1908 ou imediatamente a seguir. Durante a época da Monarquia Constitucional mais nenhum membro da Dinastia reinante mereceu honras toponímicas numa cidade em vias de republicanização mais ou menos acelerada. Do mesmo modo, não se vislumbra na toponímia da época84 qualquer referência a instituições políticas, embora algumas figuras políticas sejam consagradas toponimicamente como, entre outras de alcance apenas regional ou local, o Conselheiro Hintze Ribeiro, celebrado numa rua com o seu nome. Mais frequente é, porém, a celebração de figuras históricas, consagradas em topónimos como os seguintes: Rua de D. Sancho I, Rua de D. Dinis, Rua Vasco da Gama e Rua Marquês de Pombal – grupo a que há que acrescentar a Rua Rui de Pina e a Praça Luís de Camões. Estas novas designação toponímicas inserem-se no quadro da

“autêntica revolução toponímica vivida na cidade no período em apreço [anos finais da Monarquia Constitucional], aparentemente inaugurada com a dedicatória da chamada Praça Velha a Luís de Camões, provavelmente na sequência do III Centenário da sua morte (1880), ou na invocação do Marquês de Pombal (I Centenário da morte em 1882) noutra importante rua da cidade – invocações laicas e cívicas muito caras aos republicanos, que fizeram bandeiras político-culturais da celebração dos respectivos Centenários - a que há que acrescentar Vasco da Gama, invocado provavelmente em 1898, aquando do IV Centenário da Chegada à Índia”85.

A história contemporânea forneceu um leque apreciável de heróis a merecerem honras toponímicas. Assim, para lá da Rua

84 Servimo-nos do “Quadro 3 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a Nomes Comuns, 1910”, e do “Quadro 4 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a Nomes Próprios, 1910”, publicados por Maria José Santos Neto, Ob. Cit., p. 63 e p. 67, respectivamente.

85 Carlos Caetano, Ob. Cit., p. 237.

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General Póvoas – homenageando um herói local do Absolutismo e do Cartismo - a toponímia dos últimos anos da Monarquia Constitucional “consagra alguns heróis das pioneiras viagens exploratórias em África como Serpa Pinto, Alves Roçadas ou o General João de Almeida, um militar natural do Concelho”86 – a que há que acrescentar o heróico Tenente Valadim, cuja rua já existia em 1908, ano em que se projectavam as canalizações do troço Rua Tenente Valadim – Misericórdia87. Paralelamente consagravam-se figuras gradas de âmbito local – bem conhecidas ainda hoje por muitos egitanienses – ligadas em particular à administração pública, à medicina, ao ensino e à imprensa. Ao mesmo tempo, emergia a celebração de valores como os consagrados na Rua da Liberdade, na Rua da Paz e na Rua da Vitória, de ressonâncias mais ou menos liberais, se não libertárias, como que a anunciar o sentido das futuras alterações toponímicas suscitadas pela implantação da República. Paralelamente, assistia-se ao início do fenómeno de laicização e de descristianização toponímica: assim “o Campo de São Francisco foi rebaptizado, em 1907, de Largo Capitão João de Almeida”88 um herói local já atrás referido. Porém, o decoro e o bom gosto típicos de uma sensibilidade romântica impuseram topónimos como Travessa da Boa Vista ou Travessa da Estrela, sobrepostos a nomes tradicionais, o mesmo acontecendo com a velha Rua das Padeiras, que passou “a ser denominada Rua Formosa (provavelmente em 1884) e, em 1903, Rua Conselheiro José Cavalheiro”89.

86 Idem, Ibidem, p. 237.

87 ANTT - Ministério do Reino – Direcção-Geral da Administração Política e Civil / 2.ª Repartição – Correspondência Recebida (Livro 66, ano de 1908) Maço 5363; Proc. 278.

88 Maria José Santos Neto, Op. Cit., p. 71 (sublinhados nossos).89 Idem, Ibidem, p. 66 (sublinhados nossos).

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3.2.2 – A republicanização da toponímia da Guarda

A republicanização da toponímia da Guarda inaugurou-se no dia 20 de Outubro de 1910, “com a substituição do nome de dois monarcas, D. Luís e D. Manuel II, pela referência a dois acontecimentos da recente vitória republicana”90. Também a Rua General Póvoas mudou de nome em 1912 (para voltar a esta designação em 1939)91. Este fenómeno prossegue e acentua-se com a celebração explícita de republicanos eminentes92 patente em topónimos como Largo Almirante Cândido dos Reis (antigo Largo das Freiras), Largo Elias Garcia (Largo de S. Vicente, topónimo recuperado em 195093), Rua Dr. Miguel Bombarda (antiga Rua de S. Vicente, topónimo recuperado também em 195094) Rua Batalha Reis ou Rua Dr. Manuel de Arriaga, acompanhada pela celebração de agentes locais do Republicanismo, hoje naturalmente esquecidos95 . A época da I República celebra também figuras históricas como as que deram origem aos topónimos Rua Nuno Álvares Pereira (atribuição em 1918, aposta ao topónimo republicano Rua Francisco Ferrer, pedagogo e republicano espanhol) e Rua Gomes Freire e que merecem discussão: se Gomes Freire, enquanto mártir do Liberalismo é uma figura cara aos republicanos, Nuno Álvares Pereira é – ou passa a ser, nos idos de 1917 e seguintes - um ícone da Igreja militante, no âmbito da resposta ideológica e espiritual muito aguerrida ao anti-clericalismo, à laicização e à descristianização também militantes

90 Idem, Ibidem, p. 71.91 Idem, Ibidem, p. 70.92 Veja-se o “Quadro 7 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a

Nomes Próprio, 1926”, publicado por Maria José Santos Neto, Op. Cit., p. 72. A este quadro se atêm algumas das referências seguintes.

93 Idem, Ibidem, p. 77.94 Idem, Ibidem, p. 77.95 Note-se que, apesar de ser originário da região, o Dr. Afonso Costa só terá consagração

toponímica depois do 25 de Abril.

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que marcaram o essencial da propaganda e da acção dos principais agentes da República antes e depois do 5 de Outubro. O topónimo Rua Nuno Álvares Pereira, atribuído em 1917, deixa intuir uma óbvia mudança do micro-clima ideológico e político então vivido na cidade, acompanhando o que se passava por todo o país: este topónimo, improvável dois ou três anos antes, torna-se possível a partir de 1917, imposto por vereações muito conservadoras e mesmo reaccionárias, próximas ou influenciadas directamente pela Igreja, num fundo ideológico que deu origem nomeadamente ao Sidonismo triunfante e seus derivados políticos. A republicanização da toponímia assinala-se ainda no recurso à celebração de datas históricas de cunho libertador, que darão lugar a topónimos históricos como Largo 1.º de Dezembro ou Rua de 1820, topónimos de cunho inegavelmente patriótico. A este grupo pertencem ainda os topónimos Largo 1.º de Maio, Largo 28 de Janeiro (de 1908, data de uma famosa conspiração republicana; designação atribuída ao antigo Largo Conde da Guarda), Rua 31 de Janeiro e Campo ou Largo 5 de Outubro (antigo Campo da Boa Vista)96. Destas referências merece destaque a celebração da primeira revolução liberal portuguesa (1820) e sobretudo a data 31 de Janeiro (de 1891), dia do primeiro pronunciamento republicano português, ocorrido no Porto – data atribuída à então moderna Rua D. Luís I, assim descaradamente rebaptizada e republicanizada. A republicanização toponímica passa naturalmente pela celebração dos valores caros aos agentes e ideólogos do novo poder, patente em topónimos como Praça da República, Esplanada ou Largo dos Mártires da Pátria ou mesmo dos Mártires da República, ou por uma Travessa do Povo (antiga Travessa [da Porta] de El-Rei) ou sobretudo por uma Rua da Fraternidade (designação atribuída em 1912 à antiga Rua

96 Veja-se o “Quadro 6 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a Nomes Comuns, 1926”, publicado por Maria José Santos Neto, Ob. Cit., p. 72. A este quadro se atêm algumas das referências seguintes.

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Escura97 ) e por um Largo da Solidariedade (espaço que integrava o Jardim José de Lemos; decisão de 1914) - designações de evidente coloração maçónica. Enfim, a republicanização da toponímia passa pela celebração de escritores muito populares patente nos topónimos Rua Camilo Castelo Branco e Rua João de Deus (pai de João de Deus Ramos, Governador Civil da Guarda em 2012, ano da atribuição do respectivo topónimo98). Mas aquele fenómeno passa também pelo aformoseamento toponímico, patente em topónimos como Rua das Tílias (atribuído à antiga Rua da Fontinha99).

3.2.3 – O regresso à ordem e à tradição: a toponímia da Guarda sob o signo do Estado Novo

Os anos longos do Estado Novo deixaram marcas profundas na toponímia da Guarda. Maria José Santos Neto informa-nos que, em matéria de toponímia,

“a primeira mudança ocorreu em 1927 quando à Rua Direita foi atribuído o nome de Francisco de Passos, major do exército que desempenhava as funções de Governador Civil. A Câmara pretendeu manifestar-lhe gratidão por ter disponibilizado fundos para a resolução do problema do abastecimento de água à cidade” 100.

Na linha dos regimes anteriores, o novo regime vai trazer novas alterações toponímicas, de evidente cunho ideológico101. Porém,

97 Idem, Ibidem, p. 58.98 Idem, Ibidem, p. 75.99 Idem, Ibidem, p. 74.100 Idem, Ibidem, p. 82; sublinhados nossos.101 Para as alterações impostas na época do Estado Novo à toponímia da Guarda veja-se o

“Quadro 9 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a Nomes Comuns, 1974” e o “Quadro 10 – Listagem de topónimos organizados por categorias referentes a Nomes Próprios, 1974”,

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na senda do republicanismo anterior, em 1929 ainda se celebrava uma figura e uma causa maiores do republicanismo. Com efeito, em 1929 atribuía-se o topónimo Rua Augusto Gil102, que se referia a uma figura de sólidos e reconhecidos créditos republicanos mas que, apesar disso, era consensual na Guarda, pois celebrava um poeta de grande popularidade e de inegável projecção nacional. No mesmo ano de 1929 encarava-se a celebração dos Combatentes da Grande Guerra – uma das grandes causas da I República – que daria origem ao topónimo Esplanada dos Combatentes da Grande Guerra e, a seu tempo, ao monumento alusivo erguido no Jardim José de Lemos. A ideologização toponímica imposta pelo Estado Novo processa-se por várias vias, a começar pela consagração das figuras cimeiras do regime (Largo do Marechal Carmona e Bairro Salazar), mas também pela via da celebração de instituições de prestígio, como a Fundação Gulbenkian, que deu nome a uma rua já no final do regime, em 1973. Outra via da referida ideologização passa pelo nacionalismo, de que decorrem topónimos como Rua de Olivença ou Rua Heróis de Dadrá, que merecem reparo, pois ambos se prendem directamente com o território nacional, a sua defesa e a luta pela sua integridade, quer celebrando Olivença (decisão de 1960), quer os heróis que, em 1954, nos confins do Estado da Índia, defenderam Dadrá até à morte. Mas a ideologização toponímica do Estado Novo tem um cunho vincadamente historicista, registado na celebração de diversas figuras históricas. Esta celebração decorre dos “princípios orientadores da toponímia da cidade da Guarda” assumidos pela “primeira Comissão de Toponímia” da cidade, criada em 1950103. Com efeito, o terceiro daqueles princípios orientadores era “honrar os seguintes vultos históricos: que se impõem a todos os portugueses

também publicados por Maria José Santos Neto, Ob. Cit., p. 83 e p. 87, respectivamente.102 Idem, Ibidem, p. 82.103 Idem, Ibidem, p. 101

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e particularmente aqueles que, ou aqui nasceram ou aqui tiveram por qualquer motivo residência ou predomínio”104. Deste “princípio orientador” decorreram topónimos como Rua Alcaide Soeiro Viegas (antiga Rua da Bandeira), celebrando o Alcaide “que teria assinado o foral concedido por D. Sancho I”105, a que há que acrescentar o Alcaide Gil Cabral (um herói local da crise 1383-1385106), a Rainha Santa Isabel, Frei Pedro da Guarda (que deu o nome ao antigo Largo Dr. Sobral), o Mestre de Avis, consagrado com o seu nome numa rua em 1950, quando a Rua França Borges (jornalista republicano), que sucedera à Rua do Bonfim, deu lugar à Rua Mestre de Avis107. A este grupo deverão acrescentar-se os nomes do Infante D. Henrique (a Rua Heliodoro Salgado dos republicanos), de D. Afonso V, de Pedro Álvares Cabral, de João Pinto Ribeiro, de Ribeiro Sanches, ou os de Mouzinho da Silveira, Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro e mesmo o do Almirante Gago Coutinho e de Sacadura Cabral – praticamente todos eles promovidos durante a renovação toponímica de 1950. Em contrapartida, assiste-se a uma certa des-republicação toponímica como aquela que removeu a referência a Gomes Freire (substituído em 1939 pelo Dr. Santos Lucas, um notável da terra). Surgido de um famoso pronunciamento militar, não admira que o Estado Novo consagrasse toponimicamente regimentos militares: foi o que aconteceu na Guarda, em que se regista a Rua Batalhão de Caçadores 7 (regimento criado em 1939; consagração toponímica em 1962). Outra das vias pelas quais se manifesta a ideologização da toponímia da Guarda na época do Estado Novo passa pela sacralização, ou melhor, pela re-cristianização toponímica, que se afirma com a celebração de S. Francisco de Assis, S. João de Deus, S. Vicente de Paula,

104 Citado por Maria José Santos Neto, Ob. Cit, p. 101.105 Maria José Santos Neto, Ob. Cit, p. 84.106 Idem, Ibidem, p. 89.107 Idem, Ibidem, p. 76.

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topónimos atribuídos em 1950. Neste âmbito se insere a celebração dos dois últimos bispos da cidade, que deram origem aos topónimos Rua D. Manuel Vieira de Matos (celebrando o bispo da Guarda entre 1903 e 1914, “alvo das críticas e perseguições dos dirigentes republicanos locais”108 ; atribuição toponímica de 1953) e à Rua D. José Alves Matoso (tio-avô do historiador José Mattoso; Bispo da Guarda entre 1914 e 1940; celebração toponímica em 1952). A ideologização da toponímia do Estado Novo passou naturalmente pelo regresso à ordem e à tradição, manifestada explicitamente nos “princípios orientadores” definidos pela “Comissão de Toponímia” em 1950. Com efeito o primeiro daqueles princípios orientadores era “manter tanto quanto possível as designações tradicionais”109. Por isso, a Guarda do Estado Novo recupera topónimos tradicionais como o Largo do Espírito Santo (designado como Largo 1.º de Maio na I República), o Paço (ou Passo) do Biu; a Rua do Poço do Gado (posteriormente substituído por Travessa de S. Vicente) ou a Rua Direita, o mais popular e mais prestigiado de todos. Mas a ideologização toponímica do Estado Novo passa pela celebração de membros da actual casa real portuguesa, patente na recuperação do topónimo Rua D. Luís I (perdida novamente após o 25 de Abril, em nome do topónimo republicano “31 de Janeiro” para ser recuperada alguns anos depois) e na criação dos topónimos Rua, Travessa e Praceta do Duque de Bragança. O primeiro destes topónimos, atribuído em 1950, articula-se directamente com o topónimo Rainha D. Amélia, atribuído em 1951, após a morte da Rainha. São muito provavelmente o fruto toponímico de um eventual lobby monárquico da cidade, que devia ter uma forte influência entre os membros das vereações e do próprio Presidente da Câmara daqueles anos110.

108 Idem, Ibidem, p. 91.109 Citado em Idem, Ibidem, p. 101.110 De certo modo, estes topónimos coincidem com a tentativa de discussão da restauração da

Monarquia verificada nos anos 40 e no príncípio dos anos 50 do século XX. Recorde-se que a tentativa de restauração da Monarquia (verificada em 1951) tem como antecedentes episódios como o casamento, em

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A ideologização processa-se, enfim, mediante o recurso toponímico a figuras literárias da envergadura do Padre António Vieira, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, topónimos atribuídos em 1960111, a par do escritor local conhecido como Nuno de Montemor (decisão de 1964112 ) todos eles nomes de ruas.

1942, de D. Duarte Nuno de Bragança (1907-1976) e de D. Maria Francisca de Orléans e Bragança (1914-1968), “apadrinhado” por Salazar, assim conciliando para sempre os dois ramos – liberal e absolutista – da família real portuguesa. Deste casamento resultou o nascimento de D. Duarte Pio de Bragança em 1945, o actual Duque de Bragança, celebrado toponimicamente na Guarda em 1950, como vimos. Outro momento da afirmação da Monarquia está relacionado com a Rainha D. Amélia, que visita Portugal em 1945, a convite de Salazar e com a morte da rainha, em 1951. Outro episódio deste ciclo ocorrera em 1950, com a revogação, pela Assembleia Nacional, da Lei do Banimento, que afectava o Rei D. Miguel e os seus descendentes.

111 Maria José Santos Neto, Ob. Cit., p. 88.112 Idem, Ibidem, p. 88.

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4 – Considerações finais

Procurámos mostrar que a toponímia da Guarda e a sua evolução ao longo dos tempos é parte integrante da história da toponímia portuguesa e mesmo de muito da história da toponímia europeia ou ocidental. Nestes termos, o estudo da toponímia da Guarda beneficia e impõe um enquadramento geral que a transcende e que realce e sublinhe essa integração num imenso corpus toponímico, necessáriamente acima do local e do regional. Deve dizer-se, por outro lado, que o autor do presente estudo partilha com muitos estudiosos da toponímia, nomeadamente com os Coordenadores dos Fora sobre Toponímia, em boa hora promovidos pelo Instituto Politécnico da Guarda, os esforços para o reconhecimento da importância da toponímia, isto é, para o reconhecimento público, institucional e académico da premência do seu estudo em moldes científicos modernos. Paralela e consequentemente, o presente estudo visa também o reconhecimento indispensável do valor histórico – linguístico, político, cultural e social - da toponímia tradicional e o da necessidade da sua defesa, da sua conservação e, sempre que possível, da sua desejável restituição, enquanto forma extraordinariamente valiosa do património local imaterial. Com efeito, neste corpus integram-se as formas da toponímia mais arcaica, a que se refere o grande historiador Louis Réau, atrás citado, quando faz notar que

“Les noms pittoresques, parfois facétieux et en tout cas d’une savoureuse couleur locale des vieilles rues ont une saveur de terroir qui plaît aux flânneurs et aux touristes”113.

O reconhecimento da toponímia tradicional como património imaterial da comunidade a que pertence é uma urgência, pois a necessidade de defesa e conservação desse património, dado o seu valor identitário

113 Louis Réau, Ob. Cit., p. 243.

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único e dada a sua fragilidade essencial, é de uma premência cada vez maior, porquanto mantém especificidades e singularidades que urge identificar, proteger e conservar num mundo cada vez mais homogeneamente “formatado” sob os auspícios da globalização galopante em que vivemos. Também por isso, mais uma vez fazemos nossas as palavras do historiador Louis Réau, quando se refere à actualização escusada, inútil e absurda da toponímia local, promovida pelo que chama, com toda a graça cívica e intelectual gaulesa, de “béotisme édilitaire” - expressão cujo sentido nos abstemos de traduzir:

“C’est là sans doute un acte véniel de vandalisme: car il est heureusement facile de rétablir au coin d’une rue, d’ès que le vent a tourné, l’inscription du temps jadis. Disons que c’est une preuve de béotisme édilitaire”114.

Mas a toponímia e a história da sua evolução convocam necessariamente a análise da toponímia da Guarda, que ganha um sentido especial na perspectiva da sua ideologização, como procurámos mostrar. Com efeito, para lá de todas as outras suas virtualidades, esta perspectiva permite captar os fios, de outro modo quase imperceptíveis, das mais subtis dinâmicas políticas, sociais e culturais vividas na cidade, nomeadamente no seio das suas elites políticas, sociais e culturais. De facto, as decisões de baptismos e de rebaptismos toponímicos nunca são inocentes, pelo que estas decisões, no tempo histórico em que se tomam, permitem restituir com bastante finura as conjunturas históricas vividas em cada momento, no tempo curto que fatalmente é quase sempre o da decisão político-administrativa autárquica. Face ao tempo longo da toponímia tradicional, orgânica e funcional, de origem medieval, afirma-se a premência de um tempo curto que é aquele em que se exerce a ideologização da toponímia e o da construção, mas também o da desconstrução da memória colectiva,

114 Idem, Ibidem, p. 243.

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que se vive, conjuntura a conjuntura, no cenário urbano da pólis. A evolução da toponímia da Guarda dos últimos 140 ou 150 anos, feita inevitavelmente sob o signo da sua ideologização, mostra bem o quão efémeras e quão voláteis podem ser as referências toponímicas impostas sob o impacto de personalidades mais ou menos carismáticas e sob o calor de acontecimentos e dos impulsos patrióticos ou sentimentais mais diversos. Mostra também o quão cheio de ensinamentos – porquanto nos faz entrar no mais íntimo das mentalidades em presença - pode ser este quase frenético bailado toponímico pelo qual o simpático e quase institucional topónimo Rua D. Luís I dos tempos felizes da Monarquia Constitucional pode transformar-se numa aguerrida proclamação de republicanismo quando travestido em Rua 31 de Janeiro. E que ensinamentos se não retiram da recuperação do topónimo original na Guarda do Estado Novo, bem como da sua remoção pelas vereações do Pós-25 de Abril, quando se recupera o topónimo Rua 31 de Janeiro, que então há-de ter reganhado um inegável conteúdo revolucionário! E como foi premonitória, já há alguns anos, a remoção deste topónimo de tantas tradições republicanas, às mãos de vereações do mesmo partido político que o recuperara numa conjuntara pós ou para-revolucionária! Com efeito, a última remoção egitaniense do 31 de Janeiro mostra-nos como são efémeras tantas das datas, dos acontecimentos e dos valores que nelas celebramos. Com efeito, no momento da última remoção do topónimo 31 de Janeiro quem é que, na cidade ou nas suas elites, sabia ou assumia o significado ou o simbolismo desta data outrora heróica? Esta ignorância – ou melhor – este esquecimento, fatal ou induzido, vai-se insinuando inevitável e fatalmente, sob o signo fatal do esquecimento que, em conluio com a ignorância, vai apagando, pouco a pouco, os valores de um tempo que já lá vai. Afinal, o apagamento do 31 de Janeiro pelas autoridades locais da Guarda

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A toponímia, património imaterial das comunidades urbanas e sua ideologização

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foi apenas o prenúncio do recente apagamento da data muito mais consensual do 5 de Outubro da lista dos feriados nacionais, decidida num tempo, institucional e oficial, em que tanto se fala de cidadania…

Na volatilidade essencial em que se move, por definição, a toponímia do nosso tempo, ideologizada por definição, está afinal a marca da toponímia contemporânea, sempre em causa, sempre em mudança, sempre desenraizada e portanto sempre em construção e sempre em desconstrução. Afinal, este é o desígnio essencial de um corpus toponímico que, também por definição, temos que integrar na ampla e complexa categoria do património imaterial – porque a toponímia é parte integrante do complexo e riquíssimo património imaterial português e do egitaniense em particular.

