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Jessemusse Cacinda Menino traumatizado dorme vestido… pronto para fugir! Centro de Estudos de Comunicação SEKELEKANI, 2020 Maputo, Moçambique

Deslocados de Guerra de Cabo Delgado, Uma narração de ......Enquanto eles queimavam as nossas casas, chegaram militares do Estado com helicópteros, e afugentaram os atacantes. Alguns

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Jessemusse Cacinda

Menino traumatizado dorme vestido… pronto para fugir!

Centro de Estudos de Comunicação SEKELEKANI, 2020

Maputo, Moçambique

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DESLOCADOS DE GUERRA DE CABO DELGADO

UMA NARRAÇÃO DE SANGUE E SOFRIMENTO

-2020

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Ficha Técnica:

Autor: Jessemusse Cacinda Editor: Tomás Vieira Mário@Fotos: Jessemusse Cacinda

Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação – SEKELEKANI Contactos: Tel. 21 418 130/ e-mail: [email protected] Av. Vladmeir Lenine, número 2964

Maputo, Moçambique www.sekelekani.org.mz/ www.civilinfo.org.mz

@Copywriting: SEKELEKANI, 2020

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Centro de Estudos de Comunicação SEKELEKANI, 2020

Maputo, Moçambique

DEZEMBRO, 2020 Página 5

Índice

I. Apresentação, pag.3 Narração de Sofrimento-

II. Metuge: a primeira fotogra�a de um drama humano, pag. 4 E tudo o fogo queimou…

Líderes marchando com suas comunidades

II. Residências transformadas em centros de acomodação, pag 6 Seis dias de marcha…

O nascimento do Elias

“Agentes da Polícia disseram que eles fazem desaparecer pessoas”

Depois de um massacre…falam de paz à população! Cedeu a sua casa para acomodar deslocados

Menino traumatizado dorme vestido… pronto para fugir!

Enterrou três irmãos carbonizados

“Não há como pensar em máscara quando há um ataque”

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DEZEMBRO, 2020 Página 6

I. Apresentação

Narração de Sofrimento

Na Província de Cabo Delgado vai uma parte de Moçambique esvaída em sangue, em consequência de uma guerra cruel, movida por seres estranhos contra populações inocentes e indefesas.

Os números das vítimas, cada dia mais difíceis de controlar, dizem-nos que metade da população da província deixou de ter direito à vida, com o risco de seguir a sorte de vários milhares, entretanto mortos, com a mesma frieza com que nos talhos se esquartejam animais.

Porém, por detrás e muito para além dos números, estão em causa pessoas. Seres humanos. Homens, Mulhe-res e Crianças. Com nomes próprios. Que vivem ou viviam em aldeias conhecidas, também com nomes e histo-ria. “ Conta-me tudo o que passaste…se conseguires” – Foi o pedido feito a dezenas de mulheres, homens, jovens e adolescentes que, fugidos das suas aldeias, passaram noites em matas densas, aonde, de toda uma vida, apenas levavam a esperança de…não morrer!E a estória de cada um e de cada uma, é necessariamente parte da história de cada um de nós, na nossa Huma-nidade. E o que nos dizem essas estórias de sofrimento e de superação?

O que nos diz a estória do Paulino, criança de 7 anos que, após sobrevier a dois ataques, dorme vestido…pron-to para fugir, assim que ouvir qualquer ruido, ao qual reage sobressaltado?

O que nos diz a estória do pequeno Elias, que veio à luz do mundo no escuro de uma densa mata, aonde a mãe, após longas horas de fuga pelas matas, o libertou, completo e com vida, deitada por cima de folhas árvo-res? Ou os pensamentos da mãe que, acometida de insuportável dor de perna, e já sem mais forças para continuar a longa caminhada, mandou o �lho de sete anos fugir, �cando ela para trás…para o que Deus quisesse?

E o jovem que, num instante, viu-se sozinho no mundo, após que os seus três irmãos, incluindo dois gémeos, �caram carbonizados, mortos quando os atacantes lhes incendiaram a habitação, após tranca-los dentro, sem lhes dizer um único “ porquê”?

E a Maimuna, que ainda vivia dentro de uma tenda de lona, mal refeita do ciclone Kenneth, que lhe destruiu a casa… e agora procurando outras tendas…em Metuge?

Poderias tu ainda pensar em máscara, para se proteger do CORONA VIRUS, quando te incendeiam a cabana? Pergunta, cansada a avó Filomena.

Narração de Sofrimento – o titulo genérico de publicações do SEKELEKANI, contando estórias humanas, de dor e de resistência. Mas também, no presente caso, celebrando o forte espírito de solidariedade dos moçam-bicanos, sempre disponíveis a partilhar o seu pedaço de pão. Por pequeno que seja!

