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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO ARTÍSTICO Henrique Costa MESTRADO EM DESENHO 2006

DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO ARTÍSTICO · 2015. 10. 2. · desenho digital, e principalmente as características muitas vezes erróneas ligadas a forma digital de

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO

    ARTÍSTICO

    Henrique Costa

    MESTRADO EM DESENHO

    2006

  • 1

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    DESENHO DIGITAL: A POSSIBILIDADE DE DESENHO

    ARTÍSTICO

    Henrique Costa

    Dissertação orientada pelo

    Professor Doutor António Pedro Marques

    MESTRADO EM DESENHO

    2006

  • 2

    RESUMO

    O recurso ao computador assume cada vez mais importância na sociedade. No

    campo artístico isto também é verdade, ainda que não haja um conhecimento profundo

    de quais são as mais valias que esse facto acarreta. A presente dissertação tem como

    objectivo marcar um território artístico dentro do desenho digital, ou seja, o desenho

    digital de facto é desenho, e como desenho que o é pode ser artístico.

    A dissertação é apoiada em cinco pontos, o primeiro dos quais equivalente ao

    capítulo dois é o fundamento do desenho, o seu tempo, a sua relação com o desenho

    digital. Também neste ponto é tratada a relevância ou não do desenho digital em

    diversas situações – quando é que o desenho digital é mais eficaz. Isto porque o desenho

    digital não é um meio de substituição do desenho analógico mas apenas um outro tipo

    de desenho. Assim sendo o desenho analógico será mais indicado para certas situações e

    o desenho digital será mais apropriado para outras.

    O capítulo três está ligado a factores técnicos onde serão descritos os modos de

    desenho digital, e principalmente as características muitas vezes erróneas ligadas a

    forma digital de desenho. Neste capítulo são ainda estabelecidos alguns paralelismos

    entre o desenho digital e o desenho convencional, como a utilização de estrutura ou o

    próprio processo do desenho.

    Do capítulo quatro ao seis serão apontados métodos e técnicas genéricas para

    uma construção digital de desenho, sempre ilustradas a partir de um modo puramente

    teórico mas também com recurso a exemplos relevantes. Nestes capítulos pretende-se

    uma desmistificação em relação ao desenho digital e à programação, visto estes

    poderem ser facilmente executados por artistas, ou desenhadores apenas com formação

    inicial nesta área. Ao desmistificar os processos ligados ao computador pretende-se

    demonstrar que o difícil não é dominar os conceitos inerentes à computação gráfica, o

    difícil continua a ser desenhar.

  • 3

    ABSTRACT

    The resource to the computer has more and more importance in the society. In

    the artistic field this is also true, though a deep knowledge of what are the surplus

    values what this fact brings does not exists. The following thesis have an objective: aim

    to mark an artistic territory inside the digital drawing, in other words, the digital

    drawing in fact is a drawing, and like drawing that it is it can be artistic.

    The thesis is supported in five points; the first one equivalent to chapter two is

    the basis of the drawing, his time, his relation with the digital drawing. Also in this

    point the relevance or not of digital drawing is treated in several situations – when it is

    more efficient. This because computer aided drawing is not a way of substitution of

    conventional drawing but only another type of drawing. So being, the analogical

    drawing it will be more appropriate for certain situations and the digital drawing will be

    more appropriate for others.

    Chapter three is connected to technical questions where the ways of digital

    drawing will be described, and principally the characteristics very often erroneous allied

    with the digital form of drawing. In this chapter some parallelisms are established

    between the digital drawing and the conventional drawing, like the use of structure or

    the drawing process itself.

    Chapter’s four to six will be pointed to methods and generic techniques for a

    digital construction of drawing, always illustrated from a purely theoretical way and

    also with the resource of relevant examples. In these chapters demystification is claimed

    regarding the digital drawing, since it can be easily executed by artists, or draftsmen

    with essential formation in this area. While demystifying the processes connected with

    the computer it intends to demonstrate that the difficult thing is not to control the

    concepts inherent in the graphic computation, the difficult thing keeps on being to draw.

  • 4

    PALAVRAS CHAVE

    Desenho digital

    Desenho artístico

    Desenho assistido por computador

    Desenho tridimensional

    Programação

    KEY WORDS

    Digital drawing

    Artistic drawing

    Computer graphics

    Three-dimensional drawing

    Programming

  • 5

    ÍNDICE

    7. I.INTRODUÇÃO

    9. II.O DESENHO

    9. 2.1 Propósito do desenho

    14. 2.2 Desenho analógico e desenho digital

    14. 2.3 Desenho artístico

    18. 2.4 Vantagens e desvantagens do desenho digital

    22. III.DA REALIZAÇÃO DO DESENHO DIGITAL

    22. 3.1 Modos de desenho digital

    22. 3.1.1 Desenho bidimensional – mapa de bits

    24. 3.1.2 Desenho bidimensional – vectorial

    25. 3.1.3 Desenho tridimensional

    27. 3.1.4 Animação

    28. 3.2 A vulgaridade do desenho tridimensional

    31. 3.3 Estrutura em três dimensões

    34. 3.4 Construção a partir de primitivas

    38. IV. DA PERCEPÇÃO VISUAL E CONSTRUÇÃO DO DESENHO POR

    SUPERFÍCIE

    39. 4.1 O processo do desenho por superfície

    43. 4.2 Construção por superfície

    47. V.CONSTRUÇÃO LINEAR

    49. 5.1 Utilidade do desenho linear

    50. 5.2 Processo do desenho tridimensional linear

    53. 5.3 Construção linear aplicada

  • 6

    61. VI.PROGRAMAÇÃO

    61. 6.1 Programação como desenho

    65. 6.2 Programação do desenho

    71. 6.2.1 Objecto A

    74. 6.2.2 Objecto B

    78. 6.2.3 Interacção entre A e B

    88. VII.CONCLUSÃO

    91. VIII.BIBLIOGRAFIA

  • 7

    I.INTRODUÇÃO

    Podemos atribuir a denominação de desenho artístico a algum desenho

    produzido a partir de meios digitais. Geralmente, a palavra “computador” ao ser referida

    no meio artístico remete para uma instalação multimédia, vídeo arte ou algo similar, ou

    ainda com sorte o uso do computador é relegado para uma fase de execução final de

    uma dada obra.1 Todavia o computador pode ser utilizado como uma ferramenta de

    criação desde o primeiro instante (ou desde o primeiro desenho) tal como um lápis e

    uma folha de papel, pela simples razão de que o processo de criação não está num meio

    externo ao artista mas nas suas faculdades. Portanto, todo o desenho está directamente

    dependente da cognição e da percepção visual. Tudo o que for externo a estes dois

    factores fará parte da execução do desenho e estará dependente destes. Resumindo:

    desenhar é um processo mental, ainda que seja requerido um suporte.

    O objectivo da dissertação é provar que sendo o desenho um processo mental,

    tanto os meios analógicos como os digitais são válidos para a sua representação. Tudo o

    que acontece quando se desenha com papel e lápis – todos os erros, vícios,

    arrependimentos associados à inclusão/exclusão e à forma desinteressada como se

    desenha – vão também acontecer ao nível do desenho digital. O mesmo é dizer que o

    desenho digital pode ser igualmente um desenho artístico.

    A metodologia empregue na presente dissertação procura em primeiro lugar

    explicitar o que é desenho, tanto no seu propósito como na sua vertente analógica e

    digital, para seguidamente definir desenho artístico e tentar perceber se a definição de

    desenho artístico pode ser aplicada ao desenho digital. Para isso e depois de uma

    primeira parte do trabalho mais teórica, apresentar-se-ão os capítulos em que não só

    serão descritos teoricamente processos do desenho digital como numa fase posterior

    estes serão explicitados a partir de exemplos relevantes.

    Por relevância existem três núcleos de trabalho principais, dois deles ligados ao

    desenho tridimensional, e o restante ligado à programação. Será tratado o desenho de

    1 É de referir que actualmente o conceito de “Arte” se encontra condicionado pela noção de

    conceptualidade, sendo que as técnicas de execução são relegadas para segundo plano o que afecta a

    importância do desenho.

  • 8

    construção tridimensional por superfície, onde serão revistos factores importantes

    ligados à cognição do desenho; o desenho tridimensional linear, ligado a factores mais

    construtivos; e a programação, cuja finalidade é provar que também se pode desenhar

    programando – considerando a realização de desenho interactivo, ainda que seja

    utilizado um léxico próprio de programação e não a grafia habitual característica do

    desenho convencional não programado.

  • 9

    II.O DESENHO

    2.1 Propósito do desenho

    Definir desenho é difícil. Difícil quanto à forma e quanto à intenção. Se a forma

    pode ser entendida como o resultado físico, a intenção é caracterizada como o porquê do

    desenho. De qualquer maneira para existir aquilo a que se chama desenho, estas duas

    vertentes têm de existir - não se pode desenhar apenas mentalmente e não podemos

    desenhar sem conhecimento, pois o desenho deve ser intencional.

    Quanto à forma, a sua identificação é complexa pois existem resultados finais

    que podem ser caracterizados como desenhos ou pinturas ou objectos de outra natureza.

    Tal acontece hoje em dia porque a técnica do desenho muitas vezes é utilizada na

    pintura e a técnica da pintura muitas vezes é utilizada no desenho, ou outras técnicas,

    que não sejam tradicionalmente associadas ao desenho ou à pintura, podem ser

    utilizadas como técnicas do desenho, como por exemplo as técnicas digitais.

