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67 RESUMO Rev. Sociol. Polít. , Curitiba, 16, p. 67-95, jun. 2001 (DES)CONSTRUINDO O DISCURSO ELEITORAL: O PRIMEIRO TURNO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS MAJORITÁRIAS EM CURITIBA NO ANO 2000 1 Rosa Moura Thaís Kornin I. INTRODUÇÃO Que percepção de mundo, que leituras da problemática urbana permeiam o discurso eleitoral? Que ideologia o codifica? Carregado de símbolos e de interesses, o discurso cumpre papel determinante na dinâmica cotidiana de produção e reprodução do espaço, interferindo no comportamento dos agentes intervenientes nessa dinâmica e exibindo suas decisões. Na materialidade das suas palavras, O pensamento único vem prevalecendo na escolha e adoção de instrumentos e políticas urbanas, conduzido pela opção de inserir as cidades no processo de reestruturação produtiva, em cumprimento aos requisitos impostos pelo modelo globalizante. Como uma ação naturalizada, esse procedimento espelha, de fato, intenções alheias ao lugar, e que são interiorizadas no imaginário da população, como um consenso. Que resultados tais estratégias provocam na produção do espaço urbano e no exercício da cidadania, e como foram incorporadas e veiculadas no discurso eleitoral do primeiro turno das eleições municipais majoritárias em Curitiba no ano 2000? Este ensaio vai em busca de respostas a essa questão. PALAVRAS-CHAVE: Curitiba; eleições municipais; discurso eleitoral; planejamento urbano; city marketing. “[...] O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de domina- ção, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. Michel Foucault, A ordem do discurso. imagens de uma cidade existente ou por vir são construídas a partir de interpretações do urbano, imagens que são assumidas enquanto realidade. Nessa condição, o discurso eleitoral adquire um papel ainda mais relevante, pois, ao mesmo tempo em que se articula a partir de uma visão da cidade, tecendo proposições para seu futuro, vai moldando o cidadão, ajustando-o a essa imagem de cidade que passa a compor. Entender essa prática discursiva ajuda a reencontrar os elos existentes entre o “local” e o “global”, entre a adequação das propostas a demandas particulares e uma intencionalidade externa, comandante. Mais que isso, pode explicitar os conflitos e as contradições que os interesses hegemônicos tecem sob a imagem de cidades-modelo – no caso de Curitiba, uma imagem não desprezada por nenhum dos candidatos. Esse é o motivo que impulsiona esta reflexão sobre as falas dos candidatos do primeiro turno à sucessão administrativa de Curitiba para o período 2001 a 2004. São candidatos cujos perfis mesclam 1 Artigo originalmente apresentado na sessão “Metropoliza- ção, centralidade e agentes urbanos” durante o Simpósio Cidade e poder, realizado entre 23 e 24 de abril de 2001 na Universidade Federal do Paraná, promovido pela Revista de Sociologia e Política e pelo Grupo de Estudos Cidade, Poder e Sociedade, sob coordenação do Prof. Dr. Nelson Rosário de Souza. Esta leitura decorre do compromisso político das autoras como cidadãs curitibanas, não refletindo absoluta- mente a atividade desenvolvida em sua instituição de origem. As autoras agradecem a Fernanda Sánchez e Marise Manoel pela leitura crítica e contribuições enriquecedoras ao trabalho.

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RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 16, p. 67-95, jun. 2001

(DES)CONSTRUINDO O DISCURSO ELEITORAL:O PRIMEIRO TURNO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS

MAJORITÁRIAS EM CURITIBA NO ANO 20001

Rosa Moura Thaís Kornin

I. INTRODUÇÃO

Que percepção de mundo, que leituras daproblemática urbana permeiam o discurso eleitoral?Que ideologia o codifica?

Carregado de símbolos e de interesses, odiscurso cumpre papel determinante na dinâmicacotidiana de produção e reprodução do espaço,interferindo no comportamento dos agentesintervenientes nessa dinâmica e exibindo suasdecisões. Na materialidade das suas palavras,

O pensamento único vem prevalecendo na escolha e adoção de instrumentos e políticas urbanas, conduzidopela opção de inserir as cidades no processo de reestruturação produtiva, em cumprimento aos requisitosimpostos pelo modelo globalizante. Como uma ação naturalizada, esse procedimento espelha, de fato,intenções alheias ao lugar, e que são interiorizadas no imaginário da população, como um consenso. Queresultados tais estratégias provocam na produção do espaço urbano e no exercício da cidadania, e comoforam incorporadas e veiculadas no discurso eleitoral do primeiro turno das eleições municipais majoritáriasem Curitiba no ano 2000? Este ensaio vai em busca de respostas a essa questão.

PALAVRAS-CHAVE: Curitiba; eleições municipais; discurso eleitoral; planejamento urbano; city marketing.

“[...] O discurso não é simplesmente aquiloque traduz as lutas ou os sistemas de domina-ção, mas aquilo por que, pelo que se luta, opoder do qual nos queremos apoderar”.

Michel Foucault, A ordem do discurso.

imagens de uma cidade existente ou por vir sãoconstruídas a partir de interpretações do urbano,imagens que são assumidas enquanto realidade.Nessa condição, o discurso eleitoral adquire umpapel ainda mais relevante, pois, ao mesmo tempoem que se articula a partir de uma visão da cidade,tecendo proposições para seu futuro, vai moldandoo cidadão, ajustando-o a essa imagem de cidadeque passa a compor.

Entender essa prática discursiva ajuda areencontrar os elos existentes entre o “local” e o“global”, entre a adequação das propostas ademandas particulares e uma intencionalidadeexterna, comandante. Mais que isso, podeexplicitar os conflitos e as contradições que osinteresses hegemônicos tecem sob a imagem decidades-modelo – no caso de Curitiba, umaimagem não desprezada por nenhum doscandidatos.

Esse é o motivo que impulsiona esta reflexãosobre as falas dos candidatos do primeiro turno àsucessão administrativa de Curitiba para o período2001 a 2004. São candidatos cujos perfis mesclam

1 Artigo originalmente apresentado na sessão “Metropoliza-ção, centralidade e agentes urbanos” durante o SimpósioCidade e poder, realizado entre 23 e 24 de abril de 2001 naUniversidade Federal do Paraná, promovido pela Revista deSociologia e Política e pelo Grupo de Estudos Cidade, Poder eSociedade, sob coordenação do Prof. Dr. Nelson Rosário deSouza. Esta leitura decorre do compromisso político dasautoras como cidadãs curitibanas, não refletindo absoluta-mente a atividade desenvolvida em sua instituição de origem.As autoras agradecem a Fernanda Sánchez e Marise Manoelpela leitura crítica e contribuições enriquecedoras ao trabalho.

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tons de crítica, às vezes contundentes, a proposi-ções animadas ou reflexões introspectivas; viagensquiméricas através de recantos lúdicos da cidadea frases de efeito (v. Anexo 1). A opção por esseturno eleitoral deve-se ao entendimento de que énessa fase inicial da campanha que a pluralidadede interesses é mais explícita, dado que ainda nãose configuraram polarizações entre candidaturas.É uma fase em que mais se colocam posições doque se desmontam postulados do adversário – oque ostensivamente passa a ocorrer na disputa pelosegundo turno.

É importante salientar que, embora o horárioeleitoral seja gratuito, os programas usam recursosde linguagem televisiva que envolvem somaselevadas de investimentos para contratação deserviços especializados que transformem a propos-ta política em uma peça de entretenimento. Sobreessa relação política-televisão, Bourdieu observaque, em “um universo dominado pelo temor deser entediante e pela preocupação (quase pânico)de divertir a qualquer preço, a política está conde-nada a aparecer como um assunto ingrato, que seexclui tanto quanto possível dos horários de grandeaudiência, um espetáculo pouco excitante, oumesmo deprimente e difícil de tratar, que é precisotornar interessante a qualquer preço” (BOURDIEU,1998, p. 95).

Isso implica laboriosas construções que des-pertem o eleitor-espectador e exponham situaçõescom as quais ele encontre um mínimo de identi-dade2 . Além da pândega a ser criada, é tambémpreciso compor o candidato para que se torne umproduto aceito, consumível pelo voto. Os resulta-dos obtidos colocam em evidência as desigualda-des entre as partes, pois, mesmo que o horáriogratuito vise a ampliar e a universalizar o espaçode penetração do debate e a construção de umaagenda política, a assimetria entre os períodos de

tempo destinados aos candidatos e a eficácia domarketing político contratado reforçam o desequilí-brio de condições. Pesa sobre isso a ação paralelada mídia que, embora apresente-se como veículoimparcial de informação, acaba por abrir espaçosseletivos a matérias que colocam em evidênciaapenas alguns candidatos.

Para garantir a eficácia de convencimento, osprogramas dividiram espaço na televisão comrápidos “comerciais” de forte conotação ideológicaque, pela característica de veiculação de sua men-sagem, tiveram grande penetração no imagináriodo eleitor, consolidando ainda mais o jogo derepresentações e imagens construídas (Anexo 2).

II. CURITIBA: A PROTAGONISTA

No discurso eleitoral, a cidade é a protagonista.Cada candidato tece um roteiro para garantir umdesempenho urbano que agrade ao público – oeleitorado. E cada roteiro vem carregado de inte-resses que podem ser ou a montagem de um espe-táculo aberto e participativo, inserindo ativamentetodos os cidadãos, ou uma função que se voltaaos anseios únicos dos produtores, ou seja, dosagentes que a financiam, mas que busca a cum-plicidade passiva dos espectadores – os moradoresda cidade.

Não só os candidatos, mas principalmentesegmentos de teóricos urbanos, concebem a cida-de, nestes tempos de globalização, como protago-nista, já que entendem que é ela quem determina oprogresso econômico, o bem-estar social e aintegração cultural de seus povos, tornando-se averdadeira propulsora das ações cotidianas e dosrelacionamentos externos (BORJA & CASTELLS,1996). Nessa ótica, o planejamento estratégicopassou a ser a ferramenta mais adequada paramaterializar essa condição, capacitando a cidadea gerar respostas aos desafios da globalização.

Curitiba, desde os anos 70, implementa aestratégia de projeção da eficácia conquistada noplanejamento e gestão urbanos, alicerçada nosmesmos elementos identificados como pilares doplanejamento estratégico de cidades, que trazembutido o forte comprometimento com a econo-mia de mercado, com a flexibilização produtiva ea adequação infra-estrutural, especialmente na or-ganização e qualificação do espaço, requeridaspelos grandes empreendimentos – comprometi-mento notório na adequação da infra-estrutura,materializada em investimentos no sistema viárioe de comunicações, e da norma jurídica, expressa

2 Nesse sentido, sem grandes investimentos, o candidatoJamil Nakad, com um conjunto de frases de efeito, marcouprincipalmente o eleitorado jovem: “Ladrão? Chega deladrão!”, “Chega de mamata! O circo já está montado e opalhaço continua sendo você!”, “Chega dessa gente dareeleição. Eles cobram pedágio até pra fazer cocô”, “Deixede ser otário dessa gente. Chega dos mesmos!”, “Eles dãorasteira até em cobra”, “Enquanto rico dança em Nova York,pobre dança o samba de um salário só”, “Ô coitado! Vocêacha graça? Mas o chupa-cabra continua chupando o sanguedos pobres”, dentre outras.

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em sua recém-aprovada Lei de uso do solo, paraviabilizar os novos equipamentos comerciais,industriais e residenciais, inclusive em municípiosvizinhos. Esse vínculo é resgatado no discursoeleitoral, tanto no intuito de seu reforço, quantono de sua crítica.

O planejamento estratégico, como didatica-mente expõe Vainer, “está estruturado basicamentena paradoxal articulação de três analogias: a cidadeé uma mercadoria, a cidade é uma empresa, acidade é uma pátria” (VAINER, 2000, p. 77). Aprimeira textualmente integra o discurso dos difu-sores dessa teoria e resulta de uma relação diretaentre a configuração espacial urbana e a produçãoe reprodução do capital. Mais que isso, já é práticacorrente na gestão urbana, o que explica o abusivorecurso do city marketing, desde há muito utilizadoem Curitiba. A segunda analogia personifica acidade como agente em competição, buscandoaumentar, a qualquer custo, seu poder atrativo. Acidade deixa a forma passiva de objeto e assume aforma ativa de sujeito, ganhando nova identidade,a de empresa, e passando a competir no mercadode cidades. Tal analogia enfatiza a busca daagilidade e a transparência nas formas de gestão,com desburocratização dos processos, mas, naverdade, pressupõe a despolitização e produtiviza-ção da cidade. Ou seja, os “controles políticossão estranhos a um espaço social onde o que contaé a produtividade e a competitividade, e onde oque vale são os resultados” (idem, p. 90).

Essas analogias são facilitadas pela terceira: aunificação da sociedade em torno de um “projeto”,a criação do consenso, a modelização, a geraçãode um “patriotismo da cidade” (Borja & Forn, apudVAINER, 2000), que faz aparentar a inexistênciade jogos de interesses ou conflitos peculiares àprodução do espaço urbano e regional. Umaliderança carismática e individualizada – que eliminaa esfera política local, a construção da cidadania– encarna a unidade, situando-se “acima dospartidos e paixões” e tornando-se o elementoestruturador do próprio projeto, do exercício doprojeto empresarial. Sob domínio das mesmasclasses rentistas, a “fabricação de consensos”, aação “em concerto”, é na verdade “uma fábricapor excelência de ideologias, portanto: do território,da comunidade, do civismo etc. Mas, sobretudo,a fabulação de senso comum econômico [...]”(ARANTES, 2000, p. 27).

As três analogias cristalizam-se na prática doplanejamento curitibano, compondo o discurso

oficial da gestão urbana e, conseqüentemente, asmensagens da candidatura à reeleição. As basesdas construções discursivas, que antecedem aconstrução das coisas, têm origem na ideologiahegemônica. Com isso, o uso da informação, demetáforas, de fabulações fortemente ideologizadasimpõe-se na sociedade via produção de imagens edo imaginário, contribuindo fortemente para aconstrução de um pensamento único (SANTOS,2000).

Esse pensamento único permeou a construçãodiscursiva eleitoral, refletido nas facetas deprodução de imagens e representações de umacidade a ser renovada com proposições submissasa ordens expressas pelo próprio capital (empreen-dedor) ou às exigências de seus agentes financia-dores. Apresentou-se, ao mesmo tempo, como oalvo da crítica dos opositores, e, nesse caso,decomposto tanto na denúncia de um modelo que,corrompido, apenas se sustenta nos efeitos espe-ciais de sua virtualidade, quanto na perspectiva deuma mudança seletiva, porém não desideologizada,resgatando conquistas materiais e redirecionandofinalidades sociais. Em ambas as situações, odiscurso pôde ter transmitido a “ironia objetiva”lembrada por Arantes, na qual os candidatospoderiam estar convertendo “as melhores intençõesno seu avesso, realizando, não por desvio maspor finalidade interna, o contrário do que pro-metiam” (ARANTES, 2000, p. 11).

