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José Monteiro Morais DEUS O ALVO SUPREMO DA FÉ JESUS CRISTO O CAMINHO INCONTORNÁVEL PARA ELE (QUE OS CRISTÃOS SE CONVERTAM À VERDADE DA SUA DOUTRINA) Aveiro, 2011

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José Monteiro Morais

DEUS

O ALVO SUPREMO DA FÉ

JESUS CRISTO

O CAMINHO INCONTORNÁVEL PARA ELE

(QUE OS CRISTÃOS SE CONVERTAM À VERDADE DA SUA

DOUTRINA)

Aveiro, 2011

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ÍNDICE SITUANDO-ME NO TEMPO ............................................................................................ 5

PORQUE ESCREVO .......................................................................................................... 9

ESCREVO POR AMOR AO EVANGELHO ................................................................... 11

A MÃE DE JESUS ............................................................................................................ 17

O PODER DE DEUS EM MÃOS HUMANAS E A SALVAÇÃO .................................. 21

A RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO ........................................................................ 25

O PRIMEIRO MANDAMENTO ...................................................................................... 29

A UNIDADE NO AMOR DE DEUS ................................................................................ 31

A ACÇÃO DO ESPÍRITO SANTO .................................................................................. 33

AS PALAVRAS DE JESUS CRISTO SÃO O MEU TESOURO E BASE DO MEU

ENTENDIMENTO NA FÉ EM DEUS ............................................................................. 35

OS ESCÂNDALOS E A RESPONSABILIDADE NA IMPORTÂNCIA APOSTÓLICA

QUE TEM DENÚNCIA .................................................................................................... 43

A LUTA PELA VERDADE .............................................................................................. 47

ENTRE VIDA E MORTE ................................................................................................. 55

A IGREJA CATÓLICA NO MEU TEMPO ..................................................................... 57

O EVANGELHO ............................................................................................................... 59

As Origens ......................................................................................................................... 61

5 de Janeiro de 1946, saída de Celeirós para a Marinha de Guerra ................................... 73

Alguns Apontamentos ........................................................................................................ 77

Viagem à América do Norte em 1948 ............................................................................... 79

O despertar para uma nova realidade ................................................................................. 81

Um momento que fez uma vida a dois para sempre .......................................................... 83

A Ventura mais Alta da Minha Vida ................................................................................. 83

A Acção Católica e Eu ....................................................................................................... 87

O Locista, Dr. Carlos Augusto Fernandes de Almeida. ..................................................... 93

O meu amigo Conde .......................................................................................................... 97

Concurso da Cruz no Mundo do Trabalho ....................................................................... 101

Lembranças ...................................................................................................................... 103

Zacarias Sarrazola Andias................................................................................................ 107

A Obra do Zacarias e da Sua Equipa ............................................................................... 110

Mudanças radicais ............................................................................................................ 113

O cristianismo, vertente fundamental em que se delineou toda a minha vida até aos dias

de hoje, depois dos vinte e dois anos de idade. ................................................................ 117

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SITUANDO-ME NO TEMPO

1945 – Fim da 2ª grande guerra. Nascia um mundo novo lá na Europa;

todo o tipo de dramas que se sentiam aqui em Portugal permanecia, sustentado

nos moldes semelhantes aos da minha terra transmontana; o desespero de

alguns levava-os a fugirem da sua terra, até que se deu a debandada faminta.

Nascia um mundo novo de que não nos dávamos conta. Sós e

escondidos que ficámos, os portugueses, que hoje rondam os 10 milhões, foram

saindo como puderam para as Américas e, mais adiante, para a Europa. Até

para se ir para a África era imposta uma carta de chamada.

Aos que por cá ficaram – pior as gentes afastadas dos centros de decisão

e das benesses do Litoral –, faltou-lhes força ou vontade. Alguém haveria de

sonhar e de se insurgir contra aqueles que pouco ou nada tinham de verdade

nos seus projectos religiosos e políticos. Nesse cenário está bem patente um

Homem a todos os títulos insuspeito, o Senhor D. António Ferreira Gomes,

Bispo do Porto. Para mim, o insigne Bispo jamais se confundiu com regimes

políticos. A sua estrutura mental era a de um lutador dos que inclui nas Bem-

aventuranças voltado para um Deus justo e verdadeiro. Um Homem livre, do

meu tempo.

Era eu, nesses tempos, militante de Acção Católica e a sua atitude face ao

regime ditador que atravessou literalmente toda a minha existência, D. António

foi no enorme estímulo no meu trabalho de locista e exemplo exacto do

cristianismo que sempre desejei a partir dos meus vinte anos de idade, altura em

que comecei a entender, por mim próprio, o que é doutrina de Jesus Cristo.

Nesses tempos, muitos de nós eram imigrantes, cidadãos anónimos

algures nessa Europa, em especial, fora das terras de origem, braçais por

condição e na sua enorme maioria analfabetos. Estes dados eram para nós,

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movimento operário católico, motivo de grande importância para estarmos

solidários com eles.

Os dinheiros e poupanças que vinham de fora, desses imigrantes, como

aqueles que chafurdaram nas lamas de Bidon Ville, em França, faziam muito

jeito a este país estagnado, pouco ou nada modernizado social e tecnicamente.

Entretanto, tudo se passava como se ninguém tivesse culpas!

Nasci em Trás-os-Montes, terra de enormes injustiças, de escravidão cujo

tecido social era composto pelos senhores da terra e por cavadores. Terras

esquecidas, fosse pelo governo, fosse pela ineficácia apostólica da Igreja. A

palavra cidadania, literalmente, não existia. Os cristãos ouviam como doutrina

uma missa em latim, domingo a domingo, sendo este o alimento que, segundo a

Igreja daqueles tempos, haveria de servir de promoção do homem, nos termos

do Evangelho.

Recordo bem a fome, principalmente a que era causada pelos rigorosos

invernos, sendo que tudo melhorava após a Primavera e era abundância até ao

tempo das castanhas. Trazia alegria e descontracção. Mas também decorriam as

guerras de Espanha e seguidamente a guerra mundial pelo que tão grande

penúria causava. Vimos a fome estampada na maioria dos rostos. Salvavam-se

aqueles que tinam uma quinta, ou mesmo aqueles que tinham terrinhas onde

podiam colher umas couves, umas batatas, uns feijões etc. Mas, a grande

maioria vivia do pão de milho colonial deteriorado. Era a “tabela”composta

pelo pouco que ali chegava. Nasci em 1925 e dali parti para a Marinha de

Guerra, em 1946 e hoje tenho oitenta e seis anos de idade.

Estes sinais continuaram por muitos anos. Recordo que no ano de 1949,

era eu marinheiro na Escola de Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira, e

vi ainda grande fome. Lembro-me da construção da Ponte de Vila Franca e a

afluência de gente vinda de todo o país, na ilusão de que havia, aí, trabalho para

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muita gente. Confrontados à chegada com a desilusão de não terem emprego,

havia pessoas que, desesperadas, punha termo à vida.

Ora, se o nosso esforço de militantes da A. Católica em Portugal foi bem

ou mal feito, não sei, até porque os métodos e as tentativas enfermam continuas

contracções provenientes de contradições e divisões no âmbito da própria

Igreja.

Quando entrei na Liga Operária Católica e, anos depois, apareci como

dirigente, não tinha a menor experiência do mundo do trabalho. E ainda que a

maioria de população se incluísse nesse mundo, a Igreja não arranjava olhos de

ver para encetar uma Pastoral Operária, enquanto por outro lado, tínhamos por

método apostólico, uma acção baseada em Ver, Julgar e Agir. E a nossa

intervenção ia bastante mais longe que a postura da hierarquia, na denúncia e

compromisso na solução dos problemas Contudo, fizemos trabalhos de

apreciável valia, sendo que foi nesse meio que coloquei todo o meu empenho

cristão.

O nosso ponto de partida veio, além de espírito cristão que nos

impulsionava, de um Centro de Cultura Operária, fortemente apoiados pelos

conhecimentos de sociologia de um locista de nome Carlos Augusto, formado

pela Universidade de Lovaina. Devo dizer que foi através desses conhecimentos

que percebi o meio social em que encaixava, a importância de exercer, pela

minha parte, o cristianismo a que dediquei o meu sentido de vida. Não tenho

uma visão partidária das coisas, mas sim uma análise dos problemas em sim

mesmos confrontados com a verdade que, para mim, ressaltam da doutrina de

Cristo. Isto é, se são idóneos, humanistas, melhor dizendo, que respeitam a

vontade de Deus. Venham eles da parte dos políticos, venham eles da parte da

hierarquia católica.

Foi sempre o meu lema e ainda é hoje justificar o que penso e escrevo

com as verdades do Evangelho. Por outro lado, relaciono tudo com o rigor e a

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mística que me advêm do PRIMEIRO MANDAMENTO. Então, se nesse

tempo era ocasião de me manifestar com base nas encíclicas papais, agora

restrinjo-me à palavra pura do Evangelho, filtrando por Ele, tudo o que penso e

que digo.

Posto isto, apesar de haver muito a dizer, recordado dos meus muitos

amigos locistas de Norte a Sul do país, muitos deles já falecidos há muito,

concluo esta minha apresentação.

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PORQUE ESCREVO

Em qualquer análise ou em qualquer conjectura que perpassa pelo meu

pensamento pondo em causa a minha existência como ser vivente neste

mundo, desde logo encontro Deus como referência máxima das minhas

relações, com o que conheço e desconheço.

Este facto transforma necessariamente o pensamento em oração.

Deus é o Senhor Todo-Poderoso que sendo infinitamente universal ou

melhor, Senhor incompreensível mas que sinto estruturalmente, porque vivo

somente porque Ele existe também. Nem sei bem se devo escrever o que penso

ou, se este meu modo de estar, deveria constituir um segredo entre mim e Ele.

Não é vulgar harmonizar os valores desta vida com a vida do Além,

ainda mais porque os valores materiais afastam as consciências humanas do

Deus que nos criou, mas a verdade é que é nesta conjuntura que havemos de

arquitectar e ganhar ou perder uma felicidade extrema, que segundo Jesus

Cristo é incalculável ou terrível no sentido inverso absoluto.

Porque isto é assim mesmo, segundo a fé em Jesus Cristo e na sua

doutrina única, o impulso de escrever o que penso em vez de guardar no

segredo, será o de comunicar a quem me ouvir, dizendo que Deus é o Único

objectivo que interessa ao homem.

Apercebo-me de que quanto mais me dirijo à Vida, mais a morte perde a

sua fealdade natural, devido ao efeito do pecado que nos marcou

estruturalmente.

Então escrevo, convencido mais ou menos que tenho de fazê-lo. Não

tanto para dar a conhecer o que há de essencial e profundo no caminho de

Deus, porque essa sabedoria já foi pronunciada pelo próprio Jesus e chegou até

nós por mão dos evangelistas, mas talvez seja porque esta é a minha forma de

rezar.

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Escrever é também um meio feliz e recreativo que me ajuda a preencher

o dia-a-dia.

O mundo foi sempre como é hoje: mau, nem eu não estou a pensar em

converter alguém.

Penso apenas alto.

Vejo que, não sabendo o homem de onde veio nem para onde vai (a

morte leva-o contra a sua vontade), é apenas um ser humilde e do ponto de

vista da inteligência poderia de ser coerente com a sua estrutura e investir na

investigação espiritual. Sabemos que a matéria não tem o monopólio do ser

humano, antes é o espírito que lhe dá o dom do ser.

Deus veio à terra na pessoa de Jesus, porque havia coisas preciosas para

nos ensinar sobre o futuro que nos espera e porque esta nossa caminhada para

o conhecido e desconhecido, faz parte da Obra de Deus.

Deus será sempre um tesouro escondido que teremos de procurar até ao

fim dos tempos.

Decididamente os que se quedarem pela arrogância não terão

logicamente hipótese de O encontrar nesta vida.

Apenas estou a pensar logicamente.

Mas, ao conhecer Jesus e a sua doutrina, as pessoas a acolhessem no seu

coração, onde se equaciona a Verdade o Amor e a Justiça de Cristo, fariam

aproximar Deus e o próximo da sua vida, afastando o poder do mal que nos

atormenta e exalta.

E o que é que o mundo acha nos arrogantes que conhecemos, senão a

morte?

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ESCREVO POR AMOR AO EVANGELHO

Escrevo por amor ao evangelho, escrevo por além da fé, ver Nele bases

seguras para um mundo melhor.

A minha independência apoia-se num evangelho que diz o seguinte –

Disse Jesus à samaritana: “Acredita-Me, mulher, vai chegar a hora em que nem

neste monte, nem em Jerusalém, adorareis o Pai. Vós adorais o que não

conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos

judeus. Mas vai chegar a hora e já chegou em que os verdadeiros adoradores

hão-de adorar o Pai em espírito de verdade, pois são esses os adoradores que o

Pai deseja. Deus é espírito e, os seus adoradores em espírito e verdade, é que O

devem adorar”.

Não estando em grande parte de acordo com o apostolado da hierarquia

de Igreja Católica em que nasci, agradado da sua qualidade de apostolado face

ao Evangelho, exteriorizo o que penso não baseado na História da Igreja, mas

no facto de que nem uma vírgula pode ser tirada à palavra de Jesus Cristo. As

épocas passaram e passarão até ao fim dos tempos, mas as suas palavras não

passarão. Custe o que custar, mas todos pensam e escrevem, e eu também

tenho o direito de pensar e de escrever.

Essencialmente, a minha fé fundamenta-se na misericórdia de Deus,

diria, meu amigo e conhecido, à semelhança do bom ladrão quando conquistou

o Céu, junto á cruz de Jesus. Ou seja, o mérito está no Jesus de Quem falo.

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por

Mim”, disse. E é por isto que muitas das minhas deduções deixam cair certos

conceitos e teorias, moldadas por pareceres humanos tidos por mestres. Mas

não é possível confundir as coisas. As sagradas palavras poderão servir para

abrilhantar discursos e sermões, mas o âmago da doutrina de Jesus Cristo

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consistirá na realização do PRIMEIRO MANDAMENTO da Lei de Deus:

Amar a Deus e ao Próximo com todas as forças da alma.

Penso que da boca de Deus não saem utopias, as utopias por detrás das

quais nos escondemos. Da boca de Deus saem projectos de fé capazes de

“mover montanhas”. Isto se a “fé for apenas do tamanho de um grão de

mostarda”. É obvio que tais palavras jamais são frases de retórica, mas sim a

expressão que pode ter uma fé inteligente e esclarecida. Quanto ao seu poder

milagroso demonstrou-o muitas vezes.

Não é, por exemplo, do tipo de fé que resulte das velas e das fogueiras

que delas fazem em Fátima, como andar de joelhos para que Deus se comova,

às vezes rogando como quem negoceia com Ele - eu farei isto e Tu, Senhor, me

fizeres aquilo. O cristianismo fundamentado em Jesus diz-nos que somos gente

vertical, aprumada parte do princípio que “Deus sabe melhor que nós do que

nós próprios precisamos”. Há nisto tudo uma questão para mim confusa, a

Hierarquia da Igreja Católica que se detém neste tipo de fé, contrariamente à

clareza e à verdade do evangelho. Não é que desta fé resulte apenas ignorância

de pessoas aflitas às voltas com a dor que a própria vida nos impõe. Até porque

Jesus veio ao nosso meio para nos ilustrar, ensinando-nos e apelando para a

nossa inteligência. Disse Jesus:

«… É por isso que vos digo: não vos preocupeis quanto à vossa vida,

com o que haveis de comer; nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de

vestir, pois a vida é mais que o alimento e o corpo mais que o vestido. Reparai

nos corvos: não semeiam nem colhem; não têm dispensa nem celeiro, e Deus

os sustenta! Quanto mais não valeis vós do que as aves. E, quem de vós, com o

inquietar-se, pode acrescentar um côvado à extensão da sua vida?»

Na verdade, a doutrina do Evangelho baseia-se na confiança divina,

sendo que o sacrifício se há-de enquadrar, idoneamente, nos meandros desta

vida.

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Jesus ensinou-nos a andar de pé e a sua doutrina não se traduz por

sentimentos. A sua doutrina realiza-se no âmbito da comunidade através de

projectos inteligentes de amor ao próximo, que sofre amarguras muito próprias

desta vida. Tudo será mais humano, mais coerente, mais digno se a nossa

verdade cristã descobrir os aflitos. Haja, pois, comunidade de amor. Quem não

percebe que nas palavras de Jesus há uma mística de comunidade que cativaria

o mundo ao verem como os cristãos relacionarem-se entre si? Alguém diria de

fora – “Vede como eles se amam!”

Somos maus, é certo, e Jesus sabia-o muito bem. Contudo, a proposta foi

feita. Empenhasse-se a Igreja doutrinar nesse sentido.

Não posso deixar de dizer que o nosso processo de cristianizar não

ultrapassa o conceito de simples religião, contentando-se com um cristianismo

de braços caídos, medíocres, um cristianismo de preceitos, tradições,

adoradores de imagens e procissões, brilhos fictícios ainda que dourados, etc.,

enquanto a evangelização/formação se reduz, para a grande maioria dos

católicos, a uma missa de domingo a domingo.

Quem não vê que uma missa ouvida - domingo a domingo – jamais

poderá servir para abranger uma sabedoria que transforme?

Esta é a Igreja que Jesus fundou. Esse facto, só por si, nos haveria de

ajoelhar profundamente, louvando a Deus por semelhante feito. Mas a Igreja de

Cristo haveria de saber acolher, com propriedade, os cristãos que se

congregassem nas comunidades. Muitas serão as causas que contribuem para

que tal não aconteça, contudo, a meu ver, a Hierarquia fez dela uma força

religiosa e política. No entanto, Jesus diz: “O meu Reino não é deste mundo”.

Diz, ainda: “quem não colhe comigo, desperdiça”; “dai a César o que é

de César e a Deus o que é de Deus”; “Eu Sou o Caminho a Verdade e a Vida”.

Quando mandou os Apóstolos fazer apostolado, disse-lhes que levassem

simplesmente o necessário para o corpo, tendo-lhes já dito que a sua postura

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deveria ser de confiança. Também eu acho que personalidades da Igreja com

fatos da última moda e acomodações que põe os pobres a rir ou raivosos de

inveja, não representam Cristo. Jesus, feito pobre por opção, disse àquele que O

queria seguir: “O Filho do Homem nem sequer tem onde reclinar a cabeça”.

Tantos são os factores que desviam os padres da realidade humana.

Depois veio S. Paulo, que mesmo sabendo que o Operário tem sempre

direito ao seu alimento, achou que devia trabalhar de correeiro para não ser

pesado a ninguém.

Tantos e tantos são os desertos da Igreja Católica que confrontam com o

Evangelho.

Mas volto a dizer que esta é a Igreja que Jesus fundou e disse que “as

portas do inferno nunca prevalecerão contra ela”

Amo a Igreja de Cristo e acho que a Hierarquia deveria converter-se ao

rigor do evangelho. Deveria fazer uma profundíssima Revisão de Vida. Não

para responder e barafustar entre os catedráticos encimados nas teorias e letras

- semelhantes aos que se digladiam por interesses terrenos - mas voltada para o

interior de si própria, isto sem deixar de dizer que há, necessariamente, muita

gente na Igreja ciente da sua postura de cristão e apóstolo.

Por outro lado, diria que os cristãos, em consciência, terão de ser activos

e igualmente imitadores de Jesus Cristo sendo que não há cristianismo se forem

“rebanho” longe de Cristo, amorfos, nem quentes nem frios que na boca de

Jesus são pessoas que metem nojo.

“Quem quiser salvar a alma perdê-la-á e quem perde a sua alma por

minha causa, ganhá-la-á”. Muito mais nos disse: “Não tenhais medo dos que

vos podem matar o corpo, mas não podem fazer-vos mal à alma”.

Os cristãos sérios e idóneos têm toda a capacidade de conhecer Jesus

Cristo, por mais insignificante que pareça. Só Deus é Pai, e só a sua justiça

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determinará quem são os primeiros e quem são os últimos. Esta cidadania

sagrada de sermos filhos de Deus, fundamenta-se na confiança e não nas

habilidades pecaminosas praticadas no escuro. A condição é: fugir do pecado e

nascer de novo através da doutrina de Jesus. Diria: PROCURAI O

EVANGELHO. “Aprendei de Mim”, disse Jesus. Exigi de vós mesmo e

igualmente dos que nos guiam.

A ideia é, simplesmente, cristianizar tanto quanto se pode, em Verdade e

em justiça, diante de Deus e do Próximo. Procurem perceber o quer dizer: “O

que não é possível aos homens, é possível a Deus”.

Nota: informo que uma boa parte das citações não têm o rigor da palavra

do Evangelho, apenas decorrem no meu espírito, sendo estes os pilares de

fundo que, no dia-a-dia, sustentam a minha fé. No entanto, as citações

garantem o espírito exacto da palavra de Jesus Cristo.

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A MÃE DE JESUS

É meu lema nunca dissociar a Mãe de Deus quando falo de Jesus Cristo.

É com grande elevo que recordo a pessoa da minha própria mãe, a criatura

maravilhosa que tive como mãe. A Mãe de Jesus Cristo, humana como nós, é

criatura sublime que serviu para que Ele viesse ao mundo. E, ainda mais do que

isso, ela integra-se nos planos insondáveis de Deus.

É amor que sentimos por ela quando a vemos lidar com os mais diversos

contactos com a vida humana comum. É um percurso que se situa desde a

anunciação do anjo e depois do nascimento de Jesus, até à sua morte no

calvário.