    Tradicionalmente o desenho era realizado com uma certa contenção cromática:

    geralmente é monocromático. Quando vemos uma imagem executada a grafite não

    temos dúvidas em afirmar que se trata de um desenho. Também pode haver recurso a

    mais do que uma cor sem que haja grande dúvida quanto à sua classificação. A técnica

    dos dois ou três lápis é bastante comum, e neste caso dado um suporte mais escuro que

    o branco e mais claro que o preto, se utilizarmos dois lápis, um naturalmente é para

    desenhar as partes mais escuras e o outro as partes mais claras. No caso dos três lápis, o

    terceiro serve geralmente para dar cor a um determinado elemento diferenciando-o de

    um outro de forma a clarificar o resultado final. Assim é relativamente fácil afirmar que

    estamos perante um desenho. O maior problema surge com as aguadas e com o uso do

    pincel. Aqui entramos declaradamente no domínio da pintura - de facto estamos a pintar

    com o pincel ou por outras palavras estamos a desenhar pintando. E isto é possível.

    Podemos utilizar o pincel para aquilo a que vulgarmente se chama desenhar e podemos

    utilizar o mesmo pincel para pintar, classificando o resultado como uma pintura. No

    caso da aguarela isso é óbvio, embora para se desenhar com o pincel também possam

    ser utilizados outros tipos de tinta.

    No caso do desenho digital a questão já não é o conflito de definição em relação

    à pintura mas por ventura em relação à arte digital. Porquê chamar desenho a uma obra

    digital e não arte digital? E em termos de definição, porquê a distinção entre desenho

  • 10

    animado, banda desenhada, desenho científico ou outros tipos de desenho? Poderíamos

    pensar que provavelmente o desenho tem como elemento comum a linha: tanto o

    desenho animado, a banda desenhada ou mesmo o desenho científico estão ligados a

    este elemento e se utilizarmos linhas, estamos a desenhar. E na realidade provavelmente

    a maior parte dos desenhos tem expressão linear, mas hoje em dia é óbvio que não é a

    linha que faz o desenho - dos três exemplos citados é natural que também se possa

    utilizar manchas ou outro tipo de técnicas. E a caracterização gráfica não fica limitada à

    linha, ou à mancha ou à trama, sendo que no caso do desenho tridimensional estes

    elementos nem existem: o desenho é realizado a partir de formas geométricas.

    Podem retirar-se duas conclusões principais do raciocínio anterior: a primeira é a

    de que aparentemente a palavra desenho é uma palavra genérica e generalista – serve

    para qualquer obra visual. A segunda é a de que o desenho é independente do meio de

    expressão utilizado. Serão estas as duas únicas conclusões lógicas que se podem

    estabelecer quando olhamos para o simples resultado formal do desenho, e obviamente

    por esta via não podemos definir o que é o desenho.

    6. Del. Simon Bisley, 1991. Exemplo de banda desenhada executada com técnicas

    características da pintura

  • 11

    Será possível definir desenho a partir da sua temática? Provavelmente também

    não, senão vejamos: tradicionalmente existem três formas de definir uma pintura quanto

    à sua temática e estas três formas também podem ser importadas para o desenho2:

    podemos ter um desenho tirado do natural – desenhamos aquilo que vemos; um desenho

    parcialmente tirado do natural e com elementos inventados – não só desenhamos o que

    vemos mas também melhoramos essa realidade com elementos de outras formas; e o

    desenho de invenção – onde não existe nenhuma relação directa com aquilo que

    estamos a ver no momento. Por ordem de valor o desenho de invenção era considerado

    o desenho superior.

    Mas se analisarmos bem estas diferenças percebemos que elas englobam todo o

    tipo de temas – podemos tentar desenhar a realidade ou inventá-la. Ou seja, é possível

    fazer tudo com o desenho, mas também é possível fazer tudo com a pintura ou com

    outra área de produção visual.

    Então o desenho só pode ser individualizado quanto à intenção de fazer um

    desenho, mas mesmo assim é relativamente difícil fazer a distinção entre desenho e

    outros meios. Se não vejamos - o que é o desenho? A resposta mais clara e simples é: o

    desenho é a tradução gráfica de uma ideia. E está definido o desenho. E o que é a

    Pintura? É a tradução gráfica de uma ideia. E a arte digital, a banda desenhada, o

    desenho de projecto? Também aqui a resposta é a mesma.

    Bem mas de qualquer forma, até aqui já definimos o que é o desenho, o grande

    problema é que essa mesma definição é possível com pequenas modificações para

    qualquer meio de tradução visual. Mas o desenho existe e é único, e se ele não pode ser

    caracterizado pelos aspectos formais ou pela sua intenção como é que podemos

    classificá-lo? Apenas nos resta uma opção para a caracterização do desenho: o tempo. O

    tempo referido aqui é todo o processo que é necessário realizar para a produção de uma

    obra visual, desde os primeiros desenhos até ao desenho final, à pintura final, ao

    desenho animado final, ao desenho científico final, ao desenho de projecto final. E a

    palavra comum a todos estas técnicas é final, ou seja acabado, imutável. E é isso que o

    Desenho não é. Ou seja o Desenho é o primeiro momento de uma determinada obra

    visual que depois terá outra designação.

    2 Vd. ZUCCARI, Federico – “L,idea de scultori, pinttori e architteti”, Ed. Heskamp, Florença, 1961

  • 12

    O Desenho é então o primeiro passo incerto para a obra visual, é a primeira

    tentativa de realização formal da nossa ideia. A partir do momento em que o desenho se

    conclui, se finaliza, o processo gráfico cessa. E então o desenho deixa de ser desenho.

    Será o desenho um caminho para qualquer obra visual e qualquer obra visual é de facto

    um desenho? Genericamente sim, mas o Desenho considerado enquanto tal,

    corresponderá apenas aos primeiros momentos de clarificação de uma ideia e não à

    concretização da mesma. Por isso é que o lápis é geralmente utilizado para desenhar,

    porque é o meio mais fácil de utilizar e está sempre disponível, o que é perfeitamente

    suficiente e indicado para a apresentação da primeira sucessão de ideias3. E se

    repararmos bem todos os factores exclusivos do desenho encontram-se nesta fase como:

    a aproximação, a selecção, a exclusão, o arrependimento, entre outros.

    Em conclusão “desenho” é uma definição genérica, quanto à sua ideia é

    independente do meio em que é realizado; é um processo de tradução mental, e está

    necessariamente ligado à primeira fase dessa mesma tradução. Se posteriormente o

    desenho é concluído ou não, é irrelevante.

    Resta portanto definir desenho artístico pois o propósito deste trabalho, no

    fundo, é poder considerar desenho digital como desenho artístico.

    Podem existir dois tipos de desenho artístico: o desenho preparatório e o

    desenho autónomo. No caso do desenho preparatório a sua definição adapta-se

    perfeitamente ao momento de realização do desenho, ou seja o desenho é a génese da

    obra. Mas ao mesmo tempo também verificamos que, na relação entre o desenho digital

    e o desenho analógico com lápis nesta área específica, os meios analógicos são

    preferíveis devido à sua velocidade, disponibilidade e facilidade. Por outras palavras, se

    alguém quiser fazer um desenho preparatório de um dado objecto artístico é lógico que

    utilize papel e lápis. Como conclusão podemos supor que os meios digitais podem não

    ser os mais indicados para este tipo de desenho artístico. Se o desenho artístico se

    esgotasse neste campo então este texto não tinha razão de existir pois a resposta à

    pergunta inicial seria a de que o desenho digital não pode ser desenho artístico porque

    não é prático. Mas a extensão do desenho artístico não pode ficar reduzida ao desenho

    preparatório como já foi referido.

    3 Ainda que como já foi referido, com o lápis não se possa desenhar em três dimensões, ao contrário dos

    meios informáticos. A tradução tridimensional da ideia inicial no computador apesar de ser mais difícil de

    realizar não deixa de ser Desenho.

  • 13

    O desenho autónomo será aquele desenho que, ou foi feito para não ter

    continuidade noutra área específica do desenho4 ou que perdeu essa continuidade. E

    ambas as alternativas são possíveis porque correspondem ao desenho os primeiros

    momentos de caracterização gráfica de uma dada ideia e esse tempo está

    obrigatoriamente carregado de dúvida e incerteza. Enquanto o desenhador executa o

    desenho não sabe se vai conseguir transmitir claramente a sua própria ideia ou não. O

    desenho autónomo não só pode ser caracterizado como desenho artístico como também

    num dado momento pode ser essencial a sua realização em meios informáticos.

    A utilização de meios informáticos no que respeita à representação

    tridimensional vem em alguns casos inverter a questão do desenho, pois se o desenho é

    construído para facilitar a transmissão da nossa ideia, o desenho tridimensional vem

    dificultar essa mesma ideia. Esta afirmação não pretende pôr em causa este modo de

    desenho. A maior parte das vezes quando se desenha a três dimensões os erros de

    concepção são naturalmente mais evidentes do que no caso da representação a duas

    dimensões. Ou seja, no desenho bidimensional as dúvidas vão sendo esclarecidas

    progressivamente com o desenrolar do desenho; no caso do desenho tridimensional há

    outras dúvidas em maior número que requerem outro tipo de exigências.

    Consecutivamente o desenho bidimensional, que tradicionalmente está cheio de

    erros e de incertezas, vai encontrar, na versão tridimensional, um acréscimo de

    dificuldades, o que o torna, à partida, mais difícil. Mas o desenho tridimensional

    obviamente também é um processo de tradução mental que pode estar ligado a uma

    primeira fase de representação. Logo, o desenho digital tridimensional também pode ser

    considerado desenho artístico.

    4 Entenda-se por exemplo a pintura como área de continuação do desenho.

  • 14

    2.2 Desenho analógico e desenho digital

    A mudança é uma das certezas ao longo da história e no entanto é sempre

    encarada com algum receio. É notório que os meios do desenho mudam, os suportes de

    fazer desenho mudam, a temática muda. De qualquer forma existe uma certa

    desconfiança em relação a uma mudança quer seja do meio, do suporte, temática ou

    outros, pois é algo que até então nunca terá sido experimentado: é algo que assusta.

