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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA: o método Estudo e Planejamento de Lições nos contextos de escola e de ensino Patrícia Dutra Magalhães Belo Horizonte Maio de 2008

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES … · Planejamento de Lições apresenta o potencial de desenvolvimento profissional de professores e de futuros professores que ensinam

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE

PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA:

o método Estudo e Planejamento de Lições nos contextos

de escola e de ensino

Patrícia Dutra Magalhães

Belo Horizonte

Maio de 2008

Patrícia Dutra Magalhães

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE

PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA:

o método Estudo e Planejamento de Lições nos contextos

de escola e de ensino

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática. Área de concentração: Ensino de Matemática Orientadora: Dra. Maria Clara Rezende Frota

Belo Horizonte 2008

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Magalhães, Patrícia Dutra M188d Desenvolvimento profissional de professores que ensinam matemática: o método estudo e planejamento de lições nos contextos de escola e de ensino / Patrícia Dutra Magalhães. Belo Horizonte, 2008. 116f. : Il. Orientadora: Maria Clara Rezende Frota Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. 1. Professores - Formação. 2. Matemática – Estudo e ensino. 3. Educação Matemática. I. Frota, Maria Clara Rezende. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa e Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título.

CDU: 371.13

Ao Francisco, meu marido, pelo amor e incentivo. A minha mãe Dulce por estar presente em todos os momentos da minha vida com seu imenso amor. Ao meu pai pela minha vida.

AGRADECIMENTOS

“Ora nós sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus [...]”

Romanos 8, 28

A minha orientadora Maria Clara Rezende Frota pela dedicação, apoio, amizade e,

sobretudo, por ter me orientado com tanta competência. Pelas valiosas contribuições

acadêmicas a este trabalho e a minha constituição como pesquisadora. Foi um privilégio tê-la

como orientadora.

Ao meu marido Francisco pelo apoio, companheirismo e carinho.

À professora Eliane Scheid Gazire por compartilhar conhecimentos, bibliografias e

ajudar a obter o contexto de ensino para a coleta de dados desta pesquisa.

Aos professores Agnela, Amauri, Dimas, Eliane, João Bosco, Lídia, Maria Clara, do

Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, por contribuírem para o meu desenvolvimento profissional.

À Prefeitura de Belo Horizonte por me conceder a licença com vencimentos para eu

poder me dedicar com mais disponibilidade de tempo a este trabalho.

Às professoras e futuras pedagogas que participaram desta pesquisa.

Ao grupo de pesquisa Práticas Investigativas em Ensino de Matemática – PINEM da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais por contribuir com a minha formação

enquanto pesquisadora.

À professora Ana Cristina Ferreira pelas sugestões e contribuições acadêmicas a esta

dissertação.

Aos colegas de mestrado por compartilharem conhecimentos e pelos momentos de

descontração.

À secretária do Programa de Mestrado, Ângela, pela atenção.

RESUMO

A presente pesquisa qualitativa pretende buscar respostas à questão: Quais as potencialidades de uma adaptação do método Estudo e Planejamento de Lições para promover o desenvolvimento profissional de professores e futuros professores que ensinam Matemática no contexto de escola e no contexto de ensino? Respostas à questão básica de pesquisa foram buscadas analisando entrevistas semi-estruturadas, registros escritos e questionários aplicados a um grupo de cinco professoras de um contexto de escola e a um grupo de quarenta e cinco futuras pedagogas de um contexto de ensino. No contexto de ensino, foram utilizadas também gravações em áudio e vídeo. Os dados foram interpretados a partir de duas potencialidades do método Estudo e Planejamento de Lições: promover o crescimento na compreensão da Matemática e estratégias de seu ensino e envolver professores e futuros professores em relações com os saberes que favoreçam a construção e (re)construção de saberes docentes. Os resultados evidenciaram algumas possibilidades do método Estudo e Planejamento de Lições de ampliar os saberes docentes. O trabalho coletivo, o foco no planejamento de lições para serem aplicadas na prática docente, a investigação e a reflexão parecem ter favorecido o desenvolvimento profissional. Os grandes desafios enfrentados durante o Estudo e Planejamento de Lições foram relacionados à disponibilidade de horários para participar do trabalho e ao desejo de aprender das professoras e futuras professoras, manifestado através de um maior ou menor envolvimento no processo. O contexto de escola parece ser promissor para o desenvolvimento profissional, mas é permeado de tensões e conflitos que necessitam ser superados. Apesar das dificuldades, há indícios de que o método de Estudo e Planejamento de Lições apresenta o potencial de desenvolvimento profissional de professores e de futuros professores que ensinam Matemática nos contextos de escola e de ensino. Palavras-chave: Estudo e Planejamento de Lições; desenvolvimento profissional; saberes docentes.

ABSTRACT

The present qualitative research aims to seek for answers to the question: What are the potentialities of an adaptation of the method Lesson Plan Study in order to foster the professional development of teachers and prospective teachers who teach Mathematics in the school context as well as in the teaching context? Answers to this research basic question were searched for through the analysis of semi-structured interviews, written registers and questionnaires that were applied to a group of five female teachers from a school context, and to another group of 45 female future pedagogists from a teaching context. Records in audio and video were also used in the teaching context. Data was interpreted from two potentialities of Lesson Plan Study: the first one is promoting the teachers’ and prospective teachers’ broadening of their mathematical understanding and their teaching strategies, and the second one is involving them in relations with the knowledge that may favor the construction and (re)construction of their teaching knowledge. The outcomes exhibited the possibilities of Lesson Plan Study to enhance teaching knowledge. Team work, focus on lesson planning to be applied to teaching practices, investigation and reflection seem to have favored professional development. The great challenges faced across the Lesson Plan Study were related to teachers’ and prospective teachers’ schedule availability to participate in the work as well as their willing to learn, which were expressed in their higher or lower involvement with the process. The school context seems promising for professional development, but it is permeated with tensions and conflicts, which need to be overcome. Despite all the difficulties, there are indications showing that the Lesson Plan Study method presents a potential for the professional development of teachers and prospective teachers who teach Mathematics in both school and teaching contexts.

Key-words: Lesson Plan Study; professional development; teaching knowledge.

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Cabeçalho do quadro de tratamento e análise dos episódios dos dados de áudio e

vídeo .................................................................................................................................60

QUADRO 2 Respostas das professoras ao questionário sobre as demandas em relação à

geometria ..........................................................................................................................63

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................11

2 CONSTRUINDO O PROBLEMA DE PESQUISA .........................................................13 2.1 Questões provenientes da prática docente .....................................................................13 2.2 Delineando a questão de pesquisa ...................................................................................15 3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA........................19 3.1 A pesquisa sobre formação de professores que ensinam Matemática.........................19 3.2 Concepções ........................................................................................................................21 3.3 Saberes docentes ...............................................................................................................23 3.4 Construção de saberes sobre geometria .........................................................................27 4 DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL.......................................................................34 4.1 Desenvolvimento profissional ..........................................................................................34 4.2 Estudo e Planejamento de Lições como ferramenta para o desenvolvimento profissional ..............................................................................................................................38 5 METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................................................45 5.1 Metodologia Qualitativa ..................................................................................................45 5.2 O Contexto e os Participantes da Pesquisa ....................................................................46 5.2.1 Participantes e contexto de escola..................................................................................46 5.2.2 Participantes e contexto de ensino .................................................................................48 5.3 Procedimentos e instrumentos de coleta de dados.........................................................49 5.3.1 Procedimentos no contexto de escola ............................................................................50 5.3.2 Procedimentos no contexto de ensino............................................................................55 5.4 Procedimentos para tratar e analisar os dados..............................................................59 6 ANÁLISE DOS DADOS .....................................................................................................62 6.1 Análise dos dados do contexto de escola.........................................................................62 6.1.1 Entrevista e questionário iniciais...................................................................................62 6.1.2 Materiais didático-pedagógicos......................................................................................65 6.1.3 Estudo e Planejamento de Lições sobre formas espaciais e planas .............................68 6.1.4 Entrevista final sobre o método Estudo e Planejamento de Lições ..............................72 6.2 Análise dos dados do contexto de ensino ........................................................................75 6.2.1 Questionários iniciais .....................................................................................................75 6.2.2 Materiais didático-pedagógicos......................................................................................76 6.2.3 Estudo e Planejamento de Lições sobre formas espaciais e planas .............................80 6.2.4 Questionário final sobre o método Estudo e Planejamento de Lições .........................84 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................89 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................93 APÊNDICE .............................................................................................................................98

APÊNDICE A - Proposta de Ciclo de Atividades para Estudo e Planejamento de Lições..................................................................................................................................................99 ANEXOS ...............................................................................................................................102 ANEXO A - Geometria no Currículo .................................................................................103 ANEXO B - Thinking Through a Lesson Protocol - TTLP..............................................107 ANEXO C - Lições planejadas no contexto de escola .......................................................109 ANEXO D - Lição planejada no contexto de ensino e (re)elaboração da lição...............112

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1 INTRODUÇÃO

Com esta pesquisa, pretendo investigar as potencialidades de uma adaptação do

método Lesson Plan Study1, Estudo e Planejamento de Lições, para promover o

desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática2 no contexto de escola

e no contexto de ensino.

Desenvolvi este trabalho, de abordagem qualitativa, no contexto de escola com um

grupo de cinco professoras que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental

da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte. E, no contexto de ensino, contei com a

participação de 45 alunas do 5o período do curso de Pedagogia, que forma professores para os

ciclos iniciais do Ensino Fundamental, de uma universidade particular de Belo Horizonte.

Abordo dois estudos de caso que focalizam o processo de desenvolvimento profissional de

professoras e futuras professoras que ensinam Matemática ao experimentarem o método

Estudo e Planejamento de Lições.

No capítulo 2, apresento a problemática do tema da pesquisa que surgiu a partir de

minha trajetória profissional. Destaco algumas pesquisas que abordam a necessidade de o

professor estar permanentemente em desenvolvimento profissional e o método Estudo e

Planejamento de Lições, que a literatura em Educação Matemática aponta como promissor

para o desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática. Em seguida,

faço o delineamento da questão básica de pesquisa.

Nos capítulos 3 e 4, exponho a revisão bibliográfica, síntese de leituras, escolhas que

de alguma forma serviram de aporte teórico para a pesquisa. Assim, no capítulo 3, sintetizo

alguns dos principais pontos que a literatura, nacional e internacional, aponta sobre a

formação de professores que ensinam Matemática, discutindo os conceitos de concepções,

saberes docentes e relação com o saber. No capítulo 4, apresento visões de desenvolvimento

profissional encontradas na literatura pesquisada e estabeleço a perspectiva de

desenvolvimento profissional adotada nesta pesquisa bem como a ferramenta escolhida: o

Estudo e Planejamento de Lições.

______________ 1 Lesson Plan Study (Estudo e Planejamento de Lições) é um método de desenvolvimento profissional utilizado nos Estados Unidos adaptado de Estudo de Lições Japonesas. (SILVER, 2006). 2 Nesta pesquisa a designação “professores que ensinam Matemática” é entendida como os professores que lecionam Matemática, independentemente de possuírem formação superior em Matemática.

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O capítulo 5 trata da metodologia de pesquisa. Caracterizo os dois contextos de escola

e de ensino, descrevendo as participantes da pesquisa. Apresento os procedimentos e

instrumentos de coleta de dados e, por fim, a maneira como os dados foram tratados e

analisados.

No capítulo 6, descrevo e analiso os resultados primeiramente do contexto de escola, a

seguir do contexto de ensino à luz da perspectiva teórica adotada. A análise é feita a partir de

duas perspectivas: investigar crescimento na compreensão da Matemática e nas estratégias de

ensino, e investigar as relações com o saber nas quais as participantes da pesquisa se

envolveram que desencadearam indícios de processos de construção e de mudança de saberes

docentes, ao experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições. Para ilustrar as

potencialidades do método Estudo e Planejamento de Lições para promover o

desenvolvimento profissional de professores e futuros professores que ensinam Matemática,

faço dois estudos de caso, um no contexto de escola e um no contexto de ensino.

Finalmente, no capítulo 7, destaco as considerações finais, as possibilidades e limites

do método Estudo e Planejamento de Lições para promover o desenvolvimento profissional

de professores e futuros professores, as implicações educacionais e possibilidades de

pesquisas futuras.

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2 CONSTRUINDO O PROBLEMA DE PESQUISA

Este capítulo é dividido em duas seções. Na primeira seção, apresento questões que

surgiram a partir da minha trajetória profissional e, na segunda, a partir dessas questões e de

leituras e reflexões teóricas delineio a questão básica de pesquisa.

2.1 Questões provenientes da prática docente

Em minha trajetória profissional como professora de Matemática da Rede Municipal

de Ensino de Belo Horizonte e ao longo de minha formação continuada, tive oportunidade de

conhecer um pouco sobre como professores que ensinam Matemática da rede têm trabalhado

no contexto do Ensino Fundamental público e obrigatório. Tenho tido, também, a

oportunidade de refletir sobre o ensino-aprendizagem de Matemática com o objetivo de

compreender qual o seu papel na formação de cidadãos no contexto de universalização da

escola básica.

Nesse contexto de universalização da escola básica, os professores têm enfrentado

enormes e renovados desafios. Diante desses desafios, passei a questionar se os professores

têm procurado construir novos saberes docentes para garantir a formação dos alunos. Durante

o ano de 2003, preocupada com a construção de saberes docentes, participei do grupo de

professores de Matemática da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte que se reunia

mensalmente na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. O grupo

era constituído de cerca de 100 professores de Matemática do 3o ciclo3 do Ensino

Fundamental de 51 escolas municipais de Belo Horizonte. Nesses encontros, mediante relatos

das experiências de cada um, foram construídas e socializadas uma série de alternativas e

possibilidades para o ensino de Matemática, bem como discutidas as dificuldades que o

professor enfrenta na sua prática. Ao longo dos encontros, pude observar que os professores

buscavam maior clareza sobre o ensino de Matemática, considerando as mudanças vividas na

educação brasileira, e em particular na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, dentro

______________ 3 O Ensino Fundamental é dividido em três ciclos. O 1o ciclo compreende os três primeiros anos do Ensino Fundamental (antigo pré-primário, 1a série e 2a série), o 2o ciclo compreende do 4o ao 6o ano (antiga 3a série, 4a série e 5a série) e o 3o ciclo compreende do 7o ao 9o ano (antiga 6a série, 7a série e 8a série).

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do programa político-pedagógico da Escola Plural. Ao final do ano, o grupo percebeu a

necessidade de ampliar a discussão para o 1o e 2o ciclos do Ensino Fundamental. A partir das

reflexões do grupo, em 2004, uma síntese de todo o processo foi elaborada, visando enviar um

material impresso para todas as escolas da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e

(re)discutir o ensino de Matemática no Ensino Fundamental no âmbito das escolas. (BELO

HORIZONTE, 2004).

Em 2005 e 2006, parte do grupo de professores de Matemática da Rede Municipal de

Ensino de Belo Horizonte de 2003/2004 passou a se reunir em encontros mensais de

professores, na Secretaria Municipal de Educação. Os encontros eram promovidos pelo

Núcleo de Ensino de Matemática da Gerência de Coordenação da Política Pedagógica e de

Formação, visando socializar práticas docentes e refletir sobre as mesmas, discutir questões

relativas a desenhos curriculares e construção de saberes docentes.

Em um dos encontros de professores de Matemática, na Secretaria Municipal de

Educação, os professores responderam um questionário com perguntas sobre problemas

enfrentados por eles em sua prática pedagógica e sobre seus anseios. Foi constatada uma

enorme demanda por cursos, programas de formação. Os professores ressaltaram a falta de

um maior conhecimento sobre como ensinar Matemática, considerando as mudanças vividas

na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e as alterações do perfil e necessidades dos

alunos. Houve a proposta de retomada de trocas de experiências e construção curricular

coletiva que foi aceita e vivenciada através de programas de formação promovidos pelo

Núcleo de Ensino de Matemática da Secretaria Municipal de Educação.

Uma das demandas significativas foi para programas de formação para professores que

ensinam Matemática no Ensino Fundamental. Foram várias as temáticas solicitadas, mas a

opção foi por iniciar o trabalho focalizando o ensino de geometria. A escolha do tema

geometria

[...] se deve ao fato de que muitas pesquisas vêm apontando lacunas na formação inicial do professor no que diz respeito ao ensino de geometria. Consideramos também a importância que vem sendo relatada nas pesquisas sobre o potencial formador que o trabalho com a geometria pode propiciar aos alunos. (BELO HORIZONTE, 2006, p.4).

Pude participar desse programa de formação o que suscitou-me alguns

questionamentos:

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• Quais os reflexos das trocas de experiências e construção coletiva de saberes docentes

na prática pedagógica de professores que, tradicionalmente, vêm de uma cultura

profissional individualista?

• Como socializar os saberes docentes adquiridos numa formação continuada fora do

contexto de escola, trocar experiências e construir o currículo de Matemática

coletivamente com colegas de trabalho que ensinam Matemática?

• Como contribuir para o desenvolvimento profissional de professores que não têm

acesso ou disponibilidade a programas de formação continuada?

Esses questionamentos advindos da prática orientaram minhas leituras e direcionaram

meus esforços no sentido de desenhar a pesquisa.

2.2 Delineando a questão de pesquisa

As experiências relatadas anteriormente levaram-me a refletir sobre a importância de

se realizar uma pesquisa que apontasse caminhos que pudessem se constituir em uma proposta

para o desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática e que não têm

acesso ou disponibilidade a programas de formação continuada.

Segundo Saraiva e Ponte (2003), “nos últimos anos, o desenvolvimento profissional

dos professores tem merecido uma forte atenção por parte dos educadores matemáticos”. A

sua importância resulta da constatação que uma sociedade em constante mudança, como a que

estamos vivendo atualmente, impõe à escola responsabilidades cada vez maiores e aos

professores a necessidade de estarem permanentemente em desenvolvimento profissional.

O estudo do desenvolvimento profissional dos professores e dos factores que o influenciam é de grande importância para todos os que se interessam pela formação do professor de Matemática. Perceber de que modo o professor pode assumir mais integralmente a sua profissionalidade, como pode aprofundar e tornar mais consistente o seu conhecimento e as suas práticas de ensino é uma condição essencial para a criação de estruturas adequadas de trabalho nas escolas e para a criação de dispositivos de formação mais aperfeiçoados e de maior alcance. (SARAIVA; PONTE, 2003).

Pesquisando ferramentas e métodos que pudessem promover o desenvolvimento

profissional de professores encontrei, na literatura em Educação Matemática, o método de

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desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de Lições que consiste numa “seqüência

de atividades designadas para engajar futuros professores na ampliação e aprofundamento na

sua compreensão da Matemática escolar e das estratégias de ensino.” (CAVEY; BERENSON,

2005, p. 171, tradução nossa)4.

A respeito do método de desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de

Lições, segundo Silver (2006), quase não há evidências empíricas da natureza da

aprendizagem envolvida no estudo de lições. A literatura pesquisada sobre esse método

aponta resultados empíricos somente com a formação de futuros professores, ou seja, com a

formação inicial e, a princípio, estava interessada em pesquisar um método que pudesse

promover o desenvolvimento profissional de professores em exercício. Assim, surgiram

indagações sobre se o método de desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de

Lições seria adequado para professores em exercício.

Com esta pesquisa, pretendo analisar a possibilidade de transportar essa técnica para

um micro espaço brasileiro, ou seja, para contextos específicos de escola e de ensino

brasileiros, com as devidas adaptações, que se fizerem necessárias, para que o método possa

ser aplicado no nosso contexto educacional, buscando evidências empíricas da natureza da

aprendizagem envolvida nesse método.

Diante da literatura pesquisada sobre o método, das possibilidades, dos resultados já

apontados em outros países com a formação inicial e a reflexão sobre eles, considerei

relevante investigar as possibilidades e limites desse método para promover o

desenvolvimento profissional de professores em exercício no contexto de escola. As

oportunidades de formação continuada oferecidas aos professores costumam acontecer fora

do contexto de escola e, geralmente, têm pouca relação com as demandas e realidade da

profissão docente. Há que se considerar, conforme Nacarato (2005), que o contexto da própria

escola possibilita “aos professores condições de formação permanente, troca de experiências,

busca de inovações e de soluções para os problemas que emergem do cotidiano escolar.”

(p.176).

No contexto da educação pública, os professores se sentem despreparados para

enfrentar os vários desafios que são constantemente renovados numa sociedade, numa escola

em mudança. E muitas vezes, não têm condições ou disponibilidade para participar de

formações fora do contexto de escola. Uma proposta de método que possa propiciar o

______________ 4 […] sequence of activities designed to engage prospective teachers in broadening and deepening their understanding of school mathematics and teaching strategies.

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desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática no contexto de escola

pode contribuir para melhorar a prática de ensino de professores.

Nacarato e Paiva (2006) apontam que a pesquisa com professores que ensinam

Matemática parece ser mais promissora quando há um conteúdo matemático específico. E o

método Estudo e Planejamento de Lições é destinado a prover oportunidades para professores

que ensinam Matemática refletirem individual e coletivamente sobre como eles devem ensinar

um conteúdo específico de Matemática. Assim, houve a opção pelo tema geometria, pois

como já foi dito anteriormente, muitas pesquisas vêm apontando lacunas na formação inicial

do professor no que diz respeito ao seu ensino e esse tema é muito demandado em programas

de formação continuada de professores. (BELO HORIZONTE, 2006). Muitos professores

abandonam o ensino da geometria por julgarem difícil e têm focalizado o ensino apenas no

conteúdo da aritmética. Segundo Nacarato e Passos (2003), apesar de ter havido, nos últimos

anos, muitas pesquisas acadêmicas sobre a geometria e seu ensino, esse tema continua

bastante distante da sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Silver (2006) destaca que processos de formação profissional são mais eficazes

quando promovem o desenvolvimento profissional coletivo e não em formações isoladas ou

por imposição.5 E o método de desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de

Lições apresenta fases de trabalho e de planejamento coletivo. Assim, espero que esse método

crie oportunidades para os professores trabalharem coletivamente de modo a planejar, refletir

sobre as lições que eles mesmos devem elaborar e que esse processo aumente a compreensão

da Matemática, das estratégias de ensino e que, dessa forma, seja um método promissor para o

desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática.

A partir da minha prática profissional surgiu uma problematização que acompanhada

de estudos teóricos e de incursões na literatura, levaram-me a acreditar na relevância das

questões anteriormente colocadas. Com o desenvolvimento da pesquisa, já coletando dados

no contexto de escola, surgiram indagações sobre as potencialidades de uma adaptação do

método Estudo e Planejamento de Lições para promover também o desenvolvimento de

futuros professores. Além disso, já trabalhando no Ensino Superior, tive a oportunidade de

lecionar, num curso de Pedagogia, a disciplina Metodologia e Conteúdos Básicos de

Matemática I, o que viabilizaria a coleta de dados também em um contexto de ensino. Assim,

pude ter um pouco mais de clareza a respeito da importância, para o enriquecimento desta

pesquisa, que a investigação se ampliasse para as possibilidades e limites do método Estudo e

______________ 5 Silver (2006) fundamenta-se nos autores Little, (1993), Tharp; Gallimore, (1998) citados por ele.

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Planejamento de Lições para o desenvolvimento profissional de professores e futuros

professores, o que levou-me ao delineamento final da questão de pesquisa.

Pretendo, pois, com esta pesquisa, responder à questão:

• Quais as potencialidades de uma adaptação do método Estudo e Planejamento de

Lições para promover o desenvolvimento profissional de professores e futuros

professores que ensinam Matemática no contexto de escola e no contexto de ensino?

O desenvolvimento da pesquisa e o aprofundamento das reflexões teóricas

conduziram-me a um desdobramento da questão básica em duas outras:

• Há um crescimento na compreensão da Matemática e nas estratégias de ensino de

professores e futuros professores ao participarem do Estudo e Planejamento de

Lições?

• Quais as relações com o saber nas quais professores e futuros professores se

envolvem, ao participarem do Estudo e Planejamento de Lições, que podem

desencadear mudança, construção de saberes docentes?

Pretendo com esta pesquisa, apontar as potencialidades de uma adaptação do método

Estudo e Planejamento de Lições para promover o desenvolvimento profissional de

professores e futuros professores que ensinam Matemática. Espero que os resultados desta

investigação possam contribuir com os processos de formação de professores e indicar

direções que possam propiciar a construção e (re)construção de saberes docentes.

