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Desigualdades como problema: que políticas?
Renato Miguel do Carmo, Frederico Cantante, Margarida Carvalho Observatório das Desigualdades
Este texto pretende fazer uma análise geral sobre os níveis de desigualdade social que teimam
em persistir na sociedade portuguesa e que afetam um conjunto diferenciado de sectores.
Encara-se as desigualdades como um problema estrutural na sociedade portuguesa, cujos
antecedentes são muito anteriores à atual crise económico-financeira. Contudo, chama-se a
atenção para o papel importante de algumas políticas públicas e o impacto positivo, mas ainda
incompleto, que tiveram na atenuação de certos desequilíbrios estruturais. Por fim, focam-se
os riscos sociais que emergem da presente crise e das respetivas medidas de austeridade, e
apontam-se algumas recomendações tendo por base relatórios publicados recentemente por
duas organizações internacionais.
ANTECEDENTES DO PROBLEMA
As desigualdades sociais são multidimensionais e afetam diferentes sectores da sociedade. No
entanto, considera-se que as desigualdades de rendimento e as desigualdades escolares
detêm uma importância acrescida, na medida em que estas se encontram profundamente
relacionadas. Por exemplo, a sociedade portuguesa ainda se caracteriza por um enorme défice
de escolarização e pelo baixo nível salarial de parte substancial da população empregada
(principalmente as que detêm menores níveis de escolarização e de qualificação). Como
iremos ver pelos dados apresentados, esta interdependência é muito vincada. Daí que as
políticas mais eficazes, mas não exclusivas, de redução das desigualdades são aquelas que
incidem de forma mais direta sobre a redistribuição de rendimentos e a escolarização da
população.
DESIGUALDADES DE RENDIMENTO
Desde, pelo menos, os finais dos anos 80, a sociedade portuguesa caracteriza-se pelo
agravamento das desigualdades de rendimento que atingem níveis muito elevados no início do
século XXI. Nos anos mais recentes (até 2009), identifica-se uma certa atenuação dos valores,
que, apesar de tudo, ainda se mantêm muito elevados quando comparados com a média
europeia.
Utilizam-se vários índices para medir o grau de desigualdade de rendimento, dos quais se
destacam o S80/S20 e o coeficiente de Gini.
O S80/S20 é um "rácio de percentil" calculado a partir da diferença entre o rendimento
monetário líquido por adulto equivalente recebido pelos 20% da população que detém níveis
mais elevados de rendimento e o rendimento auferido pelos 20% com um nível de rendimento
mais baixo. Como se pode observar no Gráfico 1, em 2009 o rendimento dos 20% mais ricos
2
em Portugal (5º quintil) era 5,6 vezes superior ao dos 20% mais pobres (1º quintil). Na Lituânia
o valor desta medida de desigualdade é de 7,3 e em Espanha e na Letónia é de 6,9. A Noruega,
a Eslovénia e a Hungria são os países europeus analisados neste gráfico que apresentam níveis
de desigualdade mais baixos entre estes dois quintis: 3,4.
O Gráfico 2 contém informação relativa à evolução do S80/S20 em Portugal e na UE-27.
Verifica-se que em Portugal tem existido uma tendencial diminuição do valor desta medida de
desigualdade de rendimento desde 2003. Nos países da UE-27 o valor médio desta medida
manteve-se estacionário ao longo do período 2004-2009.
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No que diz respeito ao coeficiente de Gini1, verifica-se também uma certa atenuação. O
Gráfico 3 ilustra a evolução do coeficiente de Gini em Portugal e na União Europeia. Tal como
foi referido relativamente ao rácio S80/S20, é possível observar que o valor do coeficiente de
Gini para Portugal tem vindo a conhecer uma progressiva diminuição nos últimos anos, o que
significa uma diminuição do nível de desigualdade monetária.
1 Indicador sintético de desigualdade na distribuição do rendimento que assume valores entre 0 (quando todos os
indivíduos têm igual rendimento) e 100 (quando todo o rendimento se concentra num único indivíduo). Esta escala pode também variar entre 0 e 1.