    Posteriormente, quando a novidade se torna banal então toda a desconfiança é esquecida

    e a inovação é adoptada por todos. Assim acontece com o desenho artístico digital: de

    ignorado, passa para desprezado, até ser finalmente aceite e posteriormente banalizado.

    É de notar que a fase do desprezo já esteve mais longe de ser ultrapassada, pois

    ainda que a maior parte dos intervenientes do desenho já conviva pacificamente com

    esta técnica de fazer desenho, vão referindo com algum reforço gestual que “falta uma

    certa manualidade”, “falta matéria”, “falta alma” ou num tom mais melancólico “espero

    que isto não vá substituir o papel e lápis”. Respondendo rapidamente a estas reacções,

    se falta uma certa manualidade não será certamente por culpa do meio, pois a mão

    apenas é um agente actuante de ordens lançadas pela mente. De resto, se quando

    utilizamos o papel e lápis temos um desenho resultante de uma operação que envolve,

    por ordem, a mente, a mão, e o lápis que risca directamente o papel; já no desenho

    digital podemos constatar a seguinte sequência: mente, mão, rato (ou qualquer outro

    meio de tradução) e o suporte digital. É de notar que tudo o que não nos é exterior

    mantém-se. Mas se o problema da manualidade está centrado na relação directa que o

    lápis tem com o papel, e quando utilizamos o rato está implícita uma tradução em

    coordenadas, o problema não deve ser colocado porque no desenho assistido por

    computador a tradução também é directa: o rato só se move se nós o movermos e move-

    se precisamente como nós o comandamos, recorrendo à mesma mão que poderia estar a

    agarrar um lápis. Portanto a manualidade mantém-se. Se por outro lado por manualidade

    se entende expressão gráfica e por expressão gráfica se pode entender irregularidade e

    imprecisão de traço, que resulta em “forma disforme”, aí os meios digitais estão em

    desvantagem. O rato não consegue ser tão expressivo, provavelmente devido à área de

    trabalho que é menor e em que geralmente é apenas a mão que actua, em oposição à

    mão-e-braço que controlam o lápis. Mas esta “expressão gráfica” não é característica

    essencial do desenho cuja finalidade é a clareza. Pois ainda que o desenho possa ser

    totalmente irreconhecível não é concebido para ficar irreconhecível (se não porque seria

  • 15

    feito?). Se por manualidade entendemos efeito gráfico aleatório, então poderíamos atar

    um pincel à pata de um gato e teríamos um “desenho” com uma “manualidade” extrema

    com o bicho a tentar sacudir o pincel e a espalhar tinta por todo o lado. Ou mesmo

    colocar um pincel na tromba de um elefante.

    Quanto à falta de matéria, de facto, o desenho digital é a sua redução a número:

    não depende directamente de nenhum suporte físico específico. Mas, sendo o desenho a

    tentativa de explicação gráfica de uma ideia, é indiferente onde é mostrada, se existe

    suporte palpável ou não. Desde que a ideia passe, o desenho existe.

    Em termos de substituição de um meio por outro a questão não fará sentido por

    uma razão muito simples: o desenho digital e o desenho analógico são dois modos

    diferentes do mesmo desenho. Um desenho é mais eficaz para um determinado

    resultado, outro para outro. De facto o lápis em conjunto com o papel é de longe o

    invento mais sofisticado que se fez até hoje em termos de desenho analógico5, e que

    permite actuações às quais o desenho digital não pode sequer ser comparado, mas da

    mesma forma, o desenho digital permite actuações que o lápis não poderá realizar.

    Então porque é que um haveria de substituir o outro? A interrogação deixa de fazer

    sentido algum. Se pensarmos de um modo histórico e colocarmos a questão que, se até

    hoje sempre se desenhou analogicamente, porque é que se há-de desenhar de outra

    maneira? A resposta é simples, porque é fácil, é económico mas principalmente porque

    podemos desenhar como até hoje apenas podíamos imaginar: o desenho a três

    dimensões.

    5 Vd. PETROSKI, Henry - “The pencil: A history of design and circumstance”, Alfred A. Knopf, Nova

    Iorque, 2004.

    3 e 4. Exemplos de expressão aleatória feita por elefantes

  • 16

    2.3 Desenho artístico

    O presente trabalho procura demonstrar que o desenho digital também pode ser

    artístico. O que não quer dizer que todo o desenho digital seja desenho artístico, tal

    como o desenho analógico não o é.

    E com esta afirmação respeitante ao facto do desenho digital ser artístico é

    levantado o primeiro problema, porque o desenho artístico ainda está muito ligado à sua

    singularidade. A arte está muito ligada à singularidade, que por sua vez está ligada ao

    próprio mercado da arte. De facto, a arte tem valor porque o objecto de arte é único e de

    preferência raro. Se a cópia de qualquer obra de arte valesse tanto quanto o original,

    provavelmente não estaríamos a falar de uma obra de arte. A reprodução de um quadro

    não é a mesma coisa se olharmos para o original porque o original é único. Esta pelo

    menos é a opinião generalizada em termos de fruição de obras de arte e principalmente

    do mercado da arte. Mas podemos ver a questão por outro ângulo: observar uma boa

    reprodução pode ser a mesma coisa que ver o original, pois o quadro não é o objecto

    físico mas o efeito que esse objecto provoca no observador, e esse efeito é igual quer

    estejamos perante o original ou uma reprodução sua. Senão vejamos: apesar de ser

    óbvio que o quadro original vai ter sempre mais informação original que a cópia, quem

    o vê, desde que não seja com uma lupa, não nota a mínima diferença entre o original e a

    cópia, todos os elementos de um fazem parte de um fazem parte do outro, as cores são

    iguais, as formas, os traços, às vezes até o relevo são de facto iguais. Então porque é que

    para o espectador o quadro e a sua cópia serão diferentes? Não são, porque a imagem

    produzida no observador é a mesma, ou às vezes até com vantagem para a cópia porque

    não é necessário nenhum tipo de cuidado com ela. Alguns autores são desta opinião

    como o caso de Jonh Berger6.

    Se quisermos dar um exemplo óbvio, basta citarmos a Mona Lisa de Leonardo

    Da Vinci: se tivermos acesso a uma reprodução da obra conseguimos ver uma imagem

    do quadro em todo o seu esplendor- conseguimos ver toda a geometria, cor e formas do

    quadro. Se no entanto formos ao Museu do Louvre e tentarmos ver o original,

    verificamos que após abrirmos caminho por entre uma multidão de pessoas com o

    mesmo intuito, nos depararemos perante um vidro à prova de bala, a sala com o

    ambiente controlado e um tempo limitado para observarmos o quadro enquanto somos

    6 Vd. BERGER, John – “Modos de ver”, Tradução Ana Maria Alves, Editorial Gustavo Gili, Barcelona,

    2004. pp. 22-38.

  • 17

    empurrados gentilmente para seguirmos o nosso caminho. A questão que se coloca é a

    seguinte: em qual das duas situações é que observámos melhor o quadro? É natural que

    a impressão produzida em nós pelo original seja superior à impressão produzida pela

    cópia, mas neste caso não é. Tratando-se de um exemplo extremo, a cópia produz um

    efeito superior ao original. Ou seja, não é por vermos o original que ganhamos mais

    com isso. No caso do desenho artístico a situação é semelhante, quer estejamos a olhar

    para o desenho original, quer para uma boa cópia: estamos a olhar para a mesma “ideia”

    do desenho. Esta questão é importante pois com o desenho digital o desenho original e a

    cópia são os mesmos.

    Em termos de mercado de arte, o desenho digital enquanto objecto artístico valorizável,

    é nulo. Eventualmente pode haver um mercado paralelo onde se venda as cópias. Um

    exemplo onde isto se passa pacificamente noutras artes, é no caso da música ou da

    escrita. Não faz sentido pensar que o manuscrito de uma obra literária tenha mais valor

    do que a sua impressão dado que a informação do original é igual à cópia. De facto o

    original até tem mais valor, mas apenas como símbolo. Transpondo o caso para o

    desenho, o valor funcional resulta de quem o vê e não apenas da sua singularidade como

    objecto único.

    1 e 2. Mona Lisa de Leonardo Da

    Vinci. Na figura da esquerda é

    apresentada uma reprodução, na figura da direita o original tal

    como ele é visto por um visitante

    do Louvre.

  • 18

    2.4 Vantagens e desvantagens do desenho digital

    Com um instrumento que nos permita trabalhar directamente com o computador,

    por exemplo o rato, podemos realizar qualquer tipo de desenho, desde o desenho de

    observação, o desenho rigoroso, até ao desenho mais livre. Não há portanto diferenças

    quanto ao tipo de desenho que se pode fazer analógica e digitalmente. A diferença

    reside porém no que é mais adequado para realizar com certo tipo de desenho.

    O papel e o lápis são um meio directo no sentido em que o lápis ao fazer pressão

    sobre a folha de papel deixa a sua marca. E nós vemos isso mesmo: olhamos para o

    lápis a escrever, vemos a nossa mão a segurar o lápis e vemos também a folha em

    simultâneo. Na maior parte das vezes com o desenho digital isso não acontece. Também

    temos uma impressão directa daquilo que fazemos, a mão que desenha está a ter uma

    tradução em tempo real no écran do computador e percebemos a sua actuação. Mas aqui

    a grande diferença é que simplesmente não vemos a nossa própria mão pois estamos a

    olhar para um écran de computador. Portanto o desenho é realizado num écran e a nossa

    mão nem próxima do écran tem de estar. Isso ao princípio provoca alguma estranheza

    mas depois o desenhador acaba por se habituar, mas no meio desta tradução existe

    sempre alguma desvantagem em relação ao lápis, mesmo que esta rotina ao longo dos

    anos seja plenamente normalizada.7

    Outra desvantagem do desenho digital é a sua dependência de certos programas

    de desenho e meio de os fazer operar. Ou seja um computador para operar tem de

    possuir um sistema operativo que por sua vez tem de ter um programa em que seja

    possível desenhar. Portanto assim quando se pretende fazer um desenho digital

    obrigatoriamente temos que ligar o computador, ordenar ao sistema operativo que lance

    o programa de desenho e finalmente podemos desenhar. É uma rotina simples, mas por

    muito simples que seja, geralmente demora desde um a cinco minutos, dependendo do

    computador, sistema operativo e programa de desenho. Mesmo que não queiramos

    desenhar mas simplesmente observarmos o que desenhámos, temos de realizar uma

    rotina idêntica. A rotina do “papel e lápis” é mais simples e mais rápida: basta-nos

    agarrar no papel e no lápis e desenhar. E o desenho fica sempre disponível.