A mãe de Deus tornou-se-me profundamente familiar, desde que a vejo

como criatura sonhada por Deus.

Mais que a História e mesmo os profetas, Deus é Vida e tudo a Ele se

submete, o que um dia veremos claramente quando certa hora chegar.

Tenho uma noção do que é a santidade - e santo é, pois, o que é salvo

por Deus e que a Ele se une eternamente. Nossa Senhora é, para mim, a Rainha

do Céu e da Terra, independentemente da forma como a louvam, movidos por

sentimentos que a não incorporam na sua missão ao serviço do Altíssimo, sem

deixar de dizer que uma mãe sabe sempre melhor que ninguém compreender os

problemas dos filhos.

Vejo-a inserida na vida comum do seu povo como qualquer outro judeu,

uns que amavam e respeitavam profundamente o Senhor dos Céus, outros que

O odiavam dos modos mais ardilosos. Sinto-a na sua intervenção de profundo

louvor e intervenção social quando diz no Magnificat: “(…) É santo o seu

nome e a sua misericórdia estende-se de geração em geração para aqueles que o

temem. Exerceu a força do Seu braço e aniquilou os que se elevavam no seu

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próprio conceito. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.

Encheu de bens os famintos e aos ricos despediu-os com as mãos vazias (…)”

Eles e o mundo inteiro não sabiam ainda que tinham entre si a maior e

tão desejada glória de Israel – a mãe do Salvador do mundo.

Tenho que dizer com grande alegria: bendita a mãe de Deus! De resto,

sabemos como foi.

Como desabafo, sinto-me mal e muito desagradado quando oiço teorias

disto e daquilo que se estabelecem por aí sobre nossa Senhora quando me é

dado a perceber, a partir do que vem dos evangelhos, sobre a Virgem Maria.

Sinto-me incomodado pelas dissensões que homens, simplesmente homens,

criaram entre si, em face da grandeza infinita da Virgem Mãe.

Ainda Jesus estaria para vir a este mundo ATRAVÉS DELA, já tinha

sido anunciada pelos profetas múltiplas vezes. E tudo se esclareceu e

concretizou pelo anjo do Senhor dizendo-lhe: “Ave cheia de graça, o Senhor é

convosco. Bendita sois entre as mulheres, bendito é o Fruto do vosso ventre,

Jesus”.

Estas são as razões que me fazem olhar para a Mãe de Jesus Cristo. Jesus

Cristo é Deus, o Filho do Homem.

Para mim, tudo se torna muito simples, limpo e claro, pensando que a

Virgem Maria é obra humana que saiu da vontade e do poder de Deus. Sendo

pois, como são as opiniões mais estranhas, o que me é dado saber é que Virgem

Maria está, antes de mais, no próprio pensamento de Deus, que tudo determina

segundo a Sua vontade e, a seu tempo fez com que se realizasse o que todos

vimos. Isto é, a Virgem Maria é a criatura sublime gerada como toda a criatura

humana a quem coube a glória singular de ser ela a Mãe de Jesus Cristo que é

Deus feito Homem. Nem por um momento dissocio a Mãe do seu Filho, com

incomensurável profundidade de espírito, desde o nascimento de um Menino

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anunciado, até à ascensão do Filho do Homem aos céus. Esta é a Mãe santa que

amo de todo o coração.

Como eu entendo o Senhor Jesus Salvador da Humanidade ao dizer:

“Minha mãe são todos aqueles que cumprem com a vontade do Pai”.

Maria é a Serva de Deus cheia de graça e Jesus veio, através Dela, para

que assim se cumprisse a vontade do Pai.

Ao morrer na cruz Jesus disse: “Mãe eis aí o teu filho e olhando para S.

João Evangelista. Diz: “Filho eis aí a tua mãe”. Palavras, humanas,

transcendentes, proferidas por Jesus Cristo que falam do Amor que Deus tem

pela Humanidade.

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O PODER DE DEUS EM MÃOS HUMANAS E

A SALVAÇÃO

Quem tudo realiza é o poder de Deus; mas, deu aos homens o poder de

fazerem milagres.

O evangelho de S. Lucas, (Luc. 10, 17) leva-me a pensar profundamente

na realidade que nos liga que é tornarmo-nos aptos para ganharmos a nossa

salvação.

Podemos andar esquecidos sem dar importância ou menosprezar os

próprios avisos e ensinamentos do próprio Jesus Cristo, mas a nossa salvação

ou a nossa condenação será infalivelmente posta em causa quando

confrontados com a presença de Deus.

Na verdade, na matéria não encontramos o mínimo sinal desse momento

e só o espírito nos pode revelar o que na verdade há connosco sobre esse

futuro que nos espera.

Jesus veio para nos ensinar sobre este nosso destino, sobre a salvação e

condenação e, além de tudo, diz o que é necessário para conseguirmos a

salvação, avisa e fala, muitas vezes directamente, como quando, por exemplo,

disse: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se houver de perder a

sua alma?”.

Neste evangelho, o cuidado de Jesus coloca-se, mais uma vez, em

extremo, em duas questões de valor absoluto que os Apóstolos haveriam de

observar e ter em conta impreterivelmente; isto é, poderão eles usar

humanamente a força do poder de Deus para fazerem milagres em seu nome,

mas, apesar de tudo, o que mais importa é que os seus nomes estejam inscritos

no Reino dos Céus.

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Olho para estas palavras de Jesus invocando a singular explicação, em

que nem mesmo a força abismal dos milagres colocadas nas mãos dos homens

nos podem garantir a salvação. Entretanto, Jesus avisa-nos do que mais importa

é merecermos que os nossos nomes estejam inscritos no céu.

Pois não é a matéria que nos dá qualquer conhecimento sobre esse

momento único nem o saber previamente se os nossos nomes estão ou não

inscritos no seu Reino. Só Jesus nos podia fazer este aviso, as pessoas haveriam

de fazer o único esforço que verdadeiramente vale todo o nosso interesse e

depois de acreditarem, garantirem, em actos, que afinal, serão estes que dão

direito à salvação.

Os Apóstolos ficaram assombrados pelo poder que tinham nas mãos e

Jesus cheio de alegria louvando o Pai por lhes ter dado tão grande poder;

todavia, Jesus desde logo lhes disse: “Contudo, não vos alegreis, porque os

espíritos vos obedecem, alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes

escritos nos Céus.

Eis a observação que serve, em verdade, para discernir sobre a nossa

relação com Deus e que, pelo menos aqueles que perspectivam a sua vida no

sentido cristão, sejam realmente sérios ou fieis, em actos dignos e inteligentes

que fazem em nome de Deus.

Como diz S. Pedro, “Só Jesus tem palavras de vida eterna”.

Nós, pelo menos nós, membros da Igreja de Cristo, procuremos, por nós

próprios, saber o que realmente Jesus nos disse.

S. Pedro disse, o que também eu assumo, que “só Jesus tem palavras de

vida eterna” deixando para trás conjecturas de “filósofos” sapientíssimos

arrogantes, apesar de a sociedade os eleger e imortalizar em estátuas de bronze.

Entretanto não vejo neles, Vida, antes o que vejo é matéria que sucumbe e se

esvai.

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Dirão talvez: que tens tu com isso? Aceito sem reticências, já que cada

qual responde por si próprio. Digo apenas que nenhum homem pode

“acrescentar um côvado à sua estatura” e da parte de Deus sei que “nem um só

cabelo nos cai da cabeça” sem que Deus o saiba. Deus é Espírito e nós somos

espírito e matéria. Só o espírito tem Vida, só Deus é Senhor.

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A RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO

Para além de tudo o que nos ensinou, as verdades que conduzem à

sabedoria do Altíssimo, a sua ressurreição constitui a confirmação e a

veracidade em que se apoia a nossa fé.

As coisas resumem-se a isto. No dizer de S. Paulo, é preciso que tudo

nos aconteça respeitando o que vimos na vida, morte e ressurreição.

Morreremos e ressuscitaremos, como Jesus Cristo.

A salvação, que é exactamente a entrada no Reino de Deus de onde Jesus

veio e para esse Reino partiu, impõe-se impreterivelmente ao Homem, e este

tem de sofrer a morte para partir para esse lugar extremamente obscuro para a

nossa condição humana. A morte acontece estranhamente contra a vontade do

ser humano, mas é por ela que todos temos de passar para chegar a um lugar a

que também chamamos de “Nova Terra”. Teremos pois de morrer e

seguidamente ressuscitar. Segundo Jesus, há uma morte do corpo e outra,

eterna para o bem e para a desgraça total, “onde só há choro e ranger de

dentes”. Repito, foi Jesus que o disse.

Já se disse que o que nos salva, para além dos direitos de Jesus Cristo

“sem o Qual nada podemos”, é, sem dúvida, o cumprimento sério e correcto,

da sua doutrina.

Obviamente, há um contentamento indecifrável no coração e na alma de

quem sente a ressurreição de Jesus, e se essa alegria sem par foi sentida de um

modo directo pelos Apóstolos, é de todo lógico que nós, vindouros,

assumamos, igualmente, essa alegria e tudo o mais que se prende com essa

ressurreição. Jesus veio para todo o sempre. Não é apenas uma figura histórica.

É Deus que desceu à terra.

E, ao ver tal maravilha, ficamos felizes à maneira dos Discípulos de

Emaus, ao verem Jesus de surpresa depois da ressurreição, julgando eles que

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Jesus estava morto e de S. Paulo, quando viu Jesus ressuscitado na Estrada de

Damasco.

Percebo plenamente que quem se volta para Deus acha profundas razões

para O procurar.

Quem não se deixa cair no consumismo e nas frivolidades que se

praticam na generalidade dos povos, acha pela frente o terrível embate que há

entre os valores de Deus e o materialismo.

O mundo e a terra em que habitamos, é, isso mesmo, frívola,

endemoninhada, lugar onde paira a rebeldia, a vaidade, etc., mas que entretanto

tudo lhe é coarctado pela condição intrínseca que é a sua própria fragilidade.

Como quer que se pense, vemos que nenhum homem é diferente de

outro homem na perspectiva da morte.

Perante isto, acho que quem tem um pingo de humildade pensa e recorre

a Deus.

E penso, entretanto, que quem toma a doutrina de Jesus à maneira de

uma cantiga ou simplesmente uma panaceia que vai iludindo os seus males, não

é apto a perceber o que paira sobre as suas cabeças. Não nos move uma

questão de medo, mas de dignidade pela opção da qualidade daquilo em que

acreditamos. Acho que é uma questão de inteligência e pura lógica.

Jesus diz que seremos conhecidos “pelas obras que praticamos” e eu

sinto que as coisas se vão definindo até que a Verdade e só a Verdade prevaleça.

Ocorre-me que se os apóstolos ficaram felizes, extasiados por verem os

demónios se submeterem ao seu poder e que Jesus os via cair do céu como se

fossem raios, também eu poderei ver o desmoronamento da mentira que

campeia pelo mundo, mesmo nos lugares tidos como os mais sagrados.

Deus é superior a todas as coisas que há no visível e no invisível. Nada O

deforma e os nossos erros decorrerão apenas por nossa conta e risco.

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Diz Jesus:

(…) “Mas aqueles que forem julgados dignos de participar do outro

mundo, e da ressurreição dos mortos, nem se casam, nem se dão em

casamento, porque já não podem morrer: são semelhantes aos anjos, e sendo

filhos da ressurreição são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam até

Moisés o deu a entender no episódio da sarça, quando chama ao Senhor Deus

de Abraão, o Deus de Isac e o Deus de Jacob. Ora, Deus não é Deus dos

Mortos mas dos vivos pois, para Ele, todos estão vivos”.

Por mim sei que a própria Fé se cultiva e avança quando sustentada pelo

conhecimento procurado com inteligência e boa vontade. Adorar a Deus e ser

um dos cidadãos por direito pleno do reino que nos espera, não se coaduna a

um simples sentimento humano. Amar a Deus exige inteligência bem como

“todas as forças que temos” nesta nossa criatura.

E como gosto de escrever como agora estou a fazer, e faço-o como que

rezando, um pouco no dia-a-dia.

Penso na Obra de Deus Pai e Senhor de todos os homens, e

particularizando um pouco, penso naqueles que me conheceram no âmbito das

minhas facetas: no trabalho profissional, na pintura, no teatro local, na área do

fado através da guitarra portuguesa, na família que adoro, tive a sorte de

percorrer mares enquanto marinheiro do navio Escola Sagres, facetas da minha

caminhada onde sempre me senti muito bem. Entretanto o meu trabalho

apostólico assumiu, para mim, particular importância enquanto membro activo

da Acção Católica.

Por fim quero dizer que parto do princípio que as palavras de Cristo são

eternas e considero que nem as épocas nem os homens lhe tirarão o sentido

exacto que elas têm. “Poderá passar o céu e a terra, mas as minhas palavras não

passarão”, disse Jesus.

Anima-me e alegra-me a confiança que tenho nos planos de Deus.

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O PRIMEIRO MANDAMENTO

Este é o ponto crucial de onde parto, ou seja, tudo o que formulo neste

trabalho, tem como ponto de partida a VERDADE DO PRIMEIRO

MANDAMENTO.

O nosso amor a Deus está na medida em que somos justos para com

Próximo. O Homem é para Deus um filho pelo qual Jesus sofreu, amou e pela

sua salvação deu a própria vida. Quero com isto dizer que nada haverá que

preste neste mundo se não for a VERDADE do Primeiro Mandamento: “Ao

próximo como a nós mesmos”.

Porém ocorre-me que se o mundo não tiver recebido a ilustração que

brota da “Boa Nova” não pode ser responsável pela falta de sensibilidade para

o amor.

Daqui que o esforço maior das nossas apreensões e projectos de

actividade cristã, é, sem dúvida, o de evangelizar.

Evangelizar é, antes de mais, estar com próximo segundo a sua reais

necessidades físicas e espirituais, de modo que leve à promoção total de um

indivíduo.

Jesus mandou os seus discípulos mundo fora com a noção que os

mandava para a evangelização “como cordeiros para o meio de lobos vorazes”

dando-lhe regras que não sugeriam poder, tal como Ele não exerceu poderes

contra ninguém. Mas, observe-se que este mundo não será tão erradio da

Palavra de Deus se considerarmos a simpatia e o carinho de muita gente pela

figura, por exemplo, de S. Francisco de Assis; isto para dizer que o seu exemplo

de exclusividade ao serviço de Deus e o seu amor efectivo à humanidade são

louvados por muita gente desse mundo ingrato é distante. Isto para dizer que o

exemplo deste santo é a figura de um Apostolo que Jesus visualizou. Também

Jesus viveu neste mundo como alguém que “Nem tem onde reclinar a cabeça”,

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sendo O Senhor Todo-Poderoso, optou pela pobreza, decerto para ser

compreendido pelos pobres e todo o tipo de injustiçados. Apenas exerceu a

verdade da sua doutrina; Ele mesmo reduziu toda a lei e os profetas a dois

mandamentos: “Amar a Deus e amar o Próximo, sendo que só se ama a Deus

na medida em que amamos o próximo. Tudo o que é sabedoria e Justiça foi

proclamado há dois mil anos e os que se dedicam apostolado têm obrigação de

cumprir. Não colhe invocar ignorância nem, muito menos, serem “mestres” na

medida em que não sigam a Pessoa de Cristo e, mesmo depois, os passos de S.

Paulo ou, mais uma vez, a pureza e a fidelidade cristã, de S. Francisco de Assis.

Nesta ordem de ideias e salientando o que me anima e dá sentido ao que

penso, é meu zelo olhar e pôr em causa a Igreja de Cristo. Ele fundou por suas

próprias mãos este Igreja no sentido de criar na terra um reino para aqueles que

quisessem e merecessem acolher-se no seu Corpo Místico.

Mas, Jesus Cristo mostrou-se incomodado, repugnando mesmo aqueles

“que não são quentes nem frios”. Entretanto, entre nós passam pessoas ditas

boas, medidas no seu carácter pela sua diplomacia e maneiras acolhedoras,

falando sabiamente, etc., tudo isso sem a vivacidade de ser cristão activo e

comprometido com a Verdade diante de Deus, tal como Jesus nos motivou.

Qual o cristão consciente que, no silêncio de seu quarto não fala com Deus

sobre a verdade que imprimiu em cada um dos seus actos? É preciso dizer que

um cristão não pode ser amorfo e acomodado, como vemos na prática

corrente; tem de ser um apóstolo, um colaborador, situado algures, na Obra de

Deus. Honrar a Deus com os lábios e desviarmo-nos da justiça devida ao

próximo não passa de uma indignidade humana.

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A UNIDADE NO AMOR DE DEUS

É sabido que a vontade de Cristo é darmo-nos uns com os outros. Numa

Comunidade Paroquial cristã deveria circular uma mística através da qual seriam

sentidas as dificuldades e as alegrias do semelhante. E porque o elo é o amor,

tudo seria orientado para gestos e obras entre eles para que houvesse saúde, paz

e alegria, esbatendo-se o individualismo e a exclusão. Digo que esta era a

vontade de Jesus Cristo ao definir o perfil de uma comunidade cristã. Um

exemplo para o mundo ver e, posteriormente, dizer: “Vede como eles se

amam”. Somos maus, é certo. A vontade de Cristo é muito difícil de levar à

prática; mas também nunca vi a Igreja da minha terra equacionar, sequer, e

muito menos fomentar ou sustentar a mítica sagrada de que Jesus fala. E, se o

abordava, tudo não passava de um simples sermão dominical. Nós todos

sabemos que só teremos o que construímos ou conquistamos pelas nossas

mãos ou inteligência; as intenções, por si só, nada constroem.

Está em causa a qualidade e a objectividade do cristianismo – amar a Deus

e ao próximo com todas as forças da alma –, nomeadamente por parte dos cristãos

católicos?

Não bastará mostrar ao mundo obras de implantações de bem-fazer e

com isso valerem a cem pessoas quando mil exigem o amor da partilha sonhado

por Jesus, o qual haveria de brotar espontaneamente apenas por se ser cristão.

Mas a interpretação distorcida da doutrina, árida como é, jamais poderá aliar-se

à concretização do desejo de Jesus. A justiça que Ele nos ensinou, e Dele não

saem utopias, é muito mais ampla para ser a Sua Verdade.

Desde logo, o contributo da esmola a qual deixa descansados os

“crentes” na justiça, no plano da justiça social, mas que mente a si e ao pobre

que tem fome de tudo. É vergonhoso, aqui, o método da esmola, pois Jesus

ensinou-nos que é preciso amar o próximo como a nós mesmos.

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Se não tivermos uma educação adequada e não formarmos os nossos

filhos responsavelmente, as acomodações e o afastamento da justiça social

serão prática corrente, onde pouco ou nada será denunciado.

Nunca vi contestar o poder dos ricos que sempre vi nos senhores da

terras e os trabalhadores; mas Jesus falou assim: “é mais fácil entrar um camelo pelo

fundo de uma agulha, que um rico entrar no Reino dos Céus”.

Também nunca vi uma dinâmica apostólica que levasse os homens,

como Zaqueu, a compreender o que é ter dinheiro quando esse dinheiro é

devido aos outros para que viesse ao de cima o amor e a verdade do evangelho

circulasse boca em boca, coração em coração.

Deduzo pois que a denúncia é necessária e mais que isso, constitui

obrigação de quem orienta e coordena crentes.

Jesus disse também que “não se pode servir a Deus e ao dinheiro”. Ou se

ama um e se despreza o outro, mas os dois é impossível.

Dir-me-ão que não terei moral nem mandato para invocar denúncia, mas

direi que a Verdade que nos chega através de Jesus e que esta vale por si

mesma. Ele é a verdade, será também daqueles a quem Ele a comunicar.

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A ACÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

No meu modo de ver as coisas, o que faço relaciono tudo directamente

com Deus independente, portanto, de ritos e outras convenções a que está

sujeita a religião. Sinto-me livre, entendendo perfeitamente que uma religião

congrega as pessoas mas, por si só, não é “tábua de salvação”. O que salva são

as obras que agradam a Deus. Pode até acontecer que algumas quezílias e certas

confrontações nos levem a considerar, porventura, certos afastamentos.

Adorar a Deus espontaneamente e em liberdade é a forma sublime de

conviver com Ele. Tudo acontece no silêncio e brota de uma necessidade da

alma de quem põe em Deus o seu maior enlevo.

Abraão caminhou longamente pelo deserto considerando e voltando a

considerar que caminhava segundo a vontade de Deus. S. João Baptista

vagueou pelo deserto pensando em Deus. Moisés e o povo de Deus

percorreram o deserto durante quarenta anos. O próprio Jesus retirou-se

diversas vezes para orar e foi para o deserto, onde foi tentado pelo diabo. Mas,

é particularmente tocante para o nosso espírito cristão aquele gesto singular de

Jesus quando se afastou dos Apóstolos no Jardim das Oliveiras para, sozinho,

orar ao Pai.

Mas é frequente e natural que muitos adoradores, ao longo dos tempos,

optassem pelo isolamento, a fim de se sentirem mais próximos de Deus.

Celestino V, papa, foi uma pessoa afeiçoada a Deus desde os seis anos de

idade, quando disse à mãe que “queria ser um bom servo de Deus”. Assim foi;

terminados os estudos retirou-se para um ermo onde viveu dez anos.

Posteriormente foi ordenado em Roma e ingressou na Ordem Beneditina.

Abandonou depois o convento para continuar a vida de eremita. A sua cela

situava-se no morro Morone, em Itália.

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Diz a história que era uma época de grandes lutas, tensões e provações,

realçando: “As perseguições que sofreu de espírito diabólico, foram tão

pertinazes que por longos meses deixou de celebrar a santa missa e chegou

quase a abandonar a cela. A paz e a tranquilidade”.

