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106 v24 DE ABRIL DE 2008 «O processo tem de ser feito de forma sustentada para as pessoas não entrarem em desespero e nós conseguirmos dar res- posta», diz o director do centro, Arman- do Reis, 47 anos. Não se esperem, porém, milagres. «A região não tem capacidade para absorver desempregados em bloco. Não há uma almofada porque não surgi- ram outras indústrias. Nos últimos anos, os postos de trabalho criaram-se sempre à custa da Delphi.» A ESPANHA TÃO PERTO Na Guarda-Gare, bairro dos arrabaldes onde estão situados os pavilhões da Delphi, não se dá um passo sem se trope- çar num empregado da fábrica de cablagens. Ou num ex-emprega- do. Alguns foram obrigados a sair, como Maria Aurora, 57 anos, que encontramos na peixaria do mer- cado municipal logo pela manhã. As tendinites valeram-lhe uma guia de marcha para a fisioterapia ao fim de 14 anos de casa, conta enquanto compra peixe para a caldeirada do almoço. «Se aquilo fecha... Deus nos guarde!» O tema não é novidade para o dono da peixaria, Luciano Amaral, 61 anos. «Era o caos», vaticina sobre um hipotético encer- ramento da Delphi. «É que já não temos nada na Guarda. Fechou a Manuel Tava- res, fechou a Supol, o Banco de Portugal foi para Viseu, a Universidade para a Covilhã, o quartel para Castelo Branco...» Hoje os postos de trabalham continuam a ser criados à custa da Delphi, mas o mais comum é as pessoas assinarem contratos de apenas um mês porque a multinacional funciona por projectos (a Adecco e a Vedior, empresas de trabalho temporário, até têm escritórios dentro da fábrica da Guarda). 1 776 (número de postos de trabalho perdidos) Lear Corporation – A empresa do sector automóvel despediu trabalhadores em Valongo, Palmela e Póvoa do Lanhoso 1 750* Delphi – As reduções de pessoal e as deslocalizações começaram em 2001 e passaram pelas unidades de Carnaxide, Linhó e Guarda, agora ameaçada de mais despedimento. A unidade de Ponte de Sôr será encerrada em 2009. A empresa chegou a ter quase 7 mil empregados distribuídos por seis fábricas e dois centros de engenharia. 1 686 Indelma/Alcoa Fujikura – As deslocalizações para países do Leste europeu, como a Hungria ou a Lituânia, deixaram o Seixal mais pobre. A empresa convidou os trabalhadores portugueses despedidos a darem formação aos colegas da Hungria. 1 100 General Motors – A fábrica da Opel da Azumbuja mudou- -se para Saragoça devido aos custos logísticos. Por cá, além dos directamente afectados, perderam-se cerca de 400 postos de trabalho indirectos 908 Yasaki Saltano – A indústria eléctrica japonesa deixou Ovar e Vila Nova de Gaia, culpando a fraca conjuntura económica mundial, mas mudou-se de armas e bagagens para o Leste da Europa e para Marrocos 875 Johnson Controls – Os empregos que já não serviam em Portugal foram dados aos trabalhadores do Leste, onde a empresa tem mais de 17 fábricas. Por cá sofreram as populações de Nelas e de Portalegre 740 Texas Instruments – A multinacional de equipamento electrónico deslocalizou a produção para a Hungria, em 1999. Foi obrigada a devolver ao Estado português 16,2 milhões de euros 700 Casa Hipólito – A metalúrgica de Torres Vedras faliu em 1999 mas só cinco anos depois, e após várias tentativas, se conseguiu leiloar a propriedade para pagar as indemnizações aos trabalhadores 700 Renault – Mais um vez a mão-de- -obra barata do Leste da Europa penalizou os trabalhadores portugueses, desta feita na península de Setúbal. Com o encerramento da fábrica, empresas que forneciam a marca francesa foram também penalizadas. 640 Teviz/Petratex – A fábrica de têxteis e produtos decorativos sediada em Vizela anda, desde 1999, com a trouxa às costas entre o Leste da Europa e o Norte de África * Inclui despedimentos anunciados na Guarda e em Ponte de Sôr PEDRO SANTOS Os 10 maiores ‘despedidores’ da década FONTE Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), dados de 2006 a 2008, e Sobreiro 19 – Associação de Solidariedade com as Vítimas de Falências, dados de 1998 a 2003 e imprensa portuguesa. Para o período 2004-2005 não há valores disponíveis, já que o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, o Ministério da Economia e Inovação e o Instituto Nacional de Estatística não recolhem este tipo de informação. Cristina Afonso e Céu Lopes As duas amigas tentam não pensar muito na «hipótese de despedimento» DESEMPREGO SOCIEDADE

dez maiores despedidores da década

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(número de postos de trabalho perdidos) Lear Corporation – A empresa do sector automóvel despediu trabalhadores em Valongo, Palmela e Póvoa do Lanhoso 1 750* 1 686 1 776 Yasaki Saltano – A indústria eléctrica japonesa deixou Ovar e Vila Nova de Gaia, culpando a fraca conjuntura económica mundial, mas mudou-se de armas e bagagens para o Leste da Europa e para Marrocos 1 100 As duas amigas tentam não pensar muito na «hipótese de despedimento» 106 v 24 DE ABRIL DE 2008 PEDRO SANTOS