    7 Muitas vezes o hábito de desenhar num lado e olhar para outro torna-se com o tempo preferível a

    desenhar directamente sobre o suporte. Como exemplo, um estudante de Belas-Artes habituado a

    desenhar com uma caneta digital sobre a mesa e a olhar em frente para o monitor, certo dia teve acesso a

    um monitor onde com a mesma caneta se podia desenhar directamente em cima do monitor. Uma das

    primeiras reacções do aluno foi queixar-se que a mão estava em cima do desenho e não o deixava ver o

    mesmo.

  • 19

    Ainda outra desvantagem do desenho digital em relação ao analógico, é que no

    computador podemos desenhar com praticamente qualquer dimensão: a nossa página,

    pode ser de qualquer tamanho, basta recorrer a uma função que torne o desenho mais

    pequeno ou maior para conseguirmos qualquer nível de detalhe. Mas de facto estamos a

    desenhar sempre do mesmo tamanho, ou seja o monitor obviamente tem dimensões

    fixas. No papel e lápis a dimensão é apenas condicionada pelo primeiro, que pode ter

    qualquer dimensão mediante um certo objectivo. Isto faz com que no desenho digital se

    desenhe apenas com os movimentos da mão e no analógico não só é a mão que desenha

    mas o braço, por vezes o antebraço ou ate em casos extremos todo o corpo.

    Quanto a vantagens, o desenho digital torna-se extremamente barato, eficiente e

    limpo. Após o investimento inicial de adquirir o equipamento para desenhar,

    praticamente não há mais despesa alguma. Como já se disse podemos virtualmente

    desenhar em qualquer dimensão, sem que sejamos honorados por isso. Não só temos à

    nossa disposição meios que traçam, mas meios que preenchem, que dão textura, que

    modificam a imagem de uma dada forma com qualquer cor. Se utilizarmos papel e lápis

    temos isso mesmo, uma folha e um lápis. A folha após ser desenhada fica inutilizada, o

    lápis após o registo nas folhas em que desenha gasta-se. Se queremos um determinado

    efeito de textura temos de ter uma certa folha especial, se queremos uma dada cor temos

    de a comprar e por sua vez essa cor também se gasta.

    Essa vantagem de poder colorir desenhos no computador é amplamente

    empregue nos dias de hoje em termos de publicações. Se não vejamos: actualmente,

    para se publicar o que quer que seja o computador é uma ferramenta essencial; é

    extremamente mais económico e rápido que qualquer meio manual e tem mais

    capacidades para manter a cópia próxima do original.

    É também através do computador que se controla quase todo o processo de

    execução gráfica. Ao acontecer isto, a imagem a ser reproduzida tem de ficar

    obrigatoriamente reduzida à sua forma digital, e já que esta transformação é inevitável

    porque não colori-la quando se trata de algo para colorir?

    Este método possui várias vantagens, para além da económica. Um dos grandes

    benefícios traduz-se em termos de unidade cromática: a duplicação exacta de cores é um

    processo simples. Outro refere-se em termos de retoque, na imagem digital pode sempre

    existir uma forma de correcção de um determinado aspecto do desenho. E outro dos

    grandes benefícios inerentes é a certeza de qualidade da obra final, pois neste caso quem

    controla o processo desde a fase inicial até à fase de impressão é o próprio criador, o

  • 20

    técnico de impressão apenas se limita a colocar a imagem já digital para imprimir8.

    Ainda em termos de coloração e se considerarmos o caso da animação, mesmo quando

    o desenho de base é analógico, a introdução da cor é vulgarmente feita a partir de

    suporte digital.

    Outra mais valia dos meios digitais é a possibilidade de animação de desenhos.

    É certo que também se pode fazê-lo recorrendo a meios analógicos, mas, o computador

    pode guardar uma sequência de qualquer número de desenhos9 e consequentemente

    animá-los com facilidade, enquanto que, tradicionalmente, são necessários milhares de

    folhas só para animar uma sequência média. A organização, disposição, e relação entre

    essas mesmas folhas torna-se fácil se as tivermos num dado formato digital. Mas a

    animação bidimensional digital tem também outras vantagens sob a analógica como por

    exemplo em termos de ferramentas próprias para animação. Ou seja, se basicamente na

    animação convencional partimos do lápis e de um dado número de folhas que o

    animador tem de passar e sequenciar manualmente, no meio digital existe um grande

    número de ferramentas especialmente desenvolvidas para animar e que não são o

    próprio desenho10

    , sendo o exemplo mais simples uma função que se limite a mudar a

    escala do desenho.

    8 É necessário fazer uma referência às diferenças de cor de quando se imprime a imagem em impressoras

    diferentes. Assim, pode acontecer que o criador da imagem faça uma imagem com uma certa cor e que

    quando essa cor é impressa, por exemplo por uma gráfica, possa ficar diferente, apesar da informação de

    cor ser a mesma - o problema é apenas de calibração entre a visualização da imagem pelos meios

    disponíveis ao seu criador e o resultado da impressão pela gráfica. 9 Apenas limitado em termos de memória.

    10 No caso da animação tridimensional muitas vezes acontece que o animador, ou criador de um

    determinado desenho, não é a mesma pessoa que faz um determinado efeito necessário para esse desenho,

    pois esse efeito pode ter de ser programado e então quem o realiza é um programador.

    5. Desenho feito com base analógica e cor digital

  • 21

    Mas se por ventura qualquer característica que traga vantagem ao desenho

    digital possa ser encontrada no desenho analógico através de um maior número de horas

    de trabalho ou por agravamento de encargos, existe uma forma de desenho que não

    pode ser realizada pelos meios tradicionais: o desenho tridimensional. De facto,

    podemos simular através de meios geométricos a tridimensionalidade com o desenho

    analógico, mas com o desenho digital, não só a simulamos, como de facto ela existe:

    tem três coordenadas. Neste caso a simulação e o armazenamento dos dados

    tridimensionais são realizados pelo computador, mas a pessoa que desenha a três

    dimensões é a mesma que desenha com papel e lápis a duas dimensões. Onde o

    desenhador imaginava espaços tridimensionais e fazia a sua respectiva tradução

    bidimensional, agora, ao imaginar um espaço volumétrico tridimensional tem de o saber

    traduzir a três dimensões ou até mesmo de as animar ao longo do tempo.

    Resumindo, o papel e lápis não podem ser substituídos pelos meios digitais

    porque em determinados campos detêm grande vantagem, quer seja no campo do

    esquiço, do esboço, até mesmo do desenho criado a partir do natural – desenho de

    representação, o desenho rápido, entre outros, mas este desenho dito analógico pode ter

    necessidade de ser completado com os meios digitais que para todos os efeitos também

    são métodos de desenho.

    Para desenho rigoroso, desenho técnico, desenho para publicar, desenho gráfico,

    entre outros, hoje em dia os meios digitais são mais relevantes e precisos. O que não

    quer dizer que não se possa executar um desenho rigoroso com papel e lápis ou que não

    se possa fazer esboços com o computador: provavelmente não é tão eficaz ou muito

    comum, mas é possível e é viável. O que não é possível diz respeito à

    tridimensionalidade real no desenho – aí o desenho por computador torna-se essencial, e

    por essa razão o desenho tridimensional é o desenho por computador por excelência.

  • 22

    III.DA REALIZAÇÃO DO DESENHO DIGITAL

    3.1 Modos do desenho digital

    Dadas as suas características, o desenho digital é mais adequado para a

    representação de certos aspectos do desenho, nomeadamente todo o tipo de formas em

    que a relação espacial seja fundamental, como no caso do desenho tridimensional. O

    mesmo sucede no caso em que o rigor construtivo seja uma imposição como no desenho

    de projecto.

    Nos modos genéricos de desenho digital seguidamente descritos verifica-se por

    vezes que a técnica digital pode ser semelhante entre os diferentes tipos de desenho mas

    ou a função destes ou o resultado do desenho acaba por ser diferente.

    3.1.1 Desenho bidimensional – mapa de bits

    O desenho digital bidimensional pode comportar duas vertentes, o desenho em

    mapa de bits e o desenho vectorial ou a fusão dos dois.

    O desenho em mapa tem um conceito simples11

    : dada uma certa grelha ortogonal

    de x linhas por y linhas que provocam o número total de pontos (pixeis) por grelha, cada

    um desses pontos pode corresponder a uma cor e com isto a imagem é criada. O mesmo

    é dizer que dispomos de uma grelha de pontos de diferentes cores. Quanto mais pontos

    tiver a grelha, maior resolução terá o desenho e mais definido ficará. A grande

    vantagem de utilizar este tipo de imagem é a de que podemos utilizar qualquer técnica

    para desenhar e interagir com o desenho – isto se ignorarmos o facto de estarmos a

    desenhar sobre uma grelha e tendo em conta as limitações do programa que estivermos

    a utilizar para desenhar. A desvantagem é estarmos limitados à grelha.

