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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA DESCRIÇÃO DA DINÂMICA AFETIVO-EMOCIONAL DE UM PRATICANTE DO BUDISMO * Valessa E. Dias de Oliveira RA: 215953 * Monografia apresentada como requisito de conclusão da disciplina Pesquisa em Psicologia 8, sob orientação da Profa. Marília Gonçalves. – São Carlos, 2004 –

DESCRIÇÃO DA DINÂMICA AFETIVO-EMOCIONAL …bdsepsi/244a.pdf · 6 I. INTRODUCÃO 1. Sobre o Budismo O propósito básico de todas as escolas do misticismo oriental é a preparação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

DESCRIÇÃO DA DINÂMICA AFETIVO-EMOCIONAL DE UM PRATICANTE DO BUDISMO *

Valessa E. Dias de Oliveira RA: 215953

* Monografia apresentada como

requisito de conclusão da disciplina Pesquisa

em Psicologia 8, sob orientação da Profa.

Marília Gonçalves.

– São Carlos, 2004 –

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Agradeço e dedico este trabalho a Lina, minha mãe e companheira; a meu pai (in

memorian), inspiração para que tudo isso fosse realizado; aos meus queridos que

tanto me apoiaram Vi e Augusto; ao meu Pedro; ao participante desta pesquisa e

à minha orientadora Marília.

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Sobre a escolha do tema

Em minha história de vida tive muita influência de uma pessoa que buscou, em

várias práticas religiosas, respostas para seus problemas. Estudou algumas

práticas orientais na esperança de utilizá-las e se “curar”, mas pelo contrário,

apenas conseguiu indicá-las a outras pessoas, nunca aplicou tais conhecimentos

em sua própria vida. Como essa pessoa era muito importante para mim, me

interessei em estudar uma prática religiosa e tentar compreender as mudanças

emocionais que tal prática pode acarretar aos indivíduos. Ao buscar este tema

para meu estudo, pretendia conhecer a história de vida de um indivíduo, os

motivos que levaram tal pessoa a buscar a religiosidade e os efeitos desta

experiência sobre suas vivências.

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SUMÁRIO

Resumo...............................................................................................4 I. Introdução

1. Sobre o Budismo.....................................................................5

2. O Budismo Nitiren...................................................................7

3. O Destino................................................................................9

4. Zen-Budismo e Psicanálise....................................................10

5. Sobre o método qualitativo.....................................................12

II. Método

1. Procedimento e Sujeito.........................................................15

2. Instrumento...........................................................................15

III. Resultados......................................................................................19 IV. Discussão e Conclusão..................................................................30 V. Referências Bibliográficas................................................................35 Anexo I.................................................................................................37 Anexo II................................................................................................38 Anexo III................................................................................................39 AnexoIV.................................................................................................45

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Buda viveu na Índia durante a segunda metade do século VI a.C. e empregou em sua doutrina os conceitos indianos tradicionais de maya, karma, nirvana etc, ao fazer isso lhes atribuiu uma interpretação psicológica renovada e dinâmica. Após sua morte, o Budismo se dividiu em diversas correntes e as duas principais são o Hinayana e o Mahayana. O Supremo Budismo de Nitiren Daishonin pertence à segunda corrente e, como outras formas do Budismo, chegou ao Brasil com os imigrantes. Discutir as razões que exigem a inclusão do tema religião em Psicologia Clínica é importante à medida que ajuda a definir as relações entre ciência e profissão da psicologia e o domínio da experiência humana religiosa. Desse modo, é possível que se estabeleçam alguns parâmetros para estudos, pesquisas e atendimento clínico na área da Psicologia e Religião. Assim, seria de alta relevância estudar mais profundamente o Budismo e compreender qual a sua proposta para que o sujeito atinja o estado de bem estar, preconizado tanto pelo budismo como pela psicanálise. A epistemologia qualitativa tem se apresentado como a metodologia mais adequada às pesquisas que se dedicam ao estudo da subjetividade, pois compreende a ciência como produção diferenciada de indivíduos com trajetórias individuais únicas, além de buscar explicações de processos não-acessíveis à experiência. Este estudo foi realizado através de uma anamnese seguida de uma aplicação da Prova de Rorschach com um indivíduo praticante do Budismo de Nitiren Daishonin. Os resultados foram organizados buscando uma integração entre os índices encontrados na Prova de Rorschach e a história de vida do sujeito. A evolução do caso foi discutida à luz da psicanálise. Verificou-se que a prática da meditação auxiliou a adaptação do sujeito no Brasil, visto que ele é um imigrante japonês e vive sob grande influência desta cultura. Consideramos faltar para o sujeito apenas o conhecimento mais profundo do idioma português, já que desse modo ele se tornaria capaz de fazer as relações entre os diversos aspectos da realidade. Além disso, tal conhecimento possibilitaria a ele uma ampliação do universo de expressão, latente nas respostas de movimento animal já que tais respostas são potencialmente passíveis de serem transformadas em responsividade elaborada no processo secundário do funcionamento mental. Palavras-chave: Religiosidade; Budismo; pesquisa qualitativa; Prova de Rorschach

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I. INTRODUCÃO

1. Sobre o Budismo

O propósito básico de todas as escolas do misticismo oriental é a

preparação da mente para a consciência imediata, não conceitual da realidade.

Durante a história cultural da Índia, da China e do Japão, várias técnicas, rituais e

formas artísticas foram desenvolvidas para se alcançar esse propósito.

Para estas filosofias, o intelecto é visto simplesmente como um meio de

iluminar o caminho para a experiência mística direta, que os budistas

denominaram “despertar”. Essa experiência se baseia em ultrapassar o mundo

das distinções e dos opostos intelectuais para alcançar o mundo de acintya, o

impensável. Buda passou por esta experiência quando estava em meditação sob

a chamada Árvore de Bodhi (Árvore da Iluminação); subitamente ele obteve o

esclarecimento final e definitivo de suas buscas e dúvidas no ato de um “despertar

completo, insuperado”, isso fez dele o Buda, “o desperto”.

As concepções budistas sobre o corpo são mais complexas que as

ocidentais, segundo os textos antigos, o corpo devia ser objeto de experimentação

junto com a compreensão intelectual da verdade e do mundo, ele seria um meio

para encontrar o Caminho. ALBUQUERQUE (1997) explica que o Zazen –

meditação sentada, em postura consagrada pelo Ioga indiano – é também um

meio de obtenção da experiência religiosa. Sua prática requer controle sobre o

corpo, sistematizado e imprescindível para a experiência religiosa.

Segundo CAPRA (1983), Buda preocupou-se exclusivamente com a

situação humana, com o sofrimento e as frustrações dos seres humanos, sua

doutrina indicava a origem das frustrações humanas e a forma de superá-las.

Suas idéias sobre o mundo restringem-se à questão da “impermanência de todas

as coisas”, insistia na necessidade da libertação de toda autoridade espiritual e

afirmava que apenas poderia indicar o caminho para o Estado de Buda, pois cada

um devia percorrê-lo até o fim com seus próprios esforços.

Aqueles altamente evoluídos, a caminho de se tornarem Buda são os

chamados Bodhisattvas, enfatizam o amor e a compaixão ao buscarem a

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Iluminação não somente para si, pois ajudam os seres humanos a alcançarem o

Estado de Buda antes mesmo que eles próprios entrem no Nirvana.

Buda viveu na Índia durante a segunda metade do século VI a.C. e

empregou em sua doutrina os conceitos indianos tradicionais de maya, karma,

nirvana etc, ao fazer isso lhes atribuiu uma interpretação psicológica renovada e

dinâmica. “Na própria Índia, o Budismo foi absorvido, depois de muitos séculos,

pelo Hinduismo, flexível e assimilador, e Buda finalmente foi adotado como uma

encarnação do deus Vishnu de muitas faces” (CAPRA, 1983).

Após a morte de Buda, sua doutrina se dividiu em diversas correntes e as

duas principais são o Hinayana e o Mahayana. O Hinayana é uma escola mais

ortodoxa, segue à letra os ensinamentos de Buda. Ela ensina a pessoa a extinguir

todos os seus desejos mundanos por serem a causa de todos os sofrimentos,

erradicar tais desejos implicaria desistir da vida comunitária. Hinayana significa

"veículo inferior". O samadhi (absorção meditativa) do Hinayana é um termo usado

para descrever uma prática de budistas que sabem como ajudar a si mesmos,

mas são incapazes ou não tem o intuito de ajudar os outros. Este tipo de samadhi,

apesar de ser baseado nos ensinamentos de Buda, não é visto como o mais

elevado por ser fundamentalmente auto-centrado.

O Mahayana é chamado de "grande veículo", isso porque seu praticante

preocupa-se tanto com o bem-estar dos outros quanto com o seu próprio. Além

disso, ele entende a necessidade da compaixão e todas as outras idéias

profundas dentro do ensinamento de Buda. Segundo o Mahayana Provisório o

sofrimento seria inevitável, somente na próxima existência o sujeito poderia livrar-

se dele. O Mahayana chamado Verdadeiro ou Sutra de Lótus, em que está

revelada a iluminação do Buda Sakyamuni, estabelece que não é preciso extinguir

seus desejos ou renascer para alcançar o Estado de Buda, é preciso apenas ter fé

no Sutra de Lótus.