Nos dois próximos capítulos, apresento os referenciais teóricos sobre o tema desta

pesquisa, objetivando buscar subsídios para responder às questões de pesquisa e tornar mais

claros os conceitos, as idéias envolvidas nessas questões. Dessa forma, os dois próximos

capítulos tratam dos saberes docentes, das relações com o saber, do desenvolvimento

profissional, do método Estudo e Planejamento de Lições.

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3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA

Neste capítulo busco fundamentos, na literatura nacional e internacional, sobre

formação de professores, saberes docentes e sobre a pesquisa nessa área visando um aporte

teórico para esta dissertação.

3.1 A pesquisa sobre formação de professores que ensinam Matemática

O tema formação de professores, nos últimos anos, tem sido o foco de muitas

pesquisas no Brasil e no exterior. (MANRIQUE; ANDRÉ, 2006). A maioria dessas pesquisas

está relacionada aos processos de formação inicial ou continuada de professores.

Nos últimos vinte anos, na América do Norte, na Europa e em vários países da

América Latina, o conhecimento dos professores tem sido o cerne de várias investigações.

Um postulado tem guiado esses trabalhos: “os professores de profissão possuem saberes

específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas

cotidianas.” (TARDIF, 2002, p.228). A importância dessa perspectiva de pesquisa é

considerar os professores como produtores de saberes, como sujeitos do conhecimento.

E essa é

[...] uma idéia que se opõe à concepção tradicional da relação entre teoria e prática. De fato, segundo essa concepção, o saber está somente do lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias preconcebidas, etc. Além disso, ainda segundo essa concepção tradicional, o saber é produzido fora da prática (por exemplo, pela ciência, pela pesquisa pura, etc.) e sua relação com a prática, por conseguinte, só pode ser uma relação de aplicação. (TARDIF, 2002, p. 235).

Concordo com Tardif (2002) que destaca que há duas ilusões tradicionais: uma teoria

sem prática e uma prática sem teoria. Para o autor, essas ilusões e a oposição tradicional entre

teoria e prática não são pertinentes.

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Essa perspectiva defendida por Tardif (2002) supõe mudanças significativas nas

concepções e práticas que vigoram na formação de professores.

Segundo Fiorentini et al (2002), nos últimos anos, no Brasil, a produção de

conhecimentos acadêmicos sobre a formação de professores que ensinam Matemática vem

crescendo significativamente. Para esses autores, esse crescimento se deve ao aumento de

programas de pós-graduação em Educação Matemática, mas “parece também refletir uma

tendência mundial que reconhece o professor como elemento fundamental nos processos de

mudança educacional e curricular, o qual, em face das novas e mutantes demandas sociais do

mundo globalizado, necessita, permanentemente, atualizar-se.” (p.139).

De acordo com Fiorentini et al (2002), dentre a produção de conhecimentos

acadêmicos relacionados à formação inicial de professores que ensinam Matemática, uma

minoria investigou a formação de professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do

Ensino Fundamental, sendo que todas as produções se referiam ao antigo curso de Magistério.

E ainda, segundo esses autores, no que diz respeito à produção de conhecimentos relacionados

à formação continuada, a partir da década de 90, é possível perceber uma mudança de

concepção de pesquisa na formação continuada: de uma concepção de pesquisa para

professores para uma concepção de pesquisa com professores. “Os professores da escola,

então, passam a ser vistos como sujeitos de conhecimento que possuem [...] saberes

experienciais que se caracterizam como complexos, plurais e reflexivos, pois contêm valores

e são situados no contexto em que são mobilizados e produzidos.” (FIORENTINI et al, 2002,

p.157). Dessa forma, pesquisador e professor constituem-se pesquisadores e produtores de

saberes. Também Nacarato (2005) destaca que estudos relacionados à formação de

professores vêm apontando que não faz sentido falar em pesquisas sobre professores, mas

com professores.

Para Fiorentini et al (2002) “estudos mostram que é mediante um processo reflexivo e

investigativo, mediado por aportes teóricos, que o professor se forma e se constitui

profissional, sendo esse um processo sempre inacabado.” (p.159).

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3.2 Concepções

Estudos apontam que as concepções dos professores influenciam seus pensamentos,

suas ações, seu estilo de ensino, sua formação. (PONTE, (1992; 1998); TARDIF,

RAYMOND, 2000). Muitas vezes, essas concepções não estão claras para os próprios

professores, nem para as pessoas que estão ao seu redor, e podem bloquear possibilidades de

atuação e compreensão em novas realidades. (PONTE, 1992).

Parece não haver um consenso, entre os pesquisadores, com relação ao conceito de

concepção. Segurado e Ponte (1998) destacam a dificuldade de definir concepção. Para esses

autores, as concepções são entendidas como um substrato conceitual que desempenha uma

importante função no pensamento e ação, fornecendo uma forma de ver o mundo.

Para Thompson (1992), concepções são estruturas mentais, envolvem as crenças

conscientes ou inconscientes, conhecimentos adquiridos através da experiência, significados,

conceitos, proposições, regras, imagens mentais, preferências.

Investigações conduzidas por Oliveira e Ponte (1997) revelam que não faz sentido

estudar as concepções desligadas do contexto em que os professores estão inseridos,

coerentemente com a definição de Thompson.

Além disso, para Tardif (2002), “um professor não possui habitualmente uma só e

única “concepção” de sua prática, mas várias concepções que utiliza em sua prática, em

função, ao mesmo tempo, de sua realidade cotidiana e bibliográfica e de suas necessidades,

recursos e limitações.” (p.65). O autor destaca ainda que grande parte das crenças, das

certezas dos professores sobre o papel do professor, o ensino-aprendizagem provém de suas

histórias de vida e, sobretudo, de suas histórias de vida escolar, de suas vivências enquanto

alunos.

Numa mesma linha de argumentação, Ponte (1992) afirma que as “concepções

formam-se num processo simultaneamente individual (como resultado da elaboração sobre a

nossa experiência) e social (como resultado do confronto das nossas elaborações com as dos

outros).” De acordo com esse autor, não é difícil ter concepções com relação à Matemática,

pois ela é disciplina obrigatória do currículo das escolas na escolarização básica há séculos e

desperta medos e admirações. E as nossas concepções sobre a Matemática são influenciadas

pelas nossas experiências familiares, escolares, sociais.

22

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática salientam que é muito

importante que o professor tenha “clareza de suas próprias concepções sobre a Matemática,

uma vez que a prática em sala de aula, as escolhas pedagógicas, a definição de objetivos e

conteúdos de ensino e as formas de avaliação estão intimamente ligadas a essas concepções.”

(BRASIL, 2001, p.37).

Os professores que ensinam Matemática devem ter consciência de suas concepções

para poder reformulá-las de modo a se tornarem concepções menos reducionistas e

equivocadas sobre a natureza da Matemática e de seu ensino-aprendizagem. (SEGURADO;

PONTE, 1998).

De modo geral, segundo Ponte (1992), os professores de Matemática consideram que:

• a Matemática é uma disciplina muito difícil;

• o cálculo é a parte mais substancial da Matemática, a mais acessível e

fundamental;

• Matemática é o domínio do rigor absoluto, da perfeição total, nela não há lugar

para erros, incertezas;

• Matemática é desligada da realidade (auto-suficiente, "pura" e abstrata);

• nada de novo nem de interessante pode ser feito em Matemática, a não ser pelos

"gênios".

Essas concepções, presentes também entre professores que ensinam Matemática, são

difundidas entre leigos e entre matemáticos e podem ter uma parte de verdade. Porém, “em

conjunto elas representam uma grosseira simplificação, cujos efeitos se projetam de forma

intensa (e muito negativa) no processo de ensino-aprendizagem.” (PONTE, 1992).

Para Ponte (1992) a mudança de concepções e de práticas é um processo difícil, lento

e as pessoas apresentam uma resistência natural. Tardif e Raymond (2000), mencionando

sínteses de pesquisas que tratam das crenças de futuros professores, colocam que estas são

estáveis e resistentes ao tempo. Uma síntese de resultados de vários estudos, feita por

Thompson (1992), aponta que as concepções dos futuros professores dificilmente são

alteradas. Para a autora, um papel relevante dos cursos de formação de professores é fazer

com que os futuros professores questionem, repensem suas concepções.

Segundo Ponte (1992), em relação à mudança de concepções e de práticas de

professores em exercício, essas mudanças poderiam ser propiciadas por programas de

23

formação, mas a motivação e disponibilidade para formação costumam ser desfavoráveis.

Para o autor, em Portugal, têm ocorrido programas de formação que procuram promover

dinâmicas de grupo, envolvendo os professores na realização de atividades práticas e a

reflexão sobre as mesmas. As investigações sobre esses programas têm revelado que os

professores reagem bem às propostas de atividades práticas e à troca de experiências, mas o

processo de envolvê-los na reflexão sobre as suas próprias práticas e a constituição de grupos,

em cada escola, é extremamente difícil.

Os desafios enfrentados pelos professores em sua prática profissional requerem,

mudança de concepções e práticas, mobilização de saberes.

3.3 Saberes docentes

Nos últimos anos, na América do Norte, grande parte da literatura sobre formação de

professores tem tratado dos saberes que servem de base para o ensino. (TARDIF, 2002).

Segundo esse autor, desde 1980, no mundo anglo-saxão e, mais recentemente, na Europa,

surgiram muitas pesquisas sobre o saber dos professores que apresentam muitas teorias e

diversas concepções relacionadas com esse saber.

Nacarato e Paiva (2006) afirmam que há muita pesquisa e literatura sobre saberes

docentes e muitas questões em aberto sobre esse tema, mas uma delas tem sido fundamental:

“não se pode conceber uma formação – inicial ou continuada – sem levar em consideração o

conteúdo matemático.” (p.14). Pesquisas apontam que apenas o domínio do conteúdo não é

suficiente para ser um bom professor, mas é necessário. O domínio do conteúdo é uma das

dimensões do saber docente.

Shulman (1986) ao discutir os conhecimentos que o professor necessita no exercício

da sua profissão, aponta três categorias distintas: conhecimento da matéria, conhecimento

pedagógico do conteúdo e conhecimento curricular. Mas os saberes docentes não podem ser

restritos a essas três categorias propostas por Shulman (1986). Tardif, Lessard e Lahaye

(1991), Tardif e Raymond (2000) e Tardif (2002) ampliam essas categorias.

24

Tardif e Raymond (2000) atribuem à “noção de “saber” um sentido amplo que engloba

os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes,

ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser.” (p.212).

Esse entendimento ampliado acerca dos saberes docentes é destacado também por

Ferreira (2003). Para a autora o conceito engloba “as crenças, concepções, valores e

expectativas, além dos conhecimentos práticos e teóricos construídos pelo professor antes,

durante e depois de sua formação inicial.” (p.34).

O saber docente se compõe de vários saberes, provenientes de diferentes fontes e que

intervêm na prática docente. Esses saberes são os saberes das disciplinas, os saberes

curriculares, os saberes profissionais - compreendem as ciências da educação e a pedagogia -

e os saberes da experiência. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991).

A relação dos professores com os saberes das disciplinas e os curriculares é o de

agente da transmissão. Esses saberes

[...] situam-se numa relação de exterioridade com a prática docente: eles aparecem como produtos já consideravelmente determinados em sua forma e conteúdo, produtos oriundos da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais e que se incorporam à prática docente através das disciplinas, dos programas escolares, das matérias e dos conteúdos a serem transmitidos. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991, p.222).

Para esses autores, a relação dos professores com os saberes profissionais – ciência da

educação e ideologias pedagógicas – também é de exterioridade, pois esses saberes também

não são produzidos e nem legitimados por eles. Assim, os professores procuram produzir os

saberes práticos ou da experiência, que se originam da prática cotidiana da profissão, e se

distanciam dos saberes produzidos fora da prática docente, adquiridos no currículo, na

formação inicial, na formação continuada. (TARDIF, LESSARD, LAHAYE, 1991; TARDIF,

2002). Os professores dão mais valor aos saberes que são mais aplicáveis à prática docente e

assim os saberes da experiência parecem ser o alicerce da prática e competência docentes.

(TARDIF, 2002).

Para Tardif (2002), os saberes docentes são plurais e heterogêneos. Além dos saberes

docentes já citados, o professor, em sua prática profissional, se apóia também no saber

cultural herdado de sua história de vida, de seu contexto familiar, social e cultural.

Tardif e Raymond (2000) afirmam que associar a questão da natureza e diversidade

dos saberes docentes a suas fontes é uma abordagem que lhes parece ainda válida. Mas,

25

colocam que o que “essa abordagem negligencia são as dimensões temporais do saber

profissional6, ou seja, sua inscrição na história de vida do professor e sua construção ao longo

de uma carreira.” (p.216). Os saberes do professor são saberes

[...] que não somente parecem ser adquiridos no e com o tempo, mas são eles mesmos temporais, pois são abertos, porosos, permeáveis, e incorporam, ao longo do processo de socialização e da carreira, experiências novas, conhecimentos adquiridos em pleno processo, um saber-fazer remodelado em função das mudanças da prática, de situações de trabalho. Compreender os saberes dos professores é compreender, portanto sua evolução e suas transformações e sedimentações sucessivas ao longo da história de vida e de uma carreira; história e carreira que remetem a várias camadas de socialização e de recomeços. (TARDIF; RAYMOND, 2000, p.237).

Interessada nos processos de construção e de mudança de saberes, inspirei-me em

Manrique e André (2006) recorrendo às idéias de relação com o saber de Charlot (2000;

2001).

Para Charlot (2000), a “idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de

relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-se do dogmatismo subjetivo), de relação

desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse

saber).”(p.61). O autor entende que só existe saber em uma certa relação com o saber, para

ele, a idéia de relação é essencial.

Essa incursão a Charlot (2000; 2001) conduziu-me a indagar sobre as possíveis

relações com o saber com as quais futuros professores e professores se envolvem ao

experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições e que os levam à mudança e

construção de saberes docentes. A perspectiva teórica de Charlot (2000; 2001) pode contribuir

para investigar se o método Estudo e Planejamento de Lições desencadeia indícios de

processos de construção e de mudança de saberes docentes, se esse método promove o

desenvolvimento profissional de professores e futuros professores.

“A relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com

os outros. É relação com o mundo como conjunto de significados, mas, também, como espaço

de atividades, e se inscreve no tempo.” (CHARLOT, 2000, p.78). A relação com o saber

______________ 6 Tardif e Raymond (2000) chamam de saberes profissionais os “ saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana, saberes esses que dela se originam, de uma maneira ou de outra, e que servem para resolver os problemas dos professores em exercício e para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias.”(p.211). Diferentemente do que Tardif, Lessard e Lahaye (1991) chamaram de saberes profissionais, ou seja, o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores e que compreendem as ciências da educação e pedagogia.

26

depende do tempo. A apropriação do mundo implica em uma atividade do sujeito, as

mudanças de concepções, a construção de saberes necessitam de tempo e estão sempre

inacabadas.

Charlot (2001) ressalta que a

[...] relação com o saber é constituída de um conjunto de relações, do conjunto de relações que um indivíduo mantém com o fato de aprender, com o saber, com tal ou tal saber ou “aprender”. Essas relações variam de acordo com o tipo de saber, com as circunstâncias (inclusive as institucionais), não apresentando uma perfeita estabilidade no tempo. Em outras palavras, um indivíduo está envolvido em uma pluralidade de relações com o(s) saber(es). ( p. 22).

É através das relações com o mundo, consigo mesmo e com os outros que o saber tem

sentido, que se constrói significado. As relações, o significado construído, a aprendizagem

dependem do momento, do contexto no qual o sujeito está inserido. Assim,

[...] qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão de identidade: aprender faz sentido por referência à história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros. (CHARLOT, 2000, p.72).

Para analisar os dados desta pesquisa, inspirei-me novamente em Manrique e André

(2006) buscando subsídios nas proposições formuladas por Charlot (2001) sobre a questão do

aprender e a relação com o saber:

• “Aprender é um movimento interior que não pode existir sem o exterior.”

(CHARLOT, 2001, p.26). Esta proposição destaca a responsabilidade do próprio

sujeito quanto a sua aprendizagem. A construção de saberes necessita de estímulos, de

condições externas, mas se não houver a mobilização do sujeito, a aprendizagem não

ocorre.

• “Aprender é uma construção de si que só é possível pela intervenção do outro.”

(CHARLOT, 2001, p.26). Esta proposição salienta a importância do outro na

aprendizagem de um sujeito, mas como a anterior não retira a responsabilidade do

sujeito na sua aprendizagem que só ocorre se o encontrar em construção.

27

• “Toda relação com o saber é também relação consigo.” (CHARLOT, 2001, p.27). O

autor esclarece que o sujeito que aprende está relacionado com o que aprende e com

ele mesmo.

• “Toda relação com o saber é também relação com o outro.” (CHARLOT, 2001,

p.27). Segundo Charlot (2001), o outro interfere na aprendizagem de três formas:

como mediador do processo, como imagem do outro que cada um traz dentro de si e

como humanidade nas obras produzidas pelo ser humano.

• “Toda relação com o saber é também relação com o mundo.” (CHARLOT, 2001,

p.27). A pessoa não se apropria do mundo passivamente, ela o interpreta, o constrói, o

transforma, mas em um contexto (em um momento, em uma sociedade, em uma

cultura), portanto ela se apropria de uma forma do mundo que lhe é oferecida.

Manrique e André (2006) comentando essa proposição colocam que “necessitamos

observar o sentido e o valor que essa pessoa atribui ao mundo, pois eles são

indissociáveis do sentido e do valor que ela atribui ao saber.” (p.143).

Nesta pesquisa, o conceito de saberes docentes é entendido como uma fusão dos

entendimentos de Tardif (2002), Ferreira (2003) e Charlot (2000; 2001), ou seja, de forma

ampla, engloba as concepções, os conhecimentos práticos e teóricos construídos pelo

professor ao longo da sua história de vida. Esses saberes só existem em certas relações com os

saberes: relação com o mundo, relação consigo mesmo e relação com os outros.

Considerando que o trabalho desenvolvido abordou o conteúdo matemático de

geometria, na próxima seção, apresento alguns referenciais teóricos relativos à construção de

saberes sobre geometria e aos processos necessários para a construção de conceitos

geométricos.

3.4 Construção de saberes sobre geometria

Pesquisas relacionadas com geometria e seu ensino-aprendizagem vêm se

fundamentando na Psicologia e também “é possível afirmar que os trabalhos vêm se pautando

pelo modelo de Van Hiele, pela Didática da Matemática Francesa e pelos construtos

28

epistemológicos relativos à visualização e representação.” (ANDRADE; NACARATO,

2004).

A fim de investigar se há aumento na compreensão da geometria e de seu ensino-

aprendizagem, por parte de professores e futuros professores, ao experimentarem o método

Estudo e Planejamento de Lições, busco um aporte teórico em Pais (1996; 2000), em

Nacarato (2000) e em Brasil (2001) que tratam de questões epistemológicas e pedagógicas do

conhecimento geométrico.

Pesquisas vêm apontando lacunas na formação inicial do professor no que diz respeito

ao ensino de geometria. (BELO HORIZONTE, 2006; NACARATO, 2000). Considerando a

ausência ou insuficiência da geometria nos currículos vivenciados pelos atuais futuros

professores e professores que ensinam Matemática, enquanto estudantes e enquanto

professores, o tema geometria foi escolhido para ser explorado ao se experimentar o método

Estudo e Planejamento de Lições. As dificuldades dos atuais futuros professores e professores

que ensinam Matemática com relação à geometria e aos modos de ensiná-la podem ser

entendidas tendo em vista o breve histórico, a seguir, sobre o currículo de geometria na escola

a partir da década de 60.

Nas décadas de 60 e 70, o ensino de geometria ficou comprometido por um

movimento que ficou conhecido como Matemática Moderna. Com esse movimento, o “ensino

passou a ter preocupações excessivas com abstrações internas à própria Matemática, mais

voltadas à teoria do que à prática.” (BRASIL, 2001, p.21). Segundo Nacarato (2000), tivemos

um período de “abandono do ensino de geometria”, principalmente nas décadas de 70 e 80.

Para a autora, na década de 80 houve a tentativa de recuperar o ensino de geometria e, na

década de 90, houve uma tendência de uma geometria mais intuitiva e experimental. Essa

tendência aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática que defendem que

os “conceitos geométricos constituem parte importante do currículo de Matemática no ensino

fundamental, porque, por meio deles, o aluno desenvolve um tipo especial de pensamento que

lhe permite compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que

vive.” (BRASIL, 2001, p.55). Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática propõem

o ensino de geometria através de visualização, percepção, reconhecimento, identificação,

exploração dos objetos do mundo físico. Atualmente, as propostas curriculares, os livros

didáticos recomendados pelo Programa Nacional do Livro Didático7 apresentam a

______________ 7 Para obter mais informações sobre o Programa Nacional do Livro Didático, entrar no site do Ministério da Educação: http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=370.

29

preocupação de incluir o ensino de geometria desde o início da escolarização e articulado com

outros campos da Matemática e com outras áreas do conhecimento.

A inclusão de geometria no currículo escolar parece ser um desafio para a maioria dos

professores e futuros professores tendo em vista a ausência ou insuficiência da formação

nessa área durante suas histórias de vida escolar e/ou profissional. E há indícios de que os

professores não ensinam o que não sabem. A pesquisa de Nacarato (2000) revela “uma prática

comum entre as professoras, principalmente de 1a a 4a série – que também parece fazer parte

das “tradições pedagógicas” – ou seja, só discutir com as crianças aquilo que é domínio da

professora, como forma de regular, controlar e conduzir a aula.” (p.229).

Segundo Nacarato (2000), pesquisadores

[...] vêm destacando a necessidade de um currículo escolar que privilegie um ambiente geométrico que possibilite aos alunos a manipulação dos objetos reais e representações em desenhos, desenvolvendo-lhes habilidades e processos inerentes ao conhecimento geométrico. Espera-se que, deste modo, sejam capazes de transpor o contexto da experimentação e intuição para o de abstração e manipulações mentais espaciais. (p.167).

Entretanto, para Nacarato (2000), aritmética, álgebra e geometria ainda são ensinadas

não articuladas e a maioria das escolas brasileiras, principalmente as públicas e de Ensino

Fundamental, ainda não vivenciam o “movimento de recuperação do ensino de geometria”.

Pais (1996) defende que o uso de objetos materiais, desenhos e de imagens mentais

são recursos didáticos fundamentais para o processo de construção dos conceitos geométricos

planos e espaciais. Para o autor, o trabalho com esses recursos é fundamental, principalmente

na construção de conceitos geométricos ao nível do Ensino Fundamental. No entanto, destaca

“os riscos de uma possível limitação do ensino a um nível puramente experimental, o que

negaria a essência do conhecimento geométrico.” (PAIS, 1996, p.66). De acordo com o autor,

os objetos materiais, também chamados de materiais didáticos ou modelos físicos,

geralmente, podem ser associados à maioria das noções geométricas trabalhadas no Ensino

Fundamental, mas o uso desses objetos materiais deve ser planejado e fundamentado

teoricamente para favorecer a construção de conceitos geométricos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática afirmam que é

30

[...] multiplicando suas experiências sobre os objetos do espaço em que vive que a criança aprenderá a construir uma rede de conhecimentos relativos à localização, à orientação, que lhe permitirá penetrar no domínio da representação dos objetos e, assim, distanciar-se do espaço sensorial ou físico. É o aspecto experimental que colocará em relação esses dois espaços: o sensível e o geométrico. De um lado, a experimentação permite agir, antecipar, ver, explicar o que se passa no espaço sensível, e, de outro, possibilita o trabalho sobre as representações dos objetos do espaço geométrico e, assim, desprender-se da manipulação dos objetos reais para raciocinar sobre representações mentais. (BRASIL, 2001, p. 126).

A representação dos conceitos geométricos através de desenhos é um dos recursos

didáticos mais utilizados no ensino-aprendizagem da geometria. (PAIS, 1996). Segundo o

autor, tanto o objeto material quanto o desenho são de natureza essencialmente concreta e

particular, diferentemente das características gerais e abstratas do conceito, o que constitui um

grande desafio posto à atividade didática.

O uso do desenho em geometria plana, que é normalmente identificado pelo aluno ao próprio conceito, é relativamente bem mais simples do que em geometria espacial que exige, quase sempre, o recurso da técnica da perspectiva. Este uso da perspectiva que serve para colocar em evidência a terceira dimensão do objeto representado, é uma das dificuldades maiores encontradas pelos alunos na aprendizagem dos conceitos espaciais. (PAIS, 1996, p. 68).