No mês de Agosto de 2020, quando o drama humanitário em Cabo Delgado começava a apelar à solidarieda-de nacional e internacional, para o socorro de várias centenas de camponeses que fugiam da morte, das suas aldeias incendiadas, Jessemusse Cacinda percorreu locais de acomodação de deslocados em Metuge, não longe de Pemba, bem como a própria capital de Cabo Delgado, gravando estas memórias de sofrimento do povo.

Para a nossa memória colectiva!

Tomás Viera Mário

Director Executivo do SEKELEKANI

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II. Metuge: a primeira fotogra�a de um drama humano

Os cinco acampamentos improvisados em Metuge, uma pacata vila localizada 40km a noroeste da cidade de Pemba, constituem uma eloquente fotogra�a do drama humanitário que se vive em Cabo Delgado, como resultado de uma série de ataques terroristas que afectam a província, desde Outubro de 2017.

A organização The Armed Con�ict Location & Event Data Project (ACLED1) contabilizava, até 25 de Abril de 2020, mais de 200.000 (duzentos mil) deslocados deste con�ito que já nessa altura tinha causado a morte de 1100 pessoas. Mas os acampamentos de Metuge albergam, segundo o Secretário Permanente do Distrito, Chande Buazure, 6.175 famílias, o correspondente a 20.804 pessoas.

Os ataques que começaram em Mocimboa da Praia, cedo propagaram-se pelos distritos de Palma, Macomia, Nangade, Ibo, Meluco, Muidumbe, Mueda e Quissanga, afetando, 156.429 pessoas e destruiram 76 escolas que agregavam 16.760 estudantes assistidos por 285 professores, segundo dados providenciados pelo Governador da Província de Cabo Delgado, Valige Tualibo2.

Centros de Educação como as escolas “3 de Fevereiro”, Manono, Namuapala, Bandar e o Centro de Formação Agrária de Metuge, foram trans-formados em locais de acolhimento de deslocados da guerra nesta província onde 31% da sua população é totalmente pobre, de acordo com o Ministério da Economia e Finanças3 .

As salas de aula transformadas em dormitórios e as tendas improvisadas em residências multifamiliares, acolhem 11.684 crianças, dos 5.070 rapazes e 4.050 meninas. São pessoas que perderam absolutamente tudo o que possuíam: para além das casas queimadas com todos os seus parcos haveres, eles perderam sobretudo a sua familiaridade da vida quotidiana4. As tendas acolhem entre 2 a 8 famílias, sendo que não chegam para todos. Existem comunidades que não têm, sequer, onde abrigar-se, estando expostas ao frio e à chuva.

Nos seus ataques indiscriminados, os terroristas destruíram os centros de saúde de Ngoka (Nangade), Namaluco (Quissanga), Quiterajo (Macomia) e Maganja (Palma), para além de obrigar 14mil famílias camponesas a abandonar as suas machambas e perto de 2 mil pescado-res a abandonar suas zonas de pesca5. E Metuge tornou-se um espaço visível daqueles que abandonaram tudo que tinham, em nome da protecção de suas vidas. Com incerteza do futuro, os deslocados acolhidos neste distrito ignoram - ou não estão em condições de observar - as normas do distanciamento social impostas pelo corona vírus: na procura de alguma distração, ainda que momentânea, muitos homens e jovens queimam o tempo concen-trando-se em equipas de prática de jogos tradicionais.

1Dados disponíveis em https://acleddata.com/2020/04/30/cdt-spotlight-escalation-in-mozambique/

2Num informe apresentado ao Presidente da República de Moçambique no dia 10 de Fevereiro de 2020.

3Dados retirados do relatório: “Pobreza e bem estar em Moçambique” (2013).

5ARENDT, Hanna (2013). Nós, os refugiados. Tradução de Ricardo Santos. Luso�a Press. Covilhã. – Pagina 8.

5Dados do informe apresentado pelo governador de Cabo Delgado ao Presidente da República de Moçambique no dia 10 de Fevereiro de 2020.

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Ficha Técnica:

Autor: Jessemusse Cacinda Editor: Tomás Vieira Mário@Fotos: Jessemusse Cacinda

Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação – SEKELEKANI Contactos: Tel. 21 418 130/ e-mail: [email protected] Av. Vladmeir Lenine, número 2964

Maputo, Moçambique www.sekelekani.org.mz/ www.civilinfo.org.mz

@Copywriting: SEKELEKANI, 2020

II. Metuge: a primeira fotogra�a de um drama humano

A maioria dos relatos vertidos no presente relatório expressam o sentimento de que a Covid-19 é um problema menor, diante de uma guerra que destruiu tudo. De resto, parte signi�cativa das pessoas e famílias vitima dos ataques terroristas, foram também afectados pelo ciclone Keneth que em 2019, devastou o litoral das províncias de Cabo Delgado e Nampula.