Para mim, considero que há espaços radiosos proporcionados pelo

Espírito que nos incutem enorme felicidade. Quem tem fé sabe que o Espírito

de Deus circula no mundo de um modo especial desde que Jesus no-lo enviou.

Invade-nos como se fosse uma aragem consoladora e fresca quando estamos ao

calor do sol. Momentos sagrados que jamais poderão ser inspirados pela

matéria.

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AS PALAVRAS DE JESUS CRISTO SÃO O MEU TESOURO E BASE DO MEU ENTENDIMENTO NA FÉ EM DEUS

Ele é o supremo Bem, Ele é a própria Vida. A sua vontade está

profundamente ligada com as obras e muito menos com as palavras ou rituais.

Quem se fica pelos contornos de uma religião entorpece e não distingue

esta liberdade de espírito activo e criador. Inclusive pessoas que destinaram a

sua vida ao apostolado se orientam por regras e formalidades, sem atentarem na

dinâmica e autenticidade que brota do Evangelho. S. Paulo compreendeu e

pregou que “a letra mata e o Espírito vivifica” Fora deste entendimento os

padres salvo as devidas excepções nos parecem mais “funcionários” que

Apóstolos.

Também se o nosso cristianismo for indexado ao poder – seja ele de que

natureza for –, um cristianismo confundido com os bens terrenos, não tardará

que vejamos na Igreja a “abominação da desolação em lugar onde não deve

estar” tal como depreendemos das profecias do profeta Daniel.

A obediência total ou a fidelidade absoluta ao Espírito de Deus previne e

disciplina a rudeza humana, sempre propensa para o mal. Nós somos maus por

natureza, pelo que é preciso “vigiar para que não entremos em tentação”.

Lembro aquela parábola em que um demónio, uma vez consentido por

descuido se instalou na nossa mente humana, sai, como lhe é próprio da sua

missão, à procura de outros como ele convidando para morarem com ele. A

vítima, que fora uma criatura sagrada pura e asseada, se foi, subtilmente

envenenada, tornando-a cada vez mais possessa, avessa à graça de Deus e até

desacreditada e difamada entre os homens.

E porque pode acontecer a todos nós, também a Igreja Católica, a meu

ver, deveria promover, eventualmente, um profundo Retiro, um Concilio,

exclusivamente no sentido de se purificar diante de Deus e dos homens. A

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Igreja institucional, amorfa e superficialíssima na forma como encara a vida real

dos homens, nomeadamente os cristãos, tem, forçosamente, de converter-se á

rectidão do evangelho e o comportamento dos sacerdotes em geral, à postura

dos Apóstolos e, obviamente, de Jesus Cristo. Também, poderá ser exagero

meu, mas importa considerar que na Igreja se esteja a desenvolver nela, algo

semelhante à abominação de que fala o profeta.

Deus é Senhor e só Ele deve ser adorado. Nenhum homem, nenhuma

“personalidade” poderá assumir comportamentos e prerrogativas como se fosse

a o topo da fé dos crentes.

Mas a importância do cristianismo está, antes de mais, para todos nós, no

cumprimento dos mandamentos e vemos que o mundo sofre, na sua

generalidade, das formas mais dolorosas. Ora, este sofrimento de modo algum

nos inspira a descontracção de muitos tão cheios de a vontade e rodeados de

bem-estar. De facto “o operário tem sempre direito ao alimento” mas o seu

mérito estará na produção do trabalho que faz. Porque extremamente cioso,

decerto profundamente imbuído do Espírito que o cristianismo tem em si

mesmo, se entregou inteiramente ao apostolado, como sabemos. Uma entrega

total, não sentimentalista nem confusa mas coerente na prática, consumiu-se até

á morte física que algozes lhe impuseram. Como S. Paulo, entregou-se de tal

modo ao mando de Jesus Cristo ao ponto de dizer; “Já não sou eu que vivo mas

é Cristo que vive em mim”.

Mas o que penso aqui e agora, é que mente quem invoca e comemora S.

Paulo e o resultado é uma pregação, uma homilia simplesmente em vez de

exerce uma caminhada verdadeiramente séria, de tal modo que o nosso

cristianismo seja autêntico semelhante ao seu S. Paulo; apesar da sua grandeza,

é simplesmente um servidor. Para dizer que o exemplo de Jesus Cristo é

sumamente maior e abrangente, suficiente para sabermos claramente até ao fim

dos tempos. Deste modo, se a formação dos crentes não atinge a acuidade e a

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responsabilidade de se ser cristão, a Igreja não evangeliza. É que, as questões

aqui referidas, não se enquadram na simples religião. Exige uma evangelização

consciente objectiva, inteligente. Na verdade eu que nada valho, além de

simples cristão cá no meu canto, anseio que a Igreja de Cristo se converta.

Desde que conheci a palavra de Jesus, o cristianismo nunca mais foi um

sentimento como desde a minha infância até aos vinte e dois anos de idade.

Católicos cumpridores, imbuídos do amor a Deus, como, aliás eram a grande

maioria da população portuguesa.

Íamos à missa dominical, missa em latim, mais ou menos balbuciada por

um padre avançado na idade e, para além da habitual preparação para a

comunhão as crianças ficavam simplesmente á mercê das tendências de cada

uma, geralmente para o mal, enquanto a Igreja – Diocese de Vila Real – nem

lhe passava pela cabeça perceber que o apostolado fundamental seria

proporcionar a essas crianças meios de carácter estrutural capazes de os livrar

do mal e, simultaneamente, capazes de as acompanhar, pelo menos, até à sua

adolescência, altura em que já se começa a ter uma noção do que são virtudes

sagradas e pecados.

Entretanto, para melhorar o modelo, vieram padres novos; um para três

freguesias, mas a evangelização era a mesma: uma missa ao domingo…

Mesmo hoje a Igreja entende que uma missa dominical é evangelizar à

altura da exigência dos mandamentos e potencialidades da Palavra do

Evangelho. É claro que os cristãos se dispersam; uns, ávidos por uma esmola

milagrosa vinda do céu, como por exemplo alguns peregrinos de Fátima

andando de joelhos, julgam poder negociar com Deus, ignorando o que Jesus

nos disse: “O Pai sabe melhor que nós o que nós mesmos precisamos “pedi e

dar-se-vos-á”. Será preciso forçar as portas do céu para sermos atendidos por

quem nos pode livrar dos males. Mas estes, que recorrem a Deus, são filhos

ilustrados, verticais, evangelizados. De resto importa dizer o sofrimento e

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amarguras que o corpo experimenta naturalmente, Jesus diz também: “Quem

quiser vir após Mim, tome a sua cruz e siga-me”.

Nós até sabemos que o sofrimento é atenuado pelo aconchego da fé e a

certeza de que Deus nos vê.

Mas há na questão algo que intriga sem que me confunda: como é que o

cristianismo da Igreja Católica se apoia na ignorância dos aflitos e, deste modo,

se permite sobreviver?

Diz-nos Jesus através do evangelho de S. Lucas (6,39): “(…) Pode um

cego guiar a outro cego? Não cairão os dois nalguma cova? Não está o discípulo

acima do mestre mas o discípulo bem formado será como o mestre” (…).

Esta é a doutrina que vale por si mesma. Nem eu penso que a Hierarquia

é cega. E eu, longe de ver em mim um cristão exemplar, tenho procurado livrar-

me, tanto quanto possível do cisco que sempre turva a minha vista. Levarei

certamente a vida toda a cuidar desta limpeza. Creio que Jesus me entende. Mas

a doutrina, a cima mencionada, é pura e incontornável porque vinda de Jesus e

as pessoas evangelizadas entende claramente estas palavras.

Sei que o que aqui escrevo escandaliza muita gente. Aceito até que não

deveria bulir nas “águas calmas” em que os cristãos católicos e a hierarquia

estão instalados. É esta a igreja mais visada por mim, que goza de um estatuto

social tão elevado e se hasteia como um sinal do Reino de Cristo na terra, que

me deixa o coração arrepiado.

Entretanto, nem por sombras quero que o que digo sejam pedras atiradas

a alguém. Apesar de me considerar insignificante, em todo o sentido do meu

ser, o espírito que determina esta minha conjectura tão melindrosa tem mesmo

de proclamar e barafustar para afirmar que a doutrina de Jesus Cristo é a

verdade efectiva, independente de tudo que possamos dar como palpite. Jesus é

Deus feito Homem, é Ele que invoca a sabedoria imaculada de Deus Pai, isso é

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para mim o estímulo em que assenta esta minha visão das coisas. Isso me torna

livre e acompanhado.

Jesus tem de ser entendido como Ele é. Quer que todos os homens da

terra sejam, sem excepção, simplesmente seus servidores imbuídos de amor e

humildade. Contudo, o Reino de Jesus na terra exige de todos nós

particularíssimo cuidado e um comportamento exclusivo, porque, ao contrário

da matéria de que somos feitos, é-nos exigido fé, relativamente a “um Reino

que não é deste mundo”, mas que tem tudo a ver connosco. Como sabemos, há

uma tremenda contradição entre Deus e o poder maligno e essa contradição

mora em nós mesmos. Tudo para dizer que o Reino dos Céus exige de nós

partícula e específica atenção.

Jesus veio à terra para nos ensinar e eu quero que Ele seja interpretado

com olhos humanos visto que Ele, sendo Deus, se mostrou ao nível das nossas

percepções, pelo que ressalta em mim a exigência de que seja entendido sem o

recurso a meias verdades, infantilidades, sentimentalismos, erudições e muitas

outras nuances simplesmente terrenas em que se detém a hierarquia da Igreja

católica.

Eu quero que Jesus seja interpretado à letra, à luz da nossa própria

inteligência. Se, por exemplo, Ele disse “que não nos deixaria órfãos e que

estaria connosco até ao fim dos tempos” é preciso que a Igreja assuma esta

verdade como um dado normal e que o transmita aos fiéis, sem misticismos

nem sermões, visto que evangelizar será promover para que o discípulo saiba e

sinta o que sente e conheça o seu mestre. Este modo de ministrar a doutrina é

que os crentes poderão aprender a estar com Jesus, realmente. Ora tal não pode

ser interpretado pelos ignorantes nem se compadece com estatísticas que

apenas servem politicamente numa guerrilha entre forças, unicamente

mundanas. Enquanto isso acontece, os cristãos vagueiam ao sabor das modas.

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Estou a recordar quando Jesus, em pessoa visível, disse a propósito de

João Baptista. Dizia Ele aos judeus: “Que foste ver ao deserto, uma cana

agitada pelo vento”. Os judeus não sabiam e muitos nem quiseram saber. No

entanto aquele Homem, austero justo e encarecido, era o maior dos profetas

que Deus mandara à terra. O Precursor do Messias. Mas se os judeus não

entenderam, terão, talvez, a desculpa de não terem sido ainda ensinados: mas

nós sabemos porque Jesus nos ensinou a distinguir as coisas e perceber que um

cristão “bem formado” não pode ser simplesmente, “uma cana agitada pelo

vento”. O cristão, bem formado, é um discípulo consciente incorporado

profundamente na Vida que o Mestre tem em Si mesmo. “Eu sou o Caminho, a

Verdade e a Vida”, disse Jesus. Tudo isto é esclarecido através da Boa NOVA:

“Ide e ensinai (…)”.

A Verdade é como um tesouro escondido que tem de ser procurado

sendo que “onde estiver o nosso tesouro aí estará o nosso coração”. Ora a

Verdade está no Céu e igualmente em Jesus “e naqueles a quem Ele a

comunicar”; e Ele comunicou-a. E nós que culposamente nos tornamos

verdadeiros saberemos o que significa, o que quer dizer: “Tudo o que ligardes

na terra será ligados nos céus e tudo que desligardes na terra será desligado nos

céus”. Eis a tremenda responsabilidade, principalmente para aqueles que se

ofereceram Jesus, para ensinar e habilitar os homens para a Salvação. “Quem

olha para trás depois de pôr a mão ao arado, não é apto para o reino de Deus”

Assim diz Jesus da verticalidade que exige na sua doutrina. “Sim, sim, não, não”

disse Jesus. Necessariamente, tal disposição exige idoneidade o que contraria o

método de moldar mentes de crianças e jovens que por si próprios não tem

capacidade para compreenderem tal responsabilidade.

Neste Reino de Amor que Jesus estabeleceu no tempo, o que liga os que

nele se recolhem, o amor é o segredo de tudo que se faz ou deveria fazer para

que esse reino subsista em verdade e em justiça. Sem esse Amor não haverá

mística nem regras que nos congregue.

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Jesus diz: “Amai-vos como Eu vos amei” amor puro que vem do céu e

que para nós é como disse. O milagre capaz de produzir o cristianismo que

Jesus “sonhou para a sua Igreja.

Uma Igreja que o mundo, ao ver o comportamentos dos cristãos, diria,

admirado: “vede como eles se amam”. S. Paulo diz-nos que poderemos fazer

coisas assombrosas, até mesmo se dermos o próprio corpo para queimar mas,

se não tivermos AMOR, de nada vale o que dizemos e fazemos.

Então será esse tipo de amor que nos fará colocar nas nossas mesas de

decisão a singular questão do Amor cristão, desenvolvendo a verdade que

sobressai do Primeiro Mandamento.

Mas não é o que se passa. Os “catedráticos” falam, falam e depois de

mentalizarem os crentes de que o Primeiro Mandamento é utópico que só uma

sociedade altamente perfeita poderia executar, decidem esconder-se por detrás

da utopia ficando-lhe assim um tempo sem fim para dissertar, filosofar e

manobrar tanto quando lhes permitem os seus dotes literários.

Mas nós sabemos que da boca de Deus não saem regras utópicas, mas

palavras de fé que fazem mover montanhas. E se o amor real devido a Deus só

pode ser aferido quando O encaram depois desta vida, já no que respeita ao

amor ao próximo, é visível aqui e agora, quando nós vemos quem mente ou é

verdadeiro diante de Deus e diante dos homens.

Os “nem quentes nem frios” passam até por boas pessoas, pessoas mais

ou menos bem instaladas: vão à missa para cumprir a tradição e outros até nem

à missa vão. Entretanto a hierarquia, que os avalia conjecturando se são

praticantes, torna-os membros cumpridores com esse “estatuto”; se,

obviamente á altura dos valores que a Igreja administra, houver outros que a

contrariem levemente, apesar de baptizados, são também católicos, mas,

obviamente, não praticantes.

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É sobejamente sabido que o cristão “bem formado” não coaduna a sua

vida ao nível do simples cumprimento de regras na religião, porém a sua

consciência diz-lhe que ser cristão é ser apóstolo, é ser colaborador da Obra de

Deus, procurando imitar Jesus Cristo.

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OS ESCÂNDALOS E A RESPONSABILIDADE

NA IMPORTÂNCIA APOSTÓLICA QUE TEM

DENÚNCIA

Há já muitos anos, andava eu nas lides da Acção Católica, habituado a

encarar os problemas de frente, pois que eram grandes injustiças como

infelizmente é o que há mais mundo fora, ouvi directamente a um bispo

nomeado recentemente para o desempenho do seu cargo, dizer com grande

convicção: “Nós não estamos aqui para desunir, mas para unir”.

Estranhei estas palavras pelo que elas me soavam irrealistas e

contraditórias. Achei que tal mentalidade levaria ao sossego de consciências em

que tudo ficaria como dantes e tudo continuaria na mediocridade do habitual

cristianismo da Igreja Católica.

Achei, pois, descabida esta visão das coisas, desagradado, visto que

aquele “tom” viria necessariamente a confortar, uma vez mais, os crentes

instalados nas suas concepções de bondade e conceito de “boa gente”. O

mesmo aconteceria entre os que se mostram na Igreja e na sociedade, certos

daquilo por que lutam na vida: uns por motivações políticas, o que é correcto se

tiverem em conta a justiça face aos problemas materiais, e outros que lutam

com o espírito dos “Bem-aventurados que têm fome e sede de justiça”.

Quantas injustiças clamorosas, transversais a todas as épocas! Eu vi-as,

logo desde pequenino, serem praticadas e serem toleradas por aqueles que

tinham obrigação de as denunciar, como entre os patrões e os cavadores em

Trás-os-Montes, locais onde nem sequer se pronunciou nunca nem sequer se

conhecia, a palavra “cidadania”. Aí, os trabalhadores mourejavam com fome,

sol a sol. Costumes ancestrais de servidão escravizada, onde a Igreja deveria ter

coragem e autoridade moral (e não só) para denunciar esses ricos exploradores,

como fazendo parte da sua própria missão apostólica. Quantas tropelias da

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justiça vi, ignoradas ou contornadas, apesar da denúncia que delas faziam as

próprias encíclicas papais!

Ainda que o espírito com que agora escrevo não seja de todo acusar por

acusar, o que prevalece é uma questão de verdade ou de mentira com a qual me

envolvi desde esses tempos em que militava na Acção Católica. Barafustei, sim,

muito directamente, em face de uma caridade que não tinha nada de verdade. O

sentimento e a demagogia faziam a diferença entre o evangelho e a prática dos

“bem-intencionados”.

A imprecisão das palavras do senhor atrás referida, apesar de ser verdade

que a união é uma coisa muito boa quando os homens se identificam “num só

coração”, o dom da união de que fala, está infinitamente longe da realidade

humana, o que só não vê, quem não quer ver.

Naquele tempo de Acção Católica, o meu trabalho era caracterizado pela

frontalidade pois assim mo exigia a verticalidade que eu próprio descobrira nos

evangelhos, ainda marinheiro a partir dos vinte e dois anos de idade. Tudo

alinhava pelo evangelho, o que ainda hoje faço. Fui presidente diocesano e

aconteceu que a minha forma de estar, permitiu congregar umas quantas

pessoas dinâmicas à minha volta. Não o digo por imodéstia, mas, tudo que

sabia, decorria com toda a naturalidade sem que essa acção me causasse

qualquer emoção de méritos ou de “personalidade”. Sem mentir, sempre me

senti um “Zé” e era assim que me chamavam desde criança. Mas a minha

determinação levava-me a cumprir abertamente, fosse onde fosse, e a expressar

tudo aquilo em que acreditava. A minha “fonte” era EXCLUSIVAMENTE, a

palavra exacta do evangelho. Reagi e barafustei perante qualquer

individualidade, sabendo bem o que queria e, graças a Deus, sabia também

explicar o que pretendia.

Agora, passados bastantes anos dos acontecimentos, encontrei um

escrito de um colega de trabalho entre papéis que tinha esquecido

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completamente. Ao lê-los, impressionei-me como se tais referências

correspondessem a mim próprio. Foi um motivo para louvar a Deus e oferecer

as minhas achegas de outrora sobre a Verdade do evangelho. Deixarei esse

testemunho no fim deste trabalho.

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A LUTA PELA VERDADE

Sempre deduzi que a luta pela Verdade exercida por Jesus Cristo incluía a

denúncia clara das mentalidades que se opunham forçosamente quando essa

manifestação vinha de indivíduos mentirosos e falsificadores das leis de Moisés

e que eram mestres em Israel. E com que violência terá falado S. João Baptista

aos judeus chamando-lhe “raça de víboras”? Denunciou e pagou com a vida o

seu “atrevimento”. Exactamente; o próprio Jesus pegou num azorrague e

expulsou os Vendilhões do Templo.

Em boa verdade, o comportamento dos que vandalizavam o Templo é

um mal menor comparado com o dos doutores da lei e seus cúmplices. “Ai de

vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas porque sois semelhantes a sepulcros

caiados, formosos por fora, mas por dentro cheios de ossos de mortos e de

toda a espécie de imundice. Assim também vós, por fora, pareceis justos aos

homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade (Mat.

23,27).

Contudo, olhando para todos, já na cruz, disse: “Pai. Perdoai-lhes que

eles não sabem o que fazem”.

Estou a dizer que a denúncia dos problemas pode provocar sacrifícios ou

mesmo a morte. A denúncia que a evangelização exige, é um dever e, não a

fazendo, estamos a esconder-nos por detrás da hipocrisia e consequentemente a

induzir os crentes para uma circunstância que perdem o sentido da justiça,

ainda que continuem a “bater com a mão no peito”.

Atente-se que o mundo em que vivemos é como é, tortuoso,

extremamente complicado, mas foi nele que Jesus serviu e cumpriu a vontade

do Pai.

Os escândalos acontecerão até ao fim dos tempos.

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Disse Jesus: “ Ai do mundo por causa dos escândalos! São inevitáveis,

decerto, os escândalos mas ai do homem por quem vem o escândalo” (Mat. 18,

7).

“Este povo honra-Me com os lábios com os lábios, mas o seu coração

está longe de Mim. É vão o culto que Me presta, ensinando doutrina que são

preceitos humanos” (Mat. 14, 8).

Seria natural que os cristãos simplesmente devessem procurar encontrar

a sua razão de ser cristão na prática, imitando Jesus e soubessem que o

cristianismo é modo de estar na vida, antes de mais com justiça e regras

sagradas que nos tornaria elementos vivos e sérios, ao nível das comunidades.