O desenho é uma forma de representação conceitual bem mais complexa do que a

representação por um objeto material. Isso é devido às dificuldades relacionadas com a

perspectiva e, também, é devido à falta de domínio de informações técnicas, de regras de

desenho.

Além dos objetos materiais e dos desenhos, outra forma de representação dos

conceitos geométricos são as imagens mentais, que constituem uma forma bastante ampla de

representação do conhecimento humano sendo, portanto, de grande interesse para a psicologia

cognitiva. Essas imagens são de uma natureza diferente daquelas do objeto e do desenho e,

segundo Pais (1996), apresentam duas características básicas: a subjetividade e a abstração.

Embora não seja fácil definir formalmente o que seja uma imagem mental, pode-se dizer que o indivíduo tem uma dessas imagens quando ele é capaz de enunciar, de uma forma descritiva, propriedades de um objeto ou de um desenho na ausência desses elementos. Assim, como as noções geométricas são idéias abstratas e, portanto, estranhas à sensibilidade exterior do homem, a formação de imagens mentais é uma conseqüência quase que exclusiva do trabalho com desenhos e objetos. (PAIS, 1996, p. 70).

31

As imagens mentais constituem uma forma de representação conceitual mais

sofisticada e complexa. Essas imagens estão mais próximas da abstração e mais distantes dos

conceitos devido a sua subjetividade. Cada pessoa apresenta várias imagens mentais

relacionadas a um determinado conceito. Porém, a concepção individual do aluno é necessária

para a construção da objetividade, para a construção do conceito. (PAIS, 1996).

Os conceitos geométricos apresentam uma natureza abstrata e geral. Esses conceitos

são construídos, em um estágio inicial, através da constante relação de comparação entre o

mundo físico e o mundo das idéias. No processo de construção de conceitos geométricos, o

aluno constrói suas primeiras noções espaciais explorando o espaço perceptivo através dos

sentidos. A exploração do espaço perceptivo favorece a construção do espaço representativo.

Os alunos utilizam, inicialmente, os recursos que lhe são mais próximos e disponíveis - as

representações por objetos e desenhos – e posteriormente as imagens mentais. (PAIS, 1996;

BRASIL, 2001).

Pais (1996) destaca que

[...] a representação de um conceito somente faz sentido pleno se o mesmo já estiver um certo nível de formalização. Desta forma, perante as dificuldades impostas pela abstração ocorre, num nível preliminar da aprendizagem, uma identificação, por parte do aluno, entre o conceito e sua representação. (p. 71).

Mas um conceito geométrico pode ser representado por diversos objetos materiais,

desenhos, porém essas representações não caracterizam o conceito. No entanto, Pais (2000)

afirma que, na prática, no que diz respeito aos conceitos geométricos mais elementares, há a

predominância da representação através de desenhos particulares, em posições particulares,

estereotipados o que leva à noção de “configuração geométrica”. O autor entende por

configuração geométrica “um desenho com as seguintes características: ilustra um conceito ou

uma propriedade, possui fortes condicionantes de equilíbrio e trata-se de um desenho

encontrado com relativa freqüência no contexto do ensino e da aprendizagem escolar.” Pais

(2000) apresenta três exemplos marcantes de configuração geométrica:

• “desenho usual do retângulo” que, geralmente, aparece representado com os seus

lados paralelos às bordas da página do desenho, com a base na posição horizontal e

maior do que a altura e por uma figura não quadrada;

32

• “desenho usual do quadrado” que, normalmente, também é representado com os

seus lados paralelos às bordas da página do desenho;

• “desenho usual do triângulo isósceles não eqüilátero” que, geralmente, possui um

de seus lados, a base, na posição horizontal cujo comprimento é menor do que a

altura relativa a esta base horizontal.

É possível perceber, nos livros didáticos, vários outros exemplos marcantes de

configuração geométrica. Nacarato (2000) aponta a dificuldade de professoras dos primeiros

anos do Ensino Fundamental, protagonistas de sua pesquisa de doutorado, de identificar uma

moeda como sendo um cilindro. Essa dificuldade pode ser devida à configuração geométrica

do cilindro, que normalmente é representado com uma altura significativa.

As configurações geométricas podem constituir um grande obstáculo para a

construção de conceitos geométricos. (PAIS, 2000; NACARATO, 2000).

Ferdinand Gonseth citado por Pais (1996), destaca três aspectos epistemológicos

fundamentais do conhecimento geométrico: o intuitivo, o experimental e o teórico. Esses

aspectos estão correlacionados com as três dimensões cognitivas do conhecimento

geométrico, ou seja, com o objeto material, o desenho e a imagem mental. Para Pais (1996), a

intuição está relacionada às imagens mentais que a pessoa possui e ambas apresentam a

propriedade de serem essencialmente subjetivas. O conhecimento experimental pode ser

construído através da exploração das representações por meio dos objetos materiais e dos

desenhos. Para Andrade e Nacarato (2004), “o objetivo do ensino da geometria é chegar ao

seu aspecto teórico, entendido como conceito geométrico. Mas, nesse processo, a intuição e a

experimentação desempenham papéis fundamentais.” Essa idéia é destacada também por Pais

(1996) que afirma que o

[...] objeto e o desenho são simplesmente recursos materiais auxiliares à construção de um conhecimento de natureza experimental e, por si mesmos, não caracterizam as noções geométricas. Mas, na construção do conhecimento teórico da geometria, que é constituído essencialmente pelos conceitos, faz-se necessário o recurso simultâneo tanto das bases intuitivas como da atividade experimental. (p. 73).

Quanto ao ensino da geometria, os livros didáticos mais recentes, as tendências

didático-pedagógicas, pesquisas atuais e propostas curriculares revelam um certo consenso,

em relação à necessidade de se apoiar em desenhos e modelos físicos.

33

Apoiando-me em Pais (1996; 2000), parto do princípio de que a construção dos

conceitos geométricos é um processo que envolve objetos materiais, desenhos, e imagens

mentais no qual o recurso simultâneo das bases intuitivas e da atividade experimental é

necessário. Os teóricos destacados para discutir a construção dos saberes em geometria

fundamentam a análise dos dados desta pesquisa que visa investigar se há crescimento na

compreensão de Matemática, especificamente crescimento na compreensão de geometria e de

suas estratégias de ensino, por parte de professores e futuros professores ao participarem do

Estudo e Planejamento de Lições.

34

4 DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Este capítulo tem por objetivo estabelecer a perspectiva de desenvolvimento

profissional adotada nesta pesquisa e apresentar a ferramenta escolhida, o método Estudo e

Planejamento de Lições, para promover o desenvolvimento profissional de professores e

futuros professores que ensinam Matemática.

4.1 Desenvolvimento profissional

Para Ponte (1995), o desenvolvimento profissional do professor é um conceito relativamente recente. Envolve a formação inicial e continuada, mas considera também a história de vida dos professores. (FERREIRA, 2003).

Segundo Ponte (1995) a noção de desenvolvimento profissional é próxima da noção de formação, porém não é equivalente. Ponte (1998) destaca diferenças entre as lógicas da formação e do desenvolvimento profissional:

• “a formação está muito associada à ideia de “frequentar” cursos, enquanto que o desenvolvimento profissional ocorre através de múltiplas formas, que incluem cursos mas também actividades como projectos, trocas de experiências, leituras, reflexões, etc.” (PONTE, 1998);

• ao contrário da formação, no desenvolvimento profissional temos um movimento de dentro para fora, tendo o professor um papel fundamental no seu crescimento profissional;

• a formação volta-se para as carências do professor enquanto o desenvolvimento profissional volta-se para suas potencialidades;

• a formação, geralmente, é predominantemente teórica, compartimentada por disciplinas, o desenvolvimento profissional considera a teoria e a prática de uma forma interligada .

Então,

Falar em termos de desenvolvimento profissional não é portanto equivalente a falar em termos de formação. A introdução deste conceito representa uma nova

35

perspectiva de olhar os professores. Ao se valorizar o seu desenvolvimento profissional, eles deixam de ser vistos como meros receptáculos de formação passando, pelo contrário, a ser tidos como profissionais autónomos e responsáveis com múltiplas facetas e potencialidades próprias. (PONTE, 1995).

Mas a formação é importante para o desenvolvimento profissional. Imbernón (2005)

entende que a formação é importante para o desenvolvimento profissional, mas não é a única

forma e, provavelmente, não seja a decisiva. Esse fato já é destacado por Ponte (1998) que

afirma que a formação “formal”, tanto inicial quanto continuada, é essencial para o

desenvolvimento profissional.

O desenvolvimento profissional é uma perspectiva em que se reconhece a necessidade

de crescimento e de aquisições diversas, processo em que se atribui ao próprio professor o

principal papel de sujeito de sua aprendizagem e que coloca a questão dos saberes docentes

em destaque.

De acordo com Ponte (1994), o professor desenvolve o seu trabalho num ambiente cada

vez mais difícil e desafiador, em constantes mudanças. A educação está passando por um

processo de (re)significação de conteúdos e de valores. Estamos vivendo em uma sociedade

em constantes mudanças nas relações entre os homens, nas relações de trabalho, na formas de

pensar. Essas mudanças trazem uma ampla crise de paradigmas, indicando a necessidade de

uma nova compreensão da realidade, de uma nova cultura profissional. “Assim será

necessário formar o professor na mudança e para a mudança.” (IMBERNÓN, 2005, p.33).

Para Ponte (1994), um ambiente em constantes mudanças exige que o professor exerça

várias atividades e papéis. E para o autor:

Tudo isto requer a mobilização de um saber e pressupõe a adopção de um quadro de valores profissionais que, muitas vezes, nem sequer são reconhecidos como importantes pelos próprios professores. A valorização do professor como profissional passa assim pelo estudo do conhecimento que informa a sua acção prática e da forma como este conhecimento se desenvolve ao longo da sua carreira, estudo que é necessário fazer tendo em conta a disciplina que ele ensina e as condições concretas em que é chamado a intervir nas escolas de hoje.

O desenvolvimento profissional permanente é uma necessidade diante dos desafios

colocados aos professores. Assim, as escolas precisam de auxílio para criar estratégias que

favoreçam o desenvolvimento profissional e que possibilitem aos professores de participar de

comunidades profissionais permanentes que atendam as demandas da profissão docente.

(SILVER, 2006). Estratégias que favoreçam o repensar da cultura profissional dos

36

professores, muito marcada pelo individualismo (PONTE, 1995) e pelo isolamento

(FULLAN; HARGREAVES, 1996).

O isolamento profissional dos professores constitui um obstáculo às novas idéias, às novas

propostas de inovação no ensino. Pode parecer que é um tipo de personalidade reforçada pela

competitividade, por uma tendência a monopolizar recursos. Mas quando ela é generalizada,

pode ser criada pela circunstância, pela cultura da escola. (FULLAN; HARGREAVES, 1996).

Nacarato (2005) afirma que, atualmente, não há mais espaço para o individualismo, uma

vez que as pesquisas apontam as potencialidades do trabalho coletivo para propiciar a

mudança de cultura escolar, o desenvolvimento profissional.

É importante ressaltar que o professor tem um papel fundamental no seu

desenvolvimento profissional, mas é essencial criar condições institucionais e recursos

adequados para que esse desenvolvimento ocorra. (PONTE, 1994). Essa idéia de Ponte

(1994) parece ser partilhada por Ferreira (2003) que acredita

[...] que os professores trazem consigo o potencial de mudança e, ao aliar seus saberes e práticas ao estudo, aprendizagem e reflexão conjunta sobre temas trazidos por eles, mas fundamentados pela produção realizada em diversas instâncias (escola, universidade, governo, etc), torna-se possível desenvolver uma nova cultura escolar de investigação e construção coletiva. Contudo é importante ressaltar que embora esse processo possa, visto de fora (e usualmente também pelos próprios professores), parecer um crescimento uniforme e contínuo, na realidade, o ritmo do crescimento varia para cada professor. Esse é um processo que depende do tempo, das experiências vividas, das oportunidades, do apoio de outros, da forma pessoal de reagir e lidar com obstáculos, dentre outras variáveis. (p.36).

Ferreira (2003) coloca que o desenvolvimento profissional é influenciado por

concepções desenvolvidas, por experiências vividas pelo professor durante sua história de

vida. De acordo com a autora, a mudança é um elemento fundamental no processo de

desenvolvimento profissional. E “a mudança depende do desejo e da atividade do professor

associados a condições favoráveis (apoio, suporte intelectual, espaço e tempo).” (FERREIRA,

2003, p. 36).

Segundo Oliveira e Ponte (1997), há vários fatores que influenciam o

desenvolvimento profissional. Existem fatores internos e externos ao professor. Os autores

colocam que muitas investigações sobre o desenvolvimento profissional têm dado pouca

atenção a esses fatores, o que eles consideram que não contribui para o aprofundamento do

conhecimento já produzido sobre desenvolvimento profissional.

37

Ponte (1998) destaca algumas idéias fundamentais sobre o desenvolvimento

profissional de professores e no sentido de sua promoção:

• o desenvolvimento profissional de professores necessita acontecer ao longo de

toda a sua carreira;

• a formação “formal” é fundamental para o desenvolvimento profissional;

• contextos coletivos/colaborativos favorecem o desenvolvimento profissional;

• o professor é responsável pelo seu desenvolvimento profissional;

• o trabalho investigativo sobre questões que dizem respeito à prática

profissional docente é essencial para o desenvolvimento profissional;

• as instituições de formação, as escolas precisam se adequar às condições, às

necessidades dos professores para fornecer oportunidades de desenvolvimento

profissional.

Nacarato (2005) aponta que as pesquisas revelam as potencialidades da escola e do

trabalho coletivo para promover o desenvolvimento profissional de professores, pois

propiciam aos professores formação permanente, troca de experiências, busca de soluções

para as dificuldades da prática docente. Mas, a autora salienta que o trabalho coletivo na

escola está sujeito às tensões, aos conflitos do contexto que é permeado de relações, de

interesses que podem comprometer suas potencialidades.

Os estudos teóricos apontam que o conceito de desenvolvimento profissional é

complexo. Nesta pesquisa, aproprio-me desse conceito na forma explicitada por Ferreira

(2003):

Desenvolver-se profissionalmente poderia ser entendido como aprender e caminhar para a mudança, ou seja, ampliar, aprofundar e/ou reconstruir os próprios saberes e prática e desenvolver formas de pensar e agir coerentes. Dessa forma, os conceitos de aprendizagem, mudança e desenvolvimento profissional se encontram entrelaçados. (p.36).

Adoto a perspectiva de que o desenvolvimento profissional é um processo que se dá ao

longo da carreira e está sempre inacabado. (FERREIRA, 2003). Além disso, tenho como

premissa a idéia de Ponte (1998) e de Imbernón (2005) de que a formação formal é

importante para o desenvolvimento profissional.

38

4.2 Estudo e Planejamento de Lições como ferramenta para o desenvolvimento

profissional

Estudo e Planejamento de Lições é um método de desenvolvimento profissional

utilizado nos Estados Unidos adaptado de Estudo de Lições Japonesas.

O método Estudo de Lições, no Japão, é apresentado por Shimizu:

A seguinte seqüência de cinco atividades tem sido descrita como o estudo de lição japonês: revisar a lição prévia; apresentar os problemas para o dia; estudantes trabalhando individualmente ou em grupos; discutir os métodos de resolução; e, destacar e resumir os pontos principais. [...] O estudo tem mostrado que, para uma dimensão significante, as lições Japonesas podem ser caracterizadas como “resolução de problema estruturado” no sentido de que o professor tipicamente pretende que o estudante trabalhe no problema e discuta os métodos de resolução, para que ele possa destacar e resumir os pontos principais de cada lição. (SHIMIZU, 2003, tradução nossa)8.

Há variações nesse padrão de Estudo de Lições, nas atividades, na seqüência das

atividades para ensinar um tópico, dependendo das intenções do professor, da unidade de

ensino. (SHIMIZU, 2003).

É natural considerar uma lição como um elemento da prática de ensino e aprendizagem.

Mas uma única lição não é suficiente para ensinar um tópico específico de Matemática. O

trabalho do professor no Estudo de Lições é entrelaçar várias lições, que se estendem por

vários dias, ao longo do ensino de um determinado conteúdo. (SHIMIZU, 2003).

Segundo Fernandez (2002), o Estudo de Lições, no Japão, é um processo em que os

professores trabalham em grupos e colaboram para: planejar e discutir lições, observar e

aplicar lições em sala de aula, refinar as lições. Para a autora, o Estudo de Lições é uma

investigação sistemática da prática de ensino.

O tempo gasto em cada Estudo de Lições varia, mas os professores normalmente

trabalham em uma lição durante três a seis semanas. Para Fernandez (2002), o processo de

Estudo de Lições, no Japão, geralmente apresenta as seguintes fases:

• Estabelecimento do tópico a ser estudado /pesquisado;

______________ 8 The following sequence of five activities has been described as the Japanese pattern: reviewing the previous lesson; presenting the problems for the day; students working individually or in groups; discussing solution methods; and, highlighting and summarizing the main point. […] The study has shown that, to a significant extent, Japanese Lessons can be characterized as “ structured problem solving” in the sense that the teacher typically intends to have the students work on problem and discuss solution methods, and then to highlight and summarize the main points in each lesson.

39

• Planejamento da lição;

• Ensino e observação da lição;

• Reflexão e avaliação;

• Revisão da lição;

• Ensino, observação e avaliação da lição revisada;

• Compartilhamento de resultados.

O Estudo de Lições é um processo de aprendizagem através da investigação e discussão

sobre o ensino na sala de aula.

Segundo Silver (2006) o “estudo de lições propicia oportunidades para os professores

trabalharem colaborativamente para planejar, implementar, analisar a implementação e revisar

lições que eles mesmos devem proferir ou cuja apresentação eles vão observar.” (p.143). O

autor afirma que quase não há evidências empíricas sobre o impacto dessa abordagem para

promover o desenvolvimento profissional de professores.

O Estudo de Lições Japonês foi modificado e adotado nos Estados Unidos. O termo

“estudo modificado de lições” foi adotado nos Estados Unidos para assinalar que eles

reconhecem que esse processo é diferente do Estudo de Lições realizado no Japão que “tem

sido amplamente retratado como uma ferramenta promissora para o desenvolvimento

profissional de professores de Matemática nos Estados Unidos e outros países.” (SILVER,

2006, p. 144). E ainda, segundo Silver (2006), eles acreditam ser apropriado considerá-lo uma

forma modificada do Estudo de Lições, pois ele possui muitas similaridades com o processo

realizado no Japão, tais como estabelecimento coletivo de metas, planejamento colaborativo e

reflexão sobre as lições.

O “estudo modificado de lições” é uma abordagem adotada no Centro para Proficiência

no Ensino de Matemática9. Nesse Centro, a experiência de adotar o “estudo modificado de

lições” se deu através do Projeto BI-FOCAL (Beyond Implementation: Focusing On

Challenge And Learning10) que objetivava ampliar o conhecimento dos professores sobre

Matemática, cognição humana e estratégias de ensino. No Projeto BI-FOCAL, o “estudo

______________ 9 No Centro para Proficiência no Ensino de Matemática trabalham pesquisadores de Matemática e Educação Matemática da Universidade da Geórgia e da Universidade de Michigan cujo foco de trabalho é o aperfeiçoamento da formação de professores de Matemática. (SILVER, 2006). 10 Para além da implementação: Focando em Desafios e Aprendizagem.

40

modificado de lições” é acompanhado da “análise e discussão de casos”11 e ambos visam

promover o desenvolvimento profissional de professores. (SILVER, 2006).

Segundo Silver (2006) o “estudo modificado de lições” e a “análise e discussão de

casos” “não competem entre si, mas operam harmoniosamente em conjunto. Entendemos que

essas duas abordagens têm pontos fortes e fracos e que, misturando proposital e

cuidadosamente as duas, pode-se compensar as limitações de uma com pontos fortes da

outra.” (p.144).

O “estudo modificado de lições”, adotado no Centro para Proficiência no Ensino de

Matemática para promover o desenvolvimento profissional de professores, é utilizado para

formar professores e futuros professores, alunos de mestrado e doutorado.

Em relação ao trabalho que é realizado no Centro para Proficiência no Ensino de

Matemática, Silver (2006) acredita que o que pode ser levado para outros países como direção

promissora para a formação de professores é “o foco no exercício da profissão como espaço

de aprendizagem dos professores.” (p. 147).

Cavey e Berenson (2003) denominam o método de desenvolvimento profissional,

adaptado do Estudo de Lição Japonês, adotado nos Estados Unidos, de Lesson Plan Study.

Como já foi colocado no capítulo 2, Estudo e Planejamento de Lições é um método de

desenvolvimento profissional que consiste num ciclo de atividades designadas para engajar

futuros professores na ampliação e aprofundamento na sua compreensão da Matemática e das

estratégias de ensino. Segundo essas autoras, atualmente, os formadores de professores têm

um grande desafio de contribuir para que os futuros professores repensem suas crenças sobre

a Matemática e seu ensino e de prepará-los para ensinar de maneira diferente da qual eles

foram ensinados. E ainda, as autoras colocam que os formadores de professores têm um

desafio mais imediato que é o de ampliar o conhecimento dos futuros professores sobre

conceitos fundamentais da Matemática escolar, pois muitos professores têm uma

compreensão bastante reduzida da mesma.

As autoras esclarecem que:

O Estudo e Planejamento de Lições “é adaptado do método de desenvolvimento profissional Estudo de Lição Japonês, e é destinado a prover oportunidades para futuros professores de Matemática pensarem sobre como eles devem ensinar um

______________ 11 “Casos de ensino (em depoimentos escritos ou gravados em vídeo) oferecem oportunidades para os professores analisarem e discutirem episódios e materiais didáticos autênticos, embora geralmente não os seus próprios.” (SILVER, 2006, p.143).

41

tópico específico e conversar com colegas e pesquisadores sobre essas idéias. (CAVEY; BERENSON, 2003, p.177, tradução nossa12).

Em uma investigação cujos participantes foram futuros professores de Matemática,

que faz parte de uma investigação mais ampla que visa compreender como futuros

professores aprendem e ensinam Matemática dentro do contexto de Estudo e Planejamento de

Lições, Cavey e Berenson (2003) apresentam o que elas chamam de “atividades para um

ciclo de Estudo e Planejamento de Lições”, ou seja, as fases do Estudo e Planejamento de

Lições de um tópico de Matemática e que consistem em:

• planejamento inicial (composto de entrevista individual preliminar,

planejamento individual de lição, entrevista individual pós-planejamento),

• planejamento em grupo (composto de planejamento em grupo de lição,

entrevista em grupo pós-planejamento),

• apresentação dos grupos de professores,

• planejamento final (planejamento individual e por escrito da lição).

Na fase de planejamento inicial, há uma entrevista preliminar individual na qual o

objetivo é saber o que o futuro professor lembra sobre o tópico de Matemática escolhido.

Após a entrevista preliminar, há o planejamento individual da lição onde o professor tem

acesso a materiais didáticos, pedagógicos (disponibilizados pelos pesquisadores) para auxiliá-

lo no planejamento da lição. Em seguida, há a entrevista pós-planejamento que propõe que o

professor descreva e explique a lição planejada por ele.

Na fase de planejamento em grupo, após todos os membros do grupo terem terminado

a fase de planejamento inicial e tendo ainda disponíveis os materiais utilizados na primeira

fase, o grupo é entrevistado sobre as idéias que surgiram, o que eles aprenderam com o

planejamento em grupo e o que pretendem fazer na apresentação e no planejamento individual

final.

Exceto a fase de planejamento final cujo tempo de duração é flexível, todas as demais

foram colocadas por Cavey e Berenson (2003) com suas respectivas durações em minutos

(planejamento inicial: 90 min, planejamento em grupo: 90min, apresentação: 20 min).

A “Matemática, a aprendizagem da Matemática, e estratégias de ensino são três

‘compreensões’ a que os professores provavelmente vão acessar quando engajados em

______________ 12 LPS is adapted from the Japanese Lesson Study method of professional development, and is designed to provide opportunities for prospective mathematics teachers to think about how they might teach a specific topic and to converse with peers and researchers about those ideas.

42

atividade de ensino de Matemática como o Estudo e Planejamento de Lições.” (CAVEY;

BERENSON, 2003, p.175, tradução nossa)13.