E tudo o fogo queimou…

No dia 29 Maio de 2020 houve um ataque em que toda a aldeia de Muadja, no distrito de Quissanga, �cou reduzida a cinzas. As 392 famílias que habitavam a aldeia foram forçadas a fugir para salvar as suas vidas, e a maioria encontra-se nos acampamentos de Metuge. A So�a Anlawe, de 60 era uma das residentes desta aldeia, e encontra-se alojada no Centro de Acolhimento da Escola Primária Completa de Bandar, com o seu marido.

Aparentemente traumatizada e com muito receio contou-nos o que aconteceu naquele dia de fogo e morte. A narração oral, feita na língua Emakhuwa é resumida nas linhas que seguem.

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“Vi um grupo de homens: uns sentados e outros de pé” – So�a Anlawe.

“Eu vivia em Muaja. Às 4h do dia 29, ia ao poço buscar água, na companhia de outras duas mulheres, quando, de repente, vi um grupo de homens, uns sentados e outros de pé, numa pequena ponte. Ficamos assustadas e percebemos que eram os “Al-Shaba-bes6” e quando eles descobriram que estávamos assustadas, disseram-nos que não queriam atacar Muadja, mas sim Metuge. Mas nós �camos caladas, mesmo sem aceitar. Quando voltamos a casa, informamos a comunidade. Depois, o nosso chefe da aldeia comunicou ao governo que os “Al Shabab” estavam na nossa aldeia e que estavam a falar que querem atacar Metuge. Mas, às 17h do mesmo dia, entraram na nossa aldeia e começaram a queimar as casas. Eles não disseram uma única palavra; e nós não reconhe-cemos as suas caras porque estavam encapuçados. Eles falavam m na Língua K-Swahili e eram muitos. Não consegui contar, para saber quantos eram. No dia seguinte, dia 30, chegamos aqui a Metuge”.

6 A população local chama os atacantes de “Al Shabab” enquanto o governo chama-os de insurgents. Em discursos recentes, o governo os têm chamado de “terroristas”.

(Senhora So�a Anlawe e seu marido, no campo de acolhimento)

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“Vi um grupo de homens: uns sentados e outros de pé” – So�a Anlawe. A história de Alawe foi repetida por muitos residentes de Muadja, acomodados neste centro, onde vivem socorridas pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades e várias organizações não-governamentais, incluindo algumas ligadas à Igreja Católica. Muitas pessoas que conversaram connosco disseram que a comida não chegava para todos.

Esta mulher, na foto, acabava de receber o seu kit de alimentação constituído por arroz, feijão e óleo de cozinha. Muitos entrevistados referi-ram não ser possível ter três refeições ao dia, porque a comida não chega.

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Líderes marchando com suas comunidades

A aldeia de Natuco, também localizada no distrito de Metuge acolhe, neste mês de Agosto, mais de 1800 pessoas. No dia 5 de Maio, a aldeia foi surpreendida por um ataque violento, que resultou na destruição de casas e saque de bens. No dia seguinte, todos os seus habitantes, guiados pelo líder, Ntakiha Kamali, abandonaram tudo, e foram procurar refúgio em Metuge, onde foram acomodados no Centro de Acolhimento da Escola Primária Completa de Manono.

“Passamos a noite no mato” – Ntakiha Kamali

“Os insurgentes queimaram a aldeia Rimba e passaram para a aldeia de Nacoba, no dia 4 de Maio. No dia seguinte, 5 de Maio, uma Quarta-feira, por volta das 14 horas, chegaram a Natuco, onde começaram a queimar as nossas habitações. Aí fugimos para as matas. Enquanto eles queimavam as nossas casas, chegaram militares do Estado com helicópteros, e afugentaram os atacantes. Alguns atacantes morreram ali mesmo e outros conseguiram fugir. Os atacantes não falaram nada; apenas atacaram. Não nos disseram porque estavam a atacar, apenas gritavam Alah Akibaru (Deus é grande).”. Nós refugiamo-nos no mato e no dia seguinte, 6 de Maio, chegamos aqui, Metuge.

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São vários os líderes que abandonaram as suas aldeias com todos os membros de suas comunidades. Tais são o exemplo dos líderes das comunidades de Quilito, Namiteua, Naphuda, Nacoba e Arimba, todos do distrito de Quissanga.