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Augusto Moutinho BorgesVitor Roque

Palavras-Chave: Toponímia, Materiais, Formato, Suporte, Decoração

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Muito há para dizer sobre a toponímia existente no distrito da Guarda, restringindo-nos, no presente estudo, a um tema que potencia a forma dos materiais e da sua colocação ao longo dos eixos viários. É, precisamente, na confluência dos espaços urbanos que a toponímia se desenvolve, estando diretamente relacionada com todo o ecossistema humanizado e da luta constante entre a paisagem e o agreste clima. O distrito da Guarda é terra vasta, com a totalidade de 5 518 km2, atingindo uma área distante e com personalidade territorial, distribuída pelas regiões do Douro (Vila Nova de Foz Côa), Beira Interior Norte (Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Guarda, Manteigas, Meda, Pinhel, Sabugal e Trancoso), Dão-Lafões (Aguiar da Beira) e Serra da Estrela (Fornos de Algodres, Gouveia e Seia), abundante em granito, este servia de base para, durante séculos, se edificarem castelos, fortalezas, igrejas e múltiplas casas, para além de variados exemplos de arquitetura civil comunitários, como pontes, estradas e muros para divisões de propriedades. Pedra granítica abundante, não admira que também esta fosse utilizada para as aplicações toponímicas, variando o género e forma, uniformizada, no todo, na altura e nas letras identificativas do texto ou simples legendas. Não faz parte da nossa abordagem a origem toponímica dos eixos viários, nem o momento da sua atribuição, centrando-nos, como é mencionado no título, nos materiais toponímicos ao longo do distrito da Guarda, procurando desenvolver uma amostragem do género dos materiais, do formato e do suporte, desde o século XIX ao XX. Durante o inventário que realizamos percorremos extensa área geográfica, delimitando áreas de trabalho entre os proponentes1,

1 Augusto Moutinho Borges inventariou a parte norte e a região de Riba Côa, compreendendo a totalidade dos concelhos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Meda, Pinhel, Sabugal, Trancoso Vila Nova de Foz Côa. Vítor Roque inventariou os concelhos de Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Guarda, Gouveia, Manteigas e Seia. O levantamento desenvolveu-se entre outubro de 2012 e setembro de 2013.

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ficando os autores com um banco de imagens considerável, que permitiu posterior análise comparativa entre os espécimes. Como já referimos, não foi nossa preocupação a análise e estudo dos topónimos, mas realçamos que, em algumas situações, a importância do atributo toponímico influenciou o género da placa e seu modelo decorativo. A primeira constatação é que no distrito da Guarda não há uma uniformidade relativamente aos materiais, às medidas de cada placa e sua fixação, nem tão pouco às legendas e simetria das mesmas2. Depois de reunirmos as imagens, constatamos que não há grande diferença conceitual para a estética toponímica, não sendo o distrito da Guarda diferente da realidade nacional. Há exemplos de “modas” decorativas, como as placas pintadas diretamente nas paredes de forma oval ou retangulares3, com variantes nos cantos ou no acentuar da bordadura para definição do espaço profano (exterior) do campo sagrado (interior), onde se pintou a legenda, diferenciando-se assim a placa toponímica do simples grafiti. A nossa análise recaiu sob dois aspetos de investigação, que percorrem a totalidade do inventário realizado, podendo haver algumas variantes específicas em algum aspeto muito particular, mas que não ultrapassam o que apresentamos: 1º. A placa, materiais utilizados, modelos, cor, formas de fixação e localização. 2º. Conteúdos, tipo de letra, texto, referências toponímicas, abreviatura e design. Nesta abordagem ao tema, sobre a toponímia no distrito da Guarda, há três momentos para a sua colocação nos eixos viários, de forma a identificar os lugares constitutivos dos centros urbanos, sendo o primeiro durante todo o século XIX, seguindo o exemplo da

2 BORGES, Augusto Moutinho, “Toponímia dos Edifícios Religiosos”. In: O Esplendor da Austeridade, Mil Anos de Empreendedorismo das Ordens e Congregações em Portugal: Arte, Cultura e Solidariedade. Lisboa: Imprensa-Nacional Casa da Moeda, 2011, pp. 631-632.

3 BORGES, Augusto Moutinho, “Toponímia de Almeida – 1760/1997”. In: Revista Altitude. Guarda: Assembleia Distrital da Guarda, n.º 2, 1997, pp. 17-43.

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capital, com pintura diretamente aplicada nas frontarias dos imóveis. Eram placas retangulares, quadradas ou ovais, podendo as placas de ângulos retos terem pequenas variantes decorativas, como os cantos recortados. De fundo negro e letras brancas, como na cidade de Pinhel, ou fundo ocre, com bordadura e letras a negro, vestígios que ainda se podem ver na Praça e Vila de Almeida4, reforçados com repintes ao longo dos anos, de forma a perpetuar a identificação para a qual foram criadas. O segundo momento data já do século XX, onde em meados da mudança de regime político, da monarquia para a república, em 1910, se rebatizaram espaços mundanos das cidades e vilas, com atributos a Praças da República, com placas onde se evidenciam as novas legendas. Também nos anos 40 desse século se desenvolveu um profundo sentido nacionalista, apelando-se à identidade lusíada dos tempos passados, colocando-se placas toponímicas em metal, azulejo e mármore, com novos topónimos atribuídos aos eixos viários, nomeadamente à afirmação de Portugal no mundo, com evocações aos combatentes da Grande Guerra (1914-1918), a atos heroicos das explorações do continente africano, com incidência para Serpa Pinto (1846-1900), Hermenegildo Capelo (1841-1917) e Roberto Ivans (1850-1898) e das viagens aéreas na génese da aviação realizadas entre a europa e outros continentes, como Gago Coutinho (1869-1959) e Sacadura Cabral (1881-1924). Coincidentes com a colocação destas placas toponímicas, desenvolveu-se em Portugal um gosto eclético incidente com um racionalismo depurado, motivo pelo qual muitas destas placas tiveram um tratamento diferenciado do comum, onde sobressaem já formas de design bem definido, com letras douradas e brochos para fixação das placas, em vez das simples pinturas habitualmente usadas.

4 BORGES, Augusto Moutinho, “Miguel Luís Jacob, um Engenheiro Militar na Praça de Almeida, 1759-1771”. In: Actas I Jornadas de Memória Militar. Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar, 2009, pp. 247-301.

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Procurava-se assim dignificar, como se de monumentos se tratassem, esta nova tipologia de exaltação, próximo que estávamos de toda uma política estatal para comemorar a Exposição do Mundo Português, em 1940, coincidente com uma série de centenários5 de apologia do chamado Império Português. No distrito da Guarda esta efeméride teve o seu culminar com figuras de forte culto local, nomeadamente com D.Dinis (1261-1325) e D. Isabel (1271-1336), que casaram em Trancoso em 26 de junho de 1282, e que consolidaram o território nacional, pelo Tratado de Alcanices em 12966. Facilmente encontramos designações na esfera bélica, de influência militar local, ou não estivéssemos sob influência geográfica de inúmeros conflitos entre os reinos peninsulares, com incidência para os concelhos de Riba Côa e os da linha defensiva da raia até à Serra da Estrela. Por tal motivo os monarcas diversas vezes estabeleceram a sua corte na região, motivo pelo qual encontramos diversos topónimos diretamente relacionados com as suas figuras reais. Se os motivos são variados, com origens diversos na génese para a atribuição toponímica, as formas para a sua identificação não obedecem a uma uniformização, mas que, conceitualmente, todo o transeunte consegue identificar o eixo viário, com o atributo toponímico que se inscreve na placa informativa. Percorrendo o distrito da Guarda, podemos imaginar as variedades locais, regionais e nacionais, constatando que a toponímia e as placas toponímicas são permanentes / fixas e estáticas quanto à forma, mas constantes e variáveis no tempo, aos momentos caracterizantes das localidades, flexíveis a períodos médios e longos da história local, regional, nacional e internacional7 , mas também a fatores económicos e ao gosto dos

5 1146 – Início formal do reino de Portugal; 1640 – Restauração da Casa de Bragança como reis de Portugal.

6 BORGES, Augusto Moutinho, “D. Dinis e D. Isabel na toponímia nacional: Memória, Culto e Devoção”. In: Congresso Internacional D. Diniz 750 Anos do seu Nascimento. Lisboa: Câmara Municipal de Odivelas (no prelo).

7 BORGES, Augusto Moutinho, “Toponímia nas Centúrias de Amato Lusitano”. In: XXV

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decisores políticos e dos encomendadores. No inventário que desenvolvemos, encontramos diversas placas toponímicas em diversos materiais, assim como ainda detetámos alguns eixos viários sem qualquer identificação, mas que localmente têm uma designação reconhecida pela população. Isto é, ainda não foi considerado o momento próprio para a sua identificação pública, razão que se prende, muitas vezes, com a vontade política ou dos seus residentes. Detetámos topónimos ancestrais, principalmente os de caráter militar8 e religiosos9, com predominância para as designações dos castelos e das muralhas e, integrados na estrutura defensiva, das portas magistrais, das igrejas fortaleza, entre outros de função mais restritiva. Como elementos marcantes para a atribuição toponímica, os grandes edifícios10 constituem elemento chave, de censo comum, para serem facilmente reconhecidos por todos os residentes e passantes, não sendo de estranhar que também na região estes tenham sido escolhidos para identificarem locais, afirmando-se no terreno e paisagem, como atributos perenes no tempo. Tanto são de caráter militar, como já referimos (Rua do Castelo, Rua das Muralhas, Rua Portas de D. Dinis,…), como de caráter religioso (Rua do Convento, Rua da Misericórdia, Rua da Igreja,…), como as variantes atribuídas a todo os eixos viários, desde Praça, Terreiro, Rossio, Largo, Rua, Calçada, Travessa, Viela, Beco e Escadinhas. Jornadas de História da Medicina da Beira Interior “500 anos da Morte a Amatus Lusitanus”. Castelo Branco: Revista de Cultura, 2012, pp. 129-133.

8 BORGES, Augusto Moutinho, “S. Francisco e St.º António na toponímia e arquitectura militar em Portugal”. In: III Congresso Internacional do Franciscanismo. Madrid: Associación Hispânica de Estúdios Franciscanismo, 2009, pp. 411-422.

9 BORGES, Augusto Moutinho, “O Exército português e a iconografia religiosa, toponímia, Santos Patronos, Irmandades, Confrarias e Capelas”. In: Actas XV Colóquio de História: Militar Portugal Militar. Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar, 2 vol., 2006, pp. 727-753.

10 BORGES, Augusto Moutinho, “Museus e Toponímia”. In: O Esplendor da Austeridade, Mil Anos de Empreendedorismo das Ordens e Congregações em Portugal: Arte, Cultura e Solidariedade. Lisboa: Imprensa-Nacional Casa da Moeda, 2011, pp. 629-630.

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Estas designações são passíveis de serem encontradas em todo o distrito, com maior ou menos intensidade devido à extensão do centro urbano, sem concluirmos sobre especificidades temáticas, salientando que não há uniformidade nas designações nem verdadeiro conhecimentos dos atributos às artérias. No passado, havia maior consciência dos nomes urbanos, sendo os topónimos mais corretos a dar aos eixos do que atualmente, onde a terreiros e largos se passaram a chamar praças, a simples ruas se chamam avenidas e as ruelas se elevaram a ruas.

Os Materiais

Identificámos uma grande variedade de materiais de suporte à toponímia, sendo os mais recuados pintados. Em alguns casos os nomes já desapareceram por causa da agressão climatérica, onde a má qualidade dos materiais não resistiu ao tempo deixando, no entanto, antever o campo pintado, salientando-se nos cunhais dos imóveis a coloração negra ou branca com bordadura como resquícios toponímicos. A pedra mármore, branco ou escuro, o granito, o metal esmaltado, simples ou pintado, os azulejos, o acrílico e o plástico rijo são os materiais mais utilizados, podendo haver outros géneros como o zinco, constituem-se como o grupo genérico mais utilizado. Na cidade de Seia e em algumas freguesias do concelho, há diversas placas de metal, da década de 1940, pintadas, de forma a imitarem azulejo, emprestando aos eixos viários elementos decorativos diferentes do habitual para a região. No concelho de Pinhel e de Gouveia colocaram-se, na década de 2000, nas placas em acrílico e metal, réplicas das placas pintadas da cidade, colocando-se a heráldica das freguesias. Esta moda não é exclusiva desta região mas extensiva a diversas freguesias de todo o distrito.

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Figura 1: Almeida, placa pintada diretamente na parede

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Figura 2: Seia, chapa pintada a imitar azulejo

Figura 3: Vila Franca das Naves, letras gravadas e pintadas

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As Legendas

Os tipos de placas que inventariamos são três: 1 – Placa com legenda toda em maiúsculas;2 – Placa com legenda toda em minúsculas;3 – Placa com legenda mista, com maiúsculas e minúsculas.

Fazendo parte das legendas são as letras constitutivas da inscrição, podendo ser pintadas diretamente nas paredes, havendo placas de metal e zinco gravadas e/ou aplicadas na pedra, impressas diretamente nas placas de acrílico, havendo também letras e pontuação de metal aplicadas nas placas de pedra.

Figura 4: Pínzio, letras maiúsculas e minúsculas

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A fixação e localização

Encontramos diversas formas de fixação, sendo a mais comum a utilização dos cunhais para suporte toponímico, quer sejam as placas pintadas, quer as placas apicadas, independentemente dos materiais. Nestes últimos casos são, normalmente, aparafusadas, podendo ser com modelos rasos ou brochos salientes, com cabeça em forma de cravos. Quando não há paredes de suporte, as placas são, recentemente, colocadas em muros, quer baixos ou altos, ou, em falta de estes, em postaletes. As alturas são variáveis, embora haja normas específicas para a sua colocação mas que, constatamos, nem sempre são compridas. Em alguns centros urbanos encontramos exemplos de sobreposição de placas toponímicas, como em Almeida, Gouveia, Pinhel e Trancoso, nuns casos bem sucedido, enquanto noutros com dimensão estética duvidosa. Pelo exposto, houve, muitas vezes, alterações das placas identificativas, pois houve necessidade de se alterarem os topónimos, não havendo cuidado estético na alteração das mesmas. Detetámos sobreposições sem critério, desvirtuando as placas e modelos existentes. Algumas com erros ortográficos, outras sem indicação dos topónimos anteriores, outras com demasiadas abreviaturas. Também no mesmo eixo variantes de placas sobre o mesmo topónimo com materiais diferentes e, caso mais anómalo, publicidade nas próprias placas às empresas responsáveis pela colocação da toponímia.

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Figura 5: Celorico da Beira, suporte de placa toponímica

Figura 6: Pinhel, sobreposição de placas toponímicas

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Estudo de caso, toponímia alusiva a D. Dinis e D.Isabel no distrito da Guarda

Os monarcas portugueses, casal régio descendentes das ilustres Casas Peninsulares de Portugal e de Aragão, D. Dinis e D. Isabel, são, por comparação com outros levantamentos régios realizados no âmbito deste estudo, os segundos11 monarcas que estão mais referenciados na toponímia nacional. De norte a sul do território português encontramos topónimos alusivos ao casal real que, pela sua forte dinâmica e personalidade, tiveram, entre outras atividades, um papel interventivo na definição geográfica do reino12. Foi precisamente durante a sua governação que Portugal viu estruturada e delimitada a sua fronteira que, salvo uma rara exceção13, perdura, desde 1297, até ao presente. O pensamento estratégico d’El-rei Dinis levou-o a circular por quase todo o território, com incidência no eixo litoral sem, contudo, as fontes documentais deixarem de referenciar a sua passagem e permanência pela e ao longo de toda a raia14. Bem estratificadas estão as diversas obras de intervenção em inúmeros castelos, definindo áreas de defesa nacional, baseadas numa estratégia geográfica que dificultavam o acesso ao centro do reino português. Desde esses momentos que o nosso rei impregnou o território com alusões ao seu nome, como iremos referir ao longo do texto. Esta nossa análise remete-nos para a representação direta da toponímia sobre o casal real em análise, quer individualizados, quer

11 O topónimo régio mais referenciado em Portugal é o de D. Afonso Henriques, num total de 217 topónimos. D. Dinis apresenta-se com 198 topónimos e D. Isabel com 162 topónimos.

12 Referimo-nos ao Tratado de Alcanices, celebrando em 1297. Sobre o tema vide CRUZ, Manuel Braga da, O Tratado de Alcanices e a importância histórica das terras de Riba Côa. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1998.

13 Referimo-nos, concretamente, à Praça de Olivença, no Alentejo.14 GOMES, Rita Costa, Castelos da Raia. Lisboa: IPPAR, 3 vol., 1996.

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em conjunto, mas também de forma indireta, podendo haver alguma alusão aos seus nomes relacionados com nomes de santos. Damos como exemplo o caso do Castelo de S. Dinis, em Almeida, que obteve este topónimo depois da passagem da localidade para território nacional após a assinatura do, já mencionado, Tratado de Alcanices, e o Mosteiro de S. Dinis e São Bernardo de Odivelas, em Odivelas, fundado pelo rei em 1295, ou a algum aspeto da sua governação, como Rua Tratado de Alcanices, em Bragança, assim como à sua intervenção na defesa do reino, referindo a Rua Muralhas de Dom Dinis, em Portalegre, Portas d’El-rei D. Dinis, em Castelo Bom, ou Arco de D. Dinis (também referenciadas como Portas da Vila), em Vila Flor.

Figura 7: Trancoso, Largo Portas d’El-rei D. Dinis

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Em muitas localidades portuguesas há referências ao casal real pela sua presença em determinado momento da sua vida, que para sempre marcaram a história dos espaços urbanos, desde o seu casamento, realizado em Trancoso, ou onde residiram, como em Leiria ou Estremoz. A toponímia relacionada com o casal real pode ser analisada sob dois aspetos distintos: 1 - Com os atos da governação, acentuação e afirmação do poder real face às Casas titulares nacionais e peninsulares, envolvendo aspetos diferenciados que vão desde a componente urbana, arquitetura, militar, centros assistenciais, restauração e hotelaria, e 2 - À temática religiosa, alusiva em exclusividade à Rainha Santa Isabel, beatificada em 1516 e canonizada em 162515. As designações toponímicas dos monarcas foram, em alguns casos, sobrepostas a outras mais antigas perdendo-se, por vezes, essas referências primitivas com prioridade para as atuais. Damos como exemplo a Praça Rainha Santa Isabel, em Alfaiates, anteriormente designado, simplesmente, por Terreiro. No entanto casos há em que os topónimos atuais ainda são de origem, com especial incidência para os do séc. XX, mais especificamente relacionados coma década de 1940. Foi nessa altura que se comemoraram em Portugal a afirmação dos valores da identidade e apologética nacional, seguindo um esquema propagandístico baseado no culto dos heróis de proveniência lusa, entre os quais realçavam os Santos Portugueses e os heróis da saga da identidade lusíada16.

15 VASCONCELOS, António de, Dona Isabel de Aragão (a Rainha Santa). Maia: Universidade de Coimbra, 2 vol., 1993.

16 Comissão Nacional dos Centenários; 1938-1940, in Arquivo Nacional Torre do Tombo. De acordo com o Decreto-Lei nº 29:087, a Comissão Nacional dividia-se em sete secções: Exposição do Mundo Português, Exposições de Arte, Congressos festas e espetáculos, Manifestações cívicas, históricas e religiosas, Turismo, Propaganda e Recepção. Entre os eventos principais do programa oficial dos Centenários referimos a Exposição do Mundo Português, a Exposição Cartográfica, a Exposição Bibliográfica da Restauração, a inauguração do Museu da Restauração, o Congresso do Mundo

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Enquadram-se, neste contexto, as personagens régias que agora analisamos, com enfática referência a Santa Isabel de Portugal, integrada no conjunto de Santos portugueses17, tão do agrado toponímico nacional e que o Estado Novo (1928-1974) propagandeou para consolidação ideológico do regime. A par da toponímia destacamos a proliferação da imagética escultórica que se espalhou ao longo do território, nomeadamente em locais emblemáticos relacionados com a Santa personagem, com destaque para Coimbra e para Estremoz. Foram obras públicas que se ergueram e inauguraram em diversos materiais, de forma a perpetuar a Rainha Santa. As esculturas em polos urbanos são, entre outros e para a Rainha, em Coimbra18, Estremoz e Odivelas. O rei D. Dinis também tem a sua representação escultórica em Coimbra e para o casal real destacamos as magníficas obras existentes em S. Pedro de Moel e, mais recentemente, em Trancoso. O inventário toponímico que apresentamos foi efetuado em Portugal, alargando-se ao Brasil, e abrange, para D. Dinis, os seguintes eixos viários: Praças, Pracetas, Largos, Terreiros, Avenidas, Ruas, Travessas e Becos, não havendo referências a Ruelas, Vielas e Calçadas. Há uma atribuição a uma Ponte, enquanto para a Rainha Santa, além dos eixos viários existentes para o Rei, acrescenta-se a referência a Calçadas. A toponímia referente ao monarca não se circunscreve exclusivamente aos eixos viários. Surge também na arquitetura militar, com grande afirmação na arquitetura militar medieval. Damos como exemplo a designação Portas de D. Dinis à porta principal das muralhas

Português, o Congresso das Ciências da População, o Congresso da Imprensa Latina. O programa oficial das Comemorações Nacionais de 1940, tinha como objetivo constituir uma “síntese da civilização portuguesa”, que foi dividido em três épocas: Medieval, Imperial e Brigantina.

