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Desigualdade de renda e as especificidades da inserção familiar no mercado
de trabalho
Lilia Montali e Marcelo Lima
Resumo
A continuidade da progressiva entrada da mulher no mercado de trabalho nos anos 2000 e 2010 vem consolidando os arranjos familiares de inserção identificados a partir dos anos 1990. Este ensaio procura mostrar que existem diferenças na inserção dos diferentes componentes familiares, orientadas pelos princípios da divisão sexual do trabalho e que este fato, principalmente nos estratos de renda mais baixos, dificulta a superação da pobreza. Nesse sentido, na análise das tendências recentes, procura identificar padrões distintos ao considerar as especificidades entre os arranjos domiciliares em diferentes estratos de renda, comparando os domicílios situados abaixo da mediana e acima da mediana do rendimento domiciliar per capita metropolitano. Os arranjos domiciliares de inserção evidenciam a crescente participação da mulher-cônjuge entre os ocupados da família e na composição da renda domiciliar em todos os arranjos familiares, partilhando a provisão domiciliar com o responsável masculino e filhos. A mulher chefe de família manteve sua participação elevada entre os ocupados, partilhando com filhos e parentes, ao passo que manteve sua posição de provedora principal do domicílio. A análise toma como referência empírica as pesquisas domiciliares realizadas pelo IBGE e tem por objeto a população metropolitana correspondente às 9 regiões metropolitanas analisadas pela PNAD e também o Distrito Federal, dessa forma, serão analisados dados da PNAD, IBGE, série 2001-2015 e dos censos demográficos.
Introdução
Os arranjos familiares de inserção identificados a partir dos anos 1990 vêm se
consolidando nos anos 2000 e 2010, relacionados à continuidade da progressiva
entrada da mulher no mercado de trabalho. Destaca-se, entre os componentes da
família, a crescente participação da mulher-cônjuge entre os ocupados da família e
sua crescente participação na composição da renda domiciliar. Considerando as
mulheres cônjuge e mulheres chefe de família como os componentes femininos com
responsabilidade pelo domicílio, constata-se nos anos recentes semelhança
crescente entre estas na inserção no mercado de trabalho no que se refere às taxas
Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas – MG – Brasil, 22 a 28 de setembro de 2018. Apresenta resultados do projeto “Família, trabalho e pobreza: entre as mudanças sociodemograficas e as políticas sociais - décadas de 80 a 2010” desenvolvido com o apoio do CNPq, junto ao NEPP/UNICAMP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (NEPP). Professor da Anhanguera Educacional.
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de participação, ocupação e desemprego bem como sua proporcionalmente maior
inserção em trabalhos precários (não formalizados e sem proteção social),
comparativamente aos demais componentes do domicílio. Estas características da
inserção no mercado de trabalho evidenciam que ambas sofrem com maior
intensidade os constrangimentos impostos pela divisão sexual do trabalho, limitando
seu acesso ao trabalho e a formas de inserção de melhor qualidade.
O período selecionado, 2001 a 2015, possibilita acompanhar os arranjos domiciliares
de inserção no mercado de trabalho em períodos de baixo crescimento da economia
e em períodos de expansão e identificar o que permanece e o que muda, tendo por
referência a divisão sexual do trabalho. Este ensaio procura mostrar que existem
diferenças na inserção dos diferentes componentes familiares, orientadas pelos
princípios da divisão sexual do trabalho e que este fato, principalmente nos estratos
de renda mais baixos, dificulta a superação da pobreza. A análise das tendências
recentes procura identificar padrões distintos de inserção familiar no mercado e de
responsabilidade na provisão do grupo doméstico, ao analisar especificidades entre
os arranjos domiciliares em diferentes estratos de renda domiciliar, comparando os
domicílios situados abaixo da mediana e acima da mediana do rendimento domiciliar
per capita metropolitano. A hipótese, com base em dados de nossos estudos
anteriores e em outros estudos acadêmicos sobre a inserção feminina, é que as
mulheres responsáveis pelo domicílio (cônjuges e chefes de família) do segmento de
domicílios abaixo da mediana do rendimento domiciliar sofrem maiores
constrangimentos em sua inserção no mercado de trabalho, em decorrência da
divisão sexual do trabalho, limitando sua contribuição para a composição do
rendimento domiciliar e também para a elevação do rendimento domiciliar.
A análise toma como referência empírica as pesquisas domiciliares realizadas pelo
IBGE e tem por objeto a população metropolitana correspondente às 9 regiões
metropolitanas analisadas pela PNAD e também o Distrito Federal, dessa forma,
serão analisados dados da PNAD, IBGE, série 2001-2015 e dos censos
demográficos. Na análise serão consideradas as variáveis relativas à inserção no
mercado de trabalho (PIA, PEA e taxas específicas) por posição na família e sexo.
Também são consideradas aquelas relativas ao nível educacional e aos rendimentos
individuais e domiciliares.
3
Deve-se ressaltar que a presente análise toma como limite temporal da série o ano
de 2015, que corresponde ao último levantamento anual da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), para permitir a comparabilidade das informações
sobre a dinâmica da relação família-trabalho durante o período de 15 anos. A
continuidade do estudo para os anos de 2016 e 2017 demanda a construção de
outra série com base na PNAD Contínua, com levantamentos mensais e que
substituiu o levantamento anual. Ainda que a comparabilidade de algumas variáveis
seja possível, seriam necessárias aproximações que poderiam induzir a
interpretações imprecisas.
O período entre 2001 e 2015, analisado neste ensaio, abrange conjunturas
recessivas (2001 a 2003) e de expansão da economia (2004 a 2014), e inicio de
novo período recessivo em 2015. Tais conjunturas afetam a dinâmica do mercado
de trabalho e as oportunidades de inserção para os componentes das famílias. Entre
2004 a 2014 o país experimenta um momento de crescimento econômico e de
redução da desigualdade de renda resultante de políticas econômicas e sociais, que
tiveram êxito na redução da pobreza. Dentre as políticas sociais que exerceram
maior impacto sobre a redução da pobreza e da desigualdade na primeira década do
século XXI destacam-se a política de recuperação do salário mínimo, as medidas
para a recuperação do emprego e a política de transferência condicionada de renda,
com ações e programas dirigidos aos grupos mais vulneráveis.