    Este tipo de desenho pode ser útil para desenhar mais livremente com técnicas

    semelhantes às técnicas analógicas. Mas também pode ser utilizado para técnicas mais

    11

    Vd. BRINKMANN, Ron – “The Art and Science of Digital Compositing”, Academic Press, San Diego,

    1999. pp.13-32

  • 23

    rigorosas como o desenho de representação científica, onde muitas vezes a modelação

    das cores e sombras é essencial para a definição do desenho. Tudo acaba por depender

    da resolução empregue no desenho visto a questão do número de cores, hoje em dia, não

    ser relevante.12

    Se para o desenho for necessário rigor construtivo então este tipo de desenho por

    estar limitado às coordenadas da sua própria grelha não é o indicado.

    12

    Nem sempre foi possível desenhar com todas as cores possibilitadas pela combinação dos três feixes de

    luzes primárias em síntese aditiva (o vermelho, verde e azul). Tal como nem sempre foi possível ter uma

    grande resolução para desenhar. A título de referência, há vinte anos desenhar com uma resolução de 320

    por 256 pixeis e ter 32 cores em simultâneo no écran era considerado muito bom. Hoje em dia

    desenhamos sem grande problema com uma resolução 10 vezes superior e com 16 milhões de cores.

    7 e 8. Capcom design works, p. 10, 1072 por 1840 pixeis. Desenho em mapa de bits

    totalmente realizado em computador com técnicas características do desenho analógico.

    Pormenor do olho onde se pode observar a sua grelha ortogonal.

  • 24

    3.1.2 Desenho bidimensional - vectorial

    O desenho vectorial funciona por coordenadas matemáticas não fixas na

    resolução do écran. Tem apenas um elemento base matemático: a linha vectorial

    definida pelos seus pontos notáveis. Esta linha vectorial pode adquirir várias

    propriedades e pode ser fechada, definindo assim uma área.

    As suas aplicações tal como no desenho por mapa são múltiplas. Apesar de

    apenas utilizar a linha matemática como elemento do desenho, é possível fazer uma

    aplicação livre do desenho. Num paralelo com o desenho analógico, seria como

    desenhar variando a espessura do traço. Ao definirmos áreas podemos desenhar de uma

    forma mais expressiva.

    Todavia a sua utilização primordial será para o desenho de projecto ou para o

    desenho gráfico. De facto o desenho vectorial pode ser executado com um rigor que

    ultrapassa os meios analógicos. Tanto a engenharia como a arquitectura para criação de

    projectos usam este tipo de desenho. Mas o desenho gráfico também faz um uso comum

    do desenho vectorial, desde a criação de símbolos, logotipos, caracteres tipográficos, até

    mesmo um desenho de expressão mais livre.

    Como vantagem nesta técnica de desenho temos o rigor e a possibilidade de criar

    e alterar a qualquer momento os traçados sem que daí resulte qualquer prejuízo para a

    qualidade do desenho.

    9 e 10. Del. João Eustáquio. Desenho vectorial e sua

    respectiva redução a vectores

  • 25

    3.1.3 Desenho tridimensional

    Com algumas diferenças pode-se estabelecer um paralelismo entre o desenho

    vectorial e o desenho tridimensional. O elemento estruturante é o mesmo: o ponto, que

    por sua vez define a linha, com a particularidade de esta possuir três dimensões. A linha

    fechada com três pontos define então uma superfície e essa superfície em conjunto com

    outras definem uma forma tridimensional. E o desenho tridimensional situa-se nesse

    momento, em que as formas são definidas a partir de superfícies triangulares13

    ,

    executadas a partir de pontos tridimensionais. Posteriormente esta geometria poderá

    possuir determinadas características que reajam de uma certa forma a partir de um ponto

    de luz ou qualquer outro tipo de iluminação matemática mas aqui o que está em causa

    será a concretização do desenho tridimensional e não o próprio desenho. Com esta

    concretização do desenho dá-se um caso curioso: a pessoa responsável pelo desenho,

    apesar de ordenar ao computador que calcule a imagem num certo sentido, não é

    responsável por esse cálculo. Ou seja, o processo de finalização da imagem é realizado

    pelo programa de computador.14

    O desenho tridimensional situa-se então ao nível do ponto e da linha que vai

    definir a superfície. Superfície essa que ainda em termos de desenho pode ser

    subdividida e calculada através de uma multiplicidade de modos. Consideremos três

    exemplos: a linha pode ser recta, que é o modo mais comum de cálculo tridimensional,

    dando origem a uma superfície plana no caso de ser um triângulo; a linha pode ser curva

    utilizando por exemplo o mesmo método de cálculo tomado nas curvas vectoriais mais

    comuns – as curvas de bezier, que pode dar origem a uma superfície empenada; a linha

    que gera a superfície pode ainda ser facilmente convertida em NURBS ou nalgum

    derivado desta forma de cálculo que consiste em subdividir a superfície segundo uma

    determinada influência dos seus pontos geradores e assim obter uma superfície curva.

    Existem mais métodos de cálculo de superfícies ou de linhas geradoras de superfícies

    mas, em resumo, a superfície plana simples, a superfície definida a partir de curvas ou a

    superfície curva a partir de pontos de influência, são os mais comuns.

    De resto tal como acontece com o desenho vectorial, aqui não existe grande

    expressão gráfica, ou seja, a imagem é de base matemática e calculada

    matematicamente. A grande diferença é que enquanto no desenho bidimensional se se

    13

    Ou outro tipo de superfícies com mais de 3 vértices. 14

    Daí muitas vezes, a não consideração da imagem digital como arte mas como técnica.

  • 26

    quiser fazer de uma forma mais livre pode-se sempre recorrer ao desenho de mapa de

    bits, ou se for uma forma mais rigorosa trabalha-se com o desenho vectorial, no desenho

    tridimensional a base é sempre matemática. E aqui não há possibilidade de não ser

    assim pois esta é a única maneira de representar o espaço tridimensional. Mas a questão

    pode ser resolvida de duas maneiras: na primeira, não sendo a expressão gráfica o factor

    mais relevante, o valor da expressão espacial terá de ser reconhecido; na segunda,

    teremos de utilizar superfícies suficientemente pequenas para podermos obter um tipo

    de expressão em que a base matemática não seja notada.15

    Visto que a base matemática não é impeditiva da expressão, quais são os tipos de

    desenho mais praticados neste domínio? Sucintamente podemos considerar o desenho

    tridimensional adequado para a apresentação de projectos de design, de arquitectura ou

    de engenharia, para a realização de desenho animado, bem como para o simples

    desenho desinteressado que explore relações de forma e de espaço.

    15

    Não é invulgar que um desenho tridimensional para definir uma dada forma chegue a ter milhões de

    polígonos.

    11. Render de um desenho tridimensional com 25000 poligonos

  • 27

    3.1.4 Animação

    A animação de um determinado desenho não é mais do que uma sequência de

    um determinado número de desenhos, tal como um filme não é mais do que uma

    sequência de um determinado número de fotogramas. Isto obviamente falando de um

    lado absolutamente técnico, pois a dimensão do tempo, na realidade vem colocar um

    sem número de outras questões que estão muito além da mecânica da animação. De

    qualquer forma, se ignorarmos essas questões vemos que o desenho por computador é

    de facto ideal para animação como nenhum outro método criado até hoje. A resposta

    deste facto é simples: porque manipula, organiza e trata com grande facilidade qualquer

    número de desenho. Se considerarmos apenas o computador como uma espécie de

    arquivo quase infinito, ele é uma ferramenta fundamental em qualquer tipo de

    animação, mesmo considerando as técnicas clássicas de animação recorrendo ao

    desenho analógico, passando pela animação por volumes. De qualquer forma, aqui o

    computador pode não ser considerado uma máquina de desenho mas apenas uma

    máquina organizadora de desenhos, mas ao sê-lo também não deixa de ser uma parte

    fundamental no processo do desenho.

    Não obstante o computador passou de máquina auxiliar nos processos de

    animação, para máquina fundamental. Na própria indústria de animação para cinema

    actualmente o método de animação dominante é a denominada “animação por

    computador” ou simplesmente “animação 3d”.

    12. Render de um fotograma de animação tridimensional. 74984 polígonos

  • 28

    3.2 A vulgaridade do desenho tridimensional

    Sendo no início claramente geométrico-abstracto16

    , com o desenvolvimento da

    tecnologia, o desenho tridimensional tornou-se quase foto realista. Esta mudança vem

    ao encontro das necessidades de simulação de um determinado projecto. O desenho

    neste caso existe por exemplo para representar o “modello” da uma obra de arquitectura

    antes desta ser começada. Se considerarmos o desenho digital como estando ao serviço

    do desenho de projecto o modelo foto realista é aceitável, mas o desenho digital

    tridimensional é bastante mais do que um meio para satisfazer as finalidades do desenho

    de projecto.

    Outro meio onde se percebe claramente esta perspectiva do desenho foto realista

    como destino previsível do desenho tridimensional assistido por computador é o

    cinema. Aqui o desenho digital é realizado para satisfazer dois fins distintos: o primeiro

    está relacionado com os efeitos especiais de cinema, onde a necessidade de foto

    realismo é facilmente compreendida pois o que interessa é iludir a percepção fazendo

    esses mesmos efeitos interagir com actores reais e, mais recentemente, filmes

    inteiramente feitos a partir de desenhos tridimensionais. Sendo uma das consequências

    lógicas da evolução do desenho animado, o filme animado por computador ainda está

    muito ligado ao foto realismo, ainda que seja um foto realismo de ambiente e não

    propriamente de modelação: a luz reage com todos os objectos como seria de esperar

    numa situação real mas esses mesmos objectos na maior parte dos casos são modelados

    como caricaturas. Também há filmes em que o ambiente deixa de ser claramente real e

    passa a ser um ambiente definido quase em abstracto por cores, contrastes e outros

    16

    Vd. FOX, David, WAITE, Mitchell Waite “Gráficos Animados por Computador” Byte

    Books/McGraw-Hill, 1986.