A investigação feita por Cavey e Berenson (2003) teve a duração de cinco semanas,

foi sobre um mesmo tópico de Matemática (trigonometria) e permitiu que elas estabelecessem

três conjecturas para futuras discussões entre pesquisadores em Educação Matemática:

Conjectura 1: oportunidades para partilhar concepções sobre o que e como ensinar são fundamentais para que futuros professores se desenvolvam no ensino de Matemática com compreensão .[...] Conjectura 2: recuperação de informações, lembranças sobre um tópico (o que aprendeu ou memorizou, como aprendeu) que eram acessadas para resolver um problema são fundamentais para iniciar o crescimento em compreensão da Matemática escolar de futuros professores.[...] Conjectura 3: contextos de ensino fornecem oportunidades ideais para o crescimento em compreensão da Matemática escolar de futuros professores. Além do mais, situar o crescimento na compreensão da Matemática escolar dentro de contextos de ensino conduz ao crescimento na compreensão de futuros professores das estratégias de ensino. (p.188, tradução nossa)14.

Os resultados da investigação de Cavey e Berenson (2003) apontam que o Estudo e

Planejamento de Lições em contexto de ensino fornecem oportunidades para desafiar e

ampliar o conhecimento de Matemática e de estratégias de ensino de futuros professores.

A escolha do Estudo e Planejamento de Lições como método para promover o

desenvolvimento profissional de professores é devido ao fato da literatura apontar esse

método como potencialmente promissor para o desenvolvimento profissional de professores

que ensinam Matemática, mas que precisa ser explorado. Com o Estudo e Planejamento de

Lições espero que os professores aprendam a Matemática a ser ensinada e façam da própria

experiência profissional, das trocas e reflexões com os pares recursos para que eles

aperfeiçoem sua própria prática, para seu desenvolvimento profissional permanente.

Há muitas maneiras diferentes de aplicar o Estudo e Planejamento de Lições para

promover o desenvolvimento profissional de professores. (SILVER, 2006). Nesta pesquisa,

apropriei-me do método Estudo e Planejamento de Lições, adotado nos Estados Unidos por

Cavey e Berenson (2003), como uma ferramenta de desenvolvimento profissional.

______________ 13 Mathematics, mathematical learning, and teaching strategies are three ‘understandings’ that teachers are likely to access when engaged in mathematical teaching tasks such as LPS. 14 Conjecture 1:opportunities for image sharing about what and how to teach are critical to prospective teacher’ growth in teaching mathematics understanding. […] Conjecture 2: collecting is critical for beginning prospective teacher’ growth in understanding school mathematics. […]Conjecture 3: teaching contexts provide ideal opportunities for growth in prospective teacher’ understanding of school mathematics. Furthermore, situating growth in understanding school mathematics within teaching contexts leads to growth in prospective teachers’ understanding of teaching strategies.

43

Adotei o termo Estudo e Planejamento de Lições para o método aplicado nesta

pesquisa com as suas devidas adaptações. Associado ao Estudo e Planejamento de Lições,

adotei o caminho de incentivar os professores e futuros professores a selecionar, explorar e

analisar criticamente materiais pedagógicos inovadores ao invés de disponibilizar as minhas

escolhas para eles. Pois, um “caminho potencialmente promissor a ser explorado é a

aprendizagem profissional que é realizada em associação a materiais pedagógicos

inovadores.” (SILVER, 2006, p.148). Procurei, também, fazer do momento coletivo da

apresentação das lições, da discussão e reflexão sobre as mesmas, um momento para explorar:

os saberes da experiência, os saberes adquiridos com a exploração dos materiais pedagógicos

escolhidos pelos professores e futuros professores e a importância de compartilhar esses

saberes com colegas professores para haver um aprendizado mútuo; o estudo, planejamento

das lições e a reflexão coletiva sobre elas como uma possibilidade de desenvolvimento

profissional permanente onde os próprios professores são sujeitos ativos de seu

desenvolvimento profissional.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, tinha por objetivo fazer uma adequação ao

método Estudo e Planejamento de Lições, utilizado nos Estados Unidos, a um micro espaço

brasileiro, com as devidas adaptações ao nosso contexto educacional. Procurei seguir as

direções promissoras apontadas pelo referencial teórico adotado nesta pesquisa. Dessa forma,

foi construída a proposta15 de Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições

utilizada nesta pesquisa como promissora para o desenvolvimento profissional de professores

e futuros professores:

• Planejamento inicial composto de entrevista/questionário individual preliminar

para levantar as demandas sobre a aprendizagem de um tópico específico de

Matemática e as disponibilidades de professores em exercício ou futuros

professores para participarem do Estudo e Planejamento de Lições.

• Seleção e exploração de materiais pedagógicos, didáticos escolhidos pelos

professores ou futuros professores e leituras propostas pela pesquisadora (ou

agente externo) ou sugeridas pelos participantes.

• Planejamento individual da lição sobre o tópico de Matemática escolhido em

comum.

• Planejamento em grupo da lição.

______________ 15 Mais detalhes no APÊNDICE A.

44

• Apresentação das lições pelos grupos de professores ou futuros professores,

discussão e reflexão sobre as lições.

• (Re)elaboração em grupo e por escrito da lição após as intervenções,

contribuições, sugestões dos outros grupos.

• Aplicação da lição em sala de aula.

• Compartilhamento da experiência em sala de aula.

45

5 METODOLOGIA DE PESQUISA

Neste capítulo descrevo a metodologia e os procedimentos metodológicos desta

pesquisa. Na primeira seção, procuro justificar a escolha da metodologia qualitativa. Na

segunda seção, apresento o contexto da pesquisa, caracterizando o local onde os dados foram

coletados e os participantes. Na terceira seção, descrevo os procedimentos e instrumentos de

coleta de dados e, por fim, na quarta seção, a maneira como os dados foram tratados e

analisados.

5.1 Metodologia Qualitativa

Segundo Alves-Mazzotti (1998) “não há metodologias “boas” ou “más” em si, e sim

metodologias adequadas ou inadequadas para tratar um determinado problema.” (p.160).

Como o meu interesse nesta pesquisa volta-se para as potencialidades do método de

desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de Lições tomando a escola e o ensino

como contextos de pesquisa, a opção pela metodologia qualitativa parece-me adequada. Pois,

para essa autora, a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas

envolvem uma abordagem interpretativa do assunto pesquisado. E a pesquisa aqui proposta

envolve professores e futuros professores, pessoas que agem em função de suas crenças,

valores cujo comportamento tem sempre um significado que necessita ser interpretado.

De acordo com Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa possui cinco

características que não necessariamente precisam ser todas satisfeitas para que uma pesquisa

seja assim classificada. A pesquisa aqui relatada possui quatro dessas características: os dados

foram obtidos através da inserção direta da pesquisadora no ambiente natural da pesquisa (há

uma preocupação com o contexto); a utilização de descrições; o interesse pelo processo mais

do que simplesmente pelos resultados; preocupação com a obtenção do significado pelas

perspectivas dos participantes da pesquisa. Portanto, acredito que essas características

fundamentam a escolha metodológica.

Nesta pesquisa, utilizo uma metodologia qualitativa baseada em estudos de caso.

46

Um estudo de caso visa conhecer uma entidade bem definida como uma pessoa, uma instituição, um curso, uma disciplina, um sistema educativo, uma política ou qualquer outra unidade social. O seu objetivo é compreender em profundidade o “como” e os “porquês” dessa entidade, evidenciando a sua identidade e características próprias, nomeadamente nos aspectos que interessam ao pesquisador. É uma investigação que se assume como particularística, isto é, que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenômeno de interesse. (PONTE, 2006, p.107).

Os casos estudados nesta pesquisa envolvem futuros professores e professores que

ensinam Matemática em contextos de escola e de ensino e que experimentaram o método

Estudo e Planejamento de Lições.

5.2 O Contexto e os Participantes da Pesquisa

A partir da minha prática profissional surgiu uma problematização, que acompanhada

de estudos teóricos, levou-me a acreditar na pertinência de investigar as potencialidades do

método de desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de Lições, em dois

contextos: de escola e de ensino.

Descrevo, a seguir, os dois contextos e os participantes desta pesquisa bem como

algumas escolhas feitas. Todos os participantes desta pesquisa foram voluntários. Como o

primeiro contexto no qual coletei os dados foi o de escola começo a descrição por ele.

5.2.1 Participantes e contexto de escola

A problematização inicial que gerou esta pesquisa surgiu no contexto da educação

pública de Belo Horizonte. Como professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte

tive oportunidade de conhecer a realidade de algumas escolas e acreditei na possibilidade de

realizar a pesquisa em uma delas.

Em fevereiro de 2007 houve a definição da escola e dos possíveis professores que

participariam da pesquisa. A escolha da escola levou em conta a abertura que me foi dada

para realizar a pesquisa, a preocupação da direção da mesma em favorecer oportunidades de

47

desenvolvimento profissional a seus professores e a possibilidade dos professores me

acolherem enquanto pesquisadora.

Essa escola oferece o Ensino Fundamental Regular nos turnos da manhã, da tarde e no

noturno. A escola foi fundada em 1986. Está localizada em uma área residencial de classe

média, mas há nas proximidades aglomerações com população carente. Possui 19 salas de

aula. As classes de 1o ciclo têm 25 alunos, as de 2o ciclo 30 alunos e as de 3o ciclo 35 alunos.

A escola é bem estruturada, possui cantina e banheiros reformados, duas quadras (uma

coberta e uma descoberta), uma sala de arte, um laboratório de ciências, um auditório, um

laboratório de informática com 16 computadores e uma sala de professores com impressora e

3 computadores (todos os computadores com conexão em banda larga à internet) e um

parquinho para as crianças dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Os professores e

alunos têm disponíveis instrumentos de comunicação escrita - jornais e revistas - na biblioteca

da escola e têm possibilidade de contato com as tecnologias da informação e comunicação no

laboratório de informática.

O trabalho de campo para a realização desta pesquisa foi desenvolvido, inicialmente,

com onze professores que ensinam Matemática no Ensino Fundamental Regular do turno da

manhã. O critério para a seleção dos professores participantes da pesquisa é que eles

lecionassem Matemática na escola no turno da manhã. Nesse turno há 14 salas de 1o e 2o

ciclos e 5 salas de 3o ciclo. Contatei com nove professoras16 que ensinam Matemática no 1o e

2o ciclos - que são graduadas em Pedagogia ou Normal Superior - e dois professores com o

curso de graduação Licenciatura em Matemática que lecionam no 3o ciclo a fim de verificar a

disponibilidade dos mesmos para participação na pesquisa. Alegando motivos particulares,

duas professoras que ensinam Matemática no 1o e 2o ciclos e os dois professores do 3o ciclo

não quiseram participar.

Nessa escola, o tipo de organização entre as professoras do 1o e 2o ciclos é em trios -

três professoras para cada duas turmas (professora que ensina língua portuguesa, professora

que ensina Matemática, professora que ensina arte, ciências e estudos sociais) - que permite

que uma professora trabalhe por muitos anos com a disciplina de Matemática.

As sete professoras que se dispuseram a participar da pesquisa possuem mais de 10

anos de experiência docente. Elas são professoras efetivas no turno da manhã da escola, com

um cargo de 22 horas e 30 minutos, divididas em 16 horas de trabalho em sala de aula e 4

horas de projeto – horário destinado para o professor planejar aulas, projetos, atender

______________ 16 Todas são do sexo feminino. A docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte é uma função, predominantemente, do sexo feminino.

48

eventuais necessidades da escola como substituir professor ausente, atender pais de alunos,

etc – e as horas restantes correspondem ao horário de recreio. Geralmente, esse horário de

projeto é dividido em uma hora por dia em quatro dias da semana. Normalmente, há

dificuldades em montar o horário dos professores de modo a permitir que professores que

trabalham com as mesmas disciplinas e/ou turmas possam se encontrar para realizar reuniões

pedagógicas, trabalharem coletivamente.

Das sete professoras que se dispuseram a participar da pesquisa, quatro trabalhavam

em dois turnos como professoras, duas trabalhavam em dois turnos como diretora e vice-

diretora da escola e apenas uma estava trabalhando em apenas um turno.

5.2.2 Participantes e contexto de ensino

A problematização inicial que gerou esta pesquisa surgiu no contexto de formação

continuada de professores da educação básica pública de Belo Horizonte. Entretanto, no

desenvolvimento desta pesquisa, já empregando o método Estudo e Planejamento de Lições

no contexto de escola e aprofundando os estudos teóricos sobre o tema desta pesquisa,

surgiram indagações sobre as potencialidades de uso desse método em contexto de ensino.

Percebi que esta pesquisa poderia ser enriquecida se a investigação se ampliasse para as

possibilidades e limites do método Estudo e Planejamento de Lições para o desenvolvimento

profissional de professores e futuros professores nesses dois contextos.

Trabalhando no Ensino Superior de uma universidade particular de Belo Horizonte, no

segundo semestre de 2007, tive a oportunidade de lecionar a disciplina Metodologia e

Conteúdos Básicos de Matemática I para uma turma de 45 alunas de um curso de Pedagogia.

Essa disciplina tem carga horária de 60 horas e é uma disciplina do 5o período do curso de

Pedagogia. As aulas eram geminadas de 100 minutos e em dois dias consecutivos da semana.

Assim, pude desenvolver a pesquisa em um contexto de ensino de possíveis futuras

professoras que ensinam Matemática. Obtive o consentimento da coordenadora do curso de

Pedagogia e das 45 alunas para coletar dados sobre as potencialidades do Estudo e

Planejamento de Lições para o desenvolvimento profissional de futuras professoras.

Essa turma era composta de alunas de idades variadas. Muitas delas eram casadas e

tinham uma jornada tripla de trabalho (estudavam, trabalhavam e eram donas de casa). Das 45

alunas, 29 lecionavam, 3 já haviam lecionado e 13 nunca lecionaram. A maioria das alunas

49

precisava trabalhar para ajudar a pagar os seus estudos, e trabalhava com a Educação Infantil.

Há uma aluna que trabalhava fazendo estágio no Projeto da Prefeitura de Belo Horizonte

Programa Segundo Tempo17 no 1o e 2o ciclos do Ensino Fundamental e uma aluna que

trabalhava com Educação de Jovens e Adultos.

5.3 Procedimentos e instrumentos de coleta de dados

“As pesquisas qualitativas são caracteristicamente multimetodológicas, isto é, usam

uma grande variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados.” (ALVES-

MAZZOTTI, 1998, p.163).

No desenvolvimento desta pesquisa, optei pelos seguintes instrumentos de coleta de

dados: entrevistas semi-estruturadas; questionário aplicado às professoras e futuras

pedagogas; observação dos encontros; registros escritos pelas professoras e futuras pedagogas

das lições planejadas por elas; diário de campo da pesquisadora, gravação em áudio e vídeo.

As múltiplas formas de obter os dados objetivaram minimizar interpretações incorretas,

viabilizando comparar registros e validar conclusões.

A observação foi participante, ou seja, do tipo em que “o pesquisador se torna parte da

situação observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu

cotidiano.” (ALVES-MAZZOTTI, 1998, p.166).

Considerando as especificidades dos dois contextos desta pesquisa, descrevo

separadamente os procedimentos no contexto de escola e no contexto de ensino, visando

relatar os procedimentos comuns e os particulares.

O procedimento comum foi o Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de

Lições que consiste, resumidamente, em planejamento inicial, seleção e exploração de

materiais didático-pedagógicos, planejamento individual e em grupo da lição, apresentação

das lições, discussão e reflexão sobre as lições.

______________ 17 Programa Segundo Tempo é um programa “desenvolvido em parceria da Prefeitura com o Ministério do Esporte, está implantado em 91 escolas da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e atende a 15.000 crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. Busca a inclusão social pela prática esportiva e garante atendimento ampliado aos alunos, pois funciona no contraturno escolar.” (BELO HORIZONTE, 2007).

50

5.3.1 Procedimentos no contexto de escola

O trabalho de campo, com os professores do contexto de escola, ocorreu de fevereiro a

novembro de 2007. Entrevistei, inicialmente, cinco professores que ensinam Matemática: dois

licenciados em Matemática, duas pedagogas e uma com graduação em Normal Superior. Num

primeiro momento, fiz uma entrevista individual e semi-estruturada com os cinco professores,

na qual procurei tornar claro o objetivo da pesquisa e verificar o interesse, a disponibilidade

dos professores para participar da mesma. Fui à escola em outros dois momentos para fazer a

mesma entrevista com outras seis professoras que poderiam participar desta pesquisa. Nessa

entrevista procurei, também, levantar os interesses, as demandas das professoras por

desenvolvimento profissional dentro do tema geometria. No método de desenvolvimento

profissional Estudo e Planejamento de Lições, devemos escolher um conteúdo específico para

planejar as lições e refletir sobre elas e o tema havia sido sugerido por professores da Rede

Municipal de Educação em programas de formação18 de professores que ensinam Matemática

da rede promovidos pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, e dos quais

participei. Nesses programas de formação, os professores alegaram lacunas na formação

inicial em geometria e relataram que o conteúdo é pouco ou mesmo não trabalhado nos anos

iniciais de escolarização.

Durante essa primeira entrevista, as professoras que se dispuseram a participar da

pesquisa e que são todas do 1o e 2o ciclos, responderam, individualmente, a um questionário

por escrito cujas questões foram:

1. Qual o conteúdo de geometria que integra a etapa na qual você leciona?

2. Como você costuma trabalhar esse conteúdo? (É como os livros abordam?)

3. Desse conteúdo, quais os conceitos que você considera mais importantes de serem

trabalhados? Quais você consegue trabalhar?

4. Quais as principais dificuldades dos alunos com relação a esse conteúdo?

5. Qual conteúdo de geometria você sugere que seja abordado? (Levantar

possibilidades, interesses).

______________ 18 A Secretaria Municipal de Educação vem investindo em programas de formação de professores, inclusive especificamente em geometria. Mas esses programas ocorrem fora do contexto de escola e atingem a um número limitado de professores, devido a problemas de disponibilidade de horários e mesmo falta de mobilização dos profissionais.

51

As professoras entregaram o questionário respondido por escrito. As observações

feitas, durante essas entrevistas com as professoras, foram anotadas em um diário de campo

durante a entrevista e imediatamente após as mesmas, para que informações importantes não

se perdessem, não fossem esquecidas. As professoras, ao responderem o questionário, faziam

comentários que não registravam por escrito, que considerei importantes de serem anotados.

As entrevistas não foram gravadas, porque as professoras não autorizaram a gravação,

afirmaram que não se sentiriam à vontade com a gravação.

Com a entrevista e o questionário confirmei que o Estudo e Planejamento de Lições

poderia ser sobre o tema geometria.

Então, fiz o levantamento das disponibilidades de horários das sete professoras que se

dispuseram a participar da pesquisa, para que elas pudessem se reunir para experimentar o

método de desenvolvimento profissional Estudo e Planejamento de Lições para estudar,

planejar e discutir coletivamente as lições de geometria, cujos conteúdos seriam escolhidos

por elas e para refletir individual e coletivamente sobre as mesmas.

Foi muito difícil conciliar os horários para que as professoras pudessem se reunir para

participar do Estudo e Planejamento de Lições. Não foi possível propor um horário que

atendesse a todas. Elas disseram que não poderiam se reunir fora do horário da escola, pois

trabalhavam em dois turnos e eram mães, tinham compromissos em casa. Assim, poderiam se

encontrar nos horários de projetos dentro do turno de trabalho. Ficou acordado que as

reuniões seriam semanais, de uma hora de duração e que ocorreriam na sala de professores ou

na biblioteca da escola. Seis professoras se encontrariam no 3o horário das quartas-feiras e

uma das professoras e eu encontraríamos no 4o horário das segundas-feiras, pois não foi

possível, conciliar seu horário com o das outras professoras. Com essa professora, cuja

disponibilidade era na segunda-feira eu repassaria as discussões, os planejamentos e estudos

das outras seis professoras e vice-versa.

A partir da entrevista realizada e da socialização das respostas ao questionário para o

grupo de professoras participantes da pesquisa, propus uma reflexão embasada na literatura

em Educação Matemática acerca da importância da geometria no currículo do 1o e 2o ciclos

do Ensino Fundamental. O trabalho seria inicialmente individual e posteriormente coletivo.

Para ajudar nessa reflexão, entreguei para cada uma delas um texto cujo título é “Refletindo

sobre o Estudo do Espaço e das Formas no 1o e 2o Ciclos”. O texto é parte de um material19

impresso enviado às escolas municipais de Belo Horizonte. Esse material estava na biblioteca

______________ 19 Ver referência (BELO HORIZONTE, 2006). Esse material foi construído a partir de programas de formação promovidos pela Secretaria Municipal de Educação.

52

da escola, mas não tinha sido consultado pelas professoras. Embora tivesse sido combinado

que no próximo encontro discutiríamos o texto, apenas duas das sete professoras fizeram a

leitura para o dia agendado, apesar do prazo de uma semana e de ser um texto de apenas

quatro páginas.

Após essa reflexão, as professoras decidiram os conteúdos de geometria que seriam

abordados nas lições que seriam planejadas por elas. A princípio, pensei que as reuniões com

as professoras poderiam compreender os momentos de planejamento individual e em grupo

das lições e que essas reuniões seriam gravadas em áudio e vídeo, complementadas com

observações em um diário de campo. Mas como coloca Alves-Mazzotti (1998) as

investigações qualitativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem uma rigorosa

estruturação prévia do seu design20, ele será construído durante o processo de investigação.

Ainda segundo esses autores, o design não pode ser definido a priori,

[...] pois a realidade é múltipla, socialmente construída em uma dada situação, e portanto, não se pode apreender seu significado se, de modo arbitrário e precoce, a aprisionarmos em dimensões e categorias. O foco e o design devem, então, emergir, por um processo de indução, do conhecimento do contexto e das múltiplas realidades construídas pelos participantes em suas influências recíprocas. (p. 147).

Assim, o desenho da pesquisa foi construído com as adaptações necessárias ao

contexto.

Da mesma forma que as entrevistas, as reuniões não foram gravadas em áudio e nem

em vídeo, a pedido das professoras, o que demandou de minha parte um maior cuidado com

as anotações no diário de campo. Fazia as anotações durante as reuniões e as complementava

imediatamente após as reuniões, ainda na escola, para não perder informações importantes.

Pedi que as professoras registrassem por escrito as lições que planejavam. As lições foram

xerocadas e recolhidas. O registro escrito das lições foi um instrumento de coleta de dados

valioso para a pesquisa.

Ressalto que durante a realização da pesquisa – e como parte dela – interagi no

contexto das reuniões e discuti questões com as professoras, numa perspectiva de trabalho

coletivo21. Boavida e Ponte (2002) colocam que a aprendizagem é mútua em processos

______________ 20 Segundo Alves-Mazzotti (1998) “o termo design, no que se refere à pesquisa, tem sido traduzido como desenho ou planejamento. O design corresponde ao plano e às estratégias utilizadas pelo pesquisador para responder às questões propostas pelo estudo, incluindo os procedimentos e instrumentos de coleta, análise e interpretação dos dados, bem como a lógica que liga entre si diversos aspectos da pesquisa.” (p.147). 21 A perspectiva de trabalho adotada nesta pesquisa admite decisões em conjunto (onde os interesses, as demandas, as expectativas das professoras são levadas em conta), ajuda mútua, porém considero que a minha função de pesquisadora era destacada.

53

coletivos e que se criam melhores condições para enfrentar as adversidades, as incertezas que

surgem.

Após uma reflexão conjunta sobre a geometria no currículo de 1o e 2o ciclos, e a

decisão das professoras sobre os conteúdos de geometria que seriam abordados nas lições que

seriam planejadas por elas, sugeri que elas fossem à biblioteca da escola para selecionarem

materiais - livros didáticos, para-didáticos, livros22 destinados aos professores que a escola

havia adquirido - para estudar e planejar as lições. Também sugeri que conhecessem o

material impresso enviado pela Secretaria Municipal de Educação às escolas municipais de

Belo Horizonte: “Encontros de Geometria – Discutindo o Ensino de Geometria no 1o e 2o

Ciclos”23. Fui com as professoras à biblioteca para conhecer os livros, revistas, materiais

concretos disponíveis que pudessem ajudar no Estudo e Planejamento de Lições. Também

procurei saber se elas estavam adotando um livro didático, se usavam outros livros e/ou

apostilas para planejar suas aulas e pedi que me mostrassem esse material. Em 2007, a escola

recebeu livros didáticos de Matemática novos. Isso ocorre, nas escolas municipais de Belo

Horizonte, a cada três anos. O atual livro é de um autor que elas não haviam adotado

anteriormente. Perguntei às professoras o que elas estavam achando do novo livro didático, se

ele poderia ajudar no Estudo e Planejamento de Lições.