A regra fundamental abrange, a meu ver, a própria Igreja, na medida que

Jesus nos diz que o culto está depois do ajuste que teremos de fazer com irmão

para a sua oração seja considerada correcta por Deus. Por sua vez os crentes,

também submetidos naturalmente ao sistema em que ancestralmente se

quedam, contentam-se em seguir o que lhe é oferecido envolvidos em

celebrações de culto e, pior, um culto sustentado por preceitos apenas, pelo que

o cristianismo proposto pelas condições de Jesus perde a verdade que

realmente deveria ter na sociedade. A meu ver os cristãos na quase totalidade,

os cristãos no âmbito de uma comunidade são individualistas inveterados. Não

estarei a exagerar no que respeita ao individualismo, mesmo sendo da própria

Igreja; para que o assistente do lado comunicasse um com o outro, a Igreja

sugeriu um simples aperto de mão entre eles. Esse mesmo aperto de mão que

só por si é apenas simbólico, tal como outros gestos sem verdade, sem

autenticidade.

Vejamos, pois, a diferença que há entre as regras que emanam da

doutrina de Jesus e que se nos deparam.

Repito, como cristão, a Igreja deve começar a delinear o seu apostolado

numa base muito concreta, sabendo que essa conciliação com o irmão

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consistiria em desfazer desentendimentos sobre coisas simples; mas, muitas

vezes, serão desonestidades como não se ter pago o justo valor a outrem, um

roubo portanto.

Sei que estou a expor um problema crucial, clamoroso, porque este

evangelho me interpela e me mostra o que seria a verdade profunda de uma

comunidade cristã. Penso que as verdades que Jesus nos trouxe nada têm de

sentimental mas de verticalidade, dignidade e idoneidade, sempre apoiados com

os pés na terra. Entretanto o que vejo é atitudes superficiais e acomodadas em

que estamos, não atentando devidamente na importância que tiveram os

sofrimentos da paixão e angústias de Jesus na dolorosa caminhada que

percorreu. Procurá-Lo, é viver com Ele em verdade, imitando-O. Essa verdade

não se encontra, seguramente, em procissões, velas, dourados, vestimentas

brilhantes de todo desfasadas do comum dos crentes, no turismo etc., etc.

Finalmente sabemos que Jesus Cristo veio para estar junto de nós como disse, o

que nada tem a ver com simples comemorações. Comemorações sim; mas,

ficando-nos por isso mesmo, não cumprimos o cristianismo que vem Dele. Será

pois necessário comemorar o que passou fisicamente noutro tempo, mas Jesus

está vivo e age igualmente entre nós. Teremos de seguir a sua doutrina

igualmente àqueles que O ouviram pessoalmente.

No entanto, graças a Deus, sabemos, obviamente, que há testemunhos

de pessoas e muita gente no mundo que não perderam o verdadeiro sentido da

sua doutrina a qual será proclamada até ao fim dos tempos.

Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero Eu senão que ele já se tenha

ateado? Tenho de receber um baptismo e que angústias as minhas até que ele se

realize. Julgai que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não digo-vo-lo Eu, foi

antes a divisão. Porque daqui por diante estarão cinco divididos numa só casa:

três contra dois e dois contra três; dividir-se-ão o pai contra o filho e o filho

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contra o pai, a mãe, contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra conta a nora e a

nora contra a sogra” (Luc. 12, 49-53).

Como sabemos Jesus é amor. Disse aos Apóstolos: “Dou-vos a paz, dou-

vos a minha paz…”. Contudo essa paz será de todos aqueles que a merecerem,

sem dúvida, através da verdade do amor e da justiça em que nos formou.

Naturalmente que o escândalo exige a denúncia do erro e pecado que

resulta dele sobe pena de ficarmos escondidos na comodidade que nós próprios

definimos.

Como já referi, Jesus denunciou mesmo agressivamente os erros

enquanto evangelizava e fazia milagres para que a verdade fosse conhecida dos

homens.

A denúncia e os ensinamentos tinham, obviamente, reflexos à distância

nas pessoas em geral. Era um “profeta”, como alguns achavam que era, e que

pregava passando terra em terra.

Muita gente teria ouvido Jesus dizer, por exemplo: “É mais fácil um

camelo entrar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no Reino dos

Céus”.

Ponho assim a questão porque havia um homem rico chamado Zaqueu

que ouvia falar de Jesus e curioso, desejou no seu íntimo, vê-lo de perto. Em

certo momento Jesus passava acompanhado de grande multidão e Zaqueu,

sendo uma pessoa de baixa estatura, resolveu subir para uma árvore. Ali estava,

tentando ver melhor, o famoso “profeta”.

(Luc. 19, 5): “Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e

disse: “Zaqeu, desce depressa pois tenho de ficar em tua casa. Ele desceu

imediatamente e recebeu-O cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam

todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-Se a casa de um pecador.

Zaqueu de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos

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pobres, e, se defraudei alguém em qualquer coisa devolver-lhe-ei quatro vezes

mais». Jesus disse-lhe: “Veio hoje a salvação a esta casa, por este ser também

filho de Abraão: Pois o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava

perdido”.

Zaqueu sentiu na alma a presença de Jesus e reconheceu perante Ele que

havia roubado ou sonegado aqueles com quem se relacionava. Então é preciso

que a graça e a justiça do Senhor sejam invocadas, com grande firmeza, de

modo que os cristãos sintam o remorso das injustiças que praticaram e se

convertam, certos de que Jesus entrou na sua casa, na sua vida, agora, como

Jesus entrou pessoalmente na casa de Zaqueu. Os cristãos que dizem seguir a

Verdade de Jesus, têm de perceber este ponto fundamental do cristianismo que

dizem professar. Estou a falar de um cristianismo que não é vida, um

cristianismo que não ensina nem incomoda ninguém, antes cria e mantém

ignorantes sem o sentido dinâmico do evangelho.

Penso que Jesus veio à terra para nos ensinar e, com palavras e regras

claras, nos tornássemos adultos na fé, esclarecidos e dinâmicos, no apostolado

de um cristão. É pois preciso conhecer Jesus para perceber quem Ele é.

Está a perder-se ou já se perdeu o sentido cristão de Comunidade. A

dispersão é quase total, e mesmo aqueles que ficam são individualistas, ainda

que ciosos do cumprimento dos preceitos. Mas um cristão é essencialmente a

pessoa que recebe e transmite activamente, além do exemplo de Cristo, a sua

convicção consciente.

“Que fostes vós ver ao deserto; uma cana agitada pelo vento”, perguntou

Jesus aos judeus a propósito da firmeza e verticalidade do precursor do Messias.

Importaria que fossemos conhecedores para sermos consequentemente

empenhados na divulgação da Boa Nova. Diria ainda que as épocas podem

mudar, mas a doutrina de Jesus nunca se altera. Direi ainda que Jesus, sendo

Deus, tornou-se um de nós em tudo semelhante “menos no pecado”, mas

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semelhante aos outros homens com quem convivia. Teremos uma hierarquia

personalizada e distante, poderosa, isolada, incapaz de um padre se tornar um

semelhante entre o povo que ficou de evangelizar!?

É premente que a Igreja evangelize os próprios “fiéis” empenhada

continuamente nessa formação, nesse esclarecimento indispensável. Tenho que

dizer que “missinha” para alguns e mesmo a missa dominical para a maioria, é

praticamente nada; contudo é apenas o culto dominical, o esforço maior de

evangelização com que a Igreja faz, na sustentação da Igreja de Cristo.

“Eu sou o Caminho, a verdade e a vida”. Um dia Jesus mandou os seus

discípulos em seu nome mundo além, dizendo-lhes que os enviava como

cordeiros para o meio de lobos vorazes. Deu-lhes regras de comportamento

essencialmente o sentido de desprendimento das coisas terrenas.

Não é pois condizente como a realidade um tipo de conduta, dita cristã

cómoda, muito apoiada na intelectualidade, um “apostolado” que simplesmente

resulta num cristianismo turístico alegre e até folclórico. Um tipo de

cristianismo que na quase totalidade se apoia na ignorância de crentes que ainda

não sabem o que há na verdade e na dinâmica de Jesus Cristo.

É claro que olho, observo e medito nas coisas e sinto que naturalmente

instruído na fé da qual muita gente dá sinal por actos de Justiça e de Amor,

coisas concretas e só essas é que comporta o valor, o poder, o sentido de

cristianismo no âmbito da inteligência humana. “A fé sem obra é morta” diz S.

Paulo. As obras referidas não podem ser outras que não sejam promover, e dar

sustentação inteligente e objectiva às carências dos desprotegidos da sorte.

Deste modo, não há qualquer sentido num cristianismo baseado em símbolos

religioso por mais vistosos e “encantadores” para a vista. Afirmo que o Espírito

que ilustra as nossas mentes, jamais caberá num templo onde nem a casa nem

as imagens que lá se colocam são coisas que nos transmitam a fé real que

possamos ter como saudável. Será uma fé mesquinha e subalterna, a fé de quem

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perspectiva o seu cristianismo como que um lenitivo religioso para pedintes a

braços com as suas carências. Será um cristianismo para iludir ignorantes sem

culpa, também porque na sua esmagadora maioria nunca lhes foi transmitido e

verdadeiro cristianismo.

Em verdade, um filho de Deus, ainda que sofra amarguras da vida, é um

homem capaz de se orientar em pleno para a dignidade e perfil de um ser

humano. Aliás tem todo o direito de ser um homem livre e esclarecido.

O cristão Jesus Cristo dotado de coração e inteligência, experimenta

profunda consolação, a noção da liberdade e a alegria de quem é herdeiro dos

bens celestes.

Sabe trazer para junto de si o próprio Deus tal como Jesus no-Lo

apresentou. Compreende a sua fé certa das palavras de Cristo quando disse:

“Não vos deixarei órfãos”. Tais palavras não podem enquadrar-se numa “noção

piedosa” de algo longínquo, mas na certeza de que essa promessa é real e

concreta. É inconcebível pensar que Jesus nos tratou como seres doentes que

vivem ao cimo da terra. Nem nós somos “doentes” nem Jesus nos ludibria.

Não o Vemos, naturalmente porque os condições entre o material e o espiritual

são como são: incompatíveis. Se nós dizemos que Deus está em toda a parte, a

propósito parto do princípio “lógico” de que tudo que acontece, acontece ante

o poder do Senhor Todo-Poderoso sem O qual nada existiria do que na

verdade existe, do mesmo modo Jesus que é Deus feito Homem está em todo o

mundo como está o Pai. Mas Jesus está no nosso meio de um modo específico,

tornado nosso irmão. É pois óbvio que Jesus jamais poderia abandonar-nos.

Um cristão bem formado como Jesus o ensinou, pode compreender certo

infantilismo do cristianismo já que muitos crentes possam conceber na sua

estrutura mental e não que mais; mas a Igreja de Cristo já pela graça e a força

que Jesus Nela depositou e, até mesmo baseados na simples inteligência

humana, a Igreja tem de ser o que é Jesus Cristo. Tem restrita obrigação de

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SERVIR como Jesus serviu. Tem de viver como Jesus viveu. Afirmo com

convicção que os padres intelectuais, mas orientados e apoiados num

cristianismo subalterno, não podem servir a um cristão livre, razoavelmente

inteligente, isto é; um cristão “BEM FORMADO”.

Seja qual for a História da Igreja afirmo seguramente que a doutrina de

Cristo não muda nunca. Jesus diz: “passará o céu e a terra mas as minhas

palavras não passarão” e diz também aos homens de qualquer época: “Quem

não nascer de novo não entrará no Reino dos Céus”.

Saiba toda a gente que a doutrina de Jesus é um manancial de grandeza

infinita capaz de dar respostas a todas as vicissitudes da vida humana e caminho

seguro para Deus. Predisponha a pessoa a procurar os seus interesses na base

da confiança, sob pena da fé ser nada.

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ENTRE VIDA E MORTE

Na Ressurreição toda a doutrina de Jesus se confirma. Selou, por assim

dizer, toda a Verdade que nos veio trazer, e que o Espírito Santo enviado por

Ele tal como prometeu nos encheu de plena sabedoria. É pois do Espírito

Santo que nos vem a aptidão e o discernimento sobre as coisas humanas e

espirituais.

A morte é própria dos seres vivos mas para os cristãos – bem formados

– é também o meio normal de sair desta terra de partida para lugares que não

conhece, mas que, segundo Jesus, é uma Nova Terra, a que Jesus chamou de

“Seio de Abraão”.

Também o cristão bem formado acredita que há uma morte eterna,

exactamente fora do “seio de Abraão”. E que Jesus nos diz que é “um lugar em

que só há choro e ranger e dentes”.

Foi Jesus que disse: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se

houver de perder a sua alma?” Deduzo que a alma imunda se perde e que a

morte perda eterna de um ser foi criado para a Vida.

O que sabemos que Jesus não abandona a “ovelha desgarrada”, para isso

veio ao mundo e sabemos também que Deus é misericordioso, e sabemos

também que o que não é possível ao homem é possível a Deus. Mas que essa

morte eterna existe. Existe. Foi Jesus Cristo no-lo disse. É preciso que sejamos

sensatos pois que os arrogantes correm o perigo um perigo incomensurável de

que Jesus fala.

(Mat. 13, 15): Porque o coração deste povo tornou-se duro e duros

também os seus ouvidos; fecháramos olhos, não fossem ver com os olhos,

ouvir com os ouvidos, compreender com o coração e converter-se para Eu os

curar”. E dirigindo-se aos seus discípulos, continuou dizendo;

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“Quanto a vós, ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos

ouvidos, porque ouvem”. (…). Estes são os olhos e os ouvidos que vêem e

ouvem quando, no silêncio contemplam as maravilhas que nos chegam da parte

de Deus.

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A IGREJA CATÓLICA NO MEU TEMPO

Vivo impulsionado pelas coisas do espírito e tudo o que penso e digo

relaciono-o com a grandeza do Deus que amo.

Compraz-me senti-lo como de facto está junto de mim, cujas razões

encontro-as no evangelho segundo Jesus Cristo, de onde, aliás, tiro todas as

minhas conclusões.

Sinto que amo a Deus, sem dúvida, ainda que me sinta desconfortável

quando a minha visão do cristianismo não condiga com a hierarquia da Igreja

Católica, ainda que seja a Igreja de Jesus Cristo, fundada por Ele mesmo, na

pessoa de S. Pedro.

Costumo pensar que não é a História da Igreja que sustenta a minha fé.

Sempre me vem à ideia que a palavra de Jesus Cristo é perene, é eterna e que

“passará o céu e a terra, mas as suas palavras não serão alteradas”. Olho, pois,

para Jesus inteiramente baseado no que Ele me diz no Evangelho.

E quem sou eu para perscrutar e ter a certeza dos altos desígnios do Pai

Celeste e, por isso, pensar que está comigo toda a verdade?

Vejo que o cristianismo em que me quedo se circunscreve

essencialmente à verdade efectiva que ressalta do Primeiro Mandamento, o que

nada tem a ver com a Igreja dos homens, uma Igreja apoiada na força

imponente, tão igual a qualquer outra força aqui da terra, perfeitamente

enquadrada nas honrarias e gestos como se a sua missão fosse simplesmente

temporal.

Vejo na Igreja uma organização dúbia e subtil, misturando a fé dos

cristãos na sua actuação simultaneamente sócio/ política.

E eu fico a pensar: depois das palavras de Jesus, que deram orientação

aos seus discípulos e aos Apóstolos, que pouco ou nada condiz com o

comportamento dos padres e bispos e que, sendo homens de Deus, diferem

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destes, cuja expressão e essência do cristianismo vou absorvê-la na pessoa dos

santos, nomeadamente S. Paulo.

Nele vejo a clareza de Jesus. É neste Apóstolo que vejo todos os

objectivos demarcados da missão. S. Paulo, criatura sublime do apostolado, que

me ajuda na minha visão do cristianismo que tenho. Evidentemente que passam

pela terra outros santos, cada qual com os seus carismas, mas refiro S. Paulo

por ser um testemunho da ciência perfeita do cristianismo de que falo e sinto.

Nasci nesta Igreja, pelo que dou graças a Deus com toda a alma. Nada fiz

que me distinga do trivial, nem isso me importa de modo algum. Sou

simplesmente um cristão tentando ser fiel a Deus ainda que com erros pelo

meio, e que, desde há muito, procurei filtrar a verdade do evangelho na vida por

que vou passando.

Já disse que a minha visão das coisas partem sempre da contemplação de

Deus Todo-Poderoso e de Jesus Cristo seu Filho. Sinto que não me deixa

acomodado, como já deixou, ao alcance da hierarquia, igualmente na

mediocridade e na ignorância em que se baseia a fé da maioria dos cristãos

católicos. Não sinto, contudo, qualquer animosidade seja por quem for.

Sinto-me livre por me sentir de bem com Deus. Tenho-O presente aqui

comigo – Estarei sempre convosco até ao fim dos séculos – acreditando que

Ele, sendo o Senhor de coisas infinitamente grandiosas, tem olhos para mim,

sabendo que nem um só cabelo cai da minha cabeça sem que Ele o saiba.

Muitas são as razões que Jesus nos dá no evangelho para que eu pense como

penso.

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O EVANGELHO

Sem dúvida que os evangelhos são rigorosamente o ponto de partida

para tudo o que penso e digo. Gostaria de conseguir transmitir a sabedoria,

rectidão e valores que Nele existe.

Ninguém sabe explicar Deus Pai Todo Poderoso. Mas adoro-O com

profundo cuidado, como me foi dado conhecer o Pai Todo-poderoso, como foi

revelado por Jesus Cristo.

É sempre de Cristo, e só de Cristo, que eu parto para as minhas

conclusões e não pela malha por que a Doutrina de Jesus passa.

Afirmo que não serão as “modas”, muitas vezes diluidoras, por vezes

criminosas, que, no presente, me fazem olhar para Jesus Cristo. Ele falou para

todos os tempos e “só Ele tem palavras de vida eterna”, como disse S. Pedro.

Também penso que se houver qualquer exagero neste meu modo de ver

as coisas, creio que Deus mo perdoará.

Se escandalizar alguém com esta minha postura, também me acode ao

espírito que “Quem quiser salvar a sua alma, perdê-la-á e quem perder a sua

alma por amor de Mim, salvá-la-á”.

“Ninguém é mau por outro ser bom, nem ninguém é bom por outro ser

mau”.

Tentarei cumprir o Primeiro Mandamento.

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AS ORIGENS

Passados oitenta e cinco anos de vida, ainda no uso de plenas faculdades,

sinto-me, diria, sobrevivente de lutas e peripécias que recaíram na minha existência

desde criança. Nasci em 1925, em condições humildes, necessariamente

integrado nas carências habituais do meio em que as pessoas sobrevieram

também vindas do desenrolar de uma história antiga muito dolorosa e que, em

verdade, nem mesmo escassas melhorias que tenha havido ao longo dos

tempos, os tira da sisudez de quem vive mal e tantos são os motivos por que

sofre aquela gente. Diria que não está muito “à flor da pele” a ideia de

descontracções sociais. De outro lado são pessoas sérias (quando são), e

meticulosas no que respeita ao dever do cumprimento de preceitos religiosos;

também estes aconselham submissão ao poder dos que dominam e ao pregado

temor a Deus.

Mas, é também o clima forte que por ali se faz sentir. Uma pujança a

partir da Primavera, em que se sente a vida brotar da terra ao ponto de nos

emocionar (palavras de um lavador); daí até ao tempo das castanhas há uma

mesa farta para toda a gente, ao ponto de esquecerem o rigor do inverno que

passou. Aí houve, como sempre, miséria, fome e grandes acabrunhamentos dos

pobres sem trabalho e sem direitos. No dizer de Miguel Torga, o clima duriense

divide-se em “Nove meses de Inverno e três de inferno”.

Já não circula entre as pessoas a memória da gravidade e o sofrimento de

sangue e morte que antepassados seus tiveram, ao longo dos trezentos anos de

história, para implantar a região do Alto Douro cuja escuridão dos tempos, de

modo nenhum, deixavam antever que aquele inferno viria a ter uma beleza tal,

ao ponto de ser qualificado de “Património da Humanidade”.

Não resisto em transcrever dois extractos de obras de Jaime Cortesão e

de Orlando Ribeiro:

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Jaime Cortesão: “ E quem hoje sobe à mais alta das capelas que escalam até o

cume do caótico montão de penedias e de cima contempla a sombria voragem, onde se engolfa o

rio, sente, se é cristão e lhe dói a dor alheia, vir do fundo e trespassá-lo um desespero de dor e

perdição”

Orlando Ribeiro: “Uma Obra de Três Séculos. Na paisagem ondulante do Douro

nada apareceu ao acaso. Para a entendermos é obrigatório viajar no tempo e recordar o esforço

humano que transformou uma área deserta num “jardim suspenso”. “Para se fazer a vinha e

o vinho, houve necessidade de se fabricar a terra a partir do xisto, e o retrato do Douro actual

é por isso o espelho de um esforço humano levado aos limites do sacrifício, um esforço que

decorreu ao longo de três séculos, até que a força dos tractores e dos bulldozers terminasse a

tormenta”. “A mais vasta e imponente obra humana no território português”.

Vertente virada ao Norte de Terras de Celeirós do Douro. Paredes e socalcos erigidos sobre a terra, parte dela fabricada da pedra esmagada à marretada. Das profundidades dos montes obscuros os homens fizeram um jardim, hoje Património Mundial.

A história do vinho é longa e diversificada. A vinha está feita, há uvas e

folhagens de videira tornando num jardim o que foram lugares tenebrosos. Mas

tal beleza nasce e morre ano a ano e a sua manutenção propicia a continuação

de sofrimentos e de muita injustiça. São componentes que, não tendo a

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amargura dos antigos acima referidos, determinam contradições e precariedades

de vária ordem que naturalmente me marcaram também.