Porém, a situação do mercado de trabalho sofre profundas alterações a partir de
2015, como decorrência da crise política e institucional que se instala desde o
processo de impeachment da presidente da república, cujo desenlace se dá em
2016. Crise econômica e elevado desemprego caracterizam os últimos três anos,
bem como a deterioração do mercado trabalho com a redução dos empregos
formalizados e com proteção social, explicitados pelos resultados da PNAD
Contínua/IBGE e por analises sobre o período. A fragilização dos direitos do
trabalhador através da nova lei trabalhista, associada à crise econômica prolongada
e refletindo os impactos das políticas de austeridade praticadas, afeta postos de
trabalho e a renda do trabalho e das famílias, retrocedendo a níveis de pobreza e de
pobreza extrema superados a partir de 2005. Além da deterioração do mercado de
trabalho, a política de austeridade reduz a cobertura das políticas sociais e os
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indicadores sociais apontam seus reflexos negativos na saúde da população e na
mortalidade infantil (Menezes; Jannuzzi, 2018; Dweck; Oliveira; Rossi, 2018).
Retomando a questão objeto deste ensaio que procura identificar entre os anos de
2001 e 2015 padrões distintos de inserção familiar no mercado e de
responsabilidade na provisão do grupo doméstico, investigando especificidades dos
arranjos domiciliares de inserção em distintos estratos de renda domiciliar, serão
comparados os domicílios situados abaixo da mediana e acima da mediana do
rendimento domiciliar per capita metropolitano. Tem-se por hipótese que, ao passo
em que se amplia a participação feminina no mercado de trabalho, e especialmente
das mulheres na posição de cônjuge e de chefes de família - ambas responsáveis
pelo domicílio -, pouco se alteram os constrangimentos em sua inserção no mercado
de trabalho em decorrência da divisão sexual do trabalho, induzindo-as a aceitar
condições mais desfavoráveis, desde que possibilitem a articulação das atividades
econômicas e das atividades domésticas. Supõe-se ainda, que as mulheres
responsáveis pelo domicílio (cônjuges e chefes de família) do segmento de
domicílios abaixo da mediana do rendimento domiciliar sofrem maiores
constrangimentos em sua inserção no mercado de trabalho, fato que limita sua
contribuição para a composição do rendimento domiciliar e para a elevação do
mesmo, restringindo, em muitas situações, a possibilidade de superação da
condição de pobreza.
Esse tema será explorado em três itens além desta introdução. No primeiro são
apresentadas as características dos arranjos domiciliares nos dois estratos de renda
indicados e as tendências da evolução dos mesmos nestes quinze anos entre 2001
e 2015. No segundo, será analisada a especificidade dos arranjos domiciliares de
inserção abaixo e acima da mediana do rendimento per capita domiciliar,
considerando a questão da divisão sexual do trabalho; no último são apresentadas
as considerações finais.
1. As características e evolução dos arranjos domiciliares entre 2001 e 2015
Em decorrência das mudanças pelas quais vêm passando as famílias brasileiras,
observam-se como tendências nas famílias metropolitanas a redução proporcional
dos domicílios de casais com filhos e o aumento dos domicílios de casais sem filhos,
de famílias monoparentais e de domicílios unipessoais (Tabela 1). Os domicílios
5
nucleados pelo casal se reduzem nesse período de quinze anos, compunham 66%
dos arranjos domiciliares metropolitanos em 2001 e são 59% em 2015. Dentre estes
observam-se, no período, tendências de redução daqueles nucleados por casais de
até 34 anos com filhos, que correspondem à “etapa de constituição” no ciclo vital da
família (19,3% em 2001 e 10,8% em 2015), bem como daqueles em idades entre 35
e 49 anos, com a presença de filhos, que correspondem aos arranjos na “etapa da
consolidação” do ciclo de vida da família (21,7% em 2001 e 17,1% em 2015). Por
outro lado se observa praticamente a manutenção da proporção dos domicílios
monoparentais femininos em cerca de 20% dos arranjos domiciliares. Estes três
arranjos domiciliares são identificados nesta investigação como mais vulneráveis ao
empobrecimento (Montali, Lima, 2014). Por sua vez, os domicílios nucleados por
casais com 50 anos e mais, com a presença de filhos, apresentam leve tendência de
crescimento e os arranjos de casais sem filhos acentuado crescimento (Tabela 1).
Na análise do segmento de domicílios abaixo do valor mediano do rendimento
domiciliar per capita se evidencia a maior concentração dos domicílios identificados
como mais suscetíveis ao empobrecimento (casais jovens, até 34 anos, com filhos;
casais de 35 a 49 anos com filhos e chefe feminina monoparental), que perfazem
72% destes arranjos domiciliares, em 2001, 64%, em 2011 e 59,8% em 2015
(Tabela 1 e Gráfico 1). Nesse segmento, as maiores proporções de arranjos
correspondem àqueles com a presença de crianças e adolescentes – como se verá
adiante –, todos estes com tendência de redução. Os arranjos nucleados por casais
de até 34 anos com filhos, representam 28% dos domicílios abaixo da mediana em
2001 e 15 % em 2015; os arranjos nucleados por casais entre 35 e 49 anos, com a
presença de filhos, são 22% dos domicílios nesse segmento em 2001 e 19,1% em
2015, e os domicílios monoparentais femininos são 22% em 2001 e passam a
compor 25% dos domicílios do segmento com rendimento abaixo da mediana em
2015. Apresentando as menores proporções e com tendência de crescimento,
compõem esse segmento os arranjos domiciliares de casais sem filhos, 12,9% dos
arranjos domiciliares em 2015, de casais de 50 anos e mais com a presença de
filhos, 8,8% e domicílios unipessoais com responsável feminino (6,7%) e com
responsável masculino (4,3%).
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Tabela 1 Distribuição dos domicílios segundo arranjo domiciliar por decís per capita (%) Regiões Metropolitanas - 2001 a 2015
Tipos de Arranjos
50% abaixo da mediana
50% acima da mediana
Total
2001 2011 2015 2001 2011 2015 2001 2011 2015
Casais 68,4 63,8 60,4 63,7 60,6 57,2 66,2 63,9 58,9
Casal sem filhos 7,7 11,9 12,9 16,8 21,9 21,5 12,3 13,1 17,1
Casal com filhos e parentes 60,6 51,9 47,5 46,9 38,7 35,7 53,9 50,8 41,7
Casal até 34 anos com filhos e parentes 27,7 20,5 15,9 11,9 7,9 5,9 19,3 17,0 10,8
Casal de 35 a 49 anos com filhos e parentes 21,8 19,7 19,1 21,2 16,6 15,1 21,7 20,5 17,1
Casal de 50 anos e mais com filhos e parentes 7,1 7,9 8,8 11,2 11,9 12,4 9,6 9,8 10,7
Responsável feminina sem cônjuge 26,0 29,4 31,4 24,8 25,6 27,5 25,4 26,9 29,6
Responsável feminina sem cônjuge e filhos e/ou parentes
22,1 23,5 24,8 17,0 15,7 16,2 19,6 20,5 20,6
Responsável feminina unipessoal 3,9 6,0 6,7 7,8 9,9 11,4 5,8 6,4 9,0
Responsável masculino sem cônjuge 5,7 6,8 8,2 11,5 13,7 15,2 8,4 9,2 11,5
Responsável masculino sem cônjuge e filhos e/ou parentes
2,9 3,2 3,8 4,6 4,7 4,6 3,8 3,7 4,2
Responsável masculino unipessoal 2,7 3,6 4,3 6,9 9,0 10,7 4,7 5,5 7,4
Total (1) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP / UNICAMP. (1) O Total inclui outros arranjos domiciliares.