Elas conversaram sobre os materiais comigo, pedindo opiniões, mas não houve muita

troca entre elas próprias, apenas duas demonstraram maior afinidade para trabalhar juntas.

Dois encontros consecutivos ocorreram na biblioteca, que possui bons livros, livros atuais,

muitos textos para-didáticos, desconhecidos pela maioria delas. Descobrimos que a escola

tinha materiais concretos que poderiam ser usados nas aulas de geometria: sólidos

geométricos de madeira; compasso de madeira para o professor; esquadros e transferidor de

madeira para o professor usar na lousa e quarenta unidades de plástico de cada um para os

alunos. Em um dos encontros houve a manipulação e exploração dos sólidos de madeira pelas

professoras e em outro encontro a construção de sólidos com canudinhos de refrigerante por

três delas, pois as outras não compareceram a essa reunião. Essa última atividade estava

sugerida no material impresso enviado pela Secretaria Municipal de Educação às escolas

municipais de Belo Horizonte: Encontros de Geometria – Discutindo o Ensino de Geometria

no 1o e 2o Ciclos.

______________ 22 A escola havia adquirido, com verba destinada à intervenção pedagógica, livros que pudessem ajudar na atualização, na formação dos professores da escola. Dentre eles haviam livros de Educação Matemática. 23 Ver (BELO HORIZONTE, 2006).

54

Além dos materiais pesquisados na biblioteca, elas me mostraram um “Planejamento

Anual de Matemática” para os anos iniciais do Ensino Fundamental, que havia sido feito pela

coordenadora de turno, em parceria com as professoras dos anos iniciais. O planejamento

consiste em uma escolha e seqüência de conteúdos de Matemática apresentadas de forma

tradicional. Parte desse material que trata da geometria é analisado no próximo capítulo

referente aos resultados.

Propus às professoras que explorassem os materiais próprios e os pesquisados na

biblioteca, que se organizassem de modo a ter momentos de planejamento individual e em

grupo das lições, que registrassem esses planejamentos por escrito e que, após essas fases,

houvesse um momento coletivo de apresentação, discussão e reflexão sobre as lições

elaboradas por elas.

Pretendia, dessa forma, que as professoras, por meio do estudo e da reflexão sobre

esses materiais, aprendessem um pouco mais de teoria, que criassem atividades para seus

alunos, que fizessem uma revisão e análise de currículos, livros didáticos e para-didáticos,

artigos de periódicos, sempre de forma conectada com a própria prática docente. “Pesquisas

recentes e décadas de experiência demonstram que o conhecimento e a habilidade dos

professores não evoluem se a prática de ensino e a avaliação sobre essa prática não forem

abordados no processo de formação.” (SILVER, 2006, p.134).

As primeiras lições planejadas pelas professoras eram sobre formas geométricas

espaciais e planas. As professoras mostravam por escrito as lições que haviam elaborado a

partir dos materiais pesquisados e de outros que julgassem necessários. Eu fazia intervenções

nas lições planejadas por elas, tanto para ajudá-las, se necessário e/ou solicitado, quanto para

pedir esclarecimentos sobre as mesmas: conteúdos aprendidos, dificuldades encontradas,

justificativa das estratégias de ensino escolhidas, etc.

Após um Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições, sobre o tópico

de Matemática escolhido pelas professoras - formas geométricas planas e espaciais - conduzi

uma entrevista semi-estruturada e individual visando avaliar em conjunto o processo

vivenciado. A entrevista foi orientada a partir das seguintes questões:

1) Você considera que o grupo de professoras participantes do Estudo e Planejamento de

Lições evoluiu no planejamento da lição? Com relação a quais aspectos? Explique.

2) Aponte pontos do processo de desenvolvimento de lições que contribuíram positivamente

ou negativamente para sua formação docente.

3) Aponte sugestões para o desenvolvimento da metodologia de estudo de lições.

55

5.3.2 Procedimentos no contexto de ensino

No desenvolvimento dos trabalhos junto à turma de alunas da formação inicial,

algumas modificações foram necessárias na metodologia, tendo em vista a mudança de

contexto e os avanços nas reflexões teóricas.

Empenhei-me para ser realmente acolhida enquanto pesquisadora pela turma de

Pedagogia, não apenas por imposição, pelo fato de ser professora da turma. Preocupei-me,

também, que os meus interesses enquanto pesquisadora não interferissem negativamente no

meu papel de professora nem vice-versa. Além disso, como professora, tinha uma ementa a

cumprir, o que me levou a elaborar um planejamento prévio, porém flexível, prevendo um

momento propício para introduzir o método Estudo e Planejamento de Lições, adequando à

proposta de currículo da disciplina Metodologia e Conteúdos Básicos de Matemática I,

buscando um momento que fosse possível integrar os conteúdos, discussões e textos

trabalhados na disciplina. De acordo com o meu planejamento inicial, o Ciclo de Atividades

para o Estudo e Planejamento de Lições ocorreria na metade do semestre letivo e

possivelmente fora do horário de aula.

A seguir, relato alguns conteúdos e atividades que antecederam o Estudo e

Planejamento de Lições por considerar que essas atividades de discussão das leituras,

questionários, seminários, elaboração de sínteses das leituras e discussões fornecem indícios

de saberes das alunas antes do Estudo e Planejamento de Lições. Considero fundamental

conhecer esses saberes para investigar as potencialidades do Estudo e Planejamento de Lições

para promover a construção e/ou mudança de saberes das alunas. Dessa forma, avalio que o

trabalho de campo, com as alunas de Pedagogia, começou no primeiro de aula.

No primeiro dia de aula, agosto de 2007, pedi que as alunas relatassem,

individualmente e por escrito, suas experiências Matemáticas visando obter informações sobre

o relacionamento das mesmas com a Matemática e algumas de suas concepções quanto ao

ensino aprendizagem de Matemática. Para nortear os relatos, passei na lousa as seguintes

perguntas que foram retiradas do artigo “Experiência Matemática e Investigação

Matemática”:

• Para você o que é uma experiência Matemática?

56

• Você considera que ao longo dos anos de escola teve alguma experiência

Matemática marcante? Escreva sobre ela.” (FROTA, 2005, p.4).

Na aula seguinte houve a socialização e discussão dos relatos, visando juntamente com

os registros escritos evidenciar algumas concepções das alunas sobre a Matemática e sobre

como se aprende Matemática.

A fim de levantar dados sobre a experiência profissional das alunas da Pedagogia

como professoras, os interesses, as demandas por formação dentro do tema geometria, pedi

que as alunas respondessem, individualmente e por escrito o seguinte questionário,

semelhante ao questionário aplicado às professoras no contexto de escola.

1) Você já lecionou ou leciona? Em que nível de escolaridade?

2) Você estudou Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental? No final do

Ensino Fundamental? E no Ensino Médio?

3) Dos conteúdos estudados em geometria, quais os conceitos que você considera mais

importantes de serem estudados? Quais consegue ensinar?

4) Quais as principais dificuldades dos alunos com relação a esses conteúdos?

Após as alunas responderem o questionário houve a socialização e discussão das

respostas. A partir dos relatos e do questionário percebi que algumas concepções sobre a

Matemática e seu ensino-aprendizagem eram amplamente difundidas entre as alunas.

As aulas seguintes abordaram os temas:

• Concepções comumente difundidas entre leigos e especialistas sobre a

Matemática e sobre seu ensino-aprendizagem;

• Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil;

• Parâmetros Curriculares Nacionais - Matemática;

• Educação Matemática na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino

Fundamental – Tendências Atuais, Metodologias.

Até então, não havia exposto com detalhes para as alunas o meu interesse em fazer

uma pesquisa sobre um método de desenvolvimento profissional. Após trabalhar os conteúdos

acima e procurar conquistar a confiança das alunas para poderem se expressar livremente,

sem medo de errar e de se expor, busquei conquistar a confiança das mesmas enquanto

pesquisadora. Tornei claro o objetivo da pesquisa e as alunas se dispuseram a participar. Em

57

princípio, a proposta era de encontros extra-classe receando não cumprir a ementa da

disciplina e não atender a uma recomendação da coordenação do curso. No entanto, como a

maioria das alunas trabalhava fora e muitas delas eram mães de família, não foi possível

conciliar os horários de disponibilidade para que os encontros fossem fora do horário de aula.

Revisei o planejamento do início do semestre fazendo adaptações, para que as alunas

da Pedagogia pudessem experimentar o método Estudo e Planejamento de Lições dentro da

carga horária da disciplina que estava ministrando.

Retomei as discussões que ocorreram após a socialização das respostas ao questionário

sobre geometria que apontaram que as alunas haviam estudado muito pouco de geometria e

apresentavam muitas dificuldades, dúvidas com relação a esse conteúdo. Nesse contexto de

ensino, ficou estabelecido que o Estudo e Planejamento de Lições abordaria o tema

geometria, já que a maioria das alunas relatou que não sabia geometria. Além disso, o

Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, Brasil (1998), e os Parâmetros

Curriculares Nacionais de Matemática, Brasil (2001) estudados, destacaram a importância da

geometria nos currículos da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Propus que o encontro para iniciarmos o Estudo e Planejamento de Lições fosse na

biblioteca da universidade, que possui sala de estudos e onde as alunas teriam fácil acesso a

livros didáticos e para-didáticos para auxiliá-las no Estudo e Planejamento de Lições,

solicitando a autorização para que os encontros fossem gravados em áudio e vídeo.

Analogamente ao que foi feito com as professoras no contexto de escola, pedi às

alunas da Pedagogia que explorassem individualmente e em grupos os materiais pesquisados

na biblioteca. Os grupos formados eram de 4 e 5 alunas. As escolhas de livros, por parte de

alguns grupos, recaíram numa literatura ultrapassada. Não havia livros didáticos atuais em

quantidade suficiente para atender a todos os grupos. Então, solicitei que pesquisassem em

outros livros que tivessem em casa, no trabalho, na internet e trouxessem todos os materiais

pesquisados para examinarmos e discutirmos nos próximos encontros que seriam na sala de

aula. Foi também sugerido que retomassem o estudo sobre o Referencial Curricular Nacional

da Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática. Objetivava,

dessa forma, que o estudo e discussão a respeito desses materiais proporcionassem uma

revisão teórica e reflexões que ajudassem as futuras professoras no Estudo e Planejamento de

Lições e, também, que elas decidissem qual conteúdo de geometria queriam estudar.

Como as alunas faziam muitas perguntas sobre como começar a estudar e planejar as

lições, entreguei para cada uma delas, por escrito, algumas perguntas para auxiliá-las. As

58

perguntas foram retiradas do texto “Thinking Through a Lesson Protocol” (Pensando através

de um Protocolo de Lição):

• Quais são as metas Matemáticas para a lição (isto é, o que você quer que os alunos saibam e compreendam sobre Matemática como resultado dessa lição? • Quais definições, conceitos, ou idéias que os alunos precisam saber para começar a trabalhar na tarefa? Quais questões colocar para ajudar os alunos a acessar seu conhecimento prévio? • Quais são as possíveis formas de se resolver a lição? a) Quais dos métodos você considera que os alunos usarão? b) Quais idéias equivocadas os alunos devem ter? c) Quais erros devem cometer? • Quais expectativas em relação aos alunos enquanto trabalham e completam a lição? a) Quais fontes ou ferramentas os estudantes terão para esta lição? b) Como os estudantes trabalharão (individualmente, em pequenos grupos, aos pares) para explorar a lição? Eles serão acompanhados de uma forma específica? De que forma? c) Como os alunos registrarão e relatarão seu trabalho? (BILL; HUGHES; SMITH, 2005, tradução nossa)24.

Quando as alunas da Pedagogia estudaram o Referencial Curricular Nacional da

Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática tiveram muitas

dúvidas, dificuldades em relação ao que eram formas espaciais e planas. Da mesma forma que

no contexto de escola, as alunas da Pedagogia também decidiram que as primeiras lições

planejadas por elas seriam sobre formas geométricas espaciais e planas, talvez influenciadas

pelas abordagens de livros didáticos atuais. A partir dessa escolha segui os procedimentos

adotados no contexto de escola, ou seja, durante a realização da pesquisa – e como parte dela

– interagi no contexto das reuniões em sala de aula e discuti questões com as alunas (futuras

professoras), numa perspectiva de trabalho coletivo. As alunas mostraram por escrito as lições

que haviam elaborado individualmente/coletivamente a partir dos materiais pesquisados e de

outros que julgassem necessários. Fiz intervenções nas lições planejadas por elas, tanto para

ajudá-las, se necessário e/ou solicitado, quanto para pedir esclarecimentos sobre suas lições:

conteúdos aprendidos, dificuldades encontradas, por que a estratégia de ensino escolhida, etc.

Então, propus às alunas que após estudar e planejar as lições, houvesse um momento coletivo

de apresentação, discussão e reflexão sobre as lições elaboradas por elas. Após esse momento

de reflexão, sugeri que cada grupo (re)elaborasse a lição planejada levando em conta as

contribuições dos outros grupos.

Por fim, após as alunas participarem do Estudo e Planejamento de Lições, elas

responderam a um questionário, individual e por escrito cuja identificação era opcional a fim

______________ 24 Ver texto original no ANEXO B.

59

de obter uma avaliação das futuras professoras sobre o método Estudo e Planejamento de

Lições. As questões do questionário eram:

1) Você considera que o seu grupo evoluiu no planejamento da lição? Com relação a quais

aspectos? Explique.

2) Aponte pontos do processo de desenvolvimento de lições que contribuíram positivamente

ou negativamente para sua formação docente.

3) Aponte sugestões para o desenvolvimento da metodologia de estudo de lições.

No contexto de ensino, optei pelo questionário final, ao invés da entrevista, devido às

dificuldades relacionadas com o número elevado de alunas – 45 – e o tempo escasso (final de

semestre).

O trabalho de campo no contexto de ensino ocorreu de agosto a novembro de 2007.

5.4 Procedimentos para tratar e analisar os dados

Terminada a coleta de dados dispunha de uma grande quantidade de dados para serem

organizados e analisados. Durante a coleta de dados, procurei identificar relações entre eles,

construindo interpretações, como recomenda Alves-Mazzotti (1998). A análise dos dados foi

desenvolvida durante e após a coleta de dados. Trabalhei com um referencial teórico inicial,

mas sem categorias iniciais de análise de dados. Após a coleta de dados, avancei nas reflexões

teóricas e busquei outros teóricos para dar “conta de aspectos e temas relevantes para a

investigação” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.206) e para fazer uma análise mais formal.

Os questionários, entrevistas, diário de campo e lições produzidas pelas professoras e

futuras professoras foram lidos, várias vezes, com o objetivo de identificar concepções e

compreensões sobre a Matemática e suas estratégias de ensino antes e depois do Estudo e

Planejamento de Lições, para investigar mudança de concepções, mudanças na compreensão

da Matemática e das estratégias de ensino por parte das professoras e futuras professoras.

Os questionários, as entrevistas e diário de campo foram analisados, também,

buscando identificar relações nas quais as professoras e futuras professoras se envolveram ao

experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições, tomando como base as

proposições de Charlot (2001) sobre a relação com o saber, e que desencadearam indícios de

processos de construção e de mudança de saberes docentes. As pesquisas que envolvem

60

relação com o saber, segundo Charlot (2001), devem estar atentas para não categorizar

indivíduos e sim identificar processos, colocar o problema em termos de relações.

Para tratar e analisar os dados em áudio e vídeo, obtidos somente no contexto de

ensino, utilizei um modelo inspirado no modelo analítico proposto por Powell, Francisco e

Maher (2003) e que emprega fases não-lineares:

• Ver atentamente os dados em vídeo.

• Identificar, selecionar episódios, ou seja, partes do áudio e vídeo

que são relevantes para ajudar a responder as questões de pesquisa

de acordo com a perspectiva teórica adotada.

• Codificar os episódios relacionando-os com seus respectivos

intervalos de tempo.

• Transcrever literalmente (sem interpretar nem fazer inferências)

somente os episódios selecionados.

• A partir de anotações feitas no diário de campo, descrever o

contexto da gravação (para que os leitores possam formar o seu

próprio julgamento).

• Compor a narrativa (utilizar as transcrições como evidências para

interpretações à luz da perspectiva teórica desta pesquisa).

O tratamento e a análise dos episódios dos dados de áudio e vídeo foram organizados

em um quadro cujo cabeçalho apresento a seguir:

Estudo e Planejamento de Lições no contexto de ensino

Número do

episódio

Intervalo de

tempo (h:min:s)

- (h:min:s)

Transcrição

literal do

conteúdo

Contexto Comentários,

observações

Narrativa

Quadro 1: Cabeçalho do quadro de tratamento e análise dos episódios dos dados de áudio e vídeo

Fonte: Dados da pesquisa

Finalmente, com os dados coletados através dos diversos instrumentos descritos,

procedi a uma triangulação25 no sentido de validar, confirmar e enriquecer as análises das

relações com o saber nas quais professores e futuros professores se envolvem, dos processos

______________ 25 “Quando buscamos diferentes maneiras para investigar um mesmo ponto, estamos usando uma forma de triangulação.” (ALVES-MAZZOTTI, 1998, p. 173).

61

de mudança e/ou de construção de saberes docentes promovidos pelo Estudo e Planejamento

de Lições.

62

6 ANÁLISE DOS DADOS

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.”

Paulo Freire

Neste capítulo, com o objetivo de responder as questões de pesquisa de acordo com a

perspectiva teórica adotada, busco nos dados coletados, indícios de mudanças de concepções,

de crescimento na compreensão de Matemática e das estratégias de ensino. Investigo ainda

evidências de relações com o saber, nas quais as professoras e futuras professoras se

envolveram ao experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições que

desencadearam indícios de processos de construção e de mudança de saberes docentes, de

práticas, tomando como aporte teórico as proposições de Charlot (2001) sobre as relações

com o saber.

O capítulo é dividido em duas partes principais. Na primeira, apresento os resultados e

análises do contexto de escola e, na segunda, os resultados e análises do contexto de ensino.

6.1 Análise dos dados do contexto de escola

Os resultados do contexto de escola decorrem da análise de entrevistas e questionários,

materiais didático-pedagógicos, registros escritos das lições, observações do diário de campo.

Utilizo um estudo de caso no contexto de escola para ilustrar o potencial de crescimento no

conhecimento da Matemática e das estratégias de ensino das professoras ao participarem do

Estudo e Planejamento de Lições.

6.1.1 Entrevista e questionário iniciais

O quadro 2 apresenta as respostas das professoras ao questionário inicialmente proposto

para verificar suas demandas em relação à formação em geometria. Como o número de

professoras participantes da pesquisa no contexto de escola é pequeno, apresento todas as

63

respostas dadas, uma vez que fornecem indícios de saberes das professoras sobre geometria

e seu ensino-aprendizagem, antes do Estudo e Planejamento de Lições.

QUESTÕES / RESPOSTAS Professoras26

1. Qual o conteúdo de geometria integra a etapa na qual você leciona?

2. Como você costuma trabalhar esse conteúdo? (É como os livros abordam?)

3. Desse conteúdo, quais conceitos você considera mais importantes de serem trabalhados? Quais você consegue trabalhar?

4. Quais as principais dificuldades dos alunos com relação a esse conteúdo?

5. Qual conteúdo de geometria você sugere que seja abordado? (Levantar possibilidades, interesse.)

Iara Figuras planas e não planas

Muito pouco. Às vezes pesquiso em outros materiais ou uso material concreto.

Figuras Não vejo dificuldades, porque eles gostam de trabalhar com material concreto.

Os mesmos citados no item 1.

Ana Segmento de reta e semi-reta; segmentos colineares e consecutivos, retas, ponto, nomeações.

Sim e misturo livros.

O conhecimento das figuras (polígonos)

Uso de régua, o não conhecimento do sistema de medida (comprimento)

Ângulos, polígonos.

Maria Linhas, reta e semi-reta, ângulo, figuras planas e sólidas, polígonos, perímetros de polígonos, simetria.

Além de aproveitar as atividades do livro, uso embalagens, brinquedos, dando atenção aos materiais concretos.

São todos importantes, principalmente os que ajudam na construção espacial e localização. Consigo trabalhar todos.

Nesta fase eles apresentam dificuldade para distinguir as figuras sólidas e planas, principalmente a esfera da circunferência. Por isso a importância do material concreto.

A planificação dos sólidos e sua comparação.

Simone Segmento de reta e semi-reta, ângulos,polígonos

É como os livros abordam.

Em branco Em branco Pontos, curvas, linhas, retas, sólidos geométricos, polígonos

Raquel Usando material concreto.

É como os livros abordam.

Montar e desmontar embalagens, medidas.

Em branco Pontos, curvas, linhas, retas, sólidos geométricos, polígonos

Vilma Figuras geométricas Trabalho com material concreto e algumas atividades dos livros

É importante que o aluno consiga fazer a relação entre figuras geométricas e objetos do seu cotidiano.

A aplicabilidade do conteúdo na prática.

Sólidos geométricos, linhas, curvas e retas.

Rosa Em branco Como os livros abordam.

Em branco Em branco Sólidos geométricos, polígonos, triângulos, quadriláteros, etc.

Quadro 2: Respostas das professoras ao questionário sobre as demandas em relação à geometria

Fonte: Dados da pesquisa. ______________ 26 Os nomes das professoras são fictícios.

64

As professoras Ana, Simone, Raquel, Vilma e Rosa tiveram dificuldade em responder

o questionário. Disseram que precisavam consultar o livro didático, uma vez que não se

lembravam bem dos nomes dos conteúdos para preencher o questionário. Esse fato pode ser

interpretado como indício de uma formação insuficiente em geometria o que confirma

resultados de outras pesquisas. A dificuldade, também, pode ser uma evidência de que as

professoras não vêm abordando geometria nos anos iniciais de escolarização, o que confirma

que o movimento de recuperação do ensino de geometria não atingiu a maioria das escolas

brasileiras e principalmente os anos iniciais de escolarização. (BELO HORIZONTE, 2006;

NACARATO, 2000; PAIS, 2000).

As respostas às questões 1 e 5 de Ana, Maria e Simone foram dadas observando o

índice de livros didáticos e o “Planejamento Anual de Matemática” feito pela coordenadora

do 1o e 2o ciclos da escola, já citado anteriormente. O material consultado é organizado numa

linha tradicional de abordagem da geometria de acordo com a seqüência: ponto, linhas curvas

e retas, linhas abertas e fechadas, figuras planas (triângulo, quadrado, retângulo, círculo), etc.

Rosa não dispunha desses materiais de consulta, no momento, e deixou duas questões em

branco.

Através da entrevista inicial semi-estruturada e do questionário foi possível verificar

que apenas Maria afirmava ensinar a geometria intercalada com outros conteúdos.

Para as demais professoras, a geometria não é abordada ou é apresentada de forma

reduzida nas turmas. Isso pode ser verificado através das falas seguintes das professoras:

Eu não dou prioridade à geometria e quando lecionei geometria, dei só uma aula por semana. (Iara, diário de campo).

Eu deixo a geometria para o final do ano e não dá tempo de dar essa matéria. (Raquel, diário de campo).

É fundamental que os alunos aprendam nas séries iniciais as operações. (Simone, diário de campo).

As afirmações das professoras revelaram que elas não dão prioridade à geometria e

que priorizam a aritmética, as operações, os cálculos, o que reforça as idéias de Ponte (1992)

de que uma das concepções que professores que ensinam Matemática podem ter em relação à

Matemática é que o cálculo é a parte fundamental da Matemática. Além disso, os dados

confirmam que os professores não valorizam, não ensinam o que não sabem e, nos quatro

65

primeiros anos do Ensino Fundamental, limitam o ensino de Matemática ao ensino

predominantemente de aritmética, conforme colocado por Nacarato (2000).

Iara, Maria, Raquel e Vilma apontaram que acham importante o uso de material

concreto para trabalhar a geometria. Entretanto, quando questionadas acerca dos materiais

específicos utilizados e sobre que conceitos trabalhar a partir da manipulação do material

concreto, Raquel afirmou: “Pegamos material concreto, material de madeira, papel, do papel

inventamos atividades”. (diário de campo). Maria acrescentou: “Uso brinquedos, embalagens,

com as embalagens podemos planificar os sólidos”. (diário de campo). Iara: “Com os

cubinhos27 de madeira podemos trabalhar vistas de frente, de lado”. (diário de campo).