De acordo com as escrituras Mahayana, podemos entender os

ensinamentos de Buda, conhecidos como os "três giros da roda do Dharma". O

primeiro giro da roda refere-se ao primeiro sermão público cujo principal assunto

foram as Quatro Nobres Verdades. Nelas Buda estabeleceu a estrutura básica de

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todo o Buddhadharma (o caminho da ação que não produz sofrimento) e do

caminho para a iluminação.

O segundo giro apresentou como ensinamentos principais a perfeição e a

sabedoria. Estes ensinamentos são importantes para que se possa entender

completamente seu ensinamento sobre a verdade da cessação (terceira verdade

nobre) e também para que se reconheça totalmente a pureza básica da mente e a

possibilidade de limpá-la de todos os poluentes.

O terceiro giro da roda do Dharma relaciona-se a uma coleção de sutras

ensinados em diferentes tempos e lugares. Além da vacuidade ensinada no

segundo giro, estes sutras apresentam a qualidade subjetiva da sabedoria e os

níveis através dos quais podemos melhorá-la.

2. O Budismo Nitiren

Segundo ROBINSON (2003), várias formas de Budismo Mahayana se

desenvolveram no Japão, algumas delas chegaram ao Brasil com os imigrantes. É

o caso do Supremo Budismo de Nitiren Daishonin, ele estabelece o Daí-Gohonzon

e o Daimoku do Nam-myiho-rengue-kyo como essência do Sutra de Lótus,

permitindo a todos o acesso ao Estado de Buda.

Houve um período em que o Budismo proporcionou um meio de salvar as

pessoas, quando seus ensinamentos e prática beneficiavam a sociedade, essa

época é referida como Os Primeiros Dias da Lei ou Shosho. Os Médios Dias da

Lei, Zoho, referem-se à época em que os budistas flutuaram na formalidade e no

ritual com o objetivo de manter o espírito dos ensinamentos budistas. E nos

Últimos Dias da Lei, Mappo, quando as pessoas não mais sabiam quais

ensinamentos budistas seguir, apareceu Nitiren Daishonin.

A lei da causalidade é o ponto mais importante do Supremo Budismo de

Nitiren Daishonin. Ela determina a felicidade ou infelicidade de todos. De acordo

com ela o carma está gravado em nossas vidas, além disso, há sofrimentos por

quais todos passarão: nascimento, velhice, doença e morte. Carma aqui é

entendido como a ação e também como uma prática para a iluminação; através da

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ação consciente destituída de finalidade associada à prática da plena atenção o

discípulo pode vir a iluminar.

“... a frase Myoho Rengue Kyo do título do Sutra de Lótus engloba a

verdade universal para a qual Sakyamuni despertou e (...) orando o Nam-myoho-

rengue-kyo e esforçando-se tanto na fé quanto na prática as pessoas poderiam

perceber e manifestar a natureza de Buda em sua própria vida”1. A lei engloba

todos os fenômenos do universo, inclusive nós mesmos.

O Nam-myoho-rengue-kyo seria a expressão da verdade máxima da vida.

Nam significa devotar-se, reconhecer o essencial; Myo traduz-se por substância

da verdade eterna, difícil de compreender ou além da compreensão, portanto,

místico. Ho significa lei, então a junção Myoho reultaria em Lei Mística. A palavra

Rengue é traduzida como Lótus, daí a origem do título Sutra de Lótus. Kyo se

refere a fenômeno vital universal ou continuidade sem fim em constante

transformação. Desse modo, a expressão em seu todo significaria: reconheço e

devoto minha vida á lei essencial da simultaneidade de causa e efeito em meio á

eternidade da vida.

Nitiren Daishonin reformulou a lei da causa e efeito. “A recitação do Nam-

myoho-rengue-kyo é a formula da mudança da vida para um destino melhor.

Através desta fórmula, as causas e efeitos intermediários desaparecem e emerge-

se o verdadeiro mortal comum”2. Assim, estabeleceu o “homem livre”, um homem

“capaz de vencer seu próprio destino e sua vida com uma vigorosidade como a do

sol, transbordando vitalidade e felicidade de si mesmo”. Fazendo uma analogia à

Flor de Lótus, que floresce e apresenta simultaneamente suas sementes, a Lei

Mística apresenta causa e efeito ao mesmo tempo.

A prática é a maneira de revelar o Estado de Buda3 que há em cada um, é

de responsabilidade individual, cada indivíduo deve acumular boas causas para

obter benefícios. Há duas formas de beneficio, o conspícuo, superficial, temporal e

1 Estas informações foram retiradas do Guia Prático do Budismo (s/n), livro indicado pela comunidade da qual o sujeito desta pesquisa é participante. 2 Idem. 3 O Estado do Buda é o nível mais alto que se pode alcançar, como descrito na pág 07.

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o inconspícuo (por exemplo, oferecer toda ação ao Buda, “eu me alimento e

ofereço minha ação ao Buda”), transformação rumo ao Estado de Buda.

Nitiren incorporou sua vida no Gohonzon para que todos pudessem atingir o

Estado de Buda. O Gohonzon funciona como uma espécie de espelho, diante dele

recita-se o Nam-myoho-rengue-kyo e revela-se o Estado de Buda que está dentro

de cada um e que de outra forma não se poderia ver. Os benefícios dependem

somente do indivíduo, de suas causas, suas práticas diárias e não do Gohonzon,

ele é apenas objeto de adoração, que permite ver o Estado inerente a cada um.

Na verdade o Nam-myoho-rengue-kyo está em toda parte, ele estabelece conexão

entre a condição de vida e o Estado de Buda, essa relação é simbólica, termo

compreendido aqui como a relação que une o símbolo com aquilo que ele

representa.

3. O Destino

Com relação ao destino, o Budismo se refere a carma (manifestação do

corpo, boca e mente), que seria o comportamento de uma pessoa decidindo o

curso de sua vida nos três tempos da vida, presente, passado e futuro. O destino

pode ser considerado fruto das causas boas e/ou más.

Existem seis caminhos ou estados da vida com os quais se tem contato

direta ou indiretamente: inferno, fome, animalidade, ira, humano e alegria. Destes,

inferno, animalidade, fome e ira são chamados desejos egoísticos ou caminhos do

mal, nível abaixo da vida normal de uma pessoa. Tanto pelo carma como pelo

ambiente social circula-se por eles.

Acredita-se que “elevando o nível de educação e da cultura, podemos

compreender um modo de vida mais humano e harmonioso, possibilitando-nos

assim manifestar os nobres estados de Erudição, Absorção e Bodhisattva. Num

sentido mais amplo, esta transição das condições de vida inferiores às superiores,

é a Revolução Humana”. Para isso não é preciso abandonar Bonno (desejos,

impulsos), mas transformá-lo através da manifestação do Estado de Buda. O tripé,

fé, prática e estudo, é a base sólida para isto. As pesquisas correntes na área da

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educação e da saúde sobre desenvolvimento humano psicológico levam à mesma

conclusão.

4. Zen-Budismo e Psicanálise

Segundo FROMM (1960), atualmente observamos uma busca religiosa

cada vez maior, para ele o racionalismo foi seguido até o ponto em que se tornara

completa irracionalidade, a partir daí gerou-se uma crise e a reação foi uma busca

de respostas na religiosidade, isto representaria uma atitude profundamente

materialista e irreligiosa e deveria ser compreendida como uma reação ideológica

ao abandono das idéias teístas do século XIX.

Ao entrar na objetividade e renunciar à ilusão de um Deus paternal como

responsável pela felicidade do homem, este renunciou também aos objetivos das

grandes religiões humanísticas, que seriam: superar as limitações do EU egoísta;

alcançar o amor, a objetividade e a humildade e respeitar a vida de um modo que

sua finalidade seja o próprio viver. Estas são também as metas das grandes

religiões orientais.

“O Zen-Budismo ajuda o homem a encontrar uma resposta para o

problema da sua existência, uma resposta que é a mesma dada pela tradição

judaico-cristã e que, no entanto, não contraria a racionalidade, o realismo e a

independência, preciosas consecuções do homem moderno” (FROMM, 1960). O

autor afirma que, desse modo, somos levados a concluir que a religião oriental se

mostra mais adequada ao pensamento racional ocidental do que o próprio

pensamento religioso ocidental. Para ele a Psicanálise seria uma expressão desta

crise espiritual do homem ocidental e também uma tentativa para encontrar

soluções.

Zen-Budismo e Psicanálise possuem algumas convergências, pois tratam

da natureza do homem e são práticas que buscam conduzir à transformação.

Porém, quando falamos em Psicanálise, estamos nos referindo a um método

científico e essencialmente não religioso, além de se tratar de uma terapêutica

para a doença mental. Já o Zen é uma teoria e uma técnica para se chegar à

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iluminação (experiência mística ou religiosa para o Ocidente), além de ser um

caminho para salvação espiritual.

Apesar dessas divergências, muitos psicanalistas têm demonstrado um

interesse cada vez maior pelo Zen-Budismo e não podemos negar que as duas

filosofias se tangenciam. Até mesmo o sistema freudiano preocupava-se com a

bem estar do homem e não somente com a terapêutica aplicável a pacientes

mentalmente enfermos. A famosa frase “Onde havia ID haverá EGO” significa que

o homem precisava se dar conta das forças inconscientes para poder dominá-las,

isto nada mais é do que uma base científica para mostrar o caminho da

realização.