Gráfico 1 Distribuição dos domicílios segundo arranjo domiciliar por decís per capita (%) Regiões Metropolitanas - 2001 a 2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP / UNICAMP. (1) O Total inclui outros arranjos domiciliares.
Entre os domicílios com rendimento domiciliar per capita acima do valor mediano é
comparativamente menor e decrescente a participação dos três arranjos
identificados como mais vulneráveis ao empobrecimento, ou seja, estes perfazem
50%, em 2001, 40%, em 2011 e 37,2% em 2015 (Tabela 1). Assim, os arranjos
nucleados por casais que correspondem à “etapa de constituição” no ciclo vital da
família são, em 2011, 8% dos domicílios acima da mediana e apenas 6% dos
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mesmos em 2015; nesse último ano os arranjos na “etapa da consolidação” são
15%, e aqueles monoparentais femininos perfazem 16% (Tabela 1 e Gráfico 1).
Apresentam proporções comparativamente maiores e crescentes, os arranjos que se
caracterizam por apresentarem renda per capita mais elevada, como se verá no
gráfico 3: casais sem filhos (16,8% em 2001 e 21,5% em 2015), os casais nucleados
por pessoas maiores de 50 anos com a presença de filhos (11,2% em 2001 e 12,4%
em 2015) e os domicílios unipessoais (14,7% em 2001 e 22,4% em 2015).
O gráfico 2 explicita como se distribuem os arranjos domiciliares segundo tipo e suas
proporções em relação à mediana do rendimento domiciliar per capita entre as
famílias metropolitanas, padrão que se mantém no período.
Gráfico 2 Distribuição dos domicílios segundo arranjo domiciliar e mediana do rendimento domiciliar per capita (%) Regiões metropolitanas brasileiras, 2001 e 2015
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP.
Outro aspecto que se destaca na diferenciação entre os arranjos domiciliares dos
segmentos abaixo e acima do valor mediano é a maior proporção de crianças entre
os componentes do domicílio naqueles situados abaixo da mediana (Tabela 2). É
também entre estes que se observa a maior queda na proporção de crianças entre
os componentes do domicílio, que era da ordem de 40% em 2001 e chega a ser
31,3% em 2015, com queda de 8,7 pontos percentuais. Entre os domicílios acima da
8
mediana a proporção de crianças e adolescentes também se reduziu, passando de
21,3% em 2001, para 14,5% em 2015, com variação menor, em 6,8 pontos
percentuais. Observe-se a coincidência entre os arranjos domiciliares com maior
presença de crianças e aqueles que apresentam maior predomínio no segmento
abaixo da mediana do rendimento domiciliar.
Tabela 2 Proporção de crianças e adolescentes segundo tipo de arranjo domiciliar % Regiões Metropolitanas – 2001 a 2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Tipo de arranjo domiciliar 2001 2006 2011 2015 2001 2006 2011 2015
Casais 40,9 37,6 35,1 31,9 23,9 19,9 18,2 17,2
Casal sem filhos - - - - - - - -
Casal com filhos e parentes 43,0 40,1 38,5 35,7 28,2 24,5 23,7 22,8
Casal até 34 anos com filhos e parentes 49,4 48,1 47,0 46,0 40,8 39,5 38,9 38,5
Casal de 35 a 49 anos com filhos e parentes 42,9 39,7 38,4 36,4 31,3 29,1 28,5 29,3
Casal de 50 anos e mais com filhos e parentes 22,6 19,3 18,3 16,2 9,2 7,6 7,1 7,4
Responsável feminina sem cônjuge 39,2 37,6 34,7 32,1 16,2 13,2 10,3 9,6
Responsável feminina sem cônjuge - e filhos e/ou parentes
41,0 39,3 37,3 34,7 18,7 15,6 12,7 12,2
Responsável feminina unipessoal - - - - - - - -
Responsável masculino sem cônjuge 25,0 21,2 22,0 18,0 7,7 6,1 5,5 4,5
Responsável masculino sem cônjuge – e filhos e/ou parentes
31,3 27,6 29,7 24,8 11,9 10,1 9,5 8,6
Responsável masculino unipessoal - - - - - - - -
Total 40,0 37,0 34,4 31,3 21,3 17,5 15,6 14,5
(1) Proporção de indivíduos com idades entre 0 e 17 anos em relação aos componentes do domicílio, excluídos aqueles em condição de responsável ou cônjuge. Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP.
Considerando-se os arranjos domiciliares com maior presença de crianças e
adolescentes, destacam-se os casais mais jovens (até 34 anos com filhos e/ou
parentes) com maiores proporções em ambos os estratos do rendimento domiciliar
per capita. É importante ressalvar que os casais mais jovens pertencentes ao estrato
50% acima da mediana apresentam proporção de crianças e adolescentes menor
em quase dez pontos percentuais quando comparados com aqueles que pertencem
ao estrato 50% abaixo da mediana, em 2015. Também apresentam elevadas
proporções de crianças e adolescentes os arranjos domiciliares de casais de 35 a 49
anos com presença de filhos e aqueles da responsável feminina monoparental. Em
todos estes arranjos é comparativamente maior a proporção de crianças e
adolescentes no segmento de domicílios abaixo da mediana, merecendo destaque
aqueles monoparentais femininos que apresentam mais que o dobro da proporção
de crianças e adolescentes, quando comparados ao arranjo do mesmo tipo no
segmento acima da mediana em todos os anos analisados (Tabela 2). Em todos os
arranjos domiciliares se observou redução na proporção de crianças/adolescentes
9
presentes no domicílio ao longo do período, independente do estrato do rendimento
domiciliar per capita.