Percebi, no entanto, que as professoras têm dificuldades em identificar os conceitos

geométricos que podem ser trabalhados com os materiais concretos. Para Pais (1996),

trabalhar com materiais concretos é fundamental para a construção de conceitos geométricos,

mas é necessária uma fundamentação teórica para que seja favorecida a construção desses

conceitos. A ausência ou insuficiência na formação em geometria, o que parece ser o caso

dessas professoras, pode estar se manifestando como um fator relevante nessa passagem da

conceituação apoiada no concreto para a conceituação decorrente da abstração.

6.1.2 Materiais didático-pedagógicos

Nesta seção, apresento e analiso partes da apostila “Planejamento Anual de

Matemática” que dizem respeito à geometria e seu ensino e analiso alguns livros didáticos,

que as professoras usavam para planejar suas aulas. Acredito que esses materiais fornecem

indícios de escolhas e concepções das professoras antes de experimentarem o método Estudo

e Planejamento de Lições e que servem de referência para investigar mudança, construção de

saberes após participarem do método. Além disso, apresento materiais didático-pedagógicos

- material impresso enviado pela Secretaria Municipal de Educação às escolas municipais,

materiais concretos, propostas curriculares - disponíveis na escola que constituem importantes

recursos para a construção de conceitos geométricos.

A apostila “Planejamento Anual de Matemática” para os anos iniciais do Ensino

Fundamental, elaborada pela coordenadora do primeiro turno em parceria com as professoras ______________ 27 Iara chamou de “ cubinhos” as peças do brinquedo ”Construtor Nova Fazendinha” que tem na escola e que é composto de sólidos geométricos de madeira que não são cubos.

66

de 1o e 2o ciclos, apresentava os seguintes conteúdos de geometria com suas respectivas

seqüências e o grau de escolaridade para serem trabalhados:

• 2o Ano do 1o Ciclo – polígonos, observação do espaço em que vivemos e

figuras existentes neste espaço, linhas curvas e retas, linhas abertas e fechadas,

sólidos geométricos.

• 3o Ano do 1o Ciclo – linhas retas e curvas, linhas abertas e fechadas, polígonos,

triângulo, retângulo, quadrado, círculo, sólidos geométricos, simetria.

• 1o Ano do 2o Ciclo – pontos, curvas, linhas, retas, sólidos geométricos.

• 2o Ano do 2o Ciclo – ponto, linha, curvas, retas, retas posições, segmentos

(colineares e consecutivos), semi-retas, ângulos, polígonos, triângulos,

quadriláteros.

Ressalto que no “Planejamento Anual de Matemática” o ensino de geometria era

apresentado sempre após sistema de numeração, operações e medidas e não havia indícios de

articulação com aritmética ou álgebra. Tal fato está de acordo com Nacarato (2000) que

aponta que aritmética, álgebra e geometria ainda são ensinadas separadamente. Destaco que

no 2o Ano do 2o Ciclo, o conteúdo “volume do cubo e do paralelepípedo” não estava

relacionado como geometria e sim separado sob o título “medida de volume”.

Apenas Iara e Maria afirmaram que buscavam intercalar a geometria com a

aritmética. As outras professoras quando questionadas se estavam seguindo os conteúdos, na

seqüência dada, procuraram apresentar justificativas por não abordarem os tópicos:

Essas turmas que peguei são muito difíceis, não dá para seguir esse planejamento, os alunos têm muita dificuldade de aprendizagem, então dou as operações, eles têm que aprender pelo menos as operações. (Simone, diário de campo); Eu deixo a geometria para o final do ano, como os alunos são muito fracos nunca consigo chegar na geometria e nem consigo seguir esse planejamento, os alunos não conseguem acompanhar. (Raquel, diário de campo); Não dá para seguir o planejamento, os alunos não dão conta. Em geometria eu dou segmento de reta e semi-reta; segmentos colineares e consecutivos, retas, ponto, nomeações de figuras.” (Ana, diário de campo).

Vilma e Rosa, diretora e vice-diretora da escola respectivamente, estão afastadas da

sala de aula desde 2005. Anteriormente, como professoras, não havia sido elaborado o

“Planejamento Anual de Matemática”, portanto alegaram usar livros didáticos variados que

traziam a geometria ao final.

67

Todas as colocações das professoras evidenciam que o “Planejamento Anual de

Matemática” não era seguido efetivamente por elas em sua prática de sala de aula.

Da mesma forma, essas professoras não tinham o costume de seguir o livro didático

adotado na escola, pois diziam que os alunos não davam conta de acompanhá-lo por

apresentarem defasagens de aprendizagem. Iara afirmou: “Eu tiro exercícios de vários livros

didáticos.” (diário de campo). Raquel destacou que fazia o mesmo.

Observando os livros didáticos adotados na escola, notei que a geometria era, de modo

geral, abordada no final do livro e desligada da realidade. Tanto o “Planejamento Anual de

Matemática” quanto os livros didáticos utilizados para planejar as suas aulas, apresentavam os

conteúdos e a ordenação de forma tradicional.

Segundo as professoras, desde 2007, ano que desenvolvi o trabalho de campo na

escola, um novo livro estava sendo adotado, na opinião delas melhor que os anteriores. O

novo livro didático adotado na escola rompe com a visão fragmentada da Matemática, coloca

a geometria desde o primeiro ano do Ensino Fundamental e articulada com outros campos da

Matemática e outras áreas do conhecimento, como recomendam os Parâmetros Curriculares

Nacionais de Matemática. É um livro aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático e

de acordo com as tendências atuais em Educação Matemática. Especificamente sobre a

geometria, o livro tem a preocupação de não apresentá-la desconectada da realidade.

A respeito do novo livro, Iara afirmou: “Pretendo seguir o livro, acho que a seqüência

está boa e que as dificuldades estão gradativas”. (diário de campo). Maria acrescentou: “Estou

gostando do livro, a explicação do livro é básica e tem muitas atividades. Vou dar geometria

intercalando o ano todo, aritmética dentro da geometria.” (diário de campo). Raquel, Simone e

Ana afirmaram que teriam problemas em seguir o novo livro, pois os alunos das suas turmas

apresentavam muita dificuldade de aprendizagem, motivo pelo qual pretendiam aproveitar

partes dele.

Além dos materiais usados pelas professoras para planejar suas aulas, cada professora

que ensina Matemática recebeu da prefeitura os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Matemática. A escola dispunha de materiais didático-pedagógicos que a maioria das

professoras desconheciam: materiais concretos, textos para-didáticos, propostas curriculares,

um material impresso distribuído a todas as escolas municipais - Encontros de Geometria:

Discutindo o Ensino de Geometria no 1o e 2o Ciclos28.

______________ 28 Ver (BELO HORIZONTE, 2006).

68

Analisamos esses materiais didático-pedagógicos e refletimos sobre o texto29

“Geometria no Currículo: Refletindo sobre o Estudo do Espaço e das Formas no 1o e 2o

Ciclos” que faz parte do material impresso distribuído às escolas municipais. Esse texto

pareceu estar articulado com o momento que as professoras estavam vivendo de novas

propostas curriculares enviadas pela Secretaria Municipal de Educação, novas tendências em

Educação Matemática, um novo livro didático com uma proposta bem diferente da que elas

vinham adotando. Discutido o texto, Ana indagou: “O que você espera da gente? Fiquei

pensando, será que o que eu estava fazendo estava tudo errado? É para nomear as figuras?

Começar do início, ponto, reta, linha fechada, aberta?” (diário de campo). Simone também

manifestou preocupação com o que eu esperava delas. Esse texto traz propostas de ações, de

atividades de acordo com tendências atuais em Educação Matemática, semelhantes às

presentes no novo livro didático adotado na escola, que parecem não corresponder ao que as

professoras vêm praticando no exercício da profissão docente, o que justifica Ana questionar:

“Será que o que eu estava fazendo estava tudo errado?”

Os dados obtidos através dos materiais utilizados pelas professoras para planejarem

suas aulas juntamente com os questionamentos, as reflexões coletivas sobre eles, sobre o

porquê de escolhê-los revelam insuficiência de conhecimentos sobre geometria e seu ensino-

aprendizagem, revelam predominância de práticas de ensino tradicionais antes do método.

Havia na escola material sobre o quê, o como e o porquê ensinar geometria, além de

recursos didáticos para o ensino. Entretanto, apenas um bom material de apoio não significa

que o professor vá utilizá-lo. Aspectos interligados, a formação dos professores e suas

concepções pedagógicas parecem orientar o professor no uso de recursos didáticos. (PAIS,

2000).

6.1.3 Estudo e Planejamento de Lições sobre formas espaciais e planas

A participação das professoras no Estudo e Planejamento de Lições no contexto de

escola apresentou dificuldades muito desafiadoras: faltas excessivas de algumas delas por

motivos particulares, para substituir professoras faltosas ou por estarem envolvidas em outras

atividades (dia das mães, festa junina, semana de provas, etc); professoras que não estudavam

______________ 29 Ver Anexo A.

69

para contribuir com as lições, pois alegavam falta de tempo, decorrente de uma jornada de

trabalho excessiva. Tendo em vista essas limitações, as professoras pediam mais tempo para

preparar as lições, pelo menos quinze dias, quando o acordo inicial era de um trabalho

desenvolvido durante uma hora semanal.

Vilma e Rosa desistiram de participar do Estudo e Planejamento de Lições, pois

disseram que não tinham tempo para estudar e tiveram problemas de disponibilidade de tempo

para participar das reuniões. Dessa forma, continuaram a participar do Estudo e Planejamento

de Lições as professoras Iara, Ana, Maria, Simone, Raquel. Ana apresentava dificuldades de

participar do processo, pois sua disponibilidade de horário não coincidia com a das colegas.

Ana tinha ainda dificuldade de estudar para planejar as lições, afirmando: “É muito difícil

individualmente, se eu pudesse reunir nas quartas-feiras...” (diário de campo).

Para ilustrar as potencialidades do método Estudo e Planejamento de Lições para

promover o desenvolvimento profissional de professores que ensinam Matemática, faço o

estudo de caso das lições de Iara. A decisão de escolher Iara e suas lições se deve ao fato dela

apresentar as seguintes características: disposição para participar do método, disposição para

partilhar suas idéias sobre a Matemática e seu ensino-aprendizagem e disposição para

trabalhar coletivamente.

Apresento, a seguir, algumas lições planejadas por Iara que revelam indícios de

crescimento na compreensão da matemática, especificamente no conteúdo de formas espaciais

e planas e em suas estratégias de ensino. As lições planejadas foram elaboradas e

(re)elaboradas ao longo de um processo, o Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento

de Lições, que se desenvolveu durante onze semanas.

O crescimento na compreensão de formas espaciais e planas é analisado a partir das

idéias de Pais (1996; 2000) de que a construção dos conceitos geométricos é um processo que

envolve objetos materiais, desenhos, e imagens mentais no qual o recurso simultâneo das

bases intuitivas e da atividade experimental é necessário. Esse aporte teórico é

complementado com Nacarato (2000) e Brasil (2001) que tratam de questões epistemológicas

e pedagógicas do conhecimento geométrico.

Antes do Estudo e Planejamento de Lições, Iara afirmou que não dava prioridade à

geometria e que quando trabalhava esse conteúdo seguia a apresentação de pontos, linhas

retas e curvas, linhas abertas e fechadas, triângulo, retângulo, quadrado e círculo (questionário

e entrevista iniciais). Mas, como destacam os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Matemática, o ponto, a reta, o triângulo, retângulo, quadrado e círculo não fazem parte do

70

espaço perceptivo da criança. “Podem ser concebidos de maneira ideal, mas rigorosamente

não fazem parte desse espaço sensível.” (BRASIL, 2001, p.126).

Através do Estudo e Planejamento de Lições, visando construir conceitos sobre formas

espaciais e planas, Iara elaborou uma lição30 que explorava o espaço perceptivo da criança,

diferentemente do que explorava antes do método. Isso parece evidenciar que Iara se

apropriou da idéia de que para aprender geometria é necessário que seus alunos, crianças do

3o ano do 1o ciclo, explorem, experimentem, investiguem usando objetos materiais do

cotidiano, elementos da natureza como forma de representação primária do conceito como

colocado por (PAIS, 2000) e como recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais de

Matemática. (BRASIL, 2001).

A primeira lição que está rascunhada em sua versão inicial no anexo C, foi aplicada

em sala de aula por Iara e ela afirmou que os alunos se envolveram, gostaram da atividade. É

interessante a necessidade manifestada por Iara e pelas outras professoras participantes da

pesquisa de testar na prática de sala de aula os conhecimentos construídos teoricamente. Para

as teorias, os conteúdos terem significado para as professoras é necessário testá-los, validá-los

na prática, pela experiência como apontam Nacarato (2000) e Tardif (2002).

A primeira lição planejada por Iara foi elaborada para ser aplicada durante três aulas

de Matemática. Ela pediu que seus alunos trouxessem caixinhas de papel, de remédios, de

bombons, de chocolate, etc. Para a primeira aula, após discussão sobre a primeira versão da

lição rascunhada planejada por ela, propôs:

Dividir a sala em grupos e distribuir as caixas recolhidas para as crianças. • Explorar utilidades, formas, tamanhos das caixas. • Identificar triângulos, retângulos e quadrados nas caixas. • Explorar pontas, lados. • Identificar vértices, arestas. • Identificar interior, exterior das caixas. • Abrir algumas caixas, explorar as formas originais de cada uma. (Iara, registro escrito da lição).

Com essa lição, Iara propunha a observação e exploração das formas de objetos

materiais, composição e decomposição das caixinhas e dessa forma, o reconhecimento de

figuras espaciais e planas, a identificação de propriedades. Utilizava a linguagem informal,

que ela alegava ser usada normalmente pelos alunos, por exemplo, pontas que significavam os

______________ 30 Primeira lição do Anexo C. Esse anexo é composto de três lições: a primeira é uma lição rascunhada, a segunda é um “Para Casa” e a terceira é uma lição intitulada “Quebrando a cabeça”.

71

vértices, lados que significavam as arestas, mas também os nomeavam corretamente para as

crianças acostumarem.

Para a segunda aula ela propôs:

• “Distribuir massas de modelar de diversas cores.

• Propor que modelem figuras não planas de várias formas. Com bicos, sem bicos, com

faces quadradas, em forma de cilindro.” (Iara, registro escrito da lição).

E para a terceira aula ela propôs:

• “Montem esferas com a massinha de modelar.

• Identifiquem diferentes formas de esferas encontradas na natureza.” (Iara, registro

escrito da lição).

Na segunda e terceira aulas, Iara propunha que as crianças construíssem sólidos

geométricos, sendo que na terceira aula objetivava também que as crianças percebessem a

presença dessas formas espaciais em objetos do cotidiano, em elementos da natureza.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, a constante observação,

exploração e construção das formas favorece o reconhecimento das formas espaciais e planas

e a identificação de suas propriedades. (BRASIL, 2001).

No processo de construção de conceitos sobre formas espaciais e planas, Iara além de

explorar em suas lições a representação das formas através de objetos materiais, explorou

também, a representação através de desenhos na segunda lição que ficou de “Para Casa”,

anexo C. Essa atividade propunha que os alunos observassem objetos do cotidiano, um cubo

mágico e um paralelepípedo de rua e suas respectivas representações através de desenhos e

que associassem os objetos - dado, embalagem de sardinha e embalagem de sabão em pó -

com a representação de suas formas através de desenhos. E que recortassem de jornais e

revistas ilustrações ou fotos de embalagens que têm a forma de paralelepípedo.

Iara parece ter avançado na construção do conceito de paralelepípedo. Antes do

método Estudo e Planejamento de Lições chamou de “cubinhos” as peças do brinquedo

“Construtor Nova Fazendinha”, que integra a biblioteca da escola e que é composto de sólidos

geométricos de madeira que não são cubos. Após o Estudo e Planejamento de Lições já

consegue perceber o cubo, representado através de objeto material e de desenho, como sendo

um paralelepípedo. Além disso, consegue enunciar propriedades do paralelepípedo na

ausência de sua representação através de objetos materiais ou desenho como mostra a

afirmação de Iara: “Para ser paralelepípedo, o sólido tem que ter seis faces

retangulares.”(diário de campo).

72

A terceira lição de Iara “Quebrando a cabeça”, anexo C, revela que ela parece ter

avançado na compreensão do conceito de triângulo e na compreensão de suas estratégias de

ensino. Nessa lição, Iara propunha que os alunos montassem um gatinho com quatro

triângulos. Ela consegue identificar o triângulo mesmo ele não estando com a sua

“configuração geométrica”, em sua posição usual, ou seja, um dos seus lados na posição

horizontal. Com essa atividade, ela coloca os alunos para explorar os objetos materiais

triângulos de papel, que os alunos têm que recortar para montar o gatinho. A representação

dos triângulos através de desenhos que não estão em “configuração geométrica” pode ajudar

os alunos a construir o conceito de triângulo.

Todas as lições elaboradas por Iara através do método Estudo e Planejamento de

Lições foram aplicadas em sala de aula e essa experiência em sala foi compartilhada com as

outras participantes do método.

As três lições planejadas por Iara revelam a sua preocupação em fazer com que os

alunos observem, explorem as formas dos objetos, que descrevam suas propriedades e

reconheçam as formas como elementos cotidianos e elementos da natureza, que os represente

através de desenhos como propõem Pais (1996; 2000), Nacarato (2000) e Brasil (2001). O que

evidencia aumento na compreensão das estratégias de ensino.

6.1.4 Entrevista final sobre o método Estudo e Planejamento de Lições

Com o objetivo de investigar as relações com o saber nas quais as professoras se

envolveram que desencadearam indícios de processos de construção e de mudança de saberes

docentes, ao experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições, analiso, a seguir, os

dados coletados através da entrevista final sobre o Estudo e Planejamento de Lições, no

contexto de escola, a partir das proposições de Charlot (2001) sobre as relações com o saber.

Não analiso cada professora individualmente, mas o processo vivido por elas, como

recomenda o autor.

A primeira proposição que Charlot (2001) coloca é: “Aprender é um movimento

interior que não pode existir sem o exterior.” (p.26). Os relatos seguintes apontam que o

método Estudo e Planejamento de Lições foi um elemento exterior que favoreceu uma relação

com o saber que propiciou aprendizagem:

73

• “Os estudos, as discussões estão ajudando a propor atividades diferentes,

interessantes que os alunos estão gostando.” (Iara, diário de campo);

• “Eu nunca vi, nunca trabalhei geometria dessa forma, estou começando a

gostar desse estudo.” (Ana, diário de campo).

Outra relação com o saber com a qual as professoras se envolveram, ao participar do

Estudo e Planejamento de Lições, foi a colocada pela proposição:“Toda relação com o saber

é também relação consigo.” (CHARLOT, 2001, p.27). A relação com o saber, com o aprender

envolve uma pessoa que se relaciona com ela mesma, como mostram as afirmações seguintes.

“Ando muito desanimada, os alunos são muito indisciplinados e apresentam muita defasagem

de conteúdo.” (Raquel, diário de campo). Raquel disse isso para justificar sua falta de

mobilização para contribuir com sugestões para uma lição planejada por Iara. Já Iara trazia

uma relação consigo de motivação que favorecia uma relação com o saber que propicia a

aprendizagem: “Apesar das dificuldades, estou sempre procurando aprender, melhorar minhas

aulas.” (diário de campo).

Outra proposição de Charlot (2001) é: “Toda relação com o saber é também relação

com o outro.” (p.27). As afirmações seguintes das professoras revelam que a relação com o

outro com as quais elas se envolveram ao participarem do Estudo e Planejamento de Lições

foram fundamentais para estabelecerem uma relação com o saber. Para Ana “É muito difícil

estudar individualmente.” (diário de campo). O “outro” que estava interferindo na

aprendizagem de Ana eram as outras professoras participantes do Estudo e Planejamento de

Lições. Ana estava com dificuldade de encontrar com as outras professoras para estudar e

planejar as lições. Para Iara, o “outro” estava representado pelas outras professoras

participantes do Estudo e Planejamento de Lições e também por mim. Ela afirma: “A maioria

das professoras da escola não troca atividades. Trocar atividades, idéias faz falta. É muito

bom discutir as atividades com você.” (Iara, diário de campo). E considera que as trocas, os

estudos e planejamentos coletivos das lições favorecem a construção de saberes. Ainda para a

Iara, o “outro” também foi representado pelos alunos como revela o relato: “Apesar das

dificuldades, eu tento inovar, buscar atividades interessantes para os meus alunos, eu

preocupo com a aprendizagem deles.” (diário de campo). O desejo que os alunos aprendam

mobiliza a professora a buscar atividades interessantes para os alunos.

Ainda segundo Charlot (2001): “Toda relação com o saber é também relação com o

mundo.” ( p.27). A professora que está em uma relação com o saber está inserida em um

contexto, em uma escola, em uma cultura que faz parte do seu mundo. Os relatos a seguir

74

mostram que as condições de trabalho na escola, a cultura de trabalho dos professores da

escola, a distribuição de horários das professoras não favorecem que elas se encontrem, dentro

do turno de trabalho, para estudarem novas propostas curriculares, planejarem suas aulas

coletivamente, trocarem experiências:

• “Eu queria que a escola arrumasse um jeito para eu encontrar com as outras

professoras para discutirmos, eu trabalho em dois turnos, fica difícil.” (Ana,

diário de campo).

• “Eu converso mais com as professoras do meu trio, com as outras não dá

tempo.” (Simone, diário de campo).

• “Aqui na escola é cada um por si, mal, mal discuto alguma coisa com as

professoras do meu trio.” (Raquel, diário de campo).

Como foi dito anteriormente, as professoras do 1o e 2o ciclos trabalham em subgrupos,

em trios. As professoras apresentam a realidade de seu contexto de trabalho, ou seja, a

formação de subgrupos de trabalho dentro da própria escola, o isolamento entre os subgrupos

da escola, o individualismo entre os professores, a falta de um horário para encontrarem,

como um dos mundos com o qual elas necessitam relacionar-se e que constitui um obstáculo

em suas relações com o saber.

Os relatos das professoras revelam que o método Estudo e Planejamento de Lições

pode propiciar relações com o saber que favoreçam o desenvolvimento profissional, mas o

método, aplicado no contexto de escola, está condicionado pela organização e pela cultura de

trabalho da escola. Nesse contexto os grandes problemas enfrentados foram: falta de

disponibilidade de tempo das professoras, cultura de trabalho individualista, falta de

mobilização de algumas professoras.

Há indícios de que o trabalho coletivo na escola apresenta muitas potencialidades para

o desenvolvimento profissional de professores, mas, também, está sujeito a conflitos, às

condições de trabalho da escola, à cultura escolar. (NACARATO, 2005). No caso dessas

professoras, o trabalho parece estar permeado de individualismo, isolamento, obstáculos

apontados por Ponte (1995) e por Fullan e Hargreaves (1996) e que acabam por comprometer

processos de desenvolvimento profissional.

75

6.2 Análise dos dados do contexto de ensino

Os dados do contexto de ensino são analisados de forma similar ao que foi feito no

contexto de escola, discriminando as fontes, ou seja, entrevistas e questionários, materiais

didático-pedagógicos, registro escrito das lições, observações do diário de campo. Nesse

contexto, há mais uma fonte de dados que são os episódios selecionados da gravação em

áudio e vídeo. Utilizo também um estudo de caso para ilustrar o potencial de crescimento no

conhecimento da Matemática e das estratégias de ensino das futuras professoras ao

participarem do Estudo e Planejamento de Lições.

6.2.1 Questionários iniciais

No contexto de ensino foram aplicados dois questionários, antes de explorar o método

Estudo e Planejamento de Lições. O primeiro com o objetivo de obter informações sobre

concepções que as futuras professoras, alunas de Pedagogia, traziam consigo antes de

experimentarem o método para servirem de base para verificar se essas concepções são

abaladas após elas experimentarem o método. As respostas das futuras professoras, alunas da

Pedagogia, juntamente com anotações feitas no diário de campo no momento da socialização

das respostas, permitiram identificar concepções a respeito da Matemática e seu ensino-

aprendizagem. As concepções foram identificadas a partir das descrições de experiências

matemáticas, algumas delas traumáticas: “A única “experiência marcante” que tive com a

Matemática foi as recuperações que tomava no fim de todo ano escolar no ensino

fundamental.” (Sheila31, questionário); “A Matemática para mim sempre foi um tormento,

tinha medo de fazer as provas.” (Sandra, questionário). De modo geral: a Matemática é

abstrata, é difícil; a maioria das pessoas não gosta de Matemática; muitos conteúdos de

Matemática não são aplicados na prática, concepções encontradas também por Ponte (1992).

