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Dia-Logos REVISTA DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Nº 4 | OUTUBRO DE 2010 Miolo Revista OK.indd 1 29/09/2010 15:57:15

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Dia-LogosREVISTA DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Nº 4 | OUTUBRO DE 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ReitorRicardo Vieiralves de Castro

Vice-ReitoraMaria Christina Paixão Maioli

Sub-Reitora de GraduaçãoLená Medeiros de Menezes

Sub-Reitora de Graduação e PesquisaMonica da Costa Pereira Lavalle Heilbron

Sub-Reitora de Extensão e CulturaRegina Lúcia Monteiro Henriques

Diretor do Centro de Ciências SociaisDomênico Mandarino

Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências HumanasJosé Augusto de Souza Rodrigues

Coordenadora Geral do Programa de Pós-Graduação em HistóriaMaria Teresa Toríbio B. Lemos

D536 Dia-Logos - RJ. - vol.1 nº1 (2004) - . - Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004 -

v. Anual Dia-Logos - Revista dos alunos de Pós-Graduação em História da UERJ, nº4, 2010. ISSN 1414-9109

1. História - Periódicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

CDU: 981 (05)

CATALOGAÇÃO NA FONTEUERJ / REDE SIRIUS / CCS / A

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Dia-LogosREVISTA DOS ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Nº 4 | OUTUBRO DE 2010

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANASPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

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Conselho Consultivo (UERJ)André Nunes de Azevedo; Antônio Edmilson Martins Rodrigues; Edgard Leite Ferreira Neto; Eliane Garcindo de Sá; Lená Medeiros de Menezes; Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves; Lucia Maria Paschoal Guimarães; Márcia de Almeida Gonçalves; Maria Regina Cândido; Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos; Marilene Rosa Nogueira da Silva; Miriam Gomes Saraiva; Ricardo Antônio Souza Mendes; Silvio de Almeida Carvalho Filho; Tânia Maria T. Bessone da Cruz Ferreira; Williams da Silva Gonçalves.

Conselho Consultivo (professores convidados)Adriano de Freixo (PPGEST-UFF); Álvaro de Araujo Antunes (UFV/UFOP); Antonio Marcelo Jackson Ferreira da Silva (UFOP); Carlos Fico da Silva Júnior (UFRJ); Célia Cristina da Silva Tavares (UERJ-FFP); Francisco Carlos Palomanes Martinho (USP); Guilherme P. C. Pereira das Neves (UFF); Helena Miranda Mollo (UFOP); Marco Antônio Silveira (UFOP); Maria Letícia Corrêa (UERJ/FFP); Ricardo Henrique Salles (UNIRIO); Rebeca Gontijo Teixeira (UFRRJ); Ronaldo Vainfas (UFF); Silvia Carla Pereira Brito Fonseca (UNIRIO).

Conselho EditorialGustavo Pinto de Sousa, Isadora Tavares Maleval, Júlia Ribeiro Junqueira, Roberta Ferreira Gonçalves, Sheila Conceição Silva Lima e Veronica Castanheira Machado.

Projeto gráfico editorialVeronica Machado | www.designimagico.com.br

Desenho de capaGabriel Costa Labanca

RevisãoGustavo Pinto de SousaRoberta Ferreira GonçalvesSheila Conceição Silva Lima

CorrespondênciaRua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F - 9º andar - sala 9037Maracanã - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20550-013Tel./Fax.: 21 2587-7746 - e-mail: [email protected]

Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a posição da editoria ou da instituição responsável por esta publicação.

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ÍNDICE

Apresentação

Editorial

Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes eleitorais no início do século XX. Ana Vasconcelos OttoniUniversidade Federal Fluminense

A Restauração na Bahia: um estudo sobre as relações entre os poderes do centro e o poder local (1644-1645).Érica Lôpo de AraújoUniversidade Federal Fluminense

Cultura Política e Cidadania no Brasil (1986-2002): A construção de uma visão de mundo neoliberal.Flávio Henrique Calheiros CasimiroUniversidade Federal de São João Del-Rei

Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espaço de tradição e de modernidade nas primeiras décadas do século XX.Luciene Pereira Carris CardosoUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

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O homem, o papel e a estrela: de como o exército revolucionário do povo escreveu aos argentinos.Marina Maria de Lira RochaUniversidade Federal Fluminense

A Ordem Beneditina e o Governo: acordos e conflitos na Corte Imperial.Paulo Henrique Silva PachecoUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

Nas Sombras da Libertinagem - reflexões iniciais sobre a trajetória de Francisco de Mello Franco (1757-1822).Rossana Agostinho NunesUniversidade Federal Fluminense

Práticas Políticas e Sociabilidade Intelectual na Bahia: 1940-1950.Vanessa Magalhães da Silva Universidade Federal da Bahia

Resumos | Abstracts

Normas Editoriais

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APRESENTAÇÃO

A Revista DIA-LOGOS, produção do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ, está classificada no Qualis da área de História da Capes no extrato B5. A publicação consiste, exclusivamente, na produção das pesquisas de mestrandos e doutorandos do Programa. A atuação do corpo discente do Programa de Historia da UERJ foi reconhecida na ultima avaliação trienal da Capes (2007/2009), com a qualificação de Muito Bom. E essa atuação se revela no número atual da Revista DIA-LOGOS. DIA-LOGOS consolida o coroamento do êxito da Semana de História Política organizada anualmente pelo corpo discente do Programa. O evento realizado pelos alunos envolve também a participação de discentes de diversos cursos de Pós-Graduação do país. Da articulação entre a Semana de História Política e a apresentação dos resultados dos estudos realizados emerge a Revista DIA-LOGOS, representando uma proposta inovadora e a eficácia dessa associação para o sucesso do PPGH e da Revista discente. Entre os 100 artigos apresentados, 21 foram selecionados pelos pareceristas e oito indicados para a publicação. Os artigos atendem às diversas propostas teórico-metodológicas da História Política, revelando a excelência da natureza da pesquisa histórica desenvolvida no país e especialmente, no Estado do Rio de Janeiro, apontando questões singulares da renovada História Política. Entre os artigos contemplados destacam-se os seguintes: Ana Vasconcelos Ottoni, que escreveu sobre Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro. Nesse artigo, a autora discute questões sobre criminalidade e fraudes eleitorais no Rio de Janeiro. Destaca a relação da imprensa com a expansão da criminalidade e o relacionamento dos criminosos e da polícia com os políticos por meio de fraudes eleitorais. O texto de Flávio Henrique Calheiros Casimiro - Cultura Política e cidadania no Brasil (1986-2002): a construção de uma visão de mundo neo-liberal - trata da temática cultura política, cidadania e neoliberalismo. O autor enfatiza a problemática da redefinição do conceito de cidadania no Brasil, fundada na valorização da imagem e do consumo. Marina Maria de Lira Rocha, em seu texto O homem, o papel e a estrela: de como o exército revolucionário do povo escreveu aos argentinos,

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8 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.4, Outubro de 2010

Apresentação

discute questões sobre a Argentina, a Guerrilha e a Subversão, através das publicações do ERP, em 1975 e o Golpe Militar em 1976. Em seu texto Nas sombras das Libertinagens: reflexões iniciais sobre a trajetória de Francisco de Mello Franco, a autora Rossana Agostinho Nunes discute os problemas referentes ao Iluminismo. Érica Lôpo de Araújo - Em A Restauração na Bahia: um estudo sobre as relações entre os poderes do centro e o poder local (1644-1645), a autora trata de questões pontuais como poder e negociação, a partir de um conflito envolvendo membros do poder eclesiástico. Luciene Pereira Carris Cardoso em a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espaço de tradição e modernidade nas primeiras décadas do século XX, analisa questões relativas à história institucional, território e a sociedade de geografia nas primeiras décadas do século XX. As questões sobre Política, Sociabilidade Intelectual na Bahia no século XX são objeto de discussão de Vanessa Magalhães da Silva em seu artigo Práticas políticas e sociabilidade intelectual na Bahia: 1940-1950. Paulo Henrique Silva Pacheco reflete sobre a congregação Beneditina, a crise monástica no Rio de Janeiro em A Ordem Beneditina e o Governo: acordos e conflitos na Corte Imperial. O Conselho Editorial foi formado pelos alunos Gustavo Pinto de Sousa, Isadora Tavares Maleval, Júlia Ribeiro Junqueira, Roberta Ferreira Gonçalves, Sheila Conceição Silva Lima e Veronica Castanheira Machado. O Conselho foi ampliado para atender ao desafio de manter a periodicidade da Revista. Assim, durante a Abertura da V Semana de História será lançado o quarto número da DIA-LOGOS, contemplando os trabalhados do simpósio anterior. A expressiva participação dos professores do colegiado e de professores convidados tornou-se fundamental para a avaliação dos artigos e viabilização deste número da Revista. A Coordenação Geral sente-se honrada em apresentar mais uma produção do corpo discente do Programa e parabeniza a integração acadêmica entre professores e alunos do PPGH/UERJ por essa iniciativa.

Maria Teresa Toríbio Brittes LemosCoordenadora Geral do PPGH/UERJ

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EDITORIAL

É chegada a hora de mais uma edição da revista Dia-Logos. Alegramo-nos por mais um triunfo em nosso Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Esse esforço que se deve ao trabalho voluntário e árduo de alunos, professores e servidores do supracitado programa, como a colaboração de docentes de outras instituições que nos privilegiam com sua presença e participação. Esse longo caminho, que a cada ano está mais consolidado, começa com a organização da Semana de História Política dos alunos do PPGH/UERJ, que nesse ano de 2009 alcançou o patamar de Seminário Nacional de História, pois envolveu não apenas pesquisadores do Estado do Rio de Janeiro e suas instituições de Ensino Superior, mas, pesquisadores de todo o Brasil. Evento que cresce a cada ano e que neste, de 2009, alcançou a marca de 180 inscritos. Trabalhos que denotam qualidade e diálogo com a História Política, o que muito nos tem feito avançar enquanto Programa e espaço de difusão, discussão e consolidação de novos pesquisadores, já que a Semana é um evento voltado para pesquisadores discentes. É importante salientar, que essas variedades de proposições contribuem diretamente para o aprimoramento das trocas intelectuais, feitas no Seminário, o que influencia diretamente na qualidade da Revista Dia-Logos. Aqui se encontram os artigos de maior qualidade, selecionados após criteriosa análise realizada por nosso Conselho Consultivo, formado por professores doutores de instituições de excelência. Como revista discente, a Dia-Logos cumpre o papel de difundir e fazer circular alguns dos melhores trabalhos historiográficos, apresentados pelos nossos jovens pesquisadores. Dessa forma, não se delimita temáticas para esse periódico. A nós cabe o papel de promover o conhecimento dos novos trabalhos que se desenvolvem na academia, as mais interessantes pesquisas desenvolvidas por jovens talentos, da mais variada gama de assuntos, de acordo com os pareceres de especialistas nos mesmos temas. Sendo assim, a Dia-Logos comporta artigos que tratam da abordagem da História Política, como dos demais domínios da História. Da mesma forma, é possível encontrar pesquisas cujo enfoque se aproxima da História Moderna ou da História Contemporânea, sobre conceitos, idéias ou movimentos de longa duração.

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10 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.4, Outubro de 2010

Editorial

Ambientados na América, na Europa ou na África. Não podemos negar que os artigos, em sua maioria, ainda sejam artigos referentes às pesquisas realizadas no âmbito de nosso Estado do Rio de Janeiro. Estamos crescendo e nesse quarto ano de revista, somos brindados com dois textos de Estados co-irmãos: Bahia e Minas Gerais. Dessa forma, acreditamos que cresceremos ainda mais nas próximas edições. Imprimir uma revista acadêmica no mundo virtual de hoje pode parecer ultrapassado. Contudo, sem nostalgias e retrocessos, queremos resguardar a história como há milênios os papiros do Egito e do mar Morto se conservam. Apesar da importância do aparato tecnológico, o livro ainda guarda todo o seu encanto e permanece como o maior suporte de memórias. No entanto, também não queremos nos afastar do processo da internet, pelo contrário. Estamos trabalhando, com muito empenho para a indexação da revista no portal da UERJ. Processo aprovado e conquistado nesta gestão de 2009/2010. Como também a Dia-Logos já conta com seu site próprio www.revistadialogos.net, onde, igualmente, se disponibilizará os números das revistas passadas e as novas produções. E hoje, a Revista Dia-logos conta com a recomendação B5 de acordo com a avaliação do Qualis da Capes. Portanto, é muito relevante imprimir, anualmente esse periódico, difusor de novas pesquisas e pesquisadores, e distribuí-lo entre os principais programas de pós-graduação em História do país e quiçá do exterior. Esperamos que apreciem a revista e mais uma vez agradecemos a todos que participaram desse imenso e árduo trabalho, mas de grande importância para a divulgação da pesquisa científica no Brasil, através da revista Dia-Logos.

Boa Leitura!Conselho Editorial

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Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes eleitorais no início do século XX

Ana Vasconcelos Ottoni*

“Bandidagem à solta”. “Paraíso dos ladrões” . “Roubos sobre roubos”1 . Títulos de notícias de crimes como esses eram estampados com freqüência nas primeiras páginas da Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil e Correio da Manhã no início do século XX. Nestas notícias, os repórteres policiais buscavam mostrar que o Rio de Janeiro, Capital da República, estava sendo infestado por ladrões, salteadores e criminosos que efetivavam seus crimes a qualquer hora do dia, nos mais variados espaços da cidade. Segundo tais jornalistas, os crimes ampliavam-se e sofisticavam-se devido a fatores como o que classificavam de “ lado perverso da modernidade” que teria engendrado no Rio “uma classe de ladrões aperfeiçoados”2 . A falta ou deficiência no policiamento também seria uma das razões dessa expansão, o que facilitava a ação dos criminosos na cidade3 . Mas como os repórteres policiais eram profissionais sintonizados com o universo político da época -como veremos mais adiante deste texto-, atribuíam também à expansão da criminalidade no Rio de Janeiro ao relacionamento dos políticos com os criminosos e a polícia. Isso porque alegavam que os “chefes políticos”, ao buscarem conquistar votos a todo custo por meio das fraudes eleitorais, contratavam ladrões e bandidos para provocar “desordens” em épocas de eleição e, em troca disso, esses políticos lhes davam proteção, o que estimulava os criminosos a cometer mais crimes no Rio. Por sua vez, a polícia, por convivências políticas e por manter relações “escusas” com determinados políticos , protegeria a mando destes últimos, tais criminosos, absolvendo-os da prisão4.

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Ana Vasconcelos Ottoni

Mas afinal quem eram os repórteres policiais que escreviam essas notícias? Tal questão é difícil de ser respondida na medida em que os jornalistas policiais não assinavam suas reportagens. Contudo, através da obra de Eduardo Coutinho sobre as crônicas carnavalescas da Primeira República5, o autor nos oferece pistas sobre quem eram os repórteres de crimes. Neste estudo, Coutinho identificou em muitas crônicas carnavalescas da época-que eram assinadas-que alguns repórteres policiais eram cronistas carnavalescos e possuíam em geral uma origem humilde, a exemplo do repórter Francisco Guimarães (1877-1947) - conhecido pelo pseudônimo Vagalume -, jornalista do Jornal do Brasil, negro e filho de pais pobres. Apesar de não terem tido formação acadêmica de nível superior, tais jornalistas conheciam os problemas políticos e eleitorais que assolavam o país. Possivelmente adquiriram tal conhecimento a partir de suas próprias vivências cotidianas com a política e de seus contatos com os populares nas ruas, através das entrevistas que faziam com diferentes tipos de personagens (vítimas, criminosos, testemunhas etc) envolvidos nos crimes, dos múltiplos relatos que circulavam na cidade e de informações da polícia. Ao fazerem suas reportagens nas ruas do Rio de Janeiro a partir dos anos de 1900, - período no qual os repórteres passaram a se deslocar do prédio da redação para as ruas em busca de acontecimentos e personagens criminais6 -, iam em épocas eleitorais até os locais de votação da cidade, para procurar notícias sobre bandidos que estariam mancomunados com determinados chefes políticos. Afinal, os jornalistas sabiam que as eleições na Capital da República eram decididas por bandos que atuavam em determinados pontos da cidade e alugavam seus serviços aos políticos7. Contudo, os jornalistas policiais não só conheciam bem tais fatos, como também muitos deles comentavam as ocorrências de fraudes eleitorais da época, condenando-as e estabelecendo relações intrínsecas entre a expansão da criminalidade do Rio

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Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes eleitorais no início do século XX.

de Janeiro e o relacionamento de certos políticos- que segundo eles cometiam tais fraudes- com os criminosos e a polícia. Diante disso, propunham mudanças eleitorais e políticas no país, além de reformas na polícia da época como a adoção no Rio de Janeiro de uma polícia de carreira, o que na opinião de tais repórteres, acabaria com a politicagem na organização policial e garantiria uma atuação mais rigorosa das autoridades policiais no combate ao crime, como veremos mais adiante deste texto. Assim, pode-se dizer que esses jornalistas utilizaram muitas de suas notícias de crimes publicadas nos jornais cariocas como instrumentos de ação política8 e não somente como meios para entreter a população com histórias sensacionalistas de fugas espetaculares de bandidos ou de policiais que corriam atrás dos assaltantes, criminosos e ladrões da cidade. Ao partirmos de tal perspectiva de análise, este estudo busca examinar como a imprensa carioca, através dessas publicações, tratava a relação entre a expansão da criminalidade no Rio de Janeiro do início do século XX e o relacionamento dos criminosos e da polícia com os políticos, em meio às fraudes eleitorais da época. Investiga também como os jornais articulavam a discussão sobre tal relacionamento e a criminalidade com as suas posições em relação às candidaturas presidenciais de marechal Hermes da Fonseca e Rui Barbosa na campanha eleitoral de 1909 e 1910. Para examinarmos estes dois objetivos, selecionamos como corpus documental do estudo os jornais “populares” Correio da Manhã , Jornal do Brasil e Gazeta de Notícias9 por serem uns dos principais periódicos da cidade que divulgavam com vigor as notícias de crimes, chegando por vezes a ocupar a primeira página do jornal, com títulos muitas vezes redigidos em letras grandes e em negrito para chamar atenção de seus leitores. Assim, essas notícias serão as principais fontes deste trabalho. Além delas, utilizaremos também os artigos do advogado e redator-chefe do Correio da Manhã Gil Vidal - jornalista de confiança do proprietário do Correio da Manhã , o

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advogado Edmundo Bittencourt10 - sobre os crimes na cidade carioca publicados no referido impresso em 1909 e 1910. Através da leitura dessas fontes, percebemos como os jornalistas se preocupavam com o crescimento da criminalidade na capital, uma vez que tal a expansão foi vista na época como um entrave à construção de um Rio de Janeiro que se queria moderno, europeizado, capaz de ser o cartão-postal da República.11 Porém, os repórteres policiais não somente se preocupavam com tal questão, mas também com a situação política pela qual passava a cidade. Isso porque alegavam que a capital estava sendo habitada por políticos corruptos que por interesses eleitorais, se aliavam aos criminosos e a polícia para conseguir efetuar ações fraudulentas nas eleições. Diante de tal situação, os jornalistas, em muitas de suas publicações, buscavam atacar com veemência a falta de punição na sociedade no que tange às ocorrências de fraudes eleitorais da época . Além disso, salientavam como essa impunidade fazia aumentar o número de crimes no Rio. Segundo os repórteres policiais, os políticos corruptos que se candidatavam às eleições na capital sempre contratavam os serviços dos criminosos para fraudar as eleições, pois estavam cientes de que não seriam punidos , e os bandidos por sua vez, sabedores de que seriam protegidos por tais políticos, cometiam os mais variados crimes no Rio , inclusive nas ruas mais centrais da cidade, sem temer a prisão.12 Um dos jornalistas do período que escreveu sobre tal relacionamento dos políticos com os criminosos foi Gil Vidal. Através de títulos sugestivos publicados no Correio da Manhã como a “Impunidade triunfante”13, Vidal chamava atenção da falta de punição no Brasil em relação aos políticos que fraudavam as eleições e aos criminosos da cidade. Falava com tom de indignação sobre os “malfeitores e desordeiros” que praticavam na capital “toda a sorte de crimes”, porque eram “instrumentos de chefes políticos” que lançavam “mão da intimidação e da violência” para conquistar votos a todo custo.

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Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes eleitorais no início do século XX.

As relações entre políticos e criminosos e, a ocorrência das fraudes eleitorais da época eram assim acompanhadas com vigor pela imprensa, que se dizia indignada diante da dissolução dos princípios democráticos no país. Segundo um repórter policial da Gazeta de Notícias, tais princípios estavam sendo “substituídos por hábitos e práticas que só se podiam se filiar ao caudilhismo manejador do suborno, da prepotência de todas as perigosas armas ilícitas”que viciavam a administração.14 Nestas publicações, os repórteres buscavam intervir politicamente na sociedade, já que ressaltavam a necessidade de se moralizar os costumes políticos, eleitorais e administrativos vigentes.Vale notar que esse discurso circulava pelos impressos há pelo menos uma década antes do movimento tenentista da década de 1920 ter reivindicado tal moralização na política brasileira.Em tal discurso, muitos repórteres policiais propunham a reformulação da lei eleitoral para que houvesse punição aos envolvidos nas fraudes e violências eleitorais da época, como salientou um repórter da Gazeta de Notícias em 1909.15 Com isso, alegavam que os políticos teriam mais temor de se aliar e proteger a bandidagem em troca de “favores eleitorais”. Em conseqüência disso, a criminalidade no Rio- ressaltavam os repórteres- diminuiria drasticamente. Além das severas críticas que faziam à falta de punição no Brasil em relação às práticas eleitorais fraudulentas e aos “políticos corruptos” que orquestravam tais fraudes, os jornalistas também chamavam atenção da polícia, já que segundo eles, esta ajudava os políticos a cometer tais atos contra a Nação. Isso porque “inspirada em conveniências políticas”, a polícia “concedia as mais escandalosas proteções a facínoras perigosos”, deixando-os livres para provocar desordens eleitorais e efetuar os mais diversos crimes na cidade.16 Nestas publicações, os jornais enfatizavam o envolvimento da polícia na política, e de como isso repercutia no aumento da criminalidade no Rio. O Correio da Manhã e Jornal do Brasil, por exemplo, como eram folhas de clara oposição ao governo, destacavam que a polícia por estar “apadrinhada” ao governo e,

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os delegados por bajularem o presidente da República, protegiam “os mais perigos assassinos e ladrões”17 da cidade, pois estes seriam os aliados de políticos influentes. Em conseqüência disso - alegavam os impressos-, os criminosos se sentiam à vontade para cometer cada vez mais crimes na cidade, e de forma cada vez mais audaciosa, roubando e assaltando a população em plena luz do dia e nas ruas mais movimentadas do centro. Segundo os repórteres desses jornais, tais fatos deviam-se, entre outros motivos, a ausência da polícia de carreira na cidade, uma vez que tal ausência provocava a interferência da politicagem na organização policial, já que os cargos eram preenchidos por elementos de confiança do governo. Os jornalistas alegavam que certos chefes políticos tiravam vantagens eleitorais do fato de não se ter na cidade uma polícia de carreira, uma vez que ao prometerem cargos à polícia ou ao intimidá-la através de ameaças de demissão de cargos, lhe ordenavam que deixasse impunes os ladrões e bandidos da cidade, já que estes ajudariam os referidos políticos a vencer as eleições, através de quebras e roubos de urnas nas seções em que esses chefes tinham minoria.18 Diante dessa situação considerada lastimável, os jornalistas cobravam a moralização da polícia, salientando que esta “não se deixasse levar pelas ameaças dos politiqueiros, sem escrúpulos, que têm nos desordeiros, os seus guarda-costas”.19 Muitos desses jornalistas acreditavam que a adoção de uma polícia de carreira no Rio de Janeiro seria muito importante para a cidade, já que a polícia estaria mais atuante para combater à criminalidade, uma vez que não perderia mais o seu tempo em bajular políticos em troca de benesses e cargos e, nem estaria mais ameaçada pelos mesmos para fazer o que eles mandavam.20 Assim, como podemos perceber, muitos jornalistas policiais da época fizeram de suas reportagens de crimes instrumentos de ação política . Além disso, fizeram destas publicações, em certas ocasiões, instrumentos de ação partidária. Um exemplo disso foram as notícias de crimes publicadas na imprensa carioca durante a

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Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes eleitorais no início do século XX.

campanha eleitoral de 1909 e 1910. Nesta campanha, alguns jornais fizeram questão de emitir opiniões e outros calar-se no que tange à discussão acerca da criminalidade no Rio de Janeiro e do relacionamento dos políticos com criminosos e a polícia da época em consonância com os assuntos ligados à eleição. Tais posturas tinham a ver com as diferentes posições dos impressos em relação às candidaturas presidenciais de Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, como explicaremos mais adiante deste texto. Antes de refletirmos sobre tal questão, é importante dizer que a eleição presidencial de 1910 , conforme salientou José Murilo de Carvalho21, foi uma das poucas competitivas da Primeira República. Nela, Hermes da Fonseca foi apoiado pelo então presidente da República, Nilo Peçanha. Na época, os dois grandes estados Minas Gerais e São Paulo, tinham-se desentendido. Segundo José Murilo de Carvalho, “o candidato da oposição, Rui Barbosa, apoiado por São Paulo, levou a cabo a primeira campanha eleitoral dirigida à população”.22 Foi neste contexto, que os diferentes jornais cariocas se posicionaram de formas distintas em relação à eleição, de acordo com os seus interesses econômicos, -era comum na época a compra da opinião de parte da imprensa pelos governos constituídos23 - ideológicos, políticos e entre outros. Assim, devido a fatores de diversas ordens que aqui não serão discutidos, o Jornal do Brasil optou por apoiar a candidatura de Hermes da Fonseca, e a Gazeta de Notícias e o Correio da Manhã, a candidatura de Rui Barbosa.24 No que diz respeito ao Correio da Manhã, tal impresso como apoiava Rui Barbosa, recorreu à temática criminal para atacar diretamente à candidatura de Hermes da Fonseca e o governo de Nilo Peçanha. Por sua vez, a Gazeta de Notícias apesar de ter apoiado Rui Barbosa em tal campanha, elogiando sua postura democrata e liberal25, não utilizou muitos casos de crimes na cidade em associação aos assuntos relativos à disputa presidencial . Mas nas matérias que veiculavam essa associação, o jornal articulava indiretamente a questão da criminalidade no Rio de Janeiro com o governo e Hermes da Fonseca. Nestas publicações, a Gazeta de Notícias

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atacava o então chefe de polícia, Leoni Ramos, como uma forma indireta de atingir Nilo Peçanha - já que quem nomeava o chefe de polícia da época era o presidente26 – e, por conseqüência atacar a candidatura de Hermes da Fonseca. Sem mencionar os nomes desses dois políticos, o jornal ressaltava que a polícia por estar envolvida na campanha política da época negligenciava a segurança pública, deixando a cidade entregue aos assaltos e roubos, como salientou um repórter do impresso em 1910.27

Já que no que diz respeito ao Jornal do Brasil, este impresso não mencionou em nenhum momento no seu noticiário policial assuntos relativos à disputa presidencial de 1910, pois possivelmente sabia que se tocasse nessa temática em associação à questão da criminalidade na cidade, prejudicaria o candidato Hermes da Fonseca; candidato este que foi, como já ressaltado anteriormente, apoiado pelo presidente. Isso porque o jornal certamente sabia que ao longo do período republicano a população estava insatisfeita em relação às ações policiais e governamentais para combater os crimes no Rio de Janeiro devido as freqüentes reclamações do povo acerca de tal questão.28

Assim, o silêncio dos repórteres policiais do Jornal do Brasil sobre a questão da criminalidade na cidade em associação aos assuntos relativos à eleição durante a campanha presidencial de 1909 e 1910, pode ser lido como um instrumento de ação político-partidária do impresso, ou seja, como uma forma desta folha assumir politicamente seu apoio à candidatura de Hermes da Fonseca. Mas sem dúvida em termos de grau de intensidade, o Correio da Manhã foi o jornal que, em relação aos outros impressos pesquisados, mais utilizou a temática da criminalidade como instrumento de ação política e partidária durante tal campanha, já que publicou várias notícias que estabeleciam explicitamente a relação intrínseca entre a expansão dos crimes na cidade carioca e o suposto relacionamento de Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca com os criminosos e a polícia do Rio de Janeiro como uma forma de atingir diretamente a candidatura militar.