Além disso, conceitos importantes no corpus da obra freudiana têm relação

com os pensamentos do espírito oriental, como, por exemplo, afirmar que o

conhecimento conduz à transformação, ou ainda, propor que teoria e prática não

devem estar separadas. Freud não supervalorizava o pensamento consciente –

característica marcante do homem ocidental moderno – para ele esta era apenas

uma parte insignificante em confronto com o poder das fontes inconscientes. A

associação livre contornaria o pensamento lógico, consciente e conduziria à fonte

da personalidade, o Inconsciente.

FROMM (1960) acrescenta que, desse modo, Freud ultrapassava o modo

racionalista convencional de pensar do mundo ocidental e se aproximava mais do

pensamento oriental. Isso não significa que ele estava conscientemente próximo

do pensamento oriental, trata-se de elementos mais implícitos do que explícitos; a

imagem freudiana do homem era aquela formada pelos economistas e filósofos

dos séculos XVIII e XIX, ou seja, um homem competitivo, isolado e só ligado a

outros pela necessidade de atingir a satisfação das urgências econômicas e

instintuais.

Ainda segundo este autor, no início do século XX observou-se uma

mudança na espécie de pacientes e nos problemas, antes as pessoas padeciam

de sintomas, estavam doentes no sentido médico e queriam se livrar dos mesmos

e continuarem saudáveis, assintomáticos “... queriam não ser mais infelizes nem

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mais perturbados do que o é a pessoa comum em nossa sociedade” (FROMM,

1960)..

Hoje eles são minoria. Os “novos pacientes” sofrem de um mal-estar e se

apresentam ao psicanalista sem saber do que realmente estão sofrendo,

acreditam que seu problema se resume a um sintoma particular como depressão,

insônia etc., entretanto acabam por descobrir que esse mal estar não tem lugar

imediato no corpo físico, e que mesmo desse modo eles existem e produzem

sofrimento. Na verdade, este sofrimento estaria associado a um alheamento de si

mesmo, do seu semelhante e da natureza.

Segundo ANCONA-LOPEZ (1999), discutir as razões que exigem a

inclusão do tema religião em Psicologia Clínica é importante à medida que ajuda a

definir as relações entre ciência e profissão da psicologia e o domínio da

experiência humana religiosa. Desse modo, é possível que se estabeleçam alguns

parâmetros para estudos, pesquisas e atendimento clínico na área da Psicologia e

Religião.

Desse modo, seria de alta relevância estudar mais profundamente o

Budismo e compreender qual a sua proposta para que o sujeito atinja este estado

de bem estar preconizado tanto pelo budismo como pela psicanálise.

5. Sobre o Método Qualitativo

Vários pesquisadores dedicam-se ou já se dedicaram ao estudo da

subjetividade. Um estudo que se volte a esse aspecto exige a utilização do

método de pesquisa qualitativo, que representa a via de acesso a dimensões do

objeto que podem ser inacessíveis.

Ao método quantitativo, a epistemologia qualitativa se apresenta como a

metodologia mais adequada às pesquisas que se dediquem ao estudo da

subjetividade, pois compreende a ciência como produção diferenciada de

indivíduos com trajetórias individuais únicas, além de buscar explicações de

processos não-acessíveis à experiência e que existem em inter-relações

complexas e dinâmicas que não podem ser fragmentadas em variáveis (REY,

2002).

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Segundo REY (2002), a subjetividade seria um sistema complexo de

significações e sentidos subjetivos que são produzidos durante a vida e, nesse

sentido, apresentaria uma dimensão social e uma individual. Em outras palavras, o

sujeito é social à medida que sua vida se desenvolve na sociedade, e nela produz

novos sentidos e significações de caráter subjetivo; e o sujeito é histórico, pois sua

condição subjetiva atual seria a síntese subjetiva de sua história pessoal.

“Todo conteúdo da experiência aparece subjetivado em configurações,

pelas quais adquire sentido subjetivo na sua integração com outros estados

dinâmicos” (REY, 2002).

Na pesquisa qualitativa o sujeito é interativo, então é necessário considerar,

além do que ele fala e faz, o contexto em que as características psicológicas se

manifestam; por exemplo, a presença do pesquisador na situação afeta o

envolvimento do sujeito com a pesquisa, então é necessário estar atento à

maneira como se conduz o diálogo para que a comunicação não se torne um

esquema com perguntas padronizadas de forma parcial.

Os instrumentos qualitativos podem ser de expressão individual, oral e

escrita ou interativos. Quando se integram formas orais e escritas, uma

descentraliza a outra e envolvem o sujeito em uma reflexão crítica sobre sua

experiência, além disso, nesse tipo de pesquisa o diálogo pode alcançar áreas

sobre as quais o pesquisador pode não ter nenhuma idéia no começo da

pesquisa. Os instrumentos também fornecem indicadores que se definem pelo

significado das respostas abstratas no conjunto de elementos de sentido

expressos pelo sujeito no instrumento e na situação de sua aplicação, daí também

a importância do diálogo com o pesquisador.

Então, a significação dos indicadores não é acessível de forma direta à

experiência e não determina nenhuma conclusão do pesquisador em relação ao

estudado, os indicadores só se constróem a partir de informações implícitas e

indiretas do sujeito.

As idéias associadas com o desenvolvimento dos indicadores são

expressas em categorias, as quais representam os momentos de integração e

generalização que ocorrem no decorrer da pesquisa qualitativa.

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A lógica configuracional é também um dos processos envolvidos na

produção de conhecimento, ela integra, de forma simultânea, as construções do

pensamento do pesquisador com os fatos da realidade estudada. Assim, auxilia a

pesquisa qualitativa a possuir um caráter abrangente, buscando enfocar a

experiência de modo holístico, pois os pesquisadores exploram todos os aspectos

de uma experiência.

A teoria sobre a qual se apoia a pesquisa não é rígida, ela pode ser

conduzida e articulada pelo pesquisador de acordo com as idéias geradas durante

o processo da pesquisa. Isso porque “nenhuma teoria esgota o estudado em seu

nível singular” (REY, 2002), o sujeito sempre pode trazer elementos novos e

desafiantes a essa teoria, por isso o estudo de caso é um momento essencial na

produção de conhecimento e será utilizado neste trabalho ajudando a fornecer

informações sobre a experiência religiosa budista.

Tendo como base os aspectos discutidos acima, o presente estudo teve

como objetivo descrever o processo perceptivo, produtivo e criativo de um

indivíduo praticante do Budismo, além de contribuir para o desenvolvimento de

pesquisas sobre os modos de percepção.

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II. MÉTODO

1. Procedimento e Sujeito:

O participante foi localizado numa comunidade budista em uma cidade do

interior de São Paulo. Ao entrarmos em contato com ele, informamos o objetivo do

estudo, os procedimentos necessários e a importância de sua participação.

Também comunicamos que a pesquisa não lhe oferecia nenhum risco, que seu

nome não seria divulgado e que haveria um retorno dos resultados obtidos assim

que finalizássemos o estudo. Assim que ele concordou em participar, foi feita uma

carta de consentimento informado (Vide Anexo I) e foi-lhe entregue uma cópia.

Primeiramente o participante passou por uma anamnese e depois por uma

aplicação da Prova de Rorschach.

2. Instrumento: Escolhemos o método do diagnóstico compreensivo composto da avaliação

projetiva e da história de vida∗ para acompanhar e descrever as manifestações

comportamentais e a dinâmica afetivo-emocional. Se o sujeito tiver alguma

necessidade satisfeita devido à sua participação na pesquisa, as atividades

relacionadas a ela começarão a adquirir sentido, contribuindo assim para que sua

expressão seja livre e espontânea nas tarefas da pesquisa.

Desde fins do século XIX se tem conhecimento de pesquisas que se

utilizavam das manchas de tinta visando obter dados sobre a imaginação e a

criatividade. Porém, o psiquiatra suíço Hermann Rorschach foi o primeiro a se

utilizar das manchas para fins diagnósticos, ele elaborou e desenvolveu sua teoria

baseando-se em observações que fazia de seus pacientes ao mostrar-lhes

manchas de tinta no Hospital de Doenças Mentais de Krombach, na Suíça. Das

centenas de manchas pesquisadas, Rorschach usou como critério de seleção

∗ A história de vida e as experiências relatadas no percurso da atividade meditativa foram norteadores para descrição do comportamento manifesto frente ao potencial libidinal apresentado pelo sujeito.ela foi colhida segundo a anamnese – “Exame Clinico e Psicológico” de Hipólito C. Filho e Helena B. Prebianchi, 1999.

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para as 10 que compõe o teste até hoje, aquelas que propiciavam maior

quantidade e variedade de associações.

Então, a partir de sua experiência e de estudos posteriores foi padronizado

um instrumento cujo propósito era a investigação da personalidade, para isso foi

desenvolvido um conjunto de códigos para a classificação das respostas em

termos de localização, qualidades dadas às imagens das manchas (forma, cor e

movimento) e seu conteúdo (humano, animal etc).