Recordando o meio em que vivi até aos vinte anos de idade, onde nem

sequer se invocavam as palavras “direitos” e “cidadania”, vejo a inexistência

total dos poderes públicos que nada tinham a ver com humanismo e protecção

social, nem qualquer disciplina regulamentar específica que mexesse com o livre

arbítrio dos senhores sobre os trabalhadores.

E se pouco antes houve por lá manifestações políticas próprias das

revoluções republicanas, o que nada significava para a miséria e dificuldades dos

pobres, no meu tempo havia disciplina da ordem social, contudo mantida

através da repressão e do medo da Guarda Republicana de Sabrosa que

reprimia, indiscriminadamente, quer fosse por algum roubo, por uma bicicleta

ou um carro de bois sem luz, tabernas denunciadas que não fechassem à hora,

camuflando no seu interior jogadores de cartas – trabalhadores que

desbaratavam parte da sua mísera jorna, etc.

Mas, nunca vi ninguém a queixar-se de regras governamentais que

haveriam de manter a ordem, fosse qual fosse a sua noção de justiça.

O patrão armazena, ano após ano, o famoso vinho de Porto; o cavador

que preparou a vinha, sem qualquer acesso nem sequer a um tostãozinho

extraído daquela riqueza sempre maior e mais avolumada em cubas e tonéis

distribuída, é-lhe vedada a simples contemplação da sua obra…

Porém, num lugar onde os poderes dominam, em que a autoridade

estatal não é sensível à justiça fundamentada no amor, observo agora à distância

que, em momento algum, ouvi a Igreja daquelas paragens denunciar a

imoralidade que há no comportamento dos senhores para com os pobres

escravizados – sabendo nós que são exactamente esses infelizes e suas famílias

que lhes mantêm e aumentam as suas riquezas.

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De duas, uma: ou a Igreja, ela mesma, se tornou em mais um dos

poderes sobre os pobres e vive de alma e coração identificando-se com eles, ou

se coloca uma posição indefinida entre os pobres e as outras duas componentes

sociais: o sistema político e os ricos. Desde já digo que não é essa a maneira

de estar neste mundo de Cristo; um mundo livre, independente, em que Jesus

chega mesmo a dizer “Quem não é por Mim é contra Mim” ou, “Que o

vosso falar seja sim, sim; não, não”. Na verdade Jesus tinha uma missão que

começava em Si próprio – cumprir a vontade do Pai – e tudo o mais haveria de

ser continuado Nele e o seu exemplo. A doutrina de Jesus é resposta a todas as

necessidades humanas, quando vividas como Ele as viveu. Quem O seguir no

apostolado, a sua acção há-de ser também exclusiva e não dividida. “Onde estiver

o teu tesouro aí estará também o teu coração” (Mateus 6:21) e “Ninguém que lança mão do

arado e olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lucas 9:61). E também que vomita os que

não são quentes nem frios.

Com estas citações apenas quero dizer que a Doutrina de Jesus é

exigente, poderosa, exclusiva, independente de qualquer combinação material e

é possível. Que o digam os santos. Por mim só quero justificar o que penso. A

análise sábia e justa só Deus a pode fazer.

Ainda que a palavra de Cristo fosse pronunciada sem qualquer alteração

até ao fim dos tempos, o erro sempre estará connosco, quero dizer que este

meu raciocínio reporta-se ao panorama social em que vivi, entre os anos de

1925 a 1946.

Direi ainda que, para além do atraso social em que se vivia, a guerra de

Espanha e a segunda guerra mundial vieram contribuir para levar a miséria a

extremos muito dolorosos.

Dou testemunho de tudo que digo. Sobre a história desses dias, escrevi

um livro que não é mais que um retrato da minha própria história. Intitulei o

trabalho: “DOS TENEBROSOS INVERNOS, AO TEMPO DAS FLORES”

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Celeirós do Douro é uma terra de artistas, onde ainda senti o som das

bigornas dos serralheiros, o martelar dos pedreiros, o labor de várias profissões

como cesteiros, tanoeiros, latoeiros, sapateiros, alfaiates, costureiras, ferreiros, o

movimento comercial; tudo vi desaparecer, com excepção do trabalho das

vinhas. Fora como se o chão nos fugisse debaixo dos pés. Eu, por exemplo,

depois da quarta classe, comecei, feliz, a aprendizagem da arte de serralheiro

civil, passei por trolha, parti pedra em roteamentos na construção de vinhas

novas e acabei também, sem êxito, na profissão de alfaiate. Muitas foram as

peripécias que teceram este meu caminho, até que, em Janeiro de 1946, saí de

Celeirós para a Marinha de Guerra.

A sorte que tive não é possível explicá-la; mas creio que nunca, em

tempo algum, tenha havido alguém daquela terra que experimentasse tamanha

ventura, cheia de tanto bem.

Parti, e lá ficaram os cavadores e alguns artistas sujeitos à míngua de tudo

que edifica a vida de um ser humano. Principalmente a vida destes cavadores

piorava de sobremaneira quando atravessavam os longos invernos sem trabalho

e a pobre alimentação familiar, ou, igualmente, quando abrasados pelo calor do

sol. Recordo vê-los chegar ajoujados de enxada ao ombro, de semblante

ensombrado quando regressavam.

Haverá muitas circunstâncias relativas à minha família que poderia

relatar; mas o que não pode ficar sem referência é uma abordagem sobre o

carácter e perfil de meus pais. Ainda hoje ocupam o meu pensamento

gostosamente vendo que foram eles quem, mais de perto, testemunharam o

meu percurso da vida.

O meu pai, Horácio Morais, e a minha mãe, Helena Assunção Monteiro,

eram católicos convictos e defensores de uma grande rectidão, apoiados na sua

fé. Não poderei deixar de me referir, com muito amor, também, aos meus cinco

irmãos.

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O meu pai era pedreiro e minha mãe era padeira. Não tiveram êxito na

vida, antes sofreram toda a vida enleados na pobreza. Regra geral, o meu pai

passava muito tempo do ano sem ganhar dinheiro devido em parte aos longos

Invernos, a chover e mau tempo, não podia andar sobre os telhados. Foi um dia

convidado para sacristão o que o levou a interessar-se profundamente pela

igreja um belo templo datado de 1777, ao qual deu um esplendor que ninguém

se lembrava ter visto antes. Não exagero na palavra “esplendor” porque eu

mesmo ajudei a tirar montes de terriça, cascalhos e enegrecimentos ali

acumulados há vários anos. Esse bolor, penso, significa bem o sinal que

perpassava pela igreja no meu tempo. O esmero e carinho do Sr. Horácio pelo

templo mantiveram-se, com a ajuda da família inteira, ao longo de muitos anos.

Em dado tempo, tudo mudou para meu pai.

Ao nascer do sol de cada domingo, era da tradição sem data conhecida

repenicar os sinos, o que o Sr. Horácio fazia obviamente com fé, respeito e

alegria pelo dia – o Dia do Senhor. Porém, certo dia, um rico lá da terra

combinou com padre da altura acabar como o toque àquela hora – ao nascer do

sol. Achando ele que tal acto significava não só um rompimento com simbólica

tradição e, mais que tudo, que era um desrespeito pelo Dia do Senhor, quis

saber quem levantou tal questão. O padre disse que tinha sido um senhor de

uma terra distante (S. Cristóvão). O meu pai, percebendo que o padre queria

esconder o nome de alguém lá da terra, não fez mais do que abandonar tudo e

todos; não voltou mais aquela igreja, passando a ir a pé a outra terra (Vilarinho

de S. Romão) cumprir a obrigação sagrada de assistir à missa ao domingo. Mais

tarde constou que tinha sido uma senhora rica lá de Celeirós que morava bem

perto da igreja.

Devo dizer que meu pai não era para mimos e, no meu próprio parecer,

era uma pessoa que amava a rectidão ainda que, em muito o fazia com grande

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dureza no trato com os outros. Porém toda a gente tinha grande respeito pelo

senhor Horácio.

Ainda hoje sinto orgulho do gesto do meu pai ao deixar a igreja de

Celeirós.

O Zé Damas dizia que quando se levantava diariamente para ir trabalhar

– de sol a sol –, o seu casaco ainda bandeava no cabide em que o tinha pendurado ao

deitar. Como o Zé Damas, é o povo que dorme pouco. O sino, a repicar, dizia-

lhes que não iriam trabalhar nesse dia; embora já acordados, como todos os

dias, sempre poderiam ficar mais um bocadinho na cama. Além de tudo, para

quem tivesse fé, o repicar dos sinos alegrava-os, porque era o anúncio do Dia

do Senhor.

Não era um disparate sem sentido o gesto de meu pai, abandonando a

igreja de Celeirós, afastando-se da mentira camuflada pelo padre da terra em

favor de pessoas ricas, bem instaladas e ignorando os trabalhadores, aqueles que

trabalham e produzem para ricos e pobres sem distinção.

Dada esta explicação, voltemos ao dia-a-dia de meu pai. Com os filhos,

por exemplo, nada tinha de suave e a palavra “carinho” – uma réstia longe a

longe –, não fazia parte do seu relacionamento connosco. Mas essa frieza e esse

afastamento eram o modo de estar da generalidade das pessoas. Em Trás-os-

Montes, pelo menos até ao meu tempo inclusive, não havia lugar para grandes

mesuras.

Digo ainda que o meu pai, apesar da sua constante preponderância para

fazer prevalecer a justiça, não discernia com a clareza necessária o que por sua

vez o levava a tomar atitudes incoerentes de mais, o que o levava a verdadeiras

injustiças. Alguns são os sinais da sua dureza sobre os filhos e, até mesmo em

alguns momentos, em relação à minha mãe.

Devido à dureza de um pai daqueles tempos, recordo uma cena concreta:

estava eu em casa de um vizinho e o dono da casa tinha saído. Passados alguns

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momentos ouviram-se, na escada de pedra exterior, o calcorrear dos socos

pesados do dono da casa a regressar. As duas filhas e a mãe, fazendo um gesto

rápido disseram entre si “calem-se que vem ali o pai”.

Na minha casa não se desenhava uma violência de forma tão repressiva,

ainda que vigorasse um respeitoso silêncio. Relativamente à minha mãe,

tínhamos todo o à vontade. Devo dizer que sinto pelo meu pai amor igual ao

que tenho pela minha mãe – amor imenso – ainda que eu sinta particular

admiração e ternura pela minha mãe; decerto pelo carinho e compreensão com

que ela tratava os filhos; talvez pela forma voluntariosa com que encarava a

vida; talvez pela sua paciência e resignação perante as dificuldades que

matizaram fortemente toda a sua existência; talvez pelo ânimo que me incutia;

talvez devido a afinidades que sinto entre mim e ela.

Uma das grandes alegrias que sempre senti e que ainda hoje me

emociona reside na recordação do carácter forte e doce da minha mãe.

Não está em mim falar dela para dizer como toda a gente diz e com toda

a razão: “a minha mãe era a melhor mãe do mundo”; antes invoco qualidades dela

baseadas nos gestos de persistência e coragem tantas vezes demonstrada e em

inúmeras adversidades.

Amorosa e destemida, rodeada pelos sete filhos1 que teve,

constantemente ficava sem dinheiro para comprar a farinha que ao menos

chegasse para dar continuidade à fornada do dia seguinte. Competente, sim, par

um movimento normal de uma padaria, via-a obrigada a prestar serviço a quem

fosse ao seu forno levando a própria farinha para que dessa farinha lhes fizesse

uma fornada de pão.

O pagamento era ficar com uma das broas do pão cozido. Só que, para

ganhar essa broa a minha mãe tinha de pôr a lenha para aquecimento do forno.

1 José (falecido), José, Maria da Conceição, António, Mário, Maria de Jesus e Maria da Graça

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Tinha então de ir ao monte várias vezes para arranjar quatro molhos de lenha,

os necessários para cada fornada.

Por aqueles lados não há ocasião para os familiares conversarem entre si.

Diria que não há lugar nem paciência para contar histórias dos pais aos filhos.

Fiquei contudo a saber alguns pormenores através das minhas irmãs. Afinal

sabiam algo mais que eu.

Sei que ficou sem pai aos de 12 anos, meu avô, o qual morreu vitimado

pela peste pneumónica. Tempos terríveis em que muita gente morria no lugar,

enquanto outros recorriam à emigração. Meu avô emigrou para o Brasil e

passado um ano, morreu naquele país e porque ninguém o conhecesse foi para

a cova classificado de “indigente, português”.

A minha mãe, sendo a mais velha dos seus cinco irmãos, desde logo

partiu para ganhar a vida, decerto ajudando a sua mãe que era padeira e

trabalhando nos campos. Tendo vendido as terras que possuíam para arranjar

dinheiro para a viagem de meu avô, ficaram sem qualquer haver. A pneumónica

continuava a devastação e minha mãe terá colaborado ajudando “muita gente”,

como ela própria dissera a uma das minhas irmãs.

Segundo uma amiga e companheira – a senhora Dores –, com quem

ainda tive a oportunidade de falar já depois da morte de minha mãe, lembrou

que ambas tinham sido massacradas no trabalho dos campos até que, a dada

altura, a minha mãe foi servir para uma casa rica da freguesia de Passos,

povoação relativamente perto de Celeirós do Douro e, igualmente, freguesia do

Concelho de Sabrosa. Passos era a terra do meu pai e daí o conhecimento entre

eles.

Como era próprio dessas casas senhoriais, as criadas e os motoristas dão

nas vistas pelas suas fardas e estes, por sua vez, assumiam, mais ou menos

ostensivamente, aquela sua “promoção”. Como é próprio de quem trabalha nas

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terras e em certas profissões, as referidas criadas brilhavam mais no meio

ambiente.

Talvez por isso, a minha mãe era vista, pejorativamente, pela senhora

Narcisa, que viria a ser a minha avó, como uma menina fina.

Meu pai exercia a profissão de pedreiro e a senhora Narcisa achava que

aquela criada vistosa que passava, era sinal de má sorte para seu do filho

Horácio.

Não sei como as coisas entretanto se passaram, mas o casamento

aconteceu, sem que se tenha desvanecido uma forte inimizade entre elas.

E digo que essa inimizade não durou tão pouco, a avaliar por um

episódio que aconteceu entre as duas.

A minha mãe um dia adoeceu e a minha avó foi levar-lhe a casa um

molho de cavacos para a lareira. Deixou a lenha no cimo da escada.

A minha mãe, dando pelo movimento, levantou-se como pode e veio

pôr-lhe o molho pela escada a baixo.

No que me diz respeito, eu e os meus irmãos, naturalmente, sempre

sentimos nela doçura e compreensão. Se as dificuldades surgiam e eram muitas,

lá estava ela a aconselhar, a agir e a animar, falando de confiança em melhores

dias. E tinha razão.

Para mim esse futuro aconteceu recheado de coisas muito boas e que se

mantêm até aos dias de hoje. Nesse tempo martirizavam-me duas otites,

purgando noite e dia, de que resultava um cheiro nauseabundo, chegando à

surdez total. Quando penso na situação, admiro como me foi possível tirar a 4ª

classe. Mas penso também, com profundo desagrado, no sacrifício que causei

ao meu colega de carteira, o Zé Videira, já falecido.

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Sem terem posses económicas para me mandarem para qualquer lado

que tratassem o “mal” dos meus ouvidos, recordo a minha mãe dizer: “Deixa lá

Zé, ainda hás-de ser um grande homem”.

Paro por aqui de falar do carácter da minha mãe, ficando sem referência

outros sinais bem expressivos da sua interessante postura.

Porque pretendo recordar algumas das “minhas facetas” –

Apontamentos do Passado, resolvi agora, aos oitenta e cinco anos de idade,

escrever algumas dessas passagens, se calhar, até porque escrever me dá grande

prazer.

Nasci em Sabrosa – Sede de Concelho –, e vivi em Celeirós do Douro,

sita ali perto, cerca de 5 km. Vivi, como toda a gente, entre alegrias e tristezas,

peripécias de toda a ordem, até sair de Celeirós, aos vinte anos de idade, após

percalços e baldões que descrevo no livro atrás referido.

Era alegre por natureza e dava lugar a muitos momentos de festa a toda a

gente. Conjuntamente com alguns amigos, formámos um conjunto de

instrumentos de cordas, composto da seguinte forma: O Zé António, violão; o

Raul, bandolim; o Zé Videira, bandolim; e eu, violão ou violino. Havia um

outro, de quem não recordo o nome, que tocava violão, além de outros que,

vindos de fora, se uniam a nós, principalmente nos bailes e arruadas.

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5 DE JANEIRO DE 1946, SAÍDA DE CELEIRÓS

PARA A MARINHA DE GUERRA

Decorria o ano de 1945 e com ele a altura da minha inspecção para a

tropa.

Era o tempo das inspecções para a tropa. Quem quisesse, podia

inscrever-se para a Marinha de Guerra; o que fiz de imediato. Tentei e consegui

ludibriar um tanto o inspector, pois ouvia mal, mas estava habituado a socorrer-

me do movimento dos lábios das pessoas e passei.

Decorria o mês de Novembro de 1945. Um certo dia triste e chuvoso,

andava eu no interior de uma chaminé a raspar crosta velha para caiar de novo,

oiço a voz de meu pai chamando: José, o teu nome está na porta do regedor para ires

para a marinha. Está o teu nome e o do Pires.

Desci, como que voando, e lá estava o meu nome, juntamente com o do

Pires, o outro rapaz da terra que também tinha concorrido.

Mas, a convocação era apenas para servir na tropa. O apuramento para a

MARINHA seria sujeito a outras formalidades, depois de ficarmos apurados

para a tropa. Contudo, estávamos numa pauta indicando a nossa inscrição

voluntária para aquela arma. Eram, pois, os dois nomes da lista colocada na

porta do regedor.

A possibilidade de ir para a Marinha era muito remota, pois que os

inscritos teriam de fazer provas no Alfeite, em Lisboa, e só aí se definia o seu

futuro. Era esta a requisição afixada na porta do regedor. Os dois teriam de

estar no Alfeite no dia 6 de Janeiro de 1946.

Não era certeza nenhuma, ainda mais agravada pelo meu problema

auditivo. Mas, o facto de o meu nome estar mencionada naquela porta

desencadeou em mim um furor de libertação e um enorme encantamento que,

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só por si, fazia nascer em mim um homem novo. O ser mais feliz do mundo a

quem nada falta.

A partir daquele momento, o meu falar com os meus amigos, alguns bem

de vida porque possuíam terras, não podia ser outro senão o de delinear sonhos

que alternadamente arrefeciam entre momentos de euforia e de incerteza. No

entanto, comecei a sentir-me tão afortunado como eles, não tendo nada na mão

sentia-me “rico como eles”, feliz. Toda essa esperança poderia não passar de

um sonho que, por si só, já valia a pena.

Como me sentia confortável com aquela camisola verde que a minha

mãe mandara fazer. Pormenor que nunca esqueci.

Chegou, pois, a data da inspecção no Alfeite. O Pires e eu saímos de

Celeirós do Douro, andámos os 10 km que separa Celeirós do Pinhão, para

apanhar o comboio.

Já no comboio, sentia que partia para um mundo novo. Se eu era

naturalmente alegre, o Pires era um bonacheirão bem-disposto e não virava a

cara a mais um copo de vinho. Sentíamos enorme alegria com peripécias à

mistura.

Era suposto estar alguém, no Porto, à nossa espera, mas não estava

ninguém. O mesmo aconteceu em Lisboa. Estas e muitíssimas peripécias deram

lugar ao livro que escrevi e intitulei: “A IDA DO ZÉ PARA A MARINHA”

Chegados ao Alfeite, fizemos as provas de inspecção e, para enorme

tristeza minha, o Pires foi dado como incapaz. Foi uma grande desilusão;

contudo, para minha surpresa, o Pires não se mostrou assim tão desanimado;

“deixa lá”, dizia ele, descontraído. Quem sabe se raciocinava assim com a ajuda

de um copo a mais, bebido daquilo que tinha escondido na mala.

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Lá se foi para Celeirós e iria cumprir o serviço militar em Lamego. Era o

que me aconteceria se não tivesse ficado apurado para a Marinha. Retornaria à

miséria de sempre, pois Lamego é relativamente próximo de Celeirós.

Mas fui apurado! Com esse apuramento removeram-se todos os meus

males. Ali se abriram caminhos inimagináveis rumo à minha felicidade.

Um dos benefícios fundamentais, que desde logo me fizeram, foi o

tratamento aos ouvidos. A minha audição foi recuperada em cerca de 80% a

90%. Os meus ouvidos secaram, o que me tornou apto a enfrentar todas as

circunstâncias com normalidade, tanto na Marinha, como fora dela. Trabalhei e

venci.

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ALGUNS APONTAMENTOS

Permaneci na Marinha de Guerra os quatro anos da ordem, começando

pela recruta em Vila Franca de Xira, onde fui um dia considerado por um dos

instrutores um dos melhores atletas daquele ano. Era, de facto, um homem

novo completamente desligado do passado.

Acabada a recruta, fui destacado para a Escola de Aviação Naval

Almirante Gago Coutinho, em S. Jacinto - Aveiro.

Deixarei o caso de Aveiro para registar em ponto mais adequado, porque

foi em Aveiro que começou a minha vida amorosa e familiar o que carece de

um espaço alargado.

Após a estadia de um ano naquela Unidade da Marinha, a Aviação Naval,

teria de voltar a Lisboa, ponto de partida para um longo caminho carregado de

aventuras e peripécias variadas, espaço que engloba uma boa parte da minha

história.

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VIAGEM À AMÉRICA DO NORTE EM 1948

Tudo o que tenho começou, como já disse, na Marinha, de onde saí,

depois de ter cumprido o tempo regulamentar de quatro anos.