Assim, a despeito das críticas, prevaleceu orespeito, a consolidação e/ou aperfeiçoamento domodelo-Curitiba – posto à prova na ocasiãoeleitoral –, construído à luz de um projeto político-econômico voltado a tornar a cidade competitiva,ou a construir a cidade-mercadoria. Em conse-qüência (ou em prol de), emergiram inúmeraspropostas de reestruturação urbana, pautadas narenovação de espaços públicos e privados a partirde parâmetros físicos e culturais globalizados, quepoderiam resultar em lugares homogêneos, ou“não-lugares” (AUGÉ, 1994; BENKO, 1994),reproduzindo valores distantes da realidade própriada cidade, mas afetos a uma identidade mundia-lizada e dominada pelo consumo.

O constante resgate da história e da eficáciado planejamento urbano de Curitiba, transformadoele mesmo em um modelo, de certo modoexplicitou sua concepção – usual em tantas cidades– como instrumento de consolidação das relaçõescom o mercado internacional, sujeito à lógica dosagentes financeiros multilaterais. Por sua vez,

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enalteceu a competitividade em vez da eqüidade,e as perspectivas economicamente promissoras,por ele abertas, em vez da legitimidade que deveriabuscar por meio de políticas públicas voltadas aosinteresses da sociedade3.

II.1 IMAGENS E REPRESENTAÇÕES

A gestão do espaço urbano é pautadafundamentalmente na produção de imagens quese convertem na própria realidade. Gruposdominantes perpetuam seu exercício de poder apartir de um jogo de representações, expresso empolíticas, projetos e práticas de controle, buscandogarantir a estabilidade social a partir do “conven-cimento” – ou da representação do interessedominante como interesse comum da sociedade–, que por sua vez dá legitimidade a esse grupo dopoder.

O urbanismo torna-se o modelador de taisrepresentações, já que recria espaços comerciais,culturais e turísticos atrativos aos grandes inves-timentos. A veiculação de mensagens tornandosedutoras tais transformações produz umasubjetividade coletiva, exercendo um efeitoesmorecedor da capacidade crítica dos cidadãos“seduzidos”: “O urbanismo realizado está no centroda cena, a cidade tornada sujeito, o que em de-terminadas circunstâncias transforma os próprioscidadãos em meros figurantes, atores secundáriosde seu roteiro” (SÁNCHEZ, 1999, p. 27).

A produção da imagem urbana, apoiada nastécnicas do city marketing, além de promover opoder atrativo da cidade, volta-se a criar uma“solidariedade social”, um “orgulho cívico”, uma“lealdade” e uma “identidade local” pautados nadespolitização da leitura da cidade pelo fascíniode sua modelização, o que permite a abertura deuma gama de mecanismos de controle social. Aconstituição de imagens-marca da cidade, filtradaspelos mecanismos da mídia, enfatiza umapositividade do espaço que passa a funcionarcomo diferenciador na esfera da produção (atraçãode investimentos) e na do consumo (cidade como

produto), criando a cidade-espetáculo4 , na qualse opera a produção de lugares-vitrine para umacidadania embevecida (SÁNCHEZ, 1999).

A venda, pela mídia, da idéia de uma cidadepróspera, obscurece problemas sociais e econômi-cos, assumidamente ignorados pelos meios decomunicação, pelos empreendedores, pelos geren-tes urbanos, e até por grupos ditos de oposição,como forma de favorecer representantes dessessegmentos – verdadeiros defensores do chamado“pensamento único”. Essa opção faz que a imagemtriunfe sobre a matéria (HARVEY, 1996).

Associada também ao “pensamento único” eao consenso, a imagem da cidade-modelo minimi-za as diferenças e os conflitos existentes, impondoseu modo de ver o mundo e moldando as condiçõespara a ação dos grupos locais, no rastro dareprodução de uma intenção dos denominados“impulsos globais” (RIBEIRO, 1999).

Os gestores, que conferem a Curitiba o statusde modelo, comprovam ter assumido com mestriaesse papel: modelo em planejamento e gestão, emsoluções urbanísticas, em transporte, em progra-mas ambientais, em preservação de áreas verdese reciclagem de resíduos. Esse modelo recebesucessivas premiações internacionais e busca serreproduzido por outras cidades. Em sua modeliza-ção, além das intervenções urbanísticas usualmenteconsagradas, os gestores incorporam os ditamesglobais, como, mais recentemente, o de enfatizaro exercício da gestão urbana voltada a otimizar acompetitividade – condição necessária para sus-tentar o desenvolvimento numa economia global.Incluem-se nesse exercício a requalificação dodesenho urbano, a valorização da atratividade apartir da identidade e qualidade ambiental e a orga-nização funcional e tecnológica para a realizaçãode negócios. Ao menos o discurso oficial passoutambém a valorizar a participação comunitária e oestabelecimento de parcerias entre o setor públicoe o privado. Cumpre-se, assim, o rol de quesitosda modelização, conforme pensadores e gestoresinternacionais (SÁNCHEZ & MOURA, 1999).

3 Há décadas otimizando as linhas de financiamento deagências multilaterais, especialmente do Banco Mundial, oplanejamento de Curitiba viabilizou uma cidade cujosatributos infra-estruturais e de desenho urbano a tornamapta a competir no mercado internacional de cidades. Talqualificação constituiu um espaço altamente seletivo,acentuando as desigualdades sócio-espaciais com sua áreametropolitana.

4 Nesse sentido, é ilustrativa a campanha publicitária queune o Festival de Teatro à comemoração dos 308 anos dacidade. Um outdoor composto como um palco emolduradopor cortinas abertas mostra um casal abraçado e seentreolhando, com o Jardim Botânico ao fundo, como cenário,e a mensagem: “Há 308 anos, Curitiba é um grandeespetáculo”.

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Essa concepção fez que o urbanismo permane-cesse no centro da cena das propostas de algunscandidatos, cristalizado em sua possibilidade atrati-va. E mais: antecipando uma pressão sensível porparte da sociedade ou subordinada às exigênciasdos agentes financiadores multilaterais, as mesmaspropostas já agregaram a participação da socieda-de na definição ou detalhamento de projetos.

No jogo de representações do discurso eleito-ral, o modelo Curitiba adquire diferentes conota-ções. Para o candidato à reeleição e que vem parti-cipando da contínua construção e consolidaçãoda imagem de cidade-modelo, Cássio Taniguchi,ciente das críticas quanto às contradições sociaispresentes na cidade e sua área metropolitana, omodelo, que se firma na solução de continuidade,vai além das práticas urbanísticas. Com imagensdos ícones locais, seu programa afirma: “Quemvisita Curitiba vê bem mais que belas imagens”.Entrevistas com turistas brasileiros enaltecem opadrão urbano e a qualidade de vida na cidade; emoutro programa, rebate as críticas quanto a lacunassociais: “Através de várias administrações bem-sucedidas, somos referência na área social. Atra-vés dessa rede de solidariedade que foi criada aolongo desses anos todos e que hoje culmina nestarede de serviços [...] com tudo aquilo que umacidade precisa dar aos seus habitantes”. Apersonificação do espaço urbano como o lugar detodos, com o qual todos se identificam, torna arte-sanal essa representação:

“Curitiba, uma cidade que é um pouco de cadacidade. [Imagens de Curitiba que lembram íconesde Brasília, da Europa, de Salvador, do Oriente edo interior do Brasil.] Lugar onde ninguém se senteverdadeiramente longe de casa. [...] Curitiba éfamiliar e surpreendente. Dependendo do olhar,do ângulo, da luz, há sempre algo novo. [...] Quan-do se caminha, dá para entender como ela é dife-rente. Tudo começou com o fechamento do centroem vez da abertura de novas avenidas e viadutos[...] com a valorização das fachadas [...] cami-nhando, o povo pode observar velhas fachadas[...], com a oferta de novos equipamentos [ima-gens singelas de bancos de madeira, mesas de jogosde damas e xadrez], em vez de monumentos. [...]Tudo o que é feito aqui tem um toque especial danossa gente”.

Nessa ação artesanal, nada mais forte e convin-cente que a imagem de costureiras que bordamos nomes de cada bairro e emendam uns nos ou-

tros, formando o mapa da cidade. E nada maispróprio que a extensão dos ícones dos modelos aesses bairros, como acena o Programa Nossa Rua:“ruas comerciais dos bairros equipadas para setransformarem em shoppings abertos [ao fundoimagens dos equipamentos similares aos do calça-dão da Rua XV – floreiras, lugar para deixar crian-ças etc.], melhorar a infra-estrutura e organizaras ruas de comércio [rua dos calçados, ruas dosmóveis etc.]. Melhorar os negócios para aumentarempregos”.

Mas a simplicidade dá as mãos à tecnologia erenova a identidade urbana: com imagens proces-sadas digitalmente, é mostrada “a pavimentaçãomudando a vida das pessoas”; “a rua volta a ser olugar da convivência, do encontro”. É exposto oPlano 2 000: calçadas nos dois lados dos 1 000km já pavimentados (Plano 1 000), ciclovias, ilumi-nação, lixeiras, sinalização para caminhadas, pontosde convivência, resultando na valorização dos imó-veis, empregos nas obras, no comércio. Açõescom “visão estratégica: promover, na prática, ainclusão social”. Sob essa ótica, pretende-se con-solidar a nova face da imagem da cidade-modelo,agora sob um “planejamento com vanguarda so-cial”, afinal, “toda a obra tem que ter garantia devida melhor, de avanço social. Curitiba para o curi-tibano”. A inserção do social no discurso se tornamais enfática no final da campanha. Num dos últi-mos programas, Marina Taniguchi, esposa de Cás-sio, fala dos projetos sociais da Prefeitura e, apóso pedido de voto, preconiza: “Curitiba será cadavez mais exemplo de justiça social e respeito pelaspessoas”.

Com os mesmos truques de computação gráfi-ca, o programa eleitoral vai sucessivamente pro-duzindo uma virtualidade sedutora: “Cássio trans-forma problemas em soluções”. Mais que isso,vai subliminarmente minando a aceitação pelo elei-torado de candidatos opositores, como comprovaa seqüência: “Bairro Novo, em menos de oito anos,casa própria, endereço e qualidade de vida paradezenas de famílias”. Repentinamente, truques decomputação cobrem as imagens do Bairro Novocom barracas de lonas pretas: “assim seria se aregião, como antes, fosse dominada por aquelesque usam a invasão como regra e a lona preta co-mo teto”. E mais, num comercial do candidato,uma bandeira branca se transforma em vermelhaà medida que se fala em off: “Nos últimos quatroanos, Curitiba viveu em paz. Atraiu investimentos,progrediu. Tornou-se humana e justa. Sem greves,

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sem tumultos, sem agitações. Você sabe como istoé importante. Agora imagine Curitiba dominadapela agressão, pela intolerância, pelo radicalismopolítico. Os curitibanos amam Curitiba e vãoprotegê-la [a última frase aparece em texto na telapara reforço da voz]”.

Na mesma linha de que Curitiba está “sobameaça”, a campanha passa a compor um pesadojogo de simulações, associando os candidatos epartidos da oposição às lutas (“desordens”) doMST. Voz em off afirma que Cássio é a favor dareforma agrária e que o programa Vilas Rurais, dogovernador Jaime Lerner, é a maneira maiseficiente e humana de fazer a reforma agrária. Amesma voz em off informa que “o Prefeito Cássioentende a luta do homem do campo, mas é contraa manipulação política que tira a legitimidade domovimento e incentiva a desordem e a violência”.As imagens objetivas do acampamento do MSTem frente ao Palácio Iguaçu dispersam-se numespectro subjetivo: mostram os elos dosopositores5 com o MST, no íntimo ato de tomarchimarrão, enquanto anunciam a ameaça à ordemurbana, já que “os partidos e os políticos quesempre concordaram com o MST incentivam ainvasão”, e questionam o tom leve de suascampanhas: “A população de Curitiba precisa saber:afinal o que mudou? Mudou o MST? Mudaramesses políticos?”.

Fruto do mesmo jogo de representações, ovangloriado modelo sofre pesadas críticas doscandidatos opositores. Com a observação de quena “propaganda oficial, a cidade é filmada do alto,vista de longe”, Maurício Requião, candidato doPMDB, percorre os bairros periféricos, entrevistapopulares e mostra que, contrariamente aos equipa-mentos oferecidos ao grande capital, neles as me-lhorias são pagas pelos moradores: “nós paguemo,e nós que fizemo!”, afirma um morador. Mostratambém a conotação eleitoreira de certas obras:“faz quatro anos que não mexiam no bairro, agorapassaram esse asfaltinho”, ao que acresce: “Cuida-do que logo eles mandam a conta”. Conclui o candi-dato, posicionando-se: “Os ricos me perdoem,mas vou ser o Prefeito dos pobres”.

Em sua análise, reforçado pelo senador RobertoRequião, critica a exposição da cidade como umcenário, escondendo o debate, e ressalta os gastos

do município com propaganda (“mais que SãoPaulo”): “Vaidade do Prefeito? Necessidade insanade se manter no poder? Propaganda que vendeum produto com garantia vencida”. Sua propostaé empregar esse recurso em obras sociais, até mes-mo extinguindo a Secretaria de Comunicação So-cial: “Vamos acabar com a farra da propaganda”.

Na seqüência da apresentação de suas propos-tas, o city marketing é com insistência o elementointrodutório: “Curitiba dos comerciais, dos cartõespostais, do Prefeito, mostrada para turistas. Existeuma outra Curitiba, uma Curitiba de verdade, aCuritiba onde tudo falta. [...] Curitiba do desem-prego, da violência. Nela também está sendonegado o direito à moradia, um sonho legítimo acada família, o sonho da casa própria”. Com ima-gens da rede aberta de TV sobre violência urbana,afirma que a cidade requer mudanças na política,nas propostas e nas idéias.

De modo mais cauteloso, Ângelo Vanhoni,candidato do PT, adota a postura política de nãodesconstruir o modelo e os símbolos, nemdesmontar as marcas anteriores, mas propõeavançar em busca da construção da cidadania, semuma estratégia de confronto e de diferenciaçãoprofunda. Prega que “a cidade que quer ser gentecontinue se embelezando cada vez mais, mas quese preocupe em tornar mais bela e mais rica avida de cada um dos curitibanos”. Agrega ao seudesejo a reflexão de que “planejar uma cidade doponto de vista urbano é muito importante; mas,mais importante que isso é planejar uma cidadedo ponto de vista humano, oferecendo projetospara melhorar a vida de todas as pessoas”. Essavisão é reforçada pelo apoio dado por CristóvãoBuarque, ex-Governador de Brasília. Segundo suaspalavras, “o Brasil inteiro admira Curitiba pelacapacidade de inovar em soluções urbanas. O Brasilquer admirar Curitiba por inovar no urbano e nosocial. Esta capacidade só se vê hoje na candi-datura do Vanhoni”.