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III. Residências transformadas em centros de acomodação

Por alturas da nossa missão, Agosto de 2020, mais de 20 mil pessoas encontravam-se acomodadas em cinco centros de acolhimento de Metuge. As outras cerca de 200 mil encontram-se distribuídas entre a cidade de Pemba e os distritos de Mueda, Ibo e Montepuez. Há ainda várias dezenas de pessoas deslocadas para outras províncias, nomeadamente Nampula, Zambezia e Niassa. Entretanto, alguns órgãos de comunicação social têm reportado a chegada de deslocados de Cabo Delgado a províncias tão longínquas quanto Inhambane. O impacto da emergência humanitária resultante deste con�ito tem-se feito sentir para além dos territórios para onde as vítimas são acomodadas. Assim, mesmo com as normas restritivas impostas pela Covid-19, o movimento de pessoas nos bairros da cidade de Pemba é tão intenso, que não há como impor-lhe qualquer controlo, o que denuncia um aumento populacional as�xiante.

No já muito populoso bairro de Paquitiquete, onde existe um cais de pequenos barcos, os habituais vendedores de bambu e de peixe contam que, após o ataque a Quissanga, surgiu um movimento desusado de pessoas que chegavam por via marítima e acampavam nas margens da baia de Pemba. Os que tivessem familiares nesta cidade eram pouco depois acolhidos, tornando os agregados familiares lotadíssimos. Segundo contam, tem sido normal encontrar agregados acomodando entre 20 a 30 pessoas, em habitações feitas para um máximo de cinco pessoas. Enquanto isso, nos bairros do Alto Gingone e Muxara a Igreja Católica prestava apoio de emergência a 220 famílias que acomodavam deslocados.

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Umas das ruas do bairro Gingone

Seis dias de marcha…

Flora Tena, de 36 anos, vivia com o marido e �lhos em Mangueleua, no distrito de Macomia. O con�ito militar levou-a a mudar-se por duas vezes: primeiro quando, em 2019, a aldeia foi atacada e ela refugiou-se na vila-sede de Macomia. Em Março do presente ano regressou a Mangueleua, na expectativa de paz restabelecida. Contudo, no mês seguinte, Abril, ainda mal se tinha restabelecido na sua aldeia original, quando um novo ataque a obriga a nova fuga. Ela recorda-se que era dia 7 de Abril, data consagrada como Dia da Mulher Moçambicana. Aí ela decidiu ir para mais longe, a cidade de Pemba, aonde encontrou refúgio junto de membros da família.

“Os Al Shabab chegaram na manhã do dia 7 de Abril. Eles tinham antes atacado a aldeia 1o de Maio antes de entrarem em Miangue-leua. Estavam divididos em três grupos, que se distribuíram por diferentes pontos da aldeia. Mas quando chegaram não dispararam: disseram à população para não fugir. Mas já na nossa aldeia tinham morto 7 pessoas sem dizer porquê. Aí fugimos para o interior das matas, tendo percorrido uma distância muito longa, até sobressair na localidade de Chai. Somos uma família de 10 pessoas: cinco adultos e cinco crianças. Daqui caminhamos uns 45Km, até Macomia. Levamos seis dias, de Miangueleua até Macomia-sede. Passamos três noites no mato. Sem nos movimentarmos. Ao longo da fuga, matávamos a sede bebendo água de riachos que cruzás-semos; comíamos mandioca crua e cana-de-açúcar que arrancávamos em algumas machambas...! “

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Umas das ruas do bairro Gingone

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Na foto, Flora, seu marido e um dos �lhos.

Quando Flora terminou a sua narração, o marido acrescentou o seguinte:

“Quando os Al Shabab entram numa aldeia, os militares que lá estão para nos proteger são os primeiros a fugir. Agora não estamos a pensar em regressar a Macomia: a ideia é ir para a frente, mais longe daqui. Assim, daqui, de Pemba, só podemos continuar para Nampula e, se possível, ir até Maputo: voltar para atrás… não. Precisamos de ter o que comer, lugar para viver, bens básicos, medicamentos. Mas sobretudo estamos a pedir paz para Macomia e todo Cabo Delgado. Neste momento, nossa preocupação não é coronavírus, mas sim a guerra!”

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Na foto, Flora, seu marido e um dos �lhos.