Foram quatro anos de peripécias gostosas, aqui e ali, mundo além, coisas

interessantes que recolhi em livro a que dei o título: “Ida do Zé para Marinha”.

Façanhas interessantes muito próprias da marujada e da juventude em geral.

Talvez, nessas andanças marinheiras, o ponto mais relevante esteja na

minha ida à América do Norte a bordo do “Navio Escola Sagres” e as peripécias

relativas a essa viagem. Duzentos marinheiros, entre oficiais, cadetes sargentos e

praças, a velejar entre Lisboa e a América do Norte.

Aí, não fossem os meus dias de grande enjoo, todas as horas seriam de

festa, alegria e descontracção, graças às paródias e gestos de companheirismo

sem distinção, entre todos.

Bom… eu era um músico de bordo, tocava guitarra portuguesa em

serenatas no convés ou no castelo, e fazia parte do grupo de Jazz tocando

Viola.

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E, se difícil é fazer um quarto de noite no convés enrolados numa manta

e muito atentos ao som do estridente apito que pudesse assinalar “homem ao

mar”, o que levaria logo a correr para um salva-vidas sempre a jeito, já subir aos

mastros com 48 metros de altura causa uma sensação de aventura e grande

leveza.

É uma aventura empolgante, enquanto a nossa estrutura psíquica tenta

enganar os medos e aguçar os sentidos quanto ao cuidado que temos de ter em

cada gesto. Todavia, é impressionante quando, depois de sairmos do cesto de

gávea para as vergas suportados por um cabo – estribo – que dança ao sabor

dos gestos de qualquer outro marinheiro, e, ainda por cima, sobre nós pairam

nuvens ameaçando tempestade; a minha sensação era de que estava em outro

lugar, algures noutro planeta.

Saímos de Lisboa, nesse maravilhoso Navio Escola Sagres rumo à

América, passando Porto Santo, Madeira, Cabo Verde, Mar das Bermudas, até

chegar a Boston. Aportámos, depois, em New Bedford, New Wark e,

finalmente, New York.

Saímos de Nova Iorque a três de Agosto de 1948, viajando 28 dias

seguidos até Lisboa. Passei ao Corpo de Marinheiros e, faltando-me ainda

cumprir mais dois anos, fui destacado de novo para a Escola de Alunos de Vila

Franca de Xira, Unidade onde decorreram bastantes peripécias, provocadas

pelo meu sentir cristão.

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O DESPERTAR PARA UMA NOVA

REALIDADE

Era um tempo de muita fome e miséria; era situação geral do país, para

mim bem visível em Vila Franca de Xira. Repito que foi o meio onde

aconteceram muitos gestos de cristianismo e onde mais demoradamente me

debrucei sobre a doutrina do evangelho, durante dois anos, passados na

qualidade de grumete mais antigo da Escola. De recordar que foi ainda em Vila

Franca que dei início a um curso de guarda-livros por correspondência e, já a

partir do Navio João de Lisboa, tinha feito um curso de dactilografia, em

Lisboa, na rua Eugénio dos Santos. O facto era que tinha vindo de Celeirós

somente com a 4ª classe, o que não me tornava apto a passar em provas dos

cursos da Marinha.

Lembrado da minha realidade que se circunscrevia ao conteúdo de

Celeirós, que era nada de nada, agora tinha um curso de dactilografia e outro de

guarda-livros tirado por correspondência. Apesar de tudo, não achava o

emprego de escritório que tanto deseja.

A minha aspiração era uma profissão que condissesse com o nível da

minha namorada, Telefonista dos C.T.T. A crise tocava a toda a gente e a mim

faltava-me a prática que os escritórios exigiam. Preenchia requerimentos para

um advogado, até que surgiu num jornal anunciado que a Quinta de Senhora

das Dores em Verdemilho -Aveiro, precisava de um dactilógrafo. Estive nessa

Quinta até que o Domingos Moreira me arranjou um lugar de assalariado na

Companhia Portuguesa de Celulose, em Cacia. Era um serviço de armazém de

todos os materiais necessários à Empresa, ainda em construção. Muito a custo,

até porque a organização em geral era caótica, aprendi os nomes das centenas e

centenas de materiais, rapidamente. Um dia foi aberto um concurso interno

para o serviço administrativo e o meu chefe D. Francisco Castelo Branco,

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aconselhou-me a concorrer; foi o que fiz. O concurso era essencialmente para

dactilógrafos para a Secretaria Central e, ainda que fosse para dactilografia

como os outros concorrentes, nunca soube porquê, fui classificado como 3º

escriturário.

Aí comecei a dar um tanto nas vistas pelo empenho que punha no

trabalho. Considerando que as minutas dos engenheiros eram gatafunhos,

levava a melhor na equipa, pois conhecia todos os materiais da fábrica, o que

mais facilmente me levava a descobrir as palavras arrevesadas das minutas.

Depois, ainda que fizesse três ou quatro tentativas a minha dactilografia,

primava pela perfeição. Daí, foi sempre em frente.

Eis como surgiu o lugar ao sol que, em tempo, muito tinha desejado para

enquadrar a minha mulher e, mais tarde, todos os amores que de nós nasceram.

Fazendo um pouco a retrospectiva sobre a andança difícil que percorri,

lembro que vim de Celeirós sem nada na mão, ou dito de outra maneira, trazia

comigo um esboço de cada uma das várias profissões que ali frequentei.

Uma dessas profissões seria a de “trolha”- profissão semelhante à do

meu pai – que, aqui, chamavam de “pintor”.

Nesse tempo, confuso e sem futuro, bailava no pensamento uma

procuração que me entristecia particularmente, quando sentia a diferença social

que havia entre mim e a minha namorada, naqueles momentos em que aqueles

rapazes engravatados, bem vestidos, esperavam as suas namoradas, colegas da

minha, à saída do trabalho.

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UM MOMENTO QUE FEZ UMA VIDA A DOIS

PARA SEMPRE

A certa altura propus à minha namorada terminar o namoro, devido a

tantas incompatibilidades. Ela respondeu com prontidão: “se achas que

queres acabar, acabamos; mas, por tu seres pobre!? Isso não!”

A VENTURA MAIS ALTA DA MINHA VIDA

Como já se percebeu, a minha vinda de Celeirós do Douro para a

Marinha de Guerra, foi uma aventura em liberdade; tenho, talvez, por melhor

imagem a sensação empolgante de trepar aos mastros da Sagres, a 45 metros de

altura.

Leves, saindo do cesto de gávea para as vergas com o arrojo que o meio

exige da nossa mocidade. Também já disse que não conheci mais ninguém dos

meus amigos e vizinhos daqueles sítios transmontanos que superasse o peso das

dificuldades para tanta felicidade.

Porém, apesar de tudo, não foi a Marinha que constituiu o cume da

minha enorme sorte.

Andava eu torturando-me lá por essa terra transmontana sem rei nem

roque, e lá muito longe, existia uma família singular, precisamente o berço da

minha Amiga. Sem desfazer nas boas criaturas que vivem por esse mundo além,

creio que mais ninguém, poderia ser o que ela foi e é, para mim. A minha

namorada, a minha mulher. O retrato dela é este: linda, uma beleza à

transparência como se provou. Alegre e confiante, responsável também,

acarinhada pela mãe, pelo pai e pelos irmãos, sempre rodeada de mimos.

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Mas passaria por cima de coisas muito profundas se não invocasse a

Senhora Gracinda, minha sogra, e o meu sogro, Sr. José Silva.

A Senhora Gracinda viveu, como toda gente, com o coração e a oração, a

vida dos seus filhos.

Teve seis filhos. Vivia acomodada com eles e com o marido numa casita

que, embora desconheça o motivo e a forma como se deu, lhe coube como

recurso; todavia, ficou-me uma frase da Senhora Gracinda que, para mim, se

afigura como de desagrado ou mesmo desgosto, apesar de pessoas amigas lhe

terem oferecido uma casa melhor por uma renda barata e ela não aceitou:

“Daqui, só para o cemitério…” Não sei qual o motivo; embora reconheça que é

uma lacuna na pesquisa que tentei fazer para perceber quais as razões que

levaram a minha sogra a abdicar de condições melhores para o casal e para os

filhos. Ninguém me deu o menor sinal para esta sua opção.

A casita era um rés-do-chão, teria cerca de 3 metros de frente, cerca de

15 de fundo, dois de pé direito, um patiozito de cerca de 3 metros da mesma

largura da casa, emparedado por adobes apodrecidos.

Só nos anos cinquenta do século passado foi instalada, naquela casita, a

luz eléctrica.

A senhora Gracinda era de um irrepreensível aprumo e primava pela

limpeza e pelo esmero que punha na sua casita e nos seus filhos. Dizia-se, como

conta a minha mulher, que as pessoas conhecidas comentavam: “os filhos da

„Gracindinha‟ andam sempre limpos e impecáveis…” “Anda cá minha menina, dá cá um

beijinho… andas sempre tão limpinha”.

No pequeno pátio da casa, a Senhora Gracinda mandou fazer, dentro das

suas possibilidades, um tanque em cimento. A principal razão desta obra deve-

se ao seu recolhimento; não suportava ouvir as mulheres a falar da vida alheia,

enquanto lavavam a roupa no tanque público. Era, sem dúvida alguma, uma

pessoa de princípios que defendia escrupulosamente a sua privacidade,

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garantindo a sua verticalidade moral. Naquela casa havia paz e disciplina, sem

ser necessárias grandes altercações de voz – bastaria abrir os olhes e os filhos se lhe

submeteriam com mansidão e muito respeito –, como conta a minha mulher.

Nunca faltou o alimento naquela casa, como a broa, a sopa, os

“escoados”, a fruta como mimo mais saboroso. Carne, uma vez por outra e o

leite sempre que possível. Estou a remeter-me principalmente aos tempos

difíceis que toda a gente passava e por todo o país. No entanto, as regiões

diferem entre si. Enquanto no Douro a fome entrava livre porta a dentro. A

agricultura era quase exclusivamente a vinha – uma monocultura –, onde

apenas se colhe o vinho e pouco mais; o valor da novidade ficava sempre

aumentado na mão dos senhores das terras, para além do rigor dos invernos, o

frio, a neve, a chuva, etc. Na região de Aveiro as pessoas tinham a possibilidade

de tirar directamente do mar e do campo o peixe, as hortaliças, o pão, a carne, o

leite, o queijo, a manteiga, o sal, etc. Poder-se-ia considerar uma verdadeira terra

prometida. Refiro apenas dados superficiais, alguns deles próprios da natureza e

das diferenças geográficas.

Mas, em todos os lados há pobre e ricos, opressores e justos, gente ciosa

e gente perdulária, também em Aveiro, evidentemente.

Com isto já vimos que a Senhora Gracinda, o Senhor José Silva e os

filhos, eram pobres mas dentro de uma harmonia comovente.

Se há pessoas muito marcantes por esse mundo além, a Senhora

Gracinda era uma delas, uma pessoa maravilhosa. Nunca dialogámos, fosse

acerca do que fosse. E se observo à distância a Senhora Gracinda, com olhos da

alma, foi porque só mais tarde pude perceber por mim próprio o que é e o que

faz a acção do Espírito entre os anónimos e anónimas que passam por este

mundo sem expressão social a caminho da eternidade.

A Senhora Gracinda criou ainda uma criança – o Tono – cujos pais

partiram para a África e lha terão deixado entregue aos seus cuidados.

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Com este escrito quero dizer-lhe “Olá, Senhora Gracinda! bendita seja!”

As referências que podemos fazer ao Senhor José Silva, o meu sogro, são

bem mais habituais entre nós. No entanto sempre me impressionou aquela

pessoa de paz e silenciosa, tão bem enquadrado naquele meio familiar já

referido. Não se lhe notava profundidade intelectual, mas era uma pessoa

escrupulosamente cumpridora, segundo se diz, nomeadamente na entrega da

féria à esposa, única fonte de rendimento que a família tinha. Era um

profissional muito considerado na arte de carpinteiro.

Era com a féria da actividade profissional do marido que a mulher geria o

sustento da família. Tinha brio em ter sido fundador de clubes de furor

aveirense como é o Clube do Galitos e o Recreio Artístico. Segundo contavam,

era um dos animadores diários dos grupos de trabalhadores que se reuniam nos

Arcos antes de partirem para o trabalho.

“O meu pai nunca me bateu; nem a mim, nem aos meus irmãos” – palavras da

minha mulher.

Fosse qual fosse a origem, o que sei é que foi nesta família que

nasceu e cresceu aquela companheira linda e amiga – a minha mulher –

que constitui a maior aventura e sorte da minha vida.

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A ACÇÃO CATÓLICA E EU

Era militante, desde os meus 22 anos, da Juventude Operária Católica

(JOC) quando casei aos 29 anos; desde o casamento, por ter alterado o meu

estado civil, passei a militar na Liga Operária Católica (LOC).

Convém, antes de mais, apreciar a visão doutrinária e a concordância do

bom senso de Monsenhor Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica.

Faço-o principalmente porque é nele que encontro a liberdade, a isenção e a

justiça do Evangelho. O contraste em que se processa a toada da minha vida

está no tipo de cristianismo que descrevo desde Celeirós do Douro. Transcrevo

a visão de justiça de Monsenhor Cardijn, referido por Marguerite FIEVEZ e

Jacques MEERT2: “Depois de ter de ter ouvido e falado; depois de conhecer tantas situações

e países diversos, Cardijn está deveras preocupado com a atitude que possam vir a tomar os

cristãos a Igreja face ao pensamento incisivo de Karl Max. Contrariamente aos meios católicos

tradicionais, ele rejeita uma atitude puramente negativa para com o marxismo.”

“O anti-socialismo e o anti-comunismo, repete Cardijn, não bastam para salvar a

classe operária nem para trazer de novo á Igreja as massas populares. Há no marxismo „uma

alma de verdade‟ que é formidável e que não tem sido suficientemente considerada; é que

Marx dá á classe operária uma missão redentora a cumprir, um destino messiânico. Está aí

a força do marxismo! Na encíclica “Divini Redemptoris”, consagrada ao comunismo, fica-se

no aspecto das coisas. A maior parte da mesma é dedicada àquilo que é preciso fazer para

ultrapassar, para substituir o comunismo… Mas quanto à missão divina das classes operária

nada se diz aí”.

Nada, nem ninguém me dirá o contrário de que a edificação mental e

espiritual do homem não gera o mais alto dos títulos e o maior dos objectivos

humanos que não resulte da sabedoria da verdade e da grandiosidade de Deus.

Nada há na terra que se compare a essa “ciência” divina. Faça o que fizer, o

homem íntegro agirá submetido a essa condição, SERVINDO. A autoridade é

2 Cardijn, pag. 194

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Deus e nós os servidores. Ninguém fica fora desta condição: servir o Deus e

Senhor de plena sabedoria.

Nem os bons nem os maus poderão afastar-se desta condição submissa.

Ainda que, para muitos, Cardijn fosse uma pessoa duvidosa, tenho a certeza de

que o seu espírito era daqueles homens livres e servo da doutrina por excelência

– a Justiça do Evangelho. Digo isto porque essa mesquinhez religiosa e

subalterna de muitos católicos chegou até mim próprio. Consequentemente,

isso obrigou-me, naturalmente, a algum isolamento, lamentado o epíteto de

“comunista”. A confusão é monstruosa seja pelo nível de onde parte a dúvida,

seja pelo disparate que circula na cristandade ignorante e subalterna.

Se temos de lutar é porque alguém nos está a subjugar. É um direito

normal entre opressores e vítimas. Assim sendo, em que pomos a razão de ser

das nossas lutas: pelos homens do grupo organizado com interesses

corporativos, ou pela marca que recebemos proveniente do evangelho? E quem

é que está autorizado a aconselhar e a submeter os humildes, humilhando-os e

estimulando-os com promessas espirituais que um dia lhes serão concedidos no

céu, mas em nada se confrontam no terreno com as injustiças? Por mim e pelo

evangelho sempre tive na mente e no espírito essa missão divina na JOC e na

LOC, de que fala Cardijn.

Sei que o que penso e sinto pela Igreja está situado na comparação que

faço entre a subserviência e o infantilismo dos cristãos que, por imagem, situo

em Celeirós do Douro e o espírito libertador que encontrei em Cardijn. É nesse

espaço que se encontra toda a minha andança cristã.

Assim aconteceu. Apenas isso. De resto, o lugar em que os homens

bracejam e se confrontam, fica, como é natural, à consideração de Deus. Deus

é, entretanto, Pai de todos nós.

O âmbito do trabalho era a Diocese de Aveiro e o Movimento

coordenado por uma Direcção Geral sedeada em Lisboa. Os contactos a nível

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nacional aumentaram a partir da fundação de um Centro de Cultura Operária

também com sede em Lisboa.

A maioria desses meus mais chegados amigos, e eram muitos, já morreu,

o que, para mim, além da frieza natural da morte, imagino-os simplesmente

integrados no reino de Cristo. Este é o meu sentido de vida. Sei que o mundo

não entende muito bem esta disposição em que a morte se esbate, na medida

em que se fala de Vida.

Jesus disse: “Virei buscá-lo”. Bom seria que as pessoas, pelo menos as que

têm fé, soubessem planear o seu curso de vida na sequência que ela tem face à

transição que há entre esta e a outra vida.

A Verdade e a firmeza de Jesus que está em todos os seus ensinamentos;

cito, apenas, alguns que julgo de importância nuclear:

Quem, depois de deitar a mão ao arado, olha para trás, não é apto para o

Reino de Deus (Lucas 9:62).

Deixa que os mortos enterrem os seus mortos, vai e anuncia o reino de Deus

(Lucas 9:60).

Mas, onde quer que não vos receberem, saindo daquela cidade, sacudi o pó dos

vossos pés, em testemunho contra eles. (Mateus 9:5).

Deus é Espírito e o Espírito não tem dimensão. Podemos adorá-Lo do

mar, da terra, das estrelas, do recanto mais longínquo do Universo porque Ele é

a própria Vida. Também, segundo nos diz Jesus, Deus é Espírito e é em espírito que

O devem adorar os que O adoram em verdade e em justiça.

Nós, homens, somos o alvo do seu amor, obviamente. Não conhecemos

nada, além de nós, que tenha esta sensibilidade espiritual de O sentir e de O

amar. Quem escuta a sua palavra rodeia-se naturalmente de um sem fim de

segredos e mistérios. Só Ele pode ser o Norte correcto.

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As pessoas não poderão fazer das palavras de Jesus uma espécie de

“cantiga rotineira” a embelezar discursos ou sermões, mas terão de descobrir e

depois assumir que Jesus é Deus. Que é alimento da fé e da inteligência

humana. Temos que saber e acreditar efectivamente que Jesus é o Salvador

descido do céu.

“Eu sou o pão vivo descido do céu. Disse Ele."

“Declarou-lhes Jesus. Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim, de modo algum

terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede. Mas como já vos disse, vós me tendes visto, e

contudo não credes. Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira

nenhuma o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a

vontade daquele que me enviou” (João 6:35,38). E, ainda: “Está escrito nos profetas: E

serão todos ensinados por Deus. Portanto todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a

mim. Não que alguém tenha visto o Pai, senão aquele que é vindo de Deus; só ele tem visto o

Pai. Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que crê tem a vida eterna. Eu sou o pão da

vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu,

para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer

deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne”

(Jo.6: 45,51).

Isto fez parte da minha aprendizagem aos vinte e dois anos de idade e foi

com esse “apetrechamento que apareci na Juventude Operária Católica e

depois na Liga Operária Católica em que os problemas do mundo do

trabalho exigiam o nosso apostolado. As nossas fontes eram as encíclicas do

trabalho como a Rerum Novarum, Pax In Terris, Mater et Magistra e outras. A

isso juntou-se o ânimo e o dinamismo de Cardijn, mais a sabedoria que

adquirimos em esboços de Sociologia vindos da Universidade de Luvaina, por

intermédio do locista Dr. Calos Augusto Fernandes de Almeida.

Importa dizer que já em 1932 tinha estado em Portugal a dar formação

aos sacerdotes e jovens portugueses um homem extraordinário da Igreja e do

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mundo, precisamente o Fundador da J.O.C., Juventude Operária Católica,

Monsenhor Cardjin, também sociólogo, formado naquela Universidade.

A avaliar pela obra de Marguerit Fiévez e de Jacques Meert, em 1932

foram lançadas as bases da Acção Católica e no ano seguinte – 1933 – voltou

Cardijn para dirigir um curso de Assistentes, no Seminário dos Olivais.

Dizem os referidos a escritores: “Indirectamente pelo menos, Cardijn estava com

esta actividade a preparar o lançamento da JOC em boas condições que, por vezes, não era

dos leigos que vinham as maiores dificuldades na construção do movimento jocista, mas –

quem diria – do próprio clero”.

Mas, o que agora quero referir é que o fechar os olhos à eventual solução

do problema que enfrentamos com diplomacias e meias verdades, agíamos até

mais adiante, de facto, de modo que nem tudo fique como dantes. Ser cristão é

um risco.

O método de Monsenhor Cardijn é que é: Ver Julgar e Agir.

Ver, Julgar e Agir proporciona evangelização, porque agimos numa

perspectiva da fé. Porque o que vemos são problemas de pessoas que não

tiveram acesso à liberdade e ao pão de cada dia – gente sujeita a poderes mais

ou menos escravizantes do “próximo” Gente ignorante que não sabe defender-

se dos opressores, muitos deles que até pagam o “dízimo da hortelã”3 e de

“consciência limpa”, são aceites como cristãos cumpridores. Porque nos

debruçamos a analisar os problemas e julgamos as causas e as consequências

que poderão ter no terreno concreto. Porque agimos por amor a Deus e ao

Próximo com o nosso saber ou a nossa formação específica, profissional, e sem

dúvida através dos carismas que cada qual possui.