Com texto poético sobre Curitiba, fala e per-corre, com imagens, os locais tradicionais e osiconizados pelo modelo (Rua XV, ConfeitariaSchaffer, Bar Stuart), confirmando, a seu modo,o consenso. Mas são tomadas de trabalhadoresnas ruas que ilustram sua conclusão: “Curitiba é acidade das pessoas que saem cedo de casa atrásde seus sonhos, andando pelas calçadas. Homense mulheres que com o seu trabalho constroem acidade. Curitiba é a cidade dessa gente que, apesar

5 Nesse caso específico, os Deputados Estaduais ÂngeloVanhoni, do PT, e Caíto Quintana, do PMDB.

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dos problemas, carrega um sorriso na cara. Essagente que vai fazer de Curitiba uma grande cidadeno 3º milênio”.

O mesmo tom de cautela caracteriza a críticaao modelo feita por Márcia Requião, esposa deMaurício Requião. Sentada num parque da cidade,conta uma fábula: “Havia uma cidade onde aspessoas eram felizes. Chega um administrador, ummágico, que encanta a todos com a promessa deobras que colocariam a cidade no centro domundo. O antigo administrador vai para uma ilha.Com o tempo, a população já não vive mais tãofeliz. Falta emprego, falta segurança... [No mesmotom, encerra com um alerta sobre a responsabili-dade do voto]. Se erramos, pagamos um preço epor vezes um preço alto demais. Eu e Maurícioestamos prontos a trabalhar pela nossa gente.Queremos ser os seus parceiros na reconstruçãode uma cidade mais justa, menos desigual e maissolidária”.

Forte Netto, candidato pelo PSDB, tambémcritica o modelo por seus resultados segregadorese pelas diferentes leituras que gera: “Cada um falade uma Curitiba. [...] Há muitas Curitibas. Adiferença está em qual das Curitibas você vive, esão muitas. Como cidadão, eu não aceito o modeloadministrativo que ajudou a criar tantas diferenças”.Propõe-se a “transformar as diversas Curitibas emuma Curitiba só. Uma cidade igual para todos”.Álvaro Dias, seu principal apoio, toca num doselementos essenciais da modelização: “o sistemade transporte de Curitiba já foi modelo nacional,mas esgotou”. Cita matéria da Globo comparandoo setor em diversas capitais, reiterando essaconclusão; cita, ainda, dados da ONU, apontandoque 30% das mortes dos jovens na cidade sãodevidas a causas violentas no trânsito. A soluçãoé o metrô, aponta seu candidato, “nos moldes doPrimeiro Mundo”. Por trás da crítica, a manuten-ção das mesmas representações, com a reciclagemdo modelo para lhe garantir atualidade.

Ainda no âmbito da crítica, Eduardo Requião,do PDT, propõe uma “cidade conhecida pelasolidariedade, qualidade de vida, justiça social, nãopelas belezas de concreto armado”. Em seudiscurso final, dedica o último programa a “essesamigos que sentem orgulho de sua cidade e gosta-riam de vê-la enaltecida como exemplo não apenasde obras arquitetônicas e urbanísticas, mas pelotratamento carinhoso que concede a todos aquelesque nela se aconchegam”. Tece uma analogia com

a “mãe-cidade, aquela que trata todos os seusfilhos com igual amor e respeito”.

Embora as posições defendidas pelos candida-tos demonstrem forte inclinação a manter ourebater a imagem construída de cidade-modelo, éno discurso do governador Jaime Lerner que oselementos que materializam a modelização tornam-se explícitos. Assumindo a personificação doprojeto, sua própria paternidade, a condição dequem tem o poder de decidir por si o que é certopara toda a cidade, e colocando o seu candidatocomo participante desse processo, diz ogovernador Jaime Lerner (sob seu nome, na tela,a legenda “curitibano”):

“Boa noite, Curitiba. Peço sua licença por umminuto. No próximo dia 1º, vamos decidir comoserá a nossa vida nos próximos quatro anos.Quero, junto com cada um de vocês, pensar umpouco sobre este momento. Falo menos comogovernador e mais como curitibano que, com aconfiança de todos vocês, teve a honra de serPrefeito da cidade por três vezes. Pois bem, a horaé de responsabilidade. Com a lucidez histórica denossa gente, Curitiba não vai renunciar às suasconquistas. Não vai abrir mão de seguir avançandoe consolidando suas marcas registradas. A cidadeecológica. A cidade que tem melhor índice educa-cional do país. Que tem maior número de postosde saúde por habitante. Que é recordista no númerode crianças em creches. Que possui o mais eficien-te transporte coletivo do Brasil. Tudo isso feitopara você. Claro, problemas sempre existem e vãosempre existir. Até porque quando um problema éresolvido, surgem outros no seu lugar, exigindocriatividade e ação. Por isso, eu que penso, planejo,vivo e respiro Curitiba há tantos anos, sei o queainda precisa ser feito. E mais importante: sabemostodos, eu e você, que o Cássio é o Prefeito paracontinuar garantindo e ampliando as conquistassociais que colocam o curitibano como centro detodas as coisas. O Cássio já provou que faz. Elehonrou seu voto. Não tenho dúvida. Ele e a equipetêm os melhores projetos para assegurar maisqualidade de vida para todos. Os outros, que nãotêm compromisso com a realidade, podem prome-ter o que quiserem. Podem tentar manipular aspessoas. Podem fazer demagogia. O Cássio não.Ele tem a competência, a seriedade e a serenidadeque Curitiba exige. Não adianta a oposição atacá-lo para tirar o seu equilíbrio. Não tirarão. Porqueseu equilíbrio é interior. Vem do fundo da alma.Vem da fé e da esperança de quem administra com

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a cabeça e o coração. Olha gente, amar é mudar aalma de casa. Eu mudei minha alma para a casade cada um de vocês. Minhas filhas até dizem quesão irmãs de Curitiba. E é verdade. Eu e a equipe,o Cássio sempre junto, dedicamos a mesmaatenção que dedicamos aos nossos filhos. Eu mesinto um pouco parente de cada curitibano. Nóssó fizemos o que Curitiba queria. [...] Nóscrescemos juntos. Curitiba nos ensinou a gostardela, respeitá-la. Por respeito a Curitiba vamos denovo. Vamos de Cássio”.

Esse posicionamento, acionando o consenso,o orgulho cívico, o patriotismo, provocou a reaçãodos demais candidatos. Ângelo Vanhoni reitera,agora com menor parcimônia, seu reconhecimentoaos louros do modelo: “Ao longo desses anos,Curitiba teve muitas conquistas. Tornou-sereferência em vários aspectos para todas as cidadesbrasileiras. Mas Curitiba também mudou muitoneste tempo. A cidade cresceu. Novos problemassurgiram. Os desafios para entrar neste novomilênio são imensos. No último programa eleitoralo governador Jaime Lerner ocupou espaço parafalar como curitibano sobre o risco que a cidadecorre de perder tudo aquilo que conquistou. Poisbem, hoje eu quero pedir licença para falar comnosso governador. Quero dizer para você, Jaime,como curitibano, que não há o que temer. Assimcomo você, existem muitas pessoas que tambémse preocupam e amam nossa cidade: engenheiros,arquitetos, trabalhadores, donas de casa,empresários. Gente que quer contribuir para odebate sobre o futuro que é de todos nós. Vocême conhece Jaime. Neste espaço eleitoral eu tenhotrazido propostas e idéias, que, tenho certeza, vãocontribuir para tornar Curitiba ainda melhor. Nósqueremos uma cidade que não seja apenasreferência como planejamento urbano. Nósqueremos uma cidade que seja modelo tambémpela transparência administrativa. Pelo cuidadocom as crianças e os idosos. Pela valorização dosprofessores e da educação. E pela participação daspessoas com suas idéias e seus sonhos. Vamosencontrar o equilíbrio entre crescimento e apreservação de nossos mananciais. Vamosencontrar novas maneiras de tornar nossotransporte coletivo ainda mais eficiente. Vamostrazer idéias e propostas que já foram consagradasem outras cidades brasileiras como a Bolsa-Escolae o Banco do Povo, que vão trazer enormesbenefícios para nossas mães e crianças. Idéias queCuritiba e você certamente vão aplaudir. Para

discutir todas estas propostas eu quero fazer umconvite. Um convite para você participarativamente deste grande debate, que vai aconteceragora no segundo turno. Nós da oposição estamosprontos. Nosso coração está aberto para isso e eutenho certeza que o seu, Jaime, e os de todos oscuritibanos, que também amam esta cidade,também vão estar. Porque, afinal, é sempre bomlembrar o poeta: na vida tudo vale a pena quandoa alma não é pequena”.

Na mesma linha, rebate Forte Netto: “Vimos ogovernador no programa do Prefeito dizendo queele se sente como pai de Curitiba. Uma cidade nãotem pai. Ela não pode ser de um único dono. Ela édos que aqui nasceram, dos que aqui chegaram edos que ainda estão por vir. Ela é de cada um denós, seus cidadãos, que a construímos e que aamamos de verdade. Cidadãos que têm acapacidade e o direito de fazer suas própriasescolhas sem medo. O filósofo já dizia: A cidadesão as pessoas”.

Maurício Requião toca mais diretamente no“cuidar bem de Curitiba”, afirmando que isso “[...]é dar a nossas crianças uma escola de qualidadeque prepare para a vida. É garantir remédio,atendimento, exames, tratamento e hospital paraquem precisa. Vou cuidar bem de Curitiba criandoempregos porque não existe nada mais cruel quenegar salário e trabalho às pessoas. Cuidar bemde Curitiba é asfaltar as ruas, fazer calçadas,sanear os bairros tornando bonito e agradável olugar onde moramos. Cuidar bem de Curitiba éaplicar bem, com responsabilidade e eficiência,cada centavo do dinheiro público. Cuidar bem deCuritiba é diminuir os impostos: o IPTU, o ISS.Não sacrificar a população com esta voracidadede arrecadar. Cuidar bem de Curitiba é pôr fimnesses projetos mirabolantes e caros queenriquecem empreiteiros e endividam a população.Quem paga tudo isso? Cuidar bem de Curitiba éfazer bem feito tudo aquilo que a cidade quer eprecisa. Eu vou cuidar bem de Curitiba. Vou cuidarda cidade com o mesmo zelo, o mesmo carinho ea mesma responsabilidade que cuido de minhaprópria família”.

II.2 INTERNACIONALIDADE E SUSTENTABI-LIDADE

Para garantir o consenso do curitibano emrelação ao projeto, as articulações lógicas quesustentam o discurso oficial do modelo seguem omesmo padrão de modelização adotado por tantas

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cidades, que se apresentam como aquelas queproporcionam aspectos que outras cidadesgostariam de imitar.

Nesse ponto, sua projeção internacional con-tribui bastante para facilitar a aceitação do modelopor parte dos cidadãos. A opinião do estrangeirochega a ser transformada em medida da qualidadedos projetos, proporcionando “mais uma leiturapositiva da modernização e, ademais, por um juizsupostamente imparcial e qualificado” (SÁNCHEZ& MOURA, 1999, p. 98-99) – especialmente secidades estrangeiras passam a importar suaexperiência, a comprar seu know-how. Nemreforçam seu poder de convicção no prestígio dossujeitos e instituições de onde emanam e circulamenquanto fluxos, ou seja, nas premiações ousimples menções ao modelo da cidade expressospelo Banco Mundial, ONU, BID, e pelas grandesmídias internacionais, cujo peso político contribuina consolidação do poder local. Isso mostra que“a construção de uma cidade-modelo é, por simesma, uma estratégia de internacionalidade”(BENACH & SÁNCHEZ, 1999, p. 40).

Essa prática, perfeitamente pensada, é abordadanum dos programas de Cássio Taniguchi: “O nomeCuritiba corre o mundo, dizendo criatividade,planejamento. Desperta o encanto do estrangeiro,fica na memória de técnicos do mundo inteiro”.Com essa introdução, sucedem no roteiro Domeni-co De Masi, entrevistado por Marília Gabriela,elogiando nominalmente Cássio Taniguchi e ogovernador do Paraná; o Prefeito de Los Angeles,visitando o sistema de transportes e dizendo que“a mágica que vimos em Curitiba é incrível”, euma seqüência de imagens rápidas da mídia inter-nacional referindo-se a Curitiba: cidade exemplode administração e planejamento, do Daily News;documentário “Curitiba, um modelo de cidade”,de uma TV francesa; política urbana garantindo omeio ambiente, da TV NHK (Japão); matéria daWorld TV, Canadá, com texto no qual claramentese ouve a expressão “international superstar”,tratando das soluções aos problemas urbanos; ede uma emissora de rádio e TV belga, enaltecendoa administração igualitária, com chance para todos.

Mas não basta a mídia. Seu discurso eleitoralmostra que também nas “publicações mais respei-tadas” o modelo é apresentado, como na NationalGeographic: “Curitiba, modelo em planejamentourbano”; Time: “soluções criativas para problemassociais”; The Economist: “Curitiba foge dos en-

garrafamentos e da poluição com sistema de trans-porte eficiente”; Scientific American: “a cidadedesafia convenções e melhora qualidade de vida”;Los Angeles Times: “a cidade mais inovadora domundo”; Yomiuri Shimbum (Tokyo): “Curitiba éexemplo na preservação do meio ambiente”; AirFrance Magazine: “Cássio é continuidade natransformação que é referência no respeito aocidadão”.

Ainda associada à noção de cidade-modelo,encontra-se a noção de “cidade sustentável”,carregada de uma subjetividade que acionadiversas representações para a gestão da cidade.Dentre elas, a que a associa “a estratégias deimplementação da metáfora cidade-empresa queprojetam na ‘cidade-sustentável’ alguns dossupostos atributos de atratividade de investimentosno contexto da competição global” (ACSELRAD,1999, p. 81). Ou seja, requalificar o ambienteurbano para realçar a atratividade, inspirar orgulhonos moradores e, principalmente, ganhar confiançados potenciais investidores.

Essa noção, amplamente usada nas administra-ções anteriores, não foi o foco dessa campanha;mesmo assim, em seu discurso, o governador Jai-me Lerner evoca a “capital ecológica”. O candidatoque apóia apenas tangencia o tema ao apresentaro planejamento urbano como minimizador dadegradação ambiental. Para Cássio Taniguchi, odesafio das cidades é “enfrentar o crescimentosem perder a qualidade de vida, que faz da nossacidade um modelo para o mundo”. Refere-se aque essa resposta dada por Curitiba deve-se aoseu passado e volta-se ao futuro: “o que fizemoscom planejamento e visão estratégica é que permitiucrescer com qualidade, diferente das demais; parao futuro, [devemos] ampliar as conquistas comequilíbrio, bom senso, criatividade, conhecimentotécnico, mas muito, muito conhecimento técnico”.