Gráfico 3 Rendimento domiciliar per capita médio segundo arranjo domiciliar (1) Regiões metropolitanas brasileiras, 2009 a 2015
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP. (1) Em valores de 2015 (INPC).
Em relação aos rendimentos per capita médios dos domicílios segundo o tipo de
arranjo domiciliar, analisando os últimos anos do período, observa-se crescimento
do rendimento domiciliar no período 2009 a 2013, que corresponde a anos de bom
desempenho da economia e, redução dos mesmos entre 2013 e 2015, também,
para todos os arranjos metropolitanos, já expressando os efeitos da crise econômica
que se inicia em 2015 (Gráfico 3). Observe-se na ordem crescente dos rendimentos
domiciliares, que os arranjos identificados como mais vulneráveis ao
empobrecimento por esta investigação apresentam os menores valores no período,
comparativamente aos outros arranjos domiciliares e à média regional.
2. A especificidade dos arranjos domiciliares de inserção sob a desigualdade de rendimento per capita domiciliar e a divisão sexual do trabalho
Em estudo de caráter longitudinal que tratou das tendências da relação família-
trabalho entre 1985 e 2003 evidenciou-se, que durante os anos 90, sob o contexto
de crise econômica e da reestruturação produtiva, ocorreram rearranjos familiares
de inserção no mercado de trabalho, articulados como enfrentamento ao
desemprego e à mudança do padrão do emprego, sugestivos de mudanças na
10
divisão sexual do trabalho na família e na responsabilidade pela provisão familiar.
Constatou-se, ainda, que frente à ampliação do trabalho feminino e das mulheres na
posição de cônjuge nos domicílios, os rearranjos observados se estabeleceram
fortemente marcados pelas relações de gênero vigentes na família e no mercado de
trabalho. Assim, ocorreu um gradual movimento de alteração nos arranjos de
inserção dos componentes da família no mercado de trabalho nos anos 90,
ampliando a participação da mulher e explicitando um maior partilhamento entre
estes na responsabilidade pela manutenção da família, com especificidades nos
distintos arranjos familiares, bem como nos diferentes momentos do ciclo de vida
familiar. No entanto, naquele período de crise econômica, apesar da articulação dos
rearranjos familiares de inserção - entendidos como mobilização das famílias no
sentido de organizar estratégias para enfrentar o desemprego e a precarização do
trabalho, estes tiveram êxito relativo nesse propósito em decorrência de terem sido
articulados sob os constrangimentos impostos pelos papéis familiares e relações de
gênero, além de sujeitos à instabilidade do mercado de trabalho sob a conjuntura de
sucessivos períodos recessivos (Montali, 2005; 2017).
O conceito de divisão sexual do trabalho (Hirata, 2002; Kergoat, 2000) possibilitou
evidenciar um dos desafios que afetam a superação da pobreza, por limitar a
inserção em empregos de qualidade especialmente para mulheres responsáveis por
crianças e adolescentes; este fato incide com bastante evidência entre os “arranjos
mais vulneráveis ao empobrecimento” (Montali; Lima, 2008). A investigação constata
que a permanência da desigualdade para os arranjos identificados como mais
vulneráveis ao empobrecimento está profundamente relacionada à desigualdade de
gênero e ao acesso desigual a serviços de cuidado, que atuam no sentido de
minimizar os efeitos negativos da divisão sexual do trabalho vigente sobre as
possibilidades de inserção de qualidade para as mulheres. Indaga-se, frente à
mudança no perfil etário da população, se essas limitações podem ser acentuadas
pela dependência de idosos. O exame da literatura em especial a latino-americana
acerca dos arranjos domiciliares que apresentam maior vulnerabilidade, aponta
convergências com nossos resultados e aponta caminhos que orientam nossa
investigação (Lavinas e Nicoll, 2006; Vignoli, 2000; dentre outros). Alguns resultados
desta investigação indicam que as limitações impostas pela divisão sexual do
trabalho afetam de forma mais contundente as mulheres de domicílios com
rendimentos abaixo da mediana e as menos escolarizadas.
11
A partir dos anos 1990, é crescente a participação da mulher no mercado de
trabalho para todos os componentes femininos quando considerada a posição na
família, com destaque para a mulher em posição de cônjuge. As taxas de
participação e de ocupação das mulheres cônjuges e responsáveis femininas se
mantêm crescentes, embora permanecendo em patamares inferiores quando
comparadas às filhas adultas, filhos adultos e responsáveis masculinos. Em análise
anterior sobre o período 2001 a 2015, constatou-se que embora a continuidade da
participação destas no mercado de trabalho essa característica se mantém (Montali,
2017). Nesse período, a taxa de participação e de ocupação das mulheres cônjuge
cresce nos anos de recuperação da economia até 2009, com oscilação no mesmo
patamar e crescimento em 2014. Comportamento semelhante é observado para a
responsável feminina entre 2009 e 2014. Desde 2001 observam-se as tendências de
redução das taxas de participação e de ocupação do responsável masculino e de
crescimento dessas taxas para os filhos e filhas adultos até 2009, com período de
estabilidade entre 2011 e 2014. Em 2015, ocorre queda nas taxas de participação e
de ocupação para o conjunto dos componentes familiares, com menor impacto sobre
as cônjuges e chefes femininas (Montali, 2017).
As mudanças na conjuntura econômica afetaram o mercado de trabalho e o
comportamento das taxas específicas no período, expressando as possibilidades
diferenciadas de absorção dos distintos componentes familiares pelo mercado de
trabalho. Foram também afetadas pelas políticas que favoreceram o crescimento do
emprego e do emprego formal, bem como por políticas de desenvolvimento social
implementadas entre 2003 e 2014, que favoreceram a elevação da renda e o acesso
à educação.
O padrão de inserção dos componentes familiares indicado acima, que revela os
constrangimentos decorrentes de papeis familiares e relações de gênero, se repete
na análise dos segmentos abaixo e acima da mediana do rendimento domiciliar per
capita. É interessante mencionar que a mediana do rendimento domiciliar
metropolitano, referência para a presente análise, equivale a pouco mais de um
salário mínimo nominal correspondente aos anos analisados (Ver Anexo 1). Como
foram considerados valores nominais, a manutenção dessa relação do rendimento
domiciliar per capita mediano com o salário mínimo indica, por um lado, a elevação
da renda dos domicílios no período, já que o salario mínimo real cresceu 76,5%
12
entre 2003 e 2015 (DIEESE, 2015). Por outro lado, indica que se mantém a elevada
desigualdade de renda na população metropolitana, considerando-se que metade
desta dispõe de no máximo pouco mais que o salário mínimo. Além disso, merece
menção o fato de que, considerando a série em análise, a partir de 2006, há
coincidência entre o valor de corte do quarto decil e o valor do salário mínimo,
indicando que 40% dos domicílios metropolitanos têm rendimento per capita de até
um salário mínimo. Assim, é dessa população que se trata na análise do segmento
de domicílios abaixo da mediana do rendimento domiciliar per capita metropolitano.