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Contudo, devemos nos perguntar o motivo pelo qual o Correio da Manhã utilizava, de forma bem mais intensa que a Gazeta de Notícias, a temática criminal como instrumento político e partidário para atacar a candidatura de Hermes da Fonseca, se ambos apoiavam Rui Barbosa. Para explicarmos esta questão, é importante dizer que ao contrário da Gazeta de Notícias que teve sua história marcada por posicionamentos ambíguos em relação ao governo, já que ora o criticava ora o enaltecia29, o Correio da Manhã desde a sua fundação, em 1901, era um jornal de clara oposição ao governo e um impresso que fazia uma sistemática oposição aos grupos políticos dominantes30, dizendo-se defensor da “inviolabilidade de todos os direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade31, e que propugnava por mudanças nas estruturas políticas do país, como bem ressaltou Américo Freire.32 A nosso ver, tal passado histórico do Correio da Manhã explica, em parte, a sua intensa participação política na campanha eleitoral de 1909 e 1910 que, através de seu noticiário criminal e artigos escritos por Gil Vidal sobre crimes no Rio de Janeiro- e possivelmente de outros tipos de textos publicados no jornal- , atacava com veemência os grupos políticos então dominantes da época-no caso o governo de Nilo Peçanha -e seus aliados- no caso Hermes da Fonseca, que era apoiado pelo presidente. Assim, o Correio da Manhã por ter participado de forma mais ativa -que os outros jornais pesquisados- da campanha eleitoral de 1909 e 1910 em suas publicações sobre crimes na cidade carioca, optamos por nos concentrar na análise dos discursos do referido periódico. Durante a campanha, os repórteres policiais do jornal buscavam acentuar a idéia de crescimento da criminalidade na cidade, através de títulos sensacionalistas como “Crime e mais crime”33, alegando que tal expansão devia-se à negligência da polícia “hermista” para combater os “desordeiros”, já esta só estaria preocupada em proteger os criminosos da cidade- que eram, segundo os repórteres, os aliados de marechal e Nilo

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Peçanha- para com isso receber benesses e cargos do governo, caso Hermes da Fonseca ganhasse a eleição. Como uma forma de atingir a candidatura militar, os jornalistas do Correio da Manhã alegavam ainda que o marechal-juntamente com o presidente da República-buscaria vencer a eleição de 1910 a todo custo por meio da contração de ladrões e bandidos para fraudar a eleição. Segundo os repórteres, em troca das ações violentas que seriam feitas por tais criminosos para obrigar o povo a votar em Hermes da Fonseca, o marechal e Nilo Peçanha lhes dariam proteção, o que incentivaria os bandidos a cometer mais crimes no Rio de Janeiro. Nesta linha de argumentação, um repórter do Correio da Manhã, por exemplo, logo depois de veicular tal tipo de discurso, buscava em tom quase que panfletário, convencer os leitores de não votarem no candidato militar, embora em nenhum momento da reportagem mencionasse quais eram os motivos pelos quais a população deveria votar em Rui Barbosa. Sua estratégia era somente atacar o candidato adversário, como indica o trecho abaixo:

O Brasil não quer o marechal Hermes da Fonseca para presidente da República devido a sua impopularidade e do seu desprestígio. O governo pretende impô-lo brutalmente pela violência, pela fraude e pelo crime: é o governo quem conspira contra a Nação.34

Além de reportagens como essa, o Correio da Manhã contou com a colaboração de Gil Vidal , que através de suas matérias sobre o relacionamento da polícia com os políticos, buscava igualmente atingir a candidatura de Hermes da Fonseca.35 Nelas, Vidal ressaltava que a polícia por estar tão somente “empenhada na vitória na capital da república do candidato militar”, não policiava devidamente a cidade, “entregue aos assaltos e às desordens”.36 Apesar de intensa campanha política promovida por Vidal e pelos repórteres policiais do Correio da Manhã contra Hermes da Fonseca , Rui Barbosa saiu derrotado da eleição de 1910.37

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Mesmo assim, isto não desanimou de maneira alguma tais jornalistas de continuar fazendo severas críticas à Hermes da Fonseca. Em suas matérias, voltavam a argumentar que, durante a candidatura do referido militar, a polícia “hermista” “estava toda entregue ao empenho de fazer vencedor o marechal”, como afirmou Gil Vidal38, e por isso os ladrões campeavam livremente pela cidade, sem nenhuma punição. Os repórteres policiais do Correio da Manhã também voltavam a atacar com veemência Nilo Peçanha, alegando que durante a campanha eleitoral de 1909 e 1910 os criminosos da cidade do Rio de Janeiro eram os seus instrumentos políticos . Essas notícias indicam como os repórteres policiais do Correio da Manhã e Gil Vidal utilizavam a temática criminal como instrumento da ação político-partidária na eleição de 1910, mesmo depois do término desta, através da relação intrínseca que estabeleciam explicitamente entre a expansão da criminalidade e o suposto relacionamento de Hermes da Fonseca e Nilo Peçanha com os criminosos e a polícia da cidade. Ainda que de uma forma bem menos intensa que o Correio da Manhã, os jornalistas da Gazeta de Notícias também ressaltavam tal relação como uma maneira de atingir a candidatura militar, embora ela fosse tratada de forma indireta, sem menção aos nomes de Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Já os jornalistas do Jornal do Brasil nem sequer mencionavam esta relação, o que a nosso ver, parecia ser uma forma de o impresso apoiar a candidatura militar. Mas antes mesmo dessa disputa eleitoral, os repórteres policiais do Correio da Manhã , Gazeta de Notícias e Jornal do Brasil já utilizavam muitas de suas notícias como instrumentos de ação política, embora não da mesma forma que durante a campanha presidencial de 1909 e 1910, pois, como vimos, nesta campanha tais impressos se dividiram no que tange à discussão da criminalidade em associação aos assuntos relativos à eleição. Porém, em outras eleições ocorridas nas décadas de 1900 e de 1910, parece não ter havido tal divisão entre os jornais

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estudados, pois, em geral, seus jornalistas policiais convergiam em estabelecer uma associação intrínseca entre a expansão da criminalidade na cidade carioca e o relacionamento dos criminosos e da polícia com os políticos, em meio às fraudes eleitorais da época, buscando em muitas de suas publicações, reivindicar a moralização da política e da polícia do Rio de Janeiro. Isso tudo nos revela que esses personagens da história buscaram, à sua maneira e por meio de muitas de suas reportagens, intervir politicamente na sociedade, e não somente entreter a população com histórias sensacionalistas de crimes na cidade carioca.

Notas e Referências* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF).Orientadora: Profa. Dra. Martha Campos Abreu. Contato: [email protected]

1 Gazeta de Notícias, 3/11/ 1909, 3; Jornal do Brasil, 6/07/1911,6 ; Correio da Manhã, 7/10/1905, 2.2 Ver: “ Assaltos e roubos: uma casa arrombada e roubada”, Gazeta de Notícias, 6/11/1906, 3; “Uma quadrilha de ladrões”, Gazeta de Notícias, 12/11/1907, 2.3 Ver: “ Uma escalada: O Rio de Janeiro está sem polícia”, Correio da Manhã, 11/02/1913, 3.4 “ O fim de uma fera”, Gazeta de Notícias, 7/11/1909, 1.5 COUTINHO, Eduardo. Os cronistas de momo: imprensa e carnaval na Primeira República. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.6 VELLOSO, Mônica Pimenta. A cultura das ruas no Rio de Janeiro (1900-1930): mediações, linguagens e espaços.Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2004,p.22.7 BARRETO, Lima. Os Bruzundangas,1917,p. 114 apud, CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Cia.das Letras, 1987,p.88.8 Ressalta-se que nossa hipótese se inspira em um dos capítulos da tese de doutorado de Carolina Dantas sobre intelectuais na Primeira República, no qual a autora argumenta que tais setores da sociedade utilizaram seus textos publicados nos jornais do Rio de Janeiro no início do século XX como instrumentos de ação política e pública, já que defenderam, por exemplo, ações objetivas negligenciadas pelo Estado e demandas não cumpridas pelos sucessivos governos republicanos vigentes até então, como a implementação

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da educação primária em massa. DANTAS, Carolina. “Café com leite”: história, folclore, mestiçagem e identidade nacional em periódicos (Rio de Janeiro, 1903-1914). Niterói: PPGH-UFF, 2007, Tese de Doutorado, p. 58-76. 9 Vale notar que não analisaremos aqui as características específicas de cada um desses jornais, uma vez que visamos trabalhá-los de forma conjunta.10 BORGES, Vera Lúcia Bogéa. “ A dramaticidade da eleição presidencial (1909-1910): traços da cultura política na Primeira República”. Anais do I Seminário Nacional de Pós-graduandos em História das instituições: instituições, cultura e poder. Rio de Janeiro: Numem, Cd-Rom, UNIRIO, p, 8. 2008.11 MATTOS, Rômulo Costa. “ A aldeia do mal: o morro da favela e a construção social das favelas durante a Primeira República”. Niterói: PPGH-UFF, 2004, Dissertação de mestrado, p.34.12 “ Assalto de ladrões”, Gazeta de Notícias, 25/10/ 1909, 2.13 Correio da Manhã, 9/11/ 1909, 1.14 “ As eleições municipais: cenas vergonhosas”, Gazeta de Notícias, 1/11/ 1909, 1.15 IDEM, Ibidem.16 “ O fim de uma fera”, Gazeta de Notícias, 7/11/ 1909, 1.17 “ Polícia criminosa”, Correio da Manhã, 10/05/1905, 1.18 “ As eleições municipais: cenas vergonhosas”, Gazeta de Notícias, 1/11/1909,1.19 “ O chefe de polícia determina a abertura de um rigoroso inquérito”, Correio da Manhã, 6/11/ 1915,3.20 Vale notar que os jornais cariocas por vezes faziam comparações entre a polícia do Rio de Janeiro e a de São Paulo, tendendo a enaltecer a segunda, já que em São Paulo havia sido introduzida a polícia de carreira no início do século XX. Sobre os discursos da imprensa paulista sobre tal questão, ver: BERNARDI, Célia de. O lendário Meneghetti: imprensa, memória e poder. São Paulo: Annablume, 2000, p.28-29.21 CARVALHO, José Murilo de. “ Os três povos da República”. In: República no Catete.(org) Carvalho, Maria Alice Resende. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001, p. 74.22 IDEM, Ibidem,p.74-75.23 BORGES, Vera Lúcia Bogéa. “ A dramaticidade da eleição presidencial (1909-1910)”. Op.cit,p. 924 Sobre as razões do apoio de jornalistas e diferentes jornais cariocas à candidatura de Hermes de Fonseca ou à de Rui Barbosa, ver: BORGES, Vera Lúcia Bógea. “ A dramaticidade da eleição presidencial (1909-1910). Op.cit, p. 7-8; LOPES, Antonio Herculano. “ Do monarquismo ao “populismo”. O Jornal do Brasil na virada para o século XX”. In: História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. (orgs) BASTOS, Lúcia; MORES, Marco, FERREIRA,

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Tânia Maria. Rio de Janeiro: Faperj, 2006, p.343-344.25 Ver: “ Sr. Rui Barbosa: chegada de São Paulo”, Gazeta de Notícias, 25/12/1909, 2.26 Segundo Marcos Bretas, o chefe de polícia, além de nomeado pelo presidente, era escolhido entre os advogados com mais de dez anos de prática ou com notório saber no campo policial.BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro: 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1998,p. 50.27 “ Os ladrões campeiam: assaltos e roubos”, Gazeta de Notícias, 8/01/ 1910,2.28 Estas reclamações eram publicadas com freqüência pelo Jornal do Brasil na coluna “Queixas do povo”. Contudo, vale notar que durante a campanha eleitoral de 1909 e 1910 o jornal publicou poucas queixas em relação às ações governamentais e policiais no combate ao crime. Sobre a coluna “Queixas do povo”, ver : SILVA, Eduardo. As queixas do povo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.29 Um exemplo de enaltecimento do governo pelo jornal foi a reportagem de 1903, na qual um repórter policial ressaltou que o poder público velava pela felicidade e tranqüilidade do povo, pois pagava bem a polícia “não poupando dinheiro para que a gente urbana” não tivesse a “vida em perigo” e para que “os galinheiros dos subúrbios” não fossem roubados. “ A cidade”, Gazeta de Notícias, 27/11/1903, 2. No que se refere às críticas da Gazeta de Notícias ao governo, ver por exemplo a reportagem publicada em 1920 , na qual um repórter ressaltou que o governo era o grande culpado pelo aumento do número de crianças que entravam para o mundo do crime, uma vez que não se preocupava com o problema da assistência à infância no Brasil. “ O Rio, jardim da infância delinqüente!”, Gazeta de Notícias,12/07/1920, 3.30 FREIRE, Américo. “ Fazendo a República: a agenda radical de Irineu Machado”. Revista Tempo, Rio de Janeiro, vol.13, n.26,p.121, 2009.31“ Dez anos”, Correio da manhã, 15/06/1911, 1. Matéria assinada por Gil Vidal, com o pseudônimo de Leão Veloso Filho.32 FREIRE, Américo. “ Fazendo a República”. Op.cit, p.121.33 Correio da Manhã, 27/01/1910,2.34 “Polícia criminosa”, Correio da Manhã, 28/02/1910,1.35 Vale notar que, segundo Vera Lúcia Borges, Gil Vidal em sua primeira matéria acerca da disputa presidencial de 1910 apoiou a candidatura do marechal Hermes e cobrou do candidato militar elementos que confirmassem o caráter renovador do lançamento do seu nome. Porém, segundo a autora, ele obteve como resposta apenas o silêncio. Assim, Gil Vidal “interpretou esta conduta como sinal de obediência à senha do silêncio que possivelmente Hermes da Fonseca recebera dos principais políticos.” Borges assinala então que esta

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lhe pareceu ser o primeiro sinal para Gil Vidal apoiar a candidatura de Rui Barbosa. BORGES, Vera Lúcia Bogéa. “ A dramaticidade da eleição presidencial (1909-1910). Op.cit,p.8.36 “ A polícia e a politicagem”, Correio da Manhã, 8/11/1909, 1.37 Sobre a análise dos fatores da derrota eleitoral de Rui Barbosa em 1910, ver: CARVALHO, Maria Alice Rezende de. “ A crise e a refundação republicana, em 1930”. In: República no Catete. (org) CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001,p.100-101.38 “ Polícia da cafraria”, Correio da Manhã, 4 /05/1910, 1.39 “ Uma série de crimes: uma quadrilha de facínoras”, Correio da Manhã, 4/02/1911, 3.

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A Restauração na Bahia: um estudo sobre as relações entre os poderes do centro e o poder local

(1644-1645)

Érica Lôpo de Araújo*

Os estudos sobre o relacionamento entre Portugal e Brasil durante o período colonial tem ocupado lugar de destaque no debate historiográfico contemporâneo. Novas pesquisas vem alargando o universo de discussão que, para além de tratar de questões chaves como o sentido da colonização e a existência ou não de uma acumulação interna do capital1, propõe análises que enfocam, entre outros assuntos, numa história político-administrativa. Embora uma obra como Burocracia e sociedade de Stuart Schwartz, que data de 1979, já apontasse para a importância de uma história administrativa e institucional ao tratar do Tribunal da Relação, muitas lacunas ainda mostram-se presentes nessa área de estudo da história.2 Discutir as relações entre centro e periferia: pacto e negociação política na administração do Brasil colonial é um dos objetivos de Maria Fernanda Bicalho, que, tentando fugir da tradicional dualidade colônia-metrópole, discorda da idéia de ser a colônia um espaço sem lei, no qual a distância inviabilizaria a administração.3 Bicalho defende a idéia de que se desenvolveu uma relação contractualista entre súditos e soberano, pautada por constante negociação. Essa nova proposta traz ainda novos conceitos que, ultrapassando o campo da história político econômica encontram lugar num estudo que é também jurídico e tem como um dos seus maiores expoentes o trabalho de Antônio Manuel Hespanha.4 De acordo com essa nova historiografia, para que as relações colônia-metrópole pudessem se concretizar foi necessário o estabelecimento de um pacto que envolvesse a concessão régia de honras e privilégios. Mais uma vez, seguindo

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os fundamentos teóricos de Antônio Manuel Hespanha, seria chamada sociedade beneficial àquela que tivesse como cimento do império o que ele chamou de “economia da graça” ou “economia da mercê.”5 A parceria travada entre historiadores portugueses e brasileiros tem-se mostrado bastante renovadora, lançando um novo olhar sobre o império ultramarino luso. Tais estudos, ao partirem de uma estrutura polissinodal portuguesa, conseguem ponderar de forma mais equilibrada a possibilidade de “autoridades negociadas” não apenas no reino, mas também no seu universo colonial.6 É dentro dessa perspectiva de revisão dos limites do “pacto colonial” que se insere o presente trabalho ao propor um estudo sobre a capitania da Bahia no período imediatamente posterior à restauração Portuguesa de 1640. Embora os anos compreendidos entre 1581-1640 tenham constituído um momento singular da história do Brasil, pouca atenção foi dedicada pela historiografia aos impactos da União Ibérica no ultramar. A “Era dos Filipes” produziu significativas transformações, sobretudo na Bahia – então capital do Brasil, que foram acompanhadas por uma extensão burocrática que tinha como objeta ampliação de poder sobre os novos territórios.

O adensar da rede de oficiais régios no Brasil, a reorganização das capitanias, a criação de novas circunscrições administrativas, e, ainda a fundação de um tribunal na cidade da Bahia, são fenômenos que remetem, todos eles, para um dado fundamental: as mutações ocorridas no Brasil, durante a União Ibérica, possuem uma incontornável dimensão política.7

De acordo com Rafael Valladares, durante o segundo decênio dos seiscentos, a própria história hispânica também teria sido objeto de poucos estudos. Isso se daria à consciência de ser esse um período de perdas e fracassos, idéia ratificada, sobretudo, no século XVIII, com o objetivo de legitimar a dinastia dos Bourbons através da difamação daquela que a antecedeu. O fenômeno da Restauração Portuguesa de 1640, apontado por

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Valladares como resultado de uma arrogante anexação espanhola que, em certo momento, chegara a reduzir o conselho Português a duas juntas governativas, ainda carece de estudos que melhor expliquem um acontecimento de tão grande singularidade no século XVII. Afinal: “Ódios e malquerenças, queixas e reparos não conduziam à ruptura política com o soberano...” Pois “a fidelidade e lealdade ao rei não eram discutíveis.”8

Mas se os impactos da intrigante Restauração de 1640 se mostravam bastante confusos no reino, o seu reflexo na colônia não seria muito diverso. Passaram-se três meses até que chegasse aos súditos da capitania da Bahia a notícia da aclamação de D. João IV (1640-1656). A Restauração, ocorrida em dezembro de 1640, foi motivo de muitas incertezas para o novo monarca que receava possíveis manifestações contrárias à sua Coroa. Temeu, em grande medida, a reação do então governador-geral do Brasil, D. Jorge de Mascarenhas – o marquês de Montalvão, primeiro vice-rei do Brasil, nomeado, naquele ano de 1640, pela Coroa de Castela. D. João IV, para além das expectativas, contou com a adesão dos governadores e capitães-gerais do Brasil e foi aclamado, inclusive, pelo referido governador-geral. Isto não impediu que Montalvão fosse vítima de um golpe, que o depôs e colocou no governo um triunvirato composto pelo Bispo do Brasil, D. Pedro da Silva, pelo Mestre de Campo Luiz Barbalho Bezerra, e pelo provedor-mor Lourenço de Brito Correa. Ao que parece, o rei D. João IV mandara duas cartas com diferentes disposições: a primeira, de fevereiro de 1641 – e que acompanhava as boas novas da Restauração, determinava que caso Montalvão aderisse à Coroa Bragantina, deveria continuar a exercer o cargo; a segunda, de março do mesmo ano, afirmava que, não aquiescente, deveria ser deposto e substituído pelo já referido triunvirato.9

Essa curta apresentação exemplifica algumas das dificuldades a serem transpostas pelo novo monarca, que, para além da necessidade de reconhecimento da Coroa, contava ainda

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com o problema da distância do reino dos domínios de ultramar e a necessidade de nomear ministros que agissem de acordo com suas determinações, conciliando esta ação à vontade dos vassalos. Não apenas durante o reinado de Dom João IV, mas ainda no tempo de D. Afonso VI, a ação da Coroa Bragantina deveria ser empreendida de forma mais negociada e discutida, recordando que o apoio dos vassalos era imprescindível no povoamento, defesa e pagamento de impostos na colônia. Os anos que se seguiram à Restauração poderiam ser caracterizados como um universo de conciliações e promoções, concessões e mercês.10

Para melhor compreender de que forma se davam as negociações entre os agentes do poder na Bahia, bem como ilustrar um pouco da liberalidade por eles alcançada, será útil narrar um conflito ocorrido entre os anos de 1644-1645. Trata-se de uma querela que envolveu Manuel Pereira Franco, ouvidor-geral (?-1648), alguns membros do poder eclesiástico e Antônio Telles da Silva, que foi governador-geral entre 1642 e 1647. Manuel Pereira Franco foi funcionário do reino de Portugal durante grande parte de sua vida. Natural de Elvas trabalhou nessa comarca como procurador e definidor de contas antes de ser nomeado ouvidor-geral do Estado do Brasil. Em carta sua, de agosto de 1644, dirigida a el rei, Franco afirmou já servir a Sua Majestade por longos 31 anos.11 Sendo ele funcionário tão antigo, é possível que tenha sentido o peso das anteriormente referidas reformas implementadas na “Era dos Filipes”. Não se sabe quando Franco iniciou suas atividades como ouvidor, mas teria concluído seu mandato em 1648, sem, contudo, deixar a Bahia antes de 1653. Este caso, que provocou a suspensão e prisão do ouvidor, será analisado a seguir e, em certa medida, pode servir como exemplo dos conflitos usuais entre os diferentes agentes do poder no império português. O primeiro sinal de conflito foi identificado a partir de uma carta régia de julho de 1645, quando o rei fez um breve histórico do caso, a fim de explicar algumas deliberações por ele empreendidas antes do

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parecer final. Nesse parecer, D. João IV fez referência a uma carta enviada pelo governador em 16 de junho de 1644, que falava sobre os procedimentos “inadequados” de Manuel Pereira Franco. Não foi possível localizar tal carta; e é somente a partir do mês de agosto do referido ano, quando a confusão já parece consolidada, que se encontra documentação mais esclarecedora sobre o caso. Através da leitura de uma consulta do Conselho Ultramarino que data de 25 de outubro de 1644, é possível inferir o relato do governador Antônio Telles em carta de agosto do mesmo ano. De acordo com Antônio Telles da Silva, tivera lugar o seguinte episódio: o conservador dos padres (Nicolau Viegas) fez auto do cônego Phillippe Baptista que o tratou mal, sob sua jurisdição, e prenunciou prendê-lo. Para poder realizar tal feito, entretanto, pediu auxílio de braço secular ao ouvidor (Manuel Pereira Franco), que a isto se recusou, por ser Viegas juiz apostólico, justificando que a sua ordenação não dava lugar a esse tipo de auxílio. Uma vez não atendida sua solicitação, o conservador dos padres decidiu excomungar o ouvidor, embora esta excomunhão tenha sido imediatamente anulada pelo bispo. Ao longo de toda a carta, Silva mostrou-se muito insatisfeito com a postura de Franco e apresentou ainda outro caso no qual o ouvidor mais uma vez não teria procedido como convinha na defesa da jurisdição de Vossa Majestade.12 Tratava-se do caso de Phillippe de Moura, que matou a própria mulher, detentora de grande dote e herdeira de fortuna invejável. De acordo com o governador, convinha ao ouvidor tirar devassa e dar vista ao procurador da fazenda de Vossa Majestade, uma vez que a herança da falecida pertencia a esta mesma fazenda. No entanto, o ouvidor sentenciou o caso sem dar a vista e mesmo sendo advertido mais de uma vez que deveria fazê-lo, não o fez e ainda publicou a sentença. Em razão desses dois episódios de “mau cumprimento de suas funções”, o governador decidiu punir o ouvidor, afirmando estar embasado no capítulo 44 de seu regimento que, segundo ele, dizia que no caso de

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algum de seus ministros de justiça faltar com sua obrigação, este mereceria suspensão de seu ofício e ordenado por alguns dias. Penalidade esta que não parecera suficiente ao governador, que alegou a reincidência como justificativa para manter o ouvidor preso em sua própria casa.13 A fim de comprovar as suas queixas e justificar sua ação, o governador enviou em anexo uma certidão de Antônio da Silva de Souza (procurador da fazenda) e outra de João Borges (escrivão da ouvidoria geral) que comprovavam sua versão sobre o caso. A carta do escrivão trouxe, como elemento novo, uma resposta de Franco, quando este foi questionado pelo escrivão sobre dar vista no caso do assassinato. Franco teria respondido que só ele era juiz de si próprio, e que Phillippe de Moura não era soldado, nem recebia soldo de Vossa Majestade. Disse também que na sentença e autos não tratava da fazenda da defunta e sim da causa crime e que ele, ouvidor, já havia reiteradamente se justificado sobre tal feito.14

Uma rápida análise do caso evidencia que o governador foi no mínimo precipitado ao punir o ouvidor. Se ainda havia dúvida (na primeira acusação) sobre ser esse um caso eclesiástico ou secular, era preciso uma investigação prévia para determinar a melhor forma de punição. Alguns indícios podem comprovar também que o governador agiu de maneira arbitrária ao mandar prender o ouvidor. A justificativa que apresentou para proceder contra o ouvidor pode ser facilmente refutada através da leitura do capítulo 44 de seu regimento que, apesar de prever suspensão do cargo e ordenados em caso de reincidência de má conduta, afirma que esses casos deveriam ser enviados para o reino para que o monarca pudesse julgá-los. O regimento tampouco prevê a prisão de qualquer ministro de justiça como pode ser comprovado a partir da leitura desse documento.

E acontecendo que os letrados julgadores e pessoas que tem obrigação de administrar justiça ou alguns delles tenhão algum descuido porque mereção suspenção de seus cargos per alguns dias, e que nelles

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não venção seus ordenados os admoestareis e não se emendando os suspendereis e tirareis os ordenados e sendo comprehendidos em alguns delitos graves procedereis contra elles até por os autos em final e assy conclusos sem se dar nelles sentença mos enviareis para eu os mandar sentença neste reino e em tudo o mais que tocar aos letrados e julgadores guardareis e fareis cumprir o que pello regimento de seus cargos são obrigados e vo los hey por muy encomendalos para os favorecerdes como he devido a ministros de justiça e sendo necessario aconselhardesvos ou saberdes algua couza dos ministros da relação ou de minha fazenda de qualquer qualidade que sejão os podereis mandar chamar a vossa caza em todo tempo e horas sem lhes admitir escuza para tratar com elles o que convier.15

Ao fim da exposição da carta de Antônio Telles da Silva, o Conselho Ultramarino dá o seu parecer sobre o caso. Esse conselho mostra-se claramente a favor do ouvidor Manuel Pereira Franco, apresentando a seguinte justificativa:

...se conclue que o dito ouvidor não excedeo, nem dezobedeceo ao governador, porque julgou conforme ao que lhe pareceo justiça, e na obrigação de a fazer, e não poder nenhû superior dos inferiores sogeitalo, nem o Regimento que o governador toma por seu fundamento, tem nestes cazos lugar, e asy Vossa Magde. deve mandar soltar ao dito ouvidor geral e que se lhe paguem seus ordenados na comformidade da consulta que se fes a Vossa Magde.16

O caso pode ser melhor compreendido a partir da leitura de uma carta enviada por Manuel Pereira Franco ao rei D. João IV, em 26 de agosto de 1644: podemos comparar sua versão com a do governador. Franco inicia a carta dizendo que o rei já deveria estar a par do absurdo de ter sido ele suspenso e preso pelo governador (coisa que nunca se viu e que só Antônio Telles da Silva poderia fazer). Na seqüência, esclarece, de maneira breve, que se recusou a dar auxílio de braço secular ao conservador dos padres por ser ele juiz apostólico, o que ia contra a ordenação do livro 2, título 8 de Gabriel Pereira de Castro (Tractatus de Manu Regia). Essa recusa teria contrariado o governador “que

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tem o conservador dos padres como sua menina dos olhos”17

e para mostrar sua “potência”, Silva havia decidido puni-lo arbitrariamente com suspensão do cargo, dos ordenados, ainda fazendo-o prisioneiro. De acordo com Franco, Silva não lhe poderia ter aplicado tais penalidades, uma vez que no ponto 9 de seu regimento como ouvidor está claro que o governador não pode tirá-lo do ofício nem suspendê-lo, mesmo em caso grave, antes de se dar libelo. Também a ordenação se encontraria em seu favor, pois no seu livro 9, título 119, afirma-se que não se pode prender a ninguém sem que aja contra ele culpas formadas de devassa ou querelas. Segue dizendo que o governador rompeu com todas essas leis e não estando satisfeito com a suspensão e prisão do ouvidor escolhido por Sua Majestade, escolheu outro e colocou em seu lugar, realizando, portanto, uma nomeação que não era de sua alçada. Ao concluir, o ouvidor fala da sua trajetória como fiel servidor do rei e pede que seja solto, retorne ao seu ofício, tenha os seus ordenados restituídos e que seja considerada nula a eleição do novo ouvidor.18 Mas essa história não teria um fim tão breve. Mesmo após a carta do ouvidor e do parecer do Conselho Ultramarino favorável a este, Franco ainda teria um longo caminho de luta pela liberdade, ainda que não estivesse sozinho nessa empreitada. Em 2 de setembro de 1644, os oficiais da Câmara da Bahia enviaram uma carta a D. João IV que, entre outros assuntos, recriminava a conduta do governador para com o ouvidor. Essa carta iniciava com o relato destes oficiais sobre a ação despótica do governador que não permitia que se enviassem cartas para Sua Majestade. Ilustraram suas queixas narrando o episódio em que alguns oficiais da câmara, aliados ao ouvidor no descontentamento frente ao governo de Silva, ensaiaram enviar uma carta queixosa endereçada ao rei. A missiva, entretanto, foi extraviada pelo governador, que a teria aberto e lido, ameaçando de prisão e castigos esses oficiais. Inconformados e sem alternativas para resolver o problema, os oficiais pediram que o ouvidor fosse solto

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para que pudesse ministrar justiça. Alertavam o rei para a ação indevida do governador; alerta que poderia ser resumido com a seguinte questão: o que poderiam fazer os pobres membros da câmara e os simples vassalos de Vossa Majestade se até mesmo o ouvidor havia sido preso?19 Em 22 de dezembro de 1644, o Conselho Ultramarino fez uma consulta em resposta a duas cartas: aquela da câmara anteriormente citada, e outra do ouvidor geral Manuel Pereira Franco, de 27 de setembro passado. Embora não tenha conseguido localizar esta última, o seu conteúdo encontra-se bastante evidente a partir da leitura dessa consulta. Ratificando o conteúdo da carta anterior, Franco resume dizendo que foi suspenso e preso simplesmente por administrar justiça e diz que o governador agiu contra o regimento e ordenação de Sua Majestade ao puni-lo. O conselho responde que já existem duas consultas sobre o caso, uma de 25 de outubro e outra de 23 de novembro do ano de 1644, ambas em defesa do ouvidor. Por isso, pede que se defira o caso com a maior brevidade, uma vez que não parece correto a esse Conselho que o ouvidor em questão padeça por fazer o que manda o serviço do rei. E quanto às cartas da câmara, o Conselho Ultramarino também se mostrou contra a postura do governador, pois não considerou adequado que este desejasse atalhar as queixas dos vassalos do rei.20

Uma vez que o monarca ainda não se havia pronunciado sobre o caso, em primeiro de abril de 1645, pareceu ao Conselho Ultramarino fazer nova consulta, pressionando uma decisão real. Nesta consulta, o Conselho fez não apenas um breve resumo do caso, mas também um pedido que favorecia o ouvidor Manuel Pereira Franco. Pediam ao rei que mandasse estranhar21 o dito excesso do governador, soltando o suplicante e permitindo que ele exercesse o seu cargo, sendo restituídos também todos os ordenados do tempo em que este fora suspenso. Informava também da necessidade de lhe satisfazer as perdas e danos que tal encarceramento havia resultado – pediam rapidez, pois em

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função do longo período de reclusão (que já contava oito meses), fora o ouvidor, para garantir o próprio sustento, obrigado a vender móveis que trouxe do reino. Ratificou mais uma vez este Conselho que consultas anteriores já haviam informado que a prisão era “mal feita”, contra a justiça e ordens de Sua Majestade. Afirmava ainda que, por ser o ouvidor um homem velho, nobre e muito antigo no serviço de Sua Majestade, não merecia semelhante tratamento. Relembrou sobre a carta enviada pelos oficiais da câmara em sua defesa (que provocou a prisão do vereador mais velho Francisco Roiz de Araújo e do juiz Luis Pereira de Aguiar) e informou sobre uma carta, enviada pelo bispo daquele estado, que falava sobre seus bons procedimentos e que essas eram mais razões para que ele fosse solto imediatamente. A Consulta referiu-se mais uma vez à má conduta do governador (de abrir a carta-protesto dos oficiais da câmara), justificando que para o bom e justo governo dos estados do ultramar, é necessário ao monarca total conhecimento das informações enviadas por seus ministros e vassalos, sejam as notícias boas ou más. A consulta termina por recomendar que se seguisse a conduta adotada alguns anos antes num caso ocorrido na Índia quando o rei mandou repreender o vice-rei (Conde Almirante) que havia mandado que seus vassalos não escrevessem contra os ministros.22

Foi apenas no dia 25 de julho de 1645 que o rei Dom João IV se pronunciou sobre o caso, enviando uma carta ao governador Antônio Telles da Silva. Nesta carta, o rei repreendeu Silva, dizendo que por este ocupar o lugar de governador geral do Brasil, tinha a obrigação de evitar discórdias entre o poder eclesiástico e o poder secular, em virtude de constituírem um mau exemplo para o gentio e os hereges vizinhos. Pediu a Silva que notificasse o conservador dos Padres (Nicolau Viegas) em seu nome, e comunicou que este deveria ser julgado pelo Bispo, na forma que o Concílio Tridentino tem para administrar justiça. Da mesma forma se deveria proceder com os demais eclesiásticos, que teriam obrigação de tratar de seus direitos pela

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via ordinária, requerendo as demarcações e sesmarias. Aquele que não obedecesse deveria ser enviado ao reino. Concluiu mandando soltar o ouvidor e demais presos assim que a carta fosse recebida, e ordenou que tudo voltasse ao que era antes até que ele tomasse uma resolução final.23 A análise desse conflito pode trazer à tona muitas questões que permeavam o universo colonial, sobretudo, indagações sobre os limites do ofício do governador-geral (usos e abusos de poder) e seu relacionamento, por vezes conflituoso, com o poder eclesiástico.24 O “cargo” de governador-geral foi definido por Francisco Cosentino como um ofício régio superior. Segundo o autor, “a natureza superior de seu ofício deve-se ao fato de esse servidor exercer, em nome do rei, e por sua delegação, alguns dos poderes próprios do ofício régio.” Mas a natureza superior desse ofício encontrava-se limitada por seu caráter temporário e pelo fato de que suas decisões encontravam-se submetidas, em última instância, à decisão do monarca; o que terminava por conceder função de qualidade inferior a esse ofício. Cosentino nos recorda que outras concepções encontram-se agregadas a esse ofício, tais como a idéia do cargo público como uma função. Esse ofício estaria, portanto, atrelado a um “conjunto de direitos e deveres exercitáveis no interesse público”- caberia ao governador agir sempre em nome da causa pública. Dessa forma, “a nomeação para esses ofícios era uma mercê concedida pelo soberano, por isso mesmo, honrava e nobilitava aqueles que foram tocados pela sua graça. Em decorrência dessa nobilitação, o recebimento de um ofício de governo envolvia a concessão de vantagens de natureza patrimonial.”25 Se recordarmos que a justiça era um dos pilares das obrigações régias, juntamente com a religião e a garantia de paz, esta deve ser entendida como “princípio de dar a cada hum o que é seu”, seja esse “seu” prêmio ou castigo.26 Dessa forma, o desempenho de um serviço era quase sempre acompanhado de expectativas de premiação, ainda que nem sempre fossem

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“justas” as recompensas. “Servir a coroa, com objetivo de pedir em troca recompensas, tornara-se quase um modo de vida, para diferentes sectores do espaço social português. Era uma estratégia de sobrevivência material, mas também de promoção.”27 Conhecendo o pressuposto do dever régio para com a justiça, podemos imaginar que, por vezes, o rei utilizasse como justificativa a distância do reino e o aparelho burocrático para não empreender medidas de promoção, ou rigor para com seus vassalos de ultramar, tentando manter-se sempre aliado de todos, e deixando seus vassalos cheios de expectativas de mercês por receber. Da mesma forma, o governador, conhecedor da “justiça” régia, por vezes poderia usurpar o poder alheio ao crer que um feito maior seu não apenas apagaria tal mancha, mas lhe recompensaria com justa mercê. Não pretendemos aqui explicar ou justificar a atitude de Antônio Telles da Silva no referido caso, afinal são conhecidos muitos outros casos que condenam a sua conduta. No entanto, vale ao menos tentar compreender a sua “falta de temor.”