Nesse padrão discursivo, a racionalidade técni-ca adquire um peso que dispensa qualquer dis-cussão. Verifica-se uma nítida despolitização daquestão ambiental, uma recusa ao reconhecimentode conflitos entre meio ambiente e economia, e,principalmente, de que o ambiente da cidade nãose encerra em suas fronteiras político-adminis-trativas.

No tratamento dos demais candidatos, a noçãofoi alvo de crítica. Com a imagem chocante deum homem que, tomando água com canudinho,vira um esqueleto, Maurício Requião refere-se ao

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marketing ambiental das administrações anteriores:“A propaganda do governo diz que Curitiba é acapital ecológica e todos os nossos rios estãomortos. Iniciar a recuperação de nossos rios: esteé o compromisso de Maurício Requião”.

II. 3 GENTRIFICAÇÃO E COMPETITIVIDADE

A materialização da ideologia hegemônica exigea reestruturação urbana, pois o poder se consolidana arquitetura e no urbanismo. Apoiados no citymarketing, que redireciona as práticas recorrentesda vida cotidiana, projetos “modernizantes”6 ten-tam transformar a cidade para torná-la competitiva,revelando uma intencionalidade externa ao lugar.Esses projetos passam a cor-porificar as políticasurbanas recentes, tornando-se sua própria síntese.Políticas urbanas que, fundadas na “gentrifica-ção”7 dos espaços da cidade, passam a exercernovas formas de controle social.

Assim, a gentrificação urbana abre possibilida-des a todos os tipos de investimentos imobiliários,muitas vezes resultando na reprodução em sériede parques, na elitização de bairros, na construçãode shopping centres, centros de entretenimento,centros culturais. Esses objetos urbanos passama se constituir em marcas da modernidade e,portanto, em cartões de visita na política daatratividade, garantindo maior mobilidade ao capitalmultinacional. Elevam o valor das propriedades,da base tributária e da circulação local da renda.Inventam, até mesmo, o consumo da tradição, aoserem construídos monumentos, parques, memo-riais e praças ao estrangeiro, a grupos étnicos8 .

Associados, urbanismo e cultura passam a in-serir no conteúdo da cidade-mercadoria a “comodi-tização” urbana. Nesse contexto, por se apoiar emmovimentos efêmeros, tal associação surte efeitospaliativos, que se tornam rapidamente obsoletos.A história também é reinventada e/ou editada,sendo possível ignorar aspectos considerados pe-los grupos dirigentes como “memórias não memo-ráveis”: o negro, o índio, ou grupos não representa-tivos do primeiro mundo. Ao mesmo tempo, épossível espetacularizar uma falsa história (IRAZÁ-BAL, 2000), transformando o passado e a cidadenuma commoditty para o consumo de massa ecomo potencial para investimentos turísticos. Pro-move-se “a ‘venda da etnicidade’ na falta de mer-cado para sua força de trabalho” (ARANTES,2000, p. 24).

A intervenção pública não é minimizada, massubmetida aos interesses do setor privado, ou “aointeresse privado dos capitalistas” (VAINER,2000). Um convívio “promíscuo que põe lado alado a cultura do dissenso e os donos do dinheiroe do poder” (ARANTES, 2000, p. 12).

Passa-se a “fazer a cidade”, e, nesse processo,o arquiteto-urbanista, urban imagineers, torna-seo intermediário cultural e planejador-empreende-dor, o criador de “lugares” na cidade, fornecedorde bens e serviços simbólicos e principal agenteda gentrification. Lugares que, tidos como pontosidentitários das comunidades, nada mais são quemeras reproduções de formas e conteúdos daglobalização – verdadeiras “paisagens do poder”9 .Na produção material do espaço urbano, percebe-se o retorno ao urbanismo monumentalista,6 Não só projetos, mas toda uma série de normas e

procedimentos que criam as bases para a entrada do capitalglobal, a exemplo dos dispositivos introduzidos pela atualLei de uso do solo (cf. MOURA, 2000).

7 Expressão “cujo caráter de classe o original inglês (gentry)deixa tão vexatoriamente a descoberto” (ARANTES, 2000,p. 31). No sentido de origem, significa a invasão e reconquista,inerentes ao retorno das camadas afluentes ao coração dascidades. Empregado eufemisticamente como revitalização,reciclagem, requalificação, escamoteia seu real significado.Assim, gentrification “é uma resposta específica da máquinaurbana de crescimento a uma conjuntura histórica marcadapela desindustrialização e conseqüente desivestimento deáreas urbanas significativas, a terceirização crescente dascidades, a precarização da força de trabalho remanescente esobretudo a presença desestabilizadora de uma underclassfora do mercado” (ibidem).

8 Nos anos 90, a política cultural oficial em Curitiba foiexemplar dessa prática, pois “recompõe as várias culturasque participaram do movimento de colonização da região,

através de memoriais étnicos na arquitetura urbana associadosa novos parques como o Tingüi, dos ucranianos, o ‘BosqueAlemão’, ou o ‘Bosque do Papa’, dos poloneses. Esses espaçosde celebração das etnias e da natureza exaltam, ao mesmotempo, o próprio projeto de cidade, o modelo. Fabrica-seuma identidade fake, portanto sem resistência. Desencadeia-se uma lógica de evocação que mais funciona como umaantimemória coletiva que esconde as marcas do tempo, repri-me as metamorfoses do espaço e acarreta uma redução aoidêntico. A política cultural é, de fato, o álibi com o qual sefabrica o espelho que reflete seu próprio poder” (SÁNCHEZ& MOURA, 1999, p. 108).

9 Essa expressão é tirada de Arantes (2000), que por sua veztirou-a de Zukin (1991; 1992), respectivamente: Landscapeof Power. From Detroit to Disney World, e The city as a landscapeof power. Nessas obras, a autora demonstra que as mesmasinstituições financeiras se encontram formatando as áreascentrais de muitas das cidades globais.

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“produzindo ao final do século XX os novos arcosdo triunfo do capital transnacionalizado” (VAINER,2000, p. 94).

O principal exemplo da incorporação dessatendência no discurso eleitoral encontra-se napropostas de renovação – a face exposta da gentri-ficação – do bairro Rebouças. Apresentada pelocandidato Cássio Taniguchi, a proposta éintroduzida com realce à busca da identidade, àpreservação da memória, à parceria prevista paraseu detalhamento, numa verdadeira cumplicidadeno processo criativo: “A história de Curitiba é ahistória de seus bairros. A estação ferroviárialembra antigas viagens, as primeiras construçõesindustriais de Curitiba; essas construções dopassado sugerem que essa área nobre da cidadeencontre uma nova vocação”. Após essa fala, aproposta de transformar o Rebouças no bairrojovem de Curitiba é apresentada numa seqüênciade desenhos padrão história em quadrinhos, e numlinguajar apropriado das gírias da juventude local:“fazer do Rebouças uma porta para o futuro; ajuventude, a galera vai decidir qual será o lance donovo Rebouças [...] [nesse ponto, encerra anarração em off e o próprio Cássio pergunta:] Quetal um local de trabalho, diversão e cultura dia enoite? Velhos barracões de cara nova pro agito,bandas de garagem, shows e festivais de música;estúdios de cinema, produção e festivais; local iradopara o pessoal que quer ficar sempre com o corposarado, academias, games, livros, CDs, internet,centros de línguas, capacitação pra profissõesligadas à informática? Tem lugar para tudo. [...]A revitalização deve priorizar a inquietude, a vonta-de dos jovens. Nossa equipe já tem mais de 30anos. Participe, bote a imaginação pra funcionar.Você deve decidir inclusive o nome do projeto”.

Nesse ponto, a informática emerge como oelo moderno do diálogo com a juventude: qualquersugestão pode ser enviada por correio eletrônico.Em continuidade, a renovação desse bairro associa-se a outro projeto polêmico apresentado nacampanha: “Faça bater um novo coração no velhoRebouças. O futuro já está mais perto dele: é láque o Cássio vai fazer a estação central do metrô”.

Mais um exemplo perfeito, porém menosdetalhado, apresentado pelo mesmo candidato é ode desativação da Penitenciária do Ahú, com arestauração do prédio e construção de praçapública. Localizada numa área nobre da cidade, aproposta da mudança de uso desse espaço significa

desencadear um novo processo de gentrificação,de “limpeza” da área. Decerto, beneficiará os mes-mos segmentos locais, desde há muito beneficia-dos, e abrirá possibilidades à inserção de novoscapitais internacionais envolvidos no mercado imo-biliário, comercial, e – por que não? – cultural. Amesma intervenção é proposta por Jamil Nakad,que indica sua transformação em Presídio Cultural– afinal (e lembrem-se de seu tom jocoso), “lugarde marginal é no Presídio Agrícola, trabalhando epagando a pena”.

Propostas adicionais ou apenas lembranças derealizações completam o seu quadro revitalizador,como o Programa Memória Curitibana, que prevêa restauração de prédios históricos degradados nocentro da cidade, ou mesmo as obras em anda-mento (escolas, postos de saúde, esgotos, aveni-das, terminais, estações-tubo etc.) – “bairros viran-do verdadeiras cidades”. Nas entrelinhas, esse qua-dro mostra também a adaptação da cidade ao meioinformacional: o programa Rede do Conhecimento,voltado a ampliar horizontes para aluno, professore comunidade, prevê a instalação de redes decomputadores nas escolas e Faróis do Saber, liga-das a centros de tecnologia, universidade etc.,constituindo a Rede de Aprendizagem, com a qualtoda a comunidade terá acesso à internet, e, por-tanto, a um franco “diálogo” com a administração,pois “pela rede você vai estar em linha direta como Prefeito”. Num link com a cultura, propõe oLiceu da Informática, numa reciclagem do prédiocentral da Capela do Colégio Santa Maria, que faráparte do complexo Teatro Guaíra. Nesse ramo dacultura, com desenhos ilustrativos, propõe a cria-ção de novos espaços culturais, culminando comum teatro para apresentações de grupos experi-mentais. Dessa forma, materializa a associaçãourbanismo-cultura e, em mais um aspecto, adaptaa cidade ao diálogo global.

“E assim por diante, vão as grandes corpora-ções multinacionais tratando de nos persuadir deque os verdadeiros protagonistas da cena mundialsão – quem diria! – as cidades, ou melhor, cidadescuja configuração seja propícia à valorização patri-monial que mais interessa a tais firmas no presenteestágio de transnacionalização produtiva. Rentabili-dade e patrimônio arquitetônico-cultural se dão asmãos, nesse processo de revalorização urbana –sempre, evidentemente, em nome de um alegadocivismo (como contestar?). E para entrar nesseuniverso dos negócios, a senha mais prestigiosa –a que ponto chegamos! (de sofisticação?) – é a

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cultura, essa nova grife do mundo fashion, dasociedade afluente dos altos serviços a que todosaspiram” (ARANTES, 2000, p. 30-31).

Mas está na proposta do metrô o elementorequalificador mais polêmico da campanha. Coma intenção de reciclar o tão premiado modelo emtransporte coletivo, com novos modais e trajetos,a atual administração vem propondo a renovaçãode uso de um corredor hoje percorrido pela BR-116, que será desviada após a conclusão da via decontorno. Com seqüência de imagens que rememo-ram a história do sistema em Curitiba, o candidatofaz seu apelo: “Curitiba não quer que essa evoluçãohistórica seja interrompida”. Nesse sistema premia-do, mostra que o metrô é nova etapa, novo avanço,com visão metropolitana, com aumento da capaci-dade do sistema (3 linhas iniciais, 20 estações,conforto, paisagismo, igual a qualquer metrô domundo). Conclui afirmando: “Curitiba, história detécnica e planejamento a serviço da população”.Em outra seqüência, retoma: “Metrô de Curitiba.O próximo passo para um sistema que é modelono Brasil e no mundo. Antes que o problemaapareça a gente apresenta uma alternativa. [...] Otraçado do novo metrô é coerente à visão estraté-gica que temos de Curitiba e com a atitude da qualnão abrimos mão: manter a função social do trans-porte coletivo de Curitiba. Por isso ele vai atenderà área da cidade que mais cresce. [...] Seu objetivoé tirar de circulação os ônibus metropolitanos docentro da cidade” (essa tomada encerra-se comimagens de pessoas nas ruas, algumas em termi-nais, dizendo que confiam em Cássio e que eleentende de transporte urbano).

Polêmico pela escolha do percurso, esse projetointroduz um modal elevado e recria a paisagem deuma área, já integrada num dos eixos de vertica-lização dispostos pela nova Lei de uso do solo.Longe de ser aceito pelo capital imobiliário local(até porque não tem estoques especulativos naregião), esse eixo foi tido como uma ameaça, pois,com a alteração do coeficiente construtivo, apenasgrandes capitais externos terão a possibilidade deadquirir imóveis que permitam a execução dosedifícios, respeitadas todas as exigências de recuo.Capitais, por sinal, já participantes em um fluxode inversões que transcende Curitiba, integrando-a ao seu conjunto metropolitano e aos eixos de li-gação com o Porto de Paranaguá e com o norte eo sul do país. Sua introdução local se deu comamplos subsídios governamentais, dentro de umprocesso de refuncionalização de municípios

periféricos ao pólo, para que fossem criadas ascondições necessárias à inserção da metrópole noprocesso de reestruturação da economia global.Tal prática, recorrente nas gestões mais recentesde Curitiba, trouxe o fenômeno metropolitano aodiscurso oficial, tornando a integração regional umdos objetivos da última administração. Objetivoque foi ignorado por completo não só no discursoeleitoral do candidato à reeleição – não estandoexplícito nem mesmo na justificativa locacionaldo projeto do metrô – como no dos demaiscandidatos, evidenciando que são tidas como maisimportantes as relações verticais entre o lugar e omundo, que suas relações horizontais com avizinhança (SANTOS, 2000).

Forte Netto não descarta a possibilidade dometrô, mas defende que seja no centro: “O metrôdeve passar onde as pessoas moram, estudam,trabalham e se divertem”. Entrevistas com popula-res confirmam a escolha central e o candidatoafirma que é preciso ter “bom senso, como noprimeiro mundo. Lá o metrô passa por onde aspessoas circulam”. Propõe que circule nas atuaiscanaletas das vias estruturais da cidade: av. Paraná,av. João Gualberto, av. Sete de Setembro e av.República Argentina, na primeira fase. Demonstrasua proposta no mapa de densidade populacional,no qual o adensamento maior é visível nos eixosestruturais, e agrega que o metrô “deve ter origemnum projeto bem feito, com consenso, com visãode futuro”; será elevado, sem investimento públi-co, mas com a iniciativa privada responsabilizando-se em construir e operar (como o transporte cole-tivo), com supervisão da Prefeitura; a sociedadepode contribuir para o aperfeiçoamento da idéia.Também a sociedade deve participar na discussãodas obras de engenharia para o trânsito, quebusquem evitar congestionamentos. Já antevê viaselevadas sobre os canteiros centrais nas avenidasVisconde de Guarapuava e Silva Jardim, duplicandoa capacidade de funcionamento e respeitando amão única de direção: “Proposta baseada no bom-gosto e beleza, que sempre caracterizaram minhasobras nos 40 anos de vida profissional, e no bom-senso. Como já declarei, será amplamente discutidacom a população. É técnica e ambientalmentecorreta”. Segundo informa, o projeto proposto écinco vezes mais barato que o subterrâneo.