    13-15. Exemplo de gráficos geométricos

  • 29

    elementos que seriam difíceis de observar em situações reais de luz. Em suma, os filmes

    animados tridimensionalmente apresentam-se num “formato” foto realista, que nem

    sempre é necessário.

    De qualquer forma a estética foto realista existe e ainda prevalece sobre outros

    tipos de representação tridimensional. Poder-se-ia pensar que essa necessidade vem de

    uma sequência lógica onde as primeiras representações tridimensionais são geométrico-

    lineares por necessidade tecnológica17

    , e a sua evolução será a imagem fotográfica. Os

    limites da tecnologia foram forçados por esta tendência foto realista, o que levanta dois

    problemas. O primeiro resulta da existência de tecnologia suficiente para a produção

    foto realista desde há quinze anos, tendo a meta desta tendência sido alcançada há

    algum tempo. Por outro lado, mesmo durante a procura de soluções foto realistas, outras

    formas de representação a partir de computador mantiveram-se como alternativa, ou

    seja as imagens produzidas por um determinado desenhador poderiam não ser foto

    realistas por opção própria.

    Esta tendência foto realista, está de qualquer forma a diluir-se e mesmo os

    artistas mais ligados ao foto realismo começam a experimentar todos os benefícios que

    o desenho tridimensional pode proporcionar. Não obstante o fotorealismo é a estética

    vigente, ainda que com mais abertura.

    17

    Vd. FOX, David, WAITE, Mitchell Waite “Gráficos Animados por Computador” Byte

    Books/McGraw-Hill, 1986.

    16. Exemplo de imagem digital

    foto realista

  • 30

    Em resumo, o desenho tridimensional está demasiado ligado ao foto realismo e

    exceptuando o caso do cinema, está também ligado ao desenho de projecto. De qualquer

    forma o desenho tridimensional por computador não tem de obedecer a regras

    específicas para poder ser considerado desenho artístico. Portanto, se o desenho digital é

    foto realista ou não ou se está ao serviço do projecto ou não, desde que a

    intencionalidade do desenho se verifique e que o seu tempo seja justificável, tudo o

    resto será uma aplicação do desenho.

  • 31

    3.3 Estrutura em três dimensões

    A estrutura de um desenho será um desenho inicial esquemático que defina os

    seus traços fundamentais. O desenho esquemático inicial está naturalmente ligado ao

    desenho rápido. Como desenho rápido não está ligado ao desenho tridimensional, visto

    este ser mais técnico e moroso que o desenho convencional. Porém a estrutura do

    desenho existe para definir a organização formal e não para melhorar a velocidade de

    execução, ainda que esta seja uma vantagem.

    Praticamente o processo normal de um desenho passa pela utilização da estrutura

    de modo a evitar erros de construção futuros, poupar tempo ao desenhador e garantir

    simultaneamente a correcção. Por exemplo, ao desenhar a figura humana é habitual

    colocar-se primeiro o eixo central equivalente à coluna e dois eixos equivalentes às duas

    cinturas: a pélvica e a escapular. Também é costume apontar a posição e a extensão dos

    membros e cabeça. Tudo isto no desenho convencional é feito numa questão de

    minutos, muitas vezes segundos, e é facilmente corrigível para que a figura fique

    proporcionada. É mais eficaz estruturar primeiro, e apenas quando a estrutura está

    correcta avançar-se para um desenho mais elaborado. Neste caso foi dado um exemplo

    comum mas geralmente isto é válido para qualquer tipo de desenho.

    Se considerarmos a estrutura para o desenho tridimensional deparamo-nos com

    as seguintes dúvidas: é eficaz estruturarmos, visto o desenho tridimensional de base

    matemática poder ser alterado sem prejuízo em qualquer altura? Não será uma perda de

    tempo (e aqui poderia não ser apenas uma questão de segundos) desencadear uma acção

    que não vai ficar posteriormente expressa no desenho? Se entendermos a estrutura como

    uma estrutura convencional – representação dos eixos e formas principais de uma dada

    figura a representar – de facto acaba por não se ganhar muito em termos práticos:

    perdemos tempo e não podemos utilizar a forma estrutural no desenho tridimensional.

    Mas se a estrutura for alterada na sua forma actuante, pode ser extremamente útil ao

    desenho tridimensional.

    A estrutura para ser eficaz no desenho tridimensional tem de obedecer a um

    princípio: tem de ser suficientemente rápida para não sobrecarregar a execução das fases

    posteriores do desenho. Provavelmente se a estrutura demorar demasiado tempo a ser

    realizada ela própria pode tornar-se no desenho. E para ser rápida não pode ser uma

    estrutura convencional que se apoie nos eixos, rectas ou até manchas rápidas, visto estes

    elementos serem de lenta execução no desenho a três dimensões. Portanto tem de se

  • 32

    recorrer a outros elementos para que exista uma estrutura verdadeiramente útil no

    desenho tridimensional.

    É necessário usar elementos básicos de rápida execução para estruturar e no caso

    do desenho tridimensional esses elementos também são considerados formas primitivas.

    Essas formas são figuras geométricas simples tridimensionais como o paralelepípedo

    muitas vezes descrito como “caixa” e a esfera ou uma deformação desta. Existem

    naturalmente muitas outras formas primitivas que vão deste toros a figuras platónicas,

    mas para estruturar geralmente chegam as “caixas” e as esferas, ou apenas as “caixas”.

    É possível desenhar “caixas” com uma rapidez comparável a uma sequência de duas

    linhas e com esta rapidez será então possível a estrutura tridimensional. A estrutura em

    vez de assentar em eixos e rectas vai ser realizada a partir de “caixas” que definem o

    espaço. Esta simples definição de espaço vai ser fundamental no primeiro passo do

    desenho tridimensional por uma razão simples: o desenho tridimensional por

    computador parte de um espaço vazio sem referências de qualquer espécie. Só o facto

    de ter várias caixas a definir o espaço do desenho pode fazer toda a diferença em termos

    estruturais.

    17-19. Estrutura de uma figura tridimensional

  • 33

    Concluindo, a estrutura tridimensional serve antes de mais para definir um

    espaço do desenho que será realizado a partir da estrutura. Para além disso é de

    execução extremamente rápida, visto funcionar com formas predefinidas de fácil

    construção. Ao realizar esta função podem-se evitar vários equívocos no futuro e com

    isto poupar tempo de execução e manifestar com mais clareza os propósitos do

    desenhador. Não só é possível desenhar a partir de uma estrutura tridimensional simples

    onde apenas o espaço possa ser apontado, como é aconselhável.

  • 34

    3.4 Construção a partir de primitivas

    Um dos métodos mais simples de modelação será a modelação a partir de

    sólidos elementares ou formas primitivas. Como sólidos estruturantes eles não terão

    seguimento na parte da modelação mas se considerarmos estes sólidos para além de

    estruturantes, como sólidos construtivos então podem ser utilizados para modelar.

    Porém a utilização de formas primitivas não resolve a maior parte dos problemas

    levantados pela modelação.

    No caso de ser requerida uma modelação simples, este método construtivo

    apresenta-se como uma alternativa viável relativamente a métodos mais complexos de

    construção, visto ser de fácil execução e rapidez. O método varia sempre consoante o

    objecto a representar: varia segundo a primitiva utilizada e varia segundo o meio de

    transformação dessa mesma primitiva. Por vezes a primitiva será apenas distorcida até

    ficar com a configuração desejada, ou a uma primitiva serão adicionadas outras, ou

    serão feitas operações boleanas entre primitivas, ou ainda então a primitiva poderá ser

    estendida. Assim sendo, para cada objecto pretendido haverá um ou mais métodos

    próprios para resolver a sua modelação a partir de primitivas. A título de exemplo

    refira-se a modelação de: uma cabeça feita a partir de uma esfera ou cubo, uma bóia

    realizada a partir de um toro e de um avião que irá ser construído a partir de uma caixa.

    Ao analisarmos estes objectos percebemos que uma esfera é uma forma reduzida de

    uma cabeça, que um toro facilmente pode ser confundido com uma bóia, mas que um

    avião não mantém uma relação directa com uma caixa. De qualquer maneira todos estes

    exemplos podem ser construídos a partir de uma forma primitiva, a questão é que uns

    serão mais eficientes que outros.

    No caso da modelação de uma cabeça a partir de uma esfera, tendo a esfera uma

    configuração comparável à da cabeça, basta apenas deslocar os pontos da esfera para

    que coincidam com as coordenadas da cabeça. Trata-se então da deformação de um

    elemento geométrico que originalmente tinha a configuração de uma esfera e cuja forma

    final será a de uma cabeça. Isto apenas recorrendo a uma operação de deslocamento dos

    pontos, e em que toda a estrutura geométrica da esfera foi mantida. Este facto pode

    tornar-se um problema, visto que no fundo teremos uma cabeça que vai manter a

    relação geométrica da esfera, e como tal, todas as direcções e subtilezas da cabeça não

    serão realizadas visto a estrutura geométrica do objecto não ser a de uma cabeça mas

    sim a de uma esfera deformada. A linha supra-orbital, o traço do nariz, os olhos, a

  • 35

    direcção das rugas, entre todos os outros pormenores presentes na face, não serão fáceis

    de desenhar a partir de uma esfera, chegando mesmo em certos casos de ser impossíveis

    de realizar. Outro dos problemas que este método apresenta na modelação deste objecto

    é a quantidade de tempo dispendida para modelar em oposição à qualidade final do

    trabalho. O arrastamento de superfície - ou ponto da esfera até que a configuração desta

    se assemelhe a uma cabeça - não só vai demorar um tempo que será excessivo como o

    resultado final vai ser algo com a configuração de uma cabeça, mas pouco detalhada e

    sem as suas linhas características. Visto que as suas linhas não são definidas, torna-se

    complicado detalhar mais a forma. Concluindo, demora-se demasiado tempo para fazer

    um objecto que não é particularmente bem construído, logo, utilizar a modelação a

    partir de primitivas para fazer objectos orgânicos específicos geralmente não é eficaz.