A diferenciação principal na condição de inserção dos componentes dos domicílios
desses dois segmentos são as taxas mais desfavoráveis para os componentes de
domicílios com rendimento per capita com valores abaixo da mediana metropolitana.
Estes apresentam taxas comparativamente mais baixas de participação, de
ocupação e taxas de desemprego comparativamente mais elevadas (Gráfico 4).
É bastante distinta também, quando comparados os segmentos abaixo e acima da
mediana da renda domiciliar metropolitana, a inserção ocupacional da PIA
(população em idade ativa) dos componentes familiares, que experimentam níveis
educacionais distintos e distintas oportunidades de trabalho, como se verá adiante.
Comparando-se inicialmente entre ambos os segmentos de renda o comportamento
das taxas indicativas da inserção no mercado para os componentes adultos
responsáveis pelo domicílio: responsável masculino, cônjuge e responsável
feminino, é possível identificar algumas coincidências de tendências, embora com
valores distintos (Gráfico 4). Iniciando pelo responsável masculino, as semelhanças
entre estes em ambos os segmento de rendimento domiciliar residem no
comportamento decrescente das taxas de participação e de ocupação e por
apresentarem taxas de desemprego comparativamente mais baixas que os demais
componentes familiares A principal diferença entre estes reside nas taxas de
ocupação e de desemprego: a taxa de ocupação do responsável masculino acima
da mediana é de 80% da respectiva PIA em 2006, passa a ser de 81% em 2011 e
oscila em torno de 80 entre 2013 e 2014, caindo para 79% no ano que se inicia a
recessão, 2015.
13
Gráfico 4 Taxas de participação, ocupação, desemprego e inatividade por posição na família Regiões Metropolitanas - 2001 – 2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana Participação (%)
Ocupação (%)
Desemprego (%)
Fonte: IBGE -Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP. (1) PIA: Pessoas de 10 anos e mais.
14
Entre os responsáveis masculinos no segmento de renda abaixo da mediana, a
maior taxa de ocupação foi registrada correspondendo ao período de recuperação
da economia, 2006, da ordem de 78%, com queda acentuada a partir de então,
mesmo no período de estabilidade entre 2011 e 2013, chegando ao valor mais
baixo, 67% no ano de 2015, primeiro ano da recessão.
Quanto ao desemprego, enquanto cerca de 6% da população economicamente ativa
(PEA) do responsável masculino abaixo da mediana está desempregada entre 2011
e 2013 (período de estabilidade), e 10,4% em 2015 - inicio da recessão -, entre
aqueles acima da mediana a taxa de desemprego é cerca de 1% entre 2011 e 2013
e de 1,3% em 2015 (Gráfico 4).
A comparação entre cônjuges dos dois segmentos de renda evidencia contrastes
maiores. Iniciando pela taxa de participação, observa-se que esta é muito mais
elevada no segmento acima da mediana, ascendente e não sofre oscilações no
período: em 2006 é 62%, entre 2011 e 2013 é superior a 64%, passando a ser
65,4% em 2014 e 65% em 2015. Comportamento distinto é observado na taxa de
participação das cônjuges abaixo da mediana, que se eleva no período de expansão
da economia para 50,4% em 2006, apresenta pequena queda e se mantém em 47%
entre 2011 e 2013, elevando-se novamente para 50,5%, em 2014; no ano recessivo
de 2015 cai para 48,7%. As responsáveis femininas abaixo da mediana apresentam
comportamento das taxas de participação e de ocupação semelhantes às cônjuges,
embora apresentassem taxas mais elevadas no início do período, entre 2001 e 2006
(Gráfico 4).
Esta constatação remete à análise de Leone sobre o período 2004-2013, na qual
evidencia que há redução na taxa de participação das mulheres apenas nos
domicílios com renda per capita inferior ao salário mínimo e constata que nos
domicílios com rendimento acima do salário mínimo a taxa de participação feminina
aumentou (Leone, 2018). Leone afirma ser importante levar-se em consideração o
nível socioeconômico das famílias no estudo da evolução da participação na
atividade econômica das mulheres, pois essa diferenciação também evidencia
experiências distintas no acesso ao trabalho relacionadas ao grau de escolaridade e
às dificuldades de conciliar o trabalho remunerado e as responsabilidades familiares.
A presente análise da taxa de ocupação dos componentes femininos responsáveis
pela família: cônjuge e responsável feminina, também evidencia comportamento
15
bastante distinto entre os dois segmentos de rendimento domiciliar. A taxa de
ocupação da cônjuge no segmento acima da mediana mostra tendência de
crescimento até 2014 (63,7%) com pequena redução em 2015 (62,9%); por sua vez,
a taxa de ocupação da responsável feminina apresenta comportamento de certa
estabilidade no período, mas com valores menores, o maior valor é verificado em
2014, da ordem de 58%, caindo para 57% em 2015.
No segmento abaixo da mediana, a taxa de ocupação da cônjuge é
comparativamente bastante mais baixa e apresenta elevação no período de
recuperação da economia, quando alcança 40% da PIA específica em 2006; oscila
em torno de 40% no período de estabilidade, 2011 e 2013; se eleva até 43,6% em
2014, para voltar aos 40% em 2015, sob a crise. A responsável feminina que
apresentava taxas mais elevadas em 2006, 51%, apresenta tendência de queda,
oscilando em torno de 45% entre 2011 e 2013, se eleva para 47% em 2014,
reduzindo-se novamente em 2015 para 44% (Gráfico 4).