O candidato Ângelo Vanhoni, apoiado emdesenhos, também advoga o metrô no centro, mas“embaixo da terra”, ligando os bairros do Pinheiri-nho ao Santa Cândida. Com imagens do atual

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sistema, discute sua saturação e a necessidade deser modernizado e aperfeiçoado. Quanto ao novocorredor proposto pelo adversário, admite que aBR-116 divide a cidade como uma verdadeira mu-ralha. Mas a solução seria urbanizar e integrar combiarticulados, num projeto que reúna soluções detransporte de massa, planejamento urbano e meioambiente, preservando os mananciais da região.

Maurício Requião posiciona-se contrário à cen-tralidade que o metrô adquiriu no debate eleitoral:“Falam em metrô. Me desculpem, eu quero serPrefeito para diminuir as desigualdades, para pro-mover justiça, dar força aos mais fracos. Garantiro valor e a dignidade do trabalho. Valorizar osidosos. Dar futuro às crianças. Por isso vou cons-truir creches, casas populares, melhorar a educa-ção e a saúde. Combater com energia a violênciae fazer políticas para gerar emprego”. (Diante dapolêmica do tema, passa a empregar o mote“Enquanto falam em metrô eu vou...” e listainúmeras ações na área social.)

De modo geral, a modernização da cidadetorna-se incontestável. Mas, na atuação propostapelo candidato à reeleição, aproximar a cidade dosrequisitos globais é o que mais interessa. Com isso,talvez efetive sua afirmação de que Curitiba é “amelhor cidade do Brasil para se fazer negócios”.Tal escolha é amplamente aceita pela populaçãosob o impacto da estagnação econômica, e sob oefeito de uma campanha de convencimento quelhe atribui uma sensação coletiva de crise, levando-a a abraçar consensualmente qualquer intervençãoilustrada pela perspectiva de oferta de emprego.

Assim, torna-se legítima a aparente possibili-dade de sucesso de uma ação pautada no volun-tarismo e que se resume em incrementar a atrati-vidade urbana, como se os demais fatores fossemnaturalmente carreados por ela. A característicacentral desse novo empresariamento está na noçãode parceria “público-privado”. Uma parceriaempresarial, porque tem sua execução e concepçãosujeitas a dificuldades e riscos inerentes aosinvestimentos especulativos, que se contrapõemàqueles organizados e planejados racionalmente.Em muitos casos, esse risco onera o poder públi-co, enquanto a iniciativa privada apenas assumeos benefícios (HARVEY, 1996).

Dessa forma, a reestruturação urbana consoli-da relações de poder ao adaptar as estruturasurbanas às exigências do capital em trânsito; asintervenções são naturalizadas como imprescin-

díveis e aceitas como uma opção inquestionável.Santos discorre sobre os efeitos perversos dessanaturalização: “O grande risco desse enfoque dascoisas é que a gente pode descambar para aestética, não é isso? E para a cosmética urbana,que é a grande moda atual. E para o divertimentodas pessoas. E, com isso, se desvia também adireção política. Você não enfrenta os problemas:oferece cristalizados os novos espaços. E aítambém ajuda os escritórios. Aos grandes, vocêdá as grandes obras, e aos pequenos e médiosvocê dá as renovações locais: 80, 100 pracinhas.E diz que está planejando a cidade toda para ospobres e para o futuro” (SANTOS, 2001, p. 4-5).

Essa mesma sistemática em exercício na gestãopública das administrações engajadas nos proces-sos de reestruturação produtiva permeia o discursodos candidatos, ao se referirem à necessidade detornar a cidade competitiva para ampliar as possibi-lidades de oferta de emprego, ou para modernizá-la e aperfeiçoar a qualidade de vida urbana.

Cássio Taniguchi, dentre as propostas queassociam renovação urbana e emprego, inclui umaque adentra diretamente o imaginário da população:o Linhão do Emprego, que significa a reciclagemde extensas áreas abrindo alternativas para instala-ções econômicas. Na proposta, o Linhão de Cima,já que vai se situar na porção norte da cidade,cortará uma área de torres de alta tensão: “pelaavenida passa uma Curitiba que vai desenvol-vermais ainda”. O Linhão de Cima (Fazendinha-Atuba) estará associado à Linha Verde (desde oParque São Cristóvão até o Maracanã), integrando-se ao metrô, ao anel viário, articulando parques,turismo e lazer, “com infra-estrutura para receberturistas”, culminando com a criação do parque doAtuba, voltado à prática de esportes radicais.

Além da adequação para a instalação econômi-ca, a renovação urbana também se faz justificarna proteção à violência. Recriar espaços é garantira convivência pacífica, sob controle de seguranças.Arantes, mais uma vez, refere-se a Zukin e cita a“estetização do medo”, induzida pela atual fase dagentrificação que, ao transformar os espaços públi-cos em edificações cercadas e vigiadas, apresenta-se na arena urbana, como uma “revanche contratrabalhadores precarizados, imigrantes, sem-tetoetc., enfim, todo o tipo de classe perigosa quepossa ameaçar o sono dos vencedores de ontem”(ARANTES, 2000, p. 37). Assim, a gentrificaçãorestabelece a ordem, e, portanto, a “civilidade”.

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No caso de Curitiba, a questão da violência é agrande ameaça ao modelo e à sua perspectiva decompetitividade. Recente pesquisa realizada emCuritiba, com jovens nascidos sob a égide domodelo, aponta que a maior preocupação deles éa violência urbana, seja por parte de gruposorganizados, seja mesmo por parte da polícia(SALLAS, 1999). Esse tema é captado por todosos candidatos, que colocam a segurança dentreas políticas sociais prioritárias (anexo 3). Noentanto, é Maurício Requião que faz a associaçãodireta com a arquitetura da proteção: “Mostrei quea violência e o desemprego podem ser enfrentados.Os condomínios de segurança levarão uma novapolícia para perto das pessoas” – idéia que, na suaraiz, acaba por circunscrever práticassegregadoras.

Neste ponto, cabe alertar que a questão daviolência também serve de máscara a uma impor-tante vertente do pensamento único que, segundoWacquant, inscreve-se em uma constelação discur-siva de termos e teses vindos dos Estados Unidossobre o crime, a violência, a justiça, a desigualdadee a responsabilidade – do indivíduo, da “comuni-dade”, da coletividade nacional. Termos e tesesque pouco a pouco se insinuaram no debate públi-co, dissimulando, com a banalização de lugares-comuns, os riscos quanto à redefinição do papeldo Estado, ausentando-se da arena econômica esocial, e ampliando sua intervenção penal. Para oAutor, a penalidade neoliberal apresenta o paradoxode pretender “remediar com um ‘mais Estado’policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômi-co e social que é a própria causa da escaladageneralizada da insegurança objetiva e subjetivaem todos os países” (WACQUANT, 2001a, p. 7),salientando que ela é “mais sedutora e mais funestaquando aplicada em países ao mesmo tempoatingidos por fortes desigualdades de condições ede oportunidades de vida e desprovidos de tradiçãodemocrática e de instituições capazes de amorteceros choques causados pela mutação do trabalho edo indivíduo no limiar do novo século” (ibidem).

“Isso quer dizer que a alternativa entre o trata-mento social da miséria e de seus correlatos –ancorados numa visão de longo prazo guiada pelosvalores de justiça social e solidariedade – e seutratamento penal – que visa às parcelas maisrefratárias do subproletariado e se concentra nocurto prazo dos ciclos eleitorais e dos pânicosorquestrados por uma máquina midiática fora decontrole, diante da qual a Europa se vê atualmente

na esteira dos Estados Unidos, coloca-se em ter-mos particularmente cruciais nos países recente-mente industrializados da América do Sul, taiscomo o Brasil e seus principais vizinhos, Argentina,Chile, Paraguai e Peru” (idem, p. 11)10 .

III. GOVERNABILIDADE: PARTICIPAÇÃO OUCONSENSO?

O discurso oficial da gestão em Curitiba, forte-mente associado ao que veicula a idéia de plane-jamento estratégico, tem inegável poder de con-vencimento, mas não incorpora a fragmentação ea desigualdade acentuadas pelo processo de globa-lização. Seletivo na escolha dos interlocutores erestritivo na definição de prioridades, esse modode planejar instaura um processo fundamentalmen-te desmobilizador das forças populares e do exercí-cio da cidadania, negando a cidade como espaçode construção política e social, reduzindo-a a locusdo investimento – condição que norteia o modelode governança11 local, definindo as relações públi-co/privado, a lógica das políticas públicas imple-mentadas e a existência, ou não, de instâncias departicipação popular na definição das políticas dacidade.

Nesse modo verticalizado de planejamento egestão, há escassos canais democráticos de parti-cipação, a despeito da ampla participação preconi-zada pelo modelo, que, nesse caso, parece seconstituir mais em uma adesão social ao projetohegemônico – acrítica e reverenciadora – do quepropriamente em uma prática de cidadania. A essaadesão Vainer (2000) chama de um estimulado“patriotismo urbano” e o considera um poderosocomponente autoritário desse modelo de cidade.

Em Curitiba, as instâncias de participação nosprojetos urbanos têm um conteúdo tenuementeconsultivo e claramente legitimador das políticasoficiais. O influente envolvimento em esferasdecisórias fica restrito aos atores partícipes dascoalizões dominantes ligadas aos grandesinteresses localizados (OLIVEIRA, 1995).

Manifestações espontâneas de crítica ou rejei-

10 Sobre esse tema, o próprio autor recomenda a leitura deWacquant (2001a; 2001b).

11 Entende-se por “governança” o modus operandi das políticasgovernamentais, conforme conceito de Melo (1995).Adota-se esse conceito considerando as lutas políticas travadas entreos diversos atores sociais na definição das políticas públicaslocais.

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ção ao processo são compreendidas e veiculadas,pela mesma retórica oficial, como “perturbaçãoda ordem”, com ameaça à governabilidade. Técni-cas de comunicação são empregadas para contero antagonismo: campanhas publicitárias de amploalcance, usando os diversos veículos midiáticos,passam a enaltecer as novas obras da cidade –conferindo-lhes o status de marca registrada – e aconfirmar o papel exercido e delegado ao poderpúblico numa ação “concertada” com os demaisagentes intervenientes. Esse processo torna nítidaa diferença entre participar e ser participado, ouchamado para referendar.

Uma análise dos elementos que propiciaram aprodução dessas intervenções urbanas que carac-terizam o “urbanismo curitibano” observa que o“efeito de estetização e naturalização das práticasde poder, cujo alvo é o comportamento dos indiví-duos, parece ser o fator explicativo do êxito dourbanismo em Curitiba” (SOUZA, 1999, p. 300).Essa constatação local é seguramente generalizá-vel, pois a manipulação de linguagens simbólicas“o ‘visual’ de uma cidade, bem como a maneirapela qual ela se deixa por assim dizer manusear,seu aspecto ‘tátil’, podemos acrescentar, refletemdecisões sobre o que, e quem, pode estar visívelou não, decisões em suma sobre ordem e desor-dem, o que acarreta algo como uma estetizaçãodo poder, da qual o desenho arquitetônico é umdos instrumentos mais aparatosos” (ARANTES,2000, p. 33).

Na análise de Souza, dois elementos consti-tuintes da explicação oficial do sucesso do planeja-mento urbano em Curitiba merecem ser ressalta-dos. Elementos imprescindíveis não somente paraa compreensão do estilo hegemônico de governan-ça local, mas determinantes na formulação dodiscurso dos candidatos postulantes à Prefeitura.

O primeiro diz respeito à população. Mediadopela interação criador-criatura, a ordenação doespaço da cidade constrói o “curitibano” residentena cidade protagonista. Citadino12 naturalmentepacífico e exigente, instituído de aguçado sensoestético e um inabalável amor cívico pela cidade,tem, no discurso dominante, seu papel político

reduzido a objeto e objetivo das intervençõesurbanas. Esse “curitibano” objeto, associado àimagem da cidade sujeito, é lembrado no discursodo governador Jaime Lerner, valendo acentuar:“Tudo que é feito aqui tem um toque especial danossa gente. [...] Curitibano tem bom gostoelevado e não vai aceitar. [...] O curitibano amaCuritiba porque Curitiba sabe, como nenhuma outracidade, amar o cidadão.[...] Nós só fizemos o queCuritiba queria”.

A composição étnica da população de Curitiba,resultante da imigração européia e japonesa,“supostamente mais civilizada e trabalhadora doque outras etnias que teriam povoado cidades demenos sorte” (SOUZA, 1999, p.136), impõe-seno discurso como um fator que naturalmente aqualifica para viver numa sociedade racional soba égide do planejamento técnico. Contudo, a“produção” do curitibano, ao propiciar a adesãoao projeto dos segmentos médios da sociedade,constitui-se em garantia da governabilidade dosgrupos de poder hegemônicos.

A construção de um passado e a elaboração desaberes sobre os grupos étnicos idealizados comofundadores da cidade, sobre seus papéis na históriae seus lugares devem ser vistas como momentofundamental da prática administrativa de ordena-ção racional do espaço urbano a serviço do tempoe da normalização dos sujeitos. Esses procedi-mentos encontram-se inseridos no jogo de forma-ção de uma governamentalidade sobre a populaçãourbana (idem, p. 139).

Para a população ideal, o governante ideal –esse é o segundo elemento de análise. O festejadoêxito do planejamento curitibano consagrou aimagem de inquestionável e apolítica competênciatécnica do grupo de arquitetos-urbanistas respon-sável pelo planejamento e pela reforma urbana deCuritiba. Essa condição vem garantindo a essegrupo seguidas vitórias eleitorais, principalmenteem instâncias administrativas.

Essa importância dada à personificação domodelo na figura de seu “idealizador”, o técnicocompetente, está presente tanto na fala do gover-nador quanto na resposta da oposição. No discur-so do governador Jaime Lerner, o “profissional”,mais que o “político”, é quem decide. A imagem écomposta com extremo cuidado: Cássio, em todosos programas, aparece junto a uma prancheta,sentado, compenetrado, criando. E essa criação émostrada como unanimemente aceita, com um

12 Utiliza-se a terminologia “citadino”, conforme Vainer,com o intuito de estabelecer uma distinção que reflete adespolitização do significado de cidadania. “Enquanto estes(os cidadãos) se dividiriam quanto a visões ideológicas, projetosde sociedade e prioridades nacionais, os citadinos estariamacima (ou além) destas pugnas” (VAINER, 2000, p. 96).