Notas e Referências* Mestranda em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), orientada pela professora Doutora Maria Fernanda Bicalho. Contato: [email protected]

1 Sobre as idéias de sentido da colonização e acumulação interna do capital ver: PRADO JÚNIOR, Caio. “O Sentido da Colonização” In: Formação do Brasil Contemporâneo. 15 ed., São Paulo: Brasiliense, 1977. NOVAIS, Fernando. “A crise do Antigo Sistema Colonial” In: Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979. CARDOSO, Ciro F. “As concepções acerca do ‘sistema econômico mundial e do antigo sistema colonial’: a preocupação obsessiva com a ‘extração do excedente’. In: LAPA: José Roberto do Amaral. Modos de Produção e realidade brasileira. Petrópoles: Vozes, 1980. 2 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: A suprema corte da Bahia e seus juízes (1609-1751). São Paulo: Perspectiva, 1979.3 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “Centro e periferia: pacto e negociação política na administração do Brasil Colonial” In Leituras: Revista de Biblioteca

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nacional, nº 6, Primavera, 2000, pp. 17-39.4 Para melhor conhecer a obra desse autor, ver: http://www.hespanha.net/. 5HESPANHA, Ver Antônio Manuel. Porque foi “portuguesa” a expansão portuguesa? Ou O revisionismo nos trópicos. Disponível em http://www.hespanha.net/, Acessado em 20/09/2008 p. 12.6 Sobre esse estudo ver: BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “Centro e periferia: pacto e negociação política na administração do Brasil Colonial” In Leituras: Revista de Biblioteca nacional, nº 6, Primavera, 2000, pp. 17-39. Centro e periferia no sistema político português do Antigo Regime. Disponível em: http://www.hespanha.net/7 MARQUES, Guida. O Estado do Brasil na União Ibérica: Dinâmicas políticas no Brasil mo tempo de Filipe II de Portugal. In: Revista Penélope, n 27, 2002, pp.7-35.8 VALLADARES, Rafael. A independência de Portugal: guerra e restauração. São Paulo: Hucitec, 1997.9 O triunvirato teve fim com a chegada de Antônio Telles da Silva (primeiro governador escolhido por D. João IV), em agosto de 1642. O novo governador geral trazia correspondências com as punições para os componentes do triunvirato com exceção do bispo. O provedor foi conduzido ao cárcere em Lisboa, enquanto o mestre de campo foi condenado ao exílio no sul daquela capitania. Mais tarde, o Marques de Montalvão que se encontrava em cativeiro na cidade de Salvador, foi nomeado conselheiro do recém fundado e ilustre Conselho Ultramarino. Ver: RUY, Affonso. História política e administrativa da cidade do Salvador. Salvador: Beneditina, 1949, pp. 170-201.10 Sobre esse sistema de concessão de mercês ver: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda, GOUVÊA, Maria de Fátima. O antigo Regime nos Trópicos: A dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Ver também: CUNHA, Mafalda Soares. “Governo e governantes do Império português do Atlântico (século XVII). In: Modos de governar: Idéias e práticas políticas no Império Português séculos XVI a XIX. 1ª ed., São Paulo: Alameda Editorial, 2005.11AHU. Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc. 1096.12 AHU. Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1079.13AHU, Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1095.14 AHU, Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1095.15AHU, Bahia Avulsos. Documento 40. Regimento do Governador Geral do Brasil Antônio Telles da Silva- Junho1642. 16AHU, Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1079.17AHU, Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1095.18AHU, Luisa da Fonseca. Cx.9/Doc.1095.

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19AHU Luisa da Fonseca. Cx. 9/Doc. 109420AHU Luisa da Fonseca. Doc 1093.21 Suspender a sentença.22 AHU, Luisa da Fonseca, Documento 1128.23 AHU, Luisa da Fonseca, Documento 1129.24 Sobre querelas entre religiosos e seculares na Bahia setecentista ver: BEHRENS, Ricardo Henrique B. A capital colonial e a presença holandesa de 1624-1625. Dissertação de Mestrado. UFBA, 2004.25 COSENTINO, Francisco Castro Cardoso. Governadores gerais do Estado do Brasil (Séculos XVI e XVII): ofícios, regimentos, governação e trajetórias. Tese de Doutorado, UFF, 2005.26 OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa, Ed. Estar, 2001. P. 20.27 OLIVAL, Fernanda. Op. Cit. P. 21.

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Flávio Henrique Calheiros Casimiro*

A relação entre história e memória constitui-se em permanente reflexão para o historiador preocupado com o mundo contemporâneo, na medida em que o Tempo Presente é o Tempo da Memória, isto é, o presente é um conteúdo da memória que constitui o substrato identitário das diferentes sociedades e a memória possibilita o desvendamento do presente. Muito se discute sobre o papel do historiador diante das questões relacionadas ao presente. Assim sendo, a proposta que se segue consiste em articular a memória social do presente a um exercício de inteligibilidade da História. Na década de 1980, a sociedade brasileira passou por um importante processo de politização que pode ser percebido na organização e mobilização das diferentes forças sociais do País, assim como na luta política que se desenvolveu por meio de uma série de movimentos tais como a Campanha das Diretas, em 1984; a eleição indireta de Tancredo Neves; a instauração da Nova República, em 1985; as eleições para a Constituinte, em 1986; o debate que se travou no Congresso Constituinte até a promulgação da nova Carta, em 1988; a campanha para a Presidência da República, em 1989; o impeachment de Collor, em 1992; para citar apenas os fatos políticos mais difundidos nos meios midiáticos. Esse processo abriu no Brasil fortes expectativas de que a abertura no bloco de poder permitisse avanços no processo de democratização do Estado e de socialização da política, além de ampliar o espaço de debate político, nas dinâmicas decisórias e no processo de repartição dos recursos de poder. Contrariando tais expectativas, a conjuntura dos anos 90 aponta para uma

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mudança no referencial de cidadania e o crescimento de uma mentalidade extremamente consumista, pautada na valorização demasiada da imagem e da performance individual. Nessa perspectiva, temos, de um lado, a concepção do Estado como o espaço do atraso, incompetência administrativa e privilégios; de outro, uma grande valorização da esfera privada e do mercado como reduto da liberdade e eficiência, atributos fundamentais para a modernização do país. Essas idéias ganharam um caráter de verdadeiro “senso comum”, sendo amplamente difundidas no conjunto da sociedade brasileira. Quais elementos teriam sido responsáveis para esse deslocamento do conceito de cidadania? De que forma operou-se, na sociedade brasileira, a construção e a difusão dos valores desta concepção de mundo? O cerne deste trabalho consiste em analisar essa redefinição do conceito de cidadania no Brasil no período compreendido entre 1986 a 2002, entendendo esse processo como uma construção ideológica de uma visão de mundo. Nesse sentido relacionamos o desenvolvimento de uma cultura pautada na supervalorização da imagem e do consumo, ao discurso da doutrina neoliberal, que se porta como um alicerce teórico e ideológico fundamental para a difusão desta concepção de mundo, assim como para sua materialização política. É importante perceber a constituição de uma cultura histórica cujo propósito é compreender a relação entre os sujeitos e a temporalidade, ou seja interpretar como os agentes lidam com seu passado, presente e futuro. Pautados na concepção de História do Tempo Presente e nas noções de “cultura política” e “cultura histórica”, procuramos perceber a construção de um discurso neoliberal no Brasil. No início da década de 1990 acompanhamos a adesão da política brasileira ao discurso hegemônico neoliberal, que, segundo os defensores desta concepção, garantiria aos grandes países da periferia uma nova era de prosperidade, a partir das políticas de “abrir, privatizar e estabilizar”, receituário batizado na América

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Latina como “Consenso de Washington”. A “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher, sintetiza bem o sentido do novo credo neoliberal: “Não há e nem nunca houve essa coisa chamada sociedade, o que há e sempre haverá são indivíduos”. Fórmula que ela completou com um princípio lapidar de fundo moral para abençoar o consumismo e o espírito da concorrência agressiva: “A ganância é um bem”.1 Entretanto essas idéias liberais já circulavam em certos setores da sociedade brasileira desde o início dos anos 80. De acordo com a cientista social Denise Barbosa Gros:

A argumentação liberal vem sendo utilizada periodicamente por frações dessa burguesia para clamar contra a intervenção do Estado na economia. Os meios acadêmicos e políticos também produziram pensadores liberais do peso de Eugenio Gudin, Roberto Campos e José Merquior, dentre outros.2

Buscamos analisar a significação do passado e as estratégias de construção discursiva desta visão de mundo utilizando as memórias de um dos mais importantes intelectuais liberais do Brasil, o economista Roberto Campos. Por outro lado, apontamos a difusão midiática deste discurso, tendo como fonte a revista Veja. O exame crítico destas fontes não difere de outras épocas históricas no que tange à ação do tempo, do poder, da produção e tampouco das interpelações de seu próprio momento. Por conseguinte, podemos perceber, a partir da análise dos discursos, a construção midiática de uma memória coletiva, tendo em vista essa memória como espaço fundamental para o embate das relações de poder na sociedade. Esse diálogo entre memória e mídia possibilita-nos, então, uma série de reflexões para compreender as relações entre imprensa e poder. O passado é ressignificado no intuito de funcionar como alicerce de sustentação de um discurso no presente. Um dos grandes representantes intelectuais do pensamento liberal no Brasil, o economista Roberto Campos em suas memórias aponta

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como responsável por todas as mazelas do século XX, o que ele chama de coletivismo. Segundo Campos o breve século XX teria começado com a revolução russa de 1917 e terminado com a queda do muro de Berlim em 1989. Para Campos, o “século do coletivismo” foi responsável tanto pela morte de milhões de seres humanos pelo experimento socialista e pelo nazi-fascismo, como pelo nacionalismo que inviabilizou o desenvolvimento de países como o Brasil.3 Desta forma, esse coletivismo, em sua mobilização de setores sociais, que, para algumas linhas interpretativas, como o marxismo, representou um avanço no sentido de politização e aumento do espaço de reivindicação de direitos, é ressignificado como o grande mal do século. A intervenção do Estado na economia, o nacionalismo e a mobilização de massas figuram nessa releitura do passado como elementos que inviabilizaram, em diversos momentos de nossa história, uma inserção na “marcha do progresso”. A memória do passado é restituída tanto para caracterizar os infortúnios do presente como para legitimar as propostas e projetos para o futuro. Passagens importantes da história nacional são relembradas e ressignificadas com o intuito de dar sustentação aos argumentos liberais. O passado se configura como um instrumento fundamental de justificação do discurso. Como exemplo, podemos apontar a posição de Roberto Campos em relação ao programa de desenvolvimento do petróleo brasileiro nos anos 50. O economista critica com veemência a política adotada pelo Brasil em relação à produção de petróleo, onde o slogan “o petróleo é nosso” seria um discurso característico daquilo que, para ele, havia de pior na cultura política brasileira que foi o nacional-populismo. “Nunca entendi por isso, durante as discussões do Estatuto do Petróleo, no governo Dutra, os devaneios nacionalistas, segundo os quais a exploração do petróleo por empresas estrangeiras significaria uma espécie de penhora da independência”.4

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Entre as irracionalidades brasileiras se destacava a campanha do petróleo é nosso em favor do monopólio petrolífero, que acabaria sendo votado pela Lei 2.004, de outubro de 1953.(...) As restrições à remessa de lucros já haviam desencorajado o ingresso de capitais, e a discussão sobre o monopólio do petróleo configurava uma tendência de proibição do ingresso de capitais numa área crítica para restauração da solvência brasileira. Éramos um país de endividados e insolvente, que rejeitava capitais estrangeiros, numa das poucas áreas para as quais seria possível atraí-los.5

Segundo Campos esta concepção nacionalista em relação à produção mineral fora responsável, na época, pelo atraso do Brasil em seu desenvolvimento de programas de exploração dessas riquezas e, por conseguinte, impediu que o país se modernizasse e desenvolvesse economicamente. Desta forma, a defesa de uma produção nacional e independente dos recursos internacionais é requalificada por Campos como uma política populista que teria comprometido uma grande oportunidade de abertura internacional e a integração do Brasil a uma política modernizadora liberal. A idéia de desenvolvimento independente da intervenção estrangeira é apontada pelo economista como um grande equívoco. Ele relembra que nos anos 50 foi intenso o debate em torno dos modelos para o desenvolvimento econômico brasileiro. A tônica da discussão girava em torno de perspectivas que defendiam um desenvolvimento independente, com uma economia regulada pelo Estado e, por outro lado, modelos que defendiam o desenvolvimento econômico pautado na abertura econômica ao capital estrangeiro. Roberto Campos classifica como desnecessária essa discussão e ao defender uma abertura internacional é enfático em sua crítica à posição protecionista da política brasileira.

A falácia dessas diferentes taxonomias só viria a ser contundentemente demonstrada na década de oitenta, com o espetacular sucesso das economias periféricas do leste asiático, que, numa estranha reversão

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de posições, passariam a provocar, nos países do centro, o receio de desindustrialização. A experiência asiática demonstrou que a diferença relevante não é aquela entre desenvolvimento espontâneo ou derivado, central ou periférico, dependente ou independente. A diferença relevante é entre o desenvolvimento orientado para a exportação, que impõe o constrangimento da eficiência, ou o desenvolvimento introvertido, que acoberta ineficiências através do protecionismo.6

A experiência de desenvolvimento dos países asiáticos demonstra, na argumentação de Roberto Campos, que, o que realmente importava era a abertura internacional. Toda essa discussão em torno do nacionalismo e da defesa de uma produção e desenvolvimento independente das pressões internacionais era, não só, uma discussão desqualificada, como acabava por promover uma condição de ineficiência e inércia da economia nacional. No entanto, Campos critica que o começo dos anos 50 foi vincado por essa irrupção nacionalista que acabou sendo uma marca tradicional do pensamento varguista. O efeito perverso desse nacionalismo de Vargas estaria em que, ao tentar proteger a produção nacional da entrada de capitais estrangeiros, acabava por preferir financiamentos a investimentos diretos. Nesse sentido o economista afirma, “como costumava dizer à época, os investimentos diretos geram sócios complacentes, enquanto que os empréstimos podem gerar credores implacáveis”.7 Já na fase preparatória do governo Kubitschek, foi proposto por Roberto Campos e Lucas Lopes (conselheiro técnico da Comissão Mista Brasil – Estados Unidos / CMBEU) um programa de reforma cambial com a idéia de preservar a viabilidade do balanço de pagamentos e um programa de estabilização monetária de modo a evitar explosão inflacionária. “Ambos esses programas, despertaram pouco interesse em Juscelino, mais um tocador de obras que um estadista de perspectivas”.8 Campos critica que o Brasil não tinha um planejamento macroeconômico atendo-se exclusivamente a propostas setoriais e classifica o ex-presidente Juscelino Kubitscheck como um tocador de obras. Esses discursos

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apontam para a idéia de como o Brasil, em diversos momentos e circunstâncias, perdera a oportunidade de “deslanchar” e partir para um desenvolvimento realmente consistente, em virtude de posições políticas equivocadas e falta de visão administrativa de seus dirigentes. O conceito de cultura política mostra-se extremamente pertinente na análise destes discursos, uma vez que permite reconstruir o comportamento político de indivíduos e grupos, tendo em vista suas próprias representações e visões de mundo, com as quais definiriam suas memórias, vivências e sensibilidades. A posição contrária aos monopólios estatais e ao nacionalismo é enfatizada por Roberto Campos em vários processos e discussões políticas.

Estatal sem monopólio era o meu lema da época. Modelos de mobilização restritiva nunca foram, aliás, de minha simpatia. Lutei contra o monopólio da Petrobrás por julgá-lo um modelo de mobilização restritiva. Lutei depois contra a lei de informática, de 1984, porque se baseava no mesmo princípio de rejeição de capitais estrangeiros, numa pretensão irrealista de autonomia tecnológica. Descambamos para uma espécie de isolamento tecnológico extremamente detrimentoso. Lutei também, na constituinte de 1988, contra o terceiro modelo excludente – a exigência de maioria de capitais nacionais na exploração mineral. Essa exigência é particularmente irrealista na fase de pesquisa, extremamente arriscada e pouco atraente. Em todos os três casos fui derrotado. Em todos os três casos estava redondamente certo. (...) Estive certo quando tive todos contra mim.9

Neste trecho, também podemos perceber uma posição teleológica na argumentação de Campos. O economista trata dos embates políticos discutidos a partir de sua posição no presente. O fracasso de um modelo econômico do presente é utilizado para dar sentido a suas posições políticas no passado. É importante perceber a forma com que indivíduos e grupos lidam com a temporalidade, ou seja, como interpretam sua relação com o passado, presente e futuro dentro de uma “cultura histórica”.

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Além disso, como esses atores fazem uso dessa memória como critério de legitimação dos discursos. Ao criticar enfaticamente a interferência política na esfera social, econômica e cultural, os neoliberais questionam a própria noção de direito e a concepção de igualdade que serve (ao menos teoricamente) como fundamento filosófico da existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades democráticas. Desta forma o próprio conceito de cidadania em que se baseia a concepção universal e universalizante dos direitos humanos (políticos, sociais, econômicos, culturais e etc.) teria gerado, segundo os neoliberais, um conjunto de falsas promessas que orientam ações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta de reconhecimento social no valor individual da competição. É neste quadro que se reconceitualiza a noção de cidadania, através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado é o cidadão consumidor.10 A busca de um passado não pode ser desvinculada das demandas e exigências de um tempo presente e, por esta razão, sua compreensão é também parte da inteligibilidade de uma cultura histórica que aciona experiências, imagens e atores do passado para uma contemporaneidade que procura nesse tempo que ficou para traz referências para imaginar o mundo em que vive.11 Essa noção de cultura histórica tendo em vista a relação que uma sociedade mantém com seu passado, encontrada em Jacques Le Goff12, se mostra enriquecedora na compreensão de como certas interpretações do passado são produzidas e consolidadas através do tempo, integrando-se ao imaginário e à memória coletiva de grupos sociais. Nesse sentido, Roberto Campos revisita o passado para demonstrar que suas concepções, outrora rechaçadas, foram legitimadas, a posteriori, pelo próprio curso da história.

Em nenhum momento consegui a grandeza. Em todos os momentos procurei escapar da mediocridade. Fui um pouco

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apóstolo, sem a coragem de ser mártir. Lutei contra as marés do nacional-populismo, antecipei o refluxo da onda. Às vezes ousei profetizar, não por ver mais que os outros, mas por ver antes. Por muito tempo ao defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege imprudente. Os acontecimentos mundiais, na visão de alguns, me promoveram a profeta responsável.13

A reconstrução histórica é necessária mesmo quando a memória social preserva o testemunho direto de um acontecimento, pois cabe ao historiador questionar e problematizar este testemunho, não por duvidar do relato, mas por dispor de um olhar crítico no sentido de apontar as estratégias discursivas que introduzem informações fundamentais, na medida em que essas narrativas se constituem como signos ideológicos. “O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes (...). Tudo que é ideológico possui um valor semiótico”.14 Nesse sentido, na análise dos discursos é preciso articular memória e conhecimento histórico, a fim de levantar e problematizar os artefatos ideológicos inseridos na narrativa. A concepção de culturas políticas propõe um sistema de representações capaz de compreender os sentidos que determinado grupo atribui a uma dada realidade social, bem como o papel fundamental exercido por uma cultura histórica para a significação e legitimação de um dado discurso. Os meios de comunicação exercem um papel fundamental para a construção e a difusão destes valores na sociedade. Como exemplo de discurso midiático alicerçado em uma ressignificação do passado, com o objetivo de uma doutrinação ideológica do presente, podemos apontar a entrevista da revista Veja na edição de 21 de junho de 1989, com o economista Roberto Campos, que frisa: “Estamos perdendo a oportunidade de participar da corrente mundial de desenvolvimento. Vivemos num país mercantilista, pré-capitalista. (...) Faltam aos nossos governantes idéias mobilizadoras que acabem com a letargia em que estamos imersos”.15 Mais adiante, o entrevistado aponta com mais clareza sua concepção:

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Acho que o Brasil precisa de duas visões mobilizadoras. A primeira é a do capitalismo democrático, quer dizer o casamento da democracia política com a economia de mercado, isso que se chama de neoliberalismo. A segunda visão está na integração do país no mercado mundial. O Brasil não faz nenhuma dessas duas coisas e está fora da corrente do progresso. Nosso país não apresenta hoje as características essenciais da modernidade, (...). Essas características se centram sobre alguns princípios – privatização, desregulamentação da economia, abrandamento fiscal e integração no mercado mundial. O Brasil faz tudo ao contrário. (...) O fato é que a economia mundial marcha para uma integração e só o Brasil parece não ter descoberto isso. O país está fora de moda . (Grifos meus).16

Podemos perceber, tanto na análise das memórias de Roberto Campos, como em sua entrevista para a revista Veja, a idéia de uma necessidade de “modernizar” o Brasil, de inserir o país na grande “corrente do progresso” em que todo mundo estaria mobilizado e o Brasil estaria de fora, como afirma Campos, “fora de moda”. Essa idéia de tirar o Brasil de uma condição histórica de letargia e inserir o país em uma aliança mundial de progresso, se posta como uma recorrente estratégia de legitimação do discurso liberal. A dicotomia entre retrocesso e modernização mostra-se sempre presente nessas argumentações. O Brasil é sempre apontado como o campo do atraso e das idéias ultrapassadas, ao passo que os países que adotaram uma política de mercado neoliberal, são vistos como inseridos na “marcha do progresso”, munidos de idéias inovadoras características de sociedades “modernas”. Essas questões podem ser verificadas em publicações como em “Ponto de Vista” de dezembro de 1988, onde, em matéria intitulada “Já estamos no socialismo”, o jornalista Luciano Suassuna defende que: “O Brasil já é, há muito tempo, um país socialista. (...) O Brasil já tem a economia nas mãos do Estado, os propinodutos, a burocracia e até as dachas”. E conclui enfatizando: “Como sê vê o socialismo já chegou, disfarçado num capitalismo arcaico e ineficiente ”. Em entrevista

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de dezembro de 1989, o então Ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega destaca que “O Estado precisa ter o seu papel redefinido no Brasil para que sejamos um país moderno. (...) Até mesmo os países socialistas estão concordando com isso e alterando seus rumos”.18 Percebe-se, nos fragmentos, o discurso que relaciona a política brasileira à dos países socialistas, qualificando-os como símbolos do sucateamento e de uma mentalidade retrógrada. A saída para a modernização, mais uma vez, estaria na concepção de mundo neoliberal. Essas declarações expressam e sintetizam, na verdade, um ambicioso projeto de reforma ideológica por meio da construção e difusão de um novo senso comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma impulsionadas pelo bloco dominante. Por meio do exame destas fontes, procuramos analisar a construção de uma hegemonia do pensamento liberal. Isso não quer dizer que não exista forças sociais de resistência em relação a essa doutrinação. Ao contrário, é importante perceber a tensão constante entre as diferentes culturas políticas. Os meios de comunicação são importantes trincheiras na luta pelo consenso na sociedade civil. A idéia de hegemonia implica a permanência de tensões e projetos contra-hegemônicos. “Competindo entre si, complementando-se, entrando em rota de colisão, sua multiplicidade não impediria, contudo a possibilidade de emergência de uma cultura política dominante em certas conjunturas específicas”.19

O que esses discursos apontam não são apenas questões relacionadas ao universo político-econômico nacional, mas, em grande medida, a construção de uma visão de mundo neoliberal. Fica clara a importância de se perceber a influência do neoliberalismo no Brasil, não simplesmente como adoção de políticas impostas por países centrais do capitalismo, partindo do centro político decisório para, posteriormente, chegar à sociedade, mas sim como uma matriz ideológica que foi difundida por setores da sociedade e, posteriormente, instrumentalizada

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em políticas adotadas pelo Estado, nos anos 90. Esse processo é resultado da ação de agentes, grupos sociais e instituições, que, por meio de estratégias de legitimação ideológica buscaram estabelecer seus valores como consenso. Desta forma, o importante aqui é que ressaltar a implicação do neoliberalismo enquanto ideologia. Anderson afirma que o neoliberalismo é

(...) um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Política e ideologicamente, (...) o neoliberalismo alcançou um êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas (...) Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes.20

Conclusão Ao converter a memória em objeto da história no presente, a história do presente nos oferece novas chaves de inteligibilidade do passado, na medida em que se vincula à atualidade e a demanda social, bem como aos objetos concretos da lembrança. Diante dos discursos analisados, fica claro que o historiador deve, além do estudo dos acontecimentos em si, analisar como são elaborados, transmitidos e percebidos no processo de reconstrução ideológica do passado que condiciona a própria percepção do presente pelos diferentes grupos sociais. É perceber por traz da narrativa as estratégias de construção ideológica de uma concepção de mundo. Sua tarefa, então, não se restringe em narrar acontecimentos, mas realizar uma profunda reflexão sobre eles, apontando as representações e a função de elementos integrantes de um determinado imaginário coletivo, pois, apesar de se estabelecer um reconhecimento mútuo da importância de determinado acontecimento histórico, há que se

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perceber a reapropriação dele a partir dos valores e da posição que ocupa determinada corrente de opinião no jogo político. Diante disso, entendemos que o pensamento liberal conseguiu impor determinados significados ao termo “modernização”, por oposição ao que qualificam como “atraso”. Essa dicotomia tem longa tradição nas interpretações do Brasil e foi sistematicamente criticada por, entre outros, Francisco de Oliveira.21 Nesse sentido, a existência de um ambiente político, social e econômico favorável às atividades empresariais não pode ser vista como fruto de uma emanação espontânea da economia de mercado, mas, em grande medida, como o resultado da ação consciente e metódica de instituições e agentes, entre os quais os próprios empresários. Por meio da análise qualitativa dos periódicos destacados e das memórias de Roberto Campos, foi possível perceber as estratégias de legitimação e difusão de uma concepção de mundo, assim como o embate travado entre as forças sociais em torno da construção de uma memória coletiva, visto que memória é espaço de poder. Assim, esses instrumentos midiáticos trazem a constituição de uma memória das classes dominantes que objetiva utilizar determinada visão de história para impor seus valores à sociedade como um todo. Entendemos, por fim, que entre essa concepção de mundo extremamente consumista e a característica desarticulação política dos anos 90 no Brasil interpõe-se uma hegemonia ideológica neoliberal que amparou teoricamente e reconfigurou o conceito de cidadania. A construção desta visão de mundo fundada na valorização demasiada da imagem e do status social, promovido por meio de símbolos de consumo, encontra na ideologia neoliberal seu embasamento teórico e veículo fundamental.