� Localização: corresponde à área da mancha utilizada pelo sujeito para

realizar a sua associação. Esta categoria se refere à forma de percepção da

realidade, ao modo de organização mental e nos permite observar a forma de

raciocínio da pessoa.

� Determinantes: para esta classificação considera-se o aspecto da mancha

que o sujeito utilizou para a formação de sua resposta, podendo ser (1) a forma,

que se refere à capacidade da pessoa para conhecimento, identificação,

reconhecimento e julgamento dos objetos e de si mesmo; (2) a cor, que diz

respeito às expressões dos afetos do sujeito inserido no seu mundo de relações;

(3) o sombreado, relacionado ao grau de consciência das necessidades afetivas e

(4) o movimento, referindo-se aos recursos internos da personalidade, no sentido

da mobilização da energia psíquica.

� Conteúdo: diz respeito ao conceito utilizado na classificação da resposta

dada.

A Prova de Rorschach é um método de investigação da personalidade a

partir do qual pode-se levantar hipóteses relacionadas à estrutura e dinâmica da

personalidade do indivíduo.

“O teste revela a organização básica da estrutura da personalidade,

incluindo características da afetividade, sensualidade, vida interior, recursos

mentais, energia psíquica e traços gerais e particulares do estado intelectual do

individuo” (ADRADOS, 1973).

O mecanismo básico envolvido na produção de respostas é a projeção. Na

obra freudiana são encontrados dois conceitos de projeção, portanto cumpre

esclarecer qual deles é abordado neste teste projetivo.

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Segundo SILVA (1987), o conceito de projeção foi visto inicialmente como

sendo um processo de atribuir a outras pessoas a ao mundo externo os próprios

impulsos, sentimentos e afetos indesejados, portanto este seria apenas um

mecanismo de defesa do ego. Posteriormente o termo passou a se referir a um

mecanismo habitual de abordar a realidade, assim temos a projeção de

percepções internas para o mundo exterior. O mecanismo que se observa na

produção dos testes projetivos enquadra-se neste segundo sentido.

Então, na projeção as percepções passadas e as internas influenciam a

percepção de estímulos contemporâneos, o que permite a interpretação da

conduta atual.

O material da prova é constituído, basicamente por 10 pranchas onde estão

impressas manchas de tinta ambíguas e pouco estruturadas, propiciando acesso a

conteúdos conscientes e inconscientes. Dentre estas pranchas, cinco são

monocromáticas (tons em cinza e preto), duas possuem, além do cinza e preto,

partes vermelhas e as outras três são cromáticas (multicoloridas). Para a

aplicação do teste foi utilizado o seguinte material:

Jogo de pranchas

Cronômetro

Lápis e papel pra registro

Folha de localização padronizada

Folha de cálculo padronizada.

Antes da apresentação da primeira prancha o sujeito recebe as seguintes

instruções: “Vou lhe mostrar uma série de cartões onde as pessoas geralmente

vêem várias coisas. Você deve me dizer tudo o que lhe lembrar, tudo o que lhe

vier à mente. Não há resposta certa ou errada, todas são boas”.

A associação seria a primeira etapa da aplicação, neste momento as

pranchas são apresentadas ao sujeito uma por vez e suas associações são

anotadas literalmente pelo aplicador.

A segunda etapa é o inquérito. Aqui o aplicador repete as respostas dadas

pelo sujeito, apresenta-lhe novamente as pranchas e faz algumas perguntas com

o intuito de entender as percepções do indivíduo e esclarecer-se a respeito de

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aspectos importantes e imprescindíveis para a classificação e interpretação dos

dados.

O método escolhido para a interpretação da prova de Rorschach foi o de

Bruno Klopfer (1949) (vide Anexos III e IV), esta escolha está baseada na

experiência da orientadora deste projeto e também porque os índices a serem

avaliados nos possibilitaram o reconhecimento do grau de controle do ego, o grau

de maturidade, as potencialidades afetivas, o movimento dos processos cognitivos

e como está sendo gerida a dinâmica dos afetos. Foram considerados

especialmente os seguintes índices:

1) Ressonância afetiva

2) Exteriorização da afetividade

3) Tipo de exteriorização

4) Organização das necessidades afetivas

5) Recursos da personalidade

6) Grau de esteriotipia

7) Produção

8) Manutenção da objetividade.

20

III. RESULTADOS

Quadro 1: Pontuações quantitativas obtidas nos índices afetivos na avaliação da Prova de Rorschach.

Variáveis Legenda Resultados Obtidos 1. Ressonância Afetiva RA% 70,59

2.Exteriorização da Afetividade

Csum M :Csum

1 1:1

3. Tipo de Exteriorização FC:(CF+C) 2,5 :0 4. Organização das

Necessidades Afetivas F:(FK+Fc)

SD : SI 7:2 2:0

5. Recursos da Personalidade

M : FM M : FM + m

1:6 1:6

6. Grau de Estereotipia A% H%

52,95 5,89

7. No. De Respostas R 17 8. No. De Resp. Populares P 5

9. Objetividade F% 11,54 10. Dado da Realidade F+% 50

11. Acrom : Crom (Fc+c+C´): (FC+CF+C)

2 : 3

12. Aspectos da Personalidade

G : M 4 : 1

13. Aspecto intelectual (H+A):(Hd+Ad) 9 : 1

Quadro 2: Pontuações quantitativas detalhadas

I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL Respostas 2 3 2 2 1 2 1 1 1 2 17

Resp. populares

1 1 1 1 1 5

G 1 1 1 1 4 Dd 1 (1) 1 2 (1) D 3 1 2 2 1 1 10 S (1) (2) (1) (1) (1) (6)

FC´- 1 1 2 FC+ 1 1 2 FC- 1 1 2 F+ 1 1 1 3 F- 1 1 1 1 1 5

FM+ 1 1 1 1 1 1 6 FK 2 2

21

M+ 1 1 A 1 1 1 1 1 1 1 1 8 H 1 1

(H) 1 1 Obj. 2 1 3 Sexo 1 1 Cena 1 1 2 Ad. 1 1

A) Proporções relativas à maneira de abordagem inte lectual

1. Interpretação do G%:

% G menor do que 30% (23,53%): Podemos observar um grande número

de respostas globais não diferenciadas, o que indica uma considerável

interferência emocional na eficiência da função.

G > 2M (G:M = 4:1): Quando G é maior que o dobro de M, o nível de

aspiração é muito alto. Se a proporção se aproxima de 3:1 ou mais, ela deve ser

considerada como um sinal negativo. Algumas vezes parece que isto se deve a

uma ambição hipertrofiada, embora em muitos casos não se trate de uma

aspiração tão alta, mas de recursos de personalidade que são indevidamente

baixos. No caso do Sr. Jorge∗, provavelmente se trata de aspiração mais alta que

a capacidade.

2. Interpretação de D%:

D>55% (58,83%): Quando há acentuação na produção de D com bom nível

formal, há interesse e habilidade para diferenciar perceptualmente, com relativa

falta de interesse em integrar e organizar. Isto é interpretado como uma aplicação

prática, cotidiana e de bom senso da inteligência, um interesse nos fatos

representados que são óbvios, sem muito impulso para buscar relações entre

esses fatos da experiência.

∗ O nome do participante foi alterado para proteger sua identidade.

22

3. Interpretação de (Dd e S)%:

Dd = 11,77% e S = 5,89%: No caso de Dd e S% exceder 10, é importante

analisar o tipo de detalhes incomuns e todo o equilíbrio de localizações usado,

antes de se chegar a

uma hipótese. Nesse caso, como as respostas S são adicionais, temos S% = 0.

Desse modo, podemos entender os S adicionais como potencial de respostas

criativas e originais, pois observamos FM+ em alta porcentagem.

A interpretação do S depende de quão ousadamente o espaço branco é

usado. Um uso cauteloso é quando o indivíduo parece sentir que as lacunas

deveriam ser preenchidas ou quando os espaços são utilizados para representar

algo que, de outro modo, tornaria o conceito incompleto. A capacidade de usar o

espaço branco é considerada uma indicação de força do Ego, mostrando que a

personalidade tem recursos para resistir à invasão de forças ambientais ou

confusão motivacional.

Dado de Realidade

F+ % < 75 ------------------- sinal de desajuste às normas

4. Número de Respostas (R):

O número médio de respostas encontra-se entre 20 e 45, no caso do

protocolo em questão ele foi igual a 17, ou seja, houve um número baixo de

respostas (R). Um número pequeno de respostas indica falta de produtividade,

exceto quando estas respostas são globais boas e bem organizadas.

5. Proporção de (H + A) : (Hd + Ad):

Esta proporção foi de 9:1, se as respostas de detalhe têm a freqüência de

metade das (H + A) ou menos, não há interpretação especial, podendo-se dizer

que não há atitude extremamente crítica.

6. Número de respostas populares (P):

Num protocolo que apresenta de 20 a 45 respostas, o número médio de

respostas populares é cinco. No caso do protocolo em questão, o número total de

23

respostas foi igual a 17, dentre as quais 5 podem ser classificadas como

populares.

Quando o número de respostas populares encontra-se na média, podemos

dizer que a pessoa tende a ver o mundo da mesma maneira que os outros, sem

ênfase indevida na visão convencional.