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106 v 24 DE ABRIL DE 2008

«O processo tem de ser feito de forma sustentada para as pessoas não entrarem em desespero e nós conseguirmos dar res-posta», diz o director do centro, Arman-do Reis, 47 anos. Não se esperem, porém, milagres. «A região não tem capacidade para absorver desempregados em bloco. Não há uma almofada porque não surgi-ram outras indústrias. Nos últimos anos, os postos de trabalho criaram-se sempre à custa da Delphi.»

A ESPANHA TÃO PERTONa Guarda-Gare, bairro dos arrabaldes

onde estão situados os pavilhões da Delphi, não se dá um passo sem se trope-çar num empregado da fábrica de cablagens. Ou num ex-emprega-do. Alguns foram obrigados a sair, como Maria Aurora, 57 anos, que encontramos na peixaria do mer-cado municipal logo pela manhã. As tendinites valeram-lhe uma guia de marcha para a fi sioterapia ao fi m de 14 anos de casa, conta enquanto compra peixe para a caldeirada do almoço. «Se aquilo fecha... Deus nos guarde!»

O tema não é novidade para o dono da

peixaria, Luciano Amaral, 61 anos. «Era o caos», vaticina sobre um hipotético encer-ramento da Delphi. «É que já não temos nada na Guarda. Fechou a Manuel Tava-

res, fechou a Supol, o Banco de Portugal foi para Viseu, a Universidade para a Covilhã, o quartel para Castelo Branco...»

Hoje os postos de trabalham continuam a ser criados à custa da Delphi, mas o mais comum é as pessoas assinarem contratos de apenas um mês porque a multinacional funciona por projectos (a Adecco e a Vedior, empresas de trabalho temporário, até têm escritórios dentro da fábrica da Guarda).

1 776 (número de postos de trabalho perdidos)Lear Corporation – A empresa do sector automóvel despediu trabalhadores em Valongo, Palmela e Póvoa do Lanhoso

1 750*Delphi – As reduções de pessoal e as deslocalizações começaram em 2001 e passaram pelas unidades de Carnaxide, Linhó e Guarda, agora ameaçada de mais despedimento. A unidade de Ponte de Sôr será encerrada em 2009. A empresa chegou a ter quase 7 mil empregados distribuídos por seis fábricas e dois centros de engenharia.

1 686Indelma/Alcoa Fujikura – As deslocalizações para países

do Leste europeu, como a Hungria ou a Lituânia, deixaram o Seixal mais pobre. A empresa convidou os trabalhadores portugueses despedidos a darem formação aos colegas da Hungria.

1 100General Motors – A fábrica da Opel da Azumbuja mudou--se para Saragoça devido aos custos logísticos. Por cá, além dos directamente afectados, perderam-se cerca de 400 postos de trabalho indirectos

908Yasaki Saltano – A indústria eléctrica japonesa deixou Ovar e Vila Nova de Gaia, culpando a fraca conjuntura económica mundial, mas mudou-se de armas e bagagens para o Leste da Europa e para Marrocos

875Johnson Controls – Os empregos que já não serviam em Portugal foram dados aos trabalhadores do Leste, onde a empresa tem mais de 17 fábricas. Por cá sofreram as populações de Nelas e de Portalegre

740Texas Instruments – A multinacional de equipamento electrónico deslocalizou a produção para a Hungria, em 1999. Foi obrigada a devolver ao Estado português 16,2 milhões de euros

700Casa Hipólito – A metalúrgica de Torres Vedras faliu em 1999 mas só cinco anos depois, e após várias tentativas, se conseguiu leiloar a propriedade para pagar as indemnizações aos trabalhadores

700Renault – Mais um vez a mão-de--obra barata do Leste da Europa penalizou os trabalhadores portugueses, desta feita na península de Setúbal. Com o encerramento da fábrica, empresas que forneciam a marca francesa foram também penalizadas.

640Teviz/Petratex – A fábrica de têxteis e produtos decorativos sediada em Vizela anda, desde 1999, com a trouxa às costas entre o Leste da Europa e o Norte de África

* Inclui despedimentos anunciados na Guarda e em Ponte de Sôr

PEDRO SANTOS

Os 10 maiores ‘despedidores’ da década

FONTE Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), dados de 2006 a 2008, e Sobreiro 19 – Associação de Solidariedade com as Vítimas de Falências, dados de 1998 a 2003 e imprensa portuguesa. Para o período 2004-2005 não há valores disponíveis, já que o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, o Ministério da Economia e Inovação e o Instituto Nacional de Estatística não recolhem este tipo de informação.

Cristina Afonso e Céu LopesAs duas amigas tentam não pensar muito na «hipótese de despedimento»

DESEMPREGO SOCIEDADE