4
O Gráfico 4 permite formular uma análise sobre a porção do rendimento bruto (antes do
pagamento de impostos) detido pelos 0,1%; 0,5%; 1%; 5% e 10% mais ricos entre 1976 e 2005.
Ao contrário da informação que resulta da aplicação de inquéritos a amostras da população
(como o EU-SILC), estes dados baseiam-se em informação fiscal. A ideia fundamental que
emerge da análise deste gráfico prende-se com o aumento da porção do rendimento detido
pelos grupos mais ricos da população portuguesa. Entre 1976 e 1982 a porção do rendimento
total controlado por estes subconjuntos da população diminuiu progressivamente. De 1989,
ano em que passa a haver novamente informação disponível, até 2005 a porção do
rendimento detido pelos quantis mais ricos aumentou de forma relativamente constante.
Em 1976 os 0,1% mais ricos controlavam 1,3% do rendimento total, valor que aumenta para os
2,5% em 2005; essa evolução é de 5,0% para 6,4% entre os 0,5% mais ricos; de 7,9% para 9,8%
no grupo dos 1% mais ricos; de 21,1% para 26,0% entre os 5% mais ricos; e de 31,7% para
38,3% no grupo dos 10% mais ricos. O ano de 2005 é, aliás, o momento deste período de
referência no qual os vários subconjuntos da população em análise detêm uma parte mais
significativa do rendimento total.
5
DESIGUALDADES SALARIAIS
Dentro das diversas componentes do rendimento disponível a disparidade salarial é a que mais
contribui para as desigualdades de rendimento. Segundo o último relatório da OCDE (2011),
Divided We Stand2, em média os salários representam 75% do rendimento disponível por
agregado familiar. Este dado é particularmente expressivo em Portugal, visto que o nosso
tecido laboral ainda é muito caracterizado pelo peso e a relevância dos baixos salários e pela
grande dispersão remuneratória.
As bases de dados dos Quadros de Pessoal contêm informação referente ao ganho mensal
bruto dos trabalhadores portugueses, que contempla, para além da remuneração base, as
prestações regulares e as prestações extraordinárias. Os valores apresentados estão expressos
em Euros e a preços constantes, o que permite controlar o efeito da inflação.
2 OECD (2011), Divided We Stand. Why Inequality Keeps Rising, Paris, OECD Publications.
6
O Gráfico 5 apresenta a evolução do ganho médio mensal discriminada por quintil, ou seja,
por grupos que agregam cada 20% dos trabalhadores: no 1º quintil estão os 20% de
trabalhadores com os ganhos médios mais baixos e no 5º quintil encontram-se os
trabalhadores com os ganhos médios mais elevados, portanto, os 20% de trabalhadores mais
ricos em termos de ganho.
É notável a distância cada vez maior entre o 5º quintil e os restantes. De um ganho médio de
1.034 Euros em 1985, este quintil passou a auferir 2.237 Euros em 2009.
O 1º, 2º e 3º quintis apresentam ganhos médios não muito distantes uns dos outros e, ao
longo dos anos, a distância entre eles mantêm-se praticamente inalterada. Já o 4º quintil vê o
seu ganho médio mensal distanciar-se dos três quintis inferiores mas, ainda assim, mantém-se
muito longe do 5º quintil.
Relativamente ao 4º quintil, é de sublinhar que enquanto em 1985 o seu ganho médio se
encontrava acima do ganho médio para o total dos trabalhadores (579 Euros era o ganho
médio deste quintil, enquanto o ganho para o total de trabalhadores era de 535 Euros), em
2009 o ganho médio destes 20% de trabalhadores é inferior à média global (1.001 Euros esta,
999 Euros aquele).
Isto significa que no ano de 2009 há apenas 20% de trabalhadores (o 5º quintil) que auferem
um ganho igual ao superior ao ganho médio total, o que aponta para ganhos muito elevados
neste grupo, que fazem com que a média total aumente.