    A modelação da bóia é um caso de mais fácil compreensão, visto o objecto

    primitivo que lhe vai dar origem já ter uma forma aproximada à do objecto final. Para

    modelar o dito objecto basta apenas adicionar geometria e realizar operações à

    geometria resultante. Vejamos, o objecto inicial para a modelação será então um toro

    [1] fig.20. A este elemento geométrico será adicionado um cilindro perfurado ou um

    tubo ligeiramente maior que o toro e que esteja na sua posição média [2]. O rebordo

    resultante será deste modo perfurado a partir de uma operação boleana segundo quatro

    ou mais cilindros equidistantes entre si [3]. Estes furos irão equivaler ao espaço que vai

    ser ocupado pela corda e que irá passar à volta da bóia. Essa corda será determinada por

    uma curva tridimensional que definirá um caminho [4]. O caminho será percorrido por

    uma circunferência que assim dará espessura à corda. O objecto final será algo de muito

    aproximado a uma bóia, toda ela feita a partir de formas primitivas e de uma curva

    fechada. Aqui verifica-se que quando o objecto é maioritariamente geométrico o método

    de modelação a partir de formas primitivas é geralmente eficaz e rápido.

    20. Exemplo de modelação a partir de formas primitivas

    [1] [2] [3] [4]

  • 36

    O caso mais improvável de modelação será o de um avião a partir de uma caixa

    subdividida. Improvável porque uma caixa não se assemelha necessariamente a um

    avião, mas se essa mesma caixa for estendida nos polígonos certos, poderá assemelhar-

    se-lhe uma forma de avião. Se considerarmos a caixa subdividida, em duas das

    subdivisões laterais serão estendidas as asas. Na superfície frontal e posterior será

    alargado o corpo do avião, que por sua vez ao ser alargado ganha espaço para as asas

    posteriores e para o leme. Depois de termos ampliado a geometria até esta se assemelhar

    a uma forma de avião basta deformar essa mesma geometria até ficar com a forma do

    avião pretendido. Como resultado teremos um avião, mas um avião simples. Ou até

    demasiado simples porque apesar da forma básica do avião estar construída, nada mais

    existe para além desta mesma forma. Portanto o avião que é uma forma extremamente

    complexa acaba por ser reduzida a uma forma básica. O produto final pode ter duas

    interpretações possíveis, se o avião for intencionalmente básico então a modelação será

    eficaz, se não tornar-se-á numa modelação insuficiente. Portanto, a partir de uma

    primitiva poder-se-á obter uma forma aproximada de um dado objecto complexo mas

    para um desenho com mais pormenor este método não será tão eficaz.

    Podemos então concluir que a modelação a partir de formas primitivas só nos é

    particularmente útil quando o objecto a representar é simples e de preferência de base

    geométrica, não sendo eficaz quando o modelo é orgânico ou demasiado complexo.

    Quanto ao método de construção verifica-se que acaba por ser mais um processo

    exclusivamente mental em que todos os passos são pensados à priori e só depois

    21. Como desenhar uma folha.

  • 37

    executados. Com isto a dúvida característica em qualquer desenho, aqui, torna-se

    diminuta visto o resultado final ser o esperado. Ou seja, se realizarmos o passo um,

    seguido do passo dois, do três e sucessivos passos, teremos o objecto esperado. É mais

    uma questão de organização mental do que propriamente de desenho, onde existe uma

    mecânica própria para cada objecto. Poderíamos inclusivamente ter uma criança sem

    grandes aptidões para o desenho a construir formas desta maneira, tal como já foi

    ensinado, a desenhar a partir de passos. Se dissermos a uma criança para desenhar dois

    semicírculos interrompidos a meio, e se nesse meio colocarmos uma linha, então a

    criança terá desenhado uma folha de árvore sem o saber. É portanto questionável se isto

    será ou não desenho, ainda que no caso da modelação a partir de primitivas todos os

    passos dados sejam pensados pelo desenhador e não repetidos a partir de uma ordem,

    mas visto não haver grande incerteza no resultado, o problema mantém-se.

  • 38

    IV. DA PERCEPÇÃO VISUAL E CONSTRUÇÃO DO DESENHO POR

    SUPERFÍCIE

    4.1 O processo do Desenho por superfície

    O desenho, não estando totalmente dependente do meio em que é apresentado,

    encontra-se todavia condicionado por esse factor. Sendo o desenho maioritariamente um

    processo mental, é também um processo físico de representação. E esse processo físico

    naturalmente encontra-se condicionado pela técnica utilizada. Neste capítulo vão ser

    abordadas algumas técnicas específicas do desenho tridimensional e também a sua

    relação com o processo mental do desenho.

    Um dos factores fundamentais para o desenho é o recurso à memória. Se

    desenharmos na presença do modelo, o recurso à memória não será imprescindível, mas

    o uso do computador, na maior parte dos casos não é o mais prático para o registo por

    observação directa. De facto um computador de secretária não é facilmente

    transportável, e mesmo que se trate de um computador portátil a situação não é

    particularmente confortável. Veja-se o caso do desenho rápido ou do apontamento: se

    possuirmos um bloco de notas é fácil manuseá-lo e nele desenhar desde que a sua

    superfície seja rígida. Com um computador tal não sucede, ainda que se tratasse de um

    portátil: assim que ligássemos o computador ainda teríamos de esperar uns minutos para

    acedermos ao programa de desenho e convinha estarmos sentados, dispondo de um

    suporte para o computador. Não é prático portanto. E mesmo que não se tratasse de um

    desenho rápido seria sempre necessário um espaço específico para se desenhar

    confortavelmente.

    Uma das formas de contornar esta questão seria: começar o desenho por

    pequenos esboços feitos a papel e lápis, ou então recorrendo à fotografia. O recurso à

    fotografia acaba por ser na maior parte dos casos particularmente feliz, visto permitir de

    uma forma rápida e eficiente que o objecto a representar esteja presente devido aos

    vários registos, representando os ângulos mais relevantes da peça. A situação

    geralmente é a seguinte: como não é prático deslocar o computador para junto do

    modelo, este é substituído por um simulacro em fotografia.

    Contudo, apesar da fotografia ser um meio confortável para transmitir

    informação de um modo rápido, essa mesma informação acaba por ser mecânica, ou

  • 39

    seja, a fotografia representa os níveis de luz captados por uma objectiva. E embora este

    factor nos pareça irrelevante, é extremamente importante porque a fotografia – mesmo

    tratando-se de várias fotografias do mesmo objecto – não tem a capacidade de transmitir

    tudo aquilo que o desenhador pretende em termos de informação visual: existe sempre

    ambiguidade. Com o objecto presente, pode-se sempre estabelecer uma aproximação

    maior, concentrar num pormenor, tocar, perceber como o objecto funciona, como o

    queremos representar e como o queremos alterar caso seja essa a intenção. Para além de

    todos estes factores ainda podemos referir a visão estereoscópica, que ajuda a perceber

    as relações espaciais de uma maneira diferente da percepção bidimensional da

    fotografia. Portanto, ou se faz um desenho no local, para clarificar o que não consegue

    ser explicado por fotografia, ou então fazemos uso da nossa memória estimulada pela

    fotografia.

    O uso da nossa memória mesmo recorrendo ao apoio da fotografia, torna-se

    difícil em termos de resultado final. O mesmo é dizer que ao desenharmos com o apoio

    fotográfico pensamos que nos lembramos de tudo aquilo que queremos desenhar, mas

    de facto estamos a recorrer à nossa memória para completarmos a falta de informação

    característica da fotografia. E esse recurso à memória é extremamente falível. Falível

    porque no caso de estarmos a desenhar um objecto que seja vulgar, supomos

    imediatamente que ele tenha uma determinada forma que pode estar longe do objecto a

    representar. A título de exemplo podemos referir uma experiência com base no desenho

    tridimensional em computador de um estirador comum18

    . Um estirador geralmente tem

    um tampo branco de determinada dimensão, é inclinável, e naturalmente tem pés.

    Fizemos várias fotografias desse estirador e construímos o desenho com base nas

    fotografias. O resultado final é o de um estirador extremamente parecido com o

    pretendido. Mas um olhar mais atento revela que toda a sua parte inferior é

    completamente diferente da do estirador que se pretendia desenhar. De facto toda a

    parte inferior do estirador pertence a um outro estirador muito mais familiar ao

    desenhador – isto quer dizer que o recurso à memória generalizou um objecto e supôs

    que este possuísse uma determinada forma, quando de facto essa forma fazia parte da

    memória da pessoa que o desenhou. E isto acontece mesmo com o registo fotográfico:

    desenhamos o que conhecemos e não necessariamente o que vemos.

    18

    Experiência realizada na aula de desenho digital do mestrado em desenho.

  • 40

    Este aspecto do desenho mais ligado ao conhecimento e não tanto à visão é

    facilmente verificável em toda a História. Tradicionalmente, se olharmos para a

    representação animal verificamos muitas vezes que os olhos são caracteristicamente

    humanos, ou mesmo no desenho de representação clássica todas as bocas são

    estranhamente idênticas e infantis. Poder-se-ia pensar que é por falta de qualidade

    técnica mas ao vermos o rinoceronte desenhado por Dürer verificamos que de facto o

    artista desenhou o que sabia e não o que via19

    . Portanto esta questão é relativamente

    pacífica no desenho, e mais uma vez se verifica que no desenho tridimensional, onde

    praticamente todo o processo do desenho é idêntico ao desenho bidimensional, apenas

    muda a técnica.