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O nascimento do Elias

Quando o encontramos com a mãe, ele tinha apenas algumas semanas. Chama-se Elias e a mãe é de Paulina Cosme. O Elias nasceu no meio da mata, no percurso entre a aldeia de Litamanda e a vila sede do distrito de Macomia, depois da mãe ter abandonado a aldeia de Miangaleua. São 51 Km de caminhada entre Miangueleua e Macomia que Paulina percorreu a pé: como a gravidez estivesse na fase terminal, ela acabou trazendo o Elias à luz do Sol em plena mata. Felizmente, quando os encontramos, mãe e �lho gozam de boa saúde

“Houve muita agitação, no dia em que eles atacaram a aldeia de Miangaleua. Não sei explicar como tudo aconteceu, mas eu fugi com a minha mãe e o meu �lho, menor de idade. Mais tarde apercebi-me que o meu marido tinha �cado para trás; mas já não havia como voltar. Caminhamos de Miangaleua até Litamada sem parar, pelas matas. Atravessamos charcos, montanhas e rios. Depois de passar Litamanda, comecei a sentir dores de parto. Era noite. Tentamos andar para ver se encontrávamos algum centro de saúde; mas as dores só aumenta-vam. Acabamos parando. A minha mãe estendeu folhas de árvores no chão para eu me deitar. E eu tinha que ter coragem. O bebé acabou nascendo ali mesmo. Foi um dia de muito sofrimento. Depois da criança nascer �quei preocupada em saber onde o meu marido estava. Cruzamos com muitas pessoas que também fugiam da guerra e elas comentavam que o meu marido também conseguiu escapar. Nessa noite não conseguimos dormir. Quando amanheceu, continuamos a andar até chegar ao centro de saúde de Macomia, onde fomos atendidos e viram que a criança estava bem de saúde. Depois de nos darem alta, apanhamos transporte para Pemba. Mas assim que chegamos a Pemba somos informados que eles atacaram a vila de Macomia exactamente no dia da nossa saída”.

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Além de Elias, encontramos no Alto Gingone uma outra criança com apenas um mês de idade. A mãe, Joanina Rafael, é uma adolescente de apenas 16 anos. Ela vai sempre acompanhada do marido, um outro jovem de 20 anos. Eles também fugiram de Miangueleua. A Joani-na Rafael começou a sentir dores de parto quando estava em trânsito para Macomia. No meio da caminhada, pediram socorro em casa de uma aldeia. A dona da casa ofereceu o seu apoio à jovem mãe, para dar à luz o seu bebé. No dia seguinte, caminhando, tiveram a sorte de encontrar um centro de saúde, onde o bebé recebeu os primeiros cuidados. Quando os encontramos, o pequeno Elias gozava de boa saúde.

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“Agentes da Polícia disseram que eles fazem desaparecer pessoas”

A presente fase da vida de Francisco, nome �ctício, começa em 1991 quando é transferido de Pemba para Mocímboa da Praia. Ele �xou residência na vila, onde iniciou uma nova vida, construindo duas casas e comprando duas viaturas, incluindo um camião, que constitua fonte adicional de renda.Com uma localização privilegiada, Francisco testemunhou os momentos áureos da vila da Mocímboa da Praia, incluindo a construção, próximo da sua residência, de uma agência bancária, que viria a ser destruída num ataque terrorista no dia 23 de Março. Na madrugada desta data, ele e sua família, composta de seis membros, foram acordados por estrondos de disparos de armas de guerra. Era a segunda vez que os “Al Shabab” atacavam a vila, depois do primeiro ataque, realizado em Setembro de 2017.

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“Vivemos perto de uma Mesquita, localizada na zona do banco BCI. A vizinhança dizia que os atacantes mandaram as pessoas concentrar-se na Mesquita, mas nós preferimos fugir para o mato. Levei documentos dos nossos �lhos e fomos esconder-nos. Ficamos na mata mais próxima, para monitorar a situação. Não vimos as pessoas que disparavam: apenas ouvíamos gritos “Alah Akibaru”, “Alah Akibaru”. Percebi que se tratava mesmo de guerra e não era brincadeira. Depois dos tiroteios continuamos na mata, caminhamos 15Km, de Mocímboa da Praia até Chinbangamba. Daí prosseguimos até chegar a Maoma, onde encontramos militares armados, mas sem farda. Daí seguimos com eles até Ntoto. Aqui juntaram-se a nós outros grupos de militares que também estavam no mato. Daí caminhamos juntos até Auasse, onde chegamos por volta das 15h do dia 24 de Março. Aqui encontramos um carro militar à espera de militares. Daí conseguimos um meio de transporte, que nos levou a Mueda, aonde fomos acolhidos por uma família conhecida. No dia 25 de Março veio um carro da polícia na casa onde estávamos hospedados. Os agentes da polícia desce-ram e vieram zangar connosco, por não termos ido nos apresentar no Comando. Aí eles ameaçaram-nos dizendo que costumam fazer desaparecer pessoas. Essa frase de que eles fazem desaparecer pessoas meteu-nos muito medo e aí decidimos sair imediata-mente de Mueda. Assim tomámos transporte para Pemba. Passámos dois dias sem comer, nem beber água. Até �ca difícil acreditar como aguentamos; mas naquele momento só queríamos salvar as nossas vidas. Viajamos com três crianças menores que ao longo da caminhada só choravam. O choro das crianças aumentava-nos mais medo porque podia despertar os insurgentes, caso estives-sem por perto. Ao longo da nossa caminhada, a minha esposa parou numa casa onde pediu farinha de milho: a dona da casa ofere-ceu e preparou papas para as crianças.