Algumas respostas ao questionário e falas de alunas no momento da socialização revelam

essas concepções:

______________ 31 Os nomes foram alterados para preservar a identidade das futuras professoras.

76

Minhas experiências Matemáticas foram mais abstratas. (Naiara, questionário); Acredito que, basicamente, a maioria dos conteúdos de Matemática ensinados na escola não são colocados na prática do nosso dia-a-dia. (Carla, questionário); Ninguém aqui gosta de Matemática. (Márcia, diário de campo); Tenho muita dificuldade em Matemática. (Silvana, diário de campo).

A maioria das futuras professoras, no momento da socialização e da discussão das

respostas a esse questionário, pareceu partilhar dessas concepções.

O segundo questionário tinha o objetivo de obter informações sobre as experiências

das futuras professoras com relação à geometria, seu ensino-aprendizagem e suas possíveis

demandas com relação à aprendizagem desse conteúdo e a forma de ensiná-lo, buscando

verificar se o método Estudo e Planejamento de Lições poderia abordar esse tema. Os

questionários revelaram que as futuras professoras não tinham visto geometria nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, que a grande maioria delas afirmava ter estudado muito

pouco a geometria e apenas nos anos finais do Ensino Fundamental e também um pouco no

Ensino Médio. No que diz respeito ao conteúdo de geometria que estudaram e aos conceitos

que elas consideram mais importantes de serem trabalhados, a maioria respondeu que: “não

lembro”, “não gostava de geometria”, “geometria era muito difícil”, “tinha muita dificuldade

de aprender”, “a geometria é muito abstrata”, “é muito distante da realidade” (questionários).

Essas afirmações revelam concepções das futuras professoras sobre a geometria e seu ensino-

aprendizagem que estão de acordo com as concepções que professores que ensinam

Matemática podem ter em relação à Matemática, apontadas por Ponte (1992).

A maioria das futuras professoras respondeu que teria dificuldade de ensinar

geometria. Esses resultados confirmam resultados de outras pesquisas que apontam lacunas na

formação do professor no que diz respeito à geometria e seu ensino-aprendizagem. (BELO

HORIZONTE, 2006; NACARATO, 2000).

6.2.2 Materiais didático-pedagógicos

As futuras professoras apresentaram dificuldades de selecionar materiais didático-

pedagógicos para planejarem suas lições. Os materiais didático-pedagógicos selecionados

juntamente com a socialização e discussão sobre os mesmos, assim como os questionários e

entrevistas, revelaram a formação insuficiente das futuras professoras com relação à

geometria e seu ensino-aprendizagem e também algumas concepções pedagógicas. Elas

77

estavam inseguras quanto a que material selecionar e, quando selecionavam o material,

tinham dúvidas sobre que conceitos explorar e sobre como explorá-los, não tinham clareza da

fundamentação teórica dos materiais como apontado por Pais (2000).

As futuras professoras, alunas da Pedagogia, como parte da ementa da disciplina

Metodologia e Conteúdos Básicos de Matemática I, estudaram, discutiram propostas

curriculares como o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, Brasil (1998), e os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, Brasil (2001). Ao participarem do Estudo

e Planejamento de Lições, as discussões sobre essas propostas curriculares foram retomadas,

aprofundadas e as futuras professoras as utilizaram para planejarem suas lições e, também,

utilizaram revistas e textos da internet na área de Educação, livros didáticos e materiais

concretos – brinquedos, blocos lógicos, etc - que tinham na biblioteca da universidade, nos

seus locais de trabalho (todas as alunas da Pedagogia que tinham emprego trabalhavam na

área de Educação).

No que diz respeito à geometria, ao discutirem e utilizarem o Referencial Curricular

Nacional da Educação Infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para

planejarem suas lições, as futuras professoras tinham muitas dúvidas sobre as nomenclaturas,

sobre o que era bidimensional e tridimensional e afirmaram que o pouco de geometria que

viram não era da forma sugerida por essas propostas curriculares, que propõem o ensino de

geometria através de experimentação sobre os objetos do espaço, da exploração e

investigação.

As futuras professoras tiveram dúvidas sobre como ensinar geometria através de

exploração, investigação, então propus que elas estudassem para discutirmos o texto:

“Investigar em Matemática” de Ponte, Brocardo e Oliveira (2003). Elas gostaram muito do

texto, foram na realidade muito influenciadas por ele, tendo a preocupação de planejar suas

lições visando que elas fossem atividades investigativas. Na próxima seção, isso é ilustrado

através de um estudo de caso.

Acharam muito interessante e inovador explorar, investigar, perceber a geometria nos

elementos da natureza, nas construções humanas como mostram as afirmações: “Nunca vi

geometria assim, talvez assim eu aprenderia.” (Gislene, diário de campo); “Quem me dera se

eu tivesse visto geometria assim.” (Silvana, diário de campo); “ Do jeito que eles falam parece

até que é fácil.” (Bárbara, diário de campo).

Para planejar suas lições sobre formas espaciais e planas, além do Referencial

Curricular Nacional da Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais de

Matemática, as futuras professoras pesquisaram o assunto em livros didáticos e na internet.

78

Elas tiveram dificuldades de selecionar os livros didáticos, pegaram livros muito avançados

como de geometria analítica para o Ensino Superior e também livros muito antigos e/ou que

abordavam a geometria de forma axiomática, dedutiva, rigorosa. Talvez essa fosse a

concepção de geometria que elas tinham, diferente do que é proposto pelo Referencial

Curricular Nacional da Educação Infantil e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de

Matemática. Novamente parece evidente que a formação em geometria era insuficiente e que

apresentavam dificuldade de analisar livros didáticos. Algumas futuras professoras também

apresentaram dificuldade de selecionar textos da internet. Trouxeram textos ruins, com erros

conceituais como, por exemplo, um texto da internet trazido por Sandra que tinha a seguinte

definição: “Retângulo é uma figura plana limitada por quatro segmentos de forma que seus

lados sejam iguais dois a dois.” (diário de campo). Essas dificuldades foram discutidas em

pequenos grupos e socializadas com toda a turma de Pedagogia. A partir dessas discussões

foram propostos critérios, fundamentados teoricamente como propõe Pais (2000), para

escolher os materiais didático-pedagógicos, como por exemplo: selecionar livros didáticos

recomendados pelo Programa Nacional do Livro Didático, ter cuidado ao escolher textos da

internet, pois podem ser não confiáveis.

As futuras professoras também utilizaram material concreto para planejarem suas

lições. Sugeri que elas utilizassem sucata – caixinhas de remédios, de chocolates, latinhas, etc

– e elas trouxeram de casa e do trabalho, materiais concretos que pudessem ser explorados nas

suas lições, como blocos lógicos32, dados de emborrachado e de espuma. Algumas futuras

professoras ao apresentarem os materiais que trouxeram da escola em que trabalhavam, os

dados de emborrachado e de espuma que utilizavam em brincadeiras com crianças da

Educação Infantil os nomearam de quadrado, evidenciando dificuldades relativas à

nomenclatura das formas geométricas. Mas nomeá-las, mesmo que corretamente, não

significa ter se apropriado do conceito. Nomearam incorretamente - como retângulo,

quadrado, triângulo, círculo - as formas geométricas dos blocos lógicos de madeira que

trouxeram, que tinham uma espessura significativa e eram prismas e cilindros. Normalmente,

esse material concreto não é bem utilizado. Geralmente, é utilizado para ensinar operações

básicas para a aprendizagem da Matemática. (FAIZETTA, 1998). Os blocos lógicos trazidos

______________ 32 “Um jogo de blocos lógicos contém 48 peças divididas em três cores (amarelo, azul e vermelho), quatro formas (círculo, quadrado, triângulo e retângulo), dois tamanhos (grande e pequeno) e duas espessuras (fino e grosso).” (FALZETTA, 1998). O autor não destaca as formas espaciais prismas e cilindros em seu artigo, ao se referir aos blocos lógicos.

79

por algumas futuras professoras eram utilizados, segundo elas, na escola de Educação Infantil

que elas trabalhavam com o objetivo de ensinar a classificação, priorizando as operações.

A partir das dificuldades, dúvidas sobre como utilizar os blocos lógicos, sugeri a

leitura e discussão do texto: “Construa a lógica, bloco a bloco” de Faizetta (1998). Dois

grupos planejaram suas lições utilizando os blocos lógicos para a aprendizagem da geometria

o que parece revelar aumento na compreensão das estratégias de ensino, pois antes do método

Estudo e Planejamento de Lições ele era utilizado por elas visando que as crianças

aprendessem as operações.

Os textos selecionados para fundamentar teoricamente as escolhas dos materiais

didático-pedagógicos, a fim de proporcionar a exploração dos mesmos de forma a favorecer a

construção dos conceitos geométricos foram escolhidos por mim de acordo com as demandas

das futuras professoras. O texto “Investigar em Matemática” de Ponte, Brocardo e Oliveira

(2003) foi escolhido a partir da necessidade de entender como ensinar geometria através da

investigação; o texto “Construa a lógica, bloco a bloco” de Faizetta (1998), foi escolhido

devido à demanda por entender como explorar os blocos lógicos para aprender geometria. O

texto “É errando que a gente aprende” de Demo (2001), foi estudado e discutido, pois várias

futuras professoras manifestaram o medo de errar ao expor as suas lições e foi muito bem

aceito por elas. O Estudo e Planejamento de Lições foi desenvolvido de forma a não tentar

preparar teoricamente as futuras professoras para depois elas aplicarem na prática o que

aprenderam como recomendado por Nacarato (2000), mas de forma a construir saberes

docentes, mediados por estudos teóricos, a partir de aspectos da prática docente como o

planejamento de lições para serem aplicadas efetivamente em sala de aula.

Parece que o estudo, as discussões sobre os materiais didático-pedagógicos, os textos

propostos por mim contribuíram para o processo reflexivo das futuras professoras, de forma

que elas questionassem suas concepções como revelam as afirmações: “Nunca pensei que

poderia trabalhar geometria com crianças da Educação Infantil.” (Naiara, diário de campo);

“Sempre achei geometria tão difícil, não aprendi geometria manipulando material concreto,

isso ajuda.” (Miriam, diário de campo).

Assim como no contexto de escola, as futuras professoras do contexto de ensino

também tiveram acesso a materiais sobre o quê, o como e o porquê ensinar geometria. Mas a

exploração desses materiais, com o objetivo de construir conceitos geométricos, depende de

concepções pedagógicas, que parecem ter sido abaladas, como mostram as afirmações de

Naiara e Miriam, ao participarem do Estudo e Planejamento de Lições, e depende da

formação. (PAIS, 2000).

80

Há indícios de que o Estudo e Planejamento de Lições contribuiu para o

desenvolvimento profissional das futuras professoras, uma vez que houve um crescimento na

compreensão das formas espaciais e planas e de suas estratégias de ensino como aponta o

estudo de caso que é apresentado na seção seguinte.

6.2.3 Estudo e Planejamento de Lições sobre formas espaciais e planas

Para ilustrar as potencialidades do método Estudo e Planejamento de Lições para

promover o desenvolvimento profissional de futuros professores que ensinam Matemática,

faço um estudo de caso que envolve dois grupos, um que planejou a lição e o outro que

ajudou a (re)elaborá-la. A decisão de escolher esses grupos é devido ao fato da

impossibilidade de mostrar o que aconteceu com cada futura professora da turma que tinha 45

alunas. Os componentes dos grupos apresentaram as seguintes características: disposição para

participar do método Estudo e Planejamento de Lições, disposição para partilhar suas idéias

sobre a Matemática e seu ensino-aprendizagem, disposição para trabalhar coletivamente e

indícios de crescimento na compreensão de formas espaciais e planas através do Estudo e

Planejamento de Lições.

Apresento, a seguir, uma lição planejada pelo grupo formado por Nilce, Sandra,

Luciana e Silvana e que foi (re)elaborada por outro grupo formado por Bárbara, Laís e Júlia.

Ressalto que a lição planejada foi elaborada e (re)elaborada ao longo de um processo, o Ciclo

de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições, que se desenvolveu de agosto a

novembro de 2007.

O processo de elaboração e (re)elaboração da lição revela indícios de crescimento na

compreensão da Matemática, especificamente acerca do conteúdo de formas espaciais e

planas e das estratégias de ensino do mesmo. O crescimento na compreensão de formas

espaciais e planas é analisado da mesma forma que no contexto de escola, ou seja, tomando

como aporte teórico as idéias de Pais (1996; 2000) de que a construção dos conceitos

geométricos é um processo que envolve objetos materiais, desenhos, e imagens mentais no

qual o recurso simultâneo das bases intuitivas e da atividade experimental é necessário. Essa

sustentação teórica é complementada com Nacarato (2000) e Brasil (2001) que tratam de

questões epistemológicas e pedagógicas do conhecimento geométrico.

81

Antes do Estudo e Planejamento de Lições, os questionários iniciais, entrevistas e os

debates sobre os materiais didático-pedagógicos escolhidos pelas futuras professoras

revelaram que elas apresentavam uma formação insuficiente em geometria, concepções

equivocadas, muitas dificuldades e insegurança para trabalhar esse conteúdo.

O grupo formado por Nilce, Sandra, Luciana e Silvana elaborou uma lição que

evidencia que o grupo se apropriou da idéia de que para aprender geometria, é necessário que

os alunos explorem o espaço ao seu redor para identificar formas geométricas como

recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, Brasil (2001). O grupo

propôs em sua lição33: “Pedir aos alunos que identifiquem no espaço escolar as formas

apresentadas.” (registro escrito da lição). Elas apresentaram e exploraram a representação de

formas geométricas planas através de desenhos como recomendam Pais (1996; 2000),

Nacarato (2000) e Brasil (2001).

O método Estudo e Planejamento de Lições foi desenvolvido através de um ciclo de

atividades dentre as quais temos a apresentação das lições pelas futuras professoras para as

outras participantes, alunas da Pedagogia. A lição elaborada por Nilce, Sandra, Luciana e

Silvana foi reproduzida para as outras participantes do Estudo e Planejamento de Lições, que

deveriam analisá-la apresentando contribuições para melhorá-la. A apresentação foi gravada

em áudio e vídeo. Na impossibilidade de apresentação de todos os episódios, foram

selecionados alguns que apresentam indícios de crescimento na compreensão de formas

planas e espaciais e de suas estratégias de ensino. A seguir, apresento os episódios

selecionados dessa gravação que foram analisados e organizados conforme o quadro 1. Para

simplificar, identifico o episódio apenas pelo seu número.

Ao iniciar a apresentação da lição elaborada pelo seu grupo, Nilce relata: “A gente não

sabe o nome de algumas figuras, você acredita?” (episódio 1). Nilce estava se referindo a

algumas figuras da questão 1 proposta pelo seu grupo. Outras fontes de dados desta pesquisa

(questionários, entrevistas) já haviam revelado a dificuldade que as futuras professoras

apresentavam em identificar formas geométricas.

Nilce afirmou: “Eu aprendi geometria já colocando as figuras no quadro e não falando

o nome delas e já falando: calcule o ângulo, a altura, as medidas delas.” (episódio 2). Essa

afirmação de Nilce revela que ela vivenciou o ensino de geometria colocado em segundo

plano, as figuras geométricas eram colocadas no quadro, mas priorizava-se o ensino de

aritmética, de álgebra como apontado por Nacarato (2000). Mais uma vez, é possível perceber

______________ 33 Anexo D. Esse anexo é composto pela lição “Formas geométricas planas” e por uma (re)elaboração dessa lição.

82

na fala de Nilce a preocupação com a nomeação das figuras geométricas. Sandra reforçou a

afirmação de Nilce e relatou que aprendeu geometria dessa forma. Sandra alegou que não

aprendeu geometria da forma como elas estavam propondo na lição elaborada pelo seu grupo.

Isso pareceu ser um desafio para elas. De acordo com Nacarato (2000) os professores tendem

a ensinar como foram ensinados. Sandra questionou: “Como eu vou explicar para uma criança

o que significa um quadrado, um triângulo, o que é isso? Porque eu não aprendi

assim.”(Sandra, episódio 3). Sandra parece acreditar que se tivesse aprendido geometria da

forma como apontam as tendências atuais em Educação Matemática, estudadas por elas,

talvez não tivesse dificuldades: “Eu tenho dificuldade em geometria, também por causa disso,

porque eu não aprendi assim.” (episódio 3).

Durante a apresentação desse grupo, Nilce afirma: “O professor deverá apresentar aos

alunos as figuras geométricas planas conceituando-as, dando os nomes das figuras.”(episódio

4). Eu interrompi e perguntei para Nilce se conceituar era dar nome. Então, Sandra interferiu:

“Explicando, por que é um quadrado? Porque tem quatro lados...” (episódio 4). Nesse

momento da apresentação, a futura professora Bárbara, de outro grupo, interferiu: “Tem que

ver as características.” (episódio 4). A discussão parece revelar que elas estavam caminhando

no sentido de compreender que para reconhecer uma figura geométrica é necessário

identificar suas propriedades.

O método Estudo e Planejamento de Lições compreende um ciclo de atividades em

que uma delas é a (re)elaboração da lição a partir das contribuições de outros participantes do

método. Bárbara, Laís e Júlia (re)elaboraram34 a questão 1 que ficou assim:

“1) Observe as formas geométricas planas abaixo e escreva suas principais características

como quantidade de lados iguais e opostos, ângulos. Agora, a partir das suas anotações, tente

identificar o nome de cada forma de acordo com suas características.” (registro escrito da

lição (re)elaborada). Elas estavam propondo que a lição incentivasse os alunos a descreverem

as propriedades das figuras, o que segundo Brasil (2001), deve ser explorado no processo de

construção dos conceitos geométricos.

Bárbara, Laís e Júlia colocaram a observação: “O aluno deve aprender a identificar as

peculiaridades de cada forma, o que se faz necessário que antes da identificação do nome, o

professor peça a identificação de suas características. Posteriormente, embasado na sua

análise de cada forma é que se consegue a nomenclatura.” (registro escrito da lição

(re)elaborada).

______________ 34 As sugestões de Bárbara, Laís Júlia para (re)elaborar a lição estão no anexo D.

83

A (re)elaboração da lição parece evidenciar que essas futuras professoras aumentaram

seu conhecimento sobre estratégias de ensino de formas planas e espaciais. Parece que

entenderam a necessidade de observar, de explorar os desenhos, as formas das figuras

geométricas, de descrever essas formas para identificá-las, para reconhecê-las como

elementos cotidianos, como apontam Pais (1996; 2000), Nacarato (2000) e Brasil (2001).

Nessa lição Nilce, Sandra, Luciana e Silvana exploraram também, na questão 2, o uso

de malhas, que segundo Brasil (2001) é um recurso importante no processo de construção de

conceitos geométricos. Nessa questão 2 o grupo explorou a malha triangular, anexo D, e

propôs que se pintasse nessa malha as figuras planas desenhadas na questão 1, no caso:

hexágono, trapézio isósceles, paralelogramo, triângulo, quadrado e retângulo. Ainda na

questão 2, o grupo propôs:

“a) Você encontrou todas as formas na malha?

b) Quais você encontrou?

c) Quais você não encontrou?” (registro escrito da lição).

Quando Nilce, Sandra, Luciana e Silvana, se referindo à questão 2, perguntaram para a

turma se era possível pintar na malha todas as figuras - hexágono, trapézio isósceles,

paralelogramo, triângulo, quadrado e retângulo – uma discussão se formou: algumas futuras

professoras achavam que não era possível pintar o retângulo na malha e outras defendiam

que era possível. Bárbara afirmou: “Retângulo dá para fazer sim.” (episódio 5).

Bárbara desenhou um retângulo utilizando as margens da malha e Sandra interferiu

dizendo: “A margem não pode ser usada, não faz parte da malha.” (episódio 5). Então Bárbara

argumentou: “Mas a criança vai achar que ela pode. Tem que explicar.” (episódio 5). Júlia

desenhou na lousa o que ela julgava ser um retângulo que poderia ser pintado:

Então, Nilce e Sandra afirmaram que a figura que Júlia desenhou não era retângulo.

Nesse momento, foi possível ouvir de futuras professoras participantes do Estudo e

Planejamento de Lições: “Ai meu Deus, não é retângulo?”; “Isso é tempestade cerebral”?

(episódio 5). Sugeri que investigassem se a figura desenhada por Júlia era ou não um

retângulo.

84

Após a discussão, ao tentarem (re)elaborar a lição planejada por Nilce, Sandra,

Luciana e Silvana, o grupo formado por Bárbara, Laís e Júlia chegou à conclusão que a figura

desenhada por Júlia não era retângulo: “Para ser um retângulo é necessário que tenha quatro

lados, que 2 pares de lados sejam paralelos e que tenha 4 ângulos retos.” (diário de campo).

Laís reforçou que “Para saber que figura é, precisamos identificar as características da

figura.”(diário de campo). Júlia desenhou a seguinte figura:

e complementou: “Então essa figura é um retângulo. Antes eu não ia saber.”(diário de

campo). Parece que Júlia consegue, após o Estudo e Planejamento de Lições, identificar o

retângulo mesmo ele não estando em sua “configuração geométrica”, noção apontada por Pais

(2000). Essas afirmações de Bárbara, Laís e Júlia revelam que parece que houve aumento na

compreensão do conceito de retângulo.

No contexto de ensino, a lição elaborada por Nilce, Sandra, Luciana e Silvana e

(re)elaborada por Bárbara, Laís e Júlia não foi aplicada em sala de aula durante o

desenvolvimento do Estudo e Planejamento de Lições por falta de tempo (final de semestre

letivo).

6.2.4 Questionário final sobre o método Estudo e Planejamento de Lições

Com o objetivo de investigar as relações com o saber nas quais as futuras professoras

se envolveram ao experimentarem o método Estudo e Planejamento de Lições que

desencadearam indícios de processos de construção e de mudança de saberes docentes, de

práticas, analiso os dados coletados através do questionário final sobre o Estudo e

Planejamento de Lições, utilizando a mesma metodologia empregada na interpretação dos

dados do contexto de escola. Não analiso cada futura professora individualmente, mas o

processo vivido por elas, como recomenda Charlot (2001).

A primeira proposição que Charlot (2001) coloca é: “Aprender é um movimento

interior que não pode existir sem o exterior.” (p.26). Os relatos seguintes apontam o método

85

Estudo e Planejamento de Lições como um elemento exterior que favoreceu uma relação com

o saber que propiciou aprendizagem.

A metodologia usada nos levou a investigar, pesquisar. O trabalho em grupo nos ajuda, pois aprendemos com os outros. Para elaborar o planejamento da lição é preciso conhecer o conteúdo. Dúvidas surgiram e ter dúvidas é importante, pois a partir da dúvida buscamos resposta, solucionar o problema que surgiu. (sem identificação).

A princípio tivemos muitas dúvidas, mas após várias discussões e pesquisas, desenvolvemos um trabalho em equipe levando a investigar, questionar, pensar, experimentar, pesquisar o objeto de estudo. O processo de desenvolvimento de lições contribuíram (sic) para minha formação na percepção da importância de se trabalhar em grupo, de discutir, investigar, pesquisar, questionar, duvidar e buscar o conhecimento, experimentar, não ter medo de levantar conjecturas mesmo que possam estar erradas. Na minha opinião a metodologia de estudo de lições é muito interessante e pertinente, pois leva tanto o professor quanto o aluno a pensar coletivamente, a respeitar o conhecimento do outro, a buscar o conhecimento de forma investigativa, crítica e construtiva. (Rafaela).

Considero que evoluímos nos aspectos de podermos socializar sobre as atividades elaboradas. Considero que para futura atuação como professor terei que pesquisar mais. Além de ser um método que leva a nos questionar como aprendemos de forma errada. (Laura).

Acredito que o processo de desenvolvimento das lições contribuíram (sic) muito para o meu conhecimento, e conseqüentemente para minha formação docente. “Assimilei e acomodei” diversos pontos que até pouco tempo atrás ainda não tinha conhecimento. Com tudo que aprendi aqui, tenho mais segurança, para planejar e executar uma aula de Geometria. (Laís).

As afirmações seguintes evidenciam que as futuras professoras se envolveram, ao

participarem do Estudo e Planejamento de Lições, na relação com o saber colocada pela

proposição: “Aprender é uma construção de si que só é possível pela intervenção do outro.”

(CHARLOT, 2001, p.26).

Dentre as várias questões levantadas pelo grupo para elaboração da lição acredito que a troca de informação e experiência discutidas em grupo foram as que mais contribuíram significativamente para minha formação docente, pois um bom professor é aquele que aprende com o outro, com a vivência e experiência do outro. (sem identificação).