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elevado “patriotismo cívico”, por uma cidade quetambém é personificada: (voz em off) “O Curiti-bano ama Curitiba, [...] tem orgulho de ser curiti-bano, [...] porque Curitiba sabe, como nenhu-maoutra cidade, amar o cidadão”. Nesse plano, suce-dem-se imagens com referência às campanhasvencedoras do “coração curitibano” (mote deeleições anteriores) e cenas da equipe de Cássioplanejando em volta de uma mesa grande commapas, desenhos, material de arquitetura. Ogovernador Jaime Lerner está lá, de costas para acâmara. Técnicos sérios, conversam agradavel-mente sob uma luz difusa e também agradável.

Para administrar a competitiva cidade de Curi-tiba – unanimidade nacional e internacional noquesito qualidade de vida –, o candidato à reeleiçãoconstrói sua imagem no modelo de governançarecorrente em outras campanhas eleitorais de seugrupo político. Apresenta-se como um técnico ur-banista competente, “doutor em Curitiba”, capazde realizar, conforme outros personagens conduto-res de outras cidades modelo, “um governo forte,personalizado, estável, apolítico, carismático, ex-pressando a vontade unitária de toda uma cidadede manter a trégua e a coesão interna, a fim deafrontar, com base num projeto competitivo e nopatriotismo cívico, as outras cidades” (VAINER,2000, p. 97). Constitui-se, portanto, no protótipode liderança urbana que predomina na cidade-empresa, cuja principal característica é a despo-litização planejada.

O poder de seu discurso nos programas eleito-rais não está propriamente no carisma de suaimagem pessoal ou no programa de governo queapresenta – cuja principal característica é reduziro espaço da política do governo local à transfor-mação da cidade em “um canteiro de obras, ondeo curitibano colhe qualidade de vida” –, mas naestratégia de fazer desacreditar o discurso de seusoponentes, valendo-se de procedimentos de exclu-são13 . A contraposição entre “falar” e “fazer” é o

recurso mais utilizado: “Os outros fazem promes-sas fantasiosas que jamais serão cumpridas. [...]Falar é fácil. Fazer é com o Cássio. [...] Cássiofez. Cássio está fazendo. Cássio vai fazer umpouco mais... [...] Cássio fala pouco e faz. [...]Fala pouco, trabalha muito. [...] Cássio transformaproblemas em soluções. [...] Um Prefeito que feztantas obras não precisa fazer barulho. Cássio,um Prefeito que fala pouco”.

Forte Netto, dissidente do grupo original dosurbanistas, apesar de se posicionar de modo críticofrente ao modelo, procura estabelecer sua imagemao eleitorado valendo-se dos estereótipos domodelo. Numa criação também cuidadosa, sempreapresentando propostas ilustradas por mapasdinâmicos, ele é introduzido como o “arquitetocom capacidade técnico-urbanística” para darcontinuidade à mesma forma de criar. Forte Nettoalega que a cidade deu-lhe a oportunidade para sefirmar enquanto profissional da Arquitetura, deu-lhe o reconhecimento profissional; agora, pretende,com idéias e ações inovadoras e com capacidadede realizar parcerias com a comunidade, retribuiro que a cidade lhe ofereceu. Buscará “soluçõestecnicamente corretas”, com “criatividade paraencontrá-las e determinação para executá-las”. Emvários programas, o senador Álvaro Dias reapre-senta-o como o candidato que cumpre “as exigên-cias necessárias a um bom Prefeito: honestidade,capacidade técnica, competência administrativa,habilidade política e muita sensibilidade”. A iden-tificação do candidato com o ícone consagrado –o urbanista – reforça a afinidade que sua condiçãotécnica tem com o curitibano, e essa condiçãohipoteticamente lhe garante um completo grau deconhecimento da realidade e da população curitiba-na: “Você não me conhece, mas eu conheço comovocê vive”.

Os demais candidatos não adotam para si operfil técnico-urbanista. Tampouco dão voz aocuritibano construído pelo modelo, mas àquele quedemonstra estar excluído de sua eficácia.

Ângelo Vanhoni parte da idéia de que hásegregação social em Curitiba, posicionando-secontrário à “discriminação e a qualquer forma deexclusão”, porque “todo mundo é igual, apesar dediferente”. Numa peça contundente, cria umaseqüência de imagens de pessoas encapuzadas,falando cada um do seu próprio medo (violência,desemprego, solidão, drogas, que geram violência,velhice, assaltantes, trânsito). Conclui a peça

13 Sobre a produção do discurso, Foucault ressalta: “Emuma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedi-mentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar tam-bém, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direitode dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer cir-cunstância, que qualquer um, enfim não pode falar de qualquercoisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegia-do ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de trêstipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou secompensam, formando uma grade complexa que não cessade se modificar” (FOUCAULT, 2000, p. 9; itálicos nossos).

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quando retiram o capuz e dizem, cada um ao seumodo, que querem ser reconhecidos como gente.Simbolicamente, o candidato desmascara o curiti-bano embevecido com sua condição de moradorde uma cidade-modelo. Propõe-se a “administrarjunto com a comunidade” e caracteriza suaconcepção de planejamento reforçando a premissado planejamento da cidade do ponto de vistahumano (em contraposição com urbano). Suameta é que “Curitiba continue se embelezando cadavez mais, mas que se preocupe em tornar maisbela e mais rica a vida de cada um dos curitibanos”.

Eduardo Requião investe em um discursocaracterizado por palavras de ordem quepercorrem um ideário humanista: “Acreditar nohomem: força e inteligência a serviço da vida”; “Odireito do cidadão acima de tudo”; “As pessoassão mais importantes que o Estado”; “O Estadofoi criado para facilitar a vida das pessoas”; ou“Miséria e desigualdade social restringem aliberdade de todos nós”. Sua proposta é “discutirpolíticas e seus equívocos”. Sobre política, veiculaem seu discurso a idéia que “os políticos usarampalavras para iludir. Acreditem que a política podetransformar a realidade”.

A ruptura, o abandono do discurso do urbanis-mo como “o discurso que procura identificar as‘patologias do espaço’, e que entende a intervençãomédica, técnico-científica, estética e despolitizada”(SOUZA, 1999, p. 11) norteia a construção daimagem da cidade revelada por Maurício Requião.Em sua crítica à “cidade dos cartões postais”,vislumbra uma Curitiba a ser construídaparticipativamente: “Juntos construiremos umacidade melhor, não só nas aparências, mas noessencial – saúde, educação, segurança [...]. Euvou ser Prefeito daqueles que anseiam pela açãodo governo. Vou combater os parasitas e osaproveitadores colocando a Prefeitura a serviçodos bairros, dos assalariados, das pequenasempresas, dos desempregados, dos aposentados,de todos. Homens, mulheres, crianças, jovens,idosos. Todos que empregam sua vida naconstrução da nossa Curitiba e amargam em seucotidiano o gosto do desamparo”.

É para o território da crítica política e dodesvendamento dos mitos da Curitiba cidade-modelo que, mais que qualquer outro concorrente,direciona sua participação na mídia, identificandoo candidato da situação com um grupo políticoora envolvido em toda sorte de denúncias sobre

corrupção14 (anexo 4). Com inserções curtas,relaciona-o com seus aliados em metáforas ecomparações: “política como um jogo de cartasmarcadas” (e sucedem, nas cartas de baralho, asfotos de seus aliados), “tango” (ao som do tangoAmigos , dançam seus aliados), ou “é tudocaranguejo do mesmo barco”15 .

Em seus programas, também “um outrocuritibano” assume o papel principal. Não ocuritibano da classe média, que desfruta dafestejada qualidade de vida da cidade planejada,mas o curitibano que “não se sente amado” pelacidade e se diz abandonado à sua sorte. Este critica,à sua maneira, o projeto de cidade dos seus atuaisgovernantes: “Faz quatro anos que não mexiamno bairro, agora passaram esse asfaltinho”(depoimento de morador da periferia); “eles nãopensam na parte social das pessoas. Só fazempropaganda dizendo que o atendimento é bom”(usuária de posto de saúde). “Eles acham que oscamelô da rua são bandido. Estão trabalhando pralevar o pão de cada dia para seus filhos. Empregonão tem. Já a propaganda do Cássio Taniguchi eJaime Lerner diz que Curitiba é cidade do PrimeiroMundo, tem emprego. Os brasileiros vem tudopra cá. Chega aqui não tem emprego, passamfome, vai morar debaixo do viaduto. E depois oque só resta fazer, ou virar bandido ou virarcamelô” (depoimento de vendedora ambulante emblitz policial).

Na linha de desconstrução do modelo, MaurícioRequião ironiza a propaganda veiculada emoutdoors, do candidato-Prefeito, “Cássio, umsenhor Prefeito”, comentando: “mostra-se comoum senhor Prefeito. Na nossa administração,senhor é o cidadão”.

Para entender o impacto desses discursos, faz-

14 O PSTU também adentrou contundentemente no territó-rio da crítica política aos governantes, sendo alvo de suspen-sões contínuas de sua participação no horário político eleitoral,determinadas como direito de resposta a acusações nominais.

15 Sobre esse aspecto, é curioso notar que o discurso do can-didato à reeleição se esquiva de qualquer identificação como governo federal, do qual seu partido político compõe umadas bases fundamentais, e mesmo estadual, ou de qualquerreferência aos problemas sociais, econômicos ou éticos dopaís. Sua postura – talvez mais que buscando não se desgastardiante de uma situação desfavorável – cristaliza uma ambigüi-dade escalar, manifestando as “ambições globais de adminis-trações locais” (RIBEIRO & DIAS, 2001, p. 2), sobrepassan-do, ou desconsiderando, as escalas nacional e estadual.

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se necessário uma breve reflexão acerca da visãoliberal predominante de democracia, paradigma quevem, inclusive, determinando a compreensão doeleitor, que em diversas pesquisas de opinião temse posicionado contrário a candidatos que apresen-tam críticas duras – denúncias de cunho políticoou pessoal – a outros candidatos. Portanto, é com-preensível que, do ponto de vista do marketingpolítico, a maioria dos candidatos evite o antago-nismo, intrínseco ao campo da política, e procureo território confortável da imagem do “gestorequilibrado com competência técnica”.

Para Mouffe (1999), na concepção liberal apolítica é entendida como um processo racionalde negociação entre indivíduos, destituída de umadimensão de poder e antagonismo. O êxito doliberalismo político, por sua vez, dependeria dapossibilidade de estabelecer as condições que fazempossível um tipo de argumentação que reconciliea moral com a neutralidade. No entanto, a autorasustenta a impossibilidade de êxito da tentativa dodiscurso liberal de inventar um princípio de unidadesocial por meio da neutralidade com base naracionalidade.

Mouffe, ao analisar a dinâmica política dassociedades democráticas contemporâneas, consi-dera preponderante o papel do poder e do antago-nismo na constituição de um projeto de sociedadedemocrática: “El espacio político de la democraciano es un espacio neutro en el que se enfrentaríanintereses en competencia y cuya topografía nosveríamos obligados a aceptar definitivamente, sopena de no respetar las reglas de juego demo-cráticas. Se trata de un espacio cuya formaciónes expresión de las relaciones de poder, y éstaspueden dar lugar a configuraciones interiores muydistintas. Esto depende del tipo de interpretacióndominante de los principios de legitimidad y de laforma de hegemonía que así se instaure. Pasarpor alto esta lucha por la hegemonía imaginandoque sería posible establecer un consenso resultantedel ejercicio de la ‘razón pública libre’ (Rawls) ode una ‘situación ideal de la palabra’ (Habermas),es eliminar el lugar del adversario y excluir lacuestión propiamente política, la del antagonismoy el poder” (MOUFFE, 1999, p. 24).

Portanto, a realidade social só pode ser enten-dida por meio de sua articulação em relações depoder e o objetivo de uma política democrática,por conseguinte, “no es erradicar el poder, sinomultiplicar los espacios en los que las relaciones

de poder estarán abiertas a la contestacióndemocrática” (ibidem). Na proliferação dessesespaços, com vistas à criação das condições deum “autêntico pluralismo agonístico” – ou seja,de arenas de verdadeiro confronto de idéias confli-tantes, no plano do discurso –, tanto no domíniodo Estado quanto no da sociedade civil, circuns-creve-se a dinâmica inerente à democracia radicale plural.

III.1 DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E PAR-TICIPAÇÃO POPULAR

Nas últimas duas décadas, a ampliação dosdomínios da esfera pública no Brasil, tendo emvista a inclusão de atores não-estatais, vemestabelecendo uma nova institucionalidade. Como advento do processo de descentralização16 depolíticas setoriais, a partir da Constituição de 1988,foram criados inúmeros conselhos que deveriamse constituir em instâncias de participação desegmentos da sociedade no controle da gestão depolíticas setoriais (basicamente saúde e assistênciasocial) e programas governamentais específicos.

Contudo, observa-se na prática da gestãopública uma resistência, dos que detêm o poder,em abrir canais efetivos de debate sobre as políticaspúblicas. Para aqueles que exercem a arte degovernar, vale a visão tradicional de separaçãoentre Estado e sociedade civil. A “população apare-ce como sujeito de necessidades, de aspirações,mas também como objeto nas mãos do governo;como consciente, frente ao governo, daquilo queela quer e inconsciente em relação àquilo que sequer que ela faça” (FOUCAULT, 1985, p. 289).Nesse sentido, com a incipiente organização daesfera pública no Brasil e, por conseguinte, com ainexistência de uma contratualização, passa-seuma procuração em branco aos governantes, sema garantia de que o programa de governo,apresentado no momento da eleição, seja realmentecumprido pelo representante eleito.

De modo geral, no caso da campanha emCuritiba, a maioria dos candidatos apresentou, emseus discursos, idéias relacionadas à descentrali-zação política e à participação popular, sem noentanto propor formas concretas de institucio-nalização, ou explicitar mecanismos de demo-cratização das decisões. No entanto, especialmente

16 Sobre o processo de descentralização de políticas sociaisno Paraná, ver Ribeiro et al. (1997).

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no final do primeiro turno, o ideário relacionado avisões de participação popular na definição doplanejamento urbano passou a qualificar o discursodos candidatos.

Nesse sentido, é interessante observar, nodesenvolvimento do programa eleitoral, a trajetóriada apresentação da imagem do Prefeito, candidatoà reeleição. Nos primeiros programas, a sua capa-cidade de planejar isoladamente, ou com suaequipe, é enfatizada: “O Prefeito Cássio já planejoue vai implantar o metrô de Curitiba. [...] Antesque o problema apareça a gente apresenta uma al-ternativa. [...] O traçado do novo metrô é coerenteà visão estratégica que temos de Curitiba”. Contu-do, o questionamento em bloco dos candidatosoposicionistas, com relação à excessiva centrali-zação das decisões das políticas públicas imple-mentadas na cidade, somado à perda de sua posiçãohegemônica em diferenciadas pesquisas de inten-ção de voto, provoca sutil mudança. O programapassa a veicular cenas do Prefeito em reuniõescomunitárias, como aquela em que se diz: “Opessoal já está acostumado. De repente chega ojaponês. Cássio não faz discurso. Toda reunião éuma conversa franca [...] Cássio e sua equipeanotam tudo e, a partir daí, ele começa a tomardecisões”. A idéia de constituir um ConselhoComunitário do Cidadão e criar Núcleos de Prote-ção ao Cidadão é apresentada em seu programasobre segurança, porém a sua função não éespecificada.