17 BORGES, Augusto Moutinho, Santos Portugueses. In O Esplendor da Austeridade: Mil Anos de Empreendedorismo das Ordens e Congregações em Portugal: Arte, Cultura e Solidariedade. Lisboa: INCM, pp. 480-481.

18 A Rainha Santa Isabel é Padroeira de Coimbra.

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Materiais, formato e suporte da toponímia no distrito da Guarda

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da vila de Trancoso, ao Arco de D. Dinis, em Vila Flor ou à Rua Muralhas de D. Dinis, em Borba. A toponímia referente à Rainha é, em termos comparativos, de maior amplitude, com exceção, naturalmente, da orbita militar. À sua régia figura junta-se a santificada personagem, a qual é, no presente, das mais evocadas em território nacional. De seu esposo não há referências quanto a ser patrono de nenhum espaço urbano, como acontece com a cidade de Coimbra que está invocada à Rainha Santa. Relativamente aos materiais estes têm diversos suportes, que vão desde a pedra (granito, mármore), até ao azulejo. No presente não conhecemos nenhuma toponímia pintada. A sua colocação tanto é feita diretamente na parede dos imóveis ou em muros como aplicada num suporte vindo do chão. Vejamos a toponímia existente sobre D. Dinis e a Rainha Santa Isabel, ou Santa Isabel, no distrito da Guarda: Rei D. Dinis - Eixos viários; Praça D. Dinis, em Trancoso. Largo D. Dinis, em Trancoso. Rua D. Dinis, na Guarda, em Sabugal. Beco D. Dinis, na Guarda. Arquitetura; Muralha de D. Dinis, em Almeida. Hotelaria; Hospedaria D. Dinis, em Vila Nova de Foz Côa. Inspiração religiosa; Castelo de S. Dinis, em Almeida. Restauração; Restaurante D. Dinis, na Guarda. Rainha Santa Isabel - Eixos Viários; Praça Rainha Santa Isabel, em Alfaiates. Travessa Santa Isabel, em Sabugal. Em conclusão, a toponímia e alusões aos nomes dos Reis de Portugal, D. Dinis e D. Isabel, encontram-se em diversas áreas do tecido urbano nacional, nomeadamente no distrito da Guarda, quer estes sejam do domínio público, quer do privado. Pela análise comparativa com os topónimos de outros monarcas nacionais o casal real que estudamos é, no distrito, quem tem mais nomes atribuídos aos eixos viários escalonados, havendo também referências aos monarcas D. Afonso Henriques (1109-1185),

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em Seia, D. Sancho I (1154-1211), na Guarda, D. Manuel I (1469-1521), em Sabugal, Seia, e D. Amélia (1865-1951), na Guarda.

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RESUMO A presente comunicação pretende contribuir, através de uma observação atenta e de uma consentânea reflexão, para o reconhecimento da importância da identidade da cidade através da toponímia e para a ligação com a geografia urbana, analisando de que forma a distribuição, localização, visibilidade, importância sociológica e económica das ruas, praças, travessas interagem com os topónimos adotados.A tomada de consciência, a crítica e a intervenção atenta e construtiva, em benefício do nosso espaço urbano e da nossa história, são um dever cívico, não só de investigadores e historiadores, enquanto sujeitos sociais comprometidos com a história e com o conhecimento, mas também de todos os membros da comunidade. Estes, ao assumirem esta consciência, tornam-se parceiros dos investigadores, operando, em conjunto, processos educativos e participativos mas, sobretudo, fortalecedores da identidade da cidade e da cidadania coletiva.Nesta reflexão, serão particularmente analisados os topónimos femininos.

Dulce Helena Borges

Palavras-chave: toponímia, memória social, topónimos femininos

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A comunicação que há um ano apresentei no 1º Fórusobre Toponímia, sob o título “As Servas de Jesus na toponímia da Guarda” pretendeu fazer uma abordagem à toponímia no feminino na Guarda, elencando as personalidades homenageadas e traçando o seu percurso profissional e âmbito de ação. Desse estudo resultou a evidência da obra realizada, no campo religioso, social, assistencial e também político pelas cinco mulheres então destacadas: Palmira Diniz da Fonseca, Maria Luísa Godinho, Maria das Dores Sampaio, Maria José Lucas e Madre Penha1. Relembra-se que a comunicação apresentada apenas dizia respeito a personalidades femininas que desenvolveram uma ação de matriz profundamente religiosa e, sobretudo, de recuperação e renascimento da Igreja quer antes quer após o fim do regime republicano implantado em 5 de Outubro de 1910. Divulgar esta plêiade de mulheres, recordando e evidenciando a ação por elas desenvolvida, primeiro localmente, alargada depois ao País e ao mundo, foi também uma descoberta e um orgulho pessoal enquanto mulher e cidadã desta cidade. Além destas cinco personalidades femininas, a cidade homenageia ainda mais oito mulheres, não se incluindo aqui os topónimos de caráter religioso. Porém, o percurso de vida e o desempenho da maioria destas figuras femininas não teve a ver com a cidade de forma tão destacada como o das personalidades que anteriormente referi2.

1 Maria Luísa Godinho, Maria das Dores Sampaio, Palmira Diniz da Fonseca foram personalidades com uma ampla visão social e assistencial que deram corpo à Liga dos Servos de Jesus e ao desenvolvimento de todas as suas valências, nomeadamente, o Centro da Assistência Social, Escola dos Gaiatos e Outeiro de S. Miguel. Também Maria José Lucas e Madre Penha dedicaram as suas vidas às causas assistenciais. A primeira fundando a Obra de Santa Zita e a segunda desenvolvendo importante ação no Asilo mais tarde designado Casa da Sagrada Família na Guarda.

2 Rainha D. Amélia – Fundadora da ANT e do Sanatório Sousa Martins: Prof. Laurentina Borges Abrantes – 1ª Prof. da Escola Primária da Sequeira. Contribuiu financeiramente para a construção do primeiro edifício escolar; Carolina Beatriz Ângelo – Médica, feminista, pacifista, maçon, primeira sufragista em Portugal e em toda a Europa do Sul. Nasceu na Guarda em 1878; Amélia Rey

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Como é sabido, a construção da memória coletiva e da identidade local é feita também, e de forma muito consistente, através da toponímia. Por sua vez, são as várias memórias coletivas e as diferentes identidades locais e regionais que conformam a identidade nacional.

Figura 1: Distribuição dos topónimos femininos na área urbana da Guarda.Fonte: Ortofotomapa, 2007, Instituto Geográfico Português

Se há acontecimentos de cariz nacional que pela sua importância, significado ou dimensão merecem ser singularizados Colaço- Atriz, encenadora, empresária. Esteve na Guarda em 1930 e em 1953 no desempenho da sua vida artística; Fernanda Ribeiro – Atleta, medalha de ouro nos jogos olímpicos de Atlanta em 1996; Madame Curie – Cientista, estudou a radioatividade. Conheceu as propriedades do minério da Guarda. Foi membro correspondente da Academia de Ciências de Portugal.

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através da toponímia e, por isso, transversais ao País e com um caráter irreversível, outros há que, embora de importância nacional, não deveriam ser pulverizados pelo País. Na minha modesta opinião, existindo acontecimentos históricos, religiosos, políticos, realidades de caráter antropológico e personalidades de âmbito local, deveriam estes ser mais merecedores dessa evocação, dessa homenagem, dessa perpetuação em detrimento daqueles. Assim, defendo que as marcas de identidade local deveriam, em termos toponímicos, ser privilegiadas em relação a muitas outras de dimensão nacional. Por esta razão, julgo ser muito importante o papel e a ação das comissões de toponímia, enquanto organismos de caráter consultivo, constituídos por personalidades de mérito e com conhecimentos profundos e competência para a emissão de pareceres sobre a atribuição de nomes para espaços públicos. Estas comissões devem ter a sua missão e os seus valores perfeitamente definidos de forma a serem uma defesa contra as alterações conjunturais decorrentes dos regimes políticos e da imposição de ideologias. Na atribuição de antropónimos seria desejável que o ato fosse não só evocativo mas também de consagração, reconhecimento e homenagem. Assim, importa refletir sobre o ato e a forma como é feita a atribuição do nome de uma personalidade a uma via ou a um lugar. É desejável que tal acontecimento perpetue na história da cidade a personalidade evocada e, simultaneamente a religue, sempre que possível, ao espaço físico onde desenvolveu a sua obra ou onde a sua ação se fez sentir. Este princípio é cumprido na Guarda, no que a topónimos femininos diz respeito, por exemplo na Rua Maria das Dores Sampaio, onde se localiza o Centro de Assistência Social. A geografia urbana e a relação que a mesma estabelece com a toponímia contribuem para a identidade da cidade. Esta, tal como as pessoas, “possui uma memória, neste caso coletiva, a qual constitui uma parte essencial da sua individualidade como grupo e cuja perda poderá ocasionar grandes perturbações”.

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Esta memória coletiva constitui-se e cito novamente Teresa Barata Salgueiro como “um quadro de referências, que em muito contribui para o equilíbrio psicológico da comunidade, ajudando a criar resistências a certas mudanças que bastas vezes se prefiguram nos nossos espaços urbanos”. Sendo a toponímia testemunho vivo, sobretudo, de épocas passadas, de pessoas, de acontecimentos e de usos, sendo expressão de cultura e um dos fundamentos da identidade do grupo social então é, ainda e também, um vetor essencial para, como nos diz a autora supra citada “ combater os perigos da homogeneização e despersonalização que caracterizam a civilização urbana”3. Na Guarda hodierna quantas pessoas conhecem os nossos topónimos? Quantas refletem sobre eles? Quantas se questionam sobre a falta de informação que a grande maioria das nossas placas toponímicas apresenta? É muito importante que se preserve a toponímia e que a mesma seja objeto de atenção. A mesma atenção que hoje se dá ao património histórico, cultural e paisagístico, pois todos constituem recursos de excelência que importa qualificar, valorizar, proteger e promover, com o objetivo de consolidar e desenvolver a atratividade territorial. É muito importante que se preserve a toponímia e que a mesma seja objeto de atenção. A mesma atenção que hoje se dá ao património histórico, cultural e paisagístico, pois todos constituem recursos de excelência que importa qualificar, valorizar, proteger e promover, com o objetivo de consolidar e desenvolver a atratividade territorial. Todos estes elementos são testemunhos vivos e preciosos do passado porque a vida de uma cidade é um acontecimento contínuo, que se declara ao longo dos tempos e lhe confere a sua própria personalidade e a sua alma.

3 Teresa Barata Salgueiro, A Cidade em Portugal, uma geografia urbana, Edições Afrontamento,1992,p.388

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A atribuição de um antropónimo a uma via ou a um espaço, com claro objetivo de homenagear e honrar determinada personalidade, só faz sentido se houver um uso dessa denominação. O uso, que se deseja quotidiano, possibilita que os nomes dos agraciados sejam usados na correspondência postal, na publicidade, na imprensa, na internet, nas listas telefónicas, enfim, em tudo o que passa a integrar o quotidiano da comunidade.

Figura2: Antropónimos femininos sua relação com a cidade e uso quotidiano

A ausência desta situação, ou seja, a falta do uso quotidiano, verifica-se em vias que por diversas razões nunca serão urbanizáveis, no sentido de que nunca virão a ter construções habitacionais, equipamentos públicos, comércio ou indústrias. Pela importância das personalidades evocadas são evidentes os exemplos desta ocorrência na cidade da Guarda, nomeadamente, com as Ruas Maria Luísa Godinho, Zeca Afonso e Capitão Pessoa entre muitas outras.

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Figura 3: Rua Maria Luisa Godinho a qual, na sua maior extensão, nunca terá uso público por se encontar ladeada por terrenos não edificáveis.

Figura 4: Travessa Maria Luisa Godinho a qual, na sua maior extensão, nunca terá uso público por se encontar ladeada por terrenos não edificáveis.

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Esta circunstância pode levar ao desaparecimento e consequente esquecimento de determinadas personalidades, tal como aconteceu com os antropónimos António Marques dos Santos e Pe. Carlos da Paixão Borrego, pessoas ligadas ao poder municipal, antes da implantação da república e que a cidade, curiosamente em pleno governo republicano, decidiu homenagear em agradecimento pelo grande contributo dado no desenvolvimento da cidade, como nos relata Maria José Neto na sua tese sobre toponímia da cidade da Guarda4. Ao ocorrer esta situação perde-se, naturalmente, o propósito que esteve subjacente ao ato de atribuição de um topónimo, ou seja o efeito de homenagem e a intenção de perpetuar a memória histórica, como aconteceu, também, com o topónimo (Largo) Dr. Sobral5. Como é sabido, ao longo dos tempos, sempre que houve alterações políticas, ocorreram de imediato mudanças de topónimos, retirando-se nomes dos heróis do regime anterior, substituindo-os pelos protagonistas do novo regime. Esta situação, que de certo modo somos obrigados a compreender e a aceitar, pela exaltação própria do momento de viragem política, tende, felizmente, a ocorrer com menor frequência nos dias de hoje. É por isso que é tão importante deixar o tempo trabalhar para que este acrescente sentido às coisas. Houve porém, e ainda hoje continua a haver, situações que se considera serem merecedoras de alguma reflexão pois, a sua introdução na toponímia da cidade e consequentemente na sua memória histórica pode revelar algum desajuste. Damos, como exemplo, a situação ocorrida em 1960, ano em que a Câmara Municipal da Guarda, anuindo ao pedido de um

4 Maria José Santos Neto, A Toponímia da cidade da Guarda e a Construção da memória Pública no século XX, 2011,p.81, texto policopiado.

5 Francisco Maria de Barros Vasconcelos da Cruz Sobral foi médico-cirurgião no Regimento de Infantaria 12 e desenvolveu meritória ação na luta contra epidemias na cidade da Guarda e em Manteigas. A sua história de vida pessoal e profissional está intimamente ligada à cidade e mesmo assim o seu topónimo desapareceu há alguns anos.

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grupo de defensores da causa de Olivença, decidiu substituir a antiga designação de Rua Moinho do Vento por Rua de Olivença. O antigo topónimo reportava-nos para uma identidade local, concretamente para um equipamento de caráter económico e social, pois identificava a existência, no local, de um moinho de vento. Hoje em dia, a referência permanece apenas na linguagem verbal e popular, sendo vulgar ouvir expressões como “bairro do moinho de vento” ou “zona do moinho de vento”. A partir da década de 80 verificou-se um grande crescimento da cidade da Guarda. Por este facto, começaram a surgir novas urbanizações e consequentemente novas ruas, travessas e praças. É a partir deste período que a toponímia da cidade passou a registar, com mais frequência, nomes próprios de personalidades ligadas à história da cidade da Guarda. A prática de atribuir nomes a locais públicos levou a que estes ganhassem importância deixando de ser simples equipamentos utilizados pela população para passarem a ser monumentos enquanto memória pública. Como se sabe o monumento tem a função de reavivar, no caso dos antropónimos, a lembrança do desaparecido, afastando-o da possibilidade de esquecimento e tranquilizando-o no tempo. Procurou-se e procura-se com essa prática legitimar determinado passado homenageando aqueles que contribuíram para a história local, regional ou nacional. Jacques Le Goff6 , ao definir as origens filológicas da palavra monumento, afirmou que monumento é um sinal do passado, é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação. As ruas, as praças, as travessas, as avenidas são lugares de memória que permitem à comunidade testemunhar o seu próprio percurso. Esta medida aplicada depois da década referida foi, certamente, uma norma acertada. Com ela recuperámos nomes como os das

6 Jacques Le Goff, História e memória, ed. Unicamp,1994, p. 462

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mulheres que aqui evoquei mas também de homens como Monteiro da Fonseca, João de Oliveira Matos, Ladislau Patrício, Álvaro de Castro, Alberto Diniz da Fonseca, João José Baldi, entre muitos outros. Porém, em datas muito recentes, estranhamente foram atribuídos topónimos, alguns que nada têm a ver com a identidade local e outros de âmbito generalista. Assim, encontramos nomes de Rua Maria da Fonte, Rua Edgar Cardoso, Rua Coronel Melo Antunes, Rua Salgueiro Maia, Praceta Salgado Zenha ou ainda Rua dos Bons Amigos, Rua das Mais, das Flores, do Jasmim, de S. Benjamim, etc. Na extinta freguesia de S. Miguel, encontramos muitas destas discrepantes atribuições ficando de fora a homenagem a personalidades marcantes na história daquela zona da cidade como, e só para citar dois nomes a quem a cidade muito deve pela benemerência, Maria de Lurdes Mendonça, a “Lurdinhas da Estação”, e seu pai Eduardo da Costa Mendonça, ilustres beneméritos, solidários, altruístas e filantropos que, entre muitos outros benefícios concedidos à população, disponibilizaram durante décadas a capela particular da sua residência para uso da comunidade. Na pesquisa realizada para esta comunicação dei ainda conta da existência de outro tipo de discrepâncias: duas ruas com o nome de Rua Formosa, uma localizada na zona da Póvoa do Mileu e a outra na zona da estação. Também o antropónimo Palmira Diniz da Fonseca se encontra atribuído em duplicado, pese embora, em freguesias diferentes: uma na antiga freguesia da Sé outra na freguesia da Arrifana. O antropónimo rainha D. Amélia encontra-se também aliado a dois espaços. Também constatamos que a atribuição de grupos de topónimos é feita de forma desconexa. Assim, localizamos dois conjuntos de ruas, às quais foram dados os nomes das sedes dos concelhos do distrito da Guarda, com distintas e distantes localizações geográficas. Um conjunto situa-se no bairro N. Senhora dos Remédios e outro na zona do Mileu, existindo ainda a Rua Vila Nova de Foz Côa no

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bairro da Luz. Acontece que, entretanto, algumas vilas ascenderam ao estatuto de cidades, pelo que o topónimo se encontra atualmente incorreto. O arruamento junto da antiga fábrica Patrício e Balsemão, atualmente uma zona residencial, não tem placa identificativa. Sendo conhecido como Rua da Fábrica. O que resta deste equipamento industrial está devoluto e para o seu local estão, há vários anos, projetados equipamentos públicos nomeadamente o Museu da Água, da História de Portugal e edifícios de habitação, pelo que, a identificação, para fazer sentido, necessita de ser revista por forma a perpetuar a importância que a antiga fábrica Patrício e Balsemão teve há cem anos na economia e no desenvolvimento da cidade. Outra situação que consideramos pouco consentânea com a importância e significado da toponímia verifica-se com o topónimo Rua da Direção Geral de Viação, artéria que ladeia o parque Urbano do Rio Diz e termina na Etar de S. Miguel, atribuição feita pelo facto de nessa via estar instalado este serviço público. A ausência de dados sobre as personalidades distinguidas com a atribuição dos seus nomes a vias é uma constante. Damos, como exemplo, os casos da Rua Cândido Pimenta, lutador anti fascista, Jerónimo Brigas, artista plástico, Martinho Luiz, proprietário, lavrador e insigne benemérito, Álvaro de Castro, militar e político, Martinho Júlio da Costa, empresário, entre muitos outros. A história e o passado registado nas placas toponímicas só será consequente se as mesmas tiverem alguma informação complementar. Faltam ruas com nomes de personalidades cuja atuação na construção da nossa memória coletiva foi fundamental. Elenco apenas alguns: Ernesto Pereira, António Paes de Sande e Castro, Manuel Martins Manso, Osório da Gama e Castro, Arnaldo Bigotte, Gerardo José Batoreu, José Paulo Pereira, Martins Queirós e muitos outros. Teresa Barata Salgueiro escreveu: “a produção do espaço urbano reflete as tensões e os equilíbrios existentes na sociedade, não

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podendo esquecer-se que ela é sempre o resultado do planeamento adotado pela iniciativa pública e pela iniciativa privada”.

Bibliografia:

BORGES, Dulce Helena Pires, Guarda: Toponímia no Feminino I, “Faces de Eva”, nº28, ed Colibri / Universidade Nova de Lisboa, 2012

LE GOFF, Jacques, História e memória, Ed. Unicamp,1994

NETO, Maria José Santos, A Toponímia da cidade da Guarda e a Construção da memória Pública no século XX, 2011, texto policopiado

SALGUEIRO, Teresa Barata, A Cidade em Portugal, uma geografia urbana, Edições Afrontamento,1992

SARAIVA, António, Guarda Vista do Ceú, ed. Argumentum, 2009

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Tiago Agostinho Tadeu

Palvras - Chave: Guarda, Placa toponímica, Memória coletiva, Identidade, Passado

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1 - Identidade

Recordar quem já não está entre os vivos era sobretudo um ato particular, reservado e intimista. Contudo, hoje a sociedade tem assumido publicamente essas homenagens de modo a afirmar a sua identidade, procurando assim travar a homogeneização imposta pela globalização. Seja através de um jardim, uma rua, um campo desportivo ou simplesmente por uma placa, a verdade é que as nossas localidades começam gradualmente a revelar-se. A cidade da Guarda tem ajudado na construção dessa identidade ao atribuir o nome dos seus habitantes mais destacados a algumas ruas. Porém, a simples placa toponímica, que sem dúvida é importante para a elaboração da memória coletiva, seria mais efetiva se a proposta de nome feita pela Junta de Freguesia e aceite pela Câmara Municipal, fosse acompanhada por uma breve biografia das individualidades que estabelecesse a ligação dos homenageados àqueles espaços. Todavia, convém lembrar que essa responsabilidade é partilhada com os cidadãos que aí vivem e devem ter um envolvimento ativo na construção da memória, sob pena da identidade criada não ter nenhum significado para quem lá habita. Foi com esse problema em mente que realizei este trabalho, tentando no presente recuperar o passado, para o tornar significante para o futuro.