7. Porcentagem de respostas animais (A%):

O número ótimo de respostas animais encontra-se entre 20 a 35%, neste

caso ela foi igual a 52,95%. Um fundamento empírico mostra que uma

porcentagem de respostas animais acima de 50 tende a estar associada tanto

com capacidade intelectual baixa, como com ajustamento perturbado.

A hipótese é de que A% alto indica uma visão de mundo estereotipada, isto

é, amplitude de interesses muito restrita. A rigidez mental que implica numa

estereotipia acentuada pode representar uma espécie de defesa, uma proteção

provocada pela ansiedade, como acontece muitas vezes nos neuróticos.

Entretanto, indivíduos que apresentam esta característica podem ter um elevado

quociente intelectual, mas entre seus mecanismos defensivos apresentam, às

vezes, certa rigidez de pensamento que bloqueia suas potencialidades intelectuais

ao mesmo tempo em que os protege nas relações interpessoais e, desse modo,

evita uma conduta espontânea que poderia trair a fragilidade e ansiedade interna.

Grau de Estereotipia

A% > 50 ------------------------controle rígido dos processos do pensamento.

8. Sucessão:

A sucessão mais comum é ver primeiro a mancha como um todo, depois

dividi-la em detalhes usuais, e depois dar, talvez, um detalhe pequeno ou raro ou

uma resposta de espaço. Esta sucessão G-D-d-Dd (ou S) é denominada sucessão

sistemática. No protocolo em questão, observam-se 4 sucessões sistemáticas e 6

assistemáticas, quando isso ocorre, diz-se que se trata de Sucessão Relaxada.

A hipótese e de que há um enfraquecimento do controle, seja por limitação

intelectual ou por condições emotivas.

24

B) Proporções relativas a recursos internos e impul so vital 1. Relação de M:FM

FM>2M (M:FM=1:6): Quando FM excede mais do que duas vezes M, o

indivíduo é mais governado por necessidades imediatas de gratificação do que por

metas a longo prazo.

O esquema abaixo foi utilizado para a constatação do nível de

funcionamento mental. No eixo de movimento e cor é representada, pelas

respostas de movimento, a energia psíquica em seu campo interno, indicando a

conscientização e a organização dos impulsos primitivos, a orientação e

disponibilidade dos recursos internos, a construção dos valores pessoais, os

processos imaginativos e a orientação dessa energia vital para a gratificação

imediata ou para as metas a longo prazo. Já as respostas de cor representam o

mundo externo, as relações interpessoais, o modo como o sujeito se comporta no

mundo e suas reações e manifestações emocionais.

M = 1 FC = 3

FM = 6 CF = 0 Como podemos observar, há predominância de respostas FM sobre M,

então a hipótese é de que o indivíduo tem uma energia interna organizada no nível

primário do funcionamento mental. No processo primário a energia é livre ou

móvel na medida em que se escoa para a descarga da maneira mais rápida e

mais direta possível, já no secundário ela é ligada, pois seu movimento para a

descarga é controlado. O estado livre da energia precede seu estado ligado, pois

este se caracteriza um grau mais elevado de estruturação do aparelho psíquico.

M = 1 FM = 6

FM > 2M ---------------- necessidade de gratificação imediata

25

2. Relação de (M : FM+m):

M : (FM + m) = 1:6: Um número maior de FM+m indica que a tensão é

muito forte para permitir que a pessoa utilize seus recursos internos para a

solução construtiva de seus problemas cotidianos.

C) Proporções relativas à organização de necessidad es afetivas 1. Relação de Respostas de sombreado diferenciado e indifrenciado:

(FK + Fk + Fc) : (KF + K + Kf + k cF + c) = 2:0 Nesse caso, podemos

observar que as duas únicas respostas são do tipo FK. Portanto, a hipótese e que

FK indica uma tentativa do indivíduo de manipular suas ansiedades afetivas

através do esforço introspectivo e, assim objetivar seus problemas, tendo uma

perspectiva deles e colocando-os a distância de si mesmo, podendo assim

encará-los com menos emoção.

Embora FK represente um esforço introspectivo, não é necessariamente

um sinal de “insight”, por outro lado, a ausência de FK não implica em falta de

“insight” ou em ausência de introspecção. Já a ausência de respostas K e k pode

indicar uma falta de consciência da ansiedade afetiva, seja porque tal ansiedade e

realmente mínima, seja porque o indivíduo construiu mecanismos de defesas que

o protegem da consciência da ansiedade.

2. Relação de F : (FK + Fc):

F : (FK + Fc) = 7:2: Quando FK (2) supera Fc (0), a hipótese vai na direção

de enfatizar mais o controle da ansiedade afetiva do que a consciência e

aceitação da necessidade afetiva.

FK + Fc = ¼ a ¾ de F: Quando as respostas diferenciadas de sombreado

são dadas nesta quantidade indica que a necessidade de afeto desenvolveu-se

suficientemente bem e está integrada com o resto da personalidade, além disso,

há uma função sensitiva controladora auxiliando o indivíduo na sua interação com

as outras pessoas, sem a implicação de uma super-dependência vulnerável.

26

3. Relação entre Respostas Acromáticas e Cromáticas

(Fc + c + C’) : (FC + CF + C) = 2:3: O que temos aqui são 2 FC’ e 3 FC.

Quando respostas C’ aparecem em protocolos ricos de respostas de cor nas áreas

cromáticas, parece ser uma simples extensão da receptividade à cor, sugerindo

uma reação rica e variada a todos os tipos de estímulos apresentados pelo

material do teste. A responsividade a cores em geral pode ser considerada

potencial criativo, sendo que quanto menos desenvolvido e socializado for o tipo

de percepção, menos foi apresentado este potencial.

As respostas FC são indicativas de um rápido controle dos impactos

emocionais, sem perda de responsividade. Essa responsividade controlada

implica em que a pessoa possa reagir com sentimento e ação apropriados às

demandas emocionais da situação. Isso sugere um interesse em relacionamentos

com outros assim como habilidade social, o que ajuda na formação e manutenção

de bons relacionamentos.

D) Proporções Relativas ao Controle Constritivo

1. Porcentagem das Respostas de Forma:

F < 20% (11,54%): Quando o F é pouco enfatizado, a pessoa empenha-se

pouco em manter um relacionamento realista e impessoal com o mundo.

Ao agir sob controle constritivo, o indivíduo consegue controlar a expressão

através do controle dos sentimentos, emoções e impulsos que levariam a um

comportamento não controlado. Existem três tipos básicos de processos através

dos quais a pessoa pode “constringir”, no caso do protocolo em questão a

hipótese é de que o indivíduo constringe sua consciência e sua aceitação de

necessidade afetiva. Isso é indicado pelo aumento de repostas F em detrimento

de respostas claro escuro.

Manutenção da Objetividade

F% < 20 ---------------------- objetividade rebaixada

27

2. Total de Respostas F mais as Respostas de Sombre ado Diferenciado:

FK + FC = ¼ A ¾ de F: Nesse caso, a hipótese é que a necessidade de

afeto desenvolveu-se suficientemente bem e está integrada com o resto da

personalidade. Além disso, há uma função sensitiva controladora auxiliando o

indivíduo na sua integração com outras pessoas, sem a implicação de uma super-

dependência vulnerável. No caso, o sujeito não tem consciência de suas

necessidades afetivas.

E) Proporções relativas à reatividade emocional ao meio

1. Relação F: ( CF + C):

F > (CF + C) (2,5:0): É sinal de controle sobre a expressão impulsiva da

emocionalidade. Se CF + C está ausente, a hipótese é de que há controle

excessivo e as respostas socializadas tendem a ser superficiais. A pessoa é

incapaz ou não se permite uma reação emocional profunda, mesmo quando a

situação o requer.

Tipo de Exteriorização

F > CF + C ----------------- normal

CF + C = 0 ----------------- sem exteriorização

2. Csum:

Csum = 1: Csum é proporcional ao grau de reações manifestas aos

estímulos emocionais, seja tal reatividade controlada ou não. Se Csum for menor

que 3, parece haver pouca responsividade às influências do meio.

M:Csum = 1:1 Esta proporção nos fornece o tipo vivencial do indivíduo, no

caso trata-se do tipo Coartativo. Nestas personalidades predomina o pensamento

lógico disciplinado e existe uma hiperfunção da atenção consciente; estes

indivíduos agem sob controle constritivo em detrimento dos outros aspectos da

personalidade tais como vida interior, imaginação, afetividade, sensibilidade,

capacidade de relacionamento etc.

Os coartativos costumam ser formalistas, às vezes podem se tornar

incômodos em situações em que precisam entrar em jogo os componentes

28

afetivos ou colocar à prova a imaginação. Alguns indivíduos sentem necessidade

de demonstrar qualidades que atualmente não possuem, eles também pertencem

a este tipo vivencial, neles existe uma hipertrofia das funções gerais, o

pensamento lógico inibe a exteriorização dos sentimentos e a vida interior a ponto

de sentirem-se seguros somente dentro de suas normas de vida rigidamente

preestabelecidas num clima de grande estereotipia e monotonia.