Um ponto positivo no desenvolvimento das lições, na minha opinião, foi o trabalho em grupo, dessa forma, as atividades ficaram mais ricas, acredito que para minha formação isso contribuiu muito, já que normalmente percebo o individualismo das professoras (no colégio em que eu trabalho) em elaborar propostas de atividades. (Carla).

86

Outra relação com o saber com a qual as futuras se envolveram, ao participarem do

Estudo e Planejamento de Lições, foi a colocada pela proposição:“Toda relação com o saber

é também relação consigo.” (CHARLOT, 2001, p.27).

Vejo, hoje, uma luz no fim de um túnel, pois Matemática não é o bicho papão que todos pensam. (Elza). O grupo evoluiu no aspecto de tirar o “medo” da geometria e do entendimento da matéria com tranqüilidade. (Gislene). Ao desenvolver as lições descobri que a Matemática pode ser ensinada e aprendida de formas diferentes, a pesquisa foi de grande valia. (sem identificação). Trocar idéias com os colegas para ampliar seus conhecimentos, não ter medo por não saber um determinado conteúdo, empenhando para aprender o mesmo. (Vanessa).

Essas futuras professoras parecem ter se envolvido em relações com o que aprendem e

com elas mesmas. Parece que questionaram concepções prévias que traziam consigo.

“Toda relação com o saber é também relação com o outro.” (CHARLOT, 2001, p.27).

A relação com o outro parece ter sido a que as futuras professoras mais se envolveram ao

participarem do Estudo e Planejamento de Lições. É recursiva, na análise feita, a ênfase

colocada pela maioria das futuras professoras na relação com o outro como mostram as

afirmações seguintes:

O trabalho em grupo nos ajuda, pois aprendemos com os outros. (sem identificação).

A forma como se deu o estudo de lições pra mim foi suficiente porque teve investigação, pesquisa, construção, elaboração, trabalho em equipe, respeito pela opinião do outro (o que é uma característica marcante do grupo), enfim, perceber a Matemática com um novo olhar, mais maduro é claro. (Naiara).

Para Naiara e para a futura professora que não quis se identificar o “outro” que

interferiu na aprendizagem delas foram as outras futuras professoras. Já para a futura

professora que afirmou: “Um ponto importante foi a ida à biblioteca, pois proporcionou a

investigação dos conteúdos de Matemática e pudemos perceber como um livro trata de forma

diferente um conteúdo do outro.” (sem identificação), o “outro” estava representado pelas

obras produzidas pelo ser humano. E para as futuras professoras Lucilene e Laís o “outro” que

foi fundamental para elas estabelecerem uma relação com o saber foi o grupo de futuras

professoras, como mostram as afirmações:

87

Pesquisamos sobre o assunto e depois elaboramos algumas lições, e a socialização das lições com os demais grupos também é uma ótima forma de compreendermos o assunto trabalhado. (Lucilene). O fato de planejar uma atividade em grupo, como ocorreu com a maioria, implica num processo de discussão (que é muito importante) e pesquisa (o que supõe muita leitura). Acho que foi exatamente neste processo que conseguimos construir o nosso conhecimento. Na minha opinião o grupo aprendeu satisfatoriamente as matérias estudadas, como por exemplo as figuras planas e tridimensionais, que no início foi tarefa árdua para nós. (Laís).

Essas colocações revelam a potencialidade do Estudo e Planejamento de Lições para

propiciar construção de saberes docentes na medida que favorece relações com o outro.

Ainda segundo Charlot (2001): “Toda relação com o saber é também relação com o

mundo.” ( p.27). A futura professora que está em uma relação com o saber está inserida em

um contexto, em uma cultura que constituem o seu mundo. O mundo em que elas vivem, a

necessidade de trabalhar e estudar não favorece que as futuras professoras tenham tempo para

se encontrar extra-classe para estudar, para planejar as lições, trocarem experiências. Os

relatos a seguir revelam que essa relação com o mundo dificultou a relação com o saber: “Não

tenho tempo para encontrar fora do horário de aula, é difícil estudar, ter tempo para

pesquisar”. (Elza); “O problema é ter tempo para pesquisar.” (Gislene).

Através do questionário final sobre a avaliação das futuras professoras a respeito do

método Estudo e Planejamento de Lições pude identificar pontos positivos e negativos e uma

sugestão para melhorar o método Estudo e Planejamento de Lições.

O ponto positivo que apareceu com mais freqüência foi a possibilidade de ampliar o

conhecimento da Matemática como mostram as afirmações seguintes:

A possibilidade de ampliar nosso conhecimento limitado pela formação que recebemos, descoberta de novas possibilidades de se trabalhar os conteúdos matemáticos. (Isabel); Aprender o conteúdo das lições, entender conceitos matemáticos ainda não esclarecidos, na capacidade de desenvolver uma lição que foi de contribuição. (sem identificação); Positivamente temos o conhecimento adquirido, pois, tínhamos dúvidas extremas sobre o tema. (sem identificação); Evoluímos com relação ao entendimento das lições para o auxílio no processo de ensino-aprendizagem de Matemática. (Bárbara);

Ao decorrer do processo fomos aumentando nossos conhecimentos matemáticos o que nos auxiliou na realização e elaboração das lições. Acredito que o processo de desenvolvimento das lições contribuíram (sic) muito para o meu conhecimento, e

88

conseqüentemente para minha formação docente. Assimilei e acomodei diversos pontos que até pouco tempo atrás ainda não tinha conhecimento. Com tudo que aprendi aqui, tenho mais segurança, para planejar e executar uma aula de Geometria. (Laís).

Essas afirmações apontam a potencialidade do método Estudo e Planejamento de

Lições em promover o crescimento em compreensão da Matemática. Também parecem

apontar que o crescimento em compreensão da Matemática leva ao desenvolvimento de

habilidades para planejar melhor a lição e diversificar e melhorar as estratégias de ensino.

Essa potencialidade foi apontada por Cavey e Berenson (2005).

Os pontos negativos do Estudo e Planejamento de Lições identificados, na avaliação

das futuras professoras foram: problema de tempo disponível para pesquisar materiais

pedagógicos, didáticos, livros, artigos, revistas, para fazer o estudo das lições; na prática

dentro da escola, as professoras são muito individualistas e não trocam materiais. Esses

pontos podem ser ilustrados pela afirmação a seguir:

[...] normalmente percebo o individualismo das professoras (no colégio em que eu trabalho) em elaborar propostas de atividades. [...] Achei muito válida a metodologia utilizada para a atividade (pesquisa na biblioteca, em livros didáticos), porém acredito que na prática, isso às vezes se torna inviável, por causa do tempo gasto para a pesquisa, sendo que o tempo das professoras é muito corrido. (Carla).

Apenas uma sugestão foi feita no sentido de melhorar o Ciclo de Atividades para o

Estudo e Planejamento de Lições: que a lição seja aplicada em sala de aula. O que evidencia a

importância dada pelas futuras professoras à aplicação, na prática, dos saberes construídos, o

que foi destacado por Tardif (2002). As afirmações seguintes ilustram as sugestões de futuras

professoras: “Mesmo tendo o tempo limitado, a possibilidade de aplicação das atividades

elaboradas para verificação da eficácia da atividade.” (Isabel) ; “Sempre que possível aplicar a

lição realizada.” (Karina).

89

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como foco investigar as potencialidades de uma adaptação do

método Estudo e Planejamento de Lições para promover o desenvolvimento profissional de

professores e futuros professores que ensinam Matemática, no contexto de escola e no

contexto de ensino.

Analisei as potencialidades do método a partir de duas perspectivas: investiguei se há

crescimento na compreensão da Matemática e das estratégias de ensino e se as professoras e

futuras professoras, participantes do Estudo e Planejamento de Lições, se envolveram em

relações com o saber que desencadearam indícios de processos de mudança e construção de

saberes docentes.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, o método Estudo e Planejamento de

Lições foi adaptado a um micro espaço brasileiro, ao nosso contexto educacional. Foi

construído o Ciclo de Atividades para Estudo e Planejamento de Lições, que constitui a

proposta deste trabalho para promover o desenvolvimento profissional de professores e

futuros professores:

O desenvolvimento profissional de professores foi concebido como um processo

complexo e reflexivo, mais amplo que a formação, que está sempre inacabado e

fundamentado em um elemento da prática docente que é o planejamento de lições articulando

teoria e prática.

Visando entender a complexidade do desenvolvimento profissional, procurei

compreender como os saberes docentes são construídos e, especificamente, como são

construídos os saberes em geometria, uma vez que o Ciclo de Atividades para Estudo e

Planejamento de Lições foi experimentado tendo por foco esse conteúdo.

No início do trabalho de campo um grande desafio, tanto no contexto de escola quanto

no de ensino, foi conciliar as disponibilidades escassas de horário das professoras e futuras

professoras, de modo que pudessem participar do processo. Devido a essa dificuldade, o

método só pôde ser experimentado no contexto de escola durante o turno de trabalho das

professoras e, no contexto de ensino, durante o horário de aula das futuras pedagogas.

Em ambos os contextos, inicialmente, foi necessário vencer o receio das professoras e

futuras professoras de se expor, de cometer erros, de cobranças de minha parte e de parte das

colegas. A conquista da confiança e da cumplicidade foi sendo desenvolvida ao longo do

processo.

90

Os aportes teóricos e os resultados da pesquisa apontam que a prática pedagógica e o

trabalho coletivo são determinantes para o desenvolvimento profissional. As professoras e

futuras professoras mobilizaram-se para construir as lições, na certeza de que esses saberes

docentes seriam aplicados efetivamente na prática. Esta pesquisa parece confirmar resultados

de outros estudos (TARDIF, 2002) de que professores e futuros professores se interessam e

valorizam mais os saberes que são aplicados na prática pedagógica. O trabalho em grupo e a

relação com o outro foram destacados pelas professoras e futuras professoras como

determinantes para favorecer as relações com o(s) saber(es) e o processo reflexivo.

A aprendizagem e o desenvolvimento profissional foram, assim, processos coletivos,

mas também individuais.

Os resultados obtidos permitiram verificar que o Ciclo de Atividades para o Estudo e

Planejamento de Lições favoreceu a construção de saberes docentes. Entretanto, a

mobilização para participar do método, o desejo de aprender das professoras e futuras

professoras foram processos individuais, manifestados através de um maior ou menor

envolvimento. A aprendizagem e o desenvolvimento profissional também foram processos

individuais que não aconteceram da mesma forma para as professoras e futuras professoras.

Nos dois contextos investigados, o desenvolvimento profissional das participantes dependeu

do desejo de aprender e das relações com os saberes estabelecidas.

No contexto de escola, a cultura de trabalho individualista, o isolamento entre as

professoras foram obstáculos ao Estudo e Planejamento de Lições, ao desenvolvimento

profissional. No contexto de ensino, o individualismo se mostrou menos evidente. Foi mais

marcante o medo de errar e de se expor, que foi contornado com textos que problematizavam

a prática, com reflexões teóricas e com o desenvolvimento do método.

O Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições foi desenvolvido com a

preocupação de não apenas preparar teoricamente as professoras e futuras professoras para

depois aplicarem, na prática, o que aprenderam, mas, sobretudo, construir saberes docentes,

mediados por estudos teóricos, a partir das demandas da prática docente. Aliar essas

demandas ao trabalho coletivo, à investigação e a textos que problematizavam a prática

docente parece ter favorecido o processo de reflexão.

O contexto de escola apresentou características peculiares, uma vez que não há

carência de espaço físico e nem de materialidade que dê suporte aos professores da escola. A

materialidade não pareceu ser determinante para o desenvolvimento profissional das

professoras participantes do Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições.

91

Esta pesquisa revelou, entretanto, a dificuldade de disponibilidade das professoras

para participação em programas de formação continuada, de desenvolvimento profissional

fora do contexto de escola, devido a uma jornada excessiva de trabalho, acrescida de uma

jornada complementar de tarefas domésticas. Assim, este trabalho confirma a escola como

local privilegiado para o desenvolvimento profissional de professores em exercício, assim

como apontou Nacarato (2005).

No entanto, a escola necessita se adequar à realidade, às demandas dos professores. No

contexto de escola, os ajustes de horários das professoras para poderem participar do Ciclo de

Atividades para Estudo e Planejamento de Lições, durante o turno de trabalho, não foram

suficientes para o desenvolvimento do processo. A cultura de trabalho individualista,

contingências como faltas de professores, eventos na escola, os conflitos e as relações

estabelecidas no contexto de trabalho foram fundamentais para as relações que as professoras

estabeleceram com o saber, com o aprender.

Dessa forma, acredito que as oportunidades e o suporte foram importantes para o

desenvolvimento profissional das professoras e futuras professoras, mas as relações que

estabeleceram com os saberes, a relação consigo mesmo, com o outro e com o mundo é que

foram determinantes para o desenvolvimento profissional das mesmas.

A literatura pesquisada já destacava as potencialidades do método Estudo e

Planejamento de Lições para promover o crescimento do conhecimento da Matemática

escolar e das estratégias de ensino de futuros professores de Matemática. Essas

potencialidades foram ampliadas para professores e futuros professores que ensinam

Matemática nos contextos de escola e de ensino. Além disso, os resultados desta pesquisa

apontaram que o método também apresenta a potencialidade de envolver os professores e

futuros professores em relações com os saberes que propiciam a mudança e a construção de

saberes docentes. Essas potencialidades do método ficam evidentes na perspectiva das

participantes da pesquisa.

Os resultados obtidos permitiram ainda verificar as potencialidades do Estudo e

Planejamento de Lições para promover o crescimento na compreensão da geometria e das

estratégias de ensino da mesma. Ao se experimentar o Ciclo de Atividades para Estudo e

Planejamento de Lições focalizando o conteúdo de geometria, Pais (1996; 2000), Nacarato

(2000) e Brasil (2001) são importantes referências para compreender como se constroem

saberes em geometria.

A literatura apontava as potencialidades do Estudo e Planejamento de Lições para

promover o crescimento na compreensão de trigonometria. Acredito que as potencialidades

92

podem ser estendidas a outros campos da Matemática. No contexto de escola, terminada a

coleta de dados desta pesquisa, outro Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de

Lições foi iniciado tendo como foco as quatro operações fundamentais. O trabalho com

cálculo escrito foi posto na compreensão da lógica dos algoritmos. O trabalho vem se

desenvolvendo com mais autonomia por parte das professoras. Acredito que a continuidade

do Estudo e Planejamento de Lições, por parte das professoras, pode favorecer a superação da

condição de reprodutoras de saberes para a de construtoras de saberes.

No contexto de ensino, algumas lições foram aplicadas na Educação Infantil onde a

maioria das futuras pedagogas trabalhava. Entretanto, não foi possível compartilhar a

experiência da sala de aula, tendo em vista a necessidade de finalizar o semestre. Segundo as

futuras professoras, aplicar as lições é fundamental, uma limitação que a pesquisa apresentou,

embora minimizada pelas contingências contextuais, de duração do Ciclo restrita a um

semestre letivo.

Ao final da investigação desenvolvida, novas possibilidades de pesquisa podem ser

delineadas. Como a aprendizagem propiciada pelo Ciclo de Atividades para o Estudo e

Planejamento de Lições poderia se estender a outros contextos?

Como professora, tinha uma experiência profissional no contexto de escola. Qual seria

a influência nas potencialidades do método se o pesquisador (ou agente externo) não tivesse

uma experiência profissional nesse contexto?

Acredito ter atingido o objetivo desta pesquisa. Os resultados evidenciaram as

possibilidades de uma adaptação do método Estudo e Planejamento de Lições de ampliar os

saberes docentes. O trabalho coletivo com o foco no planejamento de lições para serem

aplicadas na prática docente, a investigação e a reflexão parecem ter favorecido o

desenvolvimento profissional. Apesar de algumas dificuldades destacadas, há indícios de que

o método na sua adaptação como Ciclo de Atividades para o Estudo e Planejamento de Lições

apresenta o potencial de desenvolvimento profissional de professores e de futuros professores

que ensinam Matemática nos contextos de escola e de ensino.

Como professora-pesquisadora também me desenvolvi profissionalmente, aprendi

muito com o processo de Estudo e Planejamento de Lições e com as professoras e futuras

professoras.

Esta análise é uma interpretação possível, fruto da minha trajetória escolar e

profissional. Em outro contexto, com outra perspectiva teórica, outras relações com os

saberes, outras interpretações poderão ocorrer.

93

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98

APÊNDICE

99

APÊNDICE A - Proposta de Ciclo de Atividades para Estudo e Planejamento de Lições

Na proposta seguinte, o desenvolvimento profissional de professores é fundamentado

em um elemento da prática docente que é o planejamento de lições e tem por foco a

construção de saberes docentes que sejam aplicados, efetivamente, na prática profissional dos

professores e que, segundo Tardif (2002), parecem ser os saberes docentes mais valorizados

pelos professores. Há a pretensão de que através do Ciclo de Atividades para Estudo e

Planejamento de Lições teoria e prática sejam articuladas. O tempo gasto em cada Ciclo de

Atividades varia de acordo com o conteúdo matemático abordado e as intenções dos

professores ou futuros professores.

O seguinte Ciclo de Atividades para Estudo e Planejamento de Lições apresenta as

potencialidades de ampliar a compreensão da Matemática e das suas estratégias de ensino e de

envolver professores e futuros professores em relações com o saber que desencadeiam

indícios de processos de mudança e construção de saberes docentes.

Ciclo de Atividades para o método Estudo e Planejamento de Lições

• Planejamento inicial composto de entrevista/questionário individual

preliminar para levantar as demandas sobre a aprendizagem de um tópico específico de

Matemática e as disponibilidades de professores em exercício ou futuros professores para

participarem do Estudo e Planejamento de Lições.

• Seleção e exploração de materiais didático-pedagógicos escolhidos pelos

professores ou futuros professores e disponibilizados pelos contextos de ensino e/ou de

escola; de leituras propostas pela pesquisadora (ou agente externo) e/ou sugeridas pelos

participantes do Estudo e Planejamento de Lições. São recomendados os textos seguintes que

ajudam a mobilizar os professores ou futuros professores: “Parâmetros Curriculares Nacionais

de Matemática” (BRASIL, 2001), “Investigar em Matemática” (PONTE; BROCARDO;

OLIVEIRA, 2003), “É errando que a gente aprende” (DEMO, 2001), “Thinking Through a

Lesson Protocol” - Pensando através de um Protocolo de Lição - (BILL; HUGHES; SMITH,

2005).

• Planejamento individual da(as) lição(ões) sobre o tópico de Matemática

escolhido em comum. Nessa atividade o professor ou futuro professor tem acesso a materiais

100

didático-pedagógicos (escolhidos por ele e disponibilizados pelo pesquisador/agente externo)

para auxiliá-lo no planejamento da lição.

• Planejamento em grupo da(s) lição(ões). Nessa atividade, após todos os

membros do grupo terem terminado o planejamento individual e tendo ainda disponíveis os

materiais explorados anteriormente, o grupo discute as idéias que surgiram, o que aprendeu

com o planejamento individual, as modificações na(s) lição(ões) planejada(s) individualmente

e o que pretende fazer na apresentação da(s) lição(ões) para os outros participantes do Estudo

e Planejamento de Lições.

• Apresentação da(s) lição(ões) pelos grupos de professores ou futuros

professores, discussão e reflexão sobre as lições. É importante procurar fazer do momento

coletivo da apresentação das lições, da discussão e reflexão sobre as mesmas, um momento

para explorar: os saberes da experiência, os saberes adquiridos com a exploração dos

materiais didático-pedagógicos escolhidos pelos professores ou futuros professores e a

importância de compartilhar esses saberes com colegas professores ou futuros professores

para haver um aprendizado mútuo; o estudo, o planejamento das lições e a reflexão coletiva

sobre elas como uma possibilidade de desenvolvimento profissional permanente onde os

próprios professores ou futuros professores são sujeitos ativos de seu desenvolvimento.

• (Re)elaboração em grupo e por escrito da(s) lição(ões) após as intervenções,

contribuições, sugestões dos outros grupos.

• Aplicação da(s) lição(ões) em sala de aula.

• Compartilhamento da experiência de sala de aula.

Durante o Ciclo de Atividades para Estudo e Planejamento de Lições – e como parte

dele – o pesquisador/agente externo interage no contexto das reuniões dos professores ou

futuros professores e discute questões com os mesmos, numa perspectiva de trabalho coletivo

que admite decisões em conjunto (onde os interesses, as demandas, as expectativas dos

professores ou futuros professores são levados em conta) e ajuda mútua.

Os professores ou futuros professores, durante as atividades (ou fases) de

planejamento individual, planejamento em grupo e (re)elaboração em grupo da(as) lição(ões)

mostram por escrito as lições planejadas a partir dos materiais pesquisados e de outros que

julguem necessários. O pesquisador/agente externo faz intervenções nas lições planejadas por

eles, tanto para ajudá-los, se necessário e/ou solicitado, quanto para pedir esclarecimentos

101

sobre as mesmas: conteúdos aprendidos, dificuldades encontradas, justificativa das estratégias

de ensino escolhidas, etc.

102

ANEXOS

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ANEXO A - Geometria no Currículo

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106

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ANEXO B - Thinking Through a Lesson Protocol - TTLP

Part 1: Selecting and Setting up a Mathematical Task

What are your mathematical goals for the lesson (i.e., what is it that you want students to know and understand about mathematics as a result of this lesson)?

In what ways does the task build on students’ previous knowledge? What definitions, concepts, or ideas do students need to know in order to begin to work on the task? What questions will you ask to help students access their prior knowledge?

What are all the ways the task can be solved?

o Which of these methods do you think your students will use? o What misconceptions might students have? o What errors might students make?

What are your expectations for students as they work on and complete this task? o What resources or tools will students have to use in their work? o How will the students work -- independently, in small groups, or in pairs -- to

explore this task? How long will they work individually or in small groups/pairs? Will students be partnered in a specific way? If so in what way?

o How will students record and report their work?

How will you introduce students to the activity so as not to reduce the demands of the task? What will you hear that lets you know students understand the task?

Part 2: Supporting Students’ Exploration of the Task

As students are working independently or in small groups:

o What questions will you ask to focus their thinking? o What will you see or hear that lets you know how students are thinking about

the mathematical ideas? o What questions will you ask to assess students’ understanding of key

mathematical ideas, problem solving strategies, or the representations? o What questions will you ask to advance students’ understanding of the

mathematical ideas? o What questions will you ask to encourage students to share their thinking with

others or to assess their understanding of their peer’s ideas?

How will you ensure that students remain engaged in the task? o What will you do if a student does not know how to begin to solve the task? o What will you do if a student finishes the task almost immediately and

becomes bored or disruptive?

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o What will you do if students focus on non-mathematical aspects of the activity (e.g., spend most of their time making a beautiful poster of their work)?

Part 3: Sharing and Discussing the Task

How will you orchestrate the class discussion so that you accomplish your

mathematical goals? Specifically: o Which solution paths do you want to have shared during the class discussion?

In what order will the solutions be presented? Why? o In what ways will the order in which solutions are presented help develop

students’ understanding of the mathematical ideas that are the focus of your lesson?

o What specific questions will you ask so that students will: make sense of the mathematical ideas that you want them to learn? expand on, debate, and question the solutions being shared? make connections between the different strategies that are presented? look for patterns? begin to form generalizations?

What will you see or hear that lets you know that students in the class understand the

mathematical ideas that you intended for them to learn?

What will you do tomorrow that will build on this lesson?

The Thinking Through a Lesson Protocol was developed through the collaborative efforts (lead by Margaret Smith, Victoria Bill and Elizabeth Hughes) of the mathematics team at the Institute for Learning and faculty and students in the School of Education at the University of Pittsburgh. Smith, M.S. & Bill, V. (2004, January). Thinking Through A Lesson: Collaborative Lesson Planning as a Means for Improving the Quality of Teaching. Presentation at the annual meeting of the Association of Mathematics Teacher Educators, San Diego, CA. Hughes, E.K., & Smith, M.S. (2004, April). Thinking Through a Lesson: Lesson Planning as Evidence of and a Vehicle for Teacher Learning. Poster presented as part of a symposium, “Developing a Knowledge Base for Teaching: Learning Content and Pedagogy in a Course on Patterns and Functions " at the annual meeting of the American Educational Research Association, San Diego, CA.

109

ANEXO C - Lições planejadas no contexto de escola

110

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ANEXO D - Lição planejada no contexto de ensino e (re)elaboração da lição

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(Re)elaboração da lição no contexto de ensino