2 - A II Guerra Mundial nas ruas da Guarda

A II Guerra Mundial é recordada pela destruição e sofrimento provocado, cujos efeitos se fizeram sentir praticamente em todo o mundo, assim como pela criação de blocos políticos rivais que ainda hoje estão no centro da vida mundial. Contudo, o conflito acabou por representar para Portugal um período de oportunidade, face à situação de neutralidade assumida desde a primeira hora, não obstante

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a aliança secular com o Reino Unido e as afinidades do Estado Novo com o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. A neutralidade portuguesa apenas significou a não participação militar no conflito, já que a economia e a sociedade acabaram por estar sujeitas aos mesmos condicionamentos de um estado de guerra à exceção da destruição e das baixas militares. Tal mobilização deveu-se em grande parte à experiência de uma situação económico-social dramática aquando da I Guerra Mundial, conflito no qual Portugal participou. Conquistado o poder num discurso antirrepublicano e antiparlamentar, o Estado Novo procurava não cometer os mesmos erros da I República visando assegurar a sobrevivência da população, mas sobretudo a da sua própria continuidade política. A economia de guerra estabelecida em Portugal durante o segundo conflito mundial teve como principais facetas o tabelamento dos preços, o racionamento, assim como o controle sobre as produções agrícolas e a sua mobilidade geográfica, tentando evitar o surgimento de fenómenos típicos de um período de guerra como a especulação, o açambarcamento, o mercado negro e o contrabando. O tabelamento dos géneros alimentícios surgiu como prioritário, porém outros produtos essenciais para a economia também sofreram os mesmos constrangimentos como os combustíveis, o sabão e nomeadamente o volfrâmio, importantíssimo do ponto de vista político-económico. O conflito iniciado em 1939 conferiu ao interior de Portugal uma importância inabitual devido à sua proximidade com a fronteira espanhola, principal porta comercial para o tráfego formal e informal, mas também à localização nessa zona de relevantes jazidas de volfrâmio. Deste modo, a cidade da Guarda e os seus habitantes puderam assumir um papel significativo nos principais negócios de guerra, marcando aquele que terá sido o período de maior força económica, sobretudo financeira, dos tempos mais recentes da cidade.

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3 - Os negócios de guerra Os objetivos do Estado Novo acabaram por ser frustrados devido à ausência de organismos eficientes no controlo e fiscalização da economia de guerra, ao poder judicial e policial volúvel, mas sobretudo à falta de colaboração da população. Esta foi a principal responsável pela manutenção do contrabando e do mercado negro, o primeiro por motivações meramente financeiras e o segundo por necessidade face à quantidade insuficiente de géneros que eram atribuídos no racionamento implementado pelo Estado Novo. Deste modo, a venda de produtos em concelhos vizinhos ou mesmo além-fronteira, apesar das limitações e penalizações impostas pelo Governo, era uma atividade altamente lucrativa, chegando a possibilitar lucros fabulosos, por vezes “entre os 300% e 500%1”. Já o mercado negro, não obstante o seu carácter oportunista, poderia colmatar as falhas e limitações do abastecimento assegurado pelo Estado, não fossem os elevados preços aí praticados que rivalizavam com os do contrabando. Contudo, acredita-se que uma parte considerável dos habitantes da zona da Guarda conseguiria aceder a este mercado graças às mais-valias obtidas no contrabando e sobretudo na exploração do volfrâmio e que motivaram o Estado Novo a definir contingentes de géneros mais reduzidos para esta zona. A importância da exploração de volfrâmio em Portugal durante a primeira metade do século XX, sobretudo para as populações do interior norte, é uma realidade já estudada2 mas que tem caído em esquecimento na memória coletiva com o gradual desaparecimento dos seus principais intervenientes. O distrito da Guarda e de Castelo Branco tornaram-se

1 Tadeu, Tiago, A Guarda durante a II Guerra Mundial, Guarda, 2011, p.140, (policopiado).

2 Cfr. João Paulo Avelãs Nunes, O Estado Novo e o volfrâmio (1933-1947), Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2010.

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durante a II Guerra Mundial nos principais polos da exploração de volfrâmio, muitas das vezes obtido em condições semi-industriais por camponeses-mineiros que procuravam complementar os seus rendimentos. Já um outro grupo de pessoas, com maior capacidade empreendedora e financeira, aproveitaram o período para fortalecer ou mesmo criarem a ligação à indústria mineira. Tal conduziu a que o distrito da Guarda ocupasse naquele período “o primeiro lugar com 226 minas e 3 coutos mineiros”3 , existindo “32 explorações”4 no próprio concelho da Guarda. Esta corrida ao volfrâmio ocupou legalmente, entre 1941-1943, cerca de dez mil operários no distrito, se bem que os números reais seriam superiores. A forte atratividade era motivada pelos elevados salários, não obstante o tabelamento imposto pelo Estado, e que dava a oportunidade de um mineiro receber 20$00 diários, com alimentação, ao passo que um trabalhador agrícola receberia entre 10$00 a 15$00. Tal situação conduziu à falta de mão-de-obra para a realização de trabalhos agrícolas e por vezes até à própria destruição das terras de cultivo devido à exploração do minério. Umbilicalmente ligado aos altos salários estava o preço pago pela matéria-prima, que era fortemente inflacionado devido à sua disputa pelo Reino Unido, EUA e Alemanha. A tonelada de concentrado de volfrâmio passou de um valor médio de 7$40 antes da guerra para valores superiores a 100$00 por tonelada nos anos de 1941,1943 e 1944, atingindo inclusive as duas centenas de escudos no ano de 19425. No que toca ao quilo de volfrâmio, que era tabelado pela Comissão Reguladora do Comércio de Metais, atingiu em 1942 os 120$00 para as explorações não concessionadas pelos beligerantes, ao passo que no mercado negro chegava a valores na ordem dos

3 Nunes, João Paulo Cabral de Avelãs, A Guarda formosa na primeira metade do século XX, Câmara Municipal da Guarda, 2000, p.233.

4 Idem, ibidem.5 Nunes, João Paulo Avelãs, 2010, p.391.

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200$006. A valorização extraordinária do minério irá ainda possibilitar que Portugal consiga obter um saldo francamente positivo na sua balança comercial entre 1941 e 1943. Todavia, o boom na exploração acabaria por ser travado pelo Governo já em 1944, após fortes pressões efetuadas pelos Aliados. Finda a guerra, a atividade mineira ligada ao volfrâmio retornou a um estado de exploração quase residual, que nem a guerra da Coreia nos anos 50 haveria de conseguir reativar. Restava ao interior de Portugal e nomeadamente à cidade da Guarda, que os seus empresários tivessem sabido gerir as pequenas fortunas que realizaram naquele período. Foram vários os homens da Guarda que estiveram ligados ao volfrâmio, alguns com registo de atividade mineira num período anterior a 1939, contudo, foi a II Guerra Mundial que lhes permitiu o aumento e a consolidação do seu poder financeiro. Referimo-nos sobretudo a Cândido Dias Lopes, António Gonçalves Moreira, José Fernandes, António Marques Rebelo, Amadeu Marques Rebelo, António João, Jerónimo José Martins, Joaquim Júlio da Costa, José do Nascimento Soares, Silvino Soares Costa, José Vaz Júnior e Martinho Júlio da Costa7. Porém, de todos estes só dois conseguiram manter-se na memória coletiva, de tal modo que acabaram por ter uma rua com o seu nome e é sobre eles que iremos falar a seguir.

4 - Vidas

Cândido Dias Lopes nasceu em 1885 no lugar de Souto da Branca, próximo da localidade de Albergaria-a-Velha no distrito de Aveiro. Era filho de pequenos proprietários rurais (Sebastião Dias e Joaquina Lopes) e teve uma infância marcada pelo trabalho já que

6 Pinto, José Nuno Pereira, Alvarenga e o motim de 1942, Associação de Defesa do Património Arouquense, Arouca, 2008, p.19.

7 Nunes, João Paulo Cabral de Avelãs, 2000, p.235.

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nunca foi à escola. Aos 10 anos começou a trabalhar como aprendiz nas minas, facto que não o impediu de aprender a ler e a escrever. A experiência adquirida permitiu-lhe ser contratado como mineiro das minas da Borralha já nos primeiros anos de 1900. O estabelecimento na Beira Alta dar-se-á por volta de 1907, altura em que passou a ser gerente de uma empresa francesa de minérios que operava na zona da Guarda. Segundo relatos de familiares, foi nessas funções que conheceu Ancila da Ressurreição Oliveira, futura esposa, natural da Cerdeira concelho do Sabugal, com quem haveria de contrair matrimónio em Janeiro de 1918 na cidade da Guarda. Entretanto, Cândido Dias Lopes já começara a desenvolver os seus negócios ligados à construção civil, assim como à exploração mineira, uma vez que data de 1917 a venda de uma mina na zona de Codeceiro. Após o fim da Primeira Guerra Mundial o empresário já residia na Guarda-Gare, na zona onde atualmente se situa a rua com o seu nome e na casa que servirá de lar aos seus sete filhos e de sede para a sua empresa mineira. Esta altura também coincidiu com o alargamento dos seus negócios a outras atividades, nomeadamente ao ramo imobiliário e financeiro. Cândido Dias Lopes irá comprar e vender ao longo da sua vida inúmeros imóveis no concelho da Guarda, Pinhel, Almeida e Sabugal assim como noutros mais distantes, nomeadamente Figueira da Foz, Paredes e Lisboa. Na maior parte das vezes os prédios eram urbanos e destinavam-se à obtenção de mais-valias, sendo que à altura do seu falecimento ainda detinha cerca de cinquenta imóveis em seu nome. A outra faceta menos conhecida foi a de prestamista, sobretudo nos anos 20 e 30, altura em que o sistema bancário português passava por uma grave crise de liquidez. O empresário aproveitou essa oportunidade para emprestar a várias pessoas somas consideráveis com um juro similar ao praticado pelas instituições bancárias. O seu desafogo financeiro também lhe permitiu a constituição da sociedade “Empreiteiros das Beiras

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Limitada”, empresa dedicada à construção e reparação de estradas e caminho-de-ferro e, já nos anos 40, da sociedade “Cine-teatro da Guarda”, responsável pela construção e gestão daquele equipamento cultural. Cândido Dias Lopes era uma figura de destaque da sociedade guardense dos anos 30 e 40, contudo seriam os negócios ligados à exploração do volfrâmio que acabariam por lhe conferir alguma notoriedade com uma reportagem da “Revista Turismo” de 19418. O número de Novembro daquele ano foi dedicado à Beira Serra dando a conhecer algumas das suas principais localidades, atrações turísticas e instalações industriais, de onde se destacavam as pertencentes a Cândido Dias Lopes e Martinho Júlio da Costa, de quem falaremos mais à frente. O empresário nascido em Souto da Branca era apresentado como um caso de sucesso, pois de origens “humildes9” conseguira singrar na vida com o seu trabalho e estava agora a saber aplicar as mais-valias obtidas com a valorização do volfrâmio. O jornalista fazia ainda uma descrição das respetivas instalações industriais que se situavam na Guarda-Gare, nas imediações da casa de Cândido Dias Lopes. Era retratado um negócio de dimensão considerável, uma vez que o proprietário admitia na entrevista ter várias centenas de trabalhadores a seu cargo e alcançar mensalmente uma produção de várias toneladas10. Contava-se ainda que o empresário tinha uma preocupação social para com os seus trabalhadores, onde para além dos testemunhos era ainda mencionado o caso de uma concessão onde mandara edificar habitações, uma cantina e possivelmente um posto médico para os operários e suas famílias. O pós-guerra coincidirá com o ocaso da vida de Cândido Dias

8 “Reportagem através das importantes instalações mineiras do Sr. Cândido Dias Lopes – Guarda-Gare,” Revista Turismo, nº43, Ano VI, Novembro de 1941, s.p..

9 Idem.10 Idem.

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Lopes, falecido em Abril de 1948, deixando um património financeiro substancial, de onde se destacavam os inúmeros imóveis, as várias minas de volfrâmio e as instalações fabris que ocupavam grande parte da zona que atualmente envolve a rua com o seu nome. Terá sido essa mesma herança e talvez o seu exemplo de vida, que conduziram seis dos sete filhos a concluírem cursos superiores, desenvolvendo alguns deles a sua atividade na Guarda, ajudando assim a perpetuar a memória de um dos principais empresários da cidade na primeira metade do século XX. Martinho Júlio da Costa é o outro empresário ligado à exploração do volfrâmio durante a II Guerra Mundial e que também tem uma rua com o seu nome na Guarda. Este futuro empresário nasceu bem próximo da cidade, mais concretamente em Casal de Cinza em Dezembro de 1903. Era filho de proprietários rurais com algum poder económico, pois quem privou com ele nunca lhe conheceu nenhuma atividade remunerada à exceção das ligadas com a exploração mineira. Nos finais dos anos 30 do século XX já residia na cidade da Guarda com a sua esposa e filho, nascido em 1936, fruto do casamento com Zulmira da Silva Bordalo, professora primária. Foi a guerra que deu a conhecer Martinho Júlio da Costa, quando este se tornou sócio-gerente da empresa, “Aliança Minero- Industrial, Lda”, sediada em Celorico da Beira Gare. Esta possuía várias explorações mineiras no distrito que possibilitaram a realização de mais-valias durante o período da II Guerra Mundial e que foram aplicadas na aquisição de diversos imóveis no concelho de Gouveia e da Guarda. Nesta última localidade procedeu também à edificação de várias moradias na zona da Guarda-Gare, comprovando deste modo o seu poder financeiro numa altura em que os materiais de construção eram onerosos e de difícil obtenção. O objetivo das residências passou pela captação de novas mais-valias através do arrendamento, conforme era afirmado nos projetos de obra, à exceção de uma habitação que serviria de

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moradia para Martinho Júlio da Costa e sua família, assim como de sede da padaria que também criou naquela época. O negócio da panificação poderia ser considerado um negócio estranho para alguém ligado à indústria mineira, contudo era um dos investimentos mais rentáveis à altura. Tal devia-se à elevada procura interna, fruto das dificuldades nos abastecimentos e da insuficiência nos contingentes atribuídos pelo Estado, mas sobretudo pela demanda oriunda de Espanha e que fazia do pão um dos principais produtos do contrabando. As ilações ganham forma com informações do período obtidas junto do Presidente da Câmara Municipal da Guarda, onde o autarca defendia a não concessão de uma licença a Martinho Júlio da Costa para abrir uma padaria em Vila Fernando, achando que ele iria “fazer contrabando d’aquele pão para Espanha por a vigilância da polícia não ser eficaz n’esse local.11” Deste modo não foi de estranhar que o fim da guerra marcasse o fim da experiência do empresário no ramo da panificação, visto que venderia a padaria a um ex-trabalhador. O principal negócio de Martinho Júlio da Costa centrou-se na exploração de minério, inicialmente volfrâmio e estanho, conforme era referido na entrevista que também deu à “Revista Turismo” em 1941. A reportagem era sucinta e formal, em comparação com a de Cândido Dias Lopes, centrando-se unicamente na atividade do empresário. Martinho Júlio da Costa dava a conhecer na reportagem as recentes instalações da sua empresa com sede em Celorico da Beira-Gare, que apesar de contar só com algumas dezenas de trabalhadores apresentava uma produção “volumosa12”. Acrescentava ainda, após alguma insistência do jornalista, que grande parte da produção era escoada para o estrangeiro, apesar de não revelar o destino final. A mesma guerra que lançou o empresário para o negócio mineiro acabará por lhe pregar uma partida, já que em 1944 o Governo

11 Tadeu, Tiago, 2011, p.175.12 “A actividade desenvolvida pela Aliança Minero-Industrial, Limitada de Celorico da Beira”

Revista Turismo, nº43, Ano VI, Novembro de 1941, s.p..

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português decretava a suspensão da exploração do volfrâmio. Acabava a corrida ao “ouro negro” nacional, mas não a ligação do empresário com a indústria extrativa, que seria fortalecida com a aposta noutros minérios, nomeadamente um que ganharia uma importância aterradora no ano de 1945. No mês seguinte ao lançamento das bombas atómicas em Hiroshima e Nagasáki, já Martinho Júlio da Costa lutava pela concessão de duas minas de urânio. Nos anos seguintes foi a vez de apostar na exploração de quartzo e feldspato, isto apesar de nunca ter abdicado do volfrâmio e estanho. Esta mesma diversificação esteve na origem de investimentos mineiros espalhados pelo país, nomeadamente na zona de Braga, Vila Real e Portalegre, a que se juntavam muitos outros no distrito da Guarda. No final da sua longa vida já nos anos 80 do século XX, ainda deixava aos seus herdeiros sete minas em nome individual e outras cinco em sociedade, assim como inúmeros imóveis situados na Guarda-Gare, com destaque para a Quinta das Covas, lugar onde hoje se encontra a rua com o seu nome.

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5 - Conclusões

Os especialistas dizem-nos que para prevenir a perda de memória devemos submetê-la a exercícios tentando-a manter ativa. Porém, o que fazemos enquanto indivíduos também o devemos fazer como sociedade, recordando aquilo que nos liga e construindo assim a nossa identidade coletiva. O período da II Guerra Mundial foi um dos momentos mais marcantes do século XX para a cidade da Guarda devido à importância económica e ao crescente poder financeiro que muitos dos seus habitantes obtiveram naquela altura. Infelizmente essa importância tem caído em esquecimento face ao inexorável martelo do tempo e à partida de quem viveu esse momento. Espero que o trabalho aqui apresentado tenha permitido conhecer melhor esse tempo e sobretudo compreender a decisão da Junta de Freguesia de São Miguel de dar o nome de Cândido Dias Lopes e Martinho Júlio da Costa a duas das suas ruas.

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À Descoberta de conexões toponímicas de Vilar de Amargo

(Figueira de Castelo Rodrigo): ou como o Passado que fala ao

Presente ilumina o Futuro

Urbana Bolota CordeiroCarlos Reis

Filomena Velho

Palavras-chave: Toponímia, Conexões Toponímicas, Passado, Futuro

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RESUMO

O conhecimento do passado abre-nos a possibilidade de podermos compreender o presente e projetar o futuro. O passado é, em todo caso, uma reinterpretação a partir do presente que projeta sobre ele um feixe de sentidos interpeladores, em particular, da geração a que o historiador pertence, obrigando-o a refletir continuadamente a sua condição. Por outro lado, estudando em profundidade as sociedades hodiernas, inferimos o seu funcionamento no passado e podemos supor o futuro. Nas palavras precisas de Evans-Prietchard (1985, p. 76), efectivamente a história não é uma sucessão de mudanças, mas sim, como já outros autores afirmaram, um processo de desenvolvimento. O passado está contido no presente como este, no futuro. É esta dinâmica histórica que nos permite perceber a extrema importância do estudo e valorização da toponímia, em que podemos apoiar um melhor e mais aprofundado conhecimento dos lugares, das aldeias, das vilas e das cidades. Também eles estão no presente, refletindo o passando e, dependendo de nós, podem ser um motivo para projetarmos enraizadamente o nosso futuro. O intuito do trabalho realizado focou-se na investigação e recolha de topónimos da aldeia de Vilar de Amargo, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo e distrito da Guarda, com vista ao aprofundamento e descoberta de Conexões Toponímicas, de modo a desvelar os valores históricos, culturais, sociais, religiosos e políticos da região1. Neste âmbito, tentamos materializar o investigado, através da construção de um quadro síntese que traduz as diversas relações entre os diferentes topónimos e as caraterísticas subjacentes aos locais e aos “sítios”. Mas também procuramos esclarecer como os topónimos

1 PEst-OE/EGE/Ul4056/2014 — projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)

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pertencem a uma mundividência que integra factos, personalidades, tradições, ou legados identitários, bem como dar conta da sua importância inquestionável para a delimitação de espaços. A toponímia surge-nos como referência essencial dos diferentes valores de cada lugar, sendo uma memória coletiva que nos permite melhor compreender a matriz cultural de um povo, a sua organização sócio geográfica, o desenho da malha urbana no passado, o conhecimento de sítios históricos ou arqueológicos, tal como o papel do povo na salvaguarda da atribuição de nomes que a tradição consolidou. Enfim, o nosso propósito foi dar vida e voz à toponímia, que traduz um passado com histórias que são sempre, sempre, entidades vivas. Se formos bem sucedidos, talvez tenhamos contribuído para ativar uma das funções essenciais dos topónimos: preencher o presente com a sua memória, de modo a melhor enraizarmos a projeção do futuro.

Introdução

Terra una e tamanha, que nela cabe o Velho Mundo e o Novo… Que nela cabem Portugal e Espanha. E a loucura com asas do seu povo… (Torga, 1994, p. 143)

Sabemos que é essencial descobrir o futuro, resgatando o presente e conjugando o passado, a ancestralidade com a atualidade para construir esse mesmo futuro, que podemos entender como o passado que entra por outra porta, abrindo uma nova porta, olhando em frente, inventado e reinventando novas perspetivas, criando e organizando novas redes, dando a primazia a todos nós, às Pessoas. Neste âmbito e consequentemente, remetemos para os espaços envolventes, que a todos nos ligam e continuarão a ligar e que de um modo mais lato traduziremos por espaços de memória, onde incluímos os lugares e a descoberta toponímica.