Chegados a Pemba, juntamente com a minha família viemos a este talhão que nos pertencia, mas que não tinha casa. Acampamos ao relento e como tinha comigo um valor que havia adquirido por meio de um empréstimo bancário para meus projectos em Mocímboa da Praia, iniciei a construção de uma casa. No mesmo local, comecei a receber outros familiares que fugiram de Macomia, sendo que agora, vivem na mesma casa 30 pessoas. Estamos entre deslocados.

Estamos a ouvir falar do coronavírus, mas não temos condições de prevenção; mas vivemos 30 pessoas aqui aglomeradas e não é possível manter distanciamento físico num lugar assim. Tentamos usar máscara, lavar as mãos, mas a verdade é que a nossa maior preocupação é com a guerra e não com corona viros. Neste momento o meu único desejo é que a guerra acabe. Ainda assim, regres-sar a Mocímboa da Praia… está fora de questão. Aquilo que vivi não me encoraja a voltar. Fiz toda uma vida lá, mas agora o que importa é que a minha vida é esta que está comigo…” desabafa Francisco.

Depois de um massacre…falam de paz à população! Abdala, nome �ctício, capturado pelos atacantes, foi por estes usado, para atrair a simpatia da comunidade de Miengueleu: Como seu refém os insurgentes circularam com ele através da aldeia, anunciando que eles não matam civis, mas apenas militares. Depois de um massacre de 52 jovens Chitache!

“O dia 7 de Abril era um dia normal na aldeia de Miangueleua. O ambiente estava muito animado e as pessoas circulavam à vontade. Ao �m dia, fui jantar à casa do meu irmão. E quando estou regressando a casa, vejo pessoas a correrem sem que eu me aperceba o que estaria a acontecer. Quando também me ponho a correr, noto “Al Shabab” atras de mim. Aí mandaram-me parar, ameaçando que iam disparar se eu continuasse a correr. Notei que havia três grupos de atacantes. O grupo que me capturou perguntou para onde tinha fugido os habitantes da aldeia e eu respondi que não sabia. Eles levaram-me e começaram a circular comigo pela aldeia, dizendo às pessoas que fugiam que eles não queriam a população, mas sim os militares e apresentavam-me a dizendo: “ como estão a ver, não matamos este que capturamos”, apontando a mim. Depois de muito tempo a circular pela aldeia, os “Al Shabab” cruzaram--se com um grupo de milicianos da aldeia e começaram disparos entre os dois lados e eu aproveitei aquele momento de disparos para fugir. E no mato encontrei muita gente que também fugia da guerra e assim caminhamos pelas matas até Chai e Macomia, donde apanhamos carro para Pemba”.

Eles atacaram Miangueleua depois do massacre de Chitache.... Não sabia? Oh, no dia 17 de Abril, os Al Shabab foram a Chitachi e disseram que não queriam matar ninguém, apenas queriam conversar com a população. Marcaram um encontro com os residentes da aldeia, começaram a perguntar qual era a religião de cada um. Queriam saber quem era cristão, muçulmano e quem era pagão. Depois selecionaram todos jovens e mandaram os velhos, mulheres e crianças para �car de lado. Mandaram os jovens �car per�la-dos. Quiseram recrutar à força os jovens e estes negaram. Acabaram matando os 52 jovens ali mesmo, na presença dos idosos, crian-ças e mulheres. Depois do massacre foram-se embora”.

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Cedeu a sua casa para acomodar deslocados

Virgínia Nachaque, 33 anos de idade, é professora residente bairro de Muxara, cidade de Pemba. Sendo o único membro da família com casa na cidade, viu-se na obrigação de receber seus familiares que viviam em Macomia, passando a gerir um agregado com 38 pessoas. A seguir o seu depoimento...

Página 18DEZEMBRO, 2020

“Sou professora e vivia com os meus �lhos. Somos 7 membros no agregado. Por causa da guerra, vieram meus familiares de Maco-mia e tive de alojá-los. Vieram 26 pessoas, agora somos 38 em casa, incluindo nove crianças... Antes desta emergência eu conseguia seguir uma dieta alimentar normal com os meus �lhos: agora tive de adoptar uma nova forma de viver. É muito difícil alimentar todas estas pessoas e com a COVID-19 torna-se mais difícil gerir a água. Gasta-se bastante água, muita agua mesmo! Nós tiramos água de casas dos vizinhos e em furos que fazemos nos riachos. Também é difícil gerir comida. Um saco de arroz leva apenas três dias; e um saco de 100Kgs de farinha de milho leva apenas uma semana. Tenho estado a batalhar sozinha para a sobrevivência de nós todos, ao longo destes últimos dois meses. Agora, e pela primeira vez, acabei de receber 10kg de arroz, uma barra de sabão e 5kg de feijão da organização Arco Iris ”

Menino traumatizado dorme vestido… pronto para fugir!