Notas e Referências* Mestrando do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de São João Del-Rei - UFSJ. Orientador: Doutor Eder Jurandir Carneiro. Contato: [email protected]

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1 SEVECENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 36.2 GROS, Denise Barbosa. Institutos Liberais e Neoliberalismo no Brasil da Nova República. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heureser, 2003. p. 41.3 CAMPOS, Roberto de Oliveira. A Lanterna na Popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbooks, vol.I, 1994.4 Ibidem, p. 74.5 Ibidem, p. 172.6 Ibidem, p. 166.7 Ibidem, p. 182.8 Ibidem, p. 164.9 Ibidem, p. 75.10 GENTILI, Pablo. Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. 11 GUIMARÃES, Manoel L. S. “O presente do Passado: as artes de Clio em tempos de memória”. In: ABREU, Martha, RACHEL, Soihet e GNTTIJO, Rebeca (orgs.). Cultura Política e Leituras do Passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.12 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. O autor faz uma substancial reflexão sobre a noção de “cultura histórica”.13 CAMPOS, op. Cit. p. 20.14 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, 1995. p.32.15 CAMPOS, Roberto de Oliveira. “Um país fora de moda”. Revista Veja. São Paulo, Editora Abril, fascículo 1084, p.5, 1989. 16 Ibidem, p.6.17 SUASSUNA, Luciano. “Já estamos no socialismo”. Revista Veja. São Paulo, Editora Abril, fascículo 1058, p.170, 1988.18 NOBREGA, Maílson da. “Sair é um alívio”. Revista Veja. São Paulo, Editora Abril, fascículo 1110, p.6. 1989.19 GOMES, Angela de Castro. “Cultura Política e Cultura Histórica no Estado Novo”. In: ABREU, Martha, RACHEL, Soihet e GNTTIJO, Rebeca (orgs.). Cultura Política e Leituras do Passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 48. Angela de Castro Gomes discute que do mesmo modo que as culturas políticas são plurais, pode haver o confronto de mais de uma cultura histórica.20 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo; SADER, Emir (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 22-23.21 OLIVEIRA, Francisco de. Crítica a razão dualista - O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.

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Negligenciada por longo tempo, a história institucional vem sendo retomada pela historiografia francesa recente. De um lado, influenciada pela revisão de alguns autores anglo-saxões, de outro, pelo sopro de renovação que tem impulsionado os estudos de história política, desde o final dos anos 1980, conforme aponta Georg G. Iggers, no livro Historiography in the Twentieth Century: from scientific objectivity to the postmodern challenge (1997).1 As instituições públicas e privadas constituem hoje um novo objeto de estudo que pode ser abordado pela convergência de fatores políticos, sociais e culturais. Já em 1989, na comemoração do bicentenário da École Normale Supérieure, diversos historiadores dedicaram-se à problemática da história institucional, ao examinarem a atuação das “Grandes Escolas” na Europa. As discussões ali travadas encontram-se publicadas na obra coletiva L’apprentissage de Savoir (1995), em particular, o texto de Jean Starobinski, intitulado “Le partage de savoirs”.2 Criada em 1883, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro transformou-se numa estrutura elementar de sociabilidade da Corte Imperial.3 Por lá, circulavam advogados, médicos, engenheiros militares e funcionários públicos. Indivíduos que estavam antenados com as principais correntes teóricas da época, na esteira do que Silvio Romero denominou como um “bando de idéias novas”. Defendiam um projeto pragmático de ciência, com a valorização das ciências para solucionar problemas, com incorporação de modelos do exterior, adaptando-os e desenvolvendo-os em consonância com a realidade nacional.4

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Nos primeiros anos de atividade, empreendeu um programa de trabalho que buscava responder às demandas do Estado monárquico, por meio de práticas ou atividades científicas, direcionadas para o melhor conhecimento do espaço físico do Império e de seus habitantes, a exemplo da publicação de seu periódico a Revista ou Boletins da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Apesar da queda da monarquia, em 1889, e das atribulações que sofreu com a instauração do regime republicano, a Sociedade permaneceu desenvolvendo atividades que pudessem auxiliar no aperfeiçoamento da sociedade, consoante o ideário positivista. Esse pragmatismo ganhou um reforço, impulsionado pelo “patriotismo à moda 1914”. O fenômeno identificado pelo historiador francês Maurice Agulhon corresponde ao período entre 1910 e 1920, caracterizado pela reafirmação dos sentimentos cívicos e o interesse pelas questões nacionais.5 O deslumbramento e a glorificação da natureza, ao lado da ênfase na preservação do espaço físico, resenhavam o papel da geografia, cabendo-lhe promover a reconciliação entre a nação e a sua história. Se antes o saber geográfico era tomado como uma ciência auxiliar da história, doravante o discurso sobre o espaço torna-se o centro do debate intelectual, fornecendo-lhe a moldura capaz de re-enquadrar o passado.6 A visão imponente de um território de dimensão continental assentado em referências geográficas substantivas insuflava, portanto, o sentimento nacionalista nas reuniões da Sociedade, ao mesmo tempo estimulava a proposição de atividades que buscavam descortinar o país aos brasileiros. Não se tratava de uma ação sistemática, mas sim de iniciativas esporádicas, que se aproximavam ao que o historiador Eric Hobsbawn, na divisão da história dos movimentos nacionais, identificou como um momento em que uma minorité agissante representada por um conjunto de pioneiros militantes da idéia nacional atua por meio de campanhas e de movimentos em prol dessa mesma idéia.7

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O governo passou a conferir maior importância à atuação de entidades como a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, reconhecida como órgão de utilidade pública, por decreto assinado pelo presidente Wenceslau Braz Pereira Gomes em 1917. A SGRJ envolveu-se, ainda, nas comemorações do centenário da independência, em 1922. Idealizou um projeto de natureza enciclopédica, a Geografia do Centenário, planejado para alcançar dez volumes. Dirigida ao grande público, a coleção de pretendia, didaticamente, descortinar o Brasil aos brasileiros. Seguiram-se outros projetos de cunho pedagógico, como o Curso Superior Livre de Geografia, que funcionou entre os anos de 1926 e 1927, destinado à atualização de professores primários, organizado por um corpo de especialistas de escol, que reuniu nomes como Fernando Raja Gabaglia, Everardo Backheuser e Delgado de Carvalho.8 Além disso, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro empenhou-se na realização de atividades acadêmicas, na divulgação de trabalhos e na publicação de textos inéditos, que lançavam luz sobre aspectos ainda não revelados do território e da população brasileira. Neste sentido, tornou-se um espaço de discussão, recebendo estudiosos como o engenheiro Vicente Licínio Cardoso, então redator-chefe da Revista da Sociedade. Em duas ocasiões, ele apresentou uma síntese das suas investigações sobre o rio São Francisco, assunto que há muito o instigava, apesar de pouco privilegiado pelos estudiosos de então. Acentuava que apesar da sua comprovada importância, a região atravessada pelo São Francisco permanecia obscura para a maioria dos brasileiros, no seu entender: “(...) a ignorância do presente daquele vale exprime e exemplifica, ao mesmo tempo, esse perigo largo em que temos incorrido tantas vezes, vivendo no litoral, mas pensando, de contínuo, como se a nossa cabeça estivesse...na própria Europa”.9 A partir dos anos 1930, significativas transformações afetaram a vida política, econômica, social e cultural da Nação,

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tais mudanças já se prenunciavam na década anterior, marcada pela crise do sistema oligárquico, a emergência do movimento tenentista, a comemoração do Centenário da Independência do Brasil e a realização da Semana de Arte Moderna em 1922. Ao mesmo tempo, as conseqüências da Primeira Guerra Mundial indicavam que o ideal cosmopolita cedia lugar a passos largos ao nacionalismo exacerbado. A busca pelas raízes brasileiras constituiria, assim, uma das principais preocupações dos homens públicos e letrados da época: “(...) seja através dos ideais da ciência ou da racionalidade (geração de 1870) da arte ou da intuição (geração de 1920), imbuídos de vocação messiânica, senso de missão ou dever social, os intelectuais se auto-elegeram sucessivamente consciência iluminada do nacional”.10

O golpe de Estado que pôs fim à Primeira República, em 1930, não afetou o funcionamento da SGRJ. Aliás, desde o primeiro momento, a Sociedade mostrou-se favorável ao movimento que deu início à chamada Era Vargas, o que não é de estranhar, uma vez que por lá transitavam figuras que apoiaram a Aliança Liberal.11 A associação carioca, entre outros temas que mais tarde seriam objeto da atenção do governo, empenhou-se em examinar a questão do reordenamento geopolítico do território brasileiro. A exemplo da “Grande Comissão Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”, coordenado por Everardo Backheuser, então vice-presidente da Sociedade de Geografia. O projeto deveria somar esforços para “(...) servir bem, sem o menor laivo e preocupação subalterna ou regionalista, os supremos interesses do Brasil”. 12 No fundo, buscava-se diminuir o poder das unidades mais expressivas da Federação, a propósito de promover o equilíbrio entre os estados. Previa a adoção de um quadro geopolítico menos fragmentado, formado de vinte unidades federativas e dez territórios lindeiros, cobrindo praticamente toda a área de fronteira com as nações vizinhas, entre o extremo norte e o sudoeste do país, o que revela forte preocupação com

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a defesa da soberania nacional. Sugeria, ainda, substituir a denominação de “estado” pela de “província”, de acordo com a tradição histórica da autonomia política nacional. Para legitimar tais alterações, a “Comissão” advertia para necessidade de se realizar uma campanha de esclarecimento junto à população, de forma a conscientizá-la da sua importância. Por sinal, algumas das sugestões oferecidas pela “Grande Comissão” apareceriam incorporadas ao novo mapa político brasileiro de 1943. Além do projeto encabeçado pela SGRJ, ocorreram iniciativas individuais de alguns associados, como Everardo Backheuser, Raul Bandeira de Mello e Ezequiel Ubatuba. Outros trabalhos voltaram-se para a ocupação dos espaços vazios do interior do país e a discussão da problemática da imigração. Os associados Raimundo Saladino de Gusmão, José Wanderley de Araújo Pinho, João Ribeiro Mendes e José Magarinos não viam com bons olhos a introdução do imigrante japonês. Considerava-se aceitável o seu ingresso no país, desde que direcionado exclusivamente para o povoamento de áreas inóspitas. Ponderava-se que a “arianização” da população brasileira, sobretudo por meio do elemento europeu, era primordial para o desenvolvimento econômico.13 De fato, a política de povoamento implementada por Getúlio Vargas evitou o estabelecimento de imigrantes nas cidades, procurando assentá-los, prioritariamente, nas áreas de fronteira do extremo Oeste.14 A implementação de políticas públicas que buscavam articular iniciativas científicas com a conformação de uma cultura política, na qual a temática do território nacional, a exploração racional dos seus recursos naturais e sua ocupação ordenada ganhariam um espaço singular. Isto redundou naquilo que decidimos denominar de “cultura geográfica”, ou seja, um conjunto de ações sistemáticas com o objetivo de utilizar o conhecimento geográfico para subsidiar as ações do governo de Getúlio Vargas.15 É evidente que para desenvolver essa “cultura

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geográfica” procurou-se suporte nas experiências e estudos anteriores, empreendidos também pela “(...) prestigiosa Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro que de longa data vem liderando no país as iniciativas e as realizações geográficas”.16 Estabeleceu-se, assim, uma espécie de via de mão dupla entre os órgãos federais que reconheciam a contribuição do tradicional reduto, recebendo em troca apoio e colaboração na implementação dos seus programas de trabalho. Não houve, portanto, inicialmente, um conflito de interesses entre a “associação de diletantes” e os organismos que seriam criados ao longo aos anos 1930, ou disputas, uma vez que o sistema geográfico instituído em 1938 integrava antigos e modernos. No desenvolvimento dessa “cultura geográfica”, a experiência da Sociedade seria valorizada e seus associados desempenhariam papéis de primeira grandeza. Nomes como Everardo Backheuser, Carlos Delgado de Carvalho, Fernando Raja Gabaglia e Mario Augusto Teixeira de Freitas. Deste modo, apesar de instituição de caráter privado, foi integrada ao sistema geográfico oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, estabelecido por Vargas, em 1938, o que estreitaria ainda mais a sua colaboração com os órgãos federais, inclusive, as recém criadas faculdades de filosofia. Em 1931, por indicação do Governo Provisório e com o seu patrocínio, a Sociedade de Geografia participou do Terceiro Congresso Internacional de Geografia em Paris, quando se estabeleceu o primeiro contato com a União Geográfica Internacional (UGI).17 Como representante da SGRJ, foi enviado o sócio Alberto José de Sampaio, membro da Academia Brasileira de Ciências, professor de Botânica do Museu Nacional, antigo integrante da Comissão Rondon e reconhecido especialista na flora mato-grossense.18 Ao retornar ao Brasil, Sampaio assinalava que o país fora convidado a se filiar à União Geográfica Internacional pelo professor Emmanuel De Martonne, secretário-geral daquele evento e diretor do Instituto de Geografia da Universidade de

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Paris.19 Em 25 de julho de 1933, em sessão conjunta da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Ciências, De Martonne recebeu o título de membro honorário da Sociedade. Naquela oportunidade, sugeriu a entrada do país na UGI.20 De fato, o ingresso do Brasil naquele organismo suscitou imensa atividade que culminou num movimento de renovação da disciplina com a vinda de professores franceses, a criação das universidades de São Paulo e do Distrito Federal, bem como o estabelecimento de um organismo oficial de coordenação e de sistematização dos conhecimentos geográficos e estatísticos sobre o território nacional, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.21 De qualquer maneira, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro assumiu a vanguarda da convocação dos congressos brasileiros de geografia entre 1909 e 1944. O estudo dessas reuniões científicas revelou não apenas a preocupação com o estado da arte ou a evolução da disciplina. Eles constituem um bom termômetro para se avaliar as transformações que se operavam no país, nos âmbitos social, econômico e político. Os certames realizados entre os anos de 1909 e 1926 tiveram lugar em diversas capitais brasileiras, contaram com financiamento de órgãos públicos e maior participação de entidades estaduais que os acolhiam, dando margem ao acentuado aparecimento de contribuições que privilegiavam temáticas locais. Em 1940, a Sociedade retomou a prática de promover reuniões periódicas da disciplina, interrompida em 1926. De acordo com as Resoluções nº 42 e 48, respectivamente, de 7 de julho e de 30 de outubro de 1939, do Conselho Nacional de Geografia, “(...) a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, num entendimento cívico, deliberaram reiniciar a série dos Congressos Brasileiros de Geografia, realizando-os trienalmente.”22 Cabe distinguir que as jornadas de 1940 e de 1944, cuja programação atendia às demandas da “cultura geográfica” do Estado Novo, evidenciam, ainda, a predominância

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de um saber geográfico de caráter pragmático e utilitário, direcionado para o reconhecimento do espaço nacional e para subsidiar a ação governo de Getúlio Vargas. Por conseguinte, não é de estranhar a sua dimensão política.23 Porém, isto não significa afirmar que sua contribuição ao conhecimento geográfico deva ser minimizada. Como atestam as discussões travadas, sobretudo na reunião de 1944, é importante assinalar, o campo da geografia no Brasil já se encontrava em franca delimitação. Não por acaso, se pleiteava a sua separação da história nos cursos das faculdades de filosofia. Para além disso, despontava a preocupação em definir um perfil para o geógrafo profissional, cuja formação se presumia diferente daquela destinada aos docentes de ensino médio. Os dois congressos realizados durante o Estado Novo reforçaram a visibilidade da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Como integrante do sistema geográfico, as atividades e iniciativas da associação carioca seriam divulgadas na seção “Noticiário”, da Revista do IBGE. A par disso, outros fatores contribuíram para lhe granjear maior prestígio. Ao longo da década de 1930, a Sociedade passou por uma fase de rejuvenescimento, com a incorporação de novos filiados, na maior parte, funcionários do IBGE e professores que atuavam nas recém criadas faculdades de filosofia, além de militares e políticos, categorias que tradicionalmente freqüentavam a SGRJ, desde a sua fundação. Neste processo de renovação, assumiria um papel de vanguarda nas relações de gênero, ao abrir os seus quadros sociais para o sexo feminino. Para se ter uma idéia, em 1944, ingressaram sete sócias, inclusive, a professora Maria da Conceição Vicente de Carvalho24, umas das pioneiras a defender tese de doutorado na Universidade de São Paulo, sob a orientação de Pierre Monbeig, naquele mesmo ano.25 Mas, o reduto científico ainda se beneficiaria da proteção que desfrutava de homens públicos como os ministros José Matoso Maia Forte, Oswaldo Aranha, e o ex-chanceler José Carlos Macedo Soares,

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este último alçado à condição de presidente honorário em 1940. Por sinal, ao receber a deferência, o embaixador vislumbrou a possibilidade do reduto científico comemorar o seu 60º aniversário de fundação no prédio que idealizara construir para acolher as instituições técnicas e culturais do país, denominado de Palácio do Silogeu Brasileiro. O decreto-lei 2326 de 10 de junho de 1940 determinava a centralização de sedes de diversos órgãos técnicos e culturais, com a criação de um edifício, no espaço onde já se encontrava o IHGB, na Avenida Augusto Severo. A “Casa do Brasil” como também era chamada, reuniria a SGRJ, o IBGE, o IHGB, o DASP, o DIP, o INEP, a Liga da Defesa Nacional, a Academia Nacional de Medicina, a Associação Brasileira de Educação, o Instituto da Ordem dos Advogados, além de instituições que desenvolviam atividades ligadas aos serviços de estatística subordinados aos Ministérios da Justiça, da Fazenda, da Agricultura, do Trabalho, da Previdência, da Educação e Saúde, e da Viação. Previa-se, ainda, a criação do Planetário Cruzeiro Sul com objetivos de “recreio e de educação popular.”26 Animada com o impulso dos últimos tempos, no final de 1944, a Sociedade elegeu uma nova diretoria para o biênio seguinte, encabeçada pelo ex-chanceler José Carlos Macedo Soares. A escolha de Macedo Soares para o cargo da presidência não foi aleatória. Macedo Soares já ocupava a direção de outras entidades, a exemplo, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1939-1968), do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (1936-1951 e 1955-1956) e do Instituto Pan-Americano de Geografia e História (1944-1949)27, além de haver exercido a presidência da Academia Brasileira de Letras (1942-1943). O ex-chanceler era um homem de governo, possuía excelentes relações com o Palácio do Catete, o que poderia facilitar o livre trânsito da Sociedade nas esferas de poder, iluminando-a publicamente.28 A posse de José Carlos de Macedo Soares parecia cercada por bons augúrios. Aguardava-se a assinatura presidencial do decreto de doação

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de um terreno para a construção de sua sede, possivelmente para 23 de outubro em 1945.29 Assim, estimulada pelos novos rumos que ganhava, a Sociedade participou da organização dos “Cursos de aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”, entre 21 e 30 de junho de 1945. Os “Cursos” foram planejados e desenvolvidos em parceria com o Conselho Nacional de Geografia, com a aprovação pelo Ministério da Educação, de acordo com a Lei Orgânica do Ensino Secundário, a Reforma Capanema, promulgada em 1942. Vinha de longe a preocupação da Sociedade com o magistério. Se, em 1926, promoveu cursos para melhorar a qualidade dos professores de ensino primário, consoante a Reforma Capanema, voltou-se para o aprimoramento dos professores de ensino médio. O diploma conferido aos concluintes era reconhecido como título para admissão no “segundo ciclo de extensão de professorado”. Sem dúvida, na preparação do programa, pesou a experiência pioneira desenvolvida pela Sociedade de Geografia, na década de 1920, uma vez que o corpo docente seria capitaneado pelos mesmos Everardo Backheuser, Fernando Antonio Raja Gabaglia e Carlos Delgado de Carvalho. A esses nomes uniram-se os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Jorge Dodsworth Martins, Jorge Zarur, J. C. Junqueira Schmidt, João Capistrano Raja Gabaglia, Alírio de Matos, Cristóvão Leite de Castro, e os estrangeiros Giorgio Mortara e o Francis Ruellan. Participaram da cerimônia inaugural do curso, o presidente da Sociedade, José Carlos Macedo Soares, a professora Lúcia Magalhães, diretora da Divisão do Ensino Secundário e o engenheiro Cristóvão Leite de Castro, secretário geral do Conselho Nacional de Geografia, além do corpo de professores e alunos.30 Impulsionado pelos sucessos recentes, iniciou-se na Sociedade um movimento em prol da reforma dos seus estatutos. Diga-se de passagem, desde a fundação, seus diplomas legais da sofreriam apenas ligeiros acréscimos, mas

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nada que afetasse a estrutura básica fixada em 1883.31 Os novos estatutos definiam os fins da entidade; a formação dos seus quadros sociais; a composição da diretoria e do conselho diretor, das assembléias ordinárias e extraordinárias; e dispunham sobre a estrutura e o funcionamento, deliberando que o reduto científico seria dissolvida, caso o cadastro social atingisse menos de dez membros, devendo o seu patrimônio ser incorporado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Introduziram, ainda, uma mudança decisiva: deliberavam o fim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Substituíam-na por uma entidade de âmbito nacional, com a denominação de Sociedade Brasileira de Geografia. Esperava-se desse modo ampliar o seu espectro de atuação no sistema geográfico. O destino, porém, não favoreceu aquelas pretensões. Getúlio Vargas, o grande patrono da extinta SGRJ, já havia sido deposto, em 29 de outubro de 1945. Nem mesmo tivera tempo de assinar o tão almejado decreto de doação do terreno para a sua sede. Com a instalação do governo provisório, outras tentativas se sucederam, sem sucesso. 32 Desde a sua fundação até a sua extinção, em 1945, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro atuou como um lócus para o debate e a reunião de estudiosos da matéria. As práticas científicas desenvolvidas, os empreendimentos acadêmicos realizados, do mesmo modo que o conhecimento acumulado na coleção das suas publicações, atestam que as iniciativas da Sociedade, embora carecessem de sistematização e de continuidade, anteciparam-se ao conjunto de medidas tomadas na década de 1940, contribuindo para a formação da geografia como um campo disciplinar autônomo no Brasil.

Notas e Referências

* Este artigo é um resumo da tese de doutorado Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espelho das tradições progressistas (1910-1945), defendida em 2008, no Programa de Pós-Graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação da Professora Dra. Lúcia Maria

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Paschoal Guimarães. A pesquisa recebeu o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). O trabalho constitui uma continuidade à dissertação de mestrado, defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2003, na qual analisamos a fundação e atuação da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ), entre 1883 e 1909, no contexto do movimento que ensejou o aparecimento de entidades congêneres na Europa e no Novo Mundo.

1 Cf. Georg G. Iggers, Historiography in the Twentieth Century: from scientific objectivity to the postmodern challenge. Hanover: Wesleyan University Press & London: University Press of New England, 1997.2 Cf. Paul Viallaneix (dir.). L’apprentissage du savoir vivant: Bicentenaire de la fondation de l’Ecole Normale Supérieure. Paris: Presses Universitaires de France, 1995. 3 Cf. Jean François Sirinelli, “Os intelectuais”. In: René Rémond (org.), Por uma História Política. RJ: UFRJ, FGV, 1996, p. 231-270.4 Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa, As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional, 1875-1934. São Paulo: HUCITEC, 1997, p.19.5 Cf. Maurice Agulhon, Histoire Vagabonde III. (La politique em France, d’hier à aujourd’hui). Paris: Gallimard, 1996, p. 12.6 Tânia Regina de Luca, “História e geografia: revalorização da nação”. In: __________. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a nação. São Paulo: Unesp, 1999, p. 97.7 Eric Hobsbawn, Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 21.8 O empreendimento pedagógico da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro reuniu figuras expressivas, recrutadas não apenas entre os membros da instituição, mas também em outras entidades, como a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, a Escola Normal e o Museu Nacional, tais como: Edgar Sussekind de Mendonça, Honório de Sousa Silvestre, Luiz Caetano de Oliveira, Heloísa Alberto Torres, Luis Caetano de Oliveira, Abel Pinto, Jorge Machado e Roberto Freire Seidl.9 Vicente Licínio Cardoso, “O rio São Francisco: base física da unidade do império”. SGRJ, Revista da SGRJ, Rio de Janeiro, t. 30, 1925, p. 38.10 Mônica Pimenta Velloso, “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo” In: Jorge Ferreira & Lucilia de A. Neves Delgado (orgs.), O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 148. 11 General Waldomiro Pimentel. “Comentários sobre os projetos da redivisão territorial política do Brasil”. Conferência proferida na sessão de 6 de abril de

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1934. SGRJ, Revista da SGRJ. Rio de Janeiro, tomo 40, 1935, 1º semestre, p. 60-61.12 SGRJ, “Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial e Localização da Capital Federal”. Revista da Sociedade, Rio de Janeiro, t. 37, 1933, p.71.13 José Wanderley de Araújo Pinho, “Fixação de imigrantes e assimilação do imigrante estrangeiro”. Discurso pronunciado na Câmara dos Deputados em sessão de 29 de junho de 1935. SGRJ, Revista da Sociedade de Geografia, Rio de Janeiro, t. 40, 1935.14 Angela de Castro Gomes, “O trabalhador brasileiro”. In: ______, Lúcia Lippi Oliveir &, Mônica Pimenta Velloso, Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.162.15 Cf. Ângela de Castro Gomes, “Cultura política e cultura histórica no Estado Novo”. In: Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Contijo (orgs.), Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 49. A noção utilizada inspira-se na definição de Ângela de Castro Gomes, ou seja, entendida como um sistema de representações complexo e heterogêneo capaz de permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo atribui a uma dada realidade social, em determinado momento e lugar. 16 IBGE, “Resolução n. 22 de 18 de julho de 1938”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, v. 1, n.3, jul./set., 1939, p. 143. A Resolução aprovada pela Assembléia Geral do Conselho Nacional de Geografia integra a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Brasileira de Ciências, o Clube de Engenharia e a Associação dos Geógrafos Brasileiros ao sistema geográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 17 A entidade fora criada em 1922 na Bélgica, com o propósito de incentivar o estudo dos problemas geográficos; iniciar e coordenar investigações geográficas que requeriam a cooperação internacional, por meio da discussão científica e da publicação de obras, incitar a padronização e a compatibilidade de métodos, nomenclaturas e simbologias empregadas na geografia e promover encontros internacionais a cada três anos. O 1º Congresso Internacional de Geografia realizou-se no Egito, em 1925, e o 2º na Inglaterra, em 1928.18 Cf. José Luiz de Andrade Franco & José Augusto Drummond, “Alberto José Sampaio: um botânico brasileiro e o seu programa de proteção à natureza”. Varia História, Minas Gerais, UFMG, n. 33, 2005, p. 153.19 Ver, Alberto José Sampaio, “Terceiro Congresso Internacional de Geografia”. Anais da Academia Brasileira de Ciências. Rio de Janeiro: Academia Brasileira das Ciências, t. 3, n. 4, 1931, p. 202.20 Emmanuel De Martonne, “Resposta do professor”. Rio de Janeiro, Anais da

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Academia Brasileira de Ciências, t. 6, n. 1, 1934, p. 41.21 Cf. Luciene Pereira Carris Cardoso, Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espelho das tradições progressistas (1910-1945), op. cit., p. 87-91.22 Cf. Conselho Nacional de Geografia. “Resolução nº 22, de 18 de julho de 1838”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, v. 1, nº 3, p. 143, jul. set. de 1939. Ver, também, SGRJ. Anais do 9º Congresso Brasileiro de Geografia, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, vol. 1, 1941, p. 64.23 Ver Sérgio Luiz Nunes Pereira, Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: origens, obsessões e conflitos (1883-1944). Tese (Doutorado) - Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade de São Paulo, 2002.24 Além de Maria da Conceição, em 1944, foram admitidas as seguintes sócias: Iolanda Rabelo de Sousa Ferreira, Judite Valadares Salgado, Maria de Lourdes Jovita, Julieta de Aragão Silveira, Isa Adonias e Isabel D’ Aartayette Dias.25 Ver, SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p. 130 e p. 139. 26 Cf. Mário Augusto Teixeira de Freitas, “Carta de (...) aos jornais do Brasil sobre a Construção do Silogeu Brasileiro, 13 de julho de 1940”. Arquivo Nacional, Coleção Mário Augusto Teixeira de Freitas, SG.D/1.828; Ver também, “Decreto-Lei n. 2326 de 10 de junho de 1940”. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, v. 2, n.3, jul./set., 1940, p. 504.27 Vale acrescentar que Macedo Soares também participou de outras associações científicas e culturais brasileiras e estrangeiras, a exemplo da Academia Internacional de Diplomacia, da Ordem dos Advogados de São Paulo, da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnografia, do Liceu Literário Português, da Academia Brasileira de Filologia e da Academia Paulista de Letras, do Instituto Histórico y Geográfico del Uruguai, da Academia Uruguaya de Letras, da Academia Argentina de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa, da Real Academia de História de Portugal e da Sociedade de Geografia de Lisboa, entre outras. 28 Enéas Martins Filho, “Resenha Biográfica”. IHGB, Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 279, abr./jun., 1968, p. 47.29 SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.133.30 SBG, “Cursos de aperfeiçoamento para professores de geografia do ciclo secundário”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, 1946, t. 53, p.74.31 As modificações foram realizadas nos anos de 1886, 1910, 1918, 1924, 1936 e 1940.32 SBG, “Relatório das atividades da Sociedade durante o ano de 1945”. Revista da SBG, Rio de Janeiro, t. 53, 1946, p.133.