Exteriorização da Afetividade

M : Csum -------------- ambigual

3. Porcentagem de respostas aos Cartões VIII, IX e X:

(R VIII + IX + X)% = 70,59%: A porcentagem de respostas aos três últimos

cartões, que são inteiramente cromáticos, indica responsividade geral aos

estímulos emocionais do meio, seja esta expressa em reatividade manifesta ou

não. Reconhece-se como sendo 40% o limite superior da responsividade média,

assim, se mais de 40% de respostas são dadas nos três últimos cartões (a não ser

que sejam dadas mais que 20% no cartão X apenas) a hipótese é de que a

produtividade do indivíduo é estimulada pelo impacto do meio, dando ou não

expressão aberta à reação emocional.

R.A. = 70,59% ----------------- impulsividade

• Resultado da Anamnese

O Sr. Jorge tem 62 anos, é natural do Japão e está no Brasil há

aproximadamente 40 anos. Quando morava no Japão, seus pais trabalhavam na

colheita de arroz. Durante a II Guerra Mundial, seu pai foi convocado e participou

ativamente.

Conta que seu pai bebia muito e assim gastou todos os recursos

financeiros da família. Desse modo, decidiu vir para o Brasil em busca de

melhores condições sócio-econômicas. Instalaram-se na região de Campinas e o

casal foi trabalhar na roça, serviço no qual já tinham experiência. Sua família era

composta pelos pais, 3 irmãs, 1 irmão e ele.

29

Jorge não comenta nada sobre a religiosidade dos pais, apenas diz que

não eram budistas. Quando se mudou para Ribeirão Bonito conheceu um grupo

de jovens japoneses que eram budistas, então se identificou com a filosofia

aplicada pela orientação do Budismo de Nitchiren Daishonin e passou a fazer

parte da comunidade. Atualmente é um dos orientadores dos grupos ativos em

uma pequena cidade do interior de São Paulo.

Durante a juventude conheceu sua esposa quando freqüentava o

restaurante onde ela trabalhava, depois que começaram a namorar, o Sr. Jorge

buscou influenciá-la a também fazer parte da comunidade Budista, o que de fato

ocorreu. Eles estão casados há trinta e um anos e têm três filhas.

Depois de algum tempo de casados, ele decidiu ir para o Japão trabalhar e

depois de três ou quatro anos sua esposa também foi e levou a filha mais nova do

casal. Ficaram lá por 12 anos e voltaram por motivo de saudades.

Ao ser questionado sobre religiosidade, Sr. Jorge diz que a religião é como

a espinha que segura o corpo dos ser humano. “Pra segurar vida, então precisa

de religião. O corpo que não tem espinha cai à toa, não dá nem pra andar”. Diz

que o ensinamento Budista busca a paz mundial, mas vai tentando aos poucos, ou

seja, primeiro a comunidade, depois cidade, país e mundo.

Ele explica que não fazem propaganda em jornal nem televisão, é tudo

boca-a-boca. Primeiro chama a pessoa, ela entende o Gorronzon, começa a

praticar e, se achar que foi bom pra ela, ensina outras pessoas. “É assim que lá no

Japão aumenta também, lá tem mais de um milhão”.

Sr. Jorge conta que quando era criança não gostava muito de ficar

conversando com as pessoas e só ficava em cima da árvore, mas, por causa do

Budismo está diferente, isso se chama Revolução Humana. “Mudou bastante. Isso

chama Revolução Humana, revoluciona pessoa também. Revoluciona o que está

ruim”. Ele comenta que todo mundo tem estado de Buda, explica que existem 10

estados, então a pessoa vai subindo até chegar ao décimo que é o Estado de

Buda. Os quatro estados de baixo são: Inferno, Ira, Animalidade e Fome; os outros

seis são: Humano, Alegria, Erudição, Absorção, Bodhisattva e Buda. É possível

alcançar o Estado de Buda através do nam mioho rengue kyo. “Esse nam mioho

30

rengue kyo é igual polir espelho sujo. Está sujo, então pra limpar nam mioho

rengue kyo, nam mioho rengue kyo... Daí fica limpinho, né”.

Diz que todo mundo tem carma e que o deus budista nos protege dos

nossos carmas, quer dizer, se for acontecer algo de ruim, talvez não seja muito

grave porque o deus budista protege quem faz o nam mioho rengue kyo. “Por isso

que tem que fazer a oração certa e viver vida diária de budista”.

31

IV. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Uma das características mais importantes observadas é que o Sr. Jorge

não fala e nem compreende muito bem o português. Isso foi constatado durante a

realização da anamnese e também durante a aplicação do teste, pois, em alguns

momentos, ele demonstrou certa dificuldade em expressar o que via na prancha e

também em compreender o que lhe era dito. Desse modo, ao analisar os

resultados obtidos a partir da prova de Rorschach, é importante levar em

consideração a escolha pela manutenção da cultura de origem, fato que influencia

grandemente o seu modo de se comunicar.

Sr. Jorge veio do Japão com, aproximadamente 20 anos, permaneceu

alguns anos no Brasil e depois voltou para sua pátria, onde viveu por mais 12

anos até voltar novamente para o Brasil.

Vimos que a proporção G:M é igual a 4:1, indicando dificuldades em

integrar e organizar. De acordo com ADRADOS (1973), esta proporção é

representativa da relação existente entre a vida interior e a atividade mental, de

modo que M representaria a capacidade criadora e a tendência à conquista

intelectual e G a pessoal capacidade produtiva para se concretizar as

possibilidades implícitas em M. Nesse caso, a hipótese é que essas dificuldades

podem ser devidas à falta de condições sócio-culturais de integrar dados, hábitos

e o vocabulário da cultura brasileira. Durante a anamnese ele comenta que, às

vezes tem dificuldades para se comunicar, inclusive no trabalho. “Não dá para

explicar direitinho, tá ruim de português (...). Nunca fui na escola, né, precisa

estudar mais”.

Pesquisadora – Mas quando as pessoas vão lá na banca pra comprar o

senhor entende?

Sr. Jorge – Alguma coisa não entende.

CHUBACI e MERIGHI (2002) realizaram um estudo cujo objetivo foi

conhecer a importância da comunicação para o imigrante japonês durante o seu

processo de hospitalização. Para isso entrevistaram dezessete imigrantes

32

japoneses que eram pacientes de um hospital em São Paulo, dentre estas

entrevistas uma foi concedida em português e as demais em japonês para que,

desse modo, os sujeitos tivessem mais abertura para poder expressar os

sentimentos vivenciados.

Os resultados mostraram que a cultura exerce uma influência importante no

comportamento e atitude desses imigrantes, as dificuldades em relação ao idioma

geram situações perturbadoras, trazendo angústia, tristeza e ansiedade. Além

disso, também foi possível perceber muitas falas permeadas pela exposição de

alguns conceitos culturais japoneses, como auto-restrição (enryo), auto-controle

para suportar situações angustiantes e/ou aflitivas (gaman) e o conformar-se com

a situação vivida (shoganai).

“Compreendemos que o imigrante japonês tem sérias dificuldades para ser

entendido pelos outros, por não conseguir se expressar em português em

razão de alguns hábitos culturais específicos, assim, chamamos atenção

para a falsa impressão que eles podem transmitir de que tudo está em

ordem. Ao serem entrevistados no idioma japonês, demonstraram que, por

trás de seu jeito sereno de ser, escondiam, muitas vezes, a ansiedade e o

interesse pelo cuidado de sua saúde (...)” (CHUBACI & MERIGHI, 2002).

Apesar de se tratar de outro contexto, não podemos deixar de observar que

o Sr. Jorge está entre estes imigrantes que, devido à barreira do idioma, são

prejudicados no momento em que precisam se comunicar. Além disso, quando

sua família imigrou para o Brasil foram se estabelecer na zona rural, como

trabalhadores da roça, nesta época era muito comum que pessoas que residiam

na zona rural estudassem apenas os primeiros anos da escola fundamental.

Desse modo, seu Jorge faz parte de um contingente semi-analfabeto com o

agravante de ter se constituído adulto numa cultura muito diversa da brasileira.

Ao observar as proporções relativas à reatividade emocional ao meio, como

F : (CF+C) e Csum, podemos perceber sinais de controle excessivo sobre a

reação emocional e pouca responsividade às influencias do meio. Estas

dificuldades podem estar relacionadas às características observadas pelas

autoras em seu estudo, ou seja, a expressão da emocionalidade pode estar sendo

33

excessivamente controlada devido às dificuldades do Sr. Jorge em comunicá-las,

dificuldades relacionadas mais ao uso do idioma do que à falta de condições

cognitivo-intelectuais.

Uma possível explicação para esta influência na comunicação pode ser

encontrada no artigo de DEMARTINI (2000) ao explicar a importância da

educação para os imigrantes japoneses.

“A maior parte dos pais queria que seus filhos aprendessem a língua e os

costumes japoneses, tendo em vista o retorno a seu país de origem, caso

as crianças não fossem educadas à maneira japonesa, poderiam ser

marginalizadas ao voltar” (DEMARTINI, 2000).

Ele explica que os filhos destes imigrantes estudavam apenas em escolas

japonesas, pois os pais temiam que ao estudar em escolas brasileiras seus filhos

fossem se abrasileirando e, desse modo perdessem o elo com a cultura japonesa.