Chama-se Paulino Crisanto e tem 7 anos de idade. Vivia com o pai, quando a sua aldeia foi tendo atacada, por duas vezes, em 2019. Como forma de afasta-lo da zona de perigo, o pai foi deixá-lo em casa da mãe, na vila de Macomia. Entretanto, em Março deste ano, a vila é também atacada, e na fuga, Paulino perdeu-se na mata, onde permaneceu por alguns dias, à deriva. Pouco depois Paulino viria a reencontrar a mãe…já em Pemba! Encontramos o Paulino acomodado em casa da tia, a professora Virgínia. Paulino, traumatizado, dorme vestida e acorda sobressaltado, sempre que ouve qualquer ruído. Eis como a mãe, Júlia Escola, conta a experiencia de Paulino.

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DEZEMBRO, 2020 Página 19

“Eu vivia na Vila Sede de Macomia. A passagem do ciclone Keneth, em 2019, destruiu a minha casa e desde lá eu vivia numa tenda de lona. Entretanto, no dia 28 de Maio fomos atacados. Os insurgentes chegaram por volta das 4horas: não ouvíamos o que diziam e nem percebemos o que queriam. Acabei fugindo para a mata com os meus �lhos e outras pessoas da comunidade. Levei quatro dias na mata. Passamos 24horas sem beber nem um gole de água. No dia 29 cruzamos um pântano entre duas pequenas monta-nhas e aí conseguimos matar a sede. Na fuga precipitada não conseguimos pegar em nada. Nem roupa, nem comida. Uma vez na mata, comecei a sentir a perna doer, e vi que não ia aguentar seguir com os outros. Entretanto, um dos meus �lhos, que antes vivia com o seu pai, em Miangaleua, continuou a caminhada com o resto do grupo, deixando-me para trás. Como ele tinha vivido o ataque de Miangaleua, dizia para os irmãos que “ temos de fugir rápido, porque eles são muito perigosos”. Aí, enquanto eu tinha as dores da perna, ele levou meu número de telefone e do pai e seguiu na companhia de umas senhoras. Eu �que na mata e naquela hora… é só rezar: podia morrer eu ou o meu �lho…

Quando �nalmente conseguiu caminhar até à estrada e consegui transporte, viajei até Pemba e, quando cheguei aqui e vi o meu �lho… não acreditei! Eu sofria muito; queria saber onde estava o meu �lho. Agora estou feliz porque está aqui comigo. O meu �lho foi inteligente. Quando chegou a Mieze, ele mostrou o número de telefone do pai às senhoras que seguiam com ele, e estas falaram com minha irmã, a dona desta casa onde estamos agora hospedados. Aí a minha irmã foi para Mieze busca-lo. Estou por isso muito feliz. Mas em Macomia perdemos tudo. A minha casa caiu ano passado devido ao ciclone Keneth. Eu vivia numa tenda e estava a tentar construir tudo de novo. Agora volta-mos a perder tudo por causa da guerra. O meu �lho agora dorme vestido, sempre em alerta. Quando ouve algum ruido, ele acorda sobressaltado e pega nas calça e nas sapatilhas. Depois tenho que lhe falar que não é Al Shabab. Quando ele dorme, assusta-se”.

Enterrou três irmãos carbonizados

Venâncio Joaquim Lucas é um jovem de 25 anos de idade. Vivia em Mbau, distrito de Mocímboa da Praia. Está em Pemba há 9 meses e diz que pretende seguir com a vida para a frente: para já regressar à sua zona de origem… está fora de questão.

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DEZEMBRO, 2020 Página 20

“No dia 23 de Setembro de 2019, a guerra chegou a sede do posto administrativo de Mbau e dia 24 de Setembro fugimos para Nchinda, a 22Km. Eu vivia com minha esposa, �lho e tia, e um pouco próximo da nossa casa viviam meus três irmãos: eles foram, todos, assassinados pelo Al Shabab. Era um dia normal, as pessoas passeavam em Mbau a vontade.