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BREVE RELATO SOBRE O EXÉRCITO REVOLUCIONÁRIO NA ARGENTINA

Refletir sobre o Partido Revolucionário de los Trabajadores - Ejército Revolucionário del Pueblo (PRT-ERP) é conjeturar sobre políticas e práticas na América Latina dos anos 1970. As guerrilhas e ideias de libertação pela guerra popular surgem como estratégias à singularidade do território latino-americano, mobilizando a denominada segunda geração castrista – Tupamaros, no Uruguai, o MIR, no Chile, o ERP, na Argentina, etc. – que reacendem a luta por liberdade, principalmente, a partir da concepção de Che Guevara.1 Na Argentina, é o Cordobazo2 que guia a confirmação da alternativa de alguns grupos políticos pela luta armada, como o caso do PRT, partido este conformado, em 1965, por uma junção do movimento indoamericanista FRIP e a corrente trotskista Palabra Obrera. Em 1970, durante o V° Congresso do Partido, uma fissura, ocasionada pela oposição entre duas vertentes discordantes quanto os meios de promoção da revolução socialista - El Combatiente (PRT-EC), ala que transitava entre a concepção trotskista, guevarista e militarista, aproximando-se do castrismo, e La Verdad (PRT-LV), orientada pelo trotskismo e contrária à guerrilha – originou o PRT-ERP. O grupo EC instituiu, então, o Exército Revolucionário, afirmando a necessidade do proletariado de armar-se para contestar à violência capitalista:

[…] nuestras acciones tienen un objetivo principal: despertar la consciencia popular y mostrar a todos los patriotas el camino para acabar con la explotación, el hambre, la miseria a que nuestro pueblo se ve sometido.3

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Estes “Desobedientes Armados”4 necessitavam, assim, investir na propagação dos ideários e no convencimento da população para integrar-se à luta política, seja em seu desempenho legal, através do Partido e de suas frentes de mobilização, ou clandestino, pelo Exército Revolucionário. Logo, o objeto de análise deste trabalho são os impressos como vinculação entre esta organização política e os argentinos, principalmente em um período essencial de crise, entre junho de 1975 e março de 1976, no qual se desempenha uma aprofundada disputa pelo apoio da opinião pública.5 Um dos principais argumentos expostos, na época, e utilizados por diversos contingentes nessa disputa referia-se a violência como método de ofensiva ou repressão dos movimentos políticos. Após a morte de Perón6 , em julho de 1974, as associações de luta armada argentinas tornaram-se mais combativas, investindo em uma maior militarização, a fim de intensificar suas ações contra o governo e acelerar a insurreição das massas. Nesse momento, o ERP realiza diversas atividades para angariar recursos à guerrilha, instalada em Tucumán, desde maio de 1974, com a Companhia Jamón Rosa Jimenez, e propagar o movimento junto à população, com assaltos a bancos, seqüestros, roubos para redistribuição, tomadas de quartéis, ajusticiamentos, etc. A fim de conter a refutação, o governo de Isabel Perón aprofunda e oficializa a proposta de aniquilação dos “elementos subversivos” presentes na sociedade. Em setembro de 1974, cria a Lei Anti-subversiva, impondo penalidades às “atividades subversivas em todas as suas manifestações”, a fim de promover uma maior “segurança nacional”. Tal lei estabelecia prisões para aqueles que alterassem com finalidade ideológica, por qualquer meio, a ordem constitucional e a paz social da Nação; àqueles que divulgassem e propagassem instruções com o objetivo de doutrinamento; aos que tornassem público a apologia da subversão; indivíduos que possuíssem, imprimissem, editassem, distribuíssem ou subministrassem qualquer material impresso

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ou gravado que propagava feitos, comunicações ou imagens das condutas subversivas; aos que, sem autorização, possuíssem meios de comunicação ou emblemas, insígnias ou distintivos das Forças Armadas e organizações subversivas; aos membros do conflito laboral que não cumprissem as determinações de ilegalidade das greves; às pessoas que por qualquer razão dissimulassem sua identidade; e aos responsáveis pela comunicação que informassem ou propagassem feitos, imagens ou comunicações das condutas subversivas.7

Declara-se, em novembro, o Estado de Sítio no país (cuja duração perpetuou toda a Ditadura até 1983) sob a alegação de que os feitos destes “elementos subversivos” se agravavam com “ameaças à vida, à tranqüilidade e ao bem-estar de todos os lares argentinos” e de que era dever do Estado Nacional “erradicar expressões de uma barbárie patológica que havia desatado como forma de plano terrorista e criminal.”8 No mesmo mês, estipulou-se à polícia funções de perseguição imediata a delinqüentes ou suspeitos de delitos graves, de realização de observações e vigilância, tal como a qualificação de pessoas dedicadas a uma atividade que a polícia precisaria prevenir ou reprimir, e a prisão daquelas com antecedentes ou vida duvidosa, quando não identificadas.9 Esta legislação foi ampliada em setembro de 1975 na qual se estabeleceu maiores funções às Direções Gerais dos serviços de Segurança, de Investigações e de Informações.10

Assim, aprofundaram-se ações de repressão em pontos específicos do país, principalmente a partir de intervenções em sindicatos e universidades fundamentadas em decretos governamentais.11 Em 5 de Fevereiro de 1975, as atuações expandiram-se para o campo, levando à província de Tucumán operações militares conjuntas as polícias federal e provincial – Operativo Independencia – com o objetivo de erradicar a subversão promovida pelo ERP,12 inaugurando a instituição de Centros Clandestinos de Detenção.

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Mais três outros decretos são instituídos, em 6 de outubro de 1975, nos quais se cria o Consejo de Seguridad Interna presidido pela presidente, ministros e generais das Forças Armadas. Ao conselho era designada a direção, coordenação e execução de todos os esforços pela luta contra a subversão, subordinando as instâncias de repressão para este fundamento.13 Com a finalidade de por em prática o Conselho, o Exército desenvolve uma diretriz para luta contra a subversão, em outubro de 1975, que analisa a situação do inimigo, suas estratégias e manifestações na Argentina. Neste sentido, estabelece a missão e as prioridades de ações, dividindo o país em zonas para operações, sendo Tucumán o grande alvo. A repressão institucional foi alargada com a participação de grupos clandestinos paramilitares, que se dedicavam ao aniquilamento do “inimigo subversivo” utilizando-se de métodos de extermínio e desaparecimento. Entre eles, o mais conhecido é a Alianza Anticomunista Argentina (Triple A ou AAA), cujo líder era o ministro de Bem-Estar Social do governo, López Rega; o homem-chave, o chefe da Polícia Federal e oficial especializado em contra-insurgência, Alberto Villar; e os integrantes, membros do governo, das Forças Armadas e das polícias. A campanha contra a subversão foi impulsionada também por diversas organizações legais, dentre elas essencialmente empresas e sindicatos de trabalhadores aliados ao governo, que divulgavam a rejeição deste “mundo terrorista”. No final de 1975, a guerrilha rural, que jamais havia obtido o controle do território provincial tucumano, estava desarticulada, as baixas no PRT-ERP aumentavam e a unidade do Partido em torno de forças democráticas, através da Frente Antiimperialista y por el Socialismo e do Movimiento Social de Base, tornavam-se inoperáveis devido a repressão. O ERP, em 23 e 24 de dezembro de 1975, intentou uma intervenção de assalto ao quartel de Monte Chingolo e a tentativa de controle da zona sul de Buenos Aires, que possuía mais de dois milhões de habitantes. Houve

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o fracasso da operação, pois foi descoberta, transformando a derrota militar e a morte de diversos combatentes em derrota política.

En los últimos meses empezamos a recibir un reflujo de masas. Las huelgas y movilizaciones se fueron reduciendo. La represión hizo cada vez más dura. Eso dificulta enormemente las células del Partido en la ciudad.14

Em 19 de julho de 1976, em Villa Martelli, os membros fundadores e parte da Direção Central do PRT, Mario Roberto Santucho (Robi) e Benito Urteaga (Mariano), foram assassinados, enquanto Domingo Menna, sequestrado e levado ao Centro de Detenção Clandestino Campo de Mayo, onde desapareceu. Para os elementos do PRT, depois do golpe militar permaneceu a espera pelo risco, pelo medo ou pela morte.

O HOMEM COMBATENTE

Instrumento de formação de militantes de vanguarda, El Combatiente foi um jornal criado em 1968, dirigido a setores ativos politicamente e distribuído em clandestinidade, excetuando os períodos de junho a setembro de 1973, no qual, aproveitando a legalidade, foi vendido em vias públicas. Era editado em impressões próprias do Partido, havendo uma campanha de se chegar aos 10000 periódicos e melhorar a repartição no país. Este periódico publicava regularmente artigos afirmando a vanguarda do Partido na luta revolucionária argentina, explicando intervenções em outras realidades e justificando suas ações armadas com casos concretos como a guerra do Vietnã, a Revolução Russa, Chinesa, Cubana. Concomitantemente, exaltava o heroísmo e os sacrifícios do povo para atingir o socialismo, disseminando textos de Lênin, Che Guevara, Mao, Ho Chi Min, entre outros.

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En este marco consideramos que el Partido Revolucionario de los Trabajadores (PRT) surge como el Partido marxista-leninista de combate que ha sabido, a través de una línea correcta, ligarse a las masas, nutrirse de ellas y comenzar a gestar los estratégicos instrumentos revolucionarios. El Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP) ha fortalecido las armas populares, logrando pasar a etapas superiores de combate como son las tomas de cuarteles y la existencia de la Compañía de Monte, hito histórico de la revolución socialista en Argentina. Los revolucionarios debemos analizar rigurosamente las diferencias que han impedido hasta hoy nuestra incorporación a esta organización, encuadrando en ese análisis cuál es el rasgo principal de la línea del PRT de su conducción y su programa.15

Diversos incisos propunham a moral do homem combatente, condenando o individualismo e isolacionismo de diversos outros movimentos, os desvios pequeno-burgueses de alguns partidos, e a falta de democracia no país, recomendando um modelo de nova moral para o novo homem. Nesta construção da nova sociedade, rememorava diversas vezes El Combatiente a necessidade do Partido e do Exército Revolucionário, remetendo-os ao papel de vanguarda na luta política, canalizando o potencial revolucionário e propagando as ideias socialistas para impulsionar as massas:

Es tarea fundamental del presente fortalecer las perspectivas de democratización en torno de un programa básico por la libertad de los presos políticos, la derogación de la legislación represiva, la eliminación del terrorismo de las Tres A y salarios dignos para los trabajadores. […] es tarea primordial de los revolucionarios forjar y fortalecer la unidad, creando un núcleo frentista proletario y popular […] Mantener e intensificar la lucha política y armada, hostigando al enemigo para obligarlo a ceder. Multiplicar la difusión de las ideas revolucionarias del Partido, llevando su línea a las masas en forma intensa y variada. […] Nuestro Partido y nuestro Ejército Guerrillero rebosantes del ardor y combatividad, pondrá todo de sí para canalizar con efectividad el inmenso potencial revolucionario de las masas, pondrán todo de sí por estar a la altura de las circunstancias.16

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O PRT coloca-se, portanto, como impulsionador e multiplicador da verdadeira luta política revolucionária (“as ideias revolucionárias do Partido”) em oposição às distintas posições políticas democráticas ou não. Denuncia a repressão e a violência promovida por ela como terrorista tornando inverso o discurso oficial de “luta contra a subversão”. Assim, justifica a intensificação da luta política e armada que teria como fim “obrigar o inimigo a ceder”, um inimigo identificado como Trés A, Forças Armadas e governo (através da legislação repressiva), e dirigindo as ideias revolucionárias da massa.

O PAPEL DAS SOLICITADAS

As solicitadas são espaços para comunicados comprados ou obtidos por relações políticas em periódicos de lógica comercial, que propagam discursos e discussões abertas entre organizações ou pessoas físicas. Estão constantemente se dirigindo à opinião pública, desenvolvendo seus argumentos, com o objetivo de convencer o destinatário da mensagem. Elas devem ser analisadas, portanto, diferentemente do conteúdo e da linha editorial do jornal e como forma de expressão mais ampla das organizações publicadoras que se dirigiam a um público nem sempre participante da atividade política que é movida. Este é o caso dos comunicados publicados pela Frente Antiimperialista y por el Socialismo (FAS) encontrados no periódico La Opinión.17 A referida Frente Popular, criada em 1973, na cidade de Villa Luján, em Tucumán, era composta inicialmente pelos movimentos da Frente Revolucionaria Peronista, Ejército Libertacion Nacional, Partido Intransigente, Partido Comunista Marxista Leninista, Partido Socialista de los Trabajadores, Politica Obrera, Peronismo de Base, Grupo Espartaco, Orientación Socialista, El Obrero, e PRT-ERP. Seu programa continha demandas antiimperialistas, democráticas e socialistas,

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propondo, principalmente, o rompimento dos compromissos e pactos econômicos, políticos e militares feitos com o Império Norte Americano. Com a obtenção, contudo, por membros do PRT de sua liderança e as diferenças entre este Partido e outros integrantes, foram delineando-se atitudes sectárias e reconhecendo-se na FAS as propostas do PRT-ERP. Este, por sua vez, utilizava-a como estrutura legal, ferramenta política do partido, que o permitia utilizar os espaços democráticos.18 Segundo Antognazzi, a frente foi um acionar político menos conhecido, conjuntamente ao Movimiento Social de Base de 1974.19 Durante o governo de Isabel, a FAS, já liderada pelo PRT-ERP, passa a descrever o peronismo como entreguista e repressivo, afirmando sua luta pela democracia e contra a classe exploradora.20 Desta forma, a Frente publica no La Opinión, em duas oportunidades, durante o período estudado: 13 de agosto e 22 de outubro de 1975.21 Em ambas solicitadas explicitam suas concepções sobre a democracia, associando o governo e ações repressivas à arbitrariedade e à necessidade de uma frente de massa para combatê-las.

La Argentina vive momentos de importantes definiciones. Las voces oscuras de la reacción, las voces de los monopolios imperialistas, claman en todas partes por más y más represión, exigen que no se aumenten los salarios de los trabajadores y utilizan apocalípticas invocaciones o derramar sangre de argentinos reincidiendo en la insensata amenaza de militarizar la vida nacional. […] Las Tres A y las bandas asesinas, que se pensó quedarían en el triste recuerdo de lo que nunca debió existir en el país, pese el escandaloso retiro de su ex jefe continúan gozando de impunidad mientras esparcen su saña criminal por toda la República. No hay democracia en un país donde hay una violencia protegida. […] No hay democracia donde un delegado obrero no puede reclamar por las reivindicaciones salariales y laborales sin ser salvajemente asesinado. Recientemente cegaron la vida de un político y abogado radical rosarino, una pareja de médicos en Córdoba, a una joven embarazada en la Federación Juvenil Comunista y asesinaron con bombas destruyendo y

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saqueando domicilios y sedes gremiales, como la casa del Maestro en Rosario y sembrando cadáveres por todo el país. No hay democracia cuando la prensa, la cultura y el arte se deben ejercer bajo amenazas constantes y atentados. No hay democracia cuando toda una familia es asesinada por haber tenido un hijo guerrillero hace tres años. No hay democracia cuando miles de argentinos están privados de su libertad sin que juez alguno haya determinado sus condenas y padeciendo los sistemas carcelarios más inhumanos y las torturas más crueles que se tenga conocimiento en nuestra historia. […] Todo el espejismo represivo en el que se crea como posible salida, sobre la base de desconocer los derechos humanos y negar la democracia es la derrota segura de quien lo intenten. Comenzaron reprimiendo a unos y terminaron reprimiendo a todos, y por ella, tendrán la respuesta de todos. […] Ningún argentino cualquiera sea su condición ha de seguir por lo desfiladero suicida a que pretenden conducirnos los mentores de la represión.22

A Frente defende, então, que a violência dos monopólios imperialistas é indiscriminada e injusta, pois não promove nada além da repressão, da queda do bem-estar social, da militarização da vida dos indivíduos e da quebra da legalidade democrática. Ao promover o outro político como “bandas assassinas”, praticantes de uma “violência protegida”, “inumanos”, “torturadores”, “desconhecedores dos direitos humanos” e “negadores da democracia”, legitimam sua própria luta política, instigando uma resposta. Vê-se, então, a inversão do discurso de “terrorismo”, passando o terror a ser praticado por aqueles que se diriam protetores da sociedade, enquanto os contingentes reprimidos por serem “subversivos” (sindicalistas, comunistas, guerrilheiros), vítimas desse “derramamento de sangue”.

A ESTRELA VERMELHA NO UNIVERSO REVOLUCIONÁRIO

O Estrella Roja, instrumento oficial do ERP para propagandear a Revolução e vincular a guerrilha ao povo, foi publicado entre os anos 1970 e 1977 na Argentina. O jornal era clandestinamente distribuído nas portas das fábricas e nas ruas

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das cidades pelos militantes, como parte das tarefas que lhes eram apontadas, com exceção do período de legalidade entre junho e setembro de 1973.23 Suas tiragens e distribuição eram proporcionadas pelo Partido, com grandes falhas na regularidade da publicação.24 O jornal possuía a clara posição de condução ao apoio da população para o referido Exército, como personagem coletivo principal da luta pela Revolução Socialista na Argentina. Neste sentido, o Estrella Roja reforça em suas reportagens a campanha de vinculação da imagem do inimigo aos agentes repressores que ora são as Forças Armadas, ora o patrão e, por vez, o imperialismo norte-americano – setores estes nitidamente comportados dentro da luta de classes. A população é estimulada, pois, em suas matérias não assinadas, a ingressar na luta intercontinental contra o inimigo ou apoiar àqueles que pegavam em armas para libertá-los. Desta forma, o guerrilheiro era exposto com a imagem do homem jovem, praticante da justiça social e detentor da moral revolucionária. Homens que haviam lutado pela libertação da América e guerrilhas exteriores eram anunciados pelo jornal, criando uma imagem do guerrilheiro heróico e valorizando o emblema “Vencer o morir por la Argentina”. Esta imagem integralizava a luta e mobilizava a publicação, cujo incentivo ao ingresso na luta armada nem sempre possibilitava uma compreensão da política proposta pelo Partido.25 Há, por exemplo, objetos de publicação com estilo passo-a-passo e figuras explicativas que ensinavam a população a construir coquetéis molotovs ou armamentos de variados portes sem explicar o porquê de realizá-los. Suas reportagens descreviam também operações realizadas com sucesso e distribuições ao povo de materiais apropriados pelos guerrilheiros, que confirmavam a proposta de humanidade do Exército Revolucionário. Tal ideia era reafirmada, ainda, pelas publicações de cartas na seção

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Cartas desde el Monte, enviadas por indivíduos que lutavam na guerrilha tucumana enaltecendo a luta e a vida guerrilheira. Havia ainda cartas escritas por moradores da região agradecendo a existência da guerrilha e seus homens que lutavam contra a opressão ou relatando a relação amistosa entre eles e o povo, em contraposição ao ódio pelo inimigo que lhes roubava, torturava e ameaçava.

Allí donde la camarilla de delincuentes en el poder ha fracasado, los mandos castrenses, olvidando las derrotas sufridas recientemente a manos del pueblo, creen poder triunfar. Pero frente a ellos y sus siniestros planes se levantan hoy en nuestra Patria […] la fuerza revolucionaria de la guerrilla y de las masas argentinas movilizadas.26

Sob a analogia de “delinquentes fracassados com planos sinistros para o país”, o Estrella Roja propalava o caráter contra-revolucionário do governo peronista, dos militares e daqueles que o apoiavam, afirmando haver uma institucionalização da violência. Afiançando que “Ao terror se respondia com terror”, contestava os crimes contra o povo com a execução de empresários, funcionários do governo, burocratas sindicais, oficiais das Forças Armadas e da polícia, e juízes; assaltos a quartéis para obtenção de armamentos e seqüestros de pessoas para angariar fundos à guerrilha.27 Objetando violentamente, contudo fundamentados na justiça, diferencia os meios propalados dos fins propostos.

CONCLUSÃO: COMO PRT-ERP ESCREVEU AOS ARGENTINOS

Frente a la mentira sistemática y reaccionaria utilizada por el enemigo para ocultar sus derrotas y evitar que nuestro pueblo tome conocimiento de los avances de la guerrilla, debemos desplegar más enérgica y masiva propaganda revolucionaria […] haciendo circular audazmente la prensa clandestina.28

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Concebe-se nos três momentos analisados a proposta do PRT-ERP em pretender figurar-se como dirigente no processo revolucionário, com o papel de realizar a guerrilha e promover a educação e a organização das massas. Educar e conscientizar a população eram, pois, tarefas centrais do partido para vencer a guerra contra a burguesia e, neste sentido, a produção de jornais e a publicação de comunicados eram os componentes que tornavam público o Partido e o Exército, ambos clandestinos por impetrar a natureza bárbara prevista na Lei Anti-Subversiva. O homem combatente era instruído pelo jornal El Combatiente e suas análises teóricas mais aprofundadas, que interpretavam a situação do país a partir da perspectiva do Partido. Neste sentido, trazia textos mais extensos e reportagens sobre revoluções socialistas em todo o mundo. Além disso, as análises políticas feitas no Editorial, seja por Urteaga ou Santucho, explicavam a situação contemporânea e incitavam aos membros do PRT perceber-se enquanto vanguarda da luta socialista no país. Àqueles leitores, que desnecessariamente estavam ligados ao Partido, o PRT-ERP utilizou sua ferramenta legal (FAS) para assinar textos teoricamente menos densos, contudo, explicativos e alusivos a fatos contemporâneos. Estes textos, não remissivos explicitamente às tarefas e ações do Partido, podem ser explicados pelo caráter de proibição de circulação das publicações de imagens, feitos ou comunicações das “condutas subversiva”, tácito no texto da Legislação. Utiliza-se, entretanto, de um vocabulário em disputa na época, como democracia, violência, liberdade, direitos humanos, e etc., para marcar a posição sem propagandear suas ações, mostrando-se ciente do momento decisivo que se vivia na época. Assim, descreve situações presentes no país, indicando a face de uma violência injusta e cruel, em oposição à democracia e liberdade defendida pelo Partido.

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Com o Estrella Roja, criava-se o imaginário da guerrilha: heróis lutando pelo povo em uma guerra que se dava em toda América Latina. As reportagens, menores, algumas com fotografias outras com desenhos ou listas de apropriações, levavam a imagem da moralização e justiça do guerrilheiro e da luta que o exército revolucionário estava travando. Assim, a forma de escrita recorria constantemente a vocabulários militares, que incitavam a visão nítida da dicotomia entre nós (bem) versus eles (mal/inimigos). Todas as três publicações traziam a concepção da violência como um meio importante para a vitória da revolução. Entretanto, vivenciada enquanto um fim, como no caso dos “repressores do povo”, ou como um meio de manter o sistema capitalista – originalmente violento – é observado por ato injusto e desumano, tomando as propostas da luta antisubversiva ao revés - o inimigo perigoso não seria o perseguido, mas aqueles que propunham a perseguição. Grupos sociais distintos utilizam-se das mesmas palavras para designar elementos diferentes, criando significações dialéticas para um mesmo termo, já que o uso destes remete-se sempre a refração da atividade ideológica.29 É neste sentido que se analisa a utilização de termos semelhantes, entretanto com significações opostas, que ora propagam a transformação do homem e do coletivo social, ora convencem das condições ideais sob o capitalismo. Portanto, refletir sobre os discursos da Argentina sob o governo de Isabel Perón, em pleno contexto de disputas, é elaborar a dialética dos signos escritos, como materiais para a constituição da ideologia, e verificar que neles se refratam as lutas reais e contemporâneas.

Notas e Referências* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFF. Pesquisa financiada pela CAPES.

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1 SANTUCHO, Julio. Los últimos Guevaristas: la guerrilla marxista en la Argentina. Buenos Aires: Artes Gráficas, 2005.2 Manifestações de massa ocorridas em 1969, na cidade de Córdoba, contra políticas econômicas tomadas pelo governo de Onganía. Tais atividades de luta tiveram como formas de ação o combate direto e as barricadas.3 ERP, “Resoluciones del V Congreso del PRT”, El Combatiente, 1973.4 Termo utilizado por Pilar Calveiro para designar grupos que promoviam guerrilhas urbanas ou rurais na Argentina. Ver: CALVEIRO, Pilar. Política e/o violência: una aproximación a la política de los 70. Buenos Aires: Grupo editorial Norma, 2005. 5 Em junho de 1975, ocorrem diversas manifestações contra o governo peronista e suas políticas econômicas – denominado Rodrigazo – que culminam na crise social, finalizando-se com o golpe de março 1976.6 O governo é assumido por María Estela Martínez de Perón (Isabel Perón), como “herdeira política” do Partido Justicialista e do Peronismo.7 Lei N°20840 de 30 de setembro de 1974.8 Decreto N°1368 de 7 de novembro de 1974.9 Lei N° 8268 de 13 de Novembro de 1974.10 Lei N° 9102 de 12 de setembro de 1975.11 Houve intervenções por decretos, por exemplo, nas universidades de La Plata, Salta, Córdoba, Entre Rios, San Juan e Buenos Aires.12 Decreto N°261 de 5 de fevereiro de 1975.13 Decretos N°2770; 2771 e 2772 de 6 de outubro de 1975.14 Parte da conversa que Julio Santucho teve com seu irmão Mario Roberto em 31 de dezembro de 1975. SANTUCHO, Julio. Op. Cit. pp.199-20015 PRT, “Documento de incorporación al PRT de las FAL Columna Inti Peredo 2”, El Combatiente, 02/06/1975.16 PRT, “Ante las posibilidades democráticas forjar y fortalecer la unidad”, El Combatiente, 21/07/1975.17 Fundado em 1971 pelo jornalista ucraniano Jacobo Timerman, teve duração de 6 anos. Era um periódico diário, com exceção da segunda-feira, voltado para a classe média, principalmente, jovens universitários. Em 1977, foi fechado pela ditadura por praticar “terrorismo periodístico”.18 FLORES, Sebastián Levia. Teoría y páactica del poder popular: los casos de Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR, Chile, 1970-1973) y Partido Revolucionario de los trabajadores – Ejercito Revolucionario del Pueblo (PRT-ERP, Argentina, 1973-1976). 2007. 237 f. Tese (Mestrado em História da América). Universidad Santiago del Chile, Santiago del Chile. (pp.207-216)19 ANTOGNAZZI, Alicia. Op. Cit.20 FLORES, Sebastián Levia. Op. Cit.

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21 Em 16 de agosto houve um enfrentamento entre ERP e Exército na localidade de Las Mesadas, e em 17 de outubro, o ERP emboscou um pelotão em atividades de patrulhagem nas proximidades de Los Sosas. Não há, entretanto, indicações nas solicitadas dessas operações.22 FAS, “Sin democracia no habrá pacificación”. Solicitada no La Opinión em 22/Outubro/1975. p.21.23 Os exemplares trabalhados tratam-se da edição feita, posteriormente, pela INFOBAE e que se encontram na Biblioteca Nacional de Buenos Aires.24 SANTUCHO, Julio. Op. Cit.25 POZZI, Pablo. Histórias del PRT-ERP II. Entrevistas con Humberto Tumini. Buenos Aires: Imago Mundi, 2008.26 ERP, “Ante un nuevo intento golpista”, Estrella Roja, 29/12/75.27 Um estudo completo sobre os ajusticiamento foi feito por Vera carnovale, intitulado “En la mira perretista: las ejecuciones del largo brazo de la justicia popular”.28 ERP, “Generalización de la guerra revolucionaria”, Estrella Roja, 17/11/1975.29 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1981.

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Em 1581 a Ordem de São Bento chegou ao Brasil, expandindo-se por diversas capitanias. Até o século XVIII essa ordem regular possuía conventos na Bahia (1581), Espírito Santo (1589), Rio de Janeiro (1590), Olinda (1596), Parahíba do Norte (1596), São Paulo (1598) e Brotas (1670). Esses mosteiros eram administrados de forma independente pelos abades locais, estando subordinados a um superior geral, também chamado por provincial, que residia no mosteiro da Bahia, instituído como “cabeça”. Entretanto, a administração do abade geral respondia diretamente as intenções da Congregação Portuguesa e por isso o Breve Apostólico de 1612 determinou que o provincial “teria todas as regalias de abade sem o ser de abadia alguma”1. No Rio de Janeiro a Ordem de São Bento adquiriu diversas propriedades. Inicialmente, a maior parte de suas aquisições foram adquiridas por meio de verbas testamentárias, como capelas, casas, e terras. A Ordem possuiu as chamadas “propriedades rúticas”, distribuídas nas regiões do recôncavo da Guanabara, Inhumerim e Iguaçú, em Campo Grande, na Ilha Grande e Angra dos Reis, em Cabo Frio, Maricá, Campos Novos, Camorim, Ilha do Governador e Pasto de São Domingos (hoje Niterói). As propriedades rústicas dos beneditinos tiveram como objetivo suprir as necessidades materiais e econômicas da Ordem, o que contribuiu para torná-la mais independente da Congregação Portuguesa. A construção de engenhos, sítios e fazendas proveram os monges de recursos financeiros que possibilitaram, além das várias reformas realizadas no mosteiro da cidade do Rio de Janeiro, aumentar ainda mais o seu território.

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Tais rendimentos provinham da produção de açúcar, arroz, farinha de mandioca, aguardente, tijolo, criação de gado e também do arrendamento de terras. Todo esse ordenamento monástico foi transformado a partir das medidas aplicadas pelo governo português às ordens religiosas brasileiras. Vale considerar que, a conquista econômica e o grande número de monges nos claustros durante o século XVIII proporcionaram certa autonomia política a essas instituições. As aquisições territoriais, a prestação de serviços à população e a regulamentação de algumas ações sociais atribuíram à Igreja a possibilidade de executar um poder paralelo ao do Estado. Neste caso, coube à administração do ministro Sebastião José Carvalho e Mello (futuro Marquês de Pombal) intervir no poder eclesiástico. A partir das medidas impostas ao longo da segunda metade do século XVIII é que analiso a relação estabelecida entre o mosteiro de São Bento e o governo ao longo do século XIX. Uma época de desordem para a organização beneditina.

Uma crise para além do século XVIII

Durante o século XVIII a conquista econômica e o grande número de monges nos claustros brasileiros proporcionaram uma autonomia política às ordens religiosas. As aquisições territoriais, a prestação de serviços à população e a regulamentação de algumas ações sociais atribuíram à Igreja a possibilidade de executar um poder paralelo ao do Estado2. Neste caso, coube à Coroa intervir no poder eclesiástico. As disposições aplicadas visavam restringir a participação dos religiosos na jurisdição administrativa do governo, a curto e a longo prazo. O exemplo disso foi a expulsão da Companhia de Jesus (cuja consequência exigiu uma ampla reforma religiosa e educacional), a subordinação do Tribunal da Santa Inquisição ao Estado, as várias tentativas para obter o controle das propriedades eclesiásticas e a proibição da renovação dos claustros.

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Essa última medida acarretou na escassez de religiosos e é a partir dela que estudo o início de uma série de determinações que condicionaram vários acontecimentos descritos em alguns registros e outras produções monásticas como desfavoráveis ao cotidiano das propriedades beneditinas na Corte Imperial. Para tratar desse assunto, inicialmente trabalhei com as Atas Capitulares e com uma crônica publicada em 1879, produzida por Benjamim Flanklim Ramiz Galvão. O Capítulo Geral era a assembleia de dignitários eclesiásticos que tratavam dos assuntos referentes à organização e a unificação dos mosteiros. A partir de 1829, dois anos após a constituição da Congregação Beneditina do Brasil, essa reunião era formada apenas a um superior, um abade geral, também eleito nessa reunião. Os resultados dessas assembleias eram as Atas dos Capítulos Gerais e das Juntas Capitulares, mantidas na Abadia de São Sebastião da Bahia e encaminhadas aos mosteiros, onde cada Secretário deveria fazer uma cópia.