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Já Miguel Torga nos seus textos quis conduzir-nos a Reinos Maravilhosos que é preciso desvendar, descobrindo os caminhos que levam ao coração geográfico de um mundo de encantar, acrescentando que as Pátrias são espelhos gigantescos, onde se reflete a pequenez dos filhos e é aí que cada um tem que refletir a sua singularidade, pois o universal, é o local sem paredes que é essencial e fundamental para a construção da nossa identidade, espelhando, porém, o reconhecimento e o esforço da(s) identidade(s) formadas em contexto de globalização. Também nós queremos saber e conhecer as raízes e o passado dos que nos antecederam e Em vez de esperarmos mais 10 ou 20 anos, até todas as memórias terem desaparecido… será melhor fazermos hoje o que amanhã já não será possível, … questionando a memória social daqueles que lhe deram corpo… (Vidigal, 1996, p. 46), tentando descobrir os diferentes topónimos de Vilar de Amargo e a sua origem ao desvendar o que eles encerram de misterioso e eterno.

1. A Toponímia de Vilar de Amargo e sua evolução

Aquele que controla o passado controla o futuro, aquele que controla o presente controla o passado. (G. Orwell, 1964)

A memória coletiva das comunidades baseia-se no reconhecimento de momentos, lugares, pessoas e acontecimentos, que de forma indelével marcam a história e o território. Sabemos, pois, que são os laços do espírito que ligam o Homem a determinado lugar. Quando encaramos a toponímia, deparamo-nos, surpreendentemente, com um verdadeiro legado, uma herança incomparável, de uma riqueza imensa, a nível cultural, que paulatinamente vamos (re)descobrindo, para nós e para as gerações vindouras. As informações que a toponímia revela constituem elementos cruciais, que passando de geração em geração, assumem

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uma importância fundamental, pois ajudam-nos à (re)descoberta de lugares de memória e ao estabelecer de diversas conexões toponímicas. Em simultâneo, estabelecemos diferentes conexões toponímicas, relativas à arqueotoponímia, à antroponímia e à hagiotoponímia de Vilar de Amargo. Em particular, remetemos a alguns aspetos caraterísticos, como a morfologia do terreno, a hidrografia, o coberto vegetal, os acontecimentos, a mundividência religiosa, tal como às personagens relevantes e proeminentes da povoação, nomes próprios, ou antropónimos, que verificamos sobressaem e predominam nas referências toponímicas do território pertencente a Vilar de Amargo. Verificamos e inferimos, através das diversas conexões estabelecidas que há topónimos que surgem ligados a mais do que uma conexão, (Quadro 1).

Conexão TopónimoAgricultura Vilar; Rua da Pereira; Malhada; Laranjais; Roseira;

Tapadas; Devesas; Fundo da Devesa; Vinhal; Chão da Laje; Cortinha; Hortos; Sovaro;

Aparelho produtivo Rodo das Colmeias; Eiras; Penedo do Vinho; Pias; Portela do Moinho; Malhada; Laje

Artífices/Profissões Picão do Ferreiro; Lavadeiro; Largo Professora Alzira Peixoto

Defesa/ Vigilância Largo da Torre; Tapada da Torre; Atalaia; Atalainha; Talegre;

Cobertura vegetal Chafurgos; Giestais; Tapada das Gestas; Terras da Mata; Vale da Madeira; Vale do Bispo, Fieital; Gramais; Hortiga; Moitas dos Carrascos; Moitas dos Carvalhos

Coloração do Terreno Canto Escuro; BarreirosComércio Largo das doceiras

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Fauna Corsas; Lagarteiro; Melras; Pedra do Gato; Picão do Coelho, Picão do Cuco; Buraco do Mocho

Grupos sociais e figuras humanas

Rua João de Barros e Brito; Rua Dário Gouveia; Largo Professora Alzira Peixoto; Largo do Favas; Quadrelas; Martim Cravo; Prado Morgado

Habitação Casa do Tenente Coronel; Prado das cabanas; Rua do Castelo; Tapada dos Palheiros

Hidrografia Fonte do Poço; Fonte Nova; Horta da Ribeira; Poço da Pereira; Poço Escuro; Poço Michão; Canada da Joana; Chafariz; Hortinha da Ribeira

Lendas Amargo; Cova da Moura; Terras da Moira; Quadrelas; Tritana

Manufactura Choura; CorcheirosMorfologia do terreno e exposição solar

Abicheiros; Chão da Laje; Codeço; Cortinha; Fundo, Ladeira; Laijeal; Laje; Laje da Cabeça; Laje da Nona; Vale da Madeira; Eiras; Lagarteiro; Rodopio

Mundividência religiosa Nicho; Rua João de Barros e Brito; Rua das Confrarias; Rua da Cruz; Vale do Bispo; Largo da Igreja; Largo da Capela do Senhor da Misericórdia; Senhora dos Caminhos; Alminhas; Cruzes; Cruzinha; Mata Diabos;

Pecuária Cancelas; Boieiras; CurraisRede viária Curva do Vale de Escalhão; Ponte do Porco;

Ponte de Pau; Carreiro

Quadro 1: Vilar de Amargo - Conexões ToponímicasFonte própria

Tentamos, pois, (re)descobrir os lugares, elencando os diversos topónimos construídos ao longo do tempo, em Vilar de Amargo. Constatamos, através de uma análise crítica e reflexiva dos diversos topónimos que sobressai, a memória social que se vai

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construindo paulatinamente, tendo subjacente diversos elementos dos quais destacamos as pessoas de referência que devido a vários fatores, feitos, ou acontecimentos, surgem homenageadas na toponímia. Consequentemente, a comunidade tenta traduzir e materializar, de algum modo, o evocativo, através do qual pretende plasmar reconhecimento e gratidão, honrando e perpetuando o percurso e a tradição, bem como conduzindo, em simultâneo, à exaltação da memória coletiva, pois as identidades locais formam a identidade nacional. É esta dinâmica que vai permitindo à comunidade construir, descobrindo e desvendando, o seu próprio percurso, tornando-a mais existencial, mais plural e singular, ao mesmo tempo, e ajudando-a ainda a constituir um acervo cultural, ímpar, cuja dimensão e funcionalidades vão emergindo, à medida que se pretendem dotar os espaços de identidades e atratividades que surgem valorizadas e potenciadas, promovendo valor cultural e económico, pela dinâmica suscitada e a divulgação estabelecida. Sabemos e sentimos que a nossa força assenta na nossa história, sempre em aberto, tentando descobrir a nossa identidade e singularidade, pois é preciso saber ver e perceber para nos podermos conhecer. Só refazendo constantemente a História e refletindo-a, talvez encontremos o melhor caminho.

1.1. Vilar de Amargo - Conexões Toponímicas: o desvelar de valores históricos, culturais, sociais, religiosos e políticos

No âmbito do nosso estudo, incidimos na descoberta dos diversos topónimos referidos, visando uma melhor compreensão e explicitação dos mesmos, remetendo a uma síntese da localização espácio-temporal de Vilar de Amargo, à sua origem e raízes históricas.

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1.2. Situação geográfica

Localizada próximo do extremo nordeste do distrito da Guarda e integrando o concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, de que dista 8 km, Vilar de Amargo fica apenas a alguns quilómetros de Espanha. Na povoação passa a estrada nacional n º 332, (fig. 1), com início na estação de Almendra, a 20 Km e que a liga à sede do concelho, a noroeste, atravessando Almendra - povoação, de que dista 7 km.

Figura 1: Vilar de Amargo atravessada pela Estrada que liga a Figueira de Castelo Rodrigo e Almendra

Daí, continua, desde o Cruzamento para a estação de Almendra, a 13 Km e para a Senhora do Campo, seguindo pela estrada n º 222, até Vila Nova de Foz Côa, a 28 km, na margem esquerda da Ribeira de Aguiar, confluente do Douro, a 4 km para oeste.

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Situa-se a 7 km da margem direita do rio Côa, para o nascente, distando 24 km da estação do caminho-de-ferro de Barca de Alva, na linha férrea do Douro e 34 km da estação de Pinhel, na linha da Beira Alta, ficando a uma distância de 50 km da Guarda. Este era o percurso que outrora se efetuava até Pinhel, pela antiga estrada nacional, nº 221, que oferece ao viandante uma paisagem de uma beleza incomparável, mas repleta de curvas e contra curvas e por isso denominada de “excomungada”.

1.1. Delimitações

No que se refere aos seus limites a freguesia confina: - a norte, com a povoação de Algodres (4 Km); a sul, com a Freixeda do Torrão; a nascente, com Escalhão e a poente, com o concelho da Meda. Sabemos que integrou outrora os extintos concelhos de Almendra e Castelo Rodrigo, pertencendo às comarcas de Pinhel e Trancoso e à extensa provedoria de Lamego, tal como a comarca de Vila Nova de Foz Côa, antes de passar para a de Figueira de Castelo Rodrigo.

1.2. Divisão administrativa

A freguesia era formada, até 2012, por uma só povoação, Vilar de Amargo, mas atualmente, devido à reforma administrativa, com o surgir do novo mapa, na sequência da agregação de freguesias, ficou a pertencer, a partir de 2013 à Unidade Administrativa União de Freguesias de Algodres, Vilar de Amargo e Vale de Afonsinho, com sede em Algodres.

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1.3. Demografia

No que concerne à demografia, Vilar de Amargo possuía em 2012/13, apenas 80 habitantes, incluindo os que embora recenseando-se lá, não são aí residentes, calculando-se estes em sensivelmente 70, número que neste momento se traduz em pouco mais de 50. Verificou-se, de facto, um decréscimo populacional acentuado, desde 1940, ano em que a população terá atingido o seu auge com 569 habitantes, diminuindo para um total de 558, em 1950, para 492 na década de 60, 312 na de 70 e 318 em 1980. Atualmente, segundo os dados dos Censos, sabemos que em 2001, a População Residente perfazia os 236 habitantes, verificando-se um decréscimo em 2011 para os 158, não correspondendo aos efetivos/permanentes, que em 2014 se estimam em apenas pouco mais de meia centena. São breves e escassas as referências históricas em relação a Vilar de Amargo, surgindo apenas alguns elementos, na História Eclesiástica de Lamego, de D. Joaquim de Azevedo. Este autor explícita que, aquando da invasão dos Suevos, antes de Caliabria ser sede episcopal, a zona de Vilar de Amargo integrava, a nível eclesiástico, o bispado de Viseu, mas com os Godos surge a diocese de Caliabria, passando a região a pertencer-lhe. Mais tarde, com a invasão dos Mouros foi destruída a Calibria e o Cima-Côa ficou despovoado. Com a reconquista, a zona passou a integrar o reino de Leão e também a diocese de Cidade Rodrigo, que substituiu a de Caliabria, até que o nosso rei D. Dinis, O Lavrador, conquistou ao de Leão todo o Ribacôa. Neste contexto, sabemos que este território pertencerá temporariamente, cerca de cem anos, a Portugal e eclesiasticamente ao reino de Leão. Porém, o nosso rei D. João I, O da Boa Memória, reivindicará a espiritualidade de Ribacôa, surgindo um bispado novo que integrará até 1770, o bispado de Lamego.

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À época, D. José I, O Reformador, cria o bispado de Pinhel, que incluirá as freguesias de Ribacôa, as do bispado de Lamego e outras do bispado de Viseu. Mais tarde, em 1882, será extinto o bispado de Pinhel, que passará a pertencer ao da Guarda, com esta e quase toda a região daquele bispado, que fora saqueada pelos Franceses em 1810.

1.4. Toponímia1.4.1. A origem do topónimo da aldeia

Em relação ao termo Vilar, sabemos que na época visigótica são muitas as povoações em que surge a palavra Villar, (fig. 2).

Figura 2: Placa toponímica à entrada da povoação

Rodrigues (1984) refere que na zona de Ribacôa, os romanos consideram-se os pioneiros, no que concerne à passagem de uma economia pecuária assente nos pastos e em aproveitamento agrícola,

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acrescentando que foi em terras fundiárias que surgiram as herdades e Veigas, que denominavam de villae. Esclarece ainda o autor que um vilar era uma vila pequena e que certas vilas, na Idade Média, deram origem a povoações, que persistem na atualidade, como Vila-Boa, Vilar de Amargo, Vilar Formoso, Vilar Maior, Vilar Torpim e Cinco Vilas. No que se refere ao termo Amargo e segundo a tradição oral, este poderá ter surgido, após a fundação de Vilar, talvez devido ao nome do seu fundador Amargo. Outros afirmam que a povoação denominava-se Vilar Doce…, porém acrescentam contando, que um dia, ao entardecer, surgiu por ali um viandante a cavalo e como o solo era pedregoso, (fig. 3), o animal escorregou, originando a sua queda e estatelando-o no chão, pelo que magoando-se, a praguejar, vocifrou:- Vilar Doce? Bem amargo me ficou…

Figura3: Nicho votivo à entrada da povoação

A partir desse momento os mais antigos afirmam que, a povoação passou a denominar-se Vilar de Amargo e os habitantes

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vizinhos do concelho, ao referirem-se-lhe chamam-lhe Vilar de Amargo à tarde e, como surgem por lá muitos lagartos, também são conhecidos por Lagarteiros. A este respeito, Rodrigues, (1984), salienta que esta região apenas pertenceu ao reino de Portugal, com D. Dinis, após o Tratado de Alcanizes em 1297, remetendo a outra origem o termo amargo. Segundo o autor, almendra, em castelhano, significa amêndoa e distando a povoação de Almendra, 7 Km de Vilar de Amargo e sendo a zona rica em amêndoas doces e amargas, tal leva-o a inferir, que em Almendra predominariam as mais comuns, as doces. Porém, em Vilar de Amargo, na época, uma pequena vila ou herdade, prevaleceria a amêndoa amarga, acrescentando ser provável se fizesse dessa amêndoa, um doce seco, ainda hoje apreciado em Espanha e conhecido por amargo, “hecho de almendras amargas”. Ainda de acordo com a tradição oral, Amargo poderá também advir de um caso hediondo sucedido, no século XVII, e que consequentemente devido à sua enorme tragicidade tem levado muitos a inferir que a designação Amargo provém dele, realmente amargo como poucos. Tal hipótese, porém, na nossa perspetiva, não tem grande fundamento, pois constatamos que o trágico acontecimento é descrito em manuscrito, que se encontra no Arquivo Paroquial da Abadia de Vilar de Amargo e foi redigido, mais tarde, por um abade da mesma, que refere os seus diversos párocos, surgindo já associado ao nome da Abadia o topónimo de Vilar de Amargo. Nesta sequência, sabemos ainda que a freguesia consta documentada com o atual topónimo, já nos primórdios do séc. XIV, no reinado do nosso rei D. Dinis, o que põe em causa, contradizendo totalmente o facto de o nome Amargo, ser consequente do caso trágico aí ocorrido, que se deu em 1676, no séc. XVII, levando-nos a inferir definitivamente que o termo Amargo não advém da tragicidade do sucedido, porque posterior.

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No que concerne ao documento, sabemos que este foi referido, pela primeira vez, em finais do séc. XIX, por Pinho Leal, no seu Dicionário, sendo o texto do Arquivo Paroquial escrito em 2 de Junho de 1815, sendo igualmente descrito em 1943, na revista Altitude, pelo Rev.º Padre Canário Martins, Reitor de Figueira de Castelo Rodrigo. O relato incide no caso verídico, descrevendo o insondável mistério da história local, que ocorreu em Vilar de Amargo, pelo ano de 1676. Estamos perante um crime de morte que permanece, até hoje, envolto em mistério, quanto aos protagonistas e às causas. Porém, apesar da incerteza, a tradição oral, desde sempre, suspeitou que o terrível ato fosse consequente de um deslize de honra, questão tão valorizada na época, acrescentando-se a hipótese de que os desconhecidos seriam oriundos da região da Meda, ou Vila Nova de Foz Côa. Remetemos à transcrição do sucedido:A este abade sucedeu o caso seguinte … no ano de 1676.Estava uma noite na cama no tal quarto. Batem-lhe à porta às desoras a pedir sacramentos depressa. Levantando-se, pegou as chaves da igreja, vai abrir a porta da rua e ver quem era. Aí se encontra com dois homens mascarados. Querendo recolher-se e fugir para dentro de casa não o deixaram e põem-lhe armas ao peito, ameaçando-o com a morte se fala ou grita. Levam-no à força à igreja persuadindo-o que não tivesse susto, que ali o tornavam a trazer são e salvo.Chegados à igreja vê ele uma comitiva de gente e de cavalarias, que tudo indicava a gravidade mas ninguém conheceu. Fazem-lhe abrir a porta travessa da igreja e apresentam uma senhora grave para que a confesse.Enquanto ela se confessava, abrem eles a sua sepultura, vendo que a confissão se demorava, dizem:- Ah! Senhor Abade! É tempo abreviar com isso.Quis ele demorar a confissão mas eles não o consentiram temendo que amanhecesse e fossem sentidos. Acabou-se entretanto a confissão. Logo o obrigaram a dar à

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confessada a Sagrada Comunhão, o que ele fez. E dada que foi, disseram:- O lavatório nós lho daremos.Imediatamente a mataram com veneno que lhe fizeram beber e assim a sepultaram e taparam a sepultura e foram levar o abade a casa, como prometeram.

Na sequência do acontecimento, que acabamos de referir, tão insólito como trágico, marcando, a vários níveis e para sempre, a vida dos vilamarguenses, estes quiseram lembrá-lo, de várias formas. Assim, prestaram a sua homenagem ao abade João de Barros e Brito, um dos principais protagonistas, em relação ao sucedido, surgindo o seu nome na toponímia de Vilar de Amargo, com a rua denominada Padre Barros de Brito.

1.2.1. Rua do Padre Barros de Brito

É uma pequena rua, sem saída, (fig. 4), que constitui uma bifurcação da Rua Dário Gouveia, atualmente ladeada pelo pequeno parque infantil.

Figura 4: Placa toponímica da Rua do Padre João de Barros e Brito

Aí, permanece, até hoje, embora bastante degradada e servindo de palheiro, a secular casa do Abade João de Barros e Brito, (fig. 5).

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Contígua à porta observamos reutilizada uma antiga pedra “avental”, (fig. 6), pertencente a uma janela de estilo manuelino, escultura em baixo relevo, e que popularmente ficou associada a uma pedra com uma heráldica (brasão), sendo muito similar à existente em Castelo Rodrigo, numa casa, na rua da cadeia. De acordo com o testemunho de Edilberto Pedro, natural de Vilar de Amargo, além do de outros, a casa é atualmente pertença da família Cardoso2, não se verificando porém da parte desta, ou das entidades competentes, qualquer sinal, ou interesse em preservá-la.

Figura 5: Casa onde viveu o Padre João de Barros e Brito

2 Atraído pelo caminho de ferro e trabalhando como funcionário na estação de Almendra, o chefe da família Cardoso ter-se-á estabelecido em Vilar de Amargo. Aí, adquiriu um certo património, continuado pelos seus descendentes que por lá permaneceram. Dono de uma frota de camionetas de aluguer, em Paredela do Vouga, efetuava serviços de transporte à fábrica Soares Irmão, instalada pela família na sua terra natal, Almendra, como moagem e lagar de azeite. Esta aí, laborou sensivelmente, desde a década de vinte, até 1984, procedendo à extracção do óleo do bagaço e fornecendo-o aos conserveiros. De acordo com a tradição oral, acabaria por fechar portas, por adulteração dos óleos alimentares de, estando atualmente desativada, em Almendra, mas permanecendo ligada ao fabrico de rações para animais, em Sever do Vouga.

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Figura 6: “Avental” de uma antiga janela de estilo manuelino, popularmente associado a Brasão

No que concerne à respetiva placa toponímica é notória a falta de conformidade, em relação ao nome do Abade João de Barros e Brito, que surge incompleto, tal como quanto às partículas de ligação, como o “do” e “de”, que aparecem deturpadas e com letra maiúscula. Do referido Abade pouco se sabe, apenas que era advogado e foi casado, tendo três filhas e que ficando viúvo, resolveu seguir a vida eclesiástica, sendo-lhe mais tarde atribuída a Abadia de Vilar de Amargo, de que ficou responsável, tendo um tal Sr. Serafim como sacristão. De acordo com um documento manuscrito, cujo conteúdo a tradição oral também preservou, sabemos que após o fatídico incidente em que o envolveram, na noite de 12 de setembro de 1676, a Igreja foi excomungada, sendo encerrada, pelo Bispo D. Martim Afonso de Melo (1672-84). Perante a situação, o Abade João de Barros e Brito, na altura, com 66 anos de idade, numa atitude de coragem, sacrifício, abnegação e amor à vocação, dirigiu-se para a Roma, visando levantar a excomunhão. Partiu a cavalo, juntamente com o Professor do Ensino Primário André, a 3 de novembro, do mesmo ano e acompanhados por uma jumenta carregada com os mantimentos (pão, mel, presunto,

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queijo, entre outros), além de roupas e outros apetrechos necessários. Em Roma, o Papa Beato Inocêncio XI (1676-89), que sucedeu a Clemente X (1670-76), admirado e edificado, com o espírito de sacrifício deste sacerdote, não o deixou partir e nomeou-o Cónego, enviando, por intermédio do Professor André, para a Abadia de Vilar de Amargo as relíquias dos Santos Mártires, Santo Eugénio e Santo Augusto, que aí chegaram a 29 de abril de 1678, para levantar a excomunhão da Abadia, devido ao crime aí cometido, da senhora assassinada na igreja, após a confissão do Abade João de Barros e Brito.

1.1. Valores culturais e religiosos

Entretanto, surgiu em Vilar de Amargo, a Capela em honra do Mártir São Sebastião, cujas linhas arquitetónicas são marcadas por extrema simplicidade. De início, o edifício destinar-se-ia a uma escola, mas acabou por ser adaptado a capela, para receber as Santas Relíquias, logo após a sua chegada de Roma.