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DESIGUALDADES ESCOLARES
Portugal caracteriza- se por um enorme défice de escolarização, designadamente ao nível do
secundário e superior. Esta situação tem impactos consideráveis na persistência das
desigualdades sociais. O Quadro 1 apresenta a proporção de população (entre os 25 e 64 anos)
que concluiu pelo menos o ensino secundário. Em Portugal somente 31,9% tinha, em 2010,
concluído no mínimo este nível de ensino. Apenas Malta regista um valor mais baixo.
Os seis Estados-Membros nos quais a percentagem da população com idade entre os 25 e os
64 anos que concluiu pelo menos o ensino secundário é mais elevada fazem parte do grupo
dos 10 países que integraram a União Europeia (UE) em 2004. Na Lituânia, na República Checa
e na Eslováquia o valor deste indicador supera mesmo os 90,0%, para uma média da UE de
72,7%. A Alemanha e a Finlândia são os países da UE-15 mais bem colocados.
Em termos médios, os homens apresentam para este indicador um valor ligeiramente mais
alto do que as mulheres nos países da UE-27 (73,7% contra 71,8%). Todavia, esta relação
inverte-se em bastantes Estados-Membros: por exemplo, em Portugal a percentagem de
mulheres com idade entre os 25 e os 64 anos que concluiu pelo menos o ensino secundário é
cerca de seis pontos percentuais superior à dos homens (35,1% contra 28,6%).
Embora Portugal esteja mal classificado no que a este indicador diz respeito, a verdade é que
nos últimos anos houve uma evolução significativa do mesmo . De facto, entre 2000 e 2010 o
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seu valor aumentou cerca de 12 pontos percentuais, evolução próxima da que se verificou em
Malta no mesmo período. Apesar desta melhoria, o resultado apresentado por Portugal em
2010 é 60,1 pontos percentuais inferior ao registado na Lituânia e 40,8 pontos percentuais
inferior ao que se observa em termos médios na UE-27. É de destacar, ainda, a evolução que
este indicador conheceu em Espanha entre 2000 e 2010: um aumento de 14 pontos
percentuais.
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A informação apresentada no Gráfico 6 ilustra a relação existente entre o nível de escolaridade
concluído e a pertença a cinco categorias de rendimento (quintis). Verifica-se que em 2008
cerca de 67% dos indivíduos que concluíram o ensino superior pertenciam ao grupo dos 20%
mais ricos (5º quintil). No caso dos que concluíram o ensino secundário ou pós-secundário e
dos não foram além do 9º ano esse valor é de 32,8% e 12,8%, respectivamente. Por outro lado,
enquanto mais de 40% dos indivíduos que concluíram no máximo o 9º ano de escolaridade
integravam os dois quintis de rendimento mais baixos, apenas 8% dos que concluíram o ensino
superior estão nessa situação.
O IMPACTO DE ALGUMAS POLÍTICAS
POLITICA EDUCATIVA E ACÇÃO SOCIAL ESCOLAR
As desigualdades têm um impacto sistémico e raramente se relacionam apenas com um sector
da sociedade e da economia. Por isso, as políticas que visam a redução das desigualdades são
por natureza multissectoriais. De entre estas destacam-se as políticas que incidem sobre a
redução da pobreza (designadamente, o rendimento social de inserção e o complemento
solidário de reforma), as políticas de educação e de promoção do sucesso escolar, as políticas
de emprego e de apoio à situação de desemprego, as políticas redistributivas que visem a
equidade fiscal e salarial. Embora algumas destas políticas possam não ter como objetivo
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direto as desigualdades, a eventual redução poderá ser uma consequência indireta da sua
implementação.
Nesta linha o sector da educação é dos mais relevantes. De facto, uma política de
universalização do sistema de ensino tem como objetivo direto o aumento dos níveis de
escolaridade e de formação das populações, mas uma das suas consequências a prazo poderá
ser o decréscimo das desigualdades sociais, designadamente por intermédio da promoção de
percursos de mobilidade social ascendente.