3 Referência de Jesus ao falar da hipocrisia de um doutor da Lei: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da

hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas.” (Mateus 23:23)

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Ninguém pode mudar a Justiça do Evangelho, mas o facto havia

desencontros fundamentais entre este tipo de apostolado e as orientações da

Igreja.

Para muitos era temeroso levar longe de mais a justiça ainda que

detectada à luz das próprias encíclicas como, por exemplo, a Rerum Novarum,

Pax in Terra e mesmo a Mater et Magistra, de João XXIII.

Um exemplo: nesse meu tempo de acção, no fim de um trabalho locista

que deu brado na área do sócio/político, na cidade de Aveiro, exactamente um

trabalho sobre a Mater et Magistra, um sacerdote concluía numa conversa de

roda: “esta Encíclica, Mater et Magistra, após a sua saída, fez, desde logo, cem mil

comunistas, na Itália.

Outros diziam: bom as encíclicas “não constituem matéria de fé”.

Lá que o sistema político desconfiasse de nós e nos vigiasse, seria muito

mais coerente, mas a grande estranheza era a classificação que nos vinha da

parte de católicos, só porque não agíamos segundo o seu modo de estar.

Recordo do evangelho. Um dia os Apóstolos encontraram no seu

caminho um indivíduo a fazer milagres e que os fazia em nome de Cristo. Ora os

apóstolos, supondo que só eles tinham o “monopólio dos bens de Deus”

mandaram calar o fazedor de milagres e, de seguida, foram relatar a Jesus o

insólito acontecimento.

Jesus disse: “Deixai, porque quem não é contra nós é por nós” (Marcos 9:40).

Mas a formação não ajudava na verdade e na amplitude da Acção universal de

Deus.

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José Morais

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O LOCISTA, DR. CARLOS AUGUSTO

FERNANDES DE ALMEIDA.

Se tenho amigos e companheiros de apostolado e não podendo

menciona-los a todos, lembro dois o Manuel Alpiarça, que foi o rapaz que

ouvi primeiramente falar em Lisboa e me revelou o Movimento da JOC; foi um

companheiro idóneo e competente durante toda a vida e por quem dou graças a

Deus, pela sua afabilidade entre nós. Recordo, igualmente, o Carlos Augusto.

Importante base dos nossos conhecimentos de sociologia.

Também formado, como Cardijn, em Sociologia, na Universidade de

Luvaina, ao Carlos Augusto devemos um passo de gigante na aplicação no

terreno do nosso apostolado. Já falecido, foi um elemento da LOC que me

conheceu como ninguém. Desapareceu novo desta vida e, também, por ele

louvo a Deus que nos une.

Teve ocasião de me escrever, já perto do seu desaparecimento, a

propósito de dois livros que publiquei: “CAPELAS DE AVEIRO” e “DOS

TENEBROSOS INVERNOS AO TEMPO DAS FLORES”.

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Disse ele:

Cópia:

“Lx 8.7.2002

Caro Morais,

Foi com grande alegria que recebi o teu livro „Capelas de Aveiro‟ que muito apreciei e

também o livro que te preparas para publicar „Dos Tenebrosos Invernos ao Tempo das flores‟.

Ambos li com o maior interesse. O primeiro permitiu-me descobrir uma faceta da tua

personalidade que desconhecia quase por completo, isto é, as tuas qualidades artísticas. O

segundo porque descobri através do mesmo o teu percurso de vida que ajuda a compreender o

teu espírito cristão e a tua revolta […].

Sempre me impressionou a tua fé e o teu militantismo operário e Cristão que ambos

temos, como pontos comuns na nossa vida o grande amor à classe trabalhadora e um grande

desconforto pela forma como a Igreja, com raras excepções, enfrenta e olha pelos problemas

sociais.

Desde que te conheço que considero que és um exemplo de vida tanto na tua vida

social como na tua vida de cristão e, certamente, que muitas das tuas qualidades se explicam

pela tua vivência de infância em Celeirós e por todas as situações que testemunhaste nessa

aldeia de „Tenebrosos Invernos‟.

Felicito-te por teres a ideia de publicar „Dos Tenebrosos Invernos ao Tempo das

Flores‟ e, por isso, desejo-te um grande sucesso editorial e social.

Quando programar uma nova viagem ao Norte tentarei visitar-te em Aveiro,

juntamente com outros companheiros de lides passadas.

Um grande abraço para ti e para a tua família.

Carlos”

Reproduzo a carta fac-similada, nas páginas seguintes.

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Obrigado, Carlos Augusto, pela tua amizade.

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O MEU AMIGO CONDE

E, como tudo se liga, aproveito para recordar o meu amigo Bartolomeu

Conde, colega de profissão o qual fez a apresentação do livro “Dos Tenebrosos

Invernos ao Tempo das flores”. Trabalhámos 15 anos na mesma empresa e

participou em diversos trabalhos de formação sindical na LOC.

O que diz o Conde, no lançamento do livro “Capelas de Aveiro”:

“Falar em público de um Amigo ou da sua Obra, é sempre um Acto que traz restrições ao orador, pois, por ser Amigo, só devemos falar dos traços positivos do seu carácter e da perfeição da sua Obra, omitindo qualquer ponto menos positivo.

No caso do Zé Morais estou à vontade, pois conheço-lhe as virtudes – e tantas são! – e um só defeito lhe aponto: a frontalidade!

Este defeito, - que nalguns casos é tido como virtude - nota-se no seu modo estar na Vida, na maneira como se comporta com os outros, na verdade nua-e-crua com que trata qualquer situação onde esteja envolvido ou desta seja mero espectador.

É um feitio que não se dá para a bajulação, nem para vénias de vassalagem.

O Zé encara a Vida com frontalidade – talvez por Ter sido criado entre os penhascos da sua terra natal, Celeirós de Trás-os-Montes, circunstâncias muito diferentes das que, como nós, beneficiaram deste consolador vai-e-vem das marés que nos permite balançar nas ondas...

Lembro-me de uma vez, era já noite, quando estávamos os dois a pintar cenários para uma Festa de Natal da Celulose – já lá vão 40 anos! –, eu ter criticado um azul numa das bambinelas pintadas pelo Zé Morais.

Critiquei... critiquei... fartei-me de dizer mal daquele azul. O Zé defendia com unhas-e-dentes aquela cor: oh pá, está bem... está bem pá! Para lá com isso... disse-me, a olhar-me fixamente.

Amuei. Quando a carrinha da Empresa nos levou para casa, já passava da meia-noite, não me despedi dele. Eu estava profundamente amuado, com o azul e com o Zé.

Ao outro dia, o Zé agarrou-me num braço e levou-me aos cenários: olha bem pá, achas o azul mal? Olha bem...

Olhei: o azul, afinal, estava correcto! Tive vergonha.

Ainda procurei um motivo, - mas nada. Arranjei uma desculpa: oh Zé, eu ontem devia estar com fome!

Isto que contei é um exemplo da persistência com que o Zé Morais defende aquilo que faz ou aquilo em que crê. É homem de “antes quebrar que torcer”.

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Nós – ou alguns de nós – recebemos influências deste clima do litoral: de manhã nevoeiro, sol ao meio-dia, vento p‟rá noite! Em Trás-os-Montes, o clima não sofre tantas alterações: ou é frio de estarrecer, ou calor de abrasar.

Um dia, aqui em Aveiro, estava eu num café a conversar com três amigos, hoje do outro lado: o Dr. Luis Regala, o Juiz Dr. Maya Gabriel e o artista Carbaty.

Este, o Carbaty, depois de tomar o café, foi à sua vida, vida que eu critiquei, pois andava numa vida nocturna um pouco relaxada.

O Dr. Maya Gabriel, lamentou as minhas críticas: - Vocês, os de Aveiro, são cá uns patuscos!

Ora eu, sabia o significado de patuscos, mas dito por aquele Amigo, transmontano-beirão, crítico muito subtil e incisivo, - que significado teria? E perguntei:

– O que é isso de patusco?

– Vocês muito gostam de mordiscar uns nos outros!

– E lá para as suas bandas, não mordiscam?

(Demorou uns segundos)

– Não!... Não!... Mas, quando temos de morder, vem carne agarrada!

Ora o Zé, é transmontano, e embora tenha sofrido uma certa osmose temperamental nos seus quarenta anos de Aveiro... ainda as suas mordeduras não perderam de todo a sua força quando, mesmo que raramente, as aplica.

O seu livro demonstra isso.

Ele recorda com ênfase a vida dura dos transmontanos, a dele e a dos outros, uma escola dura onde se fez homem.

Descreve no livro a sua Celeirós; canta no livro as flores campestres que embelezavam a mesa para a visita pascal; canta chorando o martírio dos que mourejavam, por uma côdea-rilhada, sob o sol ardente, com a camisa colada às costas, os trabalhadores das vinhas que carregavam aos ombros os cestos com quatro arrobas de peso, tiradas lá dos fundos quase inacessíveis, rumo ao lagar. Recorda a severidade da Escola primária e a austeridade patriarcal!

E fixa o que em criança ouviu a um padre: os homens têm a sorte dos paus: uns vão ser pintados de ouro, outros vão pró forno ou para a lareira, para serem queimados.

Quis, aos doze anos, ir para Padre; mas porque o seu casaquito tinha uma nódoa na lapela, foi o motivo invocado para a sua rejeição de entrar no seminário!

Foi então aprender serralharia, mas pouco tempo durou essa rodagem, pois a oficina entrou em falência; teve guarida na alfaiataria de um vizinho, onde aprendeu bastante desse ofício, mas o mestre adoeceu e o Zé ficou com a agulha e as linhas na mão; mas como era tempo de guerra, o volfrâmio era então o rei, o Zé foi para esse eldorado; mas a guerra acabou e o volfrâmio foi às malvas. Que fazer, agora?!... foi apanhar azeitona, e vá-que-não-vá, tomou gosto e até aprendeu a arte de podador de oliveiras, em curso que mereceu um diploma!

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Mas a poda de oliveiras é trabalho sazonal, acaba logo.

E lá vamos ver o Zé a partir, à marretada, matacões de xisto! O Zé queria trabalhar, tudo servia, até andou a limpar chaminés!

Mas o dia chegou. Oh nossa Senhora dos Aflitos! À porta da regedoria de Celeirós, numa lista de recrutamento para a Marinha, lá estava escarrapachado o nome do Zé, completo e em letra de forma: José Monteiro Morais!

“Um mundo novo se abriu na minha frente – diz o Zé – tão amplo que viajei por esse mundo inteiro”! Conheceu o mar largo, os continentes, os povos de cor e costumes diferentes! Outros conhecimentos, outros modos de viver; tudo isso sacudiu o nosso herói e ei-lo, sem nunca deixar a guitarra, sua companheira nas horas de solidão ou de lazer, a raciocinar e a ponderar sobre os problemas sociais, religiosos e políticos que afectam a comunidade humana, já não centrada em Celeirós do Douro, mas neste mundo universal onde abunda tanta desumanidade.

Bem! Mas a Marinha acabou! O Zé, sempre activo, já sem farda, aprende dactilografia, tira um curso de guarda-livros... e vamos encontrá-lo como dactilógrafo numa empresa de Verdemilho; mas o cheiro de Cacia despertava-lhe os sentidos e daí a pouco as portas da Celulose estão abertas. Aí o vamos encontrar; aí vamos ter como escriturário, como companheiro, como homem de Cultura... enfim, como Amigo!

Fora das horas de trabalho ou das que dedicava à família, lá está o Zé – aquele que em miúdo queria ser padre – metido na Liga Operária Católica, trabalhando pela Cultura do trabalhador, através de um modelar sindicalismo cristão, na organização de Festas Natalícias, do Teatro recreativo, deixando nestes campos um excelente exemplo de promotor da Cultura operária. Ele sente que o mundo precisa de Servidores e apela no seu livro aos que têm especificamente essa missão; que basta de discursos literários, que promovam a construção de um Mundo melhor, que dêem testemunho da Verdade, que apregoem a Boa Nova – NASCER DE NOVO em Amor e em Justiça.

Em conclusão: o livro do Zé Morais abre amplas janelas para um panorama rico de Humanidade.

Vale a pena ler este livro do Zé Morais – “Dos Tenebrosos Invernos ao Tempo das Flores” – Este transmontano, que salpicou com o sal-de-Aveiro a sua vida de bom cristão, de alegre companheiro e de bom Amigo – que toca guitarra, que pinta quadros – mostra no livro que é um Homem bom ao serviço do mundo

E não digo mais nada. Leiam o livro, não se arrependerão. Mas desde já aviso os eventuais leitores: o livro dá muito para pensar.

Parabéns ao Zé.

Setembro/2002

Bartolomeu Conde

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Transcrição, fac-similada, do recorte do Jornal que noticia o lançamento do livro

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CONCURSO DA CRUZ NO MUNDO DO

TRABALHO

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LEMBRANÇAS

O testemunho do Carlos Augusto, acima referido, representa para mim

um grande alimento espiritual, por ser a verdade e a confirmação dos valores

que sempre me sustentaram a vida.

Agora, nesta idade (aos 85 anos), parece-me que da minha parte está tudo

feito; no entanto vivo e reajo ainda que muito longe do vigor de outrora. Ando

mais devagar mas consciente e animado. Entendo que Deus há-de estar sempre

comigo. Falo de mim e até parece que não tenho mais ninguém. Mas não é

assim; tenho uma família a quem muito amo e que me ama muito. Penso que

todos estamos no mesmo caminho e que só Deus conhece o futuro. Confio.

Vejo que, em grande parte, a vida é uma luta composta de interesses

saudáveis, perpassando por uma enorme mancha de frivolidades, até mesmo

incluindo actos criminosos.

Cada qual terá que penalizá-la à sua maneira, face ao Alvo comum a

todos nós: Deus. Para muitos, a sua consciência ou a conveniência do partido

sujeitos à disciplina de voto faz deles um produto de ser humano sem liberdade,

aventureiro, sem definição de personalidade íntima, tornando-os peças do

consumismo incaracterístico da matéria. Mas a liberdade está no espírito e este

vive das leis da Verdade. É, contudo, neste meio sócio/político que eu também

tenho de viver, libertando-me, quanto possível, particularizando: Ninguém

pode mentir a Deus.

Obviamente que é uma questão de fé, primeiramente; mas a inteligência

humana deveria perceber que são os valores da justiça e do amor, expressos na

Doutrina de Jesus Cristo, que deveriam fazer um mundo generoso e bom.

Note-se que não falo de religião, mas sim da garantia da sabedoria e da

justiça da doutrina que inspira os nossos actos.

Mas, não é assim, restando tal doutrina para os homens de boa vontade.

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Agora olho e não vejo, escuto e não oiço, apuro todos os meus sentidos

e nada se torna claro e definitivo na minha racionalidade. Penso, contudo, por

via da fé e concluo que esta minha condição humana feita de corpo e espírito

tem de esperar por Alguém que, a seu tempo, nada deixará por explicar.

Não invento nada e consola-me a alma fazer parte dos homens que, lá de

muito longe, ao longo da História, se dispuseram, como eu, a procurar Deus.

Transcrevo do Livro de Eclesiástico o seguinte:

“Filho, leva a cabo as tuas obras com mansidão, e atrairás não só a estima, mas

também o amor dos homens. Quanto maior és, mais te deve humilhar em todas as coisas, e

acharás graça diante de Deus; porque só o poder de Deus é que é grande, e é pelos humildes

que ele é honrado”.

Não procures saber o que excede a tua capacidade, e não especules o que ultrapassa as

tuas forças (intelectuais), mas pensa sempre no que Deus te mandou, e nas muitas obras suas

não sejas curioso. Porque não te é necessário ver com os teus olhos o que está escondido. Não te

apliques a esquadrinhar com ânsia as coisas supérfluas, e não indagues com curiosidade as

diversas coisas de Deus. Porque muitas coisas te foram reveladas que excedem a inteligência

humana. A muitos enganou a falsa opinião que formavam delas, e as suas conjecturas sobre

tais coisas conservaram-nos no erro” (Eclesiástico 3:19,26).

A VERDADE DE DEUS tem custos. Insurgi-me recentemente contra a

prática do aborto humano e isso causou dissensões e contendas muito próximas

de mim.

A minha questão era simplesmente. O aborto mata uma criatura ainda em gestação

que se lhe interrompermos o percurso não haverá a pessoa que aí viria. Creio que aqueles que

planificam a sua vida, apoiados nesse crime, ficam com uma enorme dívida à justiça divina

Mas, penso também que o crime terá incidência altamente perniciosa no equilíbrio da

sociedade. O crime foi instituído na lei em Portugal, com já é em outros países ditos

civilizados, através de referendo em que metade do país ganhou pela negativa e por pouco, à

outra metade, o que os políticos e materialistas conscientes ou inconscientes feito por políticos

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governantes arvorando em arco como se fora uma grande façanha da sua governação.

Entretanto, senti como foi insidiosa a campanha, como por exemplo, dizer-se que o feto é

motivo de análise metafísica. Alguém contrário lhes dizia: “não; o feto é o ser vivo que se sente

fisicamente no ventre materno. Entendo que só um aventureiro e arauto de um

futuro vazio, não entendem que a lei é criminosa.

Hoje, com 85 anos de idade ocorre no meu espírito uma paz semelhante

àquela paz doce e benfazeja para o corpo e para o espírito que sentimos, por

exemplo, em Noite de Natal.

Mas ainda está em mim uma ânsia de questionar sobre a pureza da

Doutrina dos evangelhos e continuar a dizer que a VERDADE que realmente

interessa está no respeito pela pessoa de Jesus Cristo e da sua doutrina.

“Então aproximou-se um dos escribas que os tinha ouvido discutir e vendo que Jesus

lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe qual era o primeiro de todos os mandamentos. Jesus

respondeu-lhe: o primeiro de todos os mandamentos é este: ouve Israel: o Senhor teu Deus é

um só Deus; e amarás o Senhor teu Deus com rodo o teu coração, e com toda a tua alma e

com todo o teu entendimento, e com todas as tuas forças Este é o primeiro mandamento. E o

segundo é semelhante e o primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro

mandamento maior do que estes” (Marcos 12: 28,31)

Eis a súmula do cristianismo sem sofismas:

“Se estiveres apresentando ao altar a tua oferenda e aí te lembrares de que teu irmão

tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferenda lá diante do altar, vai primeiro reconciliar-te

com teu irmão e vem então apresentar e tua oferenda” (Mateus 5:23,24).

Fora disto, tudo é tecido entre farsas e mentiras.

Reafirmo que o cristianismo segundo Jesus Cristo, é de compreensão

simples e directa: Amar a Deus e ao Próximo, ponto final. Reafirmo que se a

Igreja Católica se perde em mirabolâncias e não estrutura favoravelmente a

implantação desta condição cristã, simplesmente não evangeliza. A luz de Cristo

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é outra que não as velas e os dourados das igrejas, nem tão pouco o culto árido

em que põe o seu empenho. Sabedoria e Verdade são a Luz de Cristo.

Acomodados na sua estagnação, outras doutrinas e teses filosóficas

invadem o terreno inculto dos que haveriam de ser católicos por Jesus Cristo.

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ZACARIAS SARRAZOLA ANDIAS

Deixei para o fim um testemunho de vida de um militante da LOC, o

Zacarias Sarrazola Andias. É um testemunho simples que enuncia uma

actividade admirável, como se verá.

Numa das Secções de Militantes da Liga Operária Católica, em Aveiro,

era do programa irem os locistas rezar em conjunto à Sé. Nessa altura, eu era

um dos mais antigos, embora houvesse outros ainda mais antigos que, ao fim e

ao cabo, não deixavam de ser daqueles que, indo à missa do preceito, cumpriam

todo o bem que esse cristianismo sugeria. Muito dificilmente cumpríamos o que

combinávamos em cada reunião. A desculpa era “bem, não pude”… e o assunto

ficava sempre para a semana seguinte e dessa para a outra.

Começava a surgir uma tentativa de animação, onde essa oração na Sé

era já coisa nova.

Em determinada altura, rezámos em conjunto, pedindo a Deus,

compungidos, com pena de uns carpinteiros da Beira-Mar que tinham sido

atingidos gravemente por um incêndio. A casa, ferramentas e as máquinas

tinham sido devoradas pelo fogo, o que causou grande consternação.

Rezámos, pois, em grupo pelos infelizes e viemos embora. De notar que

eu era presidente diocesano. Ainda subordinado ao modo antigo de ver as

coisas, e talvez em jeito de transição para olhar com justiça humanista e

espiritual muito própria do cristianismo, saímos da Sé. Chegados ao adro, um

dos mais novatos locistas, de nome Zacarias Sarrazola Andias, disse em tom

repreensivo: “Então como é; rezámos e não vamos fazer nada?”

Estranhei o insólito reparo, pois estávamos habituados a rezar como toda

a gente da Igreja, para que Deus se compadecesse dos nossos problemas,

fossem eles quais fossem, mas também estranhei porque, quanto a dinheiro,

não há na L.O.C. gente de grandes posses económicas. Perguntei:

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– Que achas que devemos fazer? (também perguntei na qualidade de

responsável da secção em que o grupo se inseria).

– Temos de arranjar forma de lhes cobrir a oficina, arranjar algumas

ferramentas e máquinas que, minimamente, lhes permita trabalharem –

respondeu-me.