Manda o presente Capítulo, em conformidade do que determinou o passado, que o Secretário mande tirar duas cópias das Atas do Capítulo Geral, um que mandará para o Rio de Janeiro, que depois de escriturada no Livro competente remeterá ao mais vizinho, este fará o mesmo, e o passará a outro Mosteiro, e assim por diante a última Presidência; outra mandará para Pernambuco, que fará o mesmo, que fica determinado3.

O objetivo desse “regulamento capitular” foi o de registrar as ações do governo geral da Congregação, o regimento interno pertinente a situação de cada mosteiro, “as eleições, tratarem e resolverem [de] tudo o que [for para o] bem do regime e aumento”4 da Congregação. Os assuntos tratados foram distribuídos por sessões, no primeiro momento ocorria as eleições e uma sindicância para averiguar se o monge estava ou não hábil a ocupar tal função. Em seguida, era realizada a leitura dos Estados, relatórios trienais realizados ao final de cada governo ao qual resumia a contabilidade geral dos mosteiros e

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das suas propriedades rústicas, do Guião do Estado e a eleição de cinco Definidores para então ser tratado das questões relativas ao espiritual e temporal de toda a Congregação. Uma fonte que possibilita uma introdução ao assunto da escassez de religiosos, assunto que será tratado no decorrer desse artigo, nos claustros beneditinos é a publicação do Dr. Benjamim Franklin Ramiz Galvão5, Aponctamentos Históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral6. Dividida em duas partes, a obra se dedicou à Ordem de São Bento instalada no Brasil. No entanto, ainda não encontrei nenhuma informação que explique a relação do autor com o mosteiro para redigir essa obra, a princípio, tão particular aos interesses de um grupo religioso. A primeira parte apresenta uma biografia do patriarca Bento de Núrcia, durante a construção e instituição da Regra Beneditina a partir do desenvolvimento da vida monacal na Europa. A segunda e que mais nos interessa aqui, está dividida em duas seções, ambas tratando do Mosteiro de Nossa Senhora de Monserrate, no Rio de Janeiro. A divisão proposta por Ramiz Galvão não é cronológica, mas pautada pelos “primeiros sinais de animosidade contra as ordens regulares em Portugal.”7A dita “animosidade” pode ser entendida como as medidas restritivas que tinham como objetivo controlar o poder exercido por essas instituições. Essa segunda seção trata das consequências das medidas aplicadas no século XVIII e das novas relações estabelecidas entre a Ordem e o Governo Imperial, no período de 1808 a 1869. A narrativa utilizada parte de um sentimento escatológico para com o cotidiano monástico, no qual identifiquei que a publicação de Ramiz Galvão atuou como uma reivindicação para a situação da Ordem, denunciando o constante interesse do governo sobre os bens dos beneditinos. O fim do chamado período pombalino não possibilitou a completa revogação da medida que restringiu a entrada de noviços nos claustros brasileiros, como esperavam os religiosos. Ao assumir o trono de Portugal em 1777 D. Maria I, revogou este e alguns outros avisos instituídos.

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Em 1780, pela assinatura de um decreto, entraram os primeiros novatos após a interdição. Uma “conquista”, na visão dos religiosos, que não passou de 1789, quando foi instituída a Junta do Exame do Estado Atual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares. Esta Junta, que deveria se encarregar de melhorar o desempenho das ordens diante da nova organização do Estado e da sociedade, “alimentou a crítica de seus detratores que a acusavam de se autoperpetuar, quando tinha sido criada como comissão temporária, e de se imiscuir em matérias que não eram da sua alçada.”8. Laurinda Abreu, professora da Universidade de Évora, cuja produção acadêmica restringe-se na analise social, política e religiosa do século XVIII, trabalhou com o Resumo das consultas especiaes da Junta (sic). Esta fonte caracteriza-se por ser uma síntese, um relatório, da Junta que avaliava o estado temporal das ordens e propunha soluções para a sua sobrevivência. Segundo a pesquisadora, em 1834 um plano geral de reestruturação previu a

redução dos encargos pios e a substituição dos dotes por prestações regulares, passando a exercer um controle direto sobre os religiosos, nomeadamente em relação à entrada de noviços, aos processos de secularização e às estadas fora dos conventos.9

Tais medidas acarretaram na “racionalização de recursos, a contenção nos gastos, o equilíbrio do número de casas e de religiosos que as ocupava, a moralização de hábitos e o respeito por compromissos sociais assumidos, nomeadamente em relação ao ensino”.10

A Junta atuou de 1789 a 1834. Com o seu processo de extinção, entre os anos de 1829 a 1834, a medida foi novamente revogada voltando a ser autorizado o ingresso de noviços. A razão indicada por Ramiz Galvão para esse ato foi o reconhecimento da Coroa para com os serviços prestados pela Ordem beneditina, durante as invasões francesas em Portugal (1807-1810).

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Segundo a historiadora Maria Rachel Fróes da Fonseca dos Santos, houve um intento do Governo imperial para a formação de um clero nacional. Para tal, havia sido determinado que “as ordens religiosas deveriam se desvincular de suas ‘matrizes’ europeias, para assim poderem permanecer no país”.11 Para os beneditinos essa medida não traria desvantagens por duas razões: esta separação já havia sido objetivada em 1656, quando alguns monges da Província expuseram que as suas necessidades distinguiam-se das que envolviam o Reino. Por conseguinte, com o direito de se autogovernarem, os religiosos acreditavam no restabelecimento do número de monges nos seus claustros.

A instituição da Congregação Beneditina do Brasile a crise nos claustros

Com a iniciativa de se separar da Congregação Beneditina de Portugal é que, a partir de 1826, os monges brasileiros iniciaram o processo de separação. O primeiro passo foi o envio de uma representação pelo então abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, fr. Francisco de Sancta Thereza Machado, ao governo de D. Pedro I. Após o seu falecimento o sucessor, fr. Antônio do Carmo, reiterou a sua representação, em 1825, e por esse motivo lhe foi atribuído a organização da ordem no Brasil. Nessa representação identifiquei um discurso que valorizou a tradição dessa ordem no território brasileiro, ao mesmo tempo em que apontava para a sua expansão e a legitimidade dos seus bens, assim como a importância deles para a economia do Estado e para a sociedade. Com o objetivo de organizar os claustros e se separarem das determinações portuguesas, os monges beneditinos construíram vários argumentos que atendessem aos seus interesses.

Debaixo de tão eficazes auspícios, intentando o suplicante preencher aqueles fins louváveis de seu santo instituto,

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sempre protegido pelos impetrantes, considera necessário organizar o governo claustral no Brasil, de um modo análogo as atuais circunstâncias da independência deste Império, e desmembrando da congregação de Portugal a que era sujeita.12

O requerimento só foi entregue em setembro de 1826. Em virtude da mudança do Ministro de Estrangeiros, fr. Antonio Carmo dirigiu outra representação, em fevereiro de 1827, pedindo ao Marquês de Queluz que fosse dado andamento a liberação da bula. Meses depois o Governo Imperial passou a tratar das proposições alegadas pelos religiosos, ocasião em que o pedido foi entregue ao Ministro do Brasil, Francisco Correa Vidigal, e autorizado junto a Santa Sé, em Roma através da bula Inter Gravíssima Curas, em 7 de junho de 1827. Esta autorização somente chegou às mãos do frei requerente em novembro do mesmo ano, acompanhado do Beneplácito Imperial. O Beneplácito, autorização do Império para a execução da bula, dava plenos direitos ao exercício das atividades religiosas dessa ordem nos 11 conventos existentes. Contudo, não foi consentido gratuitamente, os monges deveriam arcar com o valor de 504$401 réis, relativo às despesas do Ministro em Roma, para a expedição do documento.

Nós, portanto, considerando a distância dos lugares, havendo o Oceano Atlântico de permeio, desejando prover ao bem da dita Ordem e Congregação, e condescender aos desejos do egregio Imperador, em virtude da ciência certa de madura deliberação e do pleno poder Apostólico, feita primeiro a absoluta desmembração e separação da Congregação Lusitana da O. S. B., erigimos e constituímos pela presente Carta a nova Congregação da mesma Ordem de S. Bento, a chamar-se dora avante brasileira, havendo de formar-se de todos e quaisquer mosteiros do Império brasileiro, com as mesmas leis, direitos privilégios e prerrogativas, contidas e expressas na mencionada Carta do Papa Clemente X, com a inteira faculdade de celebrar Capítulos Gerais a bem não somente do governo geral da Congregação, como também da disciplina interna espiritual, e da administração financeira dos mosteiros.13 (Grifo meu)

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A nova Congregação Beneditina no Brasil contou com 7 abadias e 4 presidências, respectivamente:- Abadia de S. Sebastião da cidade do Salvador;- Abadia de Nossa Senhora do Monserrate do Rio de Janeiro;- Abadia de Olinda (Pernambuco); - Abadia da Paraíba;- Abadia de Nossa Senhora Assunção da cidade de São Paulo; - Abadia de Nossa Senhora da Graça (Bahia);- Abadia de Nossa Senhora das Brotas, vizinha da Vila de S. Francisco na mesma região; - Mosteiro da Vila de Santos;- Mosteiro em Sorocaba;- Mosteiro em Jundiaí;- Outro Mosteiro na Paraíba.

Todo esse investimento serviu para atender apenas um dos objetivos mencionados, a conquista de uma administração desvinculada dos interesses da Congregação Portuguesa. Quanto ao segundo, de regularizar os claustros, foi mais uma frustração. As relações estabelecidas entre a Ordem de São Bento e o Governo Imperial tiveram como intermediários os religiosos do Mosteiro do Rio de Janeiro. Além do destaque econômico, nos áureos tempos das propriedades rústicas, essas transações políticas o elevaram, mediante a aprovação em Capítulo a ter “o segundo lugar entre os mais da Congregação”14. Ao abade geral foi entregue o mandamento para execução da bula de separação, em 15 de novembro de 1827. Nele, o Imperador instituiu a nova Congregação Brasileira e exigiu sua formalização por meio de um regulamento capitular:

Sua Magestade o Imperador foi servido mandar-nos pela Secretaria de Estado dos da justiça e Eclesiásticos, munida com o seu Imperial Beneplácito, uma Bulla do Sumo Pontífice Leão XII, ora Presidente na Santa Igreja Católica, pela qual Sua Santidade houve por bem separar esta nossa antiga Província Beneditina da Congregação de S. Bento

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de Tibães, criando nela a nova Congregação de S. Bento do Brasil, o que tudo será presente a Vossa Reverendíssima, logo que se imprima a referida Bulla, e Beneplácito Imperial. (...) e formalizem um regulamento capitular, análogo ao nosso estado presente para nos dirigirmos na celebração deste primeiro Capítulo Geral, (...).15 (sic) (Grifos meu)

No primeiro Capítulo Geral, em junho de 1829, a assembleia contou com um número reduzido de monges, portanto, houve a preocupação quando a distribuição das tarefas. A reunião iniciava-se com a escolha do Relator, responsável pela produção e distribuição da ata capitular. Em seguida, era promovida uma eleição entre os capitulares, para a atribuição das funções, para depois haver uma sindicância para saber o grau da virtude dos monges. Considerando a falta de escolha para as tarefas, os monges aboliram essa medida: “(...) a nossa lei proíbe eleger Relator todo o Vogal sujeito a sindicância e ponderando o Capítulo, a falta de Monges hábeis para este lugar, dispensou unanimemente este ponto da Lei.”16

Na falta de administradores para os seus bens localizados nas áreas rurais, a Ordem optou por vendê-las. A justificativa também estava embasada pelo alto custo da manutenção das fazendas e as muitas ameaças de invasões, feitas por produtores leigos, além da infidelidade dos procuradores das abadias. Questões que não respondiam ao fim principal da comunidade monástica. A intenção dos capitulares era reduzir as “rendas incertas e falíveis a um produto certo, ou ao menos aproximado”, que desse aos prelados “meios fáceis de sustentar a sua comunidade com fartura, e aumentar os rendimentos dos mosteiros com novas edificações, ou reedificações de prédios urbanos.”17

Considerando o Capitulo Geral como vantajoso ao bem espiritual e temporal do Mosteiro, a venda de algumas terras, e fazendas, convertendo o seu produto em Patrimônio mais sólido na Cidade, que, tornando-se de mais fácil [a] Administração não só nos poupe os poucos monges que temos, como no[s] livre de uma infinidade de pleitos, que é preciso sustentar para rechaçar as continuas

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invasões dos ambiciosos. Manda principiando pelas mais remotas ao N. R.mo P. M. G. que obtida a licença da Assembleia Provincial (Ver ata de 1832), ponha a venda o mais breve que lhe for possível todas as terras e Fazendas [...] Manda porém em virtude de Santa obediência q. este dinheiro seja imediatamente recolhido ao cofre donde não o poderá tirar algum Prelado a não ser para pagamento de dívidas, ou melhoramento do Patrimônio em casas na Cidade18. (sic)

Mesmo tornando-se uma Congregação independente, os mosteiros beneditinos brasileiros continuaram a seguir as “Leis” comuns aos conventos de Portugal, no qual estavam submetidos à observância do Núncio Apostólico, que em 1830 estava de passagem pela Corte. Entre esse conjunto de normas foi determinado que houvesse três visitas em cada triênio, realizada pelos Visitadores, um determinado número de empregados, sem que houvesse acúmulo de funções e a proibição de reeleição para as funções de Abades, Definidores, Visitadores, Secretários e Companheiro Geral. Todos infringidos pelos monges capitulares devido à falta de religiosos. A disponibilidade de funcionários nunca foi possível, pois o próprio Capítulo autorizou que o religioso ocupasse mais de uma vez um lugar na assembleia, e até mesmo que fosse reeleito. Em relação a isso, pode-se mencionar a medida que dispensou o limite de idade às atividades monásticas: “O Capítulo Geral dá Comissão ao Nosso Reverendíssimo para poder dispensar com ordenados a idade a Lei, atendida a falta de monges, tendo porém os mais requisitos necessários”19. Pela narrativa do D. Joaquim Granjeiro de Luna, no ano de 1833, a Congregação possuía 52 religiosos em todo o território brasileiro20. Logo, essa alteração atingiu as práticas litúrgicas, o que resultou em um breve, registro que contém decisão de caráter particular, para a redução das missas. Em junho de 1832 aconteceu a segunda assembleia da Congregação, mantendo o Abade Geral, fr. José de Santa Escolástica. Esse foi um triênio dado como o dos mais difíceis.

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As ações governamentais foram meticulosamente arranjadas e firmes no seu propósito, que já não era mais o de obter o controle das organizações regulares, mas a apropriação dos seus bens. Após o insucesso do Breve de Concessão, de junho de 1833, o Governo pediu, por meio de um aviso, que as ordens religiosas inteirassem o Conselho Imperial da sua atual situação. O abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, fr. José Polycarpo e Santa Gertrudes, respondeu ao conselheiro Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, em 23 de setembro de 1833. Para a decepção de todos, em 8 de agosto de 1834, esse Ministro da Justiça apresentou uma nova proposta à assembleia, dessa vez, sugerindo a cessão imediata dos bens monásticos em benefício da nação. Por tal medida, caberia ao Governo:

(...) dar a cada religioso uma pensão anual e dois escravos para serviço: prometia breve de perpétua secularização aos que o quisessem, asilo aos religiosos valetudinários e mentecaptos, emprego em benefícios ou cadeira de ensino público aos secularizados idôneos. (...) Ficavam para a manutenção do culto divino os vasos, utensílios e mais preparatórios que havia nas igrejas; (...) Quanto aos conventos, que em virtude desta lei revertiam aos domínios da nação, seriam aplicados pelo governo a objetos de utilidade pública, segundo julgasse mais conveniente.21 (Grifo meu)

Sobre a carência de monges, foi encontrada uma carta, escrita pelos freis Arsênio da Natividade Moura, Secretário da Congregação, e pelo D. Abade Geral Fr. José de Santa Escolástica, datada de 9 de outubro de 1829, dirigida ao Procurador Geral, Fr. Luiz de S. Theodora, que nesse ano encontrava-se no Rio de Janeiro. Nesse registro, o Secretário explicou que a função a qual ocupava na Ordem não lhe foi atribuída por mérito, mas por falta de quem a ocupasse e expôs o seu descontentamento à conjectura do estado monástico com a separação de Portugal, já que coube ao mosteiro da Corte arcar com o pagamento da bula.

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O frei Arsênio da Natividade Moura tentou convencer o abade do Rio de Janeiro de que ele seria o “único que poderia vencer a maior dificuldade da aceitação de noviços”, contudo, esse superior parecia não ter conhecimento disso:

V. Reverendíssimo parece ignorar o estado de penúria em que se acha este mosteiro; de três engenhos que temos [refere-se a abadia de S. Salvador], só um tem padre, e assim mesmo é Visitador 1º; o Padre Mestre Dom Abade de Pernambuco ainda não foi tomar posse de sua casa, porque o N. Reverendíssimo não tem um religioso que o vá suceder nas fazendas do Rio de São Francisco. O procurador do Mosteiro é justamente o Prior; e não houve religioso para Superior. O Coro é frequentado pelos Reverendíssimos Ex-Provinciais e sexagenários, que fazem a Terça e o Hebdômadas [espaço de 7 dias]. À vista disto julgue V. Reverendíssimo, em que angústia se tem visto o N. Reverendíssimo para providenciar os Mosteiros da Congregação, e com especialidades os do Sul!!22

Era preciso pensar na solução para que as contrariedades às leis, executadas no primeiro Capítulo, pudessem ser evitadas na segunda reunião capitular. Por esse motivo, o atual Abade Geral fr. José de Santa Escolástica, representado pelo Ministro da Justiça e Regente do Império, Padre Diogo Antônio Feijó, enviou um requerimento, em agosto de 1831, pedindo a solução para algumas irregularidades. Era mais um breve de aprovação quanto às nulidades do Capítulo a respeito das medidas transgredidas, pois a Congregação reduziu a duas as viagens dos visitadores, sendo uma realizada por dois abades juntos, o acúmulo de cargos e, por fim, um pedido de autorização para reeleger alguns empregados. O Núncio Apostólico, em setembro do mesmo ano, concedeu a sanção pedida, mas aconselhou que houvesse a troca de funções na necessidade de reeleição, a fim de que fosse evitado o favorecimento nas funções, devido à permanência no cargo. Dois meses depois, o Padre Diogo Feijó pedia ao Monsenhor Ostini o melhoramento necessário para as ordens

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religiosas no Brasil, tendo sido respondido, dias depois, com uma circular, que pedia mais informações do necessário para que os institutos dos regulares “florescessem”. Com o retorno desse Monsenhor à Roma, em janeiro de 1832, Domingos Scipião Fabrini o substituiu nos Negócios da Santa Sé, propôs esforçar-se para salvar a instituição, sugerindo orações, confiança e observância nas práticas, ou seja, disciplina. Conselhos que não foram distintos do Núncio Ostini. Em resposta, o Abade José de Santa Escolástica se comprometeu a continuar as obras religiosas, de “muita importância para o país”, enquanto houvesse forças, e o lembrou da solicitação de licença feita ao Governo, para a admissão de noviços. Após a instituição da Congregação Brasileira, somente em 1835 foi concedido às ordens religiosas um ato adicional da Constituição, autorizando a admissão de 30 noviços. Estes deveriam ser divididos igualmente entre os mosteiros de São Bento, São Francisco e Nossa Senhora do Carmo. Um paliativo eficaz à “debilidade” da religião. O ingresso desses religiosos nos claustros recuperou parte do vigor pela observância monástica, pois indicava aos monges a continuidade dos seus preceitos. Uma impressão que não durou por muito tempo, já que, em 1855, foi decretado o Aviso do Ministro da Justiça, José Thomaz Nabuco de Araújo, que cassava as licenças outorgadas: “S. M. o Imperador há por bem cassar as licenças concedidas para a entrada de noviços nessa Ordem Religiosa até que seja resolvida a Concordata que à Santa Sé vai ao Governo Imperial propor”23. A “concordata” esperada entre o Estado e a Igreja foi mais uma promessa sem cumprimento, diante das medidas que promoveram a limitação social e econômica dos beneditinos. A determinação que, tinha o seu caráter intermitente, passou a ser definitiva, foto que só teve alteração quando houve a da Igreja como o Estado.

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Notas e Referências* Mestre em História (PPGH/UERJ).

1 LUNA, Joaquim G. de. Os monges beneditinos no Brasil – Esbôço Histórico. Rio de Janeiro. Edições “Lumen Christi”, 1947. p. 20.2 WELHING, Arno; WELHING, Maria J. C. Ação regalista e ordens religiosas no Rio de Janeiro pós-pombalino (1774-1808). In: Actas do Congresso Internacional de História Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas. Vol. 3 – Igreja, Sociedade e Missionação. Braga: Universidade Católica Portuguesa, 1993, passim. 3 (AMSB/RJ). Códice 1143. Livro de Atas dos Capítulos Gerais e das Juntas Capitulares, 1829-1866. Folha 20v.4 Ibid. Folha 1.5 Ramiz Galvão foi médico, professor, filólogo, biógrafo e orador, esse autor atuou nas principais instituições brasileiras. Foi presidente da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sendo responsável pela publicação dos Anais, diretor da Academia Brasileira de Letras, onde sucedeu Carlos de Laet, em 1928, e também dirigiu o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.6 GALVÃO, Benjamim F. R. Aponctamentos Históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em particular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879.7 Ibid. p. 66.8 ABREU, Laurinda. Um padecer da Junta do Exame do Estado Actual e melhoramento Temporal das Ordens Regulares nas vésperas do decreto de 30 de Maio de 1834 In: Estudos em Homenagem a Luís Antônio de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, pp. 119-120.9 Ibid. p. 119.10 Ibid. p. 120.11 SANTOS, Maria Rachel Fróes da Fonseca. Contestação e defesa: A Congregação Beneditina Brasileira no Rio de Janeiro (1830-1870). 1986. 170p. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro. s/d. p. 15.12 CARMO, 1825 apud GALVÃO, Dr. Benjamim F. R. Aponctamentos Históricos sobre a Ordem Benedictina em Geral e em particular sobre o Mosteiro de N. S. do Monserrate da Ordem do Patriarcha S. Bento d’esta cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1879. p. 81.13 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BN-RJ). LEÃO BISPO. Bulla do S.P. Leão XII. “Inter Gravissimas Curas” de 1 de julho de 1827 relativa á Separação da Provincia do Brasil da Congregação Beneditina de Portugal. In: MOSTEIRO

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DE SÃO BENTO do Rio de Janeiro. Abbadia Nullius de N. S. do Monserrate: o seu histórico desde a fundação até o anno de 1927. Papelaria Ribeiro, 1927. p. 269(sic). A respeito da celebração dos Capítulos Gerais tratarei no próximo item. 14 (AMSB/RJ) Códice 1143. op. cit., Folha 9.15 (BN-RJ) LEÃO BISPO. Bulla do S.P. Leão XII. “Inter Gravissimas Curas” de 1 de julho de 1827 relativa á Separação da Provincia do Brasil da Congregação Beneditina de Portugal. In: MOSTEIRO DE SÃO BENTO do Rio de Janeiro. Op. cit., p. 271. (sic)16 (AMSB/RJ) Códice 1143. op.cit., Folha 1v.17 Ibid. Folha 4.18 Ibid. Folha 33v.19 (AMSB/RJ) Códice 1143. op.cit., (sic). Folha 7v.20 LUNA, Dom Joaquim G. de, (O.S.B). op.cit., p. 34. 21 GALVÃO, Dr. Benjamim F. R. op. cit., p. 95.22 (BN-RJ). MOURA, Fr. Arsênio da Natividade. Cartas do Secretario da Congregação. In: MOSTEIRO DE SÃO BENTO do Rio de Janeiro. op. cit., p. 276. (sic)23 ARAÚJO apud BETTENCOURT, D. Estevão. (O. S. B). A reestruturação dos Mosteiros Beneditinos do Brasil em fins do século XIX. In: ALMEIDA, D. Emanuel (org.). Coletânea Tomo II: 400 anos Mosteiro de São Bento Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Edições “Lúmen Christi”, 1991. pp; 9-10.

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Nas Sombras da Libertinagemreflexões iniciais sobre a trajetória de Francisco de

Mello Franco (1757-1822)

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Coimbra, 1779. Um grupo de jovens estudantes da Universidade de Coimbra é denunciado à Inquisição. A acusação: defesa de proposições heréticas e dos filósofos ilustrados. Segundo Francisco Cândido Chaves, responsável pela denúncia, os estudantes teriam discutido, a partir da leitura de autores ilustrados, temas religiosos de forma nada ortodoxa. Às leituras de autores proibidos pela censura portuguesa e às proposições contrárias aos dogmas católicos somavam-se algumas práticas desviantes, dentre as quais, o comer carne em dias proibidos. Dos estudantes implicados no processo, um em especial merece ser destacado: Francisco de Mello Franco.1 A participação do então estudante de medicina, natural de Minas Gerais, no processo inquisitorial de 1779 não passou ilesa. Após ter sido sentenciado herege, naturalista, dogmático e que negava o sacramento do matrimonio, foi condenado, em auto de fé de Agosto de 1781, a 4 anos de prisão em Rilhafoles, além de confiscação de bens e Sambenito.2 Dos 4 anos cumpriu apenas um, sendo solto já em 1782, após o que retornou à Universidade de Coimbra, graças a uma aviso régio assinado por D. Maria I, para concluir o curso de medicina.3

O contato de Mello Franco com a repressão oficial não parou em sua passagem pela Inquisição. Ainda que de forma indireta e revestida sob a capa do segredo, a personagem prosseguiu com atividades, consideradas por muitos, subversivas. Em 1785, um ano antes de finalizar o curso de Medicina na Universidade de

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Coimbra, circulou, em uma festa acadêmica, a sátira O Reino da Estupidez. Os manuscritos anônimos, somente publicados décadas mais tarde, causaram alarde à época ao satirizar a Universidade de Coimbra. As investigações e perseguições aos supostos autores da sátira não alcançaram o sucesso pretendido, livrando assim Mello Franco e José Bonifácio de Andrada e Silva, que também colaborou com a escrita do poema, da repressão oficial e das subseqüentes ações legais que tamanha afronta demandavam.4 Três anos depois, em 1787, outra obra anônima intitulada Resposta ao filósofo solitário em abono da verdade por hum amigo dos homens circulava em Lisboa. Pouco se sabe sobre esse livro. Os autores costumam atribuir, sem muita certeza, a sua escrita a Francisco de Mello Franco, fato que ainda merece a devida averiguação.5 Por fim, já em 1794 vinha a luz, com autorização da Real Mesa de Comissão Geral o livro, igualmente anônimo, Medicina Theologica. Alvo de uma investigação policial levada adiante pelo Intendente Geral de Polícia de Lisboa, Diogo Ignácio de Pina Manique, as repercussões sociais geradas pela publicação do livro incluem ainda a extinção da Real Mesa de Comissão Geral, sendo substituída por outro sistema de censura6 e a publicação, cinco anos depois, de um livro-resposta intitulado Dissertações teológico-medicinais pelo frade Francisco Manuel de Santa Anna.7

De qualquer forma, não é possível esquecer que a trajetória da personagem foi muito além da passagem pela Inquisição e da publicação de obras anônimas. Cumpre, portanto, considerar a trajetória do médico Francisco de Mello Franco. A intersecção dos dois campos de análise lança questões fundamentais, ainda que extremamente complexas, sobre o período histórico em questão. Membro da Academia Real de Ciências de Lisboa, onde teve participação ativa junto à instituição vacínica, médico da Câmara real, acompanhante da Princesa Leopoldina ao Rio de Janeiro por ordem de D. João VI, foi ainda provedor dos defuntos e ausentes de Paracatu, ofício

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que obteve através de uma graça régia, além de requerente ao Hábito da Ordem de Cristo em favor de seu filho. Do mesmo modo é fundamental destacar que a sua atividade literária não se encerrou nas obras anônimas, muito pelo contrário. Aos livros publicados de forma anônima somam-se as obras científicas, publicadas de forma legal e aberta: Tratado da Educação Física dos meninos para uso da Nação Portuguesa (1790), Elementos de Higiene (1814) e Ensaio sobre as Febres (1829).8 No fundo a trajetória da personagem é marcada, entre outros, por uma tensão entre a repressão oficial, direta e indireta, e a conquista de reputação e mercês. Desta percepção conjunta emergem vários problemas. Caso sejam analisados apenas os discursos publicados de forma anônima em paralelo com as repercussões e representações construídas sobre eles encontrar-se-á, no fim, uma personagem sediciosa que, no limite, poderia ser simpatizante, ou então, adepta dos princípios franceses. Contudo, ao ampliar o olhar para além das representações contemporâneas, e englobar os demais discursos produzidos por Mello Franco, assim como a sua trajetória, percebe-se que o processo era muito mais complexo. Sendo assim, dentro dos limites deste trabalho, pretendo apresentar a trajetória do médico luso-brasileiro Francisco de Mello Franco de modo a refletir sobre a tensão que a perpassa. Não é um mero desejo de reconstrução biográfica que move este trabalho, mas a preocupação de, a partir do estudo de um caso específico e das possibilidades históricas oferecidas pelo mesmo, refletir sobre o contexto de efervescência política e intelectual de Portugal ao final do Setecentos.