Dada a relação clara entre desigualdades de rendimento e desigualdades escolares, considera-
se que as políticas de educação que incentivem o acesso generalizado ao ensino são essenciais
para a redução continuada e estruturante do grau das desigualdades que persiste na
sociedade portuguesa. A este respeito, o esforço de universalização dos vários níveis de ensino
efetuado desde Abril de 1974 representa um caminho fundamental, mas ainda incompleto,
para uma real democratização do ensino em Portugal. A regulamentação de Lei de Bases do
Sistema educativo em 1986 e as sucessivas atualizações (em 1997 e 2005) significam exemplos
estruturantes no sentido da consolidação do ensino Público em Portugal. As políticas de ação
social escolar nas suas diversas componentes (auxílios económicos, comparticipação em
refeições, serviços de cantina, transportes, alojamento, manuais e material escolar, e pela
concessão de bolsas de estudo) têm detido um papel relevante na garantia de um ensino
tendencialmente gratuito e democrático.
Por este motivo, as políticas que visam a redução do abandono escolar são particularmente
importantes. Portugal detém ainda níveis preocupantes de abandono escolar e formativo
precoce, embora se tenha observado uma redução relevante nestes últimos anos3. A taxa de
abandono precoce de educação e formação em Portugal diminuiu 16,2 pontos percentuais
entre 1999 e 2010. Apesar dessa diminuição, o valor deste indicador em Portugal continua a
assumir uma expressão bastante elevada comparativamente aos níveis verificados na UE-27 e
UE-15: em 2010, a taxa de abandono precoce de educação e formação em Portugal era,
respetivamente 14,6 e 13,2 pontos percentuais, superior à registada em termos médios nesse
conjunto de países. Em 2000, essa diferença era de 26,0 e 24,3 pontos percentuais. O Gráfico 7
demonstra também que a diminuição anual do valor deste indicador em Portugal acentuou-se
desde 2006.
Verifica-se que no conjunto de países da UE-27 apenas Malta apresentava, em 2010, níveis de
abandono precoce de educação e formação superiores a Portugal (36,9% contra 28,7%).
Espanha apresenta um resultado muito próximo do português: 28,4%. O quarto país com um
resultado mais elevado é a Itália, embora bastante distante do verificado em Malta, Portugal e
Espanha. O valor médio para os países da UE-27 situou-se nos 14,1%.
3 O abandono precoce de educação e formação refere-se à população com idade entre os 18-24 anos que concluiu
no máximo a escolaridade básica e não está a estudar ou a receber formação.
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POLÍTICA REDISTRIBUTIVA E SALARIAL
A política redistributiva é a que mais diretamente pode ter consequências na redução das
desigualdades de rendimento. Esta poderá contemplar diferentes valências desde a
progressividade fiscal até à maior equidade salarial. Relativamente a esta última vertente,
considera-se a que a política de aumento continuado do salário mínimo poderá provocar um
impacto considerável para uma tendencial igualização das remunerações auferidas. A este
respeito o acordo estabelecido em 2007 em âmbito de concertação social que definia um
aumento gradual do salário mínimo até ao montante de 500 euros em 2011 representou um
exemplo importante de uma política redistributiva com impactos diretos na diminuição da
dispersão salarial e no aumento do poder de compra nos escalões de rendimento mais baixos.
Como se pode ver no Quadro 2, desde 2002 o valor do salário mínimo passou de 348 Euros
para 485 Euros mensais, o que equivale a um aumento nominal de 137 euros. Neste período o
aumento nominal mais significativo aconteceu em 2010, ano em que o salário mínimo
aumentou 25 euros face ao ano anterior. Contudo, foi em 2009 (ano em que o valor da
inflação foi negativo) que se registou um aumento real do salário mínimo nacional mais
elevado: 6,4%.