– Muito bem – disse eu – E onde havemos de arranjar o dinheiro para

tudo isso?

Ao que ele me retorquiu:

– Pedimo-lo pela cidade, nos bancos, no comércio, nas empresas, etc.

Deus me livre de minimizar a importâncias de tais palavras e disse:

– Muito bem, é isso mesmo que vamos fazer.

Este episódio ensinou-me muito. Foi mais uma ocasião que deu sentido a

um cristianismo objectivo aplicado á vida concreta.

Ficou determinado. Imediatamente, os cinco ou seis militantes que

éramos, demos, desde logo, provimento à actividade combinada.

Pedimos ajuda nos bancos, nas firmas, às pessoas e não tardou que os

carpinteiros tivessem um telhado novo, algumas máquinas e ferramentas para

retomarem o seu labor.

Tudo partia da formação e da acção objectiva, segundo a doutrina do

evangelho.

As coisas não ficaram circunscritas ao exemplo aqui apontado.

Continuámos, obviamente, nas nossas actividades e, bastante mais adiante, o

Zacarias voltou a ser figura exemplar de grande monta.

É justo e consolador distinguir este meu amigo Zacarias pela sua vontade

férrea e a fé que o levam a uma acção contínua com os olhos no Próximo.

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Anos e anos já passaram e sua obra ainda não terminou. Juntamente com

a sua esposa Maria de Lourdes, eis que se dedicam a vida inteira a uma azáfama

contínua e de uma forma totalmente gratuita. Confesso que já não é só pelo

meu amigo locista, mas a sua obra e dedicação atingem um relevo tal que não

pode ser ignorado.

O Zacarias é um indivíduo forte. Foi remador olímpico do clube dos

Galitos, foi maroto, empregado dos C.T.T, empregado de um banco e, perto da

reforma, fez uma moradia interessante, também porque os pais lhe deixaram

herança. Mas a força do Zacarias é de ordem moral, justiça e amor ao próximo.

Conheço-o muito por esse lado, porque sempre me envolveu na sua conduta

cristã, ainda que a minha prestação não passasse de um conselho aqui e ali.

Há uma longa história a seu respeito; mas, para facilitar, resumo tudo ao

seguinte.

Um dia este meu amigo concorreu a Presidente da Junta e perdeu. Houve

uma notícia de um jornal, O Litoral, que descreve o perfil da sua figura, que me

escuso de enumerar. É que a sua estadia da freguesia de Santa Joana tem

meandros longos e complexos ante a forma de ser cristão e ser ou não aceite

pela Igreja local e Diocesana.

Diz pois o Litoral, de 30 de Outubro de 1997:

“Zacarias Sarrazola Andias

Um candidato à Presidência da Junta de Freguesia de Santa Joana

Zacarias, nome de guerra do tempo dos gloriosos feitos alcançados pelo remo português

nos campeonatos internacionais, não é um aveirense qualquer.

Remador Olímpico do Clube dos Galitos e representante de Portugal no Campeonato

de Remo da Europa é um aveirense vencedor.

Maroto das Tanoeiras sabe que o sal, são muitas vezes lágrimas de sacrifício e de

trabalho árduo debaixo de sol escaldante. É um aveirense sofredor.

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Presidente Diocesano da Liga Católica e Presidente do CENTRO SOCIAL DE

SANTA JOANA, é um homem habituado a ouvir todos aqueles que sofrem, os pobres e os

doentes.

Quem o conhece sabe que Zacarias Sarrazola Andias assim é: vencedor, sofredor

amigo do seu amigo, que luta pelo bem-estar do seu semelhante.”

Seguem-se perguntas do Jornal:

Litoral - Por que concorre à Presidência da Junta de Freguesia de Santa Joana?

Zacarias - O que me move é contribuir para o engrandecimento da freguesia em que

vivo, através de serviços em que porei todo o meu empenho e saber.

As prioridades serão tidas em conta, a seu tempo segundo uma gestão criteriosa de

uma equipa que eu considero idónea e capaz.

(a pergunta seguinte refere o saneamento e águas fluviais)

No ensino (pergunta o Jornal)

Zacarias - Para além do amor e dos carinhos que nos merecem as crianças, elas são

ou devem ser a causa das nossas maiores responsabilidades, em termos de futuro, visto serem,

competentes ou não, os homens de amanhã.

Um agradecimento ao Jornal pela preciosa ajuda.

A OBRA DO ZACARIAS E DA SUA EQUIPA

Como já se viu nesse tempo de concurso à Presidência da Junta, já tinha

sido edificado o Centro Social de S. Joana que recolhia e alimentava 230

crianças, na sua maioria provenientes de famílias de baixos recursos

económicos. Uma boa parte do sustento era ainda compensada com ajudas

particulares. Recordo, por exemplo, uma firma amiga do Zacarias que

contribuía com pão diário para a totalidade daquelas crianças.

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Animado e decidido como é, ele e a sua equipa erigiram:

Creche e jardim Infantil, onde se recolhem 230 crianças;

Lar de Terceira Idade, onde recolhem 30 utentes;

Centro de Dia, vindo a servir 30 utentes;

Assistência Domiciliária, com transporte próprio;

Todo o empreendimento dá emprego a 56 pessoas.

Agosto de 2010 – Nesta data o Zacarias afastou-se.

Nota: O Lar de 3ª Idade foi inaugurado pelo Ministro de Trabalho, O

Presidente da Câmara de Aveiro e diversas individualidades, destacando-se,

entre eles, anteriores presidentes de Câmara (também eles colaboradores de

primeira linha) que muito honraram as pessoas que, ao longo do tempo,

lutaram pela obra concluída.

Conheci os meandros das lutas que houve e a obra, perante Deus e os

homens. É mérito de quem a levou a bom termo e o grande agrado e devoção

do Zacarias é que Deus e o Próximo vejam e sintam, porque foi o prisma que

sempre emoldurou os seus trabalhos.

Tenho dito neste trabalho que o cristianismo não é estático e só tem

sentido enquanto dinâmico e edificante. Esta é maneira visível desse

cristianismo. O Próximo e Deus são o motivo de todos os cuidados e de todos

os projectos, sendo que tudo o mais é secundário.

Sei que as pessoas vêem nestas palavras algo piedosa e, meramente,

religiosa; se o fazem é porque não estão habituadas a olhar a verticalidade da

doutrina de Jesus Cristo. Habituamo-nos a olhar a doutrina como simples

religião de preceitos e ancestrais acomodações supérfluas e secundárias, quando

o cristianismo de Cristo é o cumprir actos de verdade e de amor no meio que

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nos rodeia. É mesmo uma vergonha desenquadrar o cristianismo de Cristo,

desta verdade exigente do Primeiro Mandamento.

Na inauguração acima referida aconteceu um momento insólito e

inesperado: o Zacarias abriu a sessão com a oração do Pai Nosso! Todos,

incluindo o ministro, se puseram de pé perante a oração. Eu mesmo fiquei

estupefacto e pensei, cá para comigo, que eu não faria tal. Não obstante, pude

constatar que aquela assistência tão heterogénea, de pessoas tão desligadas da fé

e do cristianismo activo e perspicaz como é o cristianismo do Evangelho,

respeitaram tal solicitação. Esta oração do Zacarias, no dia da inauguração,

significa um acto de imensa coragem a todos os títulos.

Finalmente o Zacarias pôs termo à sua presença nas lides, da obra pois a

idade já lhe pesa sobre os ombros.

Também porque ninguém acaba nesta obra universal, pelo que todos nós

esperamos o termo final que só a Deus pertence.

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MUDANÇAS RADICAIS

Neste meu trabalho tento focar a minha análise da Doutrina que leio nos

próprios evangelhos e relatá-la. Gostaria de o fazer da forma mais eloquente;

contudo, fá-lo-ei da melhor maneira que souber.

Tenho consciência de que só Deus tem direito a ser o alvo da nossa

adoração, desejando eu que ninguém se atreva, fazendo de si próprio luz que

não tem nem pode ter, como também tenho consciência de que só com Ele,

através d’ Ele, acharemos a solução efectiva dos problemas e ansiedades que

nos enleiam.

Fosse devido à formação cristã católica que recebi dos meus pais e da

Igreja, em Celeirós desde criança (não fui praticante que se recomendasse);

fosse pela libertinagem – enquanto novidade – que, ao tempo, via na marujada;

fosse por eventual vocação escondida, o facto é que, aos vinte e dois anos de

idade, achei que devia ler e estudar, conscientemente, a doutrina dos

evangelhos. Não me movia qualquer objectivo que não fosse conhecer a

doutrina que, afinal, seria um potencial que me vinha da infância. Isto é, agora,

adulto, acreditando em Deus como me foi incutido pelo meu pai e pela minha

mãe (cada um à sua maneira), pensei em conhecer por mim próprio o que

diziam os evangelhos.

Devido ao conhecimento que ia adquirindo, em face do valor racional

que se descobre nas palavras rigorosas e claras e propostas de Cristo, ia-se

desfazendo em mim a vertente religiosa comum, que pratiquei até aos vinte

anos, na minha terra.

Achei que ali se confundia o rigor da verdade da doutrina de Jesus com

gestos e costumes tradicionais, preceitos obrigatórios, estes mesmos mal

cumpridos, e do ponto de vista o amor ao próximo, nem um sinal que visualizasse,

ainda que muito tenuemente, confrontar os fiéis com a mística cristã a nível

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paroquial que é a prática do amor de Deus e do próximo. O amor a Deus e ao

Próximo não se enquadra em sentimentalismos, devoções particulares em

“esmolas caridosas”e ainda numa série de superficialidades em que os cristãos

se apoiam. Explicando melhor: quando um pároco enveredar por um

apostolado que visa o amor do próximo, acontecem duas coisas além do efeito

geral da comunidade: Uma é a consciência deste valor fundamental, a outra, o

padre desperta ou implica com algum Zaqueu4 que por lá exista na comunidade.

De nada servem as palavras do pregador, as festas de Igreja, as velas, as

procissões, etc., que nada dizem da Verdade da Justiça em Jesus Cristo. Daí a

ignorância de tanta gente que a própria Igreja se recusa a não ver, muito menos

a perceber que essa ignorância é resultado da sua própria forma amorfa de

evangelizar. Acho que qualquer paróquia deveria ser considerada terra de

missão.

Depois é o comportamento dos “apóstolos” os padres, mesmo o mais

responsáveis, instalados no conforto que lhes garante a própria Instituição – um

poder e um céu para muitos cristãos –, ninguém consegue ver neles o Apóstolo

convicto que serve no terreno, apenas impulsionado espontânea e habilmente

movido pela chama do amor e pela imitação de Quem lhes dá o ser: Jesus

Cristo.

Lá, pelas terras transmontanas de onde sou oriundo, nunca ouvi tecer, no

terreno apostólico, qualquer reparo frontal nem mesmo a menor esboço de

denúncia, sobre problemas de justiça e tantos eram, essencialmente sobre as

injustiças e desumanidades dos senhores das vinhas e da riqueza que delas

resulta, sobre os seus trabalhadores.

Não se pense que sou contra os ricos, ou contra quem quer que seja.

Nem sequer preciso da sua ajuda para sobreviver. O que está na minha ideia é o

4 Homem rico que, tendo vivido roubando grande parte riqueza que possuía, arrependeu-se, quando elucidado Jesus Cristo.

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desejo de que nos convertamos à exactidão da Verdade da doutrina de Jesus

Cristo.

Visto que não se criam estruturas e normas exigidas pelo Primeiro

Mandamento, acredito que de nada vale o que fazemos, se esse Mandamento

não for a chave exacta do tesouro que procuramos; não será uma missa

dominical que se oferece ao paroquiano que o vai despertar para o seu

crescimento na autenticidade da doutrina de Cristo. Sem o nosso investimento

no rigor daquele Mandamento, o meio degrada-se mais e mais, anarquiza-se,

desinteressa, individualiza e nós vemos que recai sobre as pessoas o véu da

ignorância sobre a Verdade que Jesus veio trazer.

A Verdade de Deus não responsabilizará os ignorantes. Vejo que Jesus

Cristo só nos responsabilizou depois de termos aprendido d’ Ele a sabedoria da

salvação. Será pois de temer as culpas que tivermos nessa ignorância. Deus é

Vida, Vida que se nos dirigiu, para sermos como Jesus, vivos conscientes e

responsáveis.

Na verdade, estive no meio dos acontecimentos, ignorante como toda a

gente da terra e, aos 22 anos de idade, tive ocasião de estudar, observar e

meditar na precisão da palavra de Jesus Cristo. A lógica que apuro é esta: Deus

desceu dos céus para entrar na nossa dimensão e daí sermos ensinados, à luz da

razão e da inteligência, tornando-nos, assim, filhos de Deus conscientes e livres.

No meu decurso de vida, tive ocasião de ser um militante Acção

Católica, essencialmente ligado com o mundo do trabalho, o que me trouxe

promoção seja no sentido espiritual, seja na aplicação concreta do cristianismo

neste sector. Estou a falar de conhecimentos sociais que me eram totalmente

desconhecidos e que me serviram de orientação para toda a vida.

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O CRISTIANISMO, VERTENTE

FUNDAMENTAL EM QUE SE DELINEOU

TODA A MINHA VIDA ATÉ AOS DIAS DE

HOJE, DEPOIS DOS VINTE E DOIS ANOS DE

IDADE.

Sinto-me uma pessoa normal como o comprovam os actos da minha

vida entre toda a gente, também normal; mas há diferenças especiais que, de há

muitos anos, me permitem recusar a vulgaridade ou a superficialidade disto ou

daquilo, o que me permite ser eu próprio na sociedade de consumo.

Olhando simplesmente para a justiça que, transversalmente passa pela

Doutrina de Cristo, e interpretada como sustentação da sociedade, por

exemplo, dar seu a seu dono, jamais virar as costas a que têm dificuldades,

proporcionar ensino para que ninguém seja ignorante, distribuir a riqueza

produzida com equidade, a paz, a tolerância e, ainda, muitas outras regras, a

Doutrina de Jesus Cristo seria a medida como não há outra para fazer uma

sociedade feliz. Uma sociedade de sonho que poucos entendem e de todo

impossível de implantar entre poderosos que, brandindo as suas ideias de Norte

a Sul, de Este a Oeste, matam e destroem a seu belo prazer, pelo

estabelecimento do domínio a que chamam paz.

A Doutrina de Jesus não passa de um sonho na construção desta

sociedade. Repare-se: como pode vingar uma doutrina que, apesar de ter em si

todas a normas próprias fundadas na Verdade, na Justiça e no Amor, num

mundo governado por mentes tenebrosas como as de “A” que decide matar

milhões de pessoas para impor a sua lógica. Outros que, fabricando e vendendo

armas assassinas sorrateiramente a países paupérrimos em vez de os ajudar a

matar a fome e a sede, eis os poderosos. Senhores da guerra e da ordem

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mundial. E tudo em nome da paz… Depois há uma multidão de candidatos á

escala sempre superior, que são os ditadorezinhos traficando em vários

patamares a justiça os direitos e a paz devidas ao Próximo. Quem for pela paz

com sentido da verdade há-de, forçosamente, estar atento e à altura de perceber

que o cristianismo deveria ser uma força contrária à agressividade do mundo

em que vive. Mesmo que pareça impossível, Cristo vive num reino terreno e

ainda que sejamos homens iguais podemos ter estabilidade. Quem é cristão

conta com um espaço no seu Corpo Místico. Os seus escudos de defesa são a

fé, a verdade e o amor. A questão é infinitamente grave e exige muito mais

verdade e definição do que é ser-se cristão.

Entenda-me quem quiser; mas o meu brado vai para o Senhor do Céu e

da terra, por intermédio de Jesus Cristo. Os meus argumentos são originados,

por um lado, do estado feroz que o mundo me sugere, do outro, pela ineficácia

do cristianismo em que estagnámos. A Igreja que Cristo nos deixou está

incapaz de incutir nos cristãos a consciência da própria acção de Cristo, que,

como se viu, é bem a testemunha da situação. Não é com pobres panaceias que

a Igreja se revê; fazer igrejas, turismos, cantigas, discursos, autoridade duvidosa,

ilusões das douradas procissões, velas, sentimentos, simbolismos, etc. Por fim,

um poder próprio, também, força organizada e fechada em si própria, da qual

saem “autoridades” com estatuto tal que os desliga do trabalho efectivo

daqueles de quem vivem desligados.

Na verdade esses, os ditos ministros das Igreja, não estão capazes de

fazer entender que os cristãos não podem dormir à beira do abismo

ingloriamente, ou mesmo estupidamente. Eles têm que perceber que foi a este

mundo de trevas que Jesus veio, segundo os desígnios de Deus Pai, e que o

grau exacto dos nossos comportamentos está na necessidade de alinhar as

nossas consciências pelos sofrimentos que este mundo causou a Jesus Cristo.

“Veio ao que era seu e os seus não o receberam” (João 1,11).

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“O meu reino não é deste mundo” Diz Jesus. (os filhos das trevas são mais

espertos…

O que quero dizer é que não é com vida flauteada, nem com artefactos,

nem mesmo com artes de orador que enfrentamos o mundo onde Jesus se

exprimiu e morreu.

Dispa a Igreja todos os adornos materiais em que se apoia e Evangelize!

A toada é de estagnação, oferendo aos crentes uma religião de preceitos

obrigatórios e altar, sabendo-se claramente que o cristão há-de promover-se

para vir a entender quem é Jesus Cristo e porque motivos O seguem. Mas há

um outro aspecto fundamental que o lembrarei aos que têm a responsabilidade

de ensinar e de dar o exemplo. Não vou deixar passar o momento sem referir o

que é o cristianismo da Doutrina. Amar a Deus com todas as forças que

tivermos, apoiados numa consciência responsável e de onde resulte uma

aprendizagem e uma formação básica do que é amar o próximo como a nós

mesmo, numa paróquia.

Esta questão do Primeiro Mandamento encerra todo o conteúdo do

cristianismo e não pode ser molestado com filosofias de letrados e puristas

religiosos, doutores e tantos debruçados sobre o ponto a ponto mais alto da

perfeição humana. O amor do Evangelho é, por condição, espontâneo. Por

exemplo, é diferente um padre que só reza de um outro que dá conta que

andam na rua rapazes e raparigas á deriva e resolve tirar tempo à oração e vai

atrás deles, como fez o conhecidíssimo Padre Américo. O primeiro padre, não

passa de um funcionário, que se limita a rezar uma missa ou presidir a um

funeral, ou passar a sua vida no culto e na pregação da ordem.

Levar a Igreja de Cristo a ser considerada uma simples Entidade a

respeitar entre outras, em nada se identifica com o perfil de Jesus Cristo.

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“Pai, não te peço que os tires do mundo, mas que se convertam e vivam” Oração de

Jesus por nós. Mas a conversão que se pede em Jesus, é sem dúvida à altura da

sua postura.

Desde os vinte anos de idade, achei que o cristianismo deveria ser o

caminho das sociedades, atendendo a que a Doutrina de Jesus tem todos os

dados para satisfazer à ciência pacífica deste nosso convívio humano. A sua

Verdade e a sua Justiça seriam a garantia da sustentação humana e limpeza de

que o mundo precisa.

Essa verdade e essa justiça não são, ainda, o tesouro que os cristãos

venerem diante de Deus. Não será por seremos ou parecermos muitos e não

creio em vanglórias extraídas de estatísticas – isso pode interessar apenas à

Hierarquia Católica, por questões do ponto de vista sócio/político –; mas, o

cristianismo de Cristo nunca pode servir como bandeira ou alienação de

massas, pois tem uma mística própria. Até porque “São muitos os que rezam e

poucos os escolhidos” “Nem todo o que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus” ou se

temos de conhecer alguém, “conhecê-los-eis pelas suas obras”.

Não andará porventura a Igreja a pensar e a agir em moldes de

sobrevivência?

Um dia Jesus Cristo considerou que poderia ficar só, em que Ele se

manteria firme na sua (fé) em Deus Pai e achou que todos poderiam ir embora,

até mesmo os apóstolos, se estes mesmos não acreditassem na profundidade do

rigor da sua palavra. Então, a igreja que vale é aquela que põe todo o seu

empenho na qualidade (através da evangelização) e não na quantidade. Homens

livres e descomprometidos, homens que não mintam a Deus nem aos outros

homens, e que se afirmem através da verdade que pratiquem. Isto que penso

poderá ser apenas uma visão ingénua, louca, para muitos, talvez.

Mas isso mesmo se pode dizer da pessoa de Cristo que veio à terra

sabendo que vinha para sofrer e que muito poucos O seguiriam.

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Mas veio, no cumprimento da vontade do Pai, e feito Salvador e

Caminho nosso, para estar connosco até ao fim dos tempos.

Nessa data, nada nem ninguém turvará as palavras que os homens agora

não escutam. Então, a grande importância da sua vinda foi anunciar e ensinar

ao mundo uma sabedoria que o mundo não conhecia e que foi ouvida ao nível

da nossa inteligência, ainda que se trate da sabedoria divina. Ficamos a saber

que somos filhos dilectos de Deus, mas também que, com Cristo, seremos

colaboradores seus, ao continuar, no tempo, a missão redentora de Seu Filho.

Em verdade, ensinou-nos e disse como servir os planos do Deus Altíssimo –

nascendo de novo.

Isto traz à minha mente a verdadeira dimensão do cristianismo: ser

colaborador, sem que o materialismo nos absorva ou contamine.

É nesta prospectiva que dirijo a minha visão das coisas.

De algum modo considero que consegui incluir na minha vida o cristianismo de que falo. Penso que venci! J. Morais