    Outra característica em termos de evolução de construção do desenho é o

    acumular da experiência, ou seja, quanto mais se desenhar um objecto melhor o

    desenhamos. Mais uma vez esta é uma afirmação aceite sem qualquer tipo de questão,

    mas será que este facto também ocorre na terceira dimensão?

    Outra experiência foi feita: desenhar uma dada sala com os meios habituais,

    papel e lápis, e posteriormente desenhar a mesma sala mas agora com os meios

    tridimensionais. O primeiro desenho bidimensional teve um resultado aceitável (fig.23).

    O segundo desenho tridimensional teve um resultado semelhante (fig.24). A questão é

    que ao ver o primeiro desenho depois de executar o segundo tornou-se claro que não só

    19

    Vd. GOMBRICH, E.H. - “Art & Illusion, A study in the psychology of pictoral representation”,

    Phaidon, Londres, 6ª Edição, 2002.

    22. Rinoceronnte de Dürer, 1515. É de notar a semelhança entre a pele do animal e uma armadura

  • 41

    o resultado do primeiro desenho não era aceitável como perfeitamente desastrado.

    Portanto o que mudou foi a nossa visão da sala e o conhecimento desta. Este caso foi

    começado com um desenho bidimensional e só depois se passou para o desenho

    tridimensional, mas é certo que o inverso também seria verdade, ou então no caso de

    dois desenhos tridimensionais.

    23. Desenho a grafite sobre papel

    24. Desenho tridimensional posterior ao desenho a grafite

  • 42

    Um dos factos reconhecidos ao desenho tridimensional assistido por computador

    é que este é apenas um. No desenho convencional existe um sem número de desenhos

    sobrepostos ao desenho final, em que toda a estrutura utilizada, os arrependimentos, as

    dúvidas ou até a falta de resolução técnica aparecem patentes no desenho. No desenho

    tridimensional o resultado final é apenas um: geralmente não existem sobreposições

    nem dúvidas visíveis. Como foi referido acerca da estrutura podemos estruturar

    qualquer desenho, mas essa estrutura não ficará patente. Como resultado final temos um

    desenho “limpo”, à margem das contingências da sua construção. Toda a expressão

    incerta do desenho não fará parte do desenho tridimensional. Mas, se observarmos bem,

    isto não é verdade: o que acontece é que ao ser apresentado o desenho final

    tridimensional, todo o outro desenho necessário para chegar ao resultado final não é

    visível. Não ser visível não quer dizer que não exista, ele de facto existe e caso o

    pudéssemos ver, verificávamos que apesar de possuir base geométrica o processo do

    desenho tridimensional é idêntico ao bidimensional. Vejamos: de todo o desenho por

    computador é possível fazer múltiplas cópias; logo, é possível e até aconselhável fazer

    cópias de estado, ou seja, à medida em que o objecto é construído ou alterado, guardar

    essas mesmas alterações. O resultado pode ser visível na figura 25. Verificamos que um

    simples desenho de uma figura tridimensional, quando gravado com todas as suas

    alterações sobrepostas, é semelhante ao traçado de um desenho convencional. No

    desenho apresentado observam-se alguns dos passos e a figura final. Passos esses que

    foram gravados quando a figura já se encontrava estabilizada geometricamente. Caso

    fossem mostrados todos os passos, a construção da figura seria ainda mais visível.

    Como se pode verificar existem alterações de colocação, mas principalmente

    reconstruções de forma, facto que é evidente na orelha.

  • 43

    25. Evolução de um desenho tridimensional. Múltiplas figuras sobrepostas à medida

    que auferiam de alterações até chegar à forma final. Foi utilizado um filtro de

    contorno para que as alterações se mostrassem mais visíveis.

  • 44

    4.2 Construção por superfície

    Sendo o desenho um meio livre, melhor ou pior, com mais ou menos técnica, a

    representação de qualquer objecto pode ser conseguida a partir do desenho. Isto

    acontece em grande parte devido à facilidade técnica do desenho: é tecnicamente fácil

    desenhar, principalmente com o lápis e papel, em que apenas com a grafite cortada em

    bisel e a variação da força a exercer contra o papel, é possível representar todas as

    formas. Devido a este facto todo o pensamento do desenhador está concentrado no

    próprio desenho e nas alterações necessárias ao seu traçado e não desperdiçado em

    ensaios técnicos.

    Quando se fala do desenho executado por computador, o método a utilizar não é

    directo, e adquirir um conhecimento técnico é fundamental. De facto o desenho por

    computador geralmente é mal visto por isto mesmo, porque é reduzido a um dado

    número de comandos decorados e metodologias cuja utilização é mecânica e não

    propriamente artística. Desenhar por computador é aborrecido. Se nalguns casos esta

    afirmação é verdadeira, não pode ser contudo generalizada. Neste caso tudo vai

    depender do programa utilizado para desenhar, que pode ser intuitivo e de fácil

    utilização ou complexo e de difícil aprendizagem e execução. De qualquer forma não é

    por ser um programa complexo que o desenho se vai tornar melhor ou pior: apenas é

    mais difícil de executar. Sendo o desenho um acto difícil de realizar, o processo técnico

    deve ser facilmente exequível. Isto explica o sucesso do lápis sobre qualquer outro meio

    de desenho. Terá então de se achar um programa de fácil utilização e que sirva o

    propósito do desenho. Essa fácil utilização passa muito pelo uso reduzido de comandos,

    e no caso do desenho tridimensional pelo controlo absoluto sobre os polígonos que

    definem o modelo. Controlando os polígonos, controla-se a superfície e

    consequentemente o modelo.

    O conceito para modelar por superfície é de fácil compreensão: colocamos

    vários pontos no espaço, esses pontos podem definir várias superfícies, essas superfícies

    podem ser modeladas. Posteriormente o cálculo de superfície pode ser facilmente

    convertido de poligonal em curvas tridimensionais a partir de nurbs20

    e com isto a

    modelação orgânica torna-se extremamente fácil e intuitiva, permitindo assim ao

    20

    Non-Uniform Rational Bezier Splines

  • 45

    utilizador que com um número muito reduzido de comandos possa fazer qualquer tipo

    de objecto.

    Geralmente para modelar são utilizadas quatro projecções da mesma peça: uma

    de topo, uma de frente, uma lateral e outra obliqua. Para a introdução de pontos basta

    dar uma dimensão correcta numa das vistas e rectifica-la noutra vista, permitindo assim

    que o ponto fique correctamente definido nas suas três dimensões. São necessários no

    mínimo três pontos para definir um polígono. Caso seja um objecto não orgânico poder-

    se-á ter um número elevado de pontos a definir apenas um polígono, desde que todos os

    pontos sejam complanares; mas tratando-se de um objecto orgânico ou qualquer outro

    tipo de objecto em que possam existir superfícies empenadas, como estas serão

    convertidas em curvas, existe a necessidade de criar polígonos de quatro lados. Não que

    seja impossível converter polígonos, com mais ou menos lados, em curvas

    tridimensionais, mas o quadrado (ou polígonos quadrangulares), devido à sua

    continuidade, torna-se ideal para ser convertido em curva.

    Depois de marcar pontos, é necessário definir os pontos que definem polígonos.

    Polígonos que partilhem os mesmos pontos laterais obviamente estão adjacentes; com

    polígonos ligados entre si, todo o objecto pode ser construído e facilmente modificado

    ou destruído. Quando uma superfície não é do agrado do desenhador, basta apagá-la e

    fazer outra que sirva os propósitos do desenho. Torna-se então relativamente fácil

    desenhar em três dimensões visto que o desenhador tem controlo absoluto sobre os

    polígonos e pode não só alterá-los como quiser, mas também reconstruí-los. De facto, a

    maior parte dos desenhos tridimensionais, tal como acontece nas duas dimensões do

    processo tradicional, são feitos e refeitos até adquirirem a forma pretendida pelo

    desenhador.

    Para dar um exemplo, foram marcados pontos específicos numa escultura que

    seguidamente foi fotografada de frente e de lado (figura 26-27). Como duas vistas são

    suficientes para a definição tridimensional, basta criar pontos “tridimensionais” no local

    dos pontos reais já assinalados e através das linhas fundamentais do modelo definiram-

    se os pontos em falta. As superfícies são definidas atendendo à lógica do modelo, ou

    seja, acompanhando os contornos específicos do modelo, bastando posteriormente

    corrigir a superfície, colocando mais pontos onde for necessário, eliminando os pontos

    em excesso e deslocando os pontos para o sítio específico [1]. No final, os polígonos

    são convertidos em superfície curva e novamente alterados até satisfazer as pretensões

  • 46

    do desenho[2]. Em termos de tempo todo este processo demorou sensivelmente duas

    horas, o que para um desenho de estátua é muito rápido.

    Resumindo, se o programa de desenho for de simples compreensão, desenhar em

    três dimensões acaba por ser um processo idêntico ao processo bidimensional, em que o

    erro, a alteração constante, entre outras contingências do desenho, acaba por estar

    sempre presente.

    [1]

    26 - 31. Fotografia de uma estatua com pontos assinalados na sua geometria

    fundamental e realização tridimensional da mesma.

    [2] [3] [4]

  • 47

    V.CONSTRUÇÃO LINEAR

    O desenho linear é habitualmente usado no caso da representação bidimensional

    onde a linha se apresenta como síntese de uma dada superfície. É de fácil execução e

    transmite com sucesso a informação pretendida pelo desenhador. De facto,

    historicamente até existem vários métodos para a execução linear de um dado desenho

    muitos deles fundados na geometria.21

    Mas geométricos ou não, importa referir que

    todos eles acabam por servir dois objectivos: a representação e a apresentação.

    A construção linear, como síntese que é no plano das duas dimensões, não

    apresenta qualquer problema construtivo em relação ao que se pretende desenhar. Se

    desenharmos, por exemplo, uma pessoa e houver nela algum pormenor que nos escape

    ou que seja irrelevante, podemos simplesmente não desenhá-lo. Não porque não tenh