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O salário mínimo nacional é potencialmente operante na estrutura da distribuição do
rendimento ao regulamentar o limite inferior das remunerações do trabalho. É uma medida
política dirigida directamente ao mercado de trabalho e às relações laborais. Mas o Estado
intervém também na redistribuição do rendimento a jusante desse campo. Desde logo através
da taxação progressiva dos rendimentos (progressividade essa que não se aplica aos
rendimentos de capital) e da transferência de rendimentos monetários para as famílias. O
Quadro 3 apresenta informação relativa ao peso que as transferências de rendimentos
monetários do Estado para os agregados domésticos assumem nos países da UE-27, Islândia e
Noruega no ano de 2007, tendo em linha de conta o quintil de rendimento de pertença desses
mesmos agregados (quando se analisa a informação empírica a partir de quintis os dados são
divididos em subconjuntos de 20%).
Um primeiro olhar sobre o Quadro 3 permite concluir que a grandeza relativa do valor das
transferências monetárias do Estado para os agregados domésticos é maior nos quintis mais
pobres. Mas essa grandeza é bastante diferenciada no universo de países em análise. Em
Portugal as transferências monetárias do Estado para os agregados domésticos que se
situavam no quintil da base (20% mais pobres) da distribuição representavam 20% do
rendimento bruto destes agregados. Este valor é inferior ao registado em termos médios nos
países da UE-27 (24%) e muito afastado do observado nos países do norte da Europa e na
Irlanda. O valor deste indicador em Portugal para os demais quintis e é semelhante à média da
UE. É também interessante referir que nos países do norte da Europa e na Irlanda as
transferências monetárias do Estado têm um peso relativo elevado não só no rendimento
bruto dos agregados domésticos do quintil da base da distribuição, mas também nos demais
subconjuntos da população (nomeadamente no 2º e 3º quintis).
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MAIS PROBLEMAS E CONSTRANGIMENTOS
O DESEMPREGO
Neste momento, o desemprego atinge níveis altíssimos tornando-se num dos problemas mais
marcantes da nossa sociedade que a prazo poderá ter implicações claras no aumento das
desigualdades e também da pobreza.
O INE estima que a taxa de desemprego em Portugal no 1º trimestre de 2012 tenha sido de
14,9%, 2,5 pontos percentuais acima do valor homólogo de 2011 e 0,9 pontos percentuais
acima do verificado no trimestre anterior. De acordo com estes dados, 819,3 milhares de
indivíduos encontravam-se nesse período numa situação de desemprego. A taxa de
desemprego das mulheres foi de 15,1% e a dos homens de 14,8%.
É entre a população com idade entre os 15-24 que este indicador atinge um valor mais
elevado, situando-se nos 36,2%, ou seja, 154,4 milhares de indivíduos. Isto significa que face
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ao período homólogo de 2011 o número de desempregados pertencentes a esta faixa etária
aumentou 24,6%.
A taxa de desemprego entre quem não foi além do 9º ano de escolaridade foi estimada em
15,4%, a da população que concluiu no máximo o ensino secundário ou pós-secundário atingiu
os 16,9% e entre a população com formação superior o valor deste indicador foi de 11,2%. Em
termos homólogos, destaca-se a evolução dos números do desemprego para a população com
escolarização intermédia: a taxa de desemprego aumentou 3,8 pontos percentuais e o número
de desempregos cresceu 43,5% (de 140,0 mil para 200,9 mil). O número de desempregados
que concluíram um nível superior de ensino aumentou também bastante: 37% (de 84,5 mil
para 115,8 mil indivíduos).
O Algarve continua a ser a região NUTS II com a taxa de desemprego mais elevada, tendo
atingido os 20,0% neste trimestre. Na região de Lisboa e na Região Autónoma da Madeira este
indicador também já ultrapassou os 16%.
Tal como se tem vindo a verificar em trimestres anteriores, cerca de metade da população
desempregada (aproximadamente 416 mil indivíduos) encontra-se nessa situação há mais de
um ano. Aliás, quase 230 mil indivíduos encontram-se numa situação de desemprego há mais
de dois anos.