A taxa de desemprego é muito mais baixa para cônjuges e responsáveis femininos
no segmento acima da mediana. No caso da cônjuge a taxa de desemprego cai
entre 2001 e 2006, quando é cerca de 5%, já refletindo a recuperação da economia
e atinge o menor valor em 2014, com 2,7%, elevando-se para 3,3% em 2015. São
mais baixas as taxas de desemprego das responsáveis femininas, em torno de 3%
até 2006, reduzindo-se a cerca de 2% entre 2011 e 2014, com pequena elevação
em 2015. Para aquelas abaixo da mediana são bastante elevadas as taxas de
desemprego. A cônjuge apresenta taxa de desemprego mais elevada, da ordem de
21%, no ano de 2006, que representa a etapa de recuperação da economia,
evidenciando sua mobilização para o mercado frente às novas possibilidades de
inserção; o sucesso se evidencia na redução da taxa de desemprego destas no
período de estabilidade, chegando em 2014 a 13,6%, ao passo que elevou-se sua
taxa de ocupação; experimenta entretanto nova elevação do desemprego no ano de
2015 (18,5%). As responsáveis femininas, apresentam taxas mais baixas de
desemprego, declinando até 2011, com taxas que oscilam cerca de 12% entre esse
ano e 2014; eleva-se novamente seu desemprego em 2015, quando apresenta taxa
de 16%.
A comparação das taxas indicativas da inserção no mercado dos filhos maiores de
18 anos, dos dois segmentos de domicílios sob análise, evidencia que embora as
16
taxas de participação sejam mais baixas para os filhos adultos do segmento de
domicílios abaixo da mediana, são também mais baixas suas taxas de ocupação e
portanto mais elevadas as taxas de desemprego, que chegam, em 2015, a cerca de
30% para os filhos adultos masculinos e 32% para os femininos, no segmento
abaixo da mediana; em contraste, no segmento acima da mediana, a taxa de
desemprego é de 9% para os filhos masculinos maiores e 10% para as filhas
maiores de 18 anos, no mesmo ano (Gráfico 4).
Como se viu, entre os anos 2014 e 2015 já se notam os efeitos da crise econômica
na redução das taxas de ocupação e na elevação do desemprego nas áreas
metropolitanas, comportamento que se mostra com maior intensidade entre os
domicílios com rendimento per capita abaixo da mediana metropolitana.
Observe-se que no segmento de domicílios com rendimento domiciliar per capita
acima da mediana são mantidas as taxas de participação das mulheres em posição
de cônjuges e de responsáveis femininos e são comparativamente menores as
reduções nas taxas de ocupação.
No segmento de domicílios abaixo da mediana metropolitana se identifica queda nas
taxas de participação e de ocupação da cônjuge e da responsável feminina em
oposição à manutenção dessas taxas para o segmento de domicílios acima da
mediana (Gráfico 4).
O nível de escolaridade tem um papel importante como facilitador do acesso ao
trabalho para os componentes familiares e a comparação da escolaridade das
pessoas de 15 anos ou mais evidencia desigualdades entre os domicílios abaixo e
acima da mediana do rendimento per capita.
Observa-se que no segmento abaixo da mediana de rendimento per capita
predomina o nível de escolaridade mais baixo (Gráfico 5). Nesses domicílios cerca
de metade dos adultos responsáveis pela família apresenta nível fundamental e
cerca de um terço tem nível médio, com destaque para as mulheres cônjuges com
42% com ensino médio nesse segmento de renda. No caso dos filhos adultos, mais
que a metade apresenta nível médio de ensino, com destaque para as filhas que
apresentam 61% nesse nível, menor proporção em nível de ensino fundamental e
21% em ensino superior, enquanto a média nesse segmento é de 8%.
Comparativamente, o nível de escolaridade do segmento de domicílios acima da
mediana é mais elevado para todos os componentes familiares: entre os
17
componentes adultos, cerca de um terço tem ensino médio e mais que um terço tem
nível superior. Entre os filhos adultos é mais elevada a proporção com ensino
superior: cerca de 48% dos filhos e 63% das filhas, enquanto a média desse
segmento é de 40% (Gráfico 5). Essa desigualdade na escolaridade possibilita
explicar as maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho entre os
componentes dos domicílios abaixo do rendimento per capita mediano, evidenciadas
nas taxas de ocupação e desemprego.
Gráfico 5 Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais segundo nível de escolaridade e posição na família Regiões Metropolitanas - 2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP.
No entanto, não explica a desigualdade na inserção observada em ambos os
segmentos de renda em relação aos adultos masculinos e femininos responsáveis
pela família, revelada pelas taxas de participação, ocupação e desemprego (Gráfico
4). Constata-se que existe similaridade no nível educacional de responsáveis
masculinos e dos componentes femininos responsáveis pela família – chefes
femininos e cônjuges femininos –, não oferecendo, assim, explicação para a
diferenciação entre estes componentes nas restrições à inserção explicitadas nas
taxas de ocupação e desemprego e na distinta qualidade da inserção ocupacional.
Atribui-se aqui a desigualdade da inserção entre estes à divisão sexual do trabalho e
aos constrangimentos diferenciados das atribuições familiares relacionadas ao
gênero, bem como à discriminação do mercado em relação à mulher com
responsabilidade familiar.
18
A análise da PIA dos componentes familiares diferenciados por posição na família e
sexo, incluindo a condição de precariedade na ocupação também indica
especificidades que são explicadas pelas desigualdades associadas ao gênero e às
atribuições familiares. São identificadas para as mulheres-cônjuge e para as
mulheres-chefes de família, as maiores proporções absorvidas em trabalhos
precários, perfazendo quase a metade das ocupadas, bem como as taxas de
inatividade mais elevadas do que o responsável masculino e filhos e filhas maiores
de 18 anos, considerando-se os domicílios metropolitanos, constatados por análise
anterior (Montali, 2015). Constatou-se ainda que tais especificidades, quando
considerados a posição na família e gênero, são mantidas no período de
recuperação da economia, entre 2004 e 2014. Nesse período, gradualmente, eleva-
se o emprego não precário e se observa a redução do desemprego, para a
população em idade ativa, afetando positivamente a inserção dos componentes
familiares. No entanto, se, por um lado, eleva-se a inserção em empregos não
precários, por outro lado, observa-se a manutenção de elevada proporção de
ocupados em emprego precário, em especial para cônjuges femininos e chefes
femininos e de taxas de participação e de ocupação em níveis comparativamente
mais baixos em relação aos demais componentes familiares, inclusive quando
comparados ao outro componente feminino, as filhas adultas com atribuições
familiares distintas. Tais características da PIA foram também percebidas nesta
análise da inserção familiar considerando-se os segmentos de domicílios acima e
abaixo da mediana do rendimento domiciliar metropolitano e indicadas no gráficos 4
e 6.