Este acontecimento marcou para sempre a vida da população, levantando a excomunhão da Igreja, que reabriu de novo as suas portas ao culto, o que se passou a comemorar todos os anos, dando origem à Festa anual dos Santos Mártires, celebrada a 29 de Abril, cujas Relíquias são religiosamente guardadas e, por vezes, veneradas durante o ano, na referida capela, (fig. 7), num relicário sob o Oratório do Mártir S. Sebastião (fig. 8). Assim, demonstram, veementemente, os vilamarguenses o seu extraordinário e forte apego à tradição e ao seu património.

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Figura 7: Capela dos Santos Mártires ou de São Sebastião

Sabemos, de acordo com a tradição oral que noutros tempos, alguém representava, anualmente um arauto, a cavalo e com um traje típico do séc. XVII, que na véspera, declamava pela povoação uns versos denominados ler a fama. À noite havia arraial, que posteriormente foi proibido – por ordens da Diocese – terminando também a leitura da fama.

Figura 8: Oratório que guarda as Santas Relíquias de Santo

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Eugénio e Santo Augusto, no interior da capela

Atualmente, o povo desloca-se, logo pela manhã, à capela e, em procissão, leva o Mártir S. Sebastião para a Igreja. Assiste-se à missa cantada e sermão, pela tarde, de novo em procissão, acompanha-se o andor à sua capela, sendo as Santas Relíquias dos Santos Mártires, Santo Eugénio e Santo Augusto, enviadas de Roma para levantar a excomunhão da Igreja, expostas para veneração do povo e, mais tarde, beijadas. Antigamente, eram tocadas com o pão, que muitos acreditavam salvavam os animais atacados pela raiva,(fig. 9).

Figura 9: Beijar as Santas Relíquias e tocá-las com o pão

1.5. Largo Professora Alzira Peixoto

Alzira Correia Peixoto, (fig. 10), nasceu na freguesia de Algodres, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, em 15 de fevereiro de 1885, tendo falecido em 10 de março de 1970, em Bragança. Foi, porém, sepultada em Vilar de Amargo, onde viveu. Aí exerceu, abnegadamente, as suas funções de professora

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primária, durante mais de três décadas, após casar a 01 de outubro de 1920, em Algodres, com José Augusto Bolota (10/09/1895 a 25/11/1941), este descendente dos Bolotas da Vermiosa, mas natural de Vilar de Amargo.

Figura 10: Fotografia de Alzira Correia Peixoto

Alzira era filha de Manuel José Peixoto, (11/10/11857), natural de Algodres, Figueira de Castelo Rodrigo e de Josefina dos Prazeres Correia, (1/9/1862), natural de Santo Estêvão, Sabugal, casados em Algodres em (24/12/1879) e teve como irmãos Artur Correia Peixoto e Isabel Correia Peixoto, também naturais de Algodres. É desta linhagem, do casamento de seu irmão, Artur Correia Peixoto que descende o que foi considerado um grande cientista de renome mundial, José Pinto Peixoto, que adiante se há-de também considerar. O casal viveu em Vilar de Amargo durante alguns anos na imponente e grandiosa casa de pedra, de António Cabral e Castro

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Falcão de Mendonça3, natural de Figueira de Castelo Rodrigo, conhecido segundo a tradição oral, pelo Tenente Coronel. Após diversas investigações, a nível do Arquivo Histórico Militar, tal não foi comprovado, não surgindo o seu nome associado à atribuição de qualquer patente militar, o que nos leva a inferir que este título lhe adveio provavelmente de algum dos seus antepassados que seguiu a carreira militar e de quem teria sido herdeiro. A sua casa servia de escola e residência do professor, em simultâneo4. Embora degradada e abandonada, ainda hoje existe e pode observar-se, lembrando-nos uma época e um tempo, (fig. 11).

Figura 11: Casa de pedra do Tenente Coronel Mendonça, que servia de escola e residência do professor

3 Comprovado por Requerimento, assinado pelo próprio, em 10 de junho de 1953, com petição à Câmara de Figueira, de Castelo Rodrigo, solicitando obras para a sua casa, na rua da Igreja, em Vilar de Amargo. Sendo descendente da família Sellea Freire Falcão de Mendonça, possuía um vasto património em Vilar de Amargo, cedendo a sua casa, na Rua da Igreja, com o antigo nº matricial 428, (com 1036 m2 de quintal, que servia de alpendre), correspondendo ao novo artigo nº 994, consequente da União das Freguesias), para o funcionamento da escola primária.

4 Apenas em 1961, surgiu um projeto para uma escola, associado ao artigo matricial, nº 163 de prédio rústico, anexo à escola, cujo edifício gémeo de duas salas obedecia à tipologia do Plano dos Centenários, promovido pelo Estado Novo, para comemorar no ano de 1945, considerado o Ano da Glória, os centenários dos anos de 1143, da Fundação da nossa Nacionalidade e o de 1640, da Restauração da Independência.

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Esta surge grandiosa no meio da povoação, marcando presença com a sua enorme varanda e escadas em cantaria que comunicam com o grande quintal, onde outrora os molhos de palha faziam a delícia das crianças, que saltavam para cima deles, num vai vém constante, em grande alegria e azáfama. Na frontaria da casa do Tenente Coronel5, a sala da frente com varanda, para a atual Rua da Igreja, era a sala de aula, funcionando como escola feminina e, em simultâneo, como casa do(a) professor(a)6. Nela nasceram os quatro filhos do casal: Maria Sofia Bolota (02/09/1922 a 14/09/1923), Milcíades José Bolota (23/07/1921 a 06/09/1925), Umbalitas de Jesus Bolota (08/08/1924) e Aida Bolota Peixoto (08/09/1927), ambas igualmente professoras, atualmente aposentadas. Devido à sua ação preponderante, a vários níveis, os vilamarguenses, homenageiam-na, surgindo o seu nome na toponímia da aldeia, (fig. 12).

Figura 12: Placa Toponímica em homenagem a Alzira Correia Peixoto

5 Sabemos também, de acordo com o testemunho oral de um antigo funcionário da Câmara de Figueira, Aníbal Gomes Lourenço, que o Tenente Coronel era também proprietário, na sua terra natal, Figueira de Castelo Rodrigo, da casa Falcão Mendonça, na Rua Artur Costa, que conflui no chafariz, do Largo Serpa Pinto e onde atualmente, abriu portas, desde 2002, o Hotel Rural - Estalagem Falcão Mendonça, tendo aí, também funcionado outrora, uma escola primária.

6 As chaves do novo edifício escolar, (atualmente fechado, devido à diminuição acentuada da natalidade) foram entregues, juntamente com as da escola de Algodres, em 28 de abril de 1961, ao Presidente da Câmara de Figueira, à época, Gustavo Adolfo de Gouveia, condecorado na 1ª Guerra Mundial (1914-18).

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Neste contexto, acrescentamos que alguns dos seus antigos alunos, como Noémia dos Anjos Tomé, referem-se-lhe, dizendo:

- A Srª D. Alzira ensinou-nos tudo…, até nos ensinou a sofrer…

Caraterizava-a grande pacifismo e capacidade de aceitação, sofrendo em silêncio e com calma as adversidades que surgiam. Os grandes transes com que se deparou, ao longo da vida, levaram-na a demonstrar grande força, coragem e tenacidade, determinação, mas sem qualquer animosidade, ou revolta, o que fez dela um exemplo vivo para toda a população. Atingiu-a fatidicamente a morte de ambos os filhos, mais velhos, ainda pequenos, sobretudo a grande e inesquecível tragédia que envolveu o filho de apenas quatro anos e, que viu queimado, num palheiro, na rua da escola, onde vivia a tia professora, em Algodres. Mais tarde, a morte do marido em novembro de 1941, deixou-a viúva com ambas as filhas, seguindo-se quase de imediato o grande incêndio, que logo, em agosto, no dia da feira de ano, em Figueira de Castelo Rodrigo, (dia 19) avassalou e destruiu completamente a casa adquirida pelo casal e onde habitavam, em Vilar de Amargo, ficando apenas com a roupa do corpo. Porém, ao regressar da feira e deparar-se com este acontecimento tão inesperado e trágico, apenas a ouviram proferir com muita fé e serenidade:

- Meu Deus, deitaste-me nua ao mundo e nua me deixaste ficar…Seja feita a Vossa vontade….

Traduziu o que lhe sucedeu, remetendo a um adágio popular muito utilizado, quando o povo queria relativizar e minimizar algo: - Não é morte de Homem, nem casa queimada…, e assim desabafou que, na sua vida, ambos os vaticínios se concretizaram. Apesar de todos os desgostos e contrariedades a sua atitude

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junto à população revelou-se, desde sempre, muito atenta, prestativa e caritativa, sendo de um altruísmo marcante, visitando com frequência, os pobres e enfermos, deixando a cada um, o que as suas possibilidades permitiam e sobretudo um rasto de conforto e esperança.

2. Conexões das Conexões

2.1. Rua José Pinto Peixoto

José Pinto Peixoto nasceu na Miuzela, no concelho de Almeida, a 9 de novembro de 1922. Era filho de Artur Correia Peixoto (2/9/1880 a 16/3/1929), natural de Algodres, a 3 Km de Vilar de Amargo, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo e de Albertina Pinto (30/12/1889 a 23/5/1962), casados na Miuzela, em 28/12/1912, de onde ela era natural. Remetendo aos seus progenitores encontramos as suas raízes e origens, como já referimos em Algodres, de onde era natural seu pai, irmão de Alzira Correia Peixoto, professora em Vilar de Amargo e de quem era sobrinho. Virá a marcar de forma indelével a sua época, desenvolvendo uma ação preponderante, a nível científico e sendo uma figura proeminente, que serviu a ciência a que se dedicou, de modo incomparável, contribuindo para o conhecimento de Portugal em todo o mundo. Porém, não esquecerá nunca a terra que o viu nascer e numa atitude de grande generosidade e altruísmo, marcada por uma extrema abertura “ao Outro” e às suas necessidades, terá ao longo dos tempos, um contributo preponderante para o progresso da Miuzela, a vários níveis. Numa atitude de estima, gratidão e homenagem o povo da Miuzela, através da Junta de Freguesia, cujo presidente era Francisco dos Santos, fez surgir em 1997 o seu nome na toponímia da terra,

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com a Rua Professor Doutor José Pinto Peixoto, (fig. 13), junto à Fonte, no Largo de Santo António.

Figura 13: Placa toponímica em homenagem ao Professor Doutor José Pinto Peixoto, na sua terra natal, Miuzela

Mais tarde, em 1999, surgiu a Associação Professor Doutor José Pinto Peixoto e em 2002 foi criado o prémio com o seu nome, destinado ao melhor aluno do 1º Ciclo do Ensino Básico que frequentasse a escola da Miuzela e, atualmente, ao melhor aluno do Ensino Básico. Em agosto de 2013, após as obras de restauro, iniciadas em fevereiro de 2010, foi inaugurada, na sua terra natal, a Casa de Cultura, Professor Doutor José Pinto Peixoto, doada pelos seus sobrinhos, (fig. 14).

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Figura 14: Placa toponímica em homenagem ao Professor Doutor José Pinto Peixoto, na sua terra natal, Miuzela

Também a sede do concelho, Almeida, não ficou indiferente ao seu valioso contributo para o desenvolvimento da região, onde deixou marcas profundas, pelo que em 2006, com o Presidente da Câmara, Professor António Baptista Ribeiro, foi atribuído igualmente o nome Professor Doutor José Pinto Peixoto a uma avenida, fora de muralhas, onde se localiza a escola EB 2, 3+S, Dr. José de Casimiro Matias, e cuja placa evocativa remete, lembrando ou dando a conhecer, de forma sucinta e criativa o currículo vastíssimo do Professor Doutor José Pinto Peixoto, (fig. 15).

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Figura 15: Placa toponímica em homenagem ao Professor Doutor José Pinto Peixoto, em Almeida, muito bem identificada e preservada

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Conhecido e lembrado como referência nacional e mundial no domínio da geofísica, da História das Ciências da Atmosfera, da Hidrologia, da Termodinâmica e das Teorias do Clima e da Meteorologia, o Professor Doutor José Pinto Peixoto salientou-se e é referido entre os cientistas mundiais. Considerado um vulto da ciência de grande renome surge na toponímia guardense, sendo evocado, numa das ruas e travessas do Bairro do Pinheiro, (fig. 16), transversal à Avenida Cidade de Wattrelos.

Figura 16: Placas toponímicas em homenagem ao Professor Doutor José Pinto Peixoto, nem sempre bem preservadas, com o nome incompleto e sem qualquer referência

profissional, o que suscita muitas dificuldades a nível da identificação correta

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Nesta sequência, como filho e amigo da Guarda que era, porque natural do distrito que queria ver crescer e progredir, acalentou o sonho, por que lutou acerrimamente, no intuito de que a Universidade da Beira Interior aqui se implantasse e funcionasse. Porém, por motivos diversos e que o ultrapassaram não conseguiu concretizar o seu grande desejo, mas o seu enorme interesse e luta pelo distrito natal, não passaram despercebidos a muitos. Tal leva-nos a inferir, que talvez fosse este facto, que tão bem traduz a sua ligação e apego às suas origens e raízes, além de outros, como o seu destaque científico, a nível nacional e mundial, que consequentemente terão contribuído para que o seu nome surgisse na toponímia da Guarda.

Também no IUBI (Instituto Universitário da Beira Interior), atualmente UBI, (Universidade da Beira Interior), na Covilhã, onde lecionou e investigou como homenagem foi atribuído o seu nome a um dos auditórios. O seu imenso saber e notoriedade concederam-lhe, apesar da sua humildade e simplicidade, uma enorme visibilidade. Tal permite-nos, remetendo às conexões das conexões descobrir e estabelecer novas conexões, inferindo que estas não se materializaram apenas na região, mas se estenderam à capital, onde viveu e exerceu a sua profissão docente. Assim, soubemos que também os seus alunos não ficaram indiferentes e quiseram ter um gesto demonstrativo da sua admiração, pois logo após a sua morte, afixaram, no exterior do prédio, da sua residência, no Restelo, ao cimo da rua do Mosteiro dos Jerónimos, uma placa em sua homenagem, traduzindo a sua gratidão.

Podemos afirmar que a sua personalidade foi mediática na época, sobressaindo pela sua intervenção a vários níveis: social, cultural, político e religioso. Foi neste contexto, que a Câmara Municipal de Lisboa, através da sua Comissão Municipal de Toponímia lhe prestou a sua

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Homenagem, editando um opúsculo da sua biografia e referindo, que Pinto Peixoto encontra-se entre os raros que dão impulsos determinantes para o aprofundamento dos conhecimentos científicos, considerando-o uma figura cimeira da Física do Clima, a nível mundial, surgindo o seu nome na toponímia da cidade, numa rua da freguesia do Lumiar-Telheiras, a partir de julho de 1997.

Em 1998, na semana de 6 a 10 de novembro, pretendendo lembrar o seu aniversário natalício, ocorreram vários eventos, em Lisboa, incluindo a ida no dia 7, à Miuzela, sua terra natal, com a romagem à sua campa, no cemitério e a celebração de missa em sua memória, seguindo-se a visita à UBI, (Universidade da Beira Interior), na Covilhã, no dia 8.

Destacamos a 9 de novembro de 1992, a Homenagem Nacional, da cidade de Lisboa, presidida por sua Excelência, o Presidente da República, Doutor Jorge Sampaio, decorrendo nos Paços do Concelho, o Simposium Professor Doutor José Pinto Peixoto, com jantar de homenagem oferecido pela Câmara; a exposição evocativa da Obra e da Pessoa do Professor Doutor José Pinto Peixoto; a publicação da Obra inédita do Professor Doutor José Pinto Peixoto; a cunhagem de uma Medalha Evocativa (edição limitada).

Mais tarde, em março de 2003, a mesma Câmara na pessoa do Doutor Pedro Santana Lopes reiterou esta Homenagem com o descerrar da placa evocativa Professor Doutor José Pinto Peixoto, (fig. 17).

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Figura 17: Placa em homenagem ao Professor Doutor José Pinto Peixoto

Seguiu-se, de imediato, a elevação da estátua do Professor Doutor José Pinto Peixoto, (fig. 18), custeada por subscrição pública, da autoria do Mestre Laranjeira Santos, no Largo de Jesus, no Campo Grande, em frente à Faculdade de Ciências, em Lisboa, de cuja Academia foi Presidente durante largos anos.

Figura 18: Estátua do Professor Doutor José Pinto Peixoto, no Campo Grande, em frente à Faculdade de Ciências, em Lisboa, evocativa

da homenagem feita a 30 de março de 2003

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Mas a sua influência não se limitou a Portugal, ultrapassou fronteiras, surgindo o seu nome em diversos países da Europa e representando Portugal no estrangeiro, a nível da ciência, como Membro e cientista convidado no Departamento do MIT (Massachussets Institute of Technology) nos Estados Unidos; Consultor do Atmospheric Environmental Research (USA); Membro do Painel Internacional de Meteoreologia da Nato, em Bruxelas, e Delegado da Comissão Científica e Política Tecnológica da OCDE, desde 1970, além dos múltiplos cargos que exerceu. Subjacente à questão da toponímia que aprofundámos, revisando o passado para projetá-lo no futuro, está a ideia essencial de sensibilização e desafio em relação às gerações mais jovens, não esquecendo o seu papel fundamental na construção de uma nova terra. Como seres no mundo, seres universais, somos responsáveis pela terra que habitamos, devendo restaurar a frágil teia de conexões que nos une a todos os demais seres vivos, devido à qual e pela sua interdependência chegámos até aqui. A História nunca está acabada em definitivo, refazendo-se constantemente. Refletindo-a nós podemos encontrar o melhor caminho. Nada é inultrapassável, falamos do passado e deixamos o rastro do presente para os que nos sucederem.

Este é o desafio que queremos deixar aos vindouros, porque a vida é feita de tempos, cada vida, marcando as vidas tempo no devir! Cada tempo é tempo diferente, conforme os sentimentos e a gente… (Carqueja, 2005, p. 126).

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Mapas

Castro, João Baptista de, (1762-1763). Mappa de Portugal Antigo e Moderno, 2ª ed., 3 tomos, Lisboa Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno.

Google Maps/ IGP/DGRF, 2014.

INE, Censos 2001.

INE, Censos 2011.

Bibliografia

Academia Portuguesa da História, (1958). Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios, vol. I, Lisboa.

Arquivo da Cúria Diocesana da Guarda – Livro do Clero da Diocese da Guarda

Arquivo Distrital da Guarda – Registos Paroquiais

Arquivo Histórico Militar de Lisboa-Lista de Antiguidade dos Oficiais da Metrópole

Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa-Lista de Antiguidade dos Oficiais das Colónias Ultramarinas. Fichas do Corpo Expedicionário Português (1ª Guerra Mundial)

Arquivo Histórico Militar de Lisboa

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Arquivo da Junta de Freguesia de Almendra

Arquivo Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo – Registos Paroquiais

Arquivo Municipal de Vila Nova de Foz Côa – Registos Paroquiais Arquivo Paroquial da Abadia de Vilar de Amargo – Registos Paroquiais

Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, Serviços Técnicos- Seção de Obras

Conservatória do Registo Civil de Figueira de Castelo Rodrigo, Livros de assentos de Nascimentos e Óbitos Seção de Finanças de Figueira de Castelo Rodrigo, Livro de Matrizes antigas

Azevedo, D. Joaquim. (1877). História Ecclesiástica da cidade e Bispado de Lamego. Porto. Typographia do Jornal do Porto.

Carqueja, Maria da Assunção. (2005). Poemas. Ed. Adriano Vasco Rodrigues, Gráfica Coimbra Limitada, Coimbra.

Costa, P. A. (1868). Corografia Portugueza e descripçam topográfica do reyno de Portugal, t. I, 2ª ed., Braga.

Evans-Prietchard. (1985). Antropologia social, Perspectiva do Homem. Lisboa. Edições 70, Wws.

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Ribeiro, Wagner C, (2005). Património da Humanidade Cultura e Lugar. Universidade de São Paulo, São Paulo. Edições Diálogo.

Ribeiro, Orlando. (1970). Ensaios de Geografia Humana e Regional. Lisboa. 1ª ed.

Rodrigues, Adriano Vasco. (1984). Enigmas da História de Ribacôa – Um crime em Vilar de Amargo, in O Primeiro de Janeiro, Suplemento incluído na edição de 30-09-1984.

Torga, Miguel. (s.d). Novos Contos da Montanha. Coimbra. 7ª edição.

Torga, Miguel. (1994). Antologia Poética. Lisboa. Publicações D. Quixote e Herdeiros de Miguel.

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Vidigal, Luís. (1996). Os Testemunhos orais na Escola – História Oral e Projectos Pedagógicos. Porto. Edições Asa.

Publicações periódicas

Jornal “O Primeiro de Janeiro”, edição do dia 30 de Outubro de 1984.

Sítios institucionais:

www.panoramio.com/user/1410311

h t tp ://www.cm- fc r .p t/conce lho/f r egues i a s/Pag ina s/VilardeAmargo.aspx

http://www.terralusa.net/?site=179&sec=part4

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http://www.cp.pt/cp/

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Google Maps. (www.maps.google.pt)

TeleAtlas, 2008. (www.teleatlas.com)

TeleAtlas, 2009. (www.teleatlas.com)

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Ladislau Patrício: um médico/escritor na toponímia guardense

Hélder Sequeira

Palavras-chave: Ladislau Patrício, Guarda, Toponímia, Medicina, escritor

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A toponímia da Guarda é um vasto campo para estudo e investigação e pode levar-nos à (re)descoberta de múltiplas facetas do seu passado, validado por mais de oito séculos de história, enquanto urbe. O conhecimento de uma cidade, da sua história, passa também pela informação sobre os nomes perpetuados na toponímia; desde logo pelo conhecimento de personalidades marcantes, cuja projeção foi muito para além destas terras beirãs. O médico e escritor Ladislau Patrício é um bom exemplo do que acabamos de afirmar, pelo que fazemos a sua evocação neste Fórum sobre Toponímia.