Já no programa do candidato Ângelo Vanhoni,a participação é mencionada seguidamente, emdiferenciadas propostas, no sentido de “integrarações com participação da comunidade”. Ressaltaque a “qualidade de um Prefeito é administrar juntocom a comunidade, discutir com firmeza ecoragem, acreditando e garantindo credibilidade”.Adquire centralidade na proposta do orçamentoparticipativo, que se constitui no instrumento dereforma do Estado de maior visibilidade nacionalda prática de administração municipal do Partidodos Trabalhadores. Proposta também mencionadapelo candidato Eduardo Requião, que defende adescentralização da Prefeitura em dez subPrefe-ituras “com autonomia orçamentária e operacional”e “orçamento participativo [...] pondo fim ao assis-tencialismo perverso”.

O tema descentralização aparece, com desta-que, no programa de Forte Netto, que critica a“excessiva centralização na maneira de administrar

a cidade”, enfatizando que “descentralizar é umjeito de administrar Curitiba de forma igual paratodos”. Em seu discurso, Forte Netto enfatiza:“Como cidadão, eu não aceito o modelo que ajudoua criar tantas diferenças; [...] sofremos com osproblemas, temos o direito de participar nassoluções”. Propõe “olhar para todos os bairroscom os mesmos olhos” e promover um “desenvol-vimento urbano mais democrático e mais justo,trabalhando em conjunto com a comunidade”. Adescentralização que norteia as propostas decampanha é didaticamente traduzida: “Em futebol,descentralizar é jogar pela pontas, [...] naadministração, é usar melhor as verbas, levar paraa periferia; [...] vamos organizar os bairros emoito comunidades que articularão atividades einvestimentos de Curitiba, [...] cobrar menosimpostos para quem quer montar um negócio forado centro da cidade; [...] a descentralização aque-cerá negócios e gerará empregos; [...] descen-tralização é o mesmo que desenvolvimento”.

Convém ressaltar que, apesar de o termodescentralização estar constantemente associadoa idéias de fortalecimento da democracia e aoredesenho da esfera das decisões públicas noimaginário político contemporâneo, há umacontrovérsia entre diversos autores acerca de seusignificado conceitual. Medidas meramente derepasse de competências no interior de uma mesmaestrutura administrativa e, por conseguinte, deimpacto restrito no que concerne a uma real mu-dança no seu padrão decisório, vêm sendo equivo-cadamente denominadas como descentralização.Cabe, para esta análise, estabelecer a distinção entreos termos desconcentração e descentralização.Apesar de constituírem conceitos de conteúdosdistintos, são usualmente confundidos ou utili-zados como sinônimos.

“Uma distinção fundamental entre descen-tralização e desconcentração é aquela proposta porBoiser [1990], que diz: ‘Enquanto a desconcen-tração designa a transferência de capacidade deci-sória de um nível a outro de uma estrutura adminis-trativa dentro da própria organização, a descentrali-zação é um conceito mais complexo, pois reconhe-ce competência a organismos independentes juridi-camente do Estado e que possuem personalidadejurídica, receitas e normas de funcionamento pró-prias’” (RIBEIRO et al., 1997, p. 33).

Para compreender a resistência a modalidadesde ampliação dos canais de participação dos seg-

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mentos não-estatais na definição de políticas pú-blicas, cabe destacar que o Estado brasileiro sem-pre se caracterizou por exacerbado centralismo.Essa condição se reflete diretamente em nossacultura política, ocasionando, inclusive uma gran-de relutância nos mais diferenciados setores dasociedade civil em aceitar proposições deexperiências de democracia direta. Um exemploilustrativo é a propaganda da candidatura do PFL,que foi veiculada na campanha do segundo turno,momento de polarização de posições PFL-PT. Apropaganda ironizava a democracia direta por meioda imagem de um ônibus urbano, cujo trajeto sóseria definido após uma assembléia entre os passa-geiros. Os estereótipos, particularmente contráriosà idéia do orçamento participativo, foram bemexplorados – confusão, conflitos, perda de tempo– e, apesar do estilo debochado da situaçãoinusitada, a peça reproduziu, com sucesso, a idéiahegemônica que a maioria da população tem doscanais de democracia direta.

Essa resistência a ampliar os canais de partici-pação também é percebida na ausência do fenôme-no metropolitano no discurso eleitoral. Governaruma cidade que há muito tempo transpôs suaspróprias fronteiras territoriais exige pactos inter-municipais que viabilizem o desempenho das fun-ções públicas de interesse comum. No entanto, odiscurso dos candidatos manteve presente apenasuma idéia de descentralização que resulta nareplicação do exercício de “um poder” sobre váriosfragmentos da cidade, sem cogitar da necessidadeda articulação de “outros poderes”, oriundos dasdemais municipalidades, constituindo um fórumagregador – condição única para que se conquisteeficácia na gestão de um espaço que é inegavel-mente aglomerado.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Agora não se fala maistoda palavra guarda uma cilada

e qualquer gesto é o fimdo seu início.

Torquato Neto (1971)

Mais com paráfrases – no sentido de retornoaos mesmos espaços do dizer, reproduzindo-se odizer estabilizado, sedimentado – que compolissemias – no sentido de ruptura dos processosde significação, no espaço da criatividade(MANOEL, 2001) –, fez-se o discurso eleitoraldo primeiro turno à sucessão da Prefeitura emCuritiba. O tom dos últimos pronunciamentos e

os resultados das urnas revelaram possibilidadesde mudanças em curso.

“Algo novo está acontecendo na cidade!” Comessa constatação, fundada na certeza do segundoturno, a campanha de Ângelo Vanhoni chama aatenção do eleitor de que novas propostas estãosendo bem-vindas ao curitibano: “É primavera deuma nova cidade. Curitiba está mudando, comodizia nosso poeta Paulo Leminski”. Uma mudançasem grandes revoluções – na tela, imagens dosícones da cidade com flores, crianças alegres; aofundo, a música Mudança de estação, de Leminski.

Talvez o tom cauteloso de suas críticas, a pro-messa de moralidade e a experiência administrativado Partido dos Trabalhadores, salientada pela mídianacional e sintetizada na griffe “modo petista degovernar”, tenham gerado simpatia em grandeparte do eleitorado e conduzido Ângelo Vanhoniao pleito final.

Nem mesmo os depoimentos de pessoas nasruas, insistentes nos derradeiros programas deCássio Taniguchi – “Não pode mudar [...] Temque continuar” –, ou o apelo emocionado dogovernador Jaime Lerner, nos momentos finaisda campanha, desmotivaram essa opção pormudança. Um apelo que, mais uma vez, enfatizouo “patriotismo cívico”: “Você que sempre foi nossoeleitor, mas optou até aqui por outros candidatos,o meu respeito. Você já demonstrou o seu apreçopor eles. No entanto as pesquisas mostram quetodos estão muito distantes do Cássio. O Cássio,candidato do coração curitibano, tem mais votoque todos os outros somados. Então, pense umpouco comigo. Se a grande maioria vota no Cássio,por que retardar o que a maior parte do povo jádecidiu? Vamos eleger o Cássio agora no primeiroturno. Eu te peço isto, não contra sua primeiraopção. Eu te peço isto pela nossa cidade. Eu tepeço isto por Curitiba”.

Ciente de que a imagem carece de alicerces, ocandidato da situação muniu-se de todas as armasque a tecnologia da comunicação podia lhe forne-cer; reforçou as composições políticas, garantiuum elevado aporte financeiro e consolidou suacampanha. Mesmo assim, sua vitória no turno finalse deu pela pequena margem de 2% de votos. O“susto” de uma possível derrota fez que o apelodo “social”, já maximizado no final do primeiroturno – “Curitiba: cidade com a mão estendidapara praticar a inclusão social” – se tornasse aprincipal proposição do discurso no segundo turno.

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Essa era a forma de responder às críticas queperpassaram todas as candidaturas no turno inicial,e principalmente, de enfrentar as propostas petis-tas, voltadas a essa tônica. Tanto foi que, eleita, anova administração assume como lema “Curitiba,a capital social”.

Essa ênfase no “social” resume a existênciade um campo simbólico no qual se trava a lutapolítica pela reprodução da hegemonia, ameaçadapelo conflito trazido por outras leituras da cidade.Nelas, vê-se que há uma crescente desconfiançapor parte dos curitibanos quanto aos mitos quesustentam a imagem de cidade-modelo, resultandoem uma abertura, ainda que limitada, a novasposturas, desde que não desconstruam essaimagem que tão deleitosamente povoa o seu sensocomum e consolida seu conforto. Posturas semcríticas contundentes, que agridem seu imaginárioe podem surtir um efeito contrário.

O espetáculo da cidade atrativa, competitiva,já não é suficiente para tornar a realidade tãoirreprovável, embora ainda neutralize práticas deresistência e dificulte a emergência de sujeitospolíticos, efetivamente comprometidos com aprodução coletiva da cidade. A participação àdistância – em prática reforçada nas propostas deinformatização dos canais de participação docandidato vitorioso – e a persuasão ideológica damídia ainda exercem um forte controle social efacilitam o exercício do poder hegemônico.

Independentemente do resultado das urnas, oantagonismo, a pluralidade de posições e oscomportamentos peculiares entre os candidatospermitiram que fosse instaurado um debate que,no conjunto, acabou por fazer uma leitura críticado consenso sobre a eficácia do modelo Curitiba,mesmo que não o tenha desconstruído, preser-vando-o em propostas que admitiam mudançasem seu conteúdo, mas persistiam aprisionadas emsuas intenções.

O discurso da oposição deixou textual aurgência de políticas públicas de cunho social quevenham a dar conta das demandas desatendidasque ameaçam a “qualidade de vida” do pólometropolitano, especialmente no tocante àcontenção da violência urbana. Seu discursotambém destacou a necessidade da participaçãocidadã, não aquela do mero espectador quereferenda decisões que lhes são impostas, mas ado verdadeiro cidadão, com livre direito à reflexãoe à crítica, despertando compromissos e

responsabilidades. E, o mais importante, reportou-se à premência da lisura administrativa, daprobidade e da transparência na gestão pública.

Considerado o mérito da vitória do discursoda globalização, sob intencionalidades externasmas muito bem representado nas coalizões locais,e percebido o fato de que tenha perpassado – poropção ou mera reprodução – pela superfície dodiscurso dos candidatos, a vitória que obteveevidenciou que, ao menos no âmbito do eleitor, opensamento sobre a cidade já se torna diverso17 .As demonstrações de esgotamento do modelo,mesmo que comedidas, deixam perceber que sefazem acompanhar pela emergência de outrosprocessos, de novos movimentos sociais, às vezesinvisíveis ou invisibilizados pelas técnicas filtradasde construção da imagem urbana, apoiada apenasem segmentos escolhidos e não fruto da miríadede leituras da cidade.

Quiçá venham contrapor-se à racionalidade“totalitária”, hegemônica, e passem a ocupar apequena margem deixada por esta para a variedade,a criatividade, a espontaneidade, o contraditório,como as “contra-racionalidades e racionalidadesparalelas”, analisadas por Santos (2000), que con-seguem escapar ao totalitarismo da racionalidadedominante, ou as “mini-racionalidades internas”,apontadas por Souza Santos (1999), que, cons-cientes de uma “irracionalidade global”, exercemo seu combate local. Nessas leituras, os excluídos(do mercado, dos direitos, do exercício cidadãode um poder coletivo) percebem que a globalizaçãonão é um dado natural, um fato irreversível, umato de benevolência, e agem no sentido dequestionar a produção e manutenção da ideologiahegemônica e provocar a mudança histórica.Como afirma Santos, esta terá como atores princi-pais “o indivíduo liberado partícipe das novasmassas e não o ‘homem acorrentado’; o pensa-

17 Esta conclusão ampara-se também na mudança consta-tada na composição da Câmara dos Vereadores na últimalegislatura. Considerando, dentre os componentes da CâmaraMunicipal, como partidos de oposição o PT e o PMDB, essasbancadas se mantiveram com sete vereadores eleitos tantoem 1992 quanto em 1996 (três do PT e quatro do PMDB, eeste com a ressalva de que parte de seus integrantes votaramprojetos com a base governista); nas eleições de 2000, emborao PMDB tenha reduzido sua bancada para três vereadores, oPT elegeu seis candidatos, dobrando sua bancada, e o PDT,antiga base governista, explicitou sua oposição ao governo,ampliando a frente oposicionista para 11 vereadores.

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mento livre e não o discurso único” (SANTOS,2000, p. 14).

Esses novos movimentos, mesmo tímidos,estão em multiplicação, e as soluções que gestam,a princípio singelas, são ricas em legitimidade,transformadoras, capazes de romper, aos poucos,

os simulacros do poder. Bem no caminho do quediz Souza Santos: “São soluções movediças,radicais no seu localismo. Não interessa que sejamportáteis ou mesmo soluções de bolso. Desde queexpludam [sic] nos bolsos” (SOUZA SANTOS,1999, p. 111).

Recebido para publicação em 4 de junho de 2001.

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Ângelo Vanhoni – vice José Maurino (Coligação Curitiba vida melhor – PT/PPS/PV/PCB/PCdo B/PMS/PMN)Características: leveza, crítica sutilMote principal: “Pense novo, pense diferente, a cidade quer ser gente”Principal jargão: “gente”Imagem dominante: pessoas comuns muito alegres, abraçando-sePropostas: “programa vida melhor”, reproduzindo as propostas nacionais do PT, de cunho social,

ANEXO 118 - PERFIL DO CANDIDATO E DA CAMPANHA

18 Todos os anexos referem-se ao 1º turno da campanha à Prefeitura de Curitiba, em outubro de 2000.

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após breve análise da situação curitibana, sucedida por metas para o primeiro ano de governoCássio Taniguchi – vice Beto Richa (Movimento Curitiba sempre com você – PFL coligado aPTB/PPB/PTN/PSC/PSB/PST/PRP/PSD/PSL/PT do B/PL/PRN)Características: mostra da eficiência do que está sendo oferecido “pelo Cássio” como PrefeitoMote principal: “Vou de novo, vou de Cássio”Principal jargão: sorriso “singelo”, aparente “simplicidade”Imagem dominante: seleção dos ícones urbanosPropostas: sempre dando continuidade a ações já desenvolvidas, e indo além. Sem uma seqüência,

misturadas no meio de longos programas, com apelos de várias ordens, apoiadas em ilustraçõescaracterísticas dos “arquitetos”, saindo de pranchetas, posteriormente explicadas pelo candidato.Apresentadas muito rapidamente, numa sucessão de palavras-propostas, dando a impressão deque o tempo é curto para tanta coisa.