Então, para que os valores culturais japoneses continuassem a ser transmitidos,

era preciso dar educação à maneira japonesa, com ênfase principalmente na

língua.

O Sr. Jorge considera que a prática do Budismo proporcionou uma melhoria

nas suas relações com as pessoas. Ele conta que quando criança ficava sempre

em cima da uma árvore para não ter que conversar com ninguém, mas, por conta

do Budismo está diferente “Mudou bastante, isso chama Revolução Humana.

Revoluciona pessoa também. Revoluciona o que está ruim”.

Como afirma JUNG (1983), os indivíduos podem ser caracterizados de

acordo com os movimentos da energia libidinal de seus processos mentais em

relação aos objetos. Desse modo, eles podem ser identificados através dos

conceitos de introversão e extratensão. No caso do introvertido, a energia libidinal

introjetada tende a ser descarregada na própria personalidade do sujeito, que tem

um mundo interno rico e estruturado com base em seus próprios valores e

necessidades. Este tipo preocupa-se, basicamente em retirar a libido do objeto e

também em defender-se contra um imenso poder do mesmo. Em um indivíduo

extratensivo, a energia libidinal está voltada para os acontecimentos externos,

trata-se então de uma pessoa altamente responsiva ao ambiente, tanto com

34

relação à expressão emocional aberta quanto a sentimentos calorosos e

afetuosos. Este tipo, ao contrário do primeiro, comporta-se de modo positivo

diante do objeto, orienta-se predominantemente por ele e pelo dado objetivo,

desse modo, suas principais e mais freqüentes decisões e ações são

condicionadas por circunstâncias objetivas, não por opiniões subjetivas.

A proporção M : Csum indica que o Sr. Jorge se encaixaria num terceiro

tipo: o ambigual. O tipo ambigual possui todas as características descritas acima,

porém oscilando em seu funcionamento libidinal, de modo que ora ele apresenta

necessidades introvertidas, ora necessidades extratensivas. O movimento da

energia vital corresponde a necessidades diferentes e tem duração no tempo,

então o Sr. Jorge pode se apresentar extroversivo em alguns momentos e

introversivo em outros. Até onde se tem conhecimento, esse movimento da

energia libidinal não é de domínio do indivíduo, ele pode e deve respeitar tal

movimento para que, desse modo, o sujeito não imprima um sofrimento emocional

inevitável lutando contra a direção da economia libidinal. Entretanto, o modo de

funcionamento das sociedades, baseadas na mais valia, não permite ao indivíduo

estabelecer rotinas singulares, a não ser nos trabalhos informais ou quando o

sujeito tem seu próprio negócio e pode determinar o ritmo da produção. O

participante deste estudo se encontra nesse último caso, o que o protege em

relação ao seu modo de manifestação afetivo-emocional.

Consideramos faltar em Sr. Jorge apenas o conhecimento mais profundo

do idioma português, já que desse modo ele se tornaria capaz de fazer as

relações entre os diversos aspectos da realidade (ênfase em D, rever na página

18). Além disso, tal conhecimento possibilitaria a ele uma ampliação do universo

de expressão, latente nas respostas de movimento animal já que tais respostas

são potencialmente passiveis de serem transformadas em responsividade

elaborada no processo secundário do funcionamento mental.

A prática da meditação muito provavelmente transformou parte da pulsão

no processo primário em atividade simbólica, por que seu Jorge emigrou para o

Brasil já tendo canalizado parte da energia pulsional, de modo que já sabe

inconscientemente como fazer essa passagem. Portanto, supomos que ao

35

aprender o idioma português ele tenha autonomia para a transformação das

respostas de impulsividade que estão controladas pela racionalização e possa

facilmente transformar o potencial energético do nível primário para o nível

secundário, isto é respostas esperadas em indivíduos adultos.

Assim, seria recomendável ao Sr. Jorge uma ajuda com o idioma

português, como por exemplo aulas particulares, para que ele pudesse ampliar

seu universo de expressão já que, como vimos não há sinais de problemas

cognitivo, apenas dificuldades em expressar verbalmente idéias e afetos.

36

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adrados, I. Teoria e Prática do Teste de Rorschach. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 12ª. Edição (1973). Albuquerque, E. B. O Mestre Zen Dôghen. Ed. Arte &Ciência/UNIP, 1997. Capra, F. O Tao da Física. Editora Cultrix: São Paulo, 1983. Chubaci, R. Y. S. & Merighi, M. A. B. A comunicação no processo da hospitalização do imigrante japonês. In Revista Latino-Americana de Enfermagem. Novembro\Dezembro de 2002, Demartini, Z. B. F. Relatos orais de famílias de imigrantes japoneses: Elementos para a historia da educação brasileira. In Educação e Sociedade. Agosto de 2000, ano XXI. Guia Prático do Budismo. Ed. Brasil Seikyo, São Paulo. Filho C. H. & Prebianchi H. B. Exame Clinico e Psicológico. Casa do Psicólogo – São Paulo/SP (1999). Hipólito, C. F. ; Prebianchi, H. B. Exame Clínico e Psicológico. (1999). Jung, C. G. Obras Completas. Editora Vozes (1983). Klopfer, B; Ainsworth, M; Klopfer, W. & Holt, R. Developments in the Rorschach Technique. (s/ data). Massini, M.; Mahfoud, M e cols. Diante do Mistério: Psicologia e Senso Religioso. Edições Loyola (1999). Robinson, A. e cols. O Avanço do Budismo In: Revista Terra. Editora Peixes: agosto de 2003, ano 12. Vergote, A. Necessidade e Desejo de Religião na ótica da Psicologia In: Paiva, G. J. Entre necessidade e desejo: Diálogos da Psicologia com a Religião. Ed. Loyola, São Paulo (2001). Valle, E. Psicologia e Experiência Religiosa: Estudos introdutórios. Ed. Loyola, São Paulo (1998). Silva, M. D. V.. Rorschach: uma abordagem psicanalítica. São Paulo: EPU. (1987)

37

Terceira Civilização. BSGI. Ed. Brasil Seikyo, São Paulo. Julho 1994; Abril 2003; Maio 2003.

38

ANEXO I

CONSENTIMENTO INFORMADO

Meu nome é Valessa Eloisa Dias de Oliveira sou estudante e pesquisadora da “Universidade Federal de São Carlos”.

Venho realizando um estudo sobre as mudanças perceptivas e emocionais provocadas pela prática do Budismo. O objetivo deste trabalho é conhecer a dinâmica das funções psíquicas quando submetidas às práticas budistas. Considero que este trabalho poderá fornecer importantes dados para o tratamento psicológico e também para criar condições do desenvolvimento do processo criativo.

O trabalho será realizado através de uma entrevistas e uma aplicação da Prova de Rorschach (P.R) em momentos distintos, sendo: • 1ª entrevista • 2ª aplicação da prova de Rorschach • As entrevistas e a aplicação da P.R. ocorrerão em locais onde se possa dar o

sigilo das informações e sempre que possível em local de fácil acesso para os sujeitos da pesquisa. Preciso muito de sua colaboração, mas você precisa saber que ao aceitar

participar deste estudo: 1. Conversaremos sobre sua história de vida o que pode envolver falar dos seus

relacionamentos com seu (seus) parceiro(os)(as), com seus pais ou outros atores sociais.

2. Será garantido o seu anonimato em relação a seus depoimentos. As entrevistas serão gravadas e depois transcritas.

3. O estudo é transversal e o trabalho de organização dos dados deve levar dois anos.

4. Você está livre para desistir da entrevista em qualquer momento e não precisa falar de situações que lhe tragam algum tipo de constrangimento.

5. Sua participação é inteiramente voluntária. 6. Não há nenhum risco significativo em participar deste estudo.

Considerando o acima exposto:

Eu, ________________________________________ , aceito participar deste estudo, sabendo que a minha participação é inteiramente voluntária. Eu recebi uma cópia deste termo e a possibilidade de lê-lo.

Assinatura do participante: Assinatura do pesquisador: Data:

39

ANEXO II

CONSENTIMENTO PARA UTILIZAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS NO

PSICODIAGNÓSTICO

(Cidade), (preencher com data) À MARILIA GONÇALVES

Eu, (nome e estado civil)________, portador(a) do documento de identidade:_______________ declaro para os devidos fins que cedo os direitos dos resultados das minhas avaliações psicológicas (entrevista e Prova de Rorschach), realizadas nos dias _____________ para MARILIA GONÇALVES e VALESSA DIAS DE OLIVEIRA, para ser usada integralmente ou em partes, sem restrições de prazos e citações, desde a presente data. A única restrição é que se mantenha o anonimato da minha identidade, sob a forma de um outro nome fictício.

Abdicando de direitos meus e de meus descendentes, subscrevo a presente,

Assinatura ________________________

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ANEXO III

Significado dos índices utilizados na apuração da Prova de Rorschach de

acordo com Bruno Klopfer (1949).

1. Ressonância Afetiva

A ressonância afetiva é a variável que indica a responsividade geral do

indivíduo ao meio, além de servir de valor comparativo para a confirmação do tipo

de exteriorização da afetividade. Os valores considerados foram:

RA < 30% ----------------------- inibição afetiva

30% < RA < 40% ------------- responsividade normal

RA > 40% ----------------------- impulsividade

2. Exteriorização da Afetividade

A exteriorização da afetividade indica o tipo de vivencia do sujeito, isto E, qual

seria o tipo de reação frente ao impacto provocado pelos estímulos do meio.