Nesta análise que leva em conta os segmentos de domicílios acima e abaixo da
mediana do rendimento domiciliar metropolitano per capita, observam-se
características semelhantes no perfil de inserção dos componentes da família no
mercado de trabalho, reiterando, entretanto, as condições bastante mais favoráveis
para aqueles no segmento acima da mediana (Gráficos 4 e 6). São recorrentes, nos
dois segmentos, as especificidades de inserção no mercado por posição na família e
gênero, merecendo destaque as taxas de ocupação mais elevadas e também as
maiores proporções em ocupações não precárias para o chefe masculino e os filhos
adultos masculinos e femininos, comparativamente a às cônjuges e chefes
femininas, em ambos os segmentos.
19
Gráfico 6
Distribuição da PIA por tipologia de arranjo segundo situação ocupacional e condição de precariedade na ocupação Regiões Metropolitanas – 2001-2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP.
Devem ser mencionados os efeitos do início do período recessivo em 2015 sobre os
arranjos domiciliares de inserção, que como se viu, elevou o desemprego e a perda
de empregos formais, impactando o rendimento domiciliar per capita nas regiões
metropolitanas, que se reduz em 8,7% entre 2014 e 2015 (Montali, 2017). O gráfico
6 mostra o impacto desse momento de forma distinta nos dois segmentos de
domicílios, considerando-se os componentes domiciliares. Entre os componentes
dos domicílios do segmento mais pobre, comparativamente cai de forma mais
acentuada a taxa de ocupação e a proporção de ocupados não precários para todos
componentes da família, reduzindo-se, respectivamente, em 3,2 pontos percentuais
a taxa de ocupação e em 2,4% a ocupação não precária. Considerando-se a
posição na família, as maiores reduções na taxa de ocupação entre 2014 e 2015,
foram experimentadas pelo responsável masculino (4 pontos percentuais) e filhas e
filhas adultos (5,8% e 8,2%), seguidos pelo cônjuge (3,9) e responsável feminino
(2,5 p.p.). Os maiores recuos do emprego não precário foram sentidos também pelo
responsável masculino (3,6 pontos percentuais), filhos adultos (3,7 p.p os
masculinos e 5,2 p.p. os femininos). As mulheres cônjuge e responsáveis tiveram as
menores perdas na proporção em emprego não precário, da ordem de 1,5 p.p.,
embora tenham sofrido redução da taxa de ocupação.
Entre os domicílios acima da mediana do rendimento domiciliar per capita
20
metropolitano, são muito menores os impactos do inicio do período recessivo: a
redução da taxa de ocupação é da ordem de 1,9 pontos percentuais e a redução de
empregos não precários da ordem de 1,4 p.p.. Neste segmento se repetem os
menores impactos negativos para a ocupação das responsáveis femininas e
cônjuges femininas, redução da ordem de 1 p.p na taxa de ocupação e redução
cerca de 0,5 p.p. na ocupação não precária. São também muito pequenas as
reduções na ocupação não precária dos demais componentes: responsáveis
masculinos e filhos adultos, considerando-se a comparação 2014 e 2015, porque no
caso dos filhos adultos acima da mediana, essa cai a partir de 2013. Deve-se
observar que entre os 50% mais pobres, a redução do emprego não precário dos
filhos maiores de 18 anos já se inicia em 2011 (Gráfico 6).
Os arranjos domiciliares de inserção, analisados na população metropolitana,
evidenciam a crescente participação da cônjuge entre os ocupados da família e na
composição da renda domiciliar em todos os arranjos familiares nucleados pelo
casal, partilhando com o responsável masculino e filhos. No caso da mulher chefe
de família, esta manteve sua participação elevada entre os ocupados, partilhando
com filhos e parentes, ao passo que manteve sua posição de provedora principal do
domicílio. A conclusão de análise realizada por Montali, 2017 (p.125), sobre o
mesmo período, que já inclui informações sobre o inicio da recente crise econômica
no Brasil com impactos nas taxas de participação e de ocupação, bem como
elevação das taxas de desemprego para os componentes familiares, é que não são
observadas alterações significativas nos arranjos de inserção familiar, nem na
participação dos componentes domiciliares na composição dos rendimentos
familiares; sugerindo a continuidade do partilhamento da responsabilidade
predominantemente entre os componentes do casal e gradual redução na
participação dos filhos; no caso dos arranjos monoparentais, a continuidade do
partilhamento entre o responsável masculino ou feminino, filhos e outros parentes.
Na análise considerando as especificidades encontradas nos domicílios segundo
segmentos acima e abaixo da mediana, constata-se que essa tendência se mantém
em ambos os segmentos, tanto em relação ao crescimento da participação da
cônjuge entre os ocupados e na provisão da família, como no padrão de arranjo
domiciliar de inserção (Gráficos 7 e 8).
21
Entre os ocupados na família, comparativamente, no segmento abaixo da mediana
observa-se maior proporção dos responsáveis masculinos embora em declínio
(passa de 51% dos ocupados em 2001, para 45% em 2015), e menor proporção de
cônjuges, ainda que com acentuada tendência de crescimento de nove pontos
percentuais (26% em 2001 e 35% em 2015); maior presença de filhos menores de
18 anos e menor proporção de filhos maiores de 18 anos entre os ocupados (Gráfico
7). Esta característica da inserção domiciliar no mercado de trabalho está em grande
parte associada às características dos arranjos domiciliares preponderantes no
segmento abaixo da mediana, como se viu no item anterior, nas etapas iniciais do
ciclo de vida familiar e com maiores proporções de crianças e adolescentes.
Gráfico 7 Distribuição dos ocupados segundo posição na família e arranjo domiciliar * Regiões Metropolitanas – 2001 - 2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Fonte: IBGE - Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP (1) Pessoas de 10 anos e mais.
(2) Excluídos pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos. O total inclui outros arranjos
domiciliares.
(3) Arranjos familiares de chefes/responsáveis sem cônjuges excluem aqueles unipessoais.
(4) O Total inclui outros arranjos domiciliares
A principal especificidade constatada nos domicílios nucleados por casal, entre
aqueles com rendimentos acima da mediana, é a maior participação das cônjuges
entre os ocupados dos domicílios e dos filhos adultos, resultando em relativamente
menor peso da presença dos responsáveis masculinos (Gráfico 7). As tendências,
entretanto, são semelhantes à observada no segmento abaixo da mediana:
declinante para os responsáveis masculinos e crescente para as cônjuges além da
redução da proporção de filhos entre os ocupados da família.
22
Entre os arranjos nucleados pela responsável feminina há certa estabilidade no
arranjo de inserção familiar e no partilhamento da responsabilidade da manutenção
da família entre a responsável, filhos e parentes, com destaque para o crescimento
da participação da responsável feminina no segmento abaixo da mediana e redução
da participação dos filhos menores de 18 anos entre os ocupados da família (Gráfico
7).