Diego de Sturdze – vice Júlio (PSTU)Características: crítica pesadaMote principal: “contra burguês, vote 16!”Principal jargão: “contra tudo isso aí, fora FHC e FMI!”Imagem dominante: montagens em seqüências de quadros com ação policial em atos de expulsão de

sem-terras; recortes de jornais com denúncias ao governo; som localPropostas: palavras de ordem contra o sistema e seus dirigentes

Eduardo Requião – vice Prof ª Yara (PDT)Características: humanismo, fala reflexiva, séria, tom monótonoMote principal: “pela vida com dignidade”Principal jargão: “nós temos que ter”Imagem dominante: a bandeira brasileira sendo tecida por uma criançaPropostas: dispersas, de cunho humanista

Jamil Nakad – vice Marta Mônica (PRTB)Características: tom hilárioMote principal: “28 neles, Curitiba!”Principal jargão: “Ladrão? Chega de ladrão!”, “Chega dos mesmos!”Imagem dominante: um número 28 com uma vassoura nas mãos expulsando da base da tela uma

porção de porquinhosPropostas: apresentadas caoticamente

Luiz Forte Netto – vice Professor Kolb (Coligação Curitiba Forte – PSDB)Características: sempre introduzido por Álvaro DiasMote principal: “Por uma Curitiba cada vez mais forte”Principal jargão: “Você e eu vamos fazer”Imagem dominante: analogia com a urna eletrônica – mostra a realidade, aperta o “corrige” e apresenta

a propostaPropostas: pautadas em alguma proposição oriunda de segmentos articulados da sociedade, apresentadas

diante de um mapa, com efeitos gráficos em movimento e ilustrações claras

Maurício Requião – vice Moreno (Coligação das Oposições – PMDB/PAN)Características: denúncias e críticasMote principal: “Prá dizer não a tudo isso, o voto certo é no Maurício”Principal jargão: “Juntos”Imagem dominante: matérias da mídia complementadas com críticas e com mais informações ou

entrevistas a popularesPropostas: apresentadas em partes, em mais de um programa

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ANEXO 2 - ALGUMAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS

Ângelo Vanhoni-José Maurino19

A cidade quer ser gentePalma da mão: cinco propostas de educaçãoBanco do Povo; Bolsa Escola; Creche Educacional; e outras sínteses de propostas

Cássio Taniguchi-Beto RichaO “trenzinho” (onomatopéia das realizações)Classificados (“quando você está procurando alguém que faça bem feito, exige experiência. Por que

para Prefeito seria diferente?”)Obras sem som (“um Prefeito que fez tantas obras não precisa fazer barulho”.)“Tem candidato que diz que vai fazer [...]. Falar é fácil. Fazer é com o Cássio”“Cássio fez. Cássio está fazendo (imagens com as 25 obras). Cássio vai fazer um pouco mais”.“Com saúde não se brinca. [...] Seriedade faz bem à saúde”Programa 2000 (pessoas segurando sapato sujo de barro na mão sorrindo)MST: Afinal o que mudou? Mudou o MST? Mudaram estes políticos?Sala de aula (aluno colando de aluno nissei (...) Professora percebe a cola e faz cara feia)Bandeira branca se transforma em vermelha enquanto voz em off cogita de ameaça à paz curitibanaÊnfase na marca “coração curitibano” que vira lampadazinha (“Eu vou de Cássio com a cabeça e o

coração”)“Para onde vai esse ônibus?” (segundo turno)

Diego de Sturdze-JúlioContra tudo isso aí, fora FHC e FMI!Pela reforma agrária com lutas do MST e dos trabalhadores urbanos

Eduardo Requião-Profª Yara“Quem tem cabeça, vota no cabeça branca”.“Fique ao lado daqueles que acreditam na vida”.

Jamil Nakad-Marta Mônica“Chega dos mesmos!”Apoio de Collor (“Collor nunca foi condenado por tribunal algum; perdeu seus direitos pois nunca se

abaixou para os poderosos. Collor ajudou você a ser feliz”)

Luiz Forte Netto-Professor Kolb“O doente não pode ficar indo de um lado para outro....”Segurança (número de delitos); outras propostas da campanhaValdemar Niclevics: “Vim falar de escaladas. Mas desta vez, não é a minha. É a escalada do Forte

Netto. Toda subida começa do zero. Para continuar até o topo, é preciso acreditar”.“Você tem sorte de ter um candidato forte!”

Maurício Requião-MorenoParódia à propaganda do “trenzinho” (obras do Cássio), apresentando um trenzinho com os apoios

políticos a Cássio (Jaime Lerner, Rafael Greca, Emília Belinatti, Antônio Belinatti)Analogias: “política como um jogo de cartas marcadas”; “cama de gato” (terminando com um nó no

barbante e uma confusão de mãos e dedos trançados); “tango Amigos” (dançarinos com montagemfotográfica de Lerner e outros apoios), ”É tudo caranguejo do mesmo barco”

Trenzinho – “Tem que mudar, tem que mudar a situação. Curitiba é do povo, é Maurício Requião”

19 Por economia de espaço e para evitar repetições, indicamos apenas os candidatos a Prefeito e vice-Prefeito.

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ANEXO 3 - PROPOSTAS DE POLÍTICAS SOCIAIS

Ângelo Vanhoni-José MaurinoMulher – Secretaria da Mulher; políticas que garantam os direitos da mulher; linha especial para

mulheres chefes de família no Banco do Povo; casas de abrigo, atendimento jurídico psicológicopara mulheres e crianças vítimas de violência

Cidadania – não à discriminação e a qualquer forma de exclusão; cidade justaEducação – Creches Educacionais (0-6 anos); novas creches com horário adequado às mães (sem

férias, com aumento e revezamento de funcionários); melhoria do atendimento (saúde, alimentação,afeto educação); Multi-escola (6-14 anos); Meu Primeiro Emprego (14-18 anos); Recomeço(maiores de 40 anos); Terceira Idade Feliz (reintegração da pessoa idosa, feira mensal da terceiraidade); Universidade Livre do Conhecimento; Bolsa Escola (1 salário mínimo para famílias debaixa renda com crianças de 7 a 14 anos na escola)

Serviço público – compromisso com a melhoria dos serviços públicos; turno de 6 horas; valorizaçãodos funcionários públicos; plano de cargos e salários; correção de perdas salariais

Emprego – Banco do Povo (empréstimos com juros baixos a quem quer começar o próprio negócio,ou comprar equipamentos); Meu Primeiro Emprego (subsidiado por benefícios fiscais); estágiosremunerados para jovens que permaneçam na escola

Habitação e meio ambiente – Minha Casa, com custo de 20% do salário mínimo; políticas habitacionaispara evitar a agressão sistemática ao meio ambiente

Transporte coletivo e trânsito – ouvir a comunidade no caso do metrô; transparência na administraçãode planilha, revertendo em benefícios sociais; passe escolar; um domingo livre de tarifa todomês; fim da punição (reeducar e conscientizar para o trânsito)

Cássio Taniguchi-Beto RichaMulher – atenção social diferenciada para todas as idadesEducação – escola municipal aberta para a comunidade (teatro, capacitação, música); Recreio

Comunitário (canchas abertas em fins de semana, mural para artes, eventos); aproximar a família;compartilhar a vizinhança; Escola Especial Sul (equipamentos para necessidades especiais, terminalde ônibus do ensino especial, também para maiores de 25 anos)

Saúde – informatização do sistema; unidades 24 horas Pinheirinho e Cajuru; Pronto Socorro 24 horaspsiquiátrico; unidade de saúde Mãe Curitibana (mulheres e crianças); Crescendo com Saúde (até12 anos, doenças respiratórias); saúde para a 3ª idade no posto Ouvidor Pardinho; Vale Vovó;novos postos de saúde; Médico de Família; dentista na casa das pessoas; Fazenda Solidariedade(remédios de ervas)

Emprego – os Fazedores (orientação, aperfeiçoamento, trocas de experiências, ensino aos jovens que“estão querendo começar”); Rede do Conhecimento, informatizada; Crédito Solidário, atravésdo Banco da Mulher

Urbanização – remoção da população das margens do lago das vilas Rosa e Concórdia e das áreas derisco na Vila Verde

Segurança – Núcleo de Proteção ao Cidadão; Conselho Comunitário do Cidadão; rede de iluminaçãopública; programas de esporte para afastar os jovens da criminalidade; cartões de segurança nosistema de transporte público, para a proteção do cobrador

Diego de Sturdze-JúlioPolíticas públicas contra a fome e o caosReforma agrária

Eduardo Requião-Prof ª YaraCidadania – valorização da vida, do ser humano, respeito, direito de manter relações afetivas, lazer,

esporte, trabalho, segurança, justiça social

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Educação – escola em tempo integral (cidadã);Cultura – atividades no final de semana feriados; artistas populares nos bairros; mais recursos da

Fundação Cultural para projetos nos bairrosEmprego – apoio às pequenas e micro empresas, geração de mais empregosSegurança – Secretaria Municipal de Segurança Pública; programa para trazer segurança às praças;

escolas; trabalho

Jamil Nakad-Marta MônicaJovem – Secretaria da JuventudeEducação – dobrar o salário do professor; merenda fresca nas escolas; Bolsa Escola (R$70,00 por

mês); passe livre ao estudante; escolas municipais com ensino de supletivo; Universidade deCuritiba (gratuita para os pobres)

Emprego – programa de geração de empregos com cooperativas de coleta e reciclagem de lixo;construção de calçadas com o pessoal dos bairros; Banco Popular, para financiamento de máquinas

Habitação - construção de moradias popularesSegurança – Polícia Comunitária (“bandido só fica onde não tem polícia”)

Luiz Forte Netto-Professor KolbMulher/criança – creches, maior tempo de permanência nas escolas, esportes, capacitação, políticas

de emprego, conselho de mulheres com direito à vozEducação – pré-escola, ensino fundamental em período integral com esportes e recreação; ensino

especial integrado ao normal e sua ampliação; 3º grau, com ensino à distância, aos professores;incentivo remunerado à qualificação; passe escolar (renda familiar de até 5 salários mínimos)

Saúde – medicina preventiva (vacinas, combate à AIDS e drogas, pré-natal, amamentação, respeito àdignidade); 8 novos centros de atendimento integral; pronto socorro infantil; novos postos desaúde e terceiro turno, com cooperativa de médicos; ambulâncias e farmácias em todo posto;fábrica de medicamentos

Emprego – programa do 1º emprego, com subsídios tributários, associado a curso profissionalizante;criação de novas atividades e postos de trabalho; apoio ao comércio de bairro (calçadões; shoppingsa céu aberto); microcrédito, central de emprego, apoio a empresas e trabalhadores autônomos;política de estímulo a segmentos com uso intensivo de mão-de-obra (fomento à construção civile ao turismo)

Habitação – facilidades para construção, ampliação e reformas; facilidades no uso do solo, regularização;acesso ao financiamento para compra do imóvel ou material via COHAB; urbanização comprojetos integrados de ação social (asfalto, meio-fio, calçadas) com apoio profissional dasuniversidades; transformar favelas em “bairros dignos”

Segurança – policiamento preventivo nos bairros; aumento do efetivo; aumento número veículospara patrulhamento; maior cuidado na concessão de alvarás para funcionamento de casas noturnas;vigilância nas estações-tubo

Maurício Requião-MorenoCriança – novas creches; transferência das creches para Secretaria de Educação; pré em todas as

escolas municipaisEducação – Instituto Superior de Educação, com cursos gratuitos para os professores; dignidade e

condições de aperfeiçoamento aos professores; plano de cargos e salários;Cultura – investir em cultura, esporte e lazerSaúde – transformar o sistema público de saúde (garantir exames, médicos nos postos, internação e

remédios)Emprego – geração de empregos; apoio à micro e pequena empresa; facilidades na concessão de

alvarás, redução do IPTU e ISS; apoio para empréstimos; Fundo Público de Aval (empréstimosde até R$5 mil e crédito com juros abaixo do mercado); apoio às empresas curitibanas

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(DES)CONSTRUINDO O DISCURSO ELEITORAL

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Habitação – Casa da Família (oferta de moradias para população de baixa renda); renegociar a dívidados mutuários da Cohab; empréstimos para reforma e ampliação; urbanização de favelas comsegurança; regularização fundiária, saúde, saneamento (tratamento e coleta de esgotos aos bairrose cuidados como o meio ambiente)

Segurança – Rede Integrada de Segurança (módulos nos bairros, policial da família); SecretariaMunicipal de Segurança Pública

ANEXO 4 – PRINCIPAIS DENÚNCIAS

Ângelo Vanhoni-José MaurinoMaltrato aos professores da rede pública (imagens de manifestações)Problemas nacionais: desemprego; corrupção (apresentado também por Ciro Gomes)

Cássio Taniguchi-Beto RichaResposta acusativa às críticas dos demais candidatos

Diego de Sturdze-JúlioContra a fome, o caos, a dívida externa; expulsar o FMI; contra FHC, Cássio e LernerAção policial em atos de expulsão de sem terrasRecortes de jornais com denúncias a ações do governo contra a sociedade

Eduardo Requião-Profª YaraCrítica à falta de vontade política“Eles querem impedir o desenvolvimento da sensibilidade humana”

Jamil Nakad-Marta MônicaReeleição; corrupção (“Ladrão? Chega de ladrão!”)Pedágios até em banheiros públicosAmeaça de despejo sob não pagamento do IPTU

Luiz Forte Netto-Professor KolbNarcotráfico e crime organizado incrustados na estrutura do governo estadual, desmanche de carrosMá aplicação dos recursos públicos; capital mais endividada do país

Maurício Requião-MorenoPolítica como um jogo de cartas marcadasIrregularidades na locação de veículos pelo governo do Estado e município, envolvendo locadoras

que financiaram a campanha anterior de CássioCríticas à maquina do Estado; perda de popularidade do governador e Prefeito devido à corrupção,

falcatruas; falta de lisura, de honestidade, de competência dos homens públicosFalta de sensibilidade da atual gestão; desperdício de dinheiro público; dívidaPropaganda enganosa; edição de depoimentos de popularesAção violenta da polícia contra vendedores ambulantesDegradação dos serviços públicos de Curitiba; falta de habitação; enchentes e inundações; relocações

indevidas

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 16: 67-95 JUN. 2001

Carência dos serviços de saúde; falta de médicos, crítica ao Programa Mãe Curitibana; imperíciamédica, mal atendimento, tratamento desumano em centros de saúde

Crítica à lei do IPTU (que aumenta a alíquota para 3% e aplica efeito redutor, que pode ser retiradoa qualquer momento)