Idéias Libertinas

Em 1768 era criada, em Portugal, a Real Mesa Censória, substituindo assim o antigo sistema tríplice de censura (o Ordinário, a Inquisição e o Desembargo do Paço). A remodelação do aparato

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censório, cujo cerne era a política regalista implementada no Reinado Josefino, implicou em uma transferência da censura, antes sob responsabilidade dos eclesiásticos, para as autoridades régias através da atuação do Desembargo do Paço.9 De qualquer forma, esse processo de secularização não significou o fim da proibição às obras consideradas perniciosas do ponto de vista religioso10: a preocupação régia em coibir a entrada de obras consideradas ofensivas à religião católica esteve presente não somente no Reinado Josefino como no Reinado Mariano. De modo que, se por um lado há de se considerar todo o processo de embate entre as autoridades régias e religiosas no âmbito do processo do regalismo, por outro a progressiva afirmação das primeiras sobre as últimas não significou a eliminação da religião enquanto elemento fundamental de estruturação da ordem política monárquica. Daí o caráter pernicioso atribuído a todos aqueles que, de alguma forma, atentavam contra os altares, abalando assim os fundamentos do Trono e da sociedade. Das 17 regras estabelecidas, em 1768, para designar quais livros deveriam ser proibidos, uma destacava o caráter pernicioso dos livros tendentes à incredulidade, à impiedade ou à libertinagem, “pertendendo reduzir a Omnipotencia Divina, e os seus Misterios, e Prodigios á limitada esfera da comprehensão humana”11. Nos anos seguintes outros editais enfatizariam o problema representado pelas idéias libertinas: o edital de 1770, no qual vários livros foram proibidos, ressaltava que muitos destes escritos, “abominaveis producções da incredulidade, e da libertinagem de homens temerarios, e soberbos”, atacavam os princípios sagrados da religião, invadiam os sólidos fundamentos do Trono e rompiam os vínculos com que mutuamente se sustentavam.12 Cinco anos depois, outro edital destacava o perigo que representava os erros dos filósofos libertinos, os quais em função do espírito de irreligião, levariam à corrupção dos costumes.13 Em 1794, ao abolir a Real Comissão Geral como inútil, o governo de d. Maria I aludia a existência de uma temível

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Revolução Literária e doutrinal que, tendo se voltado contra as opiniões estabelecidas, causaria a ruína da religião, dos impérios e das sociedades.14 Não convém esquecer que o cenário em que veio a luz o edital de 1794 era marcado por um acontecimento especial, responsável pela intensificação da repressão à circulação de determinadas idéias: a ocorrência da Revolução Francesa e, sobretudo, do Terror Jacobino, com a morte do Rei Luis XVI na guilhotina em 1793.15 Se, por um lado, Portugal não conheceu a intensa e radical movimentação intelectual vivida por locais como a França, onde floresceu uma literatura libertina que minou os valores ortodoxos do Antigo Regime16, nem por isso a circulação dessas idéias consideradas subversivas foi inexistente. O que, noutro plano, deu vida aos temores das autoridades régias lusas quanto as implicações práticas e funestas que o alastramento de tais ideais significaria para a estrutura social do reino. Preocupação esta presente, inclusive, em algumas obras que circularam em Portugal por volta do último quartel do século XVIII e início do XIX: em 1778 a obra Dissertação sobre a alma racional buscava defender a religião dos ataques sofridos pelos chamados espíritos fortes, naturalistas, apóstolos da Incredulidade, libertino, perturbadores da tranquilidade pública. Associando, inclusive, os incrédulos e os libertinos às necessidades das provas da razão e da experiência em contraponto a uma sociedade instruída com a verdade, para quem importava a autoridade das escrituras. Já em 1815 o Glossario de Palavras, publicado nas Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa, definia os termos libertino/libertinagem como licenciosidade com irreligião: homem devasso em costumes, com erradas opiniões religiosas17 Também na América Portuguesa visualiza-se o emprego do termo libertino. Em 1790, um indivíduo é denunciado como sendo um homem libertino por um familiar do Santo Ofício por reduzir a importância das missas, das esmolas e da confissão.18

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No final do século XVIII, o termo libertino assumiu, em Portugal, uma conotação política.19 Sendo assim, o libertino/libertinismo entendido, entre outros, como um movimento maior de crítica à religião, a partir dos novos referenciais filosóficos em voga pela Europa, significaria um perigo à manutenção da estabilidade do Trono. O termo, por sua vez, associava-se a outros, como: espíritos fortes, filósofos, materialistas, deístas e etc. Mas, em sua maioria, a partir da conotação maior da irreligiosidade e das implicações que essa postura de irreligiosidade traria sobre os costumes e sobre a ordem social maior. Como definiu Villalta, o libertino seria

todo livre-pensador influenciado pelas novas idéias dos filósofos e enciclopedistas, que por suas leituras, ações e omissões, punha em xeque alguns dogmas cristãos, assumindo abertamente o deísmo ou o ateísmo, ou ridicularizando o ritual e a hierarquia eclesiástica.20

A trajetória de Mello Franco encontra-se, ainda que indiretamente, marcada por essa noção de libertinagem. Se não chegou a ser acusado publicamente de libertino – pelo menos não temos nenhum conhecimento a respeito –, em sua biblioteca não eram poucos os livros proibidos pelas autoridades régias em função de seu caráter pernicioso e prejudicial. De modo que os ditos filósofos libertinos estavam presentes em número considerável, tendo em vista os riscos que implicavam sua posse – um pouco menos de 40 autores, sendo que em alguns casos indicava-se a existência de obras completas, o que totalizava vários volumes como é o caso de Helvetius, possuindo 10 volumes. Além de sua passagem pela Inquisição em 1779, quando, em conjunto com outros estudantes, assumiu posturas heterodoxas em matérias de religião, há ainda a obra Medicina Theologica onde procurou defender a racionalização do sacramento da Penitência através do recurso a teorias médico-científicas existentes à época. Assim, a personagem, a partir de seus escritos, procurava criticar

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não somente práticas supersticiosas e desregradas de muitos religiosos, vide, por exemplo, a sátira Reino da Estupidez onde o bispo luxuoso é pintado de forma pejorativa, como defender uma postura que, indo além da autoridade, buscasse através da indagação o conhecimento. Neste plano o exame da Natureza emergia ao primeiro plano, suplantando Deus e a revelação como fontes essenciais de conhecimento, ainda que sem negar a existência divina e a importância do cristianismo. Submerso nessa preocupação em combater à difusão dos escritos filosóficos em Portugal encontra-se não somente os esforços de manutenção da ordem social do Antigo Regime, que para alguns parecia vacilar diante do contexto cada vez mais crítico pintado, sobretudo, pelo Terror Jacobino, mas o processo de construção de representações sobre o sedicioso, as quais englobariam libertinos, espíritos fortes, materialistas, deístas, maçons e, posteriormente, jacobinos. De qualquer forma, nos limites deste trabalho parece válido pensar o termo sedição, a partir da definição proposta por Darnton, a saber: como “um desvio que, mediante o texto e no texto, se instaurava com relação às ortodoxias do Ancien Régime”.21 Ou seja, o desvio em relação às ortodoxias do Antigo Regime que se visualiza na mensagem de alguns livros, transcendia o livro em si, uma vez que constituía modelos ou indícios de práticas alternativas. Sendo assim, o processo de ruptura com os paradigmas religiosos tradicionais, através da crítica de alguns milagres, atos, rituais e etc, parecia indicar não apenas padrões diferentes de percepção da realidade, mas, sobretudo, a proposição de modelos de ação alternativos, os quais, poderiam significar, dentro dos padrões consagrados pela tradição religiosa, uma licenciosidade de costume, ou seja, uma prática desviante. O que possuía implicações profundas numa ordem em que o monarca, tendo recebido o poder diretamente de Deus, se dizia responsável pela conservação da pureza do cristianismo, da qual dependia, para alguns, a manutenção da estabilidade do Trono e da sociedade.22

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Assim, a passagem de Mello Franco pela Inquisição e os problemas envolvidos em torno de suas obras anônimas devem ser entendidos a partir desses referenciais expostos acima. O próprio recurso utilizado pelo autor, ao publicar a obra de forma anônima, demonstra claramente que a personagem sabia que estava falando sobre algo que era melhor silenciar. Evidenciando não somente que tinha consciência da existência de limites formais à crítica dentro da sociedade portuguesa de sua época, mas que sabia extrapolá-los, a partir da utilização de certos mecanismos, como o segredo, por exemplo.

O médico Francisco de Mello Franco

A trajetória de Mello Franco não se encerra nas críticas a um pensamento religioso tradicional pautado na autoridade e acrítico ou no modo de vida desregrado e luxuoso de muitos religiosos, muito pelo contrário. Para além dessa dimensão, a sua trajetória é marcada por uma preocupação com o desenvolvimento da ciência, em particular da ciência médica, em Portugal, de modo a permitir a promoção do progresso do reino. A defesa do conhecimento racional e da experiência encontra-se no cerne deste propósito. Era 1786 quando Mello Franco finalizou o curso de Medicina na Universidade de Coimbra. Os estudos ocorreram em uma Universidade de Coimbra já reformada, o que no âmbito dos estudos médicos trouxe algumas transformações: a exaltação do conhecimento prático em detrimento do estudo livresco do corpo, a importância da história natural, do conhecimento da física e da química para o estudo do corpo humano e etc. A reforma do ensino médico procurou valorizar o experimentalismo e os preceitos racionalistas, ressaltando a importância de uma “medicina empirico racional.” Para isso novos referenciais foram introduzidos. Nomes como Harvey, Borelli, Boerhaave, entre outros, passaram a ser destacados, numa tentativa de inserir

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a Universidade nos princípios da ciência médica moderna européia.23 A trajetória médica de Mello Franco é profundamente marcada por esses referenciais reformistas da Universidade de Coimbra. A defesa constante de uma prática médica pautada pela razão e pelo experimentalismo atravessa os seus escritos. O que pode ser visualizado, por exemplo, a partir dos livros Tratado da Educação Física dos meninos para uso da Nação Portuguesa (1790) e Elementos de Higiene (1814). Obras que, apesar de abordarem temáticas diferentes, eram marcadas pelo apreço ao pensamento racional e à observação, elementos característicos do método científico moderno, os quais não estavam de todo ausentes de seus escritos anônimos, pelo contrário. Seja a partir da crítica aos métodos vigentes na Universidade de Coimbra apresentada através da sátira O Reino da Estupidez24, seja através da proposição de novos métodos na emenda dos pecados, ressaltados na obra Medicina Theologica, a motivação inicial, que levara à construção de ambas argumentações, parecia convergir para um mesmo ponto comum: o desejo de superação da superstição e de uma dimensão mais religiosa do conhecimento e a subseqüente introdução e/ou afirmação, dentro de alguns limites, dos métodos científico-racionais, vigentes à época, em Portugal. A sua trajetória, contudo, não é uma exceção, antes apresenta traços similares a de outros médicos contemporâneos. Antônio Gonçalves Gomide, médico luso-brasileiro formado pela Universidade de Edimburgo, e contemporâneo de Mello Franco, procurava defender as concepções científicas das doenças em detrimento de concepções mágico religiosas que as encaravam a partir de dimensões sobrenaturais. Numa postura similar aquela adotada por Mello Franco na obra Medicina Theologica que considerava os pecados da cólera, lascívia e bebedice como doenças do corpo, Gomide analisava o caso de uma beata no interior de Minas, para muitos considerada uma santa em

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função dos êxtases apresentados, como fruto de uma doença física: sofria de catalepsia convulsiva25. Em ambas as personagem a doença sai do âmbito do religioso para entrar no campo da ciência médica moderna, a qual seria pautada pela experiência e observação. José Pinto de Azeredo (1766?- 1810) foi outro médico luso-brasileiro cuja correspondência com Mello Franco é notória. Formado em Medicina pela Universidade de Leiden, a sua atuação como médico em Portugal e seus domínios revelava o apreço por uma medicina baseada no conhecimento científico e na ciência experimental. Ressaltava-se, assim, a importância da experiência e da observação no exercício da prática médica.26

Se por um lado a defesa da observação e da experiência atravessa a trajetória de alguns médicos luso-brasileiros da segunda metade do século XVIII, por outro as correspondências não param por aí. O arcabouço referencial, a partir do qual eles procuravam alicerçar as suas práticas médicas e análises, não diferiam muito de um caso para o outro. Os autores citados demonstram a familiaridade dessas personagens com os referenciais médicos em voga pela Europa, os quais pautavam-se justamente por uma preocupação racional e experimentalista: Harvey, Willis, Borelli, Boerhaave, Hoffman, Cullen, Tissot, Sydenham e etc.27 A atuação de Mello Franco junto a Academia Real das Ciências de Lisboa, criada em 1779 por D. Maria I com o intuito de promover a ciência e utilidade pública em Portugal, da qual foi vice-secretário em 1816, é outro ponto fundamental em sua trajetória médica. Na Academia participou ativamente da Instituição Vacínica, criada em 1812, com o objetivo de difundir a vacina contra a varíola em Portugal28. Atuação esta que acabou por lhe render uma menção crítica nos versos satíricos do poema Os Burros, anonimamente publicado por José Agostinho de Macedo.29 Foi também sob o aval da Academia que imprimiu tanto o Tratado de Educação Fysica quanto Elementos de

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Hygiene. Os dois trabalhos apresentam uma preocupação com o adiantamento do Reino: enquanto no primeiro Mello Franco ressalta a importância da educação física para a promoção das artes e das ciências no Reino30, no segundo deixa transparecer uma preocupação com a conservação da saúde e prolongamento da vida31. Tendo sempre como protagonista principal a Natureza, as idéias médicas defendidas por Mello Franco apresentam-se não apenas como um projeto de valorização da vida terrena, mas como um fator crucial para o desenvolvimento do Estado e do progresso público. Afinal, como ele mesmo destacou “desde que houve algum systema de Medicina, os Médicos entrárão a dar certos dictames para a felicidade dos povos”32. Sendo assim, sua trajetória médica, para além das críticas de alguns contemporâneos, acabou por lhe render graças e mercês junto à Coroa Portuguesa: além de Provedor dos Defuntos e Ausentes da Vila de Paracatu e médico da Câmara real, fez o requerimento do hábito da Ordem de Cristo para o seu filho, em função de seus serviços prestados à Coroa Portuguesa.33

Libertinagem e Promoção do progresso público

O libertino que, a partir de algumas leituras, refletia de forma heterodoxa sobre a religião, criticando dogmas tradicionalmente aceitos pelo catolicismo e o médico ilustrado que, a partir dos referenciais médico-científicos modernos, procurava promover o adiantamento e o progresso do reino, conviviam na figura de Francisco de Mello Franco. Se, por um lado, as implicações sociais contidas em sua passagem pela Inquisição e nas obras anônimas levam, talvez precipitadamente, a figura de um subversivo, por outro a sua atuação profissional e os demais escritos demonstram que a crítica à religião e a defesa dos princípios racionais não foram acompanhadas por nenhuma crítica à monarquia ou à ordenação social da sociedade, nem tampouco traduziu em uma adesão total aos princípios difundidos a partir da Revolução Francesa.

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Cumpre, portanto, efetuar um atento exercício de contextualização que, prestando atenção às diversas linguagens em jogo em um mesmo contexto34, seja capaz de perceber como ocorreu o relacionamento, sempre complexo, entre essas linguagens, as práticas e as representações sociais. A tarefa não é fácil, mas o seu exame possibilitará compreender não apenas a tensão social e as disputas de poder resultantes do encontro dessa diversidade de perspectivas, como o limite tênue, e por vezes intercambiável, entre as idéias proibidas e aquelas defendidas e aprovadas pela Coroa Portuguesa em seu desejo de promoção do progresso do Reino e seus domínios, lançando luz assim sobre o contexto de efervescência política e intelectual de Portugal ao final do Setecentos.

Notas e Referências*Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense e mestranda pela mesma Universidade sob orientação de Guilherme Pereira das Neves.

1 Luiz Carlos Villalta. “Dos usos em geral à inventividade e à Heresia.” In: Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do Livro na América Portuguesa. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1999.2 Idem; Agradeço à sra. Odete Martins que, através de email, enviou os dados descritos sobre Mello Franco no Auto de 26 de Agosto de 1779 sob a seguinte notação: Torre do Tombo, Inquisição de Coimbra, liv. 433, fl. 417, microfilme 7460. 3Afonso Arinos de Melo Franco. Um Estadista da República. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 1955; Alberto Dines. “A Inquisição como farsa.” In: Francisco de Melo Franco. Medicina Teológica. São Paulo: Editora Giordano, 1994, p. XXXIII.4Inocêncio Francisco da Silva. “Francisco de Mello Franco”.In: Dicionário Bibliográfico Português. Tomo II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859-1860, pp. 10-15 Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Dicionário Bibliogáfico Brasileiro. Rio de Janeiro. 1893-1902, pp. 44-7.6Luiz Carlos Villalta. Op. Cit.7Manuel de Santa Anna. Dissertações theologicas medicinaes. Lisboa: Regia officina typografica, 1799.8Inocêncio Francisco da Silva. Op. Cit.

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9Kenneth Maxwell. “Reforma.” In: Marquês de Pombal: Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996; Luiz Carlos Villalta. Op. Cit.; Maria Adelaide Salvador Marques. A Real Mesa Censória e a Cultura Nacional: aspectos da geografia cultural portuguesa no século XVIII. Coimbra, 1963.10 Kenneth Maxwell. Op Cit, p. 108; Maria Adelaide Salvador Marques. Op. Cit, p. 8.11 Alvará de 18 de Maio de 1768. In: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt Capturado em 19/01/08.12 Edital de 24 de Setembro de 1770. In: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt Capturado em 19/01/08.13 Edital de 5 de Dezembro de 1775. Proibindo e condenando um livro intitulado Le vrais sens du Systeme de la Nature. In: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt, Capturado em 19/01/0814 Lei de 17 de Dezembro de 1794. In: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt, Capturado em 19/01/0815 Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. “Portugal e as Invasões Francesas”. In: Napoleão Bonaparte: Imaginário e Política em Portugal (1808-1810). São Paulo: Alameda, 2008, pp. 71-4.16 Robert Darnton. Os best-sellers proibidos da França Revolucionária. São Paulo: Companhia as Letras, 1998, p. 1217 Francisco de S. Luiz. “Glossário das Palavras e Frases da Língua Franceza”. In: História e Memorias da Academia das Sciencias de Lisboa. Tomo IV, parte II, 1816, p. 8418 David Higgs. “Linguagem perigosa e a defesa da religião no Brasil na segunda metade do século XVIII.” In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A cultura portuguesa na terra de Santa Cruz. Lisboa: Editorial Estampa, p. 158.19 Luiz Carlos Villalta. Libertinagens e livros libertinos no mundo brasileiro (1740-1802). Material inédito, gentilmente cedido pelo autor.20 Idem, pp. 1-2.21 Robert Darnton. Edição e Sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das letras, 1992, p. 21.22 Edital de 24 de Setembro de 1770, Op. Cit.; Edital de 5 de Dezembro de 1775, Op. Cit; Lei de 17 de Dezembro de 1794, Op. Cit.23 Jean Luis Neves Abreu. “A educação física e moral dos corpos: Francisco de Mello Franco e a medicina luso-brasileira em finais do século XVIII”. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, V. XXXII, n. 2, pp. 65-84, dez. 2006.24 Francisco de Melo Franco. O Reino da Estupidez. São Paulo: Editora Giordano, 1995.25Simone Santos de Almeida Silva. Iluminismo e ciência luso-brasileira: uma semiologia das doenças nervosas no período joanino. Dossie doutorado.

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Orientadora: Cristiana Facchetti. Co-orientadora: Lorelai Kury. Rio de Janeiro: FioCruz, 2009.26M. S. Pinto; M. G. Cechini; I. M. Malaquias; L. M. Moreira-Nordemann; J. R. Pita. O médico brasileiro José Pijnto de Azeredo (1766?-1810) e o exame químico da atmosfera do Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, V. 12, n.3, p. 617-73, set-dez. 2005.27 Roy Porter & Georges Vigarello. “Corpo, Saúde e Doenças”. In: VIGARELLO, G. (dir.). História do Corpo. Da Renascença às Luzes. Editora Vozes: Petrópolis, 2008.28 História e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa: Na typografia da mesma Academia. 1815-181929 José Agostinho de Macedo. Os Burros. In: Satyricos Portugueses. Collecção selecta de poemas herói-comico-satyricos; illustrada com notas. Em casa de J. P. Ailaud na Officina Typografia de Casimir.30 Francisco de Mello Franco. Tratado de educação fysica dos meninos para uso da nação Portugueza. Lisboa: [s.n.], 1790.31 Francisco de Mello Franco. Elementos de hygiene ou Dictames theoreticos, e practicos para conservar a saúde e prolongar a vida. Lisboa: Academia Real de Ciências, 1814.32 Idem, p. X.33 Requerimento encaminhando ao Ministério do Império. BNRJ, Divisão de Manuscritos, C-0036,01; Francisco de Melo Franco. ANRJ, Graças Honoríficas.34J.G.A. Pocock. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

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Práticas políticas e intelectuais

A atuação intelectual não pode ser dissociada da atuação política. Para compreender a ação política de determinados grupos é necessário, também, observar sua atividade intelectual, e vice-versa. As diversas gerações de intelectuais geralmente estiveram à frente das grandes mudanças políticas do Brasil.1 Nosso trabalho se baseia em uma proposta de abordar as atividades intelectuais enquanto atitudes políticas. Se um sistema político-econômico e social cria camadas de intelectuais que o legitimem, como foi o caso do Estado Novo – e não só dele –, há que se considerar também que a estrutura em vigor anteriormente deixa intelectuais depositários e defensores de suas prerrogativas.2

As décadas de 20, 30 e 40 do século XX foram marcadas pelo surgimento de estabelecimentos de ensino superior com o nome de universidade3, pois existiam, anteriormente, apenas faculdades isoladas. Segundo Lucia Lippi Oliveira, “o discurso ideológico dos anos 30 apresenta um nível de organização específica, extraindo seu êxito da coerência simbólica, passível de transformar-se em um projeto político.”4

O investimento na educação – e na cultura de forma geral – buscava modelar um novo padrão de identidade nacional, que trazia em seus rastros os anseios de fortalecer o Estado nacional.5 Segundo Dulce Pandolfi, essa proposta reuniu um número considerável de intelectuais em torno do projeto de elaboração de um novo ideal de nação.6 Um exemplo do olhar voltado para

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a política educacional – e, não pretendemos aqui fazer uma avaliação política destas iniciativas – é a criação do Ministério da Educação, em 1930. Daniel Pécaut salienta que os intelectuais deste período não estavam vinculados à instituições. “Não se situavam em um campo autônomo, com suas hierarquias e estratégias alicerçadas em critérios relativamente estáveis. Não atuavam, tampouco, no sentido de consolidar as liberdades e os direitos tocantes à condição universitária.”7 Segundo Pécaut,

o intelectual brasileiro apresentava, comumente, três perfis: o de advogado (eram numerosos os doutrinários de tendência autoritária com formação jurídica); o de engenheiro (freqüentemente caracterizado pelo positivismo e inclinado para uma visão técnica do poder) e, é claro, o de homem de cultura.8

Nós acrescentamos, no caso da Bahia, os homens da Medicina. E são esses homens – bacharéis em Ciências Jurídicas, engenheiros e médicos – que irão formar o quadro docente da Faculdade de Filosofia da Bahia. É importante salientar que esses intelectuais compunham os quadros docentes de faculdades e possuíam, paralelamente, uma atuação destacada na vida pública, formando as bases de uma elite que além de letrada era também política. Esta geração fazia parte de uma rede de sociabilidade baiana que transitava entre o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a Academia de Letras da Bahia, além das faculdades em que atuavam, principalmente como professores catedráticos. Para além disso, estavam inseridos na política estadual, alguns também na política nacional, exercendo cargos políticos, ou atuando indiretamente. A Faculdade de Filosofia da Bahia foi criada em 1941, a Universidade da Bahia em 1946 com a anexação das faculdades existentes, adequando-se, assim, à política educacional estado-novista. Através da análise de trajetórias

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dos professores fundadores da Faculdade de Filosofia da Bahia é possível identificar suas posturas políticas e atrelá-las a seus comportamentos intelectuais, quando cultura e política tornam-se “componentes indissolúveis do mesmo processo”.9

Ângela de Castro Gomes nos adverte que os locais de sociabilidade intelectual de uma determinada geração “podem ser indicadores valiosos pra análise de movimentos de produção e circulação de idéias”.10 No caso da Bahia estado-novista dois destes lugares são o IGHB e a ALB – além da própria Faculdade de Filosofia. A análise destes locais privilegiados enquanto centros produtores e difusores de saber, e da atuação desta geração específica e das suas condições particulares de produção – além do seu comprometimento político – em suas estruturas permite “elucidar aspectos da constituição de uma formulação intelectual, de sua vitalidade e continuidade através do tempo.”11

Um estudo que traz reflexões importantes é o de Michel Trebitsch. Primeiro quando indaga sobre as formas pelas quais um universo intelectual produz suas idiossincrasias.12 Depois, ao defender a idéia de que arenas de sociabilidade são imprescindíveis para a produção intelectual.13 As premissas estabelecidas por este autor oferecem a perspectiva de enaltecer as especificidades deste grupo de intelectuais baianos em seus centros de sociabilidade que se conformam como bancadas para o debate erudito e para disputas políticas. Jean-François Sirinelli, por sua vez, conclama o historiador que estuda a sociabilidade intelectual a construir um mosaico de possibilidades de forma que toda e qualquer circunstância de produção ou atuação intelectual seja inteligível.14 Assim, propor uma história dos intelectuais pautada nas redes de sociabilidade significa

seguir as trajetórias de indivíduos e grupos buscando mapear suas idéias, tradições, comportamentos, formas de organização, de modo que seja possível caracterizar e compreender seus esforços de reunião e de afirmação de identidade em determinados momentos.15

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Paulo Santos Silva informa que, para além dos diversos laços de parentescos, longas amizades, credos políticos, casamentos, apadrinhamentos e outros, um aspecto importante “é que os baianos sempre se dedicavam a escrever uns sobre os outros, traço comum a qualquer agrupamento que busca unidade ou pretende manter-se coeso.”16 Havia os discursos de posse da Academia de Letras da Bahia e textos biográficos. Ainda sobre a coesão, Silva acrescenta:

A produção intelectual veiculada pelas revistas do IGHB e da ALB revela o quanto esta comunidade era auto-centrada: a maior parte dos textos publicados entre 1930 e 1945 refere-se a personalidades locais, traçando-lhes os perfis biográficos, o que, de resto, significava cumprir os objetivos programáticos dos dois referidos periódicos. Assim, os intelectuais baianos mantinham viva a memória e construíam para si, a partir de cada membro, uma imagem positiva, reforçadora da coesão dessa pequena comunidade.17

É necessário ressaltar a importância das revistas para difusão de ideias e instrumentos constitutivos de uma sociabilidade intelectual e institucional. Elas foram também utilizadas pela Universidade da Bahia como meio de difundir as produções universitárias e mesmo dar continuidade ao habitus da sociedade baiana daquele momento.18 As práticas não se modificaram, apenas foram adaptadas a partir do surgimento da nova instituição, os intelectuais eram os mesmos e apenas alguns anos depois essas redes foram inovadas, ainda assim, com a permanência de muitos da geração anterior. O que significa dizer que os modos de ação e atuação não mudaram, as revistas, os discursos, os debates apenas tomaram novos espaços. Esses intelectuais não estavam assumindo uma nova categoria, mas o que se processava era uma extensão daquilo que faziam anteriormente. Se Trebitsch está correto ao defender que a história dos intelectuais se pauta em representações de uma comunidade idílica19, os intelectuais são vistos como produtores de bens

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simbólicos e como mediadores culturais que têm sua atuação atrelada ao surgimento de um espaço público que, como afirma Roger Chartier, dá sentido às suas atividades culturais ao tempo em que lhes confere doses de autonomia.20

É preciso considerar a relevância do papel social e histórico que uma coletividade desempenha, neste caso, na conformação de instituições e/ou de grupos sociais específicos e da prosopografia21 como elemento a ser utilizado para apreensão dos significados das representações que marcam as ações destes grupos. A prosopografia é uma ferramenta que auxilia a análise dos intelectuais enquanto grupo (coletividade) institucionalmente (IGHB, ALB, Faculdade de Filosofia) articulada. A coletividade pode ser associada à construção de uma identidade letrada, mesmo que endogenamente haja todos os tipos de cisões. Embora apresentando dissidências em diversos departamentos, o grupo pode se tornar coeso (“coletivo”) na medida em que apresenta um projeto intelectual integrado.22 Seriam as formas particulares de “pensar e agir de uma comunidade intelectual”23 específica, caracterizadas conjunturalmente pelas possibilidades de um contexto que circunscreve suas faculdades de captar a realidade e refletir sobre ela. Daí nasce a necessidade de entender as suas práticas intelectuais enquanto práticas de um grupo específico, “seu modo de ser (...), suas estratégias, seus habitus.”24

É importante refletir sobre as funções sociais que estes intelectuais poderiam assumir – suas posições não apenas na Faculdade, mas também nas outras instituições intelectuais de prestígio da época, IGHB e ALB, especificamente – graças à sua competência e erudição25, assunto tão recorrente em suas pastas pessoais. Apresenta-se como sendo de fundamental importância o devido estabelecimento das relações entre o contexto estado-novista e as instituições culturais – como IGHB e ALB – que

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muitas vezes se configuraram como instrumentos do Estado. Não nos esqueçamos que a própria Faculdade foi idealizada por um dos mais eminentes integralistas do cenário político baiano, o educador Isaías Alves. Esse pano de fundo histórico é fulcral para o entendimento das tentativas e possibilidades de interferência desses intelectuais na conformação de sua sociedade. A ALB foi fundada em 07 de março de 1917, data em que, 193 anos antes, havia sido criada a Academia Brasílica dos Esquecidos, a primeira academia deste gênero no Brasil. Fundada em Salvador, a Academia dos Esquecidos durou menos de um ano, seus trabalhos foram retomados depois, em 1759, pela Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos – assim chamada por conta da retomada da proposta da academia anterior – que também teve duração efêmera. Por ter sido criada na Bahia a primeira academia, Austregésilo de Athayde sugeriu que fosse escrito no emblema da nova instituição o seguinte: “Primeira Academia de Letras do Brasil”. A iniciativa de criar a Academia foi de Arlindo Fragoso, engenheiro, que também esteve ligado à ideia de criação da Escola Politécnica da Bahia, em 1897.26

O IGHB é uma entidade anterior à ALB, surgiu em 13 de maio de 1894. Segundo Aldo Silva, a instituição fora criada para servir como espaço de interlocução das elites, centro privilegiado para a reflexão e produção de um saber específico, absolutamente articulado às idiossincrasias locais.27

Os locais de sociabilidades eram também ambientes favoráveis às discussões e debates políticos. Algumas instituições se destacavam como núcleo de oposição ou a favor dos governos. Segundo Sirinelli, “todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver.” O autor acrescenta, ainda, que essas “são estruturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que o historiador não pode ignorar ou subestimar”.28 A USP foi um dos núcleos de oposição ao Estado

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Novo,29 assim como a Faculdade de Direito da Bahia, que trazia em seu quadro docente membros da Concentração Autonomista, grupo político baiano de oposição ao governo Vargas. Orlando Gomes e Nestor Duarte, por exemplo, eram professores da FDB e faziam parte dos Autonomistas. Luiz Viana Filho, Aloysio de Carvalho e Antônio Balbino de Carvalho Filho, professores fundadores da Faculdade de Filosofia da Bahia, também fizeram parte da Concentração Autonomista da Bahia, partido político que fez oposição ao governo Vargas e ao interventor Juracy Magalhães (que era cearense) e defendia, como sugere o próprio nome, uma autonomia política da Bahia e aspirava à volta à democracia. Apesar de ter feito parte da CAB, Antônio Balbino tornou-se Ministro da Educação e Saúde do segundo governo Vargas. A ocupação de cargos políticos consiste em outro campo de atuação intelectual. Dentre os professores que exerceram cargos políticos, destacamos Antônio Balbino de Carvalho Filho, que foi Governador da Bahia, Deputado Federal, Ministro da Educação e Saúde do governo Vargas, Ministro dos Negócios da Indústria e Comércio do governo João Goulart; Lafayette de Azevêdo Pondé, Secretário do Interior e Justiça na interventoria federal de Landulpho Alves, Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Promotor de Justiça, Procurador-Geral do Estado da Bahia; Luiz Viana Filho atuou como Chefe do Gabinete Civil do governo Castelo Branco, Governador da Bahia, Deputado Federal, Senador. Além disso, ficou conhecido como ‘príncipe dos biógrafos’, expressão cunhada por Alceu de Amoroso Lima, por conta das tantas biografias que escreveu: Rui Barbosa, Anísio Teixeira, Joaquim Nabuco, Barão do Rio Branco, Machado de Assis, Eça de Queiroz, José Bonifácio, José de Alencar. Assim, Luiz Viana Filho30 corporifica as múltiplas funções que os acadêmicos poderiam assumir, tendo sido professor, político, jornalista, acadêmico, escritor, biógrafo.