A Guarda como referência

De entre as figuras que se destacaram na Guarda, da primeira metade do século XX, sobressai o médico Ladislau Fernando Patrício, nascido, nesta cidade, a 7 de Dezembro de 1883; neste “degrau da Estrela”1 passou a sua infância e iniciou os seus estudos. Em Coimbra, onde deu sequência à sua formação académica, conviveu “fraternalmente com alunos das diversas Faculdades, alguns dos quais se distinguiram mais tarde, pela vida fora, no campo das ciências, das artes, das letras e da política: António Sardinha, Alfredo Pimenta, Hipólito Raposo, Veiga Simões, Alfredo Monsaraz, Vicente Arnoso, Carlos Amaro, Cândido Guerreiro, Ramada Curto, João de Barros e outros” 2. Ladislau Patrício concluiu a formatura em Medicina a 30 de Setembro de 1908. Ainda antes de terminar os estudos conducentes à obtenção do seu grau académico, já prestava cuidados médicos, como ele

1 Expressão com que o poeta Augusto Gil designava a Guarda.2 Como se podia ler no texto intitulado “Alguns dados biográficos e bibliográficos de Ladislau

Patrício”, enviado a Manuel Luiz Vaz Júnior, para suporte de um trabalho a apresentar na Rádio Altitude; correspondência que nos foi gentilmente facultada pelos familiares deste último.

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próprio revelou, tendo “praticado no Sanatório em 1907 quando da sua fundação”3; foi solicitado também, em diversas ocasiões, para prestar serviços no meio citadino. Nessa época, a cidade era uma “aldeia grande, com as mil deficiências que caracterizavam os pequenos burgos do interior: seriam pouco mais de seis mil os seus habitantes, acantonados no velho bairro de São Vicente, com a cidade nova a querer romper pelo Campo de S. Francisco, Bonfim e Arrabalde”4. Em 1909 foi opositor a um concurso para exercer as funções de médico municipal em Loulé, requerimento apreciado na sessão ordinária, da Câmara local, de 26 de Agosto desse ano5. A nomeação, para o lugar do “partido médico” ocorreu a 2 de Setembro de 1909, como se pode ler na acta da sessão do executivo municipal6. A sua estada não foi longa, entrecortada com algumas ausências7, pois o seu pensamento continuava na mais alta cidade de Portugal. O seu desejo concretizou-se; meses depois, regressou à Guarda, “onde trabalhou profissionalmente em clínica geral e na

3 Vd. Ernesto Pereira, Homens que Honram a Guarda – Ladislau Patrício, A Guarda, 29 de Novembro de 1963, nº 2901.

4 Vd. José Maria de Almeida, “No Centenário do Dr. Ladislau Patrício 1 (1883-Dezembro-1893)”, in A Guarda, 25 de Novembro de 1983. José Maria de Almeida trabalhou no Sanatório Sousa Martins no tempo de Ladislau Patrício, que em 1950 o convidara para o lugar de chefe dos Serviços Administrativos (função correspondente ao antigo gerente do Sanatório).

5 Vd. Actas de Vereação, CMLLE/BA/001/ Lv 142, anos 1905-1912, fl. 98 e 98 v., Arquivo Histórico de Loulé.

6 Vd. Actas de Vereação, CMLLE/BA/001/ Lv 142, anos 1905-1912, fl. 98 e 98 v., Arquivo Histórico de Loulé.

7 Isilda Maria Renda Martins, numa das passagens da obra “Loulé no Século XX: I – Da decadência da Monarquia à implantação da República”, Edições Colibri, Lisboa, 2001, relativa à saúde pública, faz alusão aos “pedidos de licenças dos facultativos do partido”, quadro em que aparecem mencionados dois pedidos, por motivo de doença, de Ladislau Patrício, um pelo período de trinta dias, com data de 28 de Outubro de 1909 e outro, por 90 dias, com data de 7 de Maio de 1910. Vd. p. 158, ob. cit. Recorde-se que o seu pedido de exoneração foi deferido a 4 de Maio desse mesmo ano.

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especialidade de tuberculose”8. Embora tenha sido breve a sua passagem pela vida política, Ladislau Patrício desempenhou, em 1910, as funções de Vice-Presidente da Comissão Executiva do Centro Republicano da Guarda, presidida por seu cunhado, o poeta Augusto Gil9. Em vários artigos publicados na imprensa, sobretudo no jornal Actualidade, Ladislau Patrício denotava o seu ideal republicano e alertava para algumas dificuldades ao nível da consolidação do novo regime. Aliás esteve, durante algum tempo à frente dos destinos da autarquia guardense, cargo que abandonou, deixando transparecer algum desencanto pela evolução da política local, provavelmente ainda no calor da polémica que se estabeleceu entre o sector afecto a Arnaldo Bigote e outros elementos republicanos da Guarda. Ladislau Patrício deu, por essa altura, novo rumo à sua intervenção profissional e cívica na Guarda, a terra dos seus encantos. Augusto Gil e o matemático Mira Fernandes (cunhado de Ladislau Patrício) tinham procurado que o terceiro director do Sanatório Sousa Martins se fixasse em Lisboa, para desenvolver aí a sua actividade profissional. Apesar de tudo, não o conseguiram demover da ideia de permanecer na localidade que o viu nascer. “Na Guarda, a que tanto queria e exaltava, ficaria, pois a suavizar males físicos e morais, a irradiar simpatia e humanismo, espírito, a prestigiar a sua terra, nos limites do distrito e pelo País”10. No Liceu Nacional, Ladislau Patrício exerceu funções docentes. O despacho ministerial de nomeação tem data de 20 de Dezembro de 1911.

8 Vd. doc. cit.

9 Vd. o jornal Actualidade, 22 de Novembro de 1910, nº 4, p. 1. Augusto Gil, neste mesmo jornal, sublinhava com regularidade a sua postura como republicano, não esquecendo as datas que marcaram a afirmação da República. “Trinta e um de janeiro e cinco d’outubro são duas datas que um fio d’oiro liga. Fio bem ténue, por vezes, porém sempre indestructível porque esse oiro tinha a cohesão suprema: a indomavel força das ideias e das vontades.” Vd. Actualidade, 31 de Janeiro de 1911.

10 João Patrício, ob. cit., p. 31.

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Dois anos depois, Ladislau Patrício mudou o consultório (onde trabalhava com António Proença) para o nº 1 da Rua da Victória, “com frente para a Praça de Camões e Rua do Comércio”11. Por altura da primeira guerra mundial, o médico guardense foi nomeado director de um sanatório para soldados tuberculosos, instalado no antigo colégio dos Jesuítas, em S. Fiel, nas proximidades de Louriçal do Campo (Castelo Branco). Em 1917, o Ministro da Guerra, como evocou Ladislau Patrício numa das suas obras12, prevendo “o retorno ao País duma caterva de soldados tuberculosos, saídos das fileiras do corpo expedicionário à França e África, encarregou uma comissão de médicos de estudar o momentoso problema (Novembro de 1917). Compreendeu-se que era injusto, cruel e perigoso, deixar os soldados tuberculosos nos seus humildes lares, logo após o regresso dos campos de batalha, sem nenhuma atenção especial da parte do Estado; sem qualquer medida de protecção ou de assistência à sua desgraça; sem estabelecer em volta deles uma barreira cautelosa de providências profilácticas, que obstasse eficazmente a que no seio das famílias desempenhassem o sinistro papel de agentes disseminadores da doença, constituindo, pela progressão geométrica do contágio, uma verdadeira calamidade nacional e, pelo espectáculo da sua invalidez desprezada, um degradante sintoma de ingratidão!”. Da estada, naquela instituição, entre 1917 e 1919, deu conta num relatório que publicou, em 1920, sob o título “A Assistência em Portugal aos feridos da guerra por tuberculose”. No livro Altitude – O Espírito na Medicina faz também alusão ao encerramento do Sanatório Militar de S. Fiel, em Setembro de 1919.

11 Vd. O Combate, 9 de Agosto de 1913, nº 413, p. 2.12 Vd. Altitude – O Espírito na Medicina, Edições Europa, Lisboa, 1938, pp. 51-52.

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Um novo ciclo

Em Outubro desse mesmo ano13, e com o regresso à Guarda, aqui retomou o exercício da sua actividade clínica “na cidade (a maior parte das vezes gratuita) e pelas vilas e aldeias do distrito (...)” 14.

Figura 1: Ladislau Patrício

Em 1922, a convite do médico Amândio Paul, passou a trabalhar (como subdiretor) no Sanatório Sousa Martins, Nesta unidade de saúde desempenhou, entre 1932 e 7 de Dezembro de 1953, as funções de Director15, sucedendo a Amândio Paul. Os

13 Na edição de 20 de Setembro de 1919, do jornal O Combate, nº 662 é referido, na primeira página, que Ladislau Patrício retoma “a sua clínica em Outubro”. Vd. p. 1.

14 Vd. João Patrício, ob. cit., p. 4415 Foi convidado para aquelas funções por Fausto Patrício Lopo de Carvalho (filho de Lopo de

Carvalho, o primeiro diretor do Sanatório da Guarda).

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Sanatórios constituíram, aliás como aconteceu com os Dispensários, um dos elementos essenciais da luta contra a tuberculose, reforçando-se igualmente, a partir de certa altura, a importância da existência de centros pós-sanatoriais de readaptação profissional16. Perante os receios que alguns sectores populacionais manifestavam relativamente à existência de uma estância sanatorial na Guarda17, Ladislau Patrício, não raras vezes, tranquilizava os habitantes da Guarda, através de alguns artigos publicados na imprensa local. Ladislau Patrício era uma pessoa preocupada em actualizar-se, permanentemente, e estar a par dos avanços da Medicina. Viajava, assim, com frequência, para o estrangeiro, em especial para a Suiça, ou não fosse aí que as estâncias sanatoriais tivessem alcançado grande projecção. Outros projectos implementados na Suiça mereceram, igualmente, atenção em Portugal, como seja o caso da criação de um Sanatório Universitário, uma ideia (surgida em 1914) do médico Louis Vauthier, materializada na instituição de Leysin. A iniciativa visava, fundamentalmente, “curar nas melhores condições materiais e morais os professores e os estudantes portadores de tuberculose curável, fornecendo-lhes ao mesmo tempo os meios para poderem continuar, numa certa medida, os seus estudos e os seus trabalhos”18. Em Portugal, e através da acção da Associação de Estudantes de Medicina de Lisboa, foi definida a fundação de um sanatório universitário, “tipo Vauthier”, na Guarda. Ficou mesmo estipulado,

16 Veja-se, a propósito, Helder Sequeira, O Dever da Memória – Uma Rádio no Sanatório da Montanha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2003, p. 42.

17 Estes receios eram igualmente manifestados por alguns clínicos, como se pode concluir da polémica em torno desta questão, que o Dr. João Sacadura protagonizou nas páginas do Comércio da Guarda e que originou o livro Tuberculosos Curados (Ed. Imprensa Portuguesa, Porto, 1904), da autoria dos Drs. Lopo de Carvalho e Amândio Paul.

18 Vd. Ladislau Patrício, Altitude – O Espírito na Medicina, Edições Europa, Lisboa, 1938, p. 138.

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“entre os alunos das Faculdades e das Escolas superiores do País, o pagamento duma contribuição individual de 40$00 anuais para ajudar a custear as despesas com o funcionamento do sanatório. A construção do edifício ficaria a cargo da A.N.T. Esteve lavrado um Decreto autorizando a cobrança dessa pequena contribuição no acto do encerramento das matrículas. Faltava então o quási nada para que tivéssemos hoje um Sanatório Universitário em Portugal…”19. Um desejo que Ladislau Patrício não viu concretizado. Ao Sanatório da Guarda consagrou este médico uma significativa parte da sua vida, enaltecendo, sempre que tinha oportunidade, as condições do local em que estava edificado e a sua influência nos doentes. Ladislau Patrício estendeu a sua actividade clínica ao Hospital Francisco dos Prazeres20, presidindo à Liga de Amigos daquela unidade de saúde. Para além deste estabelecimento hospitalar, trabalhou na Delegação de Saúde da Guarda e no Lactário desta cidade, após a morte do Dr. António Proença. Consciente do vasto campo da acção do profissional de saúde, Ladislau Patrício, era tanto “médico dos ricos como dos pobres”21. “Para se ser médico, bom médico, – escrevia – isto é, para se possuir espírito médico, não basta conquistar depois de alguns anos de aprendizagem (o que seria uma simples questão de tempo) o diploma de doutor em Medicina. Para se ser verdadeiramente médico é necessário dispor dum conjunto de qualidades especiais, direi mesmo excepcionais, com as quais se nasce e que não se adquirem. Numa palavra: é preciso

19 Ladislau Patrício, Altitude – O Espírito na Medicina, Edições Europa, Lisboa, 1938, p. 138.20 Vd. Antero Marques, “Dr. João Patrício”, in A Guarda, 6 de Março de 1981. “Como médico

coube-lhe exercer os mais altos cargos do seu tempo, a saber: médico Municipal, Delegado de Saúde, Director de Enfermaria no Hospital Dr. Francisco dos Prazeres que veio a acumular com as funções de Director Clínico do mesmo e do qual se despediu quando passou a Director do Sanatório Sousa Martins”.

21 Na expressão do Dr. Pires da Fonseca.

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vocação 22”. A sua vida, como já se depreendeu do que dissemos atrás, foi passada na Guarda. Nos primeiros anos de casado, Ladislau viveu numa casa à entrada “de uma das ruas que abandonam a Praça da Sé ou Praça Velha”23; depois noutra na antiga rua do Arrabalde (que, por deliberação camarária de 6 de Julho de 1900 se passou a designar de Rua Lopo de Carvalho) e ainda numa habitação situada na Rua Direita (actualmente designada Rua Francisco de Passos24, alteração que foi determinada pelo executivo municipal guardense, em reunião realizada a 5 de Janeiro de 1925). A última residência de Ladislau Patrício, na Guarda, foi numa moradia, por ele adquirida, com entrada pela actual Rua do Encontro, e “dando volta para a rua do Asilo”25, hoje Rua Soeiro Viegas. Nessa casa passou a habitar no ano de 1928. Embora com uma vida profissional extremamente preenchida, Ladislau Patrício colaborava regularmente em iniciativas de ordem cívica ou cultural, para as quais era frequentemente convidado. No ano de 1939 foi eleito vogal da Ordem dos Médicos, estrutura profissional que teve como primeiro bastonário o Prof. Elísio de Moura, docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Por proposta de Ladislau Patrício foi criada, no âmbito da Ordem, a especialidade de Tisiologia, “com o acordo unânime dos membros do Conselho Geral”26. No Sanatório Sousa Martins sabemo-lo empenhado em

22 Vd. Ladislau Patrício, Os Médicos e o Público, Separata de A Medicina Contemporânea, nº 36, 6 de Setembro de 1931, Lisboa, 1931, pp. 7-8.

23 Vd. João Patrício, p. 25.24 O Major Francisco de Passos foi Governador Civil do distrito da Guarda.25 Vd. ob. cit., p.25.26 Doc. cit. Sessão de 18 de Julho de 1942 do Conselho Geral da Ordem dos Médicos. Vd. tb.

Ladislau Patrício, O Bacilo de Koch e o Homem, Ed. Cosmos, Col. Biblioteca Cosmos, dir. de Bento de Jesus Caraça, Lisboa, 1945, p. 20.

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apoiar, em finais da década de quarenta, a radiodifusão sonora no seio daquela unidade de tratamento da tuberculose. “Fez no dia 29 de Julho um ano que se criou no Sanatório Sousa Martins a estação emissora Rádio Altitude por iniciativa feliz de rapazes de boa vontade – iniciativa que teve desde logo a sanção e o apoio do ilustre director e distinto escritor, Sr. Dr. Ladislau Patrício (...), obra que tanto prestigia o Sanatório e a cidade da Guarda á qual tem dado a sua autorizada protecção (...)”27. Diversas vezes utilizou os microfones daquela rádio para fazer chegar a sua mensagem, em simultâneo, aos seus concidadãos. Na passagem do 750º aniversário da cidade, assinalou a efeméride naquela emissora, através de uma intervenção onde exaltava a Guarda, como terra da saúde, de progresso, apesar dos rigores térmicos. Ladislau Patrício há muito se empenhava na construção de um novo pavilhão sanatorial, anseio que levou a bom termo. Em Abril de 1953 as obras estavam perto da conclusão. A 31 de Maio, desse mesmo ano (1953), viu inaugurado o Pavilhão Novo do Sanatório Sousa Martins, um “edifício gigantesco com 250 metros de comprido e com 350 leitos destinados exclusivamente a doentes pobres”28.

Na Guarda da memória

No ano de 1953, Ladislau Patrício completou 70 anos, “atingindo assim o limite de idade oficial como delegado de Saúde e director do Sanatório, onde prestou serviço durante 31 anos, 12 como

27 Vd. Correio da Beira, 3 de Agosto de 1949. “O Correio da Beira sauda os corpos directivos do Rádio Altitude pela bela obra cultural e recreativa que vem realizando, não só em proveito próprio como em proveito da cidade – do bom nome da Guarda, e faz votos porque não lhes falte, por parte da cidade, a precisa colaboração para que se acentuem os seus progressos desta simpatica e benemérita instituição”.

28 Vd. A Guarda, 5 de Junho de 1953. Esta inauguração esteve inicialmente prevista para o dia 28 de Maio, desse mesmo ano.

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médico assistente e 19 como director”29. Numa sessão de homenagem, subsequente, que lhe foi prestada o seu nome foi atribuído a uma das avenidas do parque do Sanatório.

Figura 2: Nome de Ladislau Patrício no Parque do Sanatório

Após a intervenção de alguns amigos, com influência nos meios políticos da época, Ladislau Patrício foi encarregue de escrever a história da tuberculose em Portugal, pelo que receberia três mil escudos mensais30. O ex-Director do Sanatório Sousa Martins foi

29 Vd. João Patrício, O Passado que ficou, Ed do autor, Lisboa, 1982, p. 119.30 A sugestão para Ladislau Patrício efetuar um trabalho sobre a história da luta contra a

tuberculose, em Portugal, tinha já sido alvitrada, pelo então Ministro do Interior, no decorrer da sessão inaugural do Pavilhão Novo do Sanatório Sousa Martins. “S. Exª teve para com o Sr. Dr. Ladislau palavras

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viver para Lisboa, em finais de Fevereiro de 1955. Já a viver na capital, o clínico guardense foi escolhido para Presidente do Conselho Regional da Casa das Beiras, função que viria mais tarde abandonar, a seu pedido. Foram raras as suas visitas à Guarda, onde continuava a ser estimado e recordado, em especial por aqueles que com ele mais tinham privado, como seja o caso de Nuno de Montemor. Ladislau Patrício faleceu em Lisboa na noite de Natal de 1967. O seu nome figura na toponímia lisboeta, atribuição feita em 27 de Maio de 1987, por decisão do executivo da Câmara Municipal de Lisboa31. Ladislau Patrício é também evocado na Guarda, desde 1893, numa das artérias da Quinta do Pinheiro32 que liga à rua Dr. António Patrício Gouveia. A autarquia guardense deliberou a designação de uma das ruas dessa zona da cidade em reunião do executivo, realizada a 22 de Fevereiro de 1983. “A Câmara deliberou designar uma das ruas dum bairro da periferia da cidade com o nome de Doutor Ladislau Patrício, no ano em que se comemora o 1º Centenário do nascimento deste investigador, médico e cientista que dedicou a sua vida aos doentes da Guarda e doutros pontos do País”33. O acto de atribuição do nome ocorreu a 15 de Maio de 1983.

de muito apreço e sugeriu-lhe a ideia de escrever a história da luta contra a tuberculose na Guarda e no país, exaltando as suas raras qualidades de escritor”. Vd. A Guarda, 5 de Junho de 1953.

31 Vd. Notícias da Guarda, 15 de Junho de 1987, p. 4. “O local da anunciada inauguração (...) é na Alameda das Linhas de Torres, na nova praceta fronteira ao Quartel Militar”.

32 Virgílio Afonso, em artigo publicado no ano de 1981, sugeria à Câmara Municipal da Guarda a inserção do nome de Ladislau Patrício na toponímia da cidade. “Entendemos que foi uma figura de destaque como médico e escritor, guardense de grande bairrismo, cuja memória não deveria ser esquecida na sua terra”, como salientava Virgílio Afonso na Toponímia Histórica da Guarda, Ed. Câmara Municipal, 1984, p. 130. O que veio a acontecer em 1983, aquando da passagem do centenário do nascimento de Ladislau Patrício.

33 Vd. A Guarda, 4 de Março de 1983.

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Figura 3: Rua Ladislau Patrício (na Quinta do Pinheiro)

Ladislau Patrício é um dos nomes consagrados na galeria de médicos-escritores34, tendo manifestado bem cedo a sua faceta de homem de cultura. No Sanatório Sousa Martins apoiou projetos com indiscutível alcance cultural e social; foi o caso do jornal Bola de Neve e da Rádio Altitude, que estiveram dependentes, inicialmente, da Caixa Recreativa daquela unidade hospitalar. O Bacilo de Kock e o Homem é uma das suas obras, de cariz científico, mais divulgadas, a qual se integra na Biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça; não deixa de ser significativa a presença de Ladislau Patrício nesta colecção. Altitude – O espírito na Medicina é outro expressivo trabalho de Ladislau Patrício, reunindo impressões, “vivas reacções dum

34 Conjunto onde figuram nomes como Sousa Viterbo, Leite de Vasconcelos, Júlio Dinis, Ricardo Jorge, Miguel Torga, Fernando Namora, João de Araújo Correia e Miguel Torga, entre outros.