De realçar o facto de os valores do desemprego poderem estar subestimados, já que existem
202,1 mil desempregados que, tendo vontade de trabalhar e disponibilidade para tal, não
fizeram qualquer diligência para procurar trabalho. Por isso, são considerados inactivos
(inactivos indisponíveis). E cerca de 90 mil referiram que a razão que os motivou a não
procurar trabalho foi: considerarem que não tinham idade apropriada, que a sua instrução não
era suficiente, que não sabiam como procurar trabalho, que não valia a pena procurar ou que
não havia empregos disponíveis (inactivos desencorajados).
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O IMPACTO DAS MEDIDAS DE AUSTERIDADE
A presente crise económica e social e as respetivas políticas de austeridade poderão agravar
drasticamente as desigualdades. Um estudo recente4 simulou os efeitos das medidas de
austeridade no rendimento dos agregados domésticos, tendo em conta a distribuição desse
recurso monetário por subconjuntos da população dos respetivos países. A análise focou-se
em três áreas de austeridade onde se registaram alterações nas políticas públicas: os impostos
diretos, as transferências monetárias para as famílias e pensões, e os salários no sector
público. De acordo com este estudo, Portugal é um dos países em que as políticas de
4 Social Situation Observatory (2011), “The distributional effect of austerity measures: a comparison of
six EU countries”.
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austeridade relacionadas com as transferências monetárias para as famílias e pensões mais
afetaram os grupos da base da distribuição do rendimento.
O rendimento disponível dos 10% mais pobres em Portugal diminuiu 6% devido às medidas de
austeridade. Este é o segundo valor mais elevado entre os seis países da União Europeia que
registaram piores performances ao nível da evolução do défice público, do PIB ou do emprego,
entre 2007 e Junho de 2011. Apenas a Irlanda regista uma diminuição mais pronunciada do
rendimento deste decil. Mas enquanto neste país a diminuição do rendimento dos grupos da
metade superior da distribuição foi proporcionalmente mais elevada face à verificada entre os
grupos mais pobres, em Portugal os efeitos da austeridade foram regressivos:
“Portugal é o único país com uma distribuição claramente regressiva, com perdas percentuais
que são consideravelmente maiores no primeiro e segundo decil do que no topo da
distribuição.” (p. 19 do relatório. Tradução própria)
Em Espanha e na Estónia os efeitos da austeridade no rendimento são similares entre os
grupos de rendimento considerados, tal como no Reino Unido – embora neste caso o
rendimento dos 10% mais ricos tenha sofrido uma diminuição percentual acentuada. A Grécia
é o único entre os seis países considerados que regista uma clara progressividade na perda de
rendimento.
O esforço de consolidação orçamental em Portugal entre o ano de 2009 e Junho de 2011
representou 3% do rendimento total disponível pelas famílias anterior ao início do período de
austeridade. No Reino Unido o valor desse indicador é de 1,9%, na Grécia de 2,2%, em Espanha
de 2,7%, na Estónia de 6,2% e na Irlanda de 8,1%.
Tal como foi referido, os resultados apresentados neste estudo têm como limite temporal
Junho de 2011 – excluem, portanto, as medidas de austeridade já implementadas pelo atual
governo.
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AS RECOMENDAÇÕES DA OCDE E DA OIT
O débil crescimento do emprego nos países desenvolvidos e a fraca produtividades nas regiões
em desenvolvimento representam uma ameaça para uma recuperação generalizada e limitam
as perspetivas de desenvolvimento económico. São cada vez mais os elementos que apontam
para um cenário negativo na relação entre o mercado de trabalho e a macroeconomia, em
particular nas economias desenvolvidas: o desemprego elevado e o fraco crescimento dos
salários diminuem a procura de bens e serviços, corroendo ainda mais a confiança das
empresas, que hesitam em investir e contratar. Para que uma recuperação durável da
economia e do emprego possa acontecer é necessário romper com este ciclo negativo.