A análise da participação dos componentes domiciliares na composição dos
rendimentos familiares evidencia o maior peso da renda dos responsáveis
masculinos nos arranjos domiciliares nucleados pelo casal e também da renda dos
responsáveis no caso dos arranjos monoparentais feminino e masculino (Gráfico 8),
recorrente em ambos os segmentos de domicílios com rendimentos abaixo e acima
da mediana metropolitana. Observe-se que nos arranjos nucleados por casal,
embora o maior peso da renda dos responsáveis masculinos, esta é declinante e se
reduz em 13 pontos percentuais naqueles domicílios acima da mediana e em 8
pontos percentuais naqueles com rendimentos superiores à mediana. Essa
tendência é observada em todos os tipos de arranjos diferenciados pelo momento do
ciclo vital e presença ou não de filhos.
Por outro lado, destaca-se em ambos os segmentos, nos arranjos domiciliares
nucleados pelo casal, o aumento constante e mais acentuado da participação da
cônjuge na composição da renda domiciliar. Naqueles do segmento abaixo da
mediana do rendimento metropolitano, o crescimento da participação da cônjuge na
composição da renda cresceu em 13,6 pontos percentuais entre 2001 e 2015,
passando de 19% em 2001 para 32,7% em 2015; naqueles acima da mediana, o
crescimento foi menos intenso, da ordem de 10 pontos percentuais: apresenta em
2001 participação um pouco mais elevada, 23,4%, chegando em 2015 com 33,5%.
Note-se que no último ano os valores da participação da cônjuge na renda domiciliar
são bastante próximos, comparando-se os domicílios situados em ambos os
segmentos de renda domiciliar.
23
Gráfico 8 Participação na massa da renda domiciliar segundo posição na família por tipologia de arranjos domiciliares Regiões Metropolitanas Brasileiras - 2001-2015
50% abaixo da mediana 50% acima da mediana
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP. (1) Pessoas de 10 anos e mais com rendimento.
(2) Excluídos pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos. O total inclui outros arranjos
domiciliares.
(3) Arranjos familiares de chefes/responsáveis sem cônjuges excluem aqueles unipessoais.
(4) O Total inclui outros arranjos domiciliares.
Considerações finais
Neste ensaio foi possível tratar da questão da relação família-trabalho em domicílios
em situação desigual de rendimento domiciliar per capita. A análise sobre os
primeiros quinze anos do século XXI, tendo por objeto a população metropolitana,
evidencia a crescente participação da mulher entre os ocupados da família e na
provisão domiciliar em ambos os segmentos de renda domiciliar analisados.
Sob a perspectiva da divisão sexual do trabalho que permeia as esferas da
produção e da reprodução definindo o lugar de homens e de mulheres em suas
relações sociais, são interpretadas a informações que sustentam a afirmação das
especificidades da inserção de homens e de mulheres em distintas posições no
domicílio. A análise no período 2001-2015 explicitou comportamentos específicos da
dinâmica da inserção no mercado de trabalho relacionado ao sexo e à posição na
família e tais especificidades se adensam quando as variáveis sobre nível
educacional e qualidade do emprego desenham perfis distintos para responsáveis
masculinos, responsáveis femininos e cônjuges femininos.
24
Também se definem os perfis dos filhos adultos diferenciados por sexo, explicitando
as formas de inserção dos mesmos e a forma como contribuem para a formação do
rendimento domiciliar.
Por fim, sob essa perspectiva da divisão sexual do trabalho e, considerando a
desigualdade de rendimento dos domicílios, definem-se os perfis de inserção por
posição na família e relações de gênero com grande semelhança entre os 50%
abaixo da mediana e os 50% acima da mediana. A grande diferenciação se mostra
na maior precariedade da inserção familiar naqueles domicílios no segmento inferior
de rendimento domiciliar. Esta diferenciação se por um lado pode ser explicada pelo
menor acesso aos níveis médio e superior de ensino, por outro, pode ser explicada
pelo maior constrangimento sofrido pelos responsáveis femininos da família:
cônjuges e chefes femininos. A maior proporção de crianças no segmento de
domicílios abaixo da mediana resulta da maior concentração nesse segmento de
domicílios nas primeiras etapas do ciclo de vida das famílias (“etapa da constituição”
e “etapa da consolidação”. Este fato e o menor acesso dos domicílios no segmento
abaixo da mediana a equipamentos e serviços de educação infantil explicam o maior
constrangimento no acesso a trabalho de qualidade e à obtenção de rendimento
pelas mulheres desse segmento responsáveis pelo domicílio: cônjuges e chefe
feminina. Este fato aponta para a necessidade de políticas sociais para famílias, que
venham interferir na reprodução do ciclo de efeitos negativos sobre a inserção de
mulheres responsáveis por domicílios e filhos do segmento abaixo da mediana, que
criem condições efetivas para que o rendimento de seu trabalho contribua para a
renda domiciliar e a superação das condições de pobreza.
Mudanças na divisão sexual do trabalho não têm sido observadas. A literatura
aponta para alguns avanços na divisão do trabalho doméstico, ainda de forma muito
tímida, por outro lado, reitera a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e na
remuneração do trabalho.
Assim, os constrangimentos relacionados à divisão sexual do trabalho se
manifestam também na inserção das mulheres responsáveis pelos domicílios no
segmento superior à mediana do rendimento domiciliar, ainda que de forma mais
atenuada e evidenciando menores constrangimentos ao trabalho destas, pela
possibilidade de remunerar apoio no cuidado, exercido por outras mulheres ou
instituições.
25
Para finalizar, é importante relembrar que os domicílios abaixo da mediana do
rendimento domiciliar per capita metropolitano dispõem de rendimentos de no
máximo pouco mais que um salário mínimo, retratando a desigualdade de renda nas
metrópoles brasileiras e os desafios para a redução desta.
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26
ANEXO 1
Valores de salário mínimo brasileiro (SM), valor da mediana do rendimento domiciliar per capita (RPC) e relação entre SM e mediana (1). Regiões metropolitanas brasileiras, 2001-2015
Ano Valor (R$) Valor da mediana da RPC (R$)
Relação Mediana/SM
2001 180 250 1,38
2006 350 405 1,17
2011 545 650 1,19
2012 622 740 1,19
2013 678 800 1,18
2014 724 900 1,24
2015 788 900 1,14
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Elaboração: NEPP/UNICAMP.
(1) Em valores nominais.