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Apesar de trabalharmos com aproximações, não queremos – tampouco podemos – homogeneizar esse grupo. Destacamos que existiam as peculiaridades. Nem todos os professores atuavam na política baiana. Um exemplo que corrobora com essa perspectiva é o do professor Thales de Azevedo que não tinha relação próxima com a política. Ao ser perguntado qual figura política ele admirava, o professor responde:

Não tenho a lembrança mais viva, quem eu possa recordar. O Getúlio sempre me chamou atenção pelo personalismo, por aquela tendência ditatorial (...). Eu não participava da política na Bahia, aquilo pouco me tocava.31

O que não o impediu de escrever sobre política em seus escritos jornalísticos, como os artigos publicados no jornal A Tarde: “Contradições de conjuntura política”, 12 de setembro de 1961; “Eleitos e eleitores”, 14 de novembro de 1986 e “Governo e povo na democracia” de 28 de julho de 1989, além de outros. Os intelectuais estavam envolvidos em partidos políticos e muitos produziram a partir de suas experiências políticas. Herbert Parentes Fortes foi catedrático de Literatura Latina e um líder da Ação Integralista Brasileira na Bahia. O professor Godofredo Filho também foi integralista, como ele mesmo apontou na carta enviada a Anísio Teixeira, em 27 de maio se 1933.

– Em fins de Junho darei um salto até aí (Rio de Janeiro).Levo um livro definitivo para editar. E com ele ficará encerrado o ciclo poético. Trabalho, agora, “As Razõis do Integralismo”. É doutrina. Ia esquecendo de lhe dizer, Anisio: fórmo, aqui, na vanguarda integralista. Hoje, tem que ser assim. Estamos na hora das afirmaçõis supremas: direita ou esquerda. Os cépticos a Jayme Ayres, não ha logar para eles. Ou servirão de arena onde nós devoraremos os nossos inimigos ou seremos engulidos. Cave leonem.32

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Representação simbólica: os quadros Há no universo político e intelectual uma representação simbólica. No caso em estudo, além dos discursos e da produção intelectual, há uma busca do simbólico representado através de quadros que retratam alguns dos mais eminentes professores da Faculdade de Filosofia da Bahia. Estes quadros, que se configuram, a um só tempo, como parte da cultura material da Faculdade de Filosofia da Bahia e da sua história intelectual, podem, sem dúvida, contemplar a agenda proposta por Ulpiano Meneses de temas que enriqueçam as relações analíticas que colocam história e campo visual frente a frente.33 Os quadros eram uma das formas através das quais a perenidade – talvez imortalidade seja um termo carregado demais, mesmo considerando que expresse melhor o anseio dos envolvidos – da atuação intelectual dos professores poderia ser celebrada. Ela se associava à produção intelectual completando-a na condição de memória visual34 e desempenharia o papel de enaltecer, o retratado, em locais e contextos diversos. Concordamos com Simões Filho que “o fato de estabelecer uma imagem pública e institucional foi o que conferiu valor social para esse gênero de representação”.35

É possível encontrar em algumas pastas36 informações sobre datas de inauguração dos retratos. O professor Carlos Chiacchio faleceu em 1947 e em sua pasta consta um documento da Conferência realizada no Salão Nobre da Reitoria por ocasião da inauguração de seu retrato, no dia 28 de outubro de 1948. Leda Jesuíno37 fez a conferência de inauguração e definiu o que se pretendia com a colocação do retrato: “Esses aqui estão, lamentando tão cedo tivesse findado a curva biológica, e por isso mesmo desejando materializar vossa presença.”38

Assim, refletimos sobre como uma fonte visual, que integra os quadros da cultura material de uma universidade baiana, pode se transformar em informação sobre o passado

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e elemento a partir do qual signos possam ser identificados, tornando inteligíveis caracteres desta sociedade na qual o retrato era uma arte distintiva. A recepção, elemento que não pode ser desconsiderado em suas diversas formas possíveis, entra em jogo atrelada a um dos objetivos da produção material-imagética: a criação de locais de memória, nos quais os mais proeminentes intelectuais – ainda que seja difícil a distinção dos selecionados a serem retratados – seriam relembrados por suas ações/produções, pelo seu pertencimento ao grupo específico de homens de saber que fizeram parte do universo de professores da Faculdade de Filosofia da Bahia. Estes locais, além de invocar a identidade local, evocariam “os tempos pretéritos consolidando a memória institucional”.39 Desta forma, a Faculdade sacramentava sua temporalidade na condição de espaço cultural através da lembrança.40

Há alguns traços nos quadros que podem ajudar a comprovar isso, como por exemplo, as roupas que trajam os retratados. Elas obedecem a uma linearidade e os docentes portam suas becas que servem para distingui-los de outros que não fazem parte desta coletividade específica. Na condição de retratados, os professores são a representação do corpo docente da Faculdade de Filosofia da Bahia e, portanto, abandonam momentaneamente suas particularidades para se transformar em membros de uma corporação em nome da qual falam.41 Cabe, então, estabelecer os diversos propósitos que motivaram os realizadores do processo de confecção dos quadros dos professores da Faculdade de Filosofia da Bahia em suas múltiplas fases, diferenciando idealizadores e executores, tentando entender as ambivalências de seus anseios e a medida em que a idealização foi cumprida quando da execução das tarefas encomendadas. Mesmo que tenham acatado ordens diretas e restritas, os pintores sempre carregam doses variadas de subjetividade que marcam seu estilo, suas preferências e

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influências artísticas e o resultado, por mais pragmático que pareça, está impregnado pela mundividência do autor. Três pintores foram contratados para execução dos quadros. Emídio Magalhães Lima, Manoel Ignácio de Mendonça Filho e Oscar Caetano da Silva eram nomes expressivos da arte na Bahia. O primeiro, nome conhecido na Bahia por ser um retratista, recebia diversas encomendas e seu trabalho era voltado para os retratos. Autointitulava-se como pintor realista. Mendonça Filho não era um pintor de retratos, sua arte estava mais próxima do impressionismo, com linhas esvoaçantes, sem maiores detalhes. Oscar Caetano foi engenheiro e arquiteto, responsável por inúmeras construções civis em Salvador e no interior do estado. Interessante assinalar que os três eram componentes do quadro docente da Universidade da Bahia, o que estimula a formulação de uma pergunta: qual a relação entre artista e modelo? Esses pintores, que recebiam encomendas para fazer os retratos, faziam parte do mesmo ambiente universitário que seus retratados. Às vezes tinham a mesma formação – Oscar Caetano, desempenhando sua função de engenheiro e arquiteto, trabalhou em locais que professores da FFB trabalharam. A maior parte do conjunto arquitetônico e urbanístico da Estância Hidromineral de Cipó foi construída por ele, na década de 30.42 O professor Aristides Gomes foi prefeito da dessa mesma Estância, em 1938, o que indica, de alguma forma, a relação desses profissionais. Porém, não sabemos até que ponto essas relações favoreceram a contratação desses pintores. Não podemos afirmar que todos os retratos foram encomendados, apesar de ser uma prática da época, não dispomos de documentos e fontes que nos permitam afirmar essa hipótese. As obras dos três autores têm características próprias. Os retratos pintados por Emídio Magalhães carregam detalhes nas formas, nos traços dos rostos, nas linhas de expressão de cada retratado. O olhar nos retratos feitos por esse pintor tem uma expressão muito forte, cuidadosamente traçado.

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A pintura se aproxima muito da fotografia. Os retratos são sóbrios e minuciosos, características do realismo. Linearmente, a obra de Oscar Caetano se aproxima de Emídio Magalhães, porém com menos destaque nas expressões, nas linhas. As pinturas do professor Mendonça Filho não retratam as formas minuciosamente, os traços aparecem com pouca nitidez, característica do impressionismo, no qual as figuras não deveriam ter formas nítidas. O contraste das cores, sem traços definidos marca a obra desse pintor. Quanto ao modelo dos retratos, eles seguem o mesmo padrão. Ao que parece, a intenção era única: retratar o professor e expor esses quadros na Galeria de Mortos Ilustres, local disposto na Faculdade anteriormente. A referência a essa galeria encontramos na pasta do professor Manuel Peixoto, em um documento enviado à senhora Irene Baker, no qual a Faculdade a convidava para a inauguração do retrato do professor Peter Baker na referida Galeria, no dia 22 de abril de 1966. Características como a paisagem não podem ser analisadas, já que os retratistas pintavam os quadros a partir de retratos, e estes, geralmente, eram feitos num mesmo padrão, com um tom acinzentado ao fundo, não representando nenhum tipo de ambiente. Todos os docentes retratados estão de becas, com nuances de cor entre o azul marinho e o roxo, que era a cor original da beca e da Filosofia. Essa indumentária é um distintivo daquele grupo, podemos justificar essa afirmação comparando os retratos dos docentes como o de um único funcionário retratado, que está trajado de paletó e camisa branca. O professor Carlos Chiacchio foi retratado de perfil e não é possível observar seu olhar, os outros docentes nem sempre estão de frente, mas apenas um pouco de lado, o que permite perceber seus rostos e seus olhares. Para além do simbólico e das representações, as atuações intelectuais permeiam outros campos. As práxis podem ser políticas, culturais, educacionais ou artísticas. As sociabilidades estão presentes em diversos ambientes e instituições, bem como

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múltiplas inserções e vínculos. Traços da cultura material que, produzidos sob os auspícios de uma elite política num contexto antidemocrático e conservador por excelência, apontam os mecanismos utilizados por elementos destas elites que buscavam prestígio social através da atuação intelectual para sacramentar suas ações e preservar sua memória, num período em que o culto da personalidade era a tônica da atuação na vida política.

Considerações finais A partir da dinâmica de participação e inserção nos meios intelectuais, fossem eles acadêmicos ou não, percebemos que a atuação política era emblemática. Poder e legitimação estavam em constante diálogo, estabelecendo, assim, as vivências, as disputas e as atuações dentro de um mesmo grupo e de diversos espaços intelectuais. A essas práticas políticas acrescentamos as práticas intelectuais, responsáveis por criar redes de sociabilidades nem sempre homogêneas, mas com interesses específicos. O trânsito por instituições de saber na Bahia da primeira metade do século XX é característico da elite letrada local. Fazia parte da identidade intelectual e política. Uma atitude legitimava a outra, ao tempo em que esses personagens atuavam em um determinado espaço, estavam diretamente ligados a outros. Se a erudição era um diferencial desses grupos, esta era demonstrada nos jornais locais. Artigos, contos, poesias, crônicas e críticas estavam estampados nos impressos baianos diariamente. O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a Academia de Letras da Bahia e as faculdades de Medicina, Direito, Engenharia e Filosofia – posteriormente a Universidade da Bahia – eram nichos de debates, disputas, representação e legitimação de uma postura própria, intelectual, política e, principalmente, mantenedora do status quo, no qual o poder e o saber estavam muito bem definidos dentro daquela sociedade baiana.

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Notas e Referências* Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense e mestranda pela mesma Universidade sob orientação de Guilherme Pereira das Neves.

1 Sobre as transições políticas e os intelectuais ver PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Tradução: Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990.2 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, p. 3-23.3 Ver CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Temporã: o ensino superior da Colônia à Era de Vargas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/UFC, 1980.4 OLIVEIRA, Lúcia Lippi (coord.). Elite intelectual e debate político nos anos 30: uma bibliografia comentada. Brasília/Rio de Janeiro: INL/FGV, 1980, p. 52.5 PANDOLFI, Dulce Chaves (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 10.6 Ibidem.7 PÉCAUT, op. cit., p. 34.8 Ibidem.9 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1980, p. 19.10 GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 41-42.11 GOMES, op. cit., p. 42.12 TREBITSCH, Michel. “Avant-propos: la chapelle, le clan et le microcosme”. Le Cahiers de l’Institut d’ Histoire du temps présent. Paris: CNRS, nº 20, mars, 1992, p. 15-18.13 Ibidem, p. 17-20.14 SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: REMOND, René (org.). Por uma história política. Tradução: Dora Rocha. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV/UFRJ Editora, 1996, p. 250-255.15 GONTIJO, Rebeca. “História, cultura, política e sociabilidade intelectual”. In: SOIHET, Rachel, BICALHO, Maria Fernanda Baptista, GOUVÊA, Maria da Fátima Silva (orgs.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p. 277.16 SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000, p. 103.17 Ibidem.18 Essas publicações estavam previstas no próprio estatuto da UBa: “Art. 72º – A universidade publicará Arquivos, que serão constituidos de tantos volumes

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quantas as unidades universitárias e destinados á divulgação de trabalhos originais de natureza exclusivamente técnico-cientifica.” In: “Estatuto da Universidade da Bahia”. Arquivo Clemente Mariani, CMa mes ce 1947.05.2112, documento 38. FGV/CPDOC. Rio de Janeiro-RJ.19 TREBITSCH, op. cit., p. 20-21.20 CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1991, p. 15-20.21 BULST, Neithard. “Sobre o objeto e o método da prosopografia”. Revista Politéia: História e Sociedade. Vitória da Conquista: Edições UESB, v. 5, nº 1, 2005, p. 47. Para uma análise pormenorizada ver HEINZ, Flávio Madureira. Por outra história das elites. Rio de Janeiro: FGV, 2006.22 EL FAR, Alessandra. A encenação da imortalidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 69.23 SILVA, Helenice Rodrigues de. “A história intelectual em questão.” In: LOPES, Marcos Antônio. Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 16.24 Ibidem.25 VERGER, Jacques. Homens e saber na Idade Média. Tradução: Carlota Boto. Bauru: Edusc, 1999, p. 17.26 Sobre a fundação da ALB, ver http://www.academiadeletrasdabahia.org.br/Pdf/Historia_ALB.pdf (Texto de Jorge Calmon). Sobre a Academia Brasílica dos Esquecidos, ver MORAES, Carlos Eduardo Mendes de. A Academia Brasílica dos Esquecidos e as práticas de escrita no Brasil Colonial. 1999. 271 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. Sobre a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, ver PESSOTI, Bruno Casseb. Ajuntar manuscritos, e convocar escritores: o discurso histórico institucional no setecentos luso-brasileiro. 2010. 282 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. Sobre a fundação da Escola Politécnica, ver http://www.eng.ufba.br/aescola.htm.27 SILVA, Aldo José Morais. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia: origens e estratégias de consolidação institucional (1894-1930). 2006. 250 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006, p. 15-16.28 SIRINELLI, in RÉMOND, op. cit., p. 248.29 Nobre apud VELLOSO, Mônica Pimenta. “Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual”. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela de Castro. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 105 (nota 18).30 Para uma biografia de Luiz Viana Filho ver FONSECA, João Justiniano da. A

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vida de Luiz Viana Filho. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005.31 “Thales de Azevedo: desaparece o último dos pioneiros dos antropólogos brasileiros de formação médica”. Entrevista de Thales de Azevedo a Marcos Chor Maio. Revista Manguinhos. Rio de Janeiro: Casa de Osvaldo Cruz/Fiocruz, v. 3, n. 1, mar./jun. 1996, p. 146 (grifos nossos).32 Correspondência entre Anísio Teixeira e Godofredo Filho sobre assuntos de cunho pessoal. Bahia. Arquivo Anísio Teixeira. AT c 1928.05.17, c Correspondência, 17/05/1928, rolo 36 fot. 764, documento 4. FGV/CPDOC. Rio de Janeiro-RJ. (Mantivemos a grafia original).33 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório, propostas cautelares”. Revista Brasileira de História, vol.23, nº45, São Paulo, Julho, 2003, p. 11-36.34 EL FAR, op. cit., p. 93.35 SIMÕES FILHO, Afrânio Mário. Retratos baianos: memória e valor de culto na Primeira República (1889-1930). 2003. 187 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003, p. 8.36 Uma de nossas fontes são as pastas administrativas dos docentes que se encontram no Arquivo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/UFBA.37 Leda Jesuíno foi aluna da primeira turma de Filosofia da Faculdade da Bahia, formando-se em 1945, tornou-se, posteriormente, professora da FFB.38 Leda Jesusino. “Conferência realizada no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia por ocasião da inauguração do retrato do prof. Dr. Carlos Chiacchio no dia 28 de outubro de 1948”, p. 28. Pasta administrativa do Professor Carlos Chiacchio que se encontra no Arquivo da FFCH/UFBa. Este texto parece ser o original datilografado, mas esse mesmo texto foi publicado nos Arquivos da Universidade da Bahia – Faculdade de Filosofia. Salvador, vol. II, 1953, com o título “Chiacchio, o Mestre”.39 EL FAR, op. cit., p. 96.40 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. “Vendo passado: representação e escrita da história”. Anais do Museu Pau1ista, vol.15, nº2, São Paulo, Jul/Dez. 2007.41 EL FAR, op. cit., p. 102-103.42 Disponível em: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/Imprensa/reabilitacao-de-areas-urbanas-centrais/noticias-2008/marco/ipac-inicia-tombamento-de-conjunto-arquitetonico-urbanistico-de-cipo/. Acesso em abril de 2009.

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RESUMOS | ABSTRACTS

Criminosos, polícia e políticos em letras impressas: jornais cariocas, criminalidade na cidade do Rio de Janeiro e fraudes

eleitorais no início do século XX

Ana Vasconcelos Ottoni

Resumo: Este trabalho analisa como a imprensa carioca tratava a relação entre a expansão da criminalidade no Rio de Janeiro do início do século XX e o relacionamento dos criminosos e da polícia com os políticos, em meio às fraudes eleitorais da época. Investiga também como os jornais articulavam a discussão sobre tal relacionamento e a criminalidade com as suas posições em relação às candidaturas presidenciais de marechal Hermes da Fonseca e Rui Barbosa na campanha eleitoral de 1909 e 1910.

Palavras-chave: Imprensa, criminalidade no Rio de Janeiro, fraudes eleitorais

Abstract: This paper analyses how the local press dealed with the relation between the criminality expansion in the city of Rio de Janeiro of the XX century beginning and the relationships involving criminals and the police with politicians and electoral frauds of that time. It also investigates how the newspapers managed the discussion about such relationships and the criminality concerning their positions with respect to the presidential candidacy of marshal Hermes da Fonseca and Rui Barbosa in the 1909 and 1910 electoral campaign.

Keywords: Press, criminality in Rio de Janeiro, electoral frauds

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Resumos | Abstracts

A Restauração na Bahia: um estudo sobre as relações entre os poderes do centro e o poder local (1644-1645).

Érica Lopo

Resumo: A partir da reconstituição de um conflito que envolveu membros do poder eclesiástico, o ouvidor-geral Manuel Pereira Franco e o governador-geral Antônio Telles da Silva na capitania da Bahia (1644-1645), este trabalho tem como objetivo compreender como se davam as negociações entre os agentes do poder na capital do Brasil após a Restauração Portuguesa de 1640 pretende-se analisar as relações estabelecidas entre Coroa, governo-geral, justiça e poder local através da leitura de correspondências régias, regimentos e Consultas do Conselho Ultramarino

Palavras-Chave: Conflito, poder, negociação.

Abstract: From the reconstruction of a conflict involving ecclesiastical power, the general-ouvidor Manuel Pereira Franco and the general-governor Antônio Telles da Silva, in captaincy of Bahia (1644-1645), this work has the purpose to understand how negociation took place among the agents of Power in the capital of Brazil after the Portuguese Restauration in 1640. Through the reading of Royal mail, regiments and consults of the Ultramarino Council, this paper intends to analise the relationship among Crown, general-government, justice and local power.

Keywords: Conflict, power, negociation.

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Resumos | Abstracts

Cultura Política e Cidadania no Brasil (1986-2002): A construção de uma visão de mundo neoliberal.

Flávio Henrique Calheiros Casimiro

Resumo: O artigo discute o processo de redefinição do conceito de cidadania no Brasil, de 1986 a 2002. Essa cultura, fundada na forte valorização da imagem e do consumo encontra no neoliberalismo seu embasamento teórico e veículo ideológico fundamental. Entendemos que o pensamento liberal conseguiu impor determinados significados ao termo “modernização” por oposição ao que qualificam como “atraso”, por meio de um processo de ressignificação do passado, condicionando a própria percepção do presente pelos diferentes grupos sociais.

Palavras-chave: Cultura política, cidadania e neoliberalismo.

Abstract: The paper discusses the process of redefinition of the concept of citizenship in Brazil, from 1986 to 2002. That culture based on the strength valorization of the image and consume finds in the neoliberalism its theoretical basement and its fundamental ideological medium. We understand that the liberal thought achieved to impose determined meanings to the “modernization” term by the opposition to what is qualified as “backwardness” by means of a re-signification process of the past, bringing the perception of the present by different social groups.

Keywords: Political culture, citizenship and neoliberalism.

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Resumos | Abstracts

Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro: espaço de tradição e de modernidade nas primeiras décadas do século XX .

Luciene Pereira Carris Cardoso

Resumo: O artigo aborda a atuação da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, ressaltando as suas relações com o governo republicano. A instituição criada no final dos Oitocentos empenhou-se na promoção de atividades acadêmicas e na publicação de obras voltadas para despertar sentimentos cívicos, que buscavam descortinar o país aos brasileiros.

Palavras-chave: história institucional – território – sociedade de geografia

Abstract: The article intends to approach the performance of the Society of Geography of Rio de Janeiro in the first decades of century XX, standing out its relations with the republican government. The institution created in the end of the Eight hundred, was pledged in the promotion of academic activities and the publication of directed workmanships to awake civic feelings, that they searched to disclose the country to the Brazilians.

Keywords: institucional history – territory – geographical society

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Resumos | Abstracts

O homem, o papel e a estrela: de como o exército revolucionário do povo escreveu aos argentinos.

Marina Maria de Lira Rocha

Resumo: Este trabalho pretende analisar as publicações do ERP argentino entre Junho de 1975 e o golpe militar de 1976. Anseia-se comparar discursos, críticas e estratégias de convencimento da opinião pública a partir de três publicações produzidas pelo grupo – El Combatiente, Solicitadas e Estrella Roja. Tentar perceber, assim, a elaboração, vinculada a sua posição ideológica, de argumentos comuns e disputados na época, referentes, principalmente, a violência, a subversão e a repressão.

Palavras-Chave: Argentina, Guerrilha, Subversão

Abstract: This paper aims to analyze the publications of the ERP Argentina between June 1975 and the military dictatorship of 1976. It’s anxious to compare speeches, critics and strategies to convince the public opinion based on three publications produced by the group - El Combatiente, Solicitadas and Estrella Roja. Therefore, find the development of the common arguments and disputes at the time, especially, referring of violence, subversion and repression.

Keywords: Argentina, Guerilla, Subversion

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136 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.4, Outubro de 2010

Resumos | Abstracts

A Ordem Beneditina e o Governo: Acordos e Conflitos na Corte Imperial.

Paulo Henrique Silva Pacheco

Resumo: O cotidiano das ordens religiosas no Brasil adquiriu um novo ritmo a partir do século XVIII. Ameaças externas abalaram as bases da crença católica, favorecendo a instituição de alguns acordos com o Governo Imperial, gerando esperanças e também descontentamentos. No caso dos beneditinos, principalmente a política de restrição dos monges nos claustros, propiciou uma crise no mosteiro do Rio de Janeiro no período oitocentista. Caberá analisar neste artigo as decisões tomadas pelos religiosos ante as medidas imperiais.

Palavras-chave: Congregação Beneditina, Crise monástica, Rio de Janeiro.

Abstract: The daily life of religious orders in Brazil has acquired a new pace from the 18th century. External threats have shaken the foundations of Catholic belief, favouring the imposition of some agreements with the imperial government, generating hopes and also discontent. In the Benedictine’s case, especially the policy of restriction of the monks in cloisters, at the beginning of a crisis in Rio de Janeiro monastery in the eighteenth century. This article shall be to examine the decisions taken by the religious before measures imperial.

Keywords: Benedictine Congregation, Crisis as monks, Rio de Janeiro.

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Resumos | Abstracts

Nas Sombras da Libertinagem - reflexões iniciais sobre a trajetória de Francisco de Mello Franco (1757-1822)

Rossana Agostinho Nunes

Resumo: O trabalho tem por objetivo lançar reflexões sobre a trajetória do luso-brasileiro Francisco de Mello Franco (1757-1822). Condenado pela Inquisição em 1779 e autor de obras anônimas (1785-1794), foi ainda membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, médico da Câmara Real e obteve graças régias. Deste modo, pretendo refletir sobre a tensão entre a repressão oficial e a conquista de mercês que marca a trajetória da personagem.

Palavras-chave: Francisco de Mello Franco. Libertino. Iluminismo Luso-Brasileiro.

Abstract: The paper aims to reflect about the trajectory of the Luso-Brazilian Francisco de Mello Franco (1757-1822). Condemned by Inquisition in 1779 and writer of anonymous books (1785-1794), was also member of the Royal Academy of Science of Lisbon, Royal physician and received Royal’s grace. Thus, the objective of this article is to reflect about the tension between the official repression and the conquest of graces which involve his trajectory.

Keywords: Francisco de Mello Franco. Libertine. Luso-Brazilian Enlightenment.

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Resumos | Abstracts

Práticas Políticas e Sociabilidade Intelectual na Bahia: 1940-1950.

Vanessa Magalhães da Silva

Resumo: A Faculdade de Filosofia da Bahia foi fundada por nomes da elite baiana. Alguns dos docentes foram membros da Academia de Letras da Bahia e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, formando, assim, redes de sociabilidades. Enquanto homens de saber, alguns exerceram cargos políticos, e é esse campo de atuação que pretendemos discutir neste artigo, analisando como esses intelectuais estavam envolvidos na política baiana, ao tempo em que atuavam como educadores e, por quais meios buscavam legitimar suas atuações.

Palavras-chave: Política; sociabilidade intelectual; Bahia século XX.

Abstract: The Faculdade de Filosofia da Bahia was founded by names of the Bahia elite. Some of the teachers were members of the Academia de Letras da Bahia and Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, thus forming a network of sociability. While men of knowledge, some occupied political positions, and it is this field of activity we want to discuss in this article, analyzing how these intellectuals were involved in the Bahia politics at the same time they working as educators, and the means they used to legitimize their actions.

Keywords: Politics; intellectual sociability; Bahia XX century.

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NORMAS EDITORIAIS

1. Só serão aceitos artigos de pós-graduandos e pós-graduados que tenham sido aceitos, apresentados e entregues de acordo com as regras estipuladas pela Semana de História Política da UERJ.

2. Será feita uma seleção entre os artigos enviados para a Semana de História Política, onde os contemplados terão seus textos publicados na Revista Dia-Logos. Os trabalhos serão apreciados por dois pareceristas, que poderão solicitar modificações nos artigos aceitos. Havendo disparidade nos pareceres, os artigos serão encaminhados a um terceiro parecerista. Será garantido o anonimato de autores e pareceristas no processo de avaliação dos artigos. O Conselho Editorial compromete a não enviar artigos de orientandos para orientadores e direcionar os artigos de acordo com a especialidade do parecerista.

3. Os trabalhos devem ser enviados em arquivo digital para o e-mail da Semana de História Política divulgado no endereço eletrônico www.semanahistoriauerj.net, no qual deve conter título do trabalho, nome completo do autor, títulação, vínculo institucional, identificação do orientador (a), e-mail, telefone e endereço completo para correspondência. Também deve ser enviado duas cópias impressas empapel que não exibirão os dados de identificação do autor, para o endereço: Semana de História Política, Programa de Pós-Graduação em História/UERJ. Rua São Francisco Xavier, 524, 9º andar, bloco F, sala 9.037, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ, CEP: 20550-900.

4. Os artigos devem ter a extensão máxima de dez laudas, digitados na fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e margens de 2,5cm. As notas devem ser colocadas, numeradas,

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140 Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.4, Outubro de 2010

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no final do texto. O arquivo deverá ser enviado no formato word. A revista não publica bibliografias.

5. Os artigos devem ser encaminhados de resumos (em português e inglês), com no máximo oitenta palavras e três palavras-chave (em português e em inglês). Caso a pesquisa tenha apoio financeiro de alguma instituição esta deverá ser mencionada.

6. As citações com mais de três linhas deverão respeitar tabulação a 3,5cm da margem esquerdas, corpo 10, espaço simples. As citações com menos de três linhas deverão estar incorporadas, com aspas, ao texto.

7. As notas devem ser colocadas no final do artigo, com a seguinte apresentação:

7.1. SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico. Tradução. Edição. Cidade: Editora, ano, p.

7.2. SOBRENOME, Nome. “Título do capítulo ou parte do livro”. In: Título do livro em itálico. Tradução. Edição. Cidade: Editora, ano, p.

7.3. SOBRENOME, Nome. “Título do artigo”. In: Título do periódico em itálico, cidade, vol. (fascículo, nº): 00-00, ano, p.

8. O número de artigos em cada edição será definido pelo Conselho Consultivo e pelo Conselho Editorial de acordo com a disponibilidade de verbas.

9. Os dados e conceitos emitidos nos artigos são de única e exclusiva responsabilidade dos autores. Os direitos autorais sobre os originais publicados são automaticamente cedidos à

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revista, ficando a mesma autorizada a republicá-la em diferentes mídias.

10. Cada autor receberá gratuitamente três exemplares do número da revista com o seu artigo.

11. Um mesmo autor não poderá publicar em duas edições consecutivas da revista.

12. Os autores serão notificados da aceitação dos artigos.

13. Serão desclassificados automaticamente aqueles artigos que não se adequarem às normas de publicação, incluindo os artigos cujos autores não se apresentaram na Semana de História Política (proponente de comunicação faltoso).

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Esta revista foi impressa pela Singular Digital em outubro de 2010.

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