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Nesse sentido, o recente relatório da OIT Global Employment Trends 20125 apresenta uma
série de medidas políticas que devem ser implementadas em termos mundiais e de uma forma
coordenada.
Em primeiro lugar, a OIT defende que “os efeitos impulsionadores induzidos pelas despesas
públicas e a criação de liquidez podem ser importantes de um país para o outro – se estas
forem utilizadas de uma forma coordenada – e permitiriam aos países que ainda dispõem de
uma certa margem de manobra apoiar tanto as suas próprias economias como a economia
mundial. São medidas de financiamento público coordenadas deste tipo que são necessárias
para apoiar a procura global a nível mundial e estimular a criação de empregos no futuro”
(tradução própria).
Em segundo lugar, é necessária uma regulamentação mais substantiva do sistema financeiro
para o restabelecimento da credibilidade e da confiança, o que permitirá aos bancos
ultrapassar o risco de crédito que alimentou esta crise. Uma reforma global dos mercados
financeiros, abarcando maiores margens de segurança nos sectores bancários nacionais,
ajudará o mercado de trabalho e o aumento da taxa de emprego.
Em terceiro lugar, a OIT sublinha a importância de as medidas de crescimento de emprego se
dirigirem à economia real. De facto, as medidas que têm sido tomadas até agora não
permitiram inverter o aumento de 27 milhões de desempregados desde o impacto inicial da
crise.
Em quarto lugar, é salientado que as medidas públicas de incentivo à economia não são
suficientes para um crescimento durável do emprego. O investimento privado deve ser
encorajado e os responsáveis políticos devem agir de maneira a reduzir o medo e a incerteza
que o travam.
Por último, a OIT frisa que, para serem eficazes, os planos de relançamento da economia não
devem comprometer a viabilidade das finanças públicas, aumentando ainda mais a dívida
pública.
No recente relatório Economic Policy Reforms 2012: Going for Growth6, a OCDE considera que
diminuição das desigualdades de rendimento e o fomento do crescimento económico são dois
objetivos das políticas públicas que podem ser alcançados de forma integrada. A promoção da
equidade na educação e o estímulo à conclusão do ensino secundário e superior surgem como
a primeira das estratégias a adotar, pois os recursos escolares são ao mesmo tempo um dos
principais fatores que explicam as desigualdades de rendimento e uma dimensão central para
o desenvolvimento económico dos países.
5 ILO (2012), Global Employment Trends 2012. Preventing a deeper jobs crisis, Publications of the
International Labour Office. 6 OECD (2012), Economic Policy Reforms 2012: Going for Growth, OECD Publications.
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Uma segunda dimensão remete para a redução do hiato que existe entre os trabalhadores
com vínculos laborais sem termo (permanent contracts) e os que têm vínculos mais precários
(temporary contracts). Não só as remunerações do trabalho tendem a ser mais baixas entre
esta segunda categoria de trabalhadores, como a precariedade laboral tem implicações
negativas ao nível do enriquecimento do capital humano, dos processos de progressão
profissional e da exposição ao desemprego – condicionando, neste sentido, o crescimento
económico dos países.
Também as políticas fiscais são apontadas como um instrumento de política pública que pode
potenciar simultaneamente a redução das desigualdades e o crescimento económico. Por
exemplo, o aumento da taxação dos rendimentos de capital, um tipo de riqueza económica
que beneficia essencialmente os grupos mais ricos, favoreceria a diminuição das desigualdades
de rendimento e permitiria levar a cabo uma redução dos impostos sobre os salários.
O aumento das políticas ativas de emprego vocacionadas para a compatibilização entre as
qualificações profissionais dos trabalhadores e o tipo de qualificações requeridas pelo
mercado de trabalho, a promoção da integração dos imigrantes, a diminuição das
desigualdades de tempo de trabalho e de remuneração entre homens e mulheres são outros
exemplos de políticas duplamente estruturantes.