Os valores considerados foram:

2M : 1Csum ---------------------- introversivo

1M : 2Csum ---------------------- extratensivo

M : Csum ------------------------ ambigual

Os indivíduos caracterizados como introversivos tem uma vida interior rica, são

reflexivos e criativos. Mantém contatos humanos mais numerosos que

profundos e demonstram dificuldades na vida social e em adaptar-se a

realidade.

Aqueles considerados extratensivos são hábeis em adaptar-se a realidade,

mostram-se mais pragmáticos, são pouco originais e encontram facilidade para

concretização de seus objetivos. Mantém contato superficial e numeroso.

A introversão extrema pode indicar, junto com a análise geral dos dados, uma

defesa frente às emoções provocadas pelos estímulos do meio, em

contrapartida, a extratensão extrema também pode refletir uma defesa que

busca ajuda no engajamento total com a realidade.

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A ambigüidade pode apresentar-se através do sujeito do tipo dilatado ou

coartado. O indivíduo que apresenta em tipo de vivência dilatada conserva um

equilíbrio entre as características introversivas e extroversivas, trazendo

consigo a habilidade de manter contatos afetivos profundos e, ao mesmo

tempo, tendo o domínio do ambiente que o cerca.

3. Tipo de Exteriorização

O tipo de exteriorização da afetividade indica a presença ou não de

exteriorização e o tipo de controle de que o sujeito dispõe para exteriorizar

seus afetos. Os valores considerados foram:

FC = 0 e CF + C = 0 ------------------------------- sem exteriorização

FC < CF + C ----------------------------------------- impulsividade

FC > CF + C e CF + C > 0 ----------------------- normal

A equação FC > CF + C, quando FC excede a soma CF + C, é indicativa da

capacidade do indivíduo de responder com controle adequado aos estímulos

do meio, tanto interna como externamente, e sua expressão é profunda, não

havendo necessidade de um controle exagerado. No entanto, se a soma CF +

C tender a zero, devemos pensar na dificuldade do sujeito em reagir

emocionalmente diante de uma situação que solicite um desenvolvimento mais

profundo. FC < CF + C é demosntrativo de que o sujeito tem controle frágil

sobre sua emocionalidade e tende a reações comportamentais impulsivas. Mas

estas respostas deverão ser avaliadas também em conjunto com as de

movimento animal e humano.

4. Organização das Necessidades Afetivas

O índice de organização das necessidades afetivas demonstra a presença de

sinais de ansiedade e se aquelas ao passiveis de reconhecimento, ou ainda,

se são tão primitivas que se tornam indiscriminadas. Os valores considerados

foram:

Sombreado Diferenciado : Sombreado Indiferenciado

(FK + Fk + Fc) : (KF + Kf + cF + c)

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0 : 0 -------------------------------------------- inconsciência

0 : x, onde x ≠ 0 ---------------------------------- consciência

y : x, onde x e y ≠ 0 ------------------------------ inconsciência e consciência

As respostas de sombreado nos indicam como os sujeitos manipulam as

necessidades básicas de segurança, de afeição e do sentimento de pertencer

a alguém. As respostas K e KF indicam a presença de ansiedade de natureza

vaga: o sujeito está consciente dessa ansiedade, embora não tenha defesas

eficazes. A presença de ansiedade faz parte da vida, no entanto, se houver um

aumento para 3 no índice dessas respostas de natureza vaga, e assim

excederem as respostas de sombreado diferenciado, podemos supor que o

grau de ansiedade é alto o suficiente para perturbar o cotidiano do sujeito. A

ausência de respostas dessa natureza indica uma falta de consciência das

necessidades afetivas ou a presença de defesas que portegem o sujeito dessa

consciência.

A relação entre as respostas de textura e forma é muito importante para a

avaliação global do sujeito. Se a quantidade de respostas de textura

diferenciada exceder ¾ das de forma, podemos supor que as necessidades

afetivas ameaçam inundar a personalidade; no entanto, se elas estiverem

abaixo de ¼ de F, podemos pensar na presença de repressão intensa ou numa

necessidade afeto subdesenvolvida.

5. Recursos da Personalidade

Os recursos da personalidade indicam o tipo de vivência do sujeito, a

capacidade de reflexão, de imaginação e a energia psíquica existente. Os

valores considerados foram:

FM > 2M ----------------------------- necessidade de gratificação imediata

M > FM ------------------------------- normal

M < FM < 2M ----------------------- desfavorável

O significado das respostas M é bastante complexo e implica basicamente três

conceitos: a) do processo imaginativo, isto é, ver na mancha uma cinestesia

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que inexiste; b) da empatia, isto é, ver na mancha a presença humana e c) da

percepção em nível altamente diferenciado e integrado.

A quantidade de respostas M é indicativa da presença de energia vital. Nos

introspectivos, espera-se um mínimo de cinco respostas dessa categoria.

Abaixo de três, podemos supor um rebaixamento da energia vital disponível do

indivíduo e ainda uma baixa tolerância do ego aos impulsos arcaicos.

As respostas FM comparadas com as M requerem um menor grau de

diferenciação intelectual, não implicam empatia pelos seres humanos e

sugerem impulsos que necessitam de gratificação imediata.

Assim sendo, a relação entre a quantidade dessas respostas aliadas ao tipo de

exteriorização dos afetos, analisada em conjunto com os outros dados do

psicograma, poderá auxiliar-nos na avaliação desses sujeitos.

6. Grau de Estereotipia

O grau de estereotipia indica a capacidade de concentração, o controle dos

processos de pensamento e a amplitude de interesses que o sujeito apresenta.

A% < 30 ------------------------- dispersão do pensamento

30 ≤ A% ≤ 50 ------------------- normal

A% > 50% ----------------------- controle rígido dos processos de pensamento

As respostas de conteúdo animal indicam as tendências persevatórias e

estereotipia que são necessárias à capacidade de concentração do sujeito; um

índice muito baixo pode indicar uma dissociação no curso do pensamento, mas

é preciso observar qual conteúdo aumenta em decorrência da baixa de A%. Se

for o conteúdo humano, podemos pensar num interesse voltado para o homem

de modo geral; se anatômico, podemos pensar em angústia hipocondríaca,

convivência com doenças graves, assim por diante.

7. Produção

R < 15 ------------------------------ baixa produtividade

15 ≤ R ≤ 25 ------------------------ normal

R > 25 ------------------------------- excesso de produtividade

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A produtividade do indivíduo deve ser analisada à luz da qualidade dessa

produção. Se a responsividade for baixa, mas estiver associado a um bom

número de respostas, cujo determinante é global, do tipo secundário,

poderemos supor que a capacidade de produção intelectual desse sujeito se

caracteriza por uma abordagem mais elaborada, que implica percepção

discriminativa e integração das partes, o que lhe possibilita realização e

compreensão de experiências complexas. Entretanto, se o sujeito demonstrar

baixa produtividade, associada a um número exagerado de respostas globais

primárias, poderemos supor uma superficialidade de relacionamento com as

experiências do meio que pode levar a generalizações simplórias.

8. Manutenção da Objetividade

A manutenção da objetividade indica a capacidade de formação de conceitos

objetivos. Os valores considerados foram:

F% < 20 ------------------------------------------- objetividade alta

20 ≤ F < 50 --------------------------------------- manutenção da objetividade normal

50 ≤ F < 80 --------------------------------------- constrição neurótica

F% ≥ 80 e nível formal alto ------------------- constrição neurótica

Nível formal baixo ------------------------------- limitação natural

9. Dado de Realidade

A qualidade formal indica a capacidade de objetivação adequada do sujeito

segundo os padrões sociais. Os valores considerados foram:

+F% < 75 ---------------------------------- sinal de desajuste às normas

75 ≤ +F% ≤ 80 ---------------------------- normal

+F% > 80 ----------------------------------- rigidez, vida afetiva comprometida

Os índices de manutenção da realidade e capacidade de objetivação estão

intrinsecamente ligados. A qualidade das respostas F (F+, F-, F+-) e a sua

quantidade são indicativos da capacidade reguladora do pensamento e da

razão. Índices muito altos de repostas de conteúdo formal, quase ausência de

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cor e das respostas de textura levam-nos a pensar numa asfixia da vida

afetiva.

Os índices acima descritos devem sempre ser discutidos de maneira articulada

para nos proporcionarem uma visão global do sujeito.

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ANEXO IV

Classificação geral dos elementos segundo os critérios para apuração da

Prova de Roschach de acordo com Bruno Klopfer (1942).

Escores de Localização:

G – global

D – detalhe usual

Dd – detalhe inusual

S – espaço

Escores de Determinantes:

F – forma

C – cor cromática

C’ – cor acromática

c – sombreado de superfície e textura

K – sombreado de difusão e tridimensão

k – sombreado percebido com redução da tridimensão a bidimensão

M – movimento humano

FM – movimento animal

m – movimento inanimado

Escores de Conteúdo (principais categorias):

A – figura animal inteira e real

H – figura humana inteira e real