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temperamento perante determinada série de factos”35, onde o autor deixa vincado que o médico, para além das suas funções técnicas, “tem uma missão espiritual a cumprir. A sua atitude na vida, e sobretudo no tratamento dos doentes, deverá ser a do sábio que procura a verdade e a do artista que cultiva a ilusão...”. Como escreveu Augusto Gil, “os homens só valem pelo que de bondade e verdade tragam aos outros homens, porque uma e outra não caíram nunca em terra estéril, nem mesmo quando tombam na indiferença de rochedos”. A toponímia funciona como um rochedo na salvaguarda da memória de nomes que fizeram a cidade, que a prestigiaram e cumpriram os seus próprios desígnios, cumprindo a cidadania e a solidariedade. Ladislau Patrício, que evocámos neste Fórum, deve ser recordado e estudado, enquanto cidadão guardense, médico, escritor, paladino da luta contra a tuberculose.

Bibliografia

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PATRÍCIO, Ladislau, O bacilo de Koch e o homem: questões médico-sociais da tuberculose pulmonar, Ed. Cosmos, Lisboa, 1945.

35 Como salienta o autor no prefácio desta obra.

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2002.

SEQUEIRA, Helder, O Dever da Memória – Uma Rádio no Sanatório da Montanha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2003.

Jornais consultados:

Actualidade, 1910-1912Bola de Neve, 194-1952Combate, O, 1910-1949Correio da Beira, 1949-1954Distrito da Guarda, 1920-1932Guarda, A, 1910-1983

Revistas:

Altitude, 1941-1942Terras de Portugal, 1934

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

Reflexões, Problemática e Contradições na Toponímia

António Saraiva

Palavras-chave: toponímia, Guarda, urbanismo, tecnologias

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A toponímia, enquanto focalizada no espaço urbano, é sem dúvida um elemento importante para se compreender a evolução histórica da urbe, para além de ser informação fundamental que milhares de olhos procuram diariamente. No entanto, será que a localização das placas toponímicas, o seu formato, lettering e material em que são executadas, serão os correctos? E quais os critérios de atribuição das referências nelas contidos? Enquanto elemento utilitário, a toponímia é também uma referência poética, eloquente, artística e cultural. Mas se no presente, é revestida destes atributos, não foi com certeza no passado e poderá ou não sê-lo no futuro. Como irão evoluir estes elementos urbanos, tendo em conta as novas tecnologias e qual o seu contributo para a estrutura urbana?A presente comunicação, inserida no 3.º Fórum de Toponímia na Guarda, não pretende mais do que deixar os conferencistas a refletir sobre estas e outras questões, problemas e contradições que envolvem a temática do evento.

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

Desde logo, uma abordagem em torno do desenvolvimento urbano e a toponímia.

Aquando do licenciamento de loteamentos e urbanizações, deveria ou não ser obrigatório a indicação da toponímia para os futuros arruamentos, praças e largos de modo a evitar designações provisórias ou mesmo ausência de qualquer atributo durante longos espaços temporais com os transtornos inerentes? Com a implementação destas medidas seria necessário que as autarquias dispusessem de uma “bolsa de topónimos” e uma permanente atualização de dados. Associada à estrutura urbana uma outra questão se levanta e que não é mais do que a ligação existente ou não entre o referenciado e o local onde é aposta a placa. Seria de todo benéfico que essa dialética existisse quando se trata de menções locais, sejam elas de pessoas, eventos, atos ou outros. Mas como será possível materializar este desejo se nos defrontamos com a maioria do espaço público já sob a designação de topónimos? Alterar topónimos? Desde logo, na sua generalidade, não. Mas um outro problema, no meu entender mais pertinente, se começa a vislumbrar para os espaços urbanos de pequena e média dimensão - a estagnação urbana. Como será possível continuar a utilizar as placas de toponímia como meio homenageante, de referência e memória se muitas das nossas povoações estão a perder gente e não existe crescimento urbano?

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Uma outra abordagem que proponho à reflexão é o papel da toponímia ao longo dos tempos. Se no passado a utilização de topónimos estava estritamente ligada à evolução dos lugares e das pessoas que os habitavam ou de algum elemento aí introduzido que se ia impondo na gíria popular e que levava à alteração e evolução das denominações, com o crescimento das urbes e a circulação de pessoas e mercadorias, a toponímia passou a ter uma função primordial de informação e de legibilidade urbana.

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

Mas se as placas de toponímia nunca deixaram, até ao momento, de ter esta função de elemento utilitário, todavia no presente elas são um meio homenageante, muitas vezes de uma forma tão cuidada e estética, que quase poderíamos afirmar que a personalidade identificativa de uma rua começa na placa que lhe dá nome. Mas estaremos a tratar efetivamente a toponímia desta forma com a criação de regulamentos rígidos e o recurso a placas fabricadas em série?! Ainda no presente e olhando para o amanhã, devemos questionar-nos sobre o futuro da toponímia. Será que continuarão a existir placas? E que elementos deverão estas conter? Com o desenvolvimento tecnológico fará sentido estes elementos continuarem a servir de informação ou serão somente elementos acessórios? Que desafios se poderão colocar à toponímia?

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Deixando de lado possíveis visões futuristas, debrucemo-nos sobre a realidade começando por analisar a localização das placas.

Se noutros países e cidades assistimos à implantação das placas em postes localizados nos cunhais dos arruamentos, como é o caso de Telavive, cidade nova e com espaços públicos amplos, já em Nova Iorque as placas são suspensas por cabos no centro das artérias ou fixas às estruturas dos semáforos e nos candeeiros de iluminação. Uma outra referência vai para a incrustação no pavimento como é o caso de Veneza.

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

Já em Portugal, a maioria das localizações remetem para as fachadas dos imóveis. Será o mais correto? Em artérias que apresentam uma grande dimensão na largura, serão estas legíveis? Náo será essa leitura também pela poluição de elementos e informação que está hoje em dia sobreposta aos imóveis? Claro que a algumas décadas atrás esta situação não se verificaria. É a problemática de estarmos a colocar informação coletiva numa propriedade privada, da existência de arborização em lotes que ocultam essa informação e de muitas outras situações que poderiam ser repetidas!

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Onde localizar então a informação toponímica? Recorrer a postes específicos criando mais obstáculos à mobilidade pedonal, quando na minha visão e a curto prazo mesmo os sinais de trânsito, com a atual presença, irão desaparecer?! Nos lancis dos passeios? Ou fixas aos candeeiros de iluminação quando existentes? Abstraindo-nos da mais ou menos correta localização, outras questões se colocam relativamente aos materiais utilizados, ao tipo de lettering e ao design. Matéria que de alguma forma se interliga com outra problemática que é a uniformização ou a criatividade. Relativamente ao lettering e aos materiais, e se encararmos as placas enquanto elemento funcional informativo, deveriam, respetivamente, ser legíveis e resistentes ao tempo. Da observação de inúmeras placas damo-nos conta, e como é natural, do recurso a

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

materiais disponíveis na época, como é o caso da simples pintura, até a situações mais rebuscadas com um valor artístico inigualável e que se tornam motivo de atração.

Mas voltando à questão, pretendemos da toponímia meras placas informativas, de desenho standardizado e de fabrico em série, ou pretendemos que esses elementos, embora utilitários, sejam envoltos de identidade, de valor artístico e cultural? Fará então sentido a elaboração de rígidos regulamentos de toponímia no tocante ao tipo, dimensões, cor, … das placas?Se há décadas atrás tivesse existido essa padronização, como teriam chegado até nós belos exemplos de placas que contribuem para a diferença dos lugares e enriquecem o património e a nossa cultura? E se pretendemos cair na uniformização, então porque não adotar simplesmente a solução de Espinho com a numeração de ruas

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e a inexistência de topónimos nas mesmas? Ou queremos continuar a ter nestas placas, para além da informação, elementos de valorização artística e de atração?

Abordados estes casos, olhemos então para o futuro e interroguemo-nos sobre possíveis desafios à toponímia. Mas antes dos desafios é pertinente colocar desde logo uma outra questão já referida. Irão continuar a existir placas de toponímia? Terão a atual configuração ou semelhante? Continuarão a ter uma função informativa? Ou iremos deparar-nos com écrans de plasmas, de ecrã táctil que nos dão toda a informação que pretendemos sobre a via em causa e a referência toponímica aí especificada? Ou haverá lugar a hologramas? Simples “reclames luminosos” alimentados por energia fotovoltaica ou meros Codes?

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Reflexões, problemática e contradições na toponímia

Estes elementos serão totalmente inclusivos? Como responderão por exemplo aos invisuais? Perante as novas tecnologias de georeferenciação e de informação, transformar-se-ão as placas toponímicas em exclusivos meios de homenagem e memória, já que a função de informação é remetida para tecnologia que está generalizada e ao dispor do transeunte, das forças de socorro e segurança e da logística? Assim sendo, não poderão então ser um elemento de verdadeira atração? (Muitos dos presentes tiveram conhecimento do concurso de portas artísticas que recentemente foi objeto de divulgação nos meios de comunicação e que são hoje um ponto obrigatório nos roteiros das localidades onde estão implantadas).

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Com a certeza de que a toponímia poderá ser um contributo e mais-valia em termos sociais, culturais e económicos, deixo no ar todas estas questões e reflexões, deixando igualmente o desafio à autarquia da Guarda para que, em colaboração com o IPG, possa transformar as placas de toponímia da nossa cidade em verdadeiros testemunhos históricos e artísticos e consequente valorização do património e da imagem da cidade através da abordagem a artistas plásticos para a personalização de uma placa toponímica.

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Toponímia de uma aldeia: o caso de Manigoto

Toponímia de uma aldeia: o caso de Manigoto

Manuel Celestino Martins Neves

Palavras-chaves: Placas toponímicas, Guarda, Manigoto, heráldica, topónimo

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Breve apresentação da aldeia de Manigoto

Manigoto é uma aldeia, a única que constitui a Freguesia de Manigoto e a Paróquia de Manigoto. É uma das atuais dezoito freguesias e das vinte e nove paróquias do município e arciprestado de Pinhel, distrito e diocese da Guarda.

A padroeira é Nossa Senhora da Conceição.

O Dia da Freguesia é festejado anualmente a 8 de dezembro (desde 2002).

Encontra-se numa encosta virada a sul - qual ‘desfiladeiro’ em direção à Ribeira da Pega - entre a Serra do Manigoto e o Barrocal Cego.

A aldeia mantém o seu núcleo habitacional antigo de construções rurais em granito da região e meia dúzia de casas senhoriais em boa cantaria. Algumas das construções estão marcadas por siglas e inscrições interessantes, como por exemplo “VIVA O POVO E CALAR – 1889”.

Dista 8 km da sede de município e situa-se do lado direito da Estrada Municipal 574 que liga Pinhel a Pínzio (à A25). Outras estradas municipais ligam-na às freguesias de Lameiras e de Freixedas, e à Estrada Nacional 221 (em direção à Guarda, por exemplo).

Tem a sua história e o seu património que interessa preservar, valorizar e conhecer.

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Figura 1: Vista geral da aldeia de Manigoto

As pessoas de Manigoto vivem sobretudo da agricultura, pois os seus campos são muito férteis – fruto do seu trabalho. Não foi em vão que ao longo de séculos ergueram as mãos a Deus e baixaram os braços cultivando com a enxada a terra outrora maninha.

Topónimo “Manigoto”

“Manigoto” é o nome próprio da aldeia e da freguesia, único no país. Segundo a voz do povo, não se sabe a razão de tal topónimo. António Correia Coelho defende que se admite provir Manigoto “da colonização de povos germânicos que a região assinalou” (2000: 14). Adriano Vasco Rodrigues (2004: 21-23) fala-nos do jogo manigoto, que os rapazinhos em Longroiva jogavam motivados por “um pedinte a quem chamavam “Manigoto” por ter as mãos decepadas”. E diz-nos que “é uma palavra de pura origem latina”, e que encontrou no léxico italiano.

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António Correia Coelho (2004: 25-27), voltando ao assunto, apresenta a hipótese de o topónimo Manigoto provir de manino, baldio. Talvez “um povoador godo estabelecido na região, cujas terras, podiam ser, ao tempo algo desertas e sáfaras”. O senhor do couto, aquando do repovoamento, ficou conhecido como man gothus (o homem godo). Flávia de Almeida Fernandes (2004: 29), que não encontrou o topónimo Manigoto tratado por seu pai A. de Almeida Fernandes (autor de Toponímia da Beira Alta), questiona-se se não terá a mesma raiz pré-romana mann (estéril, maninho). Jesué Pinharanda Gomes (2004: 31-39), depois de analisar várias fontes (omissas), conclui “que a zona seria uma espécie de baldio, onde os habitantes de Pinhel iriam buscar lenhas, e os lavradores teriam pastagens”. Na idade média teria surgido uma quintã, que deu origem a um povoado e mais tarde à paróquia. Em conclusão, “Manigoto” terá a ver com os godos, seja por antroponímia, seja por toponímia; local de terras outrora maninhas, que foram sendo cultivadas e habitadas.

Figura 2: O topónimo “Manigoto” entre placas

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Heráldica da Freguesia de Manigoto

O processo para a ordenação heráldica da Freguesia de Manigoto – brasão, bandeira e selo – com respetivos símbolos, foi iniciado em 2001 e concluído em 2003. O parecer da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses foi emitido em 2003-11-6. Tal ordenação heráldica foi apresentada à comunidade em sessão solene evocativa do Dia da Freguesia, em 2003-12-8, e foi estabelecida em reunião da Assembleia de Freguesia de 2003-12-30. O edital foi publicado no diário da república (III série, nº 19, 2004-1-23, p. 1741). Procedeu-se ao registo dos símbolos heráldicos na Direção-Geral das Autarquias Locais com o nº 080/2004, de 29 de abril.

Figura 3: Brasão da Freguesia de Manigoto

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O brasão da freguesia de Manigoto é constituído por escudo de azul com: braço de carnação disposto em faixa (símbolo do topónimo ‘Manigoto’ e da relíquia de S. Clemente); em chefe, coroa mariana de ouro, com pedraria de vermelho (símbolo da padroeira - Nossa Senhora da Conceição); em campanha, ferro de enxada de prata (símbolos de cidadãs e cidadãos da freguesia trabalhadoras/res em qualquer profissão ou ocupação). Coroa mural de prata de três torres. Listel branco com a legenda a negro “MANIGOTO”. O brasão foi esculpido em granito cinza da região e encastrado numa das faces da “Pirâmide da Amizade”. A bandeira é branca, com cordão e borlas de prata e azul. Haste e lança de ouro.

Figura 4: Selo da Freguesia de Manigoto

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O selo, nos termos da lei, com a legenda “JUNTA DE FREGUESIA DE MANIGOTO – PINHEL”. É usado desde 8 de dezembro de 2004.

Toponímia de Manigoto

Em 1998 o “Grupo de Amigos do Manigoto” (IPSS), através de um projeto de ocupação de jovens nos seus tempos livres (com a nossa coordenação), procedeu ao levantamento dos nomes das ruas da aldeia, quer junto de habitantes, quer na Repartição de Finanças de Pinhel consultando a matriz predial urbana de Manigoto. Em 1999, contactámos o presidente da Junta de Freguesia, e enviámos-lhe (1999-4-14) mapas com os nomes de ruas conhecidos e com novos nomes que proponhamos. Em janeiro de 2002 a Junta colocou cerca de trinta e cinco placas toponímicas. Em 2003 nova Junta conclui a colocação com mais setenta e seis placas. Após conhecimento e aprovação por parte da Comissão de Toponímia do Município de Pinhel, publicou-se a lista com os nomes de ruas, largos e travessas para informação, uniformização e divulgação. Cada topónimo pode ser tradicional ou atribuído. Sempre que existente, manteve-se o topónimo com que tradicionalmente é conhecido. Na atribuição pretendeu-se: evocar pessoas falecidas com elevadas qualidades humanas, culturais, políticas, cívicas, sociais ou científicas; evocar realidades, acontecimentos ou efemérides com interesse local. Apresentamos alguns exemplos da toponímia na aldeia de Manigoto. Os interessados poderão encontrar todos os topónimos, assim como os assuntos e artigos aqui abordados, mais desenvolvidos no livro Topónimo “Manigoto”, com coordenação nossa e edição de 2004 da Freguesia de Manigoto.

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Com a designação “Estrada”, há somente um topónimo tradicional. “Estrada Municipal 574” – troço da estrada que passa ao cimo da aldeia e que liga Pinhel a Pínzio. Com a designação “Parque”, também só há um topónimo tradicional. “Parque Mascarenho” – largo junto à Estrada Municipal 574 onde se situa o Pio Mascarenho e o poço do Vale do Manigoto. Topónimo a partir de designação tradicional. Quanto a “Ruas”, há quarenta e oito, sendo quarenta e três designadas com topónimos tradicionais e cinco com topónimos atribuídos. Dois exemplos, respetivamente:“Rua da Moreirola” – liga a Rua do Forno à Rua Principal passando pelo Largo da Eira. Topónimo tradicional.“Rua Pe. José Manuel Fragoso” – parte da Rua Principal até à Rua Dr. António Osório Leitão. Pessoa falecida (Salgueirais, 1888-3-3 – Cerdeira, 1966-5-7), com elevadas qualidades humanas e sociais. Pároco de Manigoto e de outras freguesias do arciprestado e concelho de Pinhel. Atribuição. Há treze “Largos”, sendo onze designados com topónimos tradicionais e dois com topónimos atribuídos. Dois exemplos, respetivamente:“Largo Fonte Galega” – atrás da igreja onde se situa a fonte com o mesmo nome. Topónimo tradicional.“Largo da Escola” – entre a Rua Principal e a Rua da Lameira, junto à escola. Largo pavimentado, ajardinado e com parque de estacionamento. Atribuição. Há quatro “Travessas”, sendo duas designadas com topónimos tradicionais e outras duas com topónimos atribuídos. Dois exemplos, respetivamente:“Travessa do Padre” – a partir da Rua do Padre. Topónimo tradicional.“Travessa Aida Roque Simões” – liga a Rua do Padre à Casa da Memória. Pessoa falecida (Manigoto, 1912-11-15 – Guarda, 1993-12-17), com elevadas qualidades humanas e sociais. Benemérita do Manigoto. Atribuição.

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Figura 5: Os dois tipos de placas

No que respeita às placas, existentes, foram colocadas por Juntas de Freguesia distintas. São placas retangulares (30 cm. x 20 cm.) em granito cinza da região com as letras de metal dourado em relevo (colocadas em 2002) e placas retangulares (35 cm. x 25 cm.) em granito cinza da região com as letras gravadas e pintadas a preto (colocadas em 2003).

De um modo geral e sempre que possível, cada placa encontra-se do lado esquerdo de quem entre pelo arruamento, colocada na fachada do edifício, distante do solo 2,5 m. e da esquina 0,5 m.

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Figura 6: Número de polícia antigo

Quanto aos números de polícia, ainda se podem observar pintados em lintéis de portas de alguns edifícios antigos como testemunhos do passado. Atualmente não se encontram colocados números de polícia, mas o assunto está a ser tratado pela Junta de Freguesia de Manigoto.

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Bibliografia:

Coelho, António C. (2000). “As nossas terras. Manigoto” in A Guarda nº 4714, 2000-1-28, p. 14.

Correia, António C. (2004). “Topónimo Manigoto” in Topónimo “Manigoto”. Manigoto: Freguesia de Manigoto.

Edital nº 422/2001 tornando público o “Regulamento de Toponímia e Números de Polícia do Concelho de Pinhel” in Diário da República, II Série, Apêndice nº 121, 2001-10-31, pp. 51-54.

Fernandes, Flávia A. (2004). “Topónimo Manigoto” in Topónimo “Manigoto”. Manigoto: Freguesia de Manigoto.

Gomes, J. Pinharanda (2004). “Topónimo Manigoto” in Topónimo “Manigoto”. Manigoto: Freguesia de Manigoto.

Lei nº 11-A/2013 de 28 de janeiro “Reorganização administrativa do território das freguesias” in Diário da República, 1ª série, Nº 19, pp. 94-95.

Neves, Manuel C. M. (2004). (Coord.) Topónimo “Manigoto”. Manigoto: Freguesia de Manigoto. Depósito legal: 219585/04. ISBN: 972-99408-0-0.

Rodrigues, Adriano V. (2004). “Manigoto: Porquê?” in Topónimo “Manigoto”. Manigoto: Freguesia de Manigoto.

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Índice

A Importância da ToponímiaGonçalo Poeta Fernandes............................................................................5

A toponímia, património imaterial das comunidades urbanas e sua ideologizaçãoCarlos Ferreira Caetano................................................................................7

Materiais, formato e suporte da toponímia no distrito da GuardaAugusto Moutinho Borges........................................................................55

Toponímia e memória socialDulce Helena Borges..................................................................................73

A II Guerra Mundial nas ruas da GuardaTiago Agostinho Tadeu..............................................................................85

À descoberta de conexões toponímicas de Vilar de Amargo (Figueira de Castelo Rodrigo): ou como o passado que fala ao presente ilumina o futuroUrbana Bolota Cordeiro.............................................................................97

Ladislau Patrício um médico/escritor na toponímia guardenseHelder Sequeira.........................................................................................135

Reflexões, problemáticas e contradições na toponímiaAntónio Saraiva........................................................................................151

Toponímia de uma aldeia: o caso do ManigotoManuel Neves............................................................................................163

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aColeção Instituto Politécnico da Guarda

Obras “Coleção Politécnico da Guarda”

•Bento de Jesus Caraça – Perspetiva sobre o Homem e a Obra•Variações Musicais•A Guarda Culta – Imagens de Literatura, Música, Poesia e Religião •Estatutos da Irmandade de São Bartolomeu•Educação para a Saúde Oral•Práticas Financeiras em Portugal•Análise Numérica - Resumo da teoria e colectânia de problemas•Inovação em Turismo & Hotelaria•Postos de Turismo do destino Serra da Estrela•Toponímia da Guarda – Comunicações do I Fórum sobre Toponímia•A influência do IPG na região da Guarda – Impacto das Instituições de Ensino Superior no Desenvolvimento Regional•Inovação e Tecnologia em Turismo & Hotelaria•O método das diferenças finitas para equações diferenciais às derivadas parciais•Geografia, Cultura e Desnvolvimento Turístico em Territórios de Montanha - Das perspetivas às logicas de atuação e governação territorial

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