Fui jantar com os meus irmãos e no regresso do jantar, deixou-os em sua casa e continuei para a minha própria casa. À chegada a casa por volta das 19h, constato que aldeia já estava ocupada pelos Al Shabab. Aí tratamos de fugir: eu, a minha esposa, o nosso �lho e a minha tia. Enquanto estávamos no mato, o Al Shabab foi à casa dos meus irmãos e incendiou a casa, depois de lhes trancar a porta. Os meus três irmãos morreram de fogo, dentro da casa. Dos três, dois eram gémeos, nomeadamente o Eduardo e o Joaquim Lucas, nascidos em 1997. Eles viviam com outro meu irmão, o João.

Ninguém sabe o que os insurgentes queriam, apenas gritavam “Alah Akbar” Destruíram toda a sede do posto administrativo. Quando voltamos do mato, além dos corpos dos meus irmãos, ainda consegui ver 15 corpos estatelados ao chão. Já não havia nada a fazer. Só me restava enterrar os corpos dos meus irmãos. Sinto-me muito destruído. Essa guerra nos destruiu. Não vou jamais regressar a Mbau. Vou continuar a minha vida aqui na cidade”.

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“Não há como pensar em máscara quando há um ataque”

Filomena Agostinho tem 72 anos e vivia em Macomia-sede. A seguir conta a sua história.

DEZEMBRO, 2020 Página 21

“Na madrugada do dia 28 de Abril, os Al Shaba entraram na vila de Macomia e houve tiroteios entre eles e helicópteros militares. Eu, minhas duas �lhas e mais seis netos menores, juntamo-nos com outras quatro pessoas para fugir da vila até a zona de Licangano, tendo pernoitado na mata. No dia seguinte, 29, saímos para Xikhano. De Xikhano seguimos para a aldeia de Iba em Meluco, onde chegamos por volta das 15horas. Por causa do perigo, devíamos sempre caminhar pelas matas e evitar ao máximo aldeias porque podíamos cruzar com os insurgentes.

Em Iba fomos recebidos pelo secretário da aldeia e no dia seguinte, dia 30 de Abril chegamos a Meluco-sede. Fizemos todo percurso a pé, cerca de 30Km. No mesmo dia conseguimos um transporte que nos levou a Pemba, onde um familiar nos acolheu, no bairro de Muxara.

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DEZEMBRO, 2020 Página 22

Nós não conseguimos ver os Al Shabab, apenas conseguíamos ver militares a fugirem e inclusive a misturarem-se com a população... Não conseguimos levar nada, nem deu tempo. Veja que um dos meus netos estava nu quando fugimos, pois foi surpreendido a tomar banho. Aqui em Pemba dormimos no chão e em grupo. Esperamos que a guerra acabe para voltarmos a Macomia.

Não temos comida, nem roupa, porque viajamos apenas com roupa do corpo e precisamos de abrigo. Aqui não tem terra para a gente trabalhar... Ouvimos falar do coronavírus, mas para nós é menos ofensivo que a guerra. Nossa preocupação é o �m da guerra. Não temos como nos proteger porque é difícil. Não há como pensar em máscara quando há um ataque”.

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PERFIL GERAL

SEKELEKANI é uma in tuição moçambicana independente, sem fins lucr vos, de promoção de comunicação para o desenvolvimento. Este conceito refere-se a sistemas de comunicação em dois sen orientados para enaltecer o diálogo entre os decisores de as públicas e as partes interessadas, nomeadamente as comunidades de natárias do desenvolvimento, permi ndo-lhes exprimir os seus pontos de vista, as suas aspirações e preocupações, , desse modo, na formulação da agenda do seu desenvolvimento.

Visão

Através dos princípios da comunicação para o desenvolvimento, SEKELEKANI vai desempenhar papel-chave na produção e disseminação de informação de qualidade sobre processos de desenvolvimento económico e social de Moçambique, amplificando as vozes dos cidadãos e estreitando os canais de comunicação entre estes e os poderes públicos e privados e outros intervenientes.

Missão

A missão do SEKELEKANI é fortalecer a base do conhecimento público sobre processos de desenvolvimento económico e social de Moçambique, bem como as suas implicações, através da disponibilização de informação de qualidade aos cidadãos, en governamentais, organizações não-governamentais e da sociedade civil, agências de desenvolvimento, sector privado, en eleitas e a comunicação social.

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SEKELEKANI prossegue a sua missão, implementando diversas no âmbito dos seguintes quatro programas:Ÿ Democracia e GovernaçãoŸ Desenvolvimento dos Media e TICsŸ Recursos Naturais e AmbienteŸ Pesquisa e DocumentaçãoNo âmbito do Programa de Recursos Naturais e Ambiente, SEKELEKANI possui uma Agência de da Sociedade Civil (CIVILINFO), acessível na seguinte página da Internet: www.civilinfo.org.mz

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